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BRINCARINFANCIA

um-d6- i-As crian~as brincam cada vez menos, mas precisam de 0 fazer para serem adultos felizes,E, afinal, nao e preciso muitos brinquedos, Basta uma boa dose de imagina~ao.TEXTOS DE CANDIDA SANTOS SILVA

vu, nao ha lua! A-vu, nao ha lua'. Alua estava cheia,mas as nuvens so-pradas pela nor-tada cobriam-napor instantes e, osolhos expressivos

do Tomas virados para rnim enchiamde sentido as palavras avu, nao halua. Quando a nuvem passava toda asua cara era urn sorriso explodindona exclamar,;ao 'ha, ha'. 0 avu soueu. Esta era urna variante do jogo docucu recriado espontaneamente pe-10 Tomas quando numa noite deAgosto perscrutava 0 ceu a procurada lua. As maos agarradas ao meupescor,;o,convidavam-me a partilharo jogo, a alegria, a magia." 0 que 0Tomas fez, aos 18 meses, com a lua ecom 0 avo foi brincar. Talvez 0 To-mas. quando for adulto, nao se lem-bre brincadeira encantada. Pa-ra 0 :0. aqueles foram momentos

saborosos, tao preciosos que decidiueternizar no inicio de urn texto inti-tulado "Brincar, do desenvolvimen-to ao direito". 0 avo e Joao GomesPedro, pediatra e director de pedia-tria do Hospital de Santa Maria, emLisboa. Nele, 0 pediatra reclama 0direito a brincar e coloca-o ao mes-mo nivel do direito a vida, que, porsua vez, considera essencial ao de-senvolvimento.

Talvez 0 Tomas ainda nao saibaque aquilo que fez com 0 avo se cha-ma brincar e que partilhar com al-guem especial a magia de fazer apa-recer e desaparecer a lua faz partedo encanto da brincadeira. Brincare tao natural como comer. E neces-sario tambem. Ambos os actos come-r,;am por ser feitos na barriga damae. A interacr,;ao que existe entre amae e 0 bebe, logo a partir do nasci-mento, e 0 paradigma mais perfeitodo acto de brincar. A voz, 0 som me-16dico que recebe da mae e tambem

Cinco perguntas ao pediatraMario CordeiroQual a importancia de brincar'?Enorme. Brincar ajuda a crescer, representa 0dia-a-dia, identifica a crianr,;a, permite arriscar, reve-lar talentos e inquietar,;6es e saber estar consigopr6prio, entretendo-se.o que se aprende ao brincar'?A vida, 0 dia-a-dia, a sublimar,;ao de frustrar,;6es, 0saber ganhar e perder, as regras, 0 jogo de equipa, asdecis6es, 0 protagonismo, a oposir,;ao, 0 combate, 0risco e a gestao correcta das emor,;6es.Que brinquedos as crian~as devem ter'?Coisas naturais, poucas e toscas, que possam exerci-tar a imaginar,;ao e a criatividade. Os brinquedos saofrequentemente criados, desenhados e feitos poradultos, para serem comercializados e cornpradospor adultos. Depois admiram-se que as crianr,;astroquem brinquedos carissimos pelo comando da TV,ou que olhem para os brinquedos, passados escassosminutos, em que este ja deu 0 que tinha a dar, ten-tern explora-Io mais e finalmente os abandonem,para grande irritar,;ao dos adult os.Qual 0 papel dos pais na realiza~ao e incentivo dasbrincadeiras'?Os pais sao os melhores brinquedos dos filhos. Emconjunto devem partilhar momentos ludicos, paraconhecerem melhor 0 temperamento e a forma dereagir das crianr,;as. Devem gastar tempo com elas eentender que brincar nao e s6 passar tempo e diver-tir, mas tambem preparar para a vida, libertar angus-tias, exerdtar 0 faz de conta, a oposir,;ao, argumenta-r,;ao,criatividade, risco, a sorte e 0 azar. Devern ensi-nar a ganhar e a perder.Ha brincadeiras proibidas'?Tudo 0 que seja malevolo, malicioso, ofensivo, perigo-so, humilhante ou contra a vontade ou compreensaodas crianr,;as que brincam.

