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Bruno Flávio Lontra Fagundes Entre arte e interpretação Figurações do Brasil na literatura de João Guimarães Rosa (1945-1967) Belo Horizonte 2010

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Bruno Flávio Lontra Fagundes

Entre arte e interpretação Figurações do Brasil

na literatura de João Guimarães Rosa

(1945-1967)

Belo Horizonte 2010

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Bruno Flávio Lontra Fagundes

Entre arte e interpretação Figurações do Brasil

na literatura de João Guimarães Rosa (1945-1967)

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em His-tória da Faculdade de Filosofia e Ciências Huma-nas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História. Área de Concentração: História e Culturas Políti-cas Orientadora: Prof.a.Dra. Eliana Regina de Freitas Dutra

Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Universidade Federal de Minas Gerais 2010

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Ficha catalográfica

907.2 Fagundes, Bruno Flávio Lontra F156e Entre arte e interpretação [manuscrito]: figurações do Brasil na literatura de 2010 Guimarães Rosa / Bruno Flávio Lontra Fagundes. - 2010.

307 f. Orientador: Eliana Regina de Freitas Dutra. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

.

1. Rosa, João Guimarães, 1908-1967. 2. História - Teses. 3. Cultura – Teses. 4. Natureza – Teses. 5. Cultura Escrita – Teses. 6. Literatura – Teses. I. Dutra, E-liana Regina de Freitas. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

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- Pra José, papai: que me levou ao São Francisco!

- Pra Heloiza, mamãe: amor que eu, às vezes, preciso chorar!

- Pra Edilane, amor: amor a que me ofereço, vindo!

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Agradecimentos

Esta tese não seria possível sem o patrocínio e as iniciativas de instituições e a cola-

boração e a boa-vontade de muitas pessoas, a quem eu gostaria de agradecer sinceramente.

A professora Eliana Dutra, minha orientadora, me apoiou em vários momentos com palavras de estímulo e confiança, me instruiu como seria melhor fazer para pensar meu objeto de estudo, me ajudou em situações em que fui inibido, e até ingênuo, e soube ser respeitosa com meu ritmo lento de aprendizagem feita de divagações e “viagens”, de experimentações, erros e acertos.

Os amigos e professores, do curso e de simpósios, encontros, congressos de durante mais de quatro anos, sempre foram importantes, porque foi da troca, da interação e da interlo-cução com eles – em momentos mais ou menos formais – que aprendi, fixei e, pouco a pouco, pude ir construindo minhas idéias num todo razoável e compreensível. As idéias e pensamen-tos são pensados juntos.

Professores e colegas acabaram por participar mais pessoalmente da construção de meu conhecimento. Muitos aqui no Brasil, que seria impossível indicar sem faltar. Em Paris, contei com alguns deles também. Bernardo, Ixel, Rober, os colegas da Casa do Brasil – ao me ajudarem a viver num universo que não era o meu, ofertaram-me o estofo sentimental com que o conhecimento se fecunda, e de alguma forma participaram de minha tese. O professor Afrânio Garcia me ajudou a chegar em Paris e a professora Heliana Angotti-Salgueiro se dispôs a me indicar leituras, conversar e trocar idéias sobre meu objeto de estudo.

Em Paris, contei com a orientação da professora Anne-Marie Thiesse, uma espécie de rainha Midas, que a tudo que toca transforma em ouro. Com solicitude, vontade de me ajudar e sempre disponível, ela me sugeriu explorar a relação de Guimarães Rosa com a Etnografia e não só com a História. Ligada no meu feeling com meu objeto de estudo, a professora Anne-Marie conseguiu me indicar desde livros para ler até festivais de Antropologia Literária na beira da praia para participar, passando por exposições de fotografias, filmes, museus. Ela está guardada para sempre em meu complexo coração-cabeça.

Apoios administrativos são rotineiros, que podem passar despercebidos. Mas gostaria de agradecer às pessoas de secretarias com quem precisei lidar durante todo esse tempo, que viabilizaram minha vida acadêmica.

Apoios técnicos são fundamentais, como pessoas em bibliotecas e arquivos de que me servi, e a todos quero agradecer. Bibliotecas, todas as da UFMG, arquivos, o do Museu Casa de Guimarães Rosa, em Cordisburgo, na pessoa do Ronaldo, o arquivo e a biblioteca do IEB-USP, e em Paris a biblioteca da École de Hautes Etudes en Sciences Sociales. Sem todas essas pessoas que mantêm esses lugares, minha tese não teria como existir.

Apoios financeiros institucionais carecem de muitas palavras. Tive bolsa de estudos da CAPES – um pouco no Brasil e depois totalmente em Paris - e na maior parte do tempo bolsa da FAPEMIG no Brasil. Sem essas instituições, seria impossível a dedicação exclusiva que realizei. Espero ter dado o retorno do investimento público feito em mim divulgando o que aprendi publicando artigos, estando em simpósios e principalmente escrevendo essa tese.

Por fim, Edilane, minha mulher. Ela foi esteio, teve de lidar com minha ausência em muitos momentos, com minha eventual estupidez ansiosa ou nervosa, e ela conseguiu estar comigo, sem perder a linha de uma vida escolhida comigo. Com carinho, soube me compre-ender e me facilitou os caminhos. É dela essa tese, porque ela está em mim, e o que é meu a envolve.

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RESUMO Esta tese analisa a interação de Rosa e de sua literatura com os debates inter-

pretativos e as heranças e inovações sociais e artístico-culturais no Brasil em meados do século XX pela pesquisa de suas leituras e das marcas deixadas pelo escritor nos livros de sua biblioteca particular. Concebendo a literatura como texto e livro, sem desprezar a natureza ficcional da escrita literária - e mesmo a excepcionalidade lin-güística do texto rosiano - esta tese procura apontar algumas das mediações artísticas e intelectivas, novas e herdadas, que foram substantivas para a figuração do Brasil proposta pela literatura rosiana. Informado por leituras interpretativas que rediscutiam a relação entre cidades e sertão, que registravam tradições herdadas da vida rural e fixavam tipos e aspectos da geografia física e humana brasileira, Guimarães Rosa acabou por propor uma visão de Brasil que problematizou a relação entre poder social e capital lingüístico-cultural, figurando concepções de povo e de natureza ainda hoje enriquecedoras do debate público sobre o país. Esta tese defende que a literatura de Rosa se realizou em torno de solidariedades e tensões sociais e se propôs como ins-trumento simbólico de uma missão histórica e diplomática. Seus textos e livros repre-sentam, e manifestam, tradições e inovações diversas em sintonia com dilemas e con-flitos históricos do Brasil, para cuja solução sua literatura terminou por fazer proposi-ções interpretativas enredadas literariamente.

RÉSUMÉ

Cette thèse analyse l'interaction de l’auteur João Guimarães Rosa et sa littérature avec des discussions de l'interprétation et à l'héritage et les innovations sociales et artisti-ques et culturels au Brésil en milieu du XXe siècle par la recherche de ses lectures et les marques laissées par l'auteur dans les livres de sa bibliothèque privée. En conce-vant littérature sous forme de texte et de livre, tout le caractère fictif de l'écriture litté-raire - et même l'unicité linguistique du texte de Rosa - cette thèse vise à mettre en évidence quelques-unes des médiations de l'art et intellectuelle, nouvelles et existan-tes, qui étaient au fond de la figuration du Brésil qui a proposé la littérature de Gui-marães Rosa. Informé par des lectures interprétatives qui traitent de la relation entre les villes et l'arrière-pays, qui a enregistré hérité des traditions de la vie rurale et les types fixes et les aspects de la géographie physique et humaine du Brésil, Rosa est venu de proposer une vision du Brésil, qui problématise la relation entre le pouvoir et le capital social, conceptions linguistiques et culturelles, de figurer les personnes et la nature qui encore enrichie le débat public sur le pays. Cette thèse soutient que la litté-rature de Guimarães Rosa a été autour de la solidarité et des tensions sociales et pro-posé comme un instrument symbolique d'une mission historique et diplomatique. Ses textes et livres représentent, et d'expriment, les différentes traditions et innovations en ligne avec les conflits historiques et les dilemmes du Brésil, dont la solution à son écriture a fini par faire des propositions d'interprétation littéralement empêtré.

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SUMÁRIO Introdução .............................................................................................................................. 8 Capítulo 1 - A biblioteca de Rosa – Marcas e Territórios de uma escrita ...................... 23 1.1 Viagens, trajetória diplomática e literatura na travessia do interesse das leituras ........... 26 1.2 Leituras de Rosa – Marginálias ........................................................................................ 35 1.3 Leitura das leituras de Rosa – um recorte sobre um recorte ............................................ 44

Capítulo 2 - Livro, Literatura e os muitos sertões do mundo .......................................... 61 2.1 Escrever, desenhar, fotografar, viajar: interpretação social, literatura e ciências do homem nos séculos XIX e XX ........................................................................................................... 64 2.2 As viagens de Rosa – viagens no papel, nos livros e na vida .......................................... 81 Capítulo 3 - O diálogo com as artes e as muitas artes da cidade ................................... 104 3.1 Rádio, cinema, livros da cidade – o trânsito entre imagens, sons e palavras ................. 106 3.2 Expansão Editorial, livros e coleções ............................................................................. 110 3.3 Livros e inventários de tradições – as palavras e as imagens da arte ............................. 121 Capítulo 4 - O diálogo com as culturas e as muitas culturas do Brasil ......................... 138 4.1 Culturas de oralidade, culturas do escrito: conflitos e solidariedades ............................ 139

• Leituras de palavras escritas na boca, leituras de palavras escritas no livro: os ausen-tes leitores de Rosa .................................................................................................. 139

• Rosa, um artista gráfico das palavras ... no livro .................................................... 155

4.2 Leitura de palavras, leitura de imagens: a mediação dos livros ..................................... 159 • Visualidade, categoria individual artística? As práticas do olhar ... no livro .......... 159 • Visualização, categoria coletiva interpretativa? Regionalismo e regiões em imagens ....... 168 • Visualização, brasilidade? O Brasil publicado em imagens ................................... 176 • Livros no centro do projeto de arte e vida: Escrever, desenhar, fotografar .. para publicar.. 183

Capítulo 5 - O diálogo com os livros e os muitos sertanejos da história ....................... 190 5.1 Trocas textuais entre homens de livros: Rosa, intérprete do Brasil ............................... 192

• O sertão histórico e cultural .................................................................................... 197 • Os Famigerados e Facínoras .................................................................................. 208

5.2 O amadurecimento da obra literária e as relações com a crítica de literatura ............... 213 5.3 A construção da história - inventário de tradições em tempo de modernização e modernidade .. 223 Conclusão – Sertão, tudo certo, tudo incerto ...................................................................... 235

Referências Bibliográficas ................................................................................................. 248 Fontes de Pesquisa .............................................................................................................. 273 ANEXO A – Lista de livros – Biblioteca de João Guimarães Rosa .................................... 275

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Introdução

Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe;

mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba (Riobaldo)

Os historiadores sempre enfrentaram o questionamento sobre a relação entre

História e Literatura, ora discutindo a afirmação de que escrevem textos como os fazem

os escritores literários, ora esclarecendo que, no texto do historiador, o contexto social

opera mais do que mera referência, ao contrário do escritor literário - em cujo texto o

“contexto social existe (...) apenas como referência ao mundo” (BATISTA CARDOSO,

2006, p.39). Mesmo marcando as diferenças, os historiadores sabem, no entanto, que há

textos e autores literários que lhes são fundamentais quando está em jogo o exame de

realidades históricas.

Na obra literária de João Guimarães Rosa, escrita entre os anos 1930 e os anos

1960, Grande Sertão:Veredas é um momento decisivo, haja visto que, paralelo às ino-

vações lingüísticas que consagraram o autor na história da literatura brasileira, o livro

sempre reatualiza questões centrais da história do Brasil, articulando, numa narrativa

épica emocionante, fatos das relações sociais e políticas, herdadas historicamente, a

uma época de modernização da vida econômica e cultural do país.

Os livros de Guimarães Rosa – em especial Grande Sertão:Veredas e Corpo de

Baile – sempre nos motivaram a tomar a obra literária do escritor e o processo de sua

construção para a análise da história brasileira. E assim o fizemos, pesquisando a biblio-

teca particular de Rosa como fonte principal de nossa tese, consultando, especialmente,

seus livros de caráter geográfico, antropológico, histórico e sociológico, etnográfico e

de folclore, elaborados na confluência da imaginação e da reflexão sobre a sociedade e a

história brasileiras. Investigamos o diálogo de Rosa com homens e livros e os impactos

que estes tiveram em suas elaborações imaginárias sobre o Brasil, concebidas como

expressão de uma proposta de arte que acabou por oferecer uma interpretação do país

em meados do século XX.

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Combinada a suas viagens para o interior do país, a interação de Guimarães Ro-

sa com textos e intérpretes do Brasil é examinada aqui visando detectar as ações do es-

critor no sentido de conhecer o sertão e os sertanejos – do que resultou na elaboração de

uma visão estética do Brasil que terminou sendo, a um só tempo, uma proposta de abor-

dagem do país e um conhecimento necessário que lhe permitiu atuar como mediador

entre dois mundos: o urbano e o rural, a cidade e o sertão, a comunidade dos homens da

cultura escrita no livro e o da comunidade de homens que mal lêem e escrevem cartas e

bilhetes.

Ao contrário de experiências históricas em que a modernização técnica e a mo-

dernidade afetaram o tipo de convívio entre áreas urbanas e rurais, entre cidade e sertão,

englobando as sociedades num processo de homogeneização sob a égide das cidades, no

Brasil a modernização se fez mantendo e se aproveitando de características e tradições

da vida rural, num processo em que a cidade não acabou com o sertão, fato formulado

na indagação que faz Riobaldo em Grande Sertão:Veredas ao senhor que o ouve contar

histórias: “Ah, tempo de jagunço tinha mesmo de acabar, cidade acaba com o sertão.

Acaba?”.

No Brasil e no mundo de meados do século XX, as atividades artística e diplo-

mática de Guimarães Rosa não se desvincularam, e foram executadas através de interlo-

cuções sociais e culturais subjetivadas numa escrita literária que acabou por figurar um

Brasil de conflitos e solidariedades, país em que o escritor atuava se revelando na pró-

pria trama de suas histórias, agindo como mediador entre populações de capitais cultu-

rais díspares e diversificados. O projeto literário e cultural de Guimarães Rosa teve o

livro como condição e resultado de seu investimento político e diplomático: o livro ma-

terializou o gesto do escritor de aproximar sertão e cidade por uma obra de cultura.

Obra estreitamente ligada a sua carreira diplomática - em que viajou, participou

do debate público nacional e mundial de idéias, conheceu países do mundo e pôde es-

crever livros - a de Guimarães Rosa se acresce de um fato significativo, revelado pelo

próprio escritor nas poucas oportunidades em que respondeu sistematicamente sobre sua

literatura. Nessas oportunidades, o escritor diplomata sugeria que ele era um persona-

gem de si mesmo, de sua própria literatura: “(...) às vezes quase acredito que eu mesmo,

João, sou um conto contado por mim mesmo (...)”; “provavelmente, eu seja como meu

irmão Riobaldo”; “minhas personagens, que são sempre um pouco de mim mesmo, um

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pouco muito (...)”.1 Essas revelações favorecem a inquirição do texto literário rosiano

sob certa perspectiva, visto que desloca para as tramas da literatura as atividades do

artista e do diplomata, observadas nas ações de personagens que são o próprio escritor

em atuação.

Enquanto universo específico, o texto literário torna-se ainda dispositivo com

cujas propriedades o escritor - ao organizar os personagens em tramas segundo concep-

ções de mundo, de sociedade e de Brasil – sem querer, provavelmente, revela o que va-

loriza, seleciona e qualifica como importante no debate público, informando-nos dos

posicionamentos que toma diante de questões sociais vividas pela mediação das histó-

rias. Sem perder sua essência ficcional e densidade artística, a literatura, tal como su-

pomos, acaba por mobilizar uma interpretação da sociedade que se organiza dentro do

texto, em função do que se desnudam a natureza e o caráter das relações sociais exami-

nadas pela lente dos enredos literários e valorações simbólicas que dão vida a fatos e

personagens.

A pesquisa na biblioteca de Rosa, a identificação de como o escritor selecionou

e valorizou temas da vida brasileira no interior do debate sobre o Brasil, sugeriram-nos

avaliar a interação do homem de cultura Guimarães Rosa com outros homens de cultura

e com os sertanejos, sujeitos tanto de sua criação literária, como das explicações do país

que o escritor ia conhecendo pelos livros de sua biblioteca e pelos debates de que parti-

cipava na condição de escritor e diplomata em meados do século XX.

A pesquisa das leituras de Guimarães Rosa reforçou-nos a convicção de que sua

obra acabou por propor uma visão do Brasil sob a perspectiva da criação literária medi-

ada pelas interpretações do país vigentes em sua época histórica. Para criar textos de

literatura, Rosa guardou em sua biblioteca, marcou, anotou e utilizou muitos livros de

etnografia, geografia, antropologia, folclore - significativos do debate sobre as interpre-

tações do Brasil. O tema dos sertões, das fazendas e da vida rural brasileira está no cen-

tro dos relatos e textos lidos pelo escritor, incitando-nos a pensar como ele concebia

esses livros, tomando-os como fontes de criação literária.

Como é previsível, o tema do sertão atraiu o interesse de leitura de Guimarães

Rosa. Procuramos localizar como o topos sertão nos livros de sua biblioteca se espraia

1 As afirmações foram retiradas de LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: ROSA, João

Guimarães. João Guimarães Rosa. Ficção Completa em dois volumes. RJ: Nova Aguilar, 1994. v.I. p.27- 61.

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sob diversas denominações e por diversos livros que, mesmo não trazendo o sertão co-

mo tema central, ofereceram ao escritor elementos para a elaboração de seu sertão lite-

rário. Grande Sertão:Veredas é atravessado pela discussão sobre o sertão como catego-

ria-chave de entendimento do país, e mais especialmente do entendimento do sertão e

das regiões brasileiras no interior das tentativas de construção discursiva de uma unida-

de desejada, mas fraturada na dicotomia sertão-litoral que - desde Os Sertões, de Eucli-

des da Cunha, e depois em Capítulos de História Colonial, de Capistrano de Abreu -

tanto marcou a história das interpretações sobre o país.2

Envolvido por essa dicotomia, que ensejou sua motivação literária e dividiu as

vertentes interpretativas sobre o Brasil, Rosa soube dissipá-la, porém, sem o que não

poderia figurar o Brasil que sua imaginação literária supunha, e que, de certa forma,

propôs como termo das discussões sobre o país. O escritor criou, mas criou na corrente

de uma tradição dicotômica de pensamento sobre o lugar do sertão na história brasileira,

tradição ao mesmo tempo reforçada e rediscutida pelas análises interpretativas do Brasil

em meados do século XX. Se aceitarmos que os textos literários de Rosa valorizam o

sertão e a “civilização pastoril” (ABREU, 1963) - constituída no processo de penetração

do território interior brasileiro na história - a literatura rosiana torna-se tributária de i-

déias que, no debate interpretativo, qualificaram o sertão e os sertanejos como portado-

res de civilização e de cultura.

Para a análise que propomos sobre Guimarães Rosa e sua literatura, buscamos

entender fatos da história social, política, econômica e cultural brasileira e mundial, tais

como: os condicionantes e os intercâmbios na produção de arte e literatura de meados

do século XX, as relações surgidas de disputas ideológicas, a constituição de uma esfera

crítica literária no Brasil separada, pouco a pouco, da reflexão social – esfera sedimen-

tada pelo crescimento da indústria editorial e pela criação de universidades - avaliando

seus impactos no diálogo de Rosa com os intérpretes do Brasil e no modo como o escri-

2 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 22ª ed. RJ: Francisco Alves, 1952, 646 p. e ABREU, João Capistrano

de. Capítulos de História Colonial & Os Caminhos antigos e o Povoamento do Brasil. 5ª ed. Brasília: Ed. da UNB, 1963. 398 p. A representação da fratura sertão-litoral na história do pensamento brasileiro não se restringiu a Euclides da Cunha e a Capistrano de Abreu e atravessou a percepção de país na cria-ção literária brasileira na história. A representação da fratura gerou diversos desdobramentos interpreta-tivos e temáticos, ora estudados, ora supostos, na reflexão teórica de vários autores (as), dentre eles: Ja-naína Amado, Nísia Trindade Lima, Candice Vidal e Souza, Roberto Ventura, Luciana Murari, Antônio Cândido, Nicolau Sevcenko, Roberto da Mata, Lilia Moritz Schwarcz, Roberto Schwarcz.

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tor, de alguma maneira, formalizou uma concepção de sociedade e de história figurada

em seus textos e livros.

Afetados pelas conseqüências de um mundo em guerra e por disputas ideológi-

cas, os meados do século XX brasileiros foram marcados por intenso debate de idéias

em torno dos impactos da urbanização e das rápidas transformações técnicas e industri-

ais em um país de forte herança ruralista e com cidades que recebiam grande população

migrante das áreas rurais com baixos índices de formação escolar e cujo acesso ao escri-

to não se dava através do livro. As vicissitudes de um processo de modernização que

avançava sobre o país, e que se encontrava com antigos hábitos e modos de vida das

populações das áreas rurais, marcaram o contexto em que Guimarães Rosa exerceu suas

atividades de escritor e diplomata, escrevendo livros de literatura publicados nas gran-

des cidades brasileiras.

Se nos importa realçar as trocas intelectivas e artísticas de Rosa para criar sua

híbrida literatura, é preciso, porém, fazer algumas ponderações sobre a natureza da fonte

literária e o estado da crítica de literatura de meados do século XX.

Sem reduzir a criação de literatura à atividade intelectual – o que Rosa deplora-

va, como veremos – importa-nos partir do fato de que textos literários estão em perma-

nente interação com outros textos sociais. Essa é uma via de mão dupla: se textos de

intérpretes são importantes pelo componente de imaginação de realidades que oferecem

aos poetas a fim de elaborar suas ficções, também os textos literários fazem proposições

imaginativas significativas sobre a vida social, oferecendo aos intérpretes da sociedade

elementos e enredos de sentido para que elaborem suas visões de realidade. Nossa tese

entende a construção literária de Rosa como proposições para os dilemas e desafios do

mundo social brasileiro, afinal, em algum momento, nossa compreensão do passado “se

adapta às estratégias de dotação de sentido que estão contidas, em suas formas mais

puras, na arte literária” (WHITE, 2001, p.109).

Tomada como interpretação mediada por textos que organizam a realidade este-

ticamente, o trabalho com a literatura de Rosa exigiu-nos atenção, ainda, às noções que

informavam o escritor de que os livros interpretativos sobre o Brasil – e o debate com

intérpretes - poderiam supri-lo de material para sua criação literária.

Se quisermos conceber Guimarães Rosa e a construção de sua obra literária co-

mo proponentes de uma interpretação da realidade histórica brasileira, precisamos con-

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siderar que a realização de uma mensagem sobre o país se relaciona a um estado da crí-

tica literária e das interpretações do Brasil de meados do século XX. O trabalho com a

literatura requer investigar as relações específicas que ela mantém com outros textos

sociais e seus criadores, buscando a historicidade das teorias literárias. Toda obra de

literatura se constrói em trocas e negociações do autor com agentes sociais diversos,

mediado por teorias e noções de literatura que organizam a consciência de seu fazer,

noções e teorias que se encontram sistematizadas em livros recolhidos pelo escritor em

sua biblioteca. Como a natureza ficcional do texto literário, o marco crítico-

interpretativo da obra de Guimarães Rosa não pode ser desprezado, haja vista que um

escritor supostamente compreende seu fazer literário combinando suas próprias concep-

ções do que é literatura com concepções que recolhe no intercâmbio com a crítica literá-

ria.

Rosa foi autor que fugiu dos paradigmas de leitura existentes nos anos 1940 -

quando publicou, em 1946, Sagarana, seu primeiro livro. Segundo o pesquisador Luiz

Cláudio Vieira de Oliveira, a crítica literária no Brasil tem a década de 1940 como divi-

sora de águas, com a criação das faculdades de Letras e a implantação de uma crítica

especializada. Acompanhando uma tendência mundial, a crítica brasileira se tornava

cada vez mais imanentista, valorizando o aspecto estético da obra. A recepção crítica de

Guimarães Rosa, hoje, reflete a leitura da obra rosiana feita a partir da década de 1940.

“É um tempo de mudanças e de implantação de novos modelos críticos, cujos desdo-

bramentos vêm até o presente, já no século XXI” (VIEIRA DE OLIVEIRA, 2002,

p.33).

Se, provavelmente, a chave interpretativa imanentista foi, para Guimarães Rosa,

aquela com que ele fez a leitura dos livros de sua biblioteca - e que imaginava fosse

aquela com que seus livros autorais seriam lidos - as teorias literárias, no entanto, tam-

bém têm história. Hoje, para rever a literatura rosiana, preferimos recusar a imanência

dos textos e procurar no projeto literário do escritor significados e sentidos que se vis-

lumbram quando mudamos nossas teorias sobre a literatura e sua relação com a análise

histórica.

Nossa tese, então, localiza-se na esteira do que, a partir dos anos 1980, modifi-

cou a análise do literário pela História. É no curso das mudanças epistemológicas e teó-

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rico-metodológicas no interior dos Estudos Históricos naqueles anos, e em seus desdo-

bramentos posteriores, que se encontra nossa tese.

A partir dali, consolidou-se uma inflexão teórica que desvalorizou a abordagem

imanentista da literatura, para cuja crítica a História também veio prestar sua contribui-

ção. Os estudos imanentes da literatura foram substituídos “pelo estudo dos condicio-

namentos institucionais e materiais da invenção, da circulação e da recepção” literários

e os estudos incorporaram “trabalhos de Jauss, Iser, Weimann, Stierle, Roger Chartier,

Darnton, Petrucci etc. Novas inteligibilidades foram produzidas” (HANSEN, 2005,

p.23). Os signos literários começaram a ser analisados como condicionados pela “mate-

rialidade dos suportes” e pelos condicionamentos institucionais.

A contribuição da História para a análise do processo de construção literária pas-

sou a refugar uma sociologia que via no texto a sociedade refletida, e a verificar como,

nos próprios processos que dão existência aos textos ficcionais, atuariam fatores que

manifestariam as vicissitudes da sociedade. Vive-se, nos anos 1980, uma expansão e

fragmentação da História com a adoção de novos problemas, abordagens e objetos, e a

História se reaproxima da Literatura, no interior da emergência da Nova História Cultu-

ral e de um amplo debate que repôs em discussão o caráter narrativo dos textos históri-

cos, a suposta semelhança do fazer historiador como algo próximo ao fazer do escritor

de ficção e a consciência dos historiadores de que o que fazem seria, antes de tudo, uma

escrita.3

3 O debate entre os historiadores foi extenso e não foi unânime, mas criou raízes definitivas, tendo institu-

ído um “duelo de posições”, cujo tema fundamental é a relação que “cada historiador supõe, ou não su-põe, existir entre a história (conhecimento) que ele escreve (produz) – o texto ou a obra de História, - e a história propriamente dita, enquanto realidade ou objeto de conhecimento” (FALCON, 1996, p.12). Inspirado pelo título do texto que mobilizou em definitivo a questão da narrativa como integrante do debate entre historiadores – o de Lawrence Stone, publicado em 1979: The revival of narrative: reflec-tions on a new old history – na realidade o debate envolvia a crítica ao conceito de realidade e de obje-tividade históricas concebido pelas análises estruturalistas e empiricistas dos anos 60/70, que não con-sideravam o papel ativo do sujeito analista e de sua linguagem na construção imaginativa das realida-des. Nos anos 1980, em que se reacendeu no Brasil o debate em torno da “questão das narrativas” histó-ricas, foram resgatados movimentos interpretativos oriundos de trocas disciplinares da História - como o Linguistic Turn – e a obra teórica de vários autores passou a compor o repertório da leitura dos histo-riadores interessados na escrita histórica e na história da disciplina História, autores, dentre os quais, podemos destacar Hayden White, Paul Ricoueur, Dominic La Capra, Carlo Ginzburg, Michel De Cer-teau, Roland Barthes, Peter Gay, Roger Chartier, Michel Foucault, Paul Veyne. A partir de então, parte expressiva da produção historiográfica brasileira passou a se dedicar ao tema das narrativas e/ou a seus desdobramentos e, revisitando a questão da linguagem e do componente imaginativo das ficções literá-rias, os historiadores revalorizaram a literatura a busca de elementos para pensar o próprio componente imaginativo e lingüístico das reconstruções textuais que faziam do passado histórico.

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Marcos analíticos novos foram formulados então, tais como a importância da es-

crita do texto associada ao fato de sua publicação, o deslocamento de uma análise cen-

trada no autor para outra que combinava a relação autor e leitor, a participação de outros

agentes culturais, como livreiros e editores, na realização do produto literário e a inter-

ferência de outras publicações – textuais e iconográficas - como mediadoras da percep-

ção que interferem na leitura e na cognição literárias, entendido o autor também como

leitor de livros e de diversas outras publicações. A questão obriga-nos - se não a discor-

rer plenamente - pelo menos a não perdermos de vista o fato de que Guimarães Rosa

também era leitor, certamente condicionado pelos constrangimentos e convenções de

leitura particulares à “comunidade interpretativa” de leitores (FISH, 1980, apud COM-

PAGNON, 2001, p.164) de que participava em meados do século XX brasileiro.

A análise histórica da literatura passava, assim, a valorizar o fato de que os tex-

tos não têm sentido fixo, que suas interpretações dependem de negociações intelectuais,

e que ler é um ato ao mesmo tempo livre e regulado, para o que seria preciso investigar

os agentes culturais e fatores históricos envolvidos no processo de produção de sentido

dos textos. A biblioteca de Guimarães Rosa contém diversos livros de que, à época, se

serviam os intérpretes do Brasil. O fato de que Rosa e os intérpretes do Brasil partilha-

vam de convenções de leitura nos aproxima da idéia de que entre estes homens cultos

havia identidades e convergências de visões quando se tratava de considerar o país co-

mo motivo de reflexão e de arte.

Também as novas experiências socioculturais vividas no interior da vida urbana

brasileira condicionaram os termos do diálogo de Rosa com os intérpretes do país, alte-

rando os fatores técnicos e políticos de concepção, execução e interpretação de textos e

livros. Partimos do fato de que a realidade de um mercado editorial e cultural em expan-

são, marcado pela proliferação de materiais produzidos em função do desenvolvimento

e consolidação de uma cultura iconográfica no país de meados do século XX, interferiu

no Brasil como figurado por Rosa, e, provavelmente, impactou o componente imagina-

tivo do pensamento dos sujeitos que interpretavam as questões nacionais. Nossa tese

considera a relação de Rosa com os intérpretes do Brasil como expressão da relação

entre arte e pensamento e encontra-se no cruzamento de abordagens históricas e literá-

rias sistematizadas nos campos histórico e literário nos anos 1980.

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Perspectiva de análise, linha de pesquisa, objeto de investigação, a dimensão

material e editorial dos textos passou a ser considerada pela História na abordagem do

literário, procedimento que colocava o objeto material livro no centro das atenções so-

bre a literatura e das relações que ela estabelecia com a sociedade. Os processos de con-

fecção e composição da arte literária em livros parecem ter sido do interesse de Rosa,

objeto de suas intervenções editoriais, e consideramos que, de algum modo, esses inte-

resses do escritor informam-nos de sua figuração do Brasil, entrevisto nos processos

diversos que envolvem a realização da atividade e da arte literárias. Mesmo não consci-

ente do fato – ou talvez ainda sem a teoria para ajudá-lo a compreender – Rosa parecia

acreditar na importância da materialidade dos livros como variável histórica do ato de

ler e, para a consagração de sua obra, na interseção entre seu trabalho e o de outros a-

gentes da cultura ligados aos livros, tais como editores, livreiros e ilustradores.

Como principal objetivo de Guimarães Rosa - para o que desempenhou ativida-

des de escritor e de um verdadeiro artista gráfico – seus livros autorais estiveram no

centro de seu projeto artístico, assim como os livros de sua biblioteca: eles foram ins-

trumentos de mediação para o diálogo com outros homens de idéias e de cultura, assim

como livros e impressos, de um modo geral, foram suportes decisivos de visualização

que faziam ler - e ver - o Brasil, especialmente o sertão, num momento histórico de di-

fusão de imagens do interior do país em materiais publicáveis. O livro foi suporte da

mediação de Rosa com o sertão, reproduzindo imagens que o faziam ver o sertão foto-

grafado e desenhado. Sendo o livro entendido como suporte da fixação de idéias e artes,

o sertão no Brasil será reelaborado através do contato e da troca de idéias entre intelec-

tuais e artistas da palavra, por letras de escritores e intérpretes, e por imagens veiculadas

e fixadas do universo sertanejo na atuação de fotógrafos, desenhistas, artistas plásticos e

cineastas. Na pesquisa que fizemos na biblioteca de Rosa – e em algumas séries de seus

arquivos - encontramos leituras, como seria natural, de títulos que revelam o interesse

do escritor pela forma artística. O fato foi muito significativo na construção de sua lite-

ratura, como veremos. A idéia de que a ficção resulta de permanentes intercâmbios en-

tre ela e “as condições técnicas ou literárias que comandam sua composição e sua circu-

lação” parece ter sido também a de Rosa (CHARTIER, 2002, p.55).

No período histórico em que o escritor escreveu e publicou sua literatura, lendo

sobre o sertão brasileiro em meados do século XX, à concepção de sertão e de sertanejo

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organizada em arte e interpretação, já se vinham agregando componentes figurativos e

conceituais que modificavam o sertão, conferindo-lhe outras conotações e atributos.

Examinar a possibilidade de Rosa ler os livros interpretativos para escrever seus

próprios livros - tomados como figuração do Brasil - requer instrumentos analíticos que

esclareçam o fato de que, mesmo não classificando textos interpretativos por critérios de

atributos literários, Rosa, de alguma forma, teve com eles uma relação mediada por fa-

tores que o teriam ajudado a identificar o estético no livro considerado não-literário.

Este livro se tornaria lugar da urdidura imaginativa de relações sociais e históricas que

não só definiria chaves de leitura para livros, como conteria arranjos e elementos com-

positivos que o assemelhariam a um objeto estético. Não vamos tratar aqui apenas do

elemento imaginativo dos textos de interpretação, nem nos limitaremos à literatura co-

mo prática que desvenda e ilumina “aspectos muitas vezes velados da realidade”, como

querem Leonel e Segatto (2007, p.1-11). Os livros sobre o Brasil que Rosa consultava

em sua biblioteca e o conhecimento do país que aprendia de livros e do diálogo com os

intérpretes, forneciam-lhe pautas imaginativas de composição a sua invenção literária e

informação pela qual se punha a par dos obstáculos a enfrentar e das estratégias a im-

plementar se quisesse ser um homem de literatura no Brasil em meados do século XX.

Para realizar seu projeto artístico e cultural, Rosa teve de lidar com os dilemas

postos para um escritor literário no país, e, representando as condições de realização de

literatura no Brasil, sua ficção figurou os conflitos sociais, políticos e culturais do país,

mas também suas solidariedades: “a língua é a arma com a qual defendo a dignidade do

homem”, afirmava o escritor, revelando que se auto-atribuía uma missão que, articulan-

do língua e literatura com dignidade humana, dava sentido social a seu projeto de escri-

tor (LORENZ, 1994, p.52).

Os livros da biblioteca de Rosa foram nossos principais objetos de pesquisa, mas

pesquisamos também outros materiais que nos informaram do debate sobre o Brasil e

das atividades editoriais e culturais no país. Na biblioteca, compulsamos 574 dos 2.500

livros que, aproximadamente, compõem o acervo de livros do escritor, verificando o

conjunto de marginálias e manuseando os livros conforme significados que os atribuí-

mos por critérios de classificação. Examinamos livros e marginálias com o fim de de-

terminar pertinências entre a condição de diplomata de Rosa, sua interlocução com au-

tores e intérpretes do Brasil e suas atividades de escritor e artista literário.

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Toda a literatura rosiana - desde Sagarana em 1946, até seus livros póstumos, de

1969 e 1970 - foi considerada aqui, uma vez que, mesmo seus livros publicados após

sua morte, revelam alguns traços marcantes de seu investimento artístico e literário que

atravessaram toda sua carreira sem nunca terem sido abandonados, desde o primeiro até

o último livro. Porém cabe um destaque em vista do que descobrimos na pesquisa.

Como Rosa mesmo sugeriu certa feita, sua obra literária poderia, praticamente,

ser dividida em dois momentos: o primeiro – que iria de 1946 a 1956, com as publica-

ções de Sagarana, Corpo de Baile e Grande Sertão:Veredas – foi considerado por ele

como o momento dos livros do “tempo das boiadas” – distinto de um segundo momento

– que iria de 1962 a 1967 – com a publicação de Primeiras Estórias e Terceiras Estó-

rias. Porque guardam estreita relação temporal e de temas com o universo de livros que

pesquisamos na biblioteca, eventualmente daremos ênfase a Grande Sertão:Veredas e

Corpo de Baile, que chamaremos de “os livros de 1956”, visto que foram publicados

naquele ano. Como veremos em detalhes ao longo da tese, Sagarana, de 1946, também

pertence ao período dos livros do “tempo das boiadas”, porém ele se destaca dos livros

de 1956 em função de que é de um momento da criação literária do escritor que reflete

pouco o contato com o universo de livros que pesquisamos em sua biblioteca.4

O ano de 1945 é nosso marco inicial. Este é o ano em que, viajando a seu estado-

natal, o escritor começava a articular literatura, viagens e publicação. Com a viagem a

Minas em dezembro de 1945, Rosa começava a empreender viagens de pesquisa visan-

do sua literatura, viagens que ele mesmo qualificaria depois como “excursões geográfi-

co-literárias”. Alguns meses depois da viagem, em abril de 1946, praticamente no mes-

mo instante, ele estrearia na literatura publicando seu livro Sagarana, que teve duas

edições esgotadas em menos de um mês. E o ano de 1967 é nosso marco final, ano da

morte do escritor, mas não da obra. Foucault lembra-nos que a função-autor faz viver o

sujeito mesmo depois de sua morte (FOUCAULT, s.d).

Dividimos a tese em 5 (cinco) capítulos.

4 Os livros da biblioteca de Guimarães Rosa serão mencionados ao longo da tese pelo título, autor e data

de publicação da edição constante do acervo. O leitor encontrará a referência bibliográfica completa do título em anexo ao trabalho, onde trazemos a lista completa dos livros que pesquisamos na biblioteca. Quanto aos livros literários autorais de Guimarães Rosa, os trechos utilizados aqui estão identificados aos livros conforme os seguintes códigos, seguidos do número da página: Grande Sertão:Veredas (GSV) e os demais referentes às novelas do livro Corpo de Baile: EA (Uma Estória de Amor - A Festa de Manuelzão), CG (Campo Geral), RM (O Recado do Morro), DL (Dão-la-la-lão - O Devente), BU (Buriti) e LL (Estória de Lélio e Lina).

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O primeiro, A biblioteca de Rosa – marcas e territórios de uma escrita, visa a

identificar o universo de livros pesquisado e como usamos as marginálias, além de cogi-

tar momentos de sua carreira diplomática como estimuladores da constituição da biblio-

teca. Caracterizando-os tanto como portadores de textos que enunciam os termos de um

debate sobre o Brasil, como suportes que imprimiam – ilustrando - o Brasil debatido,

examinamos como os livros autorais de Rosa e seu diálogo com outros autores estive-

ram, possivelmente, informados pela percepção de Brasil recortado no corpus de livros

da biblioteca entendida como mediação cultural.

No capítulo, informamos as oito rubricas com que selecionamos e classificamos

os livros da biblioteca de Rosa, fazendo as primeiras considerações sobre a pertinência

dos livros para o exame da relação que supomos entre o escritor com os debates sobre o

Brasil, e como eles se transfiguraram em seus livros literários. Como anexo, ao final do

trabalho, trazemos a lista agrupada dos livros consultados.

No capítulo 2, Livro, Literatura e os muitos sertões do mundo, examinamos a re-

lação de Guimarães Rosa e de sua literatura com o movimento de viagens desenvolvido

no Brasil e no mundo ao longo dos séculos XIX e XX, no seio da constituição das ciên-

cias geográfica e etnográfica, apontando recursos e estratégias que se tornaram também

dos escritores literários. No capítulo, enfatizamos, para o período histórico de realização

da literatura de Rosa, fatores prováveis que estimularam suas viagens ao Brasil – valori-

zadas, a partir de certo momento, em função do projeto literário e da carreira diplomáti-

ca – e como puderam interferir em sua concepção de sertão e de Brasil com que dialo-

gou com os intérpretes do país. No capítulo, assinalamos suas viagens associadas ao

curso do desenvolvimento de sua trajetória diplomática e literária, verificando que elas

nem sempre foram viagens feitas na vida, mas algumas realizadas pelos livros, ou mes-

mo viagens só imaginadas.

No capítulo 3, O diálogo com as artes e as muitas artes da cidade, analisamos a

relação da literatura e das trocas artísticas e intelectuais de Rosa, tendo como centro de

interesse e motivação o universo das trocas e interações urbanas vividas nas cidades

brasileiras, onde foram publicados seus livros em meados do século XX. No capítulo,

identificamos algumas das trocas textuais e culturais do escritor, sugerindo seus impac-

tos em sua invenção literária.

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O período em que Rosa realizou sua carreira de escritor foi marcado pela expan-

são de uma indústria de livros e de registros culturais que valorizou a atuação de artistas

ilustradores, quando foi se consolidando uma esfera de agentes culturais do círculo de

interlocução de Rosa que, pouco a pouco, vão se separar em campos de atuação especí-

ficos na história brasileira. No capítulo, destacamos que o período da literatura de Rosa

se caracterizou pela diversificação da sociedade brasileira e pelo aparecimento de uma

camada de leitores e de consumidores culturais de produtos de arte e de entretenimento

que não se limitava ao livro, e pelo aparecimento de mídias que, num tempo de moder-

nização, viabilizaram registrar e inventariar tradições e a cultura em outros suportes,

como rádios e filmes. O capítulo é importante porque se certifica da expansão de uma

indústria de livros e de edições, incitando as atividades de Rosa não só para a arte da

palavra, mas também para as artes do livro tomado como suporte de realização de sua

literatura.

No capítulo 4, O diálogo com as culturas e as muitas culturas do Brasil, apro-

ximamos mais ainda o escritor diplomata Guimarães Rosa ao sertão, e começamos a

investigar seu papel de prestigioso mediador cultural entre sertão e cidades. Identifica-

mos como ele, através de sua literatura, autentifica no sertão a situação de uma tradicio-

nal cultura de leitores de cultura escrita, onde, praticamente, o livro culto não existe, e

os consumidores do escrito são leitores de bilhetes, cartas e impressos, cujo valor é mui-

to menos informativo e mais representativo da força simbólica que o escrito exerce em

sociedades de iletrados, ou sociedades pouco penetradas pela escrita.

No capítulo, começamos a vislumbrar a hipótese de que entre as culturas do es-

crito no sertão e nas cidades, falta o livro, fato que compõe o significado do sertão para

Guimarães Rosa e que prepara sua atuação de diplomata a cavalo que vai agir com o

fim de aproximar os homens da cidade ao sertão pela mediação de sua atuação cultural.

A atuação de Rosa como aproximador de mundos se fez, ao que nos parece, pelo refor-

ço do tema da exuberância e da delicadeza visual da paisagem sertaneja colocada em

forma literária a ser transportada para o universo de leitores urbanos visado pelo escri-

tor. A visualidade de Rosa será destacada como habilidade educada pelo contato com as

artes plásticas e incrementada por uma época histórica de desenvolvimento de uma cul-

tura iconográfica que dava a ver o sertão no Brasil em meados do século XX, através de

revistas, livros e imagens publicáveis.

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E no capítulo levantamos, ainda, as atividades de Rosa – escritor e personagem

de seus próprios textos – voltadas para a confecção de livros, e indagamos se a visuali-

dade não é visualização. Se a visualidade é habilidade, indagamos se a visualização não

é categoria que unifica o homem do sertão e o homem da cidade, identificados numa

comunidade imaginada (ANDERSON, 1993) pelo quadro exuberante da paisagem ser-

taneja dos desenhos nos livros da Livraria José Olympio Editora, nas imagens amadoras

do sertão desenhadas pelo escritor diplomata e na extensa produção de publicações que

davam a ver as áreas sertanejas do Brasil. Em Grande Sertão:Veredas, o doutor da ci-

dade vai ao sertão com uma máquina fotográfica, enquanto o “doutor João Rosa” viaja

pelo sertão “tomando o mundo por desenho e escrito”. Pleiteamos, no capítulo, repor a

questão da forma com que o tema da brasilidade está na literatura de Rosa, afinal - co-

mo ele mesmo revelou um dia a Gunter Lorenz (1994, p.60) - “creio que Riobaldo tam-

bém não é isso; melhor: é apenas o Brasil”.5

Por fim, no capítulo 5, O diálogo com os livros e os muitos sertanejos da histó-

ria, resgatamos algumas das trocas textuais e interpretativas entre Rosa e outros homens

de cultura ligados intimamente aos livros, trocas incrementadas pela consolidação de

um mercado de edições no Brasil de meados do século XX. No capítulo, vemos como

Rosa se teria nutrido de topos do debate de idéias sobre o Brasil que lhe facultaram con-

ceber o sertão que acabou por figurar em sua literatura: “Riobaldo é o sertão feito ho-

mem, e é meu irmão”.

Lendo sobre o Brasil em livros de diversos autores entre o literário e o interpre-

tativo, o capítulo demonstra como Rosa se abasteceu do debate de idéias, registradas em

passagens de sua literatura que foram buscadas no conjunto de livros sobre o sertão do

país em sua biblioteca. O capítulo registra dois grandes temas da interpretação brasileira

que atravessaram a literatura rosiana marcados nos livros da biblioteca: o dos famigera-

dos e facínoras – tema que transfigurou na literatura de Rosa a vertente histórico-

interpretativa do sertão como locus terribilis – e a do sertão histórico-cultural – tema

5 Gunter Lorenz, crítico literário alemão, fez entrevista com Guimarães Rosa, em 1965, em Gênova, du-

rante o Congresso Latino-Americano de Escritores, entrevista que é o grande material de pesquisa do-cumental para pesquisadores quanto aos posicionamentos de Rosa sobre política, língua, literatura e crí-tica literária. Esse documento será utilizado ao longo dessa tese, sempre com a referência bibliográfica a LORENZ, que é como o documento é referenciado. Embora as citações se refiram a fala de Guima-rães Rosa.

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que reiterou, principalmente pela leitura de Euclides da Cunha e seguidores, o sertão e

os sertanejos como dignos de cultura e de história.

Analisamos a obra do escritor por suas próprias reflexões, indagando o porquê

de sua intolerância com boa parte da crítica literária do Brasil nos anos 1960, quando

ele já é um escritor consagrado: “meus personagens não podem ser intelectuais, pois

isso diminuiria sua humanidade”, dizia a Gunter Lorenz em 1965, quando seus livros já

estão traduzidos no exterior. Terminamos o capítulo 5 postulando que a literatura de

Rosa é um grande inventário de tradições sertanejas. Ao fazê-lo assim, perguntamo-nos

se sua obra de literatura não pode ser lida como obra que é, para além de uma obra de

arte, uma obra de diplomacia, uma obra histórica de um grande criador.

Como quer o pesquisador de Literatura Eduardo Coutinho, “obra eminentemente

desconstrutora de toda visão monolítica do real,” a narrativa de Guimarães Rosa é “es-

paço de indagação, de busca, onde (...) como afirma Riobaldo em Grande Ser-

tão:Veredas, não se tem certeza de coisa nenhuma, mas se desconfia de muita coisa”

(COUTINHO, 2008, p.365).

Essa tese “desconfia” de muita coisa na literatura de Guimarães Rosa, e acredi-

tamos que, com ela, talvez possamos contribuir para a leitura desse escritor híbrido de

culturas e artes, escritor que vinculou a tradição culta do romance à tradição oral dos

contadores de histórias. Fecundada e favorecida pelas possibilidades, recursos e disposi-

tivos técnicos novos e criativos viabilizados por seu tempo histórico, Guimarães Rosa e

sua literatura problematizaram a natureza e a especificidade das interações sociais entre

brasileiros diversos em meados do século XX, reveladas por uma concepção de Brasil

figurado em arte literária original e renovadora.

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Capítulo 1

A biblioteca de Rosa

Marcas e territórios de uma escrita

O senhor vá, alguma coisa ainda encontra.

(Riobaldo)

Formada no curso da trajetória de cargos públicos e de exercício da literatura de

Guimarães Rosa, sua biblioteca será analisada aqui sob dois aspectos: como livros e

autores que a compõem vistos em diálogo com a obra rosiana, e como anotações e mar-

cas do escritor nos livros e que dão contornos de um roteiro de escrita.1

O levantamento completo dos livros da biblioteca está publicado em Caos e

Cosmos, de Suzi Frank Sperber (1976), que elabora uma lista de todo o acervo e analisa

as repercussões de algumas leituras de Rosa em seus livros literários autorais.2 Ao de-

clarar suas intenções no trabalho com a biblioteca - e explicitando o recorte de livros no

universo total dos livros – Suzi Sperber ao mesmo tempo pondera que havia outros “ei-

xos de interesse” nas leituras do escritor que foram deixados de lado “sobretudo os li-

vros de geografia, de viagens, de botânica e sobre bichos (...) Neste levantamento, pu-

demos notar alguns eixos de interesse: medicina (pouco); história e artes plásticas (visi-

tas a museus); geografia, literatura; leituras espirituais e filosóficas” (SPERBER, 1976,

p.141). Ao entrar em contato com os livros, a autora detecta como de “grande interesse”

no rol das leituras de Guimarães Rosa “leituras de estudos geográficos e histórico-

geográficos”. A pesquisadora elaborou listagem dos livros do acervo e os pesquisadores

de Literatura Sibele Paulino e Paulo Soethe afirmam que o trabalho da autora é “uma

das principais fontes de informação sobre o acervo” da biblioteca de Rosa (PAULINO;

SOETHE, 2005, p.42).

1 A biblioteca e o arquivo de João Guimarães Rosa foram adquiridos em 1972 pelo Instituto de Estudos

Brasileiros, o IEB-USP, onde estão disponíveis para pesquisa. 2 SPERBER, Suzi Frank. Caos e Cosmos. Leituras de Guimarães Rosa. SP: Ed.Duas Cidades, Secretaria

de Cultura, Ciência e Tecnologia. 1976. p.17. A autora teve como objeto de pesquisa as leituras de li-vros de caráter espiritual feitas por Guimarães Rosa. As referências a seguir são deste livro de Suzi Sperber.

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As considerações de Suzi Sperber sobre o conjunto de livros de que se utiliza,

separados da totalidade do acervo, traçam uma caracterização da obra de Guimarães

Rosa por seus aspectos espirituais e esotéricos, profundamente trabalhados por uma das

matrizes críticas de análise da literatura rosiana, o que nos ajuda a não desprezar esse

grande traço do projeto artístico do escritor. Analisando as matrizes de análise da litera-

tura de Guimarães Rosa, a historiadora Heloisa Starling as distingue entre aquelas que

examinam as “inovações lingüísticas e filológicas”, outras que examinam as “dimensões

históricas e sociológicas” e, por fim, “os ensaios que circunscrevem a obra de Guima-

rães Rosa a uma leitura esotérica e/ou metafísica” (STARLING, 1999, p.14/15). Para

Grande Sertão:Veredas, Willi Bolle constata que a recepção tem como “característica

mais marcante (...) a oposição entre as interpretações histórico-sociológicas e as esotéri-

co-metafísicas” (BOLLE, dez.fev.1997-1998, p.28).

A pesquisadora Suzi Sperber acha curioso que na biblioteca de Rosa “certas o-

bras parecem, pela quantidade de trechos sublinhados, ter exercido um atrativo maior”

do que outros livros de alto valor, de “grandes nomes da literatura”. Ao comentar estu-

dos realizados sobre bibliotecas do século XVIII revolucionário francês, Robert Darnton

demonstra que obras revolucionárias imperativas - como O Contrato Social, de Rousse-

au - não existiam em bibliotecas burguesas e, por isso, “não proporcionavam uma base

para relacionar alguns tipos de literatura (a obra de filósofos, por exemplo) com algu-

mas classes de leitores (a burguesia)” (DARNTON, 1992, p.208). A existência de livros

que não eram de grandes nomes da literatura na biblioteca de Guimarães Rosa confirma

o comentário de Robert Darnton, ao mesmo tempo em que indica outras pertinências

entre os livros literários de Rosa e os livros acumulados por ele.

Os livros da biblioteca de Rosa que formam nosso universo de pesquisa foram

selecionados e agrupados segundo critérios classificatórios de assunto que indicam fili-

ação temática a linhas interpretativas de análise do Brasil, a correntes e gêneros de idéi-

as - literárias ou não - ou ainda segundo critérios de livros que informam sobre a con-

fecção de livros e sobre as trocas textuais que a Literatura estabelece com outras ativi-

dades artísticas e do pensamento. Os livros foram selecionados segundo critério de tipos

de publicação – que sugerem o nexo da literatura rosiana com as formas históricas de

transmissão e circulação de textos em meados do século XX no Brasil, quando Rosa

publicou seus livros na Livraria José Olympio Editora. Nossa classificação se vincula ao

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argumento de como sua literatura figura um Brasil mediado por atividades artísticas que

não se resumem ao ato de escrever e à mediação de autores e textos do debate sobre o

Brasil apropriados artisticamente.

Os livros da biblioteca agrupam marcas com que se vai escrevendo um outro

texto. O Brasil de Rosa se entrevê pelas marcas de seus livros e por seu acervo entendi-

dos como um recorte sobre um universo de livros sobre o qual fazemos um outro recor-

te. Participamos da rede múltipla de utilização dos textos que na história ratificam ou

agregam a estes textos novas significações; e a classificação que adotamos para os li-

vros da biblioteca de Rosa é, pois, um gesto de conferir significação a seus textos literá-

rios pelo que estabelece uma perspectiva de análise que se concretiza ao selecionar li-

vros do total do acervo. Como um gesto de atribuir significação, separamos marcas e

livros da biblioteca na tentativa de delimitar territórios de pertinências entre marcas e

livros de sua biblioteca e seus próprios textos literários.

Delimitar pertinências entre livros é também avaliar a relação desses livros com

outros equipamentos e modos de se transmitir textos na sociedade. Classificar os livros

é verificar suas marginálias como texto dentro de textos, fazendo sentido em vinculação

com outras marginálias. Classificar os livros é dar-lhes uma ordem, avaliar suas formas,

seus conteúdos, seus temas e como eles se agrupam e se desagregam por enquadramen-

tos normativos que existem antes deles e ao mesmo tempo são criados por eles. Analisar

e recortar as marginálias e os livros dentro de um universo de marginálias e livros é se

mover por operações intelectuais que escrevem uma segunda escrita, um segundo recor-

te dentro da “ordem dos livros”, que ainda é a nossa ordem, até que os textos se desta-

quem do objeto material livro que lhes dá suporte.3

Avaliar a biblioteca de Guimarães Rosa é conferir-lhe uma significação, com o

que uma obra se reatualiza. Analisar a biblioteca de Rosa, e recortá-la, é um ato de leitu-

ra sobre leituras. Analisar a biblioteca, suas marginálias e livros, organizá-los, agrupá-

los segundo nossos interesses, é fazer como quem “combina fragmentos e cria algo não-

sabido no espaço organizado” a ser desconstruído para que apareçam outros significa-

dos de uma “pluralidade indefinida de significações” (DE CERTEAU, 2003, p.235).

3 O historiador Roger Chartier (1999,111 p) analisa as potencialidades e conseqüências de uma ordem dos

livros eletrônicos separados do livro codex e publicados em tela. Os livros eletrônicos modificariam a “ordem dos livros” e o estatuto das bibliotecas, impactando as operações intelectuais de uma inteligibi-lidade construída em função da materialidade e publicação dos textos em codex.

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Identificar outras pertinências entre marcas e livros da biblioteca de Rosa é “peregrinar

por um sistema imposto”, como entende Michel de Certeau, mas sempre reconfigurando

seu objeto por meio de outras organizações significativas. Pelo que a obra permanece

viva.

1.1 - Viagens, trajetória diplomática e literatura na travessia do interesse das leitu-ras

No Brasil, as bibliotecas como objeto de análise nem sempre constituíram um

setor dos estudos de História. Mais do que tema específico para a investigação dos pro-

cessos históricos e sociais, as bibliotecas foram durante muito tempo item de investiga-

ção no interior das histórias do livro a cargo de bibliófilos. Em 1945, Eduardo Frieiro

investigava, em O diabo na livraria do cônego, o seqüestro dos bens do eclesiástico

Luís Vieira da Silva durante a Inconfidência Mineira, bens entre os quais havia rica bi-

blioteca. Mais de três décadas depois, já nos anos 1970, Rubens Borba de Moraes e Ma-

ria Beatriz Nizza da Silva continuavam, para os períodos colonial e da Corte no Brasil,

o estudo dos acervos de bibliotecas conventuais, particulares e públicas.4 Foi nos anos

1980 que as bibliotecas tornaram-se objeto dos historiadores da leitura, dedicados à área

específica da História da Cultura.

Na ausência de estudos específicos sobre a formação da biblioteca de Guimarães

Rosa, o cruzamento de dados e informações de suas atividades de médico no interior de

Minas nos anos de 1930, de sua atuação de diplomata iniciada em 1934, com a trajetória

de ascensão e consagração como escritor, sugere parâmetros que explicam a acumula-

ção dos livros e alguns de seus pontos de interesse de pesquisa criativa.5 Além de in-

formar sobre características de seu acervo, sobre a natureza e o teor das fontes que Rosa

consultava, o procedimento de cruzar sua atuação profissional com sua carreira literária 4 Ver NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz. História da Leitura Luso-Brasileira: balanços e perspectivas. In:

ABREU, Márcia. (Org.) Leitura, História e História da Leitura. Campinas, SP; Mercado de Letras; As-sociação de Leitura do Brasil; SP: FAPESP, 1999. (Coleção Histórias de Leitura). p.147-164

5 A historiadora Giselle Martins Venâncio pesquisou o processo de formação da biblioteca de Francisco de Oliveira Vianna, sugerindo-nos balizas metodológicas possíveis para o esforço de se alcançar as ra-zões para a formação de bibliotecas eruditas. Apesar de um intelectual cujo interesse de leitura não era a de um escritor literário, a autora identificou com a biblioteca de Oliveira Vianna o que qualifica como “aspectos que insistem em se fazer misteriosos” (VENANCIO, 2006, p.91), quando se trata de compre-ender os motivos e as motivações para a constituição de bibliotecas pessoais.

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oferece-nos elementos para caracterizar aspectos de sua obra. É importante trabalhar na

baliza analítica de que Rosa foi escritor e diplomata cuja formação esteve profundamen-

te marcada por uma “experiência de mediação entre dois mundos, ou entre dois modos

de vida, um rural e tradicional e outro urbano e moderno” (VASCONCELOS,

dez.fev.1997/1998, p.85).

De 1930 a agosto de 1934, Guimarães Rosa exerceu a Medicina fazendo viagens

pelo interior de Minas. Mas logo se desilude, revelando sua nova ambição: a de ser di-

plomata. (...)

Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material – só posso agir satisfeito, no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjeti-vismos. Sou um jogador de xadrez – nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou o futebol. Ora, na prática da clínica (nem falar, por favor, na cirurgia, na obste-trícia, nas especialidades da cabeça), temos de fazer o trabalhinho material, corriqueiro, de examinar as mazelas alheias, de apalpar, remexer, tapear, es-gravatar, posar, percutir, levantar roupas, cheirar excrementos mal-cheirosos, entrar em contato com a dor e o sofrimento, tudo isso para obter-se uma min-guada remuneração pecuniária, uma constante preocupação de espírito, raras vezes a satisfaçãozinha intelectual de um diagnóstico bem feito!... Com fran-queza, é muito pouca a recompensa para a vida árdua e desagradável que se leva: chamados à noite, chamados imprevistos, intrigas de colegas (é a classe mais desunida que existe) etc etc. Talvez eu esteja exagerando nas cores, mas o que é certo é que hoje toda a minha admiração, fervente, entusiástica, irrestrita, se voltou para outra carreira, a mais nobre e distinta de todas, a mais selecionada, a de mais difícil sucesso, talvez - a DIPLOMACIA. As poucas qualidades que porventura eu possua, tais como: gosto pelo estudo das línguas, amor pelas cousas interna-cionais, aflições cosmopolitas, alguma leitura, tudo isso me leva para esse rumo (...)6

E em agosto do mesmo ano, já na carreira diplomática no cargo de cônsul de 3ª

classe, Rosa se entusiasma com a nova conquista e diz que pretende “seguir o curso de

Direito, especializar-me em Direito Internacional e em línguas eslavas, escrever alguns

livros de literatura e ver o mundo lá fora”.7

Alguns livros de sua biblioteca com data de publicação próxima ao período do

exercício da Medicina, ou mesmo de antes - Euclides da Cunha, Contrastes e Confron-

6 Carta a Pedro Barbosa. 20 de março de 1934. Caixa 4, Arquivo João Guimarães Rosa no Museu Casa

João Guimarães Rosa (MCGR- Cordisburgo-MG). 7 Carta a Pedro Barbosa. 13 de agosto de 1934. Caixa 4, Arquivo João Guimarães Rosa (MCGR-

Cordisburgo-MG).

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tos (1923), Virgílio Alves Correa Filho, A propósito do boi pantaneiro (1926), José

Benedito d’Oliveira China, Os ciganos do Brasil: subsídios históricos, etnográficos e

lingüísticos (1936) - podem ter sido acumulados em função da suposta curiosidade de

todo médico pelas coisas literárias, plausível quando remetida à história da constituição

do status adquirido pela Advocacia, Medicina e Engenharia – as “profissões imperiais”

- na história brasileira. Segundo estudo de Edmundo Campos Coelho, a formação para

as três profissões no Brasil sempre oscilou entre a idéia de “profissão lucrativa” – em

contraponto a um saber considerado “vulgar”, de charlatães – e a idéia da bildung ger-

mânica, que requeria do profissional uma educação científica com um recorte humanís-

tico (CAMPOS COELHO, 1999). Analisando a biblioteca de Luís Pientzenauer, médico

no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, a historiadora Tânia Bessone veri-

fica o interesse de estudiosos da Medicina “por obras de cunho literário ou histórico” e

diz que nas teses dos médicos surgem “epígrafes inspiradas em poemas e romances,

muito mais do que em obras científicas” (BESSONE, 1999, p.67).

Os livros da biblioteca de Rosa publicados no período de sua transição da Medi-

cina para a Diplomacia podem indicar, entretanto, ainda uma vontade de acumulação de

livros informada pelo contexto de criação de órgãos públicos que vão se dedicar à Geo-

grafia Brasileira ao longo dos anos 1930 e seguintes. Quando Rosa está chegando ao

Ministério das Relações Exteriores em 1934, há um contexto de idéias e movimentos

que redundam na criação do Conselho Nacional de Geografia, o CNG, do Instituto Bra-

sileiro de Geografia e Estatística, o IBGE - órgãos ligados diretamente ao Ministério

das Relações Exteriores - e no surgimento da Associação de Geógrafos Brasileiros

(AGB), entidade associativa representante de geógrafos do Brasil.

A criação do IBGE e do CNG foi examinada por De Biaggi no contexto de cen-

tralização política do Estado Novo. A autora analisou a política de publicação de mate-

rial impresso efetuada pelos órgãos, especialmente a de mapas, e assegura que ela “re-

forçava e dava corpo gráfico à nova base de sustentação política do país”, como instru-

mento de propaganda do Estado (DE BIAGGI, 2000, p.78). Essa “panóplia propagan-

dística”, que envolvia atlas, mapas e dicionários, repercute em publicações guardadas na

biblioteca de Guimarães Rosa. É desse período o primeiro movimento do escritor no

sentido de se tornar um autor literário: em 1937, ele participou com o livro Sagarana do

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prêmio Humberto de Campos promovido pela Livraria José Olympio Editora e obteve

segundo lugar.8 Mas o livro não foi publicado.

De 1938 a 1951, Rosa esteve em atividades diplomáticas e de representação do

Brasil em reuniões internacionais, missões de paz e de caráter cultural e educativo,

compondo seu tempo de funcionário consular fora do país com períodos em que esteve

no Rio de Janeiro, em funções administrativas e de chefia de gabinete no Ministério das

Relações Exteriores. Exerceu cargos nas embaixadas do Brasil em Hamburgo, Bogotá e

Paris.

Em dezembro de 1945, Rosa realiza viagem a Minas no interior do mesmo mo-

vimento em que publica, alguns meses depois, em 1946, o livro de anos antes, Sagara-

na, agora em duas edições exitosas, com o qual recebe o prêmio da Sociedade Felipe de

Oliveira.9 A viagem terá função especial no deslanche da carreira literária e diplomática

do autor neófito, tendo sido percebida por ele com diferentes conotações em tempos

diferentes de sua trajetória profissional. Em 1946, Rosa a entende como uma “excursão

de férias”, passando a qualificá-la depois como “excursões geográfico-literárias”, à me-

dida que vai compreendendo a relação íntima entre literatura e viagem na sua carreira de

escritor. No momento da viagem a Minas e da publicação do primeiro livro, o escritor é

chefe da Secretaria do Instituto Rio Branco e é o secretário da Delegação do Brasil à

Conferência da Paz, em Paris.10 O ano de 1945 é data baliza no universo de livros da

biblioteca de Guimarães Rosa de que tratamos, pois a maior parte de seus livros dos

anos 1940 tem data de edição posterior a 1945.

Em 1947, Rosa é secretário da Comissão de Redação e Coordenação da Confe-

rência Interamericana para a Manutenção da Paz e Segurança no Continente, repre-

senta o Instituto Rio Branco no Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, o

8 Em 1936, Rosa ganhara o prêmio da Academia Brasileira de Letras com um volume de poesia, Magma,

só publicado em 1997 pela Editora Nova Fronteira. 9 Fundada no Rio de Janeiro em 1933, a Sociedade Felipe D’Oliveira era constituída por 15 membros e

tinha como principais objetivos republicar obras do poeta patrono da sociedade, publicar trabalhos de autores brasileiros inéditos e distribuir um prêmio anual de literatura. Publicou também a revista Lan-terna Verde. COUTINHO, Afrânio e SOUSA, J. Galante de (Orgs.) Enciclopédia de Literatura Brasi-leira. 2a edição (rev.ampl.). São Paulo: Global Editora, FBN, Academia Brasileira de Letras. 2001. p.1265.

10 Nessa circunstância se dá o único episódio que apuramos sobre a relação de Guimarães Rosa com cole-ção de livros, relatado por José Mindlin, que o conhecera em Paris por ocasião da conferência de paz. Rosa quis vender-lhe “uma coleção de livros eróticos”, da qual queria desfazer-se porque tinha duas fi-lhas pequenas e achava inconveniente levar os livros para casa. Mindlin não aceitou a oferta. MIN-DLIN, José. Uma vida entre livros. Reencontros com o tempo. SP: EdUSP, Cia das Letras, 1997. p.103.

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IBECC - órgão da UNESCO para tratar dos assuntos da ciência, da educação e da cultu-

ra no Brasil - e, por fim, torna-se membro da comissão encarregada de preparar os te-

mas do programa da IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá. Em 1947

realiza viagem ao Pantanal do Mato-Grosso, da qual resultou o texto literário Entremeio

com o Vaqueiro Mariano, publicado em jornal.

Em junho de 1948, Rosa é removido para a embaixada brasileira na França co-

mo segundo-secretário, onde fica até 1951. No período em Paris, torna-se o representan-

te do Brasil na sessão extraordinária da Conferência da Organização Educativa, Cientí-

fica e Cultural das Nações Unidas, e delegado à IV Conferência Geral da UNESCO.

Durante 1948 e 1949, publica contos em jornais e revistas do Rio de Janeiro, e seus con-

tos de Sagarana são mencionados em orelhas, prefácios e glossários de edições de li-

vros de escritores regionalistas, como João Simões Lopes Neto e Bernardino José de

Souza. Nessa ocasião, o crítico Álvaro Lins comenta-lhe que estava com José Olympio

quando recebeu sua “linda carta sobre o 14 de julho” na França, leu-a para o editor, su-

gerindo-lhe a reedição de Sagarana pela Livraria José Olympio Editora.11

Em 1951, Rosa publica Sagarana em 3ª edição, agora como autor da Livraria

José Olympio Editora. Nesse ano, também está na publicação Seleções de Readers Di-

gest, com o pequeno texto O Lago do Itamaraty. Sua aproximação com a revista Sele-

ções talvez revele afinidades com a publicação - de que colecionou alguns números

guardados na biblioteca - e prováveis afinidades com almanaques e livros pocket, visto

que há muitos exemplares de publicações pocket em seu acervo de livros. A atuação do

escritor como funcionário consular fora do Brasil termina em 1951, quando retorna de

Paris para ocupar a chefia de gabinete do Ministro das Relações Exteriores e vai fixar-se

no país. Em 1952, Rosa faz duas viagens emblemáticas como pesquisa literária de cam-

po para escrever e publicar os livros de 1956, Grande Sertão:Veredas e Corpo de Baile:

uma viagem a Bahia e outra a Minas.

Em 1955, o escritor assume a Chefia da Divisão de Fronteiras do Departamento

Político e Cultural do Ministério das Relações Exteriores, e em 1956 é o representante

especial do Ministério junto ao Diretório Central do Conselho Nacional de Geografia, o

CNG. Muitos livros da biblioteca têm o selo editorial do Conselho, e de órgãos geográ-

ficos correlatos, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, o Ser- 11 Subsérie Correspondência Pessoal (com Álvaro Lins) – Cx1 – FJGR – Arquivo IEB-USP. Carta de

1949.

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viço de Informação Agrícola, o SIA, do Ministério da Agricultura – e diversas coleções

de livros produzidos por órgãos governamentais, como a Coleção Cadernos de Cultura.

Há muitos livros com o carimbo de “oferta” do CNG, do IBGE ou do SIA, indicando

livros de conhecimento geográfico. Em 1958, uma vez mais Rosa está na publicação

Seleções do Readers Digest, quando traduz para a iniciativa Biblioteca de Seleções o

conto O último dos maçaricos, de Fred Bodswort.

Os livros mais marcados da biblioteca de alguma maneira aparecem em Grande

Sertão:Veredas e Corpo de Baile: de Euclides da Cunha, Os Sertões (1946) e Contras-

tes e Confrontos (1923), Bandeiras e sertanistas baianos, de Urbino de Sousa Viana

(1935), O Canastra, de Raul Alves (1936), Pedra Bonita, de José Lins do Rego (1943),

A Viagem Maravilhosa, de Graça Aranha (1944), A Barca de Gleyre, de Monteiro Lo-

bato (1944), Diários de viagem, de Francisco José Maria de Lacerda e Almeida (1944),

Antiga família do sertão, de Esperidião de Queirós Lima (1946), Caçando e pescando

por todo o Brasil, de Francisco de Barros Júnior (1949), Ao som da viola, de Gustavo

Barroso (1949), Memórias sobre a paleontologia brasileira, de Peter Wilhelm Lund

(1950), Tigipió e garimpos, de Herman Lima (1951), Esperidião, de Benedito Vallada-

res (1951), Fazendas de gado no vale do São Francisco, de Jozé Norberto Macedo

(1952), Patriarcas & carreiros: influência do coronel e do carro de boi na sociedade

rural do Nordeste, de Manuel Rodrigues de Melo (1952), Maleita, de Lúcio Cardoso

(1953), Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio, Província de

Minas Gerais, de Joaquim Felício dos Santos (1954), A menina Morta, de Cornélio Pe-

na (1954), Trinta “estórias” brasileiras, de Luis da Câmara Cascudo (1955) e Alegrias

e Tristezas de uma educadora alemã no Brasil, de Ina Von Binzer (1956).12

Quando cotejados com as marcas nos livros da biblioteca, seus livros literários

autorais - especialmente Grande Sertão:Veredas e Corpo de Baile - apontam que as

leituras de Rosa pareciam procurar algo nos anos 1930 que só foi descoberto depois que

ele faz sua primeira viagem a Minas de 1945 e publica Sagarana em 1946, ocasião em

que – conforme ele mesmo afirmou - lê “devidamente” Os Sertões de Euclides da Cu-

nha.

12 Esses títulos estão considerados, estritamente, em função da quantidade de marcas. Como demonstra-

remos ao longo do trabalho, o critério de qualidade das marcas também foi importante, mesmo em li-vros pouco marcados por Rosa.

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No ano de 1960, Guimarães Rosa torna-se chefe do Serviço de Demarcação de

Fronteiras do Itamaraty, cargo que vai ocupar até o fim da vida. Na mesma época, sua

literatura está “brilhando no estrangeiro”, quando diz ao amigo Pedro em carta de 1959

que “a turma [está] gostando, exaltadamente, e as editoras se disputando os direitos de

tradução”.13

Retomando o livro Caos e Cosmos - o levantamento da biblioteca de Rosa feito

por Suzi Sperber - é de se ressaltar que, para conduzir sua investigação, a autora procu-

rou encontrar a época em que o escritor teria feito a leitura dos livros, definindo quatro

etapas, “fazendo-as corresponder às datas de publicação das obras, tomadas como mar-

cos”. As datas das leituras se associariam às datas de edição de seus livros literários.

Segundo Sperber, os livros lidos por Rosa poderiam ser agrupados assim: lidos “até

1946, ano da publicação do texto definitivo de Sagarana”; “de 1946 a 1956”, visando à

publicação de Grande Sertão:Veredas e Corpo de Baile; “de 1956 até 1961”, visando

Primeiras Estórias; e de “1961 até 1967”, visando Tutaméia e os livros póstumos Estas

Estórias e Ave Palavra.

A apreciação da autora tomou a linha temporal das datas de edição dos livros li-

dos por Guimarães Rosa, fazendo-as coincidir com a época de criação/publicação de

seus próprios livros. O critério de recorte do tempo é linear e avança sempre para frente,

e mais: é um critério eminentemente literário, posto que as motivações das leituras de

Rosa estariam sempre balizadas por fatores definidos pela condição de escritor literário.

À condição de Rosa como escritor e pesquisador de literatura e de algumas lín-

guas do mundo, devemos acrescer sua condição de funcionário de Estado, obrigado a

posicionamentos e ao debate de grandes temas nacionais e internacionais – o que algu-

mas vezes lhe obrigou a acumular livros cuja motivação provavelmente se ligava às

discussões interpretativas do Brasil, feitas em meados do século XX. A permanência de

uma tradição de pensamento geográfico associada à emergência de novos modos de

interpretar o Brasil, as condições históricas de difusão e publicação de textos, a disse-

minação alargada de modos de registro e construção de mensagens que não se limita-

vam à palavra, certa efervescência de viagens de caráter etnográfico e o contexto de

urbanização e modernização que atinge as populações rurais brasileiras de meados do

século XX, provavelmente todos esses fatores devem ter pesado nas escolhas de leitura 13 Carta a Pedro Barbosa. 26 de fevereiro de 1959. Caixa 4, Arquivo João Guimarães Rosa no Museu

Casa João Guimarães Rosa (MCGR- Cordisburgo-MG).

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de Rosa. Cotejando “o relatório de Alesnes” – escrito em 1949 por Rosa no exercício do

cargo diplomático – com Sagarana, a pesquisadora Heloisa Vilhena percebe um “paren-

tesco de linguagens” entre os dois textos, o que sugere que leituras, exercício literário e

diplomático guardavam reciprocidades e afinidades. 14

Como Suzi Sperber, tentamos estabelecer diretrizes para identificar uma data –

senão uma “época” – da leitura dos livros. Livros da biblioteca de Rosa, muito marca-

dos ou não, não parecem ter sido lidos visando estritamente à publicação de seus livros

literários, visto que muitos dos livros parecem atravessar a atividade literária e diplomá-

tica do escritor alheios às datas de suas edições. Há livros que são lidos e relidos, outros

que são consultados constantemente, livros que vão e vêm no tempo que decorre da

atividade de escritor literário. As atividades vinculadas ao exercício da criação literária

de Rosa parecem ter sido informadas por leituras feitas segundo fatores extra-literários

também, o que justificaria a acumulação de muitos livros e muitas de suas marginálias,

realçando que suas atividades de diplomata e de escritor literário de alguma forma se

cruzavam na realização de sua obra artística.

As temáticas e as abordagens constantes dos livros parecem-nos pertinentes não

só a Sagarana, mas ainda a Corpo de Baile e a Grande Sertão:Veredas. É possível que

O Canastra, de Raul Alves, publicado em 1936, esteja sendo lido por volta de 1936,

quando Rosa, aos 28 anos de idade, já funcionário consular, admitira que queria ser um

escritor, mas não é tão fácil admitir que Contrastes e Confrontos, de Euclides da Cunha,

publicado em 1923, tenha sido lido perto dessa data, quando, com 15 anos, Guimarães

Rosa era estudante secundarista em Belo Horizonte. Preferimos um critério onde nem

sempre livro lido numa dada época significa necessariamente interesse para escrever

seus livros literários. Nem sempre data de publicação do livro literário de Rosa coincide

com data de leitura de seus livros da biblioteca. Adquirida em 1972, a biblioteca de Ro-

sa foi objeto do levantamento quase imediato de Suzi Sperber, que publicou seu livro

quatro anos depois, o que pode tê-lo tornado um pouco vítima do pioneirismo.

Os tempos de leitura, as datas de publicação dos livros da biblioteca e as datas

de publicação dos livros de Rosa nem sempre parecem apresentar a linearidade que a

autora supõe. Fato auspicioso, na medida em que os tempos se mesclam e sugerem que

o escritor, independente do tempo de criação e publicação do livro, muitas vezes atuali- 14 O fato está registrado em SCARPELLI, Marli Fantini. Guimarães Rosa. Fronteiras, Margens, Passa-

gens. SP: Ateliê Editorial; Ed. SENAC, 2003. p.116.

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zou suas mensagens segundo seus interesses de momento e sua pertinência ao tempo

histórico, “recriando” os livros no exercício da atividade literária. (...) Quando um texto passa de um contexto histórico ou cultural a outro, novas significações se lhe aderem, que nem o autor nem os primeiros leitores havi-am previsto. Toda interpretação é contextual, dependente de critérios relati-vos ao contexto onde ela ocorre, sem que seja possível conhecer nem com-preender um texto em si mesmo (COMPAGNON, 2001, p.64).

Nos anos 1960, o número de livros de interesse geográfico na biblioteca de Rosa

diminuiu, como praticamente terminaram suas marcações nesses livros. Seu primeiro

livro literário no período é Primeiras Estórias, de 1962, que provém de textos publica-

dos no jornal O Globo em 1961 - onde Rosa dividiu com Carlos Drummond de Andrade

a coluna literária Na porta da livraria - e de textos nas revistas Senhor e Comentário em

1962. Já Terceiras Estórias - o Tutaméia, publicado em 1967 - é grande parte recolha de

textos publicados na revista médica carioca Pulso, durante os anos de 1965, 1966 e

1967. O primeiro livro póstumo, Estas Estórias, de 1969, também é, basicamente, de

textos publicados nas revistas Senhor e Pulso, durante os anos 1960. E o segundo livro

póstumo, Ave Palavra, de 1970, é um resgate de textos das décadas de 1940 e 1950,

publicados em jornais e suplementos literários, nas revistas Seleções de Readers Digest,

Manchete e no Boletim da Biblioteca do Exército.

Como já assinalamos antes, Guimarães Rosa disse certa feita que seus livros dos

anos 1940 e 1950 eram livros do “tempo das boiadas”.

A origem da expressão refere-se a um episódio de Rosa com o amigo e escritor

Paulo Dantas, que, indo ao Rio de Janeiro, costumava visitá-lo no Itamarati. Ao relatar

um desses encontros, Dantas assinala que Rosa “não podia mais superar-se a si mesmo.

Adotara a síntese das Terceiras Estórias, admiráveis e perfeitas como pequenas jóias,

mas sem aquela comoção ou força de Grande Sertão:Veredas ou Corpo de Baile”. Rosa

teria falado de Ouro Preto ao amigo, que teria “brincado”: (...) pra você superar o Riobaldo, só pegando um espírito de bispo ou padre mi-neiro do tempo da Inconfidência. Ficar doido maluco nas madrugadas, con-versando com aquelas ladeiras. (DANTAS, 1975, p.45)

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Ao que Guimarães Rosa teria exclamado: “De fato, Dantas, o tempo das boiadas

já passou”.15

O “tempo das boiadas” que escapole espontaneamente da fala natural de Guima-

rães Rosa afigura-se-nos como eco de tradições interpretativas do Brasil que localizam

nas fazendas de criação, no universo pastoril, uma época formadora da história brasilei-

ra, identificada a um tempo vencido, suplantado. Ao dizer que “o tempo das boiadas já

passou”, cogitamos se com isso Rosa não estaria querendo dizer que seus livros naquele

momento eram outros, que o país também era outro.

1.2 - Leituras de Rosa – Marginálias

Para o pesquisador de Literatura Roniere Menezes, Rosa “gostava da solidão vi-

vida junto das palavras”, o que implica reconhecer a insuficiência de alguns tipos de

análise: “as análises de movimentos literários que se pautam pelo princípio dos agrupa-

mentos e das reuniões intelectuais afeitos a uma proposta estética não se aplicam a Ro-

sa”, assegura o autor (MENEZES, 2008, p.172). A cativante imagem da solidão do es-

critor junto às palavras, se significa alheamento de meetings propriamente literários, não

quer dizer distanciamento do debate de idéias políticas, sociais e culturais. À idéia de

uma ausência em encontros, acrescentamos uma outra: a de uma presença, a de um en-

contro através de livros, para cujo exame os livros da biblioteca de Rosa e suas margi-

nálias são postos de observação privilegiados.

A utilização das marginálias dos livros da biblioteca de Rosa, que é nosso uni-

verso de pesquisa, requer observar o que o escritor recorta nos textos, analisando suas

marcas em relação a sua obra de literatura. A biblioteca é uma espécie de diretriz: ela

conforma o grande recorte que Rosa faz nos textos do universo social, tendo em vista

sua atuação literária e diplomática, e traz inscritas as escolhas do escritor dentro do uni-

verso de livros acumulados. Suas concepções de literatura, de Brasil, de diplomacia,

aparecem no corpus de sua biblioteca, como suas marginálias formam também um cor-

pus informado pelas mesmas concepções. Diplomata, escritor literário e artista, algo

15 O relato de Paulo Dantas leva a crer que o encontro se deu em 1967, porque o livro Terceiras Estórias

foi publicado naquele ano. Dantas ainda registra que já “era claro e natural” o esgotamento de Rosa, re-ferindo-se à proximidade da morte do escritor, em novembro de 1967.

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informa uma unidade de propósitos que levou às seleções entre livros e, dentro de li-

vros, entre palavras, linhas e parágrafos.

A fim de definir nosso universo de livros, tentamos identificar aqueles que teri-

am sido importantes para o escritor, e chegamos a eles não só pela massa de anotações

marginais, sublinhados, marcas e grifos efetuados nos livros, mas ainda por declarações

feitas pelo escritor dando conta da importância de certos títulos. Tigipió e Garimpos

(1951), de Herman Lima, e O último dos Marimbus, (1961), de Herberto Sales, além de

livros marcados por Rosa, mereceram algumas afirmações elogiosas do escritor quanto

a sua importância. Do primeiro, Rosa afirmou que gostaria de ter escrito alguns trechos

e do segundo afirmou que “é um livro para ser lido a vida toda”.

Para a utilização das marginálias, seguimos alguns critérios que não se resumi-

ram à quantidade de marcas nos livros, na suposição de que não só com os livros mais

marcados o escritor teria mantido diálogo. O critério da quantidade de marcas foi relati-

vizado em benefício da unidade da biblioteca, já que, muitas vezes, descobrimos que tal

ou qual livro utilizado por Rosa teve algum trecho escolhido para compor seus livros

literários, e nem por isso são livros com marcas suficientes para se acreditar que pudes-

sem ter sido tão importantes para o escritor. Uma ou outra marcação pode ser suficiente

para indicar que o livro foi importante para o autor, mesmo que pouco marcado. Muitos

livros não marcados podem ser importantes pelo que revelam a partir do todo dos outros

livros componentes da biblioteca cotejados com a literatura do escritor.

