BREVE NOTA SOBRE AS CHEIAS NO TEJO E O SEU … · albufeiras nessa bacia que é o aproveitamento...

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DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE RECURSOS HÍDRICOS BREVE NOTA SOBRE AS CHEIAS NO TEJO E O SEU SISTEMA DE VIGILÂNCIA E ALERTA (Rui Rodrigues, Cláudia Brandão, Joaquim Pinto da Costa) RESUMO As cheias no rio Tejo, à semelhança de outros grandes rios europeus, são uma realidade incorporada na vivência e actividades das populações ribeirinhas. Também à semelhança dos outros rios internacionais da península Ibérica especialmente o Douro, o rio Tejo possui um regime fluvial alterado antropicamente. Essa alteração de regime, fruto da construção e operação de aproveitamentos hidráulicos ao longo da extensa rede hidrográfica da bacia, reflecte o objectivo primário da exploração das albufeiras nessa bacia que é o aproveitamento hidroeléctrico. Para além deste tipo de aproveitamento hídrico dominante não-consumptivo, há também a regularização com fins agrícolas, principalmente na bacia do Sorraia. A alteração do regime fluvial obriga assim a que se faça uma análise de cheias onde a excepcionalidade deva ser reportada à situação pristina enquanto que a vigilância e alerta incide sobre a situação modificada. No texto seguinte caracterizam-se as cheias do Tejo, com relevo para a contribuição dos dois grandes afluentes portugueses (o Zêzere, na margem direita, e o Sorraia, na margem esquerda), e apresenta-se o sistema de vigilância e alerta de cheias para a bacia. CARACTERIZAÇÃO GERAL O Tejo tem, em Espanha, uma capacidade de armazenamento construída de cerca de 11 km 3 para um escoamento em ano médio da ordem dos 12 km 3 . Mais de ¼ dessa capacidade está concentrada perto da fronteira, na albufeira de Alcantara (3,16 km 3 ). A jusante dessa albufeira com capacidade de regularização interanual, só existem aproveitamentos a fio-d’água, começando pelo de Cedilho (no fim do troço internacional do Tejo), depois Fratel e, por fim, Belver (Fig. 1).

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DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE RECURSOS HÍDRICOS

BREVE NOTA SOBRE AS CHEIAS NO TEJO

E O SEU SISTEMA DE VIGILÂNCIA E ALERTA

(Rui Rodrigues, Cláudia Brandão, Joaquim Pinto da Costa) RESUMO As cheias no rio Tejo, à semelhança de outros grandes rios europeus, são uma realidade incorporada na vivência e actividades das populações ribeirinhas. Também à semelhança dos outros rios internacionais da península Ibérica especialmente o Douro, o rio Tejo possui um regime fluvial alterado antropicamente. Essa alteração de regime, fruto da construção e operação de aproveitamentos hidráulicos ao longo da extensa rede hidrográfica da bacia, reflecte o objectivo primário da exploração das albufeiras nessa bacia que é o aproveitamento hidroeléctrico. Para além deste tipo de aproveitamento hídrico dominante não-consumptivo, há também a regularização com fins agrícolas, principalmente na bacia do Sorraia. A alteração do regime fluvial obriga assim a que se faça uma análise de cheias onde a excepcionalidade deva ser reportada à situação pristina enquanto que a vigilância e alerta incide sobre a situação modificada. No texto seguinte caracterizam-se as cheias do Tejo, com relevo para a contribuição dos dois grandes afluentes portugueses (o Zêzere, na margem direita, e o Sorraia, na margem esquerda), e apresenta-se o sistema de vigilância e alerta de cheias para a bacia. CARACTERIZAÇÃO GERAL O Tejo tem, em Espanha, uma capacidade de armazenamento construída de cerca de 11 km3 para um escoamento em ano médio da ordem dos 12 km3. Mais de ¼ dessa capacidade está concentrada perto da fronteira, na albufeira de Alcantara (3,16 km3). A jusante dessa albufeira com capacidade de regularização interanual, só existem aproveitamentos a fio-d’água, começando pelo de Cedilho (no fim do troço internacional do Tejo), depois Fratel e, por fim, Belver (Fig. 1).

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Fig. 1 – Esquema dos aproveitamentos hidroeléctricos no Tejo sobressaindo os dois afluentes. Um dos pontos preferenciais de análise das cheias no Tejo será então a jusante de Cedilho, concretamente Vila Velha de Ródão, onde desde 1860 se registaram de forma sistemática as cheias no Tejo, tendo-se coberto a cheia histórica de 1876 (Fig. 2).

Fig. 2 – Primeira cheia registada em Vila Velha de Ródão e cheia histórica de 1876 em Ródão e Tancos.

