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Fabio Gomes

BRASILEIRINHO Samba e Choro em Porto Alegre

2002-2006

Brasileirinho Produções 2007

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PREFÁCIO Informação. Na ponta dos dedos. Para quê mesmo? Vivemos dias de intensa

movimentação recebendo diariamente notícias sobre os acontecimentos de nossas cidades através do rádio, televisão, jornais, revistas e - mais recentemente - pela internet. A maior parte desta informação é instantânea e descartável, até mesmo porque normalmente não sabemos o que fazer com ela. Na área da cultura sofremos do mesmo mal: notícias de shows, oficinas, painéis, exposições, espetáculos, enfim...tudo o que está acontecendo aqui, no resto do estado, no país e no planeta. Mas para quê?

Nossa sociedade tende a privilegiar a velocidade da mídia e da notícia, características desta nossa “revolução da informação”, enquanto decreta a morte lenta e vagarosa do pensamento crítico, pois via de regra estamos muito ocupados nos informando sobre algo e a reflexão sobre acontecimentos cotidianos vai sendo postergada para um segundo momento que – no geral – não chega a acontecer. Isto faz com que a crítica de arte tenha se ausentado dos meios de informação, onde pouco ou quase nada circula de reflexão acerca dos eventos culturais que acontecem ao nosso redor. É o que o músico e professor do Curso de Música da Universidade Federal de Pelotas, Márcio de Souza, chama de “a cultura do release”.

Em 2002, quando da criação do site Brasileirinho, ganhamos um importante aliado no dia-a-dia dos abnegados fazedores de cultura. A importante tarefa de documentar, ouvir, escrever, refletir, enfim, criticar os acontecimentos do cotidiano musical da cidade encontrou um porto seguro no site, tendo na pessoa do seu organizador e fundador - o jornalista Fabio Gomes - um importante agente da cultura porto-alegrense. Através de artigos, entrevistas e dicas - entre outros escritos - Fabio cumpre o importante papel de crítico da cena musical da Porto Alegre dos últimos quatro anos.

Quando recebi o convite para escrever este prefácio solicitei-lhe o arquivo para ler. Uma formalidade, pensei, até porque li os artigos a medida em que foram sendo escritos e postados no site Brasileirinho. Fui surpreendido: descobri uma dimensão diferente, provavelmente decorrente da leitura seqüencial dos textos “escolhidos”, onde deparei com muitos nomes conhecidos que descortinaram um panorama rico da música em nossa cidade. Estes “escolhidos” têm ainda o mérito de – em bom número deles – dedicarem-se a uma vertente geralmente esquecida nos escaninhos: a música instrumental.

Sobre isso – música instrumental – conversávamos eu e Fabio Gomes, quando lhe indaguei: “O título do livro - Brasileirinho – Choro & Samba de Raiz em Porto Alegre (2002-2006) - não está limitando seu conteúdo?” Fiz esta pergunta baseado em minhas leituras do conteúdo do site, onde podemos encontrar diversos artistas “não-chorões” e “não-sambistas”, como Dante Santoro, Elis Regina, Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnattali, Nelson Coelho de Castro, Tom Zé, Geraldo Flach, Lô Borges, Vanessa da Mata, Wagner Tiso, Victor Biglione, entre outros tantos, e ainda matérias sobre o Festival de Porto Alegre, filmes, livros e poesias. Com toda esta pluralidade, porque o título traz em seu corpo limitações estilísticas (Choro & Samba de Raiz) e geográficas (Porto Alegre)? Pacientemente ele me esclareceu que a idéia era exatamente esta, traçar um panorama da cultura destes segmentos - normalmente de menor visibilidade – em nossa cidade, abrangendo o período entre os anos de 2002 e 2006. Grande sacada a dele, divirtam-se!

Moysés Lopes Músico

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APRESENTAÇÃO O lançamento do site Brasileirinho, em 17 de outubro de 2002, coincidiu com um

período de florescimento de grupos jovens de choro em Porto Alegre. Esses grupos tanto ocuparam espaços então existentes como deram origem a novas iniciativas de valorização do choro (a exemplo da série Na Roda do Choro) e também do samba de raiz (em especial a idéia de reproduzir aqui o clima do Samba da Vela através do Bebendo do Samba). Os jovens chorões porto-alegrenses também procuraram, sempre que tiveram oportunidade, estar em contato direto com seus mestres - tanto os locais (o melhor exemplo é, sem dúvida, Plauto Cruz), quanto do centro do país (como Izaías Bueno de Almeida) -, buscando ainda compartilhar com o público esses momentos mágicos de respeito e homenagem.

Nesses quatro anos, é certo, registraram-se perdas: não existem mais os projetos Na Roda do Choro, Chorinho na Godoy, Bebendo do Samba, Choro no Mercado e Noite do Brasileirinho; o Dia Nacional do Choro já não teve comemoração na capital em 2006; fecharam o Fellini Piano Bar, o Litterata e o Café dos Açorianos; Pedro Homero nos deixou; a Orquestra Unisinos foi desativada.

Mas é importante ver também o saldo positivo: começam a circular com desenvoltura pelo país, mantendo suas bases em Porto Alegre, artistas como Karine Cunha e a Camerata Brasileira (esta, inclusive, gravando em Recife seu segundo CD, Noves Fora); outros músicos, como Rafael Mallmith, Luís Barcelos e Ânderson Balbueno, optaram por mudar-se para o Rio de Janeiro, seguindo os passos de Yamandú Costa e Henry Lentino; e, talvez o mais importante, Luís Machado ministra desde 2004 Oficinas de Choro e Samba, garantindo a renovação da música brasileira em Porto Alegre através do estímulo aos novos talentos.

Boa parte dessa movimentação foi acompanhada diretamente por mim, em meu trabalho de Jornalismo Cultural veiculado através do Brasileirinho. Até aqui, esse material estava acessível apenas na internet. Sua edição em arquivo .pdf visa facilitar sua circulação e difusão. Incluí comentários, críticas, reportagens e entrevistas feitas com artistas daqui cujo trabalho valoriza a música brasileira, bem como matérias sobre ilustres visitantes que os influenciam ou com eles desenvolvem um trabalho conjunto. Alguns textos foram atualizados, mas no geral preferi deixá-los como foram veiculados originalmente no site (em especial as notas do informativo Mistura e Manda), para que o leitor possa acompanhar passo a passo a evolução de nossos talentos.

Agradeço a todos os artistas que fizeram os shows aqui comentados; às pessoas que, trabalhando diretamente com eles ou em instituições culturais, oportunizaram que tais apresentações acontecessem; a compositores, técnicos e instrumentistas; e a todos que de um ou outro modo colaboraram com informações e dicas.

Agradeço ainda, em especial, a autorização do músico Moysés Lopes para a inclusão de seus textos, relatando viagens da Camerata Brasileira que não tive como acompanhar.

O Autor

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PLAUTO CRUZ

PLAUTO CRUZ - O MAGO DA FLAUTA O CD O Mago da Flauta já estava gravado quando, no dia 30 de setembro de 2002,

aconteceu um fato lamentável: o flautista Plauto Cruz (73 anos a completar em 15 de novembro) foi atropelado por uma moto. O motoqueiro fugiu sem prestar socorro. Plauto ficou vários dias no hospital e permaneceu alguns meses com a perna esquerda engessada, circulando numa cadeira de rodas. O músico, que costumava ter uma agenda de apresentações cheia (apenas em uma semana de junho, ele chegou a tocar cinco noites seguidas), só voltou a tocar no espetáculo em sua homenagem no Theatro São Pedro, em 3 de novembro.

Mas falemos do CD. Em O Mago da Flauta, Plauto mostra-se um flautista habilidosíssimo, capaz de variações na interpretação que causam surpresa (agradável, diga-se de passagem). O fôlego exibido em “Aquarela” (Toquinho – Vinicius – Maurizio Fabrizio - Guido Morra) é espantoso, a flauta praticamente não pára a faixa inteira, enriquecendo a harmonia original com mil floreios. Plauto também exercita a alternância de andamento (começa lento, acelera, diminui, volta, sempre subindo o tom) com “Czardas” (Vittorio Monti), originalmente do repertório de concerto para violino solista. Isso para falar no seu lado de instrumentista. O lado compositor comparece com dois choros (“Ginga no Samba” e “Choro para Ana”). Além disso, há que destacar o lado arranjador. Este é, para dizer uma palavra só, ousado. Plauto escolheu um repertório que é, em maior ou menor grau, conhecido do público: “Amargo” (Lupicínio Rodrigues - Piratini), “Mercedita (S. Ríos)”, “Uno” (Mariano Mores – Enrique Santos Discépolo)... Como? Plauto não é um chorão? Como pode juntar toada, chamamé e tango no mesmo disco?

Calma, pessoal. Plauto É um chorão. Choro é, antes de mais nada (no sentido cronológico e de importância) uma forma de tocar. O tratamento dado por ele ao repertório é choro puro. A simples leitura do nome das músicas sugeriria uma seleção tipo “salada-de-frutas”. Mas é, com certeza, uma salada muito saborosa. Neste aspecto, o ponto alto do disco é “Uno”. O tango inicia lento, com a flauta acompanhada por violão e gaita. De repente, entram cavaquinho, pandeiro e bandolim... e o tango vira samba, até voltar o andamento anterior, com gaita e flauta. Arremata-se a faixa com o clássico “plam-plam” que encerra qualquer tango que se preze – e o “plam-plam” é feito na flauta, e não na gaita!

Outro grande momento do arranjador é na introdução criada para “Amargo” (Lupicínio Rodrigues - Piratini), na qual o pontear do violão e a flauta, bem integrados, lembram o galope apressado do amigo chegando a cavalo. Um arranjo citado com orgulho pelo próprio Plauto é o de “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso). A propósito, uma historinha: conta David Nasser (no livro Parceiro da Glória, José Olympio, 1983) que quem lançaria este samba seria Aracy de Almeida, mas o diretor da gravadora Victor, Mr. Evans, não aceitou a exigência de Ary de usar orquestra e escalou um regional para acompanhá-la. Ary e Aracy recusaram, e quem se deu bem foram Francisco Alves... e a Odeon, que encarregou Radamés Gnattali de reger a gravação. Quem garante que Mr. Evans não previu que o samba renderia um arranjo como este? Flauta e violão fazem a introdução, quase atonal. Em seguida, comparecem pandeiro, bandolim, cavaquinho e tamborim, fazendo um samba maravilhoso, que progride para um solo de violão cheio de improvisos. Sim, solo de violão. Plauto demonstra sua generosidade reservando alguns dos

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bons momentos do disco para seus amigos instrumentistas (não creditados). Também em “Choro para Ana” há um solo de outro instrumento, o bandolim. Esta composição tem um caráter nostálgico. Na introdução, Plauto lembra de leve o jeito de tocar do gaúcho radicado no Rio de Janeiro Dante Santoro (1904-1969). A gravação tem um clima das que Jacob do Bandolim fazia com o Regional do Canhoto nos anos 50. Já em “Ginga no Samba”, Plauto reservou para si a melhor parte. Num choro bem alegre, o regional mantém-se firme em uma base para os vôos da flauta, com um fraseado muito colorido. A melodia lembra um pouco Toquinho.

Nada é óbvio em O Mago da Flauta. Duas composições do cineasta Charles Chaplin, “Luzes da Ribalta” e “Sorrir” (Chaplin – John Turner – Geoffrey Rarsons), compõem um dos três pot-pourris do disco. “Luzes...”, originalmente uma canção, é puxada para valsa na execução da flauta com dois violões. Ao passar para “Sorrir”, um tantã entra em cena e o andamento passa a ser de bolero, mas um bolero alegre, “pra cima”.

Mais exemplos: em duas faixas, “O Cio da Terra” (Milton Nascimento – Chico Buarque) e “Mercedita” (S. Ríos), sua flauta tem ares andinos. Já “La Barca”/“Reloj” (Roberto Cantoral) começa com um belo uníssono de flauta e gaita e encerra com o violão fazendo o tic-tac do relógio. Genial.

***

HOMENAGEM A PLAUTO CRUZ O Clube do Choro de Porto Alegre está no palco do Theatro São Pedro. O grupo

inicia uma música e pára em seguida. Todos se olham. O violonista Ênio reclama de algum problema no som. Novo início, nova parada. Algo não estaria bem. O músico Henrique Mann, apresentador do espetáculo, preocupado, volta ao palco. Em seguida, tudo se esclarece: o problema no som era a ausência do flautista Plauto Cruz, que então é conduzido ao palco em uma cadeira de rodas. Emocionado, o público que lotava o TSP aplaude de pé por alguns minutos.

Já na fila as pessoas se perguntavam se Plauto estaria no espetáculo feito em sua homenagem no dia 3 de novembro de 2002, visando a arrecadação de recursos destinados ao tratamento do músico, que sofreu um acidente há pouco tempo. Pois ele estava e tocou quase uma hora!

Plauto demonstrou muita alegria em poder estar no seu lugar novamente – o palco. Seu fraseado na flauta e seu fôlego estão idênticos. Ele iniciou sua participação com uma música de sua autoria, seguindo com seu arranjo para “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro). Após “Vou Vivendo” (Pixinguinha) (no qual sua interpretação chegou a lembrar Benedito Lacerda), o homenageado convocou Mann para acompanhá-lo ao violão (emprestado por Sampaio do Clube do Choro) em “Berimbau” (Baden Powell – Vinicius de Moraes). Violão devolvido, Plauto e o regional tocaram “Brasileirinho” (Waldir Azevedo). O flautista destacou a alegria de poder estar com todos os amigos, muito satisfeito e feliz. Um rapaz da platéia gritou: “O senhor merece!” Plauto, emocionado, chorou. Em seguida, lágrimas enxugadas, agradeceu o atendimento recebido no Hospital São Lucas da PUC, elogiando desde a dedicação dos profissionais até a limpeza – e novamente lhe vieram as lágrimas.

A propósito do hospital, Plauto executou em primeira audição sua valsa “Ao São Lucas”, que prometeu incluir no próximo disco que gravar. Depois do clássico “Flor Amorosa” (Calado), o homenageado mencionou que tocaria “só mais uma”, mas um senhor

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pediu “Brejeiro” (Ernesto Nazareth) e Plauto não se fez de rogado, mandando ver com o Clube do Choro.

Num momento de grande emoção, o músico, comovidíssimo, pediu a Deus que nos acompanhasse e manifestou seu desejo de tocar para os amigos até seus últimos dias de vida. Para encerrar, Plauto escolheu “Sempre no Meu Coração” (Ernesto Lecuona – Kim Gannon). A esta altura, Mann retornou ao palco, preocupado porque o flautista estava tocando havia mais de 45 minutos. Ficou acertado então que Plauto tocaria quanto tempo quisesse, mas não haveria bis – até porque já se falava nos bastidores em realizar outro show.

Pelo sim, pelo não, Plauto desta vez fez mesmo só mais uma: sua versão de “Amigos para Sempre” (ou seja, “Friends for Life”, de Andrew Lloyd Webber e Don Black), que começa lenta e depois vira samba. Novamente o público aplaude de pé, mas compreensivelmente não pediu “Mais um! Mais um!”.

Na primeira parte do show, o destaque foi a dupla Humberto Gessinger (dos Engenheiros do Havaí) no violão e Renato Borghetti na gaita-ponto apresentando o novo arranjo xote-balada para “Toda Forma de Poder” (Humberto Gessinger). Uma surpresa foi o número executado pela dupla Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, uma canção em espanhol, incluída na temporada latino-americana de Tangos e Tragédias. A abertura ficou a cargo do trio de Frank Solari (ele na guitarra, Roger Solari no baixo e Kiko Freitas à bateria), com um choro elétrico. Também se apresentaram Jazz 6, Luís Carlos Borges & Marcello Caminha, Neto Fagundes & Ernesto Fagundes, Bebeto Alves, Elton Saldanha e Nenhum de Nós.

O espetáculo já vinha sendo articulado há algumas semanas, com muitos artistas querendo se apresentar e homenagear Plauto, combinando-se então que cada um faria apenas uma música, exceção feita ao Clube do Choro. Logo, já de saída os organizadores perceberam que seria necessária grande movimentação de bastidores (troca de músicos, afinação, ajustes) e haveria intervalos, por vezes longos, a cada apresentação. A solução adotada foi muito habilidosa: Henrique Mann, presidente da Agadisc (Associação Gaúcha do Disco Independente), faria a apresentação do evento, vindo à boca de cena enquanto no palco, atrás da cortina, os ajustes eram feitos. Em suas intervenções, Mann buscou conscientizar os músicos quanto à criação de um fundo de previdência para a categoria, citando o exemplo do próprio Plauto, que toca há 58 anos e não tem aposentadoria. Os órgãos de classe, como a Ordem dos Músicos, apenas fiscalizam o exercício da profissão. Já o ECAD não quis abrir mão de 10% da bilheteria, mesmo sabendo o destino da renda e a situação do homenageado. Segundo Mann, o ECAD se orgulha de não liberar direitos nem para o Hospital do Câncer Infantil! Mann mencionou ainda que todos os artistas que se apresentaram assinaram a liberação das músicas, visando não pagar nada ao ECAD. O público aplaudiu em peso.

*** Mistura e Manda nº 1 (9/6/2003) PENSÃO PARA PLAUTO

O músico Henrique Mann lamentava que o flautista Plauto Cruz não tivesse uma

aposentadoria, durante o espetáculo que marcou sua volta aos palcos. O fato era espantoso, afinal ele toca profissionalmente há quase 60 anos! Felizmente, no dia 4 de junho, os

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vereadores de Porto Alegre aprovaram a concessão de uma pensão vitalícia de 2 salários mínimos para Plauto.

***

ENCONTRABANDA COM PLAUTO CRUZ O encontro da Banda Municipal de Porto Alegre com o flautista Plauto Cruz, atração

do Teatro Renascença (Porto Alegre) na noite de 18 de julho de 2006, iniciou em clima de big band. Realmente lembravam muito o som do auge do jazz dixieland as interpretações da "Abertura Açorianos", de autoria do regente da Banda, Marcelo Nadruz, e a excelente "Seqüência de Sambas nº 4" (reunindo "Ai que Saudades da Amélia" e "Atire a Primeira Pedra", ambas de Ataulfo Alves e Mário Lago, "Leva Meu Samba", de Ataulfo, e "A Voz do Morro", de Zé Kéti). Dali por diante, alternaram-se momentos em que a atmosfera predominante ora era de mambo, ora era de maxixe. Este deu deu o tom do surpreendente arranjo de Nadruz para "Solfeggietto" (Philip Emanuel Bach), enquanto o antigo ritmo caribenho, além de ser o esperado em "Novo Mambo" (Manoel Ferreira), foi ainda utilizado para a releitura de "Kid Cavaquinho" (João Bosco - Aldir Blanc), cuja primeira parte iniciava com um dueto fantástico entre o trompete de Jorge Alberto de Paula (mais conhecido fora da Banda como Jorginho do Trumpete) e a bateria de Juarez Ferreira. Até aqui, falo da parte em que a Banda se apresentou sozinha.

A participação de Plauto se iniciou com outro ritmo caribenho, na música de sua autoria "Viajando na Rumba". Nesta, a flauta do solista estava quase inaudível, um pouco prejudicada pelo arranjo, outro tanto pelo problema no som do seu microfone. Sem merecer a devida atenção, este aspecto técnico impediu o público de ouvir o convidado com a qualidade desejada: o som da flauta chegava à caixa de som com muito ruído, meio oco. (Infelizmente não é a primeira vez que isso acontece: no lançamento do segundo CD do Clube do Choro, em 23 de junho de 2005, durante boa parte da noite o microfone de Plauto esteve simplesmente desligado!!!)

Problemas técnicos à parte, foi de muita emoção a participação de Plauto no show. Tanto na hora do seu número solo (em que tocou divinamente "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro), quanto ao interpretar "Maremy", música dedicada a sua esposa, que falecera poucos dias antes (ao bisar esta composição, Plauto chorou). Plauto e a Banda dividiram ainda "Doce Maxixe" (olhaí!), "Disparada" (Geraldo Vandré - Théo) e "Maria Fumaça" (Kleiton - Kledir), da qual o flautista fez o arranjo original para a dupla pelotense cantar no festival da TV Tupi de 1979.

Nadruz comunicou ao público que, naquele mesmo dia, recebera a notícia de que a Banda irá gravar em breve seu primeiro CD, com participação de todos os músicos que têm participado da série Encontrabanda. Além da presença de Plauto já garantida neste projeto, o maestro fez menção de realizar novo concerto, dessa vez unicamente com obras de Plauto. Saudamos a idéia e fazemos votos de nessa próxima vez o som esteja melhor!

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NA RODA DO CHORO / BEBENDO DO SAMBA / OFICINAS & SHOWS COLETIVOS DE CHORO E SAMBA

NA RODA DO CHORO COMEÇA BEM Teve início na terça, 4 de novembro de 2002, a série Na Roda do Choro, que até 17 de

dezembro vai levar à Discoteca Pública Natho Henn da Casa de Cultura Mário Quintana os grupos Alma Brasileira e Reminiscências, além de convidados. Em torno de 60 a 70 pessoas (como o espetáculo é grátis, houve muita renovação do público o tempo todo) de idades bem variadas prestigiou a apresentação.

Os grupos estão de parabéns, primeiro, pela iniciativa. Em segundo lugar, por fugir à tentação de tocar um repertório “fácil” (ou seja, apenas choros já conhecidos do grande público, em versões parecidas com as dos discos). Em caso de peça conhecida, notava-se a preocupação de fazer um arranjo original, como toques de sino na abertura de “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo). Também “Bachianas Brasileiras nº 5” (o primeiro movimento) teve um arranjo interessante, com bom solo de bandolim. Que dizer, então, da levada flamenca de “Santa Morena” (Jacob do Bandolim)? Até aqui, falei do Alma Brasileira, mas o mesmo se aplica ao Reminiscências. Não é todo dia que os amantes do choro em Porto Alegre podem ouvir músicas de Anacleto de Medeiros e Geraldo Vespar. Mesmo quando se trata de compositor conhecido, as escolhas do Reminiscências privilegiam peças não “batidas”, como “Marilene” (Pixinguinha). As execuções dos dois grupos são muito boas. No Alma, o bandolim de Rafael (ex-Chorando Cedo) se destaca, enquanto no Reminiscências Tiago faz algo difícil de se encontrar hoje em dia: centro de cavaquinho, o que dá uma sonoridade bem característica ao grupo.

Os convidados do primeiro dia, acompanhados pelo Reminiscências, foram os flautistas Tito e João (este acompanhado ainda por Tiaraju no violão de 7 cordas e Jairo no cavaquinho). Uma característica curiosa do Reminiscências é que, ao acompanhar um convidado, este entra momentaneamente no lugar de alguém do grupo. Por exemplo, quando tocaram com Tito, o bandolinista retirou-se do palco, permanecendo um total de 4 músicos.

Então, já sabem: terças, às 19h, é a hora do choro na CCMQ. Esperemos que os percalços da estréia (zumbido constante na caixa de som e escolha de um local estranho para os músicos atuarem, quando eles poderiam ficar junto à platéia) sejam logo superados. E, óbvio: que o projeto não fique só nestas sete edições, possa prosseguir em 2003, 2004, 2005, 2006...

***

NA RODA DO CHORO CADA VEZ MELHOR

Os grupos Reminiscências e Alma Brasileira, no seu projeto Na Roda do Choro, cada

vez mais fogem do formato “show” para fazer mesmo uma roda. A apresentação de 26 de novembro de 2002 estava, como diz o ditado gaúcho, “loca de especial”. Quem começou a tocar foi o Reminiscências. Não demorava muito, um ou mais músicos eram substituídos, com exceção do violonista Luís Machado.

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O momento alto foi quando Rafael Ferrari (bandolim) e Luís Barcelos (cavaquinho), ambos do Alma Brasileira, acompanhados do pandeirista Sidnei, integraram-se ao Reminiscências (detalhe: Luís, no Alma, toca violão de 7 cordas. Mas vai muito bem nos dois instrumentos). Em meio a uma bela seqüência de choros compostos ou gravados por Jacob do Bandolim (“Bonicrates de Muleta”, de Biliano de Oliveira, foi muito bem executado), o grupo mandou ver no clássico “Odeon” (Ernesto Nazareth), apresentou “Minha Vida” (Rafael Ferrari) e simplesmente arrasou no “Um a Zero” (Pixinguinha). Rafael conseguiu a proeza de reproduzir, em seu bandolim, os floreios que Pixinguinha fazia no saxofone!

No repertório da noite, rolou ainda Waldir Azevedo (“Cinema Mudo”, parceria com Klécius Caldas, e “Moderado”), Fon-Fon (“Murmurando”) e Avendano Jr. (“Liberdade”), entre outros. Esse, realmente, é um mérito do projeto: a variedade de repertório. Os clássicos do choro aparecem, sim, mas sempre ao lado de músicas pouco ou nada conhecidas do grande público.

Esta foi a segunda vez em que o evento foi realizada na Sala Luís Cosme, no 4º andar da Casa de Cultura Mário Quintana. A mudança valoriza a iniciativa e mostra respeito com o público, o que é altamente positivo. Na estréia no novo local, no dia 19, o Alma Brasileira anunciou que estava com página na internet (www.almabrasileira.cjb.net). Ali se encontravam perfil dos músicos, algumas músicas para ouvir e uma relação de páginas sugeridas pelo conjunto, entre as quais o Brasileirinho (o primeiro link para o site que então recém completara um mês).

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NA RODA DO CHORO ARRANCA ELOGIOS DA PLATÉIA

Encerra 17 de dezembro a temporada 2002 do projeto Na Roda do Choro. É de se

lamentar que o público porto-alegrense ainda não tenha despertado para o ciclo de apresentações, que sempre reservam surpresas da melhor qualidade.

No dia 3 de dezembro, o Alma Brasileira mostrou duas composições de seus integrantes: “Deixa Assim” (Rafael Mallmith), no qual Rafael Ferrari imitou uma cuíca no bandolim, e “Hamiltando” (Rafael Ferrari – Luís Barcelos – Rafael Mallmith), uma homenagem ao bandolinista brasileiro Hamilton de Holanda, atualmente radicado na França. Além disso, o arranjo do Alma para “Bachianas Brasileiras nº 5 – Ária” (Heitor Villa-Lobos), que já destacamos, foi elogiado publicamente pelo flautista Tito, que estava na platéia. Tito afirmou que até ali considerava o melhor arranjo popular para esta música o feito por Radamés Gnattali para a gravação de Elizeth Cardoso em 1979, mas que o Alma o superou, numa execução de alta qualidade, que poderia ser aplaudida em qualquer lugar do mundo.

Luís Barcelos, violão de 7 do Alma, acompanhou o Grupo Reminiscências ao cavaquinho em “Choro Negro” (Paulinho da Viola) e “Implicante” (Jacob do Bandolim), este também com o percussionista Sidnei (ele não é apenas um pandeirista, toca caxeta, castanholas, sino...). Uma hora, Sidnei surpreendeu tocando agê com vassourinhas de bateria!

O cavaquinista Luís Arnaldo foi o convidado do Reminiscências, com uma boa seqüência de choros de Waldir Azevedo (“Pedacinhos do Céu”, “Delicado”, “Minhas Mãos, Meu Cavaquinho” e “Carioquinha”), além de Jacob (“Doce de Coco” e “Noites

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Cariocas”) e Pixinguinha (“Lamento”). Luís Arnaldo usou a primeira corda do cavaquinho afinada em “mi”, como o Henrique Cazes.

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LUÍS BARCELOS, DESTAQUE NA RODA DO CHORO

O jovem instrumentista Luís Barcelos destacou-se na penúltima edição de 2002 do

projeto Na Roda do Choro, no dia 10 de dezembro. É certo, foi uma noite que teve muitos convidados (já chegamos lá), mas creio que, no todo do espetáculo, ele discretamente fez a diferença, para usar uma expressão da moda.

No grupo que integra, o Alma Brasileira, Luís executou com segurança o violão de 7 cordas. Na parte que cabia ao Grupo Reminiscências, esteve presente quase todo o tempo, com seu instrumento de origem, o cavaquinho. Tudo bem, isso ele já tem feito nas últimas terças. Mas o grande momento de Luís foi como compositor, quando a Camerata executou seu choro “Sol e Lua”. A música inicia lenta, quase uma valsa, alegre com um “quê” de melancolia; o ritmo vai aumentando, a alegria domina a melodia, com a transição choro-samba-sambão. Após uma seqüência de compassos em oitavas nos violões, retomam-se os trechos “choro” e “samba”. Uma grande página musical!

O Alma também interpretou, de seu bandolinista Rafael Ferrari, “Minha Vida”, um choro cadenciado, cheio de breques, puxando para o samba, cujo estilo lembra um pouco o de Jacob do Bandolim.

Luís Machado, violão de 7 do Reminiscências, tocou ao lado de Luís Barcelos e, em algumas músicas, do pandeirista Soleno, acompanhando o pianista Giovani Porzio em composições de Ernesto Nazareth, Paulinho da Viola, Pedro Galdino e Chiquinha Gonzaga. Encerrada sua participação, Giovani não se conteve e foi novamente ao piano colaborar em “Doce de Coco” (Jacob do Bandolim), em que Machado e Soleno, ao lado de Tiago Braga (cavaquinho), acompanhavam o flautista Petrônio Marcus de Souza. Petrônio tocou ainda “Naquele Tempo” (Pixinguinha), numa interpretação que agradou bastante os presentes.

Encerrando a noite, o cavaquinista Luís Arnaldo mais uma vez se apresentou, desta feita acompanhando o violonista Tiago Piccoli em choros de João Pernambuco e Garoto – é deste o “Lamento no Morro”, que foi demoradamente aplaudido pela platéia.

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GRANDE ENCERRAMENTO DO PROJETO NA RODA DO CHORO 2002

O bandolinista Rafael Ferrari informa que, no dia 17 de dezembro de 2002, quando

do encerramento da primeira temporada do projeto Na Roda do Choro, reuniram-se 5 cavaquinhos, 2 bandolins, 2 violões de 7 cordas, 2 de 6 e 2 percussionistas, improvisando sobre “Noites Cariocas” (Jacob do Bandolim). O público esteve presente em grande número, “só não superando o da estréia”, segundo Rafael.

O Grupo Reminiscências acompanhou Sérgio do Bandolim e Anão do Cavaco. Luís Eduardo e Tiago Piccoli, ambos violonistas, tocaram de Villa-Lobos a Toquinho. Já o Alma Brasileira estreou a nova formação, com Rafael Mallmith assumindo o violão 7 cordas, permitindo que Luís Barcelos mostre todo seu virtuosismo no cavaquinho. Outra estréia na Camerata foi o movimento “Ernesto Nazareth” da “Suíte Retratos” (Radamés Gnattali).

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Também se fez presente o fenomenal Grupo Vou Vivendo (Chico Pedroso – cavaquinho, Guaraci Gomes – bandolim, Luiz Palmeira – violão 7 e Gilberto Gorga – pandeiro).

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INUSITADO NA RODA DO CHORO

Por essas coisas da vida, a estréia do novo formato da série (agora mensal, sempre na

primeira terça do mês) Na Roda do Choro, em 3 de junho de 2003, ficará marcada por dois incidentes curiosos. Um deles não era musical: a Camerata Alma Brasileira recém terminara de tocar seu primoroso arranjo para “Noites Cariocas” (Jacob do Bandolim), quando entrou na Sala Luís Cosme uma mulher reclamando em alto e bom som que o violonista Moysés Lopes a abandonara. Relatou que ligou para ele algumas vezes, deixara recado e ele não telefonara de volta. Agora, ela, que se apaixonara pelo choro, ficava em casa ouvindo discos e chorando (sério, o papinho da sujeita era esse aí mesmo!). Mas tudo bem, Moysés ficou de ligar e ela nos deixou continuar ouvindo a Camerata em paz.

O arranjo para “Noites Cariocas” é primoroso, em primeiro lugar, por fugir do óbvio – aquela tentação de tocar “igual ao disco” a que muitos músicos não resistem. Não é o caso da Camerata. O violão de 7 cordas introduz o tema. Num segundo momento, bandolim, cavaquinho e pandeiro entram, discretos. O violão de 6, mais discreto ainda. Todos então tocam forte, subindo e descendo alguns tons, preparando o terreno para um excelente diálogo entre bandolim e cavaquinho, improvisando até que se escute um toque forte do pandeiro. É o sinal para o soluçar do bandolim e o estrilo do cavaquinho, seguido por alternância entre todos tocando forte e paradinhas, marcadas pelo pandeiro. Após uma base feita pelo bandolim para improvisos do cavaquinho, eis que de repente aparece com força o violão de 6, firme na baixaria para que o bandolim conclua numa escala ascendente! Uau!

