Brasil, parceiro - Pesquisa Fapesp...2002/05/18  · ço público. Épreciso incentivar amudan-ça...

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avanço, do crescimento e do bem-estar futuro, mas da abertura de muitas ja- nelas do ponto de vista da sociedade. Por exemplo, em Brasília debateu-se a importância das Ciências da Saúde e Sociedade - que abre novas perspecti- vas para a sociedade, ou da sociedade da informação - que permitem redu- zir o tempo e o espaço, e que possibi- litam que regiões que não têm telefo- ne fixo possam ter telefone e Internet. São temas importantes do ponto de vista do avanço científico e econômi- co, com também do ponto de vista so- cial, do fortalecimento dos países e da democracia. • Uma das preocupações dos países da América Latina e Caribe é com a questão dofinanciamento para C&T. Qual a saí- da para ospaíses em desenvolvimento? - Como é um pouco cedo para ter conclusões, farei uma reflexão sobre o te- ma. No Conselho de Ministro da Indús- tria e de Pesquisa da União Européia, em Giron, que antecedeu o de Barcelona, esteve presente a presidência do Banco Europeu de Investimentos, porque eles também acham que deveriam focar seus recursos na Ciência, Tecnologia e Inova- ção. Eu creio que essa é uma disposição que começaremos a ver crescer entre or- ganismos, bancos e entidades financeiras dedicadas ao fomento. Hoje, o fomen- to, o desenvolvimento e a cooperação passam claramente pelo reforço desses elementos que tratamos na Declaração de Brasília. E esse será um elemento- chave na Cúpula de Chefes de Estado e Governo, em Madri, em maio. • E nessa questão do financiamento também a iniciativa privada pode co- laborar? - Está claro que muitas das empre- sas estão investindo na inovação e em pesquisa e desenvolvimento. Também está claro que todos os mercados não são iguais. Há elementos mínimos de adaptação. Interessa, por exemplo, que o desenvolvimento de conteúdos e o de- senvolvimento de aplicações nas uni- versidade próximas de onde estão ins- taladas as empresas sejam os mais altos possíveis, já que isso pode lhes garantir 18 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA maior competitividade no mercado. As empresas espanholas, por exemplo, vie- ram ao Brasil porque o mercado é im- portante e existe capacidade técnica e científica. Para a empresa, o entorno de- ve ser inovador. Convênios, a contrata- ção de pesquisa e desenvolvimento nas universidades ou a participação econô- mica direta no desenvolvimento do ca- pital de risco são vias que as empresas vêm utilizando para apoiar P&D. • Mas como criar condições para am- pliar os investimentos privados? - É preciso ter um ambiente fiscal fa- vorável. E o incentivo fiscal é uma boa saída, inclusive aquele que se denomi- na mecenato, que, no passado, fez muito pela cultura. Hoje é preciso fa- zer o mecenato científico. Às empre- sas interessa que ao redor de seu tra- balho, da sua zona de produção, existam as universidades, interessa um âmbito de informática, para que aportem dinheiro e que tenham van- tagens fiscais. • Há leis de incentivos fiscais para C&T na Europa? - Existe na Espanha e um pouco na Holanda e há alguns temas de mece- nato no Reino Unido. Brasil, parceiro estratégico Entrevista: Eric Goles Chacc* • Qual é, atualmente, o porcentual de investimento do Chile em C&T? - No Chile, em 1999, o aporte de re- cursos em C&T era de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIE). Hoje é de 0,7%. E o presidente, Ricardo Lagos, se compro- meteu a passar a 1,2% até 2006. E che- gar a 1,2% significa passar de US$ 500 milhões em 99 a US$ 1,3 bilhão em 2006. O crucial nesse contexto é fazer com que o setor privado e empresarial faça um aporte, que não seja só recursos públicos. Mas isso não é fácil. Boa parte do esfor- ço para chegar a 1,2% terá que ser, pelo menos nesta primeira etapa, um esfor- ço público. É preciso incentivar a mudan- ça cultural do setor privado. Sabemos que os países desenvolvidos têm uma parti- cipação de 50% a 60% de investimen- tos privados em C&T. No Chile, temos que olhar de outro ponto de vista. Pre- cisamos fazer com que nossos jovens adquiram um espírito empreendedor que os leve a criar empresas. O venture capi- tal no Chile está apenas começando. existe um organismo estatal que está fazendo isso e algumas outras institui- ções de capital de risco. Mas os jovens se formam e ainda procuram por traba- lho. Não se trata apenas de criar centros de excelência, precisamos também de um bom sistema de divulgação em todo o país, de uma grande quantidade de bol- sas de doutorado e mestrado, de proje- tos individuais concursáveis de ciência, de projetos globais e de apoiar a estru- tura acadêmica das universidades. Ou seja, temos que criar um mecanismo que contenha diversas ferramentas. E esse conjunto de ações tem que caminhar junto, senão qualquer investimento é di- nheiro jogado fora. • Qual a importância estratégica da cooperação científica e tecnológica para ospaíses latino-americanos? - O governo do Chile tem claro que é preciso reforçar nossa colaboração em âmbito científico e tecnológico regional. A América Latina é muito pouco res- ponsável pelo que se faz hoje em C&T no mundo. Participamos de poucas conver- sações nos diversos âmbitos e, sozinhos, nada conseguiremos. Precisamos nos unir, o que implica a necessidade de contatos bilaterais e multilaterais. Es- tamos nos associando a diversos paí- ses com objetivo de cooperação. Com o Brasil, o Chile tem múltiplos acordos, em particular com o Ministério da Ciên- cia e Tecnologia (MCT), mas também com a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec- nológico (CNPq). • Como está o andamento dos convê- nios com a FAPESP?

