BRINCANDO E CONTANDO HISTÓRIA, UM PASSEIO PELA …
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BRINCANDO E CONTANDO HISTÓRIA,
UM PASSEIO PELA MEMÓRIA-
APROPRIAÇÃO DA CULTURA POPULAR DAS BRINCADEIRAS
Flavia Angelica Mendes Ribeiro¹
Resumo
Este trabalho se destinou a realizar uma pesquisa-ação com educandos do 6º ano de
Ensino Fundamental, com situação de dificuldade em concentração e aprendizagem. Foram
utilizadas estratégias em arte, educação e novas tecnologias que envolveram contação de
história, entrevistas com familiares, leituras e estudos dessas entrevistas o que proporcionou
aos educandos atuar como protagonistas da redação de textos autorais.
Palavras-chave: Arte e educação. Contação de Histórias. Identidade Cultural.
Tecnologias Aplicadas à Escola. Protagonismo juvenil
¹Graduada em Pedagogia pela UFJF, cursando Especialização em Arte, Educação e Tecnologia pela UNB e cursando Especialização no Ensino de Arte Visuais da UFMG. Professora de arte em escolas públicas e particulares. Contadora de história.
Este trabalho é parte do projeto apresentado ao Instituto de Artes da
Universidade de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do grau de
Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas.
Para realizar o pré projeto deste trabalho contei com a equipe de colegas de
curso: Benedito Clarete Vasconcelos ( João Pessoa – PB), Fernanda Cavalcanti de Mello
( Rio de Janeiro- RJ), Fernanda Mara Ferreira Santos ( João Pessoa – PB) , Valber
Palmeira ( Belo Horizonte- MG), Vanessa Raquel Lambert de Souza ( São Paulo – SP).
Juntos pensamos esta proposta comum para ser aplicada em diversos lugares do Brasil,
que tinham em entidades tão diversas problemas semelhantes com seus educandos.
Consistiu em trabalhar na Escola Estadual Deputado Olavo Costa na
cidade de Juiz de Fora em Minas Gerais, temáticas ligadas à oralidade e à cultura
popular, buscando fortalecer e valorizar as identidades étnica/cultural dos
educandos que tem entre 10 e 15 anos, são três turmas do 6° ano do Ensino
Fundamental, turno da tarde com aproximadamente 20 educandos frequentes em
cada. Os jovens moram num bairro criado pelo projeto “Minha Casa Minha
Vida”, e são oriundos de diversas partes da cidade. Por variados fatores, esses
jovens estão violentos e dispersos. As aulas, tem sido, de maneira geral
improdutivas e os educandos, aparentemente não tem nenhum sentimento de
pertença com a escola. Esta experiência pensada para permitir que aos educandos
investigação de suas próprias matrizes culturais.
A proposição do projeto nos leva, enquanto educadores, a um
enfrentamento da situação com uma intervenção artística com o objetivo de
recuperar a história da construção cultural familiar e levar os educandos a
reconhecerem-se como sujeitos desta história e assim perceberem seu próprio
potencial criador e criativo diante de suas potencialidades estimuladas.
Para atingir ao objetivo e confirmar nossa hipótese de que a arte e
educação podem atuar de forma eficiente na construção de ambientes favoráveis
para a prática de ensino, procuramos apresentar aos educandos através da
contação da história um conto que lhes possibilitasse visitar a matriz
afrodescendente, possibilitando o diálogo com sua imagem social e cultural.
Incialmente, os educandos foram conscientizados da metodologia a ser
utilizada no projeto, desde a fruição da contação de história, a realização das
entrevistas, a elaboração de textos para a construção de contações de histórias
autorais.
Os educandos foram responsáveis por realizar entrevistas, redigir roteiros
de pequenas histórias, utilizando como recurso pedagógico a narrativa, no
decorrer do processo deverão criar práticas cênicas registradas por tecnologias de
comunicação e mídias digitais.
Para realizar a contação de história, foi elencado como elemento de
profusão da cultura africana, o texto “As tranças de Bintou” com autoria de
Sylviane Diouff, que trata da história de uma menina que vive numa pequena
aldeia africana e tem um dilema sobre seu cabelo, isso a leva a buscar respostas
sobre as tradições do seu povo. Nesta investigação feita pela protagonista do
texto, ela escuta de sua avó uma história a respeito uma menina africana, sua
ancestral, que não queria brincar com as outras crianças, por alimentar em si
mesma a vaidade, devido a beleza de suas tranças. Segundo Cascudo os contos
trazem muitas revelações;
O conto popular revela informações histórica, etnográfica,
sociológica, jurídica, social”. É um documento vivo,
denunciando costumes, ideias, mentalidades, decisões,
julgamentos. Para todos nós é o primeiro leite intelectual.
Encontramos nos contos usos estranhos, de hábitos
desaparecidos que julgávamos tratar-se de pura invenção
do narrador (CASCUDO, 2006, p. 257-258).
A palavra brincar me chamou muito atenção. O brincar está presente em
todas as culturas em todas as partes do mundo. Brincar é um tema que retoma
a cultura popular e que em tese todos os adultos tiveram em suas infâncias
gostosos momentos de brincadeira.
