BRAY - Queixas escolares na concepção de professores da rede pública e privada

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PPI:

    MESTRADO

    rea de Concentrao: Constituio do Sujeito e Historicidade

    QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DASREDES PBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA

    HISTRICO-CULTURAL

    CRISTIANE TOLLER BRAY

    MARING2009

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PPI:

    MESTRADO

    rea de Concentrao: Constituio do Sujeito e Historicidade

    QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DASREDES PBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA

    HISTRICO-CULTURAL

    CRISTIANE TOLLER BRAY

    MARING2009

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA - PPI:

    MESTRADOrea de Concentrao: Constituio do Sujeito e Historicidade

    QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DAS REDESPBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA HISTRICO-

    CULTURAL

    Dissertao apresentada por CRISTIANE TOLLERBRAY, ao Programa de Ps-Graduao emPsicologia, rea de Concentrao: Constituio doSujeito e Historicidade, da Universidade Estadual deMaring, como um dos requisitos para a obteno dottulo de Mestre em Psicologia.

    Orientador (a):

    Prof (a). Dr(). NILZA SANCHES TESSAROLEONARDO

    MARING

    2009

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    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca Central - UEM, Maring PR., Brasil)

    Bray, Cristiane Toller

    B827q Queixas escolares na perspectiva de educadores das redes

    pblica e privada : contribuio da psicologia histrico-

    cultural / Cristiane Toller Bray. -- Maring, 2009.

    173 f. : il., tabs.

    Orientador : Prof. Dr. Nilza Sanches Tessaro Leonardo.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de

    Maring, Programa de Ps-Graduao em Psicologia, 2009.

    1. Queixas escolares - Dificuldades de aprendizagem. 2.

    Queixas escolares - Problemas de comportamento. 3.

    Educadores - Escola pblica. 4. Educadores - Escola

    privada. 5. Aprendizagem - Queixas escolares. 6. Psicologia

    histrico-cultural. I. Leonardo, Nilza Sanches Tessaro,

    orient. II. Universidade Estadual de Maring. Programa de

    Ps-Graduao em Psicologia. III. Ttulo.

    CDD 21.ed. 370.15

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    CRISTIANE TOLLER BRAY

    QUEIXAS ESCOLARES NA PERSPECTIVA DE EDUCADORES DAS REDESPBLICA E PRIVADA: CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA HISTRICO-

    CULTURAL

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Nilza Sanches Tessaro Leonardo (Orientadora) UEM

    Prof. Dr. Marilene Proena Rebelo de Souza USP - SoPaulo

    Prof. Dr. Marilda Gonalves Dias Facci UEM

    Data de Aprovao

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por me proporcionar oportunidades e me prover fora e coragem para enfrent-las eusufru-las.

    Aos meus pais, Silvio Carlos Bray e Ana Maria Toller Bray, pelo amor e compreenso, alm

    do apoio aos meus estudos, pois sem isso no teria sido possvel a concretizao dessa etapa.

    Aos meus irmos, Renato e Helosa, que sempre acompanham a trajetria da minha vida,

    incentivando-me e apoiando-me.

    professora Dra. Nilza S. Tessaro Leonardo, que me orientou durante o curso de mestrado

    com sabedoria, pacincia e carinho, alm da confiana depositada em meu trabalho e da

    amizade construda ao longo dos anos que pude trabalhar com ela.

    A todos os educadores que aceitaram participar da pesquisa de campo, para que essa

    dissertao fosse concretizada, colaborando, inclusive, para o desenvolvimento da cincia.

    Aos professores do mestrado, que contriburam na construo do meu conhecimento e que

    direta ou indiretamente, auxiliaram na construo desse trabalho.

    Aos amigos, em especial Solange Pereira Marques Rossato e Hilusca Alves Leite, que me

    acompanharam na trajetria desse trabalho, no dia-a-dia das aulas, nas viagens para

    congressos, alm dos trabalhos desenvolvidos juntas, mas, principalmente, pelo

    companheirismo de todas as horas, da verdadeira amizade, das conversas, do carinho e do

    apoio sempre que precisei.

    banca de defesa, prof. Dra. Marilene Proena Rebelo de Souza e prof. Dra. Marilda

    Gonalves Dias Facci, pelas sugestes e disponibilidade em participar da concretizao desta

    importante etapa da minha carreira acadmica.

    Capes, pelo auxlio financeiro.

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    ABSTRACT

    This paper aimed to search in the scholar extent (public and private) with the educators

    (teachers, directors, co-ordinators, and soon) their ideas and works about scholar complaints(the learning difficulties and students behavior) and either our reflection in the psychologycontribution as the purpose on involved phenomenon understanding (the direct or indirect) inthe scholar problems, what we consider necessary to a quality education construction for allchildren. In the research there was present a group of 24 (twenty four) professionals, startingby two groups of participants: G1 - it being 12 (twelve) private schools educators and G2 - itbeing 12 (twelve) public schools educators. Data were discussed to starting the Historical-Cultural Psychology presupposed theoretician which we used as first fountain Vigotski schoolauthors (Vigotski, Luria, Leontiev) whose basis are based upon in Materialist Historical-Dialectical. Besides we started from this Method for doing a Marxist analysis exercise. It waschosen a semi-strutured enterview technic and for data analysis it was used categorial analysis

    (one from some technic that observes the content analysis). It was accomplished acomparative analysis between the two groups (public and private schools) it starting from theeducators ideas, to checking the differences or likeness on their performances and what theythink and feel about the scholar complaints/failures. The results pointed that as the publicschools as the private confront the same scholar complaints (learning difficulties and studentsbehavior) and the educators understand the learning difficulties and the behavior problem asbeing individual (personal) order. The participators attribute either, with more frequency, theattribute complaint/failures scholar causes to an organic, emotional or familiar studentsproblem. The observed difference in the two groups is that the students private schools aremore supervised by specialized professionals (psychopedagogs, psychologists, physicians,speech therapists, etc) because their financial conditions when it occurs the behavior anddifficult learning problems. By the way, we ask questions about this practice because manytimes the child is taken as the problem or it is with the problem and so it is concernedwith the scholar problems appearance. In no moment, the G1 and G2 participants mentionedHistorical aspects those envolved in the Education constitution as are presented nowadays.That may be resulted from an no-historical and no-critic professional education, speakingabout the society and scholar education construction. So, the understanding that thecomplaints are done in the social, historical scholar extent, doesnt appear detached on theeducators speech.

    Keywords: Scholar complaints, educators, public and private schools, Historical-CulturalPsychology.

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    SUMRIO

    Apresentao.................................................................................................................01

    CAPTULO I: Introduo ............................................................................................05

    1.1 Sociedade Contempornea e excluso social: compreendendo os fenmenos

    envolvidos na Educao Escolar..........................................................................05

    1.2 A queixa/fracasso escolar e a atuao do psiclogo: alguns apontamentos..........16

    1.3 A Psicologia Histrico-Cultural e a Educao Escolar para a compreenso da

    queixa escolar...............................................................................................................34

    1.3.1 A Educao Escolar e o processo de humanizao do homem........................381.3.1.1O desenvolvimento do psiquismo....................................................................42

    1.3.1.2 Relaes entre aprendizagem e desenvolvimento humano.............................48

    1.4 Em defesa de uma formao aos educadores que esteja atrelada a uma reflexo

    crtica e poltica do processo de educar.................................................................56

    CAPTULO II: Metodologia........................................................................................68

    2.1 Caracterizao das escolas.....................................................................................722.2 Participantes...........................................................................................................79

    2.3 Material..................................................................................................................80

    2.4 Procedimentos........................................................................................................80

    CAPTULO III: Resultados e Discusses....................................................................82

    CAPITULO IV: Consideraes Finais.......................................................................148

    REFERNCIAS.........................................................................................................156

    ANEXOS....................................................................................................................164

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    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1 - Compreenso dos participantes sobre dificuldade de aprendizagem.............84

    Tabela 2 - Compreenso dos participantes sobre problema de comportamento.............91

    Tabela 3 - Como os participantes lidam com as dificuldades de aprendizagem.............99

    Tabela 4 - Como os participantes lidam com os problemas de comportamento...........107

    Tabela 5 - Causas que os participantes atribuem s dificuldades de aprendizagem......114

    Tabela 6 - Causas que os participantes atribuem aos problemas de comportamento....121

    Tabela 7 - Expectativa ou o qu os participantes esperam em relao aos alunos que

    apresentam dificuldade de aprendizagem e problema de comportamento....................127

    Tabela 8 - Como o professor se sente diante das dificuldades de aprendizagem e dosproblemas de comportamento enfrentados na sala de aula............................................135

    Tabela 9 - Opinio dos participantes acerca da sua formao profissional para trabalhar comas dificuldades de aprendizagem e os problemas de comportamento encontrados no contextoescolar.............................................................................................................143

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    APRESENTAO

    Sabemos que no mbito escolar, atualmente, as principais queixas dos educadores

    para o setor de Psicologia so que as crianas e adolescentes apresentam-se indisciplinados e

    com dificuldades de aprendizagem. M.P.R. Souza (1997) afirma que muitas crianas com

    essas queixas so encaminhadas para atendimento psicolgico e complementa que os

    educadores atribuem aos alunos e as suas famlias a culpa pela dificuldade de aprendizagem

    ou pelo problema de comportamento.

    Essas ocorrncias foram observadas durante o estgio da graduao em Psicologia

    UEM, que realizei na rea de Psicologia Escolar, em uma escola pblica do interior do

    Paran, em 2006. Nesse primeiro contato com a escola percebamos, nos encontros com oseducadores, que suas queixas em relao aos problemas escolares eram justificadas

    colocando-se a culpa no prprio aluno, sua famlia ou histria de vida dos mesmos. Deste

    modo, faltava em suas falas uma reflexo crtica acerca da prtica docente, no relacionando

    as queixas escolares, inclusive, com o momento histrico-social e poltico.