O grupo passou por algumas mudanças no início do ano: o pandeirista Ânderson Balbueno entrou no lugar do percussionista Sidnei, enquanto Luís Barcelos, que tocava violão de 7 cordas, e Rafael Mallmith, responsável até então pelo cavaquinho, trocaram de instrumentos. Esta segunda mudança foi excelente, pois era visível que Luís, um excelente cavaquinista, sentia-se um pouco preso no violão de 7. Já o ingresso de Ânderson acentuou a tendência do conjunto para o samba (afinal, não é por acaso que quatro dos cinco integrantes da Camerata fazem parte também do grupo Samba de Fato).

Pode não parecer, mas essas modificações levaram o grupo a reensaiar todo o seu repertório, e este processo trouxe mudanças nos arranjos – não há mais sino na introdução e no final de “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo), por exemplo. Os dois violões iniciam a música com arpejos lentos, seguidos da introdução do tema pelo cavaquinho. Sendo este empunhado por Luís Barcelos, é natural que o tema seja apresentado livremente, com repetições de acordes e improvisos. O pandeiro então convoca os outros instrumentos, que fazem a base para o solo do cavaquinho, que não pára, agora conversando com o violão de 7. Quando o cavaquinho passa a fazer trêmolos, os violões (Mallmith e Moysés) se destacam, para em seguida iniciar um trecho em que todos tocam forte, bem cadenciados. O pandeiro está excelente nesses compassos. O final é um trêmolo uníssono de cavaquinho e bandolim (Rafael Ferrari).

Um arranjo que mudou radicalmente foi o de “Um a Zero” (Pixinguinha). Se até 2002 a Camerata seguia a gravação original de Pixinguinha e Benedito Lacerda (1946), num

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estilo toque de bola, a inspiração para o atual arranjo só pode ter sido o Carrossel Holandês de 1974. A execução é acelerada, todos tocando forte. As tabelinhas entre bandolim e cavaquinho estão demais, e os violões estraçalham na baixaria. Por quatro vezes, durante a segunda parte, os músicos chegam a comemorar o gol!

As tabelinhas entre Ferrari e Barcelos dominam outros choros apresentados (“Cochichando”, de Pixinguinha; “Vê se Gostas”, de Waldir Azevedo e Otaviano Pitanga) ora com solo de um, ora de outro, geralmente com improvisos. Mas há momentos para brilhos individuais, como o belo solo de cavaco em “Beliscando” (Paulinho da Viola) e “Cadência” (Juventino Maia) e o destaque ao bandolim em “Gostosinho” (Jacob). O violão de 6 de Moysés cumpre bem a função de fazer a base, destacando-se aqui e ali num solo de primas em “Murmurando” (Fon-Fon) e “Há um Tom” (Hamilton de Holanda) – onde o violão de 7 e o cavaquinho dialogaram muito bem.

Constituíram uma agradável surpresa os acordes quadrados de Barcelos ao cavaquinho na abertura de “Benzinho” (Jacob), lembrando a forma com que o próprio Jacob tocou cavaco na gravação original de “Ai! Que Saudades da Amélia” (Ataulfo Alves – Mário Lago), com Ataulfo Alves e Sua Academia de Samba (1941). Em seguida, um solo de bandolim e arpejos do violão de 7 antecedem um momento de todos tocando forte, abrindo para solo de cavaco com trêmolos no bandolim. Finalizando “Benzinho”, dois diálogos: violão de 7 com bandolim e bandolim com cavaquinho.

Para o encerramento, o grupo reservara “Deixa Assim” (Rafael Mallmith). E, aqui, o segundo incidente curioso: o próprio autor da música, tocando violão de 7, errou a introdução! Em seguida, a habitual competência do grupo se fez sentir novamente, numa execução alternando paradinhas e momentos fortes, com o bandolim imitando cuíca.

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CAMERATA ALMA BRASILEIRA: ENTROSADA E INQUIETA

A Camerata Alma Brasileira procurou valorizar a prata da casa na edição de julho de

2003 da série Na Roda do Choro, no dia 1º, na Casa de Cultura Mário Quintana. O grande destaque da noite foram as composições de integrantes do próprio grupo: “Minha Vida” (Rafael Ferrari), “Deixa Assim” (Rafael Mallmith), “Sol e Lua” (Luís Barcelos) e “Hamiltando” (Rafael Ferrari - Luís Barcelos - Rafael Mallmith) - este, aliás, um curioso caso de choro com três autores. Dois autores em choro já é raro, o que dirá três! É mais uma prova do crescente entrosamento dos chorões.

Entrosados e inquietos: eles estão sempre mexendo nos arranjos. O “Um a Zero” (Pixinguinha) já não está mais no estilo carrossel holandês. Agora (ao menos nesse dia, de lá pra cá os cidadãos já podem ter mudado de novo!) o clássico inicia com um diálogo do bandolim de Ferrari com o violão de 7 de Mallmith. Os dois entram no tema, seguidos pelos outros. O pandeiro de Ânderson Balbueno marca forte cada breque, que assinala o aumento da intensidade de todos, enquanto Ferrari volta a fazer com o bandolim as voltinhas que Pixinguinha fazia no saxofone. Em seguida, Luís Barcelos sola no cavaquinho em alta velocidade, modulando para cima, depois do que ocorrem várias modulações para baixo, aceleradas e ralentandos. Ah, por algum motivo que desconheço, os músicos pararam de comemorar o gol.

Já ouvir “Noites Cariocas” (Jacob do Bandolim) com a Camerata é sempre um prazer renovado. Nesse dia, o grupo improvisou na terceira parte, com o violão de 7 fazendo uma

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base segura para o brilho do bandolim num tom altíssimo, fechando com uma modulação que lembra muito a gravação de Jacob e o Conjunto Época de Ouro no histórico LP Vibrações (1967).

O grupo a cada apresentação demonstra que está maduro para o primeiro CD – que, por sinal, está a caminho. Além dos números citados, foram tocados os choros “Vê se Gostas” (Waldir Azevedo - Otaviano Pitanga), “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo), “Cadência” (Juventino Maciel), e, de Jacob do Bandolim, “Benzinho” e “Santa Morena” (neste, Luís tocou com tanto entusiasmo que chegou a palhetar o tampo do cavaquinho!). Só ficou um gostinho de “quero mais” em relação a algumas músicas de Tom Jobim que rolaram antes do início “pra valer” da roda – além de “Luíza”, que já sabíamos que Moysés Lopes toca maravilhosamente em seu violão de 6, surpreendeu a leveza e a saltitância que Ferrari imprimiu ao “Samba de uma Nota Só” (Tom – Newton Mendonça). Fico esperando a inclusão deste clássico da bossa nova no repertório “oficial” do grupo.

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CHORANDO PARA ZERAR A FOME

O programa Fome Zero tem gerado uma série de eventos de apoio, incluindo o Usina

Mobilização e Arte, realizado na Usina do Gasômetro no dia 3 de agosto de 2003, envolvendo várias manifestações artísticas. Entre elas, uma roda de choro em que o grande destaque foi a estréia mundial (os antigos diriam “primeira audição”) do arranjo de Rafael Ferrari para “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro). O bandolinista da Camerata Alma Brasileira dedicou o arranjo a seu professor Luís Machado, do Grupo Reminiscências, presente na platéia.

Ferrari misturou procedimentos tradicionais e modernos de interpretação no “Carinhoso”. Chama a atenção o bom uso de escala em oitavas nos trêmolos dele ao bandolim e de Luís Barcelos ao cavaquinho, com boa cadência, quando a melodia modula (na parte “Ah, se tu soubesses...”) e, quase ao final, uma breve citação de “Rosa” (Pixinguinha). Ferrari teve ainda atuação destacada nos melhores momentos desta participação da Camerata: no “Um a Zero” (Pixinguinha)(em que o grupo esteve primoroso, com ótimos improvisos), imitou uma cuíca ao bandolim, bem no início; já em “Santa Morena” (Jacob do Bandolim)(com Olé! e tudo), esteve bem no solo de acordes quadrados, em que tocou bandolim como se fosse banjo – sem contar que seu choro “Minha Vida” também foi um dos pontos altos da tarde.

Na seqüência, o grupo Acordes e Cordas (ex-Vou Vivendo), formado por Luís Palmeira (violão de 7), Guaraci Gomes (bandolim), Chico Pedroso (cavaquinho) e Valtinho (pandeiro), veio comprovar a tese de que o choro, antes de ser um gênero de composição, é uma forma de tocar, executando desde choros mesmo (“Ingênuo”, com bom desempenho de Palmeira, e “Chorei”, ambos de Pixinguinha) até “O Lago dos Cisnes” (Piotr Ilich Tchaikovski)/“Ave Maria” (Charles Gounod) – a mesma “Ave Maria” que Jorge Aragão gravou, mas aqui com um arranjo mais tradicional. Também se destacou um arranjo para músicas de The Beatles (“Yesterday”/“Here, Where, Anywhere”/“Till There Was You”/“If I Feel”). Um momento muito divertido foi o pot-pourri nordestino (“Asa Branca” e “Qui nem Jiló”, ambas de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, e “Só Quero um Xodó”, de Dominguinhos e Anastácia), com Valtinho tocando triângulo e Palmeira fazendo o resfolego da sanfona no violão de 7. Chico Pedroso, recuperando-se de uma torção no

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joelho, destacou-se também, com seus choros “Cavaco Amigo” e “Choro pro Telinho”, além de fazer o que Guaraci denominou cavaco maluco no “Jura” (Sinhô) – música em que, ao mesmo tempo em que Pedroso realmente fez um solo bastante livre, o grupo utilizou-se da seqüência de acordes da gravação original de Mário Reis, em 1929.

A cantora Terezinha Dias e o violonista Fabrício apresentaram-se em seguida. Cantaram juntos “Prece ao Vento” (Gilvan Chaves), em que Fabrício também declamou alguns versos. Por sinal, o vento, que foi constante a tarde inteira, ficou mais intenso nessa hora (deve ter ficado sensibilizado com a homenagem). Fabrício soltou o vozeirão em “Balada Triste” (Dalton Vogeler - Esdras Silva), e mostrou, junto com a cantora, obras suas como “Levanta o Estandarte”. As duas peças que Terezinha interpretou do repertório de Carmen Miranda, “O Tic-Tac do Meu Coração” (Alcyr Pires Vermelho - Walfrido Silva) e “Camisa Listada” (Assis Valente), deixaram a desejar, sendo cantadas de forma muito acelerada e com problemas de afinação.

Para encerrar, compareceu o grupo Samba de Fato – para quem não sabe ainda, é a identidade secreta da Camerata Alma Brasileira, sem o violonista Moysés Lopes e com a inclusão da cantora Taíse Machado e dos percussionistas Edgar Araújo e Rodrigo Rocha, além de apresentar Ânderson Balbueno tocando outros instrumentos que não apenas o pandeiro. Aliás, os percussionistas também cantam no Samba de Fato: Ânderson dividiu os vocais com Taíse em “Não é Assim” (Paulinho da Viola) e Edgar, em “Alguém me Avisou” (Dona Ivone Lara – Délcio Carvalho). Basicamente, no Samba de Fato Ânderson toca tantã, Edgar surdo e Rodrigo pandeiro, mas em algumas músicas eles alternam: em “Acreditar” (Dona Ivone Lara – Délcio Carvalho), Edgar começou tocando pandeiro, depois voltando ao surdo. O ambiente aberto do terraço da Usina fazia com que o público não pudesse perceber todas essas sutilezas, até que Moysés Lopes se deu conta e ficou regendo os microfones.

O ponto alto da apresentação do Samba de Fato foram as músicas de Paulinho da Viola: um pot-pourri em que, além de “Não é Assim”, tocou-se “Coração Leviano”, “Argumento” e “Minha Viola”; e, mais pro final, o estupendo “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”, com todo o andamento de samba-enredo a que temos direito, com excelentes solos de Ferrari no bandolim (de novo!) e Luís Barcelos no cavaquinho (a dupla igualmente mandou bem em “Se Acaso Você Chegasse”, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins). Aliás, em boa parte do pot-pourri de Paulinho o cavaquinho foi Ferrari, pois Barcelos tinha se retirado do palco, mas reassumiu suas funções no “Não é Assim”. Depois do rio que passou, outro sambão, “O que é, o que é” (Gonzaguinha), encerrando com “Tristeza” (Niltinho – Haroldo Lobo).

A diretoria da Usina estima em 500 quilos o volume de alimentos arrecadados, destinados a crianças de até 6 anos com carência nutricional, moradoras da periferia de Porto Alegre.

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TIAGO PICCOLI NA RODA DO CHORO A edição de agosto de 2003 da série Na Roda do Choro, na terça, dia 5, contou com a

presença do violonista Tiago Piccoli na abertura. Ele apresentou peças do seu recital anterior, na Casa Coletânea, em junho, como o “Estudo nº 5” (Radamés Gnattali) e duas de Dilermando Reis, “Tempo de Criança” e “Uma Valsa e Dois Amores” (as duas de

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Dilermando, a meu ver, foram o ponto alto de sua participação nessa noite). Tiago aproveitou para estrear também outros dois números: “Sinal dos Tempos” (Garoto) e, de Radamés, o “Choro (3º movimento da Brasiliana nº 13)”. Choro é repertório bom.

Tiago demonstrou estar evoluindo como instrumentista, exibindo um desempenho mais seguro, reforçando as qualidades que já são do conhecimento de nossos leitores. Choro é estudo.

Na segunda parte, a Camerata Alma Brasileira apresentou-se com o repertório que vem exibindo em suas apresentações mais recentes, com ênfase para choros de seus integrantes. Choro é companheirismo.

O novo arranjo de Rafael Ferrari para “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro), estreado na Roda de Choro do Fome Zero, foi tocado pela primeira vez na Casa de Cultura, impressionando a platéia por sua equilibrada mistura de tradição e modernidade (Tiago classificou-o como “arranjo música contemporânea”). Choro é talento.

Aqui e ali, algumas surpresas, como a citação a “Isto Aqui o que É” (Ary Barroso) no início de “Um a Zero” (Pixinguinha), com o qual o bandolinista Ferrari quase desnorteia o grupo – em grande parte porque a citação era em outro tom. Choro é desafio.

Também chamou a atenção Luís Barcelos mexendo o ombro esquerdo ao compasso de “Minha Vida” (Rafael Ferrari), no melhor estilo Yamandú Costa. Choro é expressão corporal.

Já em “Santa Morena”, Ferrari iniciou com mais ênfase na melodia, numa interpretação mais sutil, que aos poucos evoluiu para a levada flamenca habitual, com “olé” e o bandolim tocado como banjo. Ferrari me assegurou que o arranjo é o mesmo. Choro é forma de tocar.

Para a edição de 2 de setembro, devem se apresentar, além da Camerata, o violonista Maurício Marques e os alunos de Rafael Mallmith. Choro é gente nova.

Após o espetáculo, os dois Rafaéis (Ferrari e Mallmith) ouviram um artesão tocando “Carinhoso” numa flauta doce de madeira, em plena Praça da Alfândega. Ferrari aprovou o flautista. O choro é livre.

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DIA NACIONAL DO SAMBA

Simplesmente fantástica foi a última apresentação da série Na Roda do Choro deste

ano, homenageando o Dia Nacional do Samba. O dia 2 de dezembro de 2003 já entrou para a História como a maior lotação que a Roda já registrou, com todas as poltronas ocupadas, gente sentada no chão, gente em pé, gente no corredor (a porta foi aberta em dado momento para permitir que mais pessoas pudessem apreciar), gente escorada no piano, gente, gente, gente. Foi a prova mais provada que, quando se faz um trabalho de qualidade e bem divulgado, o público corresponde.

A celebração iniciou com o Grupo Reminiscências (Luís Machado - violão de 6, Sérgio - bandolim, Luís Barcelos - cavaquinho e Soleno - pandeiro), que se destacou na interpretação de “Prantos” (Izaías Bueno de Almeida), com um bom solo compassado de bandolim, e o brilho de Barcelos nos acordes quadrados do solo de “Gingando no Choro” (Jorge Cardoso). Aos poucos, o grupo foi se modificando, com o ingresso de Rafael Mallmith (violão de 7), que fez uma excelente baixaria em “É do que Há” (Luís Americano), choro com modulações ascendentes maravilhosas. Na seqüência, Sérgio se

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retirou, com Barcelos assumindo o bandolim e Rafael Ferrari reforçando o time ao cavaquinho. Ouviu-se então “Sonho de um Bandolim” (Juventino Maciel), que iniciou com excelentes oitavas de Mallmith, com Barcelos fazendo belos trêmolos no bandolim. Barcelos e Ferrari fizeram um bom diálogo bandolim-cavaquinho no maxixe “Rasga” (Pixinguinha) - o vasto repertório de Luís Machado sempre reserva surpresas agradáveis como esta. Nova substituição, com Ânderson Balbueno assumindo o pandeiro com a saída de Soleno, para a execução de “Chutando o Balde”, choro que Luís Barcelos compôs há poucos dias, “numa linha tradicional”, segundo o próprio autor. O destaque neste choro fica para o solo do cavaquinho.

As valsas “Confidências” (Ernesto Nazareth) e “Valsa-Concerto” (Luperce Miranda) foram interpretadas apenas por Machado ao violão e Ferrari ao bandolim. Machado chegou a cumprimentar o parceiro pela execução da valsa de Nazareth, defendendo depois a importância do estudo para o músico:

- Saber ler é fundamental. Essa segunda parte da apresentação o pessoal nunca havia tocado junto, mas pôde fazer isso por ler partituras.

Em seguida, Machado chamou Luís Barcelos para que o público aplaudisse o mais jovem compositor de choro (16 anos!). Moysés Lopes aproveitou para agradecer a Machado a idéia de promover as Rodas de Choro, desde 2002.

A programação original previa que, após o Reminiscências, tocaria o Samba de Fato, mas no choro também vale o que não está escrito. Moysés, vendo “tanta gente bonita reunida” (em suas palavras), pediu licença para a Camerata Brasileira tocar duas músicas: “Santa Morena” (Jacob do Bandolim), com “Olé!” e tudo (a sugestão de levada flamenca do original foi tão desenvolvida que uma senhora da platéia julgou tratar-se de um chamamé) e a excelente “Czardas” (Vittorio Monti), que inicia com belo diálogo do violão de 6 com o bandolim, seguido de trêmolo do cavaquinho; batidas fortes do pandeiro chamam a conversa do bandolim com o cavaquinho; os violões voltam, num momento de calma do arranjo, até que o cavaquinho reintroduz o tema e todos seguem cadenciando até o final, conduzidos pelo bandolim. Uau!

O percussionista Ânderson, como forma de apresentação do Samba de Fato ao público presente (que ouvia num silêncio absoluto, quase sem respirar), disse que o grupo é formado por jovens que, em virtude de não ter acesso ao samba pelas rádios, dedica-se a pesquisá-lo, pois sua idéia é preservar o samba de raiz.

O grupo iniciou sua participação cantando uma música intitulada justamente “Samba de Fato” (Moacyr Luz - Paulo César Pinheiro). O grande momento dessa parte do espetáculo foi quando a vocalista Taíse Machado, sem microfone, sentou-se junto aos músicos para que todos cantassem “Novo Viver” (Magno - Maurílio), do Quinteto em Branco e Preto. A voz de Ânderson chegou a se destacar em alguns momentos.

Depois disso o samba esquentou, chegando a quebrar uma corda do bandolim de Ferrari, que precisou socorrer-se do instrumento de Sérgio para continuar.

O final foi sublime, com um pot-pourri de sambas-enredo homenageando três das maiores escolas de samba do Rio de Janeiro: “Sempre Mangueira” (Nelson Cavaquinho - Geraldo Queiroz)/“Verde que te Quero Rosa” (Cartola - Dalmo Castelo)/“Vila Isabel” (Neli Miranda - Dunga)(emocionante!)/“Portela na Avenida” (Mauro Duarte - Paulo César Pinheiro). Quando se imaginava que nada poderia ser melhor, eis que Ânderson chama outros sambistas jovens, como Fábio Canalli, Dino, Fernandinho, e mais todos os integrantes dos grupos que haviam tocado, para, a 20 vozes (não contando as do público, né!) com acompanhamento de Ferrari ao bandolim, entoar “Aquarela Brasileira” (Silas de

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Oliveira). Coerente, afinal, quem duvida que essa apresentação fosse uma maravilha de cenário?

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NA RODA DO CHORO HOMENAGEIA ERNESTO NAZARETH A Sala Luís Cosme estava quase lotada na terça, 2 de março de 2004, em função do

início da temporada da série Na Roda do Choro. Fazendo a saudação inicial, o historiador Luiz Roberto Lopez exaltou o choro como “o equivalente popular brasileiro da ária de ópera”.

Em seguida, o Grupo Reminiscências abriu os trabalhos musicais, com Luís Machado ao violão, Sérgio no bandolim, Soleno no pandeiro e apresentando um novo cavaquinista, Maxwell, aluno de Luís Machado. O homenageado da noite foi Ernesto Nazareth, cujos 70 anos de falecimento foram completados em 4 de fevereiro. Dele, o Reminiscências tocou “Atlântico”, “Perigoso”, “Fidalga” (valsa, só com Machado e Sérgio) e “Odeon” (esta já com Luís Barcelos no lugar de Sérgio). Barcelos arrasou depois em “Tico-Tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), improvisando na repetição da segunda parte e fraseando no retorno à primeira; depois disso, sentiu-se à vontade para improvisar sobre a melodia toda.

A Camerata Brasileira encerrou a noite, apresentando, pela primeira vez na Roda, “Maxixado”, de Henry Lentino. Foi o número mais aplaudido e o único em que o percussionista Ânderson Balbueno empunhou o tamborim por alguns compassos, retomando o pandeiro em seguida. Do repertório que a Camerata já tem mostrado na CCMQ, e que estará no CD Deixa Assim, destaco “Czardas” (Vittorio Monti), no qual o grupo foi especialmente feliz nesse dia.

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Mistura e Manda nº 46 (26/4/2004) SAMBA GAÚCHO: NOTA TRISTE

O grupo Samba de Fato encerrou suas atividades. De acordo com o percussionista

Ânderson Balbueno, a decisão é definitiva. Uma pena, pois as poucas apresentações que vi do conjunto (principalmente a daquele memorável Dia Nacional do Samba) foram entusiasmantes. Mas, com certeza, as múltiplas atividades dos seus integrantes (quatro deles faziam parte também da Camerata Brasileira, além de a vocalista Taíse Machado cantar com o Grupo Reminiscências) acabaram contribuindo para este desfecho.

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Mistura e Manda nº 46 (26/4/2004) SAMBA GAÚCHO: NOTA ALEGRE

Mas não se preocupem: o mesmo Ânderson comunica que, a partir de maio, os

sambistas passarão a ter um novo ponto de encontro em Porto Alegre. O projeto Bebendo do Samba quer abrir espaço para novos compositores gaúchos, inspirado na iniciativa

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vitoriosa do Samba da Vela em São Paulo. A estréia do Bebendo do Samba acontece em 25 de maio na Casa de Cultura Mário Quintana.

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BEBENDO DO SAMBA: A ESTRÉIA

Cerca de setenta pessoas circularam pela Sala Luís Cosme em 25 de maio de 2004,

acompanhando a apresentação inaugural do projeto Bebendo do Samba. A semelhança do nome com o dos discos Bebadosamba e Bebadachama, de Paulinho da Viola, não é por acaso, afirma um dos coordenadores do evento, o percussionista Ânderson Balbueno (da Camerata Brasileira): a idéia é mesmo reproduzir aquele clima.

A idéia já tem seguramente mais de um ano. Lembro que em abril de 2003 o cavaquinista Fábio Canalli comentou comigo que propusera à sua escola de samba, a União da Vila do IAPI, um evento nos mesmos moldes - o Projeto Candeia. O tempo passou, a proposta mudou de nome, mas Candeia não pode reclamar: só nesta apresentação inaugural, foi homenageado com “Filosofia Brasileira” (Fábio Canalli - Ânderson Balbueno - Ilson Júnior) e citado, junto com Silas de Oliveira e Cartola, em “Herança Brasileira” (Adriano Martins “Dino” - Rodrigo Weber - Fernando Garcia “Fernandinho”). Silas apareceu ainda com “Apoteose ao Samba”, cantada quase no final.

Além de Paulinho e Candeia, a inspiração dos jovens sambistas passa pelo Samba da Vela, capitaneado em São Paulo por integrantes do Quinteto em Branco e Preto (inclusive a primeira música apresentada nesse dia foi “Riqueza do Brasil”, de Oswaldinho da Cuíca, Magno de Souza e Maurílio de Oliveira, faixa-título do primeiro CD do Quinteto), e pela Portela (o encerramento foi o samba-enredo “Portela na Avenida”, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro). Tantas referências a cariocas e paulistas levaram um dos espectadores a comentar que respeita muito os sambistas do centro do país, mas gostaria de ver mais sambas falando do Rio Grande do Sul e das escolas de Porto Alegre. Bem, talvez ele tenha chegado durante a apresentação (como disse no início, muita gente circulou pela sala, nem todos acompanharam tudo) e não tenha ouvido “Nossa Aclamação”, em que Ânderson Balbueno pede ao Brasil para acordar e ver o samba que se faz no Rio Grande, ou “Meu Samba é Assim” (Alexandre - Luiz Barcelos), que declara: “Meu samba é assim/ Não é Rio de Janeiro,/ Mas não perde no tempero”.

Junto às homenagens aos ídolos e ao Rio Grande, o tema dos sambas está bem dentro da tradição do gênero: conflito do boêmio com a família (a ótima “Perdoa Quem te Faz Feliz”, de Rafael Mallmith, Rafael Ferrari, Luiz Barcelos e Ânderson Balbueno, empolgou o público) e a valorização das coisas boas e simples da vida (“Muito Mais que Sonhador”, de Beto do Partido de Primeira). Beto estava presente e foi convidado pelos integrantes da roda a cantar seu samba para o público.

Pode ser também que o espectador citado acima, mesmo estando presente, não tenha conseguido entender a letra dos sambas, porque isso estava realmente difícil nas primeiras músicas apresentadas. A idéia do pessoal era cantar o tempo todo com o instrumental completo, mas a percussão estava cobrindo a harmonia e o canto. Não havendo microfones, a solução foi passar a música nas primeiras vezes apenas com voz e cordas (Rafael Mallmith - violão de 7, Maxwell - violão, Fábio Canalli e Luís Barcelos - cavaquinhos, Rafael Ferrari - bandolim, Ilson Júnior - banjo), entrando depois a cozinha (Ânderson - pandeiro, Fernandinho - tamborim, Dino e Rodrigo - repique, Edgar - repique com anel). A

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partir daí, a compreensão ficou sensivelmente melhor e a empolgação não sofreu maiores prejuízos. Para os futuros encontros, a idéia é distribuir a letra impressa ao público. Não é certo que se possa utilizar sonorização.

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Mistura e Manda nº 51 (31/5/2004) CHORO NO COFRE

Tudo bem que o choro seja um gênero dos mais preciosos, mas desta vez o Santander

Cultural não quis deixar dúvidas: colocou-o no cofre! Expliquemos: agora tem roda de choro no último sábado de cada mês no Café do Cofre, no Santander. Desta forma, o público poderá conhecer os alunos da Oficina de Choro que o violonista Luís Machado (do Grupo Reminiscências) vem ministrando desde o início do ano.

A estréia da roda, no sábado, 29, contou com Luís Barcelos (bandolim), Luís Henrique (violão), Fernando Garcia (cavaquinho) e Adriano Martins (pandeiro). Barcelos estava numa tarde inspirada, improvisando com categoria em “Naquele Tempo” e “Cochichando” (ambas de Pixinguinha) e em “Tico-Tico no Fubá” (Zequnha de Abreu) - nesta, ele nem chegou a fazer a segunda parte escrita por Zequinha, já começou a improvisar logo depois de apresentar o tema. Também foram boas as execuções de músicas de Jacob do Bandolim: “Vibrações” e “Doce de Coco” (esta, aliás, não foi boa: foi só excelente!).

Nesta primeira edição, os músicos tocaram sem equipamento de som, para testar a acústica do café. Acredito que já no próximo mês eles solicitem o equipamento, pois ele fez falta.

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EM TIME QUE TÁ GANHANDO NÃO SE MEXE

A segunda edição do projeto Bebendo do Samba lotou a Sala Luís Cosme na noite de

29 de junho de 2004. Houve algumas modificações no time de músicos: reforçaram a percussão Rodrigo

Lucena e Rodrigo “Cupim” (ex-Samba de Fato), este alternando pandeiro e repique com Dino. Rodrigo Weber tocou reco-reco e também trocou o repique com Dino em alguns momentos. Ainda na percussão, Edgar Araújo tocou cuíca e Ilson Júnior tamborim. Na harmonia, Rafael Mallmith continuou no violão de 7 e Luís Barcelos no cavaquinho. Comandando a festa, Ânderson Balbueno, com o reforço de Fábio Canalli e Fernandinho no vocal.

O que não mudou foi o repertório, basicamente o mesmo da primeira edição. O pessoal preferiu repetir os sambas em virtude de pouca gente ter conseguido ouvi-los no mês anterior. Desta vez, com a letra impressa e os músicos adotando o procedimento de repetir o samba 3 vezes só com a harmonia, entrando depois a percussão, a compreensão e mesmo o nível de participação do público já foram bem superiores.

A noite abriu com uma junção de sambas homenageando Vila Isabel, incluindo o clássico “Vila Isabel” (Neli Miranda - Dunga). E o samba já começou a toda - Barcelos até precisou trocar uma corda do cavaquinho, que quebrou durante esse número.

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Corda trocada, seguiram-se “Meu Samba é Assim”, “Filosofia Brasileira”, “Herança Brasileira” e “Nossa Aclamação” (o único a manter a levada de samba-enredo, que em maio era constante nas execuções). André Luís cantou seu samba “Pedras no Caminho”, juntando-se depois ao coral. A destacar nesta música o belo solo de palmas e os efeitos de Edgar na cuíca. O megasucesso de maio, “Perdoa Quem te Faz Feliz” (com excelente presença do cavaco de Barcelos) novamente empolgou a platéia. Beto do Partido de Primeira voltou a cantar “Muito Mais que Sonhador”.

Para o encerramento, uma junção em homenagem à dupla Bide-Marçal, com clássicos como “Fui Louco” (Bide - Noel Rosa). Nesta, Rodrigo Weber começou tocando pandeiro, passando-o durante o número para Ânderson.

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NOVOS GRUPOS NA RODA DO CHORO Luís Machado vem ministrando Oficinas de Choro no Santander Cultural desde o

verão. Alguns participantes destas oficinas já se apresentaram na roda que o Café do Cofre promove no último sábado do mês, mas era indispensável que eles viessem a tocar num ambiente em que as pessoas estivessem ali especificamente para ouvi-los. Esse momento chegou na noite de 6 de julho de 2004, em mais uma edição da série Na Roda do Choro na Sala Luís Cosme.

As formações que tocaram não são fixas, visam a dar oportunidade a que todos em algum momento solem ou acompanhem. Integrantes do Reminiscências e da Camerata Brasileira reforçaram alguns grupos. Foi assim já com o primeiro, que, ao lado dos oficinandos Rui (cavaquinho) e Marcelo (bandolim), teve Luís Barcelos (da Camerata) no violão de 7 e Soleno (do Reminiscências) no pandeiro. Curiosamente, o repertório era de autoria dos bandolinistas Izaías (“Prantos”) e Jacob (“Falta-me Você” e “Migalhas de Amor”), mas quem comandou as operações foi Rui no cavaco.

Soleno continuou no palco para acompanhar o segundo grupo, em que Maxwell (violão) e Elias (cavaquinho)(já conhecidos dos freqüentadores da Roda) fizeram a base para o flautista Matheus exibir um fôlego invejável em peças de Pixinguinha como “Cochichando” e “Vou Vivendo” - esta, uma interpretação digna dos melhores elogios.

O terceiro grupo mostrou ao público os talentos de Luís Henrique (que tocou na roda inaugural do Café do Cofre) ao violão, Calzari no bandolim e Rocha no cavaquinho. O pandeiro? Soleno, que chegou a fazer menção de sair mas foi chamado de volta. O quarteto tocou “Poético” (Juventino Maciel) e “Chorando com Wilson Maria” (Rossini Ferreira).