Dezembro de 1860

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23-Dez-60 24-Dez-60 25-Dez-60 26-Dez-60 27-Dez-60 28-Dez-60 29-Dez-60 30-Dez-60 31-Dez-60

Q (m3/s) Dezembro de 1876

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03-Dez-76

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05-Dez-76

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07-Dez-76

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11-Dez-76

12-Dez-76

RódãoTancos

Q (m3/s)

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A Figura 3 exemplifica qual a excepcionalidade das cheias ocorridas no Tejo à entrada de Portugal.

CAUDAIS MÁXIMOS INSTANTÂNEOS ANUAISVILA VELHA DE RODÃO

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1912

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1920

1924

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1988

1992

1996

2000

Q (m3/s)

Fig. 3 – Magnitude das cheias do Tejo à entrada de Portugal em regime natural. A magnitude da cheia histórica de 1876 só foi ultrapassada recentemente nos trágicos episódios de Novembro de 1997, que originaram a morte de 11 pessoas em Portugal e 22 na Extremadura espanhola. Cabe aqui recordar que, quer a cheia de 1997, quer a de Janeiro de 1996, foram laminadas em Espanha pelo que o caudal realmente afluente a Portugal foi, nos dois casos, apenas da ordem dos 4000 m3/s. O segundo ponto privilegiado de controlo de cheias no Tejo situa-se após a confluência com o rio Zêzere, afluente da margem direita, por ser aí que a contribuição desse rio vai determinar o volume e onda de cheia afluente à planície a jusante. É, por isso, um ponto nevrálgico na gestão de cheias na bacia pois permite operar a cascata de albufeiras do Zêzere de forma a desfasar os picos de cheia do Zêzere e Tejo. A Figura 4 demonstra como se procedeu a esse controlo em coordenação com a Confederação Hidrográfica do Tejo em Dezembro de 2000. Cabe aqui ainda recordar a magnitude da cheia de 1876 em Tancos (Fig. 2) com cerca de 10000 m3/s. A última contribuição para as cheias do Tejo provém do grande afluente da margem esquerda, o Sorraia, mas já com incidência apenas sobre o estuário. Contudo tem implicações em termos de áreas alagadas e populações afectadas dentro da própria bacia sendo o ponto de referência a localidade de Coruche. Nesta bacia a laminação das cheias nas albufeiras de Maranhão e Montargil (desde 1957/58), apesar de menos efectiva do que na caso do Zêzere, produz efeito nas pontas de cheia para jusante, principalmente se a cheia ocorrer após um ano seco e num único pulso. Neste sentido e mais recentemente, a laminação não funcionou para a cheia de 1996, que ocorreu após um Dezembro muito chuvoso, enquanto que em Novembro de 1997 a ponta de cheia em Coruche foi reduzida dos 1400 m3/s que poderia ter atingido para 950 m3/s.

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Fig. 4 – Retardamento da componente espanhola da cheia do Tejo na gestão de cheias de Dezembro de 2000.

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500

1000

1500

2000

2500

3000

1904

1908

1912

1916

1920

1924

1928

1932

1936

1940

1944

1948

1952

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1960

1964

1968

1972

1976

1980

1984

1988

1992

1996

2000

Q (m3/s)

Fig. 5 – Magnitude das cheias no Sorraia em Coruche regime natural.

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O SISTEMA DE VIGILÂNCIA O Sistema de Vigilância e Alerta de Cheias (SVAC) na sua componente de telemetria iniciou-se no rio Tejo em 1996. Das três estações automáticas iniciais colocadas no rio Tejo (Tramagal, Almourol e Ómnias) o sistema evoluiu para o SVARH na sua configuração actual (Fig. 6) com estações udométricas e automatização das albufeiras, tanto nacionais como espanholas (estas últimas ao abrigo do protocolo de troca de informação de cheias no âmbito da Convenção Luso-Espanhola).

Fig. 6 – Sinópticos do Sistema de Vigilância e Alerta de Recursos Hídricos (SVARH).

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Do Sistema constam ainda as bacias urbanas e os pequenos afluentes da margem direita a jusante da confluência com o Zêzere (Fig. 7).

Fig. 7 – Sinópticos do Sistema de Vigilância e Alerta de Recursos Hídricos para a zona do Estuário. O sistema, para além das capacidades preditivas dadas por modelos hidrológicos, está ainda apoiado por informação geográfica, especialmente útil para a gestão das superfícies de alagamento (Fig. 8).

Fig. 8 – Zona de inundação da planície do Tejo disponível no SNIRH através da Internet.

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Para além da disponibilização desta última informação na Internet, o sistema faculta ao cidadão comum os dados em tempo real dos caudais afluentes de Espanha a Fratel (Fig. 9).