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  • avanço, do crescimento e do bem-estarfuturo, mas da abertura de muitas ja-nelas do ponto de vista da sociedade.Por exemplo, em Brasília debateu-se aimportância das Ciências da Saúde eSociedade - que abre novas perspecti-vas para a sociedade, ou da sociedadeda informação - que permitem redu-zir o tempo e o espaço, e que possibi-litam que regiões que não têm telefo-ne fixo possam ter telefone e Internet.São temas importantes do ponto devista do avanço científico e econômi-co, com também do ponto de vista so-cial, do fortalecimento dos países e dademocracia.

    • Uma das preocupações dos países daAmérica Latina e Caribe é com a questãodo financiamento para C&T. Qual a saí-da para os países em desenvolvimento?- Como é um pouco cedo para terconclusões, farei uma reflexão sobre o te-ma. No Conselho de Ministro da Indús-tria e de Pesquisa da União Européia, emGiron, que antecedeu o de Barcelona,esteve presente a presidência do BancoEuropeu de Investimentos, porque elestambém acham que deveriam focar seusrecursos na Ciência, Tecnologia e Inova-ção. Eu creio que essa é uma disposiçãoque começaremos a ver crescer entre or-ganismos, bancos e entidades financeirasdedicadas ao fomento. Hoje, o fomen-to, o desenvolvimento e a cooperaçãopassam claramente pelo reforço desseselementos que tratamos na Declaraçãode Brasília. E esse será um elemento-chave na Cúpula de Chefes de Estado eGoverno, em Madri, em maio.

    • E nessa questão do financiamentotambém a iniciativa privada pode co-laborar?- Está claro que muitas das empre-sas estão investindo na inovação e empesquisa e desenvolvimento. Tambémestá claro que todos os mercados nãosão iguais. Há elementos mínimos deadaptação. Interessa, por exemplo, queo desenvolvimento de conteúdos e o de-senvolvimento de aplicações nas uni-versidade próximas de onde estão ins-taladas as empresas sejam os mais altospossíveis, já que isso pode lhes garantir

    18 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

    • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

    maior competitividade no mercado. Asempresas espanholas, por exemplo, vie-ram ao Brasil porque o mercado é im-portante e existe capacidade técnica ecientífica. Para a empresa, o entorno de-ve ser inovador. Convênios, a contrata-ção de pesquisa e desenvolvimento nasuniversidades ou a participação econô-mica direta no desenvolvimento do ca-pital de risco são vias que as empresasvêm utilizando para apoiar P&D.

    • Mas como criar condições para am-pliar os investimentos privados?- É preciso ter um ambiente fiscal fa-vorável. E o incentivo fiscal é uma boasaída, inclusive aquele que se denomi-na mecenato, que, no passado, fezmuito pela cultura. Hoje é preciso fa-zer o mecenato científico. Às empre-sas interessa que ao redor de seu tra-balho, da sua zona de produção,existam as universidades, interessaum âmbito de informática, para queaportem dinheiro e que tenham van-tagens fiscais.