Soleno saiu aplaudido quando, enfim, o quarto grupo trouxe outro pandeirista: Dino. Este, junto a dois companheiros seus de Bebendo do Samba - o cavaquinista Fernandinho e o violonista Rafael Mallmith – formou o quarteto que acompanhou dois solistas de instrumentos de sopro, fato raro no choro gaúcho: Patrick (flauta) e Gabriel Fischer (clarinete). Os dois alternaram solos numa bela execução de “Chorando Baixinho” (Abel Ferreira), outro grande momento da noite. Gabriel saiu-se muito bem ainda em “Doce de Coco” (Jacob) e “Eu Quero é Sossego” (K-Ximbinho). A dupla de sopristas voltou a somar forças em “Choro Clássico” (Plauto Cruz) e “Proezas do Solon” (Pixinguinha). Para encerrar, voltaram ao palco Rui e... Soleno! Eles, ao lado de Mallmith e de Rafael Ferrari (bandolim), interpretaram “Labirinto” (Juventino Maciel) e uma versão inspirada de “Noites Cariocas” (Jacob), com muito improviso.

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ACABA O BEBENDO DO SAMBA A pouca presença de público na Sala Luís Cosme na noite de 28 de setembro de 2004

(provavelmente em função da chuva que caiu durante todo o dia em Porto Alegre) deu um toque melancólico a mais à quinta e última edição do projeto Bebendo do Samba.

Dois motivos foram citados para justificar o encerramento: o percussionista Ânderson Balbueno, um dos idealizadores, citou a falta de tempo - todos os participantes têm muitas atividades paralelas (como ele, que toca também na Camerata Brasileira e no Macambira); já o violonista Moysés Lopes (seu colega na Camerata) citou a falta de interesse dos compositores convidados a participar, acrescentando:

- Fico triste porque daqui a um mês vou ouvir: Pô, não tem nenhum projeto de samba em Porto Alegre. O músico não ocupou o lugar que poderia. O projeto foi morto por aqueles para os quais ele foi criado.

Era compreensível que os músicos demonstrassem um certo abatimento no início da apresentação. Posicionados Rafael Mallmith (violão 7), Luís Barcelos (cavaquinho), Rodrigo Weber (repique de mão), Dino (repique), Ânderson (pandeiro), mais Rodrigo Lucena e Fernandinho nas palmas, passou-se à apresentação dos melhores sambas da primeira edição: “Herança Brasileira”, “Filosofia Brasileira” e “Pedras no Caminho”. “Perdoa Quem te Faz Feliz” foi muito aplaudida. Já durante a execução de “Nossa Aclamação”, arrebentou uma corda do cavaco de Barcelos - o que já era uma tradição do projeto (aliás, ele já começou a tocar tendo um jogo completo de cordas a seu lado para qualquer emergência...). Outros sambas não foram incluídos em função dos próprios autores não lembrarem da letra toda, o que deve ser creditado ao clima de forte emoção.

Corda trocada, seguiu-se com os sambas lançados em julho: de André Luís, “Herança de um Bamba” (Lucena assumiu o pandeiro); na seqüência, “Você nem Quis Saber (Ingrata)” (Luís Barcelos - Rafael Ferrari - Edgar Araújo)(bom samba) e “Doce Encanto” (Barcelos - Ânderson). Nessa hora, chega Beto do Partido de Primeira, que é informado que o projeto encerrava naquele dia. Visivelmente decepcionado (todos estávamos), Beto cantou “Muito Mais que Sonhador” (definido pelo público como “totalmente excelente”). Nesse, Ânderson assumiu o repique e Dino o repique de mão; Weber reforçou as palmas, assim como Beto. O “Hino do Bebendo do Samba” (Ânderson - Ilson Júnior) teve como surpresa o apito de Weber ao final.

Para finalizar, Ânderson sugeriu uma roda de samba, com cada músico lembrando um clássico. A junção acabou sendo o grande momento da noite, com destaques como “Não Diga a Minha Residência” (Bide - Marçal), “O Sol Nascerá” (Cartola - Elton Medeiros), “Feitiço da Vila” (Vadico - Noel Rosa), “O Orvalho Vem Caindo” (Noel Rosa - Kid Pepe), “Força da Imaginação” (Dona Ivone Lara – Caetano Veloso) e outros, encerrando em alto estilo com “Aquarela Brasileira” (Silas de Oliveira).

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CHORO NO MERCADO

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Entre agosto e dezembro de 2004, o choro pôde ocupar um novo espaço em Porto Alegre: o Mercado Público Central. O projeto Choro no Mercado iniciou em 8 de setembro, em grande estilo: Plauto Cruz (flauta) e Paulo Pinheiro (piano) fizeram a abertura para o Clube do Choro de Porto Alegre.

Esta série de apresentações proporcionou ao menos uma agradável surpresa: permitiu conhecermos o lado saxofonista de Darcy Alves, consagrado violonista e cantor. Em 6 de outubro, Darcy interpretou ao sax “Choro em Ré Menor” e “Amigo Batista”, músicas do falecido Maestro Macedinho. No restante do espetáculo, Darcy tocou violão, sendo acompanhado por Luís Palmeira (violão 7), Cebolinha (cavaquinho) e Valtinho (pandeiro). Foram muito aplaudidas as canções “A Flor e o Espinho” (Nelson Cavaquinho - Guilherme de Brito) e “Choro Chorado para Paulinho Nogueira” (Paulinho Nogueira - Toquinho - Vinicius). Ao final, Cebolinha brilhou no solo de “Minhas Mãos, Meu Cavaquinho” (Waldir Azevedo).

A primeira parte desta noite esteve a cargo da Camerata Brasileira, que tocou o repertório do recém-lançado CD Deixa Assim..., com direito a citação do “Hino Nacional Brasileiro” no choro “Deixa Assim” e uma surpresa: uma junção de “Só Quero um Xodó” (Dominguinhos - Anastácia) e “Isso Aqui Tá Bom Demais” (Dominguinhos - Nando Cordel).

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NOITE DO BRASILEIRINHO

A Noite do Brasileirinho foi uma série de 10 shows que eu produzi de 22 de

novembro de 2004 a 14 de fevereiro de 2005 no Kant Bar, procurando levar aos apreciadores de música brasileira na capital gaúcha o melhor do choro, samba e MPB porto-alegrenses. A programação incluía artistas cujo trabalho apresenta as mesmas características do site Brasileirinho: sintonia com a tradição, cabeça aberta a informações novas, preocupação com a qualidade e profundo respeito ao público. Também fazia parte da idéia aproveitar uma noite – a de segunda-feira -, na qual tradicionalmente o público tem poucas opções.

Na estréia, contamos com o Clube do Choro de Porto Alegre, no dia exato dos seus 15 anos de fundação. A repercussão na imprensa porto-alegrense e de outros estados foi simplesmente incrível. Marcado para o dia 22 de novembro, o evento mereceu comentários e citações desde a quinta, 18, até a terça, 23.

Também tocaram na Noite do Brasileirinho: • MACAMBIRA (29 de novembro e 24 de janeiro) - Grupo criado em 2004 por

integrantes da Camerata Brasileira - Rafael Ferrari (bandolim), Luís Barcelos (bandolim e cavaquinho), Rafael Mallmith (violão 7 cordas) e Ânderson Balbueno (percussão). Seu repertório ia do choro de Pixinguinha e Jacob do Bandolim a melodias de Tom Jobim, João Bosco, Djavan, Milton Nascimento e Dominguinhos, além de composições próprias. Tudo isto com misturas de influências do choro ao jazz, passando pelo rock e pela música erudita. O grupo se desfez em meados de 2005.

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• FLOR DE ÉBANO (6 de dezembro) – Sem dúvida a melhor opção para comemorar o Dia Nacional do Samba (2 de dezembro). Criado em 1993, o grupo já acompanhou Almir Guinéto, Sombrinha, Neguinho da Beija-Flor, Dominguinhos do Estácio e abriu show para Zeca Pagodinho. Composto atualmente por Silfarnei, Alemão Charles, Gatiado, Tuta, Reloginho, Marcelinho e Guga, já lançou dois CDs - um deles, Ebaneo, recebeu o Prêmio Açorianos de Melhor Disco de Samba de 2002 – e participou de duas coletâneas em vinil.

• DUDU SPERB E TONECO DA COSTA (13 de dezembro) – O cantor e o

violonista fizeram no Kant o show Choro Bandido, no qual interpretaram pérolas de Chico Buarque, de “Tem Mais Samba” (1964) a “Cecília” (1998). Dudu Sperb canta na noite de Porto Alegre desde 1988, já tendo se apresentado na Casa de Cultura Mário Quintana e no Theatro São Pedro, ao lado de Paulo Dorfman e Adão Pinheiro. Integrou ainda o Dindi Qu4rtet, formado por brasileiros e holandeses, no período em que morou na França (2000-2001). Lançou, com produção da Aliança Francesa de Porto Alegre, o CD Comptines à jouer, com canções tradicionais francesas para crianças. Toneco da Costa, violonista e compositor, já recebeu três Prêmios Açorianos de Melhor Arranjador. Tem atuação destacada como autor de trilhas para teatro, dança, publicidade e vídeos institucionais e educativos. É diretor musical do Grupo Vocal Muito Prazer, com o qual tem se apresentado em todo o estado do Rio Grande do Sul.

• CAMERATA BRASILEIRA (20 de dezembro) – Para encerrar o ano de 2004

com chave de ouro, este era o grupo ideal. No repertório, músicas do CD Deixa Assim...

• DAISY FOLLY – A cantora foi a única a participar duas vezes da Noite, com

propostas totalmente diferentes em cada uma delas. Na primeira (3 de janeiro), com o show Variações Românticas, interpretou releituras românticas de clássicos da MPB e da bossa nova, acompanhando-se ao violão. Ela surpreendeu pela unidade de espetáculo obtida combinando influências tão marcantes e diferentes entre si quanto Gilberto Gil, Paralamas do Sucesso, Lobão e Ivete Sangalo. Na segunda (14 de fevereiro), contou com a parceria da percussionista Cristina Leipnitz para reler clássicos da bossa nova e da MPB como “Garota de Ipanema” (Tom Jobim – Vinicius de Moraes), “Sonho Meu” (Dona Ivone Lara - Délcio Carvalho) e “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira” (Moraes Moreira – Pepeu Gomes).

• TIAGO PICCOLI (17 de janeiro) - O violonista tocou músicas dos principais

autores brasileiros para violão - Dilermando Reis, Garoto, João Pernambuco e Baden Powell -, além de interpretar uma peça para violão escrita por um pianista: a “Brasiliana nº 13” de Radamés Gnattali.

• LUÍZA CASPARY E IANES GIL COELHO (31 de janeiro) - Aos 15 anos de

idade, a cantora Luíza fez na Noite do Brasileirinho seu primeiro espetáculo solo (em 2003, ela havia participado de shows de Neto Schaeffer e Broder Bastos), acompanhada do violonista Ianes Gil Coelho, de 18 anos. Integrante da banda Fato

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Consumado, que se classificara pouco tempo antes como finalista do Festival SESI Descobrindo Talentos e do Festival de Música de Porto Alegre, Ianes começou naquele semestre o curso superior de Música na UFRGS. No show, a dupla passeou pelas várias fases e tendências da música brasileira, indo de Pixinguinha a Maria Rita, passando por Tom Jobim, Caetano Veloso, Djavan, Marisa Monte e Skank, além de apresentar composições próprias.

Em meados de fevereiro de 2005, continuar mostrou-se inviável. Mesmo com o apoio

que a imprensa sempre dispensou à iniciativa, e com o valor acessível do ingresso (R$ 5,00), o público não compareceu no volume que precisávamos para manter a idéia, se não lucrativa, ao menos autofinanciável. E isso que em algumas noites – como a da estréia, com o Clube do Choro, e as duas últimas (Luíza Caspary & Gil Ianes Coelho e Daisy Folly & Cristina Leipnitz) – o bar praticamente lotou. Podem ter influído nisso a localização do Kant (no bairro Medianeira, distante da Cidade Baixa, onde se concentram os principais bares de Porto Alegre), e mesmo o dia escolhido – afinal, se as pessoas já estão acostumadas a não ir a espetáculos em segundas, não deverá ser muito simples mudar esse hábito.

De todo modo, a todos os artistas citados, ao público que se fez presente, à imprensa e aos que colaboraram na produção, na divulgação, na parte técnica e no etc. e tal, o meu MUITO OBRIGADO!

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MARATONA DE CHORO: IZAÍAS E OS NOVOS

A Oficina de Choro ministrada pelo violonista Luís Machado no Santander Cultural

encerrou suas atividades de 2004 com uma Maratona de Choro nos dias 11 e 12 de dezembro. No sábado, 11, os grupos formados na oficina apresentaram-se na Sala Leste em dois momentos (às 14h e às 18h30) e na Roda de Choro do Café do Cofre (às 17h, com direito a canja do bandolinista paulista Izaías Bueno de Almeida). No domingo, 12, Izaías encerrou a maratona, tocando ao lado de músicos gaúchos no Átrio.

A oficina começou em janeiro, através de convite de Carlos Branco, da Branco Produções, responsável pela programação musical do Santander, a Luís Machado. Inicialmente, era uma atividade pensada para o verão porto-alegrense, sobre o qual paira uma lenda de não oferecer opções culturais à população (lenda que vem sendo desmentida ao longo dos últimos anos através de belas iniciativas como esta). A oficina proporcionou a cerca de 60 pessoas de todas as idades o contato com a teoria e a prática musical do choro.

Os novos Machado escolheu dois grupos para a apresentação do sábado, às 18h30. Os

integrantes desses conjuntos, além de freqüentarem a oficina, ensaiaram na escola do violonista durante várias sextas-feiras, para aprofundarem seu domínio dos respectivos instrumentos. O resultado foi excelente. O primeiro grupo, formado por Vinicius Ferrão (bandolim), Daniela Fracasso (flautas), Diogo Jackle (violão) e Guilherme Sanches (percussão), tocou um repertório que ia da pioneira Chiquinha Gonzaga (“Tamoio”) ao contemporâneo Paulinho da Viola (“Inesquecível”). Por algum motivo, Daniela tocou sem

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amplificação do som da flauta, o que impediu que esta fosse ouvida nas duas primeiras músicas (“Inesquecível” e “Evocação a Jacob”, esta de Avena de Castro). Talvez fosse uma questão de arranjo, ou mesmo da flauta, pois nas quatro músicas seguintes, com uma flauta menor, quase um piccolo, a questão foi resolvida. O grupo esteve esplêndido na modinha “Até Pensei” (Chico Buarque).

Já o outro grupo, formado por Pedro Franco (cavaquinho), Caoan Goulart e Maxwell dos Santos (violões), Pedro Amaral (cavaquinho base) e Tatiane Lentino (pandeiro), foi uma grata surpresa. O solista Pedro Franco tem 13 anos e entrou na oficina nos últimos dois meses - antes disso, tocava sozinho. A oficina foi importante para que ele exercitasse a execução em grupo. Foi o único dos solistas a tocar sem ler (ou seja, sem partitura à frente). Mesmo com um repertório só de composições de Waldir Azevedo, Pedro Franco demonstrou ter estilo próprio, sem imitar o mestre - fato inclusive saudado por Izaías no domingo, durante o show. Uma inovação sua, por exemplo, foi já iniciar o choro “Minhas Mãos, Meu Cavaquinho” com trêmolos. Também é importante destacar a excelente base proporcionada pelos violonistas Caoan e Maxwell (este fazia seu violão de 6 cordas soar como um de 7), muito bem integrados.

Outros quatro grupos tocaram na primeira parte da maratona, com as seguintes formações: o 1º - Laura Saraiva (bandolim), Luís Henrique (violão), Jaime (trumpete), Rui (cavaquinho) e Tatiane Lentino (pandeiro); o 2º - Leandro (bandolim), Maxwell dos Santos (violão), Elias (cavaquinho) e Ânderson Balbueno (pandeiro); o 3º - José Carlos e Cristiano (cavaquinhos), Gordiano (violão de 7) e Soleno (pandeiro); e o 4º - Rui e Pedro Amaral (cavaquinhos), Marcos (violão) e César (pandeiro). Muitos deles estiveram na edição de julho da série Na Roda do Choro, na Casa de Cultura Mário Quintana. Assim como naquela ocasião, boa parte dessas formações não constituem de fato grupos fixos, e sim têm a função de permitir que todos os oficinandos tenham a oportunidade de solar ou acompanhar.

Roda e canja Já a roda no café contou com dois conjuntos. O primeiro, que tocou músicas de Jacob

do Bandolim e Luciana Rabello, era integrado por Elias (cavaquinho), Gerson (violão de 7), Luís Barcelos (cavaquinho) e Soleno (pandeiro). Seguiu-se o bandolinista Marcelo, acompanhado por Rafael Ferrari (bandolim), Luís Barcelos (violão de 7) e Ânderson Balbueno (pandeiro). Foi Marcelo o responsável pela canja de Izaías, ao convidar o mestre a assumir seu lugar no palco do café.

Izaías aceitou e tocou com os jovens chorões gaúchos cinco músicas, das quais a melhor, disparada, foi “Murmurando” (Fon-Fon), em que o mestre improvisou com toda a categoria. Também se destacaram os clássicos de Jacob “Doce de Coco” e “Noites Cariocas”. Em todas, Ferrari procurou tocar seu bandolim um pouco como banjo, para não embolar com o solista. Já na última, “Arranca Toco” (Meira), Izaías tocou com tanta velocidade que chegou a dar uma canseira na gurizada...

Izaías Em sua primeira apresentação em Porto Alegre, aos 67 anos, o mestre paulista do

choro tocou no domingo, acompanhado por um grupo de músicos gaúchos: Luís Machado (violão), João Vicente (violão de 7), Luís Barcelos (cavaquinho) e Ânderson Balbueno

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(pandeiro). O melhor momento da apresentação foi no bis, com “Murmurando”, que se iniciou com um diálogo do bandolim com o cavaquinho, seguido de solos do violão de Machado (com comentários do bandolim) e do pandeiro (os solos foram aplaudidos durante a execução). Izaías dá palhetadas muito claras (principalmente se considerarmos que o som do bandolim era captado por microfone e não em linha), emprega abundantemente o trêmolo e alterna força e suavidade a toda hora - o que no início do show estava derrubando o acompanhamento. Além disso, ele parece ter especial apreço pela execução aceleradíssima, como em “Gostosinho” (Jacob), e nos aplaudidíssimos “Agüenta, seu Fulgêncio” (Lourenço Lamartine) e “Arranca Toco”.

No decorrer do espetáculo, o grupo foi se integrando mais, obtendo um excelente resultado já na quarta música, “Sofres porque Queres” (Pixinguinha). Aliás, dois dos momentos inesquecíveis do domingo foram resultados coletivos. O primeiro foi “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo). Barcelos iniciou fazendo toda a melodia no cavaco (como no CD Deixa Assim..., da Camerata Brasileira, embora no show ele tenha fraseado mais). Após uma cadência dos bordões dos violões, o grupo todo ataca; após um ótimo solo de Izaías em trêmolos seguido de ponteios, a execução se concluiu com a baixaria cadenciada dos violões. O segundo foi “Nostalgia” (Jacob). João Vicente começou na baixaria, seguindo-se Izaías, pianíssimo. Todos entram, cadenciando - os violões, com certo destaque para Machado, na baixaria, o bandolim em trêmolos. O solo de Izaías é precedido de uma suavizada e tem o pandeiro sinalizando seu fim, chamando para um crescendo geral. O bandolim segue em trêmolos, enquanto os outros vão progressivamente diminuindo o volume de sua execução, para destacar a cadência dos ponteios do bandolim.

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DIA NACIONAL DO CHORO 2005

Todo evento relativo ao Dia Nacional do Choro (23 de abril) se constitui numa

homenagem natural a Pixinguinha. É comum que as comemorações aproveitem para celebrar outros chorões, seja de forma oficial - como em 2004 em Curitiba, quando os festejos da data foram denominados Semana Jacob do Bandolim -, seja informalmente, como aconteceu na edição 2005 do Dia Nacional do Choro em Porto Alegre, em que Plauto Cruz foi o grande homenageado.

Na roda de choro que encerrou a festa, ocorrida no Mercado Público em 22 de abril e que durou quatro horas, um dos momentos de maior emoção foi quando o grupo Choro Negro executou uma bela versão de “Choro Clássico”, de Plauto. O autor, comovidíssimo, levantou de sua mesa e foi até perto do grupo. Alguém levou a flauta até Plauto, fazendo menção para que ele tocasse. Humildemente, ele recusou, puxando uma salva de palmas para os jovens chorões. Pouco antes, a apresentação de Plauto já havia balançado os corações de todos os presentes. Também se chama Plauto Cruz o troféu recebido pelos vencedores do Concurso de Choro de Porto Alegre. O organizador do evento, Moysés Lopes, teve a feliz lembrança de conceder um troféu ao próprio Plauto.

- Uma felicidade imensa (...) a emocionante homenagem que todos nós que estávamos presentes prestamos ao Plauto. O homem é divino, e fico feliz que tenhamos tido a oportunidade de demonstrar nosso carinho por ele. (Moysés Lopes)

Ao receber o troféu, Plauto assim agradeceu:

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- Me sinto feliz, este evento é uma maravilha. Tomara que dure muitos anos, para a gente curtir o choro, música autêntica brasileira. Cheguei dia 9 de São Paulo, onde toquei no SESC Ipiranga, num projeto semelhante. Também ganhei troféu e chorei de emoção. Que este evento continue e saúde pra todos vocês!

(O mestre se referia a sua participação na série Temperos do Choro, onde se apresentou junto com os Chorões Gaúchos no dia 8 de abril)

Na sua parte do espetáculo, Plauto deu preferência a temas de sua autoria, sendo acompanhado de Maxwell dos Santos e Rafael Silva (violões), Rafael Ferrari (cavaquinho) e Demetrius Câmara (pandeiro). Músicas de outros compositores entraram no bis, quando o grupo foi reforçado por outro pandeirista, Ânderson Balbueno. Espero nunca deixar de me impressionar com o domínio completo do instrumento - incluo aí o fôlego - sempre demonstrado por este jovem de 75 anos chamado Plauto Cruz. De sua apresentação destaco um maravilhoso tema saltitante, “Choro para o Agnaldo”, com o qual Plauto ganhou um festival em Diadema (SP) há alguns anos. Agnaldo, um amigo paulista, batizou outro choro como “Gaivota”, por identificar semelhanças na linha melódica da composição com o vôo da ave. Da produção recente, o mestre tocou o inédito “Aos Amigos”, contando que a música “agradou em São Paulo” (agradou em Porto Alegre também, Plauto, e agradará onde for tocada neste mundo, com toda a certeza!). Das mais antigas, fomos brindados com “Tema de Amor” e “Provocante”, “uma das minhas primeiras músicas”. Ao final, o homenageado Plauto resolveu também prestar seu tributo, apresentando de Lupicínio Rodrigues (“toquei em três LPs dele”), “Nervos de Aço” e “Se Acaso Você Chegasse” (Lupicínio - Felisberto Martins). Em meio a esta excelente interpretação, Ferrari sugeriu que emendassem com “Ai! Que Saudades da Amélia” (Ataulfo Alves - Mario Lago). Por ironia, foi bem nesta hora que estourou uma corda do seu cavaco. (Daqui a pouco, mais Plauto Cruz. Não sai daí!)

Concurso de Choro de Porto Alegre Não foi fácil para os jurados Luis Machado (Grupo Reminiscências), Kim Ribeiro

(flautista), Marcos Kröning Corrêa (violonista e professor da Universidade Federal de Santa Maria), Rafael Ferrari (Camerata Brasileira), Luis Barcelos e Rafael Mallmith (ambos do trio Tiro de Brazuca) selecionarem os seis choros vencedores, devido à qualidade das mais de 20 composições inscritas. Cada selecionado recebeu o Troféu Plauto Cruz e R$ 500, não havendo a usual classificação em 1º lugar, 2º... Moysés Lopes fala do certame:

- Na minha opinião, foi um êxito. Conseguimos não só injetar ânimo e um pouco de dinheiro na música instrumental brasileira feita no Rio Grande do Sul, mas realizamos um mapeamento muito importante, dando visibilidade a compositores que nem sabíamos que compunham (choro). Outro ponto muito positivo do concurso foi a modernidade do material apresentado, e isto me deixou muito satisfeito, pois mostra que o pessoal está procurando uma expressão própria, pessoal, individual, exclusiva até.

A seguir, menciono os choros na ordem em que eles foram apresentados no Mercado no dia 22.

• “Choro pro Xará”, de Maurício Marques, foi executado apenas pelo autor, ao violão

de 8. É uma homenagem a Maurício Carrilho, com quem Marques estudou e responsável por seu interesse pelo choro. “O choro me fez ver a música de uma forma diferente”, declarou Marques, que já mostrara esta música em seu show no

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Teatro Dante Barone, em 27 de abril de 2004. Na ocasião, a música me soou como um “choro-bossa’n’roll”, sendo o caráter ’roll acentuado então pelo acompanhamento do guitarrista Júlio “Chumbinho” Herrlein.

• “Casa de Asas”, de Fausto Prado, foi apresentado pelo próprio ao violão,

acompanhado de Rafael Ferrari (bandolim) e Ânderson Balbueno (pandeiro).

• “Choro pro Raul”, também de Maurício Marques, foi interpretado por ele no violão de 8, Rafael Ferrari no violão de 6 e Demetrius Câmara no pandeiro. É uma composição de caráter mais tradicional e que me pareceu a melhor das 6. (Em tempo: durante a fase de julgamento, as músicas eram identificadas por números, só depois do resultado definido é que se soube que duas músicas selecionadas eram de um mesmo autor)

• Chorinho pra Dê”, de Luciano Padilha, teve o autor à gaita, Rafael Ferrari ao

bandolim, Rafael Mallmith ao violão de 7 e Demetrius Câmara ao pandeiro. Luciano e Ferrari conduziram a curiosa melodia, que parece flutuar por não apresentar nenhuma escala descendente.

• “A Clarineta do Moysés”, de Roberto Valliatti, foi interpretada pelo compositor

(flauta), Rafael Ferrari e Luciano Padilha (violões) e Paulo Taffarel (cavaquinho). O Moysés homenageado é o tio de Valliatti (nada tendo a ver com o Lopes, portanto). É a mais seresteira das selecionadas.

• “Choro Pampeano”, de Dúnia Elias, contou com a autora no teclado e Artur Elias

Carneiro na flauta. Dúnia comentou o “sotaque de milonga” da composição e desculpou-se pela ausência de um pandeirista. Não havia real necessidade de percussão nesta obra, onde a flauta conduzia a melodia, solta, e o teclado, na base, emprestava um caráter solene.

Roda de choro O mesmo clima de “Choro Pampeano” se fez presente nas músicas que Dúnia

executou ao lado do flautista Kim Ribeiro, como “Diário” (nesta, o teclado floreou um pouco a linha melódica) e “Traça Coco” (ambas de Kim). Em “Soluços” (Pixinguinha), a flauta esteve bem solta, enquanto o teclado cadenciava o acompanhamento. O teclado se destacou mais no solo de “Choro Bugio” (Dúnia) e na valsa romântica “Ternura” (K-Ximbinho).

Também de K-Ximbinho era uma das músicas tocadas pelo grupo Bem Brasil, “Eu Quero é Sossego”, que contou com a participação do clarinetista Gabriel Fischer. No restante do repertório, com exceção de um clássico de Waldir Azevedo (“Carioquinha”), só deu Hamilton de Holanda (“Aquarela na Quixaba”, “Daqui a Pouco Eu Volto” e “Destroçando a Macaxeira”) no repertório apresentado por Andres Costa (bandolim), Luis Arnaldo (cavaquinho), Cristiano Fischer (violão de 7) e Reloginho (pandeiro).

Outro grupo, formado por instrumentistas revelados na oficina de choro de Luís Machado - Vinicius Ferrão (bandolim), Daniela Fracasso (flautas), Diogo Jackle (violão) e

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Guilherme Sanches (percussão) -, apresentou duas modificações importantes em relação à sua participação na Maratona de Choro do Santander Cultural (dezembro de 2004): adotou o nome de Choro Negro e promoveu a entrada de um novo percussionista, Tiago Coelho. É versátil o Tiago: tocou tamborim em “Cochichando” (Pixinguinha), agogô em “É Por Aí” (Avendano Jr.) e pandeiro em “Três Estrelinhas” (Anacleto de Medeiros). A outra música executada pelo Choro Negro foi comentada no início do texto: “Choro Clássico”, que emocionou o autor, Plauto Cruz, e as aproximadamente 1.500 pessoas presentes.

Como já referimos, Plauto não quis interferir na apresentação do Choro Negro, aceitando em seguida tocar duas músicas (seu arranjo para “Jesus Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach, e “Fascinação”, de F. D. Marchetti), sem acompanhamento, durante a preparação para a entrada do grupo seguinte, o trio Tiro de Brazuca.

O trio é formado por Luis Barcelos (bandolim), Rafael Mallmith (violão de 7) e Ânderson Balbueno (pandeiro). É a um só tempo um dos mais novos grupos de choro de Porto Alegre (surgiu em março e foi batizado em abril) e um dos mais experientes (pois seus integrantes atuavam juntos na Camerata Brasileira desde fevereiro de 2003). Antes da estréia do grupo, ainda sem nome, na roda de choro do Café do Cofre, o trio Barcelos-Mallmith-Ânderson já vinha se apresentando, seja representando a Camerata Brasileira (como na Noite do Brasileirinho de 20 de dezembro de 2004 ou na roda do Charla Bar em 31 de janeiro), seja com o nome de Macambira (Noite do Brasileirinho de 24 de janeiro). No grupo, Mallmith sola mais do que na Camerata, o que ficou audível já na primeira música, “Samambaia” (César Camargo Mariano). Em todas as outras, o grupo foi aplaudido em meio à execução: “Taquito Militar” (Mariano Mores), “Caminhando” (Nelson Cavaquinho) e “Risadas do Figura” (Luis Barcelos) - esta, dedicada a Mallmith, que chama todo mundo de... “figura”. Destaco especialmente “Caminhando”, com um excelente solo de violão com as cordas abafadas, enquanto o bandolim soava como cavaco. Ah, o figura, digo, o Mallmith aniversaria no mesmo dia que Pixinguinha: 23 de abril.

Ânderson se emocionou quando foi ao microfone agradecer o apoio que sempre recebeu de seus ex-colegas de Camerata, Moysés Lopes e Rafael Ferrari. Perto dele, Ferrari começou a chorar, enquanto Moysés se dirigiu até Ânderson e o abraçou, fazendo o mesmo em seguida com Barcelos e Mallmith.

Camerata Versão 2 A última apresentação de Moysés, Mallmith, Ferrari, Barcelos e Ânderson como

Camerata foi em 6 de janeiro, no foyer do Theatro São Pedro. Ainda fariam uma roda de choro na Cia. Sanduíches, em 12 de janeiro, só voltando a se reunir especialmente para gravar o programa da TVE-RS Sonora Tribo em 12 de março (que foi ao ar em 23 de abril).

Antes disso, porém, os cinco resolveram de forma plenamente satisfatória a questão levantada por Barcelos, Mallmith e Ânderson, que manifestaram vontade de se transferir para o Rio de Janeiro. Os três formaram o Tiro de Brazuca, enquanto Moysés convidou Rodrigo Siervo (saxofone) e Demetrius Câmara (percussão) para fazerem parte do que ele mesmo chama, informalmente, de “Camerata Versão 2”. A nova formação (ainda sem Demetrius) tocou em Cajamar (SP), a 16 de março, no lançamento do projeto Natura Musical (do qual esta edição do Dia Nacional do Choro faz parte). A respeito, Moysés me relatou:

- Na verdade, eu ainda nem conhecia o Demetrius, pois estive fora quase todo o mês de fevereiro. Quando voltei, tínhamos pouco mais de 10 dias para montar um pocket show

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com 3 ou 4 músicas, e optamos por trabalhar em 3. Seria mais simples tocarmos alguns “standards”, mas tu bem sabes que não tocamos assim. Desta forma, ensaiamos durante todos os dias que antecederam o evento, e nos apresentamos em Cajamar. Fora esta apresentação, não tocamos em nenhum outro lugar mais.