    Foi a partir dessa experincia de estgio que surgiu o interesse pelo tema da presente

    pesquisa. Afinal, concordamos com M.P.R. Souza (1997) que essas explicaes acerca da

    queixa escolar desconsideram que as dificuldades de aprendizagem e os problemas decomportamento so produzidos no interior da escola. M.P.R. Souza (2000) ainda enfatiza que

    o olhar sobre a queixa/fracasso escolar no pode ser privado de uma complexa rede de

    relaes sociais, ou seja, deve articular as esferas individual e social, incluindo a

    complexidade dos processos de escolarizao.

    Alm disso, os encaminhamentos para profissionais de sade ou de sade mental,

    segundo Boarini (1998), implicam na prtica histrica e polmica de psicologizar e

    medicalizar os problemas escolares. Essa prtica, ao alegar que os problemas individuaisso os principais motivos pela no aprendizagem e indisciplina dos alunos, destitui a

    existncia de aspectos sociais, econmicos, histricos envolvidos na produo da queixa

    escolar. Collares e Moyss (1996) enfatizam que nesse processo de biologizao dos

    fenmenos escolares [...] desloca-se o eixo de uma discusso poltico-pedaggica para

    causas e solues pretensamente mdicas, portanto, inacessveis Educao (p.28).

    Consistindo em ampliar a compreenso acerca da temtica queixa/fracasso escolar,

    esta pesquisa foi elaborada tendo como objeto de estudo as concepes dos educadores de

    escolas pblicas e privadas, acerca da queixa/fracasso escolar, procurando saber como lidam

    com a mesma. Outro ponto relevante neste estudo foi o de refletir sobre a contribuio da

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    Psicologia na compreenso dos fenmenos envolvidos, direta ou indiretamente, nos

    problemas de escolarizao presentes no contexto educacional.

    Destacamos, neste momento, que o fato de praticamente no termos encontrado

    estudos sobre fracasso/queixa escolar envolvendo escolas particulares nos incomodou muito,

    pois a impresso passada era a de que nestas no existia queixa /fracasso escolar. Com isto as

    indagaes aumentaram e alguns questionamentos foram surgindo, tais como: ser que estas

    no enfrentam dificuldades tal qual a escola pblica, j que ambas pertencem a uma mesma

    sociedade, capitalista e neoliberal? Qual a compreenso dos educadores sobre a queixa

    escolar? Ser que as queixas/dificuldades escolares so as mesmas em ambas as escolas? Ser

    que ambas lidam da mesma forma com suas queixas?

    Sobre o exposto acima, entendemos que a escola tem sido um espao de produo dofracasso escolar, como denomina Patto (1990). Segundo esta autora, a Educao Pblica tem

    sido inadequada s necessidades dos alunos das classes populares, por sua m qualidade,

    isentando-se da sua tarefa bsica de alfabetizar e, consequentemente, excluindo as crianas

    das camadas populares do seu interior. Entendemos que esse fracasso escolar abrange uma

    noo de produo histrico-social, pois se a escola pertence a uma sociedade que se

    apresenta por desigualdades sociais e econmicas entre grupos e classes, o fracasso escolar se

    apresenta, antes de tudo, como um fracasso social.O ponto de partida que as escolas brasileiras parecem estar aqum de fornecer uma

    Educao de qualidade, ou seja, que cumpra o seu papel de ensinar, visando o

    desenvolvimento e formao crtica do aluno, para que este seja capaz de interpretar o mundo

    e agir sobre ele. A escola tem parecido muito mais isentar-se da sua condio promotora de

    desenvolvimento do homem, no promovendo transformaes, mas sim reprodues da

    ordem social vigente. Sobre isso, Facci (2004) explica que nessa sociedade capitalista ocorre a

    desvalorizao da escola e do trabalho do professor, no possibilitando a socializao dosaber, capaz de desvendar as contradies dessa sociedade. Na verdade, no h interesse em

    formar homens conscientes de suas condies de excluso social e de bens culturais.

    Apoiamo-nos, tal como Saviani (2005), numa Educao Escolar que transmita os

    conhecimentos historicamente e culturalmente produzidos e acumulados aos alunos. Vigotski

    (1931/1996) acrescenta que a sistematizao e planejamento dos contedos na escola, onde

    o professor transmite esses contedos cientficos aos alunos, que contribui para o

    desenvolvimento das funes psicolgicas superiores dos mesmos, o que no possvel no

    cotidiano, pois somente a escola favorece a pleno desenvolvimento do homem.

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    Mesmo a escola estando aqum do seu papel, acredita-se que ela fundamental para

    a transformao social. Este estudo se apoia na luta por uma Educao de qualidade, mais

    igualitria e transformadora. Vale esclarecer que a escola pode transformar a conscincia dos

    alunos, mas para ocorrer uma transformao social necessrio que ocorra um processo e um

    engajamento coletivo. A partir dessas discusses entendemos que a Psicologia, numa vertente

    crtica, pode contribuir trazendo novas compreenses para a Educao acerca da

    queixa/fracasso. Este estudo possibilita propor sugestes e reflexes com o objetivo de rever

    alguns posicionamentos e mitos que pairam no mbito escolar, buscando alternativas e

    mudanas, visando contribuir para o trabalho dos educadores, bem como para o sistema

    educacional brasileiro.

    Alm disso, entendemos que a teoria Histrico-Cultural, a qual embasa esta pesquisa,como uma teoria crtica da Psicologia, cujos pressupostos so revolucionrios acerca da

    Educao, constitui-se em subsdio para a compreenso da realidade histrico-social, servindo

    de norte terico e poltico para o trabalho do professor. Esta perspectiva delimita o papel da

    Educao escolar, bem como do professor, acreditando que o desenvolvimento e a

    aprendizagem permitem a humanizao dos indivduos. Assim, podemos dizer que a escola

    deveria possuir esse compromisso, alm de ser um instrumento fundamental para promover a

    transformao social. Contudo, essa transformao possvel quando a escola ensina oscontedos cientficos e favorece uma Educao numa viso crtica, transformando, dessa

    forma, a conscincia dos indivduos, sendo estes capazes de modificar a realidade.

    A organizao final deste trabalho foi assim estruturada: Captulo I Introduo;

    Captulo II Mtodo; Captulo III Resultados e Discusses; Captulo IV Consideraes

    Finais; Referncias e Anexos.

    No Captulo I consta a Introduo, que se divide em quatro partes, nas quais foram

    levantados os fundamentos tericos que nortearam a anlise e discusso dos resultadosobtidos. A primeira parte apresenta a organizao da sociedade atual, possuindo como norte o

    Materialismo Histrico, que nos leva a compreender como o modo de produo vigente

    organiza a sociedade e influencia a constituio do sujeito e suas relaes, bem como

    determina a Educao Escolar. Assim, entendemos que a queixa escolar precisa ser analisada

    no interior da sociedade que se desenvolve, partindo das condies sociais e econmicas de

    uma determinada poca.

    A segunda parte enfoca a produo do fracasso escolar no ensino pblico brasileiro,

    bem como as atuais queixas escolares dos educadores para os profissionais de sade e sade

    mental. Discutimos tambm como os psiclogos tm atuado diante dessas queixas, abordando

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    a necessidade de se trabalhar numa concepo crtica da Psicologia Escolar. Questionamos as

    vrias abordagens tericas e as atuaes de profissionais que, ao longo da histria, vm se

    embasando no vis de culpabilizao do indivduo, aluno ou do seu seio familiar,

    patologizando os problemas escolares.

    Na terceira parte, apresentamos como a Psicologia Histrico-Cultural entende o

    papel da Educao escolar, bem como do professor, para ensinar os contedos cientficos

    produzidos, historicamente, pela humanidade. Nesta perspectiva, o homem nasce dotado de

    funes biolgicas, mas a interao com outros homens e a apropriao dos bens culturais,

    inclusive pela escola, que vo favorecer o desenvolvimento das funes psicolgicas

    superiores, o que implica no desenvolvimento do psiquismo como um todo. Tambm

    discutimos como se d a relao entre aprendizagem e desenvolvimento e a formao dosconceitos espontneos e cientficos, segundo Vigotski (2000), para uma melhor compreenso

    do processo de aprendizagem do aluno.

    A quarta e ltima parte apresenta a necessidade de uma melhor formao profissional

    dos educadores, fundamentalmente crtica e poltica, cuja teoria que a alicera valorize o

    papel do educador e, ao mesmo tempo, possibilite questionamentos sobre a prtica e o

    contexto histrico e social que influenciam a educao escolar, visando lutar por uma

    Educao de qualidade e lembrando que a transformao no acontece por meio de umindivduo, mas atravs de uma luta coletiva. Por isso, acreditamos que a Psicologia Histrico-

    Cultural pode servir de subsdio para a formao do professor, direcionando um trabalho

    pedaggico que promova realmente aprendizagem e desenvolvimento aos alunos.

    No Captulo II apresentamos o mtodo e procedimentos, constando a caracterizao

    das escolas e a descrio dos participantes, alm dos materiais utilizados para a coleta de

    dados.

    No Captulo III esto demonstrados e discutidos os resultados dos dados obtidos,estruturados em nove tabelas, as quais foram escolhidas como meio para melhor visualizao

    e anlise dos mesmos.

    No Captulo IV encontram-se as consideraes finais. Em seguida, destacadas as

    referncias bibliogrficas consultadas para a fundamentao do presente estudo e, finalmente,

    os anexos.

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    1. INTRODUO

    1.1Sociedade Contempornea e Excluso Social: Compreendendo os Fenmenos

    Envolvidos na Educao Escolar

    Neste item sero apresentados alguns apontamentos acerca das caractersticas da

    sociedade atual, possuindo como norte o Materialismo Histrico, que nos leva a compreender

    como o modo de produo vigente organiza a sociedade e influencia na constituio do

    sujeito e suas relaes, bem como no modo que determina a Educao Escolar.

    Para compreender os fenmenos envolvidos na Educao atual, mais

    especificamente a queixa das dificuldades de aprendizagem e dos problemas decomportamento dos alunos, que vm provocando mal estar em educadores, alunos e pais, se

    faz necessrio resgatar e contextualizar o perodo histrico e as caractersticas da sociedade na

    qual estamos inseridos. Partimos, portanto, do pressuposto de que a Instituio Escolar

    pertence a uma estrutura maior, que corresponde e funciona dentro de uma dinmica, de uma

    lgica, de acordo com a cultura estabelecida na sociedade. Dessa forma, cultura entendida

    como um:

    [...] conjunto de caractersticas de uma sociedade, geradas nointer-relacionamento humano, preservadas, aprimoradas e

    reproduzidas ao longo do tempo, em princpio, sem maiores

    crticas. Ao se produzir cultura, portanto, produz-se educao

    (Nagel, 2005, p.2).