Uma marca, por menor que seja, pode indicar-nos algum tipo de envolvimento

com o livro que não se concretizou em marcas, mas em alguma outra forma de diálogo

ou projeção. Esse aspecto de nosso procedimento junto à biblioteca garante-nos que

podemos tomar em consideração o critério de que muitos livros – mesmo se não lidos, e

até mesmo fechados, ou pouco consultados - nem por isso deixam de manifestar espé-

cies de unidades de interesse do escritor que dão pistas importantes para a análise. No

critério de agrupamento dos livros da biblioteca que são nosso universo de análise, o

caráter de afinidades não significou obrigatoriamente unificá-los pela quantidade de

marcas ou pelas marginálias. Muitos livros que incluímos nem foram assinalados ou

nem sempre foram lidos pelo escritor.

Livros que não têm marginálias, ou que contêm apenas uma e outra marcas apa-

rentemente desprezíveis, talvez expressem uma corrente de idéias sobre arte e outros

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temas simpáticos ao escritor. Na época moderna, lembra-nos Roger Chartier (1991,

p.119), o surgimento da leitura solitária possibilitou “uma relação pessoal com o texto

lido ou escrito” e um novo ambiente para o comércio de idéias entre os homens, comér-

cio provocado por “sociabilidades [até então] inéditas” que tiveram o livro como ponto

de apoio e de convergência. Numa cultura de práticas de leitura em silêncio feita em

ambientes privados e na solidão da relação com o livro, talvez a recepção do texto não

seja afirmada apenas pelas marcas e anotações que o autor faz no livro, como se fossem

elas o único atestado de que tenha sido importante em sua formação.

A leitura talvez seja a suplementação silenciosa e sem marcas que o leitor faz de

um livro com outros livros lidos anteriormente, ou cujas mensagens não se transmitem

necessariamente em livros, mas em suportes a que nem sempre o leitor tem acesso e que

se suplementam, enraizando – e muitas vezes fazendo triunfar – certa leitura de um te-

ma – seja um objeto, um acontecimento, um país ... o sertão.

Uma leitura é sempre um repositório de outras leituras coadjuvantes, aonde va-

mos, muitas vezes, encontrar a confirmação – ou a negação – de outras leituras que já

fizemos antes. Ou nem a fazemos, porque as trocas cognitivas podem se dar por meio de

agentes e de instrumentos variados que estabelecem certa interpretação como viável,

acima de nosso envolvimento direto na elaboração dela. A leitura de um livro nunca é

apenas um exercício de intelecção sobre um objeto normalmente quadrado e/ou retangu-

lar composto de folhas de papel onde estão impressos caracteres gráficos e gravuras

numa ordem de enunciados lógica a que chamamos “texto”. A pesquisadora Maria Bea-

triz Nizza da Silva analisa o comércio de idéias e a posse de livros no século XVIII co-

lonial brasileiro pelo exame dos inventários post-mortem e conclui que nem sempre “a

posse de livros implica necessariamente a sua leitura”, assim como “nos grandes centros

urbanos do Brasil colonial havia locais privilegiados de sociabilidade, que eram as boti-

cas e os botequins, nos quais livros em voga eram comentados” (NIZZA DA SILVA,

1999, p.159).

Muitos livros colecionados em sua biblioteca, Guimarães Rosa leu e não mar-

cou, e seriam sem sentido se não fossem relacionados e/ou cruzados com as interpreta-

ções do Brasil de sua época histórica, cruzados com outros textos sobre arte e literatura,

o que liga esses livros com a literatura do escritor, livros cuja verificável ausência de

marcas não nos obriga a renegar sua importância. Pensamos nos livros pocket books

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guardados por Rosa em sua biblioteca. Nenhum deles tem qualquer marcação, mas o

fato de terem sido juntados pelo escritor nos informa de algo, de sua literatura. Livros

na biblioteca do escritor, se tomados isoladamente, poderiam nada dizer.

O livro pode valer pelo que tem de dados, e pelo que informa do debate de idéias

e da participação do escritor literário nos debates de sua época que ultrapassam o estri-

tamente literário. Isso pode apontar para o fato de que autores existentes na biblioteca

são importantes não somente pelos títulos que Rosa guardou, mas ainda pelos títulos

que o escritor não guardou. Muitos livros que Guimarães Rosa leu, muitas vezes marca-

dos com uma, duas marcas apenas, configuram ainda mais o valor de sua biblioteca,

porque são livros dos quais, às vezes, um único trecho é retirado e compõe momento

importante de contos, novelas ou do romance Grande Sertão:Veredas. A biblioteca aca-

ba por tornar-se um repertório de universos possíveis muito mais do que de informações

precisas e exatas que serão utilizadas ou transcriadas ipsis literis.

É plausível que a incidência isolada de um livro apenas de um autor possa signi-

ficar mais do que aparente. Um livro, mesmo que não marcado, ou sem significado apa-

rente, pode conduzir ao estado de um debate, à medida que a escolha do escritor de reter

o livro em sua biblioteca não seja uma escolha por uma fonte de informações, mas por

uma fonte de endosso do que está em sua literatura sobre a interpretação de um tópico

ou um fato da história brasileira. Os textos são espaços abertos a leituras múltiplas, não

se fecham em objetos e não podem ser tomados como contendo significação universal.

O significado e o uso dos textos devem ser “relacionados à rede contraditória das utili-

zações que os constituíram historicamente” (CHARTIER, 2002, p.54). Mesmo que não

marcado, um livro pode ser marca: marca de uma afinidade entre leitores, que na rede

interpretam o livro de uma mesma maneira.

Se tomada unicamente pelo critério de quantidade de marcas em livros, a margi-

nália pode despistar, conduzindo a conclusão de que tal ou qual livro, porque não mar-

cado, é irrelevante na obra do escritor, visto que o livro não contém os vestígios, as pe-

gadas do leitor no texto. Na biblioteca de Rosa, os livros de Euclides da Cunha revelam

sua influência sobre Rosa, visto que o escritor deixou marcas em trechos e passagens

transfiguradas depois em seus textos literários. Mas os livros de Manuel Diegues Júnior

guardados na biblioteca, o fato de que Rosa praticamente não os tenha marcado, não

deixa concluir que o autor não está na criação ficcional rosiana. Os dois livros de Die-

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gues Júnior que existem na biblioteca – Etnias e Culturas do Brasil (1956) e O Engenho

do Açúcar no Nordeste (1952) - podem indicar que as idéias de Diegues Júnior tenham

sido importantes para Rosa, uma vez que se dois livros estão ali, provavelmente deve

haver alguma afinidade de idéias.

O livro Etnias e Culturas do Brasil, não assinalado por Rosa, é livro quase para-

didático, traçando panorama das características étnicas e culturais da história do país

dividido em regiões de povoamento, mapeando e identificando populações e processos

de aculturação e cruzamento cultural, tão ao gosto das interações de cultura de que a

literatura de Rosa é uma mensagem em forma de poesia. O professor Diegues Júnior era

autor ligado aos Estudos Folclóricos no Brasil e sua importância para Rosa talvez esteja

configurada menos pelo que está escrito nos livros de Etnografia e Folclore Brasileiro

do autor, mas pelo que adverte de que suas idéias coincidiam com o que Rosa parecia

considerar importante para se pensar o Brasil. O recorte de um grupo de livros, feito no

universo de livros existente numa totalidade bibliográfica, escreve um outro texto ao

revelar intercâmbios e dissidências entre textos, vazios e marcas que os livros contêm, e

suas marcas podem remeter a debates maiores, do que os livros apenas dão leve sinal.

Referindo-se às cadernetas da viagem de Rosa no ano de 1952, quando acompa-

nhou uma boiada até a fazenda da Sirga, no interior mineiro, a pesquisadora Ana Luiza

Martins Costa assinala que o escritor registrou a “maneira poética como [os vaqueiros]

nomeiam e descrevem a fauna e a flora do sertão” e afirma que as cadernetas compõem

“verdadeiro glossário de termos nativos” (MARTINS COSTA, 2000, p.42). A afirma-

ção também vale para seus livros da biblioteca sobre o sertão, onde o escritor assinalou

termos nativos. Guimarães Rosa consultava-os e os ia anotando à margem, de tal forma

a ter depois um grande glossário. Há marcas feitas por Guimarães Rosa em livros que

indicam um grande glossário, recolhendo palavras. Escrever à margem de textos, ou

sublinhar neles, palavras tais como “ipueiras”, “curiboca”, “tapera”, “passoca”, “bal-

dar”, “recontros”, “guizalhar”, “caboclos”, “mestiços”, “ribeirinho”, “curraleiro”, e ou-

tras tantas - nem sempre retiradas de textos ditos literários - mostra o diálogo entre tex-

tos, sugerindo que Rosa dialoga com livros que interpretam o Brasil. Como nos livros

de Literatura, essas palavras também foram marcadas pelo escritor nos livros interpreta-

tivos que guardou. Suas marcas remetem a um país discutido e fazem acreditar que sua

literatura faz pensar o Brasil.

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Na biblioteca de Rosa, há livros que indicam leituras parciais de livros, ou livros

que nem sequer foram abertos, com as páginas sem terem sido cortadas. Mas certas lei-

turas, de livros profusamente marcados, supõem que o escritor tenha lido o livro de pon-

ta a ponta, mas suas marcações dão conta de um movimento para transformar o livro em

fonte de consulta rápida e certeira. É assim, por exemplo, com o livro de Jozé Norberto

Macedo, Fazendas de Gado no Vale do São Francisco, publicado em 1952, onde o es-

critor fez muitas marcas em nomes de plantas, de doenças em animais criados ao longo

do São Francisco e nomeou passagens inteiras com descritores-palavras, como “curra-

leiro” e “transulmância”. No trecho do livro, à página 10: “os animais, melhor alimen-

tados, já se vitaminizando e hormonizando pela ingestão de tenros brotos que eclodem

em todas as hastes, enchem o sertão com a sonoridade de suas vozes alegres. É o cio no

sertão!”, Rosa escreveu à margem “o amor”; e em “no município mineiro de Januária, o

chamado ‘bugi’ ou ‘treme-treme’ é típico. Crescendo em moitas, nos terrenos úmidos e

sombrios, esta planta bambuiforme chega a ser bem apreciada pelos cavalos e bois”,

Rosa escreveu “treme-treme”.

O livro Tipos e Aspectos do Brasil - mesmo sendo publicação cujo exemplar de

Rosa era a sétima edição, de 1963 - é um livro emblemático da biblioteca do escritor

pertinente a sua criação literária. Ele é um livro que equivale a uma marca inteira. Tipos

e Aspectos do Brasil não precisa ter marginália. Ele é uma marca, diz da perspectiva de

como regiões brasileiras podiam ser fixadas pela arte iconográfica. Tipos e Aspectos do

Brasil não tem marginálias – até porque é um “livro de arte” – mas revela a relação que

Rosa parecia manter com as regiões brasileiras anos antes, quando ainda escrevia seus

“livros de 1956”.

Outro aspecto importante é como livros e autores são lidos através de outros li-

vros, ou como não é preciso ter livros para se tomar conhecimento de idéias. Rosa não

tinha livros de Sérgio Buarque de Holanda, mas é razoável acreditar que idéias em Raí-

zes do Brasil tenham entrado na superfície de temas e abordagens do Brasil como enre-

dadas na trama das estórias literárias rosianas. O historiador Buarque de Holanda está

marcado por Rosa no prefácio de um dos livros mais marcados da biblioteca, os Diários

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de Viagem (1944), do padre Francisco José Maria de Lacerda e Almeida, viajante que

percorreu parte do Brasil no século XVIII.16

Muitos livros da biblioteca de Guimarães Rosa, não marcados pelo escritor, ga-

nham unidade quando vistos pela perspectiva dos debates históricos de sua época sobre

o tema dos sertões e sobre a forma de publicação no Brasil de meados do século XX.

Como entende Alberto Manguel, “o conteúdo dos livros [de uma biblioteca] parece im-

portar aos organizadores menos do que a singularidade do assunto em que são cataloga-

dos”, com o que a biblioteca se transforma numa “coleção de antologias temáticas”

(MANGUEL, 2006, p.45). Em vista disso, consideramos livros de Guimarães Rosa,

mesmo que não tragam marcas, como possibilidades de informar sobre a interseção de

sua literatura com temas e assuntos da discussão interpretativa sobre o Brasil.

Assim outros livros, também não marcados, ganham unidade quando vistos pelo

cotejamento com produtos editoriais e suas formas históricas, afinal o sertão de Rosa

não é apenas o sertão de Rosa, mas o sertão de Rosa posto de uma certa forma, ficcional

e editorial, e isso envolve construção textual, confecção gráfica e difusão de livros num

sistema editorial historicamente determinado. Em meados do século XX em que Rosa

publicou sua literatura, o sistema editorial brasileiro se complexificava, haja vista a con-

solidação de um mercado leitor de livros e a diversificação de seus agentes, e mesmo

em função da concorrência de outros meios de cultura, como o filme, o rádio e os im-

pressos ilustrados de imagens, de desenhos e fotografias. Desde as décadas de 1920 e

1930, o universo urbano brasileiro onde os livros de Rosa são publicados é o espaço de

uma “cultura social” caracterizada pela “profusão de informações por jornais e rádios e

pela explosão de imagens permitida pelo cinema” (VIDAL, 1999, p.353).

As “fontes principais” de Guimarães Rosa são, para o pesquisador de Literatura

Luiz Roncari, uma “empírica” - pela vivência direta com o país e a região - outra “míti-

ca e universal” – bebida da literatura clássica e universal - e uma última fonte “nacio-

nal”, não só de textos da tradição literária nacional, “mas também nos velhos e novos

estudos e interpretações do Brasil, efervescentes em seu tempo” (RONCARI, 2004,

p.17). O autor defende que, no confronto da literatura rosiana com os “grandes intérpre-

tes do Brasil”, há “proximidades da visão de Guimarães Rosa principalmente com as de

16 Ver ALMEIDA, Francisco José Maria de Lacerda e. Diários de viagem. Nota-prefácio de Sérgio Buar-

que de Holanda. 1944. XXIII, 266 p. 17c. Ministério da Educação e da Saúde/INL (Biblioteca Popular Brasileira, v.18).

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Alberto Torres, Alceu Amoroso Lima e Oliveira Vianna” (RONCARI, ibidem, p.21).

Nenhum desses pensadores está na biblioteca de Rosa, mas Luiz Roncari os descobre na

obra de Rosa, porque os textos têm significações plurais pela combinação de fragmentos

que os leitores fazem ao ler os livros.

A biblioteca é um conjunto de possibilidades, necessariamente, desloca a obra

para um universo de “idéias no ar”, que nem sempre se fixam e se transmitem somente

em livros ou em idéias estritamente autorais e intransferíveis. Podemos ler um autor que

contém diversos autores. Todo livro contém outros livros. A biblioteca é um universo

aberto, muito mais que um território demarcado. Rosa não leu títulos de Araripe Júnior,

mas o leu no estudo crítico que o crítico literário escreveu para a edição de Contrastes e

Confrontos (1923), de Euclides da Cunha, livro abundantemente marcado na biblioteca

de Rosa.

As orelhas e os prefácios também são fontes de participação do escritor no deba-

te, ou mesmo forma de recolher a seu quartel-general de idéias diversas informações

sobre sua literatura, visto que guardar livros também pode ser recolher o que neles exis-

te de menções ou referências a obras. Há muitos livros na biblioteca de Rosa que reve-

lam o processo de sua consagração e inserção no regionalismo literário que não são li-

vros marcados, sequer lidos. São livros que informam como o escritor se ajustou aos

termos de uma classificação canônica de livros literários. Exemplares de livros dentro

da biblioteca podem atribuir valor e auto-identificação para o escritor como um autor

digno da “história literária” do país pelos livros que contêm, tomados como critério de

distinção e índice do diálogo com seus pares. Uma vez mais, os livros valem não pelas

marcas que contêm conformando marginálias, mas pela condição de serem marca, eles

mesmos.

A biblioteca vale ainda pelo que contém de dados sobre como proceder a fim de

juntar livros como forma de se agregar a uma corrente de idéias – artística e intelectual.

Uma “obra artística” é um processo de construção de uma consagração em meio a pares.

Isso exige do autor estar a par do que se publica, muitas vezes ter o livro e nunca utilizá-

lo. Mas o livro informa das condições de circulação das idéias e de como certa forma de

recepção dos motivos literários – o sertão - está sendo construída e revelada pelos livros

que guarda.

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Também muitas marcações de Rosa em livros parecem inusitadas, aparentemen-

te isoladas e avulsas que, muitas vezes, não têm sentido imediato se cotejadas com a

coleção delimitada de livros que pesquisamos dentro da biblioteca. Num certo sentido, a

biblioteca é uma espécie de livro em que cada capítulo diz respeito a um outro livro que

não aquele mesmo. É razoável pensar que o escritor se utiliza de sua biblioteca apenas

para ter os livros, esquivando-se de fazer marcas que em algum momento possam lhe

comprometer, ou indicar alguma leitura de sua obra com a qual ele não gostaria de ser

identificado. Analisando a biblioteca de Oliveira Vianna, Giselle Venancio (2006) a-

ponta riscos similares quando se procura matrizes textuais de autores em suas fontes de

consulta mais freqüentes. Procurando identificar as matrizes textuais teóricas de Viana

pelas notas e citações em seus livros autorais cotejados com os livros de sua biblioteca,

a autora percebe que o critério é difuso, quando não insuficiente, porque nem sempre

revela, ou elucida, “matrizes teóricas não explicitamente reveladas ou tornadas públi-

cas” (2006, p.107) na obra, embora essas matrizes estejam lá. A análise de bibliotecas

precisa estar atenta ao que elas ocultam, mas que foram importantes para a constituição

de uma obra autoral erudita.

Por que livros como O Manual do Fogueiro, Método para Gaitas e outros foram

guardados por Rosa um dia? Por uma razão criativa, sem dúvida, mas hoje pesquisados,

nada marcados, esses livros talvez atualizem o que um dia Rosa quis “impor” como a

leitura de sua versatilidade, revelando seu diálogo com fontes nem de longe eruditas.

Assim, se livros são marcados de maneira a fazer acreditar que não são suficien-

temente abundantes, que não evocam nada a respeito de um todo pelo qual se pudesse

pegar um eixo, ou todo um absoluto que marca a obra do autor, a biblioteca, no entanto,

pode ser consultada como uma colcha de retalhos, onde a unidade está na junção das

partes aparentes provenientes de pedaços que só guardam sentido no todo. A biblioteca

pode esconder antes de revelar! Uma pequena e desprezível marginália isolada num

livro pode crescer, se percebemos que quem a leu - e que depois vai ler outros livros -

nem sempre age de maneira linear. Porque os livros, e a leitura, são “territórios de ca-

ça”, segundo Michel de Certeau (2003). Encontramos nexos e conexões nem sempre

aparentes. É preciso ler as posições de Rosa quanto ao governo e às idéias, à política de

cultura, ao intelectualismo, às teorias das formas artísticas, a partir das poucas marcas

deixadas por ele em livros.

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O trabalho de consulta à biblioteca de Rosa requer atenção a livros que – ao que

tudo indica - não foram lidos, ou, se lidos, não foram assinalados, ou pouco marcados.

Cada gesto, mesmo o silêncio, pode ser vestígio, e indicar que ali há uma presença. Pelo

exame dos temas, das marcas e das formas dos livros de sua biblioteca, pela constatação

dos procedimentos que realizava como escritor literário no processo de sua criação e

pela observação de sua atuação no campo das interpretações de questões nacionais no

processo de sua atuação diplomática, tudo cotejado a seus livros autorais de Literatura,

vamos descobrindo em textos de Rosa que suas mensagens e enredos ficcionais acabam

por construir figurações de Brasil e dos brasileiros como componentes de um processo

de construção imaginária.

Compreender como o dispositivo ficcional literário pode contribuir a esse esfor-

ço imaginativo é considerar não o conteúdo intrínseco do dispositivo ficcional, mas ve-

rificar como, em diálogo com outros textos e livros, esse conteúdo se distingue como

textos de Literatura, definida por um “certo modo de ser do discurso” (FOUCAULT,

s.d., p.45), cujo sentido e definição variam no tempo e no espaço conforme as formas de

sua transmissão e os fatores de uma dada época histórica que afetam sua recepção pelo

leitor.

1.3 - Leitura das leituras de Rosa – um recorte sobre um recorte

É arriscado fazer classificações sem incorrer em certa redução das particularida-

des dos livros a que cabem outras interpretações ou formas de classificação. Alguns

livros caberiam em mais de uma classificação, visto a dificuldade de se classificar de

acordo com o pertencimento exclusivo de livros a gêneros, temas ou campos específicos

de estudo. Todo ato de classificação nasce como nasce um conceito: de um gesto que

Nietzsche qualificou como “igualação do não igual” (...) Todo conceito nasce por igualação do não-igual. Assim como é certo que nunca uma folha é inteiramente igual a uma outra, é certo que o conceito de folha é formado por arbitrário abandono dessas diferenças individuais, por um esquecer-se do que é distintivo, e desperta então a representação, como se na natureza além das folhas houvesse algo que fosse “folha”, uma espécie de folha primordial, segundo a qual todas as folhas fossem tecidas, desenhadas,

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recortadas, coloridas, frisadas, pintadas, mas por mãos inábeis, de tal modo que nenhum exemplar tivesse saído correto e fidedigno como cópia fiel da forma primordial (...) (NIETZSCHE , 1983, p.48).

O que o conjunto de seus livros da biblioteca demonstra é o quanto Guimarães

Rosa é um erudito que se nutre de variada literatura, ao mesmo tempo em que divide

seus gestos de guardar livros entre as contingências vinculadas a sua condição de profis-

sional diplomata e de escritor literário. A biblioteca de Guimarães Rosa exprime uma

natural composição de livros, em que temas vinculados a atividades diplomáticas se

cruzam com outros de sua atividade literária. Questões culturais, educativas, administra-

tivas e políticas diversas estão mobilizadas em livros que convivem ao lado de outros

certamente acumulados em função da atividade criativa de escritor. Livros do Barão do

Rio Branco, Rui Barbosa e José Maria Belo convivem com curiosos dicionários, manu-

ais e métodos práticos.17

Agrupamos sob oito rubricas os livros da biblioteca de Guimarães Rosa.

Eventualmente, dentro de rubricas separamos alguns grupos de livro em particu-

lar, dada sua similaridade, ou pelo fato de fazerem mesmo parte de uma só coleção ou

unidade editorial. Passemos às considerações sobre como agrupamos os livros e como

nomeamos cada uma das rubricas. 18

A rubrica Interesse Etnográfico – aproximadamente 90 livros - compõe uma bi-

blioteca de autores e títulos da análise do Brasil baseada na constituição histórico-

geográfica do seu território, na caracterização histórico-cultural das populações que o

ocuparam e pelo olhar etnográfico. A existência desse conjunto de livros na biblioteca

de Rosa indica um diálogo com uma tradição de interpretação do Brasil que se organiza

pela dicotomia sertão-litoral, urbano-rural, autêntico-artificial, onde temas como “ho-

mem”, “cultura” e “natureza”, e os debates em torno deles, emprestam para Rosa mate-

rial a ser trabalhado, ou mesmo esquecido dentro de sua ficção sobre o Brasil. O tema

dos sertões interessa a Rosa nos livros que lê, dos quais recupera o roteiro geográfico

seguido pelas levas de homens que ocuparam o sertão e o interior brasileiro na história.

São títulos de autores que não só participam de um debate sobre aspectos da formação

17 BARÃO DO RIO BRANCO. Efemérides Brasileiras (1946); BARBOSA, Rui. Obras Completas

(1948); BELO, José Maria de Albuquerque. História da República. 1889-1930 (1952); MANUAL DO FOGUEIRO. (s.d.); KLEIN FILHO, Curt. Método relâmpago para gaitas (1954); LEMOS, Júlio. Pe-queno dicionário luso-brasileiro de vozes de animais: onomatopéias e definições (1946).

18 Uma listagem do universo de livros que pesquisamos se encontra como anexo ao final da tese.

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histórica brasileira, mas também da formação literária e cultural do Brasil, muitas vezes

analistas e escritores de literatura, autores com assento em institutos históricos e acade-

mias de letras.

Sob essa rubrica estão livros que reconstituem a história da colonização brasilei-

ra, sua ocupação interior, movimentos de conquista do território, traços e aspectos de

sua geografia natural e humana. Não há distinção de sertões. Os livros sobre o que seria

depois o “Nordeste” junto com os livros da zona mineira do São Francisco, nessa rubri-

ca fazem parte da mesma matriz ruralista que permeia a literatura de Rosa. O “carro de

boi” de sua literatura é - literariamente – o mesmo, não importa se lido num livro sobre

o carro de boi no Norte ou no campo dos Goitacazes, onde a pesquisa histórica demons-

tra ter havido diferenças de tipo.19 O historiador deve fazer as devidas distinções de es-

pecificidade histórica. Tem a reuni-los, o historiador e o escritor, a herança rural comum

a todo o Brasil, que, para ambos, é motivo de criação e de interpretação.

Também sob a rubrica Interesse Etnográfico estão agrupados os livros de via-

gens e viajantes que interessaram a Guimarães Rosa. Livros de viajantes no território

europeu e dos viajantes e naturalistas que estiveram no Brasil nos séculos XVIII e XIX,

viajantes que eram do interesse de Rosa em função do que Flora Sussekind acredita ser

uma consulta a uma matriz narrativa que criou o “narrador de ficção” no Brasil (SUS-

SEKIND, 1990), mas também como contato com uma tradição de conhecimento sobre o

interior do Brasil consagrada por homens que eram espécies de etnógrafos em viagem

de registro de populações sertanejas e que foram, depois, tomados como fontes para a

história brasileira, no instante em que se dispôs sob o nome de “História do Pensamento

Brasileiro” um campo de reflexão sistemático sobre o país.

Os livros da rubrica Interesse Etnográfico foram agrupados tendo em vista, ainda,

o que podem dizer sobre as viagens de Rosa pelas regiões do Brasil e se fornecem uma

chave interpretativa de sua própria atividade artística, tomada como a de alguém que

viaja e escreve sua literatura enquanto faz um inventário das tradições do homem serta-

nejo. Os livros da coleção Documentário da Vida Rural guardados na biblioteca corres-

pondem a um interesse do escritor por publicações de registro textual, sonoro e icono-

gráfico do país. O agrupamento dos livros da coleção Documentário da Vida Rural co-

19 Para as diferenças de tipos de carros de boi nas regiões ao longo da história brasileira, ver SOUZA,

Bernardino José de. O ciclo do carro de bois no Brasil. SP: Cia Editora Nacional, 1958.

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mo de Interesse Etnográfico na biblioteca de Rosa justifica-se por seu conteúdo temáti-

co e pela feição gráfica dos livros.

Publicada a partir de 1952 pelo Serviço de Informação Agrícola (SIA) do Minis-

tério da Agricultura, a coleção sugere-nos na atividade de Rosa uma sensibilidade para

o inventário das tradições rurais sertanejas recolhidas em suas viagens. A coleção con-

tém ilustrações marcantes e documentação fotográfica recolhida em órgãos governa-

mentais - como o Instituto do Açúcar e do Álcool – e resulta do Plano de Documenta-

ção da Vida Rural, iniciativa do Ministério da Agricultura aprovada no ano de 1951. O

plano é explícito quanto à intenção da coleção: (...) destinado ao levantamento mais completo possível dos aspectos característi-cos e peculiares da sociedade rural brasileira. (...) fazer um levantamento do-cumentário de absoluto valor científico, capaz de exprimir, em suas legítimas características, a realidade cultural de nossa sociedade, de nossa população, de nossas atividades nos meios rurais. (...) pretende ser, na fidelidade de um espelho, a expressão autêntica de nosso mundo rural, em seus aspectos carac-terísticos (PLANO DE DOCUMENTAÇÃO DA VIDA RURAL, 1952, p.3).

No livro de Manuel Diegues Júnior, O engenho do açúcar no Nordeste, publicado

em 1952 e que abre a Coleção, o então diretor do Serviço anuncia a iniciativa: (...) Espera o Serviço de Informação Agrícola, ao lançar essa coleção, possa ela ser útil aos que desejam melhor conhecer e compreender o Brasil rural. Espe-ra igualmente constitua contribuição, que se nos afigura valiosa, aos estudos sociológicos e etnográficos, ora em fase de tão intenso desenvolvimento em nosso país (DIEGUES JÚNIOR , 1952 – No texto de apresentação, na orelha do livro).

Se Riobaldo, de Grande Sertão:Veredas, é seu “irmão”, como quer Guimarães

Rosa, o homem que escuta o jagunço também não deixa de ser o outro lado do duplo do

escritor, localizado na fronteira entre o arcaico e o moderno, o Brasil e o mundo, o rural

e o urbano. O homem que registra o sertão em Grande Sertão:Veredas e escuta Riobal-

do também está entre o sertão e a cidade. Ele recolhe tradições sertanejas e rurais incor-

poradas no testemunho do velho jagunço, para depois publicá-las em um livro na cida-

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de. O interesse de Rosa pela Coleção Documentário da Vida Rural acaba por sugerir

sua literatura vista sob a perspectiva de um gesto de documentarização da vida rural.

Os livros da coleção Documentário da Vida Rural poderiam ser classificados

como livros de arte, pelo requinte dos desenhos de artistas e geógrafos que ilustraram as

páginas da publicação e pelo conjunto mobilizado de fotografias. A coleção se ligava a

um plano de registro verbal, sonoro e iconográfico das tradições rurais brasileiras e pro-

vavelmente serviu ao diplomata, como ao escritor literário Guimarães Rosa, indicando

seu diálogo com o elemento imaginativo dos debates sobre o país. Caracterizados como

resultado de um contexto de “desenvolvimento dos estudos sociológicos e etnográfi-

cos”, os livros da coleção mostram o diálogo literário de Rosa com textos que participa-

vam dos debates sobre o Brasil por publicações que organizavam as tradições rurais

como materiais sonoros e iconográficos que faziam ler, ouvir e ver o país. Pelas caracte-

rísticas de legibilidade, sonoridade e visibilidade com que as tradições rurais são fixadas

pela iniciativa do Plano de Documentação, a Coleção reforça o diálogo do escritor di-

plomata com temas que estão no centro do debate sobre o Brasil, sugerindo, talvez, o

resgate do diálogo de Rosa com o controverso tema da brasilidade, concebido não em

termos políticos, mas em termos artísticos e estéticos. Obra iconográfica, tanto quanto

textual, a coleção Documentário da Vida Rural imagina uma comunidade elaborada por

conteúdos sociológicos e etnográficos, assim como pelo componente de arte visual com

que se constrói a comunidade brasileira nas páginas da publicação.

A segunda rubrica é a dos livros agrupados como de Interesse Geográfico – o re-

conhecimento e fixação/invenção do Território Brasileiro - aproximadamente 76 livros. Ela contém livros de diversas regiões do Brasil, sem se limitar ao sertão físico da litera-

tura de Rosa, e expressa o diálogo de sua literatura com um texto territorial, fixado co-

mo personagem e igualado a um espaço dividido em regiões a serem conhecidas, e cujo

conteúdo deve ser inventado numa grande elaboração imaginária. O pensamento sobre o

Brasil se organiza segundo uma dicotomia que obriga conhecer o sertão a fim de pensar

o país e seus destinos, o que envolve aspectos e dados que articulam o conhecimento

concreto de seu espaço físico e a atribuição de significados e sentidos aos seres e coisas

que vivem e habitam o território.

Ao apontar a matriz euclidiana de Os Sertões observada em muitos intérpretes

do Brasil que desenvolveram seus argumentos em torno da nação tomando o sertão co-

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mo metáfora do Brasil, a pesquisadora Lúcia Lippi (2000) afirma que a natureza é chave

explicativa da história brasileira e prevalecem as dicotomias litoral/sertão, civiliza-

ção/barbárie, cosmopolitismo/brasilidade na urdidura argumentativa dos autores brasi-

leiros. A literatura de Rosa pode ser lida sob a luz dessas dicotomias, tomando seus ter-

mos como produtos de intercâmbios e trocas, e não de superação, o que lhe faz, de al-

guma forma, devedor do debate intelectual que interpreta o Brasil. Mencionando Gran-

de Sertão:Veredas, Lucia Lippi observa que a literatura literária define o sertão como

paraíso, inferno, purgatório, lugar de passagem, travessia, onde se encena a “liberdade e

a dramaticidade da vida”. Aí estaria o romance de Rosa (LIPPI, 2000, p.78).

Mas a região literária rosiana sertão de Minas é, ao mesmo tempo, dado desco-

berto e fato da imaginação literária que firma as características peculiares do universo

sertanejo, elaborando a região como uma região a mais no mapa cultural, à medida que

lhe inventa e lhe atribui uma personalidade distintiva. Reconhecer e fixar são operado-

res de uma distinção entre livros na biblioteca de Guimarães Rosa, a fim de garantir o

suposto de que, num certo sentido, toda unidade humana só se faz sobre um território,

ao mesmo tempo descoberto e inventado.

A rubrica Interesse Geográfico agrupa livros de acordo com o dado de realidade

do espaço físico sobre o qual se desenrola a literatura de Rosa, ou dos territórios que na

história brasileira fizeram parte de uma história total de ocupação das terras interiores

brasileiras do Norte. São livros que identificam recursos hídricos e naturais, flora e fau-

na típicas de territórios, característicos ecológicos, como presença de bichos e plantas,

grutas e montanhas, levantamento de dados naturais que são a base física de cada uma

das particularidades geográficas. Destacam-se livros publicados pelas áreas técnicas de

órgãos geográficos governamentais, como o Conselho Nacional de Geografia e o Insti-

tuto Brasileiro de Geografia e Estatística, que pretendiam um conhecimento rigoroso

do território brasileiro, e livros do Ministério da Agricultura por suas divisões de Do-

cumentação e de Caça e Pesca, e outros. Na rubrica, cabem ainda os livros de mapea-

mento do território, marcando seus acidentes e recursos geográficos em mapas, tábuas

itinerárias etc.

Destaque para o livro de Francisco de Barros Júnior, Caçando e pescando por to-

do o Brasil. (No planalto mineiro, no São Francisco, na Bahia), publicado em 1949, um

dos livros intensamente marcados por Rosa. Todo assinalado, registra descrição de rele-

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vos, nomes de pássaros e rios, modos de caçadas e pescarias, tipos, hábitos e costumes

do povo que Barros Júnior ia encontrando ao longo de suas viagens. O livro faz parte de

uma série de seis livros escritos pelo autor, representante de armas de fogo e de pesca

que viajava pelas regiões do Brasil caçando e pescando a fim de vender seus produtos

através da demonstração de suas habilidades de pescador e caçador. Guimarães Rosa só

tem o livro que diz respeito ao território físico de sua literatura: a zona do São Francis-

co, do Planalto e da Bahia.

Destaque na rubrica, também, para os 7 (sete) livros da série de 9 (nove) lançados

pelo Conselho Nacional de Geografia (CNG) por ocasião da realização do XVIII Con-

gresso Internacional de Geografia no Rio de Janeiro em 1956.20 Reunindo geógrafos do

mundo inteiro, considerado marco de maturidade da Geografia Brasileira, no XVIII

Congresso a comissão organizadora do evento delega a sub-comissões a incumbência de

realizar excursões a regiões brasileiras com o fim de mostrá-las a estudiosos e técnicos

especialistas. Para as nove viagens previstas, foram confeccionados “guias de excursão”

em forma de brochuras ilustradas com mapas e fotografias de cada uma das áreas. A

biblioteca de Guimarães Rosa guarda sete desses guias.

Os livros da rubrica Interesse Geográfico contêm ainda um componente de in-

venção/fixação, pois muitas vezes não tratam do território brasileiro e, quando o tema é

o Brasil, o tratamento do tema não liga o conteúdo a um território preciso. São livros em

inglês e francês sobre inteligência e personalidade dos animais, doenças infecto-

contagiosas de animais, o ofidismo, reprodução e inseminação artificial, entre outros.

Marcam ainda o grupo muitos livros de referência, como itens de identificação e carac-

terização das coisas e dos seres: livros sobre tipos de vozes de animais e sons de pássa-

ros, dicionários de termos e áreas técnicas, métodos para gaita, manuais sobre caldeiras

de vapor.

Publicação do IBGE/CNG, o livro Tipos e aspectos do Brasil é publicação em-

blemática desse grupo de livros, para a qual vale a mesma consideração em torno do

aspecto visual da publicação e a possibilidade de constar de uma rubrica que a nomeas-

se como “livro de arte”. Organiza em sete edições ao longo dos anos a matéria constante

20 O XVIII Congresso Internacional de Geografia foi fruto de uma decisão da União Geográfica Interna-

cional, em 1952. Realizado em 1956 no Brasil, é considerado o marco emancipatório da Geografia bra-sileira. Dados XVIII Congresso Internacional de Geografia. Boletim. 4-5 jan.fev.1956. s.p

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da seção Tipos e Aspectos do Brasil, da Revista Brasileira de Geografia, publicada des-

de 1939.

A seção Tipos e Aspectos do Brasil, na revista desde 1939, vai compor depois um

livro em separata, cada edição incorporando todas as matérias das seções publicadas nos

números da revista dos anos anteriores. A seção era composta de textos ilustrados por

folha inteira que desenhava um aspecto específico da paisagem humana das regiões na-

turais brasileiras. Sempre distribuídas por todo o Brasil, de forma a criar uma unidade

na diversidade imagética do livro, realçando as particularidades regionais e seus tipos

humanos, a publicação combina texto e desenho criando uma região cultural brasileira:

a cada região corresponde um desenho-ícone que a identifica, da mesma maneira que o

sertão de Minas se identifica pelos desenhos de cabeças de boi, burrinhos, crianças, bu-

ritis, currais, flores e pássaros com que associamos o sertão mineiro à literatura de Rosa

por desenhos.

A edição que Rosa possui do livro é a sétima, a de 1963. A publicação exemplifi-

ca o trânsito de livros entre épocas da criação do escritor. Mesmo tendo em vista a larga

distribuição da Revista Brasileira de Geografia, Tipos e Aspectos do Brasil provavel-

mente sacramentou o interesse de Rosa de longa data e que ele só concretizaria em

1963, quando, provavelmente, passou a ter o livro. O livro organiza uma percepção do

Brasil materializada numa dada forma editorial que conceitualiza uma apreensão estéti-

ca que, na sua literatura, Rosa acaba por fazer da paisagem humana e natural brasileira.

O ano de 1963 provavelmente não representa a data exata de interesse do escritor pelo

livro, mas condensa sua perspectiva de longa data sobre o Brasil, visualizado em cada

uma de suas regiões.

Duas outras rubricas com que classificamos a biblioteca de Guimarães Rosa são

Literatura Regionalista e Folclore - com aproximadamente 63 livros e Memórias Muni-

cipais e Estaduais (Minas Gerais e outros Estados) – com aproximadamente 9 livros. A

civilização pastoril da literatura de Rosa em torno de criatórios de gado e carros de boi

não se limita a coronéis, jagunços e homens valentes em torno das correntes fluviais

consagradas pelo rio São Francisco. A “civilização do couro” da literatura de Guimarães

Rosa é ainda a da vida descontraída das fazendas de gado em que viceja uma vida plena

de pássaros e flores, rios, riachos e morros, crianças e música, sons, cantos e danças. Em

outras palavras: quadros naturais e humanos

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A partir do que a biblioteca de Rosa nos informa, e em vista da absorção por sua

literatura de aspectos constitutivos - e mesmo matrizes textuais - que configuram o uni-

verso da cultura popular brasileira buscados na literatura historiográfica do século XIX,

analisamos como a literatura de Rosa lança mão de um corpus de textos folclorísticos,

dos quais se aproveita para encontrar as tradições brasileiras herdadas e remanescentes,

sistematizadas e agrupadas segundo temas e motivos. Esses livros contêm dados que

obedecem a uma concepção da história e da sociedade que aloca, numa rubrica folclóri-

ca, o que seria a cultura brasileira ligada ao universo sertanejo e rural. Na biblioteca de

Rosa, destacam-se os livros da tradição musical e oral da cultura brasileira resgatada em

livros sobre o folclore de algumas regiões do país. Com eles, compreendemos o registro

na literatura rosiana de itens do cancioneiro e do romanceiro populares em versos, qua-

drinhas e canções, vemos as festas e danças populares em dias santos consagrados.

Quando cotejada aos livros folclóricos de sua biblioteca, a literatura de Guimarães Rosa

parece querer fazer uma arte que seja também uma remissão à realidade cultural folcló-

rica do Brasil, dado que nos seus textos literários aparecem trechos, passagens e moti-

vos retirados desses livros.

A rubrica de livros sobre o folclore sugere que um campo de conhecimento pau-

latinamente constituído no Brasil sob o nome de “Folclore” passava a ensejar publica-

ções com recorte interpretativo e editorial específicos sobre o país, o que ia disponibili-

zando material criativo para o artista. A rubrica permite especular sobre a questão de

como o conhecimento do Folclore pode ter sido uma porta de acesso da literatura de

Rosa com o debate sobre o Brasil configurado através do que os estudos folclorísticos

recolheram de conteúdo de lenda e de mito. O tema da música, do canto e da dança, tão

presentes na literatura rosiana, está recortado na biblioteca por livros que prestigiam as

manifestações musicais da coletividade rural brasileira, o que reforça o diálogo de Rosa

com livros que exprimem um pedaço do universo rural brasileiro que sua literatura aju-

da a demarcar e que contém o lastro de uma região histórica e culturalmente demarcada

e consagrada em livros. A rubrica Literatura Regionalista e Folclore faz acreditar que a

literatura de Rosa pode ser compreendida como uma forma de apreensão intelectiva e

artística do Brasil que o enquadra segundo a valorização de hábitos e costumes próprios

do povo brasileiro, identificados às manifestações de seu folclore e registrados por fol-

cloristas.

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Cabe uma consideração sobre a colocação dos itens Memórias e Literatura Regi-

onalista em rubricas diferentes. O procedimento se justifica por critérios escolhidos em

função da literatura de Rosa tomada como um possível inventário do Brasil, identificado

pela distinção com que o escritor coleciona livros de caráter de inventário, como a cole-

ção Documentário da Vida Rural e o livro Tipos e Aspectos do Brasil, devidamente

guardados em sua biblioteca.

Os livros de Memórias se caracterizariam como relato de uma região ou cidade

natal mediado pela vivência do autor do livro, testemunhos ou não, que não têm a moti-

vação de fazer uma narrativa que condiga com a verdade dos fatos narrados, mas com as

reminiscências que tem o autor dos fatos passados que ele acredita sejam aqueles que

organizam e dão sentido à vida presente. Já a literatura regional recupera, mesmo que

tenha alguma motivação biográfica, alguns dados que pretendem ser relato de realidades

locais tomadas como retratos de uma região particular, com hábitos e costumes típicos

que não falam do escritor do livro propriamente, mas do ambiente que plasmou seu ca-

ráter e personalidade. Nos livros da biblioteca de Rosa fizemos essa separação entre

Literatura Regionalista e Folclore e Memórias Municipais e Estaduais, embora nem

sempre as fronteiras entre livros de uma e outra rubrica sejam tão nítidas.

Duas outras rubricas são as de livros classificados como de Iconografia, Vistas,

Artes Visuais e Paisagens (Desenhos, Fotografias, Ilustração e Catálogos de Exposi-

ção) - com aproximadamente 82 livros - e Conceito e Crítica de Literatura e Lingua-

gem – com aproximadamente 68 livros. Essas rubricas abrangem dois grandes grupos de

livros na biblioteca que recuperam a dimensão de texto e de livro de que nos servimos

para a análise do artefato literário e informam-nos de como Rosa - sempre avesso a en-

trevistas e arredio em tornar públicas suas posições políticas - está se revelando através

de marcas que faz na análise de críticos de sua literatura e de analistas do papel da arte

literária no tempo histórico de sua obra.

As duas rubricas vinculam a literatura rosiana às condições históricas de seu tem-

po, contemplando a maneira como Rosa parecia identificar o papel do escritor e da lite-

ratura no debate sobre o Brasil real e imaginado, e revelando livros pelos quais o escri-

tor exercitava sua atividade literária, livros que organizam a idéia de que sua literatura

está mediada de fontes de pesquisa que fazem visualizar o Brasil.

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A rubrica Iconografia, Vistas, Artes Visuais e Paisagens (Desenhos, Fotografias,

Ilustração e Catálogos de Exposição) reforça o atributo de visualidade da literatura ro-

siana, como ele mesmo queria. Destaque para os diversos catálogos de exposições que

Rosa visitava no Brasil e na Europa, e devidamente marcados e guardados pelo escritor

na biblioteca. São livros e publicações que demonstram como ele se preparava para a-

quela visualidade no exercício de sua atividade literária e explicam o motivo por que

recortava trechos de livros segundo uma perspectiva que apreendia o Brasil pela exube-

rância visual de sua natureza, concebida como um quadro ou uma fotografia fixada no

livro que dá suporte ao texto. O diálogo da ficção rosiana com o elemento ficcional do

Brasil, tomado como construção imaginária mediada esteticamente, está resguardado no

conjunto desses livros da biblioteca de Rosa. Por essa rubrica, podemos analisar a litera-

tura de Rosa sem nos limitarmos ao texto e às pautas de leitura de acontecimentos e

processos sócio-históricos disponibilizados pelo debate de idéias, mas verificar como

essas idéias foram concebidas, e se seus sentidos podiam se modificar de acordo com a

forma com que essas idéias eram publicadas. Afinal, as obras só “existem quando se

tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro” e sua recepção depen-

de dos “efeitos produzidos pelas formas materiais” (CHARTIER, 1999, p.8).

Na rubrica Iconografia, Vistas, Artes Visuais e Paisagens (Desenhos, Fotografi-

as, Ilustração e Catálogos de Exposição) estão livros que são quase álbuns de vista de

lugares e cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Sabará e, em particular, a estupenda

edição de Moby Dick, de Hermann Melville, pela editora José Olympio em 1957, com

280 desenhos de Poty e do pintor e ilustrador americano Rockwell Kent. Os livros da

rubrica demonstram também que Guimarães Rosa não parece ser apenas um diletante

do desenho, e os títulos confirmam ainda o grande diálogo da literatura do escritor com

as Artes Plásticas e Visuais. A rubrica sugere que o Brasil é um país que se conhece e se

organiza através de palavras ... e de imagens. Os pesquisadores Sibele Paulino e Paulo

Soethe se surpreendem com o que Rosa revela de sua visualidade aprendida com livros

de pintores e artistas plásticos: “Desde pequenos estamos escutando as narrativas multi-

coloridas dos velhos”, disse Rosa ao crítico literário Gunter Lorenz. Para os autores,

Rosa “escuta as cores” e é convicto de que “há visualidade nas palavras” (PAULINO;

SOETHE, 2005, p.48).

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Já a rubrica Conceito e Crítica de Literatura e Linguagem justifica-se como ten-

tativa de agrupar os livros da biblioteca que revelem leituras de Rosa sobre técnicas de

escrever e redigir, sua concepção de literatura e de outras artes e alguns de seus posicio-

namentos quanto a temas ligados ao papel social da arte, da literatura e do escritor. Li-

vros sobre a técnica do romance e da arte de escrever, de história da literatura e da cul-

tura brasileira, bibliografias críticas, panoramas e, principalmente, livros sobre o papel

social da arte e da literatura num contexto mundial conturbado de guerra e conflitos

ideológicos. Destaque para o livro de Celso Kelly, Liberdade e Paz: escritores a seu

serviço, publicação de 1959. Essa rubrica contém livros que podem informar como o

escritor concebia sua própria literatura e a maneira com que transfigurava literariamente

questões políticas e sociais da realidade histórica brasileira. Além do mais, os livros

dessa rubrica podem dar significado às manifestações de Rosa contra parte da crítica

literária, de quem dizia, em 1965, que “não tem valor, nem interesse, é apenas uma per-

da de tempo” (LORENZ, 1994, p.40) e contra os intérpretes do Brasil que tentavam

desfazer uma idéia bastante defendida pelo escritor: a de que existiria a “brasilidade”.

As rubricas de Artes Visuais e de Conceito e Crítica de Literatura e Linguagem

agrupam livros que se separam tematicamente, mas que eventualmente se articulam pela

maneira com que vinculam literatura e imagem. A sensibilidade de Guimarães Rosa

para o visual parece-nos tanto uma sensibilidade para um país que se pode ver, como

um conceito que o escritor faz da atividade literária como pintura de quadros e paisa-

gens, sendo a cena visual transformada em princípio de arte e de expressão. O livro Pre-

sença do mar na literatura brasileira, publicação de 1962, de Eidorfe Moreira, é um

dos títulos que, marcado por Guimarães Rosa, mostra, por vias indiretas, o que o escri-

tor tem a dizer de sua própria literatura. Rosa lê no livro de Eidorfe Moreira que, entre

os escritores latino-americanos, “os motivos literários (...) se definem quase sempre em

função de um certo grau de evidência ou figurabilidade”. Mas mais ainda. À página 10,

Rosa marcou passagem significativa: (...) Na forma como o temos explorado [o interesse pela paisagem ou pela nature-za] até agora, isto é, em termos de aparato ou de propósitos decorativos, cer-tamente que o é. Mas poderá também ser uma exigência implícita da natureza ou da temática de certas obras, como no caso de Guimarães Rosa. E quem nos dirá que, no fundo, ele não corresponderá a uma necessidade íntima e profunda de nossa sensibilidade? (...) (MOREIRA, 1962).

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Em nossa tese, a rubrica Conceito e Crítica de Literatura e Linguagem agrupa

livros que acabam por conceitualizar a literatura e analisar autores literários, e nas mar-

cas de Guimarães Rosa podemos investigar quais os tipos de trocas entre textos o escri-

tor admitia e que análises críticas qualificava como plausíveis para sua literatura. O

grupo de livros da rubrica dá pistas de como Rosa se posicionava ante análises e inter-

pretações literárias e ajuda a identificar como a análise literária esclarece sobre as medi-

ações entre literatura e a construção imaginada de uma unidade brasileira. Talvez uma

concepção de Brasil mediada pela arte esteja incorporada nos títulos agrupados na ru-

brica a ponto de podermos resgatar a brasilidade de Rosa como conteúdo artisticamente

político ou politicamente artístico.

Uma outra rubrica é a de Livros de Referência – aproximadamente 42 livros. Di-

cionários, manuais, almanaques, por mais que um e outro título dessa rubrica se refiram

tematicamente a um dos assuntos indexados nas rubricas anteriores. Uma publicação

como o Álbum Chorográfico Municipal do Estado de Minas Gerais, publicado em

1927, e existente na biblioteca de Rosa, com 178 mapas coloridos e dobrados, todo ilus-

trado, tanto poderia pertencer à rubrica Livros de Referência, como à rubrica Iconogra-

fia, Vistas, Artes Visuais e Paisagens, visto que é uma publicação cujo sentido é a com-

binação entre palavra e imagem, e onde a apreciação dos municípios está determinada

pela publicação em que desenhos e ilustrações fazem a mediação entre leitor e realidade

municipal representada.

Agrupamos livros de literatura propriamente ditos, Literatura Brasileira e Es-

trangeira, numa rubrica específica – aproximadamente 144 livros. A rubrica de Litera-

tura merece uma explicação. A classificação de muitos livros nem sempre é “certa” e

segura, e a menção ao enquadramento pelas editoras do conteúdo dos livros pode dizer

de uma época da escrita de literatura e de abordagem dos temas de literatura, segundo

critérios que nem sempre estão plenamente definidos. Como fazer para classificar livros

como Contos do cacau - tipos e cenários do Vale do Rio das Contas (1966), de Sabóia

Ribeiro, que ao mesmo tempo é literatura – “contos” - e se diz “tipos e cenários” - suge-

rindo que faz algo entre o literário e o sociológico?

No Prefácio de As Palavras e as Coisas, Foucault (1995) discorre sobre os dis-

positivos que comandam processos de agrupamento e nomeação de seres e coisas numa

taxonomia, comentando um texto de Borges em que está citada “uma certa enciclopédia

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chinesa” que agrupa os animais existentes na terra. Discutindo o que entende envolver

qualquer dispositivo classificatório, Michel Foucault discorre sobre o que se passa

quando “instauramos uma classificação refletida” a fim de organizar os seres para po-

dermos pensá-los. O autor assegura que reconhecer identidades, similitudes e analogias

requer um “sistema de elementos” que estabeleça uma ordem entre os seres. Segundo

Foucault, essa ordem existe “através do crivo de um olhar, de uma atenção, de uma lin-

guagem”, em que “os códigos fundamentais de uma cultura (...) fixam logo de entrada,

para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de

encontrar”. Não existe “nenhuma similitude, nenhuma distinção que não resulte de uma

operação precisa e da aplicação de um critério prévio” (FOUCAULT, 1995, p.9/10).

As dificuldades de ordenar os livros da biblioteca de Rosa segundo rubricas já

foram expostas aqui. As práticas da leitura erudita de Guimarães Rosa referem-se à or-

ganização de sua biblioteca, e resultam de uma “dinâmica das conexões que ela permite

entre os livros e com os objetos do mundo, por seus princípios de classificação, pelos

critérios de constituição de suas coleções, por seus catálogos” (BARATIN; JACOB,

2006, p.12). As rubricas, ao classificarem, de algum modo encobrem outras conexões e

pertinências que podem ser encontradas entre livros e textos.

Como classificar Dona Sinhá e o Filho Padre (1964), de Gilberto Freyre – livro

marcado da biblioteca de Rosa – livro que se auto-designa uma “seminovela”, ao mes-

mo tempo em que afirma que seus personagens foram tirados da história do patriarca-

lismo brasileiro? A referência bibliográfica de muitos livros, a adoção de nomenclaturas

por editores, ou mesmo pelos autores, precisa acrescentar uma referência, adotar um

critério distintivo para firmar uma ordem, qualificando os livros como “romance”, “con-

to”, “novela” para tornar possível encontrar similitudes, analogias e identidades. A ru-

brica Literatura Brasileira e Estrangeira pretende, portanto, ser uma solução para con-

ter o que tem um caráter dúbio.

Outros livros que aparecem na biblioteca de Rosa merecem comentários, pois

caberiam em mais de uma rubrica como definimos acima. Alguns desses livros valem

tanto como informação sobre critérios de acumulação de livros, como pelo que sugerem

da relação entre textos, publicação e expectativas de leitores de livros. Os livros pocket

estão significativamente representados na biblioteca. Muitos ficaram na rubrica de lite-

ratura. São livros das coleções Penguin Books, British Authors, The New American Li-

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brary, Everymans Library, Albatross Modern Continental Library. A coleção de livros

de bolso diz de um tempo histórico da expansão no mercado mundial de livros portáteis

de fácil circulação, vendidos em pontos de venda facilitados e a preços de baixo custo.21

No ano de 1942, a revista Seleções de Readers Digest passa a ser publicada no

Brasil, periódico importante não só pela propaganda ideológica americana anticomunis-

ta, mas por sua forma de publicação. Entre desenhos publicitários e informações práti-

cas, a revista organiza “pequenos artigos concisos, atraentes e valiosos”, textos de con-

teúdo condensados como “boa leitura no campo da literatura atual”, em formato de bol-

so e adequada ao que James G. Harbord chama de “pequena publicação [que] não tem

rival como ganha-tempo” num “mundo moderno que se movimenta tão depressa”.22 A

iniciativa editorial Seleções de Readers Digest contém outra iniciativa, uma biblioteca, a

Biblioteca da Seleção de Readers Digest, onde “mediante autorização dos proprietários

dos respectivos direitos autorais”,23 eram feitas condensações de livros literários.24

Guimarães Rosa se vinculou à iniciativa como autor e tradutor. Em 1951 escreveu o

conto O Lago do Itamaraty e, em 1958, traduziu O Último dos Maçaricos, de Fred

Bodsworth.

As publicações pocket são próprias de uma tentativa de facilitação do hábito de

leitura que implica em condensar textos, ilustrá-los, fazê-los chegar ao leitor de forma a

acreditar que sejam livros de fácil consumo e apropriação. A coleção é expressiva, visto

que reforça nosso postulado de que a ficção literária se relaciona com as formas editori-

ais de sua publicação como elementos que, no ato de leitura, conferem sentido às men-

sagens que são textualmente transmitidas. Rosa guardou 10 (dez) números da revista

Seleções, que variam dos anos de 1953 a 1962. Em 1972, quando o arquivo estava sen-

do organizado, talvez o fato de a crítica literária não ter como prioridade a intersecção

21 Para a trajetória de Allen Lane, criador da Coleção Penguin Books de livros pocket, ver McCLEERY,

Alistair. Te return of the publisher to book history. The case of Allen Lane. Book History, v.5, 2002, p.161-185.

22 Os trechos em aspas são do “general James G. Harbord, ex-presidente do Conselho Diretor da Radio Corporation of America, ex-chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Americana na França”, publicados no editorial “Leitura para as ‘horas vagas’”, na página 2 do Tomo XIX, n.110 da revista, em março de 1951.

23 Em Biblioteca de Seleções. Seleções do Reader’s Digest. RJ, SP: Ed. Ypiranha S.A, 1958. 24 Para informações sobre o papel de propaganda anticomunista no Brasil efetivado pela Revista Seleções

nos anos pós-Guerra e durante a Guerra Fria, ver BERGHETTO, Lorena. O pesadelo comunista amea-ça o Ocidente. o anticomunismo nas Revistas Seleções do Reader’s Digest. 1946-1960. Dissertação de Mestrado. 152 f. PPGHis. UFPR. Curitiba, 2004 e para a construção de uma imagem sobre a América Latina pelo mesmo periódico, ver JUNQUEIRA, Mary A. Representações Políticas do Território Lati-no-Americano na Revista Seleções. Revista Brasileira de História, SP, v.21, n.42, 2001, p.323-342.

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da literatura com revistas de grande circulação – e mais ainda uma revista como a Revis-

ta Seleções – pode ter levado a uma subestimação da presença de revistas no acervo de

Rosa, em vista dos testemunhos de amigos e parentes sobre seu gosto por revistas de

grande aceitação. O fato de não serem colecionáveis pode ter contribuído também para

que não existam mais exemplares na biblioteca. Rosa “com o mesmo interesse que lia

os clássicos, divertia-se com as histórias de suspense do Mistério Magazine de Ellery

Queen, revista de grande aceitação publicada pela antiga Editora Globo, que circulou no

Brasil nos anos 50/60”.25

Por fim, registramos o conjunto de periódicos colecionados pelo escritor, segun-

do o fichário da Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros. Destacamos a coleção

irregular da revista Seleções e de números da Revista Brasileira de Geografia, do Insti-

tuto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Entre outros periódicos colecionados

por Rosa, os dois títulos acima são emblemáticos de um ponto de vista que organiza a

biblioteca do escritor segundo critérios temáticos e gráfico-editoriais. Seleções de Rea-

ders Digest e a Revista Brasileira de Geografia se destacam pelo conteúdo da forma

gráfica. Enquanto a Seleções exprime uma iniciativa editorial estritamente pensada para

transmitir seus textos de maneira visualmente agradável, visando a celeridade da leitura

útil do homem moderno que não perde tempo, a Revista Brasileira de Geografia era

uma iniciativa editorial que incorporava correntes do pensamento geográfico do país, e

assim o fazia de forma visual atraente, provavelmente ciente da premissa de que o terri-

tório do país se unificava pela unidade visual de sua composição gráfica.

A imagem, a fotografia e o desenho são características de grande parte dos livros

da biblioteca. O argumento de que esse fato não é particular a Guimarães Rosa, que é

natural que haja livros com essas características em sua biblioteca, em função do estado

da arte da indústria editorial brasileira - que, desde seu boom nos anos 1930, teria cada

vez mais incorporado a ilustração aos livros - pode ser rebatido se se levar em conside-

ração o argumento que vamos sustentando aqui: os livros da biblioteca de Rosa habitu-

am-no a um país que pode ser cada vez mais conhecido pelos olhos e cuja mensagem de

si mesmo se organiza em torno de imagens tanto quanto de palavras. Os livros e revistas

ilustradas da biblioteca de Rosa sugerem que sua época histórica disponibiliza para a

imaginação da comunidade Brasil um componente imagético em larga profusão, do que 25 Lembranças de João Papai Beleza. Entrevista com Agnes Guimarães Rosa. Revista do Livro, Biblioteca

Nacional, ano 14, n.45.

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podem ser expressão os livros de literatura de Rosa publicados pela Livraria José

Olympio Editora.

O estudo da obra literária e artística de Guimarães Rosa talvez se enriqueça se

observarmos sua biblioteca como que indicando uma tradição que passa a conviver com

novos modos com que os textos são transmitidos no Brasil de meados do século XX.

Num contexto de proliferação de textos, uma biblioteca não apenas visa à conservação

mais completa do escrito e nem se restringe a ser, como o arquivo, aquilo que recolhe “a

poeira dos enunciados que se tornaram inertes”, permitindo o eventual resgate de uma

história (FOUCAULT, 1997, p.149). Uma biblioteca pode ser entendida como um arte-

fato no qual seu proprietário se identifica e pelo qual classifica e atribui significado a

uma realidade social “constituída, pensada, dada a ler” num universo de muitas leituras

possíveis.

A biblioteca conformaria uma relação com uma história de vida, individual ou

coletiva, cuja inteligibilidade se verificaria “numa cultura textual identificada aos obje-

tos que transmitiram” (CHARTIER, 2002, p120). A biblioteca de Rosa supõe que o

escritor não se distanciou da inteligibilidade de uma cultura textual organizada em li-

vros. O historiador Roger Chartier defende a inteligibilidade de uma cultura textual, de

suas metáforas, “representações mentais” e “operações intelectuais” desenvolvidas pelo

Ocidente em dezoito séculos a partir de um elo essencial entre texto e vida ligado “a

uma forma particular de livro: o códex”, com o que conclui: “nenhuma ordem dos dis-

cursos é, de fato, apartável da ordem dos livros que lhe é contemporânea” (CHARTIER,

1999, p.106).

Analisar Guimarães Rosa é identificar como o escritor acabou por articular o co-

nhecimento do sertão a suas viagens e a uma interlocução feita através de livros, verifi-

cando como colocou viagens e livros no centro de seu projeto artístico, literário e di-

plomático. Em meados do século XX brasileiro e mundial, incrementados por técnicas

editoriais modernas, pelo progresso dos transportes e das comunicações, a biblioteca de

Rosa ofereceu-lhe temas e conteúdos sobre o Brasil vividos em suas viagens e desen-

volvidos segundo preceitos e procedimentos – textuais e visuais - derivados das ciências

etno-geográficas do século XIX e incorporados a instituições geográficas a que Rosa se

ligou durante a vida no século XX. Viagens, procedimentos, preceitos e instituições cuja

história veremos a seguir.

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Capítulo 2

Livro, literatura e os muitos sertões do mundo

Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas – e só essas poucas veredas, veredazinhas!

(Riobaldo)

As viagens de Guimarães Rosa parecem se vincular às iniciativas de conheci-

mento e interiorização do Brasil realizadas desde o século XIX e que evoluem, ao longo

do século XX, para o grande movimento de constituição progressiva de campos de sa-

ber folclóricos e etnográficos que tiveram amparo, reconhecimento e institucionalização

com a criação, nos anos 1930/1940, de órgãos governamentais geográficos como o Ins-

tituto Brasileiro de Geografia e Estatística - o IBGE - e o Conselho Nacional de Geo-

grafia, o CNG. Do IBGE, pode-se dizer que, dentre suas atribuições principais, estavam

as de realizar trabalhos cartográficos e divulgar a cultura geográfica brasileira (PENHA,

1993, p.19). É importante conhecer o histórico de viagens para o interior do Brasil nos

dois séculos para, uma vez verificado o caráter dessas viagens e como suas motivações

e paradigmas se modificaram, lançarmos luz sobre a literatura de Rosa e seu diálogo

com os intérpretes do Brasil.

O tema dos sertões inventado pelos documentos coloniais ganhou incremento

com as viagens naturalistas após a Independência em 1822, mas elas não derivaram da

constituição de um Estado nacional, para o que colaborava profundamente a escravidão.

Em 1889, o fim da escravidão e a República passaram a exigir a definição de um Estado

que pudesse ser nacional, em torno do que seria preciso conhecer o território para iden-

tificá-lo a uma comunidade de identidade a ser criada. Continuava ali uma longa procu-

ra - e agora uma reflexão - sobre o “ser brasileiro” a que a literatura de Guimarães Rosa

acabou por oferecer uma interpretação em forma de figuração literária.

A dicotomia homem artificial do litoral e homem autêntico do sertão foi chave

de leitura que marcou a produção artística e intelectual brasileira ao longo do século

XX. Aquela dicotomia operou como recurso de encontro do país com suas próprias raí-

zes e seu povo, em torno do que os sertões ganharam visibilidade em grande produção

editorial iconográfica. No final do século XIX - ainda não ligada a um movimento na-

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cional que se agrupasse sob o nome de “Etnografia” e nem sob a missão institucional de

órgãos geográficos, como o que virá a ser quatro décadas depois o IBGE – algumas via-

gens já eram conhecidas pelo caráter de serem viagens que não tinham como objetivo

precípuo o conhecimento do território e do homem brasileiro, embora acabassem cum-

prindo a função de dar a conhecer o Brasil aos brasileiros.

No Brasil, o registro do episódio de Canudos no fim do século XIX, as entradas

civilizatórias pelo sertão do Marechal Cândido Rondon nos anos 1910, as iniciativas

higienistas dos médicos do Instituto Oswaldo Cruz nos anos 1920, entre outros, conti-

nuam com as viagens etnográficas de Mário de Andrade nos anos 1920 ao Norte e sua

política de patrimônio em 1935, e com a criação do IBGE em 1938. Os anos 1950 vão

conter, ainda, as imagens do Brasil em revistas de grande circulação, como O Cruzeiro

e Manchete.

É importante verificar como o homem rural esteve conotado na história da inter-

pretação brasileira e marcar - em função do diálogo que Rosa manteve com os livros de

intérpretes do Brasil – suas diferenças com relação ao que a literatura rosiana acabou

por propor como percepção do homem rural brasileiro. Num tempo de grandes trans-

formações no capitalismo mundial e das certezas abaladas pelas grandes guerras e cri-

ses, o mito antigo da terra-mãe recuperava a força de topos fundamental num longo mo-

vimento de valorização da vida rural e do folclore no fim do século XIX. A evolução

dessas práticas e atividades no primeiro Brasil republicano - de cuja história talvez seja

emblema a viagem de Euclides da Cunha a Canudos - também viria como resposta a um

mundo percebido em dissolução e com perspectivas sombrias, em que pairavam o fan-

tasma de guerras e destruições e o enigma de territórios desérticos e misteriosos, com

populações percebidas como extra-humanas, fora do registro da civilização e da racio-

nalidade científica ocidental, então em voga.

Motivadas por um movimento de revalorização das tradições populares, as ex-

cursões brasileiras seguem numa rota de valorização das culturas rurais informada por

uma fratura da história brasileira entre sertão e litoral, inaugurada na história da inter-

pretação do Brasil por Capistrano de Abreu, no começo do século XX, e dramatizada no

mesmo momento histórico pelo relato candente de Os Sertões. Não propriamente inven-

tado por esses autores, o tema dos sertões vai ser fixado pelo drama que Euclides da

Cunha dava a ver das populações do Brasil interior, alheias aos benefícios da ciência e

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dos progressos da civilização técnica. As primeiras décadas do período republicano bra-

sileiro estiveram marcados por um processo de revalorização da cultura rural no contex-

to de construção das nações modernas, processo executado no Brasil como valorização

do sertão e dos territórios vazios e despovoados a serem integrados ao projeto republi-

cano.

Atravessada pela força dos discursos sobre raça que naturalizam as diferenças

sociais nos primeiros vinte anos do século, a elaboração sobre o Brasil, pouco a pouco,

cede lugar às discussões em torno de aspectos de civilização que o país poderia oferecer

no concerto geral das nações. Os anos 1930 marcam o advento da discussão sobre as

diferenças sociais entendidas como resultado de formações históricas e culturais diversi-

ficadas dentro do território.

Como já tivemos oportunidade de dizer, a biblioteca de Rosa contém livros so-

bre as populações rurais no Brasil no registro dos Estudos de Folclore e Etnográficos.

Sem ser etnógrafo e folclorista, o escritor, e mesmo alguns de seus personagens, encar-

nam métodos e técnicas ligadas à pesquisa etnográfica. E as tradições do hinterland

brasileiro estão no arquivo de Rosa magnificamente guardadas pelas duas únicas séries

completas de cartas que o escritor manteve com seus dois principais correspondentes no

sertão, seu pai e o amigo Pedro Moreira Barbosa, e pelo “Caderno do Zito”, caderno de

nota que lhe foi dado pelo vaqueiro-poeta Zito na viagem de 1952 ao sertão de Minas.

Homem que busca conhecer o sertão do país perseguindo-o e viajando-o, à ma-

neira do etnógrafo, compondo fontes eruditas universais com a épica sertaneja, Rosa

ajuda a registrar dados sócio-culturais componentes de um fundo cultural comum que

integra o país na sua ficção de comunidade imaginada, num país em franca urbanização

nos anos 1940/1950, onde o leitor das cidades tem novas expectativas da literatura e da

arte em geral, e onde a indústria já é mais importante que a atividade agrícola.

No curso desse grande movimento de interiorização, ocupação e registro do Bra-

sil, a literatura de Rosa e suas viagens vão surgir, e se desenvolver, no mesmo momento

histórico em que se organizam no Brasil as entidades estatais que coordenam e lançam

diretrizes sobre as viagens, instituindo a prática de viajar como conhecimento sistemáti-

co e científico do território, o que, nas condições brasileiras de desenvolvimento da in-

dústria editorial em meados do século XX e de um mercado internacionalizado de artes

plásticas, acaba por tornar o sertão motivo de escrita e de visualização, fixando e regis-

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trando tipos, costume e aspectos. Livros teóricos sobre artes plásticas e grande coleção

de catálogos de museus visitados na Europa e no Brasil explicam a educação do olhar e

a inserção de Guimarães Rosa numa epistemologia pela visualização, incorporada na

tradição da Etnografia e das Viagens do século XX, que não podem prescindir da má-

quina fotográfica e dos desenhos dos lugares visitados, associados aos textos que escre-

vem o Brasil interiorizado.

A literatura de Rosa parece ligar-se, então, ao conhecimento da geografia e das

populações do sertão tomadas como condição conceitual para a elaboração de uma co-

munidade delimitada por um território físico e humano – que significa não só descobrir

e conhecer, mas também atribuir-lhes significação e sentido. Porém, antes, as viagens

de Rosa ao interior do Brasil – suas “excursões geográfico-literárias”, como ele mesmo

dizia – devem ser examinadas na perspectiva de identificar pontos de contatos e dife-

renças com relação às viagens naturalistas e cientificistas dos séculos XIX e às “missões

civilizadoras” do século XX.

2.1 - Escrever, desenhar, fotografar, viajar: interpretação social, literatura e ciên-cias do homem nos séculos XIX e XX

Investigando autores, idéias, iniciativas e objetos na história do pensamento e da

literatura, alguns estudiosos ofereceram sugestões pertinentes para o exame da literatura

rosiana, vista sob a perspectiva das leituras tomadas como integrantes de um diálogo de

Rosa com livros do debate social no Brasil. Mesmo que analisando os paradigmas e as

motivações que informaram o patrocínio de viagens no Brasil em períodos que não fo-

ram os das viagens de Rosa, alguns autores deixaram linhas de percepção e elementos

de comparação importantes para que possamos perceber a relação da literatura de Rosa

com suas viagens e sua condição diplomática.

Território em grande parte desconhecido, irregularmente ocupado, objeto-terra

gigantesco incipiente em viagens de conhecimento, o interior do Brasil já havia sido

objeto de interesse, no século XIX, do expansionismo europeu junto às jovens nações

recém-emancipadas da condição de colônia. A partir da abertura dos portos no Brasil

em 1810, o país se transformou “num vasto campo de interesse para a investigação das

ciências naturais” européias, que para aqui mandaram expedições “impulsionadas pelo

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universalismo ilustrado dos fins do século XVIII e posteriormente fortalecidas pelo mo-

vimento romântico de redescoberta da natureza” (GOMES, 2005, p.96).

Naturalistas e viajantes percorreram o território brasileiro, escrevendo sobre há-

bitos e costumes das populações exóticas que encontravam, e desenhando as paisagens

do território tomado como natureza paradisíaca. De suas expedições no século XIX,

formou-se um conjunto de matrizes textuais e visuais decisivas “na formação de um

olhar” sobre o Brasil. (...) Com seus relatos e representações pictóricas de paisagens, tipos e costumes genuinamente brasileiros, naturalistas e paisagistas europeus forjaram uma imagem exuberante e promissora do Brasil, com a qual escritores, cientistas e políticos locais puderam se identificar em sua busca incessante de marcas in-confundíveis de brasilidade, no contexto histórico de constituição da nação brasileira após-1822 (MARTINS COSTA, 2008, p.325).

As representações cartográficas feitas por profissionais da Comissão Geológica

do Império foram analisadas pela historiadora Maria do Carmo Gomes. As representa-

ções cartográficas dos territórios, ao longo da segunda metade do século, ganharam le-

gitimidade na corrente “da emergência e da institucionalização da Geografia como ciên-

cia” (GOMES, ibidem, p.17). A autora articula esse grande movimento internacional de

reconhecimento e inventário a muitas das iniciativas desenroladas no Brasil, como as

viagens de Frederich Hartt, Orville Derby, Gorceix, e a atuação da Comissão Geológica

do Império, de breve história, mas o suficiente para deixar “vasto legado de artigos pu-

blicados, registros fotográficos e desenhos das regiões”. A autora assinala ainda que a

prática de visualização não era exclusividade do Império Brasileiro, e menciona a cria-

ção do Serviço Geológico Americano em 1879, quando então “praticamente todo o Oes-

te americano estava mapeado, fotografado, descrito geograficamente e representado

artisticamente (...)” (GOMES, ibidem, p.104).

Desde a descoberta da América, o imaginário europeu recobrira de conotações

etnocêntricas o novo continente - referindo-se à “uma concepção de história e da huma-

nidade” que o condenava à barbárie – com o que defendia a suposta superioridade da

civilização do Velho Continente. A premissa serviria para a reflexão da Europa sobre si

mesma ao longo dos séculos, e as viagens do século XIX ao Brasil reiteravam a procura

de uma essência humana com que se pudesse medir o grau civilizatório europeu, para o

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que a cultura dos povos descobertos tornava-se testemunha de um tempo anterior à ex-

periência de vida civilizada (MURARI, 1999). O mundo do Novo Mundo seria o con-

traponto de autenticidade ao artificialismo do Velho Mundo. Identificando ao ideário

romântico europeu essa visão, que subtraía de história e cultura povos considerados

“primitivos”, a historiadora Luciana Murari (ibidem) indaga se a intelectualidade brasi-

leira já no século XX não teria legado os aportes teóricos europeus por uma perspectiva

que idealizava o Brasil como essência e originalidade.

Em consonância com a percepção idealizada do Brasil – que confirma a idéia

correlata de que a distância preserva tradições e modos de ser de regiões isoladas da

descaracterização do mundo moderno identificado ao artificialismo –, importa o estudo

do processo de interiorização do país por suas viagens, haja vista que alguns conteúdos

e temas da vida brasileira firmados por aquelas viagens conformaram durante muito

tempo o repertório de temas e abordagens com que intérpretes analisaram as condições

de modernidade e de civilização do país.1 A relação de Rosa com os intérpretes do Bra-

sil se dá na interseção das leituras do escritor - que compartilhou com vários autores

leituras de viajantes e naturalistas - com as leituras de brasileiros que, a partir do perío-

do republicano, continuavam a viajar para o interior do país.

Alguns autores que estudam as interpretações do Brasil fazem-no procurando a

relação das idéias de intelectuais e artistas brasileiros com as idéias de teóricos euro-

peus. Percorrendo a evolução da percepção do país num corpo integrado de escritos e

reflexões, os autores retrocedem a análise ao século XIX para chegarem até as três pri-

meiras décadas do século XX, sistematizando os conceitos que informavam os princí-

pios de um pensamento nacionalista em arte, cultura e política. A retrospecção ao pas-

sado tem o fim de identificar heranças e enraizamentos de textos literários e projetos

artísticos nos mesmos princípios em que se enraizaram textos políticos e culturais.

Em sua biblioteca, Rosa guardou os livros Viagens aos planaltos do Brasil:

1868 (1941), de Richard Francis Burton, Geologia e geografia física do Brasil (1941),

de Charles Frederick Hartt, os Diários de viagem (1944), de Francisco José Maria de

1 Segundo Octavio Ianni (1994), os autores da história do pensamento social brasileiro, na primeira meta-

de do século XX, sempre viveram o dilema de encontrar as “condições de realização” de nossa moder-nidade e os termos de elaboração da passagem dos mestiços e das raças para a condição de “povo” no longo processo de elaboração do nacional: a “questão do nacional”, como é comumente chamada pela literatura historiográfica.

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Lacerda e Almeida, Memórias sobre a paleontologia brasileira (1950), de Peter Lund,

Viagem ao Araguaia (1957), de José Vieira Couto de Magalhães, o Viagem ao interior

do Brasil: empreendida nos anos de 1817 a 1871 (1951), de Johann Baptist Emanuel

Pohl, e o Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas (1963) de Antonil. A

literatura de Rosa pode ser pensada a partir das rupturas e continuidades de seu projeto

literário com relação a projetos anteriores, no que tange a concepções diferenciadas de

Brasil, de política, arte, viagens, literatura e natureza.

Também o tema da natureza nos textos interpretativos e literários é motivo de

análise quando se avança para os autores do século XX. Balizar a distinção entre Arte e

Pensamento – e perceber como a relação entre elas é percebida ao longo do tempo - é

fundamental, na medida em que a análise da literatura de Rosa pode encontrar interfaces

entre o texto interpretativo e o literário, sem distorcer o princípio estético primeiro que

informa o trabalho de arte.

Mesmo não estudando Guimarães Rosa e sua literatura, a historiadora Luciana

Murari e a antropóloga Lygia Segala oferecem elementos importantes para o exame do

olhar que teria lançado o escritor em direção à natureza brasileira, quando comparado

com o olhar de artistas e intérpretes brasileiros sobre a natureza em momentos históricos

distintos do de Rosa.

Analisando os “impasses da intelectualidade do país na virada do século XX”,

Luciana Murari (1999) destaca balizas analíticas de que lançaram mão Roberto Ventura

e Antônio Cândido. Já a propósito do romantismo brasileiro, Antônio Cândido destacara

um persistente “exotismo” no terreno das letras, como se tivéssemos de encarar a nós

mesmos como se fôssemos estrangeiros (CÂNDIDO, 1981ª apud MURARI, ibidem).

Ao procurar uma definição para o “estilo nacional nas letras brasileiras”, Roberto Ven-

tura (1991, p.39 apud MURARI, ibidem) cunha o termo “auto-exotismo” com que os

intelectuais acreditavam encontrar o novo no país, especialmente quando estava em

questão a “natureza tropical, rica fonte de imagens capazes de simbolizar a singularida-

de brasileira” (MURARI, ibidem, p.47). Postulando a aproximação do tema da exube-

rância da natureza brasileira ao pensamento nacionalista no período republicano, Lucia-

na Murari identifica que nacionalismo e exotismo fazem parte de uma mesma equação.

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(...) A relação entre nacionalismo e exotismo é uma temática que, acreditamos, pode iluminar algumas das singularidades da literatura e, de modo geral, da cultura brasileira, desde o movimento romântico, especialmente quando está em questão o olhar do escritor em direção à base física e natural do país (MURARI, 1999, p.47).

A representação do nacional na literatura brasileira teria lançado mão do tema da

exuberância da natureza tomada como compensação à falta de cultura e atraso social do

país.

Analisando o projeto do Brasil Pitoresco, de Charles Ribeyrolles e Victor Frond,

publicado em 1861, a pesquisadora Lygia Segala indica o que pode ser um ponto de

dissidência entre análises quando se trata de verificar a impregnação de princípios não-

artísticos em textos de arte. A autora assegura que o princípio político da viagem ro-

mântica “em torno de um mundo mítico primordial americano” (SEGALA, 1998, p.63)

está figurado pela fotografia como fundante da credibilidade científica, mas sugere que

– numa outra leitura – o Brasil Pitoresco pode ser visto como “representações” e “qua-

dros”. Para a autora (ibidem, p.79), ali “não há uma naturalização da paisagem, mas

uma invenção estética do país”.

Sobre um dos viajantes existente na biblioteca de Rosa, o canadense naturaliza-

do americano Charles Hartt - também desenhista e pintor – Marcus Vinicius de Freitas

constatou que o viajante subordinou a pintura e o desenho a seu trabalho de naturalista e

escreveu textos onde “há um profundo apelo pictórico” (FREITAS, 2002, p.113). Lidos

por Rosa, certamente buscados como fontes de apelos textuais, e provavelmente pictóri-

cos, os materiais produzidos pelos viajantes foram fontes da criação literária rosiana,

sobre a qual devemos verificar se há aproximações e afastamentos com relação aos ar-

tistas e pensadores do Brasil desde o romantismo até o nacionalismo das primeiras dé-

cadas do século XX.

A análise da literatura rosiana e das motivações que o escritor teria encontrado

no diálogo com as interpretações do Brasil deve considerar as condições históricas que

modificaram, em meados do século XX, os termos do debate sobre o país e as ressigni-

ficações que antigos conceitos e noções sofreram devido à mudança da realidade histó-

rica ao longo do tempo. A partir dos anos 1930, a Geografia brasileira vai ganhar um

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impulso sem precedentes. O movimento das idéias etno-geográficas ganha corpo insti-

tucional vigoroso no século XX.2

Se a literatura de Rosa se realizou num momento histórico diferenciado do de-

senvolvimento do mundo moderno, de seus impactos no Brasil – facilitando viagens e

modos de registro de populações interiores - ela, no entanto, se encontra no entrelaça-

mento – talvez, no aperfeiçoamento – das possibilidades de conhecimento sistemático

do Brasil inaugurado nos anos 1930. O surgimento e a consolidação de ciências e sabe-

res como a Geografia, a Etnografia, o Folclore, a História e as Ciências Sociais, pouco a

pouco, repercutem nos processos de criação e consagração de produtos artísticos nas

realidades nacionais.

Somadas ao secular bloco de notas e aos desenhos feitos, in loco ou não, por via-

jantes e pesquisadores, essas ciências e saberes vão se consolidando a base de um novo

dispositivo para o conhecimento: a fotografia. Essa não se reduz a mero instrumento de

trabalho. Concretizando o acesso visual a territórios e populações, a fotografia – cujos

liames com o secular recurso imagético do desenho são notórios - abala e modifica pos-

tulados e crenças seculares, oferecendo novos termos com que são organizadas a ocupa-

ção e a fixação das populações em seus territórios e a ocupação de territórios novos a

serem explorados. Ao pincel do desenhista-paisagista do século XIX, aos poucos a via-

gem incorpora a fotografia como recurso inestimável que dava a ver as populações visi-

tadas.

O contexto de crescimento da Geografia brasileira vai se cruzar com o início da

trajetória de escritor de Guimarães Rosa, associado em 1945 à Sociedade Brasileira de

Geografia, ocasião em que vão surgir diversos periódicos e livros ilustrados de caráter

etno-geográfico, facilitados pelo crescimento e diversificação da indústria editorial bra-

sileira. Alguns desses periódicos ilustrados pelos mesmos artistas que desenhavam para

2 Esse movimento não se desarticulava de iniciativas européias. Em Paris, em 1821, era criada a Socieda-

de de Geografia de Paris, cujo objetivo declarado era construir o progresso da Geografia, encorajando viagens de exploração e de descoberta, e sustentando trabalhos e publicações geográficas. A história da Sociedade de Paris é emblemática da segunda metade do século XIX. O período foi marcado por muitas viagens de exploração e o desenvolvimento da fotografia ia se tornando instrumento importante para o acesso visual a esses mundos desconhecidos. Eram viagens solitárias de exploradores, missões diplo-máticas, científicas e militares. Em Anvers, em 1871, acontecia o Primeiro Congresso Internacional de Geógrafos, embora tenha sido só em 1919 a criação de um Conselho Internacional de Pesquisa para propor um organismo internacional que articulasse as atividades geográficas no mundo, do que resultou a criação, em Bruxelas, em 1922, da UGI – a L’Union Géographique Internationale. Na corrente de tal fato, recrudesciam as primeiras tratativas para a criação de um órgão central de planejamento geográfi-co no Brasil.