De uma circunstância aparentemente desfavorável (a saída de mais da metade dos componentes do grupo), Moysés partiu para uma reinvenção da concepção musical da Camerata. Nesta primeira apresentação no Rio Grande do Sul da nova Camerata, a impressão foi a melhor possível. O violão de Moysés aparece mais no arranjo, como em “Brasileiro” (Hamilton de Holanda), com nítida influência do jazz. Rodrigo, além do sax, também reforça a percussão, quando necessário - tocou triângulo, enquanto Demetrius dava conta da zabumba em “Pra Vocês” (Rafael Ferrari), música que começa lenta, quase nostálgica, e passa a animada. Os músicos estão com nova postura de palco, inclusive reforçando significativas alterações do clima da música com brincadeiras cênicas, como em “Chorinho pra Ele” (Hermeto Paschoal). A música iniciou tranqüila, bem cadenciada, com o sax fazendo floreios e seguido de perto por violão e bandolim, este com grande destaque, enquanto o pandeiro segurava a base. De repente, bandolim e sax explodem em acordes estridentes, enquanto Ferrari e Moysés fazem um jogo de cena como se discutissem; em seguida, o arranjo evolui para um sambão.

Mesmo em peças que há muito a Camerata interpretava, como “Cochichando” (Pixinguinha), tudo mudou. O bandolim inicia lento, em seguida o violão surge grave; o bandolim passa a tocar em compasso quaternário, enquanto todos vão entrando forte (o sax bem solto); na bateria, Demetrius utiliza a vassourinha (em geral usada para passagens suaves) batendo forte com o cabo no aro de metal e acionando o bumbo com intensidade. Após uma passagem um tanto circense, todos vão acelerando até o bandolim ter seu momento de glória, dando lugar a um solo da percussão, seguido de uma ralentada geral que evolui para a entrada forte de bandolim, percussão e triângulo (novamente Rodrigo). Após uma citação de “Ó Abre Alas” (Chiquinha Gonzaga) quase como frevo, o sax comanda a volta ao começo. O final é caribenho.

Para encerrar com chave de ouro sua estréia, a Camerata apresentou uma junção de músicas de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Violão e percussão iniciaram com sons aleatórios, remetendo à África, para introduzir “Berimbau”, na qual sax e violão ora faziam variações, ora tangenciavam o tema; uma parte bem livre, com vários improvisos, conduzia a uma versão suave de “O Astronauta”; em seguida, bandolim e caixa lembravam o som de berimbau, enquanto o sax surgia rascante para comandar o carnaval em “Formosa”.

Afinidade Outra seleção de Baden fora o ponto alto da apresentação do violonista Marco Pereira

(violão) e Gabriel Grossi (gaita de boca) no Teatro Dante Barone, no dia 21 de abril, que abriu as comemorações do Dia Nacional do Choro. Na única parte do show em que atuou sozinho, Marco juntou “Violão Vadio” (Baden - Paulo César Pinheiro), “Canto de Ossanha” (Baden - Vinicius)(na qual começou forte, valorizou a pausa, ralentou e pisou no acelerador de novo), “Consolação” (Baden - Vinicius)(forte) e fechou com “Berimbau”. Foi um dos momentos merecidamente mais aplaudidos do show.

Não vá aqui algum reparo à atuação de Gabriel. Ao lado de Marco, ele foi responsável por momentos memoráveis como “Mulher Rendeira” (Zé do Norte), em que o violão começou floreando uma variação do tema, passando a desenvolvê-lo em oitavas; em

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seguida, enquanto a gaita sustentava o tema, o violão alternava tema e variações em andamentos cadenciado e acelerado, até que ambos desembestaram sertão afora. Que dizer então do medley que reuniu músicas de Dorival Caymmi (“Maracangalha” e “Você Já Foi à Bahia?”) com temas de Ernesto Nazareth? Foram aplaudidíssimas as variações incríveis que Gabriel desenvolveu, principalmente suingando com as células melódicas de “Maracangalha”. Para o bis, a dupla reservou uma versão suave de “As Rosas não Falam” (Cartola). A gaita conduziu o tema majestaticamente, com os comentários do violão em belos improvisos.

Fala, Moysés: - Sem palavras. Um dos shows mais emocionantes que já vi em toda minha vida.

Simplesmente fantástico. Dois grandes músicos (e duas pessoas maravilhosas também) e um público caloroso transformaram aquela noite em um momento mágico.

Pode parecer incrível, mas assim como a “Camerata Versão 2”, a dupla Marco-Gabriel também atua junto há pouco tempo. Os dois se conheceram durante os ensaios da gravação do CD Eu Me Transformo em Outras, de Zélia Duncan (2004), tocaram em todas as faixas e assinaram também os arranjos, ao lado de Bia Paes Leme, Hamilton de Holanda e Marcio Bahia. Deve sair em breve o CD da dupla, batizado Afinidade por Marco por analogia ao LP Afinity (1979), do pianista americano Bill Evans, que contou com a participação do gaitista sueco Toots Thielemans.

Na maioria das composições apresentadas no Dante Barone, o violão iniciou, passando a emoldurar o tema quando a gaita assumia o lugar central até que os dois terminassem a música juntos. Foram assim as interpretações de “Coisa nº 8” (Moacir Santos), “Choro pro Waldir” (Cristóvão Bastos), “Foi a Noite” (Tom Jobim - Newton Mendonça) e das composições de Marco Pereira “Ponto de Luz” e “Sombra da Lu”. Houve poucos solos, como o de violão em “Nos Horizontes do Mundo” (Paulinho da Viola) e o de gaita em “Modinha” (Tom Jobim - Vinicius de Moraes).

Balanço A relação dos eventos do Dia Nacional do Choro não ficaria completa sem a menção

à exposição de banners reproduzindo partituras manuscritas, fotos, documentos, recortes de jornal e selos de disco relacionados a Pixinguinha. A exposição transcende o evento:

- Fico feliz em oportunizar às pessoas um pouco mais de esclarecimento sobre este grande gênio que foi Pixinguinha. A idéia é de que a exposição fique no Mercado Público até o dia 29 de abril e depois passe a fazer parte do acervo da Discoteca Pública Natho Henn. (Moysés Lopes)

Projetos para 2006, Moysés? - Fazer uma semana de programação em Porto Alegre e ampliar o público atingido.

Na verdade, estamos trabalhando no projeto de 2006 desde dezembro de 2004.

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ADRIANA DEFFENTI Cinco Perguntas para... ADRIANA DEFFENTI

BRASILEIRINHO - Adriana, estás lançando em dezembro de 2002 o teu primeiro

CD, Peças de Pessoas. Já lançaste um “CD demo” em 1999, Quem te Ensinou a Dançar?, com repertório de MPB e predominância de compositores gaúchos. Teu novo trabalho mantém esta linha ou apresenta mudanças?

ADRIANA - O repertório continua praticamente o mesmo e se eu tivesse que escolher um estilo determinado não poderia dizer outra coisa senão MPB. Existem diferenças muito grandes quanto à concepção dos arranjos. Misturas de acústicos e eletrônicos, mudanças nos andamentos das canções... Isso também gerou novas interpretações da minha parte. Eu não poderia cantar as músicas da mesma forma que antes.

B - Tens participado recentemente de projetos de circo-teatro como Circo Girassol - Pão e Circo ou de dança como Alma Tonta e Lixo, Lixo Severino. Como vês esta interação do teu trabalho como cantora com outras formas de expressão, e como foi que chegaste a estes projetos?

A - Eu me divirto muito usando as coisas que sei fazer em detrimento de toda e qualquer expressão artística. Acho que é uma questão de personalidade mesmo. Falam de “artista de palco”... Acho que eu sou uma “artista de palco” mesmo, porque expressar, trocar com o público de cima de um palco cantando, interpretando, dançando, é o que me deixa mais feliz como artista. Além disso, um ponto importantíssimo destes trabalhos é o quanto eu aprendo. Eu tive muita sorte de trabalhar com profissionais sérios. O Eduardo Severino, por exemplo, é um artista de uma capacidade incrível. Tem uma visão plural, muito ampla do exercício da dança. A experiência que tive no Circo Girassol é inestimável e o processo que estou passando em As Sete Caras da Verdade, com o Nico (Nicolaiewsky) tem me ensinado horrores. Cheguei nestes projetos como convidada por pessoas que já conheciam o meu trabalho e também por afinidade artística, idéias em comum com amigos.

B - Quatro anos depois de resolveres assumir a carreira de cantora, como relembras os receios que sentias no início? Acreditas hoje que eles tinham fundamento?

A - Todo fruto da intuição tem fundamento. Tudo em que se pensa demais não tem nenhum fundamento. É sempre assim.

B - Ao lado de teu trabalho na música popular, desenvolves um estudo de repertório clássico e chegaste a cursar um semestre de Música no Instituto de Artes da UFRGS. Tens algum projeto específico que pretendas desenvolver na área erudita?

A - No momento participo das gravações da ópera cômica As Sete Caras da Verdade, de Nico Nicolaiewsky. É um trabalho que exige habilidades de atriz e cantora lírica. Em Alma Tonta eu também utilizo a técnica do canto clássico, subvertendo-a em muitos momentos. Gosto de usar o conhecimento e a técnica com essa liberdade. No momento, naquilo que se pode chamar de música erudita, não tenho nenhum trabalho.

B - Planejas detalhadamente tua carreira ou preferes deixar acontecer? A - Um pouco das duas coisas.

***

PEÇAS DE PESSOAS: FRUTO MADURO

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O CD de estréia de Adriana Deffenti, Peças de Pessoas (Barulhinho), é um fruto

maduro. A cantora reuniu nele um repertório com o qual vem trabalhando há um bom tempo - basta dizer que TODAS as músicas do disco, bem como as do espetáculo de lançamento (realizado em 17 de dezembro de 2002 no Theatro São Pedro), faziam parte do show de Adriana dentro do projeto Blue Jazz, em 15 de junho de 2001 (no foyer do mesmo TSP). Algumas das canções dos dois espetáculos (“Sapatos em Copacabana”, de Vitor Ramil, “Pô, Amar é Importante”, de Hermelino Neder e “Samba Tango”, de Otávio Santos, as 3 no CD, além de “Berlim, Bom Fim”, hino dos anos 80 escrito por Hique Gomez e Nei Lisboa), Adriana interpreta desde 1999, pelo menos.

Não vá alguém pensar que se trata de acomodação de Adriana. A manutenção do repertório sugere, antes, um cuidado de ourives. É visível (ou melhor, audível!) que Adriana está cantando cada vez melhor - usando bem o vibrato e valorizando as pausas, por exemplo. Em “Berlim, Bom Fim”, em dado momento uma vocalização lírica (Adriana é mezzo-soprano) é finalizada num grito, coerente com o clima punk da música. Já em “Cha Cha Cha Moderno”, sua forma de cantar chega a lembrar a do autor da canção, Nei Lisboa. Também cenicamente notam-se diferenças. A cantora que pouco se movimentava no palco em 1999 deu lugar a uma artista mais completa, que incorpora expressão facial, dança, Libras (linguagem brasileira de sinais) e toque de castanholas para reforço da mensagem, resultado provavelmente de sua participação em projetos de teatro e de circo. Adriana revela-se também compositora com “Menina do Jornal” (ela apresentou no show outra música sua, em parceria com Otávio Santos, que a acompanhou ao teclado).

Algumas músicas estão de roupa nova. A introdução à la Toquinho que Marcelo Corsetti fazia para “Pô, Amar é Importante” foi substituída por um riff de guitarra distorcida, aliás, do mesmo Corsetti. Muito boa a sacada de transformar “Querendo Chorar”, canção regionalista de Teixeirinha, em samba (faixa-bônus das mil primeiras cópias do disco). Como surpresa, ainda, uma versão bem acústica de “Going to California” (Jimi Page - Robert Plant, do Led Zeppelin).

***

Mistura e Manda nº 44 (12/4/2004) SEMPRE O CELULAR...

Durante uma apresentação de Adriana Deffenti no foyer do Theatro São Pedro, em 15

de junho de 2001, quando os músicos faziam a introdução de “Pô, Amar é Importante”, de Hermelino Neder, ouviu-se o tilintar do celular de um espectador sentado nas primeiras filas. Sem se perturbar, a cantora iniciou improvisando: “Pô, desligar o celular é importante...”.

***

ADRIANA DEFFENTI DE REPERTÓRIO NOVO O foyer do Theatro São Pedro lotou de gente ansiosa para assistir o espetáculo da

cantora Adriana Deffenti com o pianista Michel Dorfman, em 23 de julho de 2004. A

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ansiedade era plenamente justificada (Adriana estava estreando um novo repertório) e foi completamente recompensada (a dupla estava numa tarde inspiradíssima).

Adriana é uma artista em permanente evolução. Sempre afinadíssima, ela atingiu um completo domínio do volume de sua voz – dotada de grande extensão vocal, ela demonstra plena consciência do momento certo de usar esse recurso. Esse domínio, aliado ao emprego de gestos e expressões faciais reforçando o clima da letra interpretada, faz com que seja uma delícia ouvi-la cantar “Aonde Você For” (Chico Saraiva - Fausto Nilo), “Um Beijo Meu” (Herbert Vianna) e o clássico do Boca Livre, “Toada” (Zé Renato - Claudio Nucci - Juca Filho) - para mim o grande momento do fim de tarde. Ela declamou ainda o início da letra de “Pequeno Circo Íntimo” (Ivan Lins - Aldir Blanc) e tocou flauta em “Tem Tainha” (Raul Ellwanger) e “He Loves and She Loves” (dos irmãos George & Ira Gershwin). No solo de “He Loves...”, aliás, Adriana citou discretamente na flauta “Perfidia” (Alberto Dominguez), que retornou assumidamente no “shá-lá-lá” ao final da música. Os recursos de interpretação só deixaram a desejar em “Iracema Voou” (Chico Buarque), em que a simpatia pela personagem que a gravação de Chico transpira foi substituída por um sentimento de pena na versão de Adriana.

A cantora surpreendeu ainda ao revelar um sotaque portenho na interpretação de duas músicas de Fito Paez, “Tres Agujas” e “Tengo una Muñeca que Regala Besos” (houve outro “momento sotaque”, desta vez lisboeta, durante a apresentação de “O Recado Delas”, de Maria João e Mário Laginha). No bis, Dorfman sugeriu e Adriana topou: brindaram a platéia com “Chovendo na Roseira” (Tom Jobim).

É importante o público estar atento a esse show da Deffenti, porque foi exatamente este o caminho seguido por ela com o repertório do CD Peças de Pessoas: apresentação do repertório no foyer do TSP em 15 de junho de 2001 e lançamento do CD no palco principal em 17 de dezembro de 2002.

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CAMERATA BRASILEIRA Mistura e Manda nº 12 (25/08/2003) CAMERATA ALMA BRASILEIRA PREPARA O 1º CD

O violonista Moysés Lopes, da Camerata Alma Brasileira, acompanhou nesta semana

a mixagem de 7 das 13 faixas que vão integrar o CD de estréia do grupo, intitulado Deixa Assim, gravado em Porto Alegre. Em breve, deve começar a masterização do trabalho, ainda sem data confirmada para lançamento. Para diminuir a ansiedade dos fãs, a Camerata anuncia que apresentará novos arranjos e fará algumas surpresas na edição de setembro da série Na Roda do Choro, na Casa de Cultura Mário Quintana, no próximo dia 2.

***

ENTREVISTA: CAMERATA BRASILEIRA

O grupo fala da preparação de seu primeiro CD, da necessidade de mudar de nome,

da concepção dos arranjos e dos planos para o futuro Entrevista gravada em 27 de novembro de 2003 no Mercado Público de Porto

Alegre. OBS: Na ocasião, o grupo ainda usava o nome Camerata Alma Brasileira, passando a se denominar apenas Camerata Brasileira no início de dezembro.

FABIO GOMES - Estamos conversando com o pessoal da Camerata Alma

Brasileira, que terminou de gravar esta semana o seu primeiro CD. Continua o nome Deixa Assim?

MOYSÉS LOPES - Continua Deixa Assim. Não mudamos nada ainda. FABIO - O repertório é basicamente o que vocês vêm apresentando nos recitais e nas

rodas de vocês ao longo desse ano? MOYSÉS - É, na verdade toda essa série de recitais que a gente fez no segundo

semestre foi em função de preparar esse repertório pro estúdio. Ao sairmos da primeira etapa de gravação, nós já tínhamos os arranjos. E aí a gente começou a ensaiar aquilo e estudar. Depois a gente correu atrás para fazer essas pequenas temporadinhas no interior, que era pra poder amadurecer o repertório em cima do palco antes de entrar no estúdio. Bah, cara, foi um processo muito bom. Mudamos, botamos coisas... (Quando) a gente foi viajar, levamos nosso técnico de som, Fernando Vier. Levamos um MD e gravamos o MD direto da mesa. Claro, a equalização era feita pro local, mas tudo bem. A gente só queria era ouvir e, realmente, a gente constatou que algumas partes dos arranjos não estavam soando exatamente como a gente imaginava. Aí tivemos uma segunda temporada, que foi na região de Caxias (do Sul), ali já com os arranjos alterados e dali veio a versão final e que ensebou o dedo da gurizada pra entrar no estúdio.

FABIO - Tem algumas músicas que vocês tocam desde o ano passado, tipo “Um a Zero” (de Pixinguinha) que vocês já mexeram, que eu contei, umas cinco, seis vezes no arranjo. Isso vocês estudam antes, ou rola muito na hora?

RAFAEL FERRARI - Acho que esse exemplo que tu deu do “Um a Zero” não é muito bom, que é a única música que não tem arranjo das que a gente costuma tocar.

RAFAEL MALLMITH - Sim, por isso que a gente muda tanto. (risos)

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FERRARI - Vai do clima que tá na hora, acho que esse é o arranjo. O clima que tá na hora, ela sai.

FABIO - Vocês comemoravam o gol, aliás, 4 vezes, tanto que eu ia pedir pra mudar o nome da música pra “Quatro a Zero”, depois vocês pararam de comemorar, não sei...

FERRARI - O estádio tá meio vazio, a galera não grita tão alto. Tem tudo isso. FABIO - No início do projeto Na Roda do Choro, no ano passado, vocês tinham um

repertório mais variado e também recebiam bem mais convidados. A partir do momento que vocês focaram na preparação do CD, vocês passaram a ter um repertório mais definido e passou a ter uma cara mais de show do que de roda de choro. Vocês pretendem continuar com o formato atual ou voltar a fazer como era antes?

FERRARI - Bom, a questão do repertório era essa intenção mesmo, firmar o repertório, como o Moysés falou, para entrar no estúdio a ponto de bala. A questão dos convidados... a gente sempre procura ter um convidado, como teve o Batuque de Cordas, como teve o Tiago Piccoli, às vezes o Reminiscências - aí varia, a gente faz outras formações, com o Luís Machado, pra diversificar o repertório. A gente sempre procura convidar quem a gente sabe que está disponível pra tocar num projeto que existe pra formar público praquele gênero musical. Então o que tem ocorrido é que o pessoal que toca choro em Porto Alegre não se faz presente, não vem assistir, não entra em contato.

LUÍS BARCELOS - Quanto ao repertório, temos 4 arranjos novos, que tão bem legais, até.

FABIO - Quais são? LUÍS - “Czardas”, do Vittorio Monti, “Maxixado”, do Henry Lentino... Ajuda aí. MALLMITH - “Carinhoso” (de Pixinguinha e João de Barro). FERRARI - “Diário”. LUÍS - “Diário”, do Kim Ribeiro, e o “Carinhoso”. MALLMITH - E o primeiro movimento (“Pixinguinha”) da (suíte) “Retratos” (de

Radamés Gnattali). FABIO - O primeiro movimento da “Retratos” vocês já faziam no ano passado. FERRARI - Não, é que nós fizemos um arranjo. A gente pegou o arranjo (de

Radamés Gnattali) para a Camerata Carioca, que é uma redução (do arranjo original) pra um grupo - 3 violões, bandolim e cavaquinho - que a gente no primeiro momento adaptou para os 2 violões, onde os 2 violões faziam alguma coisa do 2º violão que tinha no arranjo de 3 violões. Aí eles misturaram, mesclaram, um fazia uma parte, outro fazia outra. Depois a gente modificou de novo, distribuindo as melodias por todos os instrumentos, coisa que não existe (no arranjo original) - é um concerto pra bandolim, né? É sempre o bandolim que está em destaque lá na frente. Nos 2 movimentos que a gente gravou, o 1º e o 2º, tá distribuído nessa concepção.

FABIO - Estão incluindo no CD então apenas os dois primeiros movimentos? MOYSÉS - A gente não sabe. Até porque nós só fizemos contato com a viúva do

Radamés, Nelly Martins, pra gravação do 2º (“Ernesto Nazareth”). Quando nós távamos no estúdio agora, na terça-feira (25/11), (dissemos) “Vamos gravar (o 1º movimento)”, “Não vamos gravar”, (eu disse): “Olha, cara, de qualquer maneira vai ser legal a gente gravar, ainda que não vá pro CD. Porque afinal de contas tamos num estúdio bom, os timbres foram bem feitos pelo técnico e tudo, vamos gravar”. E aí a gente sentou e gravou. Se vai pro CD eu não sei. A gente vai ter que ver se vai caber dentro do nosso orçamento, que esse CD tá todo ele bancado, financiado por nós mesmos, não pegamos Fumproarte, nada. Ainda não escolhemos as tomadas que vão ser mixadas, tudo isso também tem uma

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morosidade própria da questão financeira. Nós vamos fazer o lançamento do CD em Porto Alegre em 1º de junho, comemorando o aniversário de 2º ano (do grupo) e lançando o CD.

FABIO - Bom, a gravação do CD terminou nessa terça-feira. Vocês já têm previsão do ritmo industrial da coisa agora...

MALLMITH - Fala pra ele. FABIO - ...tipo mixar, masterizar, prensar... Por que até 1º de junho, dia que vocês

vão lançar em Porto Alegre... FERRARI - É, ele não tá sabendo. FABIO - ... muita água vai rolar, e pelo jeito tem coisa que eu não tô sabendo aí. MOYSÉS - É, tem coisa que tu não tá sabendo, uma coisa bem importante. Nós

vamos ter que trocar de nome. Nós não podemos mais ser Camerata Alma Brasileira. FABIO - Existe um grupo em Brasília com esse nome. MOYSÉS - É, o Alma Brasileira Trio. Eles têm essa formação de trio desde 96 e

entraram em contato conosco. Foi num momento que nós estávamos revendo, realinhando a nossa imagem por causa do nosso logotipo. A designer que tava encarregada da parte gráfica do CD achou que o logotipo não fechava com a música que a gente tocava.

FABIO - Aquele violão. MOYSÉS - É. E aí, conversando, o Ferrari disse: “Ah, eu também acho”. FERRARI - Eu já falei antes (que a designer). MOYSÉS - É, ele já tinha inclusive falado: “Olha, eu acho nosso logotipo infantil”.

Tá, nós tamos questionando isso, vem uma mensagem deles - muito educada, muito polida: “Temos um problema, também estamos lançando um CD que já tá pronto”. Ainda não chegou na mão deles mas tá pronto. Aí passamos a conversar entre nós e também com essa profissional a esse respeito. E nós resolvemos fazer um total realinhamento de identidade, passando inclusive pela troca do nome. Mudança de postura de grupo... Que bom que aconteceu agora. Eu acho que a questão do CD vai passar por esse realinhamento. Nós tivemos muita sorte que isso aconteceu agora. Complicado ia ser se a gente tá com o CD pronto, tá com um monte de coisa armada e descobrir que ia ter que trocar de nome. Até mesmo porque, Fabio, esse pessoal de Brasília, tchê, tá construindo o nome Alma Brasileira desde 96, nós não temos o direito de virar uma pedra no sapato deles agora. Inclusive eles responderam hoje o nosso e-mail. Cara, a resposta deles foi maravilhosa, eles nos agradeceram. Acima de tudo, nós somos todos músicos e conseguimos resolver um problema desse dentro duma total civilidade. Tomara todo mundo se espelhe nesse tipo de coisa. Nós podíamos estar nos lamentando, mas eu acho que tá sendo um processo muito bom, nós tamos redefinindo o caráter do grupo, pra procurar um nome em função disso e aí refazer tudo, voltar com a questão gráfica do CD, mas eu acredito que até junho a coisa já esteja tranqüila. A idéia é procurar estar com o CD na mão em abril. Inclusive é bem provável que a gente lance em Santa Catarina antes. Nós tamos com planos de ir pra Santa Catarina em maio, pra fazer o lançamento do CD lá. Já tenho contato com alguns produtores locais, é fundamental a presença de um produtor local porque nós não conhecemos a cultura local. Então a gente corre o risco de tocar no lugar errado. Em outubro nós temos uma turnê em 8 cidades do interior, fora isso tem convites pra voltar em Santa Maria, em Pelotas, provavelmente nós vamos ao Paraná, tá pintando alguma coisinha em São Paulo. Planos tem aos montes, promessas tem bastante, (mas) só acredito na hora do preto no branco, negócio concretizado, né? Com calma a gente vai construindo esse 2004 da mesma maneira que a gente construiu 2003. Mesmo assim, 2003 foi muito bom,

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nós vamos fechar o ano com quase 50 apresentações, quer dizer, pra um grupo novo de praticamente um ano de mercado eu acho que foi muito bom.

FABIO - Quando vocês iniciaram, (o grupo) já era um quinteto, só que houve nesse período uma mudança de um componente.

FERRARI - Quando a gente iniciou a intenção era de ser um quinteto, mas era um quarteto, na verdade. Não tinha o percussionista. Aí nessas buscas por um percussionista a gente acabou convidando o Sidney (Lentino), pai do Henry (Lentino, do grupo Tira Poeira)...

MOYSÉS - Nós ficamos um tempão sem... FERRARI - Sem percussionista. MOYSÉS - Ficamos meses, cara, ah, uns dois, três meses. Aí nós tínhamos

compromisso, o Chorinho na Godoy, e o Sidney veio tocar conosco. FERRARI - Ele disse desde o início que ele não queria compromisso, não queria

entrar em nenhum grupo, que ele mesmo ia ver se ele conhecia alguém pra tocar. Dizia pra gente: “Ó, tem que arrumar alguém da idade de vocês”, a gente dizia: “Não, isso é besteira”.

MALLMITH - É, na verdade ele já tinha passado por muita coisa em termos de viajar com o Henry e já não queria mais se envolver tanto na correria com tocar. Então ele (disse) que talvez chegasse um certo momento ele podia não querer mais e nos deixar empenhados. Então sugeriu que a gente já começasse a procurar outro percussionista, foi bem numa época de férias, dezembro, janeiro e fevereiro. Tu vê, ele foi bem legal nessa questão.

FABIO - E aí então surgiu no grupo o Ânderson Balbueno. ÂNDERSON BALBUENO - É, aí apareci... (risos) FABIO - Como foi que eles te convidaram? ÂNDERSON - Bom, eu já conhecia o Luís já há uns dois anos. Só que eu não tocava

choro, não conhecia ainda o gênero, era mais do samba. FABIO - É, a tua forma de tocar pandeiro deu um molho mais de samba para o grupo. ÂNDERSON - Mas é que o choro e o samba são muito próximos. Em fevereiro de

2003, o Luís me convidou pra eu tocar com o grupo. Aí eu comecei a escutar o básico que todo músico que toca choro tem que escutar, que é Pixinguinha, Jacob, Waldir Azevedo... E bom, comecei a tocar choro, comecei a tocar com o Alma Brasileira, final de fevereiro pra março.

FABIO - Aquele pessoal que tocou com vocês ali nas rodas no ano passado, vocês chegaram a sondar alguém: “Olha, tamos precisando de um percussionista?”

MOYSÉS - Não, das rodas não... FERRARI - Não apareceu nenhum! O único que apareceu era o Soleno, que já toca

com o Reminiscências. MOYSÉS - O que a gente fez foi conversar com o Fernando do Ó e pedir pra ele que

nos indicasse alguém. Ele nos indicou um baita percussionista, o Binho (Terra). Muito bom. O Binho foi muito legal, ele tocou conosco e ele disse assim: “Cara, vocês precisam um percussionista de plantão, sempre com vocês”. A gente precisa ter alguém que vá lá, que vá nos ensaios...

FERRARI - Que ajude nos arranjos... MOYSÉS - Isso a maioria dos percussionistas não quer. Querem ser free (free-

lancer). E pra nós o perfil do free não servia. Pela natureza dos arranjos que a gente toca... nosso repertório é muito arranjado, com muito cuidado, tem muito detalhe, não é “vamos

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lá, vamos ver no que vai dá”. Tchê, a gente sua sangue nos ensaios! E foi o que o Ânderson topou fazer. Entre nós (de harmonia), beleza, a gente distribui a partitura e vamos ver o que que vai dar. Mas aí entre pegar e ouvir e decorar a entrada e saída e resposta de pandeiro... Pandeiro não é um acompanhamento. Ele é exatamente um integrante mais, tem tanta importância, tanto peso quanto qualquer outro. Por isso que a expressão “bater um pandeirinho” pra nós não serve. Ou vai tocar, ou não vai fazer nada.

MALLMITH - Tem grupos que tocam de uma forma mais tradicional, com arranjos que o pandeiro realmente acompanha, que não é bem a nossa proposta.

ÂNDERSON - Hoje em dia, aquela idéia que a percussão é um instrumento de base, de dar o pulso da música, isso aí é ultrapassado. Tem arranjos em que em vez do pandeiro dar o pulso, (quem dá) é a harmonia, o violão de 7 cordas... É o caso da bateria no jazz, um instrumento de solo.

FERRARI - A nossa concepção de grupo, o trabalho que a gente faz é totalmente diferente de grupo de choro tradicional. Não quer dizer que seja melhor nem pior, é diferente, só isso. Onde todos os instrumentos têm o mesmo peso, o mesmo valor e a mesma responsabilidade dentro dos arranjos, tanto na hora de tocar, quanto na hora de fazer os arranjos, na hora de debater, de mudar o que tem que ser mudado, é sempre assim. Se não tiver aquela frase, aquele trecho onde o violão vai fazer tal resposta não sei onde, já dá um problema. Eu não sou o solista, ou o violão é o solista, não, mesmo quando o violão de 6 tá solando, fazendo a melodia principal, tem todo um trabalho de contraponto, de fraseado por trás, aonde a percussão também se encaixa pra completar.

LUÍS - Coisa legal também, por exemplo, tem arranjos em que o violão de 7 sola. Assim como o pandeiro sola também. Tem um arranjo em que o Ferrari faz contraponto de contrabaixo que nem o 7 cordas tava fazendo antes. Então é muito legal isso, de inverter os papéis, entende? Isso é legal, o cavaquinho tanto solar, quanto fazer contraponto como fazer harmonia. Todos os instrumentos assim. Isso é muito legal. Experimentar.

MALLMITH - Se um tem algum problema particular e não pode comparecer no ensaio, o ensaio é desmarcado; se um não consegue ir tocar, não tem como ter alguém pra substituir. Não é que nem num (outro tipo de) grupo, “Ah, chama o Fulano”, “Ele faz o pandeiro, eu faço o 7, tu faz o cavaquinho”. Pra nós, não, porque todo mundo tem uma função...

FERRARI - Pré-determinada. MALLMITH - ...e sem aquela pessoa a coisa não anda. É bem a cara do grupo. FABIO - Vocês ensaiam 2 vezes por semana? MOYSÉS - 2 vezes é o normal. Na proximidade de compromisso, são 3 vezes... FERRARI - O ano todo a gente ensaiou 3 vezes. MOYSÉS - É que o ano inteiro era compromisso. São 15 horas, mais ou menos, por

semana, de ensaio, fora o que a gente faz sozinho em casa. FABIO - E essa mesma preocupação vocês transpuseram pro grupo paralelo Samba

de Fato. FERRARI - É, também é um grupo, não é um ajuntamento. Faz o quê, uns nove

meses que a gente tá junto (no Samba de Fato), teve alguns compromissos já, já tocou por aí, fez algumas apresentações, no âmbito mais de ensaiar, definir algumas coisas, repertório, se conhecer, como a gente fez no Alma Brasileira.

