Breve história da Justiça

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152 . AGOSTO 2014 . YACHT A maior das virtudes da sociedade é muito difícil de ser definida. A palavra justiça determina que a lei deve ser aplicada para que o resultado seja justo. Mas afinal, justiça é fazer o que manda a Constituição, ou punir da maneira que melhor “vingue” o injustiçado? Na Grécia antiga, o filósofo Aristóteles definiu a justiça como a disposição da alma que leva as pessoas a fazer o que é justo, agir justamente e desejar o que é justo. A igualdade entre as pessoas independe de cor, sexo e condição social, diz a Constituição. Mas embora exista esse ordenamento, há quem questione se realmente existe justiça, definida no dicionário como “respeito à igualdade”. Em Brasília, localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal, fica a famosa escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, representada com os olhos vendados, para assim demonstrar a sua imparcialidade. Já a espada em suas mãos representa a força que dispõe ao impor o direito. Algumas representações da justiça possuem também uma balança, que representa a ponderação. Carlos D’ávila Teixeira, juiz federal da 13ª Vara Cível da Seção Judiciária da Bahia, explica que o mais difícil na hora de distribuir a justiça é a resistência ao cumprimento das ordens judiciais. “O homem, por ser um vivente racional, cria mecanismos de interpretação da realidade e constrói, em si mesmo, um conceito sobre o que é justo e o que é injusto, quase sempre distorcido e distante do que foi previsto pelo ordenamento jurídico de uma nação, calcado em UMA DAS VIRTUDES MAIS IMPORTANTES PARA A IGUALDADE SOCIAL É TAMBÉM A MAIS DIFÍCIL DE SER DEFINIDA E COLOCADA EM PRÁTICA ESPECIAL POR THAÍS BARCELLOS | FOTOS DIVULGAÇÃO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA um modelo civilizatório mais elevado. Mesmo diante de um comando judicial apoiado exclusivamente na lei e fundamentado, é possível observar uma resistência íntima de algumas pessoas em acatar aquela ordem de um juiz e se submeter à lei, justamente pelo fato de aquele comando não corresponder ao entendimento criado no plano individual de cada um”. A própria existência da civilização e da sociedade está atrelada à noção de justiça. Segundo o juiz, que também é membro titular do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, a falta da justiça tornaria a sociedade brutal e sem limites. “Não teríamos a segurança de ir e vir nas cidades, a propriedade não seria respeitada, as agressões seriam numerosas e sem chance de recurso a uma autoridade constituída. Haveria sacrifícios, torturas, prevalência do mais forte (fisicamente), formação de grupos isolados e beligerantes”, enumera. A justiça brasileira é criticada pela demora na resolução dos processos e, de acordo com Carlos D’ávila, vários fatores são causadores dessa dificuldade na sua distribuição no país. “Em primeiro lugar, o enorme acervo de processos submetidos a cada juiz, fazendo com que a sua atuação se concentre em alguns processos, marcados pela urgência, enquanto milhares de ações aguardam a sua vez. Em segundo lugar, a grande quantidade de recursos previstos na legislação processual brasileira. Qualquer advogado hábil pode conseguir o adiamento e a demora no julgamento das causas pelo simples manejar dos recursos, acarretando, em cada etapa da tramitação dos processos, um atraso considerável. Em terceiro lugar, as dificuldades materiais que existem na estrutura do Poder Judiciário. Em alguns casos, são poucos servidores para cuidar de acervos gigantescos. Faltam também máquinas e acessórios que facilitem o trabalho”.

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A maior das virtudes da sociedade é muito difícil de ser definida. A palavra justiça determina que a lei deve ser aplicada para que o resultado seja justo. Mas afinal, justiça é fazer o que manda a Constituição, ou punir da maneira que melhor “vingue” o injustiçado? Na Grécia antiga, o filósofo Aristóteles definiu a justiça como a disposição da alma que leva as pessoas a fazer o que é justo, agir justamente e desejar o que é justo. A igualdade entre as pessoas independe de cor, sexo e condição social, diz a Constituição. Mas embora exista esse ordenamento, há quem questione se realmente existe justiça, definida no dicionário como “respeito à igualdade”.

Em Brasília, localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal, fica a famosa escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, representada com os olhos vendados, para assim demonstrar a sua imparcialidade. Já a espada em suas mãos representa a força que dispõe ao impor o direito. Algumas representações da justiça possuem também uma balança, que representa a ponderação.