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os próprios livros literários de Rosa são guardados pelo escritor dentro de sua bibliote-

ca.3

A 20 de dezembro de 1945, no discurso de posse como sócio junto à Sociedade

Brasileira de Geografia, o escritor vibrava ao contar sua “excursão de férias” ao rio

Paraopeba e à Gruta de Maquiné, pouco antes, tendo em mãos a Revista Brasileira de

Geografia. Fartamente ilustrada e fotografada, veículo de divulgação das ações e inicia-

tivas governamentais para o conhecimento e mapeamento do território nacional, a revis-

ta servira de referência para Rosa fazer seu discurso. E o escritor o fez se reportando ao

artigo da revista que levara a campo quando da viagem, saído na edição de abril-junho

de 1941, A Gruta de Maquiné e os seus arredores, de Guaíra Heberle. Para falar da be-

leza da região de Cordisburgo com suas grutas e paisagens, Rosa confessa o “óculo de

ampliação” através do qual se deslumbrara com a natureza: (...) Dois dias depois estava eu visitando em Cordisburgo – o meu torrão inesque-cível – a maravilha das maravilhas, que é a Gruta do Maquiné. E, aqui, con-fesso, muita coisa se revelou a mim (...) desta vez, eu trazia comigo um ins-trumento precioso – bússola, guia, roteiro, óculo de ampliação: o trabalho que devemos a minuciosa operosidade, ao sentimento poético, à capacidade cien-tífica e ao talento artístico do meu saudoso amigo Afonso de Guaíra Heberle: o reconhecimento topográfico A Gruta de Maquiné e os seus arredores. Deu-se a valorização da estesia paisagística, graças às lições da ciência e da erudi-ção. Prestígio da Geografia!4

Rosa exultava com a matéria de Guaíra Heberle, geógrafo e desenhista exímio,

colaborador da revista. Entre outras ilustrações, o artigo continha, em desenho desdo-

3 A Sociedade Brasileira de Geografia continuou a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, criada a

25 de fevereiro de 1883, e inspirada na congênere francesa, a Société de Géographie de Paris. Seus ob-jetivos se “direcionavam para a organização dos espaços nacionais” e seus membros estavam imbuídos de contribuir para resolver o problema do “atraso atávico” do país, conhecendo o território brasileiro, lacuna que ficou maior em meio ao contexto de isolamento e desconhecimento do território no fim do século XIX do surgimento da República. Sua transformação em Sociedade Brasileira de Geografia em 1945 revela a implicação dos geógrafos da Sociedade no processo de criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, nos anos 1930, e a diversificação dos canais institucionais com que, pouco a pouco, as práticas de excursão ao território brasileiro vão deixando de ser amadoras e isoladas para se tornarem práticas governamentais por órgãos que são especificamente geográficos. Os dados sobre a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro são de CARRIS CARDOSO, Lucilene P. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: práticas e iniciativas na consolidação do conhecimento geográfico. Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH) – 26ª reunião – Julho de 2006. s.p.

4 Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, Tomo LII, 1946, Rio de Janeiro, Brasil, p.96-97. A seção de posse foi a 20 de dezembro de 1945. A citação exata do artigo de Heberle na revista de que Rosa se utiliza é: Revista Brasileira de Geografia, 1941, v.3, n.2, abr.-junho, 1941. p.270-317. O trecho é frag-mento do discurso de posse de Guimarães Rosa na Sociedade Brasileira de Geografia.

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brável de cinco folhas, um bico de pena de Cordisburgo, registrando, em primeiro pla-

no, as residências, a igreja, a escola, o prédio da prefeitura, para alcançar o fundo da

paisagem recortada pela silhueta da montanha que resguardava a cidade como um pare-

dão de pedra. Cor, música, beleza e exuberância se anunciavam como itens inexpugná-

veis da elaboração que a literatura de Rosa vai depois fazer do Brasil. E indicam como a

imagem, o desenho – mediados pela publicação - fazem ver a natureza como grande

poema. E completa o escritor no mesmo discurso de posse: (...) Ainda agora, faz menos de uma semana, acabo de regressar de uma excursão de férias, extenuante, mas proveitosa, realizada apenas para matar saudades da minha região natal e para rever velhos poemas naturais de minha terra mi-neira. Quanta beleza! Ávido, fiz, num dia, seis léguas a cavalo, para ir con-templar o rio epônimo – o soberbo Paraopeba – amarelo, selvagem, possante. O ‘cerrado’, sob as boas chuvas, tinha muitos ornatos: a enfolhada capa-rosa, que proíbe o capim de medrar-lhe em torno; o pau bate-caixa, verde-aquarela, musical aos ventos; o pau-santo, coberto de flores de leite e mel; as lobeiras, juntando grandes frutas verdes com flores roxas; a bolsa de pastor, branca-centa, que explica muitos casos de “assombrações” noturnas; e os barbati-mãos, estendendo fieiras de azinhavradas moedinhas (...)5

Um quadro de palavras para se ver com os olhos, que tem com o desenho de

Guaíra Heberle na revista um atributo semelhante: a beleza da paisagem, lida e vista nas

páginas de revistas de Geografia, onde os desenhos e as fotografias são recursos que

completam as descrições por palavras, mesmo dando a ver com mais detalhes o que as

palavras não conseguem captar. Viagens ao interior, ao pays profond Brasil como ex-

cursões etnográficas de campo, realizadas ou não, fotografadas, desenhadas, conjugam-

se com certa prática geográfica em que a imagem equivale a colocar o Brasil como num

quadro, em arte. Sua literatura vai preencher de sentido o sertão como categoria de aná-

lise e de percepção do país, assim como vai oferecer ao país o espetáculo de sua nature-

za traduzido em poesia da palavra e da imagem e a virtude da sabedoria dos homens que

ali habitam.

Se os blocos de notas estão presentes em todas as viagens, com o desenrolar dos

anos a pintura vai sendo substituída pelo recurso da fotografia, ou convivendo com o

desenho, com a imagem. O incremento da Etnografia desenvolve o desejo de viajar para

fotografar, e a máquina fotográfica transforma-se em recurso heurístico para o conheci- 5 Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, loc.cit.

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mento das populações, captadas e guardadas em séries e em arquivos disponíveis para a

sistematização de um conhecimento científico específico. Criadora de acervos de notas

e de registros imagéticos de povos e regiões longínquas, e associada a uma prática etno-

geográfica, a fotografia também vai aguçar e fornecer material para a imaginação literá-

ria. A experiência histórica brasileira de que Guimarães Rosa vai se nutrir – seus livros

da biblioteca não deixam dúvidas, a nosso ver – corresponde a uma, digamos, nova fase

de interiorização do país, que vai modificar os processos de levantamento, registro, nar-

ração e publicação de dados e as premissas que informavam os motivos das viagens e os

conceitos sobre as populações interiores a serem conhecidas.6

A análise da literatura de Rosa pode investir na observação da capacidade do es-

critor de evitar o nacionalismo cultural como medida de liberdade criativa de sua litera-

tura, sem desprezar, porém, o fato – atestado por seus livros da biblioteca – do naciona-

lismo cultural que impregna a perspectiva de muitos autores da intelectualidade brasilei-

ra do século XX com quem interage.

A valorização do folclore como fundamento de autenticidade já tinha seu lugar

na história brasileira desde Silvio Romero, de quem Rosa guardou o seu O Folclore

Brasileiro, em três volumes publicados pela Livraria José Olympio Editora em 1954,

anotado por Câmara Cascudo e ilustrado por Santa Rosa. Silvio Romero investia nos

Estudos Folclóricos, recolhendo e estudando cantos e contos populares brasileiros. Os

folcloristas aplicavam então procedimentos e métodos das primeiras noções e idéias

derivadas das incipientes ciências lingüísticas e antropológicas brasileiras.

6 A história das motivações de viagens para o interior articuladas a momentos de resgate da cultura rural

como autenticidade e amálgama identitários não se restringe ao Brasil. A “ruralidade” como motivo ar-tístico foi estudado por Heliane Bernard na história da França. A autora pesquisou a produção pictorial francesa dos anos 1920 a 1955 e constatou que a cena rural era preponderante na produção de artistas plásticos. A autora estudou as representações para encontrar o papel de homogeneização cultural da vi-da rural, num período da história européia de profundas transformações – meios de comunicação e transporte, nacionalismos, internacionalismo – onde os discursos mais arcaicos baseados na ruralidade foram reatualizados. Também os arquivos fotográficos da Farm Security Administration, a FSA, nos Estados Unidos, foram a iniciativa americana que visava mobilizar o sentimento nacional abalado de-pois da Crise de 1929. Os fotógrafos da FSA se espalhavam pelo país, registrando o mundo rural, “co-mo resposta à fragmentação do território, unindo todas as suas partes pela fotografia”. Segundo Jean Kempf, os americanos marcavam o território, fixando “o real instável e heterogêneo” na coleção da FSA.Ver: KEMPF, Jean. Posséder/Immobiliser: L’Archive photographique de la Farm Security Admin-istration. Revue Française d’Etudes Americaines [Photographie Américaine: L’archive et le rêve.] vol. XIV, n.38, février 1989. p.45/56 e BERNARD, Heliane. La terre toujours réinventée. La France rurale et les peintres 1920-1945. Une histoire de l’imaginaire. Lyon: Presses Universitaires de Lyon (PUL), 1990. 340 p.

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Já nas primeiras décadas do século XX, as bases de uma “língua nacional dos

brasileiros” foram motivos para escritores e intelectuais recuperarem as particularidades

regionais do país incorporando para tal o folclore, provérbios e costumes populares,

conforme demonstra a historiadora Eliana de Freitas Dutra ao verificar a atuação da

intelectualidade brasileira pelas páginas do Almanaque Garnier (DUTRA, 2005, p.120).

O procedimento de endossar a procura de identidades regionais já era corrente quando

Mário de Andrade, em Macunaíma, publicado em 1928, vai fazer do motivo popular,

totalmente assumido como de extração folclórica, objeto e estímulo de sua criação artís-

tica e intelectual.

Nos anos 1930, Mário de Andrade, Renato Almeida e Oneyda Alvarenga, entre

outros, realizam pesquisas de tipo folclórico em viagens, e já com motivação de caráter

etnográfico, onde as viagens etno-musicológicas de Mário de Andrade ao Norte podem

ser mencionadas como exemplares. Guimarães Rosa tinha de Mário de Andrade: La

musica y la cancion populares en el Brasil (1942), Contos Novos (1947) e O Empalha-

dor de Passarinho (s.d). De Oneyda Alvarenga, Musica popular brasilena (1947) e de

Renato Almeida guardou três títulos: História da Música Brasileira (1942), Fausto –

Ensaio sobre o problema do ser (1951) e Compêndio de história da música brasileira

(1948). O movimento de viagens ao território brasileiro estimulado pela fixação do inte-

resse por áreas de conhecimento como a Etnografia e o Folclore, antes não sistematiza-

das em livros, manifesta-se nas marcas dos livros na biblioteca de Guimarães Rosa: (...) a fixação do maxixe foi feita pelo compositor Ernesto Nazareth, em páginas magníficas e de um grande sabor pianístico, com certa influência de Chopin. Desse compositor disse Villa-Lobos que é a verdadeira encarnação da alma popular brasileira, e se não o podemos incluir entre os músicos eruditos, a sua obra não tem também a vulgaridade da música popularesca (ALMEIDA, 1948ª, p.85 - Trecho marcado por Rosa).

As viagens de Euclides da Cunha, Rondon e Roquette-Pinto, as viagens sanita-

ristas dos agentes do Instituto Osvaldo Cruz, as incursões de Mário de Andrade pelo

Norte do Brasil a procura de registros etnográficos, dão conta, em poucos exemplos, de

um tempo de excursões incipientes pelo país, depois definitivamente instituídas pelos

órgãos geográficos - quando então serão mobilizados técnicos e recursos profissionais

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metódicos, de escrita e visualização, fixados no bojo de uma nova fase de desenvolvi-

mento da ciência geográfica brasileira. No acervo de Mário de Andrade, revistas alemãs

de fotografia assinadas depois de 1924, ensinam-lhe que “a máquina é a companheira

inseparável do viajante e de todos que empreendem pesquisa de campo etnográficas e

etnológicas” (LOPEZ, jul-dez.2005, p.13).

Muito do material analítico sobre o Brasil utilizado por Guimarães Rosa parece

se fundamentar em abordagens etno-geográficas da história do país, que será visto sob

uma perspectiva artística. Na tradução francesa de Grande Sertão:Veredas, Mario Var-

gas Lhosa escreve um prefácio, Epopéia do sertão: torre de Babel ou manual de Sata-

nismo?, onde diz como conheceu Guimarães Rosa em Nova Iorque em 1966. Após fa-

zer observações sobre “uma personalidade estranha, enigmática, sofrendo de uma aler-

gia faulkneriana a entrevistas (...)”, o escritor Vargas Lhosa o caracteriza como “escri-

tor, médico e diplomata, [que] teve também tempo de ser um erudito, especialista em

geografia, em esoterismo e em botânica” (ROSA, 1991, p.12).7 A caracterização de Ro-

sa como um “especialista em Geografia” sugere-nos sua literatura – em especial seus

livros do “tempo das boiadas” – como livros de cultura geográfica, revalorada no Brasil

num momento histórico de sua institucionalização no fim dos anos 1930, quando Rosa

decide ser escritor literário e – embora ainda não publique - já escreve seu primeiro li-

vro.

No processo de institucionalização da Geografia no Brasil, a Sociedade de Geo-

grafia do Rio de Janeiro teve papel saliente e demonstra a vinculação entre os primór-

dios da geografia brasileira e o movimento de institucionalização da Geografia no plano

internacional. A Sociedade teve papel importante na promoção de congressos de Geo-

grafia até a primeira metade do século XX no Brasil, sempre pleiteando a criação, junto

ao governo, de uma cadeira de Geografia Física nos cursos universitários. Nos anos

1930, terá papel importante na criação do IBGE.

Em 1931, a Sociedade participou do Congresso de Geografia de Paris, ocasião

do primeiro contato da Geografia brasileira com a Union Géographique Internationale,

a UGI. O geógrafo francês Emanuel De Martonne, então presidente da entidade, vem ao

7 O prefácio é Épopée du sertão: tour de Babel ou manuel de Satanisme? Os trechos assinalados aqui são

[(...) une personnalité étrange, énigmatique. Souffrant d’une allergie toute faulknérienne aux interviews (...)” e “écrivain, médecin et diplomate, eut aussi le temps d’être um érudit, spécialiste em géographie, en ésoterisme et en botanique (...)]. Os trechos estão à página 11.

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Brasil dois anos depois, num lance político importante para incentivar a criação de um

grande instituto geográfico no Brasil. A visita do geógrafo De Martonne e o interesse da

institucionalização da Geografia por geógrafos brasileiros resultaram em facilitar a en-

trada no país de Pierre Defontaines, Pierre Mombeig, Francis Ruelam, geógrafos fran-

ceses que colaborariam com a criação, nos anos 1930, dos cursos acadêmicos de Geo-

grafia e História brasileiros e a criação de uma comunidade nacional de geógrafos. (...) A armação de um aparato institucional dedicado a essa disciplina data da dé-cada de 1930 com a organização de cursos universitários de Geografia no Rio de Janeiro e em São Paulo (1934), a normatização da disciplina no ensino bá-sico de alguns estados: a fundação da Associação de Geógrafos Brasileiros (1935), a criação pelo Estado, do Conselho Nacional de Geografia (1937) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1938). Tais fatos interliga-dos, rapidamente conformam uma comunidade de geógrafos no Brasil (MO-RAES, 1991, p.171).

Os anos 1930 e 1940 brasileiros são uma época de desenvolvimento da Etnogra-

fia ligada às ações do ensino universitário, o que redunda na valorização indireta do

Folclore, mesmo que os estudos folclorísticos tenham de ficar anos buscando a sanção

do conhecimento científico e não consigam sua institucionalização no ensino universitá-

rio.8 Os estudos de Folclore no Brasil, as tradições populares e folclóricas, identificadas

ao elemento rural e sertanejo, têm a guarida de campos de conhecimento como a Geo-

grafia e a Etnografia, impulsionadas nos anos 1930 e 1940, que organizam e sistemati-

zam o conhecimento do território e da população nacionais. O livro Etnias e Culturas

no Brasil, publicado em 1956, é um dos livros da biblioteca de Guimarães Rosa onde

podem ser encontradas informações sobre o desenvolvimento dos Estudos Etnográficos

no país: (...) Com o desenvolvimento da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, mesmo da Economia entre nós, os estudos etnográficos vão se aperfeiçoando, abrindo novas perspectivas, seja em relação a problemas dos grupos indíge-nas ou negros, seja em relação a problemas dos grupos imigrados, seja ainda quanto à fixação e integração dessas diversas correntes de imigração, anali-sando e pesquisando sobre sua participação na vida regional. Os Estudos Et-nográficos, sobretudo com os cursos das Faculdades de Filosofia, podem ter,

8 Para as tentativas de institucionalização ao longo dos anos 40/50 brasileiros, e suas contendas com as

Ciências Sociais, ver CAVALCANTI & VILHENA (1990) e VILHENA (1997).

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e já vão tendo, rumos mais adiantados, ou menos empíricos (DIEGUES JÚ-NIOR, 1952, p.17).

É dos anos 1930 e 1940 no Brasil a criação e consolidação de um sistema de re-

conhecimento do território pelo Estado Novo que sofistica os instrumentos de informa-

ção estatística sobre as riquezas nacionais, a população e as atividades econômicas. O

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, e as associações de geógrafos

instituem de vez a prática das excursões de caráter científico metódico, e tornam natural

o procedimento da viagem para se ver ao vivo. A revista do órgão, a Revista Brasileira

de Geografia, a RBG, criada em 1939, é publicação informativa e palco de debates de

idéias e correntes geográficas dentro do instituto, assim como publicação divulgadora

dos resultados das excursões por textos quase sempre repletos de fotografias e desenhos.

Em 1943, o instituto geográfico, associado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-

ro, o IHGB, produziu uma coletânea das ilustrações da Revista Brasileira de Geografia,

publicadas numa edição especial de 99 páginas como contribuição às comemorações do

centenário de criação do instituto histórico do Uruguai.9 Para Abrantes, o IBGE fazia

parte de um sistema nacional de Estado: (...) Desde a sua criação foi sensível à implantação dos métodos de pesquisa utili-zados por geógrafos estrangeiros, tais como excursões de estudo que consti-tuíam uma prática consagrada entre as mais conhecidas instituições e socie-dades geográficas internacionais, pela possibilidade de observação in loco (ABRANTES. s.d., p.5).

A criação de órgãos geográficos e de associações de geógrafos vai na corrente de

viagens mais sistemáticas ao interior do Brasil concebidas como encontro com suas tra-

dições, e métodos e procedimentos de campo geográfico, etnográfico e folclórico vão se

cruzar nas práticas de atuação do órgão. O IBGE faz pesquisas de campo, enquetes de

terreno com fotógrafos e desenhistas e produz mapas e publicações ilustradas de divul-

gação do conhecimento da terra e de suas populações.

A fotografia era utilizada como forma de documentar as regiões estudadas e as

excursões resultavam em vários artigos publicados na Revista Brasileira de Geografia. 9 Arquivos – Revista bimestral. Serviço de Documentação. Ministério da Educação e Saúde. Ano I. n.1,

jan.fev. 1947. Seção Vultos da Geografia do Brasil.

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Entre o final da década de 1940 e o início da década seguinte, o IBGE contratou

os primeiros fotógrafos profissionais, três húngaros recém-chegados ao Brasil – Tibor

Jablonzski, Tomas Sonlo e Istivam Faludi. Tibor Jablonszki havia sido técnico de cine-

ma e instrução secundária em seu país de origem, e produziu, segundo a pesquisadora

Vera Abrantes, cerca de 7.000 registros imagéticos sobre o Brasil entre 1957-1960. O

empreendimento editorial Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – 1957 e 1964 - um

total de 36 volumes ricamente ilustrados para cada município brasileiro – afirma a po-

tência do corpus de documentos sobre o país com forte apelo à visualização de seus

espaços físicos e geográficos. (...) o regionalismo materializado no próprio mapa que traçava as regiões geográ-ficas do país era base de um novo nacionalismo que compreende o Brasil como formado por uma multiplicidade de elementos naturais, étnicos, eco-nômicos e culturais que constituíam sua grandeza (CASTRO GOMES, 2002, p.180 apud. ABRANTES, s.d).

O doutor instruído da cidade, eu-personagem a quem Riobaldo fala e de quem

inveja a “suma doutoração” em Grande Sertão:Veredas, é um escritor que fotografa.

Ele viaja pelo sertão de jipe e carrega uma máquina fotográfica, informação feita pelo

autor ao leitor de maneira discreta, quase imperceptível, cifrada. (...) Mas Medeiro Vaz não se achava, os nossos, dele ninguém não sabia bem. Tocamos, fim que o mundo tivesse. Só deerrávamos. Assim como o senhor, que quer tirar é instantâneos das coisas, aproximar a natureza. Estou enten-dido (...) (GSV, p.52 - grifo nosso).10

O doutor do romance não deixa de ser um emblema, o do novo caráter das via-

gens do século XX com relação às viagens naturalistas do século anterior, e ajuda a re-

flexão de que a literatura de Rosa da Livraria José Olympio Editora reatualiza a herança

do movimento etnográfico-geográfico do século XIX. Legada pelos livros que lê, essa

herança será modificada na literatura de Rosa nas condições históricas de meados do

século XX e com todos os recursos de artes disponibilizados ao trabalho criativo. 10 Gostaria de agradecer à professora Márcia Marques de Morais, que me chamou a atenção para o fato.

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As viagens são operadores que dão acesso a espaços de realização da atividade

literária numa época em que conhecer o Brasil é percorrê-lo, ir a suas gentes nativas,

valorizando-as. As viagens são operadores do acesso aos livros, do acesso às obras esté-

ticas, fazendo ver o Brasil por suas imagens que são obras de arte que configuram um

olhar sobre o país – lido/visto por Rosa mediado pelo paisagismo dos viajantes do sécu-

lo XIX, pelo paisagismo assinalado em Os Sertões e de outros livros e revistas através

dos quais vê e lê o Brasil. As viagens são operadores que conduzem às fontes visuais e

textuais pelas quais o Brasil pode ser encontrado. Como Quixote – para quem a vida

deve ser como nos livros – nas atividades de Guimarães Rosa - que supunham o escritor

visitar o Brasil - talvez o Brasil fosse como está nos livros, e as viagens são, por isso,

práticas literárias, tentando fazer a realidade ser como as belas paisagens humanas e

naturais que estão nos livros que lê e vê, ou nos seus próprios livros literários – que são

livros para serem vistos, livros de palavras que desenham imagens, ou de desenhos que

induzem às imagens de lugares percorridos, ou a percorrer.

Senão a semelhança, pelo menos uma breve analogia com as transformações de

pautas e matrizes literárias em intercâmbio com o desenvolvimento das ciências etno-

geográficas na Europa pode ser feita.

A historiografia européia sobre a relação fotografia e viagens identifica o fim do

século XIX como momento de afirmação da “geografia de ilustrações”, de Vidal de La

Blache, enquanto que, para o período Entre-Guerras, a produção historiográfica se dedi-

ca aos viajantes-escritores, que são também viajantes-escritores-etnólogos. Victor Sega-

lem, André Gide, Henri Michau Leiris e Nicolas Bouvier viajaram na primeira metade

do século XX pela China, África, América do Sul, como o fez Lévi-Strauss pelo Brasil.

A grande lição da Etnografia tal como ela se impôs no século XX foi, como entende

Gérard Cogez, “insistir sobre a necessária presença no local de quem pretende escrever,

sob qualquer forma que ela seja, sobre um lugar e suas características geográficas, cul-

turais, políticas e humanas (...)” (2004, p.22). A relação entre fotografia e literatura está

mediada pelo ato de viajar, que de alguma maneira se liga ao fato de que a “catalogação

das culturas do mundo” fornece à atividade literária um tipo de material que existe entre

a fronteira da palavra e da imagem, do livro e da máquina fotográfica, artefatos que vão

registrar, catalogar e fazer ler e ver aquelas culturas.

Porque, quando inventada, a fotografia fascinara os espíritos.

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Ao longo dos séculos XIX e XX, a atividade literária também seria modificada

pela evolução da fotografia e encontraria material abundante de criação no corpus de

conhecimento produzido pelas novas ciências do homem. A fotografia, uma “cultura da

imagem”, prolonga no século XIX um movimento que já havia começado no século

XVIII com a expansão da gravura e da litografia. A invenção vai abalar o imaginário

dos escritores no século XIX, e a difusão dos “panoramas”, a partir de 1820, já inaugu-

rara uma “estética pré-fotográfica das vistas” (ORTEL, 2002). Marcel Proust vai escre-

ver sob o impacto do ritmo narrativo da fotografia em movimento - o cinema - e a reali-

dade da expansão do dispositivo fotográfico vai obrigar a muitos escritores redefinirem

mesmo suas regras e conteúdos de enunciação (ORTEL, ibidem.).

O processo de incorporação da fotografia como registro etnográfico do século

XIX parece ter disponibilizado um conjunto de temas, motivos e cenários que, a partir

de então, ligavam os relatos sobre os territórios às imagens que se tinham deles, ou que

os escritores imaginavam que tinham. Pouco a pouco, as viagens vão criando um reper-

tório de temas e de motivações que enseja motivos literários. Na Europa, há uma grande

descoberta dos países do Oriente, da Pérsia, com escritores que fotografam, com fotó-

grafos que não escrevem, mas cujas fotografias servem de plataforma de textos literá-

rios. Interessa-nos averiguar a relação que a literatura – diríamos: uma vontade de es-

crever que tem a fotografia como coadjuvante da composição criativa – estabelece com

as imagens dos novos mundos descobertos e inventariados e, além, como o processo de

constituição das nações pode se beneficiar de certo cotejo que é possível cada vez mais

se fazer entre si mesmo e os outros através dos novos relatos – textuais e visuais – cada

vez mais produzidos.

Em 1851, Máxime Duchamp, um escritor que fotografava, lançava o primeiro

livro francês ilustrado de fotografias: Egypte, Nubie, Palestine et Syrie, nascido de uma

viagem que fez ao Oriente entre 1849 e 1851 com Gustave Flaubert. Para Marta Carai-

on, os anos 50 do século XIX, no tempo da invenção da fotografia, é o começo da con-

figuração do que chama de um “imaginário fotográfico” (CARAION, 2003, p.13).11

Os escritores-fotógrafos vão modificar o funcionamento literário do texto, incor-

porando a fotografia, o que inauguraria uma nova representação. As noções essencialis-

11 Rosa guardou em sua biblioteca Lettres d’un voyageur (extraits) par George Sand, da Baronesa Dude-

vant Aurore Dupin (1946) e Voyages (1950), livro de relatos de viagens de Victor Hugo.

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tas que denunciam a literatura como “fotografia da realidade” devem ser relativizadas,

como as idéias de incompatibilidade literatura/fotografia, texto/imagem. Muitos escrito-

res extraem do texto fotográfico sua incitação ao imaginário, já que, mesmo que docu-

mente, a fotografia incita ao sonho e à imaginação. Os textos recebem do registro e das

coleções iconográficas material de criação que provém dos movimentos de viagem.

A literatura de Rosa se nutre dos textos de viajantes que estiveram no Brasil du-

rante o século XIX e de viajantes que percorreram o Brasil, a partir das viagens do sécu-

lo XX, numa torrente de excursões que fixou procedimentos novos de registro da popu-

lação e procedimentos sistemáticos de viagens, tomadas agora como “excursões de ter-

reno”, termo emprestado da ciência etno-geográfica em fase de institucionalização no

Brasil. O processo histórico que agrupou idéias e atividades que redundaram na consti-

tuição da Etnogeografia na Europa e no Brasil no século XX, com a incorporação paula-

tina da máquina fotográfica, não deixou alheia a tradição literária, que encontrou temas

narrativos nos acontecimentos e nas viagens de conhecimento de territórios amparados

pela pintura e o desenho, depois pela pintura e o desenho combinados com a chapa fo-

tográfica.

A literatura de Rosa acabou por se organizar em viagens que percorreram o Bra-

sil no século XX, em meio ao que passou a fazer suas próprias viagens pelo país. Via-

gens mediadas por materiais textuais e iconográficos guardados em sua biblioteca e po-

tencializados por um tempo de irrupção na vida coletiva brasileira de uma cultura geo-

gráfica institucionalizada, onde havia forte interferência da comunidade de geógrafos na

produção e divulgação de uma “nova imagem do país” e de diversos materiais que da-

vam a ver e a ler o Brasil.

2.2 - As viagens de Rosa – viagens no papel, nos livros e na vida

Animadas por um movimento de interiorização, as viagens de Guimarães Rosa

foram “o contato com a terra, sons e odores [que] serviam de impulso à atividade literá-

ria” (MARTINS COSTA, 2008, p.313).

Nos anos 1930, as viagens de Guimarães Rosa são as de médico e de diplomata.

Viagens ao interior de Minas e sua primeira viagem consular regular a Alemanha.

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Depois de formado, em 1931, Rosa mudou-se para Itaguara, no interior de Minas

Gerais, onde exerceu a Medicina se deslocando em pequenas viagens para atender paci-

entes em cidades vizinhas. Já no final dos anos 1920 e em 1930, Rosa já traduzira arti-

gos científicos e produzira artigos literários para jornais e revistas.12 Segundo a filha

Vilma, os anos vividos em Itaguara já teriam sido importantes para a criação literária do

pai, visto que o médico “colecionava [os acontecimentos cotidianos], anotando as ter-

minologias dos seus ditos e falas” (ROSA, 1983, p.302).

As viagens como médico são significativas pelo que demonstram da incipiência

do projeto literário de Guimarães Rosa, mas o que fez a carreira do escritor literário

deslanchar foi sua mudança de condição profissional.

Ainda no interior de Minas Gerais, o médico Guimarães Rosa pouco a pouco vai

exprimindo sua vontade de fugir da “vida árdua e desagradável que se leva: chamados à

noite, chamados imprevistos, intrigas de colegas (é a classe mais desunida que existe)”,

como diz em carta ao amigo Pedro, alegando que raramente há uma “satisfaçãozinha

intelectual de um diagnóstico bem feito”. Rosa revela que só está satisfeito “no terreno

das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos”. Ao amigo Pedro Barbo-

sa, de Paraopeba – cidade vizinha a Cordisburgo – anuncia, no início de 1934 - como já

assinalamos - sua nova ambição, para o que pede “absoluto sigilo”: a de ser diplomata.

Na mesma carta, Rosa faz aconselhamentos ao amigo Pedro – “nada de casar

com conterrâneas, nem muita inclinação pelas Propebas [sic] – a vida está nas metrópo-

les”13 – solicita que lhe providencie alguns livros de Direito Público Internacional e

começa uma fase de estudos que redunda na realização do concurso para a carreira di-

plomática, em que se classifica em segundo lugar e toma posse do cargo de cônsul de 3ª

classe em agosto do mesmo ano. Nesse instante, o já diplomata parece perceber que está

no lugar adequado para o exercício regular de sua carreira de escritor literário. Em nova

carta ao amigo, desabafa:

12 Em outubro de 1928, traduz o artigo A organização Científica em Minas Gerais, do professor Alemão

O. Quelle, no Jornal Minas Gerais; em dezembro de 1929, O mistério de Highmore Hall, na revista O Cruzeiro. No ano de 1930, em fevereiro escreve Makiné, em O Jornal, e em junho e julho escreve Ca-çadores de Camurças e Chronos Kai Anagke (Tempo e Destino), ambos para a revista O Cruzeiro.

13 Carta a Pedro Barbosa. 20 de março de 1934. Caixa 4, Arquivo João Guimarães Rosa no Museu Casa João Guimarães Rosa (MCGR- Cordisburgo-MG). “Propebas” é forma coloquial de Paraopeba.

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(...) Penso que encontrei ainda a tempo a minha verdadeira vocação. Pretendo se-guir o curso de Direito, especializar-me em Direito Internacional e em lín-guas eslavas, escrever alguns livros de literatura e ver o mundo lá fora14 (gri-fo nosso).

A condição de diplomata que poderá viajar e ver o “mundo lá fora” se liga a

possibilidade de “escrever alguns livros de literatura”, ligação marcada pelo próprio

discurso do escritor. A associação livros de literatura, exercício da diplomacia e viagens

“ao mundo lá fora” vai agregar, com o passar dos anos, viagens regulares ao sertão bra-

sileiro, ao “mundo lá dentro” – para jogar um pouco com as palavras do próprio escri-

tor. O exercício da diplomacia como condição para a escrita de livros de literatura pare-

ce significar uma inflexão no percurso de sua carreira de escritor, em que as viagens são

como que atos constitutivos da atividade literária, favorecidas pelo contato progressivo

com sujeitos e instituições sociais vinculados diretamente ao ato de viajar.

Nunca é demais lembrar que, quando Rosa está chegando ao Ministério das Re-

lações Exteriores, em 1934, há um contexto de idéias e movimentos que, como vimos

antes, resulta na criação do Conselho Nacional de Geografia, o CNG, do Instituto Bra-

sileiro de Geografia e Estatística, o IBGE - órgãos ligados ao Ministério das Relações

Exteriores - e no surgimento da Associação de Geógrafos Brasileiros, a AGB, entidade

associativa representante de geógrafos no país. Suas viagens podem indicar uma vonta-

de informada pelas viagens instituídas pelos órgãos públicos e associações profissionais

ligadas à Geografia Brasileira ao longo dos anos 1930, pelo que Rosa teria se interessa-

do como fundamento de seu conhecimento do Brasil.

É importante fixar que os textos literários de Guimarães Rosa anteriores a sua

entrada no Ministério ainda não haviam encontrado os “livros de literatura” que a car-

reira diplomática poderá favorecer a partir do ingresso no Itamaraty, o que aconteceria a

partir do momento em que o escritor reunisse as condições para se pôr em contato com

o universo de cidades e de metrópoles em que sua literatura iria se realizar, afinal – co-

mo ele mesmo afirmava - “a vida está nas metrópoles”.

A crítica literária de há muito sabe que Guimarães Rosa escreveu estórias serta-

nejas destinadas a leitores de cidades de uma época de modernização do Brasil de mea- 14 Carta a Pedro Barbosa. 13 de agosto de 1934. Caixa 4, Arquivo João Guimarães Rosa (MCGR-

Cordisburgo-MG).

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dos do século XX. O pesquisador Willi Bolle (dez.fev.1997-1998, p.29) analisa a situa-

ção narrativa de Grande Sertão:Veredas como forma “de diálogo entre campo e cidade”

e menciona que Mary Lou Daniel, estudiosa e correspondente de Rosa, descobrira que o

romance teria sido concebido como “a primeira parte de uma obra em duas partes, a

segunda das quais ia ser intitulada Grande Sertão:Cidades” (DANIEL, 1968, p.9).

Os textos de Rosa dos anos 1929 e 1930, provavelmente, não são percebidos pe-

lo escritor como literatura, porque eles não estão em livros e suas viagens sistemáticas

ao Brasil e ao mundo não começaram.

A partir do momento em que se torna diplomata, Rosa tem as condições propí-

cias para fazer viagens que estão no centro de suas atividades literária e diplomática.

Associada às metrópoles e ao livro – não mais em revistas e jornais - articulando o Bra-

sil com o mundo, as cidades com o sertão, as viagens vêm conferir à literatura rosiana

um caráter de viagem para conhecimento profundo da cultura brasileira requerido pela

atividade diplomática e figurada segundo textos e livros de literatura em constante troca

com outros textos e livros em circulação na sociedade. Procurar o “sentido dos textos”

de Guimarães Rosa talvez seja tomá-los como “o resultado de uma negociação ou tran-

sações entre invenção literária e os discursos ou práticas do mundo social que buscam,

ao mesmo tempo, os materiais e matrizes da criação estética e as condições possíveis de

sua compreensão” (CHARTIER, jan.dez.2000, p.1).

Porque se o escritor, digamos, “saiu para sempre” de Cordisburgo aos 10 anos de

idade, ele voltaria ao sertão à medida que os livros de sua biblioteca o ajudassem a

compor o sertão imaginado, muito mais o sertão como região histórico-cultural do que

região natural. O sertão não era necessariamente Minas e Cordisburgo: o sertão de Rosa

também foi Mato Grosso e o Pantanal, Goiás, Bahia, o “Norte”.

As viagens diplomáticas começam em agosto de 1938, quando Rosa é nomeado

cônsul-adjunto na Alemanha, onde permanece até maio de 1942. Depois de breve pas-

sagem por Lisboa, em junho – onde convive com o pintor Cícero Dias - é removido para

a embaixada brasileira de Bogotá, onde fica até julho de 1944. Em 1945, retornava ao

Brasil, ao Rio de Janeiro, como chefe de gabinete do Ministro das Relações Exteriores,

João Neves da Fontoura.

É nesse momento que começam suas viagens para dentro do Brasil nos anos

1940, e que se seguem com viagens importantes nos anos 1950. Em carta de Paris ao

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amigo Pedro, a 27 de janeiro de 1949, lamenta que não encontrará mais o amigo no Rio

de Janeiro quando estiver de volta ao Brasil, mas planeja com ele excursões: (...) Eu, confesso, passarei a ter mais saudade de vocês, parecer-me-á que estão mais longe, que terei perdido algo de importante, para quando voltar ao Rio, daqui a não sei quantos anos. Enfim, como você virá por aqui, e como minha próxima estada no Brasil será, em grande parte, dedicada às nossas excursões geográfico-literárias, no interior do grande Estado, tudo está bem (...) (grifo nosso).15

“Excursões geográfico-literárias”. Naquele momento, Guimarães Rosa formula-

va uma chave de leitura, sob cuja perspectiva suas viagens ao interior podem ser anali-

sadas

A viagem a Minas em dezembro de 1945 se fez acompanhar de um fato funda-

dor que a qualifica em sua carreira: a publicação de Sagarana, quatro meses depois,

1946. A categoria “publicação de livros” com que Rosa articula viagens e carreira di-

plomática está se concretizando no cruzamento dos fatos da publicação de seu primeiro

livro literário, do fluxo estabelecido de suas viagens diplomáticas e da primeira viagem

regular a Minas para “penetrar de novo naquele interior nosso conhecido, retomando

contato com a terra e a gente”. A viagem está comentada com o pai em carta de novem-

bro do mesmo ano, 1945, e pelas palavras de Rosa vê-se que a iniciativa da viagem se

vincula à vontade de dedicação a um projeto de literatura: (...) passarei 5 dias aí em Belo Horizonte, seguindo para Vila Paraopeba (de ôni-bus) – Três Barras – Cordisburgo (a cavalo) e regressando de trem, mas sem demorar em Belo Horizonte (...) [preciso] aproveitar a oportunidade de pene-trar de novo naquele interior nosso conhecido, retomando contato com a terra e a gente, reavivando lembranças, reabastecendo-me de elementos, enfim, pa-ra outros livros que tenho em preparo. Creio que será uma excursão interes-sante e proveitosa, que irei fazer de cadernos abertos e lápis em punho, para anotar tudo que possa valer, como fornecimento de cor local, pitoresco e exa-tidão documental, que são coisas muito importantes na literatura moderna (ROSA, 1983, p.159/160).

Na viagem, Rosa foi ao rio Paraopeba e visitou a região da Gruta do Maquiné,

em Cordisburgo, da qual retirou o motivo para o discurso de posse que fez na Sociedade 15 Todas as cartas com o amigo Pedro Barbosa mencionadas aqui pertencem ao Fundo JGR do Museu

Casa de Guimarães Rosa, Cx.4.

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Brasileira de Geografia, pouco depois da viagem. Com o desenho de Guaíra Heberle na

revista de Geografia que Rosa vai levar para servir de guia de viagem, a região e a natu-

reza – a dizer: o sertão - começavam a ganhar contornos de arte pela mediação da ima-

gem impressa na revista. A região física de Guimarães Rosa nos princípios de sua litera-

tura – e depois ao longo dela - estará preenchida de cor e significado geográficos medi-

ados por revistas e livros de Geografia sobre o território brasileiro consultados pelo es-

critor.

Após essa primeira viagem, Rosa realizou outra viagem que se tornaria emble-

mática dentro do processo de construção de sua obra, além de motivo e assunto para

conversas com o pai: em 1947 foi ao Pantanal e a cidades do Mato Grosso, onde conhe-

ceu o vaqueiro Mariano - na companhia de quem conhece o Pantanal - e com quem di-

zia ter aprendido “muito da alma dos bois”.

Dessa viagem, resultaram o conto Sanga Puytã e a narrativa Entremeio com o

Vaqueiro Mariano, publicado no Correio da Manhã, em 1947 e 1948, em três partes.16

O texto Entremeio com o Vaqueiro Mariano provocou do ministro Bernardino José de

Souza palavras de “alta admiração” e, em carta de 24 de fevereiro de 1948, - provavel-

mente escrevendo seu livro O Ciclo de Carro de Bois no Brasil – o ministro solicitava a

Rosa o esclarecimento de algumas palavras e lamentava apenas que a narrativa não

trouxesse um “vocabulário explicativo”. Uma semana depois, Rosa responde a Bernar-

dino afirmando-lhe ser seu “leitor número 1”, revela que muitas palavras da narrativa

haviam sido inventadas e criadas por ele, e, ao mesmo tempo, arrisca esclarecer algu-

mas outras palavras que escutara “do nosso povo” e de Mariano.

No ano de 1952, Rosa fez outras duas viagens, uma a Bahia e outra a Minas Ge-

rais, viagens que entraram diretamente em seus livros e que foram “trabalho de campo”

para recolher dados com que escreveu Grande Sertão:Veredas e Corpo de Baile. A 2 de

abril de 1952, informa ao amigo Pedro Barbosa do plano da excursão a Minas, em carta

que é também um exercício de texto literário. (...) Meu caro Pedro Foi bom você ter escrito, pois as saudades já estavam “pendoando” e “cache-ando”. Mas, que inveja! Mês e meio nas Pindas, nas Pindas P’r’opebanas, pá-

16 O texto Com o Vaqueiro Mariano se transformou em livro em 1952, pela editora Hipocampo.

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tria do meu bem-querer. (Pra trabalhar, não! Mas o papo-p’r’o-ar no capinzi-nho à sombra de árvore, o banho-de-corgo, o foguinho de sabugos de milho, à noite, no curral, a contemplação da bezerrada cheirosa, o canto dos pássa-ros-pretos, a comida gostosa, os doces)... Aqui está, porém, minha revanche: ainda este mês, estou planejando com o Chico Moreira (que aqui está, vindo comprar um jeep) uma excursão até à fa-zenda da Sirga, seu posto de recria à beira do São Francisco. De lá, em lombo de cavalo, rústica e autenticamente, que nem vaqueiro velho, virei, ajudando a tanger uma boiada, por 40 léguas e 9 dias, até sua sede, Fazenda São Fran-cisco, em Araçaí. Que tal?! Daqui, irei de ônibus até Belo Horizonte, lá pas-sando um dia e tocando logo para Três Barras e fazenda do Chico. Você não gostaria de fazer junto parte da viagem? Da São Francisco a da Sirga, iremos de jeep. E lá, naquelas terras, entre os buritizais, dizem que está havendo muita oportunidade boa para loteia-e-incorpora e etc. Logo que a data for fi-xada, darei aviso a você; pelo menos nos veremos aí em Belo Horizonte (...) (sublinhados e aspas de Guimarães Rosa).

A 15 de julho de 1952, escreve carta ao pai informando-lhe da excursão que fez

a Bahia com Assis Chateaubriand para esperar o presidente Getúlio Vargas. (...) O passeio à Bahia, sim, esse foi notável. Em Caldas-do-Cipó, pude ver reuni-dos – espetáculo inédito, nos anais sertanejos e creio mesmo que em qualquer parte – cerca de 600 vaqueiros autênticos, dos “encourados”: chapéu, guarda-peito, jaleco, gibão, calças, polainas, tudo de couro, couro de veado mateiro, cor de suçuarana. Como o senhor deve ter lido, lá compareceram vaqueiros de vários estados, e de quase todos os municípios baianos onde há criação de gado, do curraleiro (pé-duro) bravo das caatingas. Fui com Assis Chateaubri-and, que é o rei dos entusiastas, e tive de vestir também o uniforme de couro e montara [sic] cavalo (num esplêndido cavalo paraibano), formando uma “guarda vaqueira” que foi ao campo de aviação receber o Presidente Getúlio Vargas. A mim coube “comandar” os vaqueiros de Soure e de Cipó. Depois, o desfile foi brilhante. (...) Aprendi muita coisa (ROSA, 1983, p.171).

Suas viagens não se restringem aos sertões do Brasil e o entendimento das cultu-

ras se dá através de um espaço de trocas.

Muitas vezes, em seus roteiros internacionais, Rosa faz suas viagens com o pen-

samento no Brasil. Em carta a Pedro Barbosa, a 16 de novembro de 1948, de Paris, o

escritor convida o amigo para passear na Europa, viajar pela Itália ou outra parte, ver as

belezas daquele “mundo rico de belezas”, o que vai lhe fazendo compreender as belezas

de seu próprio país. (...) Acho bom você vir em maio, ou junho. A coisa vale a pena. Inclusive, deixa-ria para gozar férias nessa ocasião: a gente ia à Itália, de automóvel (já estou de Chevrolet em punho) ou a outra parte, e você irá ver mundo, mundo cheio,

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mundo rico de belezas – se bem que, para mim, nada como uma cadeira-de-pano, no alpendre de sua casa, na Paraopeba, com uma chuvinha, comida gostosa, lá dentro, um carro-de-bois cantando, cheio de lenha preta, e a vista dos carandás e dos coqueiros, molhados e verdes, longe.

E o escritor acrescenta ao lado na margem da folha de papel pequeno desenho

com uma casa e árvores embaladas por delicada paisagem para dizer da Fazenda das

Pindaíbas, de Pedro Barbosa, em Paraopeba. E em duas novas cartas ao amigo, agora já

em abril e julho de 1949, relata duas outras viagens a – digamos - outros sertões do

mundo, incitando Pedro a viajar, a sair de Paraopeba. A 12 de abril, conta a viagem que

fizera em fevereiro a uma pequena cidade, Chamonx, da Alta Savóia, e o que vira dos

hábitos e costumes dos camponeses em uma casa que visitara.

(...) Um dia, visitei uma casa de camponeses. As vacas (3) ficam todo o inverno dentro do estábulo, e duas estavam com bezerrinhos. O estábulo é dentro da casa de morada. Quando o pessoal se senta à mesa, para comer, está vendo, ouvindo, cheirando as vacas. Um encanto. (...)

A 19 de julho, relata um quase-acontecimento - talvez emblemático da máxima

“o sertão é o mundo” cunhada por Rosa um dia. (...) E, por falar nesses, veja que coisa trivial é hoje-em-dia uma viagem: por pou-co, e eu estaria agorinha mesmo regressando de uma ida que resolvi dar de avião e etc, até à África Equatorial. Até onde? Kano, na Nigéria britânica; Fort Lamy, ao sul do lago Tchad; Fort Archambault, mais para baixo; tudo às costas de aeroplano da Air France. E, depois, de caminhão, 400 kms, até Bangui, no coração do Continente Preto, encostado no Congo Belga... para tomar parte em caçadas de elefantes, leões, búfalos, gazelas e leopardos: ver o negro em estado puro, nas suas cubatas, plantando mandioca e falando lín-gua preta; assistir à macumba autêntica, com feiticeiros-mestres, sacerdotes; escutar o nascimento do samba, e os tam-tans de tambores à beira das gran-des florestas: saber o que é sol de verdade; enfim, para olhar mais um pouco deste mundo, do lado do avesso. Já estava com passagem tomada, mas tive de adiar a viagem, não por medo da mosca tse-tsé, nem das feras africanas, mas porque recebi aviso de que por lá estavam batendo chuvas danadas, daquelas de durar quinze dias e tentar Noé a levantar âncora. Com a herva alta e as chuvadas, a gente acabava não achando guia e nem vendo bicho nenhum, a não ser que estivesse lá o meu amigo Pedro Figueiredo, companheiro de mo-

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lhadas e lamacentas excursões às belas regiões de Alto Grande e beira Parao-peba. Por isso, deixei a história para novembro ou fevereiro (...)17

As viagens nunca foram abandonadas, mesmo que tenham ficado no papel.

A 23 de fevereiro de 1949, em carta de Paris, menciona ao pai que encontrou na

capital francesa um seu velho conhecido, e diz de uma viagem que ainda quer fazer:

descer o rio das Velhas de canoa. (...)

Eu, como sempre, trabalho muito, e, apesar de estar nesta cidade, tão ambi-cionada e disputada, sonho com o dia em que voltarei ao Brasil, daqui a 4 a-nos, para então tirar o meu ano de licença-prêmio e consagrá-lo a viajar pelo interior de Minas: descer o rio das Velhas em canoa, ir a Paracatu, e outras excursões. Agora, por exemplo, acha-se aqui em Paris o Dr.Mello Viana, que vai todos os anos caçar onças e outros bichos, naquela região paracatuana, e já me convidou para ir com o grupo, quando estiver no Brasil. Ele é extre-mamente inteligente, agradável e simpático, e conta-me passagens interessan-tes que me fazem lembrar as que Papai narrava, da Serra do Cabral, e que me deixavam com inveja. Espero que papai esteja bem melhor (...) Vou escrever ao Pedro Barbosa, pedindo-lhe para fazer chegar aí em casa uma quantia em dinheiro, por ajuda. Por falar nisso, antes de embarcar para aqui, enviei um conto ao papai pelo B.Hipotecário e não sei se recebeu. (...) Joãozito 18

E fazendo desenhos em cartas, no mesmo momento, a 16 de novembro de 1948,

escreve ao amigo Pedro – com quem imaginava fazer a viagem – indagando-lhe as con-

dições e a situação do plano: (...) Por mim, quase cada dia eu penso no nosso vasto plano de descer o rio. Vai estudando, indagando, Pedrão, Pedrinho. Já colheu informações de bons ca-noeiros, de boas praias para bivaque? (...)

Em 1955, quando Rosa assume a Chefia da Divisão de Fronteiras do Departa-

mento Político e Cultural do Ministério das Relações Exteriores e, em 8 de outubro de

1956 - já publicados os “livros de 1956” - diz a Pedro Barbosa que está “tentando pôr

17 Associar o “continente preto” ao “mundo do lado do avesso” é-nos intrigante. Parece-nos, de imediato,

metáfora fotográfica, figurando o “continente preto” como o contraste em negativo do positivo do filme fotográfico. Por outro lado, a carta não revela certa exaltação etnográfica pelo exótico da África? Rosa já passara por outra situação semelhante com relação ao continente africano como funcionário. Certo brasileiro estivera na África a passeio, ocasião em que fez filmes e fotografias. Ao voltar a Europa, tive-ra seu material retido pela polícia de imigração. O viajante interpela a embaixada brasileira. O fato é que Rosa esteve, como parte da tentativa de solucionar o problema, a pique de ter de ir a África, fato que ele comenta com o amigo Pedro em carta.

18 AJGR/IEB Série Correspondência – Sub-Série Correspondência Complementar. Cx. 01.

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uma excursão ao sertão, ao Alto Urucuia, com o Deputado Mário Palmério, mas será via

Uberaba, ainda dessa vez Belo Horizonte ficará ao largo e ao longe”.

Em 1958, avisava ao pai que fora promovido, e dizia isso com uma ponta de or-

gulho, já que a decisão partira do próprio presidente da República Juscelino Kubitschek

e havia sido “sem cavação nenhuma”. Mas uma promoção que coincidia com uma outra

viagem, repleta de simbolismo: para Brasília em construção. E em 17 de junho de 1958,

conta ao amigo Pedro que em julho terá de fazer uma viagem administrativa “a Belém

do Pará, à sede da 2ª Divisão da Comissão Brasileira de Limites”, e que estava regres-

sando de Brasília, onde passara uns dias. Em tom épico, afirmava: (...) Admirável aquilo por lá, impressionante. Parece coisa de russos, ou de ame-ricanos. Ali está incontestavelmente surgindo uma mentalidade nova, um vi-goroso espírito afirmativo, que espanta (...)

Também ao pai, a 5 de julho de 1958, Guimarães Rosa conta sobre a viagem.

(...)

No começo de junho estive em Brasília (...) Desta vez, não vi mais tantos bi-chos e aves, como da outra, em janeiro do ano passado — quando as perdizes saíam assustadas, quase de debaixo dos pés da gente, e iam retas no ar, em vôo baixo, como bolas peludas, bulhentas, frementes, e viam-se os jacus fu-gindo no meio do mato, com estardalhaço, e também veados, seriemas, e tu-do. Mas eu acordava cada manhã para assistir ao nascer do sol, e ver um e-norme tucano, colorido, belíssimo, que vinha, pelo relógio, às 6hs e 15’ co-mer frutinhas, durante 10 minutos, na copa alta de uma árvore pegada à casa, uma ‘tucaneira’, como por lá dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma das cenas mais bonitas e inesquecíveis da minha vida (...) (ROSA, 1983, p.186/187).

As viagens em 1945, 1947 e 1952 são distintas pelo que dizem da articulação da

viagem com a publicação de livros dentro do percurso da literatura, assim como pelo

que geraram de análises na crítica literária.

Se a viagem de 1945 é apenas mencionada, desconhece-se exatamente o que se

passou nela e dela ficaram poucos registros. A publicação de Sagarana, em 1946 – e a

associação entre viagens e livros de literatura – ganha outras nuances quando vista à luz

da criação do texto de Sagarana. O livro já estava escrito desde 1937 - “[escrevi] quase

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todo na cama, a lápis, em caderno de 100 folhas – em sete meses”19 - e era o resultado

de uma viagem imaginada, acompanhando uma boiada imaginária, mas não de uma

viagem real.

(...) Então, passei horas de dias, fechado no quarto, cantando cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de velha lembrança, “revendo” paisagens de mi-nha terra, e aboiando para um gado imenso. Quando a máquina esteve pronta, parti. Lembro-me de que foi num domingo de manhã.20

O livro não era o resultado de suas viagens profissionais - nem as viagens regu-

lares ao sertão, em atividade literária, nem à Europa em atividade diplomática – suas

viagens como diplomata só começariam no ano seguinte, em 1938. Não que Rosa não

quisesse começar naquele momento sua carreira de escritor. Em 1937, concorrera com o

Sagarana ao Prêmio Humberto de Campos, promovido pela Livraria José Olympio Edi-

tora, e conseguiu o segundo lugar. O título do livro era Sezão, mas - segundo declara o

próprio escritor anos depois - “para melhor resguardar o anonimato, pespeguei no carta-

pácio, à última hora, este rótulo simples: Contos [escritos] por Viator” (ROSA, 1983,

p.335). Por capricho do destino, Rosa iria perder o prêmio para o livro Maria Perigosa,

de Luiz Jardim, um dos futuros ilustradores de seus livros.

Escrito, mas não publicado. Sem o aval da publicação, Rosa teria de esperar o

ano de 1946 para se tornar um autor. E - como entendemos – teria de esperar que as

viagens diplomáticas e ao interior de Minas acionassem sua carreira de literatura. De

nada adianta escrever livros se eles não forem publicados. Guimarães Rosa confirmava

o fato de que “o que quer que possam fazer, autores não escrevem livros. Livros acima

de tudo não são escritos” (STODDARD, 1987, p.4).21 O livro Sagarana - escrito, mas

não publicado - em 1937, é iniciativa de uma época da vida de Rosa a que faltavam as

viagens e a publicação dos livros para transformá-lo num autor, fato que ele elabora

muitos anos depois. (...)

19 ROSA, Vilma Guimarães. Ibidem, p.334. 20 Trecho de texto escrito por Guimarães Rosa enviado a João Condé, e publicado no Suplemento Letras e

Artes em 21 de julho de 1946. Publicado em ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos. RJ: Nova Fronteira, 1983. p.334/335.

21 [Whatever they may do, authors do not write books. Books are not written at all.]

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Em Sagarana, eu era moço, voltado para fora. Tinha vindo de Minas e tinha saudades de Minas, extrovertia-me e paradoxalmente minha obra era uma re-cuperação de um interior perdido lá de Minas. Quando eu morava nesse inte-rior lá de Minas não pensava em escrever, nem tomar notas. Eu queria ir para o estrangeiro, queria viajar. Depois fiz concurso, vim para o Itamaraty, e quando cheguei aqui vi que estava segurada esta parte. Então a saudade de lá me puxou e escrevi Sagarana que é um livro voltado para o ambiente dessa coisa de lá, de Minas, de saudade, não é? (CAMACHO, 1978, p.163).22

A publicação de Sagarana em 1946 parece ser um dos fatores que faltava ao des-

lanche da carreira, atando as viagens de 1945, 1947 e 1952 como elementos de um pro-

jeto literário que articulava viagens e publicação com atividade de pesquisa. Em cartas

ao pai em 26 de março de 1947, pede-lhe que mande por escrito “quando tiver tempo”,

tudo que souber de estórias sertanejas e que “tiver força de verdade e de autenticidade”.

Palavras, “cantigas ou expressões sertanejas legítimas, ouvidas de caipiras nossos”, por-

que “estou escrevendo outros livros” (ROSA, 1983, p.163). E ao amigo Pedro Barbosa,

em carta de 19 de julho de 1949, solicita dados sobre Mechéu, um empregado da fazen-

da do amigo, de quem Rosa diz estar “pondo em papel a biografia romanceada”.23

Na viagem literária de 1947 ao Pantanal Mato-Grossense – “que é um verdadeiro

paraíso terrestre, um Éden, cheio de belezas, como nunca supus ali fosse encontrar”24 –

Rosa conviveu alguns dias com o vaqueiro Mariano, e dela produziu material publicá-

vel. Entremeio com o Vaqueiro Mariano foi publicado em três partes, em 1947 e 1948,

em jornal. Martins Costa analisa os textos da viagem ao Pantanal como interesse de

Rosa em fazer “uma viagem para dentro do país do boi”, a fim de conhecer a “cultura

boieira” dos vaqueiros do Brasil (MARTINS COSTA, 2008, p.318). O conto Sanga

Puytã foi publicado no livro póstumo Ave Palavra, em 1970.

O ano de 1951 será marcado por um fato da ordem da publicação de livros im-

portante na carreira de Rosa, pois marca o ano da entrada do escritor no prestigioso gru-

po de autores da Livraria José Olympio Editora, que publicaria em terceira edição o

livro Sagarana. Em 1951, Rosa também está na capa da Seleções de Readers Digest,

com o pequeno texto O Lago do Itamarati.

22 A entrevista com Fernando Camacho, embora publicado só em 1978, foi concedida em abril de 1966. 23 Carta com o amigo Pedro Moreira Barbosa. Fundo JGR do Museu Casa de Guimarães Rosa, Cx.4. Os

dados enviados por Pedro depois foram transformados em literatura no conto Mechéu, do livro Tuta-méia, de 1967.

24 Carta ao pai, em 25.11.1947. In: ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos. RJ: Nova Fronteira, 1983. p.165.

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O ano de 1952 será marcado por suas viagens e pelo que já consolida do enga-

jamento do escritor em seu projeto literário de escrever e publicar livros. Enquanto viaja

pelo sertão em atividade literária, recolhendo dados para escrever os livros de 1956

Corpo de Baile e Grande Sertão:Veredas, Guimarães Rosa publica outro livro. Em

1952, Com o Vaqueiro Mariano – hoje uma raridade de bibliófilos - foi publicado como

livro por uma editora desconhecida de Niterói, a editora Hipocampo.25 O livro compila-

va as três partes publicadas anos antes em jornal. É interessante que não tenha sido pu-

blicado pela Livraria José Olympio Editora quando Rosa já era um de seus autores, e, na

trajetória literária de Rosa, esse é um livro pouco realçado pela crítica de Literatura co-

mo um livro que teve publicação autônoma. O livro é importante, haja vista que vincula

viagens e literatura mediada pela publicação de livros, e realiza o postulado de que não

há literatura sem autor e nem autor sem livro.

A viagem à Bahia teve registro fotográfico pelo fotógrafo do Rio de Janeiro, E-

ric Hess, e as fotografias foram devidamente guardadas pelo escritor em seu arquivo.

Dela resultou Pé-Duro, Chapéu-de-Couro, estória publicada no livro póstumo Ave Pa-

lavra, em 1970.

Parte da viagem a Minas, em 1952, foi coberta por matéria jornalística que se

tornou importante apoio de análise e estudo para a crítica de Literatura, uma vez que o

escritor coletou e produziu muito material de criação em forma de anotações sobre a

natureza e das conversas com os sertanejos, material que se transformaria, depois, em

séries e sub-séries diversas de seu arquivo. A reportagem fotográfica intitulada “Um

escritor entre seus personagens” - publicada na revista O Cruzeiro, em 21 de junho de

1952 - historia alguns dias da jornada do “doutor João Rosa” junto aos vaqueiros.

Em um órgão de imprensa prestigioso, como a revista O Cruzeiro, a matéria jor-

nalística ajudava a fixar em fotografia a intimidade de Rosa com o universo sertanejo,

fotografado pelo sertão a cavalo, debaixo de árvores tomando café do bule dos vaquei-

ros, e reforçando visualmente a asserção de sua condição sertaneja junto a um público

leitor da revista, ainda que não seu público-leitor. E talvez o fosse. Ao analisar a impor-

tância e as conotações produzidas pelas viagens de 1945 e 1952 na trajetória profissio-

nal de Guimarães Rosa, Marília Rothier Cardoso pontua que elas foram um “momento

capital” no percurso literário do escritor, pois foi o momento em que ele “cuidou de 25 Depois, será um conto a mais do livro póstumo Estas Estórias, em 1969, o que dilui a importância

específica de ter sido livro autônomo antes.

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profissionalizar seu trabalho” (CARDOSO, 2003, s.p.). A autora confirma os esforços

de pesquisa sistemática e sugere que a publicação de Sagarana pode ser tomada como

marco divisor de águas. (...) A imagem do Rosa, viajante das trilhas boiadeiras, merece o resgate da bana-lização justamente porque corresponde a um momento capital, na trajetória do escritor. Na virada dos anos quarenta para os cinqüenta, depois da publi-cação de Sagarana (1946), cuidou de profissionalizar seu trabalho. Como já vinha estudando, nos livros e nos museus europeus, a tradição épica culta, lançou-se à pesquisa sistemática da mesma tradição, na linhagem popular ser-taneja. A etapa decisiva dessa pesquisa aconteceu em maio de 1952, quando o escritor atravessou, durante dez dias, os gerais mineiros, acompanhando uma boiada conduzida pelo vaqueiro Manuelzão. Como registro do trajeto, compôs-se um diário minucioso, posteriormente retrabalhado sob a forma de proto-textos das estórias em preparo (CARDOSO, 2003, s.p).

Em se tratando de publicação nas páginas de uma revista de grande circulação

do “escritor em atividade”, a reportagem insere o escritor, para além de seu gabinete de

livros, no universo de seus personagens, assemelhando-os. Para o escritor diplomata, o

conhecimento do Brasil parece mediado pela atividade de escrever e publicar, e as pági-

nas de revistas podem ser o meio caminho entre o escritor e o livro. Na viagem de 1952,

o escritor recebe o que se tornaria depois “o caderno do Zito”, um caderno de poesias do

vaqueiro-poeta Zito, que conhecera na viagem e lhe dera o material de presente.

As viagens de 1947 e de 1952 – a Bahia e a Minas – produziram matéria explo-

rada pela crítica literária. E valem pelo que disponibilizam de material para discussão

do caráter das viagens de Rosa, analisadas pelo diálogo com dois corpus fundamentais

da tradição literária brasileira presentes em sua biblioteca: o da literatura de viajantes e

o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha.

As abordagens da relação da literatura de Guimarães Rosa com o relato dos via-

jantes são importantes, visto que reenviam a duas discussões de mérito diverso. Uma

discussão de mérito mais propriamente lingüístico-literário e outra de fundo histórico-

sociológico, méritos que nem sempre convivem pacificamente, porque no fundo envol-

vem a discussão sobre a natureza da linguagem.

A abordagem de Flora Sussekind prestigia a experiência dos viajantes como

formadora de relatos sobre o Brasil que se tornaram matrizes textuais responsáveis pela

criação do narrador de ficção e da literatura brasileira no século XIX. Para a autora, os

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naturalistas foram “os principais interlocutores dos primeiros esforços ficcionais brasi-

leiros”, e incorporando e subordinando o relato a sua condição de desenhistas e pintores,

muitos foram fundamentais na composição de paisagens do Brasil, tomado como locus

“exuberante, em visões paradisíacas, tipos e costumes peculiares” (SUSSEKIND, 1990,

p.325).

Examinando as cadernetas de campo produzidas por Guimarães Rosa na viagem

de 1952 a Minas, a pesquisadora Ana Luiza Martins Costa afirma que autores como

Mário de Andrade, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa dialogaram com os “relatos de

viagem e paisagismo”, produzidos pelos viajantes do século XIX. A autora procura de-

monstrar, porém, como especialmente existem diferenças entre os procedimentos de

Euclides da Cunha e Guimarães Rosa para com os relatos dos viajantes, distintos justa-

mente no que marca o caráter de suas viagens ao sertão. Como fizeram os viajantes do

século XIX, Euclides da Cunha “olha o sertão de fora, descolado do cenário, ocupando

uma posição central” com relação aos sertanejos, numa postura típica do olhar cientifi-

cista do fim do século (MARTINS COSTA, 2008, p.332). Mesmo estruturando suas

cadernetas de viagem como haviam feito os viajantes, Rosa, ao contrário, “quer ver o

mundo com os olhos do vaqueiro”, segundo a autora.

As análises também se dedicam a revelar a leitura direta que Rosa fez de Os Ser-

tões ou mesmo as afinidades narrativas e estilísticas que unem ou separam os dois auto-

res.

Em passagem consagrada, comparando Grande Sertão:Veredas e Os Sertões, o

crítico literário Antônio Cândido já salientara as afinidades das leituras que Rosa e Eu-

clides fizeram do homem sertanejo. O autor, porém, delimita em Grande Ser-

tão:Veredas o que qualifica como a “verdadeira obra de arte” e permite a “sua resso-

nância na imaginação e sensibilidade”. (...) Há em Grande Sertão:Veredas, como n’Os Sertões, três elementos estruturais que apóiam a composição: a terra, o homem, a luta. Uma obsessiva presença física no meio; uma sociedade cuja pauta e destino dependem dele; como re-sultado, o conflito entre os homens. Mas a analogia pára aí: não só porque a atitude euclidiana é constatar para explicar, e a de Guimarães Rosa inventar para sugerir, como porque a marcha de Euclides é lógica e sucessiva, enquan-to a dele é uma trança constante dos três elementos, refugindo a qualquer na-turalismo (...) (CÂNDIDO, 1994, p.79).

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A metáfora da trança lançada por Antônio Cândido criou forte tradição e Alfeu

Sparemberger – numa vertente narrativista de análise - examina o “processo compositi-

vo” de Grande Sertão:Veredas, avaliando que a linguagem linear de Euclides da Cunha

não consegue o resultado que a narrativa rosiana consegue, em que a linguagem é atuan-

te e o protagonista Riobaldo usa de uma estratégia de agenciamento capaz de conduzir

seu ouvinte aonde ele quer levá-lo (SPAREMBERGEER , 1987, p.86).

O tema da nação também serviu de motivo para que alguns analistas comparas-

sem Euclides da Cunha e Guimarães Rosa.

Apontando a matriz euclidiana de Os Sertões em autores do pensamento social, a

pesquisadora Lucia Lippi mostra como eles desenrolaram seus argumentos em torno da

nação tomando o sertão como metáfora do Brasil, onde a natureza é chave explicativa

da história e em cuja urdidura argumentativa prevalecem as dicotomias litoral/sertão,

civilização/barbárie, cosmopolitismo/brasilidade. Pensando em Grande Sertão:Veredas,

a autora acredita que a mesma dicotomia pode ser observada na literatura de Rosa, que

acabaria por definir o sertão como paraíso, inferno, purgatório, lugar de passagem, tra-

vessia, onde se encenaria a “liberdade e a dramaticidade da vida”.

Os temas da nação e da brasilidade tornaram-se motivos de discussão entre ana-

listas da Literatura contrários a uma perspectiva que pretendia, desprezando a ficciona-

lidade e invenção singular da literatura rosiana, identificar nela a nação e os caracteres

identitários do povo brasileiro. A perspectiva era a de salvaguardar a obra de um olhar

analítico – normalmente identificado à perspectiva sociológica de análise da literatura -

que insistia em ver a ficção rosiana como manifestação de cultura nacional.

A controvérsia em torno da apreensão sociológica da literatura se dá pelo que a

crítica rejeita de qualquer análise que tome a literatura como “espelho da nação”.

Ao identificar a raiz do argumento nacionalista, Mônica Velloso alega que a i-

déia nasce do hábito de nossos historiadores sociólogos da literatura do século XIX em

encontrar a nação brasileira no texto literário. De acordo com a autora, a razão do equí-

voco dos analistas oitocentistas da literatura brasileira se assentava numa premissa que

punha numa dicotomia linguagem e realidade, entendendo que esta era completamente

destituída daquela e tinha existência em si mesma, absoluta. A autora adverte que as

realidades podem ser construídas pela linguagem, para cuja observação os textos literá-

rios seriam objetos privilegiados de exame (VELLOSO, 1988). Nessa senda analítica, o

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crítico literário Luiz Costa Lima acredita que em Rosa “o sujeito é parceiro do processo

de conhecimento, atuante e ao mesmo tempo agido, sustentado em uma linguagem so-

bre a qual atua e pela qual é conduzido” (COSTA LIMA, 1997 apud. MARTINS COS-

TA, 1990, p.43). Ana Luiza Martins Costa avança e reconhece que em Rosa “a lingua-

gem se torna ela mesma um personagem”.

Embora os “livros de 1956” de João Guimarães Rosa, Corpo de Baile e Grande

Sertão:Veredas, tenham sido construídos em diálogo com a viagem de Euclides da Cu-

nha e a dos viajantes ao sertão – materializado na semelhança entre as cadernetas de

viagem de Rosa e os cadernos de notas dos viajantes do século XIX - “a viagem de Ro-

sa pelos descaminhos do sertão não conduz a nenhuma essência nacional pura e atempo-

ral” (MARTINS COSTA, 2008, p.325).26

O hábito de encontrar nação e nacionalidade na obra rosiana parece ter criado ra-

ízes duradouras, que continuam a merecer rejeições.

A literatura de Rosa foi examinada pela pesquisadora Myriam Ávila com o fim

de analisar as diferentes leituras dos viajantes naturalistas feitas por Guimarães Rosa e

alguns escritores do século XIX brasileiro, o que conduziu a autora a procurar o que

teria levado os escritores por caminhos de leitura e a resultados diversos.

Segundo a autora, os escritores brasileiros do século XIX – Taunay, Afonso Ari-

nos, Bernardo Guimarães, Euclides da Cunha - leram os viajantes que visitaram o sertão

brasileiro e, como rebate, escreveram uma literatura com um filtro ufanista a fim de

afirmar uma “identidade coerente, positiva e legítima do espaço nacional, em que a di-

versidade (de culturas) nenhum entrave opõe à unidade (da nação)” (ÁVILA, 2008,

p.103). Para a autora, esses escritores brasileiros figuraram um viajante “em permanente

encanto” com os sertanejos, tentando “minimizar os golpes no orgulho nacional” que

entendiam haviam sido desferidos pelos viajantes estrangeiros quando descreveram o

sertanejo nacional.

A pesquisadora acredita que Guimarães Rosa se libera do filtro desses escritores

ufanistas brasileiros – Euclides da Cunha inclusive - preocupados em dar uma resposta

ao viajante estrangeiro, lendo-os então em “estado bruto”. Com isso, Myriam Ávila a-

26 No texto Sanga Puytã, da viagem ao Pantanal em 1947, assinalamos que, a certa altura do conto, está

escrito: “(...) Julho, 16, conforme nos diários de viajantes. O frio à frente. Reenfiamos a rota, depois de um desvio de sessenta e quatro quilômetros, para ir ver o ‘Buracão do Perdido’” (...) (ROSA, 1970, p.19 – grifo nosso).

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credita que Rosa consegue descobrir naqueles viajantes “elementos de grande potencial

estético” que haviam sido “esquecidos” pelos escritores do século XIX tão engajados

que estavam em uma “missão [de] contribuir para a formação de uma nação emergente,

recém-liberta de seus laços coloniais”. A autora finaliza compreendendo que “será, de-

certo, consenso entre os leitores, especialistas ou não, de literatura brasileira, que Gui-

marães Rosa representa um fenômeno isolado, impossível de se considerar em conjunto

com os demais escritores de sua época” (ÁVILA, ibidem, p.104).27

Numa perspectiva sociológica, os homens do sertão rosiano em Grande Ser-

tão:Veredas são examinados por Walnice Galvão como matéria literária “historicamen-

te dada” – o homem pobre do meio rural e sua vida de jagunço para “enfrentar o sistema

de dominação vigente” – e por aquilo que a autora chama de “matéria imaginária” –

vinculando as matrizes textuais de Rosa às matrizes literárias dos romances de cavalari-

a. Analisando a ambigüidade de Riobaldo ao longo do romance, a autora acredita que

Riobaldo encarna o dilema do intelectual brasileiro, que, ao mesmo tempo, “proclama

sua fé na vida, mas que faz do texto um fetiche”. Sem examinar as leituras de Rosa,

Galvão se atém ao texto rosiano, e procura encontrar o que sua figuração do Brasil reve-

la da história brasileira, na suposição de que o escritor “dissimula a História para melhor

desvendá-la” (GALVÃO, 1972, p.63). A interpretação da pesquisadora é a de que as

posições dos escritores Guimarães Rosa e Euclides da Cunha revelariam as ambigüida-

des vividas pelo intelectual brasileiro e partilhadas pelos projetos particulares de ambos

de viajar para o sertão a fim de escrevê-lo.

A seu turno, há autores que procuram concretamente a leitura de Rosa de Os

Sertões, examinando as marcas que o escritor fez no exemplar do livro de Euclides da

Cunha guardado em sua biblioteca. Tentando averiguar a hipótese assentada historica-

mente por parte da crítica literária de que o romance de Rosa é uma reescrita do livro de

Euclides da Cunha, Willi Bolle analisa como as marcas de leitura feitas em Os Sertões

por Rosa incidem em Grande Sertão:Veredas. Numa leitura assumidamente filológica,

sugerindo outra hipótese sobre a construção do romance, o autor identifica todas as 59

marcas de Rosa em seu exemplar de Os Sertões e propõe a hipótese sedutora de que

27 A autora assinala que Rosa, também, figura às vezes o viajante estrangeiro encantadamente, como o faz

com o alemão Seu Olquiste, da novela O Recado do Morro, do livro Corpo de Baile, que percorre o sertão em comitiva como o naturalista do século XIX. Mas, para a autora, não é esse o argumento – se é que assim podemos chamar – da literatura de Rosa quanto ao tema dos viajantes (ÁVILA, 2008).

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Grande Sertão:Veredas seria “reconstituição, rememoração” e resgate do livro precur-

sor, mas uma rememoração para esquecê-lo, na realidade uma “contraleitura, esqueci-

mento parcial e desconstrução” (BOLLE, 1998, p.17).28

Ordenando um pouco sistematicamente as perspectivas de análise que comparam

Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, verifica-se que os autores são tomados ora numa

perspectiva que analisa seus textos em contraste, mediados ou não por outros textos

sociais – como os textos dos viajantes naturalistas do século XIX - ora noutra perspecti-

va que visa encontrar nos textos diferenças constituídas a partir do papel e dos lugares

sociais de seus escritores.

Enquanto, no fim do século XIX, Euclides da Cunha estaria no lugar do cientista

que, por sua palavra, deve cumprir uma missão social civilizatória29 - e para a qual, em

viagem ao sertão, precisaria hierarquizar sua relação com os sertanejos, suprimindo-lhes

qualquer pretensão de terem voz e palavra - Rosa estaria numa situação comparável a de

Euclides da Cunha só em alguma medida. Rosa também parece ter o sentido de missão

– para ele “literatura é coisa muito séria”, como dizia a Gunter Lorenz – mas sua condi-

ção de atuação é outra. Sua condição de artista literário e diplomata em meados do sécu-

lo XX – definida por uma conjuntura nacional e internacional completamente diversa da

de Euclides da Cunha – modifica os termos de sua atuação social e de seus textos, para

o qual, em viagem, a linguagem é coisa da vida que deve estar livre para agir, contra o

que hierarquizar sua relação com os sertanejos seria suprimir não a voz e a palavra de

seus sertanejos, mas a palavra e a voz de seu próprio projeto literário. Na novela O Re-

cado do Morro, do livro Corpo de Baile, Seu Olquiste - o alemão que é a figuração do

viajante naturalista no sertão no século XIX brasileiro – senta com os sertanejos no “ho-

tel do Sinval” e com eles escuta música e bebe cerveja.

Agindo com seus respectivos textos em tempos históricos diferentes, marcados

pelo exercício de viagens etnográficas vincadas por conceitos e procedimentos de exe-

cução totalmente diversos, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha compartilharam leitu-

ras, mas, principalmente, viveram tempos históricos bastante diferentes. Mas, prova-

velmente, compartilharam o senso de seu lugar social, seja como homem da ciência, um

– pra quem os benefícios da técnica podem salvar vidas - seja como homem de cultura,

28 O autor traz em anexo todas as marcas de Rosa em seu exemplar de Os Sertões. 29 Para a missão literária de Euclides da Cunha, ver: SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão.

Tensões Sociais e Criação cultural na Primeira República. 3ª ed. SP: Cia das Letras, 1989. 257 p.

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outro – para quem os benefícios da arte é que podem salvar vidas. Rosa leu Euclides da

Cunha, e a muitos de seus continuadores, seguindo seus próprios filtros – seria ingênuo

acreditar que Rosa não os tivesse – e será preciso reavaliar o que Rosa teria identificado

em Euclides da Cunha como contribuição a fim de poder realizar sua arte.

Será preciso ver na literatura de Guimarães Rosa, talvez o espaço de uma nego-

ciação permanente entre saberes na vida coletiva brasileira, literatura “profundamente

marcada por essa experiência de mediação entre dois mundos, ou entre dois modos de

vida, um rural e tradicional e outro urbano e moderno” (VASCONCELOS,

dez.fev.1997/1998, p.81), fazendo ver os conflitos e as solidariedades sociais reveladas

no próprio processo de realização do projeto literário, o que distingue aquilo que Antô-

nio Cândido qualificou como a “verdadeira obra de arte”.

A leitura que Guimarães Rosa fez de Euclides da Cunha parece-nos que se dá

numa articulação de autoridades e de autorizações entre textos, livros e agentes sociais,

em que o poder dos livros e de sua publicação faz deslanchar a atividade literária exer-

cida como atividade de registro e de elaboração do Brasil em arte, para o que as viagens

do diplomata e do escritor Guimarães Rosa em excursões a campo são uma caução e a

própria condição de existência. Escrever e publicar para viajar, assim o poder da arte e

da linguagem do diplomata-escritor posta em livros pode atuar.

Viagens parecem mediadoras da relação entre literatura e conhecimento do Bra-

sil e de brasileiros, de sua história, à medida que conhecer é ver, conviver, experimen-

tar, segundo o preceito justamente etnográfico de que a elaboração se vai fazendo em

meio à experimentação. Como Mário de Andrade, que viaja ao Norte do Brasil nos anos

1920 para fotografar e escrever sobre brasileiros, a fim de construir documentos sobre

seu país numa ambição tipicamente etnográfica.30

A obra de Mário de Andrade, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa já foram i-

dentificadas como a de autores de uma “vertente antropológica” das letras brasileiras,

como quer Silviano Santiago (SANTIAGO, 1982 apud. MARTINS COSTA, 2008,

p.327). A caracterização de Guimarães Rosa como escritor que faz pesquisas “quase de

cunho etnográfico” ora liga suas viagens nos anos 1930 como médico no interior de

Minas com as realizadas nos anos 1940 e 1950 como diplomata, e ora enfatiza as via-

30 Para a relação de Mário de Andrade com a máquina fotográfica em viagens etnográficas, ver LOPEZ

(jul-dez. 2005) e CHAGAS (1998).

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gens dos anos 1940 e 1950 - depois da publicação de Sagarana - com o cuidado de

“profissionalizar seu trabalho”, como quer Marília Rothier Cardoso (2002).

A viagem que faz Guimarães Rosa não é mais a viagem dos naturalistas no sen-

tido que Martins Costa já apontou. O estatuto e a função da linguagem se modificam, o

viajante interage com as populações nativas e a motivação de conhecer o outro já não é

mais iluminista e racionalista. E há ainda uma diferença definitiva da viagem moderna

de Rosa com a viagem dos naturalistas do século XIX: a máquina fotográfica, que este-

ve pari passu como ferramenta de campo das ciências etnográficas e geográficas no

século XIX e se incorporou definitivamente no século XX.31 A realização de uma litera-

tura como a de Rosa, que pressupõe viagens, acaba por se vincular às condições históri-

cas de constituição da etno-geografia de meados do século XX brasileiros, com a exis-

tência de um conhecimento do Brasil formulado na base de um postulado geográfico-

histórico de análise das sociedades e pelo desenvolvimento de uma cultura de divulga-

ção do país em revistas e livros em meio a recursos audiovisuais em plena dissemina-

ção. É no interior desse processo histórico que a literatura de Rosa se realiza.

De alguma forma, as viagens do “escritor-vaqueiro” Guimarães Rosa a seu ser-

tão afetivo – lugar de “literatura pura, bela, verdadeira”, como ele diz a Gunter Lorenz32

- se encontram mediadas pela mesma relação que mediava os escritores-viajantes-

etnólogos com o território pela imagem fotográfica: talvez seja ela quem lhes confere o

estatuto e o valor de sua prática da escrita pelo fato de que só se escreve ou só se fala -

emotiva e verdadeiramente - daquilo que se pode ver e viver estando “no lugar”! Ou de

alguma coisa sobre a qual, quando se escreve ou se relata, no fundo é sobre si mesmo de

que se fala. À categoria “sertão” se junta agora algo que o racionalismo e o cientificis-

mo do século XIX não podiam conceber: a subjetividade e o envolvimento do observa-

dor com o objeto que ele observa e tenta apreender. E se juntam ainda novos recursos e

estratégias que trabalham de maneira diferenciada sobre o material subjetivo da razão e

da sensibilidade. É de uma nova relação entre sertão e pensamento mediada pela arte da

metade de século XX brasileiro que se trata aqui.

31 Relato das viagens de Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 30, Tristes Tropiques foi publicado em França

em 1955, e traz várias fotografias do etnólogo. O livro Saudades do Brasil também traz fotografias das viagens dos anos 30, e numa delas, no retorno da viagem de Lévi-Strauss a Cuiabá, há foto de um ca-minhão que, segundo a legenda, está carregado de “coleções etnográficas” (LEVI-STRAUSS, 1994).

32 LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: ROSA, João Guimarães. João Guimarães Rosa. Ficção Completa em dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.I. p.27- 61.

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Como dissemos antes, Marília Rothier Cardoso analisa que a viagem de Rosa a

Minas em 1945 seria sua primeira “viagem profissional”. Mas - analisando a relação de

Rosa com Os Sertões e com a tradição crítica do livro - o crítico literário Renard Perez

acrescenta um dado a mais, fundamental: afirma que “na verdade, só muito mais tarde,

quando Sagarana já se encontrava em provas, relerá [Rosa] esse autor [Euclides da Cu-

nha] devidamente” (PEREZ, 1983).33

Conjugadas, as análises de Renard Perez e Marilia Cardoso reiteram que as cate-

gorias “viagem” e “publicação” se ajustam na carreira literária de Rosa, mas a afirma-

ção de Perez – confirmada pelo professor Antônio Soares - adiciona um dado que enri-

quece ainda mais a chave analítica. Ao indicar que a leitura de Os Sertões se junta –

pelo que já sabemos - às categorias viagem e publicação no momento de deslanche da

carreira literária de Rosa, o crítico literário põe ênfase no “devidamente”, o que nos faz

pensar em mais de uma interpretação para o fato.