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do pai san 0 melhor brinquedo quepode receber. E a partir dai que seestabelece uma liga<;ao afectiva quedurar:i para toda a vida. "A voz damae e 0 melhor estimulo para 0 bebee para a constru<;ao da sua coerenciaemocional. Comunicar com ele e aexpressao maxima do jogo do amor.E, se quisermos, umjogo de afectos",defende Gomes Pedro. Depois dequase 40 anos de vida clinica, 0 pe-diatra esta cada vez mais convencidode que a chave para 0 desenvolvimen-to humano esta no acto de brincar.

E os adultos tambem brincam? "Brin-camos toda a vida. Se nao, seria gra-ve", responde Mario Cordeiro, pedia-tra e professor na Faculdade deCiencias Medicas da UniversidadeNova de Lisboa. "Brincar nao e decrian<;as, e urn patrim6nio da huma-nidade. Quem diz nao brincar, ou es-ta a mentir, ou brinca e nao da porisso, ou tern vergonha de 0 dizer, ou,se for verdade, 0 caso esta malpara-do e essa pessoa e profundamenteincompleta", acrescenta.

Pais e filhos queixam-se da faltade tempo para brincar. E as crian-<;asportuguesas san das que diaria-mente menos brincam na Europacom os pais. 0 dado nao e novo, masas familias justificam-se com a faltade tempo e reservam as brincadei-ras para 0 fim-de-semana. Os espe-cialistas garantem que a estrategianao resulta. Para crescerem bern,de forma coerente e saudavel, ospais devem ser os melhores brinque-dos das crian<;as. Mas tambem as es-colas, a comunidade e as cidades de-vem estar organizadas de forma aque os miudos ten ham mais e melho-res oportunidades de lazer. "Ascrian<;as tern demasiado tempo for-mal, demasiadas actividades, comoa musica, 0 Ingles ou a informatica,e sobra pouco tempo para brincar",refor<;a Carlos Neto, investigadorem desenvolvimento infantil da Fa-culdade de Motricidade Humana deLisboa. Falta-lhes espa<;o ao ar li-vre, recreios atractivos, parques in-fantis que incentivem a explora<;aoe a aventura. Para 0 especialista,"brincar na rua e, em muitas cida-des do mundo, uma actividade emvias de extin<;ao. 0 tempo esponta-

Sri ncadei raspara todas as idadesDos 0 aos 3 mesesFale com 0 bebe, diga-lhe palavras doces e bonitas.Acarinhe-o, embale-o. Aos dois meses experimente deitara lingua de fora.

Dos 3 aos 6 mesesOfere~a-lhe um conjunto de chaves debrincar, sac dos brinquedos preferidos dosbebes. fazem' barulho, sac faceis de segurar

e eles adoram deixa-las cair.Dos 6 aos 9 mesesCom um pane ou uma fralda fa~ao jogo do esconde-esconde. Vai ver

como 0 bebe se Ira rir a gargalhada egostar da' magia da descoberta.

Dos 9 aos 12 mesesAjude-o a descobrir os livros. As crian~as interessam-sepor imagens e gostam de passar as paginas. Ofere~a-lheum de pane ou de borracha com 0 qual podera brincarno banho.Do 1 aos 2 anosEncoraje 0 crescente interesse pelasbrincadeiras faz-de-conta. De-lheutensilios de cozinha e pas. Eles adoramimitar os adultos. Deixe-o dirigir 0 jogo.

Dos 2 aos 3 anos .Ofere~a-lhe um conjunto de plasticina, lapis decera e deixe-o criar e pintar a vontade. Experi-mentem fazer juntos uma receita simples de

'\, bolachas. Promova a socializa~ao. Levealguns brinquedos para 0 parque infantil e

,,' ensine a partilhar. Nao interfira muito nasbrincadeiras entre pares.