    Ao considerarmos os homens como produtores de cultura e educao, encontramos

    na concepo Histrico-materialista um respaldo para compreendermos melhor esse homeme, por consequncia, a sociedade atual. Marx e Engels (1986) partem do pressuposto de que

    o modo de produo, ou seja, so as formas de desenvolvimento da produo (organizao de

    vida material), que so produzidas por meio das relaes sociais, que vo determinar as

    formas de organizao social (famlia, educao, sociedade civil, classes sociais).

    Seguindo esse raciocnio, os autores acima explicam que A produo das idias, de

    representaes, da conscincia, est, de incio, diretamente entrelaada com a atividade

    material e com o intercmbio material dos homens, como a linguagem da vida real (Marx &Engels,1986, p.36). Assim, O modo de produo da vida material condiciona o processo da

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    vida social, poltica e espiritual em geral. No a conscincia do homem que determina o seu

    ser, mas, pelo contrrio, o seu ser social que determina a sua conscincia (Marx & Engels,

    n.d, p.301).

    Sobre isso, Bock (2000) expe que conforme o tempo vai passando e nossa

    sociedade modificando-se, nossas concepes cientficas tambm vo sofrendo modificaes

    (p.16). A autora complementa essa ideia da seguinte forma: conforme vamos mudando

    nossas formas de vida, vamos transformando nossas formas de ser (p.16). Isso significa, de

    acordo com a autora, que a nossa estrutura psquica se transforma ao longo do tempo, da

    histria e a Cincia acompanha essa mudana, buscando novos estudos e conceituaes acerca

    dela, ou seja, do prprio homem que est em constante mudana. Marx e Engels (1986, p.42;

    43) contribuem com essa concepo de histria em movimento, enfatizando o seguinte:

    [...] Desde o incio mostra-se, portanto, uma conexo

    materialista dos homens entre si, condicionada pelas

    necessidades e pelo modo de produo, conexo esta que to

    antiga quanto os prprios homens e que toma,

    incessantemente, novas formas e apresenta, portanto, uma

    histria, sem que exista qualquer absurdo poltico ou religiosoque tambm mantenha os homens unidos.

    Ressaltamos, de acordo com os mesmos autores, que as formas econmicas

    produzidas pelos homens so entendidas como transitrias e histricas e, medida que o

    homem transforma a sociedade, este transformado por ela, em um movimento dialtico.

    Sintetizando, de acordo com o Materialismo Histrico-Dialtico, o modo de

    produo que determina as formas de organizao social, bem como o mundo material queconstitui as nossas ideias e, ao mesmo tempo, atravs da ao recproca entre os homens que

    a sociedade produzida. Deste modo, pensamos acerca das relaes que estamos produzindo

    e, inclusive, sobre o tipo de Educao que estamos produzindo na sociedade capitalista.

    Portanto, ao resgatar a histria e o momento histrico contemporneo, possvel ter uma

    compreenso do fracasso escolar e das frequentes queixas acerca dos problemas de

    aprendizagem e de comportamento dos alunos. Por isso, pretendemos nessa ocasio no

    perder de vista a historicidade dos fatos, a qual envolve o movimento e as transformaes aolongo do tempo, para compreendermos melhor a construo da sociedade atual.

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    Sobre isso, Nagel (2005) explicita que frequente a tendncia de acharmos que as

    caractersticas, comportamentos, relaes de nosso tempo sempre foram assim, e quando

    temos essa impresso perdemos de vista a histria, o passado e deixamos de fazer uma

    anlise das mudanas (e correlaes dos fatos histricos), de como e por que os

    comportamentos e as relaes das pessoas esto com determinadas caractersticas hoje. Bock

    (2000) acrescenta que tendemos a pensar no homem como um ser oculto realidade e

    histria social que o constitui. Mas Nagel (2005) esclarece que quando buscamos entender,

    por exemplo, por que estamos produzindo comportamentos indesejados, que antes no se

    percebiam, a autora diz que se inicia uma reflexo sobre a educao.

    Sobre esses comportamentos atuais indesejados, que tm marcado o homem

    contemporneo, a autora acima destaca o elevado consumismo, mortes no trnsito, alto ndicede criminalidade, entre outros, alm dos indivduos contemporneos estarem enfrentado

    conflitos domsticos, insucessos na escola, violncia urbana, aumento no consumo de drogas

    etc. A mesma autora acrescenta que determinadas caractersticas evidenciam a nossa cultura

    contempornea, sendo elas:

    [...] a) a busca do prazer imediato, b) o descompromisso com o

    outro, c) a falta de motivao para qualquer tipo de trabalho, d)a ausncia de perspectiva para si mesmo, ou a apatia diante de

    seu futuro, e) a banalizao da morte, f) a indisponibilidade para

    qualquer reflexo (Nagel, 2005, p.3).

    J. F. Santos (1986) denomina essa cultura contempornea de ps-moderna e explica

    que nela os estilos de vida so pautados no vazio e na ausncia de valores. O indivduo dessa

    sociedade no se prende facilmente aos princpios religiosos, aliena-se quanto trajetriahistrica e entrega-se ao prazer presente, ao consumo e ao individualismo. Nagel (2005)

    entende que esses comportamentos, que so tpicos da nossa poca, esto sendo resguardados

    na defesa inconteste da liberdade para agir sem limites, sem normas (p.3).

    Na realidade, esses comportamentos so fruto de toda uma transformao ocorrida

    no modo de organizao de vida das pessoas, ou seja, o modo de produo que estrutura a

    sociedade a economia, a poltica etc. O capitalismo, nesse caso, capaz, segundo Alencar

    (2003), de influenciar a dinmica de vida das pessoas de modo to intenso, que altera osentimento, o pensamento, as aes, enfim a subjetividade das mesmas. Se fizermos uma

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    retomada histrica, carregamos desde o sculo XVII, com John Locke (1632-1704), por

    exemplo, e outros filsofos do liberalismo, a nsia de lutar pela liberdade individual e por

    aquilo que direito seu, seja a propriedade privada, ou aquilo que cada um consegue atravs

    do trabalho.

    Acerca disso, Arce (2002) explica que a burguesia, naquele perodo, comeava a

    lutar por espao, por privilgios, buscava o poder poltico, expandir o mercado, ou seja,

    buscava derrubar o regime feudal, opondo-se dominncia da nobreza e do clero. Isto porque,

    o modo de produo feudal, dividido entre senhor e servo, como escreveu Bock (2000),

    organizava uma hierarquia clara e estvel sem que houvesse possibilidade de mobilidade

    social; o domnio era da aristocracia e do clero (p.19).

    Assim, esta sociedade passou a ser substituda por outra que visava igualdade deoportunidades e liberdade para vender a fora de trabalho. O capitalismo surge ento nesse

    bojo, com a burguesia detendo os meios de produo, visando o desenvolvimento do

    mercado, com a defesa do homem livre e dotado de razo, construindo uma nova forma social

    (Bock, 2000).

    A tentativa da burguesia para derrubar o regime feudal teve um carter

    revolucionrio, j que os burgueses enxergavam que os privilgios de uma determinada classe

    social eram por questes sociais e no por meras consequncias naturais ou divinas. Noentanto, a luta pelos princpios de igualdade, liberdade e fraternidade permaneceu no plano

    das ideias, pois no se concretizou na igualdade entre todos os homens. Assim, quando a

    burguesia conquistou o poder, deixou de ser revolucionria e se tornou reacionria, ou seja,

    seus interesses passaram a ser: manter a ordem existente e no mais buscar por uma

    transformao social (Arce, 2002).

    O incio daquelas conquistas revolucionrias impulsionou o desenvolvimento do

    capitalismo, apoiado nos pressupostos liberais e, mais tarde, no modelo neoliberal. Alm daigualdade de oportunidades e a busca pela liberdade individual, advinda do liberalismo

    clssico, no plano da economia o capitalismo associa democracia/equidade, por um lado, e

    competitividade (mercado), por outro (Costa, 1995, p.68). Isso acaba gerando uma grande

    contradio, pois sob relaes capitalistas, padres de desigualdade podem se ampliar em

    processos de crescimento econmico (Costa, 1995, p.68), ficando assim complicado atingir a

    democracia/equidade numa sociedade em que reina o modo de produo capitalista.

    As transformaes no modo de produo e organizao social implicaram,

    atualmente, como sugere Nagel (2005) ao descrever as caractersticas da atualidade, na

    prtica da liberdade sem princpios reguladores, (n)o crescimento do individualismo de

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    carter narcisista, (n)a autonomia sem responsabilidade (p.5). Os indivduos apresentam

    ainda comportamentos como: consecutivas depresses, estados de pnico, irritabilidade,

    dficit de ateno, apatia, ausncia de motivao (Nagel, 2005, p.5). A autora ressalta que

    essas caractersticas mencionadas fazem parte do cotidiano das pessoas, atingindo o mbito

    escolar, do ensino fundamental ps-graduao.