O “devidamente” pode ser referência ao modo acurado com que Rosa passou a

ler o livro de Euclides da Cunha – dando a entender, inclusive, que já pudesse tê-lo feito

antes – mas também indica que o conhecimento do Brasil não pode prescindir de ler Os

Sertões, o que investe o projeto literário incipiente de Rosa de significado e o introduz

na tradição de uma perspectiva interpretativa da sociedade brasileira ainda vigente

quando começa sua obra. Envolvido com questões nacionais, o diplomata-escritor pre-

cisa compreender o Brasil, para o que, provavelmente, crê que a troca com o livro de

Euclides da Cunha é uma troca de afinidades materializada nas figurações sobre o Brasil

textualizadas em Os Sertões (BOLLE, 1998). Nem que seja para esquecê-lo, como a-

credita Bolle.

Mas pode haver, ainda, uma segunda interpretação da troca entre Rosa e Eucli-

des que é da ordem dos livros.

Se as marcas de Rosa em Os Sertões não lhe serviram para Sagarana – escrito

muitos anos antes de 1946 – assim não o foi para Grande Sertão:Veredas e Corpo de

Baile, os livros que Rosa começava a preparar quando iniciou suas viagens de escritor

literário profissional e lia Os Sertões. Entre Rosa e Os Sertões, há uma troca que é da

33 Willi Bolle ratifica a afirmação, mencionando, em nota de texto, que “segundo o professor Antônio

Soares Amora, num curso dado sobre Grande Sertão:Veredas [em 1966] existe uma declaração de Guimarães Rosa, referente ao período de elaboração do romance em que o romancista diz ‘ter relido devidamente Os Sertões’” (BOLLE, 1998, p.25).

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ordem do livro: a autoridade da obra de Euclides da Cunha funda o gesto inaugural da

literatura de Rosa. Sua atividade literária – que passou a propor um conhecimento do

Brasil - não poderia ser melhor autorizada do que pela leitura de um livro já instalado

no panteão da vida do pensamento e da arte no país.

Desde sua entrada no Itamaraty, Rosa convive com o ambiente de criação de ór-

gãos geográficos que divulgam o Brasil decisivamente por revistas e livros ilustrados –

muitos deles dentro da biblioteca de Rosa – e em 1946 associa-se à Sociedade Brasileira

de Geografia. A leitura de Os Sertões, feita “devidamente” em 1946, coincide com o

início das viagens sistemáticas de Rosa para dentro do Brasil e com a publicação de

Sagarana, como já expusemos. No deslanchar de sua atividade literária, o escritor-

diplomata Rosa provavelmente percebe a relação indissociável entre autor, obra literária

e livros, e constata que as informações sobre o Brasil recolhidas em viagens pela vida e

pelos livros - depois refiguradas por sua arte textual - poderiam se viabilizar no cruza-

mento de um permanente diálogo com outras figurações do Brasil.

As marcas de leituras que Rosa fez em Os Sertões - e em muitos livros de segui-

dores de Euclides da Cunha - sugerem os filtros com que o escritor os leu, ora se afas-

tando, ora se aproximando deles.

Se as viagens de Rosa na vida se fixaram basicamente no que seria Cordisburgo

e o vale do São Francisco - e o Planalto Central brasileiro, em Mato Grosso, região de

vaqueiros e de “cultura boieira” - pelos livros, o Brasil de Rosa é mais extenso. Ele in-

cluiu um pouco da Amazônia e do Nordeste - depois que a fixação da região fisiográfica

repercutiu no recorte e na fixação das regiões culturais como cenários de livros e de

seus títulos. Pelos livros, suas viagens se estendem pela região baiana de Minas, a gran-

de região do Planalto Central e as terras de Goiás e de Mato Grosso; e por grande parte

dos rios da bacia hidrográfica do rio São Francisco e de alguns vales de rios mineiros.

As histórias das novelas de rádio que viajam os sertões recontadas de “boca e boca”

pelos sertanejos da novela Dão-la-la-lão, do livro Corpo de Baile, se espraiam por todas

as terras “para o lado de lá do São Francisco”.

A configuração das condições epistemológicas e institucionais que, num dado

momento da história do Brasil e no mundo, criou o ambiente em que deslanchou a poé-

tica migrante de Guimarães Rosa, pode se enriquecer se verificarmos mais detidamente

as marcas nos livros de sua biblioteca e buscar suas incidências nos próprios textos do

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escritor. Avaliar o universo de suas trocas textuais cotejado às figurações do Brasil e da

atividade literária realizada no próprio texto do escritor talvez seja começar a investigar

os parâmetros que autorizam as trocas entre textos diversos, os critérios que definem o

estatuto de escrita literária e as diretrizes que balizam os procedimentos que transfor-

mam um escritor em autor de livros de literatura no Brasil de meados do século XX.

Avaliar tais componentes que são as condições de realização da obra literária de João

Guimarães Rosa é avaliar o escritor em relação com seu leitor.

Avaliar a interação de Rosa com autores e livros do debate de idéias sobre o

Brasil - e como o escritor terminou por figurar o país mediado por suas leituras - requer

ter em mente que seus leitores viviam nas grandes cidades brasileiras de meados do sé-

culo XX, marcadas pela disseminação e intercâmbio de diferentes produtos de cultura e

formas variadas de arte e saber, no bojo do que tradições conceituais e artísticas há mui-

to estabelecidas na sociedade brasileira estavam sendo relativizadas. É o que apontare-

mos no próximo capítulo.

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Capítulo 3

O diálogo com as artes e as muitas artes da cidade

Ah, tempo de jagunço tinha mesmo de acabar, cidade acaba com o sertão. Acaba?

(Riobaldo)

O procedimento de contextualizar a literatura de Guimarães Rosa exige algumas

considerações de antemão. Um texto ou um livro podem ser reportados a dois tipos de

contexto: um contexto literário e um contexto social, político, mais extensamente um

contexto histórico.

O contexto literário é constituído por outros livros na paisagem literária em que

o livro se insere, ou pelos debates nos quais ele ganha sentido em sua época. Resenhas

de edições críticas que caracterizam a época literária em que o texto se encontra, rela-

ções e tradições literárias com relação às quais o texto dialoga. A história dos gêneros,

os textos e livros tomados como categoria editorial – políticas de edição, formas e su-

portes materiais, publicações em coleção etc. – há uma gama de objetos que traz infor-

mações sobre o contexto literário no qual textos e livros se inscrevem.

Há, entretanto, uma outra gama de objetos que pode conter informações que a-

largam a condição de textos e livros, a ponto de fazê-los ultrapassar as fronteiras ordiná-

rias do que é considerado como literatura: são os elementos de um segundo contexto,

que podem englobar realidades políticas, sociais e culturais de toda sorte.1 No século

XX, obras literárias podem ser vinculadas à cultura de massa (cinema, televisão, publi-

cidade), à multiplicação de imagens, fixas ou animadas, no universo visual, ou “às

transformações fundamentais trazidas à estruturação do espaço habitado pela civilização

industrial” (LYON-CAEN; RIBARD, 2010, p.58).2 Esses dados de contexto são impor-

tantes para o historiador à medida que eles “fazem aparecer realidades culturais, sociais

1 A formulação é: [“on voit bien que la gamme des objets en mesure d’apporter des informations sur le

contexte dans lequel il est possible d’inscrire texts et livres est susceptible de s’élargir pour dépasser de loin les frontières ordinaires de ce qui est considéré comme littérature: on en vient ainsi a um seconde type de contexte (...)] (LYON-CAEN; RIBARD, 2010, p.58). As reflexões sobre contexto e contextua-lização foram feitas a partir deste título.

2 [les changements fondamentaux apportés à la structuration de l’espace habité par la civilization industri-elle].

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ou socioculturais pouco observadas de outra maneira” (LYON-CAEN; RIBARD, 2010,

p.59).3

Assim, a contextualização da literatura de Rosa e do teor de suas colocações ao

debate sobre o Brasil – vislumbradas a partir da coleção e das marcas de seus livros da

biblioteca - consiste em reconstituir acontecimentos de uma época de modernização e

urbanização da sociedade brasileira de meados do século XX, apurando as inovações

técnicas e as reavaliações conceituais que alteraram o perfil histórico da sociedade bra-

sileira e os termos do diálogo entre transformações sociais, textos, livros e produtos de

arte. Tal encaminhamento visa a levantar fatores em meio aos quais se realizaram as

atividades literárias de Rosa, averiguando como as condições históricas puderam afetar

a composição e o sentido das formas artísticas junto ao público das grandes cidades bra-

sileiras, onde estavam os leitores de Rosa que aceitaram e consagraram sua literatura.

A produção industrial brasileira pela primeira vez, em 1938, ultrapassa a produ-

ção agrícola, e, no decorrer da Segunda Grande Guerra, a indústria entra numa fase de-

cisiva, quando há no país grandes investimentos estatais em indústrias de base, deixan-

do o Brasil de ser exportador de matérias-primas a baixo custo e consumidor de produ-

tos manufaturados, como havia sido historicamente. Entre as décadas de 1940 e 1960, o

país passa a produzir seus bens de consumo, crescem as disparidades entre áreas urba-

nas e rurais, a segmentação social brasileira se diversifica e a “industrialização é sinô-

nimo de desenvolvimento” (SANTOS, 2002, p.27).

Em A Estória de Lélio e Lina, do livro Corpo de Baile, o vaqueiro Lélio chega à

fazenda de Seo Sencler, nos Gerais, mas antes estivera trabalhando na serra da Tromba-

d’Anta “pr’a um seo Dom Borel, senhor uruguai, que botou fazenda p’ra boiada de raça

fina...” (LL, p.718). O processo de modernização com crescimento das cidades avança-

va para as áreas rurais com abertura de vias de acesso e projetos de colonização. A ocu-

pação de terras interiores atraía capital nacional público e privado, este proveniente, em

especial, dos capitais “liberados em decorrência dos progressos econômicos do estado

de São Paulo”, e capitais estrangeiros - “inglês, francês, belga e uruguaio”.4

3 [Ces mises em contexte (...) intéressent l’histoire dans la mesure ou elles font apparaître des realités

culturelles, sociales ou socioculturelles peu repérées autrement] 4 Informações de livro constante da biblioteca de Guimarães Rosa. ALMEIDA, Fernando Flávio Marques

de; LIMA, Miguel Alves de. Planalto Centro-Ocidental e Pantanal Mato-Grossense (...). Guia da ex-cursão n.1 realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1959, p.150.

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O Brasil vai sendo percebido como uma “reunião de elementos antagônicos e

harmonização de contrastes”, onde áreas de grande densidade populacional – identifica-

das normalmente às cidades da costa litoral – convivem com grandes vazios do interior

(BASTIDE, 1979, p.11). Em 1952, dos 210.000 quilômetros de estradas, apenas 1.200

estavam pavimentados e os ‘buildings’ substituem as velhas mansões portuguesas. A

economia se transforma e “surgem novas maneiras de pensar” (MONBEIG, 1954, p.10).

Particularmente após a Segunda Guerra, os anos brasileiros de modernização configu-

ram uma sociedade urbano-industrial consumidora de uma pauta diversificada de bens

culturais, como jornais, revistas e livros ilustrados, histórias em quadrinhos, rádio, ci-

nema.

3.1 - Rádio, cinema, livros da cidade – o trânsito entre imagens, sons e palavras

O rádio é o apoio de grande número de produtores e artistas.

Segundo a historiadora Lia Calabre, “no início da década de 1940, o rádio havia

se tornado o senhor absoluto dos meios de comunicação na sociedade norte-americana”

e seu crescimento na América Latina o transformava “no companheiro inseparável das

classes populares no Brasil” (CALABRE, 2006, p.27). Ponto de convergência de produ-

tos, artistas e práticas de cultura e de entretenimento urbano no país desde os anos 1930,

com o teatro de revista e as chanchadas cinematográficas, o rádio formava, de acordo

com Alcir Lenharo, um tripé ao redor do qual “gravitavam a indústria do disco, as edito-

ras de música, as revistas especializadas, a publicidade” (LENHARO, 1986, p.135 apud

FERREIRA, 2003, p.70).

O cinema inicia uma carreira de ascensão irreversível junto à vida coletiva de al-

gumas cidades brasileiras, a partir do final dos anos 1920, e as tentativas posteriores de

formação de uma indústria nacional do filme esbarram na ascensão esmagadora do fil-

me americano. Estudando o Rio de Janeiro, Suzana Ferreira afirma que “o público cari-

oca se comovera e se impressionara com o cinema desde as primeiras projeções de ‘vis-

tas animadas’ nos cafés-concertos” ainda no século XIX (FERREIRA, ibidem, p.43).

Cinema e rádio associados tiveram um papel integrador do país, além de alterar hábitos

e modificar automatismos lingüísticos coloquiais.

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(...) As transmissões radiofônicas, associadas ao cinema, levam a moda da capital ao interior. A forma de falar é alterada, as gírias presentes nas músicas e nos programas vão sendo incorporadas ao cotidiano dos ouvintes. As propagan-das, muitas vezes locais, revelam o que é consumido nos centros urbanos, despertando a curiosidade dos moradores do interior para os hábitos da cida-de, criando uma sensação de proximidade e de identidade entre as regiões (CALABRE, 2006, p.30).

Sinopses de livros, trechos de literatura radiofonizados, radionovelas, constavam

da grade de programação das emissoras de rádio nos anos 1940. As produções radiofô-

nicas transmissoras de textos aglutinavam, segundo Lia Calabre, “milhares de ouvintes,

todos os dias, sintonizados, vivendo e se emocionando no mundo imaginário das radio-

novelas” (CALABRE, ibidem, p.139).

O rádio era lugar de divulgação de textos de novelas e fragmentos de livros e o

rádio era parte da estratégia de editoras para a divulgação publicitária de seus títulos.

Em 1954, os textos introdutórios da segunda edição de Os Subterrâneos da Liberdade,

de Jorge Amado, publicado pela Livraria Martins Editora, informa do rol de adaptações

para o rádio que sofrem alguns livros de Amado: Terras do Sem Fim, Jubiabá, São Jor-

ge dos Ilhéus, para a Rádio São Paulo; Mar Morto, para a Rádio Nacional; e as adapta-

ções internacionais: Terras do Sem Fim é Terre Violente, para a Radiodifusion Françai-

se, em Paris; Vida de Luis Carlos Prestes é Rytir Nadeje para a Radiodifusão Tchecos-

lovaca, em Praga; e Mar Morto é Mar Muerto, para a Radio El Mundo, de Buenos Ai-

res. A grade de programação de rádio das principais emissoras cariocas continha pro-

gramas de vocalização de textos como radionovelas, leitura de trechos de contos e ro-

mances, poesia, radioteatro.5

Num momento da história das experiências urbanas em meio às cidades brasilei-

ras, as trocas textuais entre literatura e outros textos mediados por suas formas e audiên-

cias combinam-se de modo a possibilitar, provavelmente, trocas e negociações inusita-

das, que não serão percebidas conforme a definição de texto e a abordagem interpretati-

va da relação dos textos com outros textos e modalidades de atividade artística. As ci-

dades brasileiras de meados do século XX parecem decisivamente investidas de circuns-

tâncias históricas que multiplicam a proliferação de textos, as formas de sua publicação

5 Ver a Seção Rádio, do jornal A Manhã, de 5 de janeiro de 1946.

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e recepção, numa situação que favorece experiências e trocas intensas. Seria oportuno

verificar o anúncio do Dicionário Enciclopédico Brasileiro Ilustrado, em 1954, com

2.300 gravuras, 16 pranchas em cores e 56 mapas. (...) Há certas obras cuja presença é realmente obrigatória em todas as bibliotecas, especial menção merece, dentre elas o Dicionário Enciclopédico. A razão é simples. Todo mundo ouve rádio, lê jornais e revistas, vai ao cinema, ao tea-tro, e tem a oportunidade, assim, de encontrar, a cada passo, termos científi-cos, literários, artísticos e filosóficos, velhos e novos, cujo significado nem sempre conhece com o detalhe desejável.6

A literatura de Rosa não esteve impermeável a tal processo de trocas, muito pelo

contrário. E Guimarães Rosa não esteve alheio a esse contexto de trocas textuais e cru-

zamento de práticas e atividades culturais que envolvia o som, a imagem, as páginas de

livros e revistas.

Autor da Livraria José Olympio Editora, a partir de 1951 - quando estréia na ca-

sa de edição republicando seu livro Sagarana – em 1954, Rosa ainda não publicara

Corpo de Baile e Grande Sertão:Veredas, mas é nesse ano que, episodicamente, presta

uma declaração surpreendente ao jornal Correio da Manhã sobre uma das fontes de

suas trocas textuais: (...) Gosto do rádio, uso-o muito. É uma espécie moderna de musa. É uma regra: estou escrevendo, estou lendo, estou fumando, estou ouvindo. Sub-ouvindo, talvez seja mais certo dizer. Isto é, o aparelho fica ligado, a música traba-lhando de isolante, para defender a gente dos rumores desencontrados da rea-lidade em volta, sempre tão excessiva. Música ou canto, pois em geral não somo com a parte conversada, falam no vácuo. Uma vez uma empregada dis-se a minha mulher: - “o patrão não gosta de novela, mas bem que ele escuta o capítulo inteiro...” (ocupado com a cabeça noutra parte, como é que eu ia sa-ber se era Novela, “Hora do Brasil” ou catarata de anúncios?). Também con-fessando desconfio de que o meu muitas vezes abuse de ser o “rádio do vizi-nho”, o desembestado, o errado, o barulhento. E mais seria se não fosse a po-lícia de minha mulher, pois Ara controla o quanto pode essa vazão radiofôni-ca. Há músicas (Mozart, operetas, Beethoven, valsas, Wagner, Schubert, can-ções populares, velhas de mais de vinte anos etc) e vozes com charme especi-al (Ademilde Fonseca, Virginia Lane, Heleninha Costa, Carmélia Alves, E-milinha Borba etc) que varam a cortina de cortiça da concentração – fico vul-nerável, rendo-me, paro para escutar de verdade. Tempo de carnaval – adoro: marchas e marchinhas dão energia e alegria, bebidas na torneira. Atualmente quase fico na M.da Educação ou na Eldorado. Mas voto que a Eldorado, em

6 Boletim Bibliográfico Brasileiro, jan.fev.1954, n.1, v.II, p.36

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tudo mais ótima, devia mudar, ou variar, ou suprimir aqueles prefixos (?) musicais de programas, principalmente os vespertinos, sofisticados no gênero melancólico. Quando estou escrevendo uma passagem estreita, preciso de “dopar-me”, então requeiro musa apropriada, isto é, troco para o toca-discos. Televisão? Não. Agora, o que mais vale na minha opinião – o papel do rá-dio no interior do país, suas responsabilidades, sua importância. Destrói o fundo folclórico, eiva a tradição, desregionaliza. Mas diverte, consola, anima, alegra, faz companhia. No sertão, encontrei pessoas que nunca viram nem vão ver o trem de ferro, mas que acompanham pelo rádio as partidas de fute-bol carioca, torcem e discutem, sabem o nome de todos os nossos jogadores. E, de certos lugarejos, nos campos gerais, sempre alguém era escalado, às se-gundas, quartas e sextas-feiras, para montar a cavalo e ir à vila, ou ao arraial, distante várias léguas, a fim de ouvir a “novela”, e, na volta, no dia seguinte, repeti-la a toda população do povoado, para isso reunida. Não é sério? Não é comovente? 7

Em Campo Geral, na estória do menino Miguilim do livro Corpo de Baile, o

personagem farmacêutico Seo Aristeo tem “vênias de dançador”, e uma “viola mestra

de todo tocar”, a “Minrela-Mindola, Menina Gordinha, com mil laços de fita”. Quando

entra em casa, “só dizia aquelas coisas dançadas no ar, a casa se espaceava muito mais,

de alegrias” e ao examinar o menino Miguilim de uma doença, Seo Aristeo, provavel-

mente, glosa a música O que é que a baiana tem, de Dorival Caymmi, lançada em 1939,

e cifrada no texto de Guimarães Rosa. (...) Seo Aristeu entrava, alto, alegre, alto, falando alto, era um homem grande, desusado de bonito, mesmo sendo roceiro assim; e doido, mesmo. Se rindo com todos, fazendo engraçadas vênias de dançador. - “Vamos ver o que é que o menino tem, vamos ver o que é que o menino tem?!... Ei e ei, Miguilim, você chora assim, assim – p’ra cá você ri, p’ra mim!...” Aquele homem parecia desinventado de uma estória. – “O menino tem nariz, tem boca, tem aqui, tem umbigo, tem umbigo só...” – “Ele sara, seo Aristeo?” (...) (CG, p.495 – grifo nosso)8

7 Série Recortes de Jornal, Pasta R2. Correio da Manhã, 20 novembro de 1953, Seção Rádio & TV. Fundo

JGR, Arquivo IEB-USP. Os trechos em negrito são da própria matéria jornalística. Originalmente, o depoimento seria prestado como uma fala, vocalizado para o responsável pela seção. Rosa preferiu res-ponder escrevendo o depoimento.

8 O trecho da letra da música de Caymmi é: (...) O que é que a baiana tem? O que é que a baiana tem? O que é que a baiana tem? O que é que a baiana tem? Tem torço de seda tem! Tem brincos de ouro tem! Corrente de ouro tem! Tem pano-da-costa tem! Sandália enfeitada tem! (...) Um rosário de ouro, uma bolota assim, quem não tem balangandãs não vai no Bonfim (oi não vai no Bonfim, oi não vai no Bon-fim). Em 1938, Dorival Caymmi chega ao Rio de Janeiro, publica alguns desenhos na revista O Cruzei-ro, mas depois tenta a carreira na música, aconselhado por amigos. O futuro músico estréia na gravado-ra Odeon em 1939 com a música O que é que a baiana tem, cantada por Carmem Miranda no filme Ba-nana da Terra. A música a partir daí ganha popularidade nacional e será tocada em rádios de todo o pa-ís. In: ENCICLOPÉDIA DA MUSICA BRASILEIRA. Erudita, popular, folclórica. Art. Editora, Itaú Cultural. 2ª ed. SP: Art. Editora, 1988. p.187

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A situação parece ter feito longa história na história das trocas textuais do escri-

tor estabelecidas com textos publicados no rádio. A 6 de novembro de 1963, comentan-

do em carta com seu tradutor italiano a qualidade da tradução, Rosa parodia a música do

reclame da indústria de produtos químicos Bayer e escreve “Se é Bayer é bom”, que

recupera no texto impresso o canto do jingle publicitário que durante muito tempo tocou

no rádio brasileiro (ROSA, 1981, p.36).

Ao longo de uma época marcada pela integração do país pelo rádio e por publi-

cações que difundiram uma imagem elaborada do Brasil assimilado por desenhos e fo-

tografias, época em que cresceram os símbolos populares como o samba, carnaval, fute-

bol, rádio, o pesquisador Fernando Paixão (1997) assinala que, entre marchinhas de

carnaval e chanchadas, os livros parecem sofrer o cruzamento de duas forças que o vita-

lizam: a modernização de sua confecção e uma vontade geral de identidade coletiva que

incremente a publicação de coleções editoriais que descubram o Brasil. O autor assegu-

ra que o país parecia “estar sendo descoberto”, para o que a indústria do livro desempe-

nhava “um papel fundamental”.

3.2 - Expansão Editorial, livros e coleções

Autores da história do impresso no Brasil que recuperam o que seria o papel dos

ilustradores de revistas e livros desde o fim do século XIX, verificam uma inflexão nos

anos 1930, em função da expansão do mercado de livros e da diversificação do leitorado

urbano. Mas seguir os anos 1940 é identificar o incremento que a ilustração recebeu no

Brasil em função da consolidação de um sistema de artes plásticas que, provavelmente,

afetou o livro, com a inauguração de museus de arte moderna, proliferação de exposi-

ções de arte, concessão de prêmios e bolsas de viagens internacionais a artistas e o in-

tercâmbio artístico e cultural entre artistas de vários países.

A relação entre artistas plásticos e escritores literários se acentua ao fim do sécu-

lo XIX e penetra as duas primeiras décadas do século XX. Revistas ilustradas como

Fon-Fon, A Cigarra, A Vida Moderna, Eu Sei Tudo, entre outras, uniam artistas plásti-

cos como Voltolino, Di Cavalcanti, Belmonte, José Wasth Rodrigues com escritores

como Guilherme de Almeida, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Ribeiro Couto,

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Menoti Del Pichia. O movimento modernista é marco de um “surpreendente desenvol-

vimento das artes plásticas e da literatura” (PAIXÃO, 1997, p.47) e a situação de des-

prestígio do artista-plástico ilustrador nas principais publicações do movimento só co-

meça a se reverter ao final dos anos 1920, quando o artista, pouco a pouco, valoriza

revistas e livros com seus desenhos e reforça o estatuto artístico das publicações.

Os catálogos das livrarias nos anos 1910, em São Paulo, mal mencionam o artis-

ta ilustrador, e, apesar de os catálogos informarem se a obra era ilustrada ou não, “só

esporadicamente era feita uma menção ao ilustrador (...) A informação de autoria de

ilustração era rara!!!” (SOARES DE LIMA, 1985, p.63). A revista Klaxon, em 1922,

destacava fora do texto nomes como os de Tarsila do Amaral, Alberto Cavalcanti, John

Graz, Brecheret, Di Cavalcanti, Anita Malfati, Yan de Almeida Prado, que tinham aca-

bado de participar de recente mostra de Artes Plásticas no Teatro Municipal. Mas era

rara a ilustração e o tratamento dos “problemas plásticos” em revistas como Klaxon,

Novíssima e a Revista de Antropofagia. Se durante o Modernismo artistas plásticos e-

xerciam esporadicamente a função de ilustrador, foi só com o passar da década de 1920

que a “ilustração adquiria, assim, gradativamente, seu prestígio junto ao livro, tomando

corpo nas capas através do desenho, da cor e da composição” (SOARES DE LIMA,

ibidem, p.165).

Pouco comuns no Brasil, num cenário em que cidades da Europa dominavam a

cena cultural internacional, algumas exposições e amostras destacavam o papel dos ilus-

tradores de livros. Vieram ao Brasil Blasé Cendrars, Le Corbusier, Marineti, mas nada

garantia um processo de internacionalização da literatura brasileira e das artes mais con-

sistente. Em 1922, Paris realiza a Exposition des Arts Décoratifs et Industrielles e o

Salon D’Automne destaca os ilustradores e sua presença nos livros. Ao fim dos anos

1920, as figuras do capista e do ilustrador no Brasil começam a se definir, auxiliadas

pelo aprimoramento das técnicas gráficas trazidas por imigrantes europeus e pelas tenta-

tivas de renovação gráfica do livro brasileiro por alguns homens dedicados aos livros.

Quando adquirira a Revista do Brasil em 1918, Monteiro Lobato já vinha envidando

esforços para a renovação da literatura e da indústria editorial brasileira – com a moder-

nização das práticas editoriais, publicação de novos autores, a criação de estratégias de

divulgação e distribuição, vendas em consignação, modelos de contrato diversificado e

mudanças no padrão gráfico dos livros, o que envolvia “diagramação e a qualidade de

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impressão”, contratação de ilustradores, cores nas capas, abandonando o padrão francês

de edição de livros no Brasil (DE LUCA, 1999, p.70).

Em fins dos anos 1920, segundo Zanini, a revista Para Todos, no Rio de Janeiro,

daria oportunidade a ilustradores modernistas, sobretudo a Di Cavalcanti, mas em fun-

ção da incipiência de um sistema de artes plásticas mais consolidado no Brasil, “boa

parte dos artistas da Semana de Arte Moderna nos anos 20 mudavam-se para Paris”:

Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret (ZANINI, 1983). Paris exercia grande

influência em artistas e intelectuais brasileiros, que voltavam ao país mais dispostos à

renovação cultural e ciosos de sua atuação social. Na Sorbonne, em 1923, Oswald de

Andrade faz discurso e Gilberto Freyre visita, na capital francesa, Vicente do Rego

Monteiro, que vai ilustrar Légendes, croyances et talismans des indiens de l`Amazonie,

e em 1925 Quelques visages de Paris.

O artista Di Cavalcanti em 1925 volta ao Brasil, quando então começa sua fase

social, com uma temática popular do país, e Osvaldo Goeldi - carioca que cresceu até os

seis anos em Belém e foi educado na Suíça - ao final dos anos 1920 faz a ilustração do

livro Canaã, de Graça Aranha, com o que exprime o movimento de um crescendo no

Brasil que vai ganhar nova configuração nos anos 1940. Em 1930, por esforço pessoal

de Vicente do Rego Monteiro e do poeta francês Geo-Charles, vem ao Brasil - no Rio

de Janeiro, São Paulo e Recife - a exposição da École de Paris, patrocinada pela revista

Montparnasse, e à América do Sul a Exposição Alemã de Livros e Artes Gráficas, onde

havia artistas impressionistas.

Talvez seja Cândido Portinari, também artista plástico ilustrador de livros, quem,

nos anos 1930, exprima o momento primeiro de uma realidade que vai se consolidar no

Pós-Guerra: o da onipresença dos Estados Unidos no campo da arte, como produtor de

arte e receptor de artistas, de certa maneira competindo com a hegemonia européia, em

especial a francesa. No tempo em que executa Os Retirantes - documento iconográfico

ícone de um gênero de arte de preocupação social no Brasil – o pintor Cândido Portinari

recebe, em 1935 pela tela Café, menção honrosa do Carnegie Institute, em Ohio, nos

Estados Unidos, e um ano depois participa da 33ª Exposição Internacional de Pintura no

mesmo instituto americano. A partir de então, convidado pelo ministro da Educação

Gustavo Capanema, o artista iniciava os estudos para pintar os murais do Ministério da

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Educação, a que vai se dedicar até 1945. Em 1939, Portinari pintaria ainda três painéis

para o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova Iorque.

Apesar de alguma efervescência, “entre 1930 e 1945 foram raríssimas as exposi-

ções vindas do exterior. Esta falta de comunicação com o estrangeiro, sensível também

nas dificuldades de acesso a publicações de arte, era um problema perseverante”, como

assegura Zanini (1983, p.572). Mas para o autor ainda faltam, nos anos de Entre-

Guerras, os museus de arte moderna brasileiros, que serão criados nos anos 1940. Em

1947, era criado o Museu de Arte de São Paulo, em 1948 o Museu de Arte Moderna do

Rio de Janeiro e em 1951, era o ano da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Pau-

lo. (...) A década de 40 assistiria a grandes alterações em nosso meio artístico, como seqüência de movimentação iniciada na agitada década anterior, seja na che-gada da informação internacionalista mais freqüente, seja na consideração polêmica das manifestações de arte primitiva, ou de autodidatas, como um Emígdio de Souza, Heitor dos Prazeres e José Antônio da Silva, por exemplo. Por outro lado, a década se vê pontilhada de exposições internacionais que nos visitam: as exposições francesas, em 1949 e 1945, a exposição norte-americana em 1943, uma exposição italiana em 1946, a exposição de Calder e a de “arte degenerada” expressionista (...) (AMARAL, 2003, p.109/110).9

No júri da seleção para o evento da Bienal estavam capistas ilustradores de li-

vros e artistas plásticos, entre eles Tomás Santa Rosa, ilustrador da Livraria José Olym-

pio Editora. O artista plástico Clóvis Graciano, ilustrador de livros em algumas editoras

nacionais – tendo sido um dos principais capistas de Jorge Amado, na Editora Martins,

de São Paulo – foi o terceiro artista mais cotado da Mostra. Os artistas convidados pela

diretoria executiva do Museu foram Cândido Portinari, Oswaldo Goeldi, Victor Breche-

ret, Di Cavalcanti, Maria Martins, Bruno Giorgi, Lívio Abramo e Lasar Segall.

O processo de reconfiguração das relações internacionais traz uma característica

nova na realidade dos anos 1940 que se consolidará no após-guerra: a emergência dos

Estados Unidos como potência mundial e a expansão da indústria cultural norte-

americana, como estratégia de angariar aliados ideológicos que colaborassem com os

9 A pesquisadora de Artes Plásticas Aracy Amaral organizou um “Esboço de Cronologia (1930-1970)”,

onde lista os acontecimentos artísticos marcantes no Brasil e no mundo do período, ano a ano. Ver AMARAL, Aracy A. Arte para quê? A preocupação social na arte brasileira. 1930-1970. 3ª ed. SP: Studio Nobel, 2003. 435 p.

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planos americanos de supremacia econômica e de alinhamento político-cultural. Nos

anos que seguem o fim da Guerra, a concentração de artistas em Paris é grande e ali

surgem novas tendências, ao lado dos grandes mestres mais ativos do que nunca, como

Matisse, Picasso, Leger. Diversas correntes dominam a Europa, sempre marcadas por

considerações políticas, e artistas se associam a escritores.

Essa reorganização política e cultural que afeta a consistência de um mercado in-

ternacional de artes do qual o Brasil irá, em algum grau, participar, vai repercutir na

indústria da confecção do livro, e um de seus aspectos mais salientes será a absorção de

artistas plásticos, pintores, gravuristas, desenhistas como ilustradores de livros visando

os públicos de uma sociedade diversificada desde os anos 1930. Em 1944, Rubem Bra-

ga, com vários artistas, expõe no Instituto Brasil-Estados Unidos as ilustrações do livro

Contistas Russos; Axel Leskoschek - austríaco ilustrador e artista plástico que ilustrara,

em 1945, livros de Dostoievski para a Livraria José Olympio Editora, residente no Rio

de Janeiro – expõe em 1948 no Salão do Ministério da Educação, apresentando dese-

nhos e gravuras. E, em 1949, o primeiro secretário da embaixada brasileira em Paris,

Roberto Assumpção, e o então segundo secretário João Guimarães Rosa, organizam na

embaixada uma exposição dos desenhos do artista plástico surrealista Francis Picabia,

que ilustrara a edição francesa de Janela do Caos, de Murilo Mendes.10

A pesquisadora francesa Marylène Malbert (2003) estuda um evento-síntese

num período de profundas transformações no mundo do Pós-Guerra. A autora examina

a Bienal de Veneza num período de vinte anos, desde 1948, quando ela se apresentou

como a “bienal da renovação e da reconciliação”. Foi nesse ano que os pavilhões dos

Estados Unidos, da Polônia e da Tchecoeslováquia adentraram o evento, demonstrando

como ele era “receptáculo das relações internacionais”, num momento de configuração

do mundo em blocos. A autora estuda os pavilhões da França, Grã-Bretanha, Estados

Unidos, União Soviética, Alemanha e Japão.

(...) No coração de uma manifestação artística que coloca em presença os prota-gonistas da atualidade internacional, seria errado dissociar diplomacia da po-lítica cultural e do mercado de arte. É certo que algumas nações são mais en-gajadas numa representação política, talvez ideológica, a priori indiferente às

10 Podem ser encontradas as reações de Murilo Mendes à edição francesa do livro e agradecimentos a

Guimarães Rosa pela participação no evento em GUIMARÃES, Júlio Castañon (Org.). Cartas de Muri-lo Mendes a Roberto Assumpcão. RJ: Ed. Casa de Rui Barbosa, 2007.110 p.

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inovações artísticas da época, enquanto outros parecem se limitar à demons-tração da excelência de sua cena artística. Estes jogos restam, no entanto, in-timamente ligados: enquanto a França coloca em seu pedestal, e parece se sa-tisfazer com o sucesso da Escola de Paris, ela se inscreve na vontade gaulista de restaurar a grandeza da França. Ao inverso, enquanto a União Soviética estabelece uma seleção digna de uma verdadeira propaganda socialista, ela afirma a predominância do realismo socialista e rejeita, do mesmo golpe, a abstração e os outros movimentos ocidentais (MALBERT, 2003, p.16).

Em 1945, a Europa continuava o centro do mundo de arte, apesar da incipiente

concorrência norte-americana, e Paris era ainda a capital das artes. Todos os artistas

para lá se convergiam e se encontravam: franceses, alemães, espanhóis, escandinavos,

americanos do norte e do sul. É no ano de 1948 que Napoleão Potiguara Lazarotto, o

Poty – ilustrador de Guimarães Rosa na Livraria José Olympio Editora – retorna de Pa-

ris e Clóvis Graciano ganha prêmio de viagem à Europa. Lívio Abramo – pintor, grava-

dor, desenhista que ilustrou Pelo Sertão, de Afonso Arinos, em 1946 - recebe o “prêmio

de viagem ao estrangeiro” da Divisão Moderna do Salão de Belas Artes, do Rio de Ja-

neiro. O artista viaja em 1953 pela Itália, Suíça, Bélgica, França e Holanda. Paris, e

também Berlim, acolhem artistas russos fugidos da ditadura Bolchevique. Em 1956 re-

presentam o Brasil na Bienal de Veneza: Di Cavalcanti, Aldemir Martins, Caribé, Mar-

celo Grassmann, Renina Katz e Fayga Ostrower.

Apesar de devastada pela Guerra, a Europa está ativa, mas, no entretempo, Nova

Iorque passa a concorrer na cena artística, e a arte americana a contar sobre a cena in-

ternacional, incentivando tendências desenvolvidas antes na Europa com artistas euro-

peus instalados na América. Os Estados Unidos vão passar, junto com a Europa, a rece-

ber artistas. A arte moderna vai se desenvolver no mundo inteiro e o Brasil e artistas

brasileiros participarão - de alguma maneira mais ou menos intensa - desse grande mo-

vimento de rearranjo e rearticulações do campo das artes e das relações artísticas num

mundo conturbado da Guerra e do Pós-Guerra.

Em 1942, o Brasil recebe a Exposição de Pintura Contemporânea Norte-

Americana, num total de 112 artistas plásticos, em 1943 artistas plásticos organizam no

Brasil uma Mostra “Anti-Eixo” e, em 1953, parte uma caravana de artistas brasileiros à

União Soviética. As relações internacionais modificadas pelo contexto de guerra e pós-

guerra irão estimular o desenvolvimento mundial de movimentos nacionalistas acompa-

nhados de definições acerca das identidades nacionais. As artes não ficarão indiferentes

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e, no Brasil, o mercado de livros em expansão será grande receptáculo de idéias e deba-

tes sobre a identidade coletiva brasileira. Assim como suporte da arte de muitos artistas

plásticos.

A partir dos anos 1930, o mercado editorial em expansão vai atuar para fortale-

cer o que era identificado com uma vontade coletiva de conhecer o país, uma época que

é marcada por “uma política cultural nacionalista que une a história e a geografia num

élan de conhecimento do país, inscrito em um movimento de idéias pela formação da

‘consciência nacional’, em vários campos da cultura, educação e ciências sociais”

(ANGOTTI-SALGUEIRO, jul.dez.2005, p.24). O movimento de pensamento estava

associado intimamente à possibilidade de sua publicação e era incrementado pela ex-

pansão do mercado editorial. O poder político produzia esforços “para criar uma nação”

que reforçava o espírito nacional, “materializado na unidade do território, em que os

geógrafos e a geografia assumiram um papel de destaque”, confirma Angotti-Salgueiro

(ibidem, p.25).

A indústria de livros incentiva, então, um movimento de interpretação do Brasil

que se debruça sobre a definição de uma identidade nacional e o debate sobre os desti-

nos do país.

Para isso, não seria transformando os dramas das grandes cidades em dramas na-

cionais que se teria acesso ao Brasil verdadeiro, mas conhecendo, dando a ver os dra-

mas das populações que viviam distantes dos grandes centros e cidades. O contexto de

expansão das viagens ao interior do Brasil, agora instituídas segundo métodos e práticas

profissionais de geógrafos, faz-se acompanhar de grande divulgação do país em revistas

ilustrativas, plenas de desenhos e fotografias do país. O surgimento de uma comunidade

de geógrafos, nos anos 1930, com a institucionalização dos cursos de Geografia nas

universidades brasileiras, e o aparecimento de órgãos públicos geográficos, também

incrementam o surgimento de variadas publicações ilustradas de caráter geográfico,

algumas existentes na biblioteca de Guimarães Rosa.

Trata-se de um movimento de idéias que se torna plausível a partir do instante

em que a indústria brasileira do livro publica essas idéias e cria comunidades de interes-

se interpretativo, definidas segundo temas e abordagens do país colocado em livros. No

contexto de expansão da indústria editorial no Brasil, surgem iniciativas editoriais de

vulto em forma de coleções que se apresentam como conjunto de obras significativas

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que produzem uma “representação totalizante da nacionalidade e da cultura nacional”

(RIVRON, 2005, p.45), coleções-emblema, nos próprios títulos, da existência do que

seria um genuíno modo de ser, a “brasilidade”, autentificada por homens de letras, inte-

lectuais e pela nascente universidade brasileira. Na primeira metade dos anos 1930 são

publicadas a Coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional, e a Documentos Bra-

sileiros, da Livraria José Olympio Editora. A realidade é o conceito-chave nos anos

1930, encenando-se em estudos interpretativos, deflagrados pelas coleções e pela ex-

pansão do mercado de livro. A pesquisadora Heloisa Pontes (1989) assegura que a ex-

pansão do mercado editorial “produziu um personagem inédito no Brasil”: o romancista

profissional, no mesmo movimento de aparecimento das coleções sobre o país, que,

segundo a autora, pareciam seguir o “modelo euclidiano” de Os Sertões: “isto é, trata-se

de uma produção centrada na caracterização da terra (...), do homem (...) da luta”

(PONTES, 1989, p.387/388).

As coleções surgem e generalizam o esforço de criação de uma tradição de estu-

dos sobre o Brasil e de literatura brasileira, organizadas em coleções literárias. Ao se

referir à Coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional, a pesquisadora Eliana

Dutra constata que a iniciativa foi “o maior empreendimento editorial destinado a reunir

um conhecimento sistemático sobre o Brasil, ainda hoje sem equivalente na história da

edição do país” (DUTRA, 2006, p.301).

A biblioteca de Guimarães Rosa demonstra o diálogo do escritor com esses li-

vros.

Ela contém apreciável número de livros dessas coleções, tais como a Brasiliana,

a Documentos Brasileiros, a Cadernos de Cultura, do Ministério da Educação, para

ficarmos nas coleções que se fizeram mais célebres.11 Um levantamento despretensioso

dos nomes das coleções com que as editoras brasileiras procuravam agregar suas publi-

cações de alguma maneira ao movimento de redescoberta do Brasil, aponta para a reali-

dade de que essa vontade de participar dessa redescoberta tenha sido mais disseminada

do que pode parecer pela observação de algumas coleções consagradas do pensamento e

da história brasileira.

11 Estudo específico da Coleção Documentos Brasileiros, da Livraria José Olympio Editora, pode ser

encontrado em FRANZINI, Fábio. À sombra das palmeiras. A Coleção Documentos Brasileiros e as transformações da historiografia nacional (1936-1959). 220 f. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FAFLECH), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2006.

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Ao lado das coleções consagradas, existiram algumas outras iniciativas de cole-

ções que insistiam em criar uma comunidade imaginada que se podia encontrar já no

próprio nome das coleções. Assim, as coleções Romances do Povo, Mundo Brasileiro,

Terra Forte, Visão do Brasil, de editoras menos expressivas.12

No entanto, as transformações de modernização e urbanização por que passa a

sociedade brasileira não são vividas sem conflitos.

A realidade de modernização do Brasil e de disseminação de tipos de equipa-

mentos culturais diversificados provoca impactos nas políticas voltadas para o livro e

para a definição mais rigorosa de diretrizes com que agentes culturais e editores elabo-

ram o problema das trocas possíveis entre livros e outros recursos disponibilizados pela

nova realidade. Muitos editores questionam de um processo deletério de “intromissão”

dos mass media modernos no hábito secular e sagrado da leitura de livros e a “crise do

livro” é um tema recorrente, haja vista que contém apelos a políticas públicas favorá-

veis, e ainda reitera uma antiga lamentação: o fato de que o brasileiro não lê. Nos núme-

ros 2 e 3 do Jornal de Letras, em 1949, em agosto e setembro, a denúncia é a da “crise

do livro” e da leitura, no Brasil e no mundo. Editorial adverte que “o Brasil clama pela

política do livro”.

Em editorial, em 1954, no Boletim Bibliográfico Brasileiro, o articulista Álvaro

de Brito considera que o brasileiro lê “muitíssimo pouco”. Quando, na fase adulta, lê

“um jornal ou uma revista” esquece de que os noticiários e artigos desses órgãos “care-

cem de profundidade”, e se torna um “preguiçoso”, sem cuidar de sua elevação moral e

mental. Para o articulista, o “hábito preguiçoso” que não estimula a leitura “retarda o

progresso mental do homem comum brasileiro”.13

Escrevendo em 1954 para o Boletim Bibliográfico Brasileiro, o presidente do

sindicato nacional das empresas editoras de livros e publicações culturais naquele mo-

mento, Ênio Silveira, em alguns artigos de opinião, afirma suas convicções sobre o ne-

gócio do livro sem recair em qualquer nostalgia. O presidente propugna diversas frentes 12 Fizemos pesquisa nas resenhas bibliográficas anuais do Boletim Bibliográfico Brasileiro dos anos de

1952 a 1963 a fim de verificar a menção a prefaciadores, comentaristas, anotadores e ilustradores na re-ferência catalográfica, recolhendo a menção como parte do processo de complexificação da indústria do livro brasileiro. A pesquisa sugere a estratégia com que as editoras tentavam agrupar conjuntos de li-vros unificados conforme coleções, tentando criar dossiês sobre o Brasil e sua unidade. O Boletim Bi-bliográfico Brasileiro era publicação bimestral de editores e livreiros que informava dos negócios de livros no Brasil, criado em 1952 pelo Sindicato Nacional das Empresas Editoras de Livros e Publica-ções Culturais.

13 Álvaro de Brito, artigo “Ler ou não Ler”. Boletim Bibliográfico Brasileiro, nov.dez.1954, n.6, v.2, p.5.

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de ataque para que o negócio do livro dê certo: custos de produção, taxas cambiais, a-

nomalias tributárias, pesquisa de mercado, atitude psicológica, apresentação gráfica. O

articulista manifesta admiração pela indústria americana do livro, que produz “de tudo

para todos”, ao contrário da produção brasileira, que prima pela especialização. Numa

apreciação bastante pragmática, Ênio Silveira afirma que na indústria do livro no Brasil

“abandonou-se o extenso em favor do profundo”.14

Em posição oposta, com profunda conotação espiritualista, Tristão de Athayde

escreve o artigo A palavra falada, no Suplemento Letras e Artes do Diário de Notícias,

em novembro de 1953. Athayde lastima o culto da oralização da palavra num “século de

massas”, afirmando que “o estilo oral é a expressão literária do século XX”, e que a

oralização desliga a palavra do significado, à medida que a arranca de sua fonte “prime-

va”, o livro. Sua atracação essencialista se dirige aos “modernos meios de divulgação da

palavra”, e em especial ao rádio, em que ele lamenta uma onipresença. (...) O culto da palavra desligada da verdade, desligada da alma humana e da sua responsabilidade de distinguir eficazmente entre o bem e o mal, a verdade e o erro (...) O rádio facilita muito essa nova idolatria. Ouvimos sem ver. As pa-lavras passam a valer por si, a flutuar no ambiente como fantasmas, a destruir o silêncio (...) pelas janelas vindas das casas vizinhas, como desencarnados que passeiam livremente entre nós, penetrando em tudo, embarafustando-se por toda parte, violando os últimos refúgios das nossas salas de estudo nos bairros outrora mais silenciosos. Os campos de futebol já não estrugem sozi-nhos quando os times fazem gols. Entram por nossos quartos a dentro, por mais protegidos que estejam (...) Esse tremendo sibilar do nada é que enche o mundo moderno e ameaça arrastar a palavra no turbilhão das vozes sem ne-xo. Poderá a televisão corrigir esse prejuízo de uma desencarnação da pala-vra, voltando a ligá-la a sua fonte natural: o homem? Ou veremos o disco destronar o livro, o rádio matar a imprensa?

Numa tirada absolutamente nostálgica, Tristão de Athayde repõe a superioridade

intrínseca do livro como meio de entendimento da palavra e de formação de almas.

(...) Os meios modernos de divulgação da palavra – cinema, disco, rádio, televi-são – não podem nem devem desbancar o livro. O livro e toda a palavra escri-ta é necessária na seqüência da expansão da alma. E tem sobre a palavra fala-da o grande mérito de falar baixo, de falar em silêncio, de tomar contacto len-tamente com o que há de mais íntimo em nós mesmos. Pois como diz aquele

14 Ênio Silveira, editorial “A Indústria e o Comércio da Edição”, Boletim Bibliográfico Brasileiro, mar-

ço/abril 1954, n.2, v.II, p.2.

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velho texto chinês ou japonês do século VI nada é mais caro a nossa alma do que a leitura de um bom livro à luz de uma lâmpada discreta.15

A seu turno, um importante editor de livros dos anos 1940, Maurício Rosem-

blat,16 lamenta que a vida moderna “tira tempo do homem”, substituindo o hábito da

leitura pelos cinemas, auditórios de rádio e estádios de futebol, e consumindo, ao invés

de livros, as “coisas do progresso técnico”, como geladeira, eletrola, rádio, carro. Isso

afasta “criaturas alfabetizadas” do livro, e, por isso, conclui: “nunca leram tão poucos”.

Reiterando a crítica de que o leitor troca o livro pelo cinema, o rádio e o futebol, o arti-

culista reproduz o que seria a percepção que o escritor de livros tem de seus pares: (...) O confrade X abandonou as letras e dedicou-se ao cinema. Por outro lado, Z escreve crônicas para o rádio e perpetra, sob pseudônimo, novelas radiofôni-cas. Quanto a Y, há muito tempo que se dedica ao teatro, escrevendo peças. Não adianta mais escrever livros. Ninguém os lê (...)17

Editores brasileiros reclamam contra o assédio às crianças que fazem as revistas

em quadrinhos, exigindo satisfações, e há muitas reclamações contra a “sensualização”

das capas de livros, chamando para o que seria uma fratura de percepção no meio artís-

tico-intelectual.18

A verdadeira corrida feita por escritores, editores, personalidades e educadores

em geral contra as “histórias em quadrinhos” é ilustrativa. No número 5, de set.out. de

1955, o Boletim Bibliográfico Brasileiro dedica espaço a noticiar as constantes visitas

que tem recebido a Editora Brasil-América Ltda, que acabara de modernizar suas insta-

lações, tendo feito o que o Boletim nomeia de uma “moralização das histórias em qua-

drinhos”. Caravanas de personalidades do mundo literário, editorial e político vão até à

fábrica da editora visitar as instalações da “empresa que moralizou o gênero”. Em outu-

bro de 1954, é realizado em São Paulo o II Congresso de Editores e Livreiros do Brasil,

onde se aprovou a tese sobre “o problema das ‘histórias em quadrinhos’, com todos os

pretensos heróis do tipo ‘super-homem’ e mais figuras de terror e de sensualismo, cuja 15 Os dois trechos da declaração de Athayde foram retirados de Suplemento Literário Letras e Artes, do

Diário de Notícias. 8.11.1953, p.1. 16 Editorial de Mauricio Rosemblat em Jornal de Letras, n.3, set.1949, p.3. Seção Vida dos Livros. 17 Editorial de Mauricio Rosemblat, ibidem. 18 Ver Boletim Bibliográfico Brasileiro, n.5, set.out.1955.p.4

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importação criminosa tantos malefícios vêm causando às crianças e aos jovens do Bra-

sil”.19

É nesse contexto de trocas culturais entre equipamentos e signos da cultura en-

volvendo artistas brasileiros e internacionais, concorrência de uma indústria de mídias

modernas, em que vai surgir e crescer a literatura de Guimarães Rosa.

3.3 - Livros e inventários de tradições – as palavras e as imagens da arte

Publicado em 1946 pela Editora Universal, o livro de estréia de Guimarães Rosa

Sagarana até aquela data não teria se favorecido das possibilidades de trocas culturais –

e certamente políticas - que a condição de ser um “autor da José Olympio” lhe favorece-

ria depois.20 A partir de 1951, quando se publica a terceira edição do livro na Livraria

José Olympio Editora – a primeira edição na editora consagrada - Rosa se aproxima dos

ilustradores artistas plásticos internacionais da editora e seus livros passarão a incorpo-

rar o prestígio ilustrativo do requinte gráfico das publicações da famosa casa de edição

brasileira.

Primeiro em São Paulo, em 1931, e depois no Rio de Janeiro, em 1934, o surgi-

mento da Livraria José Olympio Editora, no processo de expansão do parque gráfico-

editorial brasileiro, já garantira a base material da “conquista do público pelos roman-

cistas-documentaristas nordestinos” do Romance de 30 (WERNECK SODRÉ, 2003,

p.154), e agora garantirá a Guimarães Rosa que seus textos se materializem em livros

em que se reconheça. Se seguirmos Foucault, uma obra se distingue pelo fato de que o

nome do indivíduo se destaca de sua pessoa e se torna uma categoria de sujeito social, o

autor, não mais identificado pelo nome, mas por uma função - o que o qualifica por uma

categoria “imediatamente consumível” que precede o texto e que se refere a um discur-

so “que deve, numa cultura, receber um certo estatuto” (FOUCAULT, s.d, p.45). Autor

de livro publicado pela Editora Universal, no processo de construção de sua obra entrar

19 Noticiário do Boletim Bibliográfico Brasileiro, em Nov.Dez 1954, n.6, v.II. p.7. 20 O estudo da trajetória da Editora José Olympio sob a perspectiva das relações sociais entre editores,

autores, especialistas da cultura e autoridades da vida política brasileira pode ser encontrado em SORÁ, Gustavo. Brasilianas. A casa José Olympio e a instituição do livro nacional. 1998. 367 f. Tese (Douto-rado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janei-ro.

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para a Livraria José Olympio Editora talvez signifique para Guimarães Rosa um reforço

a mais pelo que a arte reconhecida dos ilustradores da editora passa a emprestar a sua

trajetória materializada no objeto livro, o que provavelmente aciona ainda mais o dispo-

sitivo que o enquadra como um escritor literário referido ao estatuto de um discurso –

textual e imagético - que lhe confere distinção social.

Ademais, a editora publicava muitos autores-intérpretes do Brasil, cujos textos

também eram acompanhados de ilustrações. A incorporação do escritor ao prestigioso

círculo de escritores e intérpretes do país autores da editora parece agregar um fato que

passa a contar, tanto para a apreciação do livro de interpretação, quanto do livro de lite-

ratura: a progressiva incorporação de artistas plásticos para os desenhos de capa e ilus-

tração de livros, em meio a um contexto de expansão e consolidação de museus e bie-

nais de arte no Brasil e no mundo. Ao livro Sagarana junta-se em 1951 a arte decorativa

do consagrado artista Tomás Santa Rosa, um artista que “começou a distinguir-se na

década de 1930 como ilustrador de romances do Nordeste e como autor das capas dos

livros da Editora José Olympio” (BARSANTE, 1993). Um ilustrador que organiza os

livros da editora, dando-lhes uma unidade gráfico-editorial, criando um “estilo próprio

em função do qual mudaria a apresentação gráfica e artística do livro brasileiro” (BAR-

SANTE, ibidem).

A edição de Sagarana ficou celebrizada junto ao círculo de escritores, críticos e

agentes da cultura pelo famoso desenho de capa feito por Santa Rosa: o desenho frontal

em fundo verde pastel do esqueleto de uma cabeça de boi.21 Entendida na combinação

de um articulado livro-texto, a literatura contém certos fatores da “ordem dos livros” e

da ordem dos ilustradores e do status que adquire, pouco a pouco, a função da ilustração

de livros no Brasil ao longo do século XX. A renovação da qualidade da ilustração de

livros de literatura brasileira - com que a Livraria José Olympio Editora colaborou -

certifica-se pelo trabalho gráfico efetivado por Santa Rosa, cuja atuação artística se liga

a circuitos internacionais de artes em que artistas plásticos brasileiros e do mundo intei-

ro participam. Provavelmente a Livraria José Olympio Editora reforça para Guimarães

Rosa sua auto-representação de escritor significativo das letras brasileiras, mas a incor-

poração do escritor pela editora lhe repassa ainda uma identidade visual dos livros valo-

21 Já a publicação do livro em 1946, pela Editora Universal, revelava um momento de renovação gráfica

dos livros brasileiros. A ilustração de capa feita por Geraldo de Castro de uma cabeça de cavalo e outra de boi também foi motivo de várias referências elogiosas de autores e críticos de arte em sua época.

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rizados pelo apuro da técnica ilustrativa iniciada na editora por Tomás Santa Rosa e

continuado depois por Poty Lazarotto e Luiz da Silva Jardim, ilustradores futuros de

João Guimarães Rosa. Se a literatura de Rosa se compôs de obras-primas pelo que rom-

peram de anteriores convenções da escrita literária na história da literatura brasileira, os

livros deixaram na memória coletiva dos que o leram a marca dos desenhos de Poty, a

ponto de a crítica dos livros comentá-los fazendo menção aos belos desenhos do ilustra-

dor no livro.22

Mário Pedrosa analisa Pesquisa Ibope, do ano de 1957, sobre o interesse artístico

da população brasileira, caracteriza os anos 1950 em termos de produtores e de público

de arte, e aponta, de maneira instigante, para o que seriam os novos componentes em

jogo nos processos próprios de realização no universo sócio-artístico brasileiro. A cita-

ção abaixo aponta o que seria um pouco a realidade da inter-relação entre mercado na-

cional e internacional de artes. (...) De qualquer modo, a conclusão do quadro de respostas indica claramente um interesse mais positivo pelas coisas da arte nas gerações mais novas (...) Só muito recentemente as atividades artísticas se vêm desenvolvendo e as insti-tuições a elas relacionadas vão aparecendo em maior número. As exposições de arte nacionais e internacionais nunca foram tão freqüentes quanto agora; os museus de arte surgem um pouco por toda parte, bem como as galerias de arte. Por outro lado, houve no mundo inteiro, a partir do fim da última guerra, mas sobretudo para os fins da década de 40, um fato novo no mercado do li-vro: a procura crescente do livro de arte! Em Paris ou Roma, Nova York,

22 Napoleon Potyguara Lazzarotto, o Poty (Curitiba PR 1924-1998). Gravador, desenhista, ilustrador,

muralista e professor. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1942 e estuda pintura na Escola Nacional de Belas Artes. Freqüenta o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Em 1946, viaja para Paris, onde permanece por um ano. Em 1950, funda a Escola Livre de Artes Plásticas, na qual leciona desenho e gravura. Nessa época organiza o primeiro curso de gravura do Museu de Arte de São Paulo. Organiza, ao longo da década de 1950, cursos sobre gravura e nos anos 1960 tem destaque como muralista. Tem relevante atuação como ilustrador de obras literárias, como as de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Eu-clides da Cunha, Dalton Trevisan, Guimarães Rosa, entre outros. Tomás Santa Rosa Júnior (João Pes-soa PB 1909-Nova Delhi Índia 1956). Ilustrador, artista gráfico, cenógrafo, pintor, decorador, figurinis-ta, gravador, professor e crítico. Muda-se para Salvador em 1931 e, em 1932, transfere-se para o Rio de Janeiro e auxilia Cândido Portinari (1903-1962) na execução de diversos murais. Em 1933, inicia suas atividades como ilustrador colaborando nos periódicos Sua Revista e Rio Magazine. No ano seguinte, inicia colaboração como ilustrador das publicações da Editora José Olympio. Exercendo esta atividade até o ano de 1954, realiza capas e ilustrações para diversos livros. Voltando-se para as artes cênicas, re-aliza alguns trabalhos cenográficos Em 1945, funda com Jorge Lacerda o jornal A Manhã. Neste perió-dico ilustra e escreve artigos para o suplemento Letras e Artes. Luiz Inácio de Miranda Jardim (Gara-nhuns, 1901), desenhista e ilustrador da editora, começara a carreira também como escritor e em 1937 vence com o livro Maria Perigosa concurso literário disputado com Guimarães Rosa. Depois, vai se tornar ilustrador de Rosa na Editora José Olympio. Quanto à atuação junto a Livraria José Olympio E-ditora na ilustração dos livros de Guimarães Rosa, temos que Tomás Santa Rosa ilustrou a primeira e-dição de Sagarana, em 1951, Poty foi o ilustrador dos “livros de 1956”, e Luiz Jardim ilustrou os livros do escritor nos anos 1960.

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Bruxelas ou Zurique, Buenos Aires, e mesmo Rio de Janeiro e São Paulo, as livrarias começaram a encher-se de livros sobre arte, álbuns, reproduções em cores, histórias de arte em quantidade e qualidade crescentes. Em conversa com vários livreiros daqui e do estrangeiro, verifiquei serem todos unânimes em afirmar que os livros sobre arte, incluindo nela o cinema, passaram a pre-ponderar na procura aos livros sobre política que dominaram o mercado para o fim da guerra, e principalmente logo nos primeiros anos dela (...) (PEDRO-SA, 1981, p.117). 23

E o autor conclui, arriscando uma análise da mudança de vontade do público-

leitor nacional e internacional, dizendo: (...) desvanecidas as esperanças messiânicas do após-guerra, dividido o mundo em dois blocos irreconciliáveis, uma parte pelo menos da mocidade descobria na arte uma nova dimensão para o homem, e, portanto, novos motivos de es-perança (PEDROSA, ibidem, p.17).

A literatura de Rosa parece se articular a um grande movimento de internaciona-

lização da arte e do artista brasileiro, e de intercâmbio e trocas de experiências culturais

entre países, situação em que textos e imagens se combinam em produtos que ora são

entretenimentos e ora são culturas. O intercâmbio vivo entre artes se incrementava

mundialmente nos anos da literatura de Rosa publicada pela José Olympio Editora ilus-

trada por artistas plásticos que eram autoridades internacionais em seus campos de arte.

Pela biblioteca de Rosa, a realidade de publicações dirigidas às cidades brasilei-

ras de meados do século XX pode ser enriquecida pela análise também de materiais que

indicam prováveis mediações criativas e interpretativas para o escritor-diplomata.

Simultâneas ao desenvolvimento de uma cultura fotográfica no Brasil, tais pu-

blicações sugerem um estoque a mais de textos – escritos e visuais - com informações

sobre a vida rural do país que poderia ser motivo de figurações pelo escritor na execu-

ção de sua arte literária, e informações para o diplomata no trato das questões nacionais

a que estava obrigado pelo cargo que ocupava. A atividade de Rosa não deixava de ser

também um trabalho da arte de conhecer o território para argumentar em torno dele. A

pesquisadora Marli Scarpelli reproduz o comentário de Emir Rodriguez Monegal, que,

em 1963, em visita particular ao então chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras

23 O texto foi originariamente artigo publicado por Pedrosa no Jornal do Brasil, a 14 de agosto de 1957.

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do Itamaraty João Guimarães Rosa, o ouvia explicar seu processo criativo: “Enquanto o

escutava falar com precisão e sem pressa, pensei que essa tarefa devia ser também um

serviço de demarcação de fronteiras” (SCARPELLI, 2003, p.115).

A história da expansão da literatura impressa “já havia consagrado desde o início

do século [XX] formas como os jornais diários, as revistas ilustradas, as histórias em

quadrinhos. (...)” (ORTIZ, 1988, p.38) e o surgimento de revistas ilustradas de grande

circulação - como O Cruzeiro, em 1928, e depois Manchete, em 1952 - foi acompanha-

do, entre muitas iniciativas, da entrada no país de impressos como a Revista Seleções,

em 1942, revistas em que Rosa publicou alguns de seus textos. Analisando as fotorre-

portagens da revista O Cruzeiro nos anos 1940, Helouise Costa afirma que a revista

“conformou um imaginário sobre o Brasil”, tendo como modelos revistas internacionais

como Paris Match, Life, Picture Post, Der Spiegel, o que teria contribuído no processo

de formação de uma “cultura fotográfica” no país (COSTA, 1998, p.140). Enquanto

prática social “integrante e indissociável da vida moderna”, expressa em usos, funções e

representações, desde sua invenção a fotografia foi, pouco a pouco, arraigando hábitos e

práticas, e se foi fazendo cultura fotográfica: (...) [A fotografia] se forma e se manifesta através [de sua] incorporação em ou-tros domínios da vida social, como o artesanato popular, as crenças religiosas e políticas, as sociabilidades familiares e urbanas, a inspiração artística e lite-rária (TURAZZI, 1998, p.9).

A partir das considerações sobre a relação entre fotografia e constituição de polí-

ticas para o patrimônio, Maria Inez Turazzi (1998) analisa - em meados do século XX

no Brasil, mais exatamente nos anos 1940 e 1950 - a constituição e consolidação de

uma cultura fotográfica no país. Ante a multiplicidade de imagens, formas e significa-

dos produzidos ao longo da história pelos processos químicos, mecânicos e eletrônicos

de captação de imagens, a autora considera que uma identidade singular sob o nome

único de “fotografia” só foi possível graças à constituição de uma geral “cultura foto-

gráfica (...) em grande parte responsável pelo alargamento do sentido da visão na socie-

dade contemporânea” (TURAZZI, ibidem, p.8).

No Brasil de meados do século XX, os fotógrafos franceses Pierre Verger, Mar-

cel Gautherot e Jean Manzon tiveram lugar central na representação fotográfica do país

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e na fixação de uma cultura da fotografia. A carreira desses fotógrafos – herdada de uma

tradição de registro de populações por imagens, datada pelo fim do século XIX - se ins-

crevia no movimento de captar lugares exóticos, monumentos, civilização e tipos locais,

num movimento que provinha do século XIX e que se afirmara no âmbito da Geografia

Humana Francesa, em campanhas fotográficas como a dos Archives de la Planète, que

visava a “catalogação das culturas do mundo”, como aponta a pesquisadora Heliana

Angotti-Salgueiro (2007ª, p.158). Marcel Gautherot fará grande interlocução com a Ge-

ografia Humana Francesa no seu interesse de registrar tipos e aspectos.24

Já a partir dos anos 1920, especialmente as revistas ilustradas com fotorreporta-

gens têm uma série de características que atendem à demanda das grandes massas urba-

nas, com matérias compostas de muitas imagens fotográficas, tornando a “alta cultura

‘acessível’ a todos aqueles que podem dispor de dinheiro suficiente para adquirir não

mais um monte de livros de difícil digestão, mas uma revista bonita e de fácil leitura

(...)” (COELHO, 2003, p.10).

O fotógrafo Marcel Gautherot chega ao Brasil em 1940, mas se ausenta muito do

Rio de Janeiro em missões fotográficas itinerantes pelo interior do país, muitas vezes a

serviço de instituições oficiais.25 O aparecimento das máquinas fotográficas Leica e

Rolleiflex, nos anos 1920, facilita a mobilidade do fotógrafo ou do escritor e favorece a

junção fotografia e viagens. Marcel Gautherot e outros fotógrafos viajam ao Brasil, à

Grécia, ao México. Jean Manzon desembarca no Brasil em 1940 e logo é contratado

pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, como fotógrafo e cinegrafista.

Onipresente na produção de bens culturais e na elaboração/promoção de uma cultura 24 A escola geográfica da Geografia Humana Moderna, de extração francesa, liga-se a Societé de Géogra-

phie de Paris, de cuja memória é a guardiã. O geógrafo Paul Vidal de La Blache é considerado o pai te-órico da escola e seu Tableau de Géographie de la France “nos oferece o caso único de um geógrafo, erudito todo tempo, avançando nos domínios da sensibilidade com a natureza, que é, antes, o apanágio de escritores e artistas (...)” (GUIOMAR, 1986, p.580). O livro foi publicado em primeira edição em 1903, em 28 volumes, mas em 1908 houve edição suntuosa, ilustrada, e com várias fotografias feitas do território francês pelo próprio La Blache. No Brasil, a Geografia Humana Francesa abasteceu o ideário geográfico do IBGE durante muitos anos. A corrente de pensamento geográfico penetrou no país prin-cipalmente nos anos 1930 com a chegada dos professores franceses que vieram ajudar a criar as univer-sidades em São Paulo e Rio de Janeiro e a criar os órgãos geográficos governamentais - Pierre Mom-beig, Francis Ruelan, Pierre Deffontaines - todos alunos e/ou discípulos de La Blache. Rosa guarda em sua biblioteca o exemplar do livro de Pierre Deffontaines, Contributions à La Géographie pastorale de l’Amérique Latine (1964), um dos representantes da escola que vieram ao Brasil.

25 Boa parte das considerações, aqui, sobre fotografia e fotógrafos no Brasil do período é dessa publica-ção, ou me foram sugeridas pela professor Heliana Angotti-Salgueiro, a quem eu gostaria de agradecer suas oportunas sugestões de leitura. Ver: ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana (Org.) O olho fotográfico – Marcel Gautherot e seu tempo. São Paulo, FAAP, 2007.

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nacional, o DIP era um forte instrumento por onde se consolidava uma cultura fotográ-

fica “do Brasil”, construidora de uma imagem do “nacional”.26 Segundo Maria Beatriz

Coelho (2003, p.10), “é assim que uma nova imagem do país começa a ser desenhada e

a fotografia vai fazer parte desta construção”. Marcel Gautherot e Pierre Verger, curio-

samente, quiseram conhecer o “exótico e amigável país” Brasil após terem lido Jubiabá,

de Jorge Amado, publicado na França como Bahia de tous les saints, em 1938.

Já Pierre Verger, que também chegara ao país em 1940, não se dispusera a traba-

lhar com fotografia, porque considerava o DIP onipotente sobre matéria fotográfica a

ser publicada no país. Em 1944, estando vivendo no Peru, conhece Roger Bastide, que

lhe mostra a Bahia. Quando se fixa no Brasil, em 1946, logo se torna colaborador de

Manzon em O Cruzeiro, contratado antes pela revista para fotorreportagens em dobra-

dinha com David Nasser. Em 1946 mesmo, Verger chega a Salvador, de onde nasce

frutífera relação com Jorge Amado, Mário Cravo e Dorival Caymmi. Fotografando a

Bahia, Verger integra um conjunto especioso de intelectuais do olhar que vão compon-

do uma representação imaginária do Brasil recortado/enquadrado por lentes fotográficas

que dão a ver o país em impressos ilustrados, quando não em imagens em movimento:

em meados dos anos 1950, Manzon vai trabalhar principalmente o cinema-

documentário.

No período de constituição de uma cultura fotográfica no Brasil de meados do

século XX, as encomendas são o que definem os deslocamentos do fotógrafo pelo Bra-

sil. Como examina Heliana Angotti-Salgueiro, eles executam encomendas para institui-

ções oficiais – SPHAN, Campanha Nacional de Defesa do Folclore, Ministério das Re-

lações Exteriores, IBGE – e mesmo para empresas privadas, em revistas ilustradas co-

mo O Cruzeiro e Manchete. (...) As viagens fotográficas de Marcel Gautherot constroem um itinerário moder-no de documentação do Brasil, vinculado, embora sem palavras, aos debates mais institucionalizados dos anos 40/60 sobre a paisagem, o patrimônio, o folclore, a cultura popular e a arquitetura moderna. Suas imagens tornam-se convenções visuais autorizadas e reconhecidas do país (...) [Gautherot] parti-cipou voluntariamente ou não do processo de fabricação do nacional (...) (ANGOTTI-SALGUEIRO, 2007ª, p.160).

26 O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939 por Getúlio Vargas, dentre tantas

funções, organizava a censura do teatro, do cinema, das funções recreativas e esportivas, da radiodifu-são, da literatura social e política e da imprensa, estimulando a produção de filmes educativos nacionais de cunho patriótico e educativo

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Segundo o que sugerem as considerações de Maria Inez Turazzi (1998), a incor-

poração da fotografia pela inspiração literária ofereceria à criação uma espécie de reper-

tório de mensagens visuais que mediariam a relação texto e leitor urbano, a quem se

dirige a produção fotográfica organizada do país.

Por pouco que seja, Guimarães Rosa executava trocas entre textos visuais do

Brasil pela mediação de suas viagens e dos livros publicados como resultados de via-

gens pelos órgãos governamentais geográficos que, a partir dos anos 1940, desencadei-

am no Brasil excursões sistemáticas, momento em que a literatura de Rosa inicia sua

trajetória por uma viagem ao interior de Minas, em 1945. A biblioteca de Rosa é farta

em livros de geografia onde o Brasil está sendo desenhado e fotografado no processo de

ocupação do território, o que reforça, certamente, o conhecimento do país pelo acesso a

suas imagens fixadas em revistas e livros. Geográficas ou não.

Se a fotografia integra pela formação de um repertório seriado de imagens parti-

lhadas do país, ela poderia impregnar a inspiração artística e literária, que, nos modos de

compor o imaginável, se utilizaria dos registros fotográficos no mesmo universo de lei-

tores e escritores. Abrantes estuda o acervo do fotógrafo húngaro Tibor Jablonsky, um

dos primeiros fotógrafos profissionais contratados pelo IBGE, entre o fim da década de

1940 e o início da década seguinte. As regiões fotografadas por Jablonsky resultavam

de excursões e geravam artigos publicados em revistas geográficas, como a Revista

Brasileira de Geografia e o Boletim Geográfico – publicação mensal do Conselho Na-

cional de Geografia. Tibor Jablonzski havia sido técnico de cinema e de instrução se-

cundária em seu país de origem e produziu cerca de 7.000 registros imagéticos sobre o

Brasil (ABRANTES, s.d).

Marcel Gautherot dizia que fotografava para viajar. Analogamente, Rosa talvez

escrevesse para viajar. Se não era assim exatamente, visto que pelos livros ele bem po-

dia estar na biblioteca quieto compondo e escrevendo, estamos sugerindo que essa pode

ser uma premissa que liga atividade fotográfica e literária pelo nexo que ambas têm com

a tradição geo-etnográfica de viagens e excursões. A chancela de autoridade ao conhe-

cimento científico e etnográfico fornecida pelas viagens-excursões, pelas enquetes de

campo, a princípio não atuariam da mesma forma para o escritor como para o fotógrafo,

já que a literatura de Rosa não é encomenda ou não está em qualquer missão científica.

Quando resolve ir – ou está inclinado a ir – ao sertão mineiro, ao Pantanal do Mato

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Grosso, às cavalgadas da Bahia, ao “continente preto”, às fazendas da Alta Savóia ou ao

rio das Velhas de canoa, o escritor se nutre de motivações que não se esgotam numa

vontade individual. E que provavelmente se originam de um tempo mais distante do de

sua época, de um tempo em que o desenvolvimento anterior de culturas fotográficas em

outras experiências históricas já teria introduzido o poderoso recurso de fixação imagé-

tica de lugares e seres incrementado pelo advento da máquina de fotografar.27

O desenvolvimento de um sistema radiofônico e a consolidação de uma cultura

iconográfica – tanto quanto cultura fotográfica - no Brasil de meados do século XX,

colaborou na concepção de iniciativas de caráter científico-cultural que facilitaram fixar

tipos e costumes brasileiros a título de documentários e de inventário de tradições. A

biblioteca de Rosa guarda alguns resultados editoriais dessas iniciativas.

O editorial do primeiro número do Jornal de Letras, em julho de 1949, assinado

por Lúcio Rangel, elogia Simeão Leal, que utilizou o “mais moderno processo de regis-

tro [de som] (o fio de arame)” para gravar, em recente viagem à Paraíba, os caboclinhos

e diversos cocos “de sabor marcadamente brasileiro”, em festas populares. Rangel assi-

nala que o fio de arame ajuda a recuperar o “que resta puro, sem a influência do rádio e

do cinema, da música popular brasileira”. A novela Dão-la-la-lão, de Guimarães Rosa,

do livro Corpo de Baile, é marcada também pelo fio de arame. Quando o personagem

Soropita volta do Andrequicé com a novela do rádio para recontá-la, todos já a sabiam,

porque passara no povoado seo Abrãozinho Buristém, “que carregava um rádio peque-

no, de pilhas, armara um fio no arame da cerca...” (DL, p.839) e conseguira ligar o rá-

dio. Se o Jornal de Letras elogiava os processos modernos de gravação do som das fes-

tas tradicionais brasileiras, a iniciativa não era isolada. Uma coleção das mais expressi-

vas da biblioteca de Rosa é a coleção Documentário da Vida Rural, resultado do Plano

de Documentação da Vida Rural, de iniciativa do Ministério da Agricultura em 1952. 28

Submetido ao ministro da Agricultura em 1951, o Plano previa trabalhos para “a

documentação da vida rural, destinado ao levantamento mais completo possível dos

27 O desenvolvimento da noção de patrimônio na França e na Inglaterra no século XIX encontrou na foto-

grafia um recurso poderoso para formar um sentimento de identidade pessoal e coletiva, do qual deri-vou a idéia de um bem comum. Acredita Maria Inez Turazzi que o patrimônio “começou a ser [idéia] construída no imaginário coletivo a partir, justamente, desse trabalho de identificação, inventário e pre-servação dos monumentos históricos e artísticos nacionais no qual a fotografia iria participar ativamen-te desde os primórdios de sua existência” (1998, p.13).

28 PLANO DE DOCUMENTAÇÃO DA VIDA RURAL. Ministério da Agricultura, Serviço de Informa-ção Agrícola, 1952. 12 p.

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aspectos característicos e peculiares da sociedade rural brasileira”, compreendendo três

campos de atividades: a realização de filmes, a gravação de motivos tipicamente rurais e

a elaboração de monografias e estudos.

O Serviço de Informação Agrícola (SIA) logo pôs o Plano em execução, e em

1952 apareciam os primeiros resultados “com filmes realizados, com monografias pu-

blicadas umas, em elaboração outras, com gravações efetuadas”. Nos termos do Plano,

“a documentação se baseia, rigorosamente, num sentido etnológico, de modo a fixar em

traços nítidos e reais os aspectos peculiares da vida rural nas diversas regiões e áreas do

país”. Quanto às monografias, o Plano previa a formação da série Documentário da

Vida Rural, e em 1952 já havia sido publicado O Engenho de açúcar no Nordeste, de

Manuel Diegues Júnior, professor de Sociologia e Etnografia na Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, especialista no estudo da região açucareira do Nordeste. E

estavam previstas mais duas monografias: Fazenda de café em São Paulo, de Olavo

Baptista Filho - da Escola de Sociologia e Política de São Paulo - e Fazenda de gado no

Vale do São Francisco, confiado a Jozé Norberto Macedo - especialista em assuntos de

pecuária e agrônomo-assistente da Comissão do Vale do São Francisco.

Em 1952, já estariam prontas também as monografias sobre a estância no Rio

Grande do Sul, de Dante de Laytano, professor de Etnografia da Universidade Católica

de Porto Alegre, e encomendados outros “trabalhos mais amplos, em particular sobre

regiões ou áreas características”: de Arthur César Ferreira Reis - historiador, sociólogo e

economista - sobre o seringal e os seringueiros na Amazônia; do sociólogo João Gon-

çalves de Souza, sobre uma comunidade no Vale do São Francisco; do agrônomo Wan-

derblit Duarte de Barros, sobre o Vale do Paraíba e de Zedar Perfeito da Silva sobre o

Vale do Itajaí. “Raul Lima conclui uma monografia sobre as feiras do Nordeste e outros

autores escreverão sobre a habitação rural, além da organização de uma antologia da

vida rural brasileira.” Sobre filmes, dizia o Plano: (...) na parte dos filmes, já se encontram prontos dois – Bangüê, documentário do trabalho, dos tipos humanos, da vida social, num engenho de açúcar no Nor-deste e Casa de Farinha, fixando as atividades do preparo da farinha de mandioca, também no Nordeste - enquanto outros sobre Feiras está sendo ul-timado. No momento, estão em vias de realização dois novos filmes: Fazen-da de Café, que será feito em São Paulo, e Estância, no Rio Grande do Sul,

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ambos documentando a vida, as atividades, o trabalho, as características soci-ais em cada um desses centros de exploração econômica.29

Quanto às gravações, o Plano mencionava que o setor havia sido grandemente

enriquecido pela realização da IV Semana Nacional de Folclore, em Alagoas, onde téc-

nicos do Serviço de Informação Agrícola (...) fizeram a gravação de numerosos motivos caracteristicamente rurais, cantos e cantigas típicos, tais como aboios, cocos, desafios, cantos de trabalho, fol-guedos populares etc. Foram gravados os diversos autos apresentados naque-le festival: guerreiros, reisado, fandango, chegança, quilombos, caboclinhos, baianas etc.30

E, finalizando, nas Considerações Gerais, revelava o entrelaçamento entre ima-

gens, textos e gravações nas monografias: (...) No que toca à publicação, será promovida a divulgação de uma série de mo-nografias, de finalidade instrutiva e informativa, contendo dados geográficos, históricos, sociológicos, etnográficos etc. sobre a vida ou atividades ou mani-festações folclóricas do meio rural. Esta coleção terá um máximo de vinte a trinta páginas impressas. Sua elaboração se orientará num sentido sociológi-co, de documentação viva das manifestações típicas da vida rural. Sempre que possível, ou preferencialmente, essas monografias servirão de ilustração literária dos filmes projetados, constituindo, em especial, a base de onde de-verá ser extraída a explicação que acompanhará o filme no seu desenvolvi-mento técnico. Essas monografias destinar-se-ão ainda a uma larga distribui-ção, principalmente em estabelecimentos de ensino. Cada monografia será acompanhada de ilustrações fotográficas atinentes aos aspectos peculiares e típicos do tema estudado (...)31

Dos livros publicados de 1952 a 1957 na coleção Documentário da Vida Rural

prevista no Plano, Guimarães Rosa colecionou sete: de Manuel Diegues Júnior, O en-

genho do açúcar no Nordeste (1952); de Olavo Batista Filho, A fazenda de café em São

Paulo (1952); de Jozé Norberto Macedo, Fazendas de gado no vale do São Francisco

(1952); de Clóvis Caldeira, Fazendas de cacau na Bahia (1954); de Luis da Câmara

29 PLANO DE DOCUMENTAÇÃO DA VIDA RURAL. Ministério da Agricultura, Serviço de Informa-

ção Agrícola, 1952. p.6 30 PLANO DE DOCUMENTAÇÃO DA VIDA RURAL. ibidem, p.7 e p.8. 31 PLANO DE DOCUMENTAÇÃO DA VIDA RURAL. ibidem, p.10.

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Cascudo, Tradições Populares da pecuária nordestina (1956); de Virgílio Alves Cor-

reia Filho, Fazendas de gado no pantanal mato-grossense (1955); e de Luis da Câmara

Cascudo, Jangadeiros (1957). 32

Os livros da coleção eram ricamente ilustrados com desenhos de Percy Lau, pe-

ruano radicado no Brasil, desenhista documentarista das publicações do Instituto Brasi-

leiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Percy Lau fazia desenhos em viagens ou os

fazia a partir de fotografias retiradas de arquivos diversos, particulares e de órgãos go-

vernamentais. O desenhista viajava o Brasil de Norte a Sul, estudando paisagens e tipos

humanos,33 e ajudou a fixar costumes da vida do interior e muitas de suas ilustrações

foram utilizadas em livros didáticos de Geografia. Como resumido na orelha de um dos

livros da coleção guardado na biblioteca de Rosa, o livro de Norberto Macedo sobre as

fazendas de gado no São Francisco revela o que pretende a coleção: (...) amplo documentário da vida rural brasileira, no que ela tenha de expressivo e fundamental, abrangendo não somente aspectos gerais de estabelecimentos agropecuários – engenhos, fazendas, garimpos, estâncias, sítios, etc.- como, também, aspectos peculiares de atividades do meio rural – feiras, meios de transporte, habitações, trabalho etc. – destacando-se, ainda, as manifestações folclóricas ligadas aos respectivos ambientes, tais como danças, festas, cantos de trabalho ... (MACEDO, 1952, p.11).34

Pelo que vimos dizendo quanto ao desenvolvimento de uma cultura iconográfi-

ca, não queremos desconhecer certa distinção de estatuto entre fotografia e desenho,

ajuizando o desaparecimento da arte manual com o advento da arte técnica das imagens

reprodutíveis, “desauratizadas”, como acreditava Walter Benjamin.35 O que na realidade

postulamos é algo além da distinção estética entre arte e desenho, segundo graus de ori-

ginalidade e, por isso, de arte. Postulamos a capacidade que o registro visual – à mão ou

à máquina – tem de fixar certa imediata correspondência, ou imediato reconhecimento.