    • Há leis de incentivos fiscais para C&Tna Europa?- Existe na Espanha e um pouco naHolanda e há alguns temas de mece-nato no Reino Unido. •

    Brasil,•parceiro

    estratégicoEntrevista:Eric Goles Chacc*

    • Qual é, atualmente, o porcentual deinvestimento do Chile em C&T?- No Chile, em 1999, o aporte de re-cursos em C&T era de 0,6% do ProdutoInterno Bruto (PIE). Hoje é de 0,7%. Eo presidente, Ricardo Lagos, se compro-meteu a passar a 1,2% até 2006. E che-gar a 1,2% significa passar de US$ 500

    milhões em 99 a US$ 1,3 bilhão em 2006.O crucial nesse contexto é fazer com queo setor privado e empresarial faça umaporte, que não seja só recursos públicos.Mas isso não é fácil. Boa parte do esfor-ço para chegar a 1,2% terá que ser, pelomenos nesta primeira etapa, um esfor-ço público. Épreciso incentivar a mudan-ça cultural do setor privado. Sabemos queos países desenvolvidos têm uma parti-cipação de 50% a 60% de investimen-tos privados em C&T. No Chile, temosque olhar de outro ponto de vista. Pre-cisamos fazer com que nossos jovensadquiram um espírito empreendedor queos leve a criar empresas. O venture capi-tal no Chile está apenas começando. Jáexiste um organismo estatal que estáfazendo isso e algumas outras institui-ções de capital de risco. Mas os jovensse formam e ainda procuram por traba-lho. Não se trata apenas de criar centrosde excelência, precisamos também deum bom sistema de divulgação em todoo país, de uma grande quantidade de bol-sas de doutorado e mestrado, de proje-tos individuais concursáveis de ciência,de projetos globais e de apoiar a estru-tura acadêmica das universidades. Ouseja, temos que criar um mecanismoque contenha diversas ferramentas. E esseconjunto de ações tem que caminharjunto, senão qualquer investimento é di-nheiro jogado fora.

    • Qual a importância estratégica dacooperação científica e tecnológica paraos países latino-americanos?- O governo do Chile tem claro que épreciso reforçar nossa colaboração emâmbito científico e tecnológico regional.A América Latina é muito pouco res-ponsável pelo que se faz hoje em C&T nomundo. Participamos de poucas conver-sações nos diversos âmbitos e, sozinhos,nada conseguiremos. Precisamos nosunir, o que implica a necessidade decontatos bilaterais e multilaterais. Es-tamos nos associando a diversos paí-ses com objetivo de cooperação. Como Brasil, o Chile tem múltiplos acordos,em particular com o Ministério da Ciên-cia e Tecnologia (MCT), mas tambémcom a FAPESP e o Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq).

    • Como está o andamento dos convê-nios com a FAPESP?

  • terais. Temos capacidade para ter umprograma complementar ao nosso naEuropa ou naquelas áreas que estãonum nível superior. Temos que olharpara a Europa, não numa mirada de ir-mão mais novo, mas de igual a igual.Um exemplo está na astronomia. O céuchileno, por razões naturais, é o melhordo Hemisfério Sulpara a pesquisa astro-nômica. Os Estados Unidos compreen-deram isso, por meio da NationalScience Foundation. Gostaria que issofosse compreendido do mesmo modopelos países europeus. Podemos formarmais astrônomos e ganhar força naciência pura. A parte política está cum-prida. Precisamos, no entanto, desen-

    volver ferramentasespecíficas para essanova modalidade derelação. Mas tenho aimpressão de que aUnião Européia ain-da não está madurapara a idéia de quetambém para eles éimportante a coope-ração com a Améri-ca Latina.