***

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POR QUE A CAMERATA BRASILEIRA MUDOU DE NOME

O grupo porto-alegrense conhecido até final de novembro de 2003 como Camerata Alma Brasileira (que vamos chamar nesse texto de Camerata), de Porto Alegre, vem trabalhando já há algum tempo em seu primeiro CD, Deixa Assim. Seu líder, Moysés Lopes, procura focar todos os aspectos que envolvem a carreira de um grupo, e não apenas o musical. No início do mês, a designer contratada para cuidar da parte gráfica do CD sugeriu a mudança do logotipo do conjunto - o logo atual deixaria a Camerata “mal identificada”, considerou ela após assistir algumas apresentações. Em meio a esse processo, em 13 de novembro Moysés recebeu um e-mail do produtor Kiko Sales, do Alma Brasileira Trio (que será chamado aqui de Trio), de Brasília. Kiko informava a Moysés que o Trio existe desde 1996 e acrescentava:

- Só agora tomei conhecimento do grupo de vocês, e lamento profundamente a infeliz coincidência de existirem dois grupos com praticamente o mesmo nome, já que o Alma Brasileira Trio também é conhecido como Grupo Alma Brasileira. Gostaria, antes de mais nada, de saber qual o posicionamento da Camerata em relação ao ocorrido.

Moysés ouviu as amostras de áudio do Trio (disponíveis em www.almabrasileira.com) e em sua resposta, em 14 de novembro, ao lado de elogios ao trabalho do grupo brasiliense, deixou claro que não compartilhava com Kiko seu pesar:

- Não acho que a existência de dois grupos que possuem a expressão “Alma Brasileira” em seu nome seja uma infeliz coincidência. Talvez, até pelo contrário, possamos explorar juntos esta questão. Quando iniciamos o grupo havíamos adotado o nome “Alma Brasileira”, mas de tanto nos chamarem de “Regional Alma Brasileira” (pois nossa formação instrumental lembra a formação dos regionais de choro) resolvemos adotar a palavra “Camerata” na frente. Isto ocorreu logo no início da formação do grupo, e com o tempo a coisa pegou mesmo, tanto que aqui no sul chegamos a receber o apelido carinhoso de “Camerata”, pois nosso público - e, por vezes, a imprensa - se refere a nós desta maneira.

A sugestão de Moysés era colocar, em www.almabrasileira.mus.br (domínio registrada pela Camerata), uma página com links para sites dos dois grupos, a atual do Trio e uma com o novo domínio que a Camerata se propunha a registrar.

Paralelamente, a Camerata seguia com a designer o processo de mudança de logotipo, já agora ampliado para realinhamento de identidade do grupo.

A resposta de Kiko, em 21 de novembro, reforçava a tese da semelhança de nomes ser “uma infeliz coincidência, já que o principal elemento que caracteriza os dois grupos é, sem dúvida, ‘Alma Brasileira’, e não ‘Camerata’ ou ‘Trio’, que são apenas designações de formações instrumentais associadas ao nome Alma Brasileira.” Kiko acrescentava que, numa busca na internet por “Alma Brasileira”, os primeiros links apontam para a Camerata. O produtor finalizava propondo, “da forma mais amigável e civilizada possível, resolver essa delicada questão.”

Em reunião no dia 22, a Camerata expôs à designer a situação de conflito de nome com o Trio, informando-a o que já era consenso do grupo: a mudança de nome, pois, como disse Moysés a Kiko na resposta enviada dia 26, “se vamos trocar de logo e temos problemas com o nome, o melhor é trocar tudo de uma vez, para evitarmos problemas futuros. Até mesmo porque vocês vêm investindo e construindo este nome desde 1996, e nós estamos presentes no mercado há apenas um ano.” Apenas a Camerata comunicava ao Trio que, por motivos contratuais, precisa manter ativo por algum tempo o domínio

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www.almabrasileira.mus.br - pois, informava Moysés, “Como ainda não temos um novo nome, não podemos registrar um novo site.” Mas a definição não deve demorar, “até mesmo porque precisamos de um novo nome para botar nosso CD na rua” .

A resposta a Moysés, no dia 27, foi enviada por um dos músicos do Trio, Celso Bastos, manifestando que ele e seus colegas ficaram “muito felizes por tudo ter sido resolvido amigavelmente, e isso se deu graças à hombridade de vocês.”

No início de dezembro, os músicos da Camerata, após uma consulta jurídica, optaram por adotar a denominação Camerata Brasileira. O registro de um novo site (www.cameratabrasileira.mus.br) já foi providenciado.

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Mistura e Manda nº 36 (16/2/2004) BANDOLIM NOVO

O músico Rafael Ferrari estreou seu novo bandolim de 10 cordas na apresentação da

Camerata Brasileira no Moinhos Shopping em 12 de fevereiro. Ele recebera o instrumento na véspera, diretamente de Campinas.

A respeito do show, o cavaquinista Luís Barcelos comemorou o grau de atenção que o público dedicou ao grupo, algo não muito comum em praças de alimentação de shoppings. Entre os presentes, Runi Corrêa, presidente do Clube do Choro de Porto Alegre, elogiava a modernidade que os jovens da Camerata imprimem ao choro que tocam, ao lado da preservação de aspectos tradicionais.

A Camerata continua com muita seriedade a preparação de seu CD Deixa Assim. No momento, está sendo feita a parte gráfica do disco.

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Mistura e Manda nº 93 (21/3/2005) MUDANÇAS NA CAMERATA BRASILEIRA

Ânderson Balbueno, Rafael Mallmith e Luís Barcelos acertaram sua saída da

Camerata Brasileira no início deste mês. Os três pretendem deixar Porto Alegre em breve, fixando residência no Rio de Janeiro. Como as transferências devem ocorrer em datas diferentes, é pouco provável que eles formem um trio na Cidade Maravilhosa - mas a idéia também não está descartada. Afinal, tocando juntos há mais de dois anos, eles têm um excelente entrosamento, o que ficou cabalmente demonstrado na roda de choro que os três fizeram no Café do Cofre no sábado, 19.

O trio já tem presença confirmada nas comemorações do Dia Nacional do Choro (Mercado Público), em 22 de abril, participando do show coletivo e também integrando o júri do Concurso de Choro de Porto Alegre. Aliás, o prazo de inscrições foi prorrogado até o dia 31.

A atual formação da Camerata Brasileira é a seguinte: Moysés Lopes (violão), Rafael Ferrari (bandolim), Rodrigo Siervo (saxofone) e Demetrius Câmara (percussão).

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A REINVENÇÃO DA CAMERATA BRASILEIRA

Afinal, a Camerata Brasileira comemorava 3 ou 4 anos no dia 8 de junho de 2005, quando tocou no Teatro de Câmara Túlio Piva? A dúvida é pertinente, pois em junho de 2004 o grupo festejara seu segundo aniversário. Bom, realmente eram 3 anos do início do grupo Alma Brasileira (reunindo Moysés Lopes, Rafael Ferrari, Rafael Mallmith e Luís Barcelos, entrando Ânderson Balbueno no começo de 2003). Anunciar a comemoração como sendo de 4º aniversário dá ao grupo Chorando Cedo (que durou de abril de 2001 a junho de 2002 e cujos integrantes eram Rafael Ferrari, Rafael Mallmith e Luís Eduardo Rodrigues) o status de embrião da trajetória de qualidade da atual Camerata, formada por Moysés Lopes (violão), Rafael Ferrari (bandolim), Rodrigo Siervo (saxofone) e Demetrius Câmara (percussão).

O show do dia 8 - um dos melhores que assisti ultimamente - foi o primeiro da nova formação depois da roda do Dia Nacional do Choro 2005. É quase um novo grupo, pois a entrada de Rodrigo e Demetrius em março levou a Camerata a se reinventar. Os quatro estão tratando o repertório com extrema liberdade - por exemplo, a citação de “Ó Abre Alas” (Chiquinha Gonzaga) na execução de “Cochichando” (Pixinguinha) foi feita através de um ringtone do celular de Moysés. Muitas músicas tiveram a duração sensivelmente estendida, recheadas que foram de improvisos e efeitos cênicos (como a engraçada “briga ensaiada” em “Chorinho pra Ele”, de Hermeto Paschoal, que agora envolve os quatro). No mais radical efeito cênico, todos os músicos deixaram o palco durante a execução de “O Radar” (Arthur de Faria) - foram saindo Rodrigo, Demetrius e Rafael, quando Moysés se deu conta estava sozinho e saiu também. Parte da platéia, julgando que era o final do show (que recém passara da metade), chegou a pedir bis ao aplaudir. Esses fatores contribuíram para que a duração do espetáculo chegasse a duas horas, algo raro em shows de grupos porto-alegrenses na própria cidade.

Uma peculiaridade interessante, da qual gostei muito, foi a variação do número de músicos em cena no desenrolar do espetáculo, tornando a apresentação bem dinâmica. “Menino Hamilton” (Rafael Ferrari - Rafael Mallmith), uma homenagem a Hamilton de Holanda, foi executada por Ferrari e Moysés. Outra música da mesma dupla, “Indiada Jonibus”, ficou a cargo de Ferrari e Rodrigo. A letra de “Alfonsina y el Mar” (Ariel Ramirez - Felix Luna) foi recitada por Moysés e em seguida cantada por Rodrigo, acompanhado ao violão por Moysés. Rodrigo no sax e Demetrius no pandeiro mandaram ver numa seleção de temas de Hermeto Paschoal. Ferrari também teve seu momento solo, com “Gente Humilde” (Garoto).

O grande final foi, como no Dia do Choro, a junção de músicas de Baden Powell e Vinicius de Moraes (“Berimbau”/“O Astronauta”/“Formosa”). Os sons aleatórios remetendo à África na abertura de “Berimbau” receberam o reforço de grunhidos de Rodrigo, enquanto a luz do palco era reduzida a um mínimo. “Formosa” teve algumas passagens mais suaves nesse momento, voltando como sambão ao ser executada como número extra depois do verdadeiro fim do show.

A registrar, ainda, a inovação de Demetrius ao tocar com o pedal um atabaque estendido no chão. O percussionista buscava um som bem grave para reforçar determinadas passagens, mas não estava satisfeito com o oferecido pelo bombo geralmente usado na bateria. O resultado agradou plenamente e deve ser mantido por ele nas próximas apresentações.

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CLUBE DO CHORO DE PORTO ALEGRE

CLUBE DO CHORO TOTALMENTE ACÚSTICO NO SANTANDER

O Clube do Choro de Porto Alegre fez um excelente espetáculo dentro da série Seis e Meia no Sábado do Santander Cultural, no dia 27 de setembro de 2003. Apresentando-se com uma formação reduzida (Arthur Sampaio – violão, Ênio Casanova – bandolim, cavaquinho e 2ª voz na seresta “Última Estrofe”, de Cândido das Neves, Cebolinha – cavaquinho, Runi Corrêa – surdo e André Rocha – pandeiro, além de Myriam Sampaio – voz, na seresta citada), o grupo surpreendeu pelo bom resultado sonoro obtido sem usar nenhum microfone.

Já a qualidade musical do grupo não é surpresa para ninguém. Cebolinha conseguiu lembrar, tocando cavaquinho, o que Jacob do Bandolim fazia no bandolim (perdão pela redundância), em “Noites Cariocas”, num arranjo que ficava sempre mais acelerado. O violão de Sampaio fez uma ótima base aqui, aliás, foi uma presença marcante em todo o espetáculo, destacando-se novamente em “Flamengo” (Bonfiglio de Oliveira). Também foi muito aplaudido o solo de Cebolinha em “Minhas Mãos, Meu Cavaquinho” (Waldir Azevedo) que só pode merecer um adjetivo: sublime. Nesse número, todos os outros músicos limitaram-se a fazer a base para o brilho dos trêmolos do cavaquinista. Cebolinha solou muito bem ainda no número de bis, “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo), novamente com boa presença de Sampaio. Este choro foi tocado atendendo a pedido de um espectador.

Marcante também a atuação de Ênio, ora no cavaquinho (como em “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo, outra excelente execução, ou em “Samba de Morro”, de Altamiro Carrilho), ora no bandolim (ótimo no “Flor Amorosa”, de Callado). Neste, seu solo foi sustentado por um bom diálogo entre o cavaquinho e a baixaria do violão. Em “Murmurando” (Fon-Fon), a receita inverteu-se um pouco, ali o violão e o bandolim conversaram sobre a base do cavaquinho – me impressionou bastante a ralentada da 3ª parte. Ênio brilhou ainda no solo de “Curare” (Bororó), tocado de mansinho pelo Clube do Choro.

O arranjo do grupo para “Wave” (Tom Jobim) também chamou a atenção: Ênio começou de leve no cavaco, seguido por Sampaio, mansinho no violão, e o pandeiro de André, só marcando; na seqüência Ênio apresenta o tema, nesse momento o surdo de Runi e o cavaco de Cebolinha somam-se aos outros, fazendo todos uma levada de samba. Ênio e André sustentam o solo de Sampaio, findo o qual Cebolinha executa trêmolos, o ritmo de todos os músicos vai num crescendo, até ralentar para o final. Lindo!

O público manifestou-se muito ainda após a execução de “Alvorada” (Jacob do Bandolim).

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Mistura e Manda nº 21 (27/10/2003) O ANIVERSÁRIO DO BRASILEIRINHO FOI SHOW!

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Quem esteve na Cia. de Arte na quarta, dia 22, pôde apreciar um espetáculo de altíssimo nível, com o Clube do Choro de Porto Alegre e o flautista Plauto Cruz, que apresentou seu arranjo para “Carinhoso” (Pixinguinha - João de Barro) e brilhou em “Wave” (Tom Jobim). O grupo apresentou-se novamente acústico, como no Santander em setembro, mas desta vez não por escolha própria, e sim porque a direção do teatro não providenciou a aparelhagem solicitada por nós.

Ao final da apresentação, Plauto não se cansava de repetir, pelos bastidores: “Eu gostei!”, fazendo coro ao que disse uma senhora na platéia: “Esse show lavou minha alma”.

Queremos agradecer pelo apoio: aos músicos que abrilhantaram o evento, ao Clube do Assinante ZH, à atriz e pesquisadora de teatro Viviane Juguero e ao produtor Alê Barreto.

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Mistura e Manda nº 27 (15/12/2003) CLUBE DO CHORO GRAVA JORNAL DO ALMOÇO

O Clube do Choro de Porto Alegre - representado por Myriam Sampaio (voz),

Sampaio (violão), Cebolinha e Madruga (cavaquinhos), Barbosa (gaita), Runi Corrêa (surdo), André (pandeiro) e Paulo Platt (caixeta) - gravou “Boas Festas” (Assis Valente) na terça, dia 9, nos estúdios da RBS TV. O clip será levado ao ar no Jornal do Almoço Especial de Natal, no dia 25, junto com outras músicas natalinas gravadas por diversas bandas de Porto Alegre.

Os músicos providenciaram uma segunda voz, ressaltando trechos do refrão, e se saíram muito bem. Inclusive Barbosa, que comentou jamais ter tocado aquela música antes.

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Mistura e Manda nº 56 (5/7/2004) NOVO CD DO CLUBE DO CHORO

Quem deve entrar em estúdio em breve é o Clube do Choro de Porto Alegre. Na

quarta, 30, o grupo recebeu a notícia de que fôra contemplado no edital do Fumproarte. Já não era sem tempo: o primeiro CD do Clube saiu há seis anos!

A boa nova foi devidamente comemorada ao som de muito Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo na quinta, 1, no Clube Ypiranga. Nesta noite, o excelente Duo Retrato Brasileiro participou da série Clube do Choro Convida..., que pretende levar ao público novos grupos de choro. O duo interpretou com muita categoria clássicos de Octávio Dutra e João Pernambuco.

O segundo CD do Clube do Choro, assim como o primeiro, é uma produção Márcio Gobatto.

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Mistura e Manda nº 62 (16/8/2004) CLUBE DO CHORO NO ESTÚDIO

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O Clube do Choro de Porto Alegre já deu início às gravações de seu segundo CD. O grupo tem se preparado da seguinte forma: ensaia três músicas, gravando-as quando sente que já estão “no ponto”. Depois, começa a ensaiar outras três, e assim por diante. O presidente do Clube, Runi Viegas Corrêa, ressalta que esse método está deixando um clima de “ao vivo” no que é gravado. Quanto ao repertório, por enquanto é segredo.

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CLUBE DO CHORO DE PORTO ALEGRE LANÇA SEGUNDO CD O Clube do Choro de Porto Alegre realizou em 23 de junho de 2005, no lotadíssimo

Teatro Renascença, show de lançamento do seu segundo CD e do seu novo site: www.clubedochoro.com. O grande momento do espetáculo foi quando Vanderlei Mello cantou “Gente da Noite” (Túlio Piva), com acompanhamento do regional do Clube. O flautista Plauto Cruz tocou em praticamente todo o show, apresentando seus choros “Para João Loyo”, “Gaivota”, “Sarau da Comadre” e “Bole Bole”. Este já foi o bis, no qual os dançarinos da Cia. Brazil Estrangeiro saíram do palco e foram tirar a platéia para dançar. Antes, os dançarinos-mirins Ramon Fortunato e Rosana Liberti haviam acrescentado muita graça à interpretação de “Carinhoso” (Pixinguinha - João de Barro) por Myriam Sampaio.

Dois ex-presidentes do Clube passaram pelo palco: Darcy Alves cantando com Cristiano Velásquez “Amigo é pra Essas Coisas” (Sílvio da Silva - Aldir Blanc); e Ernani Kurtz, que entregou ao atual presidente Runi Corrêa uma placa alusiva aos 15 anos que o Clube completou em novembro passado. Kurtz está radicado em Florianópolis e atua no Clube do Choro da capital catarinense.

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KARINE CUNHA

Mistura e Manda nº 56 (5/7/2004) KARINE CUNHA NO ESTÚDIO

Karine Cunha está gravando seu primeiro CD, baseado no repertório que compôs para

seu espetáculo Fluida, que já foi apresentado em várias casas de Porto Alegre. Fiquem ligados que vêm por aí sambas como “Amado”, que trata com muito humor as comparações que se fazem do ser amado com um doce, e canções como “Fogueira”, que remetem a um Brasil interiorano do qual nem sempre lembramos mas que continua existindo.

É difícil dizer em que Karine é melhor, se compondo ou cantando. Na dúvida, marque um palpite duplo.

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KARINE CUNHA EM GRANDE MOMENTO NO SANTANDER A cantora e compositora Karine Cunha aproveitou sua apresentação no Santander

Cultural, em 10 de julho de 2004, para mostrar uma nova composição, o reggae “Imensurável”, cuja linda letra diz que “Ninguém sabe o tamanho que o amor tem/ Mas todo mundo sabe dizer quando ele vem”. Na platéia, um espectador comentou: “Fazia tempo que eu não escutava uma coisa tão boa!”.

Comedida na inclusão de obras de outros autores (chegou a se perguntar se Tim Maia aprovaria a versão baião de “Descobridor dos Sete Mares”), Karine esteve perfeita ao cantar temas tão diversos musicalmente como as canções “Fogueira” e “Pitié de Moi!” (esta, em francês, com direito a declamação em português de parte da letra), a balada “Água e Fogo” e os sambas “Amado” e “Autoanálise”. Nos sambas, acompanhou-se ao cavaquinho. A integração com a banda que a acompanha (Marcus Bonilla - violão e chocalho, Alexandre Vieira - baixo, Binho Terra - percussão) com certeza ajuda na obtenção de um belo resultado sonoro. A banda também contribui com um bom vocal em “Pedalload”, cujo arranjo enfim me parece ter atingido o ponto ideal (em outras vezes que o escutei, Karine fazia alguns malabarismos vocais que comprometiam o resultado final).

Ressalte-se ainda o bom humor e a capacidade de improviso de Karine. Quando alguém da platéia fez uma brincadeira com “Corcovado” (Tom Jobim), cantando “Um banquinho, um violão...”, a propósito dela ter pedido, além do violão, o banquinho de Marcus para que pudesse tocar “Batucada”, ela acrescentou: “...e o Binho Terra na percussão/ Eu vou ser feliz a vida inteira...”

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Mistura e Manda nº 92 (14/3/2005) KARINE A MIL

A cantora e compositora Karine Cunha anda a mil. Na semana que passou, fez duas

apresentações de seu novo show, Yá-Lé (“mulher favorita”, em iorubá), terça, 8, em Novo Hamburgo e sexta, 11, em Porto Alegre. Já no sábado, estreou a peça infantil O Rei Leão,

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na qual ela fez a preparação vocal do elenco, com maioria de atores não-profissionais. Tudo isso em meio aos preparativos para o lançamento de seu primeiro CD, que deve acontecer em junho.

***

KARINE CUNHA: FLUIDA

A cantora e compositora Karine Cunha comemorou o final das gravações do seu

primeiro CD, Fluida, com nova apresentação do show de mesmo nome na Livraria Cultura de Porto Alegre, em 30 de abril de 2005. Neste caso, é melhor mesmo dizer nova em vez de mais uma, pois toda vez que vai realizá-lo Karine promove mudanças (para melhor). A mudança mais perceptível foi a estréia, nesse dia, do baterista Nenê, completando a banda que já contava com Marcus Bonilla (violão), Alexandre Vieira (baixo), Alexsandra Amaral (percussão) e a própria Karine alternando violão e cavaquinho.

Outra mudança que se nota com facilidade é no repertório. Quem, como eu, tem a felicidade de poder acompanhar a carreira de Karine sabe que pode ir tranqüilamente a vários shows dela num curto espaço de tempo, pois a possibilidade de ouvir exatamente as mesmas músicas é quase nula. Para se ter uma idéia: apenas 6 das músicas apresentadas na Cultura faziam parte do show de 14 de março de 2004, no Teatro de Arena. É fato, a produção da compositora Karine é espantosa, não só em quantidade (há quem diga que ela compõe uma música nova por dia!), mas também em qualidade - e diversidade. Do samba ao rock, passando por baião, pop e outras milongas mais (literalmente). (Tem outro tipo de mudança que será abordada oportunamente.)

Pois foi justamente com uma milonga recém-composta que Karine abriu o show da Cultura, acompanhando-se ao violão em “Milonga do Chegar”, na qual empregou o recurso de bocca chiusa. Em seguida, emendou com a única música de outro autor que cantou nesse dia, “Joanna Francesa” (Chico Buarque)(tá certo, já que era pra abrir uma exceção, havia mesmo que escolher bem!). A letra, que alterna português e francês, encerra com o verso “Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda”, que Karine valorizou cenicamente bocejando no último “acorda” e reclinando a cabeça para o lado.

Sem dormir no ponto, apresentou em seguida a bela “Cunhãs”, em que consegue enumerar dezenas e dezenas (ou talvez mais de uma centena) de nomes de mulher de forma muito agradável e totalmente integrada à melodia. Boa parte dos nomes citados são em acordes de preparação, o que ajuda a criar uma expectativa pelo desenvolvimento da canção. Acredito que também seja uma forma da autora valorizar a condição feminina, pois está colocando todas essas mulheres citadas para cima. (Sim, “Karine” é um dos nomes incluídos.)

(Um parêntese: outra música de Karine, “É o Peixe”, também tem enumeração, apresentada porém numa parte falada em meio à música. A solução em “Cunhãs” me agrada mais.)

Chamando a percussionista Alexsandra ao palco, Karine apresentou dois sambas. O primeiro, “Expresso”, é uma espécie de “jingle” de café. O violão em geral foi mais percussivo que o agogô, que se limitou a dar um colorido discreto no som. Em determinado momento, Karine imitou uma cafeteira. O segundo, “Não Tem pra Ninguém”, é um sambão-declaração-de-amor, que contou no Karine ao cavaquinho e Alexsandra ao

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pandeiro. O final das estrofes contava com um suspiro da cantora, valorizado por pausa do pandeiro.

Voltando ao violão, Karine convocou Marcus e Alexandre ao palco e o show prosseguiu com o baião-rock “Biju, Balangandã”. Mesmo as passagens “rock” mantinham uma sonoridade nordestina. Marcus tocou triângulo e Alexsandra cajón, enquanto Karine puxou palmas de capoeira do público ao final da música.

Chegou o momento de falar do outro tipo de mudança: as modificações sutis nos arranjos. A bela canção “Fogueira” recebeu umas pitadinhas de pop no andamento. Karine interpretou esta que é uma de suas mais belas composições com voz clara e bem projetada, enquanto Marcus passava a empunhar o violão e Alexsandra alternou-se no molho de chaves, cajón e pandeiro (este, a maior parte do tempo). Curiosamente o pandeiro manteve um ritmo constante, não acompanhando a aceleração do andamento no final, quando Karine chegou a bater no tampo do violão.

Em “Canção Aportada”, Karine não tocou violão. Ela iniciou cantando mais contida, tendo apenas Marcus no acompanhamento; quando soltou a voz, entrou Alexandre, e dali a pouco Alexsandra no cajón. O solo de Marcus teve um belo contraponto dos outros instrumentistas. Na segunda parte, Karine soltou ainda mais a voz e fraseou lindamente.

Karine voltou a empunhar o violão em “Cereja” (outra letra com aparência de “jingle”), que encerrou esse segmento de canções. Marcus começou tocando triângulo e passou depois ao violão, fazendo um bom diálogo no solo com Karine e Alexandre, além de realizar belos floreios no final.

Já com a presença de Nenê no palco, teve início o segmento mais pop do show, no qual Karine não tocou violão. Ela e o grupo estiveram muito bem no rock irado “Tec Tec” (se liga, “tec” de “tecnologia”). Violão, bateria e baixo sustentaram a composição, enquanto Alexsandra interveio em meio à música com sons espaciais, produzidos a partir do girar de uma mangueira. O efeito pretendido não foi atingido, talvez pela mangueira ser curta ou pelo pouco espaço para girá-la. Nada que comprometesse, porém.

Quem acompanha a carreira de Karine já sabe: quando ouve a campainha de uma bicicleta, é hora de... “Pedalload”! Esta música com cara de festival dos anos 1960 também já passou por várias mexidas no arranjo. A voz no começo foi sustentada apenas por baixo e bateria, com intervenção rápida do molho de chaves. Um ar bem mais pop foi conferido pela entrada do violão, que em dado momento soou como guitarra. Isso no acompanhamento da voz, pois no solo Marcus chegou a lembrar Toquinho. Ao final, Karine dançou um pouco ao som do pandeiro.

Se o segmento era pop, isso quer dizer que não tem mais samba? Tem sim senhor! Karine nunca deixa de cantar “Amado”. Desta vez estava com a voz bem sooolta no samba-sambão, contando com Alexsandra tocando tamborim com o dedo (bem pouquinho tempo, pra não doer) e depois pandeiro, e Nenê fazendo a bateria soar discretíssima.

Em “Na Subida do Morro”, Karine utilizou-se do canto-falado em algumas passagens da composição, que contou com intervenções de pandeiro meia-lua ao lado dos constantes violão, bateria e baixo. Essa música com toda pinta de rock tropicalista dos anos 60 para mim foi o melhor momento do espetáculo.

Encerrando, “Ano Bom”, música que foi feita para o fim de ano mas serve pra qualquer época. Violão, baixo, bateria e pandeiro meia-lua fizeram uma base pop para Karine soooooooltar a voz e puxar o final soul: “New year! New year!”.

Ei, não teve nenhuma canção chamada “Fluida”? Não. Karine não tem nenhuma música com esse nome. A palavra aparece numa composição que não foi cantada nesse

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show e cuja melodia lembra o Caetano Veloso dos anos 1980: “Água de Cheiro”. Com certeza é daí que Karine tirou o nome do show e do disco. Eu arrisco outra interpretação: sendo ela uma artista de tão grande musicalidade, pode-se dizer que a música flui da Karine Cunha.

***

Mistura e Manda nº 108 (4/7/2005) KARINE CUNHA LANÇA CD FLUIDA

A cantora-compositora Karine Cunha lançou seu primeiro CD solo, Fluida, de uma

forma pouco comum. Ela realizou 3 shows no espaço de 5 dias em diversos locais em Porto Alegre (quinta, 23 de junho, no Dado Tambor; sábado, 25, Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo; e segunda, 27, Mercado Público). O circuito, que iniciara com o pré-lançamento no Festival de Inverno Ceart/UDESC (Florianópolis), dia 13, encerrou na terça, 28, com coquetel na Livraria Cultura, no qual estreou o videoclipe de “Pedalload”. Não é toda hora que um CD independente é lançado assim.

Menos comum ainda é a qualidade do trabalho de Karine. As 12 faixas são excelentes. Na compositora, louvo as melodias bem construídas, ritmos variados e letras sempre no clima da música e com sacadas ótimas; na cantora, a voz com timbre agradabilíssimo e sempre bem colocada. O CD permite apreciarmos também o lado instrumentista de Karine - além do violão base em boa parte do disco, é dela o cavaquinho em “Amado (Nham, nham)” e o maravilhoso violão em “Expresso” - faixa que ainda conta com o fantástico “contracanto” de sopro feito por Jorginho do Trumpete.

***

KARINE CUNHA: PRIMEIROS ACORDES

Na frase que encerra o texto de apresentação de seu primeiro CD, Fluida (2005), a

cantora-compositora Karine Cunha escreveu: “E dedico também in memorian a meus avós João e Ênio pelo gene musical.” Devido à natural diferença de idade, Karine não chegou a acompanhar o trabalho

musical dos dois, que tocavam como amadores. João, o avô materno, gaiteiro em bailes de CTGs (Centros de Tradições Gaúchas), nem mesmo tinha sua própria gaita. Já ao avô paterno, Ênio, ela atribui uma influência maior:

- Ele me dizia que tocava violino no coreto da praça. Tocava de ouvido, não sabia ler, né? Ele tinha uma guitarra também (numa foto do encarte do CD, Karine aparece empunhando a guitarra do avô). Um tio meu pegou essa guitarra e começou a aprender sozinho. O meu pai aprendeu também alguma coisa de violão, tocou bateria também. Esse meu tio que me deu meu primeiro violão.

Desta forma, já aos 10 anos, logo após aprender os dois primeiros acordes do violão, Karine começou a compor.

- Eu fazia música pro sol, pra lua, pro meu cachorro, eu me lembro que tinha um caderninho vermelho e anotava... e eram musiquinhas assim, tinha lá tipo 5 ou 6 linhas. Depois na pré-adolescência comecei a ter pilhas e pilhas de cadernos, muitas coisas eram só

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poesia, que eu só escrevia, e outras eu musicava. Só que eu nunca tive muito apoio, da família ou das pessoas que escutavam, ninguém me incentivava. Muito pelo contrário.

A mesma dificuldade ela enfrentou ao se decidir pela carreira musical: - Na verdade eu nunca disse que era o que eu queria fazer, mas eles já viram e se

apavoraram. A família sempre acha bonito tu (cantares) ali no churrasco, no aniversário, tal. Agora quando tu tens que sair de noite pra tocar... E eles que pagavam a aula de música, até que não precisou mais pagar, no caso. Eles tinham esse papel de estimular e deixar aquilo ali acontecer e na verdade foram deixando não querendo...

A família não precisou mais pagar as aulas a partir de 1997, quando Karine começou o Curso de Licenciatura em Educação Artística - Habilitação Música do Instituto de Artes da UFRGS, onde se formou em 2002 como violonista. Ainda em 1997, montou um repertório de MPB e pop rock, passando a se apresentar em locais como a Casa de Cultura Mário Quintana e o Centro Municipal de Cultura e a participar de projetos como o Roda Som e o Arte nos Trilhos. No segundo semestre da faculdade, recebeu um convite de um colega, Aurélio Edler, para fazer parte da Orquestra de Mantras Rudraksha.

- O Rudraksha foi o primeiro grupo que eu participei, então tinha toda essa questão de trabalhar em grupo, e era uma coisa diferente do que eu tava acostumada a fazer: pegar mantras e fazer música com aquilo. Era uma coisa nova pra todo mundo e no início era assim uma viagem, por quê? Porque um dia ele (Aurélio) dava aquele tema e todo mundo improvisava, modificava tudo ali, os ensaios eram a tarde inteira assim. Então tinha essa coisa que não era profissional mas estava buscando alguma coisa. Até porque era a primeira coisa que ele tava fazendo também. Então teve essa experiência no começo, de pegar uma proposta e trabalhar nela, até chegar no disco.

A proposta artística do Rudraksha era bastante inovadora, até fica difícil comparar com outro grupo. A princípio, Karine pensou que seria música para meditação, algo na linha new age de Enya. O som do Rudraksha, no entanto, acabou sendo uma mistura da contribuição de cada integrante: Karlo Kulpa trouxe a liberdade jazzística do improviso, Mário Falcão entrou com elementos de música brasileira... Karine, após participar da gravação do CD do grupo, em 1998, buscou novos rumos:

- Eu comecei a ver que não era bem aquele caminho que eu queria, eu queria ter autonomia, cantar música brasileira, e lá pelas tantas não deu mais pra conciliar.