Os desenhos e fotografias que ilustram publicações informativas, institucionais e educa-

32 Até onde conseguimos saber, houve 11 títulos publicados pela coleção. Não pudemos checar exatamen-

te se o foram ou não, mas o certo é que Rosa não guardou – a se levar em conta a veracidade de infor-mação - os títulos relativos à Estância Gaúcha, ao Seringal e o Seringueiro, ao Vale do Itajaí e aos Ga-rimpos da Bahia.

33 Sobre a atividade de ilustrador de Percy Lau, ver PERCY LAU, Um desenhista e seu traço. Exposição no MNBA. 15 ago./1 out. RJ: 2000, 32 p. Catálogo de Exposição.

34 Neste livro, Rosa fez muitas marcas. 35 A noção de perda da aura está formulada por Walter Benjamin em BENJAMIN, Walter. Obras Esco-

lhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. SP: Ed. Brasiliense, 1985. 253 p.

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tivas na biblioteca de Rosa são feitos, muitos, sendo copiados uns dos outros. Para de-

senhar, o desenhista via a fotografia, e para fotografar o fotógrafo já tinha o motivo re-

gistrado pelo desenhista, recurso bastante adequado às necessidades gráficas e de com-

posição de livros da indústria editorial num tempo da história brasileira. Fotógrafos e

desenhistas viajavam para fazer imagens do Brasil, e na falta do desenho, se fazia dese-

nhos pela fotografia, e vice-versa.

Num contexto de expansão da circulação internacional de artistas e autoridades

diplomáticas de meados do século XX, as trocas textuais efetivadas por Guimarães Rosa

com a arte pictórica não se limitaram a suas visitas a museus europeus e brasileiros.

O escritor guardou em sua biblioteca um apreciável conjunto de catálogos de

exposições de museus e livros de artistas e teóricos de Artes Plásticas. Suas trocas com

a arte pictórica dos artistas plásticos, ilustradores ou não, o encaminham mais uma vez

para as virtualidades da arte do livro, tanto quanto para a da arte da palavra. Pelo articu-

lado das trocas textuais que executa entre textos lidos em textos de arte e textos de idéi-

as, João Guimarães Rosa realiza uma obra literária que se materializa em livros, com os

quais fixa sua autoridade autoral.

Analisando livros existentes na biblioteca de Rosa, os pesquisadores Sibele Pau-

lino e Paulo Soethe já marcaram alguns aspectos desse interesse do escritor através da

análise de seu diálogo com teóricos importantes das Artes Plásticas.

Os títulos de Artes Plásticas principais da biblioteca de Rosa são Initiation au

dessin (1940) e Initiation a la peinture (1938), ambos de René François Xavier Prinet -

este ilustrado com reproduções de quadros e óleos universais; e Traité du paysage, de

André Lhote (1948). Todos esses títulos contêm marginálias do escritor. Rosa tem ou-

tros títulos que revelam o investimento nas Artes Plásticas, tais como: La formation du

genie moderne dans l’art de l’Occident – arts plastiques – art Littéraire (1936), de Re-

né Schneides e Cohen Gustave; Paysages d’Italie: de Milan a Rome (1913), de André

Maurel; The transformation of nature in art (1934), de Ananda K. Coomoraswany; The

pocket history of american painting (1950), de James Carey Thomas Flexner; e Historia

de la pintura en el Brasil (1943), de Carlos Rubens.

Pesquisando o “Caderno de Estudos para a obra – Pintura” constante do arquivo

de Guimarães Rosa no IEB-USP, Sibele Paulino e Paulo Astor (set.dez.2005, p.8) en-

contraram anotações retiradas dos livros introdutórios de René Prinet, e consultando os

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exemplares de Rosa na biblioteca, constataram que o escritor “estuda passo a passo

conceitos fundamentais do desenho e da pintura”, intercalando vocábulos e expressões

de cunho próprio nas páginas dos livros. Ao mencionarem trecho da entrevista de Rosa

a Günter Lorenz em Gênova em 1965 - quando o escritor dizia que escutava “as narrati-

vas multicoloridas dos velhos” – os autores se surpreendem, afirmando que Rosa “escu-

tava as cores”. Os “estudos de Rosa revelam sua predisposição a aprimorar essa visuali-

dade com esmero e técnica, que se podem aprender também com os pintores” (PAULI-

NO; SOETHE, ibidem, p.9).

E com os pintores em exposição em diversos museus, Guimarães Rosa parecia

mesmo procurar aprender.

Museus de Berlim, Paris, Munique, Brera, Roma, Rio de Janeiro, Amsterdã fo-

ram visitados por Guimarães Rosa, que marcava os catálogos e se utilizava das reprodu-

ções fotográficas em preto e branco das pinturas impressas para assinalar as cores dos

quadros, provavelmente para poder visualizá-los depois. Há vários desses catálogos

recolhidos por Rosa a sua biblioteca. “Chapéu preto, olhos vagamente castanhos claros,

colar preto, manto azul”, ele anotou na imagem do quadro CHRISTUS (Petrus) ou Cris-

tus Portrait de jeune fille: impressa num dos catálogos36 e marcou toda a legenda da

reprodução do quadro L’Estuaire du Rio Sao Francisco, de Franz Post: “Au premier

plan une plante exotique, l’imacarou, auprés de laquelle se tien un pecari. De l’autre

côté de l’eau placide et grise on aperçoit des collines avec le fort Mauritius”, onde sub-

linha e traduz para o português, à margem da folha, as palavras “imacarou” - mandaca-

ru, e “pecari” - capivara.37

A pesquisadora de Literatura Flora Sussekind investiga a literatura brasileira do

final do século XIX e das duas primeiras décadas do século XX e identifica que os arte-

fatos modernos, os novos meios de locomoção/comunicação nascentes, o reclame e a

imprensa empresarial fizeram parte da figuração literária dos textos dos escritores. A

autora sustenta como “apropriando-se de procedimentos característicos à fotografia, ao

cinema, ao cartaz”, a própria técnica literária se transformou.

36 Em PETIT PALAIS (Paris). Chefs d’oeuvre des Musées de Berlin (s.d). p.9. O catálogo reproduz 123

pranchas em preto e branco. 37 [No primeiro plano, uma planta exótica, o mandacaru, perto do qual há uma capivara. Do outro lado da

água plácida e cinzenta, percebem-se colina com o forte Maurício]. Em MUSÉE DE L’Orangerie. Le paysage hollandais au XVII siècle, (s.d). p.33.

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Segundo Flora Sussekind, essa literatura esteve em sintonia com “mudanças sig-

nificativas das formas de percepção e na sensibilidade das grandes cidades brasileiras”.

A autora postula uma história da literatura brasileira que se relacione com uma história

dos meios e formas de comunicação cujas inovações e transformações afetam tanto a

consciência dos autores e leitores, quanto as formas e representações literárias propria-

mente ditas” (SUSSEKIND, 1987, p.26). O texto de literatura poderia ser examinado se

se refere a realidades auditivas e visuais, a práticas de ouvir/escutar e olhar/ver a que

fomos educados a partir do instante em que equipamentos técnicos de sonorização e de

visualização de certa forma invadiram nossa civilização. Na novela O Recado do Mor-

ro, do livro Corpo de Baile, quando a comitiva encontra pela estrada o sertanejo Gorgu-

lho, que mora numa caverna, o alemão Seo Olquiste tem uma reação verbal onde mais

importante é o som das palavras, cuja vocalização – diríamos: performance vocal - Rosa

tenta recuperar na grafia do texto impresso na página do livro. (...) - O! Ack! – glogueou seo Olquiste, igual um pato. Queria que o Gorgulho junto viesse. – Troglodytyt? Troglodyt? – inquiria, e, abrindo grande a boca, rechupava um ooh!... Quase se despencando, desapeou. Frei Sinfrão e seo Ju-juca desmontaram também. (RM, p.625 – grifos da edição)

Entendida como texto e livro, a literatura considera o que seriam os diversos

“autores” de uma obra – leitor, editor, ilustrador – e em que condições se transferem e

operam sobre o livro a celebridade e o prestígio que se lhe agregam, provenientes da

consagração dos outros autores da obra que não são os que manejam a letra. Para Gui-

marães Rosa, o prestígio literário de seus livros não parece se destacar das expectativas

postas nos livros de sua editora e na arte de seus ilustradores Luiz Jardim, Tomás Santa

Rosa e Poty, cuja iconografia muito provavelmente auxiliou a “visualização imaginária”

(LE MEN, 1995, p.236) dos textos sertanejos de Guimarães Rosa, ajudando a fixar, com

todos os ilustradores de livros no Brasil, o sertão de toda uma geração de escritores e

intérpretes do Brasil que pensaram o sertão numa época em que ele era visitado e escri-

to, mas também figurado pela arte iconográfica do desenho e da fotografia.

Avaliar o grau de trocas entre a arte brasileira e a arte estrangeira de meados do

século XX, entre artes eruditas e mídias modernas, artes plásticas e confecção gráfica do

livro, é trabalho que requer analisar o papel de editores e dos livros como encontros

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entre artistas, num contexto de trocas internacionalizadas de arte. Os livros adquirem o

estatuto de objeto que recolhe diversos tipos de trocas interculturais e sua produção e

recepção alteram os termos de grande parte das análises do texto literário. À medida que

a análise da história do livro se soma à análise da história dos textos, as teorias da Lite-

ratura passariam a valorizar os fatores diversos que, por suposto, modificam a cognição

dos textos, processo em que, mesmo as teorias literárias, são levadas em conta conforme

sua historicidade. (...) Ao fechar este livro, vale a pena frisar alguns pressupostos que o balizaram e as conclusões para as quais ele aponta. Relativamente a seus pressupostos, o de maior peso é a hipótese de que hoje não são muitas, nem tampouco pare-cem muito instigantes as teorias literárias que endossam concepções exclusi-vamente textuais e/ou imanentes do literário, da literatura, da literariedade. São, ao contrário, cada vez mais raras teorias que não levam em conta situa-ções concretas de produção e recepção de textos marcando-se os estudos lite-rários contemporâneos pela ruptura de diferentes variantes da autonomia do estético (LAJOLO; ZILBERMAN, 2003, p.308).

Em vista disso - e em vista do círculo de relação de convívio artístico, político e

intelectual de escritores, ilustradores, cineastas, fotógrafos, artistas plásticos na história

brasileira – podemos conjeturar se não há alguma relação entre a literatura de Guima-

rães Rosa e a expansão de um mercado de artes visuais – artes plásticas e imagens re-

produtíveis – pela disseminação de meios de difusão de imagens em exposições, galeri-

as de arte, bienais, revistas, filmes, cinema e livros no Brasil desde os anos 1930 e in-

crementado na segunda metade dos anos 1940.

Se tomadas como arte, arte da ilustração em livro, as imagens seriam agentes

poderosos da visualização imaginária dos conteúdos de seus livros. Transformado em

sertão visível pela arte iconográfica dos mestres do pincel e do lápis, em capas de livros

e exposições de arte, pela arte iconográfica dos mestres do clic fotográfico em matérias

de revistas e galerias de fotos, o sertão verbal vai incorporando à categoria de entendi-

mento do Brasil sertão uma dimensão visual-iconográfica que ela não tinha antes. Se-

guindo Flora Sussekind, as representações literárias ficariam alteradas, e vale avaliar se

o dispositivo mental que alimenta a imaginação das figurações literárias dialoga com o

dispositivo que alimenta a imaginação das figurações interpretativas sobre o Brasil.

É no interior desse contexto de trocas em experiências urbanas que a obra literá-

ria de Guimarães Rosa vai crescer.

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Analisar Guimarães Rosa e os desdobramentos literários derivados da suposta

fecundação de seus gestos artísticos pela interação com outros autores, literários ou não,

é analisar suas trocas textuais, mas analisar suas trocas mais propriamente artísticas,

possibilitadas por recursos e equipamentos que misturam os textos com livros, com rá-

dio, o cinema e as imagens. Analisar a literatura de Rosa é cogitar como ela teria se rea-

lizado por trocas textuais que se processavam segundo determinantes de sua época his-

tórica, e verificar se, na condição de escritor diplomata, a realização de sua obra não

termina exprimindo conflitos que são sociais, mas artisticamente manifestados.

Em meados do século XX brasileiros, a valorização simbólica do elemento rural-

sertanejo – valorização de seus espaços, de suas vidas e das idéias sobre elas - terá vá-

rios empreendedores, de órgãos de governo a iniciativas individuais, mobilizando intér-

pretes e editores por recursos de pesquisa, registro, análise, edição e divulgação que vão

redundar em produtos publicáveis de vários tipos – como livros, revistas, jornais, pro-

gramas de rádio, filmes. No curso das atividades artística, literária e diplomática de

Guimarães Rosa, todo esse material estará disponibilizado para trocas e interações. E,

pelo visto, ele não hesitou em fazê-las.

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Capítulo 4

O diálogo com as culturas e as muitas culturas do Brasil

Sertão – se diz – o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem.

(Riobaldo)

O leitor representado ao longo da literatura rosiana não é o leitor real de Rosa.

É razoável pensar que os leitores do escritor sejam homens como ele, que domi-

nem a escrita, portadores de cultura da letra impressa no livro, muitas vezes eruditos, e

que tenham no livro o principal meio de acesso às palavras e textos. O doutor do conto

Famigerado, do livro Primeiras Estórias, de 1962, recebe em casa a visita de um jagun-

ço enquanto está lendo confortavelmente em sua mesa de gabinete. Esse é um caso an-

gular na literatura de Rosa em que seu leitor real se insinua, e assim mesmo de uma

forma enviesada, porque o médico do conto é um homem do interior, e os leitores de

Rosa estão nas grandes cidades. O livro Saint-Clair da Ilhas é a única menção à exis-

tência do livro na obra de Guimarães Rosa, e Riobaldo e Soropita também lêem, mas

seus interesses de leitura não são os livros de estudo e formação, mas incluem livros de

santos, almanaques, livros práticos.1

Guimarães Rosa produziu histórias sertanejas destinadas a leitores que viviam

em cidades brasileiras de uma época de modernização de meados do século XX, e se

seu leitor real não está representado em seus textos, esse é um fato significativo. Os

fatos da difícil constituição de uma esfera do literário e da precariedade na história bra-

sileira de políticas públicas de escolarização em massa que ensinassem a ler e escrever

não impedem, porém, que outros leitores e modos de ler estejam presentes na literatura

rosiana. Organizando as relações sociais entre personagens e revelando o caráter da in-

serção do escritor e de sua obra na cultura, a literatura de Rosa acaba por atualizar con-

flitos e solidariedades básicas da sociedade brasileira figurados pela relação entre dife-

renciados leitores e modos de leitura.

1 A pesquisadora Marlyse Meyer analisa a aparição isolada do romance Saint Clair das Ilhas em textos de

literatura brasileira em MEYER, Marlyse. O que é, ou quem foi Sinclair das Ilhas? Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, SP: USP, n.14, 1973.p.37-63.

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4.1 - Culturas de oralidade, culturas do escrito: conflitos e solidariedades

• Leituras de palavras escritas na boca, leituras de palavras escritas no livro: os ausentes leitores de Rosa

O principal leitor representado na literatura rosiana é um leitor-ouvinte que ouve

ler textos, lidos por alguém em voz alta, textos que nunca se materializam em livros e

transmitidos pela oralização de sertanejos contadores de estórias, leitores de cartas e

ouvintes de radionovelas.2

Leitores de cartas, de textos transmitidos pelo rádio, outros personagens são ain-

da leitores de textos de jornal – como o fazendeiro Zé Bebelo, de Grande Ser-

tão:Veredas - leitores de palavras que vão junto com imagens em almanaques e revistas

ilustradas de grande circulação. A menina Rosa, irmã de Miguilim, não quer mais a fo-

lhinha-de-Mariana, diz que ela não é boa e que “carece de arranjar folhinha de desfolhar

– de tão bonitos quadros” (CG, p.488). Na fazenda O Limãozinho, de Vito Soziano, “se

assina desse almanaque grosso, de logogrifos e charadas e outras divididas matérias” e o

menino de As Margens da Alegria, do livro Primeiras Estórias, rejeita “revistas de fo-

lhear” enquanto espera a viagem para “onde se construía a grande cidade”.3 Na literatu-

ra rosiana, a representação do livro, do leitor e da leitura é a representação da ausência

de certo modo de transmissão da palavra, de certo tipo de leitor, de textos e de práticas

de leitura.

Formalmente, Guimarães Rosa encontra suas matrizes textuais colhidas junto à

tradição de contadores de histórias, ouvidas desde a infância no universo sertanejo da

cidade-natal - e sempre atualizada em viagens in loco - e junto a matrizes aprendidas em

culturas eruditas pela via do acesso ao livro e às publicações de sua biblioteca. Mas a

investigação de suas trocas textuais com matrizes e fontes de criação disponíveis nas

grandes cidades brasileiras demonstra que sua obra dialoga com outras artes difusas

mediadas por trocas e experiências urbanas.

2 Aqui, “leitor-ouvinte”, entre outros autores, nos termos de Roger Chartier: ler pode ser escutar alguém

que fala um texto que lê. CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. SP: Ed.Unesp, 2002; Leituras e leitores na França do Antigo Regime. SP: Ed.Unesp, 2004; Formas e Sentido Cultura escrita: entre dis-tinção e apropriação. Campinas, SP: ABL, Mercado de Letras, 2003.

3 ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. 4ª ed. RJ: Livraria José Olympio Editora, 1967. 176 p.

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Pela ausência de seu leitor real na representação de leitor que faz sua literatura,

Guimarães Rosa sugere uma figuração do Brasil em que os sertanejos que lêem não

lêem no livro. São cartas, bilhetes, papéis oficiais, em que a cultura escrita se faz repre-

sentar em meio a comunidades que não conhecem o livro. Em Grande Sertão:Veredas,

uma carta circula no sertão durante oito anos “em tantas algibeiras e capangas”, trazida

por “tropeiros e viajores”, sem nunca ter sido aberta. Recebida por uma das mulheres de

Riobaldo, oito anos depois, “quase não podia mais se ler, de tão suja dobrada” (GSV,

p.68). O que significa uma carta que circula anos no sertão nas mãos de homens alheios

à cultura da letra impressa no livro e permanece incólume até chegar a seu destino? Re-

verência, respeito, indiferença ao escrito?

Em Uma Estória de Amor, Manuelzão quer que o filho Adelço vá embora de sua

casa, que ele fique longe da mulher Leonísia – a quem acredita que despreza - e para

isso imagina que ele pudesse, depois de levar a boiada, seguir adiante para bem longe,

“levar por exemplo um bilhete, em mão, na Sete-Lagoas, na Belo Horizonte, no lugarejo

do Mim, na Uberaba!” (EA, p.568). Como a cultura escrita, em torno da qual surgem

novas ocasiões sociais que requerem mediadores de leitura obrigatórios, a chegada de

uma carta na festa de Manuelzão é motivo para acionar um ritual de convívio entre os

que lêem por escrito e os que apenas sabem ler porque ouvem alguém ler. (...) - Amigos, refiro uma mensagem, que hoje se recebeu, e que pela valia do en-viador, merece nesta hora boa honra.

Seo Filipinho D’Anta diz que não pode ler: (...) - não truxe os óculos, Manuelzão. Assim, não deletreio.

Mas na verdade, Seo Filipinho se escondia, porque “mais estava com receio de

ser analfabeto”. E como Nhão lê “escassas letras (...) só jornais e garrafais”, Joaquim

Leal acaba aceitando a tarefa e pega a carta, para o que “se levantou para ler, conforme

devido” (EA, p.587).

Os suportes em que se fixa a cultura escrita na literatura de Rosa podem lembrar

a história da escrita no mundo ocidental entre a Idade Média e o século XVIII, quando

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diferentes objetos serviram de suporte a escritas, muitos deles objetos provisórios para

composição de textos, que depois eram copiados para pergaminhos. Eram tabuletas di-

versas com superfície recoberta de material sensível onde se escrevia e logo se apaga-

va.4

É possível que Rosa recupere antigas tradições da história da cultura escrita va-

lorizando seus suportes, que nem sempre foi o livro.

Em Uma Estória de Amor – A Festa de Manuelzão, o sertanejo chega à festa, diz

seu nome, experimenta escrevê-lo, mas “não se alembrou mais, experimentou à toa,

com a ponta de um tição preto numa régua do curral”. Não conseguiu “e informou idade

de oitenta anos para fora; tinha uns oito ou dez, na Alforria do Cativeiro” (EA, p.552).

Numa só passagem, Rosa identifica no sertão vestígios de antigos suportes para fixar o

escrito e lembra que o escrito, guardado em forma de cartas de alforria, tem outras fun-

ções em sociedades que mal sabem ler e escrever. As incidências de cultura escrita fixa-

das no papel na literatura de Rosa não são poucas, mas variam os suportes em que elas

se fixam e os equipamentos em que se transmitem.

Através da literatura, Guimarães Rosa representa suas trocas culturais com ou-

tros tipos de textos e equipamentos de transmissão de textos no Brasil de meados do

século XX.

No sertão de Guimarães Rosa, o rádio integra o país e a cidade chega ao sertão

com seus apelos e motivos. As novelas de rádio são ouvidas pelo sertanejo, que as re-

conta de boca a boca a todos. Na novela Dão-la-la-lão, do livro Corpo de Baile, os ser-

tanejos do povoado do Ão - onde o rádio “não pega” - se reúnem para ouvir a radiono-

vela recontada por um deles, escalado para ir a cidade vizinha de Andrequicé cada se-

mana ouvir a novela e voltar para recontá-la a todos reunidos num grande momento de

convívio. (...) Nessas direções cruzava, habitual; muita semana vinha e ia até duas vezes. Durante a mocidade afeito a estar sempre viajando distâncias, com boiadas e tropas, agora que se fixara ali nos Gerais o espírito e o corpo agradeciam o bem daquelas pequenas chegadas a Andrequicé, para comprar, conversar e saber. Do povoado do Ão, ou dos sítios perto, alguém precisava urgente de querer vir – segunda, quarta e sexta – por escutar a novela do rádio. Ouvia-a,

4 Aspectos da história da cera e do pergaminho como suportes para a cultura escrita na Idade Moderna

européia podem ser verificados em CHARTIER, Roger. A cera e o pergaminho. Os poemas de Baudri de Bourgueil. In: ______ . Inscrever e Apagar. Cultura Escrita e Literatura. Séculos XI a XVIII. SP: Ed.UnESP, 2007. p.23-47.

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aprendia-a, guardava na idéia, e, retornado ao Ão, no dia seguinte, a repetia aos outros (...) Adiante, quase cada pessoa saía recontando, a divulga daque-las estórias do rádio se espraiava, descia a outra aba da serra, ia à beira do rio, e, boca a boca, para o lado de lá do São Francisco se afundava, até em sertões (DL, p.808).

Se em 1954, Guimarães Rosa admitira o rádio como “musa inspiradora”, se com

ele confessava trocas e negociações textuais, quando convidado a colocar seus textos no

rádio sua postura não é tão otimista.

Nos anos 1960, quando já era um escritor traduzido no exterior e com traduções

de seus livros cada vez mais em progressão, o escritor entreteve correspondência com

seu tradutor alemão Curt-Meyer Clason. Quando traduzia o livro Corpo de Baile, Cla-

son transmite ao escritor oferta de diretores de rádio a respeito de algo que já era tradi-

ção na Europa: a literatura radiofônica. Diz a Guimarães Rosa que um senhor Schale -

diretor de rádio alemã Süddeutsche e um “intelectual que se assusta com sua [de Rosa]

extravagante riqueza de imagens” - lera Cara de Bronze, uma das novelas do livro, e

propunha a Rosa ou fazer uma peça radiofônica inédita ou fazer de Cara de Bronze uma

“peça radiofônica de aproximadamente 50/60 minutos”, recriando o texto para torná-lo

“um texto para ser falado, um texto deliberadamente narrativo”. Clason ainda se refere à

literatura radiofônica na Alemanha, Inglaterra, França e Brasil, afirmando que “na Fran-

ça ela não tinha mais valor que no Brasil: um entretenimento de massa sem ambição

artística” (ROSA, 2003, p.385).

O tradutor se dispõe a tentar a adaptação, pedindo autorização a Rosa para fazê-

lo, e ainda considera que “uma coisa está claro: muitas rádios na Alemanha estão à pro-

cura de peças radiofônicas de qualidade ... disse-me que uma boa peça radiofônica atin-

ge aproximadamente 60.000 ouvintes, apenas em sua região no sul da Alemanha. Isso

ajuda também a divulgar a obra”. Na carta em resposta a demanda, a 23 de janeiro de

1967, Rosa declina da proposta, alegando que “teatro, rádio e televisão, tudo isso para

mim parece matéria de outro mundo, me espanta e estupidifica”. E autoriza Clason a

executar a adaptação, caso isso seja de seu desejo e agrado.

Num contexto histórico que facilitava suas trocas com o rádio, em que as vozes e

as músicas do sertão e da cidade lhe chegavam como textos possíveis para sua criação,

não sabemos como seria a reação do escritor se lhe fosse feita uma oferta de transmissão

de seus próprios textos literários em rádio no Brasil. Com relação à Europa, de onde lhe

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chega a proposta de colocação de seu texto em forma de literatura radiofônica, o escritor

de fora da literatura parece se deslocar com relação a sua literatura. Ele admite as cartas

e as radionovelas como modalidades de textos, o papel e a voz radiofonizada como su-

portes de transmissão de textos, mas sua posição quanto a transmissão de seus próprios

textos literários na Europa sofre um deslocamento com relação ao Brasil representado

em sua literatura. Suas posições quanto à transmissão de textos no rádio como represen-

tados em sua literatura não coincidem quando se trata de seus próprios textos literários,

muito embora se trate de transmissão de textos em rádios da Europa.

O rádio potencializa uma tradição da vida rural sertaneja de contar estórias, aju-

da a fixar os cantos e as músicas do folclore rural, recria o folclore – como queria o es-

critor – e os muitos livros de folclore existentes em sua biblioteca talvez lhe assegurem

que as tradições de um país em modernização não desaparecerão graças aos livros e as

publicações que lhes salvam a memória. Numa conjuntura de migrações acentuadas do

homem do campo para as cidades, em meados do século XX no Brasil, pouco a pouco o

Folclore vai se transformando no abrigo de uma cultura percebida como em vias de de-

saparecer, onde leitores egressos do universo rural se vêem nas páginas de livros e re-

vistas publicados, se escutam pelo rádio e se vêem no cinema.

Em boa parte da literatura rosiana, o significativo são as leituras e leitores, e os

meios de transmissão da palavra, que não são o mundo dos leitores de Rosa.

O rádio, jornais, revistas ilustradas de grande circulação são meios que convi-

vem com a circulação oralizada da palavra a fim de compor o universo dos leitores e de

leitura representados nos textos. Na análise da literatura de Rosa, a ausência quase com-

pleta do livro, do leitor letrado e da leitura solitária e silenciosa - que são as práticas

culturais próprias de Rosa e de seus leitores reais – é contrabalançada por Grande Ser-

tão:Veredas, onde o livro é uma grande presença ausente. Porque em Grande Ser-

tão:Veredas, o doutor que ouve a narrativa e a anota, para depois publicar um livro na

cidade, é tão protagonista da história como o jagunço Riobaldo. Grande Sertão:Veredas

talvez possa ser lido como uma história que analisa o conflito entre cultura de escrita e

cultura de oralização mediado por um livro que vai ser publicado na cidade. Mesmo o

interlocutor de Riobaldo, seu ouvinte-leitor que lê e escreve livros, pode ser um emissá-

rio do editor da cidade que ouve o jagunço para publicá-lo depois, lá, na cidade, onde

estão os leitores de carne e osso.

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As histórias da escrita e da leitura examinam os impactos da penetração do escri-

to junto a populações que só parcialmente escrevem e lêem, evitando incorrer no falso

suposto de que o universo social se compõe na totalidade por homens que lêem e escre-

vem, e que assim o fazem sempre mediados por alguma forma de fixação do escrito em

papel. Os historiadores identificam como na história variam as formas de leitura e escri-

ta, qualificando como a transmissão escrita de textos se relaciona em convivências e

conflitos sociais com sua transmissão oralizada sem que essa desapareça. Analisando o

que chama de “a equação oral-escrito” nas sociedades modernas, Eric Havelock adverte

que a cultura escrita é considerada ao mesmo tempo “uma condição social e um estado

mental” e aconselha que oralidade e cultura escrita não sejam contrapostas, porque estão

entrelaçadas em nossas sociedades e que “entre elas há uma relação de tensão criativa

recíproca” (HAVELOCK, 1991).

O exame das culturas do escrito supõe relação com culturas de oralização e a a-

nálise social exige verificar como as habilidades de ler e de escrever definem segmenta-

ções sociais. Examinando como modos de ler e de escrever se fazem por objetos e práti-

cas sociais, segundo cada época e lugar, os historiadores percebem que a leitura e a es-

crita criam e redefinem clivagens e poderes sociais, o que oferece uma baliza analítica

que relativiza a importância da forma material livro na produção, transmissão e preser-

vação de conhecimentos e saberes sociais. Ao aconselhar os historiadores da leitura

como proceder numa história do livro, o historiador Roger Chartier defende que o me-

lhor é desconfiar da relação com o livro e o escrito como universal, e advoga a idéia de

que “nem todo material impresso é composto de livros lidos no espaço privado, que a

leitura não é forçosamente solitária e silenciosa, e que não é necessário ser alfabetizado

para ler”, se ler é ouvir ler (1995, p.5).

Os historiadores da leitura e da cultura escrita procuram descobrir as razões da-

queles que efetivamente escrevem textos, seja de natureza literária, documentária, pú-

blica ou privada.

As cidades da Renascença Italiana foram estudadas por Armando Petrucci

(1998), que as considera como “terreno ideal para uma enquete sobre o estatuto social

de diferentes escritores e sobre a relação entre poder e escrita” (1988, p.824).

O autor discorre sobre o que qualifica de “realidade complexa do fenômeno da

escrita” e distingue entre dois poderes: o “poder da escrita” – que pertence àqueles que

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possuem a capacidade de escrever e a exercem – e o “poder sobre a escrita” – detido

pela autoridade no lugar que a delega e que exerce um controle qualquer. Para Petrucci,

a distinção atravessa o “estatuto social, cultural e antropológico dos escrito-

res/escrivães” e o exame desse estatuto ajuda a compreender, segundo o autor, o “papel

da escritura em certos contextos particulares”.

Ao longo do século XVI até o século XVII, o autor assegura que a sociedade ur-

bana italiana era uma sociedade parcialmente alfabetizada, em que estratos sociais dese-

javam participar ou entrar no “círculo restrito da alfabetização”, mas não conseguiam os

instrumentos necessários para tal. Essa situação gerava tensões só resolvidas pela medi-

ação de “categorias alfabetizadas situadas nas fronteiras dos dois mundos”, em contato,

de um lado, com as instituições e o produto da cultura das elites, e, de outro, com as

“massas urbanas não-alfabetizadas” (PETRUCCI, 1988, p.833).

De modo similar, Roger Chartier estuda a sociedade do Antigo Regime Francês -

e como faz Armando Petrucci ao analisar a relação entre sujeitos que manejam a escrita

e os que querem ter acesso a ela, mas só o podem através de mediadores – o historiador

francês examina a presença de mediadores do acesso à cultura escrita em sociedades do

Antigo Regime na França.

Roger Chartier verifica a existência do que chama de “mediadores da pena”, que

garantem “a participação na cultura escrita daqueles que não sabem ler nem escrever” e

revela que, mais especialmente, a cultura escrita reenvia a um poder, a uma “submissão

inquieta diante do texto escrito”, submissão provinda de um respeito à autoridade do

escrito que tem raízes “em uma autoridade longínqua ou indubitável, e que garante uma

propriedade, um direito ou uma identidade” (2001, p.789). O historiador constata, então,

o que chama de um paradoxo: o de que “em toda Europa, mesmo os mais humildes,

portam consigo papéis que eles não sabem decifrar, mas que são sua salvaguarda ou seu

segredo”. Existem “objetos escritos, manuscritos ou impressos em sociedade ainda lar-

gamente não alfabetizadas” como símbolos ou prerrogativas de uma autoridade que o

escrito confere (CHARTIER, ibidem).

Como reconhecem historiadores e críticos literários que se voltam para a análise

da história da escrita e da leitura no Brasil, a oralização é uma realidade com que convi-

vem os portadores da cultura do escrito.

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A pesquisadora Mariza Lajolo analisa escritores literários do século XIX e como

eles compuseram suas estratégias narrativas evocando “traços de oralidade residual”

numa sociedade que mesclava tradição de escrita com tradições de oralidade, o que

transformou a “tradição brasileira numa miscelânea de formas e vozes” (LAJOLO,

1994). A autora analisa o regionalismo literário de José de Alencar e pontua como nar-

rativas que procuravam captar traços de oralidade nos textos são “observadas como in-

feriores a outras modalidades narrativas onde a oralidade é completamente (ou quase

completamente) removida” (1994, p.558).

Para o Brasil de meados do século XX, a situação histórica em que Rosa terá de

criar suas estratégias narrativas não é muito diferente das do século XIX.

No ano de 1947, em torno de 41 milhões de brasileiros viviam no campo, o Bra-

sil contava com uma taxa de analfabetismo de 55%, e em Paris a UNESCO lançava uma

“ofensiva mundial contra a ignorância” 5 – no mesmo momento em que Guimarães Rosa

representava o Instituto Rio Branco junto ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e

Cultura, o IBECC, órgão da UNESCO no Brasil para tratar dos assuntos da ciência, da

educação e da cultura. A ofensiva resultou no Brasil no lançamento de uma Campanha

Nacional de Educação de Adultos e Adolescentes pela alfabetização e por uma educa-

ção geral, o que envolveu cooperação com técnicos de diversas áreas e a “produção de

material de aprendizagem e de leitura”.6

Lida como figuração dos conflitos históricos entre jagunços, coronéis e governos

no difícil processo de instituição da modernidade política republicana brasileira, a histó-

ria de Grande Sertão:Veredas pode ser lida, ainda, como literatura em que estariam

manifestadas e representados os obstáculos enfrentados e as soluções a serem dadas

pelo escritor diplomata no exercício de sua atividade artística nas condições históricas

do Brasil de meados do século XX.7

5 Arquivos – Revista bimestral. Serviço de Documentação. Ministério da Educação e Saúde. Ano I. n.1,

jan.fev. 1947. Seção Vultos da Geografia do Brasil. p.107 6 Arquivos – Revista bimestral. loc.cit. 7 A historiadora Heloiza Starling estuda Grande Sertão:Veredas a fim de analisar o “potencial político do

projeto literário de Guimarães Rosa” e sua relação com o cenário da modernidade brasileira. A autora acredita que o romance desdenha da possibilidade de encenação de uma identidade nacional coletiva pela supressão das diferenças individuais, porém compensa esse fato por um gesto primordial de funda-ção de uma outra comunidade política. O romance, segundo a autora, “introduz a possibilidade do con-vívio político no sertão (...) uma ação publicamente expressa de criação de novas formas de vida em comum” (STARLING, 1999, p.17).

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Textos de literatura algumas vezes representam a própria atividade literária toma-

da como atividade social, oferecendo elementos para a avaliação das relações hierárqui-

cas e de poder que atravessam a realização da literatura entendida como processo de

trocas sociais entre culturas da escrita e de oralização. Grande Sertão:Veredas revela

um dos princípios ordenadores da obra literária de Rosa, qual seja: o de figurar alguns

personagens como o próprio escritor diplomata em atividade, advertindo para o fato de

que seu projeto literário envolve dispositivos de trocas entre autoridades e poderes que

atravessam as relações sociais como figuradas na literatura.

Autores como Hayden White e Wolfgang Iser já sugeriram que os dispositivos

representacionais em Literatura informam-nos da realidade. White defende a literatura

como possibilidade de análise da sociedade e assim não o seria só se acreditássemos que

a literatura é apenas o produto de uma imaginação que não é deste mundo, “mas de ou-

tro, de um mundo inumano (...)” (WHITE, 2001, p.115). Já Iser, adverte-nos de que

nem tudo no texto ficcional é fictício, e que, desde o início da Idade Moderna, a teoria

do conhecimento foi atormentada pelo componente ficcional da realidade: “como pode

existir algo que, embora existente, não possui o caráter de realidade?” (ISER, 1996,

p.14). Estratégias e arranjos do universo das relações no real podem ser observados pelo

modo como a literatura representa ficcionalmente a realidade vivida; ao representar a

realidade no texto, o ardil literário fornece esquemas persuasivos de interpretação dos

processos sociais como construídos no discurso ficcional, de modo a sugerir o conjunto

de percepções e valorações de que lançam mão os agentes reais da vida fora do texto

apreendidos na figura dos personagens fictícios da vida ficcionada do texto.

A análise do texto ficcional nem sempre é a verificação de uma experiência estéti-

ca, mas pode ser avaliar como os textos literários se realizam, como sua produção en-

volve relações assimétricas entre os detentores da cultura escrita e os que não a detêm.

Ao analisar as sociedades modernas da Europa Ocidental entre os séculos XVI e XVIII,

Roger Chartier procura nos textos literários as representações do convívio entre os ho-

mens que manejam a escrita e os que não o fazem. Henrique VI, de Shakespeare, reve-

laria o que seria uma “hostilidade coletiva à escrita, a seu domínio e a sua dissemina-

ção”. O controle da escrita estaria relacionado à “imposição de uma autoridade” que

simboliza recusa da igualdade comunitária (CHARTIER, 1991, p.24).

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Em Grande Sertão:Veredas, também aparecem as clivagens sociais herdadas no

Brasil de meados do século XX e organizadas segundo diferentes poderes que a escrita

confere.

Num dos momentos mais tensos do romance, em meio a uma das batalhas capitais

contra os jagunços de Hermógenes, Zé Bebelo - jagunço que um dia quis aprender a

letra escrita tomando aulas com Riobaldo - reclama a ele um bilhete para ser escrito e

remetido às tropas oficiais do governo para que viessem ajudá-los. Riobaldo escreve,

mas ameaçando Zé Bebelo de que aquilo, sendo traição, ele não seria perdoado.

A ameaça de Riobaldo desdobra o perigo da luta numa outra tensão que atravessa

a cultura histórica brasileira: a da convivência, nem sempre pacífica, entre os que domi-

nam a palavra escrita e aqueles que a dominam sem conseguir alcançar o convívio com

a comunidade social dos que manejam a escrita.

Professor de Zé Bebelo, a quem ensinou a ler e a escrever, homem que teve opor-

tunidade de seguir para a cidade, estudar e optar por outra vida que não a de jagunço,

Riobaldo acusa o chefe Zé Bebelo de traidor e seu gesto é a projeção de um impulso de

poder: a escrita que o professor Riobaldo domina no sertão e que lhe confere alguma

distinção sobre os homens que mal sabem ler cartas e bilhetes, também lhe confere au-

toridade para ameaçar o chefe do bando. O jagunço Riobaldo é o homem da escrita no

papel, imiscuído entre outros jagunços que são homens da palavra na boca. O trecho

vale pela tensão expressa em palavras. (...) Ah! E então, aí, no súbito aparecer, Zé Bebelo chegou, se encostou quase em mim. “- Riobaldo, Tatarana, vem cá...” – ele falou, mais baixo, meio grosso – com o que era uma voz de combinação, não era uma voz de autoridade. A de ver, o que ele quisesse de mim? Para eu passar avante na posição, me trans-por para um lugar onde se matar e morrer sem beiras, de maior marca? (...) Mas me levou para um outro cômodo. Ali era um quarto pequeno, sem cama nenhuma, o que se via era uma mesa. Mesa de madeira vermelha, respeitável, cheirosa. Desentendi. Dentro desse quarto, como que não entrava a guerra (...) – “mas antes lá o rifle aí, deposita...” – ele falou. O depor meu rifle? Pois bo-tei em cima da mesa, esquinado, de través, botei com o todo cuidado. Ali se tinha lápis e papel. – “senta, mano...” – ele, pois ele. Ofereceu a cadeira, ca-deira alta, de pau, com recosto. Se era para sentar, assentei em beira de mesa. Zé Bebelo de revólver pronto na mão, mas que não contra mim – o revólver era o comando, o constante revirar e remexer da guerra. E ele nem me olhou e me disse: - “Escreve...”

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Caí num pasmo. Escrever numa hora daquelas? O que ele explicado mandou, eu fui e principiei; que obedecer é mais fácil do que entender. Era? Não sou cão, não sou coisa. (...) - “Escreve...” O zumzum da guerra acontecendo era que me estorvava de direito pensar. E Zé Bebelo não estava ali não era para isso, para pensar por todos? Como o que fosse, o papel, para o que carecia, era pouco. Tinham de caçar mais pa-pel, qualquer, por ali devia de ter. (...) Segurou meu braço, suscitado de se voltar para mesa, para se escrever, ama-nuense. Pelo discorrer, revólver na mão, às vezes achei, em minha fantasia que ele estava me ameaçando. – “Ei, aí, vamos ver. Que tenho esquadrão rei-úno: esse é que vão vir me dar retaguarda!” – ele falasse. Eu escrevesse, com mais urgência. Os bilhetes – missiva para o senhor oficial comandante das forças militares, outro para o excelentíssimo juiz da comarca de São Francis-co, outro para o presidente da Câmara de Vila Risonha, outro para o promo-tor. (...) Acertei, escrevi. O teor era aquilo mesmo, o simples: que, se os sol-dados no soflagrante viessem, de rota abatida, sem esperdiçar minuto, então aqui na Fazenda dos Tucanos pegavam caça grossa reunida – de lobo, jagua-tirica e onça - de toda jagunçada maior reinante no vezvez desses gerais, ser-tões. (...) No pique de um momento, perdi e achei minha idéia e esbarrei. A em pé, a-gora formada, eu conseguia a alumiação daquela desconfiança. Assim. Em que maldei, foi: aquilo não seria traição? Rasteiro, tive que olhei Zé Bebelo, no grude dos olhos. Daí, tão claro e aligeirado pensei – os prefácios. Aquele tinha sido homem pago, estipendiado pelo Governo, agora os soldados do Governo com ele se encontravam. E nós, todos? (...) E ele tinha trazido o bando cá para perto da fazenda atacável. Quem sabe então o recado para os soldados virem, ele mesmo já não teria enviado, desde tempos. Idéia, essa. Arre de espanto – ah, como quando onça de lado pula, quando a canoa revira, quando cobra chicoteia. (...) Ouvi a guerra. (...) Aí, fui escrevendo. Simples, fui, porque fui; ah, porque a vida é miserável. A letra saía tremida, no demoroso. Meu outro braço também recomeçava a do-er, quase’que. “Traição...” – sem querer eu fui lançando no papel a palavra, mas risquei. (...) O pensar caladíssimo de Zé Bebelo me perturbava. Mas ele disse: - “Que é que é? – se debruçando. – “Que erro que foi?” – não viu porque eu já tinha riscado. (...) - “E a gente?” – eu perguntei - “Ãe? A gente? A ver, que você não me entendeu? A gente obra jeito de se escapar no cererê da confusão...” Antes, tanto, que era muito difícil – eu repostei. - “Ah, sim, dificultoso é meu filho. Mas pego, é o nosso recurso. Se não, se outra, que saldo é que temos? – E Zé Bebelo, do dito, sagaz se rigozijava. (...) E entreguei o escrito a Zé Bebelo – minha mão não espargiu nenhum tremor. O que regeu em mim foi uma coragem precisada, um desprezo de dizer; o que disse: - “O senhor, chefe, o senhor é amigo dos soldados do Governo...” E eu ri, riso de escárnio, direitinho; ri, para me constar, assim, que de homem ou de chefe nenhum eu não tinha medo. E ele se sustou, fez espantos. Ele disse: - “Tenho amigo nenhum, e soldado não tem amigo...” Eu disse: - “Estou ouvindo” Ele disse: - “Eu tenho é a Lei. E soldado tem é a lei...” Eu disse: - “Então estão juntos” Ele disse: - “Mas agora minha lei e a deles são às diversas; uma contra a ou-tra ...” Eu disse: - “Pois nós, a gente, pobres jagunços, não temos nada disso, a coisa nenhuma...” Ele disse: - “Minha lei sabe qual é que é Tatarana? É a sorte dos homens va-lentes que estou comandando...”

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Eu disse: - “É. Mas se o senhor se reengraçar com os soldados, o Governo lhe repraz e lhe premeia. O senhor é da política. Pois não é? Ô gente – deputa-do...” (...) (GSV, p.212-215)

Riobaldo pára, num átimo de segundo, para pensar. “Daí, tão claro e aligeirado

pensei – os prefácios.”

As categorias intelectuais que organizam a vida dos homens nas sociedades mo-

dernas que conheceram o escrito fixado no livro organizado em bibliotecas, às vezes são

metáforas que associam a vida aos livros, como adverte Roger Chartier (2002).

A relação de Riobaldo com o doutor da cidade também pode ser investigada no

âmbito das reflexões sobre a relação entre detentores desiguais de cultura escrita, reve-

lando uma relação ao mesmo tempo de poder e de solidariedade entre eles. Riobaldo

inveja o senhor que lhe ouve, homem com “toda leitura e suma doutoração”. Na escola

de Mestre Lucas, no Curralinho, Riobaldo decorou “gramática, as operações, regra-de-

três, até geografia e estudo pátrio” e “em folhas grandes de papel, com capricho tracei

bonitos mapas”. (GSV, p.15) Soletrando anos “meante cartilha”, diz ao doutor que ele

não está “analfabeto”, que “inda hoje apreceio um bom livro, despaçado”, e que sua

preferência é por livros de “leitura proveitosa”, como livros de “vida de santo, virtudes

e exemplos”.

Na novela Campo Geral, o menino Miguilim vai embora do sertão levado pelo

doutor José Lourenço, médico que chega a cavalo no sertão - como Guimarães Rosa

quando viaja para conviver com os sertanejos em suas viagens. O menino Miguilim

escolhe ir para a cidade, onde o doutor lhe diz que se for “lá ele comprava uns óculos

pequenos, entrava para a escola, depois aprendia ofício” (CG, 541). Riobaldo não faz

assim: ele escolhe ficar no sertão, mesmo que na cidade possa ser professor, conviver

com a comunidade dos homens de escrita. A escolha de Riobaldo de ficar no sertão re-

vela uma escolha pela cultura sertaneja e encobre uma tensão sociológica. Para Lygia

Chiappini (1998), Grande Sertão:Veredas explicita o “abismo entre ricos e pobres no

sertão”, “conflito de visões do mundo letrado e iletrado”, mas a inversão do narrador em

alguém que “solicita respostas” – como faz Riobaldo - redunda em muitas lições: uma

delas “a de que o homem simples e semiletrado também pode filosofar, mas nos pede

conselhos e propõe uma charada para decifrar, chamando-nos à responsabilidade” sobre

problemas como a violência e a miséria (CHIAPPINI, 1998, p.197). Riobaldo está divi-

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dido, porque julga como os jagunços “são ignorantes” e ao mesmo tempo “como têm

alguma compreensão” das coisas.

Alguns autores do campo literário discutem a condição sócio-cultural do jagunço

Riobaldo, entre eles Ligia Chiappini e Walnice Nogueira Galvão, a qual entende o ja-

gunço como um “jagunço letrado” no sertão, com o que Ligia Chiappini não concorda.

A autora critica a análise de Walnice Galvão, que, para caracterizar a relação cultural

entre Riobaldo e o ouvinte “com carta de doutor”, compreende o jagunço como “jagun-

ço letrado”,8 entendendo que a diferença entre os personagens é marcada por diversas

referências feitas pelo jagunço ao “ato próprio de narrar e contar” ao longo da narrativa

de suas estórias.

Destacando das referências feitas pelo jagunço aquelas “observações de caráter

mais (...) crítico e auto-crítico sobre os rumos da narrativa, seus impasses e as dificulda-

des do próprio ato de narrar”, a pesquisadora Ligia Chiappini (1998, p.196) identifica o

processo de construção da narrativa de Riobaldo com as formas de narrativa oral da

sociedade brasileira, recusando nesse ponto a análise de Walnice Galvão, que dividira

Riobaldo entre o mundo letrado e o do jagunço, figurando-o como o “ambíguo do pró-

prio intelectual brasileiro”.

Ao se aproximar de uma análise da história das formas de escrita na sociedade,

Chiappini relaciona o escrito e o oral, defendendo que entre Riobaldo e o doutor existe

uma mediação “esquecida pela crítica”: a do “moço da cidade”, que representa a escritu-

ração das práticas orais, modificadas pela escrita. Para a autora, Grande Sertão:Veredas

tem referências a “esse processo de recriação da narrativa oral pela escrita” e por isso

Riobaldo é um jagunço “semi-letrado”, porque sua fala é escrita e interpretada pelo dou-

tor da cidade. E não um “jagunço letrado”, como queria Walnice Galvão.

Mas há outra tensão em Grande Sertão:Veredas que pode ser avaliada sob a pers-

pectiva dos impactos da escrita em sociedades em que as competências de ler e escrever

são pouco difusas. A tensão entre cultura de escrita e culturas de oralização da história

brasileira está interiorizada na figura de Riobaldo, que teme ser um traidor ao exercer

seu poder da escrita.

8 Para a caracterização de Riobaldo como “jagunço letrado”, ver GALVÃO, Walnice Nogueira. As formas

do falso. SP: Ed.Perspectiva, 1972. 135 p. A discussão de Chiappini pode ser vista em CHIAPPINI, Li-gia. Ibidem.

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Se o bilhete que escreve a pedido de Zé Bebelo chegar às tropas do governo, e e-

las agirem, os jagunços poderão ser pegos desprevenidos, e Riobaldo compreende que o

que faria as tropas do governo agir seria seu bilhete, que poderia ser entendido como

poder de escrever em benefício do governo - que simboliza a escrita contra os sertanejos

destituídos dela. A clivagem entre sujeitos sociais promovida pelo histórico de analfabe-

tismo e falta de universalização escolar na história e na cultura política brasileira está

sintetizada na dúvida existencial que atormenta Riobaldo ao longo do romance: ser ou

não ser jagunço! Riobaldo revela uma “hostilidade coletiva à escrita”, ao mesmo tempo

em que se entusiasma ao saber que seu bilhete chegou às tropas do governo, que vieram

e salvaram os jagunços de seu bando. Mas falta algo que o diferencie dos demais jagun-

ços, apesar de saber ler e escrever. Talvez falte a Riobaldo o livro, que lhe garante o

acesso a uma cultura do escrito; talvez falta-lhe uma biblioteca.

Segundo a crítica literária Ligia Chiappini, o grande ensinamento de Grande

Sertão:Veredas é que tanto Riobaldo, como o doutor, têm o que ensinar (1998, p.200).

A nosso ver, há ainda outro grande ensinamento no livro que nos informa de uma carac-

terística da formação social brasileira: as grandes desigualdades estruturais se simboli-

zam como diferentes gradações de cultura escrita, diferenças de grau de cultura escrita

disseminadas na sociedade, o que cria tensões que só podem ser resolvidas – ou refor-

çadas - quando o homem doutor da cidade que sabe ler e escrever transcreve a voz viva

do sertanejo e a publica em livro. “Entre a escrita e a oralidade, a relação não é somente

aquela de uma transmissão pela voz de um texto escrito. Ela pode ser, ao inverso, a

transcrição da palavra viva”, assegura Roger Chartier (2001, p.798).

A relação em Grande Sertão:Veredas entre o poder da voz do velho jagunço –

que não escreve - e o poder da escrita do doutor – que não fala – encena um conflito e

uma solidariedade, com o que podemos analisar o moço da cidade como sendo um dou-

tor como Guimarães Rosa, que viaja pelo sertão para escrever suas histórias.

Se Riobaldo escolhesse ser professor e deixar o sertão, o romance não teria co-

mo narrar o grande conflito que atropela o velho jagunço. Em Grande Sertão:Veredas,

Riobaldo - jagunço que estudou na escola de Mestre Lucas - é um testemunho que conta

estórias que não serão escritas nem publicadas por ele, e sua condição é a de alguém que

não escreve, mas apenas oraliza suas histórias vividas no sertão. O doutor da cidade está

calado, sua voz nunca aparece. Ela pode ser imaginada pelas interjeições e expressões

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“– Han? Hum?”, “Foi ou não foi?” – emitidas por Riobaldo, que dão a entender que o

doutor vocalizou algo.

Riobaldo pode escrever seu livro, mas ele não o faz. O doutor irá fazê-lo. Rio-

baldo tem o poder da escrita, mas não o poder sobre a escrita – nos termos de Arman-

do Petrucci - porque manejar a escrita para contar sua história e a do sertão exige fixá-

la, imobilizá-la em livro, o que só o doutor da cidade, o eu-personagem Guimarães Ro-

sa, pode fazer. Riobaldo não escreve seu próprio livro porque isso inviabilizaria contar

sua história e inviabilizaria, além, que o escritor diplomata fosse o mensageiro, o perso-

nagem principal de uma história que se desenvolve fora das páginas de literatura, nas

páginas da realidade viva: o de ser aquele que escreve e publica um livro, e por isso é

responsável pela mediação entre o sertão e a cidade. Se Riobaldo mesmo publicasse o

livro, o escritor vaqueiro diplomata Guimarães Rosa perderia um de seus motivos: o de

ser o mediador obrigatório que põe os sertanejos para conviver com uma sociedade da

escrita, dignificando-os.

Mas há ainda outro dado relevante.

Entre Riobaldo e o doutor não há uma tensão entre desiguais pelo fato de que

manejar a escrita é estabelecer uma superioridade. “Quem aprende com quem?” em

Grande Sertão:Veredas, indaga Ligia Chiapini. O problema pode ser estendido e pensa-

do em forma de uma solidariedade. Talvez a clivagem maior não seja entre cultura do

escrito e do oral, mas entre a cultura oral e a cultura do escrito posta no livro. Enquanto

o escrito está em bilhetes e cartas no sertão, a clivagem cria tensões, mas há também

convivência e solidariedade. Já quando ela está no livro, ela desaparece do sertão, dando

a entender que só quem pode viabilizá-la é o homem doutor da cidade Riobaldo-Rosa,

que, no sertão, em atividade literária, acaba atuando também como um diplomata, cri-

ando uma solução para salvar do esquecimento os sertanejos, por sua palavra escrita que

será imobilizada no livro. A pesquisadora Marli Scarpelli entende que “nas sociedades

sem escrita, arquivos ou monumentos, cabe aos especialistas em memória – os ‘ho-

mens-memória’ – a função de depositários da memória coletiva” (SCARPELLI, 2003,

p.76).

E aqui vem o paradoxo que assemelha Riobaldo ao senhor que escreve o livro: se

ao velho jagunço letrado lhe falta alguma coisa para escrever, ele mesmo, a história do

Brasil que viveu, o senhor que a escreve não teria como fazê-lo se não contasse com

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Riobaldo. A escola lhe adiantou de muito e de nada: ela lhe confere alguma distinção

depois de sair da jagunçagem, mas não lhe faz sair do sertão! O livro que o senhor es-

creve não pode prescindir de Riobaldo para contar a história de um país que se trans-

forma, e a história do país também não pode prescindir do livro, sem o qual ficaria sem

o registro de sua transformação: este é um paradoxo que o livro organiza em torno da

figura ambivalente de Riobaldo. É sedutor pensar que há no livro uma representação do

Brasil cuja modernização não precisa destruir o que seriam suas culturas legítimas, su-

gerindo um imaginário descrente de que a escola seja central na criação de uma comu-

nidade política nova. Paradoxo fundamental do que seria um outro projeto republicano

para o Brasil e que o Grande Sertão:Veredas põe em jogo: se a escola não é central para

formar uma comunidade, ela também não se funda sem o livro que a escreve com a letra

que, especialmente, é a escola que ensina!

O livro Grande Sertão:Veredas pode ser lido como figuração do escritor entre

seus personagens, figuração do escritor diplomata Guimarães Rosa – homem cuja obra

literária não se destaca do livro - em atividade literária em meio a homens cuja obra

artística se deve exatamente porque o principal meio de materialização de seus textos é

sua própria voz, e suas leituras são ouvidas por alguém que lê para eles, não importa se

ouvidas por escrito ou pelo rádio.

Em outros termos, Cláudia Campos Soares retoma a mediação com o urbano da

atividade literária de Rosa ao analisar Grande Sertão:Veredas como proposição de que

só o doutor da cidade é quem pode “transformar a voz do sertanejo em literatura” (SO-

ARES, 2000, p.139). A autora recupera a tensão entre Riobaldo e o doutor, através das

indicações textuais que apontam para as tentativas do jagunço de ordenar o texto de seu

interlocutor, o que instauraria “uma tensão entre o caráter oral do discurso e o texto es-

crito que o recolhe”. Para a autora, as indicações de Riobaldo resgatam um elemento

crucial: “o da origem do discurso enquanto livro, objeto material onde o lemos em sua

oralidade ficta” (ibidem, p.140). Grande Sertão:Veredas conecta “a vida do doutor do

livro e a de João Guimarães Rosa, autor historicamente situado”, autor-doutor, ao mes-

mo tempo sertanejo, mediado pelos mundos da cidade e do sertão.

Riobaldo não é um letrado ou semi-letrado, mas é um índice, um personagem-

índice de uma cultura de oralização penetrada de cultura escrita, de quem o personagem

doutor da cidade vai servir de intermediário para fazê-lo existir na cidade, preservando

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sua vida e a dos sertanejos publicados em livro. O doutor da cidade, Guimarães Rosa, é

o mediador obrigatório de Riobaldo e dos sertanejos com relação ao mundo da escrita,

onde sua memória será preservada no livro que se publica na cidade. Em 1965, Rosa fez

uma declaração reveladora: (...) Deus meu! No sertão, o que pode uma pessoa fazer de seu tempo livre a não ser contar estórias? A única diferença é simplesmente que eu, em vez de con-tá-las, escrevia. Com isso, pude impressionar, mas ainda sem perseguir ambi-ções literárias. Já naquela época eu queria ser diferente dos demais, e eles não souberam deixar escritas suas estórias ... (LORENZ, 1994, p.33).

O controle do escrito e do livro numa sociedade como a brasileira possibilitou a

Guimarães Rosa utilizar suas prerrogativas de poder conferidas para reforçar seu lugar

de mediador da pena do homem sertanejo, conduzindo-o ao convívio de escritores e de

alfabetizados, numa sociedade em que a cultura escrita estava longe de se reduzir à cul-

tura impressa em livros. A indistinção entre o escritor e os sertanejos se realiza na pro-

jeção do valor de sua obra literária como equivalente a sua atuação solidária de media-

dor diplomata que agrega, na comunidade imaginada das páginas do livro de literatura,

o que muitas vezes está separado na comunidade real das páginas dos livros da história.

• Rosa, um artista gráfico das palavras ... no livro

Sob a perspectiva de troca entre culturas sociais, a obra literária de Guimarães

Rosa favorece verificar a complexidade de aspectos da formação histórica brasileira,

concretizados na forma de atividades artísticas e literárias. A dimensão de publicação e

circulação dos textos acrescenta um fator a mais pelo qual se avalia o que Ligia Chiap-

pini qualificou apropriadamente como a mediação do “moço da cidade”, a quem os li-

vros se dirigem.

Guimarães Rosa era detalhadamente afeito à tarefa de fazer a revisão de seus li-

vros. Uma maneira possível de examinar os gestos de revisão do escritor é vê-los com a

naturalidade com que todo artista da palavra quer saber se seu texto não terá o infortú-

nio de sofrer alguma deturpação de sentido ou de erros tipográficos que bloqueiem a

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compreensão de palavras e frases. Outra forma é tomar seus gestos de revisão analisa-

dos pelo que eles significam como tentativa de recuperar efeitos que o artista quer pro-

vocar remetendo o escrito a outros efeitos e habilidades que a palavra fixada no livro

pode tentar recuperar.

A edição feita pela Editora Nova Fronteira, em 2006, do livro de Guimarães Ro-

sa Corpo de Baile, comemorativa dos cinqüenta anos da primeira edição, contém um

opúsculo autógrafo explicativo dos critérios de edição adotados pelos editores para a

nova edição.

Recordam os editores de agora que, antes de publicar em 1956 Corpo de Baile, o

editor José Olympio recomendara a Rosa a publicação em separado de, pelo menos,

uma das novelas do livro “para que não ficasse muito tempo afastado da cena literária”,

já que Sagarana havia sido publicado quase dez anos antes, em 1946. Rosa não aceitou

a recomendação do editor, alegando organicidade entre as partes do livro, que seria pre-

judicado caso só uma novela fosse publicada em separado.9 Para justificar seus critérios

atuais de edição, os editores advertem que conhecem “histórias que mostram um Gui-

marães Rosa atento aos detalhes, burilando-os em meses de ‘reflexão e lucidez’, e a-

companhando bem de perto todo o processo de edição de seus livros”, porém acreditam

que o escritor passou a incorporar “erros involuntários”, alterando grafias e expressões,

aceitando sugestões para a ilustração de seus livros e a organização de suas histórias.

O historiador Roger Chartier refere-se aos estudos de D.F.McKensie sobre a edi-

ção de livros, e assinala que o autor identifica as mudanças que na publicação sofreram

os textos dramáticos do comediante inglês Willian Congreve na virada do século XVII e

XVIII na Inglaterra. O sociólogo dos livros D.F.McKenzie identifica como transforma-

ções formais, aparentemente insignificantes na publicação dos textos, vinculam-se a

novas formas de ler e a um novo horizonte de recepção, o que confere aos textos um

estatuto que antes eles não continham. Roger Chartier registra que McKenzie avaliou

como, em edições menores in-octavo, mudanças de “numeração das cenas, presença de

ornamentos entre elas, indicação nas margens do nome de quem fala, menção a entradas

9 As informações a seguir encontram-se em ROSA, João Guimarães. Corpo de Baile. Sobre a Obra. RJ;

Editora Nova Fronteira, 2006. p.5/6. Comentários de Rosa sobre as partições e soluções editoriais de seus livros podem ser encontrados entre as cartas trocadas com seus editores alemão e italiano. Ver: Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizarri. 2ª ed. São Paulo: T.A.Queiroz, Editor; Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1981. 147 p. e Correspondência com seu tradutor alemão Curt Me-yer-Clason (1958-1967). RJ, Nova Fronteira; BH, Ed. da UFMG, 2003. 446 p.

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e saídas” tiveram um efeito de restituir ao livro “algo do movimento da organização

cênica”, resgatando para o leitor a teatralidade das peças (CHARTIER, 1999, p.18).

As revisões a que Rosa submetia seus textos beiram o obsessivo. “(...) Porque o

meu incontentamento é crescente, a ânsia de perfectibilidade, fico querendo reformar e

reconstruir tudo, é uma verdadeira tortura”, comentou o escritor com sua tradutora ame-

ricana, Harriet de Onis. 10

O editor José Olympio teria destruído as matrizes de Sagarana derretendo o

chumbo dos linotipos para evitar revisões constantes. O fato de as intervenções de Gui-

marães Rosa na revisão e na confecção de seus livros significarem revisão de prováveis

incorreções gramaticais não quer dizer que o caráter das correções tenha sido somente

gramatical. Examinar a interlocução de Rosa com autores brasileiros e sua literatura -

pensada como uma obra sobre livros e não só sobre textos – pode acusar a consciência

profunda do escritor de que sua atividade era uma atividade literária à medida que essa

se conjugava a atividade artística de escrever e de compor textos. O fato nos reenvia,

então, para a consciência de Rosa de que suas revisões de textos tentam recuperar outros

sentidos, tendo em vista que eles serão lidos por outros moços da cidade que convivem

com os sons e as imagens. Numa análise da literatura que compreenda a importância de

artífices e tecnologias mediadoras da “passagem da realidade conceitualizável do dis-

curso para a materialidade do texto” (SCHAPOCHNIK, 2004, p.2), a literatura de Rosa

talvez revele o escritor como um artista do texto impresso na página e composto no li-

vro.

O processo de escrita de Grande Sertão:Veredas nos reaproxima do que Lauro

Mendes assegura serem os “livros artesanais antigos, pela contínua intervenção das

mãos e das intenções autorais” de Guimarães Rosa (MENDES, 1998, p.51). O autor

chama a atenção para palavras que, na página do livro, são marcações a serem observa-

das “para a execução da possível fala-canto” – entre muitas: “co-ah, Quà, pr’aqui mais

p’r’aqui, quépe-te, p’r’agradar” – que são marcações que assinalam o que seria o resgate

de um aspecto de oralização da fala.

Grande Sertão:Veredas é composto de longos blocos de parágrafos que prova-

velmente remetem o dado textual a uma decisão editorial. Se o livro pretende ser a fixa-

10 Carta de 23 de abril de 1959, notificada por CAVALCANTE, Neuma. Guimarães Rosa: ecos de uma

recepção construída. Revista O Eixo e a Roda. Revista de Literatura Brasileira. Especial Guimarães Ro-sa. FALE-UFMG. v.12, 2006. p.267

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ção na página de uma voz que narra, nas edições da Livraria José Olympio Editora, a

fixação do texto na página - quase num bloco único sem muitas partições - recupera o

fluxo da narração contínua do ato de ouvir, onde não existem pausas e paradas, como

dão a entender os textos repartidos em vários parágrafos. No preparo editorial do texto,

Rosa interferia junto ao editor, aconselhando-o a “lançar mão de recursos como espa-

ços, negritos e itálicos”, segundo Cavalcante, “provocando o leitor e facilitando sua

compreensão, principalmente nos diálogos dentro de parágrafos maciços” (CAVAL-

CANTE, 2006, p.270).

A atividade deve ser vista, a nosso ver, como a de um “artista gráfico” tal como

é nomeada por Edson Santos de Oliveira (2008) e Irene Simões (1982?).

O conto Cara de Bronze, uma das novelas do livro Corpo de Baile, de 1956, é

analisada na perspectiva de um roteiro cinematográfico ou de uma peça de teatro. À

apresentação do espaço da trama, sucede a entrada em cena dos personagens, acompa-

nhada das “anotações” do narrador, marcando as cenas e indicando os gestos. As falas e

entradas dos personagens estão marcadas na página, que assim fazem imaginar a cena

teatral. Há um roteiro cinematográfico inserido no conto, onde descrição literária dá

lugar à sucessividade de imagens, com “indicações dos planos e dos movimentos da

câmera” escritos na página. Irene Simões assinala que o conto-filme pode ser acompa-

nhado pela colocação do texto na materialidade da página e “o roteiro, pela disposição

espacial, sugere a multiplicidade das situações (movimentos, vozes, ruídos) que o leitor

capta à medida que o olho percorre a página” (SIMÕES, 1982?, p.156). Pela materiali-

zação/publicação na página do livro, o discurso textual pretende criar para o leitor a

sensação das imagens de um filme.

Em 1965, ao fazer um balanço de sua literatura com o crítico literário Gunter

Lorenz, Rosa disse que “em literatura sou um visual, só sei descrever aquilo que eu vi,

efetivamente, e sonhei depois” (LARA, 1996, p.18). Como na relação entre culturas

escritas e de oralização, o exame de aspectos visuais da literatura de Rosa pode trazer-

nos mais elementos de como conflitos e solidariedades da vida coletiva brasileira se

incorporam aos esforços para se executar uma obra literária. Talvez estejamos diante de

um escritor cuja obra não se resumiu a escrever, mas que se realizou por meio de outras

atividades artísticas que tinham o livro como centro de convergência.

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Uma noção transcendental de escrita pressupõe o exame do texto em profundi-

dade, sem recorrer aos “caracteres empíricos do autor” literário e sua condição de porta-

dor de um discurso social que recebe um estatuto que o preexiste. Uma noção transcen-

dental de escrita apaga “o jogo das representações que configuraram uma certa imagem

do autor” (FOUCAULT, s.d., p.41), que é o que permite compor a análise da escrita

rosiana com outras atividades empíricas do artista Guimarães Rosa, induzindo pensar

sua obra como uma composição de várias artes no contexto histórico brasileiro e mun-

dial de meados do século XX

4.2 - Leitura de palavras, leitura de imagens: a mediação dos livros

• Visualidade, categoria individual artística? As práticas do olhar ... no livro

O que nos parece é que o empenho artístico de Rosa se volta para o livro, mesmo

quando suas atividades não envolvem a criação verbal ou a leitura de impressos. O atri-

buto de “visual” à literatura do escritor - conferida por ele mesmo e por críticos ou leito-

res literários - ora é analisada como linguagem verbal permeável a trocas intensas com

técnicas narrativas de textos imagéticos, ora é analisada como um sentido que, educado

pelas artes visuais, transforma palavras em textos de grande impacto visual. Embora

ressalte a sonoridade dos textos de Rosa, o tradutor e crítico moçambicano Fernando

Camacho admite ao escritor que “eu apreendo o que você tem para comunicar através

da via visual (...) o impacto visual que você tem em mim é tremendo” (CAMACHO,

1978, p.49) e Eduardo Coutinho ressalta que a “questão do olhar” é central em toda a

obra de Guimarães Rosa (COUTINHO, 2008, p.366).

As influências de técnicas narrativas de textos visuais sobre a literatura no sécu-

lo XX é examinada pelo pesquisador Enio Luiz Biaggi, que, numa perspectiva semióti-

ca, reconhece a visualidade como atributo que “sempre esteve fortemente presente na

literatura” - muito influenciada pela pintura e pela fotografia no século XIX e, no decor-

rer do século XX, por novas técnicas de filmagem “aprimoradas com os avanços dos

recursos cinematográficos” (BIAGGI, 2007, p.8). Ainda com relação ao cinema, Maria

Luiza de Castro da Silva examina a força plástica do texto rosiano, onde, adquirindo

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“capacidade sensorial”, a linguagem vai se utilizar “dos códigos verbais para realizar

uma experiência áudio-visual”. Segundo a autora, todo conhecimento é mediado por

convenções culturais e Guimarães Rosa “parece pretender que uma de suas estratégias

textuais seja usar a linguagem como quem busca filmar com palavras” (CASTRO DA

SILVA, 1999, p.184). Também para Edson Santos Oliveira, em Rosa sempre houve

uma preocupação em construir uma escrita próxima da imagem (OLIVEIRA, 2008).

Outra possibilidade de avaliar a visualidade de Rosa é verificando nas atividades

do escritor diplomata o convívio entre prática artística de escrever com práticas artísti-

cas não ligadas à prática textual. E verificar como esse convívio incide no texto em ín-

dices verbais de visualidade, como resultado de trocas verbais que remetem à apreensão

do mundo pela intelecção visual e por representações literárias de personagens e do es-

critor em atividade artística visual.

Uma maneira de os historiadores se relacionarem com a literatura é a de desco-

brir em “alguns textos literários uma representação aguda e original dos próprios meca-

nismos que regem a produção e transmissão do mistério estético” a fim de caracterizar a

instituição literária, e quais os critérios que, entre tantos discursos, distinguiria e qualifi-

caria um deles como sendo discurso literário (CHARTIER, 2000, p.197/198).

A análise do discurso literário rosiano se fecunda pela observação de suas práti-

cas artísticas não-literárias de que se serve e que o escritor revela - representando-as ou

indicando-as - em seu próprio texto. A visualidade de Rosa é uma categoria de forte

significado não só por sua virtualidade semiótica ou lingüística, mas pelo que pode a-

presentar de um escritor que sabe aproveitar de recursos disponíveis em seu tempo, e

que se faz no diálogo intensivo entre artes, do que surge uma literatura híbrida que con-

segue incorporar características que vão além da prática e da arte de escrever literatura.

Da viagem de 1952 ao rio São Francisco comandando uma boiada, ficou o depo-

imento do cozinheiro da comitiva, o Zito, que se lembrava do “doutor João Rosa” que,

com lápis e caderno pendurados no pescoço, tomava “o mundo por desenho e escrito”

(MARTINS COSTA, 2008, p.313). As cartas de Guimarães Rosa são pontuadas de pe-

quenos desenhos. Para esclarecer os tradutores de seus livros sobre palavras e expres-

sões, o escritor podia usar do recurso: são pequenos desenhos de chifres de cabeças de

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gado, estrelas, peças de carros de boi, objetos e artefatos de fazenda, tipos de semente

de plantas etc.11

Segundo o pesquisador Edson Santos de Oliveira, Rosa faz vários desenhos, tra-

ços, rabiscos, como quem “vai construindo cartas como se tecesse telas sobre o mundo,

a vida, a linguagem”, o que demonstra uma preocupação em escrever uma “escrita visu-

al” (OLIVEIRA, 2008, p.194). Ao representar, em sua “poética migrante”,12 persona-

gens que tiram o mundo por imagens, personagens que desenham ou fotografam, Gui-

marães Rosa acaba recuperando o tema das viagens em que se fotografa ou se desenha,

ao mesmo tempo em que representa, mediado pela viagem, sua própria atividade literá-

ria, em que ele inclui o gesto de escrever e de desenhar. A atividade literária não se res-

tringe a “tirar o mundo” pelo escrito, mas também pela imagem.

Nas viagens a Alsácia-Lorena, Borgonha, Jura e Itália, em 1949 e 1950, foram

feitos vários desenhos em visitas a museus: desenhos de quadros, com detalhes de ani-

mais, figuras humanas, paisagens, arquitetura, roupas, esculturas, tipos de bigode - es-

panhol, inglês, com guias retas - barba à Henrique IV.13 Nas correspondências pessoais

com o amigo Pedro Barbosa, Rosa eventualmente desenhava, e nas correspondências

enviadas para as netas crianças, os desenhos são precisos, e até com algum requinte de

habilidade, para quem não era formado na arte do desenho.14 Ao analisar os desenhos

do escritor feitos em cartas para as netas,15 João Batista Santiago Sobrinho os compara

aos desenhos do ilustrador Luiz Jardim para as capas das edições de Primeiras Estórias

(1962) e Terceiras Estórias (1967) a fim de demonstrar o diálogo entre eles.16 O autor

designa a habilidade de Rosa com o desenho como “traço de desenhista”, estampando 11 ROSA, João Guimarães. Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizarri. 2ª ed. São Paulo:

T.A.Queiroz, Editor; Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1981. 147 p. e ______ . Correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason (1958-1967). RJ, Nova Fronteira; BH, Ed. da UFMG, 2003. 446 p.

12 “Poética migrante” é o título do livro organizado pela pesquisadora Marli Fantini Scarpelli para se referir à literatura de Rosa em SCARPELLI, Marli Fantini (Org.) A poética migrante de Guimarães Ro-sa. BH: Ed. UFMG, 2008. 448 p.

13 O material referente encontra-se em IEB-FJGR: Inventário das Cadernetas e Cadernos. Microfilme 68. Série Estudos para a Obra.

14 As cartas pessoais com o amigo Pedro Barbosa encontram-se nas caixas 4 e 4 A, do arquivo de João Guimarães Rosa no Museu Casa de João Guimarães Rosa, em Cordisburgo-MG.

15 As cartas de Guimarães Rosa com desenhos para as netas podem ser vistas em ROSA, João Guimarães. Ooó do Vovô! Correspondência de João Guimarães Rosa, vovô Joãozinho, com Vera e Beatriz Helena Tess: de setembro de 1966 a novembro de 1967. SP: Edusp; BH: Editora PUC/Minas; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003. 70 p.

16 A análise se encontra em SANTIAGO SOBRINHO, João Batista. Marcas da Ooó. Caligrama: Revista de Estudos Românicos, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, v.9, p.281-293, dez.2004.

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os desenhos de Rosa feitos no verso de cartões postais cotejados com a capa do livro

Primeiras Estórias – ilustrado por Luiz Jardim.

O autor aponta para o “traço do desenhista João Guimarães Rosa na letra”, real-

çando como os signos verbal e visual se hibridizam na literatura do escritor, sem fazer,

no entanto, qualquer ligação da habilidade com o que seria uma atuação de artista gráfi-

co, sem ligá-lo ao que seria uma textualidade do livro. Do livro Primeiras Estórias, no

conto Famigerado - a história de um médico que recebe assustado um jagunço em sua

casa – Santiago Sobrinho destaca que, atemorizado, o autor-narrador grafa “O medo

O.O medo me miava”: (...) Rosa utiliza o formato das letras para reproduzir o medo, tanto em seu aspec-to sonoro, quanto em seu aspecto visual, na medida que pretende expressar os olhos arregalados de alguém que está amedrontado (SANTIAGO SOBRI-NHO, 2004, p.289).

Em Grande Sertão: Veredas, para explicar ao senhor que o escuta o que era o

campo do Tamanduá-tão, palco da batalha fatídica derradeira entre os jagunços, Riobal-

do não sabe como fazê-lo a não ser lançando mão do desenho: (...) A bem, como é que vou dar, letral, os lados do lugar, definir para o senhor? Só se a uso de papel, com grande debuxo. O senhor forme uma cruz, traceje. Que tenha os quatro braços, e a ponta de cada braço: cada uma é uma ... Pois, na de cima, era donde a gente vinha (...) Mas agora o senhor assinale, aqui por entremeio, de onde é a Serra do Tamanduá-tão e a Mata Grande do Ta-manduá-tão, mais ou menos, os troços velhos da casa de fazenda, que tanto se desmantelou toda (...) (GSV, p.347).

O doutor instruído da cidade, eu-personagem a quem Riobaldo fala que “sua ins-

trução compõe minha valia”, é um escritor de livros cuja atividade artística contém o ato

de fotografar. Como já apontamos, ele viaja pelo sertão de jipe e carrega uma máquina

fotográfica, tirando instantâneos das coisas sertanejas, e a literatura de Rosa representa

o escritor em atividade fotografando, oferecendo um elemento a mais para se pensar de

que recursos o escritor se utiliza para fazer suas elaborações literárias. Mas nos sertões

de Rosa, há outros fotógrafos. Ao longo das caminhadas pelo sertão, os jagunços podem

ser motivos de fotografias para viajantes, provavelmente alheios ao universo sertanejo.

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(...) Mas entramos num arraial maior, com progresso de bordel, no hospedado da-quilo usufruí muito, sou senhor. Diadorim firme triste, apartado da gente, na-quele arraial, me lembro. Saí alegre do bordel, acinte. Depois, o Fafafa, numa venda, me perguntou se não tinham chá de mate-seco, comercial; e um ho-mem tirou instantâneo nosso retrato. (...) (GSV, p.126 – grifo nosso).

No conto O Recado do Morro, de Corpo de Baile, o alemão Seu Olquiste – figu-

ração modificada do viajante naturalista do século XIX - viaja em comitiva pelo sertão.

Ele carrega sua “codaque a tiracolo”, anota, desenha e fotografa tudo que vê, e ... (...) a tudo quanto enxergava dava um mesmo engraçado valor: fosse uma pedri-nha, uma pedra, um cipó, uma terra de baranco, um passarinho à-toa, uma moita de carrapicho, um ninhol de vespos (RM, p.618).17

Mas seu Olquiste fotografa também o vaqueiro sertanejo Pê-Boi e a Festa do

Rosário, com seu cortejo de fardados, moçambiqueiros, congos, reis e rainhas. (...) Mais tinha esquentado aquele sábado. Frei Sinfrão já começara uma missa, sempre mais povo chegando, a reio. Também muitos já revestidos, para figu-rar na festança do dia-seguinte. Os dos ranchos: os moçambiqueiros, de pe-nacho e com balainhos e guizos prendidos nas pernas; grupos congos em ce-tim branco, e faixa, só faltando os mais adornos; e a rapaziada nova, com uni-forme da guarda-marinheira. Imponente foi quando comungaram o preto Za-belino, todo sério, e a preta Maria-da-Fé, com um grande ramo de flores nos braços, quens iam ser rei-congo e rainha-conga. Seo Alquiste estava presente, com seo Juca do Açude e seo Jujuca, e as senhoras da fazenda, e acabada a missa seo Alquiste aproveitou para bater chapa de todos os fardados. Música ia tocar era no outro dia, no outro dia era que era o registrado da festa. (...) (RM, p.651 – grifo nosso)

Em A Estória de Lélio e Lina, a moça Sinhá-Linda viaja para saber onde começa

o sertão, conhecer seu sol, sua luz, suas flores, e “encontrar coisas de vista”. O vaqueiro

sertanejo Lélio, apaixonado pela moça, acompanha a comitiva, que veio de longe. (...) A Moça, com o pai, o senhor Gabino, a mãe, dona Luíza, um irmão doutor e outros dois rapazes, que eram do Rio de Janeiro. Lélio estava ali para ver, agarrar de ver, às penas que pudesse, sempre, sempre. Vê-la, e a ouvir, basta-va. Primeiro dia, da ponta-de-trilhos vieram até ao Lajeado. – “Será que já é

17 A Kodak é o primeiro aparelho fotográfico portátil inventado no mundo, em 1888. No conto de Rosa, a

palavra está escrita como “Codaque”.

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o sertão?” – ela queria saber. O Sertão, igual ao Gerais, dobra sempre mais para diante, territórios. – “Mas já é o Sertão, sim!” – ela queria e exclamava: - “Tanto sol, tanta luz! Este céu é o da Itália...” (LL, p.723-724)

É bastante provável que a moça, ou alguém de sua comitiva, carreguem uma

máquina fotográfica para registrar as “coisas de vista” que esperavam encontrar no ser-

tão.

Há ainda a presença sem alarde de textos visuais que aparecem em novelas de

Guimarães Rosa, o que desnudaria outro traço do sertão rosiano: o de que a invenção da

imprensa não significou disseminação de livros, mas a impressão de imagens em folhi-

nhas, calendários, livros santos.

O personagem Zaquia, de O Recado do Morro, se apaixona por uma mulher que

está na folhinha de um calendário; outros tiram fotografia e fazem desenhos — o ho-

mem na canoa de A terceira margem do rio não se deixa fotografar pelo homem do jor-

nal. Outros personagens convivem com revistas ilustradas e disputam desenhos e foto-

grafias impressas — o menino de As Margens da Alegria, eufórico com o avião, rejeita

“revistas de folhear”, em Campo Geral, Miguilim e seus irmãos disputam uma imagem

de mulher santa impressa num pequeno quadrado de papel que trouxe do Sucruiu.

O historiador de literatura e lingüista Paul Zunthor analisa a poesia medieval e

identifica o que chama de “índices de oralidade” indicadores da presença da voz na

composição poética.

O autor aponta que muitos intelectuais europeus “escravizados pelas técnicas es-

criturais e pela ideologia que elas secretam” avaliam a poesia medieval menos como

produto do trabalho da voz, da palavra falada a leitores em público, do que da palavra

escrita a leitores solitários (ZUNTHOR, 1993, p.8). A voz não está desaparecida, mas é

uma presença, sob cujo filtro de nossos conceitos, ela não é mais ouvida. Por analogia,

acreditamos que as considerações do autor sobre a voz na poesia medieval ajudam-nos a

ver o visual na literatura de Rosa e a pensar conexões novas do texto rosiano com a so-

ciocultura brasileira de meados do século XX. Grande Sertão:Veredas contém palavras

que seriam espécies de “índices de visualidade”. Senão vejamos o trecho que narra o

primeiro encontro dos meninos Riobaldo e Diadorim, quando atravessam juntos o rio

São Francisco.

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O trecho ocupa 7 páginas, ou 17 parágrafos, ao longo do que ocorrem 55 pala-

vras que nomeiam o olhar sobre a natureza ou movimentos do olho em direção a gestos,

seres e coisas, tais como: olhar, ver, espiar, apreciar, reparar, avistar, espreitar, repre-

sentar, encarar, mostrar, enxergar. Talvez não seja apenas metáfora que os olhos ver-

des de Diadorim atravessem toda a narrativa. São frases como: Depois o senhor vá, ve-

rá. (...); queria novidade quieta para meus olhos; espiava as cabaças para bóia de an-

zol; ele apreciava o trabalho dos homens, chamando para eles meu olhar, com um jeito

de siso; enxerguei os confins do rio, do outro lado, longe, longe, com que prazo se ir até

lá?. E Riobaldo termina seu relato dizendo ao doutor sobre como voltaram da travessia:

“dessa volta não lhe dou desenho”.18

Como o menino Miguilim, em quem “muitos quadros cabiam certos na memó-

ria” da viagem que fez para vir morar no arraial do Mutum (CG, p.467), trocas textuais

de Guimarães Rosa com livros de sua biblioteca contêm também forte conteúdo de vi-

sualidade, uma vez que dizem de seu procedimento de apanhar o que vê como se fosse

um quadro ou uma fotografia.