Dos 3 aos 5 anosVa para 0 parque mais proximo e imaginem que sac 0Tarzan. Fa~am um corta-mato. Deixe-o subir a uma arvoree ensine-o a saltar. Vai ver como e importante correrriscos. E se esmurrar os joelhos, serao apenas medal haspara mostrar aos amigos.Dos 5 aos 7 anosConvide alguns amigos do seu filho epe~a-lhes para trocarem de roupa e adere~osuns com os outros. Olhem-se ao espelho,toquem 0 material de que e feita a.sua novaroupa e caminhem, tentando imitar 0 do no daroupa. No final conversem sobre como e quese sentiram na "pele do outro". No terra~o decasa ou no jardim do bairro desenhe uma macaca no chaoe ensine os seus filhos a pular sem pisar os tra~os.Dos 7 aos 9 anosEstimule 0 poder de argumenta~ao da seguinte forma: 0que farias se te aparecesse um grilo falante a tua'frente?Ese acordasses no outro lade do mundo? E se de repen-te ficasses do tamanho de uma formiga?Se tiver um rapaz, ofere~a-lhe um piao, e se for umarapariga reserve-lhe uns cinco ou seis metros de elasticoe junto um grupo de ami gas para saltarem ao jogo doelastico. Incentive os seus filhos com jogos. Fa~am cons-tru~6es, pintem, desenhem, leiam livros.

Dos 10 aos 11 anosEscolha um fim-de-semana com

bom tempo e va acampar para 0

meio da natureza. Levem uma lanternae um frasco para recolher insectos. folhas e

sementes. Acendam ui'na fogueire e passemgrande parte da noite a olhar 0 ceu. Vai ver como

sera uma noite memoravel. para os pais e para os filhos.(Brincadeiras pensadas com a ajuda do Gymboree e da psic610ga Ines Marques)

neo, imprevisivel, da aventura, dorisco, do confronto com 0 espa<;o fi-sica natural, deu lugar ao tempo or-ganizado e uniformizado". Do esti-mulo ocasional passou-se ao estimu-10 planeado, tendo como consequen-cia a diminui<;ao do nivel de autono-mia das crian<;as, com implica<;5egraves, na esfera do desenvolvimen-to motor, emocional e social. CarlosNeto diz ate que se tern vindo a de-monstrar "uma rela<;ao muito direc-ta entre brincar e ser feliz na infftn-cia e 0 sucesso na vida adulta". Parao investigador, "a vida na cidade ehoje desesperadamente adulta e ra-cional. E a cultura dos dedos, pro-porcionada pelo tempo de ecra.substituiu a cultura das pernas".

As crianlias de hoje podem subir aarvores mas nao san capazes de sairou simples mente saltar. Ter os joe-

. lhos esfolados e sin6nimo de umacrian<;a saudavel, refor<;a Carlos Ne-to. E sujar faz bem. Brincar as lutascom os amigos, liberta energias, frus-tra<;5es e cons orne calorias. Correrriscos permite abrir caminhos para aseguran<;a, ajuda a adaptar-se a situa-<;5es novas e imprevistas. Foi paraajudar a tirar as crian<;as da frenteda televisao, potenciar a socializa<;aoe estimular as brincadeiras entrepais e filhos que surgiu hi dois anosem Portugal uma especie de ginasiode brincadeiras. Chama-se Gymbo-ree e 0 conceito foi criado nos Esta-dos Unidos em 1976. 0 objectivo e"promover 0 rapido desenvolvimen-to do corpo e mente da crian<;a aomesmo tempo que se come<;a a pre-para-la para a vida. Fazemos issoatraves de brincadeiras com prop6si-to, num espa<;o apelativo e coloridoem que se impele a crian<;a para abrincadeira, sempre em associa<;aocom urn dos progenitores, para quetam bern, desta forma, se fortale<;amos la<;os emocionais", explica InesMarques, psic6loga clinica do Gym-boree, no Parque das Na<;5es,em Lis-boa. Correr, saltar, pintar, rebolar,brincar com a musica ou fazer deconta, san apenas algumas das activi-dades ali disponiveis para crian<;asdos zero aos cinco anos. Mas comobrincar nao tern idade , mexa-se,brinque e... deixe brincar. •