No mesmo ano, ela viu no mural da faculdade um anúncio: o Vocal D’Quina pra Lua buscava uma mezzo-soprano. Uma das pessoas escolhidas para integrar o grupo não conseguira conciliar os horários e abriu a vaga. Karine então ligou e marcou um horário:

- Fui fazer uma entrevista, na verdade na entrevista já tinha que sair cantando. Me botaram uma partitura na minha frente e eu tinha que sair cantando, e era um arranjo superdifícil, eu fiquei apavorada. Saí deprimida de lá, achei: “Bom, né, nunca mais ninguém vai me chamar pra fazer nada”. Mas claro, depois elas se deram conta que foi demais. Cada um tem um ritmo de aprender. A Cláudia (Braga) e a Regina (Machado) vinham do (Vocal) Mandrialis, elas tinham um outro pique.

Mesmo se tratando de um grupo vocal, havia poucos pontos em comum entre a proposta do D’Quina e os corais de que ela já havia participado:

- Era completamente diferente o que elas propunham, eram linhas que tinham que ser trabalhadas, como “Maria, Maria” (Milton Nascimento - Fernando Brant), um arranjo supercomplicado, que não era de grupo, era uma coisa meio de solista. São cinco solistas, naquele arranjo é assim, né? Eu achava que eu nunca ia conseguir. Mas aí eu vi que não, que estudando eu podia. E elas decerto viram que eu tinha potencial.

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A forma de trabalhar o repertório no D’Quina também era novidade para Karine: - Eu nunca tinha feito um trabalho daquela maneira. O Rudraksha era um outro

processo, completamente diferente. As músicas do Rudraksha a gente é que tava fazendo, elas não existiam.

Sua participação no grupo, que foi até maio de 2002 e incluiu a participação na gravação do CD Maria Vai com as Outras, despertou-lhe a atenção para duas questões fundamentais. A primeira, o arranjo:

- Eu me apaixonei pela questão do arranjo, até fiz alguns, porque antes do espetáculo a gente fez várias apresentações, pra pegar o pique já do palco, né? Então a gente pegou um repertório que tinha Noel Rosa, várias coisas, e alguns arranjos fui eu que fiz. Então eu adorei fazer aquilo, porque eu fazia já pensando que aquela voz era tal colega que ia cantar, isso foi uma coisa que eu fiz que até então eu nunca tinha feito. Quando eu tava gravando o Fluida, eu não usava os termos técnicos, nem sabia, mas eu tinha já aquele arranjo na minha cabeça. Eu tenho até vontade de fazer um curso de arranjo, por que não? Então de repente eu podia ter ido por um outro lado, mas tendo em vista o que eu já tinha feito na composição. Hoje eu consigo ver que é uma coisa muito forte em mim, sempre foi. E quando eu vi que isso era um diferencial, eu comecei a me ver assim como intérprete.

Pois é, a segunda descoberta de Karine no D’Quina foi de sua própria voz: - Eu acho que todo mundo passa por isso, fazer um monte de coisa até encontrar. Eu

nunca tinha tido um trabalho assim. Tinha cantado em coral, mas nunca tinha feito aula de canto, ou preparado a voz pro trabalho. O contato que eu tinha com a voz era do início, quando eu comecei a estudar violão. Eu cantava nas aulas, mas não tinha nenhuma orientação. Cantava nas apresentações da escola, depois cantei em alguns corais. O Rudraksha não tinha uma preparação vocal, a gente simplesmente cantava, né? Então o D’Quina me deu muito isso, de ouvir minha voz, de ver que eu tinha um potencial como cantora. Depois eu fiz aula com algumas pessoas, agora fiz com a Adriana Deffenti, ela me indicou uma fonoaudióloga, então a gente vai conhecendo as pessoas, vai amadurecendo, enfim vai vendo o que existe e por aí vai. Tem muita gente na cidade, no país, que vai ter aquele repertório que tu tens que cantar senão tu não és cantor, e isso me incomoda. Porque eu acho que as pessoas têm que ser o que elas são. Eu sei que tem muita gente que acha que eu não sou uma boa cantora, mas eu não tô nem aí, porque eu decidi ir pelos caminhos dessa composição e de mostrar isso que eu sei que ninguém vai fazer igual.

***

ENTREVISTA: KARINE CUNHA

A cantora-compositora fala do CD Fluida e de seu processo de criação Entrevista gravada em Porto Alegre em 11 de julho de 2005 FABIO GOMES - Tu compões tanto, quase todo show tem uma música nova... Eu

queria saber como é teu processo de composição. Vem a idéia já pronta, ou vem a música e depois vem a letra, como é que funciona?

KARINE CUNHA - Pensando nas músicas que estão aqui (no CD), posso dizer que cada uma teve um processo diferente. Por exemplo, “Expresso” foi pela letra. Eu quis fazer uma música sobre o café. Então comecei a listar os tipos de café. Isso aconteceu (também) com “É o Peixe!”. O Marcus (Bonilla, compositor e violonista, marido de Karine) me deu

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todos aqueles nomes de peixe e aí eu pensei: “Tá, como é que eu vou chegar nos peixes? Vou contar a história dum pescador!” Aí comecei a imaginar, porque eu não conheço nenhum pescador, só pelas músicas do Dorival Caymmi, né? E aí aquela lista apareceu daquela forma. Eu escrevi os nomes e comecei a ver uma rima, mas que tivesse sonoridade. “Cereja” também foi assim, eu queria falar daquelas coisas, cereja, damasco, carambola, que eu achava interessante, e comecei a viajar na idéia. “Valsa de Harém” também foi pela letra. Se tu observares bem a letra, eu uso as mesmas palavras em frases diferentes.

F - É, tem uma estrutura na letra que tu reproduzes nas estrofes (estrutura conhecida como “variações tensivas”).

K - Então, acho que na maioria das músicas, é pela letra. Mas aconteceu, por exemplo, “Água de Cheiro” foi junto a letra e a música, soprada. Ou (vêm) as primeiras frases e eu caminhando e desenvolvendo, cantando na rua... “Pedalload” foi assim, eu tava andando de bicicleta, atrás do Marcus e... (canta) “Pedalando menino, pássaro em duas rodas...” Então a gente fez toda uma volta, assim, pedalando, quando chegou em casa já tinha essa parte... Eu fiquei com a idéia, fui pro violão e continuei desenvolvendo. Geralmente vem alguma coisa, mas aí tem que desenvolver. E às vezes fica encalhado. Fica no papel, eu deixo guardado pra uma hora que eu tô a fim, com tempo... Não tenho uma disciplina “ah, todo dia, tal hora”, não. Até porque na verdade, não é uma coisa totalmente racional, pelo menos pra mim não é assim. Tem gente que condena, acha (que) compositor é aquele que faz tudo racional, e já tem gente que gosta de Dorival Caymmi e sabe que ali só tem Deus, não tem um estudo, né? É uma coisa divina. Então acho que o que vale é a tua proposta. Vai depender do que aquela música tá pedindo. Às vezes ela tem uma idéia legal, mas aí falta uma harmonia legal, ou o ritmo não é ainda bem aquilo. Então tem um monte de coisa guardada, que ainda não tá legal.

F - Uma coisa que me chamou a atenção nessas músicas do CD: a única que é triste mesmo, de dor-de-cotovelo, é em francês (“Pitiê de Moi!” ). E as outras músicas, a maioria passa uma alegria...

K - Que bom! (risos) “Pitiê de Moi!” veio só a melodia e aí eu achei que ela tinha esse clima francês, triste, melancólico, então inventei essa história desse amor impossível.

F – Superimpossível! K - Eu fiz agora com a Ivete (Brandalise) o (programa) As Músicas que Fizeram sua

Cabeça (na FM Cultura) e ela me perguntou se eu tinha dor-de-cotovelo. Eu disse a ela que eu não tinha, mas eu inventava. Que às vezes eu precisava ter a dor-de-cotovelo pra encaixar em alguma idéia. Aí eu pego o exemplo de um amigo, ou uma novela que eu vi, sei lá. Eu sou uma artista, e o artista cria coisas.

F - Nem tudo é autobiográfico, né? K - Não. F - Além do “Pitiê de Moi!”, (só localizei nas músicas do CD) tristeza em outros,

outras pessoas ou outros seres: a triste Janaína de “Chuva no Mar” e a tristeza das partidas de “Canção Aportada”, o que me parece uma relação do rio com as lágrimas e a tristeza...

K - Pode ser uma tristeza minha ou essa coisa da criação mesmo. No caso de “Chuva no Mar”, eu tava tomando banho de mar e começou a chover. Então aquela imagem das gotas no mar parecia o choro mesmo. E exatamente naquele dia, não sei se era 2 de fevereiro... bem pertinho de onde a gente tava tinha um altar pra Iemanjá, uma estátua e tal... Foi uma coisa bem instintiva, tava ali tomando banho e começou a vir essa idéia: “Quando a chuva cai no mar...”. Até no primeiro momento eu achei muito didática a letra, mas por outro lado achei bonito ser uma coisa bem o que eu tava vendo acontecer. Resolvi

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deixar assim, as estrofes eu fiz naquela hora, só o refrão eu acho que fiz depois, e aí veio essa idéia de choro da Janaína. Depois eu fui pro violão, queria fazer um maçambique. Só que eu não sabia como é que era. Então ficou uma coisa parecida, mas não é, né? E ficou bem do jeito que ficou.

F - Ficou! K - Cada vez mais eu tô demorando mais pra fazer, vem essa idéia e eu tô deixando

cada vez mais passar mais tempo pra descobrir aquilo ali. Quando vem só um pedaço, se já tem algo da música, eu gravo, senão escrevo, e deixo guardado. Não necessito assim, sabe, ficar forçando, não, deixo que o tempo ou algo lá em cima decida o que é...

F - Conhecendo o teu processo de composição, me parece que, pra ti, a exposição da música ao público nos shows faz parte do processo de criação. A partir disso, podes não alterar a composição, mas modificar alguma coisa de arranjo...

K - Eu acredito muito no amadurecimento. De tudo. Acho que a música só vai ficar pronta na medida que eu cantar, tocar ela, que uma coisa é eu tocar voz e violão, se tem algum outro músico junto, sempre vem alguma coisa, dá uma (outra) cara, porque o arranjo é uma roupa, né? Outra coisa que eu tenho feito é de tentar gravar a música, mesmo que seja voz e violão, pra ouvir, porque quando eu vou gravar é que eu percebo - “ah, essa frase não tá legal, ah, não tá fechando aqui a métrica”, enfim, tu tens que fazer, sentir, conviver com aquela música, pra poder terminar. E o show acaba contribuindo nisso. E isso também (ajuda) até na escolha do repertório (do CD), teve música que a gente apresentou e é como se ela não existisse, nunca ninguém comentou nada. Então isso é um sinal: ou ela não tá fechando no repertório, ou aquele arranjo no momento não é ainda (o melhor).

F - Dentro do circuito independente, tem poucos artistas que quando lançam o primeiro CD as pessoas podem pegar e dizer: “Que pena que não tem essa (música), não tem aquela...” Me chama a atenção “Água de Cheiro” não ter sido incluída, em função do título do CD - Fluida - ser uma palavra que consta nessa música.

K - Acho que a questão do título foi mais no início mesmo pra dar o nome do show, pra dar um mote pra coisa. Mas com o tempo foi se diluindo... (risos)

F - Foi fluidificando... (risos) K - É, foi evaporando... (risos) Então lá pelas tantas, essa palavra na minha cabeça foi

tendo outros sentidos. Não tanto essa coisa fixa da “Água”. Até pode ver que a gente não teve um cenário, figurino, coisas concretas com água, nem tem esse lado ecológico - poderia ter, né?

F - Tem alguma coisa. “É o Peixe!”... Até “Pedalload”. K - É, se a gente for olhar até tem, mas não é uma coisa escancarada. Com o tempo

entraram outras coisas, a própria “Cereja”, “Na Subida do Morro”, que não têm a ver com o tema. Mas a questão da “Água de Cheiro” foi isso: o Marcus, que é o produtor musical, achou que “Água de Cheiro” tava um pouco aquém, na questão do arranjo, ou até da composição, das outras músicas. Então acabou tirando. Eu, claro, tinha um carinho por ela, como por qualquer outra, gostava, mas é essa mesmo a função de qualquer produtor, entender o CD como um todo, sem ter carinho ou sentimento pelas músicas. Foi a opinião dele e eu respeitei, porque ele se propôs a fazer o trabalho. Mantive o agradecimento pro Luizinho Santos, que na gravação do meu CD demo fez o solo de flauta. No “Amado”, eu tinha vontade de gravar com um grupo de choro. A Camerata Brasileira fez um arranjo maravilhoso, só que instrumental. A cantora não cabia ali dentro. Acho que é uma coisa que acontece, tanto que eu ouvi o arranjo, ensaiei com eles, e o Marcus achou que tava bem. Depois que eles gravaram foi que a gente se deu conta que era impossível. Era outra

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música. A gente até pensou em botar uma faixa bônus instrumental, mas aí era uma coisa tão diferente, talvez pra eles até nem interessasse, então ficou o agradecimento, porque eles foram superlegais e entenderam. Acho que é legal ter um diálogo, assim, ainda mais quando os dois tão crescendo, tão buscando coisas, né?

F - Geralmente as pessoas lançam o primeiro CD com um repertório que já vêm trabalhando nos shows, então show e CD ficam muito parecidos - o que não quer dizer que não seja bom, mas enfim, não tem essa efervescência do teu trabalho.

K - Bom, na verdade isso não é nenhuma mágica, muito pelo contrário, muito trabalho, né... O que talvez assim seja um diferencial meu é que desde o início eu tracei um plano pra chegar aqui. Eu tive uma oportunidade de ter uma música gravada e arranjada pelo Arte nos Trilhos, um projeto da Trensurb com a Apcergs. Eram apresentações nas estações de trem, eu participei dois anos desse projeto e eles quiseram fazer um CD (2001). Só que eles queriam composições autorais, pra não ter que pagar direitos autorais, e até pra dar uma oportunidade. Eles me perguntaram: “Tu não tens composições tuas?” Aí eu na época dei o “Amado” e o “Moreno”, outro samba. Então escolheram o “Moreno”, fizeram um arranjo, aí fui lá e só cantei. Achei legal, uma boa oportunidade de poder gravar uma música minha e um estímulo pra pensar: “Por que eu não pego as minhas próprias músicas e arranjo, chamo alguns músicos...” Minha idéia era essa, montar um show, apresentar esse show, amadurecer, tornar (o projeto) conhecido. Porque eu vejo que muitas vezes a pessoa lança um CD mas nunca ninguém ouviu falar daquela pessoa, porque ela fez um show uma vez, se enfiou no estúdio e foi gravar e dali a 8 meses ela vem com um CD. Só que ela desapareceu naquele tempo. E a gente sabe que a mídia é ingrata nesse sentido. Hoje a gente vai no programa de TV, mês que vem mudou o produtor, ninguém mais sabe que tu foste lá um mês antes. Na verdade, fazendo isso ou não, é difícil a gente se colocar na cabeça das pessoas como uma nova cantora, nova compositora. A pessoa já tem lá na estante o artista que ela gosta, que tá toda hora na TV, no rádio, e eu vou ser mais uma e ainda uma novidade, com um monte de coisas novas.

F - Sim, tem que batalhar um espaço. K - Não é assim que eu seja alguma coisa fora do comum, não. Eu tive esse cuidado e

deu certo - poderia não ter funcionado, né? Então acho que a gente cresceu com isso e as pessoas se abriram pra essa nova idéia. E claro que essas pessoas comentaram com amigos, e aí um vai chamando o outro. Na verdade foi isso. O projeto Fluida incluiu tudo isso, desde o momento de juntar os músicos, fazer aquele primeiro show, uma temporada de 8 apresentações, 4 fins de semana, no Basttidores Bar (de 21 de março a 12 de abril de 2003, sextas e sábados), pra pegar esse pique, pra acostumar as pessoas... Quando a gente faz um show, sempre vai ter um monte de gente que não podia ir naquele dia, então a gente tem que dar opções. Eu pensei nisso. Aquela temporada foi estratégica pra nós, músicos. Foi uma idéia da gente aprender. Eram músicos com quem eu nunca tinha tocado, a gente também precisa de tempo pra se afinar. Esse plano, também, acho que tem mérito principalmente com a coisa da mídia. Tem muitas pessoas que nunca foram no show, mas sabem que eu existo. O trabalho do músico independente é assim - infelizmente, por um lado, porque a gente se desgasta muito, porque além de cuidar das músicas, toda a questão de produção, vender show, e tudo mais, tem que estar pensando nisso: “Bah, daqui a 1 ou 2 meses vou ter que fazer um show, né? E vou ter que conseguir uma materiazinha no jornal, porque senão ninguém vai!”. E aí tu tens que saber lidar também com essa questão da mídia, porque na verdade tu estás fazendo um trabalho que não é o teu. Claro que assim aos poucos eu tô conseguindo achar parceiros. É o caso da (jornalista) Luciana Vicente, que foi

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minha aluna, é minha amiga hoje e se ofereceu pra fazer esse trabalho junto à mídia que foi maravilhoso, porque ela soube limpar o texto que eu fiz, ligou pros jornalistas, me representou, né?

F - É, já era uma coisa que tu não precisavas estar fazendo pessoalmente. K - Eu acho que o músico independente tem esse mérito de batalhar muito até

conseguir um produtor, um empresário... Porque a gente é um em sei lá quantos milhões. Mas acho assim: eu decidi fazer isso, ninguém me obrigou, né? Eu não reclamo, muito pelo contrário, dou graças a Deus que esse CD tá aqui, que tem pessoas que tão curtindo, que tão procurando... Eu espero que esse CD agrade outras pessoas, possa me levar pra outros projetos, além dos planos dos outros CDs, que estão na gaveta. Idéias eu tenho muitas, músicas eu tenho muitas, mas minha produção é muito além do que eu posso fazer, dentro dos recursos e das condições que eu tenho. Então por um tempo eu tenho que me frear e ir à luta pra vender esse disco, enfim, ele é um produto que tem que ser vendido, não pode ficar parado, né? E aí tenho que ter uma visão de empresário, saber vender, produzir o material. Então tô na fase de inventar coisas pra promover esse produto, e esse trabalho não tem nada a ver com música. Mas eu tenho que fazer isso, porque eu não posso me dar ao luxo de pagar uma propaganda na TV. Vou ter que me mexer pra vender, inventar formas, e claro, buscar o diferencial, porque esse CD é diferente de tudo o que existe. Eu sei que eu tenho muito que aprender, mas eu acho assim: se tem pessoas que gostam, pessoas que vão no show, que compram o disco, é porque tem alguma coisa boa. Porque ninguém tem obrigação de fazer isso! (risos) O que eu vou buscar agora é ter uma outra visão, não ter só essa visão artística, mas também uma visão comercial, se eu quiser que o CD vá adiante. O trabalho tem um valor artístico e eu tenho que saber dizer isso, eu tenho que acreditar nisso e ter uma argumentação comercial. Claro, junto com isso, eu quero vender esse show de lançamento, que é uma oportunidade de estar ali divulgando o disco, antes até de eu mesma promover outros shows.

F - Fizeste três shows de lançamento e um coquetel. Nesse circuito de lançamento tu conseguiste atingir o que esperavas de resposta do público e exposição na mídia?

K - Acho que na mídia foi maravilhoso. Na verdade, não foi nenhuma mágica. Em todos os shows, eu fiz a mesma coisa que agora pra esse. Claro, nunca tive uma assessoria de imprensa. Mas acho que em termos de material foi o mesmo. A única coisa que teve foi a intervenção de uma pessoa do meio. E, claro, o mote de uma notícia. Além de divulgação específica, porque a gente não pode ficar contando que vai sair no jornal, tem que mandar e-mails, material... Eu acho que o que vale é muito isso, esse boca-a-boca. O público que vinha vindo nos shows, praticamente todas as pessoas que me apoiaram foram. Então achei que pessoas novas não teve muito. O mais legal foi rever pessoas, sabe, amigas da minha mãe, de anos, que nunca mais eu tinha visto... Minha mãe ligou pra todo mundo, teve uma caravana, ela ia até contratar uma van pra levar... Em termos de vendas, o Fluida foi o CD que mais vendeu na Livraria Cultura em sessões de autógrafos. Vendeu o triplo da média. Então isso foi uma coisa que eu fiquei muito contente, né? Claro que a maioria - sei lá, 70% - das pessoas que compraram eram conhecidos, mas também tiveram algumas pessoas que ouviram falar, queriam muito mas não puderam ir no show, aí acabaram indo lá (no coquetel). Então foi muito legal. E aquela coisa, né, os shows deram muito mais trabalho, foi muito mais estressante, claro que foi superlegal fazer esses shows, mas o coquetel, pra mim, acho que foi o que teve mais sucesso, fora, claro, a questão do glamour. A Livraria Cultura hoje tem um destaque, é muito legal que eles te dão a oportunidade de o teu CD estar à disposição do público deles.

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Mistura e Manda nº 136 (21/4/2006) KARINE FAZ A FESTA NOS 65 ANOS DO REI

Porto Alegre não deixou passar em branco o aniversário de Roberto Carlos, que

comemorou 65 anos na quarta, 19. Nesse dia, foi aberta uma exposição de fotos do cantor na Casa de Cultura Mário Quintana, que contou com uma apresentação da cantora Karine Cunha com seleção do repertório do Rei, na eterna parceria com Erasmo Carlos.

Depois de um ano em que interpretou basicamente suas próprias músicas - o que, lógico, foi importante no processo de amadurecimento do repertório, preparação e divulgação do CD Fluida -, Karine tem se permitido ocasiões em que valoriza composições alheias. Foi assim no aniversário de 61 anos de Elis Regina, e voltou a ser na quarta. Acompanhando-se ao violão, Karine mandou bem em “Quero que Vá Tudo pro Inferno”, “As Curvas da Estrada de Santos” e “Emoções” (esta, da primeira vez; ao repeti-la, no bis, colocou uma imitação de trompete que, provocando o riso, destoava do clima romântico da composição), inovou com uma nordestinização de “Se Você Pensa” (à qual acrescentou uma citação de “Berimbau”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, no final) e foi simplesmente fantástica em “Você”.

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TIAGO PICCOLI

TIAGO PICCOLI: SOLOS DE VIOLÃO BRASILEIRO

O jovem violonista Tiago Piccoli apresentou seu recital Solos de Violão Brasileiro na Casa Coletânea, em 22 de junho de 2003. O programa foi dividido em três partes, a primeira homenageando compositores-violonistas (Baden Powell, João Pernambuco e Dilermando Reis), a segunda compositores-pianistas (Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Francis Hime), enquanto na terceira, segundo o próprio artista, se reverenciavam “dois músicos absolutamente talentosos e fundamentais na música brasileira: Garoto e Radamés Gnattali”.

O grande momento do recital foi, sem dúvida, “Lamentos do Morro” (Garoto), uma das predileções de Tiago. No bis, ele chegou a improvisar sobre o tema. Outro desempenho marcante foi com as obras de Dilermando Reis: “Tempo de Criança”, em que Tiago demonstrou grande maestria no difícil arpejado central, e “Uma Valsa e Dois Amores”, em que conseguiu criar um excelente clima nostálgico.

O intérprete fez questão de apresentar seu lado de arranjador em duas peças. No clássico “Gaúcho (Corta-Jaca)” (Chiquinha Gonzaga), ele seguiu basicamente a idéia melódica original, enquanto no choro “Meu Caro Amigo” (Francis Hime – Chico Buarque), Tiago acrescentou dois compassos ao início, reforçando o tema da introdução, usando este mesmo recurso reiterativo em outros momentos da composição; a execução deste choro mostrou-se mais acelerada do que a da gravação original. Este foi o segundo número mais aplaudido, só perdendo na preferência da platéia para “Lamentos do Morro”.

Por sinal, após tocar a primeira vez sua música preferida, Tiago mostrou ter ao menos uma influência estrangeira. Agradeceu os aplausos erguendo-se da cadeira e, ao mesmo tempo em que se curvava levemente, segurou o violão com as duas mãos, como se o oferecesse ao público, esclarecendo em seguida:

- Isso eu aprendi com os Beatles. Tiago toca preciso e limpo. Dificilmente se ouve o deslizar dos dedos sobre as cordas.

Ele dá bastante destaque à melodia, a qual consegue aliar bem com o ritmo. Em “Estudo nº 5” (Radamés Gnattali), Tiago chegou a dar algumas batidas no tampo do violão, dando um reforço percussivo.

Enquanto ensaia os primeiros passos na composição, o violonista com formação em Jornalismo já tem agendadas outras apresentações em Porto Alegre – uma delas com a Camerata Alma Brasileira, em 5 de agosto, na série Na Roda do Choro, na Casa de Cultura Mário Quintana.

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Mistura e Manda nº 60 (2/8/2004) TIAGO MEDIEVAL

O violonista Tiago Piccoli vem se dedicando a um repertório bem diferente do que

costuma apresentar em seus recitais solo. Integrante da nova formação do Conjunto de Câmara de Porto Alegre, ele toca ao alaúde laude spirituali (preces espirituais, ou seja,

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músicas religiosas não-litúrgicas), compostas entre os séculos 13 e 14 em alemão, francês, latim e italiano. Tiago conseguiu transpor para o alaúde a apurada técnica com que trabalha o violão, principalmente a pureza do som obtido.

O Conjunto de Câmara estreou nesse sábado, 31 de julho, o espetáculo Os Sete Pecados (e Outros Mais...), no Teatro de Arena. A temporada segue até 15 de agosto, sempre aos sábados e domingos, às 20h. Um dos destaques da apresentação é a inclusão de poemas de Gregório de Mattos, o baiano que se celebrizou no século 17 como o Boca do Inferno, por sua constante sátira à devassidão dos costumes e à tirania portuguesa no Brasil.

O arranjo vocal do grupo para “Die Mynne Füget Nyemand” (do alemão Oswald von Wolkenstein, 1377-1445), é simplesmente primoroso.

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OUTROS ARTISTAS CHORO NEGRO NO MARGS O grupo Choro Negro, formado há menos de um ano, foi a atração do projeto Música

no Museu, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em 26 de agosto de 2005. É de se comemorar a oportunidade rara para um grupo surgido há tão pouco tempo, e

de se lamentar que a produção não tenha providenciado amplificação para os músicos nem para o violonista Luís Machado, mestre de cerimônias do show. O MARGS é um museu, não uma casa de shows. Existem no prédio locais que até poderiam proporcionar uma acústica melhor, mas quem optou pelo uso da pinacoteca central, com seu enorme pé-direito, deveria também ter se preocupado com equipamento adequado. Com isso, ouvir a primeira metade da apresentação ficou bastante difícil.

Do meio pro fim, ou porque o ouvido foi se ajustando, ou pelo natural “esquentamento” que o músico vai imprimindo progressivamente à interpretação, já foi possível apreciar bem obras como “Choro Negro” (Paulinho da Viola), “Choro Clássico” (Plauto Cruz) e “Até Pensei” (Chico Buarque), bem como a maravilhosa canja do bandolinista Pedro Franco, que se somou ao grupo nos choros de Jacob do Bandolim “Noites Cariocas” e “Assanhado” (este simplesmente fantástico!). A canja também funcionou como uma espécie de “cenas dos próximos capítulos”, pois Pedro será a atração da edição seguinte do Música no Museu, em 30 de outubro.

Na seqüência, Pedro, o Choro Negro e outros músicos, como as bandolinistas Daniela e Laura Saraiva, foram tocar no McDonald’s da Praça da Alfândega, colaborando com uma campanha de apoio ao Instituto do Câncer Infantil.

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DUDU SPERB: SAMBAS, CHOROS & AFINS

Dudu Sperb lotou o foyer do Theatro São Pedro no dia 6 de dezembro de 2002 com

seu espetáculo Sambas, Choros & Afins. Acompanhado por Cau Karam (violão e cavaquinho) e De Santana (percussão), apresentou um repertório com clássicos da música brasileira compostos nos últimos 70 anos.

O grande momento do fim de tarde foi “Adeus Batucada” (Sinval Silva). Esta música foi lançada por Carmen Miranda em 1935. A Pequena Notável, em sua interpretação, qual uma prima-dona, prolongava artificialmente os “aa” tônicos do estribilho (“Aaaadeus”, madrugaaaada”, “batucaaada”), deixando assim uma armadilha para os futuros intérpretes do samba. Mesmo o autor, Sinval Silva, ou um grande cantor como Ney Matogrosso não superaram o “buraco” que Carmen criou. Pois bem: Dudu conseguiu! E em grande estilo, cantando hiperbem, com Cau num grande desempenho ao violão e De Santana tocando surdo como se fosse bombo legüero.

Também se destacaram “Coração Leviano” (Paulinho da Viola), em que o início de voz e violão era quase atonal, com a entrada do tamborim dando uma nova dinâmica ao samba, e “Doce de Coco” (Jacob do Bandolim – Hermínio Bello de Carvalho). Muito aplaudidas foram “Amor Até o Fim” (Gilberto Gil), dedicada a Elis Regina, “uma das

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maiores cantoras do mundo”, segundo Dudu (concordo!), e “Só Tinha de Ser com Você” (Tom Jobim – Aloysio de Oliveira).

Bons efeitos ocorreram através da mudança de andamento no meio da música, como em “Último Desejo” (Noel Rosa), em que De Santana iniciou marcando o ritmo com o chocalho de arroz, passando para o surdo, emprestando um clima algo carnavalesco ao samba-canção, e em “Vai Passar” (Francis Hime - Chico Buarque), em que Dudu iniciou cantando e se acompanhando ao pandeiro, tendo o tamborim de De Santana e o violão de Cau na parceria; em dado momento, Dudu baixou o tom de voz e De Santana assumiu a marcação no surdo, por vezes lembrando um agogô, noutras novamente o bombo legüero.

Dudu tem um timbre de voz agradável, alternando sua interpretação entre o dolente e o doce. Uma característica sua é a tendência a ligar as notas, por vezes emendando versos e versos (tudo bem, Roberto Carlos também faz isso). Mas noto que Dudu, em trechos de algumas músicas, poderia ganhar uma força expressiva maior com uma divisão rítmica mais acentuada (como no final de “Amor Até o Fim”). Cau Karam apresentou um violão firme, bom na parte melódica e nas baixarias (calma, é apenas ênfase nas notas graves!), mas demonstrando alguma dificuldade no acompanhamento dos trechos mais rápidos. De Santana esteve sempre correto.

A lamentar, apenas o pedido da direção do Theatro, que solicitou ao cantor um espetáculo mais curto (sic!) por causa da atração posterior – a saber, o Nenhum de Nós, que se apresentaria no palco principal do São Pedro (e não no foyer) quase uma hora e meia depois do final da apresentação de que falamos. Com isso, a platéia perdeu a oportunidade de conhecer o lado compositor de Dudu, que pretendia estrear sua canção “Cúpido” em Sambas, Choros & Afins.

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Cinco Perguntas para... JOÃO 7 CORDAS

João 7 Cordas, líder do grupo Puro Samba, recebeu uma missão das mais agradáveis

no dia 17 de julho de 2003: organizar uma roda de samba em Porto Alegre a pedido de Zeca Pagodinho. A festa aconteceu, em plena tarde de quinta, no Bar do Ricardo, no bairro Santo Antônio.

BRASILEIRINHO – Como foi que surgiu a idéia da roda de samba com o Zeca

Pagodinho aqui em Porto Alegre? JOÃO 7 CORDAS – Eu e o Zeca somos amigos há muitos anos. Morei três anos no

Rio de Janeiro e conheço o Jessé (Jessé Gomes da Silva é o nome de batismo de Zeca) desde 1984. Ele passou uns dias em Gramado com a família e me ligou, disse que tava com saudade, falou: “Vamos organizar uma roda de samba?”. E nos reunimos, eu e o Darcy Alves no violão, Paulinho do Banjo, King... Tinha mais gente, mas fica difícil lembrar todo mundo. Foi uma coisa boa!

B - A escolha do Bar do Ricardo também foi sua? J - É, o Zeca queria fazer uma coisa mais solta, em outro lugar podia ficar um pouco

mais complicado. Mesmo assim, começamos tocando só nós cinco, quando vimos já tinha 500 pessoas!

B – E o repertório? Coisas do Zeca, clássicos...

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J – Rolou de tudo. Repertório dele, coisas do Cartola, Nelson Cavaquinho, Leci Brandão... Umas músicas inéditas que ele passou pra Beth Carvalho e ela ainda não gravou.... Mas cantamos de tudo, de samba-canção a marcha de carnaval.