    Acerca da caracterstica individualista do homem, nesse momento histrico,

    conforme viso de Nagel (2005), consideramos tambm a contribuio de Bock (2000), para

    quem esta caracterstica advm da doutrina liberal, j que os homens so dotados de

    liberdade, propriedade e segurana. O indivduo sendo dono de si depende dele as suas

    escolhas; a responsabilidade e a capacidade para desenvolver os seus atributos

    (potencialidades) para encontrar seu lugar na sociedade.O neoliberalismo d continuidade a essa ideia do preceito liberal, embasando

    questes polticas, econmicas e filosficas dessa sociedade. Este iderio serviu para defender

    os interesses das classes dominantes com o discurso de que oportunidades, no mbito social e

    inclusive acadmico, existem para todos. Se os indivduos no conseguem xito em suas vidas

    eles so culpabilizados por serem excludos do sistema (T. S. Santos, 2001). Os fracassos so,

    ento, atribudos a problemas de carter individual, o que individualiza cada vez mais

    questes que so sociais.Sendo assim, esta lgica do individualismo exacerbado diminui as condies que o

    indivduo tem de compreender a totalidade, compreenso esta indispensvel para superar a

    conscincia alienada e imobilizadora que defende uma viso parcial, individualizando

    problemas que tambm so de ordem social (Eidt & Ferracioli, 2007). Eidt (2004)

    complementa que o neoliberalismo estimula o entendimento das questes sociais de forma

    naturalizada, ou seja, no faz ligao com o contexto histrico em que so produzidas, no

    passando de uma ideologia.As concepes liberais foram readaptadas no modelo neoliberal e, segundo Mancebo

    (2002), este se firmou em finais dos anos 60, do sculo XX, como alternativa crise

    econmica do mundo capitalista, tendo como princpio bsico o mercado competitivo. Nessas

    circunstncias, tornou-se necessrio limitar a interveno estatal implantando, inclusive,

    privatizaes, e racionalizar o governo (Estado mnimo). O neoliberalismo restabeleceu a

    hegemonia burguesa trazendo implicaes no s para a vida econmica, mas tambm para

    as diversas relaes que se estabelecem entre os homens (Mancebo, 2002, p. 106).

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    Sobre isso, Mancebo (2002, p.107) expe que:

    [...] A lgica do mercado apresenta-se, ento, como a funo

    estruturadora das relaes sociais e polticas, comportando um

    vis de interpretao dos homens marcadamente utilitarista,

    segundo a qual a motivao dos comportamentos humanos

    pauta-se por um utilitarismo individual.

    Alm disso, T. S. Santos (2001, p.186) acrescenta que o modelo hegemnico

    neoliberal vem para assegurar o desempenho do sistema capitalista e tem como consequncias

    principais:

    [...] a reduo do poder do Estado, privatizaes, abertura s

    importaes, endividamento externo, polticas fiscais favorveis

    s multinacionais, aumento do desemprego, reduo de salrios

    e gastos sociais, enfraquecimento dos sindicatos e limitao das

    garantias trabalhistas.

    O mesmo autor expe que as medidas neoliberais resguardam o avano do mercado

    mundial juntamente com a explorao da fora de trabalho, aumentando cada vez mais o

    domnio de grupos hegemnicos. Esse domnio leva a contrastes sociais cada vez maiores,

    separados em dois polos: pobreza e riqueza. Assim, o processo de acumulao,

    concentrao, centralizao e internacionalizao do capital, que se constitui a prpria

    essncia do sistema capitalista, leva a uma crescente polarizao (T. S. Santos, 2001, p.180).

    Alm disso, a fora de trabalho que deveria libertar o homem acaba oprimindo-o em precrias

    condies de trabalho ou at na contradio de um desemprego estrutural.

    Para ampliar o entendimento do modo de produo capitalista, de acordo com T. S.

    Santos (2001, p.178), a teoria marxista nos ajuda a entender que esse sistema:

    [...] se desenvolve atravs da acumulao de capital e que a

    reproduo do sistema exige a busca permanente da mais-valia e

    lucro. As relaes de explorao foram caracterizadas como o

    principal fator explicativo da origem do valor e tambm como

    mola propulsora da crescente desigualdade e excluso.

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    O autor supracitado explica que a maior contradio do nosso sistema a crescente

    acumulao de riquezas, enquanto h um empobrecimento cada vez maior de grande parte da

    populao que no pertence ao grupo dominante. Acrescenta ainda que as polticas neoliberaiscolocam em risco os regimes democrticos, incidindo negativamente na qualidade de vida da

    maioria das pessoas.

    Ao mesmo tempo em que existe o discurso de oportunidades e direitos iguais para

    todos, garantidos pelas leis e luta pela democracia, novas formas de excluso passam a

    vigorar. O que ocorre que muitas pessoas no so includas de modo digno na sociedade,

    pois grande parte da populao inserida sem as mnimas condies de sobrevivncia. H

    pouco ou nenhum acesso sade, educao, lazer, trabalho etc, (Sawaia, 2006). Sobre isso,Glria (2002, p.210) complementa afirmando o seguinte:

    [...] a garantia dos direitos sociais (educao, sade, moradia

    etc) implica num alto custo financeiro, o qual o Estado

    democrtico tem assumido muito mais no papel (refere-se aqui

    lei, expresso mais manifesta do direito) do que efetivamente na

    prtica cotidiana.

    Sawaia (2006) defende que a nossa sociedade utiliza-se de artimanhas para excluir

    e manter a desigualdade social dos indivduos, pois diversos processos perversos fazem

    parecer o excludo como participante/includo na esfera social. Refora a autora que, na

    sociedade atual, h uma falsa ideia de incluso, uma vez que, ao menos aparentemente,

    estamos todos inseridos. No entanto, nem sempre essa incluso ocorre efetivamente. Salienta

    a respeito do processo de excluso/incluso que este um mecanismo social e histrico, e que

    tem se naturalizado. Wanderley (2006, p.23) explica isso da seguinte forma:

    [...] A naturalizao do fenmeno da excluso e o papel do

    estigma servem para explicitar, especificamente no caso da

    sociedade brasileira, a natureza da incidncia dos mecanismos

    que promovem o ciclo de reproduo da excluso, representado

    pela aceitao tanto ao nvel social, como do prprio excludo,

    expressas em afirmaes como isso assim e no h nada parafazer.

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    Nunca se ouviu falar tanto em incluso como nos dias de hoje, o que bastante

    sintomtico, j que s se fala em incluso quando existe o seu oposto: a excluso. Esta, por

    sua vez, ocorre porque vivemos em uma sociedade organizada no modo de produo

    capitalista, pautada numa acirrada desigualdade social, desigualdade esta atrelada excluso

    de uma maioria da populao. Sobre isso, T. S. Santos (2001) afirma que as contradies da

    acumulao capitalista so o que gera a excluso social. Sawaia (2006) aponta ento que em

    lugar da excluso, o que se tem a dialtica excluso/incluso (p.8).

    Ainda de acordo com a autora, a excluso parte constitutiva da incluso, e o

    excludo mantido como parte integrante da sociedade. Nas palavras de Sawaia (2006): O

    pobre constantemente includo, por mediaes de diferentes ordens, no n que o exclui,gerando o sentimento de culpa individual pela excluso (p.9). Para a autora, esse processo

    excluso/incluso o que mantm o funcionamento do sistema, de acordo com a lgica do

    capital. A incluso na nossa sociedade se configura em uma incluso perversa, j que a

    excluso disfarada de incluso que mantm a ordem social.

    Assim, falar em democracia nessa sociedade organizada nos princpios da

    desigualdade social, econmica e poltica se torna contraditrio, pois exatamente a

    desigualdade e a excluso que mantm e reproduzem a lgica de funcionamento do modocomo se organiza nossa sociedade (Wanderley, 2006).

    Segundo Tessaro (2005), vivemos em uma sociedade excludente e de excludos, da

    qual se excluem todos aqueles que se distanciam dos padres e das regras socialmente

    construdas como normais (p.58). Por isso, h uma contradio quando em uma sociedade

    organizada desse modo apresentamos, segundo Eidt (2004), uma prtica de normatizao dos

    comportamentos desviantes. Busca-se, desesperadamente, a adaptao aos padres

    estabelecidos, inclusive atravs da difuso da medicalizao, que acaba alcanando ainda umstatus cientfico.

    Assim, busca-se uma normatizao dos comportamentos desviantes sem levar em

    conta a sociedade excludente que estamos produzindo. Zucoloto (2007) aponta que o processo

    de medicalizao no mbito escolar, ou melhor, medicalizar o fracasso escolar caracteriza-se

    por interpretar o desempenho escolar do aluno que contraria aquilo que a instituio espera

    dele em termos de comportamento ou de rendimento como sintoma de uma doena localizada

    no indivduo, cujas causas devem ser diagnosticadas (p.2).

    Collares e Moyss (1996) tambm falam acerca da prtica da medicalizao do

    fracasso escolar, enfocando a excluso das crianas e adolescentes que frequentam a escola

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    pblica brasileira. Resultados de suas pesquisas evidenciam, na escola pblica, a produo da

    impossibilidade de escolarizao dos alunos pobres, desmistificando explicaes dos

    educadores acerca do fracasso escolar, explicaes estas marcadas pela relao

    preconceituosa que muitos educadores estabelecem com as crianas e suas famlias.

    As autoras acima relatam que no discurso dos educadores transparece que estamos

    diante de um sistema educacional perfeito, no qual as crianas no aprendem porque so

    pobres, negras, imaturas, preguiosas, os pais trabalham fora e no ensinam seus filhos, so

    alcolatras, analfabetos. Diante desses preconceitos, evidencia-se um processo chamado

    biologizao, que traz para planos individuais as questes que so do mbito social.

    Collares e Moyss (1996) enfatizam que no processo de biologizao desloca-se o

    eixo de uma discusso poltico-pedaggica para causas e solues pretensamente mdicas,portanto, inacessveis Educao (p. 28). E a isso se deu o nome de medicalizao do

    processo ensino-aprendizagem. Outra expresso que passou a ser utilizada a patologizao

    do processo-ensino aprendizagem, j que diversos profissionais da rea da sade tm sido

    envolvidos em trabalhos com crianas que apresentam dificuldades de aprendizagem.

    Assim, para estas autoras, na viso da escola a justificativa pelo fracasso escolar

    passa a ser a clientela inadequada, ou seja, responsabilizam-se as crianas pelo no

    aprender, alm de transformarem crianas normais em crianas doentes. As mesmas discutema situao das crianas normais que, com o passar do tempo, vo se tornando doentes. At o

    momento, em que, a sim, j precisam de uma ateno especializada. No pelo fracasso

    escolar, mas pelo estigma com que vivem (Collares & Moyss, 1996, p.226; 227). So

    crianas que precisam de tratamento psicolgico para que reconquistem sua normalidade, da

    qual foram privadas (Collares & Moyss, 1996, p.227).