Percebi que se a cultura do brincar fosse o foco da discussão poderia
aproximar os educando da apropriação da cultura de sua família, através de um
diálogo com seus familiares. Usaria então este recurso para alcançar os adultos e
envolveria as crianças na cultura de sua família. Dessa forma, conhecer as
brincadeiras dos familiares dos nossos educandos poderia os levar a ter um
diálogo sobre algo que lhes é comum. Kishimoto apropriando da fala de
Vygotsky observa a interdependência entre os contos e a brincadeiras;
A riqueza dos contos, lendas e o acervo de brincadeiras
constituirão o banco de dados de imagens culturais utilizados nas
situações interativas.Dispor de tais imagens é fundamental para
instrumentalizar a criança para a construção do conhecimento e
sua socialização. ( Kishimoto)
Preparei então um roteiro de entrevista semi estruturada ( apêndice
1),onde o interlocutor pôde expor sua opinião de forma descritiva, para que os
educandos pudessem coletar informações a cerca de sua descendência,
brincadeiras na infância e opinião sobre a infância nos dias atuais, além disso o
educando/entrevistador deveria pedir ao entrevistado que lhe ensinasse uma
brincadeira. O verso da folha foi aproveitado para pedir as devidas autorizações
para o uso da entrevista neste trabalho, assim como, o uso da imagem dos alunos
na filmagem de finalização deste trabalho.
As leituras e estudos dos dados levantados das entrevistas realizadas,
deram origem a uma atividade a qual chamamos de “Tempestade de Palavras”.
Que consistiu na retirada de uma série de palavras das entrevistas relacionadas
com o tema brincar, que lançada aos educandos deu subsídio para a escrita do
texto autoral , os educandos se sentiram desafiados a concluir a tarefa.
Apesar de não conseguir a adesão de todos os alunos, como já era
esperado, aqueles que participaram se esforçaram para alcançar a meta do projeto,
e obtiveram resultados acima do esperado. (Apendice 1)
O resultado da aplicação do trabalho surpreendeu a mim e a outros
profissionais da escola. Os alunos eram tão inquietos e indisciplinados que parecia
impossível aplicar qualquer projeto com eles.
Esse abatimento alcançava a todos os setores da escola, funcionários e
professores, apesar de boa vontade, tristemente, quase acreditávamos que era
impossível reverter a situação de violência e desmotivação no
ensino/aprendizagem.
No princípio do ano letivo, tentei contar uma história, mas os educandos
simplesmente ignoraram. Quando contei a história “ As tranças de Bintou”, eles
ficaram muito atentos, tão silenciosos que ainda não o tínhamos os visto estar
assim voluntariamente. Logo após, pedi que escrevessem num texto o que
apreenderam da história, tivemos textos, de mais de 20 linhas. Isso surpreendeu
até mesmo a professora de Língua Portuguesa que disse, não ter conseguido ainda
um resultado semelhante com estes alunos dessas turmas nessa escola.
Eles se sentiram motivados em fazer as entrevistas, alguns me contaram
situações familiares, ficaram atentos aos prazos e participaram da atividade, com a
responsabilidade de quem faz parte do projeto, abre-se um parêntese para relatar
que muitos não devolveram as entrevistas.
Utilizamos os resultados obtidos nas entrevistas para buscar palavras para
o exercício de “Tempestade de Idéias”, que consistia em retirar das entrevistas
algumas palavras que apareciam ao longo das respostas, em seguida os
educandos eram estimulados a primeiramente criar frases, para compreender o
propósito do exercício, depois num outro momento outras palavras foram
apresentadas agora com intenção de escrever uma história. Os educandos se
envolveram tanto, que o silêncio novamente se estabeleceu, eram pessoas
concentradas em produzir. Eles tem muitas dificuldades com a escrita, mesmo
não estando de acordo com as normas cultas da língua portuguesa, considerei uma
grande vitória, sair do marco zero, ou seja, nenhuma escrita autoral, para uma
pequena amostra do que seriam capazes esses jovens se estimulados pela arte e
educação.
Os textos produzidos pelos educandos possibilitarão a criação de diálogos
e cenas através de exercícios teatrais com os textos autorais dos educandos e
filmagem dos resultados. Tais ações, aproximaram os educandos das experiências
culturais que seus familiares vivenciaram nas brincadeiras infantis abrindo
caminho para experiências estéticas e sociais de pertencimento da história e
cultura da infância dos seus familiares possibilitando o emponderamento dessa
cultura, afim de, refletir sobre sua própria realidade na contemporaneidade.
Apesar dos professores convidados a participar do projeto, mencionados
no PEA coletivo, não se dispuseram a aplicar efetivamente sua parte do
planejamento, mesmo sendo comunicados por email e receberem instrução e
material para a aplicação. Assim como, outros problemas relacionados com o
administrativo da escola e outros intempéries, não permitiram a conclusão do
projeto que ainda está em andamento.O coordenador da escola, gostou dos
resultados e fez uma proposta para expandir o projeto para as séries inicias do
Ensino Fundamental.
Até o presente momento já alcançamos a 2ª etapa da aplicação, e
compreendo que há muito trabalho a ser feito, no entanto, já considero que
alcançamos parte do seu objetivo de levar os educandos a partir do
reconhecimento da cultura popular, no caso, a brincadeira, a transformar sua
realidade na atualidade, considerando os resultados dos textos elaborados pelos
educandos, que não produziam trabalhos autorais, concluímos que as etapas já
aplicadas desta pesquisa, foram realizada com sucesso.
Considero que o projeto ainda não foi explorado em todas as suas
possibilidades, nem mesmo nas etapas aplicadas que já obtiveram êxito, ainda tem
potencial para mais alternativas e aprofundamentos. E não podemos deixar de
citar que o atraso na aplicação do projeto, nos nega a visão completa de todo o
trajeto e conclusão do projeto, e avaliar sua completa execução.
Mesmo assim, me sinto honrada por ter sido corresponsável pela
elaboração e aplicação desse projeto, e mais ainda por ter escolhido, justo a escola
que não tinha a menor possibilidade de dar certo e me fazer compreender e quem
sabe a outras instituições que, a arte, a educação e a tecnologia oferecem muitas
possibilidades para inovar o ensino/aprendizagem do século XXI.
Apêndice
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