O livro Caçando e Pescando por Todo o Brasil, publicado em1949, de Francisco

de Barros Júnior, é dos livros da biblioteca de Rosa assinalado em profusão.

Especialmente impressionante é mesmo a afinidade textual entre Rosa e Barros

Júnior, e suas predileções por pássaros e, de maneira geral, pela vivacidade da paisagem

que descrevem. Via indireta de observação, as similitudes de Guimarães Rosa com Eu-

clides da Cunha se encontram no livro de Barros Júnior. Lido tão intensivamente por

Rosa, Caçando e Pescando por Todo o Brasil põe em contato o “invulgar poder descri-

tivo” da natureza. Numa viagem de trem a Diamantina, percorrendo o rio das Velhas,

Barros Júnior escreve “maravilhosos quadros que vão surgindo”, quando então “divisa-

se entre a mata viçosa do fundo um curso de água descido das alturas em busca daquele

rio”. Ante o “deslumbramento de um lençol de água” que desce de um precipício, Bar-

ros Júnior exclama, admirado, que “sinto a minha ousadia, pretendendo descrever tais

fisionomias de nossa terra, só possível de serem retratados por Euclides da Cunha, ou

18 Trabalhamos aqui com a 5a ed. do livro, de 1967, editado pela Livraria José Olympio Editora. O encon-

tro está entre as páginas 79, parágrafo quarto, e página 86, primeiro parágrafo. Escolhemos transcrever passagens do trecho, e chamamos atenção para a incidência destas palavras nos trechos transcritos atra-vés de sublinhados.

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pelo invulgar poder descritivo de Blasco Ibañez (...).19 Guimarães Rosa e Francisco de

Barros Júnior se encontram com Euclides da Cunha pelo mesmo deslumbramento com

Os Sertões e pela convicção de que a natureza é uma grande artista. (...) Da cortina de névoa nos vinha o concerto de seus habitantes, notadamente o pipilar das marrequinhas e irerês. À medida que se ia descortinando a super-fície líquida, víamos as costumeiras saracuras, ferrõezinhos, maçaricos e as garças imóveis sobre os tapetes de gramíneas e guapés, de parceria com grandes tuiuiús, gravemente atentos ao lambari ou piaba que descuidosa aflo-rasse. Das árvores vizinhas desciam garças e mergulhões negros, os grandes socós de vôo lento e compassado, e os mergulhões cinzentos ou biguatingas, como são chamados no Norte. E a grande artista natureza coroou a sua o-bra, tirando da palheta mágica umas pinceladas de vermelho-rosado em um tapete de guapé verde-negro, e representada por muitas centenas de colheirei-ros, com seus bicos exóticos em forma de espátula. O panorama era fascinan-te, mesmo para os que não sabem, como nós caçadores, sentir a natureza (BARROS JÚNIOR, 1954, p.116 - grifo nosso – Rosa assinalou e escreveu ao lado “jaburus”). 20

Numa cena de luta entre dois veados campeiros, Barros Júnior se admira, e ex-

clama que ... (...) o quadro era maravilhoso, e merecia o pincel de um artista, o cinzel de um escultor, a teleobjetiva de um aparelho fotográfico (ibidem, p.118).

Na visão de uma cena de pesca em Pirapora, Rosa assinala as descrições de pai-

sagem em agosto, quando ... (...) as águas límpidas bordavam de espuma todas as pedras da corredeira, sobre a qual estão os pilares da ponte. A certas horas do dia, as águas tomam cor a-centuadamente anilada, dando original encanto à paisagem, e mais fazendo

19 BARROS JÚNIOR, Francisco de. Caçando e pescando por todo o Brasil. (No planalto mineiro, no São

Francisco, na Bahia) 3ª série. SP: Melhoramentos, 1949, p.230. Vicente Blasco Ibañes (Valência, Es-panha – 1867/Menton, França – 1928) – Novelista, jornalista e político espanhol republicano e anti-monárquico, escreveu livros regionais e históricos. No início da Primeira Grande Guerra, muda-se para Paris, insatisfeito com os rumos da política espanhola. Recebe do presidente francês Raymon Poincaré a incumbência de escrever uma novela sobre a guerra, que foi Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Teve atuações ainda como diretor de cinema, para o qual dois de seus livros foram adaptados: A Cate-dral e Areias Sangrentas.

20 BARROS JÚNIOR, ibidem. Todas as citações do autor a seguir pertencem a esse livro.

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destoar as ilhas de lama e areia, cobertas de vegetação escura, emergindo ra-sas (ibidem, p.104).

E sobre as paisagens que se vêem pelo pincel do artista, ou pelo clique da má-

quina fotográfica, Barros Júnior, tão lido por Rosa, é ainda mais enfático: (...) Para quem sabe ver, não há paisagens monótonas. Numa campina onde pasta o gado (...) a paisagem é desoladora, só pedras e mato ressequido, mas tem, no alto de um barranco ou encosta empedrada cortada a prumo, um coqueiro esguio, ou elegante ipê coroado de ouro e pensamos na linda fotografia que poderíamos tomar (...) (ibidem, p.139 - grifo nosso)

Dos livros de sua biblioteca, Rosa parece se nutrir para educar sua visualidade e

escrever o território do sertão do Brasil como um quadro de artista plástico (...) Soropita ali viera, na véspera, lá dormira; e agora retornava a casa: num vão, num saco da Serra dos Gerais, sua vertente sossolã. Conhecia de cor o cami-nho, cada ponto e cada volta, e no comum não punha maior atenção nas coi-sas de todo tempo: o campo, a concha do céu, o gado nos pastos — os cana-viais, o milho maduro — o nhenhar alto de um gavião — os longos resmun-gos da juriti jururu — os papagaios que passam no mole e batido vôo silen-cioso — um morro azul depois de morros verdes — o papelão pardo dos ma-rimbondos pendurado dum galho, no cerrado — as borboletas que são indeci-sos pedacinhos brancos piscando-se — o roxoxol de poente ou oriente — o deslim de um riacho. Só cismoso ia entrado em si, em meio-sonhada rumina-ção (...) (DL, p.806)

O historiador Ulpiano Bezerra de Menezes faz um “balanço provisório” de co-

mo, a partir dos anos 1980, houve entre os historiadores uma “convergência de interes-

ses em torno da visualidade e da dimensão visual da vida contemporânea” (BEZERRA

DE MENEZES, 2003, p.25). O autor sugere que se deve avançar para a “dimensão vi-

sual da sociedade” tomando as imagens como algo socialmente construído “que só na

interação social é capaz de produzir sentidos a valores, fazendo-as atuar” e postula um

conceito de cultura visual como “construções mediadas pelo visual” e os objetos visuais

como “coisas que produzem e vivem os homens”.

Considerando sua posse na Sociedade Brasileira de Geografia, em 1945 - em

que Rosa fez seu discurso de posse sobre Cordisburgo tendo em mãos a mediação de

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desenhos publicados numa revista - a análise de sua literatura talvez possa avançar para

um conceito de cultura visual como postula Bezerra Menezes, com o adendo de que ela

precisa articular a visualidade do escritor na junção de dois elementos: sua condição de

artista que, enquanto escreve, organiza o Brasil que precisa conhecer para poder atuar

diplomaticamente e a condição de artista cujas atividades têm no livro um ponto de

convergência. Livros e revistas da biblioteca de Rosa articulam o conteúdo Brasil medi-

ado pela forma como ele é dado a leitura: uma leitura que é tanto de palavras que o es-

crevem, como de imagens que o visualizam. A brasilidade talvez seja uma categoria que

conforme a percepção de uma comunidade imaginada, agindo como operador de subje-

tividade criada na leitura e na execução de textos de palavras e de imagens que têm co-

mo fim o livro.

Talvez repor a discussão controversa sobre a brasilidade na literatura de Rosa fi-

que favorecida se a categoria visualidade se suplementar de uma outra, a de visualiza-

ção, com a qual se quer colocar no centro do interesse a realização de fins em que o

olhar e as imagens são essenciais.

Com a visualização, a visualidade se acresce de um componente de gesto execu-

tado pela arte tendo em vista o objeto Brasil organizado segundo uma categoria que lhe

distingue, a brasilidade, e que é possível de se concretizar por alguém que pode traduzi-

lo num objeto preciso: o livro. Da visualidade para a visualização. A visualidade de Ro-

sa não estaciona numa habilidade educada, mas ela se efetiva num projeto estético que

visa a um objeto pela arte. Visualidade no cerne de uma comunidade imaginada brasi-

leira que vai se concretizar em livro mediada por uma percepção estética, e que requer a

tarefa de conhecer os outros homens para com eles se reunir e negociar pontos de conta-

to e de acordo - como cabe a um diplomata fazer. As viagens de Rosa ao sertão não são

apenas atos de um escritor literário, mas talvez de um diplomata, que, através de sua

atividade artística, toma a tarefa de ser o autor de uma grande obra.

• Visualização, categoria coletiva interpretativa? Regionalismo e regiões em imagens

Na biblioteca de Guimarães Rosa, uma das coleções mais expressivas são 7 (se-

te) dos 9 (nove) guias preparados para as excursões científicas efetuadas em 1956, como

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parte integrante do XVIII Congresso Internacional de Geografia, realizado no Rio de

Janeiro.21 Todos com uma média de 170/180 páginas e ilustrados com desenhos e foto-

grafias de todo o território brasileiro, os guias dividem o país em regiões físico-

geográficas. A biblioteca de Rosa tem os guias referentes ao Planalto Centro-Ocidental

e Pantanal Mato-Grossense, à Zona Metalúrgica de Minas Gerais e vale do Rio Doce, a

rota do café e as frentes pioneiras, o Vale do Paraíba, a Serra da Mantiqueira e São

Paulo, a Planície Litorânea e Zona Canavieira do Estado do Rio de Janeiro, Nordeste,

com Bahia, Pernambuco e Paraíba, e o Planalto Meridional do Brasil. As publicações

têm datas que variam de 1956 a 1959, e Rosa guardou mesmo exemplares das traduções

francesa e inglesa dos guias.

A discussão sobre o Regionalismo na obra de Guimarães Rosa em grande medi-

da se faz por interpretações que recusam o regionalismo identificado a uma região do

país para elevá-lo à condição de território da arte.

Texto emblemático e fundador da acepção da região da literatura rosiana como

território da arte é o de Antônio Cândido sobre Sagarana, em 1946. Debochando do

“jovem intelectual” que chega ao Rio de Janeiro e “capricha no sotaque e escreve sobre

a negra velha (diz ele) que o criou, falando dos avós da pequena terra em que nasceu”,

Cândido assinala que “agora a moda é ser bairrista, e o porta-voz mais autorizado da

tendência é o Sr. Gilberto Freyre, pai da voga atual da palavra “província” (...), do que,

numa época como aquela, a literatura de Rosa se diferenciava. “O sr. Guimarães Rosa

construiu um regionalismo muito mais autêntico e duradouro porque criou uma experi-

ência total em que o pitoresco e o exótico são animados pela graça interior” da arte e

por isso a província de Rosa seria menos uma província do Brasil e mais uma “região da

arte”.22 O crítico literário Álvaro Lins também segue Antônio Cândido e advoga que o

ideal do regionalismo na literatura brasileira seria o que faz Guimarães Rosa: “a temáti-

ca nacional numa expressão universal”.23

21 O congresso, realizado em 1956 no Brasil, é considerado por Pierre Monbeig “uma verdadeira consa-

gração da escola geográfica brasileira”. Os debates foram acompanhados de excursões de especialistas nacionais e internacionais a regiões geográficas brasileiras, conforme os guias que Guimarães Rosa co-lecionou. Ver XVIII Congresso Internacional de Geografia. Boletim. 4-5 jan.fev.1956. s.p.

22 Antônio Cândido em artigo Sagarana, de O Jornal, de 21 de julho de 1946. Publicado na Fortuna Críti-ca de ROSA, João Guimarães. Obra Completa. RJ: Ed. Nova Aguilar, 1994. 2v. p.63-67.

23 Como texto introdutório da edição de 1946 de Sagarana na Editora Universal. Publicado na Fortuna Crítica de ROSA, João Guimarães. Obra Completa. RJ: Ed. Nova Aguilar, 1994. 2v. p.63-67.p.67-72.

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A tônica da crítica literária reincidiu na qualificação da literatura rosiana como

transcendência de uma região, que teria sido reforçada anos depois em declaração do

próprio escritor em carta de 25 de junho de 1963 a seu tradutor italiano Edoardo Bizarri,

quando o aconselha como deve entender seus livros, considerando-os numa escala nu-

mérica de valores: (...) a) cenário e realidade sertaneja: 1 ponto; b) enredo: 2 pontos; c) poesia: 3 pontos; d) valor metafísico religioso: 4 pontos. (...) (ROSA, 1981, p.58).

A qualificação da literatura de Rosa como transcendência metafísica não é unâ-

nime entre a crítica literária. Analistas, como Ligia Chiapinni, compreendem que a nar-

rativa rosiana ajuda a superar tanto as críticas feitas a um suposto conservadorismo do

escritor - cuja literatura “defenderia o fazendeiro” - quanto as críticas que transcendem a

ligação da obra de Rosa com o sertão de fato. Contra Rosa, a autora defende que “(...)

sem as dimensões do cenário e da realidade sertanejos, mais enredo, a poesia e a metafí-

sica não se realizam” (CHIAPPINI, 1998, p.203).

Há ainda autores que suplantam o regionalismo discutido em termos de território

brasileiro e o expandem a uma esfera transnacional.

A literatura de Rosa é tomada como um “novo espaço discursivo” onde se con-

frontam pela linguagem “questões mais universais” e se recusam os “modelos estéticos

oriundos da vanguarda européia” (SCARPELLI, 2003, p.45). Rosa seria um transcultu-

rador narrativo e um transregionalista cultural: desconstrói cenários discursivos cristali-

zados para resgatar e dialogar com “culturas regionais soterradas pelo impacto da mo-

dernização” e recupera, revendo num espaço periférico mais amplo, “resíduos arcaicos

[ainda recitados e vivos] da cultura ibérica transplantada para a América Latina.” Para

Marli Scarpelli, “quando coloca sua região em contato com a esfera transnacional, o

escritor amplia os limites de noções estereotipadas como ‘regionalismo’ ou ‘brasilidade’

com que se costumou” classificá-lo e a sua literatura (ibidem, p.75).24

24 O tema do transculturalismo na Literatura Latino-Americana pode ser acompanhado ainda em AGUI-

AR, Flávio; VASCONCELOS. Sandra Guardini T. Angel Rama: literatura e cultura na América Lati-na. SP:EdUSP, 2001. 321 p. Sobre transculturação narrativa, ver CUNHA, Roseli Barros. Transcultu-ração Narrativa. Seu percurso na obra crítica de Ángel Rama. SP: Humanitas Editorial, FAPESP, 2007. 421 p.

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O regionalismo de Rosa, ora cruzado a textos, ora cruzado a processos sociais,

pode ser verificado ainda por uma categoria analítica que parece ter informado a muitos

dos livros e revistas na biblioteca do escritor, categoria que se demonstra nas publica-

ções sobre o Brasil e seu território, e que serve, a nosso ver, para subsidiar interpreta-

ções que recortavam as regiões brasileiras divulgadas segundo desenhos que as faziam

ver.

A categoria “região cultural” no Brasil de meados do século XX oferece rico fi-

lão de análise da literatura de Rosa, à medida que é uma categoria imagética para cuja

concretização a materialidade do livro é fundamental. A região cultural ganha elabora-

ção, assim como se concretiza em publicações diversas que a divulgam, e o país é repar-

tido em regiões culturais transformadas das regiões naturais. Identificando em cada re-

gião suas características humanas e naturais particulares, e elaborando a nação como

resultado de suas partes constituintes, o Estado Brasileiro procurava fazer coincidir Es-

tado e povo à pessoa de Getúlio Vargas. O elemento rural-sertanejo da grande região

natural sertão vai mudando de caráter e de feição à medida que intérpretes e artistas

encontram nele motivos de suas reflexões e de sua arte.

Publicado em 1960, o livro Regiões Culturais do Brasil, de Manoel Diegues Jú-

nior, sistematiza a idéia de “região cultural” e caracteriza os sertões mineiros como

“Mediterrâneo Pastoril”, onde a população permanece presa à terra e às tradições, e on-

de o grande fator de modificações sociais teria sido “o caminhão, além do rádio e do

cinema. O caminhão, sobretudo” (DIEGUES JÚNIOR, 1960, p.164). Rosa tem dois dos

livros de Diegues Júnior em sua biblioteca: O engenho do açúcar no Nordeste (1952) e

Etnias e Culturas do Brasil, de 1956. Manuel Diegues recorta o Brasil ao longo do terri-

tório, identificando cada uma das regiões como parte de uma comunidade pública cuja

unidade é garantida pelo passado de herança cultural portuguesa. A análise da categoria

“região cultural” oferece elementos para uma abordagem interpretativa do país como

constituído por partes singulares de uma unidade comunitária imaginada.

Se era formulada verbalmente, a região cultural também era visualizada por pu-

blicações que faziam ver o Brasil.

A região cultural passa a ter existência por um gesto de arte: o artista confere às

regiões do Brasil uma dimensão visual que se incorpora à produção editorial geográfica

brasileira de meados do século XX, quando cresce o volume de publicações de caráter

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geográfico que se utilizam do desenho e das fotografias como suporte de mensagens

sobre o Brasil e de suas regiões. A pesquisadora de história da Geografia Brasileira Ena-

li De Biaggi lembra que em 1941 o IBGE deliberou sobre a divisão regional do Brasil, e

a partir de 1946 os mapas em cinco cores - antes impressos nas oficinas do Exército -

passaram a ser impressos nas próprias oficinas gráficas do órgão (DE BIAGGI, 2000).

O livro Tipos e Aspectos do Brasil, publicação do IBGE, é um dos empreendi-

mentos editorial-iconográficos mais significativos para a fixação, pela visualização, das

regiões culturais brasileiras. A análise da publicação sintetiza o papel de uma cultura

iconográfica para fixar uma imagem do Brasil como uma unidade.

A partir do número 4, ano I da Revista Brasileira de Geografia – publicação do

IBGE, criada em 1939 - tem início uma seção denominada Tipos e Aspectos do Brasil,

dentro da revista.

A cada número, a seção contemplava certa região brasileira por um texto ilustra-

do de especialista. As matérias da seção Tipos e Aspectos da Revista Brasileira de Geo-

grafia iam “fixando novas regiões”: a seção era uma pequena matéria sobre tipos huma-

nos existentes em regiões naturais brasileiras, com textos, maiores ou menores, sempre

ilustrados por uma folha inteira.25 Primeiro como seção da Revista Brasileira de Geo-

grafia, a seção Tipos e Aspectos ganha autonomia, a partir de 1940, como coletânea das

seções, organizada em separata como livro avulso. As ilustrações eram os desenhos de

caráter documentário feitos por Percy Lau.26 A primeira edição das seções Tipos e As-

pectos, em 1940, havia sido organizada pelo IBGE para a XIII Feira Internacional de

Amostras, edição auto-qualificada de “publicação de caráter divulgativo”, e que não

escondia uma categórica convicção de que o país se conhecia pela arte: “obedecendo a

um plano previamente traçado pelos cientistas, os trabalhos conservam a originalidade e

a beleza das concepções artísticas puras”.27

As edições seguintes de Tipos e Aspectos do Brasil, as de 1940, 1942 e 1943,

são feitas por ocasião da comemoração do 1º Centenário do Instituto Histórico e Geo-

gráfico do Uruguai – e a de 1944 ao ensejo da II Reunião Pan-Americana de Consulta

sobre Geografia e Cartografia, no Rio de Janeiro. Já então eram 36 os assuntos incluídos

25 Servimo-nos muito dos textos de ANGOTTI-SALGUEIRO (2005) e de DAOU (2005). 26 Ver: PERCY LAU, Um desenhista e seu traço. Exposição no MNBA. 15 ago./1 out. RJ: 2000 32 p.

Catálogo de Exposição. 27 BRASIL. CNG: Tipos e aspectos do Brasil: excertos da Revista Brasileira de Geografia. 7ª ed.aum.

RJ: CNG, 1963. Prefacio à 1ª edição p.3

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na publicação. O alcance da publicação se mensura pela acolhida que tiveram os textos

e as ilustrações republicadas em revistas, jornais e livros didáticos, nacionais e estran-

geiros. Em 1946, publica-se o livro Brazil – People and Institutions, do sociólogo ame-

ricano Lynn Smith, publicação “repleta de ilustrações de Percy Lau” retiradas das se-

guidas edições de Tipos e Aspectos. O fato revela o interesse americano pelo Brasil, ao

mesmo tempo em que informa que o Brasil é visto, e consagrado pelos desenhos de seus

artistas, disseminados para um público de jornais e revistas, e para o público escolar dos

livros didáticos. A quinta edição do livro visava aos especialistas internacionais que

iriam ao Rio de Janeiro para o XVIII Congresso Internacional de Geografia, em 1956. A

edição de Tipos e Aspectos do Brasil que Rosa possui na biblioteca é a sétima, publica-

da no ano de 1963. Já então a revista estampava 124 estudos, criando/fixando por textos

e desenhos as regiões brasileiras. Com tradução para o francês, inglês, espanhol e espe-

ranto, a publicação se considerava livro útil como “veículo de divulgação no país e no

estrangeiro, de tipos, costumes e outras peculiaridades do Brasil”.28

Como abertura do livro, há um mapa do Brasil repartido em regiões culturais e

sem divisões, onde cada região se representa por um desenho.

O estado de Minas Gerais se vê pelas bateias e o Nordeste por desenhos que ico-

nizam a civilização pastoril. Cada parte é representada por um ícone que expressa o

estilo de vida que seria hegemônico. O grande slogan da “unidade na diversidade” em

meados do século XX tentava configurar o paradoxo da convivência das diferenças sem

que houvesse conflitos. O esquema conceitual seria regido pela necessidade de se en-

contrar um arranjo de coisas em que diferenças não chegariam a ser divergências e o

importante seria justificar que não haveria unidade fora da diversidade: que não haveria

comunidade imaginada nação Brasil sem a relevância de cada um de seus aspectos ex-

pressivos regionais particulares. Ana Maria Daou registra que a seção Tipos e Aspectos,

favorecendo a fixação de tipos estáveis ligados a certas regiões, e num mapa do Brasil

sem divisões, criava uma unidade nacional, a idéia/sentimento de colaboração entre as

partes (DAOU, 2001).

Ao longo dos anos, a seção da revista tratou de assuntos que se ligavam às regi-

ões do Brasil: água de cacimba no Nordeste, a Gruta de Maquiné, cercas sertanejas,

fabricos de tijolos no interior do Brasil, legendas de caminhões nas estradas nordestinas,

28 BRASIL. CNG: Tipos e aspectos do Brasil: Ibidem, p.5

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jangadeiros, o gaúcho, favelas, vaqueiro de Marajó, boiadeiro, cafezal, faiscadores, Pan-

tanal, vaquejada, arpoadores de jacaré, cachoeiras do Iguaçu, peão, rodeio, travessia de

gado etc., distribuídas por todo o Brasil, de forma a criar a unidade na diversidade ima-

gética, realçando as particularidades regionais e seus tipos humanos. Tipos e Aspectos

do Brasil é um livro emblemático, porque parece agrupar a diversidade num rol de re-

cortes de regiões, tipos, costumes e tradições dos brasileiros no Brasil diverso. Cotejá-lo

com os livros da biblioteca de Rosa é identificar como a publicação parece condensar

sobre a produção editorial do país um conceito de região que pertence a uma nação em

que cada uma das partes tem sua história particular de civilização a contribuir com o

todo nacional.

As fazendas, de gado, de cacau, de café, de cana de açúcar, as tradições popula-

res, os sobrados e os mocambos, os carros de boi, as redes de dormir, os cantos popula-

res e as músicas, a viola, o Planalto, o rio São Francisco, a Bahia, o Nordeste, as etnias,

as culturas, os ciganos, os sertanejos etc. tudo está incorporado em títulos de livros di-

versos na biblioteca de Guimarães Rosa. Esse corpus de documentos lhe oferece itens

de criação literária de um Brasil recortado em regiões e bastante fotografado e desenha-

do. O acontecimento de Rosa empossar-se numa Sociedade de Geografia referindo-se à

região de Maquiné e Cordisburgo mediado pelo desenho de Guaíra Heberle tem o senti-

do de sugerir uma outra troca textual efetuada por Guimarães Rosa: sua região ficcional

pode ser identificada por um texto imagético.

Os livros da série Documentário da Vida Rural guardados na biblioteca de Rosa

são também uma grande coleção de imagens em livros, com fotografias retiradas de

arquivos fotográficos de órgãos governamentais e desenhos de Percy Lau. Além de de-

senhista-documentarista para as publicações do IBGE, Lau deixou seus desenhos em

publicações de caráter folclórico e etnográfico de casas editoras privadas - como a Li-

vraria José Olympio Editora, São José, Melhoramentos, Alba Editora, Casa do Estudan-

te do Brasil, entre outras. Suas ilustrações podem ser verificadas em vários livros que

lançavam mão de desenhos-documentos de traços e aspectos da cultura brasileira. Rosa

guardou sete dos onze volumes da coleção Documentário da Vida Rural.

Também O Ciclo de Carro de Bois no Brasil, de Bernardino José de Souza - pu-

blicado em 1958 na Coleção Brasiliana da Companhia Editora Nacional - contém um

mapa em que todas as regiões do Brasil estão representadas por seus carros de boi, onde

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a cada região corresponde uma imagem de um carro de boi típico desenhada em livro.

Como os desenhos de Tipos e Aspectos do Brasil, o mapa do Brasil dos carros de boi do

livro de Bernardino era de Percy Lau, assim como eram suas as ilustrações do miolo do

livro, que aproveitava muitas das ilustrações publicadas em Tipos e Aspectos e espalha-

das em livros sobre o Brasil que compõem a biblioteca de Guimarães Rosa.29

Também a publicação Álbum Chorográfico Municipal do Estado de Minas Ge-

rais (1927) existente na biblioteca de Guimarães Rosa – com desenhos, fotografias e

178 mapas coloridos dos municípios – se junta ao elenco de livros de cultura geográfica

do gosto do escritor. Com outros tantos livros, o Álbum indica, talvez, uma inclinação

pela visualização cartográfica do Brasil e de suas regiões, e sugere que a atividade lite-

rária de Rosa de alguma forma se organizou em torno da apreensão do território pelas

imagens que lhe iam chegando nas publicações que lia, com as quais criaria um sertão

mediado por convenções iconográficas que pintavam e fotografavam o sertão.

Talvez o regionalismo da literatura de Rosa, mediado pela leitura de livros que

repartem o Brasil e o desenham, possa ser examinado à luz dessas regiões que não se

destacam de seus desenhos fixados em publicações de grande circulação. Imagens das

regiões do país disseminadas em desenhos, fotografias, filmes, em revistas, jornais, li-

vros, publicações ilustradas. As viagens de Rosa não estão isentas e/ou imunes - acredi-

tamos - aos processos de conhecimento do território que encontram amparo nas obser-

vações de geógrafos e nos desenhos que são feitos e fixados para a definição das regiões

brasileiras.

O mapa de Tipos e Aspectos do Brasil e o de Bernardino José de Souza contêm

uma dupla constatação: a de que o Brasil pode ser visto como um todo, onde cada regi-

ão se identifica pelo desenho que fixa sua característica típica natural e humana, sem

fronteiras entre as partes, e a de que o Brasil, o todo nacional, pode ser medido pela i-

magem que contém sua diversidade – certamente de uma forma mais imediata do que se

expressa pela palavra. Provavelmente o gosto de Guimarães Rosa pelos mapas, expresso

em seus livros cartográficos, esteja mediado por essas publicações recheadas de dese-

nhos.

29 Bernardino José de Souza, com Afonso Taunay e Roquette-Pinto, será “orientador de outro filme de

Humberto Mauro, O Descobrimento do Brasil, em 1937”, informa-nos Lucia Lippi (2000, p.81).

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As trocas textuais de Rosa com Francisco de Barros Júnior – situação que faz

com que seus textos muitas vezes se “confundam” - também parecem ter sido trocas

com um fim de visualização.

As regiões percorridas pelo viajante Barros Júnior são verbalizadas como indi-

cadores de um processo de colocação das regiões em quadros, e, como vimos, a referên-

cia à natureza como artista reforça os textos do Brasil que vão mediando a apreensão do

território como uma grande tela a óleo ou como uma chapa fotográfica. A definição de

textos, então, poderia ser alargada para compreender a visualidade. “Eu defino textos

para incluir o verbal, visual, oral e dados numéricos, na forma de mapas e impressos, e

música, arquivos de registros sonoros, de filmes, vídeos (...)” (McKENZIE, s.d, p.14).30

A grande artista natureza que coroa a obra, como quer Barros Júnior, vai sendo

construída à medida que os textos e as imagens ajudam-nos a vê-la assim. Para Rosa e

Barros Júnior, talvez a construção da singularidade territorial brasileira passasse por

uma educação do olhar que ensinasse a ver a natureza como artista. A natureza nunca

seria ela mesma, mas estaria sempre mediada pelos textos diversos que a escrevem e a

visualizam - textos que nos ajudariam a vê-la como atributo da sensibilidade e amálga-

ma de uma comunidade que partilharia seu território como um patrimônio posto em

imagem - desenho, quadro ou fotografia.

• Visualização, brasilidade? O Brasil publicado em imagens

Quando instado a dizer se a “brasilidade” existe, e como defini-la, Rosa crê que

é assunto “difícil e complicado”, que já “quebrou a cabeça” de muitos, mesmo fora do

Brasil, e suspeita de que se trata de uma “pedra básica de nossas almas, de nossos pen-

samentos, de nossa dignidade, de nossos livros e de toda nossa forma de viver”. Com a

“brasilidade”, acredita que se passa o mesmo com o povo português e a palavra “sauda-

de”, que ele não precisa explicar, pois “já nasce com ela, leva-a dentro de si”.

30 [I define ‘texts’ to include verbal, visual, oral, and numerical data, in the form of maps, prints, and

music, of archives of recorded sound, of films, videos (...)].

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(...) Assim acontece com a “brasilidade”; nós dois sabemos a importância que tem e o que quer dizer; e também só o sabemos com o coração. Freyre esbo-çou uma definição muito boa, mas insuficiente (...) Mas, apesar de tudo, di-gamos também que a “brasilidade” é a língua de algo indizível (...) Ou diga-mos, para salientar a importância irracional, inconcebível, intimamente poéti-ca, que a palavra em si contém uma definição que tem valor para nós, para nosso caráter, nossa maneira de pensar, de viver e de sentir: “brasilidade” é talvez um sentir-pensar (...) (LORENZ, 1994, p.55/56).

Algumas discussões conceituais sobre o sentimento nacional e a nação se deslo-

cam da análise dos movimentos políticos concretos e, sem desprezar as lutas sociais,

recuperam a nação mais como elaboração mental que lança mão de matrizes textuais

que imaginam uma unidade que mais se parece com o modo do escritor literário criar

ficção do que com o modo do cientista de se certificar da realidade. A nação e o senti-

mento nacional são invenções espontâneas apenas depois que forem incutidas, como

acredita Anne-Marie Thiesse: “A nação nasce de um postulado e de uma invenção. Mas

ela vive pela adesão coletiva a esta ficção (...) O sentimento nacional é espontâneo à

medida que ele foi perfeitamente interiorizado: é preciso tê-lo ensinado antes”.31

A nação é uma forma social e política concreta e sua condição de existência é a

invenção de uma tradição. A nação é uma unidade política territorializada e seu proces-

so de territorialização não pode prescindir da ação do Estado, assim como muitas vezes

textos – escritos ou iconográficos – são capazes de narrar e inventar as tradições que

fundam, num tempo imemorial, os laços de identidade supostos e imaginados entre os

membros da comunidade nacional.

Para Benedict Anderson, a nação é uma comunidade política imaginada, com

noções de partilha e pertencimento que são uma formação discursiva que precisa de

estratégias textuais e figurativas, deslocamentos metafóricos (ANDERSOM, 1993). Van

Gennep considera a nação como representação sensível de um sentimento de comunida-

de partilhada, onde elementos visuais, auditivos e sensoriais têm papel importante de

componentes do reconhecimento coletivo nacional. Os indivíduos formariam uma re-

presentação sensível de sua situação comunitária, que compreenderia “elementos visu-

31 [La nation naît d’un postulat et d’une invention. Mais elle ne vit que par l’adhésion collective à cette

fiction. (...) Le sentiment national n’est spontané que lorsqu’il a été parfaitement intériorisé; il faut préalablement l’avoir enseigné] THIESSE, Anne-Marie. La création des identités nationales. Europe XVIIIe-XXe Siécles. Paris: Éditions du Seuil, 2001. p.14

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ais, auditivos e sensoriais precisos”, aos quais se juntariam sentimentos mais ou menos

conscientes, modulados “segundo o grau de sensibilidade e de instrução individual e

coletiva.” Para Van Gennep, o amor pelo território é um dos aspectos do sentimento

coletivo de unidade, que “pode ser aumentado pela impressão experimentada diante das

belezas naturais do país natal” e reforçar “o orgulho nacional nutrido pela precisão de

conhecimentos históricos adquiridos na escola ou pela leitura”.32

Essa é uma das raras referências à paisagem feita por teóricos do nacionalismo,

segundo François Walter, e ela inclui uma noção normativa que se estende do local ao

nacional, o que significa, conforme o autor, desenvolver o sentimento nacional pela

substituição do amor por um pequeno território por um território mais vasto chamado

“nação”. Para François Walter, a concepção de Van Gennep não resiste à análise, po-

rém, já que os homens estão, todo o tempo, em troca entre o local e o nacional.

A relação entre paisagem e construção identitária das nações na história teria se

dado, segundo Walter, pela concretização das paisagens em arte. Tomando a formação

da palavra “pays + age”, o autor entende que, a partir de certo momento, as referências à

paisagem teriam traduzido um “pertencimento nacional” das paisagens nunca redutíveis

às práticas discursivas. Ao contrário do homem antigo, o homem moderno teria nas pai-

sagens um operador de identidade. Escritas ou gravadas nos objetos literários e pictóri-

cos, a natureza partilhada mediada por livros, quadros, filmes é a pedra de toque pelas

quais os homens se reconheceriam uns nos outros. Ainda segundo o autor, as paisagens

precisam de palavras para dizê-las, representações literárias para descrevê-las e repre-

sentações pictóricas para concretizá-la. Segundo Walter (2004, p.271), a paisagem é

“uma certa colocação do país numa forma de modo a poder tomá-lo como conjunto”.

Pretendemos também que as fotografias possam se referir a esse sentimento de

comunidade pelo que remete a séries e coleções que dão forma a um conjunto social.

Estudando as séries fotográficas de Marcel Gautherot sobre o Brasil, a antropó-

loga Lygia Segala afirma que o fotógrafo, primeiro, classifica as fotos por estados brasi-

leiros numa narrativa visual, numa cartografia que “privilegia o Norte e sobretudo o

Nordeste do Brasil, também aclamado nas disputas da literatura regionalista e moderna

32 [des éléments visuels, auditifs et sensoriels précis (...) selon le degrée de sensibilité et d’instruction

individuelle et collective (…) peut être augmenté par l’impression eprouvé devant les beuatés naturelles du pays natal (...) orgueil national nourri par la précision de connaissances historiques acquises à l’école ou par la lecture]. A. VAN GENNEP. Traité comparatif des nationalités. T.I. Les Elements extérieures de la nationalité. Paris, 1922, p.217. apud. WALTER, 2004, p.521.

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como o lócus de ‘maior autenticidade’ na definição emblemática do país” (SEGALA,

2007, p.173). Segundo a autora, há dezenas de negativos de Gautherot sobre bens arqui-

tetônicos e trajes típicos de brasileiros rurais, e, no conjunto do acervo do fotógrafo,

destacam-se as séries temáticas sobre “folclore e cultura popular”. Os brasileiros de

Gautherot retratam “uma operação simbólica, uma idéia genérica, uma identidade cole-

tiva do povo brasileiro” (SEGALA, loc.cit.).

A análise da idéia de nação estendida à idéia de uma “forma de natureza estéti-

ca” foi realizada por Jean-Yves Guiomar, quando então a nação é vista como conjunto

que liga território delimitado e população que ali vive, caracteres, costumes, línguas,

valores espirituais e intelectuais comuns, instituições e leis. A nação seria a realização

de um desejo de perfeição e o desenvolvimento do espírito nacional exigiria uma “este-

tização do país” sob formas diversas. O significado do Tableau de Géographie de la

France, de Vidal de La Blache, na história francesa, é examinado por François Walter

(2004) seguindo a diretriz interpretativa lançada por Jean-Yves Guiomar.33 O ministério

francês da educação distribuía imagens em cor das paisagens da França retiradas do

livro de La Blache, e as instruções pedagógicas acentuavam como as “vistas de diversas

regiões da França dão uma idéia concreta de pátria” (GUIOMAR, 1986, p.578). Cada

região da França parece dotada de uma paisagem-tipo. Aqui, a diversidade do território

afirma a unidade nacional francesa pelos livros coloridos. A partir de 1938, Walter a-

credita que a cada região francesa corresponde uma imagem, um ícone.

As análises sobre a importância dos viajantes naturalistas no século XIX brasi-

leiro valorizam as paisagens do país representadas em suas pinturas e atestam que foram

eles “os principais interlocutores dos primeiros esforços ficcionais brasileiros”.34 Mes-

mo considerados fundamentais para a definição de literatura brasileira como viagem

constante em busca de “raízes e essências da nacionalidade” – como registra Ana Luiza

Martins Costa (2008) - as análises asseguram que a relação de Rosa com os textos dos

naturalistas não se impregna de qualquer pretensão nacionalizante. Avaliadas as análises

da relação de Rosa com os viajantes, percebe-se que há entre eles pontos de contato, 33 O Tableau foi publicado em primeira edição em 1903, na obra Histoire de France, de Lavisse, em 28

volumes, da qual o Tableau foi o primeiro tomo. Em 1908, houve edição suntuosa, ilustrada e com vá-rias fotografias feitas do território francês pelo próprio La Blache. A obra foi reimpressa seis vezes até 1979.

34 Para a importância dos relatos dos viajantes como formadores de uma matriz para a formação de um escritor de ficção, ver SUSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui. O narrador, a viagem. SP: Cia das Letras, 1990. 319 p.

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porém, segundo analistas, o esforço ficcional do escritor não é informado por qualquer

“filtro nacionalista” – como entende Myriam Ávila (2008) - e “Rosa constrói suas pai-

sagens em diálogo com os relatos de viajantes, tomando a viagem como procedimento

narrativo”, mas sem procurar qualquer “essência nacional, pura e atemporal” (MAR-

TINS COSTA, 2008, p.343/344). Já Katrin Rosenfield, analisa Grande Sertão:Veredas

e defende que é “impossível clivar o sentido social e político da descrição dos procedi-

mentos artísticos” (2006, p.90).

Repor a discussão da literatura do escritor diplomata Guimarães Rosa em termos

nacionalizantes, talvez seja investigar o que se revela e se oculta na brasilidade como

“pedra básica” de nossa comunidade gregária, como dizia Rosa, enfatizando, inclusive,

que o escritor destaca, oportunamente, que a categoria está no centro também “de nos-

sos livros”, o que supõe acreditar que o escritor esteja pensando em seus próprios livros

informados de brasilidade. Repor a brasilidade, talvez seja rever qual brasilidade infor-

ma a literatura de Rosa, a qual, parece-nos, recusa a brasilidade se identificada a uma

categoria política que esvazie o sentido de arte da literatura e acione um outro sentido

ativista de construir a nação.

Não é que se trate de ausência de política, entendemos, mas de uma certa políti-

ca. Rosa dizia que ... (...) Embora eu veja o escritor como um homem que assume uma grande respon-sabilidade, creio, entretanto, que não deveria se ocupar de política; não desta forma de política (...) Quando os escritores levam a sério o seu compromisso, a política se torna supérflua (LORENZ, 1994, p.27).

Pesquisando o acervo epistolar do escritor, Marli Sccarpelli descobre-lhe “o sen-

timento de missão, que, em última análise, parece predispô-lo a uma contínua práxis

transformadora de situações concretas em práticas simbólicas” (SCARPELLI, 2006,

p.43). Em Liberdade e Paz: Escritores a seu serviço, livro de Celso Kelly, um dos li-

vros mais marcados por Rosa em sua biblioteca, o escritor sublinha o grande aconteci-

mento político que move os escritores: “(...) O que alimentam as guerras – os desajus-

tamentos mundiais – é que reclama do escritor sua reflexão e sua pena” (KELLY, 1959,

p.17).

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Talvez recuperar o diálogo de Rosa com a brasilidade seja investigar seu diálogo

permanente com as formas de arte que mediaram sua apreensão do Brasil por meio de

representações literárias e imagéticas, formas de arte estampadas em livros que não se

restringem a conteúdos artísticos, mas também a conteúdos interpretativos que, coloca-

dos em forma de arte, transformam as situações concretas em práticas simbólicas, como

quer Marli Scarpelli.

Recuperar a mediação dos livros e revistas que dão a ler e ver o Brasil pode (re)

acionar um novo sentido às leituras de Rosa - dos viajantes naturalistas, de Euclides da

Cunha, de Francisco de Barros Júnior e tantos outros – como uma busca de estender à

categoria nação a idéia de uma “forma de natureza estética”, como quer Guiomar – e

parece-nos bastante sugerida pela análise de Myriam Ávila (2008). Como já fizemos

antes, Lygia Segalla também analisou o livro da série Tipos e Aspectos do Brasil e ad-

mite a possibilidade de palavras reproduzirem o que as imagens iconizam em desenhos

e fotografia convencionalizados do sertão brasileiro. Segundo a autora, os círculos de

geógrafos universitários alemão, americano e francês, desde os anos 1920, exaltam a

“paisagem cultural” ou a “paisagem humana”, e observa que o enfoque é central na sé-

rie Tipos e Aspectos. (...) Exemplo de convenções de representação regional dos homens no trabalho, reforçadas por Gautherot e por muitos outros produtores de imagens, pinto-res, escritores etc., convenções que, por extensão e repetição, tornam-se íco-nes do Brasil. A dimensão tipológica está implícita na classificação geográfi-ca das cenas, características do “estilo documentário” em que desenhos, foto-grafias e romances convergem (SEGALA, 2007, p.175).

Como organizadora da apreensão imagético-conceitual do Brasil nesses anos que

foram aqueles em que Rosa escreveu, para que a visualidade seja factível de ser afirma-

da, devemos garantir a idéia de que, dada a profusão de imagens sobre o Brasil e suas

regiões, de alguma maneira o recurso cognitivo da imaginação será incrementado pela

imagem mesma em profusão, num processo em que imaginar seria ver a imagem recor-

dada tão recorrente sobre as regiões brasileiras.

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Há algo dos planos da difusão de imagens do Brasil que acionariam partilhada-

mente os “cinemas mentais” de Rosa e de seus leitores.35 As imagens passam a substitu-

ir a imaginação, em algum sentido, ou, melhor ainda, são as imagens os conteúdos ima-

ginados imediatos com que passamos a conhecer. Seria interessante observar como a

nação brasileira está visualizada nos mapas desenhados que se fazem sobre o Brasil, nos

acervos fotográficos que fazem séries fotográficas que recortam o Brasil, e como foto-

grafia e desenho se associam – e dão forma - à composição artística e valorizam a “este-

sia paisagística”, como diz Rosa em seu discurso de posse na Sociedade Brasileira de

Geografia em 1945. Segundo ele, estesia “graças às lições da ciência e da erudição” e o

“prestígio da Geografia”.36

Ao ler o Brasil, mediado por livros que são como obras de arte, Rosa parece am-

pliar sua perspectiva sobre o mapa imaginário nacional com a visualização de mapas do

Brasil desenhados e publicados em diversas publicações geográficas que guarda em sua

biblioteca. Livros de Geografia, tais como Tábuas Itinerárias do Estado de Minas Ge-

rais (1943), Tábuas Itinerárias Brasileiras (1958), Estudos da zona de influência da

cachoeira de Paulo Afonso (1952), Geografia do Brasil: grandes regiões meio-norte e

nordeste (1962), As Grutas de Minas Gerais (1939), Parques Nacionais do Brasil

(1952), A caça e a pesca no vale do rio Doce, Estado do Espírito Santo (1954), A caça

e a pesca no Pantanal do Mato Grosso (1958).

Como Guimarães Rosa, o doutor da cidade que viaja pelo sertão fazendo instan-

tâneos de fotografia sabe que a natureza merece ser fixada pelo desenho e pela fotogra-

fia. Há um processo de visualização do Brasil em curso com o fim de fazer ver o territó-

rio natural como um grande e exuberante quadro preenchido de tradições humanas que

não se pode perder. A brasilidade requer sua visualização, uma visualização que inter-

nacionaliza o Brasil na pena dos escritores, na película de fotógrafos, no pincel de ilus-

tradores, existentes em várias publicações na biblioteca de Rosa.

35 A noção de “cinema mental” está em CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. SP: Cia

das Letras, 1990.144 p. É utilizada por Maria Luiza de Castro da Silva: “Em Guimarães Rosa, os jogos de linguagem reconstroem, através da palavra, processos imaginativos que vão alimentar, com imagens visivas, o cinema mental do leitor” (CASTRO DA SILVA, 1999, p.14).

36 Trechos do discurso de posse de Guimarães Rosa em 1946 como sócio da Sociedade Brasileira de Geo-grafia. Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, Tomo LII, 1946, Rio de Janeiro, Brasil, p.97.

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• Livros no centro do projeto de arte e vida: Escrever, desenhar, fotografar ... para publicar

Símbolos, ícones e imagens informam a produção editorial de parte das casas de

edição do Brasil em meados do século XX. A literatura de Guimarães Rosa dos livros

da Livraria José Olympio Editora está atravessada pela remissão que os desenhos fazem

a sua região ficcional. As cabeças e os carros de boi, os desenhos de buritis, os animais,

os burrinhos, os jagunços etc., conduzem ao sertão imagético, criando a realidade que se

reconhece reduzindo-a a alguns referentes iconográficos.

A visualidade do artista Guimarães Rosa numa época de visualização do Brasil

que supomos revela uma outra dimensão de sua atividade artística: a de um artista gráfi-

co. Por perspectivas suplementares, os historiadores Robert Darnton e Roger Chartier

sugerem o que os historiadores podem contribuir para a Teoria Literária. Robert Darton

(1992) compreende que críticos literários têm tratado a literatura “antes como uma ati-

vidade” do que como um corpus de textos, e sabem que o significado de um livro “é

construído pelos leitores”. Por sua vez, contra a abstração dos textos, Roger Chartier

(2003) identifica que “as formas [materiais] que permitem sua leitura [dos textos] sua

audição ou sua visão participam profundamente da construção de seus significados”. Os

historiadores acima acreditam numa crítica literária que procure o significado do texto

para o leitor não só pelo que o escritor faz com seus textos, mas pelo que faz também

com seus livros. Como artista da palavra no livro, Rosa talvez quisesse fazer as palavras

fazerem ver e, como artista do livro, desenhar para publicar, para o que contava com as

trocas com seus ilustradores da Livraria José Olympio Editora e com a materialidade

das páginas do livro.

Em 1949, os secretários da Embaixada Brasileira em Paris, Guimarães Rosa e

Roberto Assunção, promovem uma exposição das ilustrações de Francis Picabia, pintor

surrealista que fizera os desenhos para o livro Janela do Caos, de Murilo Mendes, pu-

blicado na França. Nos livros de 1956, Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, Rosa

participou de sua concepção gráfica.

Quando a editora José Olympio preparava os complementos de capa da primeira

edição de Corpo de Baile, Guimarães Rosa foi ao departamento editorial e pediu: “gos-

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taria que as orelhas do 1º vol. trouxessem isto”. E entregou um texto de Afonso Arinos,

precedido de nota redigida de próprio punho:

(...) BURITI – o buriti é um motivo constante neste livro. Quase um personagem. Por isso, em vez de se inserirem aqui os costumeiros dados biográficos acer-ca do autor, preferiu este se falasse da palmeira a que Afonso Arinos consa-grou admirável página. E que melhor maneira de fazê-lo senão transcreven-do-a? (ROSA, 1968, p.9).

Em Grande Sertão:Veredas, Rosa orientou a produção dos desenhos do mapa

fictício do sertão publicado na orelha do livro como paratexto.

Os desenhos foram “expressamente solicitados ao ilustrador Poty” e remetem

“necessariamente aos hieróglifos egípcios que deram origem ao alfabeto greco-

romano”, segundo Marinho (2001, p.73). No paratexto imagético do livro, há “uma ve-

reda e um cerca desenhada em forma de pauta musical”. Segundo ainda Marinho - que

examina a ilustração do livro orientada pelo escritor sob uma perspectiva semiótica -

“ademais, no fluxo da vereda há o desenho de uma letra ‘A’, devidamente emoldurada

como uma obra de arte” (ibidem, p.90/91). O “A”, letra inicial das palavras “arte” e “al-

fabeto”, “ao emoldurar-se, endereça o leitor à forma artística das letras: à literatura”,

como afirma Marinho. A participação de Rosa na produção gráfica de sua obra se es-

tende ao livro, uma vez mais. A representação artística cartográfica do território brasi-

leiro presente em diversas publicações de sua biblioteca sugere a Rosa não só seu texto

imaginativo sobre o sertão brasileiro, mas um mapa imaginário que pudesse ser fixado

como paratexto em Grande Sertão:Veredas.

Em 1957, o escritor quis publicar dois de seus textos num só livro. Os textos Pé-

Duro-Chapéu-de-Couro – resultado da viagem à Bahia em 1952 – e Com o Vaqueiro

Mariano – resultado da viagem ao Pantanal em 1947 e publicado em 1952 por uma edi-

tora de Niterói, a Hipocampo – pelo desejo de Rosa seriam transformados no livro Com

os Vaqueiros, título dado pelo próprio escritor, que, para executar a publicação, fez a

capa do livro e entregou em mãos ao editor José Olympio. Não se conhece qual foi a

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reação do editor e o porquê do projeto de edição não ter sido levado adiante.37 No início

dos anos 1960, Rosa fizera o desenho de capa do que seria seu próximo livro, a Fazedo-

ra de velas, com um esboço da ilustração de capa e repartição em capítulos. O projeto

acabou não se tornando livro.38

Os índices ilustrados publicados do livro Primeiras Estórias, de 1962, teve par-

ticipação de Rosa também, e a história revela conhecimento do escritor quanto aos pro-

blemas ligados à circulação de livros. O paratexto na orelha da publicação foge do habi-

tual texto com palavras, indicador biográfico, elogio do autor ou publicidade de livros

da editora. Para cada uma das estórias, há uma tira ilustrada encimada pelo título dos

contos, que são cifrados como enigmas em forma de signos e símbolos astrológicos que

dizem o título. A ilustração de cada conto no índice translada o visível linear da letra

impressa no visualizável pictórico dos pequenos desenhos.39 Se não sabe ler a iconogra-

fia que apresenta o conto, o leitor reconhece os desenhos quase infantis. É oferecido a

ele um livro que é um artefato que se pode pegar e olhar, e a cujo interior se é convida-

do desde a capa, como revistas que nos atraem sem precisar de abri-las.

Existe controvérsia sobre se os desenhos foram feitos ou não por Guimarães

Rosa.

Em livro memorialístico, Vilma, a filha do escritor, afirma que teriam sido do

pai os desenhos, mas a editora, também num livro celebrativo, assegura que Rosa teria

apenas esboçado os desenhos, na verdade retocados depois pelo ilustrador Luiz Jardim.

Parece não haver controvérsia, no entanto, quanto ao fato de que a idéia de um índice

ilustrado posto na orelha do livro tenha sido de Rosa mesmo.40 A verdade, para além do

gesto criativo, demonstra conhecimento dos dispositivos do mercado editorial.

37 A capa do livro pode ser consultada em São Paulo, na biblioteca de José e Guita Mindlim. As informa-

ções sobre o fato foram colhidas em MARTINS COSTA, Ana Luiza. João Rosa, Viator. In: SCAR-PELLI, Marli Fantini (Org.). A poética migrante de Guimarães Rosa. BHTE: Ed.UFMG, 2008.p.319.

38 O material encontra-se em IEB-FJGR: Inventário das Cadernetas e Cadernos. Microfilme 68. Estudos para a Obra. Caderno 5

39 Para uma análise numa perspectiva metalingüística do índice ilustrado de Primeiras Estórias, ver VI-EIRA DE OLIVEIRA, Luiz Cláudio. Primeiras Estórias: perigrafia e metalinguagem. In: Revista do CESP, Belo Horizonte, v.22, n.30, p.99-109, jan.jun.2002; e para uma análise da tira ilustrada de “So-roco, sua mãe, sua filha”, de Primeiras Estórias, ver RODRIGUES, Eduardo Alves. Diálogos: o pictó-rico, a estória e o mito em Guimarães Rosa. In: VIII Congresso Internacional Abralic. Anais Eletrôni-cos Abralic: Belo Horizonte, 2002.

40 A polêmica está nos livros ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos. RJ: Nova Fronteira, 1983. 278 p. e ROSA, João Guimarães. Em memória de João Guimarães Rosa. RJ: JO, 1968. 256 p.

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Como assegurava o editorialista do Boletim Bibliográfico Brasileiro em 1956, os

dois meios de distribuição do livro no Brasil eram o envio postal ou a venda direta ao

livreiro, o que exigia do vendedor uma pasta em que carregasse o material. Mas o ven-

dedor não carregava todos os livros que ia vender, o volume seria enorme, e por isso

carregava apenas as capas, ou as contracapas, embora essas, pelo simples título, não

dessem a entender do conteúdo exato do livro. Diz o articulista, então, que o vendedor

“se dá ao trabalho de copiar o índice de cada um dos livros, que vai colar na parte inter-

na das respectivas capas, que leva para demonstração”. Mas o articulista sugere que ... (...) o ideal [...] é que na dobra (ou “orelha”) da sobrecapa, ou da capa, quando es-ta for brochura, o editor faça imprimir, em vez do costumeiro elogio do escri-tor, o índice da obra, ou, numa última hipótese, um resumo com as mesmas características 41(grifo nosso)

A solução editorial encontrada já era propalada, mas o resumo dos títulos das es-

tórias no livro Primeiras Estórias não é em palavras, como quer o articulista do Bole-

tim, mas em desenhos. Do que pode nos informar o fato? Da diversificação do público-

leitor no Brasil desde os anos 1930, um público-leitor que, se a literatura de Rosa não

atingiu, a editora acreditava que conseguiria atingir? O que o fato nos informa do siste-

ma literário brasileiro, num contexto de concorrência da literatura com outros equipa-

mentos de cultura, em que o imagético conta profundamente? Se isso foi assim também

para vários outros escritores – e não só para Rosa - não abala nosso argumento, porque

queremos considerar o que parecia ser um dos investimentos artísticos de Rosa: o das

artes do livro. Elas pareciam fazer parte de suas preocupações quando se tratava das

atividades artísticas ligadas a sua obra textual-literária. Também para Estas Estórias,

livro póstumo, Rosa havia feito outro índice ilustrado, que acabou não saindo com a

publicação.42

Em 1968, a Editora José Olympio publicou Em Memória de João Guimarães

Rosa, homenagem ao escritor falecido um ano antes. A publicação havia sido concebida

como um opúsculo, na noite mesma de novembro de 1967, quando Rosa tomava posse

41 Artigo não-assinado em Boletim Bibliográfico Brasileiro, n.3, mai.jun.1956 42 A imagem desse índice está publicada em ROSA, João Guimarães. Em memória de João Guimarães

Rosa. RJ: Ed. Jose Olympio, 1968. 256 p.

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na cadeira da Academia Brasileira de Letras, na ante-véspera de sua morte. Há informa-

ções sobre as interferências editoriais do escritor em seus livros (...) Na noite mesma em que Guimarães Rosa ocupava oficialmente na Academia Brasileira de Letras a cadeira antes de João Neves da Fontoura, prometemos-lhe publicar em plaquete o discurso de posse que pronunciara havia pouco – e naturalmente o de Afonso Arinos recebendo-o em nome dos acadêmicos, homenagem simples desta Casa ao amigo, tão querido de todos nós, e ao es-critor, cuja obra temos a honra de editar. Guimarães Rosa logo começou a participar da preparação editorial do opúsculo, como acontecia sempre que preparávamos edição ou reedição de qualquer livro seu – “intervenção gráfi-ca” que acatávamos: ele sugeria o feitio das capas (em 1956 ficou sete horas ao telefone, trocando idéias com Poty sobre o desenho da capa de Corpo de Baile), rabiscava vinhetas ou ornatos (foram de sua escolha os cul-de-lamps de Tutaméia feitos por Luís Jardim: um deles, desenho de um caranguejo, é o símbolo do signo zodiacal do escritor) apresentava curiosos originais por ele mesmo rascunhados, desenvolvidos definitivamente, e com satisfação, pelos artistas que ele também escolhia e que fizeram capas e ilustrações para seus livros. Trouxe sempre as “orelhas” para seus livros (as mais significativas re-produzidas em fac-símile neste volume) (...) (ROSA, 1968, p.8 - grifos nos-sos)

Talvez estejamos diante do que o semioticista Edson Santos de Oliveira (2008)

chamou de um “artista gráfico”, que desenha em cartas, pratica desenhos enquanto pes-

quisa para escrever, que representa personagens desenhando e que pretende desenhar,

mas não desenhar tout court, mas desenhar para publicar.

Analisando os croquis que Sthendal inseria no meio de seus textos, Jacques Le-

nhardt entende que ler e ver são hábitos que não se opõem do ponto de vista da recep-

ção, mas que foram, pouco a pouco, domesticados pelo advento do regime tipográfico,

que teria oposto “uma civilização do que é escrito a uma civilização do que é visto, co-

mo se elas fizessem apelos a sentidos diferentes” (LENHARDT, 1996, p.52). Para Le-

nhardt, o gesto de Sthendal revigoraria o ato de ver e a imaginação do leitor, leitor que,

desde a invenção da imprensa, o regime tipográfico teria induzido ao “grande sono da

reprodutibilidade mecânica” (ibidem, p.55) e se deixado levar “pelo fluxo discursivo

escrito”.

O pesquisador Lauro Mendes examina a “capacidade [de Rosa] estabelecer de-

senhos” com os sinais gráficos, principalmente os sinais de pontuação.

Lembra que em Grande Sertão:Veredas muitas frases começam “com reticên-

cias (...) que se apresentam ao longo de todo o texto, a indicar uma imposta respiração,

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quase uma marcação teatral (...)”, o que revela, segundo Mendes, uma “exploração da

capacidade de figuração das reticências”, da capacidade ornamental dos sinais de pontu-

ação” (1998, p.56). Em carta a 7 de fevereiro de 1964 ao tradutor italiano Edoardo Bi-

zarri, ainda inseguro quanto a tradução, após fazer desenhos de chifres de boi para ex-

plicar o que são “chifres agamelados”, Rosa faz algumas sugestões: (...) talvez você passasse a apreciar mais sua tradução se lhe aplicasse alguns ‘or-natos gráficos’. Por exemplo: pôr CANZIONE DI FESTA assim em versais e versaletes; pôr, alternadamente, as alcunhas em grifos e em normal (ROSA, 1981, p.93).

Na história editorial brasileira, a apreensão do país por visualização de imagens

não deve ser creditada a – ou identificada apenas com – uma época de publicação dos

livros de Guimarães Rosa e o papel exercido ali pela especialidade da relação, que su-

pomos aqui, entre seus textos e os livros de sua editora. A reformulação gráfica do livro

brasileiro – e mais extensamente das publicações impressas – tem uma história que a-

travessa as primeiras décadas do século XX incrementada pela consolidação progressiva

de uma sociedade de massas. Analisado pela pesquisadora Eliana de Freitas Dutra, o

Almanaque Garnier, nos anos 1910, valorizava a arte fotográfica como recurso e enge-

nho técnico no interior de um projeto de elaboração de identidade nacional, o que, a um

só tempo, mostrava o Brasil a si mesmo e uma imagem do país “no compasso do mundo

civilizado” (DUTRA, 2005, p.116), em sintonia com as inovações técnicas e industriais.

A constatação de certas características da produção editorial dos anos 1950 cru-

zada ao gesto artístico de Rosa de desenhar para as edições de seus livros, faz-nos crer

que o escritor, por sua visualidade aguçada e educada, acabou por participar de um ges-

to de fazer o Brasil ver a si mesmo, de visualização - gesto que ajudava os brasileiros a

valorizar suas regiões como integrante de um todo coletivo. O sertão de Rosa, como já

tivemos oportunidade de sugerir, provavelmente se impregnou da associação que os

leitores aprenderam a fazer ao longo da história entre imagens que procuravam traduzir

em signo visual as palavras de conteúdos lidos e imaginados. Na esteira da história da

publicação de livros e revistas no Brasil, os ilustradores da Livraria José Olympio Edi-

tora ajudariam a iconizar o Brasil, dando-o a ver em capas e miolos de livros, e a litera-

tura de Rosa – seus textos e livros - figuraria em arte um país como regiões que se po-

dem identificar pela associação iconográfica.

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A função de ilustrador de livros no Brasil progride ao longo das três primeiras

décadas do século XX, e há que se perguntar o que resulta da colaboração entre artistas

plásticos e escritores literários quando associados. Perguntar-se como os textos e os

livros de Rosa dos ilustradores da Livraria José Olympio Editora dialogam com um pro-

cesso político mediado por revistas e livros que recortam o país em regiões fixadas por

imagens – um pouco da mesma forma que a literatura de Jorge Amado se reconhece

pelos desenhos de Caribé. Perguntar-se, ainda, se a imaginação de artistas não interfere

na elaboração do país feita por seus intérpretes, mediados por imagens em livros de arte,

do que resultou, talvez, pensar seu próprio papel social como o de artistas, talvez como

fizeram os desenhos de Lula Cardoso Ayres, Manoel Bandeira, Vicente do Rego Mon-

teiro e Cícero Dias com a obra sociológica de Gilberto Freyre - e com o próprio pensa-

dor. Em orelhas, capas, miolos, contra-capas de livros, as imagens do sertão e do uni-

verso rural brasileiro estão sendo incorporadas ao livros, de tal forma que as imagens

também oferecem uma leitura do Brasil. Brasil que é espaço-quadro de natureza exube-

rante e cenas da vida rural em que os leitores se encontram.

Num tempo de urbanização e modernização de meados do século XX brasileiro,

as artes e as interpretações do Brasil talvez estejam sendo informadas pelo que se passa

a ter das palavras que o escrevem, de sons e músicas que o fazem ouvir e das imagens

que o fazem ver. Importa-nos vincular a literatura de Rosa e sua atuação artística a um

processo que não começa em meados do século XX, processo de movimento de viagens

para dentro de territórios, registrando-os e inventariando-os tendo em vista a construção

de pautas para elaboração de singularidades nacionais já no século XIX.

Guimarães Rosa também fará suas viagens ao interior do Brasil, e revê-las, in-

vestigar algumas de suas motivações para tal, certamente envolve um nexo entre sua

literatura e suas viagens mediadas pelo conhecimento das imagens e sons que lhe che-

gam dos sertões publicados nas cidades, que imaginam um Brasil por artes que o esteti-

zam e por idéias que o interpretam. Sua literatura dialogou com outras literaturas, literá-

rias ou não - sociológicas, históricas, etnológicas, folclóricas, filosóficas - que construí-

ram o sertão como categoria de entendimento do país. Verificar suas trocas com a litera-

tura interpretativa talvez seja apontar para sua interpretação do Brasil, compreendendo

como sua arte literária acabava contribuindo para a discussão sobre o futuro e o destino

do país. É o que veremos a seguir.

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Capítulo 5

O diálogo com os livros e os muitos sertanejos da história

O sertão é isto: o senhor empurra pra trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor pelos lados.

Sertão é quando menos se espera. (Riobaldo)

A diplomacia é definida pelo Oxford English Dictionary como uma atividade li-

gada a um artista, um oficial que conhece alguns métodos pelos quais executa a “condu-

ção das relações internacionais através de negociações”. O termo “diplomacia” deriva

de “diploma”, que era “a folha enrolada usada antigamente para as leis e para os editais

públicos”.1 Do que se tem notícia, foram os gregos quem primeiro estabeleceram um

sistema de relações diplomáticas criando mensageiros, de quem se exigia “uma grande

habilidade oratória”. Caída em desuso entre os romanos, recupera prestígio com Bizân-

cio, quando o diplomata não só devia saber negociar, mas também “relatar as condições

de vida, a força e a disponibilidade para a guerra e para a paz” dos países em que estive-

ra. A Diplomacia se consagra em definitivo como anexo do Tratado de Viena no século

XIX, para o que concorreram a “maior consciência de cada Estado pertencer a uma co-

munidade de nações”, a influência crescente da opinião pública e o desenvolvimento

das comunicações. No século XX, a progressiva variedade de meios de comunicação, a

revolução tecnológica e as polarizações ideológicas – que redundaram na criação de

organismos multilaterais e na realização de várias conferências internacionais - trans-

formaram a Diplomacia numa atividade multinacional e o diplomata num político, do

qual é exigido “que seja, sobretudo, um correto informador”.

Obra de extraordinárias virtudes – lingüísticas, literárias, históricas, antropológi-

cas, filosóficas, psicológicas, comunicativas - a de Guimarães Rosa convida a procurar

o segredo de sua invenção estética como a obra de um diplomata que negociou com

1Todas as informações a seguir sobre a Diplomacia foram extraídas do verbete Diplomacia, por Piero

Ostelino, em BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Polí-tica. Brasília: LGE Editora, Ed.UNB, 2004. 2 v.

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homens e idéias, que agenciou interpretações e análises, que se apoderou de recursos e

executou estratégias que não tinham o “trançado” das palavras nos textos como limite.2

Escritor e diplomata numa época da história mundial de intensas trocas artísticas

e intelectuais, de criação de organismos multilaterais de negociação política e cultural

que envolviam os países em encontros e conferências internacionais, Guimarães Rosa se

acreditava um artista que escrevia em tempos de paz, cioso do valor da liberdade dos

povos como princípio que organizava as realidades dos países, sob quaisquer aspectos.

Em seu exemplar do livro de Celso Kelly, Liberdade e Paz: escritores a seu serviço,

publicado em 1959 e muito sublinhado, Rosa assinala e sublinha, à página 14, o que

sugere ser o papel do escritor como um colaborador para a paz e o entendimento entre

os homens.

(...) E, na construção da paz, até onde iria a contribuição do escritor? (...) Um po-eta francês, Paul Valéry, acentua, a seu modo, o contraste: “Na paz, a hostili-dade dos homens entre si mostra-se através de criações, em vez de mostrar-se através de destruições, como sucede na guerra” (...) Da guerra, desapareceu o heroísmo: ela se concentra na organização, nas pesquisas científicas, no po-derio de destruição, na propaganda, na subterrânea luta psicológica que lhe abre o caminho. Onde o herói de outros tempos?

Obra para a qual todos os tipos de interpretações já parecem ter sido feitas, tro-

cando entre si resultados novos acrescentados de pesquisas que sempre as reatualizam, a

de Guimarães Rosa é multivalente a ponto de convidar constantemente a enfoques no-

vos, na crença de que haverá sempre aspectos ainda não analisados, ângulos não desco-

bertos, informações não reveladas, sertanejos ainda não encontrados.

Estabelecer um sentido para obra tão cheia de interpretações - obra de um artista

do qual não se sabe nada, “mas se desconfia de muita coisa” (COUTINHO, 2008) - re-

quer evitar um sentido único concluído pela descoberta das intenções do autor fixadas

num texto original. Os sentidos de qualquer obra não estão fixados no texto, mas se lhe

vão agregando à medida que as análises criam camadas de interpretação que vão se tor-

2 A expressão “trançado” para se referir a textos é de D.F. McKenzie. “The idea that texts are written

records on parchment or paper derives only from the secondary and metaphoric sense that the writinf of words is like the weaving of threads”. [A idéia de que textos são registros escritos em pergaminhos ou papéis deriva intimamente do senso secundário e metafórico de que a escrita de palavras é como o tran-çado de tecidos]. (McKENZIE,s.d., p.14).

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nando mediações pelas quais o autor é analisado, na acepção de que não se conhece o

homem pelo que ele é, mas pelas histórias que sabemos deles.

Na torrente do tempo em que se vai incrementando a camada de comentários in-

terpretativos de um texto, ou de uma obra inteira, reconhecem-se as análises do autor,

dos comentaristas e críticos, dos artistas que o interpretaram, dos leitores mais ou menos

especializados. Se o homem Guimarães Rosa, identificado a um autor, é coberto por

espessa camada de interpretações, essas variam muito em função do enfoque específico,

particular ou combinado, com que se aprecia sua obra: ora se analisam aspectos formais

de seus textos isoladamente – estrutura, jogos de linguagem, uso renovador da língua;

ora seus textos literários são cotejados a textos de outra natureza; ora só um livro, ora as

continuidades e descontinuidades entre livros na trajetória da obra; ora sua atividade

estrita de artesão da palavra, ora sua atividade de escritor cruzada a sua atividade de

diplomata, ora sua atividade de intérprete do Brasil cifrada em enredos literários, quan-

do o escritor assume o papel ambíguo em que o que se delineia é “a posição [ambígua]

do intelectual brasileiro” (GALVÃO, 1972, p.14).

Analisar seus livros cotejados a suas leituras e a suas trocas artísticas e interpre-

tativas talvez seja reconhecê-lo como intérprete de anseios e mensageiro de uma missão

de aproximação de homens que o identificavam como alguém que assumia uma respon-

sabilidade histórica divisora de águas. Obra de negociação entre tradições existentes e

por vir, obra de artista múltiplo que guarda várias habilidades e recolhe muitos homens

em um, a literatura de Rosa toma os processos que dão existência a sua escrita como

material de sua invenção literária, sugerindo que seus livros são instrumentos no centro

de sua atuação de intérprete de um mundo para cujos conflitos ele se coloca a missão de

propor e de oferecer soluções em forma de arte.

5.1 – Trocas textuais entre homens de livros: Rosa, intérprete do Brasil.

Nos anos 1930 de expansão do mercado de livros, há “uma enxurrada de ‘retra-

tos do Brasil’ (...)”, em meio ao que a “realidade nacional” se transforma numa catego-

ria-chave encarnada nos “estudos interpretativos” sobre o país publicados em coleções

de livros. Marcada por um traço regionalista, essa literatura interpretativa promove uma

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“visão renovada” do Brasil, “visto como conjunto diversificado, mas solidário” (PON-

TES, 1989, p.367). O incremento do comércio de livros com a oportunidade de publica-

ção de idéias de sujeitos sociais não diferenciados em esferas culturais específicas iria

favorecer o trânsito entre intelectuais e pensadores de diversos matizes e procedências.

A ausência de campos profissionais delimitados – o que só irá ocorrer em defini-

tivo no Brasil com a consolidação do sistema universitário nos anos 1960 – induz os

intelectuais a se voltarem para o Estado, reconhecendo-o como “espaço privilegiado por

onde passa a questão nacional”. Os homens que correm para as editoras em plena ex-

pansão estão em “academias de letras, institutos históricos e geográficos, faculdades de

Direito, de Medicina, de Engenharia e, em menor número, faculdades de Ciências Soci-

ais e de Educação”, como assinala Heloisa Pontes (ibidem, p.369). O panorama de tro-

cas intelectuais entre novos prosadores intérpretes do Brasil até os anos 1950 era mar-

cado por uma relação estreita entre ensaísmo social e literatura, o que já havia sido no-

tado por Antônio Cândido: (...) Antes, de Euclides a Gilberto Freyre, a Sociologia aparece mais como ponto de vista (...) O poderoso ímã da literatura interferia com a tendência socioló-gica, dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte [o que, para o autor, gerava] uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil (CÂNDI-DO, 1967, p.153).

A expansão da indústria de livros promovia tanto a conformação de uma esfera

cultural específica de debates dentro da qual intérpretes competiam com suas diferentes

visões do Brasil – onde universo rural e sertão eram componentes com que a história

brasileira era pensada - assim como promovia a distinção de uma categoria de sujeitos

que se destacavam socialmente, fazendo corresponder seus projetos de idéias e de artes

identificados a livros. A visão de Brasil que os intérpretes procuravam defender investi-

gava o Brasil segundo matrizes de pensamento que informavam seu arcabouço de idéi-

as, quase sempre plasmado por um misto de arte e ensaísmo social.

Ao lado dos livros de literatura, e mesmo de livros não-literários, os livros de

prosadores intérpretes brasileiros na biblioteca de Rosa foram produzidos na torrente de

expansão da indústria de livros dos anos 1930 e revelam o corpus de leituras sobre o

Brasil do escritor diplomata mediado por essa confluência de ensaísmo e literatura a que

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fazem menção Antônio Cândido e Heloisa Pontes. O Brasil é tanto motivo para o sur-

gimento da arte literária de Rosa incentivada pela produção de textos e livros em que

sua literatura vai surgir, como o Brasil que Rosa lê nos livros já está mediado por filtros

interpretativos que lhe dão forma e conteúdo.

A expansão do mercado de livros ia promovendo o surgimento de uma categoria

de intérpretes que elaboravam a identidade do país e que não se destacavam do livro.

Um contexto primeiro de convívio entre ensaísmo social e literatura - reflexão social do

Brasil em literatura e textos interpretativos vazados como se fossem elaborações literá-

rias - será modificado com o passar das décadas de 1940 e 1950 com a paulatina conso-

lidação dos cursos universitários, que criarão juízos especialistas sobre a arte e a história

do país. A expansão da cultura escrita e o surgimento de uma classe correlata de intér-

pretes ligados ao livro não se darão sem conflitos, num país profundamente dividido

entre sertão e cidades, entre urbano e rural, onde a grande maioria da população não

tinha acesso a escrita, e muito menos a livros cultos.3

Artista ligado às artes da escrita e às artes da negociação diplomática, Guimarães

Rosa não poderia desconhecer as condições históricas ao realizar seu projeto de arte e

de negociação pela via da literatura e do livro, e, em seu caminho, teria de enfrentar

conflitos com os quais iria lidar na condição de diplomata e de escritor literário em pau-

latina consagração. Identificada a seus textos e livros, sua missão diplomática e artística

3 Guardadas as devidas diferenças entre o início da Europa moderna e o Brasil do século XX, a história da

produção de livros e da disseminação da cultura escrita nas duas realidades refere-se a processos de deslocamento de competências intelectuais, sociais e políticas em sociedades penetradas pelo escrito. A invenção da imprensa no século XV já havia sido antecipada por uma grande necessidade de produção de livros em massa, e, com o desenvolvimento da instrução entre os leigos já no final do século XII, a fundação de universidades fez surgir uma “nova classe burguesa, capaz ela também de aceder à cultura” (FEBVRE; MARTIN, 1992, p.31). A expansão da universidade passava a exigir, para alunos, a produ-ção acelerada de um número mínimo de obras de base de estudos, do que resultou o aparecimento de uma corporação de profissionais que retirava dos clérigos o monopólio da produção de livros e de sua interpretação, fato que, por conseguinte, deslocava-os do centro da vida intelectual. A invenção da im-prensa alargou a cultura escrita e desencadeou um processo de aculturação escrita sem precedentes. Com a revolução científica do século XVII, e a disseminação de livros, caíam as proibições e os limites à interpretação dos textos e ao conhecimento, porém não se anulava sua transmissão a uma restrita mi-noria, a respublica litteratorum, composta de agentes sociais com crescente consciência de seu papel de fazer chegar o saber preparado e interpretado àqueles que não o entendiam, ou o entendiam suposta-mente de modo equivocado. A criação de uma esfera cultural de homens do saber se ligava às prerroga-tivas que se auto-atribuíam de intérpretes do conhecimento num contexto em que os livros eram como a manifestação natural materializada do conhecimento em textos, o que redundou na criação de uma esfe-ra distinta de homens de cultura. A análise da “aculturação escrita das sociedades ocidentais” (CHAR-TIER, 1991, p.125) antes da invenção da imprensa pode ser suplementada pela análise de Elisabeth Ei-senstein sobre os impactos da invenção da imprensa sobre a cultura escrita de comunidades de saber es-tabelecidas (EISENSTEIN, 1998).

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autoral teria de lidar com aqueles que, pela literatura ou pela interpretação, tratavam de

seu mesmo tema sertanejo, tema com o qual ele ia conhecendo o Brasil e os sertanejos

aos quais se dirigia, consciente de que, através de sua literatura, poderia lhes conferir

dignidade e reconhecimento. Grande Sertão:Veredas foi concebido como um “diálogo

entre campo e cidade”, assegura o crítico literário Willi Bolle, que prefere tomar o ro-

mance com o suposto título de sua segunda parte, Grande Sertão:Cidades, testando-o

por uma hipótese de trabalho que o analisa como “uma indagação sobre os fundamentos

do projeto civilizatório no Brasil e sobre o próprio conceito de civilização” (BOLLE,

1997-98, p.29).

É do interior da configuração de uma esfera cultural – artística e interpretativa -

que a literatura de Rosa vai surgir, e é no interior de uma república do qual faz parte no

Brasil de meados do século XX que o escritor terá de negociar com letrados cujas ativi-

dades se encarnam em livros. Os sertanejos da história da obra de Rosa são muitos. Eles

estão no sertão e nas cidades, eles dominam a cultura escrita em livros e em cartas e

bilhetes, todos são intérpretes, cada qual com sua racionalidade, sejam homens de ciên-

cia e saber ou homens de sabedoria. A literatura e a arte de Rosa terão de se entender

com todas essas categorias de intérpretes se quiserem cumprir sua missão diplomática

de relatar o Brasil ao Brasil – como faziam os diplomatas na época de Bizâncio - e se

quiserem propor ao país uma figuração que lhe interprete em forma de arte.

A categoria de entendimento sertão na história brasileira tem um passado anteri-

or à entrada em cena da literatura de Rosa. Como membro de uma esfera de homens de

letras, Rosa participou do debate sobre o Brasil como diplomata e pelos livros que leu

dentro de sua biblioteca. Ao analisar na obra de Rosa a alegorização da vida político-

institucional brasileira da Primeira República, identificando leituras de Oliveira Vianna,

Alceu de Amoroso Lima, Alberto Torres e outros intérpretes do Brasil na obra rosiana,

Luiz Roncari confere a ela a “dimensão de uma representação do país” através da qual

Rosa teria atuado como um “intérprete do Brasil, embora muito peculiar” (RONCARI,

2004, p.25).

Em 1946, Guimarães Rosa se tornava um autor ao publicar Sagarana, na ocasião

em que acabara de fazer sua primeira viagem a Minas Gerais, considerada como primei-

ra excursão para pesquisa de campo sobre a natureza, a cultura e a paisagem sertanejas.

Emblema do início profissional de sua carreira de escritor, feita para, segundo Rosa,

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“rever o interior conhecido” dos tempos do exercício da Medicina - quando marchava

algumas horas a cavalo para atender pacientes – a viagem de 1945 coincidiu com outro

acontecimento significativo: era, como já referimos, o instante em que o escritor lia

“devidamente” o livro Os Sertões. O crítico literário Willi Bolle acredita que Rosa está

lendo o livro de Euclides da Cunha para deslembrá-lo, mas a leitura devida de Os Ser-

tões em 1946 – nas palavras do próprio Rosa – não vale pelo que significa de um filtro

nacionalista para sua arte, mas porque indica a associação natural que fez o escritor para

fundar o nascimento de sua literatura, a nosso ver, fazendo coincidir seu início com as

viagens ao sertão e a leitura de um livro que lhe autorizava e lhe dava elementos para

participar do círculo restrito dos homens que concorriam com suas interpretações do

Brasil. O projeto de literatura e de diplomacia de Rosa deslanchou, à medida que a pu-

blicação de seu primeiro livro se associou à leitura de um livro denso de tradição, Os

Sertões, tomado como marco divisório e chancela do ingresso numa esfera pública de

homens que sabem o Brasil porque conhecem seus livros interpretativos de maior auto-

ridade.

Se as dicotomias litoral/sertão, civilização/barbárie, cosmopolitismo/brasilidade,

aparentemente, não são as que estruturam o gesto de arte de Rosa, elas são as que estru-

turam as interpretações do Brasil tomadas desde Capistrano de Abreu e Euclides da Cu-

nha, e que contrapunham o Brasil do interior - locus de autenticidade e genuinidade - ao

Brasil litoral da cópia, do artificial e sempre voltado de costas para nossas verdadeiras

matrizes nacionais. No parecer da pesquisadora de Literatura Sandra Guardini Vascon-

celos, a literatura rosiana está (...) entre a modernidade urbana e a cultura tradicional-oral das comunidades ru-rais, ou na articulação entre o espírito de vanguarda e o interesse no regional, o que, superando dualismos e dicotomias, resulta numa mescla de formas cul-tas e populares, arcaísmos e neologismos e regionalismos e estrangeirismos (VASCONCELOS, dez.fev.1997-1998, p.81).

A história da categoria sertão de entendimento do Brasil existe para os intérpre-

tes do país a luz dessas dicotomias que informam o debate, dentro do qual o diplomata

Guimarães Rosa encontra motivos de trocas textuais para debater e escrever o Brasil

como ele o concebia.

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O escritor diplomata parecia saber que o sertão como entendimento do Brasil

encobria algumas categorias analíticas de distinção entre regiões do país e que faziam

parte de uma dicotomia com que era possível pensar o sertão tanto como espaço da falta

da ação pública, como território em que as autenticidades e as originalidades podiam ser

vistas por meio do gesto artístico-ficcional que faria pensar o impensável. Se sua litera-

tura, se sua proposta de projeto literário continha um componente de conhecimento dos

sertanejos, pelos livros e pelas viagens ele descobria a cultura escrita dos homens do

sertão, cultura do escrito em cartas e bilhetes, onde alguns poucos homens sabiam es-

crever e ler livros, e onde uma massa de homens só teria acesso ao saber da cultura do

escrito pela mediação de outros homens.

O jagunço de Famigerado, do livro Primeiras Estórias, publicado em 1962, a-

corre à casa do doutor a fim de saber o significado da palavra “famigerado” com que

havia sido chamado por um “moço do governo”. O jagunço Damásio - um baiano de

São Francisco - encarna o que nunca qualquer livro de História nos ensinou: que algum

dia, na história, tenha sido objeto do interesse de jagunços e sertanejos o significado de

palavras e o conhecimento culto de homens que usam dicionários. As histórias que co-

nhecemos de jagunços que nos foram contadas pela História, dizem-nos que estes não

são assuntos da vida de jagunços, fazendo-nos acreditar que, conforme os sujeitos da

história, apenas alguns enredos e motivos são viáveis, com o que, ardilosamente, a pes-

quisa pode ser conduzida, tornando o pensável impensável.

Se universo de arte, com o que rejeitou filtros nacionalistas para ler os livros de

sua biblioteca, nem por isso o universo da literatura de Rosa deixou de ter pontos de

contato com o universo sertanejo da literatura de intérpretes do Brasil, intérpretes com

quem Rosa realizou trocas textuais e aprendeu sobre o sertão através de um diálogo me-

diado pela leitura dos livros de sua biblioteca.

• o sertão histórico e cultural

Guimarães Rosa leu Os Sertões e lá assinalou que em Canudos se forjara “uma

outra nacionalidade” - protegida da miscigenação racial deformadora e pelos contrafor-

tes da Serra Geral, a leste do grande rio São Francisco. Seus livros da biblioteca de ex-

tração sertaneja filiados à tradição de Os Sertões demonstram como o escritor vai co-

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nhecendo a história territorial e humana do sertão histórico que Euclides da Cunha aju-

dara a fundar. Rosa encontrou no livro precursor a caracterização geográfico-geológica

do relevo e da hidrografia da região de Cordisburgo, dos Gerais, do sertão de Canudos

em torno do rio São Francisco e do Norte do Brasil. No rio, Rosa descobriu o sertão de

história e de cultura. Ali descobriu os rios que descem para o rio São Francisco,

(...) em cujo vale, depois de percorridas ao sul as interessantes formações calcá-reas do rio das Velhas, salpintadas de lagos, solapadas de sumidouros e ribei-rões subterrâneos, onde se abrem as cavernas do homem pré-histórico de Lund, se acentuam outras transições na contextura superficial do solo (...)