    Tambm no mbito escolar, tem sido muito difundida a expresso distrbios de

    aprendizagem. Como nos ensina Collares e Moyss (1992), pela etiologia da palavra issosignifica uma anormalidade patolgica por alterao violenta na ordem natural de

    aprendizagem (p.31). O uso dessa expresso, atualmente em moda, compreendido como

    sendo um problema individual, orgnico, localizado no aluno. No entanto, essas autoras

    questionam a existncia desses distrbios pela falta de comprovao cientfica, devido

    inexistncia de diagnsticos claros acerca dessas pretensas disfunes neurolgicas. Desse

    modo, efetuam-se os processos de biologizao e patologizao da aprendizagem, nos quais

    individualizam-se questes sociais e educacionais e escamoteiam os determinantes polticos

    e pedaggicos do fracasso escolar, isentando de responsabilidades o sistema social vigente e a

    instituio escolar nele inserida (Collares & Moyss, p.32).

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    Outro termo que tem sido bastante disseminado o Transtorno de Dficit de Ateno

    e Hiperatividade (TDAH). Eidt (2004) chama a ateno para o nmero cada vez maior de

    crianas que tm sido encaminhadas aos postos de atendimento com queixa de dficit de

    ateno e hiperatividade. Eidt e Tuleski (2007a) salientam que um dos caminhos para se

    contrapor a esse elevado nmero de queixas escolares e diagnsticos de TDAH

    compreender a forma como a sociedade est organizada neste incio do sculo XXI,

    especialmente quando se considera que esta (sociedade) criada pelo prprio homem.

    Para Eidt (2004), as explicaes cientficas e os encaminhamentos dados a

    comportamentos desatentos, hiperativos e impulsivos se devem ao fato de que os indivduos

    que apresentam esses comportamentos so vistos como deslocados da sociedade, o que mostra

    uma viso naturalizante, individual e biologicista dos casos. Isso no significa que no podehaver componentes biolgicos relacionados ao TDAH, mas o elevado nmero de diagnsticos

    desse transtorno (segundo a Associao Americana de Psiquiatria este afeta de 3 a 5% das

    crianas em idade escolar), no pode ser justificado por esse nico fator.

    A mesma autora salienta que preciso levar em considerao o momento histrico que

    vivemos e as inadequaes no processo ensino-aprendizagem para o aparecimento de

    comportamentos desatentos, hiperativos e impulsivos. Nas palavras da autora, h: a

    possibilidade destes sintomas serem produto de um contexto escolar e social (Eidt, 2004,p.154). Sendo assim, vale pontuar as caractersticas da sociedade atual que favorecem a

    manifestao desses comportamentos, to em voga na atualidade, como o imediatismo, a

    permissividade educativa, a execuo de vrias atividades ao mesmo tempo.

    Por isso, nos apoiamos no estudo da Psicologia em uma perspectiva histrica,

    tomando como base a explicao de Leontiev (1987), para quem as caractersticas

    especificamente humanas no so transmitidas somente por hereditariedade biolgica, mas,

    acima de tudo, transmitidas de gerao em gerao, sendo que no processo de apropriao dacultura humana que se d a formao do homem enquanto ser social.

    Deste modo, Eidt (2004, p.24) considera o seguinte:

    [...] Se o desenvolvimento do psiquismo humano depende desta

    apropriao cultural para que o homem se humanize, entende-se

    que os transtornos mentais e de comportamento devam ser

    pensados luz das relaes estabelecidas nesta sociedade.

    Somente uma anlise que supere a dicotomia indivduo-

    sociedade, compreendendo ambos em constante relao

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    dialtica, possibilita a apreenso do fenmeno em questo em

    sua totalidade.

    Ao compreendermos o desenvolvimento humano a partir de um referencial histrico e

    adotarmos o mtodo materialista-histrico de anlise dos fenmenos psicolgicos, possvel

    sair do mbito da viso hegemnica, biologizante ou das discusses simplistas e superficiais

    em torno do TDAH e/ou dos problemas escolares. Essas discusses vm colaborando com a

    excluso e estigmatizao de crianas diagnosticadas com este transtorno ou com distrbios

    de aprendizagem e as medidas tomadas continuam disseminando o mito de que o problema

    est no indivduo, retirando quaisquer consideraes acerca dos contextos pedaggicos e das

    influncias da sociedade, inerentes produo desses comportamentos.

    importante ressaltar o estudo realizado por Patto (1990), envolvendo tambm essas

    ideologias produzidas no interior da escola. A autora buscou compreender os altos ndices de

    repetncia e evaso na escola pblica de primeiro grau. Para tanto, acompanhou quatro

    crianas multirrepetentes das camadas populares e realizou observaes e/ou entrevistas

    formais e informais em vrios contextos (escola, casa e bairro dessas crianas moradoras da

    periferia de So Paulo), com todos os envolvidos no processo educativo (famlia, educadores,

    alunos). Junto a isso, fez uma anlise crtica da literatura quanto s causas das desigualdadeseducacionais e uma anlise histrica acerca das concepes sobre o fracasso escolar.

    A autora acima constatou que a escola se apresenta inadequada s necessidades dos

    alunos das classes populares, excluindo os mesmos de seu interior. Alm disso, apresenta-se

    inadequada por sua m qualidade, ao isentar-se da sua tarefa bsica de alfabetizar. Aquino

    (1998) tambm fala dessa crise da educao, que paira no Brasil, reconhecida por todos e

    nomeada de fracasso escolar, em que grande parte da populao inserida na escola no

    consegue completar a jornada escolar de oito anos mnimos e obrigatrios. Tanamachi eMeira (2003) apontam, atravs de pesquisas sobre o processo de escolarizao no Brasil, que

    a impossibilidade de constituio da condio humana pela via da educao formal ainda

    uma realidade em nosso pas (p. 13).

    A excluso ou expulso, mesmo, dos alunos, pela evaso ou permanncia na escola

    sem concretizar aprendizagem e os altos ndices de analfabetismo evidenciam que a escola

    no tem sido para todos, como se prope, mas para uma minoria da populao. Essa a

    Educao que estamos produzindo dentro da nossa sociedade capitalista, de classes. A escolano tem sido um direito de todos, como sugerem as leis.

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    Acerca disso, Arajo (2005), ao estudar os posicionamentos presentes na obra

    marxiana, a respeito da Educao pblica, complementa que Marx se pauta na defesa da

    escola pblica que negue privilgios e monoplios por parte de uma classe (p.54; 55). Desse

    modo, aponta a necessidade de superar essa Educao em que a apropriao do conhecimento

    privilgio de uma classe e restrita para a classe trabalhadora e, visando democratizao do

    saber, coloca que as instituies escolares devem se tornar instrumentos viveis para a

    transformao da sociedade capitalista. Outra contribuio do mtodo materialista-histrico

    entender que as queixas e o fracasso escolar so uma manifestao histrica, que escancara

    como as atuais relaes materiais esto determinando a Educao.

    1.2A queixa/fracasso escolar e a atuao do Psiclogo: alguns apontamentos

    O tpico anterior abrangeu brevemente o momento atual da sociedade e da Educao

    no Brasil. No presente, a finalidade enfocar o fracasso escolar, bem como a queixa escolar

    de educadores acerca das dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento dos

    alunos. Alm disso, discutimos como os psiclogos tm atuado diante da queixa escolar,

    abordando a necessidade de se trabalhar numa concepo crtica da Psicologia Escolar,enxergando o fracasso e a queixa escolar nas condies histrico-sociais, considerando que

    vivemos em uma sociedade caracterizada por desigualdades sociais e econmicas entre

    grupos e classes.

    Na histria da Educao brasileira, Eidt e Tuleski (2007b) afirmam que so

    significativos os ndices de evaso e repetncia escolar, enfatizando a excluso e a

    seletividade dos alunos no processo de escolarizao. Outro fato relevante na Educao a

    tendncia democratizao do acesso escola em termos de aumento no nmero de vagas,mas no em termos de escolarizao. Por escolarizao entende-se o direito de aprender os

    contedos cientficos, sem que haja ndices expressivos de defasagem/repetncia ou evaso na

    escola. De acordo com Moyss (2001), as crianas apenas possuem o acesso escola, mas o

    direito de todas aprenderem a elas ainda no foi efetivado. A escola se apresenta, assim,

    excludente e fracassada na sua funo de ensinar e proporcionar desenvolvimento e

    aprendizagem aos indivduos.

    Vale ressaltar aqui a situao da realidade presente no contexto escolar, j que, diante

    dos resultados desastrosos que tm aparecido dentro das salas de aula, o processo ensino-

    aprendizagem tem sido um grande desafio. Os grandes problemas a serem enfrentados tm

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    sido superar a defasagem de aprendizagem das crianas que, muitas vezes, j estiveram no

    mnimo quatro anos na escola e ainda no aprenderam a ler, escrever e calcular. Para ilustrar

    melhor, de acordo com B.P. Souza (2007), os resultados que o INEP1nos fornece, do SAEB2

    de 2003 (avaliaes nacionais que informam o desempenho acadmico dos alunos, em Lngua

    Portuguesa e Matemtica), mostram que menos de 5% dos estudantes da 4 srie esto

    adequadamente alfabetizados para a srie, sendo que quase 19% so, provavelmente,

    analfabetos (B.P. Souza, 1997, p.243). Essa autora tambm relata que somente 27% das

    crianas que estudam em escolas pblicas no Brasil concluem o ensino fundamental, o que

    evidencia um alto ndice de evaso escolar.

    Dados do IDEB3 tambm revelam os resultados da taxa de rendimento escolar

    (aprovao e evaso) e o desempenho dos alunos no SAEB e na Prova Brasil. Em 2007,incluindo todas as escolas brasileiras (pblica, federal, estadual, municipal, privada), a mdia

    (escala de zero a dez) para as sries iniciais do Ensino Fundamental foi de 4,2. Para as ltimas

    sries do Ensino fundamental a mdia foi de 3,8 e no Ensino Mdio 3,5. Esses dados revelam

    como o ensino em nosso pas ainda se apresenta deficitrio e de m qualidade. Alm disso, os

    nmeros ainda so muito inferiores aos dos pases desenvolvidos, que apresentam mdia 6,0.