Carlos D’ávila Teixeira, juiz federal da 13ª Vara Cível da Seção Judiciária da Bahia, explica que o mais difícil na hora de distribuir a justiça é a resistência ao cumprimento das ordens judiciais. “O homem, por ser um vivente racional, cria mecanismos de interpretação da realidade e constrói, em si mesmo, um conceito sobre o que é justo e o que é injusto, quase sempre distorcido e distante do que foi previsto pelo ordenamento jurídico de uma nação, calcado em

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um modelo civilizatório mais elevado. Mesmo diante de um comando judicial apoiado exclusivamente na lei e fundamentado, é possível observar uma resistência íntima de algumas pessoas em acatar aquela ordem de um juiz e se submeter à lei, justamente pelo fato de aquele comando não corresponder ao entendimento criado no plano individual de cada um”.

A própria existência da civilização e da sociedade está atrelada à noção de justiça. Segundo o juiz, que também é membro titular do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, a falta da justiça tornaria a sociedade brutal e sem limites. “Não teríamos a segurança de ir e vir nas cidades, a propriedade não seria respeitada, as agressões seriam numerosas e sem chance de recurso a uma autoridade constituída. Haveria sacrifícios, torturas, prevalência do mais forte (fisicamente), formação de grupos isolados e beligerantes”, enumera.

A justiça brasileira é criticada pela demora na resolução dos processos e, de acordo com Carlos D’ávila, vários fatores são causadores dessa dificuldade na sua distribuição no país. “Em primeiro lugar, o enorme acervo de processos submetidos a cada juiz, fazendo com que a sua atuação se concentre em alguns processos, marcados pela urgência, enquanto milhares de ações aguardam a sua vez. Em segundo lugar, a grande quantidade de recursos previstos na legislação processual brasileira. Qualquer advogado hábil pode conseguir o adiamento e a demora no julgamento das causas pelo simples manejar dos recursos, acarretando, em cada etapa da tramitação dos processos, um atraso considerável. Em terceiro lugar, as dificuldades materiais que existem na estrutura do Poder Judiciário. Em alguns casos, são poucos servidores para cuidar de acervos gigantescos. Faltam também máquinas e acessórios que facilitem o trabalho”.

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O Estatuto da Advocacia completou 20 anos e dispõe que esse profissional é indispensável para que a justiça seja distribuída. Para o advogado criminal e diretor geral da Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes (ESA-BA), Luiz Augusto Coutinho, a advocacia é essencial para o reconhecimento e respeito aos direitos fundamentais.

Advogar é assumir a responsabilidade e representar uma parte, seja pessoa física ou jurídica, a fim de obter a justiça. Luiz Coutinho acredita que atuar nessa profissão é passar por desafios diários: “A vida do advogado é um verdadeiro sacerdócio. Muitas vezes incompreendido por significativa parcela da população, amado e odiado com a mesma intensidade, dependendo apenas dos interesses que patrocine, é o advogado que deve estar ao lado do réu quando todos lhe viram as costas ou fecham a porta”.

Apesar da pressão e de todas as dificuldades, Coutinho afirma que não imagina existir uma profissão que traga mais satisfação: “Por nos permitir, diariamente, o embate forense, através de ideias, a luta incessante pela Justiça, a elaboração de teses, o ‘frio na barriga’ a cada julgamento e a alegria de estar colaborando para a construção de um país melhor”.

De acordo com o diretor geral da ESA-BA, a justiça é imprescindível para evitar que haja barbárie na sociedade. “Pense que se estima que existem hoje no mundo cerca de sete bilhões de habitantes. Se cada um quisesse exercer a justiça de acordo com a sua vontade, a raça humana estaria fadada a ser exterminada. A busca da justiça,

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COngestiOnAMentO De PROCessOsDados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que a Bahia está em 12º no ranking de congestionamento de processos na justiça. Nos seis meses de 2014 foram julgados 34.076 processos e 123 mil ações tramitam nas 19 varas das 15 subseções baianas.

Desenvolvido em 2011 pelo CNJ, em parceria com os tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Sistema Processo Judicial Eletrônico foi criado para facilitar os atos processuais e para que advogados magistrados, servidores ou partes acompanhem o processo seja na Justiça Federal, nos Estados, na esfera Militar dos Estados ou na Justiça do Trabalho.

O juiz explica que, na teoria, a inovação tornaria mais acessível a visualização dos processos, reduziria custos de manutenção e evitaria a enorme quantidade de papéis. “Mas, na prática, a realidade é outra: os sistemas não funcionam a contento, as etapas de acesso, abertura, movimentação e alimentação dos processos mostram-se lentas, difíceis e cheias de obstáculos, tornando um sacrifício para os servidores e juízes mostrarem os seus serviços ao público. Várias vezes há necessidade de converter um processo digital em físico para dar ao feito um desenvolvimento minimamente razoável”, destaca D’ávila.