    - Os convênios com a FAPESP sãoamplos. Estamos em conversação para,de algum modo, complementar nossasiniciativasna área de genômica. No Chi-le, há seis ou sete meses, criamos umprograma neste setor, o Genoma Chile,por meio do qual estamos seqüencian-do bactérias biolixiviantes que ajudamna produção de um cobre mais limpo emais econômico. Também estamos fa-zendo genômica vegetal. Há uma sériede vírus que teremos que estudar. Outroponto importante: o Chile é um grandeexportador de frutas, de modo que essetipo de investigação é muito importan-te. Investimos na biologia e na genômi-ca para obter melhorias na produçãode frutas e alimentos e garantir maiorcompetitividade no mercado externo.Também estamos muito perto de ser omaior produtor mundial de salmão.Porém, surgiram doenças próprias denossos salmões. Já seqüenciamos o genede uma das bactérias que atacam a pro-dução. Temos conhecimento que, para-lelamente, os grupos ligados à FAPESPestão fazendo anotação de muitos orga-nismos e acumulando mais experiênciasem genômica. Além disso, esse gruposutilizam laboratórios bem equipados eaparelhados com os quais poderemosnos associar. Com o Brasil, e em parti-cular com São Paulo e a FAPESP,pode-remos ter uma aventura muito interes-sante. No caso do cobre, por exemplo, oempreendimento poderia ter a formade um consórcio do qual participariamcientistas, organismos do Estado e em-presas ligadas ao setor de cobre. Gosta-ríamos de chegar a algo muito concre-to em termos de colaboração na área debioinformática ainda neste ano.

    • O ministro Ronaldo Sardenberg este-ve recentemente no Chile, junto com opresidente Fernando Henrique Cardoso.Foram assinados alguns acordos?- Foram discutidas algumas parcerias.Assinamos um memorando de enten-dimento entre Brasil e Chile, em Arica,que dá um novo sinal político de inte-gração entre os dois países. O Chile, porexemplo,vai começar a participar da Pla-taforma Lattes, do Conselho Nacionalde DesenvolvimentoCientíficoeTecnoló-gico, e adotá-Ia no nosso sistema nacio-nal. Outra coisa muito importante éque, no Chile, apesar de o número debolsas de doutorados estar crescendo,

    • O Brasil é, portanto, um parceiro es-tratégico para o desenvolvimento daC&T no Chile?- Há pelo menos 25 anos mantemosacordos com o Brasil por meio do qualgrupos de cientistas e tecnólogos dosdois países têm colaborado em conjun-to. No Chile, como no Brasil, estamosinvestindo em Centros de Excelência.Játemos dez centrosque são núcleos depesquisadores numadisciplina específicaecom qualidade reco-nhecida por institui-çõescomo a NationalScience Foundation,etc. Estamos inves-tindo muito dinhei-ro para, em dez anos,convertê-los numareferência mundialem áreas como astro-nomia e astrofísica,matemáticas, biolo-gia celular, ecologia,oceanografia, biome-dicina e ciência dos-rnateriais. Cada uma Ações conjuntas para garantirdessas áreas está as- resultados nos investimentossociada a centros deformação de doutoramento. Queremoscriar uma rede de Centros de Excelên-cia onde a circulação de pesquisadoresseja fácil e necessitamos que esses cen-tros se articulem com organismos se-melhantes nos demais países da Amé-rica Latina, sobretudo com o Brasil.

    formamos 100 doutores por ano. Essenúmero precisa crescer. O Brasil, porexemplo, forma algo como 3 mil dou-tores por ano. É uma barbaridade. Onosso objetivo é facilitar a mobilidadede doutores entre Brasil e Chile. Preci-samos trabalhar nessa direção.

    • Como o senhor avalia as propostas daAlcue contidas na Declaração de Brasília?- Há uma intenção política clara: que-remosevamosnos relacionarcom aUniãoEuropéia. Queremos que nos reconhe-çam como um espaço importante deciência e tecnologia. Além disso, tantoo Brasil como o Chile têm relações bi-laterais muito boas com países euro-peus. O Chile tem uma relação de pri-meira linha com a França em C&T.Queremos passar a ter relações multila-

    • Qual a sua expec-tativa em relação aosresultados da Confe-rência da Alcue e daspropostas da Decla-ração de Brasília?- Só vou me con-vencer do sucessodessa relação multi-

    lateral entre os dois blocos quando tiver-mos ferramentas específicaspara finan-ciar ciência e tecnologia. Esse processoque está sendo promovido pela Alcuepoderia ser um pouco mais rápido.Não é bom para o mundo que tenha-mos na América Latina muitos paísesem que a noção de fazerciência e tecno-logia é ainda incipiente. Hoje, educaçãoe conhecimento é uma variável crucialpara garantir a identidade de um país.Brasil, Chile e México compreenderamisso.Quisera que também a comunida-de européia compreendesse isso. •

    Presidente da Comissão Nacionalde Investigação Científica e Tecnológicado Chile (Conicyt)

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