Ao correr das páginas, depara-se com a serra do Grão Mogol na Bahia, e “com

as chapadas que a convizinham, desde a do Cabral mais próxima, à da Mata da Corda

alongando-se para o Goiás, [que] modelam-se de maneira idêntica”.4

Rosa assinala que o rio atravessa as “regiões mais díspares”, que metade dos a-

fluentes dos rios de Minas é recolhida em sua bacia e que esta (...) estreita-se depois passando na parte mediana pela paragem formosíssima dos geraes. No curso inferior, a jusante de Joazeiro, constrita entre pendores que a desnivelam torcendo-a para o mar (...).5

O escritor sublinha que ao longo das margens do rio se desenvolveu o que já é

sabido entre os intérpretes do Brasil desde Capistrano de Abreu: uma “civilização do

couro”. (...) Não raro alguns bois – rebutalhos de manadas grandes tresmalhadas pelo al-voroto da guerra – ao lobrigarem, de longe, a azáfama que movimentava de novo a paragem a que se haviam aquerenciado, o rancho tranqüilo onde ti-nham sofrido a primeira ferra, para lá abalavam velozmente. Vinham urran-do, numa alegria ruidosa e forte. Buscavam o vaqueiro amigo que os campea-ra outrora e iria, de novo, ao som das cantigas conhecidas ou ao toar tristonho do aboiado, levá-los as soltas prediletas, aos logradouros fartos e às aguadas frescas (Os Sertões, 1946, p.481- Rosa marca toda a parte).

4 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 19ª ed. corrigida. RJ: Livraria Francisco Alves, 1946, 646 p. Os dois

trechos estão nas páginas 6 e 7 do livro e foram marcados e sublinhados por Rosa. 5 Rosa marcou e sublinhou, na página 93.

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(...) Pode romper tranqueiras e tresmalhar-se. Leva, indelével, a indicação que re-porá na solta primitiva. Porque o vaqueiro, não se contentando com ter de cor os ferros de sua fazenda, aprende os das demais (...) Deste modo, quando surge no seu logrador um animal alheio cuja marca conhece, o restitui de pronto. No caso contrário, conserva o intruso, tratando como aos demais (...) (Os Sertões, 1946, p.123 – Rosa marcou e sublinhou) (...) Esta, ainda que em dadas ocasiões fatigantes, é a mais rudimentar possível. Não existe no norte uma indústria pastoril. O gado vive e multiplica-se à gandaia. Ferrados em junho, os garrotes novos perdem-se nas caatingas com o resto das malhadas. Ali os rareiam em pizotias intensas, em que se sobrele-vam o rengue e o mal triste (...) (Os Sertões, 1946, p.124 – Rosa marcou e sublinhou). (...) Solidários todos, auxiliam-se incondicionalmente em todas as conjunturas. Se foge a algum um boi levantadiço, toma da guiada, põe pernas ao campeão e ei-lo escanchado no rastro, jogado pelas veredas tiradas a facão. Se não pode levar avante a empresa, pede campo, frase característica daquela cavalaria rústica, aos companheiros mais vizinhos, e lá seguem todos, aos dez, aos vin-te, rápidos, ruidosos, amigos (...) (Os Sertões, 1946, p.125 Rosa marcou).

(...)

Esta solidariedade de esforços evidencia-se melhor na vaquejada, trabalho consistindo essencialmente no reunir, e discriminar depois, os gados de dife-rentes fazendas convizinhas, que por ali vivem em comum, de mistura, em um compasso único e uniforme sem cercas e sem valos. Realizam-na de ju-nho a julho. Escolhido um lugar mais ou menos central, as mais das vezes numa várzea complanada e limpa, o rodeador congrega-se a vaqueirama das vizinhanças. Concertam nos dispositivos da empresa. Distribuem-se as fun-ções que a cada um caberão na lide. E para logo, irradiantes pela superfície da arena, arremetem com as caatingas que a envolvem os encourados atléti-cos. O quadro tem a movimentação selvagem e assombrosa de uma corrida de tártaros. Desaparecem em minutos os sertanejos, perdendo-se no matagal circundante. O rodeio permanece por algum tempo deserto... (Os Sertões, 1946, p.125 – Rosa marcou e sublinhou).

E Rosa aprende em Os Sertões o que é a cultura sertaneja: a tradicional feira do

São Francisco, as festas dos sertanejos e os “sertanejos encourados” – exatamente o

termo de que vai se utilizar em carta ao pai em 1952 e que sublinha em dois trechos do

livro de Euclides da Cunha. Guimarães Rosa aprende com o livro que os “gerais enor-

mes do ocidente” são vastos planaltos indefinidos para além do São Francisco, onde

esse rio se confunde com o Tocantins e de lá partem vários outros rios.

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(...) Seguem para as vilas se por lá se fazem festas de cavalhadas e mouramas, di-vertimentos anacrônicos que os povoados sertanejos reproduzem, intactos, como os mesmos programas há três séculos. E entre eles a exótica encamisa-da, que é o mais curioso exemplo do aferro às mais remotas tradições. Ve-lhíssima cópia de vetustas quadras (...) (Os Sertões, 1946, p.130 – Rosa assi-nalou). (...) Terminada a festa, volvem os vaqueiros à tarefa rude ou à rede preguiçosa. Alguns, de ano em ano, arrancam dos pousos tranqüilos para remotas para-gens. Transpõem o S. Francisco; mergulham nos geraes enormes do ociden-te, vastos planaltos indefinidos, em que se confundem as bacias daquele e do Tocantins em alagados onde partem os rios indiferentemente para o levante e para o poente (...) Vão a compra dos gados. Aqueles lugares longínquos po-bres e obscuros vilarejos que o Porto Nacional extrema, animam-se então passageiramente com a romaria dos baianos. São os autocratas das feiras. Dentro da armadura de couro, galhardos, brandindo a guiada, sobre os cava-los ariscos entram naqueles vilarejos com um desgarre atrevido de triunfado-res felizes (...) (Os Sertões, 1946, p.132 - Rosa marcou e sublinhou). (...) Graças a um contrato pelo qual percebem uma percentagem dos produtos que ali ficam anônimos – nascendo, vivendo e morrendo na mesma quadra da ter-ra – perdidos nos arrastadores e mocambos; e cuidando a vida inteira fiel-mente dos rebanhos que lhes não pertencem. O verdadeiro dono, ausente, co-nhece-lhes a fidelidade sem par. Não os fiscaliza. Sabe-lhes quando muito os nomes. Envoltos, então, no traje característico, os sertanejos encourados, er-guem a choupana de pau a pique à borda das cacimbas, rapidamente, como se armassem tendas; e entregam-se, abnegados, à servidão que não avaliam (...) (Os Sertões, 1946, p.122 – Rosa marcou e sublinhou).

Pari passu a uma dimensão filosófica do fluxo da vida e da atividade literária do

espírito, a importância da água na literatura de João Guimarães Rosa – córregos, riachos

e rios –– guarda uma dimensão de natureza histórica e geográfica, porque se refere a

rios da grande bacia hidrográfica brasileira, e indica quanto o escritor mobilizou de uma

tradição que conta a história do Brasil por sua ocupação pelo Norte e penetrando a

grande via fluvial do São Francisco com seus diversos afluentes e pequenos tributários.6

Porque é do Norte a origem da população que ocupa o sertão de Minas na literatura ro-

siana.

6 Dos livros propriamente ditos “de literatura brasileira” mais valorizados pelo escritor em sua biblioteca,

dois são livros em torno de rios. O romance Maleita (1953), de Lúcio Cardoso, gira em torno da coloni-zação e modernização da cidade portuária de Pirapora, no rio São Francisco; e Além dos Marimbus (1961), de Herberto Sales, mereceu do escritor a afirmação de que era “um livro pra ler a vida toda”.

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O sertão de Rosa é ocupado pelos baianos que seguem a via natural do rio São

Francisco, onde - contrapartida da civilização do açúcar, motivo maior de Freyre - fun-

dam o que Capistrano de Abreu qualificou, em Capítulos de História Colonial, de uma

civilização do couro (ABREU, 1963). Segundo o historiador Capistrano de Abreu, os

engenhos de açúcar, as roças de fumo só podiam ser feitos próximos ao mar, ou de pe-

quenos rios navegáveis. Só ali as atividades da agricultura dariam boa remuneração.

Mas, no sertão, o proprietário estaria isento da fiscalização da autoridade real. Por isso o

gado seria a solução: era mercadoria movente, prescindindo de caminhos e transportes

para conduzi-la, exigia equipamento e gente diminuta no trato, e fornecia alimentação

mais constante, mesmo que só carne e leite. O gado “foi acompanhando o curso do São

Francisco” e os pontos das margens do rio que entroncavam os caminhos vindos de

Pernambuco, Sergipe e Maranhão, foram, pouco a pouco, ocupados por baianos. A Ba-

hia era o povoado maior de criatórios. “(...) Pode-se apanhar muitos fatos da vida da-

queles sertanejos dizendo que atravessaram a época do couro (...)” (ABREU, 1963,

p.147).

Da consulta a livros interpretativos do Brasil surgidos da expansão do mercado

editorial brasileiro de meados do século XX, Rosa aprendia que, na história e na cultura

dos sertanejos com quem se encontrava em suas excursões literárias ao interior do Bra-

sil, tudo era feito de couro: a porta das cabanas, a cama no chão duro, as cordas, a bor-

racha para carregar água, o mocó ou alforje, a mala, a mochila, a peia, as bainhas de

faca, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para o

sal. “Para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de

bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz”, revela

Capistrano de Abreu, cuja herança interpretativa nutriu grande parte dos autores lidos

por Rosa para conhecer o sertão e os sertanejos.

Em livros da biblioteca, o escritor diplomata ia percebendo por que o rio São

Francisco vai se tornando legendário, em torno do qual “no lombo ou nos cascos da

alimária” se plasmou a “civilização do São Francisco” - expressão encontrada em Fa-

zendas de Gado no Vale do São Francisco, de Jozé Norberto Macedo, publicado em

1952. A região do vale do rio vai deixando de ser mera região natural para se tornar

região de civilização e de cultura à medida que merece a atenção dos estudiosos e de

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todos que acreditam no papel de marco divisório do rio na história brasileira. Rio São

Francisco ... (...) de rico potencial etnográfico e sociológico, sobretudo por essa diversidade que oferece (...) A fazenda de gado no vale do São Francisco oferece ao estu-dioso da Sociologia e da Etnografia do Brasil elementos valiosos para o co-nhecimento de uma região cultural do Brasil (MACEDO, 1952, p.2).

Em Grande Sertão: Veredas, Riobaldo assegura que “o rio São Francisco partiu

minha vida em dois”.

O jagunço exprime uma metáfora da história brasileira com duplo sentido: ou o

rio legendário aparece como marco a partir do qual, para além, o que há é um Brasil

desconhecido dele, Riobaldo, ou é menção a dois Brasis, o Brasil das cidades, do litoral,

da civilização técnica do Sul contra o Brasil interior, sertanejo do Norte, da inciviliza-

ção, a ser modificado para ser integrado ao projeto moderno do país, conforme diziam

algumas interpretações que o escritor lia em sua biblioteca.

Na literatura rosiana, o rio São Francisco é via de penetração, mas é, ainda, mar-

ca de história: leva ao “país profundo”, limite além do qual estão os sertões. O escritor

lê os textos interpretativos do Brasil e faz neles muitas marcas, enquanto em sua litera-

tura as estórias que passam de boca a boca “para o lado de lá do São Francisco se afun-

dava [m], até em sertões (...)”, conforme a novela Dão-lalalão (O Devente), do livro

Corpo de Baile.

Os livros que Rosa leu da história brasileira e mineira são atravessados pela in-

terpretação do passado de ocupação do território, onde se destaca o cuidado de revelar

as características e belezas naturais do território nacional feitas pelas descrições geográ-

ficas lidas, e vez por outra assinaladas, pelo escritor.

No livro A Terra Mineira, de Nelson de Sena, publicado em 1926, muito marca-

do por Rosa, o escritor vai se pondo em contato com a literatura vigente sobre a geogra-

fia e a história do território mineiro.7 Ali recolhe palavras e expressões usuais do voca-

7 O livro é SENA, Nelson de. A terra mineira: chorografia do Estado de Minas Gerais. Tomo Segundo

da nova edição correta e ampliada tirada da... BHTE: Imprensa Oficial do Estado de MG, 1926. 336p. Provavelmente é um exemplar adquirido por Guimarães Rosa em comércio de livros usados. O livro contém dedicatória “ao eminente dr. Goes Calmon” oferecida pelo autor na Bahia, em novembro de 1928. A edição da biblioteca de Rosa, como se vê, é de 1926.

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bulário interpretativo do Brasil e parece coletar itens e componentes etno-históricos que

vão aparecer em seus livros. Livros como o de Nelson de Senna ajudam o escritor a

caracterizar o que são as “terras dos Gerais”, citando textos de Elisé Reclus, Capistrano

de Abreu, João Ribeiro, Antonil, Richard Burton. Na descrição sobre “a parte superior”

da bacia do São Francisco, Rosa sublinha, à página 9, que estão ali “os mais altos cha-

padões do Brasil”, onde “erguem ali seus cocurutos, e um dos rios mais caudalosos tem

acolá suas nascentes”. Em Dão-la-la-lão, do livro Corpo de Baile, o personagem Soro-

pita galopa perto dos “cocurutos” das serras por onde passa.

Tão marcado nos livros que Rosa lia, o termo “Gerais” exprime ora o território

afetivo do escritor, como provavelmente o introduz no diálogo sobre os sertões brasilei-

ros. À página 17 do livro de Sena, Rosa destacou que na história mineira “novos desco-

bridores paulistas recortam a terra das Gerais, em todas as direções, e surgem pousos e

arraiais, em todos os pontos onde se lavravam os descobertos auríferos”, seguindo longa

lista de acontecimentos que o autor do livro desfia sobre a história de Minas Gerais. No

fim da página, margeando o parágrafo, Rosa ainda escreve “Desemboque” e “Baixo rio

das Velhas”, dois personagens-cenário de alguns de seus contos.

O momento em que Nelson de Sena se detém na descrição e caracterização de

todos os tipos étnicos que compuseram o território mineiro é também muito marcado

por Guimarães Rosa.

O escritor aprende que provavelmente é dos negros congoleses, gingas e mo-

çambiques presentes na formação de Minas Gerais a quem se pode atribuir o gosto da

dança, da música e da festa que vai marcar muitos mestiços sertanejos de suas estórias.

É provável que o designativo “loraço” atribuído a um dos personagens da novela O Re-

cado do Morro, do livro Corpo de Baile, provenha da mediação do livro de Sena. O

personagem Seo Olquiste é o “loraço Seo Olquiste”, como é chamado.

(...) o nosso povo, com sua proverbial e fértil imaginativa, [reservou] alcunhas um tanto pitorescas: os italianos são os carcamanos, latachos ou macarrones; os ingleses os godemes e misters; os alemães os boches ou loraços (...) (SE-NA, 1926, p.91 - assinalado por Rosa)

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Na literatura de Guimarães Rosa, a ocupação do sertão de Minas é obra de baia-

nos e nortistas, pelas levas de migrantes que deixaram a lavoura do litoral canavieiro e

partiram para Minas, Bahia e os interiores do Brasil. Num livro sem marcações na bi-

blioteca, A formação histórica das Minas Gerais, de Daniel de Carvalho, publicado em

1956, Rosa está lendo que “Minas representa principalmente o fruto da energia dos

bandeirantes paulistas na caça ao índio, às esmeraldas e ao ouro, e ainda dos baianos e

pernambucanos que acometeram o território pelo norte, nele fundando fazendas de cri-

ar” (CARVALHO, 1956, p.45). Em Bandeiras e Sertanistas Baianos, de Urbino Viana,

saído em 1935, Rosa assinalou várias passagens do capítulo do livro chamado “o [rio]

São Francisco é baiano”.

Guimarães Rosa demonstra que não se desfez do Norte como grande espaço his-

tórico formador e original do sertão.

Não separa o Norte em Nordeste e Centro-Oeste, porque a ligação de sua litera-

tura é com uma região histórica e não com a região fixada com a divisão regional do

país definida pelo Estado Novo. Por isso é que livros sobre o Nordeste são livros sobre

o Norte para Guimarães Rosa, em função de sua história comum, uma história do sertão

brasileiro. Apenas num certo sentido, talvez, os livros “do Nordeste” tenham sido inspi-

ração de Rosa e o ligaram a uma historiografia sobre o Nordeste: o sentido em que a

criação de uma região específica, a “região Nordeste”, ensejou também a criação e a

fixação de um conjunto de tradições, modos, tipos e aspectos definidores de uma parti-

cularidade política, social e cultural, por diversos modos que mobilizaram escritores,

cineastas, fotógrafos, desenhistas etc., na linha do que o historiador Durval Muniz de

Albuquerque Júnior identifica como “a invenção de uma região” (ALBUQUERQUE

JÚNIOR, 2006).

Norte, Nordeste, Centro Oeste brasileiros são a mesma plataforma de fontes his-

tóricas dos sertões e dos gerais que servirão de base para acontecimentos da literatura de

Guimarães Rosa, apanhados nos diálogos com os livros de sua biblioteca que interpre-

tam e contam a história do Brasil. Há muitos livros sobre a Amazônia, Goiás, o Planalto

Central, o Pantanal do Mato-Grosso, como se pode ver da lista colocada no fim dessa

tese. Os livros do Norte – depois Nordeste e Centro-Oeste – servem para Rosa muito

mais pelo que valem de uma literatura de onde pôde extrair elementos caracterizadores

da “civilização pastoril”. Todas essas regiões são os sertões.

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O Nordeste da civilização do açúcar, seus hábitos, costumes, tipos e aspectos,

representações de elementos que depois volveram para os sertões como componentes de

uma vida coletiva em torno de coronéis, vaqueiros e jagunços ligados às fazendas de

criação de gado - Nordeste de onde migraram muitos dos homens que povoaram o ser-

tão mineiro - também está presente na biblioteca de Rosa, e com livros sobre a região o

escritor dialoga.

O livro Patriarcas & carreiros: influência do coronel e do carro de boi na soci-

edade rural do Nordeste, de Manuel Rodrigues de Melo, publicado em 1954, é livro

muito marcado e sublinhado por Rosa, mas com a particularidade de as marcas se limi-

tarem ao capítulo “patriarcas sertanejos”. Sobre o patriarca sertanejo, Rosa assinala,

sublinhando, que é um “(...) varador de sertões, fundador de currais, onde mais tarde se

levantariam quase todas as cidades nordestinas (...)” e descobre que um ou outro patri-

arca “impôs às mulheres de vida alegre da capital a obrigação de procurarem trabalho

(...)” (MELO, ibidem, p.23, 26). Rosa ainda destaca e sublinha a importância do patriar-

ca sertanejo para a ocupação do interior brasileiro. (...) O patriarca sertanejo, além disso, está ligado ao nosso movimento povoador. Foi ele o marco inicial, a força motriz da penetração, conduzindo atrás de si novos marcos de fixação. A fundação da povoação, iniciada preliminarmente pelo curral de gado e da casa de fazenda, reassume depois a feição caracterís-tica do burgo sertanejo, com a construção da capela e celebração da primeira missa. No Sul, a penetração do interior tem por fim a caça ao índio para o trabalho dos engenhos e as minas de ouro e diamante; no Norte, como diz Jo-sé Augusto, a obtenção de terras para acomodar os gados, onde situar os ga-dos, onde criar os gados. E em tudo isso anda o homem de vontade férrea, decisiva e de ação pronta e eficiente. Sem ele, incontestavelmente, o sertão seria “o oceano verde” impenetrável, povoado de feras, irregular e inseguro. O bandeirante devassou-lhe as florestas densas, vadeou-lhe os rios caudalo-sos, extinguiu-lhe as feras, rechaçou para além o índio bravio, abriu os pri-meiros caminhos e povoou o sertão ignoto. Fazendeiros pernambucanos e baianos seguiram atrás das bandeiras devastadoras, enfincando estacas dos primeiros currais e chantando as primitivas casas de morada. Primeiro, pou-cas léguas distantes do litoral, de onde o fazendeiro poderia aos domingos ir assistir missa. Depois (...) foram se isolando para o interior, aparecendo ra-ramente a cidade (...) (MELO, ibidem, p.32 - Rosa sublinhou e escreveu ao lado: “chantar”).

O Nordeste e o Norte, depois o Centro-Oeste, importam a Rosa, já que recolhem

dados de uma psicologia do que compõem uma civilização que o Folclore vai tentar

organizar como lugares de autenticidade em contraponto com a vida urbana, que encar-

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naria o que é artificial, litoral, e com as costas voltadas para os sertões, onde se recolhe-

ria o Brasil autêntico e genuíno. A biblioteca de Guimarães Rosa contém os livros do

debate de idéias sobre o Brasil.

Não há na literatura de Rosa a sociedade mineradora e nem vestígios do barroco

do século XVIII: não há bateias, nem ouro e prata, e a região das “Minas do Ouro” não

existe praticamente. Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio, Pro-

víncia de Minas Gerais, de Joaquim Felício dos Santos, livro de 427 páginas e publica-

do em 1956, está na biblioteca de Rosa, mas lido apenas até a página 158, porque daí

para a frente o livro está fechado. Suas marginálias sugerem – na linha do que Antônio

Cândido (1994, p.78-92) argumenta sobre uma paixão de Rosa pelas nomenclaturas –

que ali ele não procurou sua região literária.

Suas anotações em Memórias do Distrito Diamantino (...) são mais de episódios e

nomenclaturas. São nomes de elementos geográficos - burgalhau, gupiara, montanhas

frias, pico sempre coroado de vapores - nomes de ofícios públicos e documentos ofici-

ais - capitão de Dragões, capitães do Mato, auto de prisão - e descrição de comporta-

mento humano e nomes que caracterizariam tipos e aspectos da vida sertaneja: chapéu a

Frederico, de três pancadas; camisas de folhos, colete de cetim Macau bordado de len-

tejoulas, relógio com cadeia de cornalina, saia de imensa roda com longa cauda, xi-

que-xique de prata. (...) No ano de 1742, uma partida de dragões sustentou um renhido combate com alguns garimpeiros nas vizinhanças do Rio Manso. Entre estes sobressaíra-se um mais jovem, que, talvez por ser mais audaz e intrépido, foi aprisionado. Os outros fugiram. Trazido preso e metido no tronco da cadeia, aí foi o escri-vão da Intendência fazer o que se chamava auto de prisão, hábito e tonsura. Deste auto consta que o preso era “de estatura baixa e delicada, olhos e cabe-los negros, cor morena, feições finas e regulares, sem barba alguma”; e sen-do-lhe perguntado qual sua idade, naturalidade, filiação, profissão, estado e se tinha algumas ordens ou se era professo em alguma religião, recusara obs-tinadamente responder a qualquer destas perguntas. No mesmo dia, - não sa-bemos por que meio, e nem o consta dos autos - reconheceu-se que o garim-peiro era uma bela rapariga disfarçada de homem (SANTOS, 1956ª, p.100 - Rosa marcou o trecho e fez grande marca no alto da página, à direita)

O livro No vale das maravilhas, de Noraldino Lima, publicado em 1925, é um

livro pouco marcado por Rosa, mas muitas de suas informações estão a literatura do

escritor.

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Cheio de fotografias de paisagens do São Francisco e seus afluentes, o livro de

Noraldino Lima é a narrativa de uma excursão do presidente Melo Viana ao vale do São

Francisco, em 1925, a bordo do vapor Wenceslau Brás. Rosa assinalou dados e infor-

mações sobre os rios das Velhas, o São Francisco e seus afluentes. O funcionário da

Imprensa Oficial Noraldino Lima descreve rios e afluentes importantes no livro, os

quais vão aparecer nos textos de Rosa, como o Urucúia, Paracatu, Carinhanha, Jequitaí.

Com Noraldino, Rosa se certifica de que o rio das Velhas encontra o São Francisco trin-

ta e três quilômetros abaixo da cidade de Pirapora, no distrito de Guaicuí, e aprende que

a cidade de São Romão havia sido na história a “Vila Risonha”. Em Grande Ser-

tão:Veredas, Riobaldo recebe de Nhorinhá um dente de cobra para colocar no chapéu,

porque, com Noraldino Lima, a personagem de Rosa sabe que “dente [do jacaré] atra-

vessado no chapéu de couro, é preservativo de picada de cobras” (LIMA, 1925, p.175).

Através do livro No vale das maravilhas, o costume barranqueiro de devoção ao

santo Bom Jesus da Lapa aproxima Rosa das tradições sertanejas, porque lá está escrito

que os sertanejos que não podem ir até a gruta do Senhor Bom Jesus “mandam-lhe, na

corrente do rio, a homenagem do seu culto e a prova material de sua fé.” Os sertanejos

faziam descer pelos rios (...) uma caixinha dentro da qual depositam o dinheiro prometido e uma vela. O rio leva a mensagem de fé água abaixo, léguas e léguas, até o porto da Lapa, onde qualquer pescador, qualquer lapense colhe a caixa e o conteúdo, levan-do este à gruta do Bom Jesus (LIMA, ibidem, p.69).

Um costume que, em Grande Sertão:Veredas, o menino Riobaldo repete, indo

“tirar esmolas” na beira do porto para que a mãe pagasse promessa de “pôr dentro duma

cabaça bem tapada e breada, que se jogava no São Francisco, a fim de ir, Bahia abaixo,

até esbarrar no Santuário do Santo Senhor Bom Jesus da Lapa (...)” (GSV, p.69). 8

São os sertões do rio São Francisco o grande cenário das estórias dos livros de

Rosa, principalmente seus “livros de 1956”. Nos livros de interpretação do Brasil de

meados do século XX que Guimarães Rosa vai lendo, está delineado que o sertão é tan-

8 Várias informações sobre o rio São Francisco do tipo que vamos apontando aqui são para nós, hoje,

usuais, e até lugares-comuns. Mas na época de Rosa não pareciam ser. O rio já era motivo da tradição interpretativa sobre a ocupação das terras interiores brasileiras. Sua condição de um rio legendário que recolhia e salvaguardava tradições antepassadas é que nos parece capital aqui, condição que se constru-ía então no imaginário coletivo e para a qual certamente a literatura de Rosa colaborou.

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to uma realidade física, como histórica e cultural, que tem o rio São Francisco e o Norte

como grandes balizadores histórico-geográficos ligados pelo processo de ocupação das

terras interiores brasileiras na história.

• Os Famigerados e Facínoras

Quando entrevistado pelo crítico literário alemão Gunter Lorenz em 1965, Gui-

marães Rosa falava que não sabia como se deixava “extorquir” pelo crítico, que conse-

guia lhe tirar informações que ele nunca dera a ninguém. Rosa dizia que Lorenz era um

vaqueiro como ele, e que “quando dois vaqueiros discutem, ou há cabeças quebradas ou

confissões” (LORENZ, 1994, p.38).9

O crítico pergunta-lhe então sobre o que pensa de seus colegas escritores, men-

cionando o fato de que, principalmente na América Latina, muitos “confundem o com-

promisso para com o homem com o compromisso para com um partido ou uma ideolo-

gia”. Rosa rejeita responder, diz que o crítico o conduz “para um terreno perigoso” que

ele deve evitar, pois “tenho de conviver com meus colegas e não me agrada guerrear por

assuntos aos quais não atribuo a mínima importância”. Rosa preferia continuar discutin-

do literatura. Diplomaticamente, sugere que prefere “guerrear” com os colegas escrito-

res em torno de outros assuntos. A convivência com os colegas dos livros, se às vezes

era guerra de idéias, outras vezes era uma troca salutar da qual Rosa sabia recolher al-

guns dados para compor o que acabou sendo seu país imaginado.

O escritor não media a mão para se proclamar um sertanejo.

Comenta com Lorenz sobre o que o levou “a se arriscar perigosamente” na Ale-

manha durante a Guerra, quando retirou “judeus das mãos da Gestapo”. Ao dizer que

“gosto muito de ser diplomata” e que acredita que os diplomatas podem “remediar o

que os políticos arruinaram”, Rosa fazia uma natural vinculação entre o que o sertão lhe

ensinara para o exercício da arte da diplomacia. (...) Eu, o homem do sertão, não posso presenciar injustiças. No sertão, num caso desses [o da prisão de judeus] imediatamente a gente saca o revólver, e lá is-

9 Todas as declarações de Rosa citadas a seguir foram retiradas dessa entrevista

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so não era possível. Precisamente por isso idealizei um estratagema diplomá-tico (...) (LORENZ, ibidem, p.42).

No repertório de assuntos sobre a ocupação interior do Brasil que preenche mui-

tas páginas dos livros da biblioteca de Rosa, os famigerados e facínoras do sertão minei-

ro-baiano do rio São Francisco interessaram ao escritor.

Para a caracterização de personagens de seus livros autorais, Rosa procurou co-

nhecer nos livros de sua biblioteca a valentia e a bravura de homens como Antônio

Conselheiro, Lampeão e o padre São João Maria, da Guerra do Contestado. Em Os Ser-

tões, sublinhou e marcou que ... (...) em Minas, um quadrilheiro desempenado, João Brandão, destroçava escoltas e embrenhava-se no alto sertão do S Francisco, tangendo cargueiros ajouja-dos de espingardas (...) (CUNHA, 1946, p.363)

... e leu que os sertanejos de Canudos usavam armas que eram “revivescência de

estádios remotos”: o facão jacaré, de folha larga e forte; a parnaíba dos cangaceiros;

“(...) o ferrão ou guiada, de três metros de comprido, sem a elegância das lanças”; os

“(...) cacetes ocos e cheios pela metade de chumbo, pesados como montantes”; as “bes-

tas e as espingardas, [de] gradações completas, desde a de cano fino (...)” até a “legítima

de Braga... capaz de arremessar calhaos e pontas de chifre, à lazarina ligeira, ou ao ba-

camarte de boca de sino (...)”.10

Rosa transfigura acontecimentos de livros sobre o Brasil para a criação literária.

Em Grande Sertão:Veredas, em meio a fogo pesado da tropa do Tenente Reis

Leme, o jagunço Joé Cazuzo se arrepende da jagunçagem, pula no meio do fogo cerra-

do, mas é salvo por Riobaldo, que salta em meio ao tiroteio: (...) Aí, de bote , aquele Joé Cazuzo – homem muito valente – se ajoelhou giro no chão do cerrado, levantava os braços que nem esgalho de jatobá seco, e só

10 CUNHA, Euclides da. Ibidem, p.456. Rosa sublinhou os trechos. A historiadora Carla Anastasia estuda

o tema da violência na história mineira dos Setecentos, quando muitos lugares eram tidos como “mora-da do diabo”. O conjunto das reflexões da autora atesta a permanência de forte tradição interpretativa dos sertões mineiros de que Guimarães Rosa também se nutriu. Ver ANASTASIA, Carla Maria Junho. A Geografia do Crime. Violência nas Minas Setecentistas. BH: Ed. da UFMG, 2005. 159 p. Coleção Humanitas.

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gritava, urro claro e urro surdo: - Eu vi a Virgem Nossa, no resplandor do céu, com seus filhos de anjos! (GSV, p.28).

Num dos livros de sua biblioteca muito marcado, o de Optato Gueiros, Lampe-

ão:memórias de um oficial ex-comandante de forças volantes, publicado em 1953,

Guimarães Rosa está lendo sobre episódio similar acontecido na história (...) entrou [Lampeão] de surpresa em Queimadas (...) Ao penetrar a primeira rua, porém, um soldado do destacamento deparando-se com o grupo em condi-ções tais que uma fuga não poderia ser levada a efeito, ajoelhou-se, fitou para o céu, e sem prestar mais nenhuma atenção ao grupo, começou a orar... (GUEIROS, 1953, p.138).11

O impacto, direto ou indireto, que pensadores como “Euclides da Cunha, Gilber-

to Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Vianna, Paulo Prado e outros tiveram

sobre a arte de Guimarães Rosa” em Grande Sertão:Veredas, já havia sido objeto de

análise da crítica literária Katrin Rosenfield (2009, p.90). A autora entende que “a críti-

ca hoje tem de descrever como a literatura concilia dialeticamente elementos tão hetero-

gêneos” da história.

De Urbino de Sousa Vianna, o livro Bandeiras e sertanistas baianos, em edição

de 1935, livro também profusamente marcado na biblioteca, Rosa registrou “os aconte-

cimentos de 1 de abril de 96”. (...) Precisamos ainda voltar a Minas e relatar os acontecimentos de 1 de abril de 96, quando a cidade de São Francisco foi tomada por jagunços mineiros – não baianos como diz Xavier da Veiga – conhecidos por “Serranos” – natu-rais das serras das Araras, limites de Goiás, sendo vítimas o juiz de direito (...) A serra das Araras é um valhacouto e ali vão buscar os braços de aluguel quem deseja tirar uma vingança, ou fazer uma investida armada, qual Antô-nio Dó, que é personalidade célebre nos anais do crime em São Francisco, que dali trouxe o pessoal para o seu desforço (VIANNA, 1935, p.101 - Assi-nalado e sublinhado por Guimarães Rosa).

Em Grande Sertão:Veredas, o episódio reaparece.

O povoado de São Francisco é atacado “nas eras de 96”, por homens serranos,

perigosos, da Serra das Araras, comandados por Andalécio e Antônio Dó, mas o “povo

11 Rosa assinalou o trecho e escreveu à margem em letra grande: “Fé!”.

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soube, se reuniram e deram fogo de defesa” (GSV, p.325). Os desfechos das histórias

dos livros de Urbino Vianna e Guimarães Rosa diferem, mas a valentia dos homens

sanfranciscanos - jagunços e gente que sabem “dar fogo de defesa” - é tema reincidente

da literatura de Rosa. Relatado pelo livro de Urbino Vianna, Rosa decalca dali o episó-

dio de que se vale para reforçar o ethos de valentia e bravura do homem sertanejo.

De Urbino Vianna, Rosa lê ainda sobre “o jaguncismo do São Francisco e da sé-

rie de assaltos de que têm sido vítimas algumas de suas cidades, quer mineiras, quer

baianas” (VIANNA, 1935, p.102).

O autor relata os acontecimentos que em “novembro e dezembro de 79” acome-

teram os moradores de Carinhanha e Januária, sendo todo o trecho das cidades do rio

São Francisco entregue a Manoel Tavares de Sá, o Neco, “chefe da malta” de jagunços

que acoitaram e atemorizaram as autoridades locais. Em Grande Sertão:Veredas, o epi-

sódio reaparece. O padrinho de Riobaldo, Selorico Mendes, “gostava de conversar, con-

tava casos. Altas artes de jagunços – isso, ele amava constante – histórias”. (...) Demais falasse, tendo conhecido o Neco se lembrava quando Neco forçou Januária e Carinhanha nas eras de 79: tomou todos os portos – Jatobá, Ma-lhada e Manga – fez como quis; e pôs sede de suas fortes armas no arraial do Jacaré, que era a terra dele (...) – “Sentei em mesa com Neco, bebi vinho, al-mocei... Debaixo de chefia dele, paravam uns oitocentos brabos, só obedeci-am e rendiam respeito”. Meu padrinho, hóspede do Neco; de recontar isso ele sempre se engrandecia. (...) E meu padrinho me mostrou um papel, com es-crita do Neco – era recibo de seis ancorotes de pólvora e uma remessa de io-dureto – a assinatura rezava assim: Manoel Tavares de Sá (GSV, p.62).

Patriarcas e carreiros, coronéis e sertanejos indóceis e violentos, lideranças ca-

rismáticas e fanáticas, a música, a viola e a festa, a comida, a fome e a miséria, a civili-

zação do couro sanfranciscana, os barranqueiros e outros tipos humanos, o trem de fer-

ro, garimpeiros e pedras preciosas, grandes propriedades rurais e pequenos pedaços de

terra, senhores e agregados, compadrio e obediência - uma série de dados da formação

histórica brasileira está sendo trabalhada nos textos interpretativos sobre o Brasil, e que

Rosa está lendo em sua biblioteca. O que nos cabe é ver até que ponto Rosa operou so-

bre uma ambivalência, ora se inscrevendo, ora reinventando na literatura as tramas que

existiram de fato na história e que ele lia nos livros sobre o Brasil. É preciso caracterizar

o que envolve a possibilidade de a literatura de Guimarães Rosa manifestar os dilemas e

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desafios da formação histórica do Brasil, o que requer conhecer a história do universo

sertanejo no qual penetra com sua poética migrante.

No sertão do Brasil – que vemos mediados pela arte literária de Rosa – os fací-

noras e famigerados da literatura convivem com a beleza das águas dos rios, do riacho,

com as “aguinhas salobras” dos buritis. Segundo Kathrin Rosenfield (2006, p.90), as

análises devem mostrar como as influências são “transformadas e como se refletem no

tecido das narrativas de Rosa”. Com Norberto Macedo, Rosa marcou que a chuva quan-

do cai na caatinga revela o espetáculo da natureza. (...) A chuva na caatinga é a eclosão da vida em todas as suas manifestações. É a transformação inesperada e súbita do ambiente. A terra, antes ressequida, es-caldante, gretada e dura, afoga-se, cobrindo-se da noite para o dia com um manto verde e rasteiro de pequeninas folhas. Os animais, melhor alimenta-dos, já se vitaminizando e hormonizando pela ingestão de tenros brotos que eclodem em todas as hastes, enchem o sertão com a sonoridade de suas vozes alegres. É o cio no sertão! Eufórico, o homem queda-se absorto ante o espe-táculo de recuperação daquele solo, sobre o qual jamais blasfema (...) (MA-CEDO, 1952, p.10 – Trecho assinalado por Rosa).

Em Os Sertões, Rosa fez questão de destacar que os mandacarus não são apenas

dados de uma realidade árida massacrante a que Euclides da Cunha gostaria de chamar a

atenção e induzir a ação pública saneadora, mas também formam um acervo da rica

coleção da flora sertaneja indutora da contemplação do olhar poético. (...) Aprumam-se tesos triunfalmente, enquanto por toda a banda a flora se depri-me. O olhar perturbado por acomodar-se à contemplação penosa dos acervos de ramalhos retorcidos, descansa e retifica-se percorrendo os seus caules di-reitos e corretos (...) (CUNHA, 1946, p.43/44 – O trecho está marcado por Rosa).

Rosa transforma em arte literária a valentia dos sertanejos, colocados em suas

páginas literárias tendo ao fundo a beleza da paisagem que ele identifica na região ser-

taneja, filtrada pelo olhar poético com que lê os livros dos intérpretes do Brasil. Com

seus livros autorais, os livros de sua biblioteca conformam uma categoria de análise, ao

mesmo tempo em que são indicadores identitários de sujeitos sociais, indicadores que

lhe asseguram a condição e a prerrogativa para executar seu gesto diplomático de medi-

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ador. Os livros constituem uma biblioteca, uma categoria pela qual o escritor se reco-

nhece em homens com quem dialoga sobre o sertão nos debates sobre o Brasil e em

homens cuja história humana e ambiente natural não pode desconhecer, sob o risco de

não realizar sua obra - literária, artística, histórica e diplomática - para cuja realização

estão no centro seus livros literários.

5.2 – O amadurecimento da obra literária e as relações com a crítica de literatura

O processo histórico brasileiro de conformação de uma categoria de escritores

ensaístas mesclados a escritores literários até os anos 1950, seguirá um trajeto de paula-

tino distanciamento ao longo dos anos 1960, quando as especializações universitárias

criarão os especialistas das Ciências Sociais e da Literatura, impactando o próprio fazer

literário. Para Guimarães Rosa, esse processo não foi vivido sem conflitos, conflitos

provavelmente significativos para sua postura e atitude ante a crítica literária.

Quando, em 1965, fez ao crítico Gunter Lorenz um balanço de sua biografia e

dos caminhos que o levaram a literatura, Rosa assegurou que desde criança – como to-

dos os outros sertanejos que ele ouvia e via contar histórias – ele “queria ser diferente

dos demais”, e por isso escrevia suas histórias, enquanto os outros só as contavam: “eles

não souberam deixar escritas suas histórias” (LORENZ, 1994, p.98). Rosa entendia que

escrever impressionava e dava “reputação”: ele ia ouvindo histórias, escrevendo-as, mas

sempre “sem ambições literárias”, contava ele. Segundo a rememoração que faz de sua

vida ao crítico literário, as ambições literárias surgiram na corrente de suas viagens pro-

fissionais diplomáticas – “viajei pelo mundo, conheci muita coisa, aprendi idiomas” –

quando então publicou Sagarana.

No início de sua carreira, porém, mais de trinta anos antes, em 1934, os aconte-

cimentos não haviam sido interpretados assim.

Como vimos, Rosa dissera em carta ao amigo Pedro Barbosa que queria seguir

“a mais selecionada, a [carreira] de mais difícil sucesso, talvez”, a diplomacia, para po-

der “escrever alguns livros de literatura e ver o mundo lá fora”. Naquele momento,

Guimarães Rosa talvez estivesse verbalizando algo de que ele ainda não tinha plena

consciência e que articulava a autoridade do diplomata com o fato de que escrever li-

vros lhe daria reputação e poder. Em 1934, ao dizer que queria “escrever alguns livros

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de literatura e ver o mundo lá fora”, Rosa ligava o ato de viajar com o poder da diplo-

macia e da literatura, e, sem ainda o elaborar assim, optava por uma tradição que articu-

lava carreira diplomática e atividade literária.

A construção de sua obra envolveu conflitos de definição de lugares sociais e, no

plano da história da literatura brasileira, a literatura de Rosa, desde seu início até sua

maturidade, atravessou uma época de estreita relação entre ensaísmo social e prática de

literatura, evoluindo para outra época de definição de áreas de saber e fazer literários,

assim como de consolidação das Ciências Sociais no Brasil. A análise da obra artística e

literária de Rosa requer considerar como ela se constituiu ao longo de trinta anos, em

que evoluiu de períodos de trocas e enfrentamentos com a crítica literária brasileira até

chegar a um momento, nos anos 1960, em que, já consagrado, parece ser o mercado

internacional de livros o que mais lhe tomou as atenções. Será preciso avaliar como se

cruzaram a literatura e a diplomacia, a diplomacia como arte de negociar entre sujeitos

de mundos tão distantes – dentro e fora do Brasil – e examinar como a figura do autor

Guimarães Rosa se construiu.

Os conceitos de autor e escrita ajudam a entender as diretrizes que redundam na

criação de uma obra literária, e os embates sociais envolvidos na constituição de uma

esfera discursiva de poder socialmente distintiva. A história da construção de uma obra

literária exige reconstituir, minimamente, os enfrentamentos e colaborações até se che-

gar à situação em que o nome do autor deixa de ser um nome próprio e se torna uma

função de discurso, uma função-autor, como entende Michel Foucault.12

No interior da obra teórica de Foucault, o conceito de função-autor nasce do de-

bate em torno do que, nos anos 1960, a crítica e a filosofia estruturalistas vinham desta-

cando como “a morte do autor” em função do privilégio a ser dado à análise das estrutu-

ras textuais, em que se recolheria o significado do texto. Procurando redefinir os termos

do debate, Foucault argumentava que, na verdade, haveria um “certo número de no-

ções” que se destinavam “substituir-se ao privilégio do autor”, mas que, de fato, acaba-

vam por bloquear o autor ainda mais, “fazendo esquecer o que deveria ser evidenciado”.

As duas noções principais, segundo ele, eram as noções de “obra” e de “escrita”.

A “obra” designava as pertinências pressupostas entre textos e suas relações in-

ternas, enquanto a “escrita” era um conceito que relevava a idéia enigmática de que há 12 FOUCAULT, Michel. O que é um autor? 3ª ed. [s.l.]: Vega, [s.d.]. (Coleção Passagens). As considera-

ções a seguir sobre obra e autor serão retiradas desse texto.

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“um sentido implícito” ou oculto no texto. Michel Foucault analisava como a função-

autor era um dispositivo que, antes da análise do texto, já apontava para uma figura, o

autor, não mais tomado por um nome próprio, mas por um nome-categoria que - “exte-

rior e anterior ao texto” - investia seu portador de uma competência social distintiva,

qualificando-o e distinguindo seus discursos, que devem “numa determinada cultura

receber um estatuto” (ibidem, p.45).

Ao examinar a função-autor, Foucault procurava o que, na virada dos séculos

XVIII e XIX - num momento em que se estabeleceu um “circuito de propriedade” para

os textos - fez surgir um discurso com o nome de “literatura”, qualificada como a “pos-

sibilidade de transgressão própria do ato de escrever” (ibidem, p.48). A função-autor

pressupunha um conjunto de dispositivos, práticas e atividades sociais de poder que

criavam o autor por um processo de unidade discursiva que preexistiria aos textos, cri-

ando vínculos e sentidos conexos.

Examinar fatos da relação de Guimarães Rosa com a crítica literária e com as in-

terpretações do Brasil é verificar como o escritor teria concebido a atividade de literatu-

ra numa situação de indistinção entre textos ficcionais e ensaísticos, avaliando como o

próprio escritor teria lidado com a construção de sua obra nas condições históricas do

Brasil que se estende dos anos 1930 aos anos 1960.

Seus textos e livros se construíram em fases que supõem modos de escrever dife-

renciados, trocas literárias e artísticas que se modificaram da infância até a maturidade

de sua obra, quando Rosa já é um escritor cujo nome próprio age como uma função.

Fatos, acontecimentos e algumas declarações de Rosa ao longo dos anos são importan-

tes quando cotejados a sua entrevista concedida a Gunter Lorenz em 1965 e com suas

cartas trocadas com seus tradutores, que começam em 1958, ocasião em que acontece-

ram as primeiras negociações para sua tradução na Alemanha. O espaço temporal de

1958 a 1965 marca uma inflexão na obra literária de Rosa, parece-nos, em que se deli-

neia o fim do que ele qualifica como o “tempo das boiadas”.

Entender a construção da obra rosiana ao longo de trinta anos é conjeturar se não

existiu um lapso entre o que o escritor disse de sua obra em 1965 – na entrevista a Gun-

ter Lorenz - e como ela foi sendo recebida, e mesmo valorada, ao longo dos anos de sua

construção. Importa examinar com quem o escritor estabeleceu trocas, que tipos de lei-

turas e marcas executou nos livros de sua biblioteca e avaliar em que a evolução e defi-

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nição de um campo especialista de literatura no Brasil teriam impactado sua atividade

artística e literária.

Suas cartas com tradutores e sua entrevista de 1965 são de um tempo de um au-

tor maduro, consciente da autoridade de que está investido, e elas não devem ser toma-

das sem desconfiança, tendo de ser cotejadas com suas leituras, gestos e declarações

fora dos círculos propriamente literários ao longo dos anos.

A atenção a ser posta a separação, em certo momento histórico, da literatura e da

reflexão social em campos especialistas no Brasil, importa-nos, porque, provavelmente,

tal separação progressiva interferia na percepção da literatura de Rosa por ele mesmo, e

talvez tenha fechado para ele qualquer idéia de que o que estava fazendo poderia ser

recebido como interpretação. É recusando a separação tão rigorosa de literatura e refle-

xão social que hoje podemos identificar na literatura de Rosa uma figuração do Brasil.

Na entrevista a Gunter Lorenz, o escritor fez considerações sobre a literatura en-

tendida como trabalho sobre a forma lingüística, condenando os escritores que, em no-

me do conteúdo, acreditavam fazer literatura com a linguagem corrente. (...) Hoje em dia acontece algo semelhante. A consciência está desperta, mas falta o vigor da língua. A maldição dos costumes é notada e os autores aceitam sem crítica a chamada linguagem corrente porque querem causar sensação, e isso não pode ser (LORENZ, 1994, p.49/50).

Comentando com Lorenz a “língua de Guimarães Rosa” - como era chamada sua

linguagem literária - o escritor faz considerações sobre as origens e os fundamentos de

seu fazer literário e de sua criação lingüística, recorrendo ao tema do sertão como locus

de originalidade e pureza. Rosa identifica que na “Babel espiritual de valores” em que

se vive, “cada autor deve criar seu próprio léxico”, sua própria língua, porque senão ele

“não pode cumprir sua missão”. Rosa repele o epíteto de um “revolucionário da língua”

e prefere o de um “reacionário da língua”, pois assume que quer voltar “lá onde a pala-

vra ainda está nas entranhas da alma” (LORENZ, ibidem, p.49).

O caminho reflexivo de Rosa é no sentido de justificar sua literatura no que ela

tem de enraizamento no sertão, onde “fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flau-

bert”, onde os sertanejos “não conhecem a força do pecado original”, lugar que é “terre-

no da eternidade, da solidão”. A idéia de uma língua viva e intuitiva é associada ao tema

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da pureza, da inocência e da originalidade do homem e do universo sertanejos, onde

mesmo os crimes dos homens não podem ser entendidos como crimes, porque eles não

sabem distinguir o bem do mal, um mundo, segundo Rosa, em que o dinheiro não adi-

anta muito, porque “lá se necessita de pão, armas, cavalos e ainda se pratica o comércio

de trocas” (LORENZ, ibidem, p.43). Rosa está a todo tempo reiterando sua condição de

“homem do sertão”, de “escritor-vaqueiro” de um mundo original.

Feita ao correr dos anos de sua trajetória profissional, tal elaboração do universo

sertanejo provavelmente se fez por trocas e com a colaboração de colegas escritores –

de arte ou de idéias - que também tinham como tema o sertão e o ajudaram a formulá-lo

como locus de pureza, autenticidade e originalidade. Analisando a diferença entre o

português falado no Brasil e na Europa, Rosa ressalta que é “incalculável o enriqueci-

mento do português no Brasil, por razões etnológicas e antropológicas”. Fontes de cria-

ção literária, os muitos livros de Folclore e de Etnografia dentro da biblioteca de Rosa,

seu diálogo com os textos interpretativos, certamente o ajudaram a compor suas convic-

ções sobre o sertão como lugar de pureza.

Suas declarações isoladas sobre o folclore podem ser resgatadas aqui.

Elas correspondem a momentos distintos de sua carreira literária e provavelmen-

te a momentos distintos de institucionalização do campo folclórico nos anos 1950 e

1960 brasileiros.13 Em 1954, antes de publicar Grande Sertão:Veredas e Corpo de Bai-

le, no depoimento que prestara sobre a penetração do rádio no interior do Brasil, Rosa

dissera que o rádio destruía o fundo folclórico, e sua atenção talvez ainda estivesse in-

formada pelo processo de escrita dos “livros de 1956”, para os quais dialogava com

autores e livros de Folclore, de Etnografia e de Geografia.

Enquanto preparava os “livros de 1956”, Rosa lia o folclore brasileiro nos livros

de sua biblioteca.

No romance Esperidião, de Benedito Valadares, publicado em 1951, encontrou

descrições sobre as preparações para a festa do Reinado, dos novos reis, das roupas dos

músicos da festa, da procissão, das cantigas, desafios e cantos, do chiar do canto dos

carros de boi.

13 O processo de institucionalização do Folclore no Brasil e seus embates com as ciências sociais em fase

de consolidação em meados do século XX podem ser conferidos em VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro 1947-1964. RJ:Funarte; Fundação Getúlio Vargas, 1997. 332 p.

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(...) A toada foi afinal esmorecendo, com ela o chiar dos carros de boi na virada dos morros, e a cidade voltou à calma habitual, com um ou outro preto ainda vestido à caráter, a que ninguém mais dava importância, pois, festa acabada, músicos a pé (VALADARES, 1951, p.89 – Rosa assinalou e escreveu no alto da página, fora da mancha do texto: “Congo Moçambiqueiro Catupé Mari-nheiro”).

Em 1967, no entanto, sua atitude para com o folclore parece ganhar outros mati-

zes. Naquele ano – já bastante traduzido no estrangeiro – ele era categórico com o ami-

go Paulo Dantas, afirmando que a literatura tinha algo de “penoso sacerdócio” e que na

vitrola de sua casa adorava escutar as músicas de Tonico e Tinoco: (...) usei algumas em meus livros, recriando-as em forma de contra-canções. O folclore existe para ser recriado. Receio demais os lugares-comuns, as descri-ções muito exatas, os crepúsculos certinhos, tipo cartões-postais. Se abusa muito disso na ficção nacional (DANTAS, 1975, p.26).

Suas convicções sobre o folclore parecem migrar ao longo do tempo para uma

postura mais categórica de recriação de temas, pari passu, é possível, à consagração de

sua literatura e a definição de campos específicos de saber que separavam o exercício

literário do ensaísmo social.

Os livros de sua biblioteca sobre Folclore e Etnografia parecem demonstrar que

houve um tempo de diálogo profundo, pouco a pouco sendo separado em campos mais

delimitados.

O livro Ao som da viola, de Gustavo Barroso, publicado em 1949, é um dos li-

vros muito marcados na biblioteca de Guimarães Rosa. Nele, há marcas em palavras e

expressões de cantigas e trovas de autos populares, mas há também um questionamento

de Barroso quanto à veracidade de uma epígrafe utilizada por Rosa para o conto Con-

versa de Bois, do livro Sagarana. O folclorista Gustavo Barroso denuncia que Rosa não

faz folclore, mas “invencionice”. O fato sugere que em 1949 ainda há uma zona de in-

definição quanto ao que faz Guimarães Rosa, porque a crítica de Gustavo Barroso é a de

que o escritor “não faz folclore”. Ao tratar dos sertões, ao colocar em literatura um tema

que está no centro do debate sobre o Brasil, disputado por escritores de toda espécie, a

tentativa de Rosa de tomar o folclore sertanejo encontrava adversários.

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Também a relação de Rosa com o regionalismo literário é questão aventada na

entrevista a Gunter Lorenz, mas é importante recuperar os momentos históricos e por

quais métodos Rosa ia se inserindo como um escritor regionalista brasileiro.

A relação de Rosa com Bernardino José de Souza, autor do livro O Ciclo de

Carro de Bois no Brasil, já existia desde 1945. O então membro do Instituto Histórico

da Bahia assegurava a Rosa que publicaria um de seus contos no livro planejado para

ser publicado próximo àquela data. Na realidade, o livro de Bernardino José só seria

publicado em 1958, ocasião em que Rosa – já autor de Grande Sertão:Veredas e Corpo

de Baile - escreveu uma resenha para o Boletim Bibliográfico Brasileiro, assegurando o

valor do livro como material indispensável para o entendimento do que era e continuava

a ser a “geografia humana, paisagem rural e realidade social do Brasil”.14

Em seu livro, Bernardino José de Souza se utilizava de vários trechos do livro

Sagarana para contar a história do carro de bois, dos modos e hábitos da cultura de tro-

peiros e vaqueiros no Brasil. A partir da publicação de Sagarana, em 1946, Rosa tem

contos do livro mencionados em orelhas, prefácios e glossários de edições de livros re-

gionalistas. Muitos descritores do glossário de Contos e Lendas Gauchescas, de Simões

Lopes Neto, fazem referência a termos e expressões encontradas no livro de Guimarães

Rosa.15 A relação com escritores já definidos como do regionalismo literário e suas va-

riações ao longo do tempo indicam o processo de depuramento e amadurecimento da

obra de Rosa, à medida que ela vai se inserindo em circuitos de definição da literatura

como discurso diverso de outros.

A reflexão de Rosa a Gunter Lorenz sobre o regionalismo brasileiro, exaltando o

sertão e sua pureza, parecia incorporar a consciência do processo de construção de sua

autoridade de autor ao longo do tempo, e sugeria o papel que tiveram os livros de sua

biblioteca e o diálogo com intérpretes do passado brasileiro para sua confirmação de

autor da literatura brasileira. Rosa destacava que não era possível separar sua biografia

de sertanejo de Cordisburgo da sua obra e que, ao contrário do significado de sertão na

cultura alemã, o sertão brasileiro era “um mundo pequeno, medido segundo nossos con-

ceitos geográficos”, um mundo “original e cheio de contrastes” (LORENZ, 1994, p.31).

14 Ver: Boletim Bibliográfico Brasileiro. v.VI, n.4, maio 1958, p.220/224. 15 Ver: LOPES NETO, J SIMÕES. Contos Gauchescos e Lendas do Sul. 3ª ed. Edição crítica com Intro-

dução, variantes, notas e Glossário por Aurélio Buarque de Holanda. Prefácio e Nota de Augusto Me-yer. Posfácio de Carlos Reverbel. RJ, SP, POA: Editora Globo, 1953.

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Para o escritor, o sertão era “o símbolo, diria mesmo modelo de meu universo”. A lista

de livros de Geografia existentes em sua biblioteca e sua condição de funcionário da

Divisão de Fronteiras do Ministério das Relações Exteriores desde meados dos anos

1950, demonstram os diálogos que estabeleceu até chegar a plenitude da obra, categoria

que Rosa já internalizou e faz pleno uso em 1965, quando está falando com Lorenz.

Seu enfrentamento com a crítica literária não foi simétrico, oscilou ao longo do

tempo.

Em 1965, Rosa tinha uma definição criteriosa da crítica literária, entendendo que

ela exercia uma “função literária indispensável”, “co-produtiva, mesmo no ataque e até

no aniquilamento” do autor, se fosse preciso. Suas reações contra ela em 1965 servem

para confirmar um lugar de autor, agora consagrado pela crítica internacional de litera-

tura. Sua relação com ela “era incisiva: ou o crítico pertencia a uma camarilha que não

entendia, e por isso se opunha à obra, ou subia a bordo com o autor, compartilhando

com ele as glórias do porvir”, como entende Luiz Cláudio Vieira de Oliveira (2002,

p.17). O autor alerta para o fato de que “muito da crítica [a Rosa] que se tem acesso

atualmente deve-se ao próprio Guimarães Rosa, que colecionava os artigos publicados

em jornais e revistas, do Brasil e do exterior” (VIEIRA DE OLIVEIRA, loc.cit.).

Seguir o teor da reação de Guimarães Rosa contra a crítica de literatura é desco-

brir que, com ela, o escritor retomava outra vez o sertão como lugar de singularidade e

originalidade, e definia seu compromisso de escritor como um “compromisso do cora-

ção”, o “único [compromisso] sincero”. Pelo bem ou pelo mal, Rosa ia formulando suas

proposições sobre a própria literatura enquanto recriminava grande parte da crítica lite-

rária, coisa que, provavelmente, rebatia em seu fazer literário. Ao tratar da “língua

Guimarães Rosa”, afirma que “doutos senhores que se desabafaram sentimentalmente”

sempre a trataram “logicamente, muito racionalmente”.

Suas considerações contra os críticos em 1965 o ajudavam, é provável, na sua

definição de brasilidade como um “sentir-pensar”, como a “língua de algo indizível”

(LORENZ, 1994, p.55), como definição de sua literatura. A reflexão sobre compromis-

so do coração e brasilidade provém da idéia de que a língua pura do sertão impede se

“fazer literatura de tipo corrente, mas apenas escrever lendas, contos, confissões”, por-

que o sertão já é em si mesmo uma literatura, “pura, bela, verdadeira, real” (LORENZ,

ibidem, p.34). O que normalmente a crítica literária não compreendia, segundo o escri-

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tor. A brasilidade procedia do compromisso do coração do brasileiro sertanejo como

ele, o único compromisso possível de o sertanejo fazer, porque o sertanejo não sabia

distinguir o bem do mal, agindo sempre com inocência e originalidade, imerso que esta-

va na pureza de um mundo mítico.

(...) Quem quer que lhe tenha dito que a ‘brasilidade’ é apenas uma baboseira de-ve ser um professor, um desses ‘lógicos’ que não compreendem nada, que só compreendem com o cérebro. E como se sabe o cérebro é uma organização muito defeituosa e debilitada (LORENZ, 1994, p.54).

Apesar de o crítico literário Lorenz insistir com Rosa de que seu processo de cri-

ação era profundamente marcado por livros, pela racionalidade e pelo cérebro, o escritor

insistia: (...) quando algo não me fica claro, não vou conversar com algum douto profes-sor, e sim com algum dos velhos vaqueiros de Minas Gerais, que são todos homens atilados (LORENZ, 1994).

Na entrevista de 1965, o escritor se refere aos “sabichões”, que são provavel-

mente professores, cientistas sociais e críticos literários produzidos pelo processo de

especialização da prática literária no Brasil, e de separação, mais ou menos definitiva,

entre ensaísmo social e literatura, que, enquanto estiveram juntos, geraram livros e auto-

res que nutriram a arte rosiana e lhe foram interlocutores prestigiosos. Nos anos 1960,

Rosa já é um autor pleno, seus textos são pertinentes, remetem a uma série, a trocas

intratextuais e coerentes, afinal, seguindo Foucault, a função-autor Guimarães Rosa já

funcionava plenamente, e ele estava num lugar de poder onde podia até se referir a seus

colegas de modo deselegante.

Daí, o escritor acreditar que “não é necessário se aproximar da literatura incon-

dicionalmente pelo lado intelectual”, porque isso só chega com a “maturidade” do ho-

mem, entendida como a maturidade da obra. As reações nervosas do escritor contra a

crítica literária talvez escondessem o que ele fazia e não percebia, porque se percebesse

não poderia fazer sua reflexão como a fez. Por mais que se referisse ao cérebro como

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uma “organização defeituosa” - provavelmente numa menção a Nietzsche16 - toda a

conceptualização da “língua de Guimarães Rosa” feita pelo próprio escritor lhe servia

de baliza racional para conceitualizar um mundo sertanejo de literatura inocente e origi-

nal contra outro mundo, onde escritores tentavam fazer literatura com uma linguagem

corrente, cheia de artificialismos e impurezas.

A literatura de Rosa e seu lugar de autor de literatura plena parecem amadurecer

pari passu à separação de campos especializados de saber que criaram os “sabichões”

que tanto Rosa repudiou um dia. Parece haver uma baliza de distinção entre seus livros

dentro de sua trajetória literária: há um tempo em que se faz literatura sem o cérebro e

outro em que se aproxima da literatura pelo lado cerebral. Rosa não disse isso, mas po-

demos ousar afirmar isso.

No primeiro momento, o escritor escreve sobre o sertão sem “fazer literatura do

tipo corrente”, mas apenas escrevendo lendas identificadas a personagens e lugares len-

dários – Soropita, Turíbio Todo, Lalino Salathiel, Miguilim, Manuelzão, Riobaldo, Joca

Ramiro, um burrinho filósofo, o rio do Chico, o Morro da Garça, o rio das Velhas, as

Veredas Mortas, a Gruta de Maquiné: são seus livros do “tempo das boiadas”, uma ex-

pressão que escapa naturalmente do escritor e se fecunda do intenso diálogo com prosa-

dores da história brasileira, que vinculam literatura de Rosa e história do Brasil a um

tempo de fazendas, cabeças de gado, vaqueiros, patriarcas, fazendeiros, carros de boi,

meninos e crianças, sertanejos. “Tempo das boiadas”, como Rosa mesmo percebera.

Depois, então, no segundo momento que identificamos da literatura rosiana, vi-

ria a literatura pelo lado intelectual, que “vem por si só, com o tempo, quando o homem

chega à sua maturidade”. Talvez seria o caso de dizer: maturidade que chega quando

textos se tornam obra! Seus livros dos anos 1960, Primeiras Estórias e Tutaméia, são,

principalmente, livros de contos que são verdadeiros tratados de semiótica, para usar de

uma metáfora para dizer do hermetismo de alguns textos. Textos de uma época histórica

de especialização da atividade e da crítica literária dos anos 1960, quando os especialis-

tas da análise ajudaram a sofisticar a palavra literária, quando então a “letra rosiana”

estaria profundamente sofisticada, a ponto de apenas alguns “cérebros” poderem acom-

panhá-lo e compreendê-lo.

16 NIETZSCHE. F.W. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. In: NIETZSCHE. Obras Incom-

pletas. 3ª ed. SP: Abril Cultural, 1983. Coleção Os Pensadores.

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Pelas considerações sobre o sertão feitas a Gunter Lorenz, é possível que Rosa

estivesse se associando ao universo sertanejo ao operar com a antiga dicotomia sertão-

litoral travestida de dicotomia entre sertanejos atilados - que são literatura em si mesma

- e “doutos professores”, que compunham uma crítica que não conseguia alcançar sua

literatura sertaneja - literatura tão bela, pura e verdadeira. A relação de Rosa com a crí-

tica literária, de alguma forma, repercutiu a separação intelectiva do Brasil repartido em

sertão-cidade, litoral-interior, estrangeiro-nacional, saber-sabedoria, de longa data na

vida do pensamento e da arte do Brasil.

Guimarães Rosa ainda não tinha a teoria da obra para pensar a si mesmo e a sua

literatura. E isso nem seria preciso, haja vista que foi, provavelmente, marcando pro-

fundas diferenças e desacreditando a crítica literária sobre sua literatura, que ele conse-

guiu fazê-la como a fez, indo buscar afinidades em outros críticos e intérpretes, que sa-

biam ler sua literatura com a sofisticação que ela exigia.

5.3 - A construção da história - inventário de tradições em tempo de modernização

e modernidade

Em meio a novas linhas de força para a atuação de agentes da cultura, da política

e da ciência no país de meados do século XX, a ação de artistas e analistas brasileiros

não se separa da realidade do livro – sem a qual qualquer literatura não existe. O diálo-

go de Rosa envolvia a consulta a livros sobre o Brasil em sua biblioteca em um proces-

so de crescimento e de consolidação de uma indústria editorial, o que vai se fazendo

passo a passo à configuração de uma esfera de diálogo em que, só pouco a pouco, a lite-

ratura e a interpretação do Brasil vão se separar. Os desdobramentos dessa realidade

confluem para que o dispositivo cultural livro possa ser investido, eventualmente, de

atributos de armazenamento e inventário de informações.

A história editorial do livro Corpo de Baile guarda alguns fatos dignos de nota

que tiveram participação de Guimarães Rosa e que mereceram seus comentários quanto

aos resultados das edições.

A primeira edição do livro havia sido publicada em 1956, em dois volumes

grandes, mas, em 1960, para a segunda edição, Rosa sugeriu que se fizesse um só volu-

me. O que foi feito. O resultado não lhe agradou, porque entendeu que o tipo do livro

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ficara “minúsculo demais, composição cerrada. E o preço caro, além de não ficar convi-

dativo” (ROSA, 1981, p.79), como chegou a comentar com seu tradutor italiano Edoar-

do Bizarri. Para Rosa, o livro “vinha sendo prejudicado pelo gigantismo físico”. Em

1964, então, foi dada uma solução definitiva: o livro foi repartido em três volumes, de

tamanho próximo a livros pocket. Quando Rosa recebe, porém, o primeiro volume, inti-

tulado Manuelzão e Miguilim, ele se arrepende da forma editorial, pois “o tamanho re-

duzido não correspondia à grandeza do livro nem à do sertão” (CAVALCANTE, 2006,

p.270).

A grandeza do sertão associado à grandeza dos livros relembra as colocações de

Roger Chartier quando discute o que chama de a “felicidade extravagante” da biblioteca

universal prometida pelo mundo dos textos eletrônicos. O autor assinala a retomada da

metáfora da felicidade extravagante de uma biblioteca que pudesse conter todos os li-

vros do mundo, o que muitos acreditam viável no mundo do texto virtual, onde textos se

desdobram em textos e as bibliotecas não têm limites físicos. Mas o autor faz algumas

ponderações, ratificando a importância da materialidade dos textos em livros, porque da

relação entre textos e livros é que nasceu uma inteligibilidade expressa em diversas me-

táforas, pelas quais “na tradição ocidental [os homens] fazem do livro uma forma possí-

vel do destino, do Cosmo ou do corpo humano” (CHARTIER, 1999, p.106). Para o his-

toriador, o livro que está no centro das formulações metafóricas ...

(...) não é qualquer livro (...) ele é composto de cadernos, formado de folhas e de páginas, protegido pelo encadernamento. A metáfora do livro do mundo, do livro da natureza, tão potente na idade moderna, encontra-se fixada nas repre-sentações imediatas e enraizadas que associam naturalmente a escrita ao có-dex (CHARTIER, 1999, p.106).

Ao articular a forma diminuída de edição de Corpo de Baile com o tamanho do

sertão, Guimarães Rosa joga com a metáfora do livro como cosmo, referindo-se à gran-

deza do sertão como manifestada na matéria livro que lhe dá concretude e visibilidade

segundo a inteligibilidade que associa na tradição ocidental o livro à vida. Seu projeto

de literatura não se desprende da concretude do livro, às vezes tomado como metáfora,

outras vezes como materialidade em que seu texto literário ganha forma e sentido, mas

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sempre como apanágio de uma categoria de homens de idéia e de arte que nunca estão

no sertão.

Algumas análises sobre a obra literária de Rosa realçam sua capacidade de en-

carnar uma missão ou de revelar contradições e paradoxos do artista e do intelectual na

cultura brasileira, quase sempre divididos entre o sertão e as cidades, ou entre “os que se

formam na orla litorânea sob a luz variamente refletida da cultura européia” e “os que

passam as primeiras quadras no remanso das gentes sertanejas, mais em contato com o

gênio obscuro das nossas raças”, como apontou Euclides da Cunha em trecho de Con-

trastes e Confrontos (1923, p.289) que Rosa assinalou em seu exemplar do livro guar-

dado na biblioteca.

As análises sobre a missão literária de Guimarães Rosa procuram resolver a me-

diação que o escritor pareceu querer executar entre sertão e cidade.

Seu regionalismo “transnacional” é defendido por Marli Scarpelli (2003, p.31),

que vê no escritor um “viajante (...) marcando a diferença em relação aos modelos im-

portados ou impostos pela metrópole” e agenciando um espaço discursivo novo num

país “caracterizado pelo cruzamento intenso de culturas”. Na literatura rosiana, segundo

a autora, “poder-se-ia identificar (...) a imagem de um escritor empenhado em dotar de

voz própria os sujeitos subalternos da história” (ibidem, p.32). Para a pesquisadora, a

relação da obra de Rosa com a região é ampliada, superando “os limites de noções este-

reotipadas como ‘regionalismo’ e ‘brasilidade’ com que se costumou (...) classificar sua

literatura aqui e lá fora” (ibidem, p.75).

Examinando Grande Sertão:Veredas, Ligia Chiappini entende que o livro é no-

vo porque tematiza a relação tensa de quatrocentos anos de atraso social combinado

com “sabedoria acumulada pela vivência próxima da natureza e pela experiência da

privação e do sofrimento” dos sertanejos (CHIAPPINI, 1998, p.202). Contra qualquer

análise que esqueça a historicidade do livro, a autora avalia a relação entre o sertanejo

Riobaldo e o “intelectual cosmopolita letrado”, o doutor da cidade.

Já Willi Bolle analisa, em Grande Sertão:Veredas, o pacto demoníaco de Rio-

baldo com o diabo como ato político de fundação do Brasil que separou ricos e pobres.

O autor lembra que Rousseau inventou personagens arcaicos para simbolizar a “cena

política primordial”, e avaliando que a ciência política tem um elemento ficcional inex-

pugnável, o crítico compreende que o livro de Guimarães Rosa é uma reflexão sobre o

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processo civilizatório brasileiro, pois o componente de ficção da literatura tem um cor-

relato na ciência política (BOLLE, 1997-98, p.28).

Já a “subcultura sertaneja” é analisada por Sandra Guardini Vasconcelos, que

compreende a obra de Guimarães Rosa como superando “dualismos e dicotomias”, do

que resulta uma “mescla de formas cultas e populares, arcaísmos e neologismos e regi-

onalismos e estrangeirismos” (VASCONCELOS, dez.fev.1997/1998, p.87). A autora

assinala que a literatura rosiana é “povoada por tropeiros, capiaus, boiadeiros, pequenos

fazendeiros”, mas informada pela “consciência de que o sertão vai lentamente sendo

atingido por mudanças, determinadas por um processo histórico irreversível que subjaz

ao universo rosiano” (ibidem, p.88), onde mesmo alguns personagens desejam que ele

se transforme num “espaço de civilização”.

Na novela de Manuelzão, Uma Estória de Amor, do livro Corpo de Baile, o pro-

tagonista diz que “o lugar carecia de progressos”, e queria que seus “netinhos dele (...)

[crescessem] como filhos de fazendeiro, recolhendo as comodidades, tendo livro de

estudo” (EA, p.572). E na história de Pedro Orósio, de O Recado do Morro, do mesmo

livro, o vaqueiro protagonista acredita que “os que sabem ler e escrever, a modo que

mesmo o trivial da idéia deles deve de ser muito diferente” (RM, p.621).

No sertão da literatura de Rosa, os poucos personagens que lêem no livro culto

não estruturam as histórias, não são o pivô do roteiro, embora a escola, os livros e a ins-

trução, em várias passagens, sejam ambição dos sertanejos, como a sugerir que, no ser-

tão, a cultura escrita ainda espera a ação pública – ou o personagem público - que vai

acessar os sertanejos ao livro. Na história Campo Geral, de Corpo de Baile, o persona-

gem Seo Deográcias está bravo, (...) falando da falta de providências para se pegar criminosos tão brutos, feito es-se Brasilino-Boca-de-Bagre, que cercava as pessoas nas estradas, roubava de tudo, até tinha aparecido na Vereda do Terentém (CG, p.482).

Inconformado, Seo Deográcias “cuspia longe, em tris, e asseava a boca com as

costas da mão”, dizendo o que está fazendo para resolver a situação: “Por causa de u-

mas e dessas, eu vou no papel! - vou na tinta”. Estava (...)

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escrevendo carta para o Presidente, já tinha escrito outra vez (...) Ao já estava com a carta quase pronta, só faltando era ter um positivo que a fosse levar na barra, na Vila Risonha (CG, p.482).

Seria o caso de indagar se Rosa não seria mesmo um intérprete e o que - e para

quem - ele interpretava.

As ambições e desejos dos personagens de seus livros podem ser analisados pe-

los papéis sociais que identificam sujeitos e suas missões na sociedade brasileira do

século XX. Numa época de modernização em que, segundo observa Marli Scarpelli,

escasseiam os “homens-memória”, Rosa “se põe a tarefa de inventariar e restaurar os

vestígios de formações arcaicas de sua região” (SCARPELLI, 2003, p.76).17

No Brasil, “palco de sucessivas modernizações conservadoras”, como quer San-

dra Vasconcelos, a sociedade se organiza segundo “o mesmo princípio de organização

que depreendemos na obra de Rosa”, onde Estado e sociedade fazem um pacto que,

“conduzindo o país à modernidade”, afina-se com as “tradições de nossa mentalidade

patriarcalista” (VASCONCELOS, dez.fev.1997/1998, p.117). A autora leva as ultimas

conseqüências o pacto de modernidade, e se indaga, em tom de desafio, se ele não se

manifesta pela obra de Rosa: “E se lêssemos (...) Rosa a contrapelo? (...) até que ponto

as ‘puras misturas’ encobrem as tensões, conflitos e clivagens reais da história brasileira

(...)?”. Na mescla de vozes da literatura de Rosa, a autora se pergunta se, no “ponto de

vista unificado, que reúne no texto literário aquilo que separa na vida real”, não se “bor-

rariam as desigualdades” que caracterizam a sociedade brasileira (VASCONCELOS,

ibidem, p.119).

É possível que Rosa tenha atuado como um agente que, sem perceber, teria a-

proximado sertão e cidades por sua literatura, guarda-memória dos homens-memória

que escasseiam num sertão onde apenas “alguma coisa ainda se encontra”, como quer

Riobaldo. Daí, Rosa recolheria a força que, pouco a pouco, ia vitalizando sua obra lite- 17 A análise da Grécia Arcaica, realizada por Jean-Pierre Vernant, identifica as “solidariedades entre as

técnicas de rememoração praticadas” e a imagem que os homens conservavam da memória, sendo Mnemosyne a deusa que simbolizava o conjunto de operações mentais complexas da memória, que exi-giam treinamento e exercício. O autor acentua o valor dos processos de rememoração em “uma civili-zação de tradição puramente oral como o foi a civilização grega” (VERNANT, 1990, p.108) antes da invenção da escrita. A análise sugere, nos processos orais de memorização, os impactos provenientes da invenção e da difusão da escrita, assim como dos portadores da competência de escrever entre comuni-dades orais, competência que os credenciará como espécies de “homens-memória”. Para as conseqüên-cias da invenção da escrita para a memória, é interessante um dos diálogos entre Platão e Aristóteles, Fedro, exatamente sobre o que pode acontecer com a capacidade humana de memorizar se a escrita se difundir.

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rária. Ligada a um sentimento de missão, sua literatura pode ser vista como uma grande

obra, não só literária, mas ainda histórica e diplomática.

Escrevendo e publicando num contexto de formação de inventários e documen-

tários do Brasil rural, onde mesmo a produção fotográfica constituiu documentos e sé-

ries iconográficas sobre o Brasil sertanejo e folclórico, a literatura de Rosa também se-

ria um grande serviço de coleta de itens de tradições do sertão entendido como locus de

culturas autênticas populares: canoas e redes de pescar, violas e sanfonas, e danças, ca-

chaças, farofa, carne seca, quicés, taperas e casas-grande, festas, rodas de estórias, pilão

etc. É um conjunto apreciável de itens de cultura material e humana, num território geo-

gráfico repertoriado também, que vai sendo registrado – em palavras, sons e imagens -,

do qual a literatura de Rosa se torna uma espécie de acervo e coleção.

Os livros do “tempo das boiadas” – talvez mais Corpo de Baile e Grande Ser-

tão:Veredas do que Sagarana - valem como verdadeiros inventários de tradições, elen-

co de itens que compõem a cena típica da cultura sertaneja, lida e vista conforme as

condições históricas de meados do século XX brasileiro. Identificado por um vocabulá-

rio particular às nomenclaturas geológicas e geográficas, científicas ou não, o espaço da

página é preenchida por uma natureza prolífica, viva e exuberante, que se manifesta

como um quase-personagem, e por uma população de cujos costumes e modos se relata:

são formas de lutar, vestir, comer, crer, rezar, morar, curar, caçar, trabalhar, brincar,

festejar, dormir, transportar. (...) Mas Tio Terez, de bom coração, ensinou-o a armar urupuca para pegar passa-rinhos. Pegavam muitos sanhaços, aqueles pássaros macios, azulados, que depois soltavam outra vez, porque sanhaço não é pássaro de gaiola. (CG, p.466) (...) Aquele capim-marmelada é muito restível, redobra logo na brotação, tão ver-de-mar, filho do menor chuvisco. De qualquer pano de mato, de de-entre quase cada encostar de duas folhas, saíam em giro as todas as cores de borbo-letas. Como não se viu, aqui se vê. Porque, nos gerais, a mesma raça de bor-boletas, que em outras partes é trivial regular – cá cresce, vira muito maior e com mais brilho, se sabe; acho que é do seco do ar, do limpo, dessa luz e-norme. (GSV, p.24) (...) - “Tá aqui, toma ...” – ouvi. Era o Hermógenes, um taco de fumo me dando, que em forte cachaça ele tinha acabado de empapar. Era para se esfregar na

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cara e nas mãos. (...) E esfreguei bem. Ao que os mosquitos me deixaram de ferroar. Desde fiquei, pois então, me divertindo de beliscar a casca da almê-cega, aquela resina de ici-í. (GSV, p.134) (...) E já estavam arreando os cavalos, quando o Guegue aparecia, rico de seus movimentos sem-centro, saindo dos fundos de uma grave manhã: tinha esta-do a amarrar, por simpatia, um barbante na cerca da horta, para o chuchu crescer depressa; ele estava sempre querendo fazer alguma coisa de utilidade. (RM, p.638) (...) Enfileirada no adro, a turma dos Moçambiqueiros, completa, à luz da tarde. Da outra banda, a Guarda Marinheira, dava prazer ver o estique deles, cada um de queixo alto – nenhum não se ria. E já vinham chegando os Congos, a toque de rufo, pessoal do Tu e do Mascamole adiante. Aqueles ranchos todos porfiavam. E passavam muitas senhoras, levando para dentro suas crianças em branco, preparadas de virgens e de anjos. Só mesmo na hora em que os coroinhas do padre tangeram sineta, foi que esbarrou, a um tempo, de cá e de lá, o tungo e o vungo das caixas de couro. Ah, uma festa, com suas saúdes, era boa estância ... (RM, p.654) (...) Numa beira-d’água encontraram uma vaca javanês-castanha, deitada de ado-ecente. Delmiro tocou-a: ela andou um pedaço e tonteou e caiu. As mãos ti-nham amolecido, e ela parecia bêbada de cachaça. – “É erva!” – todos fala-ram. Ela ficou deitada, espichada, a barriga ia-se inchando. – “É erva-café. Olhem aqui”. E Lidebrando arrancava a uns metros, a plantinha da folha ver-de-escura. J’sé Jorgo mexia em seu chapéu um pouco de rapadura raspada, com terra de formigueiro e água, faziam a vaca engolir aquilo. Ali mesmo esbarravam para almoçar a paçoca das capangas. (LL, p.742) (...) Ia haver festa. [da inauguração da capelinha na fazenda da Samarra] Todos traziam sorrateiros o que devia ser de Deus. Ovos de gavião – cor em cor: agudos pingos e desenhos – esvaziados a furo de alfinete. Orquídeas mo-lhadas ainda do mato, agarradas a seus braços de pau apodrecido. Balaios com musgos, que sumiam vago incenso no seco das madeixas verde-velho. Blocos de cristais de quartzo róseo ou aqualvo. Pedras não conhecidas, mine-rais guardados pelo colorido ou raro formato. Um boné de oficial, passado um lação de fita. Um patacão, pesada moeda de prata antiga. Uma grande concha, gemedora, tirada com as raízes, vinda parar ali, tão longe do mar como de uma saudade. E o couro, sem serventia e agourento, de um taman-duá inteiro preto, o único que desse pêlo já se achara visto, e que fora matado no Dia-de-Reis. Apareceu mesmo um jarro de estanho, pichel secular, inex-plicável; e houve quem ofertasse dois machados de gentio, lisas e agumiadas peças de sílex, semelhando peixes sem caudas, desenterrados de um chão de um roçado montês, pelo capinador (...) Deixados para o leilão, prestavam, junto com um frango d’água sonolento – que um menino capturara à borda do brejo e atara pelos tarsos com fibra de buriti – e uma cabaça com mel de abelha urussu, docemente ácido, extraído de colméias subterrâneas. Assim a idéia da capela e da festa longo longe andava, de fé em fé, pelas corovocas da região. Manuelzão mesmo se admirava. (EA, p.544/545)

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(...) O almoço era farto, se comia pai-com-filho: angu-de-fubá e papas de fubá com carne de osso guisada; e cansanção – aquela urtiga verde-pato, verde bri-lhante, que ardia e servia também para se esfregar em peito de galo-capão, para que por precisão de neles se coçar ele aprendesse a agasalhar e criar os pintos, chocados por galinha. (LL, p.756) (...) E depois perguntava a Dona Rosalina o que era o amor – “O amor, minha fi-lha, é como essa estória, que eles dizem: que pé de coité, nascendo em quin-tal de fazenda, dá má-sorte... Mas que não se pode cortar, mas também não se pode deixar – de qualquer jeito que seja, fazenda que tem pé de coité dá atra-so, os donos da casa sofrem...” A Manuela era tão sadia, que a gente achava que ela devia de ter um cheiro gostoso. (LL, p.757) (...) E o chefe, tido tonto, se saía com tontices – perguntavam-lhe o que era a noi-te, e respondia: - “a noite é o que não coube no dia, até”. Não se importava com risos. Tinha suas penas próprias. Rejubilava-o o de comer. Quando vi-nha Tia Cló, com o bando de criadas e ajudadoras, serviam os pratos fundos repletos de borbulhante canjica – de leite, coco, queijo, manteiga, amendoim, com paus de canela nadantes. (BU, p.948)

O doutor de Grande Sertão:Veredas - que pratica o desenho, a escrita, a fotogra-

fia - indica as viagens de Rosa como viagens de caráter etnográfico, ao mesmo tempo

de conhecimento do homem sertanejo, registrando seus modos e costumes. Se o profun-

do e excepcional trabalho de Guimarães Rosa com a linguagem não deixa dúvidas quan-

to à natureza do projeto literário, a incidência e o registro de tópicos da cultura do ho-

mem brasileiro sertanejo na literatura rosiana induz-nos a pensar que ela não é só elabo-

ração – artística e interpretativa - mas também registro.18

Nas condições históricas brasileiras de meados do século XX, o processo de dis-

tinção entre relatos verdadeiros e fictícios - correlato da diferenciação entre literatura

de documentação e literatura de invenção - é acentuado pelo reforço de que “literatura

não é documento” e de que os estudos sociológicos não devem recorrer “aos exageros

18 Antes mesmo da invenção da imprensa, a leitura oralizada de textos manuscritos convivia com a leitura

silenciosa e visual de livros praticada pelos meios universitários nos séculos XIV e XV europeus. A “primeira ‘revolução de leitura’ da Idade Moderna” não foi uma mutação técnica, mas a que mudou a função do escrito, ocasião em que os livros para o trabalho intelectual substituíram os livros do modelo monástico de leitura, em que o escrito tinha “uma tarefa de conservação e de memória largamente dis-sociada de qualquer leitura” (CAVALLO; CHARTIER, 1998, p.27). Havia livros com a função de ape-nas registrar e armazenar.