B – O Zeca passa a imagem de ser uma pessoa muito simples, né? Só isso de fazer essa roda já demonstra.

J – Ah, o Zeca é fora de série. Ele até nem queria deixar o Vaz (Luiz Armando Vaz, fotógrafo do Diário Gaúcho) bater foto, por causa da gravadora, que podia se incomodar. Ele mantém aquela escola lá em Xerém que começou com três alunos, hoje tem 360, tudo com material, alimento e calçado pago por ele. E os filhos dele mandaram ver na roda: a Elisa (11 anos) canta muito, tá se criando. O Eduardo (16 anos), no violão, mandou bem. O outro filho, o Luisinho (14 anos) chegou a estudar, mas largou. Depois o Zeca ainda ficou aqui até domingo.

B - E o Puro Samba, sempre em atividade? J – Eu e meus companheiros do Puro Samba (Fábio do Cavaco, Buiu no tantã e Nenê

no pandeiro) estamos tocando bastante. Até o fim do ano queremos entrar em estúdio para começar a gravar nosso CD.

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LOURDES RODRIGUES E FRANK SOLARI

A vida da gente hoje é muito corrida e projetos como o Encontros são uma boa

ocasião para os artistas trocarem experiências. Foi assim, não exatamente com essas palavras, que o guitarrista Frank Solari, em 31 de outubro de 2002, saudou a iniciativa que a Coordenação de Música da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre promoveu nas quintas-feiras desse mês no Teatro Renascença. Concordo com Frank.

Das cinco duplas reunidas pela primeira vez (esperemos que não pela única), a que mais atiçava a minha curiosidade era justamente a formada por Frank e pela cantora Lourdes Rodrigues. Que caminhos musicais trilhariam em comum o guitarrista cultor do rock instrumental e a Dama da Canção?

A resposta veio já na abertura do espetáculo. Lourdes e Frank iniciaram com “Eu Sei que Vou te Amar” (Tom Jobim - Vinicius de Moraes). Em seguida, Frank fez sua parte solo, executando, com acompanhamento de bases pré-gravadas, temas de seus dois primeiros discos e já dando uma amostra do terceiro, a sair em breve (no qual terá a participação especial de Pepeu Gomes). De repente, uma surpresa: o guitarrista toca o choro “Rabo de Foguete” (Ricardo Silveira), com base pré-gravada, e, na seqüência, o dificílimo “Espinha de Bacalhau” (Severino Araújo). Este, num desafio feito a si próprio, Frank tocou sem acompanhamento algum - o que, se dá maior liberdade de improviso, também tira a segurança proporcionada pela marcação da percussão gravada. O desafio foi vencido brilhantemente.

Na volta de Lourdes ao palco, Frank acompanhou o trio da cantora (Zê- guitarra, Alexandre - baixo e Carlito - bateria) em “Sozinho” (Peninha). Lourdes seguiu com o trio, apresentando clássicos de Lupicínio Rodrigues, Chico Buarque, João Bosco & Aldir Blanc, Gonzaguinha e Ary Barroso. Sempre afinada e colocando muito bem a voz, Lourdes é incansável no incentivo aos compositores brasileiros - em suas palavras, “nossa música, nossa terra, nossa gente”. Um bom motivo para que ela convocasse o baixista Alexandre

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para cantar seu grande sucesso, “Negra Ângela”, consagrado na voz de Neguinho da Beija-Flor.

Lourdes, Frank e o trio encerraram com “Brasileirinho” (Waldir Azevedo). Os quatro músicos já iniciaram o choro com boa dose de improviso, seguindo mais a melodia original ao acompanhar Lourdes. No momento do solo, Frank improvisou pra valer, com Zê, Alexandre e Carlito mantendo um andamento bem rítmico para o clássico. Só cabia ao público que quase lotou o Renascença pedir mais um. E o pedido foi atendido em alto estilo: “As Rosas Não Falam” (Cartola).

Da mesma importância da integração entre os artistas proporcionada pelo Encontros, que Frank ressaltou, é, acrescento, a integração entre públicos. Explico. O mercado cada vez mais aposta na segmentação. O público de Frank Solari não é o mesmo público de Lourdes Rodrigues, e é natural que seja assim. O Encontros conseguiu reuni-los (os públicos) lado a lado, numa convivência que podemos definir como democrática.

Além do novo CD, Frank Solari alinhava um projeto de choro. Já Lourdes Rodrigues deve receber em breve o Prêmio Lupicínio Rodrigues que a Câmara Municipal lhe concedeu por seus 50 anos de carreira. E o Encontros? No momento, não há previsão de novas edições. Ficaremos no aguardo, desde já decretando como históricas essas cinco noites da primavera porto-alegrense.

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MARISA ROTENBERG: A ARTE-FINAL DA NOVA MPB

A cantora fala do CD Na Batida e das parcerias com Nei Lisboa e Mônica Tomasi Entrevista gravada em 2 de outubro de 2003 no Bourbon Shopping Country BRASILERINHO - Marisa Rotenberg, teu CD Na Batida completou em setembro

um ano de lançamento. Quais são os planos imediatos e futuros na tua carreira? MARISA ROTENBERG - Estou absolutamente feliz com este um ano de carreira

do meu CD. Tive a felicidade de ganhar dois prêmios Açorianos este ano, melhor CD de MPB e melhor espetáculo. O disco independente tem um processo bem mais lento de as coisas acontecerem, até por falta de verba. Meu disco foi financiado pelo Fumproarte. A gente, quando cria esses projetos, planeja a produção do CD e o show de lançamento. Só que não se fez até hoje um (fundo semelhante ao) Fumproarte pra administração da carreira desse trabalho. Antigamente se dizia: “Pô, é difícil gravar um disco”. Hoje não, (se) tu faz um bom projeto, tu faz um disco. Só que, hoje, que que se diz? Hoje é difícil se levar um disco adiante.

B - Bom, a questão então seria: gravei e lancei o CD, e agora? Como vou divulgá-lo? Como vou vendê-lo?

M - As viagens que eu fiz pro interior foram todas participando de Feiras do Livro, que são oportunidades que a gente tem de poder ter um transporte, um cachê para realizar o espetáculo. É difícil tu planejar uma turnê pelo interior do Estado por bilheteria. As rádios vão começando a tocar porque gostam do teu trabalho - as rádios que não têm jabá. Rádios que têm jabá é inviável, absolutamente inviável tu rodar. Eu não posso me queixar de mídia, porque aqui em Porto Alegre eu rodo direto na FM Cultura e na 102.3 - Gaúcha FM. Tô rodando também desde que lancei meu disco na Itapema FM, uma das melhores FMs de Florianópolis. Enfim, as rádios que não têm jabá e que acreditam verdadeiramente na

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qualidade artística do trabalho, elas rodam. Pelas rádios do interior isso também não é muito diferente, têm as que cobram jabá e outras que não cobram. Nessas que não cobram tu tem a oportunidade de mandar o disco, os caras começarem a rodar e aí tu chegar lá e alguém já ouviu falar em ti, né? Minha idéia é nesse ano, na medida do possível, me colocar como artista dentro da minha cidade, fazer meu nome em Porto Alegre e no interior do Estado. Agora pra 2004, eu tenho planos de levar meu trabalho pro Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Belo Horizonte... Ah, inclusive Belo Horizonte a gente mandou material e já está rodando em algumas rádios de lá, dei entrevista recentemente na rádio Mania de MPB. Eu fico muito feliz porque o trabalho é reconhecido, ele não passa despercebido na mão das pessoas. Quando chega e as pessoas ouvem, vêem que é um trabalho de qualidade, pela própria produção do Totonho Villeroy, que é um músico e compositor de primeira linha. É um cara que tá extremamente bem relacionado em todo o Brasil com diversos compositores. Graças a ele eu cheguei a composições inéditas do Pedro Luís (“Um Desejo Só”), do Lenine, do Dudu Falcão (“Lua de Dezembro”). Tive oportunidade de conhecer pessoalmente essas pessoas, são pessoas geniais, incríveis mesmo! O próprio convívio com Totonho, já enraizado no Rio de Janeiro, com todas essas pessoas, pra mim gerou um crescimento profissional maravilhoso, de não ser “mais uma” cantora independente, e sim uma cantora produzida pelo Totonho, que canta Lenine inédito (“Tá Tudo Bem”, parceria com Dudu Falcão), que canta Pedro Luís inédito. Esse ano pra mim foi muito gratificante também a parceria que tenho feito com a cantora e compositora Mônica Tomasi. Eu já conhecia ela de nome, não conhecia pessoalmente. Em (9 e 10 de) abril, quando fiz o show de comemoração aos dois prêmios no Abbey Road (Studio Pub), ela compareceu, se identificou com o meu trabalho e a gente ficou de conversar. Ela me convidou pra participar do show Varal, que ela fez no Teatro de Arena (1 a 3 de agosto de 2003) e ficou uma delícia. As vozes timbram, a gente tem o mesmo gosto por música brasileira, os (nossos) estilos soam muito parecidos. Eu acho a coisa mais legal que tem (é) tu te juntar às pessoas bacanas e fazer um trabalho junto, né? Não ficar aquela coisa de concorrência. Se existe uma identificação, tanto de vida quanto de gosto musical, eu acho mais é que a gente tem que dar as mãos, um falar bem do outro e o público identificar isso, reconhecer isso, valorizar isso e consumir a nossa música.

B - Eu assisti a apresentação da Mônica Tomasi na Casa de Cultura (Casa de Cultura Mário Quintana, 30 de setembro de 2003) e, realmente, ela trabalha bastante com o samba e também tem uma raiz pop. Isso a gente identifica também no teu trabalho. Inclusive o teu CD, ele é quase dividido em blocos, ele abre com um bloco de música pop, depois tem um bloco mais MPB e no final vai alternando um pouquinho. Isso é uma coisa proposital ou é o natural da tua trajetória? Como tu te sentiu quando teu CD recebeu o prêmio de melhor disco de MPB? Ele não é um disco apenas de MPB. Ou é, na tua visão?

M - Eu classificaria hoje (como) a nova MPB. Se a gente for classificar MPB clássica, eu colocaria Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, João Bosco, João Gilberto, Gilberto Gil, esse povo todo dessa geração, esses grandes talentos como a nata da MPB, a MPB clássica. Eu posso dizer que a minha música se encaixa na nova MPB, que é a MPB que o Lenine faz, que o Zeca Baleiro faz, esse pessoal da nova geração que mistura a MPB com o pop. Seria um MPopB, porque eu não posso dizer que meu CD é puramente pop ou puramente MPB. Ele é a nova MPB. Por isso essa leitura que às vezes te soa mais pop, às vezes te soa mais MPB, acho que isso aí é a cara da nova MPB.

B - A inclusão de músicas do Lenine, Dudu Falcão, Eugênio Dale (“De Perto” e “Lápis”) e outros compositores, digamos, não-gaúchos, se deu ao natural pelo fato de

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estares trabalhando com o Totonho Villeroy ou foi uma idéia tua? Porque é muito comum os artistas gaúchos gravarem apenas autores gaúchos no primeiro CD...

M - Isso se deve muito à minha admiração por esses compositores. Eu não escondo nem um pouco a minha origem, eu sou porto-alegrense nata, mas eu sou também brasileira. Desde o início, quando me reuni com o Totonho, eu disse: “Olha, Totonho, eu não quero que as pessoas saiam dizendo que é um CD de cantora ‘gaúcha’, eu quero que as pessoas digam que é um CD de uma cantora brasileira que nasceu em Porto Alegre”. Eu não quero carregar a bandeira do Rio Grande do Sul pelo mundo afora. Eu carrego no sentido de dizer de onde eu sou, mas eu quero fazer da minha música uma música brasileira, uma música pro Brasil e pro mundo curtir. Nesse disco também tem duas parcerias minhas como compositora, eu ainda iniciei nesse primeiro disco meio tímida, eu tô experimentando o meu jeito de compor. Eu acabei explorando mais a Marisa intérprete do que a compositora. Eu pretendo no meu próximo disco inverter a coisa, puxar mais a Marisa compositora e cantar menos outros autores.

B - Nas tuas parcerias, uma com o Gelson Oliveira (“Teu Silêncio não é Mudo”), a outra com o Totonho Villeroy (“F. Valentine’s Day”), tu fizeste a música, a letra, foi meio a meio, como é que foi?

M - Nessas canções eu fiz a letra. No caso da música com Totonho, eu fiz uma parceria com a letra também, ele fez a música e toda a idéia da música é dele. Eu entrei com sugestões de letra pra finalizar a canção, digamos que eu fiz o acabamento da música na parte da letra.

B - A arte-final. M - A arte-final, exatamente. No caso da parceria com o Gelson, não, eu fiz a letra

toda e o Gelson musicou a canção. B - Gostaríamos que tu falasse um pouco da tua colaboração com o Nei Lisboa. Tem

música dele (“Por Aí”) no Na Batida, ele participa cantando junto contigo (em “F. Valentine’s Day”)... mas essa história já tem alguns anos de parceria, não é uma coisa de agora.

M - Teve um show da banda Venerável (Venerável Lama), do Alex Alano e do Fausto Prado, que eu participei, lá no Ocidente (12 de abril de 2000). Fui dar uma canja junto com eles e fui apresentada pessoalmente pro Nei Lisboa por uma amiga minha e ele disse que já tinha escutado falar de mim, que tava louco pra conhecer meu trabalho e coisa e tal. Depois desse show, em abril de 2000 se fez uma festa-ato no Zelig para angariar fundos pra ajudar um jornalista da Zero Hora que sofreu um acidente supersério e tava tendo uma despesa enorme com hospital. E nesse show eu me encontrei com o Nei e ele chegou e me disse:

- Eu vou subir no palco agora, vou cantar. Tu sabe alguma música minha de cor? - Ah, eu sei, eu sei “Rima Rica, Frase Feita”. - Vamos fazer? - Vamos. Nem ensaiamos nada. No palco, tava o Paulinho Fagundes, o guitarrista Paulinho

Superkóvia, não me lembro se tinha mais um baixista também tocando, o Nei, e aí tá, eles começaram a cantar algumas músicas e aí o Nei me chamou pra cantar “Rima Rica, Frase Feita” e foi um arraso. Fui ovacionada lá no Zelig, foi muito legal! O Nei se arrepiou, quando a gente desceu do palco ele disse: “Meu Deus, que maravilha, vamos conversar, vamos conversar!”. Em setembro de 2000, fui convidada pra cantar na (Sala) Radamés Gnattali (no Auditório Araújo Vianna) e o embrião do Na Batida surgiu com (esse) show.

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Eu pensei: “Bah, agora tá na hora de eu começar a experimentar músicas inéditas de outros compositores pra sair meu disco”. É o conceito, só músicas inéditas. Então eu tive a felicidade de ganhar as músicas do Fausto Prado (“Vaso de Flor”), Alex Alano (“O Amor não Erra”), tinha feito uma parceria com o Gelson, e eu pedi pro Nei Lisboa uma música inédita. Na época ele tava compondo (as músicas do CD) Cena Beatnik e me apresentou: “Olha, eu tenho 4 músicas que eu fiz aqui, eu quero que tu escolha uma delas, é tua”. Quando eu ouvi “Por Aí” eu me apaixonei de cara pela letra, pela melodia, por tudo, foi uma música que me tocou demais, disse “Quero essa aqui”. Aí em outubro de 2000, o Nei Lisboa fez o primeiro show de Cena Beatnik, antes de lançar o disco, ele começou a apresentar as músicas. Aí ele me disse:

- Olha, vou fazer uma temporada no (Theatro) São Pedro, tu não quer cantar “Por Aí” e “Rima Rica, Frase Feita”?

- Pô! Com certeza! Então pra mim foi uma super-honra participar das quatro noites (5 a 8 de outubro de

2000). Também fui ovacionada no Theatro São Pedro! Muito, muito emocionante, porque eu tava cantando pro público do Nei, e eu me vi naquela platéia, porque eu também sou fã do Nei. Então foi um encontro de emoção e de alegria. Até o Renato Mendonça (jornalista de Zero Hora) elogiou, publicou que uma das coisas mais legais do show era a minha participação. O Nei fez uma nova temporada em (8 a 10 de) fevereiro de 2001 e me chamou de novo. Foi legal. Fiz também com ele show em Novo Hamburgo, quer dizer, ele começou a botar meu nome na roda, através do trabalho dele. Até que em 2001, no primeiro semestre, ele gravou (o CD) Cena Beatnik. Aí ele me disse:

- Olha, tu me desculpa, vou gravar a canção (“Por Aí”) . - Não, não tem problema, mas eu também vou gravar essa canção! Eu ganhei o Fumproarte no meio do ano, em agosto de 2001, e ele já tinha lançado o

Cena Beatnik em junho. Então, na real, “Por Aí” é a única canção que não era inédita, só que acabou ficando uma nova leitura, completamente diferente. A gente selou uma amizade muito legal, eu e o Nei.

B - Então aí tu convidaste o Nei pra fazer uma participação vocal no Na Batida. M - É, exatamente, já que ele me deu esse presente de participar de 2 temporadas do

Cena Beatnik, eu convidei ele pra cantar no CD, ele prontamente aceitou e não só aceitou gravar a canção como também fez o show de lançamento do CD comigo, ele também cantou essa música lá no Theatro São Pedro.

B - Além de cantora e compositora, tu também tens um envolvimento com o teatro bastante forte, inclusive atualmente com o projeto do Theatro do Abelardo. Gostaria que tu falasses sobre isso.

M - Antes de me dedicar à carreira de cantora, eu desenvolvi uma carreira no teatro, como atriz. O último trabalho adulto que eu fiz foi um musical. Fiz a Jacobina (na peça) Jacobina, Uma Balada para o Cristo Mulher, com direção do Camilo de Lélis. Fiz muitos espetáculos infantis também com o Zé Adão Barbosa. Hoje eu tenho uma produtora, sou associada ao Alexandre Fávero, diretor do espetáculo Saci Pererê, A Lenda da Meia-Noite, que é um espetáculo de teatro de sombras. A gente tem a Carta Zero Produtora de Arte, há 7 anos, com foco pra teatro pra empresas. Eu sou associada agora (também) ao Mário de Balenti, diretor do Theatro do Abelardo e do espetáculo O Cavaleiro da Mão de Fogo, que tá em cartaz no Bourbon Shopping Country no 2º piso. É um espetáculo de marionetes de fio e sombras no qual eu também tenho uma participação artística. Eu faço a voz da

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princesa Tranças de Ouro e canto dois solos da trilha musical composta pelo Celau Moreira.

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DO ESPETÁCULO DO DISCO DA PESSOA NELSON COELHO DE CASTRO

Do Espetáculo Nelson Coelho de Castro (doravante denominado NCC) apresentou um espetáculo de

altíssimo nível artístico no Theatro São Pedro em 13 de dezembro de 2002. Oficialmente, ocorria o lançamento do CD Da Pessoa, que já circula nas lojas desde, pelo menos, julho. O conjunto de NCC (ele – voz e violão, Edílson Ávila – guitarra e violão, Mário Carvalho – baixo, Michel Dorfman – teclados e Fernando do Ó e Giovani Berti – percussão) apresenta uma união muito grande, passando ao público a alegria que sente por estar no palco tocando.

NCC iniciou cantando sozinho, acompanhando-se ao violão em várias músicas, entre elas a homenagem a Porto Alegre “Povoado das Águas”, além de dedicar um número a seus filhos Mariana e Nicolas. Chamou a atenção também a inclusão de um fado.

Sim, NCC cultiva gêneros que não são facilmente encontrados nas redondezas. Um exemplo é a marcha-rancho “Colombina”, que o público cantou em peso. Afinal, nada melhor que este ritmo pausado para respirar após o empolgante samba-enredo “Mestre Neri”, em homenagem a Neri Caveira, durante anos mestre da bateria da escola Imperadores do Samba. Nesta hora, todos os músicos deixam seus respectivos instrumentos e empunham peças da bateria, fazendo o momento mais belo da apresentação. É de tirar o fôlego.

NCC brindou a platéia com sucessos seus que não estão em Da Pessoa, como “Vim Vadiá” (que foi o bis), além de interpretar “Tem que Ter Pandeiro” (Túlio Piva). Incluiu no clássico uma introdução reiterativa e imitou os trejeitos e muxoxos de João Gilberto, fechando com referências rápidas a músicas de carnaval, como “A Jardineira” (Benedito Lacerda – Humberto Porto). Os arranjos em geral são muito semelhantes aos do disco, pois no palco estavam os mesmos músicos que participaram da gravação. Mas há nuances, como um destaque maior à percussão (onde reinou absoluto, em toda a noite, o surdo de Fernando do Ó, indicando o rumo) nos sambas “Pérola no Veludo” e “No Braço com a Vida”. Neste, aliás, em dado momento, Giovani Berti, à esquerda do palco, tocava pandeiro com a mão direita, enquanto Fernando do Ó, à direita, fazia o mesmo com a mão esquerda. A produção é caprichada e inteligente, tirando belos efeitos de procedimentos simples como projetar uma bola branca (na verdade, um refletor sem filtro colorido) quando da menção à lua em “Serra Geral”. Um grande espetáculo.

Do Disco O CD Da Pessoa (Fumproarte), gravado em 2001, tem 15 músicas, todas de autoria

de NCC (apenas uma, “Pérola no Veludo”, é em parceria com Cezar Ulysses Coelho de Castro). Várias delas têm menos de um minuto, podendo até ser definidas como vinhetas. Mas é importante notar que elas não são brincadeirinhas, como geralmente as vinhetas são.

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Parece-me que NCC identificou que eram músicas que, embora boas, não renderiam mais do que aquilo – que já estava bom, por sinal. Nestas vinhetas, em geral, NCC acompanha-se ao violão ou conta com o piano de Michel – criando um clima que lembra um pouco o LP Uns, de Caetano Veloso (1983).

Um dos destaques do disco é “Futebol”, música com a qual NCC venceu o prêmio de originalidade no festival Musi-PUC em 1977. Na faixa, a instrumentação típica do samba é usada sem que se configure o ritmo de samba, enquanto na letra o compositor fala de dribles e impedimentos – metáforas à ditadura, pra enganar a censura dos militares.

O grande momento do espetáculo, “Mestre Neri”, deixa um pouco a desejar no CD. NCC inicia acompanhando-se ao violão, depois segue cantando apenas com a percussão dos ritmistas Sandro Gravador, Tiago, Leonardo, Wagner, Sandro Brinco e Darci Caju. A percussão começa um pouco pausada e em seguida fica bem acentuada, batendo forte até o final, onde há, é certo, o bom efeito da voz sumindo, encoberta pelo que seria o recuo da bateria. Creio que um arranjo semelhante ao usado no show, em que a percussão vai se intensificando aos poucos, seria de melhor efeito.

É um CD predominantemente de samba, que contém algumas canções (como as vinhetas “Teu Nome” e “Guia” – esta, um primor nos seus “ão” subindo, até fechar num “não, não” mais grave), reggae (“Outro Mar”) e choro-canção (a ótima “Serra Geral”, com Edílson muito bem no violão de 7). Um grande CD.

Da Pessoa NCC é um compositor-cantor-violonista que está na batalha de ser um branco gaúcho

fazendo samba desde 1974, pelo menos (sem contar sua atividade em coral, desde 1965). Lançou até hoje apenas cinco discos: Juntos (1981), Nelson Coelho de Castro (1983), Força d’Água (1985), Verniz da Madrugada (1996) e este, além de participações em discos de parceiros ou obras coletivas. Modesto, ele costuma perguntar se alguém da sua geração conseguirá deixar um legado semelhante ao de Lupicínio Rodrigues, ou pelo menos criar algo da importância de “A Jardineira”. É difícil responder, mas é fato que muitas das pouco mais de 200 pessoas presentes no TSP cantaram TODAS as músicas junto com Nelson e aplaudiram sinceramente um artista muito criativo e que realiza uma apresentação de altíssima qualidade. Uma grande pessoa.

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ROBERTO PORCHER E FERNANDA RAMOS

Os vencedores do 6º Festival de Música de Porto Alegre, integrantes da banda

Viramundel, falam da vitória e de sua carreira Entrevista realizada em 12 de dezembro de 2003 BRASILEIRINHO - Roberto, como tu começaste a compor? ROBERTO PORCHER - Eu me lembro que eu tava no 3º ano do 2º grau. Eu tinha

um amigo que trabalhava no colégio (Santa Rosa de Lima), era porteiro, e ele chegou, bateu na minha porta e disse: “Pô, cara, taí, tá pintando um festival novo, é o Festival de Porto Alegre, vamos escrever uma música, tem um prêmio legal, de repente a gente consegue divulgação”. E eu: “Tá, mas eu nunca compus, como é que nós vamos fazer isso?” E ele:

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“Não, é fácil, tu vai ver, tu toca teclado tribem” - ele tocava trumpete - “vamos fazer uma letra e vamos mandar”. E eu: “Tá”, aí eu entrei nas pilhas dele, né? Nos juntamos, fizemos uma letra. Depois ele não teve mais muito tempo, eu dei uma melhorada na letra sozinho. Eu comecei a pegar gosto pela coisa, né? Eu escrevia e mudava: “ah, isso aqui não ficou bom, vamos botar outra coisa”. Aí depois nós gravamos a música com a ajuda de uns amigos, que eram professores de música no colégio e mandamos pro Festival. Não classificou mas a alegria de ter gravado uma música minha foi muito grande. Então isso com certeza deu um empurrão inicial pra mim começar a compor e começar com essas histórias de banda, porque eu tocava teclado, estudava teclado, mas era eu sozinho no meu quarto. Isso me abriu uma janela pro mundo. Eu comecei (a pensar): “Vamos montar uma banda, vamos compor, vai ter o Festival no ano que vem de novo”. O início da minha carreira de compositor foi através do 1º Festival de Música (de Porto Alegre, em 1998).

BRASILEIRINHO - Depois teve um momento marcante, no 4º Festival (em 2001), que tu participavas da banda Daniel e a Cova dos Leões.

ROBERTO - Isso aí. O Daniel (Hoeltz), excelente compositor, tem várias músicas boas. Ele já vinha fazendo um trabalho de arranjo das músicas dele pro Festival, passou pra 2ª fase, ele e mais dois colegas meus, o César Queirós e o Titeu Moraes. Os dois tavam acompanhando ele no violão e quando ele passou pra final, aí pintou o convite: “Vamos engordar a música, vamos fazer um arranjo mais elaborado pra impressionar na final”. Me chamaram, curiosamente pra tocar violão, porque até então eu dominava mais o teclado. Preparamos a música, eu achei muito interessante porque ele fazia uma mistura de capoeira com pandeiro e ele usava os violões de uma forma percussiva. Isso acho que foi muito importante também no nosso arranjo, a gente abafava as cordas e fazia percussão no violão. Então eu acho que me acrescentou muito aquela experiência, porque me deixou assim: “Bah, eu ganhei! Mas eu não sou o compositor. Mas eu ganhei também! Afinal, o que que é isso? Não, mas eu quero ganhar como compositor, né?” Aí no Festival passado (5º Festival, 2002), eu já me juntei com a Fernanda Ramos, a gente fez algumas músicas, e ela classificou duas músicas só dela. Normalmente é uma só que passa. Mandamos as duas e não conseguimos nos classificar. Pôxa, eu tinha ganho como músico no Festival passado, aí no 5º Festival a gente chegou quase na última fase assim com duas músicas, e eu: “Não, não é possível, neste (6º Festival) vai ter que dar!” Então a gente se juntou, fez essa música (“Minha Parte”) em parceria. Juntou as energias dos dois e mandamos ver, aí deu certo! (risos)

BRASILEIRINHO - Fernanda, queria que tu falasse de como é que tu começaste a compor.

FERNANDA RAMOS - A minha história com a música vem desde criança. Eu fazia coral na escola, daí um tempo eu parei, voltei a cantar em barzinho, com uns amigos da minha mãe. Eu era bem novinha e eles já eram músicos profissionais, mas sempre (atuei) como intérprete. Quando eu conheci o Roberto, ele até me incentivou: “Vamos compor junto, vamos ver o que que dá”. E eu gostava muito de escrever poemas. Então eu comecei a pegar os meus poemas e dar um outro formato pra eles, formato de música, o Roberto colocava as melodias pra mim, às vezes... Aí a gente começou. A gente teve uma química legal pra trabalhar com composição, por gostar dos mesmos estilos de música, ter as mesmas preferências musicais. O ano passado foi onde a gente mais compôs junto e trabalhou junto, tanto que eu classifiquei duas músicas minhas (no Festival) e chamei o Roberto pra gente montar uma banda praquela etapa. Apesar da gente não ter classificado pra final, foi quando a gente viu que a gente dava certo. A gente montou a Viramundel e a

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partir dali, de um ano pra cá, a gente trabalhou junto e eu sempre digo que o trabalho aparece quando o trabalhador tá pronto, né? Eu acho que o Festival do ano passado serviu pra gente ver que a gente tinha capacidade, que a gente gostava do que a gente fazia, a gente se dava bem trabalhando juntos, não só eu e o Roberto como toda a Viramundel, e de um ano pra cá a gente veio se esforçando bastante nos arranjos das outras músicas próprias que a gente tem. Quando surgiu essa oportunidade de ir pra final do Festival foi muito bom, a gente fez um arranjo aí com a cara do Festival, aquilo que a gente achava que seria necessário pra ter o diferencial num festival de música. Tanto que essa música difere um pouquinho do estilo próprio das outras músicas da banda. E foi, aconteceu, uma alegria enorme, depois de anos, o Roberto que vem desde o 1º Festival, eu venho desde o 5º, é fantástico no 6º Festival tu poder dizer: “Conseguimos!”.

BRASILEIRINHO - Qual é o estilo predominante das músicas que vocês fazem e são interpretadas pela banda Viramundel?

ROBERTO - Olha, o estilo predominante é a mistura dos estilos, eu acho! (risos) FERNANDA - Ah, o predominante é pop. ROBERTO - É pop, com certeza. É uma música com apelo popular. Uma música que

não é pra ti tocar pra músicos ouvirem, tá, que o pessoal costuma fazer isso. Não é experimentalismo direto, apesar de eu ter como ídolo o Hermeto Paschoal, entendeu, eu não busco aquela escola, completamente. Eu busco uma música popular, que vai tocar no rádio, a pessoa vai ouvir, vai gostar...

FERNANDA - A gente pega aquela fórmula que a gente tem uma idéia que vai ter uma boa repercussão pra quem tá ouvindo e não entende de música. A gente pega aquela fórmula e coloca um elemento aqui, um elemento ali, diferente daquele padrão, daquele pacote que tá na grande mídia. Alguma coisa a gente tenta inovar de uma forma bem... não como o mestre Hermeto, né (risos), a gente vem muito mais suave. A gente tenta dar um toque diferencial, mas dentro do formato pop.

ROBERTO - Até porque eu acho que, além dessa coisa, desse cuidado com os arranjos, de fugir um pouco do jargão as próprias letras, as composições, eu vejo algo de muito especial assim, não só nas minhas, mas principalmente as do Felipe Vargas, que é o outro compositor da banda. Ele, não sei se tem que ver com o que ele faz, que ele cursa Psicologia, mas ele traz todo um outro lado de ver o mundo, usando figuras de linguagem, e eu acho que isso aí traz uma dimensão pra banda que tu não encontra em qualquer banda, né? É algo que a pessoa tá escutando a música, tá vendo a cena, mais ou menos isso.

BRASILEIRINHO - É uma coisa interessante também que tenha mais de uma pessoa compondo na banda, porque muitas bandas são extensões da personalidade do vocalista-compositor-guitarrista, que é a pessoa que acaba concentrando todas as atenções. É legal que existam bandas assim em que, digamos, o poder é repartido mais democraticamente.

ROBERTO - Não, com certeza, é uma preocupação a gente não ter cada um a sua função. Todo mundo trabalha junto, decide junto as coisas, tanto é que eu toco teclado e violão; a Fernanda canta e toca teclado; o Felipe toca...

FERNANDA - Guitarra. ROBERTO - Violão, guitarra e canta; aí o Daniel, ele toca bateria, percussão, faz uns

backing vocals; o Leonardo, que é baixista, também manda guitarra, então a gente tenta fazer essas misturas, pra não deixar padrão. Todo mundo é Viramundel.

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FERNANDA - É, nós temos 3 compositores e 5 arranjadores. Na hora de arranjar todos participam. Então acho que isso ajuda também a ter aquele pouquinho de hibridismo, que o Felipe tanto gosta dessa palavra, a banda híbrida.