    Desde a dcada de 80, do sculo passado, esses problemas de evaso e repetncia

    passaram a ser estudados no Brasil. Patto (1990) foi uma das pesquisadoras que buscoucompreender por que os problemas educacionais (evaso e reprovao) persistiam, pois, desde

    antes desse perodo, a realidade brasileira j se deparava com um grande nmero de crianas

    em idade escolar que se apresentava fora da escola, no porque nunca tivessem tido acesso

    aos bancos escolares, mas porque muitas j haviam sido eliminadas j nos primeiros anos de

    escolarizao4.

    Esta autora realizou uma reviso crtica da literatura, procurando desmistificar teorias

    que justificavam as causas do fracasso escolar individualizando a problemtica,estigmatizando e excluindo os alunos da escola. poca, a no aprendizagem dos alunos era

    explicada pela desnutrio dos mesmos, por apresentarem distrbios de ordem neurolgica ou

    incapacidades individuais, pela falta de estmulos em casa etc, responsabilizando os alunos ou

    1Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeirahttp://www.inep.gov.br/download/saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf2Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB).3ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB) foi criado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Ansio Teixeira), em 2007, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educao

    (PDE).http://ideb.inep.gov.br/Site/4Hoje se estima que 95% das crianas freqentam as escolas, mas a defasagem/repetncia e a evaso ainda soos fatores que preocupam a situao das escolas brasileiras, alm de ser discutido a qualidade desse ensino.

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    suas famlias pelo fracasso escolar. Nessa perspectiva, o aprendizado dos alunos concebido

    como mrito individual, relacionado com a capacidade orgnica, biolgica de cada criana.

    Esse modo de pensar o fracasso escolar, alm de reducionista, legitima a excluso

    dos alunos das camadas populares, pois, segundo Patto (1990), sobre eles pesa o preconceito

    por serem negros e pobres, persistindo a crena de que no possuem capacidade para aprender

    os contedos escolares. Para esta autora, a escola ensina segundo modelos adequados

    aprendizagem de um aluno ideal(p.340) e, quando se depara com alunos que no aprendem

    segundo esses modelos, atribui os problemas de aprendizagem s disfunes

    psiconeurolgicas.

    Moyss (2001) tambm realizou uma pesquisa envolvendo nove escolas municipais

    de Campinas em que diretores, quarenta professores de primeira srie e dezenoveprofissionais de sade participaram, com o intuito de relatar suas concepes acerca do

    fracasso escolar e processo ensino-aprendizagem. Os resultados revelaram que todos os

    participantes justificam o fracasso escolar como sendo resultado de fracassos individuais. No

    entanto, a pesquisa aponta que de setenta e cinco crianas com dificuldade de aprendizagem,

    submetidas avaliao cognitiva, apenas quatro apresentavam necessidade de ateno

    especializada. Vale deixar claro que essas crianas se tornaram doentes, ou seja, incorporaram

    o estigma de doente/incapaz a elas imputado, deixando de ser apenas crianas normaisestigmatizadas. O atendimento psicolgico se tornou, ento, necessrio para tentar recuperar a

    normalidade perdida.

    Sobre o aprendizado dos alunos ser concebido como capacidade individual, vale

    mencionar a anlise de Moll (1996) acerca das trs abordagens que justificam o fracasso da

    escola pblica de modo muito simplista e reprodutivista, as quais colaboram para a

    manuteno da classe social vigente. So teorias reacionrias que influenciam o cenrio

    educacional brasileiro corroborando com a excluso, com o estigma e o preconceito dascamadas populares.

    A primeira abordagem, a psicologicista, explica o fracasso escolar na perspectiva de

    que a criana no aprende porque nela h algum problema neurolgico, dficit mental-

    intelectual, afetivo, motor ou sensorial. Essa abordagem menospreza as capacidades

    cognitivas dos alunos das camadas populares que, muitas vezes, por uma defasagem na

    aprendizagem acabam no atingindo o nvel esperado nos testes psicolgicos, carregando

    assim um rtulo de fracasso. O aluno passa a ser o culpado pelo fracasso escolar (Moll, 1996).

    B.P. Souza (2007) complementa que essa concepo ainda frequente entre

    psiclogos e professores, que explicam o no aprendizado na escola devido a problemas

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    emocionais nas crianas. Esta autora explica que os psicodiagnsticos partem da hiptese de

    que o problema da criana emocional e depois legitimam essa hiptese inicial atravs de um

    conjunto de avaliaes. A autora esclarece que acreditar nisso desconhecer a importncia

    das relaes institucionais na produo dos problemas de aprendizagem. Assim, a mesma

    sintetiza:

    [...] Embora a queixa seja a dificuldade na leitura e na escrita,

    todo o encaminhamento feito pelo psicodiagnstico e

    atendimento psicoterpico centra-se em aspectos emocionais,

    acreditando-se que ao modificar a sua relao com sua me ou

    conseguir lidar melhor com seus conflitos internos, essacriana melhorar a sua performance escolar (B.P. Souza, 2007,

    p.50).

    Para a autora, essa ideia no passa de uma crena e isso significa que os profissionais

    esto tendo uma formao limitada. Existe a uma lacuna em sua formao que os faz carem

    nessa armadilha de explicar um problema de mbito educacional e social restringindo-o a

    fatores emocionais, individuais do aluno.

    Na segunda abordagem, a biologicista, Moll (1996) explica a viso medicalizada do

    fracasso escolar, atravs da qual se buscam causas biolgicas e respostas mdicas para uma

    questo social e educacional (p.41). Aqui entram em cena, novamente, os testes, mas dessa

    vez o exame neurolgico evolutivo, que estabelece escalas medidoras de padres de

    desenvolvimento neurolgico normais. Esta autora alerta que estudos comprovam que as

    crianas da classe popular possuem um desempenho melhor em situaes do cotidiano

    quando comparadas ao desempenho nas situaes de testagens (exame neurolgico

    evolutivo), o que significa que, embora nos testes a criana demonstre algum dficit

    cognitivo, no dia-a-dia seu desempenho dentro do esperado. Alm disso, a perspectiva que

    defendia a desnutrio como explicao para a no aprendizagem tambm foi

    desmistificada, j que no h pesquisas que apoiem essa ideia, pautada no senso comum.

    A ltima abordagem, de acordo com Moll (1996), a culturalista: Teoria da

    deficincia cultural ou Teoria da carncia cultural. Esta explicada por Patto (1997) como

    uma noo naturalizada de diferenas individuais e grupais de capacidade psquica, crena

    sustentada pela burguesia que, dependendo da aptido natural, distribui as pessoas em

    determinados lugares sociais, sustentando a ideologia necessria para a reproduo das

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    sociedades capitalistas. Moll (1996) complementa que essa teoria centra-se na explicao de

    que o ambiente sociocultural desfavorecido o que interfere negativamente no desempenho

    escolar dos alunos. Ao mesmo tempo, valoriza a cultura das classes privilegiadas

    economicamente em detrimento da cultura das classes menos favorecidas, no analisando a

    estrutura social como responsvel pela desigualdade, pelo contrrio, naturalizando essa

    condio e colocando como modelo padres de comportamento das classes dominantes.

    Com isso, ao logo da histria, vrias abordagens tericas tm sido construdas por

    esse vis de culpabilizao do indivduo, aluno ou do seu seio familiar, patologizando os

    problemas escolares. Essas abordagens defendem a existncia de distrbios de aprendizagem

    nos alunos com problemas de escolarizao, mas M.P.R. Souza (2000) alerta que antes de

    levantarmos a hiptese de distrbio de aprendizagem em alguma criana devem serlevantadas todas as informaes e anlises dentro da escola onde a queixa produzida. Dessa

    forma, Eidt e Tuleski (2007b) afirmam que as dificuldades de aprendizagem podem ser

    revertidas, por serem produzidas no processo ensino-aprendizagem e no relacionadas a

    disfunes do sistema nervoso central (SNC), tal qual sugerem as definies de distrbios de

    aprendizagem.

    As autoras garantem ainda que grande parte da produo cientfica atual acerca dos

    problemas de escolarizao tem centrado suas anlises, unicamente, nas caractersticasindividuais - tomadas como naturalmente patolgicas (Eidt & Tuleski, 2007b, p.538). Essa

    leitura desconsidera as condies sociais e econmicas de uma determinada organizao

    social e de um determinado perodo histrico para a ocorrncia do fenmeno, reduzindo-o ao

    indivduo, destituindo as relaes complexas que envolvem o mesmo.

    Sobre esse fato, estudos realizados no projeto em andamento, intitulado:

    Fracasso/Queixa escolar e a Psicologia Histrico-Cultural: um estudo exploratrio, pela

    UEM, nos quais se verificam produes cientficas que compreendem desde o incio dadcada de oitenta at 2007, acerca do fracasso e queixa escolar, tm revelado o mesmo que as

    autoras acima garantem. Autores como Pacheco e Sisto (2005), Santos e Marturano (1999),

    Suehiro (2006), Molina e Del Prette (2006), entre outros, demonstram em suas pesquisas uma

    postura no crtica acerca dos problemas de escolarizao, enfatizando que algo com o aluno,

    com sua famlia ou com o professor no vai bem, por isso ocorrem as dificuldades de

    aprendizagem. No realizam uma leitura ou no trazem contribuies envolvendo a

    complexidade social. A impresso passada pelos artigos a de que, se forem promovidas

    condies para superar um determinado aspecto (por exemplo: desenvolver habilidades

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    alm da observao de fenmenos quantificveis do

    enquadramento e da classificao.

    Muitos so os motivos apontados pelos educadores como responsveis pelo fracasso

    escolar, sendo o mais polmico deles o apontamento do aluno-problema, apresentado como

    portador de distrbios psico-pedaggicos, os quais podem ser de ordem cognitiva

    (aprendizagem) ou comportamental (indisciplina). Com isso, acaba-se colocando o prprio

    aluno como obstculo para o trabalho docente, culpabilizando-o, assim, pelo fracasso escolar,

    como se isso fizesse algum sentido (Aquino, 1998).