O juiz pontua ainda os casos que não são julgados e ficam emperrados por anos simplesmente porque o juiz vinculado ao processo tem medo de desagradar ou de receber a reprovação da comunidade por adotar uma linha de conduta mais firme. Ser juiz é ter em mãos o poder de decisão que muitas vezes pode afetar negativamente a uns e trazer benefícios a outros. Apesar das dificuldades enfrentadas, Carlos D’ávila vê a consciência do dever cumprido como a principal compensação do cargo.

embora possa parecer uma quimera, é o único sentimento que pode orientar os homens para um convívio harmônico em sociedade”.

ConferênCias estaDUal e naCionalA Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) realiza, entre os dias 28 e 30 de agosto, em Ilhéus, a Conferência Estadual dos Advogados, que nesta edição terá como tema a “Constituição Democrática e Efetivação dos Direitos”. A conferência baiana contará com palestras de renomados juristas de destaque nacional, que abordarão a atuação do advogado na proteção dos direitos fundamentais, além de debates de interesse para profissionais e acadêmicos de Direito.

No Rio de Janeiro, a XXII Conferência Nacional dos Advogados, extensão do ciclo de eventos estaduais, acontecerá entre os dias 20 e 23 de outubro, nos Pavilhões 3 e 4 do RioCentro. O evento ocorre a cada três anos. Desde a primeira edição, em 1958, a Conferência Nacional dos Advogados já passou por todas as regiões do país.

o homem, Por ser Um vivente raCional, Cria meCanismos De interPretação Da realiDaDe e Constrói, em si mesmo, Um ConCeito sobre o qUe é JUsto e o qUe é inJUsto, qUase semPre DistorCiDo e Distante Do qUe foi Previsto Pelo orDenamento JUríDiCo De Uma nação”carlos D´ávila teixeira, juíz federal

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A história da justiça brasileira, até as duas primeiras décadas do século XIX, confunde-se com a própria história do direito português. A primeira forma de governo no Brasil colônia foi o sistema de capitanias hereditárias. Em 1549, após o fracasso deste modelo, Portugal instituiu o governo geral com a intenção de centralizar político-administrativamente o Brasil. Nesse momento foi criado o cargo de Ouvidor-Geral, que ocupou o primeiro lugar na hierarquia judiciária. Inicialmente, havia uma duplicação da estrutura judicial, pois sobreviviam os

iMPLAntAçãO DO juDiCiáRiO nO bRAsiL se COnFunDe COM históRiA DO DiReitO PORtuguês

jUsTIçA DE COlOnIZADOR

poderes e competências das capitanias e câmaras, ao lado dessa nova justiça, desempenhada pelo Ouvidor-Geral.

As figuras dos corregedores, juízes ordinários e juízes de fora começaram a aparecer no Brasil na medida em que a colonização foi se ampliando. Antes da República, o Poder Judicial compunha-se de juízes de Direito e jurados, em 1ª instância; dos Tribunais da Relação, em 2ª instância; e do Supremo Tribunal de Justiça, na cúpula.

Estabelecido em 1654, o Tribunal de Relação do Brasil foi criado pelo rei Felipe II, com o objetivo não só de manter as relações de poder perante os ouvidores, mas também por fatores de ordem econômica, pois o Brasil era a mais importante colônia portuguesa e a cidade de Salvador tinha o mais expressivo porto ao sul do Equador.

A Constituição de 1824 elevou a Justiça brasileira a um dos Poderes do Estado, compondo-se de juízes de paz e juízes de direito, em 1ª instância; tribunais da relação, em 2ª instância; e pelo Supremo Tribunal de Justiça, na 3ª instância. O Supremo foi criado por lei em 1828, com 17 ministros. Já a primeira Constituição republicana só

foi escrita em 1891, com a colaboração do jurista baiano Ruy Barbosa. O documento possuía como principais características a estrutura federativa e republicana, baseada na eletividade dos governantes, e a lógica da tripartição dos poderes.

mUitas vezes inComPreenDiDo Por siGnifiCativa ParCela Da PoPUlação, amaDo e oDiaDo Com a mesma intensiDaDe, DePenDenDo aPenas Dos interesses qUe PatroCine, é o aDvoGaDo qUe Deve estar ao laDo Do réU qUanDo toDos lhe viram as Costas”

PoR thaís barCellos | FotoS DivUlGação

Luiz coutinho, advogado

esPeCiAL

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