BRASILEIRINHO - E a banda híbrida tá com planos pós-festival, já pensando em 2004?

ROBERTO - Bah! Eu costumo comentar e brincar com o pessoal assim: “Será que nós vamos entrar no Festival 2004?” Que eu tenho dúvidas, se eu tiver lá, por acaso, na final, se eu vou ganhar o prêmio duas vezes consecutivas. Então a gente tá pensando em focar outros lances agora, tentar fazer mais uma estratégia de divulgação, buscando outros espaços. Vamos nos informar que que precisa pra concorrer ao Açorianos, vamos trabalhar shows em teatro. Agora a gente tá com contato com uma produtora que gostou da banda, tá investindo um monte, então a gente vai buscar um selo pra gravar um CD. São projetos mais externos, mas nunca deixando de lado o pessoal do Festival. Até por eu ter participado da história do 4º Festival com o Daniel Hoeltz, eu tô em contato com ele direto, a gente quer movimentar aí o pessoal da Prefeitura e dos festivais. A gente tá até combinando de os seis vencedores que tiveram até agora formarem uma equipe legal. Vamos agitar, vamos tentar fazer shows dos vencedores, vamos dar um suporte pra quem constrói o festival, de repente dar idéias. A gente que já ganhou tem várias opiniões pra passar que podem melhorar o formato, né?

FERNANDA - O Festival, a gente acha que é uma boa porta de entrada, principalmente pra quem ainda não teve oportunidade de mostrar o seu trabalho. Então acho que quem já conseguiu chegar, ser vencedor do Festival, tem que se unir e dar suporte pras novas produções que vão vir. Roberto falou dos nossos projetos a médio prazo, a longo prazo. A curto prazo, eu diria que é a gente estar na rua fazendo show pra ter contato com o público, porque é o que move a gente, né?

BRASILEIRINHO - E esses projetos a curto, médio e longo prazo da Viramundel são compatíveis com a tua continuidade n’ A Falha de Santo André?

ROBERTO - Com certeza (risos). Assim, ó: eu tenho mais 4 bandas além da Viramundel. Eu, às vezes, acordo e penso: “Quem sou eu? Como é que eu faço tanta coisa?” Porque eu tenho uma rotina muito louca, cara, eu dou aula todos os dias de manhã, entende, eu tenho aula todos os dias de tarde na faculdade, eu faço Direito, tem aulas particulares que eu dou de noite e daí sobram ainda algumas noites pra trabalhar com mais 4 bandas além da Viramundel, pra namorar (risos), pra descansar e pra estudar pras provas da faculdade. Então, às vezes, tem épocas do ano que o pessoal me liga, não posso falar, porque é uma loucura. Mas com certeza, cara, a gente tenta dar o melhor em cada espaço que a gente tá ocupando. Então eu, com o Jorge Herrmann, o pessoal d’A Falha de Santo André, tenho um compromisso de compor junto, de arranjar as músicas, de fazer todo um trabalho de teatro. É uma banda (que) tem um som bem do Sul. Nós usamos tambores, coisas tribais. O Jorge tem uma forte escola do minimalismo, ele usa poucos elementos, sons mântricos, assim, de absorver toda a atmosfera do ambiente e eu acho isso muito legal. Não pretendo largar a Falha - a menos que nós façamos muito sucesso (risos). Se a gente virar um Titãs da vida, bom, aí eu consigo um tecladista até melhor que eu pra eles, e eu vou fazer meu sucesso, mas por enquanto vamos tentar conciliar tudo, né?

BRASILEIRINHO - Roberto, um dos integrantes atuais da Viramundel, o Felipe, ele já é um parceiro teu de mais tempo, né?

ROBERTO - É, o Felipe... eu falei antes que eu tive um conhecido que me propulsionou a começar a compor, e teve os conhecidos que me propulsionaram a começar

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a tocar com banda. Foi na mesma época, do 1º Festival também. E um deles foi o Felipe. A gente estudou no mesmo colégio. Resolvemos montar uma banda ali de ex-alunos do colégio, alguns ainda estudavam ali. Essa banda foi coordenada pelo Clóvis, que era o professor de música. A gente teve essa banda por um longo período, mais de 3 anos de coisas boas e coisas ruins acontecendo, e essa convivência ajudou muito no que é hoje a Viramundel, a gente passou a se conhecer, porque pra ti ter um colega de profissão tu não pode só (dizer): “bom dia”, “vamos trabalhar”, “tchau”. É uma coisa que acaba envolvendo um pouco mais. O Felipe se tornou um parceiro tanto nas horas em cima do palco quanto fora do palco, então acho que com certeza tudo que a gente acumula de experiência na vida vai nos ajudar algum dia.

***

TERROR DOS FACÕES HOMENAGEIA RADAMÉS E QUINTANA Em 2006, completaram 100 anos de nascimento dois ilustres gaúchos: o compositor e

maestro Radamés Gnattali e o poeta Mário Quintana. Prestar esta dupla homenagem foi a proposta da Seresta na Casa, que aconteceu em 12 de julho na Sala Luís Cosme (Casa de Cultura Mário Quintana - Porto Alegre) - lotada, como nos bons tempos do projeto Na Roda do Choro.

Floreny Ribeiro declamou poemas de Quintana, enquanto a parte musical esteve a cargo do grupo Terror dos Facões: Diogo Jackle e Caoan Goulart (violões), Pedro Franco (bandolim), Vinicius Ferrão (cavaquinho) e Guilherme Sanches (percussão). Diogo, Vinicius e Guilherme integram o grupo Choro Negro, formado a partir das oficinas de choro de Luís Machado no Santander Cultural, onde também se revelaram Pedro e Caoan. O batismo desta formação como "Terror dos Facões" foi dado por Luciana Rabello, quando os jovens chorões porto-alegrenses participaram do festival de Mendes (RJ), em janeiro. Ao ouvi-los, Luciana associou a qualidade de sua execução ao que se comenta do grupo de mesmo nome liderado por Octávio Dutra, na Porto Alegre do começo do século 20 (ei, justamente a época em que nasceram Radamés e Quintana!).

O Terror deixou a desejar naquela que ousadamente foi escolhida para a abertura dos trabalhos: a suíte "Retratos". O que não deixa de ser compreensível, afinal trata-se de uma composição escrita por Radamés para bandolim e orquestra - aliás, a bem da verdade, para Jacob do Bandolim e orquestra regida por Radamés. É uma música muito difícil! Individualmente, os instrumentistas estiveram bem nesta peça, o que talvez tenha faltado tenha sido mais ensaio de conjunto; ficou sensível uma falta de fluidez na execução, que se ressentiu de várias "paradinhas" não previstas na pauta. A interpretação do grupo esteve melhor nos choros "Serenata no Joá", "Papo de Anjo", "Tristonho" e "Remexendo" e caiu um pouco na valsa "Caminho da Saudade". Todas as músicas apresentadas eram da autoria de Radamés.

Dos integrantes do grupo, quero chamar a atenção para Pedro. Ele surgiu nas oficinas de Machado como cavaquinho solista; agora ao bandolim, toca de forma que seu instrumento acaba por se destacar, estando porém perfeitamente integrado ao som do grupo.

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TRIO BRASIL BEM SOADO

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O Trio Brasil Bem Soado (Eldade Chapper – clarinete, Johannes Doll – saxofone

soprano, Pedro Homero – violão), que se dedica ao resgate da produção instrumental da primeira metade do século passado, apresentou-se três noites seguidas no Fellini Piano Bar – 21, 22 e 23 de novembro de 2002.

Na noite de 23, o trio iniciou seu espetáculo com músicas de Octávio Dutra (1884-1937), o compositor porto-alegrense mais importante das décadas de 1910 e 1920 (para saber mais sobre o criador do Terror dos Facões, recomendamos o livro Octávio Dutra na História da Música de Porto Alegre, de Hardy Vedana, Porto Alegre: edição do autor, 2000). Através de choros, polcas e maxixes como “Mulher Fingida” e “Celina”, o público pôde conhecer o que se ouvia na capital gaúcha há 80 anos, antes do advento do rádio. A propósito, Eldade desfia uma tese interessante: Octávio Dutra foi genial pela quantidade de músicas que compôs, não pela qualidade delas (embora haja muitas realmente muito boas). A primeira parte do espetáculo se encerrou com músicas de um aluno aplicado de Octávio, o flautista Dante Santoro: “Gilka” e “Quando Minha Flauta Chora”.

Na seqüência, o trio brindou a platéia com clássicos do repertório de choro, como “Odeon” (Ernesto Nazareth), “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo) e “Ingênuo” (Pixinguinha), no qual o clarinete de Eldade imita uma cuíca nos últimos compassos.

De modo geral, a interpretação do Brasil Bem Soado equilibra-se entre o dolente e o alegre. O clarinete e o sax, muitas vezes, unem seus timbres em belos uníssonos. Quem julga que faltaria um instrumento de percussão para “fechar” o som do grupo, engana-se: Pedro Homero, no violão, dá conta tanto da parte harmônica quanto da rítmica. Como, por sinal, demonstrou após o final da apresentação do trio, quando solou vários temas flamencos ao lado de arranjos originais para “Luar do Sertão” (João Pernambuco – Catulo da Paixão Cearense) e “O Barquinho” (Roberto Menescal – Ronaldo Bôscoli).

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Mistura e Manda nº 113 (8/8/2005) PEDRO HOMERO (1936-2005)

O músico e artista plástico Pedro Homero faleceu em Porto Alegre na segunda, 1. Seu

trabalho na pintura deu-lhe projeção internacional, com a edição de cinco obras suas como cartões-postais na França em 2004. Antes disso, integrou a Frente Negra de Arte, pois sempre batalhou pela igualdade racial e pela liberdade religiosa dos cultos afro-brasileiros.

Foi na música, porém, que seu trabalho foi mais diversificado. Ele conseguia ter bom trânsito em áreas geralmente restritas como os festivais nativistas (compondo e tocando) e o carnaval porto-alegrense, sendo autor de diversos sambas-enredo. Também se dedicou ao choro, integrando, ao lado de Eldade Chapper e Johannes Doll o Trio Brasil Bem Soado.

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FESTIVAIS / SHOWS COLETIVOS

FESTIVAL DE PORTO ALEGRE: CAMINHOS PERCORRIDOS, RUMOS POSSÍVEIS

O Festival de Música de Porto Alegre foi criado pela Prefeitura em 1998, a partir de

solicitação da comunidade no Orçamento Participativo (OP). O evento adotou um modelo peculiar, em que se parte da divisão da cidade em 16 regiões pelo OP para efeitos de inscrição no Festival. Até 2002, cada região fazia sua eliminatória, escolhendo a música representante para a finalíssima, realizada em duas noites no Auditório Araújo Vianna. O show de intervalo das eliminatórias geralmente contava com um artista profissional da cidade - o que se repetia nas noites da final, com exceção da primeira edição, em 1998, quando os shows ficaram a cargo de Edu Lobo e Bezerra da Silva. Em 2003, a crise financeira atravessada pelo município levou ao corte ou à redução de uma série de itens do orçamento da Secretaria Municipal da Cultura (SMC), e isso se refletiu no Festival. Este ano não se realizaram as Eliminatórias, mantendo-se as duas noites de final (na contramão da maioria dos festivais do Rio Grande do Sul, em que são feitas duas noites de apresentação das concorrentes e uma de final, com as melhores das duas primeiras noites).

No debate sobre o Festival realizado na noite de 5 de dezembro de 2003, em que se fez uma avaliação da trajetória do certame e se buscou apontar rumos para o futuro, o coordenador de Música da SMC, Álvaro Santi, apresentou as estatísticas sobre as cinco primeiras edições. O gasto total da Prefeitura com o Festival até hoje totaliza R$ 1, 2 milhão - em média, R$ 200 mil por ano. Ano a ano, o investimento foi de R$ 162 mil (em 1998), R$ 260 mil (o maior, em 1999), R$ 183 mil (2000), R$ 231 mil (2001) e R$ 204 mil (2002). Em 2003, o valor está entre R$ 110 mil (segundo Santi) e R$ 160 mil (para fechar os R$ 1,2 milhão apresentados pela SMC como total) - o menor da história, de qualquer forma. Santi acrescentou que os custos são diluídos “porque a organização do Festival utiliza a estrutura da SMC, um produtor privado certamente gastaria mais”.

O número de músicas inscritas no Festival está em queda livre. No primeiro ano (1998), foram 882; em 1999, 1.210 (o recorde); em 2000, 793; em 2001, 935; em 2002, 580; e em 2003, 566 (o menor número), totalizando 4.966, com média anual de 827 composições. A afluência de público também vem caindo: no primeiro ano, 1998, já se estabeleceu o recorde: 28.000; em 1999, foram 18.700; em 2000, 24.000; em 2001, 26.100; e em 2002, 11.400 (o mais baixo até então), num total de 108.200 espectadores, com 21.640 de média anual. Como a lotação atual do Araújo, depois da reforma de 1996, é de 3.000 lugares (conforme Santi me informou via e-mail em 5 de maio de 2004), estes dados incluem o público das Eliminatórias. Logo, o próprio formato da 6ª edição já estabelecia implicitamente que ela registraria o menor público da história do evento.

É importante observar que, no debate, a maioria dos participantes sem vínculo com a SMC defendeu, em primeiro lugar, a manutenção da realização do Festival (a hipótese de cancelá-lo, a bem da verdade, não chegou a ser ventilada por nenhum representante da Prefeitura, embora estivesse implícita nos números apresentados e no formato deste ano), e em segundo lugar, a volta do formato anterior - embora seja visível que ele já não fosse mais capaz de mobilizar músicos e público como nos primeiros anos.

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Uma forte reivindicação é para que o Festival ou mesmo a Prefeitura ajude a carreira dos vencedores. Amaro, da banda Anahata, sugeriu que o Festival assegure a gravação de um CD inteiro para o vencedor (em cada Festival até 2002, era gravado um CD com os campeões de cada região, num total de 16 faixas; em 2003, foi feita uma seleção com as 17 músicas da finalíssima que receberam mais pontos do júri). Daniel Hoeltz, da banda Daniel & A Cova dos Leões, vencedora do 4º Festival, solicitou novos espaços para que a banda vencedora e outras reveladas nas Eliminatórias possam se apresentar, até como forma da cidade se preparar para o Festival seguinte. “Após o Festival, fiquei decepcionado, o espaço é difícil”, comentou. Xandeli, vencedor do 1º Festival, lamentou que nunca tenha sido chamado para entregar um prêmio nos Festivais seguintes, além de solicitar uma remuneração para os músicos que defendem as músicas na final, “isso nunca rolou”. De qualquer forma, Daniel, Xandeli, Leandro Maia (ex-integrante da extinta banda Café Acústico), Rodrigo (da banda Arauak) e a cantora Bianca Fachel lembraram que suas bandas tiveram um bom impulso na carreira após a vitória ou mesmo a participação no Festival.

Bianca destacou o papel do Festival para que ela resolvesse encarar com seriedade a carreira musical. O compositor Roberto Porcher (que dias depois se sagraria vencedor da 6ª edição) concordou, lembrando que um amigo seu o convenceu a começar a compor por ocasião do 1º Festival. Leandro revelou ter feito o mesmo com Alexandre Fisch, que escreveu “Retirantes”, 1º lugar no 2º Festival, defendida pela Café Acústico.

Gilmar Eitelvein, diretor da Usina do Gasômetro, defendeu a idéia da Prefeitura ajudar os vencedores a circularem melhor pela cidade, como acontecia no extinto projeto Cultura Por Aqui, e se posicionou pela volta das Eliminatórias. Noé Corrêa, das Oficinas de Música da SMC, também se manifestou pelo retorno do formato anterior, e lembrou que o Cultura Por Aqui garantia apresentações em várias regiões da cidade ao 2º colocado no Festival, mas muitas vezes era difícil localizar a banda, que se formava só para o certame e depois se dissolvia. Leandro afirmou: “Sinto falta de equipamentos culturais, teatros, auditórios nos bairros, para apresentação de quem tocou no Festival, aos domingos. A descentralização se dá no dia-a-dia, não seria questão de muitos recursos.” Porcher destacou que “a gente quer é mostrar o trabalho, sem se importar se tá ganhando ou não”.

Com a possível volta das Eliminatórias, como ficaria o show de intervalo em cada uma? Vanderlei (da banda Indigentes) acha interessante que o vencedor de uma região num ano toque em outra no ano seguinte, “é legal o vencedor da região Navegantes tocar na Centro”. Noé prefere que o show caiba ao vencedor da própria região do ano anterior. Vanderlei gostaria ainda que o vencedor do Festival fosse impedido pelo regulamento de concorrer no ano seguinte.

Vanderlei questionou o processo de seleção dos jurados: “Só em um Festival minha opinião coincidiu com a do júri”. Santi esclareceu que, nas eliminatórias regionais, o júri é escolhido pela Comissão de Cultura da região, a partir de uma lista preliminar de 60 nomes elaborada pela SMC, que se reserva a seleção dos 7 jurados da finalíssima.

Rodrigo levantou a hipótese de a letra da música vencedora de cada região passar a integrar o projeto Poemas no Ônibus. Vanderlei pediu que as letras das músicas não classificadas para a final possam concorrer também na categoria Melhor Letra.

Beto Souza, da banda Zero Cinco Um, sugeriu que a Prefeitura abra uma rádio para rodar as músicas vencedoras do Festival. Luiz Mauro, da SMC, descartou a idéia, sugerindo que os músicos das bandas vencedoras se organizem numa cooperativa para comprar espaço nas rádios comerciais a fim de fazer um programa. Vanderlei também defendeu a

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união dos vencedores, para fazer divulgação conjunta e para negociar com a Prefeitura. Santi e Sílvia Abreu, jornalista e divulgadora do 6º Festival, destacaram que a prática do jabá inviabiliza que os CDs do Festival e os financiados pelo Fumproarte rodem nas rádios comerciais. Luiz Mauro e Rodrigo lembraram que as rádios comunitárias são um importante canal para furar o bloqueio das rádios comerciais. Santi elogiou o trabalho das comunitárias e colocou à disposição delas pacotes com 20 CDs editados pela Prefeitura, que podem ser retirados na Coordenação de Música pelos responsáveis pelas emissoras ou mesmo enviados a rádios do interior do Estado sem custo.

Leandro sugeriu a criação de um arquivo histórico com todas as músicas inscritas para o Festival. Santi descartou a idéia, pois o regulamento obriga à destruição das fitas utilizadas na inscrição, segundo ele, por questão de direitos autorais, já que a guarda das músicas caberia à Prefeitura.

Alguns dos participantes, como Bianca, Vanderlei, Sílvia e o baixista Alexandre Vieira, exortaram os músicos a batalhar por conta própria, sem esperar que a Prefeitura abra espaços.

Luiz Mauro lembrou aos músicos que procurem outros festivais, no Rio Grande do Sul através do IGTF (Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore) e no país pelo site www.festivaisdobrasil.com.br

Bianca apresentou duas sugestões: mais debates (Amaro e Rodrigo concordaram) e a criação de novas categorias, como a instrumental.

A presença de Nei Lisboa no show da última noite do festival foi também objeto de controvérsia. Porcher, ressalvando que considera o artista “trilegal”, preferia ver o vencedor do ano passado, ou algum ganhador do prêmio Açorianos. Alexandre Vieira considerou importante a presença de Nei, “patrimônio nosso”, para atrair público. Vanderlei concordou. Santi foi pelo mesmo caminho, assinalando que é importante para o participante do Festival ter contato com um profissional de renome e também para que o público que venha ouvir Nei Lisboa conheça os novos talentos das regiões da cidade. Nesse sentido, Santi defendeu ainda a presença de “medalhão” nacional - uma pretensão para este ano que a falta de recursos podou -, para que conheça a força da música local e saia falando bem de Porto Alegre. Foi justamente o que aconteceu, segundo Noé, com Bezerra da Silva, que seguidamente comentava sua participação no encerramento do 1º Festival.

Leandro advertiu para o perigo de músicos profissionais tirarem espaço dos amadores no certame. Paulo Nascimento, vencedor do 3º Festival, acredita que isso cabe aos jurados. Alexandre Vieira julga que a estrutura do Festival resolve essa questão, principalmente pelo valor baixo de premiação (neste ano, R$ 2 mil para o primeiro lugar). Santi esclareceu que a intenção do valor de premiação nesta faixa é justamente para diminuir a possibilidade de que um profissional “tire espaço” de um amador, ressaltando que “não há como impedir o profissional de participar”.

Para quem esteja achando que houve muitas reclamações no debate, deixo a frase de Rodrigo que, de certa forma, resumiu as diversas manifestações: “Sempre vai ter reclamação a fazer, a gente sempre cria expectativas maiores que o que acontece”.

A partir desta reunião e da edição 2003 do Festival, a idéia da SMC é retomar o debate em março de 2004 para definir, em fóruns regionais, o novo formato para o 7º Festival, de acordo com Adroaldo Corrêa, coordenador da Descentralização.

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SANATÓRIO GERAL Foi um grande sucesso a homenagem aos 60 anos de Chico Buarque ocorrida em 9 de

julho de 2004 no Cia. de Arte Café, com apoio do Jornal Vaia e do Brasileirinho. O evento foi batizado como Sanatório Geral, aludindo à escola de samba cujo desfile Chico e Francis Hime descrevem em “Vai Passar”.

Coube-me falar na abertura, abordando alguns aspectos da obra de Chico; aproveitei para contar passagens pouco conhecidas de sua vida, como seu primeiro encontro com Elis Regina.

Na seqüência, vários grupos se apresentaram, interpretando pérolas da obra buarquiana. O Macambira (formado por integrantes da Camerata Brasileira) atacou de “Feijoada Completa”. Os dois bandolinistas do grupo tiveram seu momento solo: Rafael Ferrari tocou “Gente Humilde” (Garoto - Vinicius de Moraes - Chico), enfrentando alguns percalços em relação ao som, e Luís Barcelos apresentou uma versão irreconhecível de “O Que Será (À Flor da Terra)”. Muito aplaudidas também as atuações da cantora Luciana Pauli (da banda Anahata), que foi acompanhada João Mayer ao violão, e da atriz Daniela Aquino, que esteve soberba no trecho que apresentou da peça Gota d’Água, de Chico e Paulo Pontes. Outra atriz, Rosaura Costa, leu dramaticamente as letras de “Cálice” (Gilberto Gil - Chico) e “Milagre Brasileiro” (esta, assinada por Chico como Julinho da Adelaide).

Também tocaram Sil, Zé da Terreira, Coca Barbosa & Siboney, Otávio Santos & Carolina, Edu Saffi, Márcio Sobrosa, Rogério Lauda, Leonel Schardong, Mozart Dutra, Giovani Mesquita e Maria Carmen, entre outros.

Ao final, o DJ Fred colocou todo mundo pra chacoalhar o esqueleto com uma seleção de Chico, Alcione, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Tim Maia, Jair Rodrigues, Elza Soares, Jorge Ben e outros grandes benfeitores da Humanidade.

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A MOBILIZAÇÃO DOS MÚSICOS GAÚCHOS

Durou mais de quatro horas o ato-show no Salão de Atos da UFRGS que marcou a

participação dos músicos gaúchos em 10 de julho de 2005, escolhido pela categoria como Dia Nacional de Mobilização. A idéia do movimento foi apresentada pelo compositor Cláudio Levitan numa das reuniões do Fórum Permanente de Música do RS. O ponto alto do show foi a execução do Acorde Nacional, que iniciou em Belém do Pará e teria seu final justamente em Porto Alegre, com a emissão de um si bemol agudo. Pouco depois das 17h, Levitan recebia o sinal pelo celular e coube a Leandro Maia reger a platéia, com o apoio de Airton Pimentel e Luiz Mauro (violões), Rodrigo Siervo (sax) e Marcelo Lehmann (piano). Também se destacaram: a primeira audição da música “Em Si”, de Dúnia Elias, com a autora ao piano e cantando (o que raramente acontece); a canja do pianista uruguaio Hugo Fatoruso, que havia tocado no Santander Cultural na mesma tarde e fez questão de apoiar os colegas; a defesa que Adriana Marques (da Rádio Esmeralda) fez de que espaços que em geral ficam ociosos aos domingos (como o Salão de Atos) possam abrir para que os músicos toquem de graça, ajudando na formação de platéias.

O pequeno público presente pôde acompanhar ainda Adriana Deffenti, Álvaro Santi & André Márcio, Arthur de Faria, Bleque, Cláudio Levitan & Os Tripulantes, Cláudio Vera

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Cruz, Ernesto Fagundes, Izabel L’Aryan & Airton Pimentel, Jotaagá & Chico Neto (do Fróide Explica), Leonardo Ribeiro, Loma & Daniel Pereira (numa excelente versão de “Mucuripe”, de Fagner e Belchior), Lúcia Helena & Gelson Oliveira, Luizinho Santos Quarteto, Marcelo Delacroix, Mário Falcão, Nelson Coelho de Castro, Pata de Elefante, Os PoETs, Rádio Esmeralda (cuja versão de “Chatanooga Choo Choo”, de Mack Gordon e Harry Warren, está cada vez melhor), Rafael Ferrari (bandolim) & Rafael Silva (violão), Sil, e Zilah Machado.

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COMEMORANDO OS 61 ANOS DE ELIS Se viva estivesse, a cantora Elis Regina completaria 61 anos em 17 de março de 2006.

Completaria? Ela está mais viva do que nunca, ao menos para seus admiradores. Foi o que disse o diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, Sérgio Napp, ao falar no evento comemorativo promovido pelo Acervo Elis Regina, mantido pela CCMQ.

Inaugurado em setembro de 2005, pela primeira vez o Acervo promoveu um evento valorizando a imagem de sua homenageada. Além da fala de Napp (à qual voltaremos), os presentes puderam ouvir Tribo Brasil, Karine Cunha, Darcy Alves e Luciano Fortes interpretando músicas consagradas na voz de Elis (ah, ia esquecendo, os funcionários do Acervo também quiseram homenagear Elis, cantando).

A Tribo Brasil trouxe versões muito boas de “Upa, Neguinho” (Edu Lobo - Gianfrancesco Guarnieri) e “Canto de Ossanha” (Baden Powell - Vinicius de Moraes), seguindo a linha melódica dos arranjos originais, mas colocando pitadas bem-humoradas de inovação - como transformar o vocalise final de “Upa, Neguinho” em “tri-pra-cantar” (observação pra quem não é gaúcho: “tri” é uma gíria local pra definir uma coisa que impressiona bem, que é muito boa... enfim, que é muito tri!) No caso, parece uma redução de “tri a fim”, ou seja, o grupo manifestava que estava muito empolgado com a idéia de cantar no aniversário de Elis (a empolgação se transmitiu ao público ao ouvi-los!).

Karine repetiu, em voz e violão, a sua bela versão de “Essa Mulher” (de Joyce, faixa-título do LP de Elis de 1979), que cantara na véspera no foyer do Theatro São Pedro, acompanhada pelo piano de Bethy Krieger. Karine consegue uma proeza, mantendo a voz segura num trecho em que a própria Elis tinha dificuldade, no verso “Seca o bar”.

Darcy Alves, com seu vozeirão característico, interpretou corretamente clássicos de Lupicínio Rodrigues (apenas um dos quais efetivamente gravado por Elis, “Cadeira Vazia”, parceria com Alcides Gonçalves), acompanhando-se ao violão. Já Luciano não esteve muito bem nas suas versões de “Águas de Março” (Tom Jobim), da qual apenas lembrou a primeira parte, e “As Curvas da Estrada de Santos” (Roberto Carlos - Erasmo Carlos) - tudo bem que seja uma música difícil, afinal as únicas gravações dela que entraram para o inconsciente coletivo são de Elis e do próprio Roberto, inegavelmente dois dos (para mim os dois) maiores intérpretes que este país já produziu, mas a dificuldade do trajeto deve ser avaliada antes de se tomar a estrada...

Em seu pronunciamento, Napp contou aspectos pouco conhecidos da trajetória de Elis, de quem foi amigo. Eles se conheceram em 1963 quando, ainda estudante de Engenharia, ele já compunha e foi à casa dela no IAPI levar-lhe algumas músicas (uma delas, “Meus Olhos”, entrou no LP O Bem do Amor, que Elis gravou em 1963 na CBS). No ano seguinte, com Elis já instalada no Rio de Janeiro, Napp, ao visitá-la, presenciou sua

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negociação com a Odeon, que disputava com a RCA Victor o novo contrato de Elis, que não queria seguir na CBS. Poucos dias depois, ao retornar a Porto Alegre, Napp soube que ela fechara com a Philips. (A versão da biografia Furacão Elis, de Regina Echeverria, para o fato é de que Elis já teria viajado ao Rio com convite da Philips, embora ainda devesse um disco à CBS.)

O diretor da Casa também relatou a dificuldade que é ampliar o acervo. Os filhos de Elis não chegaram a doar nenhum material ou objeto da artista. Ainda sobre família: corre na CCMQ a lenda de que dona Ercy Carvalho Costa, a mãe de Elis, teria visitado o Acervo incógnita, só se descobrindo o fato devido à sua assinatura (ou uma assinatura muito parecida com a sua) no livro de visitas do espaço (livro que tenho o orgulho de ter inaugurado!). Já o acesso a material de TV é restrito. Como nenhuma afiliada gaúcha de rede nacional de TV pode ceder material gerado pela emissora líder (ou seja, a RBS TV não pode disponibilizar nada que tenha sido produzido pela Rede Globo), o que se tem nesse sentido é muito pouco, com destaque para algumas entrevistas que Elis concedeu ao Jornal do Almoço.

Depois dos shows e da fala de Napp, a festa seguiu com a exibição de vídeos de Elis, incluindo uma raríssima relíquia dos arquivos tantas vezes incendiados da TV Record: a premiação de Elis como vencedora da Bienal do Samba (1968) cantando “Lapinha” (Baden Powell - Paulo César Pinheiro), acompanhada dos Originais do Samba e do próprio Baden ao violão - ao final, outros artistas, como Ciro Monteiro, engrossaram o coro.

A lamentar mesmo, apenas a grave falha da Comunicação da Casa, que incluiu no release, não se sabe como & por quê, um debate entre Napp e o jornalista Juarez Fonseca - o convite a Fonseca nem chegou a acontecer, revelou Napp.

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O AUTOR

Fabio Gomes (Porto Alegre, RS, 1971-) é jornalista, escritor e cartunista. Produziu e

apresentou o programa MPB Especial na Rádio Revista (Bento Gonçalves, 1991-92). Criou em 2002 o site Brasileirinho – A Sua Página de Música Brasileira (www.brasileirinho.mus.br), selecionado em 2004 pela Comissão Regional do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para representar o Rio Grande do Sul na categoria Divulgação da Cultura Brasileira do Prêmio Rodrigo Melo Franco. Colaborou em 2004 com o programa Samba da Minha Terra (Rádio América, São Paulo).

Ministrou o curso Panorama Histórico da Música Brasileira na Universidade de Passo Fundo (RS)(2004) e na Fundação dos Administradores do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, 2005). Apresentou comunicação sobre O Trabalho na Música Popular Brasileira no 2º Colóquio Internacional Cátedra Unesco-Unisinos/5º Encontro de Estudos sobre o Mundo do Trabalho (Unisinos, São Leopoldo, RS, 2005), destacando em especial o ciclo de sambas sobre malandragem e trabalho compostos na época do Estado Novo, Com tema semelhante, realizou a palestra A Música Popular nas Ditaduras Brasileiras do Século XX na Feevale (Novo Hamburgo, RS, 2004).

Palestrou sobre O Samba Indígena no Seminário Os Sambas Brasileiros: Diversidade, Apropriações e Salvaguarda (Santo Amaro, BA, 2007), que marcou a inauguração da Casa do Samba de Santo Amaro - Centro de Referência do Samba de Roda.

Criou em 2005 novo site, o Jornalismo Cultural (www.jornalismocultural.com.br). Ministrou curso de Jornalismo Cultural em diversas entidades, como a Fundação Getúlio Vargas, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e SESC de Santa Catarina. Neste, realizou também seu curso Divulgação de Eventos Culturais (2006). Debateu Perspectivas do Jornalismo Cultural com a jornalista Angélica de Moraes na Semana Acadêmica de Comunicação Social da UFSM (Santa Maria, RS, 2006).

Publicou os livros de contos Zás-Trás-Puf (1985) e A Garota no Bar (1990) e o livro A Voz dos Distritos (1992), com depoimentos sobre imigração italiana na serra gaúcha.