    Dessa forma, isenta-se o profissional da educao da responsabilidade e da

    necessidade de uma maior reflexo sobre sua prtica, uma vez que no se pode fazer nadacom alunos-problema. Aquino (1998) prope repensar nossos posicionamentos, rever

    algumas supostas verdades, sem cair na armadilha de apenas buscar justificativas para as

    causas do fracasso escolar, mas sim buscando alternativas e mudanas no trabalho cotidiano.

    Alm disso, Boarini (1998), assim como M.P.R. Souza et al. (1993), nos incita a

    pensar os problemas de aprendizagem e de comportamento do aluno sobre outra tica, que

    deslocar essa questo para o universo da escola, onde essa problemtica produzida. M.P.R.

    Souza et al. (1993) apresentam suas prticas no interior da escola, vivenciadas enquantopsiclogas, mostrando que os psiclogos e professores tm crenas e valores a respeito do

    processo educacional e preciso problematiz-las, explicit-las, buscar suas concepes

    (p.28).

    Nesse aspecto, as mesmas autoras apontam que muitas crenas dos professores e

    psiclogos tm origem no prprio curso de formao e no cotidiano escolar e social. So

    explicaes e teorias acerca do fracasso escolar, como, por exemplo, a teoria da carncia

    cultural, j explicada acima. Dessa forma, M.P.R. Souza et al. (1993) enfatizam anecessidade de se fazer a crtica dessas concepes para darmos um passo adiante no sentido

    de rever as nossas prticas psicolgicas diante da queixa escolar (p.28). Acrescentamos aqui

    a necessidade dos educadores tambm reverem suas prticas e fazerem crticas de concepes

    a respeito da queixa escolar.

    M.P.R. Souza et al.(1993, p.29) acrescentam ainda que:

    [...] Pensar o comoas relaes se estruturam e se modificam

    buscar a histria, recuper-la a partir de seus diversos

    protagonistas; buscar com os professores e alunos as suas

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    diferentes verses sobre o processo de aprendizagem, poder

    contrapor as diferentes verses e concepes existentes entre os

    prprios professores, em relao s prticas veiculadas no dia-a-

    dia da escola.

    Alm de considerar as relaes que se estabelecem no interior dessas instituies,

    cabe ainda, segundo Boarini (1998), entendermos que essas questes devem ser

    contextualizadas, uma vez que so produtos das contradies sociais dessa sociedade de

    classes em que vivemos. Ou seja, a crise das instituies pblicas , sobretudo, determinada

    pela crise histrica da sociedade capitalista (Boarini, 1998, p.25). Ainda segundo a autora,

    vivemos um perodo em que o homem contemporneo coloca os interesses individuais,particulares, acima dos interesses coletivos. Nesse contexto, sendo a escola um espao

    pblico, acaba desvalorizada, fragilizada, pois no h mais respeito ao que do outro ou de

    todos, o coletivo perdeu a dignidade, e o que tem valor so as propriedades individuais.

    Partindo dessa afirmao, este estudo elege ampliar esta discusso, iniciando pelo

    seguinte questionamento: ser que podemos dizer que a crise no somente das instituies

    pblicas, mas da Educao brasileira como um todo, atingindo a Instituio privada? Boarini

    (1998) assegura que os problemas de comportamento e a indisciplina escolar no ocorremapenas na escola pblica, mas atingem tambm a escola privada. Mas, e as dificuldades de

    aprendizagem, tambm tm sido produzidas no interior das escolas privadas?

    Boarini (1998) nos esclarece que os problemas de comportamento e as dificuldades

    de aprendizagem so questes histrico-sociais, mais especificamente falando, que a

    disciplina e a indisciplina no so categorias lineares, estanques. No so exclusivamente

    reaes comportamentais de um indivduo em particular, mas o resultado de uma produo

    social, datado historicamente. (p. 16).

    Acerca dos comportamentos dos alunos em sala de aula, Meira (2003) relata que,

    alm das queixas relacionadas s dificuldades e problemas de aprendizagem de contedo,

    agresses, indisciplina, atitudes violentas e desrespeito a professores e funcionrios,

    atualmente, tm se tornado a principal queixa das escolas em relao a seus alunos (p.24). A

    autora considera que para discutir essa questo necessria uma anlise das relaes sociais

    no contexto das escolas.

    A mesma autora pontua que h correlao entre a qualidade das prticas pedaggicas

    e os diferentes tipos de relaes interpessoais estabelecidos entre professor e aluno, em sala de

    aula. Quando as relaes estabelecidas na escola favorecem a autonomia, e professores e

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    alunos possuem conscincia das relaes, possvel construir respeito, solidariedade e

    cooperao recprocos. Mas se, ao contrrio, a relao estabelecida for de alienao e

    subalternidade, medidas de controle e punio so acionadas, dificultando estabelecer regras e

    normas coletivas, levando ao autoritarismo/abandono de autoridade, gerando um clima de

    ameaa, agressividade/apatia, violncia, indisciplina. Dessa forma, as relaes interpessoais

    precisam ser construdas de modo intencional e no espontneo.

    Na opinio de Boarini (1998), ao se discutir o aluno indisciplinado preciso

    relacion-lo ao contexto da sociedade, da escola e da famlia atual. A autora relata que a

    maioria dos educadores anseia por um aluno naturalmente disciplinado quando, na verdade,

    a disciplina deve ir sendo construda no dia-a-dia da sala, para que as atividades educativas

    possam acontecer. Assim, fundamental questionar a escola, a sociedade e o conceito dedisciplina, pois esta no deve ser rgida e padronizada a ponto de tolher a criatividade e a

    autonomia dos alunos.

    Diante dos apontamentos acima, acerca dos problemas escolares (indisciplina,

    dificuldade de aprendizagem) e das teorias e concepes que envolvem essa problemtica,

    importante refletir a influncia dessas tendncias tericas na atuao do psiclogo em relao

    queixa/fracasso escolar. Meira e Antunes (2003) mencionam que a Psicologia Escolar

    passou a ser reduzida a uma Psicologia do Escolar, desconsiderando a realidade social eeducacional, alm de perpetuar a tendncia histrica de se colocar a servio da manuteno da

    estrutura tradicional da escola e da ordem social na qual a mesma est inserida.

    Acrescenta-se aqui que essa prtica profissional, em especfico a dos Psiclogos, tem

    sido influenciada e apoiada pelas produes cientficas atuais mais disseminadas, tal como as

    discutidas acima, na pgina 20, as quais centram suas anlises, unicamente, nas caractersticas

    individuais tomadas, muitas vezes, como naturalmente patolgicas.

    As autoras acima entendem que a Educao tem sido um campo de atuao dospsiclogos. No entanto, ainda no reunimos elementos terico-metodolgicos suficientes e

    adequados consolidao de prticas profissionais competentes e comprometidas com a

    transformao da educao (Meira & Antunes, 2003, p.7). Por isso, os conhecimentos e as

    prticas desenvolvidas pelos psiclogos, no mbito escolar, tm sido alvo de srias crticas.

    Nesse aspecto, Patto (1990) e outros autores, como M.P.R. Souza (1989), Boarini

    (1992), Collares e Moyss (1992b), introduzem uma viso crtica e diferenciada acerca do

    fracasso escolar, considerando como mito e preconceito atribuir a culpa pelo fracasso escolar

    aos alunos, principalmente pobres de escola pblica, ou a suas famlias. Essa viso crtica, que

    compreende que o fracasso escolar produzido considerando um processo psicossocial

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    complexo, serve de subsdio terico-metodolgico para as prticas profissionais, podendo, ao

    mesmo tempo, superar os modelos e as produes cientficas que compreendem o fracasso

    escolar de modo individualizado.

    Alm disso, essa concepo crtica da psicologia escolar nos incita a repensar a

    prtica do psiclogo, j que, segundo Eidt e Tuleski (2007b), a interveno do psiclogo

    diante dos problemas escolares deveria favorecer a reflexo, junto ao professor e criana,

    sobre as relaes estereotipadas existentes na escola, pautadas em crenas que atribuem a

    dificuldade no processo de escolarizao criana (p.533).

    Acreditamos que somente tomando conhecimento de elementos terico-

    metodolgicos, pautados numa perspectiva crtica dos fenmenos educacionais, ser possvel

    superar a tendncia subjetivista, nesse momento dominante, de atuao dos profissionais desade, educadores e, especificamente, dos psiclogos, diante dos problemas escolares. O

    desafio est em introduzir essa perspectiva crtica nos cursos de graduao e ps-graduao,

    j que M.P.R. Souza (2000) nos mostra como o discurso crtico ainda no se concretizou no

    modo de explicar a queixa escolar e nem na atuao diante dos alunos encaminhados por

    problemas de escolarizao.

    Para Meira (2003), devemos ter claro o profissional que queremos formar, um

    profissional comprometido com as necessidades sociais humanas, envolvido eticamente comprocessos de humanizao. O desafio construir e consolidar uma Psicologia escolar crtica,

    que contribua para que a escola cumpra de fato seu papel de socializao do saber e de

    formao crtica (Meira, 2003, p.57).

    Essa tendncia de reflexo crtica sobre a Psicologia Escolar ainda nos permite

    repensar o compromisso ideolgico da atuao do psiclogo, compromisso que,

    historicamente, surgiu para atender s necessidades de uma classe burguesa. O ponto crucial

    dessa reflexo a construo de modos de atuao pautados numa prtica maishumanizadora, democrtica e transformadora, na luta por uma Educao de qualidade5(Meira

    & Antunes, 2003).

    Compreendendo que o fracasso escolar resultado de uma sociedade que desvaloriza

    as condies econmicas e sociais dos alunos empobrecidos da escola pblica, a corrente

    crtica da Psicologia Escolar compreende tambm que a Educao pertence a uma sociedade

    5Entendemos, conforme mencionamos na apresentao do trabalho e isto vale para todas as situaes que esta

    terminologia foi utilizada, que Educao de qualidade aquela que cumpre o seu papel de ensinar a todos osalunos (promovendo aprendizagem dos contedos cientficos historicamente produzidos), visandodesenvolvimento do pensamento (do psiquismo), inclusive, por meio de uma formao crtica do aluno, para queeste seja capaz de interpretar o mundo e agir sobre ele.

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    formada por desigualdades sociais e econmicas entre grupos e classes e, consequentemente,

    entende o fracasso, antes de tudo, como um fracasso social.

    Para compreender melhor essa sociedade de classes e o fracasso social e escolar ao

    qual nos referimos, faz-se necessrio recuperar um pouco da histria do surgimento da Escola

    e da Psicologia.

    Segundo Saviani (2005), com a propriedade privada surgiu a estruturao da

    sociedade em classes, aparecendo a necessidade de se criar a escola que antes, nas sociedades

    primitivas, no existia. Nas comunidades primitivas os homens produziam sua existncia

    coletivamente, isto , se apropriavam de forma coletiva dos meios de vida fornecidos pela

    natureza e, agindo sobre eles, produziam aquilo de que necessitavam para sobreviver

    (Saviani, 2005, p. 247).No momento em que a sociedade se dividiu em classes, a educao tambm passou a

    ser dividida: para proprietrios (os que no precisavam trabalhar) e para no proprietrios

    (escravos que trabalhavam para os senhores). Se nas comunidades primitivas a educao era o

    prprio processo de trabalho e igual para todos, com essa diviso os proprietrios passaram a

    frequentar escolas (em grego significa lugar do cio) e os no proprietrios a serem educados

    sem escola, mas no processo de trabalho (Saviani, 2005).

    Assim, Com a sociedade moderna, capitalista, burguesa, a educao escolar, antesrestrita a poucos, tende a se generalizar, convertendo-se na forma principal e dominante de

    educao (Saviani, 2005, p.248). No entanto, para este autor, a educao na sociedade de

    classes, especialmente na sociedade capitalista, continuou a ser conhecida, principalmente na

    segunda metade do sculo XX, como um aparelho a servio dos interesses da classe

    dominante. Ou seja, a ideologia dominante continuou a ser imposta classe dominada,

    preparando os indivduos para ocuparem seus postos na estrutura social, mantendo a

    sociedade organizada em classes.Ainda de acordo com o mesmo autor, essa anlise da relao entre educao e

    sociedade de classes por ele denominada de teoria crtico-reprodutivista da educao, a

    qual no considera que a escola pode ser um instrumento de luta do proletariado para reverter

    a dominao burguesa. O que ocorre que a educao na sociedade de classes depara-se com

    muitos desafios, uma vez que a classe dominante utiliza-se de mecanismos para adaptar e

    manter a sociedade como est, no promovendo transformaes, principalmente aquelas de

    interesse dos trabalhadores.

    Vale citar aqui a passagem em que Saviani (2005, p.255) fala da impossibilidade da

    Educao para todos na sociedade de classes:

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    :

    [...] a impossibilidade da universalizao efetiva da escola; a

    impossibilidade de uma educao unificada, o que leva a se

    propor um tipo de educao para uma classe e outro tipo para

    outra classe ou ento uma mesma educao para todos, porm,

    internamente, de fato diferenciada para cada classe social, e

    assim sucessivamente.

    nesse sentido que entendemos o fracasso social, pois a existncia de uma escola

    que garanta a todos o acesso ao saber entra em contradio com a sociedade capitalista, de

    classes, que ainda est longe de ser um instrumento a servio da classe dominada. Umasociedade que tem a educao escolar como principal forma de educar, transmitindo os

    contedos historicamente produzidos pela humanidade, e que, antagonicamente, no fornece

    ensino de qualidade para todos, ensino que busque transformao, permitindo a ao

    consciente do homem sobre o mundo, revela-se uma sociedade fracassada. Por isso, Saviani

    (2005) defende que a luta pela escola pblica tambm a luta pelo socialismo, que busca

    uma forma de produo que socializa os meios de produo superando sua apropriao

    privada (p.257).Podemos dizer que a sociedade capitalista gera o fracasso das camadas populares e a

    Psicologia, como uma cincia que surgiu a servio da classe burguesa, tem contribudo para

    isso. Patto (1984) esclarece que a Psicologia garantiu o seu status de cincia na Europa, na

    segunda metade do sculo XIX, quando as indstrias apresentavam-se em ascenso, sendo

    que a mesma foi sendo constituda diante das necessidades de selecionar, orientar, adaptar e

    racionalizar, visando, em ltima instncia, a um aumento da produtividade (Patto, 1984,

    p.87). Isso ocorreu, especialmente, na psicologia do trabalho e na psicologia escolar, estaltima atrelada s origens da psicologia cientfica. Segundo Patto (1984), a psicologia nasce

    com a marca de uma demanda: a de prover conceitos e instrumentos cientficos de medida

    que garantam a adaptao dos indivduos nova ordem social (p.96). Dessa forma, o

    principal trabalho da Psicologia, na escola, adaptar, seja pela seleo ou orientao. Assim,

    segundo Patto (1984, p.99):

    [...] A primeira funo desempenhada pelos psiclogos junto aos

    sistemas de ensino, seja na Frana, seja nos Estados Unidos, seja

    no Brasil, seja nos demais pases que se valeram dos recursos

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    As explicaes que acobertam uma ideologia, segundo Patto (1990), devem ser

    revistas por meio de reflexes crticas sobre os mecanismos escolares produtores de

    dificuldade de aprendizagem, bem como sobre as prticas escolares e sobre os impedimentos

    impostos pela sociedade capitalista, de classes, para a efetivao de uma educao de

    qualidade. M.P.R. Souza (2000) deixa claro que, mesmo depois da introduo de uma

    perspectiva crtica em Psicologia escolar, ainda permanece a psicologizao e a patologizao

    das queixas escolares.

    Sobre isso, Bock (2003) explica que a Psicologia se tornou cmplice da Pedagogia

    na acusao da vtima (p.87), ou seja, a cumplicidade ideolgica da Psicologia foi produzir

    teorias e saberes cientficos que vm como autoridade para explicar o que se quer esconder

    (p.86). Assim, o fracasso da educao escolar, do processo de ensino-aprendizagem, no fruto de problemas individuais ou oriundos da pobreza, como se acostumaram a explicar, mas

    fruto de polticas educacionais queprojetaram a crise da escola (Bock, 2003, p.86). E

    essa informao, com certeza, ocultada no meio de tantas explicaes.

    Vale citar tambm os mecanismos ideolgicos imbricados nas teorias pedaggicas e

    psicolgicas burguesas que exercem influncia at hoje no mbito educacional. Conforme

    Cambava e Tuleski (2007), a Psicologia Gentica de Piaget (o construtivismo), como uma

    corrente da psicologia burguesa, que emerge no bojo do perodo reacionrio, mantm umaviso de homem naturalizante e a-histrica, ao descrever fases do desenvolvimento genricas

    e pr como motor do desenvolvimento a maturao biolgica, a adaptao dinmica do

    indivduo ao seu meio ambiente (p.85). Seguindo esses parmetros, a psicologia aplicada

    estrutura testes, instrumentos e diagnsticos para avaliar aqueles que no lograram xito em

    seu processo de adaptao, funcionando como um mecanismo ideolgico de naturalizao

    das desigualdades sociais (Cambava & Tuleski, 2007, p.85).

    Eidt (2009), do mesmo modo, explica que hoje a educao escolar utiliza-se deteorias burguesas, na perspectiva das classes dominantes, para fundamentar o trabalho

    pedaggico defendendo uma educao diferenciada para determinados grupos sociais, em que

    cabe aos trabalhadores habilit-los tcnica, social e ideologicamente para a adaptao ao

    mundo do trabalho (p.10). Segundo a autora, trata-se de teorias pedaggicas burguesas,

    estando entre elas: a escola nova, o construtivismo e, mais recentemente, a teoria do professor

    reflexivo, a pedagogia das competncias e a pedagogia dos projetos.

    Para Duarte (2001), nessas teorias encontra-se o iderio das pedagogias do aprender

    a aprender, ou seja, nestas constam ideologias neoliberais e ps-modernas, as quais o autor

    discute e critica. O lema aprender a aprender significa que o aluno aprender sozinho vale

  • 7/22/2019 BRAY - Queixas escolares na concepo de professores da rede pblica e privada

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    mais do que a transmisso dos conhecimentos por algum; mais importante adquirir o

    mtodo cientfico do que o conhecimento cientfico j existente; a atividade educativa deve

    ser impulsionada pelos interesses da prpria criana; a educao deve preparar os indivduos

    para se adaptarem s mudanas e o indivduo deve aprender a estar sempre se atualizando.

    Este lema, portanto, no defende que o ensino-aprendizagem deva ocorrer por meio da

    transmisso do conhecimento pelo professor, ao contrrio, valoriza a aprendizagem que o

    aluno realiza sozinho, retirando, consequentemente, a importncia do papel da escola e do

    professor no processo educativo.

    Eidt (2009) afirma ainda que a maioria dos problemas que aparecem no processo de

    escolarizao podem ser explicadospela apropriao parcial daatividade depositada nas

    produes humanas, especialmente no que se refere aos conhecimentos cientficos(p.9;10, grifo da autora). Isto , a autora defende a tese de que as pedagogias do aprender a

    aprender, que preconizam a mnima apropriao dos contedos cientficos, aceitando que o

    pensamento se desenvolve apenas na e pela experincia, garantem ao indivduo apenas um

    desenvolvimento parcial do pensamento e a no apropriao da cultura acumulada dos

    contedos cientficos, submetendo-o, dessa forma, ordem do capital. Diante disso, Eidt

    (2009, p.238) entende que:

    [...] a educao escolar assume um papel ideolgico na

    sustentao do sistema econmico capitalista ao lanar mo de

    teorias supostamente inovadoras e revolucionrias, que, na

    essncia, centram-se, por um lado, na perspectiva pragmtica de

    adaptao do ser humano s demandas daacumulao flexvel

    de acordo com o modelo biolgico de adaptao do indivduo ao

    meio e, por outro, na fragmentao do conhecimento e naausncia de uma perspectiva da totalidade.

    Duarte (2003) tambm faz uma provocao quando questiona se vivemos em uma

    sociedade do conhecimento ou numa sociedade antes de tudo capitalista, que produz a

    ideologia de uma sociedade