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de certa literatura ficcionista, mas tão do agrado da maioria do grande público”.19 Mas a

literatura rosiana parece armazenar a memória de tradições ameaçadas, registrando em

livros que são verdadeiros documentos de modos de ser e de viver.

No sertão de Rosa, a cultura escrita aparece em forma de certidões, cartas-

patente, cartas de alforria, papéis velhos, recibos de preços. Tais papéis valem para ca-

racterizar tradições arcaicas pela força simbólica do escrito registrado em papel convi-

vendo num sertão modernizado por rádios, jeeps, caminhões, telégrafos, máquinas de

fotografar. Sertão para onde vai o mediador obrigatório Guimarães Rosa, que representa

a cultura escrita que os sertanejos não conhecem, cultura encarnada no livro moderno

que serve para reflexão e estudo e que fixa as histórias sertanejas pelas mãos de um

doutor da cidade, que é onde os livros são produzidos. (...) [Na fazenda dos Tucanos] Advindo que algum me trouxe mais papel, achado por ali, nos quartos, em remexidas gavetas. Só coisa escrita já, de tinta firme; mas a gente podendo aproveitar o espaço em baixo, ou a banda de trás, rever-so dita. Que era que estava escrito nos papéis tão velhos? Um favor de carta, de tempos idos, num vigente fevereiro, 11, quando ainda se tinha Imperador, no nome dele com respeito se falava. E noticiando chegada em poder, de re-messa de ferramenta, remédios, algodão trançado tinto. A fatura de negócios com escravos, compra, os recibos, por Nicolau Serapião da Rocha. Outras cartas... (GSV, p.132 – grifos nossos) (...)

[Ele vai a Lassance, a procura de] alguma velha, ou um velho, que da história soubessem – dela lembrados quando tinha sido menina – então a razão rastraz de muitas coisas haviam de poder me expor, muito mundo. Isso não achamos. Rumamos daí então para bem longe reato: Juramento, o Peixe-Cru, Terra Branca e Capela, a Capelinha-do-Chumbo. Só um letreiro achei. Este papel que eu trouxe – batistério. Da matriz de Itacambira, onde tem tantos mortos enterrados. Lá ela foi levada à pia. Lá registrada assim. Em um 11 de setem-bro da era de 1800 e tantos ... O senhor lê. De Maria Deodorina da Fé Bet-tancourt Marins – que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor... (GSV, p.374 – grifos nossos) (...) Demais, tendo conhecido o Neco, se lembrava de quando Neco forçou Januá-ria e Carinhanha, nas eras do ano de 79 e que esteve lá, com documento: “Es-tive lá, com carta firmada pelo Capitão Severiano Francisco de Magalhães, que era companheiro combinado do Neco”. E meu padrinho me mostrou um papel, com escrita de Neco – era recibo de seis ancorotes com pólvora e uma remessa de iodureto – a assinatura rezava assim: Manoel Tavares de Sá (GSV, p.88 – grifos nossos)

19 REIS, Arthur César Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. RJ: SIA, 1953. p.7. O livro pertence à coleção

Documentário da Vida Rural, mas o volume não existe na biblioteca de Rosa.

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(...) [no retiro do Valado] Por onde andaria o dono? Mas se ficou sabendo que o nome dele não era em verdade Abrão, mas Habão, que assim se chamava. Consoante o diploma de patente, que no chão, num canto, avistei, lavrado preenchido cerimonial, de que esse Habão era Capitão da Guarda-Nacional, em válidos títulos (GSV, p.301 - grifos nossos) (...) Hermógenes Saranhó Rodrigue Felipes – como ele se chamava; hoje, neste sertão, todo o mundo sabe, até em escritos no jornal já saiu o nome dele (GSV, p.308 – grifos nossos)

Como personagem de sua própria literatura e procedimentos de realização da o-

bra, Rosa e suas atividades literárias e artísticas não se destacam da categoria livro co-

mo materialização de uma inteligibilidade textual, assim como da condição de que sem

ele não há obra, nem diplomacia possível. A modernização brasileira disponibilizava

recursos e ferramentas técnicas, dividindo o trabalho e os papéis sociais, facilitando

apanhar e fixar as tradições imóveis, permanentes e perpétuas, que prefiguraram as na-

ções modernas num mundo em constante movimento. Essas tradições serão registradas

por recursos - primeiro a fotografia, depois o cinema e o rádio - e elaboradas em campos

de saber e ciência como a Etnografia, a Geografia, o Folclore, a História.

Talvez possamos retornar ao tema da brasilidade em Guimarães Rosa, relevando

sua letra literária como personagem de uma comunidade imaginária onde cabem todas

as culturas que compõem a comunidade real Brasil, culturas que confluem para o livro

que se realiza pelas mãos de um mestre escrivão, intermediário de mundos ora confli-

tantes, ora solidários. Figurado em arte, o Brasil desejado se encontra na literatura de

Rosa, que, por sua escrita e seu livro, fixa a importância das populações sertanejas para

uma grande ficção de nação brasileira, cuja condição é a autoridade do autor da obra

para intermediar culturas.

As sociedades ocidentais ingressaram na cultura escrita, garante Roger Chartier,

(1991) aprendendo que a escrita era capaz de criar solidariedades novas, diversas das

anteriores sociabilidades comunitárias, onde o escrito, muitas vezes, era visto como um

inimigo a combater. Mas, especialmente, as sociedades ocidentais ingressaram na cultu-

ra do escrito aprendendo que a escrita não era um enigma cuja decifração estava reser-

vada a alguns poucos. O Brasil está representado nas páginas da literatura de Guimarães

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Rosa, para onde o autor se desloca como se saísse da vida para entrar na grande ficção

que seus livros recobrem. Encarnado na figura de muitos personagens, Rosa se revela, e

revela as diversas atividades que envolvem a realização de sua letra e a realização de

seu livro, objeto sem o qual sua missão de diplomacia seria impossível.

Para ele, seu papel de escritor parece ter sido o de reverter a baliza euclidiana

que separava os escritores brasileiros entre os que viviam no “remanso das quadras ser-

tanejas” e os que viviam no litoral sob a “luz da cultura européia”. Para Rosa, compre-

ender a brasilidade talvez fosse, antes de tudo, aproximar-se do sertão como o “moço da

cidade”, que não pode deixar de compreender que saber e sabedoria não devem se sepa-

rar. É preciso, segundo ele, (...) aprender a reconhecer que a sabedoria é algo distinto da lógica. A sabedoria é saber e prudência que nascem do coração. Minhas personagens, que são sem-pre um pouco de mim mesmo, um pouco muito, não devem ser, não podem ser intelectuais, pois isso diminuiria sua humanidade (LORENZ, 1994, p.45).

A obra histórica de Guimarães Rosa inverte a viagem civilizatória dos homens

que iam ao sertão, no princípio do século XX, para educar e sanear o homem sertanejo,

vendo-os da perspectiva do mar: sua viagem ao sertão é a viagem de sua literatura. Ela

não é mais em direção à cidade, mas ao universo mítico rural, de onde se deve olhar o

resto do país. Rosa escolhe “olhar a cidade a partir do sertão, o desenvolvido a partir do

subdesenvolvido”, como compreende Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2006,

p.278). E ainda é histórica a obra do escritor, haja vista que acaba por interpretar o Bra-

sil sem os preconceitos de homens letrados com relação aos homens que não lêem e não

escrevem, valorizando-os. Como entende a pesquisadora de literatura Myriam Ávila,

“Guimarães Rosa é capaz de pôr em interlocução de igual para igual as formas eruditas

e populares de saber” (2003, p.539).

A “voz do povo” que, segundo Sandra Vasconcelos, “hoje anda invadindo as

ondas do rádio e arrombando a festa de bacanas”, em meados do século XX “só ocupa-

va uma posição marginal no cânone da cultura brasileira” (VASCONCELOS,

jan.jun.2006, p.118) e encontrou em Rosa um mediador. Na condição de diplomata e

escritor literário, Rosa pôde fazer suas viagens de volta ao sertão e produzir livros que

unificaram brasileiros nas páginas de sua literatura, disfarçando talvez - como quer San-

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dra Vasconcelos - as desigualdades históricas da sociedade brasileira. O que é fato que

não se deve desprezar.

Mas se assim o foi, a literatura de Rosa contém, no entanto, uma mensagem de

integração de mundos, para o que o escritor se dispôs como mediador. Na história brasi-

leira, foi sempre pelas mãos de “mestres da pena” do sertão, de homens-memória da

escrita, que os sertanejos puderam deixar registradas suas histórias. As memórias do

sertão e dos sertanejos se preservaram quando, escritas e fixadas nos livros, entraram

para o cânone dos livros sagrados pela via da consagração de textos de pensadores -

cuja pena sempre manteve viva a imagem do sertão e das desigualdades brasileiras em

nossos horizontes de pensamento e de idéias – e de artistas e escritores que se achavam

ilustres representantes do sertão, seus mestres da pena – e que talvez o fossem mesmo.

Em meados do século XX, Guimarães Rosa parece ter se disposto a agrupar ser-

tanejos brasileiros - do sertão e das cidades - numa grande obra de mediação de mundos

que faria história na história da literatura e da cultura brasileiras.

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Conclusão

Sertão, tudo certo, tudo incerto ...

A análise do diálogo de Guimarães Rosa com intérpretes do Brasil, suas trocas

intelectuais e artísticas mediadas pelo urbano, seu papel diplomático de “mediador da

pena” no sertão, a pluralidade de suas leituras, a maneira com que, na medida do possí-

vel, conduziu a composição de seus livros – tudo esteve desenvolvido aqui com o fim

de perceber como o escritor e sua obra conceberam o Brasil, acabando por emitir inter-

pretações sobre as heranças rurais e sertanejas da realidade histórica brasileira, e como

essas se relacionaram com as inovações artísticas e conceituais de uma época de moder-

nização e urbanização. Mesmo que compreender Guimarães Rosa como intérprete seja

arriscado, em vista do que o procedimento possa parecer distorção da atividade literária

– que não existe para marcar posições nos campos político, social e cultural – preferi-

mos identificar conexões do autor com temas e autores que marcaram a discussão sobre

o país, postulando que sua obra de literatura envolveu arte e pensamento, racionalização

– normalmente identificada a textos interpretativos – e intuição – normalmente identifi-

cada a textos artísticos.

Escritor literário e diplomata vinculado ao debate sobre o Brasil e o mundo nu-

ma conjuntura de confrontos político-ideológicos de meados do século XX, Guimarães

Rosa desenvolveu sua literatura num contexto de incremento dos transportes e das co-

municações que modificou os processos de integração territorial do país, em função do

que novos termos e sujeitos sociais passaram a compor as elaborações artísticas e inte-

lectuais que sempre marcaram, no debate público, a discussão sobre o país dividido en-

tre o sertão e litoral.

Em torno do crescimento da indústria editorial brasileira e do alargamento do

público leitor em vista do crescimento das cidades, já desde os anos 1930, Guimarães

Rosa foi artista que viveu a conjuntura de modernização do Brasil de meados do século

XX, executando sua arte em meio a um ambiente intenso de trocas e de gradual separa-

ção entre atividade do pensamento e atividade da arte em áreas distintas de atuação.

Observamos diálogos entre o autor, sua literatura, a sociedade, a cultura e textos de sua

época, no suposto de que seu diálogo com diversos textos sobre o país – escritos, imagé-

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ticos, radiofonizados – teria sido uma troca entre interpretações e modos de entendimen-

to do Brasil.

Apuramos como o debate de idéias sobre o Brasil e o mundo - e a colocação

dessas idéias em material publicável - repercutiu nas elaborações textuais que a literatu-

ra rosiana mobilizou como concepção do país. A fim de avaliar a relação do escritor

com as condições históricas de realização de sua literatura, pesquisamos, principalmen-

te, seus livros e arquivo pessoal, averiguando fatores da ordem dos materiais e agentes

culturais que publicaram sua obra, da ordem das elaborações discursivas com que se

interpretavam o país e fatores da ordem artística com que, escritor, Rosa elaborou, sob

determinada forma, sua visão de Brasil organizada segundo enredos literários.

Ao localizar os livros de Rosa numa linha da história da edição no Brasil, parti-

mos do princípio de que textos vão em livros e vinculamos os textos interpretativos so-

bre o país com a realidade dos materiais que os publicavam. Os anos em que Rosa es-

creveu e publicou seus textos literários conformaram uma época de expansão do debate

sobre o Brasil ampliado pelo crescimento da indústria de livros, quando um extenso

corpus de material de publicação de textos dava materialidade à construção imaginária

do país.

Num contexto em que livros não se limitam a palavras, ler não se limita a inter-

pretar textos, e sons e imagens publicadas em produtos editoriais conferem ao conheci-

mento uma dimensão visual e auditiva, as atividades desenvolvidas por Guimarães Rosa

até chegar a seus textos - seu diálogo com os prosadores que analisaram o Brasil e a

profunda capacidade de sua literatura de transitar entre códigos e signos - faz-nos per-

guntar sobre o caráter artístico de todo conhecimento e o caráter interpretativo de toda

arte. Algo do plano da arte parece se imiscuir no conhecimento interpretativo sobre o

Brasil, por mais que nossas categorias epistemológicas separem tão rigorosamente arte

de pensamento, História de Literatura, deixando tudo certo, tudo incerto, como Riobal-

do caracteriza o sertão ao doutor que vai entrevistá-lo em Grande Sertão:Veredas.

Os estudos que tomam Os Sertões como livro de literatura e Grande Ser-

tão:Veredas como ensaio social são questionados por autores do campo literário, os

quais entendem que, ao fazer assim, o procedimento analítico repete as concepções de

crítica do século XVIII, que não reconhecia a singularidade artística da Literatura, igua-

lando-a a História (LEONEL;SEGATTO, 2007), em função do que os livros de Eucli-

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des da Cunha e Guimarães Rosa ficam assemelhados. Mas o conjunto de leituras de

Rosa, seu diálogo com prosadores do Brasil, deixa a dúvida se sua literatura não está, de

alguma forma, atravessada pela reflexão social que, durante boa parte do século XX,

ainda marcou a composição literária no Brasil, sem que isso tenha feito menos artística

e literária a literatura rosiana, de extraordinária virtude lingüística e poética.

Como tentamos apontar ao longo da tese, a literatura de Guimarães Rosa se nu-

triu de trocas eruditas com intérpretes-prosadores do Brasil, e perguntamo-nos se é pos-

sível separar arte e pensamento de forma tão taxativa, se ambas as atividades exigem

imaginação e os textos interpretativos são artefatos literários pelo que enredam os fatos

da história e lhes dão sentido do mesmo modo que os escritores de literatura o fazem

quando escrevem seus textos.1 Em vista disso, experiência com textos interpretativos

talvez seja experiência estética também, se cogitarmos de que nenhuma experiência com

textos literários seja livre o bastante a ponto de imaginar que as vicissitudes sociais não

interfiram na recepção do que o leitor lê.

Em meio a tantos textos disseminados sobre o sertão - lidos e vistos em diversos

suportes, escutados - perguntamo-nos se a experiência do leitor com os textos de Rosa

se descola das mediações que os textos de diversos prosadores-intérpretes escreveram

do sertão do Brasil. Ao longo da história, provavelmente o sertão interpretado se pene-

trou das literaturas e das artes que figuravam o Brasil e a atividade artística das ativida-

des interpretativas que pensavam o Brasil.

As interpretações do Brasil de meados do século XX parecem ter sido afetadas

pela mediação do material em que se publicavam, pela incorporação de artistas ilustra-

dores ao livro, o que pôde ter conformado uma apreensão estética das realidades históri-

cas. Ao tratar de topos tão desenhados – o sertão, os engenhos do Nordeste, o Brasil

pastoril, o Brasil do Sul, o Brasil das Minas de Ouro, fazendas de gado no Pantanal, a

Amazônia etc. - indagamos se o processo de interação entre livros de arte e livros de

idéias não é definido por um critério racionalista em que pensamento e arte são separa-

dos, classificados e qualificados, ocultando suas íntimas relações.

O sociólogo Gilberto Freyre é um dos prosadores do Brasil presentes na biblio-

teca de João Guimarães Rosa, e não bastasse Freyre desenhar para a ilustração de seus

livros, podemos pensar em que teriam afetado a elaboração e a recepção de suas idéias 1 A expressão “artefato literário” está em O texto histórico como artefato literário, in: WHITE, Hayden.

Trópicos do Discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura. 2ª ed. São Paulo: EdUSP, 2000. p.97-117.

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sobre a história brasileira os magníficos desenhos das fazendas do litoral canavieiro

feitos por ilustradores de seus livros - Lula Cardoso Ayres, Cícero Dias, Vicente do

Rego Monteiro e Manuel Bandeira. Ao analisar a separação entre Ciência e Arte na evo-

lução da ciência no ocidente moderno, o historiador Durval de Albuquerque Júnior en-

tende que a ciência (...) se caracterizaria por esta prática de purificação, pela rejeição de aceitar as misturas, as superposições, as mestiçagens. No ato de conhecer se advoga a existência de duas instâncias puras, autônomas e preexistentes à própria prá-tica de conhecimento, o objeto e o sujeito (...) (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p.22/23).

O atributo de “visual” com que Guimarães Rosa auto-qualificava sua literatura

provém das imagens que lhe educaram para a visualização de seu motivo literário serta-

nejo. Sua habilidade visual enseja indagar de suas vinculações ao debate sobre o Brasil,

através da observação dos conteúdos e das formas de textos e livros de seu tempo histó-

rico, questionando se pensamento e arte se separam tanto, afinal a indústria de edições

que na história brasileira incorporou o ilustrador ao livro de literatura é a mesma que

incorporou o ilustrador ao livro de interpretações do Brasil, com artistas e intérpretes

transitando entre idéias e figurações impressas em livros que ofereciam ao leitor a vi-

sualização imaginária de seus conteúdos.

No livro Nordeste, de Gilberto Freyre, publicado em 1951, existente na bibliote-

ca de Rosa, as marginálias de Rosa indicam a atenção ao tratamento interpretativo das

fazendas brasileiras do Nordeste, mas o livro como publicado sugere mais ainda: para

Rosa, o sentido da história do patriarcalismo e da escravidão brasileiras talvez não se

destacasse da forma como os acontecimentos e personagens foram dados a ver no livro.

A virtude e a beleza dos acontecimentos da história do patriarcalismo brasileiro das ca-

sas grandes do Nordeste - onde havia felicidade e onde em nenhuma outra experiência

escravista na história os escravos haviam sido tão bem tratados, de acordo com elabora-

ção freyriana consagrada – estão materializadas em imagens ilustrativas de Lula Cardo-

so Ayres e Vicente do Rego Monteiro, e os desenhos criam a realidade de beleza pelo

sentido de beleza conferido ao sistema social pela arte dos desenhos dos ilustradores.

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Se Rosa participou do debate sobre o Brasil, sua figuração da comunidade ima-

ginada brasileira parece ganhar sentido se vista pela perspectiva não só da arte, mas das

idéias publicadas em forma de livros que são artísticos. Tendo em vista suas trocas ima-

ginativas feitas em leituras sobre o Brasil e na interlocução com homens de idéias, por

que o próprio Rosa conseguiu sugerir que arte e pensamento, História e Literatura, se

separavam com tanta certeza? Sua literatura, para crescer e amadurecer ao longo de trin-

ta anos, interagiu com livros e com a crítica literária, por mais que a impaciência do

escritor para com grande parte dela pudesse dar a entender o contrário.

Foi assim que examinamos o diálogo de Rosa com as idéias textuais correntes

sobre o Brasil, mediadas pelos livros que as publicavam, avaliando se as elaborações

imaginárias do universo rural e sertanejo do país feitas pelo escritor teriam sofrido o

impacto das idéias em voga e das formas de composição de livros num dado momento

da história editorial brasileira. Numa época de crescente indústria editorial nas grandes

cidades do Brasil, quando o país estava representado em material publicável que o re-

partia em regiões por ícones imagéticos e imagens que as identificavam sem precisar

dizer palavras, as regiões deixavam de ser espaços territoriais para se tornarem operado-

ras de publicações, à medida que elas motivavam a edição de livros, revistas, filmes,

músicas e canções. Lido em sua biblioteca, ouvido pelo rádio, visto no cinema, o Brasil

figurado de Rosa talvez contenha atributos expressivos resultantes da interação cultural

de códigos e signos que, provavelmente, marcou a cognição artística e interpretativa de

homens de arte e de pensamento.

Como desdobramento dessas reflexões, perguntamos se a sonoridade e a visuali-

dade da literatura de Rosa - temas pertinentes às análises da Crítica de Literatura - não

poderiam ser abordadas como recurso de registro cultural visando à memorialização e

aos processos de invenção de coleções em um patrimônio.

Sons, músicas, fotografias, quadros, indicam o quanto uma sociedade manifesta

seus costumes, crenças e modos, como indicam a forma com que ela pode se fixar e se

fazer inventariar, e inventar-se, pelos recursos de gravar, fotografar, filmar, pintar e pu-

blicar a si própria, criando e fixando as tradições que lhe servem de indicadores de pas-

sado e permanência. A sonoridade e a visualidade da literatura de Rosa poderiam ser

vistas pelo que recolhem de músicas, danças, festas de uma população num território de

geografia, de paisagens e de seres que têm vozes e sons que registram e fixam a região

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sertão do Brasil no mapa do país, sertão dado a ler, ver e ouvir pelo avanço da produção

gráfica e de radiodifusão de meados do século XX brasileiro.

Com o fim de explicar o que designa como “a invenção do Nordeste”, o histori-

ador Durval Muniz de Albuquerque Júnior historia as mudanças no regionalismo brasi-

leiro dos anos 1920, comparando-o ao regionalismo do século XIX, que considerava os

diferentes espaços do país como o “reflexo imediato da natureza, do meio e da raça”

(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006, p.41). Para o autor, o nacionalismo vai, na década

de 1920, acentuar o conhecimento do país por suas particularidades regionais e as regi-

ões passaram a ser como cristalizações, já que “aprendemos a viver por imagens. Nos-

sos territórios existenciais são imagéticos” (ibidem, p.27). Os livros de Rosa publicados

pela Livraria José Olympio Editora contêm feição editorial e imagética articulada aos

desenhos dos ilustradores Tomás Santa Rosa, Luiz Jardim e Poty Lazaroto, que faziam

corresponder a seus desenhos-ícones a região sertão de Rosa. As publicações de literatu-

ra da Livraria José Olympio Editora e de outras editoras que publicaram as palavras dos

debates e da literatura sobre o Brasil agregavam ao livro um conjunto de imagens de

seus ilustradores artistas-plásticos que faziam imaginar o país, um processo do qual Ro-

sa participava com sua palavra, eventualmente com alguns desenhos.

A tradicional dicotomia interior-litoral, igualada ao autêntico-artificial que en-

volve a relação sertão-cidade, conta, a partir de certo momento histórico, com recursos

que não só “dão a ler” o sertão, mas que também o “dão a ver”. Reforçando a condição

do sertão como locus do belo e do maravilhoso – já detectado por Rosa na leitura da

literatura de viajantes - a inovação iconográfica agregou ao aspecto dramático das secas,

da pobreza e da miséria um componente de arte e estetização que impactou a percepção

sobre a região como locus terribilis. O impacto dessa consideração na formulação de

uma cultura brasileira talvez se exprima no que Riobaldo percebe no senhor com a má-

quina fotográfica, que “quer aproximar a natureza”, e ver, tal como Sinhá Linda – de A

Estória de Lélio e Lina - “tantas coisas de vista” que há no sertão. Perguntamos se a arte

não interfere sobre os termos com que o sertão é discutido, revalorizando no debate de

idéias sua natureza física, humana e cultural pelo que se lhe agrega da beleza das elabo-

rações artísticas.

Examinamos, ainda, as viagens de Rosa, suas vinculações com os livros e seu

projeto literário e diplomático.

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A partir das características dos livros e das marcas deixadas pelo escritor nos li-

vros de sua biblioteca, averiguamos se suas elaborações ficcionais não estiveram infor-

madas por suas viagens ao interior do Brasil de meados do século XX, tomadas como

integrantes de um movimento de registro e construção textual, sonora e iconográfica do

país que estava sendo dado a ler, ouvir e visualizar. O movimento de visualização pro-

vocado pela publicação de imagens que tentavam construir o Brasil por desenhos e fo-

tografias é o mesmo que, com as Artes Plásticas, ia compondo imagens do sertão brasi-

leiro em capas e interior de livros, desenhos expressivos de suas regiões. Aliadas a exis-

tência de muitos livros de Artes Plásticas dentro da biblioteca de Rosa, muitas das mar-

cações do escritor em seus livros apontam para o recorte de passagens que servem para

a colocação estética do Brasil em imagens, ora com menções à natureza como grande

pintura, ora como chapa fotográfica.

Combinando antigas tradições artísticas e interpretativas com equipamentos e

práticas culturais novas de uma época de modernização, Rosa, parece-nos, acabou por

figurar os conflitos e solidariedades da vida coletiva brasileira.

Sua literatura se fez por trocas textuais colhidas no seio de uma erudição reco-

nhecida pelo livro que a simbolizava e por trocas possibilitadas por recursos novos de

uma sociedade em modernização que vai sedimentando, pouco a pouco, hábitos e práti-

cas que não têm o escrito e nem o livro como centro de convergência, e nem a erudição

como índice. O livro como fim que esteve no centro da carreira literária de Rosa refere-

se a uma tradição que o escritor encarnou para executar sua missão, mas que ele identi-

ficou como uma forma, entre outras, de a cultura se manifestar. Quando Rosa disse que

os sertanejos não souberam deixar escritas suas histórias, ele falava de livros, e o escrito

é tomado como a posse simbólica de um poder de fixar que a palavra oralizada dos ser-

tanejos não podia fazer. O escrito no livro é a garantia da preservação das tradições, que

serão lidas na cidade, mas no sertão da literatura de Rosa o livro praticamente não exis-

te.

Num país clivado entre homens de livros cultos e homens sem livros, carente de

uma escolarização que reforça a separação entre quem se diz “culto” e “inculto”, a lite-

ratura de Rosa parece ratificar essa separação, ao mesmo tempo sugerir que os saberes

existem de várias formas, e que sabedoria e conhecimento são modos de apreensão do

mundo e da vida que envolvem formas de conhecer desiguais, dignas e valorosas. Ja-

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gunço analfabeto, sem nunca ter lido um livro, João Goanhá é cheio de idéias que às

vezes surpreendem Riobaldo: (...) Ah, mas João Goanhá também tinha suas cartas altas. Homem de grito gros-so. E, mesmo ignorante analfabeto, de repente ele tirava, sei não de onde, ter-ríveis mindinhas idéias, mortes diversas (...) (GSV, p.48).

A Europa do século XIX - onde houve um processo de desenvolvimento da alfa-

betização desigual baseado na escolarização universal – talvez sirva para uma analogia

com o Brasil de meados do século XX.

A difusão desigual da competência de saber ler e escrever e das práticas escritas

determinou alguns processos de privatização, novas sociabilidades e conferiu poder

àqueles que sabiam ler e escrever; ler é subtrair-se às coações comunitárias e ao controle

do grupo social, ler e escrever permitem novos modos de relação com os outros e com

os poderes, e ler e escrever suscitam novos convívios mediados pelo escrito. O indiví-

duo se emancipa de formas tradicionais de existência que o ligavam estreitamente a sua

comunidade, mas a situação histórica do indivíduo que não tem a escrita, em sociedades

mediadas por textos escritos, implica que ele passe a depender de “mediadores obrigató-

rios” que o conduzam ao entendimento das determinações de autoridades, feitas, cada

vez mais, através de textos escritos.

A relação entre Riobaldo e o doutor da cidade em Grande Sertão:Veredas é re-

veladora de tensões e emana de uma situação em que o eu-personagem Guimarães Rosa

é um desses “mediadores obrigatórios” do acesso de Riobaldo à cultura escrita.

O doutor não nomeado no romance é o mediador obrigatório do acesso do ja-

gunço à cultura escrita porque ele tem o livro, e, por sua vez, Riobaldo é o mediador do

acesso do doutor ao Brasil sertão tomado como originalidade e autenticidade, porque

sua voz é que vai fazer o doutor saber o sertão original. Guimarães Rosa é o mediador

obrigatório entre Riobaldo e o doutor da cidade. Seguindo Petrucci, Rosa está em conta-

to, de um lado, com as instituições e o produto da cultura das elites, e de outro com as

“massas não-alfabetizadas” do mundo rural brasileiro (PETRUCCI, 1988). Mediado por

livros, e talvez por uma definição de literatura como prerrogativa de sua autoridade di-

plomática, o projeto literário e de ação de Guimarães Rosa talvez tenha incorporado

uma tentativa de definição de brasilidade e de reflexão sobre as desigualdades da reali-

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dade brasileira, onde os homens sem letra só se dignificam pela mediação da pena de

homens cultos. “Sua alta opinião compõe minha valia”, afirma Riobaldo para o homem

que anota suas histórias. Em outras palavras: a interpretação do Brasil por um jagunço

só é possível porque feita pelas mãos de um intérprete autorizado, que escreve e publica

o relato do homem do sertão.

Por que Rosa um “autor do sertão”? O sertão é sua livre escolha literária ou é o

resultado de uma herança, de uma inserção? Indagamos se o sertão é um motivo ou uma

categoria de sua literatura colhida no bojo de um extenso debate sobre o Brasil do qual

Rosa participou com sua arte literária, sertão categoria que supõe suas viagens, que o

conduz aos sertanejos e que o coloca no centro dos debates sobre o Brasil. Por que não a

literatura de Rosa com um lugar na pauta de discussão sobre o que é o Brasil, o que so-

mos, quem somos, para onde vamos, nos moldes com que se fazia em meados do século

XX? A arte literária de Rosa gira de fato em torno dos debates interpretativos sobre o

Brasil, com o qual o escritor dialoga? Ou não podemos afirmar assim, porque a classifi-

cação com que separamos arte de pensamento não nos deixa pensar assim?

Constituídos no processo de expansão da indústria editorial brasileira de meados

do século XX, os intérpretes do Brasil que rediscutiam o lugar dos sertões em longa

tradição interpretativa estavam mediados pela colocação do sertão em arte figurativa,

pictórica, fotográfica publicada em livros. Indagamos se o sertão de Rosa não foi o ser-

tão que lhe constituiu em autor, sertão grande espaço discursivo criado antes de Rosa

por todos os sujeitos que o puseram em idéias ou arte. Sertão que, inscrito no texto, ex-

terior e anterior ao autor, lhe conferia autoridade e estatuto social que lhe garantia exe-

cutar sua missão diplomática pela via da literatura. O sertão do Brasil, em meados do

século XX, precisa de um “mediador da pena” num momento histórico em que o sertão

“quase já não há mais”, como diz Riobaldo.

Indagamos, ainda, se a “língua de Guimarães Rosa” não ajudou a criar o espaço

discursivo sertanejo em que o “vaqueiro escritor” Guimarães Rosa - como ele mesmo

costumava dizer – pôde ser quem foi. A língua é o “teatro de operações” (BARTHES,

1992) ou uma categoria operativa que, motivando a aproximação de Rosa aos homens

sertanejos por um gesto diplomático, inventa a originalidade do sertão manifestada nu-

ma língua purificada, não contaminada pela linguagem corrente de um tempo de auto-

matismos e artificialismos?

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Profundo trabalho sobre o idioma, objeto de relação viva, a “língua de Guima-

rães Rosa”, parece-nos, não deixa de ser um operador que fixa no papel as vozes dos

sertanejos que não têm onde se fixar, vozes que não serão ouvidas uma vez fixadas na

folha, mas que são a língua-categoria que emoldura a inscrição social discursiva do es-

critor diplomata Guimarães Rosa na história da literatura brasileira. Uma obra civiliza-

tória, talvez. Ou que repõe, seguindo Bolle, os termos do pacto de fundação do projeto

civilizatório brasileiro (BOLLE, 1997-98). Uma obra literária e artística que vive de um

paradoxo: o de que escreve sobre o sertão e cuja condição de existência é que o sertão

nunca consiga lê-la.

Como já tivemos oportunidade de dizer – e o leitor poderá verificar ao final des-

sa tese em anexo - a pesquisa na coleção de livros e de marcas na biblioteca de Guima-

rães Rosa acabou por vinculá-lo, intimamente, a uma visão de Brasil marcada por uma

transição: a de um país de patriarcas e de fazendas da história rural brasileira - cuja vida

econômica se organizava em torno de relações compulsórias de trabalho e de rios por

onde escoava a produção econômica – para um país em que o crescimento moderno das

cidades não extinguiu o legado de hábitos e modos de fazer e pensar do universo serta-

nejo, mas que com ele conviveu e se combinou. Maleita, de Lúcio Cardoso, publicado

em 1953, e Além dos Marimbus, de Herbert Sales, de 1961, são livros literários profu-

samente marcados por Rosa. Ambos são histórias de épocas de modernização do Brasil,

e suas tramas se desenvolvem em torno de rios que trazem e levam os personagens na

cena literária.

Além dos Marimbus conta a história de um madeireiro que procura terras flores-

tais na Bahia atravessando rios a canoa e barcos e Maleita a história da urbanização da

antiga Vila de Pirapora, a beira do São Francisco.

(...) Tudo como antigamente. O balcão grosseiro coberto com chita vermelha, os canecos de folha brilhando no canto da prateleira. Dos lados, os lampiões de ferro velho, com os desenhos cheios de teias de aranha, o do lado esquerdo, junto a uma estampa desfigurada de São Sebastião de Pirapora. Os garrafões de cachaça por cima das tábuas toscas, alguns em cestas de palha trançada por caboclos (CARDOSO, 1953, p.222).

Nas duas histórias, as tramas giram em torno dos conflitos criados pela presença

do elemento estrangeiro que chega para modificar antigos hábitos e negócios em reali-

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dades sertanejas locais e isoladas. Pela valorização de determinados livros de sua biblio-

teca, pela identidade que estabelece com eles, Rosa vai deixando escapar seu ponto de

vista, senão da história, dos dilemas que se colocam para todas as realidades em perío-

dos de transição. Numa marca – talvez a única - a que poderíamos propriamente chamar

de “historiográfica” em livros de sua biblioteca, em História da República - 1889-1930,

de José Maria Belo, Guimarães Rosa revela sua percepção da transição brasileira: (...) O deslocamento do centro econômico do Brasil dos engenhos do Nordeste para as fazendas do sul, se não afetou desde logo o tipo social dominante, a-briu novas perspectivas à técnica do trabalho rural. Na província do Rio de Janeiro e no vale paulista do Paraíba, a terra e o escravo continuavam a con-fundir-se como em Pernambuco e na Bahia. Entretanto, quando o café mar-cha do norte para o oeste de São Paulo, encontra o trabalho livre do novo co-lono italiano, como vitorioso concorrente do serviço compulsório do escravo. Lavouraria em plena ascensão, o café não tem mais interesse econômico em cingir-se ao mesquinho rendimento do trabalhador negro do eito, disciplinado pelo chicote do feitor e retribuído em espécie pelas cozinhas das casas gran-des, como se verificava tradicionalmente no Norte e no Rio de Janeiro (...) (BELO, 1952, p.70 - Rosa marcou e sublinhou o trecho)

No debate público brasileiro, o tema dos sertões como organizador de certa

perspectiva interpretativa do Brasil e das características de sua modernidade está bastan-

te representado pelos títulos de livros existentes na biblioteca de Rosa. A relação de sua

literatura com a tradição interpretativa dos sertões na história do Brasil se deu pela leitu-

ra significativa de livros exemplares dessa tradição.

O exame dos livros lidos por Rosa e de seus livros autorais apresenta dados per-

suasivos sobre o procedimento que sua literatura teria realizado de recolher no corpus

das obras canônicas sobre o Brasil acontecimentos e processos históricos da formação

do país que seriam transformados dentro de sua literatura. Procedimento que contribuiu,

em forma de arte, na figuração de um país para cuja reflexão os livros literários e os

escritores tinham – e ainda têm - o que dizer. Se Rosa fazia questão de não expor regu-

larmente seus posicionamentos sobre a relação entre escritor e realidade social, sobre

política, sociedade e cultura brasileiras, isso não significa que ele não os tivesse. Numa

das muitas marcações que fez no livro de Celso Kelly - Liberdade e Paz: escritores a

seu serviço, publicado em 1959 - Rosa assinalou o que pensava sobre a função social do

escritor:

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(...) Não há mais guerra entre nações. Nem se confinam entre exércitos. São de ideologias, de interesses econômicos e de supremacias estatais as guerras que ameaçam o mundo. Ameaçam em termos de pavor. E, contudo, na história da cultura, as ideologias acusam impérios tão transitórios; na economia, os inte-resses mudam tão depressa (...) O que alimentam as guerras – os desajusta-mentos mundiais – é que reclama do escritor sua reflexão e sua pena (KEL-LY, 1959, p.15 - Rosa sublinhou o trecho).

Se a leitura de Os Sertões feita por Rosa guarda uma vontade de esquecimento -

como vimos pelo argumento do pesquisador Willi Bolle - não podemos deixar de per-

guntar: por que Os Sertões? No exemplar de sua biblioteca, Guimarães Rosa assinalou e

sublinhou uma das passagens do livro de Euclides da Cunha mais definidoras do caráter

do livro como pensamento sobre os dilemas brasileiros enfrentados durante as tentativas

históricas de institucionalização da vida republicana no país no fim do século XIX.

(...) Era justo; era absolutamente imprescindível. Os sertanejos invertiam toda a psicologia da guerra; enrijavam-nos os reveses, robustecia-os a fome, emper-denia-os a derrota. Ademais, entalhava-se o cerne de uma nacionalidade. A-tacava-se a fundo a rocha viva da nossa raça. Vinha de molde a dinamite... era uma consagração (CUNHA, 1946, p.597 - Rosa marcou e sublinhou o trecho).

Lançando sua marca sobre Os Sertões em trechos que, desde sempre até hoje, os

intérpretes do Brasil apontam como capitais da concepção do país mobilizada por Eu-

clides da Cunha, Rosa reforçava sua inscrição na dicotomia sertão-litoral encontrada em

livros da tradição interpretativa brasileira, e mais ainda: não deixava dúvidas sobre o

fato de que suas preocupações artísticas misturavam tentativas de definir uma identida-

de coletiva correlata a sua visão de Brasil. “Mundo muito misturado”, afirma o jagunço

Riobaldo. Passível de apropriações múltiplas, a afirmação é multivalente: numa de suas

acepções, ela pode se referir ao fato de que literatura e interpretação têm o que trocar,

que arte e pensamento não se separam radicalmente, como quer nos fazer crer a história

da evolução da ciência no Ocidente moderno.

Dessa maneira, por palavras postas na boca de seus personagens - que sempre

eram um “pouco muito” dele mesmo - Rosa deixava desconfiar de como atuou na histó-

ria brasileira interpretada na trama de suas histórias, dialogando com homens cultos e

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sertanejos, diplomaticamente mediados por ele. Enredando personagens e acontecimen-

tos urdidos numa imaginação criativa que figurava os impasses e dilemas brasileiros, a

literatura de Rosa enriquecia não só o patrimônio literário e cultural do Brasil, mas tam-

bém o debate em torno do lugar e do valor a ser dado ao sertão no futuro do país. Fa-

zendo assim, sua prosa poética propunha mais: uma interpretação do país que não des-

denhasse da sabedoria sertaneja e a consideração da literatura como material que formu-

lava elaborações pertinentes sobre realidades vividas fora da vida dos textos e dos li-

vros.

Em forma de figuração literária, Rosa acaba por conceber o Brasil conforme dis-

põe personagens e acontecimentos em enredos literários que dão sentido e conferem à

realidade narrada dos escritores uma veracidade particular que, muitas vezes, esclarece

a realidade da vida vivida fora dos textos. Diferenciada das narrativas de intérpretes da

realidade, que têm como leitmotiv explicações demonstráveis da realidade humana e

social, as narrativas literárias propõem aos fatos e acontecimentos da realidade constru-

ída dos textos sentidos e significados de que se valem muitas vezes os intérpretes para

compreender a história.

Intérprete do Brasil, cioso de que sua literatura não podia ser, jamais, confundida

com documento histórico, categórico ao afirmar que o “aspecto documentário” de seus

textos era apenas “subsidiaríssimo”, assim o fazendo Guimarães Rosa enuncia uma cer-

teza irrefletida: a que postula uma rigorosa separação entre Literatura e História, entre

interpretação e arte.

Foi questionando essa certeza, desconstruindo e datando sua validade, relativi-

zando a história como construção imaginária, que pudemos chegar à conclusão de que,

plena de poesia, a literatura rosiana compreende o Brasil numa comunidade imaginada,

oferecendo-nos uma interpretação razoável e pertinente de seus conflitos, dramas e soli-

dariedades.

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• PONTUAL, Roberto. Dicionário de Artes Plásticas no Brasil. RJ: Ed. Civilização

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• REIS, José Carlos. Teoria e História da “Ciência Histórica”: tempo e narrativa em

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lio Vargas, 1999. 280 p. • RICOUER, Paul. A história e a narrativa. In: ______ . Tempo e narrativa. Campi-

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• ROCHA, João Cezar de Castro. Teoria da Ficção. Indagações à Obra de Wolf-

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cultura popular no século XVIII. SP: EDUSP, 2004. p.267-308. • RONCARI, Luiz. O Brasil de Rosa (mito e história no universo rosiano). O amor

e o poder. SP: Ed.UNESP, 2004. 384 p. • ROSA, João Guimarães. Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bi-

zarri. 2ª ed. São Paulo: T.A.Queiroz, Editor; Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1981. 147 p.

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267

• ROSA, João Guimarães. Correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason (1958-1967). RJ, Nova Fronteira; BH, Ed. da UFMG, 2003. 446 p.

• ______ . Ooó do Vovô: correspondência de João Guimarães Rosa, vovô Joãozi-

nho, com Vera e Beatriz Helena Tess, de 1966 a novembro de 1967. SP: EdUSP; BH; Ed.PUCMinas, 2003. 69 p.

• ______ . Em memória de João Guimarães Rosa. RJ: José Olympio, 1968. 256 p.

• ______ . Diadorim. Roman. Paris: Albin Michel, 1991. 503 p.

• ______ . Obra Completa. RJ: Ed. Nova Aguilar, 1994. 2v.

• ______ . Ave Palavra. 2ª ed. RJ: José Olympio, 1978. 248 p.

• ______ . Corpo de Baile. Sobre a Obra. RJ; Editora Nova Fronteira, 2006. 27 p.

• ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos. RJ: Nova Fronteira, 1983. 278 p.

• ROSE, Jonathan. Rereading the English Common Reader: a preface to a history of

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• ROSENFIELD, Kathrin Holzermayr. Reflexões em torno do Grande Ser-

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• ROUILLÉ, André. La Photographie. Entre document et art contemporain. Paris:

Editions GAlimards, 2005. 704 p. • SALIBA, Elias Thomé. Aventuras modernas e desventuras pós-modernas. In:

PINSK, Carla Bassanezi; DE LUCA, Tânia Regina. O historiador e suas fontes. SP: Contexto, 2009. p.309-328.

• SANTA ROSA, Tomás. Roteiro de Arte. RJ: Departamento de Imprensa Nacio-

nal, Ministério da Educação e Saúde. 1952. 47 p. (Col. Os Cadernos de Cultura). • SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa: ensaios sobre questões político-

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268

• SANTOS, Pedro Augusto Gomes. A classe média vai a paraíso: JK em Manche-te. POA: EdiPUCRs, 2002. Coleção Comunicação 23. 111 p.

• SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino da Comarca

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• SCARPELLI, Marli Fantini. (Org.). A poética migrante de Guimarães Rosa. BH:

Ed. UFMG, 2008. 448 p. • ______ . Guimarães Rosa no 50º de Grande Sertão:Veredas. Revista O Eixo e a

Roda. Revista de Literatura Brasileira. Especial Guimarães Rosa. FALE-UFMG. v.12, 2006, p.33-53.

• ______ . Guimarães Rosa. Fronteiras, Margens, Passagens. SP: Ateliê Editorial;

Ed. SENAC, 2003. 292 p. • ______ . Primeiras Estórias: Margens da História. Revista do CESP. v.22, n.30,

jan.jun.2002, p.49-66. • SCHWARZ, Roberto. Grande Sertão: a fala. In: ______ . A sereia e o desconfia-

do. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 1965. p.23-27 • SEGALA, Lygia. Arquivo e Coleção Fotográfica. In: ANGOTTI-SALGUEIRO,

Heliana (Org.) O olho fotográfico – Marcel Gautherot e seu tempo. SP: FAAP, 2007. p.169-177.

• ______ . Patrimônio histórico, artístico e cultura material. In: ANGOTTI-

SALGUEIRO, Heliana (Org.) O olho fotográfico – Marcel Gautherot e seu tempo. SP: FAAP, 2007ª. p.223-231.

• ______ . Folclore e Cultura Popular. In: ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana

(Org.) O olho fotográfico – Marcel Gautherot e seu tempo. SP: FAAP, 2007b. p.233-251.

• ______ . O Brasil de Marcel Gautherot. In: ANGOTTI-SALGUEIRO (Org.). O

olho fotográfico – Marcel Gautherot e seu tempo. SP: FAAP, 2007c. • ______ . Itinerância fotográfica e o Brasil Pitoresco. TURAZZI, Maria Inês (Org.)

Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Fotografia, n.27, 1998. p.65-85.

• SEGALA, Lygia.. A coleção fotográfica de Marcel Gautherot. Anais do Museu

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Imprensa Oficial do Estado de MG, 1926. 336p.

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269

• SENNETT, Richard. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. SP: Cia das Letras, 1989. 447 p.

• SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão. Tensões sociais e criação cultural

na Primeira República. 3ª ed. SP: Ed.Brasiliense, 1989. 258 p. • SCHAPOCHNIK, Nelson. Malditos Tipógrafos. I Simpósio Brasileiro sobre Li-

vro e História Editorial. FCRB – UFF-PPGCOM – UFF-LIHED. Anais Eletrôni-cos. RJ: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2004. 25 p.

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169 p. • SILVA, Marcos A. da. Caricata República. Zé Povo e o Brasil. SP: Marco Zero

Editora/MCT-CNPq. 1990. 99 p. • SIMÕES, Irene Gilberto. Guimarães Rosa. As paragens mágicas. SP:

Ed.Perspectiva, 1982 (?). 130 p. • SOARES DE LIMA, Yone. A ilustração na produção literária. São Paulo - Dé-

cada de Vinte. SP: IEB, 1985. n.33. 258 p. • SOARES, Cláudia Campos. A constituição da voz narrativa em Grande Ser-

tão:Veredas. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL GUIMARÃES ROSA 1998 – 2000, 3, 2000, Belo Horizonte. Anais Veredas de Rosa. Belo Horizonte: PUC-Minas/CESPUC, 2000. p.137-141.

• SOUZA, Bernardino José de. O ciclo de carro de bois no Brasil. SP: Cia Editora

Nacional, 1958. 557 p. • SPAREMBERGEER, Alfeu. Uma invenção misturada: o processo compositivo de

Grande Sertão:Veredas. Revista Travessia, Florianópolis, v.7, n.15, 1987. p.85-95. • SPERBER, Suzi Frank. Caos e Cosmos – Leituras de Guimarães Rosa. SP: Ed.

Duas Cidades, Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia. 1976. 210 p. • STARLING, Heloisa Maria Murgel. Lembranças do Brasil: Teoria Política, His-

tória e Ficção em Grande Sertão:Veredas. RJ: Revan: UCAM, IUPERJ, 1999. 190 p.

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270

• STONE, Lawrence. O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história. Revista de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IF-CH/UNICAMP), Campinas, n.2/3, p.13-37, 1991.

• STODDARD, Roger E. Morphology and the Book from an American Perspective.

Printing History. The journal of the American Printing History Association. n.1, v.IX, 1987. p.1-14.

• SUSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui. O narrador, a viagem. SP: Cia

das Letras, 1990. 319 p. • ______ . Cinematógrafo de Letras. Literatura, Técnica e Modernização no Brasil.

SP: Cia das Letras, 1987. 170 p. • SWAIN, Tânia Navarro (Org.). História no Plural. Brasília: Ed.UNB, 1994.207 p.

• TAVARES DE ALMEIDA, Maria Hermínia. Dilemas da Institucionalização das

Ciências Sociais no Rio de Janeiro. In: MICELLI, Sérgio. (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil. SP: Vértice Editora, Revista dos Tribunais, IDESP, 1989. p.188-217.

• TIPOS E ASPECTOS DO BRASIL: excertos da Revista Brasileira de Geografia.

7ª ed.aum. BRASIL: RJ: CNG, 1963. 467 p. • THIESSE, Anne-Marie. La création des identités nationales. Europe XVIIIe-XXe

Siécles. Paris: Éditions du Seuil, 2001.307 p. • TRINDADE LIMA, Nísia. Um sertão chamado Brasil. Intelectuais e representa-

ção geográfica da identidade nacional. RJ: Revan, IUPERJ, UCAM, 1999. 232 p. • TURAZZI, Maria Inez. Uma cultura fotográfica. Fotografia Revista do Patrimô-

nio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN/MINC (Brasília), n.27, p.7-15, 1998. • VALLADARES, Benedito. Esperidião: romance. RJ: O Cruzeiro, 1951. 309 p.

• VASCONCELOS, Sandra G.T. Caminhos do Sertão, impasses da modernidade. Revista O Eixo e a Roda. Especial Guimarães Rosa. 50º de Grande Ser-tão:Veredas e Corpo de Baile. BH: Faculdade de Letras da UFMG, v.12, jan.jun. 2006. p.109-120.

• VASCONCELOS, Sandra G.T. Os mundos de Rosa. Revista USP. Dossiê 30 anos

sem Guimarães Rosa. SP, USP, n.36, dez.fev.1997/1998, p.79-88. • VELLOSO, Mônica. A literatura como espelho da nação. Revista Estudos Histó-

ricos, RJ, v.1, n.2, 1988, p.239-263. • VENANCIO, Giselle Martins. Da escrita impressa aos impressos da biblioteca:

uma análise da trajetória de leitura de Francisco José de Oliveira Vianna. In: DU-

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271

TRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean-Yves. (Orgs.). Política, Nação e Edição. O lugar dos impressos na construção da vida política. Brasil, Europa e América nos séculos XVIII-XX. SP: Annablume, 2006. p.87-108.

• ______ . Na trama do arquivo. A trajetória de Oliveira Vianna (1883-1951).

2003. 342 f. Tese de Doutorado (História Social). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFICS-UFRJ), Rio de Janeiro, 2003.

• VENTURA, Roberto. Estilo Tropical. História cultural e polêmicas literárias no

Brasil. SP: Cia das Letras, 1991. 207 p. • VERNANT, Jean-Pierre. Mito e Pensamento entre os Gregos. Estudos de Psico-

logia Histórica. RJ: Paz e Terra, 1990. 400 p. • VEYNE, Paul. Como se escreve a História. Foucault Revoluciona a História.

BSB: Ed.UNB, 1982. 198 p. • VIANNA, Urbino de Souza. Bandeiras e Sertanistas Baianos. SP:Cia Editora Na-

cional, 1935. 207p. (Coleção Brasiliana, v.48). • VIDAL, Diana Gonçalves. Livros por toda parte: o ensino ativo e a racionalização

da leitura nos anos 1920 e 1930 no Brasil In: ABREU, Márcia. (Org.) Leitura, História e História da Leitura. Campinas, SP; Mercado de Letras; Associação de Leitura do Brasil; SP: FAPESP, 1999. 640 p. (Coleção Histórias de Leitura).

• VIDAL E SOUZA, Candice. A pátria geográfica. Sertão e Litoral no pensamento

social brasileiro. Goiânia: Ed.da UFG, 1997. 171 p. • VIEIRA DE OLIVEIRA, Luiz Cláudio. Guimarães Rosa no Suplemento. A re-

cepção crítica da obra de Guimarães Rosa no Suplemento Literário do Minas Ge-rais. BH: PPG-Letras-UFMG, 2002. 128 p.

• ______ . O eu por detrás de mim. Semiótica e Psicanálise em Guimarães Rosa. In:

MENDES, Lauro Belchior & VIEIRA DE OLIVEIRA, Luiz Cláudio. (Orgs.) A Astúcia das Palavras. Ensaios sobre Guimarães Rosa. BH: Ed. da UFMG, 1998. p.101-132.

• ______ . Primeiras Estórias: perigrafia e metalinguagem. Revista do CESP. v.22,

n.30, jan.jun.2002, p.99-110. • VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro

1947-1964. RJ: Funarte; Fundação Getúlio Vargas, 1997. 332 p. • WALTER, François. Les figures paysagéres de la nation. Territoire et paysage em

Europe (16e-20e siècle). Éditions de l’École des Hautes Études em Sciences Soci-ales, 2004. 521 p.

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272

• WERNECK SODRÉ, Nelson. Síntese de História da Cultura Brasileira. 20ª ed. RJ: Bertrand Brasil, 2003. 160 p.

• WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura. 2ª ed.

SP: EdUSP, 2001. • ______ . Meta-História. A imaginação histórica do século XIX. 2ª ed. SP: E-

dUSP, 1995. 456 p. • ______ . Respuestas a las cuatro preguntas del professor Chartier. Historia y Gra-

fia, Universidad Iberoamericana, Ciudad de México, n.4, p.317-329, 1995. • ______ . La logica figurativa en el discurso historico moderno. Historia y Grafia

– enero-junio 1999. • ZAIDAN, Michel. A crise da razão histórica. SP: Campinas, Papirus, 1989. 87 p.

• ZANINI, Walter. Arte Contemporânea. In: História Geral da Arte no Brasil. SP:

Instituto Walther Moreira Salles, 1983. v.2. p.501-821. • ZILBERMAN, Regina. A literatura e o apelo das massas. In: AVERBUCH, Lígia

(Org.) Literatura em tempo de cultura de massa. SP: Nobel, 1994. p.9-32. • ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. A “literatura” medieval. SP: Companhia das

Letras, 1993. 324 p. • ______ . Performance, recepção, leitura. 2ª ed. SP: CosacNaify, 2007.128 p.

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273

Fontes de Pesquisa

Documentação consultada – Arquivo IEB-USP (Fundo João Guimarães Rosa) Série Manuscritos

• Sub-séries – Manuscritos de Obras [Cx 3- 10, 18, 23] • Inventário das Cadernetas [Microfilmes 68, 70, 71]

Série Manuscritos (de Obras) [Cx.23]

Série Correspondência

• Sub-série Correspondência Com tradutores [Cx.1-10] • Sub-série Correspondência com editores [Cx.1 1957/1967 - Cx 02 1962/1967 - Cx 03

1963/1967] • Sub-série: Correspondência Pessoal [Cx 01 - C/Álvaro Lins 1949/1957 - Cx 02 - C/Mário

Calábria 1952/1967 - Cx 03 - C/A Brasileira de Letras 1963 - Cx 04 - S/ recepção de obras Saga-rana, Com o Vaqueiro Mariano, Grande Sertão:Veredas, Corpo de Baile, Primeiras Estórias, Es-tas Estórias 1946/1967 - Cx 06 - C/Florduardo Pinto Rosa 1957/1958 - Cx 07 - C/Diversos 1934/1966 - Cx 08 - C/Diversos 1934/1963 Cx 09 - C/Diversos 1963/1967 - Cx 10 - C/Diversos S/data]

Série Recortes

Recortes sobre JGR (sobre tudo que saiu onde Rosa era mencionado) [Cxs. 01-06] Recortes de JGRosa (os contos de Rosa publicados em jornais e revistas) [Cx 18/21] Recortes de Terceiros (Diversos - partidas de xadrez, filatelia, damas, animais diversos, palavras bonitas, enquete “as dez palavras mais bonitas” pelo O Globo + (org. pelo arq.): discurso de acadêmicos, Minas Gerais, Produção literária: fragmentos de romances, contos, crônicas, memórias, Produção literá-ria: poesia, Ensaios de literatura e de arte em geral, Crítica de arte e literatura, sobre/de autores brasilei-ros e/ou estrangeiros, Resenhas, reportagens, notas e notícias de arte e literatura, Religião, publicados, em periódicos diversos, animais, gatos: gravuras, ilustrações, fotos + (org. pelo arq.): animais: gados, eqüinos e muar etc.) [Cx 22/35] Documentação consultada – Arquivo Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ) e Museu Casa de João Guimarães Rosa (MCGR – Cordisburgo MG) Museu Casa de Guimarães Rosa - Cartas com Pedro Barbosa - [Cxs. 4, 4.1, 4.2, 4.3] Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ) - Arquivo José Olympio Documentação consultada – Fundação Biblioteca Nacional (RJ), Hemeroteca Pú-blica do Estado de Minas Gerais

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274

Anais do IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) - [Anais – III Vol. 1º Congresso Brasileiro de Folclore – 1951] Bibliografia Brasileira. (Ministério da Educação e Cultura/Instituto Nacional do Livro - INL) – [1947-1955, 1957] Boletim Bibliográfico Brasileiro (Publicação do Sindicato Nacional das Empresas Edi-toras de Livros e Publicações Culturais) – [1953-1958] Informativo ABD (Associação Brasileira de Desenho) [1950 – 1952] Boletim ABD [12.1929] Arte (Publicação da ABD) [1953] Revista Íris (Revista Brasileira de Foto, Cinema e Artes Gráficas) [1948-1950] Revista da Sociedade Brasileira de Geografia [Tomo LII, 1946] Revista Brasileira de Geografia (Órgão Oficial do Conselho Nacional de Geografia) – [1939-1945] Boletim Geográfico (Mensário do Conselho Nacional de Geografia - Informações, noticias, bibliogra-fia, legislação) [1949-1956] Boletim Informativo – União Geográfica Internacional - XVIII Congresso Internacional de Geografia Comissão Nacional do Brasil – [Out.1955 - jan.fev.1956]

Revista da Academia Brasileira de Letras [Ano 29 volume 53 Anais 1937] Revista A Vida dos Livros (Noticiário das edições da Livraria José Olympio) – [1946-1949] Revista do Livro (do Instituto Nacional do Livro) [Ano I – 1956] Revista Arquivos (Revista Bimestral publicada pelo Serviço de Documentação, destinada a divulgação de atividades do Ministério da Educação e Saúde) [Ano I, ns. 1, 2, 3, 4, 5. – 1947] Revista O Cruzeiro – [Anos 1929/1930 – 1946/1947] Revista Vamos Ler – [Anos 1936/1948] Jornal de Letras – Mensário de Literatura e Arte - [Ano 1949] Suplemento Letras e Artes - suplemento dominical do jornal A Manhã - [ano 1946-1954] Suplemento Literário Letras e Artes/Idéias Gerais – [1953] Suplemento A Noite Ilustrada - Jornal A Noite (RJ) - [1940/1957] Suplemento Autores e Livros (Suplemento Literário de A Manhã) [1941-1945, 1948-1950] Suplemento Literário de O Estado de São Paulo [1956-1967] Jornal Correio da Manhã (RJ) [1958- 1963]

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275

ANEXO A

Lista de Livros Biblioteca de João Guimarães Rosa

_______________ INTERESSE ETNOGRÁFICO Coleção Documentário da Vida Rural • DIEGUES, Manuel (Júnior). O engenho do açúcar no Nordeste. RJ: SIA,

1952, 68 p. (Documentário da Vida Rural, 1).

• BATISTA, Olavo (Filho). A fazenda de café em São Paulo. RJ: SIA, 1952, 32 p. (Documentário da Vida Rural, 2)

• MACEDO, Jozé Norberto. Fazendas de gado no vale do São Francisco. RJ: SIA, 1952 70 p. (Documentário de vida rural, n.3).

• CALDEIRA, Clóvis. Fazendas de cacau na Bahia. RJ: SIA, 1954, 58 p. (Do-cumentário da Vida Rural, 7).

• CASCUDO, Luis da Câmara. Tradições Populares da pecuária nordestina. RJ: SIA, 1956, 78 p. (Documentário da Vida rural, n.9)

• CORREA, Virgílio Alves. (Filho) Fazendas de gado no pantanal mato-grossense. RJ: SIA, 1955, 62 p. (Documentário da Vida Rural, 10).

• CASCUDO, Luis da Câmara. Jangadeiros. RJ: SIA, 1957, 60 p. (Documentá-rio da vida rural, n.11).

Viajantes e Viagens • ALMEIDA, Francisco José Maria de Lacerda e. Diários de viagem 1944 266

p. MEC/INL (Biblioteca Popular Brasileira, v.18).

• ANDRADA, Martins Francisco Ribeiro de. (Neto). Viajando: Coizas do meu diário (1913-1915) SP: Irmãos Ferraz.

• ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e mi-nas, com anotações de Orlando Valverde. Edição da Divisão Cultural. RJ: IBGE, CNG, 1963, 104 p.

• BATES, Henry Walter. O naturalista no Rio Amazonas. SP: Ed. Nacional, 1944. (Biblioteca Pedagógica Brasileira, serie 5ª, Brasiliana, 237)

• BURTON, Sir Richard Francis. Viagens aos planaltos do Brasil: 1868 em três tomos... 477 p. (Biblioteca Pedagógica Brasileira, serie 5ª Brasiliana, 197)

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276

• CRULS, Luis. Planalto Central do Brasil. 3ª ed. RJ: José Olympio, 1957. 333 p. (Coleção Documentos Brasileiros, 91)

• DUPIN, Aurore. Baronesa Dudevant. Lettres d’um voyageur (extraits) par George Sand.... 3ª ed. Paris, Larousse, 1946. 90 p. (Classiques Larousse).

• GUIMARAES JÚNIOR, Luis. De novo no Oriente. RJ: Serviço Gráfico do IBGE, 1960. 61 p.

• GUTIERREZ PINTO, Olga. Encontro com a Europa (Impressões de Viagem). RJ: Pongetti, 1951.

• HARTT, Charles Frederick. Geologia e geografia física do Brasil. SP: Cia E-ditora Nacional, 1941. 649 p. (Biblioteca Pedagógica Brasileira, serie 5ª Bra-siliana, 200)

• HERDER, Johann Gottfried Von. Journal de mon voyage en l’an 1769. Paris, Editions Montaigne, 1942. 188 p. (Les ouvres célebres dans les Litterature Etrangère).

• HUGO, Victor. Voyages. Paris: Hachette, c.1950.

• LUND, Peter Wilhelm. Memórias sobre a paleontologia brasileira RJ: Revis-ta dos Tribunais, 1950. 589 p.

• MAGALHÃES, José Vieira Couto de. Viagem ao Araguaia. 6ª ed. SP: Cia Editora Nacional, 1957. 253 p. ((Biblioteca Pedagógica Brasileira, serie 5ª Brasiliana, 28)

• POHL, Johann Baptist Emanuel. Viagem ao interior do Brasil: empreendida nos anos de 1817 a 1871 e publicada por ordem de sua majestade o Impera-dor da Áustria Francisco I RJ: INL, 1951. (Coleção de Obras Raras, 3)

• RENAN, Ernest. Voyages: Italie (1849); Norvège (1870). Paris: Montaigne, s.d.

• RIO DE JANEIRO and environs: travellers’s guide. 2ª ed. RJ: Guias do Bra-sil, 1940. 604 p.

• VIDAL, Ademar Vitor de Meneses. Europa: narrativas de viagem. RJ: Gráfi-ca Editora Aurora, 1950. 306 p.

• SAND, George. Lettres d’un voyager. Paris: Larousse, (1936)

• SWIFT, Jonathan. Gulliver’s travels… NY: Pocket Books, 1957. 300 p. (The Pocket Library, 51)

... e outros livros da rubrica ...

• ALMENDRA, Jacob Manoel Gayoso e. O feudo da Casa da Torre no Piauí:

povoamento – luta pela propriedade. Teresina: Centro de Estudos Piauienses, 1953. (Série A, caderno n.53)

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277

• AMADO, Gilberto. Presença na Política. RJ: Ed. José Olympio, 1958.

• ______ . A dança sobre o abismo. RJ: José Olympio, 1952. 234 p. (Obras de Gilberto Amado, 3)

• ______ . Sabor do Brasil. RJ: O Cruzeiro, 1953. 133 p.

• ARINOS, Afonso. Pelo Sertão. 5ª ed. RJ: F.Briguiet, 1947, 176 p.

• BADET, Charles. Charmeurs d’indiens – le General Rondon. Paris: Nouvelles Editions Latines (c.1951) 188 p.

• BARÃO DO RIO BRANCO. Efemérides Brasileiras. RJ: Imprensa Nacional, 1946.

• BARBOSA, Rui. Obras Completas.Visita à terra natal, discursos parlamenta-res, RJ: MES, 1948.

• BARROS, Souza. Cercas Sertanejas (traços ecológicos do sertão pernambu-cano) RJ: MEC, Serviço de Documentação, 1959, 93 p. DDC Recife PE// CNG//Inspetoria Estatística da Bahia (Os cadernos de Cultura, 117)

• BELO, José Maria de Albuquerque. História da República. 1889-1930 (Sínte-se de quarenta anos de vida brasileira) RJ: ED. da Organização Simões, 1952. 343 p. (Coleção Rodolfo Garcia, 1).

• BRASIL, Gerson. Pequena história de fanáticos do Contestado. RJ: MEC, Serviço de Documentação, 1955, 59 p. (Os cadernos de Cultura, 83)

• CANDIDO, Antônio Gilberto Freyre: sua ciência, sua filosofia, sua arte; en-saios sobre o autor de casa grande e senzala e sua influência na moderna cul-tura do Brasil, comemorativa. RJ: José Olympio, 1962, 576 p.

• CARVALHO, Daniel Serapião de. A formação histórica das Minas Gerais. RJ: MEC, Serviço de Documentação, 1956, 60 p. (os Cadernos de Cultura, 99).

• ______ . Francisco Sales, um político de outros tempos. RJ: José Olympio, 1963 134 p.

• CASCUDO, Luís da Câmara. Rede-de-dormir: uma pesquisa etnográfica. RJ: MEC/Serviço de Documentação, 1959, 242 p. (Coleção Vida Brasileira).

• CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste. 2ª ed. SP: Ed. Brasiliense, 1959, 213 p.

• CASTRO, Ramiro Berbert de. Roteiro do Nordeste: impressões da Paraíba e de Pernambuco. RJ: Depto de Imprensa Nacional, 1952, 118 p.

• CHAGAS, Wilson. Caminho do exílio. POA: Inst. Estadual do Livro, Divisão de Cultura, 1957. 78 p. (Cadernos do Rio Grande, 4, Ensaios Monografias,1)

• CHINA, José Benedito d’Oliveira. Os ciganos do Brasil: subsídios históricos, etnográficos e lingüísticos. SP: Imprensa Oficial do Estado, 1936, 329 p.

• CONTENAU, Georges. La vie cotidiene à Babylone et en Assyria. Paris: Li-brairie Hachete, c.1950. 320 p.

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278

• CORREA, Virgílio Alves. (Filho) A propósito do boi pantaneiro. RJ: Ponget-ti, 1926. 72 p. (Monographias Cuiabanas, 6)

• COSTA, João Angione. Introdução à arqueologia brasileira; etnografia e his-toria SP: Cia Ed. Nacional, 1934, 348 p. 19 cm. (Biblioteca Pedagógica Brasi-leira, série 5, Brasiliana, 34)

• COUTINHO, Afrânio. Euclides, Capistrano e Araripe. RJ: MEC/SDOC 1959. 151 p.

• CUNHA, Euclides Rodrigues Pimenta da. Contrastes e Confrontos. 6ª ed. Chardron, 1923, 300 p.

• ______ . Os Sertões. 19ª ed. corrigida. RJ: FCO Alves, 1946, 646 p

• DIEGUES, Manuel Júnior. Etnias e culturas no Brasil. RJ: MEC/Serviço de Documentação, 1956, 120 p. (Coleção Vida Brasileira)

• DORNAS FILHO, João. Os ciganos em Minas Gerais. BH: Movimento Edi-torial Panorama, 1949, 70 p.

• FERRARI, Alfonso Trujillo. Potengi: encruzilhada no vale do São Francisco. SP: Ed. Sociologia e Política, 1960, 334 p.

• FONTOURA, João Neves. Relatório da Delegação do Brasil à Conferencia de Paris. RJ: MREX, 1947. 82 p.

• FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência... 2ª ed. RJ: José Olym-pio, 1951, 297 p. (Coleção Documentos Brasileiros, 4)

• ______ . Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvol-vimento urbano. 2ª ed. RJ: José Olympio, 1951, (Coleção Documentos Brasi-leiros 66, 66A, 66B)

• ______ . Retalhos de jornais velhos. 2ª ed. RJ: José Olympio, 1964. 176 p. (Obras reunidas de Gilberto Freyre).

• GOULART, José Alípio. Brasil do boi e do couro. RJ: Edições GRD, 1965-66. (Coleção Ensaios Brasileiros, Homens e fatos, 3).

• GUEIROS, Optato. “Lampeão”: memórias de um oficial ex-comandante de forças volantes. 2ª ed. SP: Linográfica Editora, 1953, 279 p.

• HALÉVY, Daniel. Essai sur l’accélération de l’histoire. Paris: Iles D’or, 1948. 166 p.

• HINDUS, Maurice G. Os cossacos: história de um povo guerreiro. SP: Ed. Nacional, 1946. 317 p. (Biblioteca do Espírito Moderno, v.46)

• HUIZINGA, Johan. Le declin du moyen age. Paris: Payot, 1948. 406 p.

• ______ . Incertitudes: essai de diagnostic du mal dont souffre notre temps. Pa-ris: Librairie de Médicis, 1939. 244 p.

• JÚNIOR, Augusto de Lima. História dos diamantes nas Minas Gerais: século XVIII. RJ: Ed. Dois Mundos, 1945, 240 p. (Estudos Históricos e Literários).

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279

• LEMOS, Miguel. A propósito da liberdade dos cultos. Carta ao bispo do Pa-rá. Por Miguel Lemos e R.Teixeira Mendes. s.d. 20 p.

• LIMA, Noraldino. No vale das maravilhas. BH: Imprensa Oficial de Minas, 1925, 222 p.

• LINS, Ivan Monteiro de Barros. A Idade Média: a cavalaria e as cruzadas. 3ª ed. RJ: Liv. Sao José, 1958. 402 p.

• LINS DE ALBUQUERQUE, Mocotó Brabo (Aspectos histórico-sociológicos de uma região sertaneja: Pernambuco), RJ: Simões, 1960. 268 p. 21 cm.

• MARCHAL, Lucien. Le mage du sertão: roman. Paris: Plon, 1952. 358 p.

• MELO, Antônio da Silva. Nordeste Brasileiro 2ª ed. RJ: José Olympio, 1964, 382 p. (Coleção Documentos Brasileiros, 73).

• ______ . A superioridade do homem tropical. RJ: Civilização Brasileira, 1965, 433 p.

• MELO, Manuel Rodrigues de. Patriarcas & carreiros: influencia do coronel e do carro de boi na sociedade rural do Nordeste. RJ: Irmãos Pongeti Editores, 1954, 272 p.

• MOOG, Clodomir Viana. Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas cul-turas. 2ª ed. POA: Globo, 1955, 413 p.

• O DRAMA UNIVERSAL da fome: depoimentos de André Mayer et al. RJ: ASCOFAM, 1958. 375 p. (Simpósio comemorativo do 50º aniversário do Pro-fessor Josué de Castro).

• OTERO, Leo Godoy. O caminho das boiadas. RJ: José Olympio Edit, 1958. 210 p.

• PARANHOS, José Maria da Silva (Filho). Esquisse de l’histoire du Brésil. RJ: MREX, 1958. 154 p.

• ______ . Questão de Limites. RJ: MREX, Imprensa Nacional, 1945.

• PORTO, Carlos Eugenio. Roteiro do Piauí. RJ: MEC/SDOC, 1955 186 p. (Coleção Vida Brasileira, 4).

• PORTO, José da Costa. Duarte Coelho. RJ: MEC/SDOC, 1961. 104 p. (Os Cadernos de Cultura, 127).

• PROENÇA, Manuel Cavalcanti. No termo de Cuiabá. RJ: INL, 1958. 182 p. (Biblioteca de Divulgação Cultural, serie A-16)

• RICARDO, Cassiano. Marcha para Oeste: a influência da bandeira. 3ª ed. RJ: José Olympio. 1959. (Coleção Documentos Brasileiros, v.25,)

• SEGURA, Turíbio Vilanova. Bom Jesus da Lapa: resenha histórica. 4ª ed. Ju-iz de Fora, Gráfica Editora Lar Católico, 1955, 233 p.

• SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino da Comar-ca do Serro Frio, Província de Minas Gerais. 3ª edição. RJ: Edições O Cru-zeiro, 1956. 427 p. Coleção Brasílica, v.1).

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280

• SENA, Nelson de. A terra mineira: chorografia do Estado de Minas Gerais. BH: Imprensa Oficial do Estado de MG, 1926. 336p.

• SOUSA, Bernardino José de. O ciclo do carro de bois no Brasil: inquérito pa-ra estudo. s.l. 1942, 23 p.

• SOUZA, Joaquim Silvério. Sítios e Personagens. 2ª ed. BH: Imprensa Oficial de MG, 1930. 457 p.

• VIANA, Urbino de Sousa. Bandeiras e sertanistas baianos. SP: Ed.Nacional, 1935, 207 p. (Biblioteca Pedagógica Brasileira, série 5ª Brasiliana, v.48)

• WILLENS, Emilio. A aculturação os alemães no Brasil: estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. SP: Cia Ed. Nacional, 1946. 609 p. (Biblioteca Pedagógica Brasileira, serie 5ª Brasiliana, 250).

________________ INTERESSE GEOGRÁFICO – O RECONHECIMENTO E FIXAÇÃO/INVENÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO Guias de Excursão – XVIII Congresso Internacional de Geografia – Rio de Janeiro 1956 • ALMEIDA, Fernando Flávio Marques de; LIMA, Miguel Alves de. Planalto

Centro-Ocidental e Pantanal Mato-Grossense (...). Guia da excursão n.1 rea-lizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1959, 169 p.

• STRAUCH, Ney. Zona Metalúrgica de Minas Gerais e vale do Rio Doce. Guia da excursão n.2 realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1958, 192 p.

• FRANÇA, Ari Nogueira. La route du café et les fronts pionnier; traduit par... Guide de l’excursion n.3, XVIII EME Congrès International de Géographie. RJ: UGI, CNationale Brèsilien, 1956, 269 p.

• NACIB AB`SABER, Azis & BERNARDES, Nilo. Excursion Guidebook n.4 – Paraíba Valley – Serra da Mantiqueira and São Paulo city and surroundings, trans. 18th International Geographical Congress. RJ: International Geographic Union, Brazilian National Committee, 1956.

• CAVALCANTI BERNARDES, Lysia Maria. Plaine Littorale et Région Su-criére de l’État de Rio de Janeiro. Traduit par Pierre Monbeig. Livret-Guide n. 5, XVIII Congrés Internationale, Comitê National Du Bresil RJ: Union Ge-ógraphique Internationale, 1956. 187 p.

• ______ . Planície Litorânea e Zona Canavieira do Estado do Rio de Janeiro. Guia de Excursão n.5, realizada por ocasião do XVII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1957, 248 p.

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• DOMINGUES, Alfredo José Porto. Bahia. Por Alfredo José Porto Domingues e Elza Coelho Keller. Guia da excursão n.6 realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1958, 310 p.

• ______ . Bahia. Par Alfredo José Porto Domingues et Elza Coelho Keller. Traduit par Michel Rochefort et Regina Rochefort Rio de Janeiro, Union Géo-graphique Internationale, Comitê Nationale du Brésil, 1956, 254 p

• MELO, Mário Lacerda de. Paisagens do Nordeste em Pernambuco e Paraíba. Guia da excursão n.7 realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1958. 325 p.

• ______ . Nord-Est. Livret-guide n.7. XVIII Congréss de Géographie Internati-onale, Comitê Nationale du Brésil, 1956, 256 p.

• VALVERDE, Orlando. Planalto Meridional do Brasil. Guia da excursão n.9 realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia. RJ: CNG, 1957, 340 p.

Tipos e Aspectos do Brasil • BRASIL. CNG: Tipos e aspectos do Brasil: excertos da Revista Brasileira de

Geografia. 7ª ed.aum. RJ: CNG, 1963, 467 p. … outros livros da rubrica • ABREU, Sílvio Fróis. Distrito Federal e seus recursos naturais.

RJ:IBGE/CNG 1957 318 p.

• ______ . Recursos minerais do Brasil: minerais não metálicos. 2ª ed. Rio de Janeiro, IBGE, Conselho Nacional de Geografia. s.d

• ADONIAS, Isa. A cartografia da região amazônica. Catálogo descriti-vo.1500-1961. RJ; INPA, Conselho Nacional de Pesquisa, 1963.

• AGUIRRE, Álvaro Coutinho. A caça e a pesca no vale do rio Doce, Estado do Espírito Santo. RJ: Ministério da Agricultura, Divisão de Caça e Pesca, 1954, 61 p.

• ______ . A caça e a pesca no Pantanal do Mato Grosso. RJ: Ministério da Agricultura, Departamento Nacional da Produção Animal, Divisão de Caça e Pesca, 1958, 60 p.

• BARROS, Francisco de (Júnior). Caçando e pescando por todo o Brasil. (No planalto mineiro, no São Francisco, na Bahia) 3ª série. SP: Melhoramentos, 1949, 289 p.

• BARBOSA DA SILVA, Alexandre. O zebu na Índia e no Brasil. RJ: Borsoi, 1947.

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282

• BARROS, Wanderbilt Duarte de. Parques Nacionais do Brasil. RJ: MA/SIA, 1952, 88 p. (Serie Documentária 1).

• BERTIN, Leon. La vie des Animaux. tomes I et II, Paris: Larousse, 1949/50.

• BINET, Léon. Les Scénes de la Vie Animal. Paris: Gallimard, 1946.

• BLAIS, Roger. Flore Pratique. Paris: PUF, 1945.

• BLOCH, Pedro. Estudos da Voz Humana. RJ: Coleção Fala, 1958.

• BONNARD, Abel. Les Bêtes, nos amies … Paris: Flammarion, 1937.

• BRASIL. Conselho Nacional de Estatística. Tabuas itinerárias brasileiras: 31/11/1956. RJ: Serviço Gráfico IBGE, 1958, 674 p.

• BRASIL. CNG. Coordenadas geográficas não-determinadas pelo CNG: Ala-goas, Amazonas, Bahia, Ceará, DF, ES, GO, MA, Mgrosso. RJ: Divisão de Cartografia, seção de reproduções, 1957, 45 p. (Biblioteca Geográfica Brasi-leira, serie B, n.17)

• BRASIL. CNG. Estudos da zona de influência da cachoeira de Paulo Afonso. RJ: Serviço Gráfico do IBGE, 1952, 410 p.

• BRASIL. CNG. Geografia do Brasil: grandes regiões meio-norte e nordeste. Org. (...) RJ: Serviço Gráfico do IBGE, 1962.

• BRASIL. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Ilha Fiscal: sede da Direto-ria de Hidrografia e Navegação. RJ: 1963, 129 p.

• BRASIL. IBGE. Divisão Cultural. Curso de Informações geográficas para professores de Geografia do ensino médio. julho de 1964. RJ: Divisão Cultu-ral, 1965, 226 p.

• CAVALCANTI, M Paulino. O Zebu: monografia das raças indianas e seu comportamento no Brasil. 4ª ed. RJ: Ed. Técnica, 1944, 163 p. (Coleção Er-gon, Série Agrícola)

• CHANCRIN, E. Botanique Agricole. Paris: Hachete, 1946.

• COLETTE. Chats. Paris: Albin Michel, 1950.

• ______ . Pour um Herbier (Lausanne) Mormod, 1948.

• CRUICKSHANK, Allan D. The pocket guide to birds. How to identify and en-jot them. Eastern and Central North American. NY: Pocket Books, INC, c. 1953, 216 p.

• DAUZAT, Albert. Les noms de lieux. Paris: Delagrave, 1947.

• DECKER, João Sigfried. Aspectos Biológicos da Flora Brasileira. São Leo-poldo: Rettermundo & Co, s.d.

• DEFFONTAINES, Pierre. Contributions à La Géographie pastorale de l’Amérique Latine. RJ: Centro de Pesquisas de Geografia do Brasil, 1964. 132 p.

• DELAMAIN, Jacques. Pourquoi les Oiseaux Chantent. Paris: Stock, 1929.

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283

• DEMAISON, André. Les livres de Bêtes, qu’on appelle Sauvages. Paris: Ber-nard Grasset, 1929.

• DOMINGUES, Otavio. Plano de acasalamento por exploração do gado lei-teiro no Brasil tropical. RJ: SIA, 1952, 39 p.

• FABRE, J.H. La vida de los insectos. Madri: Escapa-Calpe, 1940.

• FARRÉRE, Claude. Bêtes et Gens qui s’aimerèrent. Paris: Flamarion, c.1920.

• FONSECA, Eurico Teixeira da. Frutas do Brasil. RJ: INL, 1954. 281 p.

• FOX, Harold Munro. The personality of animals. NY: Penguin Books, INC, 1947, 116 p.

• GALLIEN, Louis. La sélection Animale, Paris: PUF, 1950. (“Que sais-je?”)

• GODFREY, W. Some Canadian birds. Ilustrations by John Crosby. Ottawa. Minister of Northern Affairs and National Resources, 1956, 44 p.

• HERITIER, Philippe L. Le calendrier des oiseaux: illustrations de Mle. F.Dubois. Marseille, Sagittaire, 1944, 254 p.

• HIPÓLITO, Osmane. Doenças infecto-contagiosas dos animais domésticos: com a colaboração de ... RJ: SIA, 1949, 387 p. (Serviço de Informação Agrí-cola, Serie Didática, n.8)

• HORNADAY, Willian Temple. Sc.D., Official guide book to the New York zoological park… 22nd. ed. NY: New York Zoological Society, 1930.

• HUGUES, Richard. A High wind in Jamaica, Harmonsdsworth: Penguin Books, 1949

• JOUVEN, Maurice. Les meilleures vaches laitières. comment acheter une vache laitière; alimentation rationnelle et prophlaxie; traite; soignes au lait:Paris: Ed. de Montsoures, 1946, 127p. (Collection Rústica)

• ______ . Bouefs et vaches de travail, aptitudes des bovines au travail. Races specialisées et à doublé fin; races à aptitudes mixtes. Travail. Viande. Lait. Choix et formation des eleves. Equipement: jong doublé, simple etc. Entretien des animaux, Paris, Montsouris (1947).

• LAMEGO, Alberto Ribeiro (Filho). O homem e a Guanabara 2ª Ed. RJ: IB-GE/CNG, 1964. 408 p. (Biblio. Geográfica Brasileira, série A, Setores da Evo-lução Fluminense, 3)

• LANGLEBERT, Edmund Jean Joseph. História Natural por J.Langlebert. RJ: Garnier, 1912. 530 p.

• LE DANOIS, Edouard. Vie et mouers des poisons; des plus hauts lacs de montagne aus grandes profondoeurs de l’ocean. Paris: Payot, 1949. 335 p. (Bibliotéque Scientifique)

• LESSA, Clado Ribeiro. Vocabulário de caça. SP: Cia Edit. Nacional, 1944, 201 p. (Biblioteca Pedagógica Brasileira, série 5ª, Brasiliana, 239)

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• MÉRAVILLE, Marie-Aimée. La vache, cette noble servante. Paris: Albin Mi-chel, (1948).

• MORAIS, Manuel Batista de (Filho). Contribuição ao estudo do Dourado: salminus maxillosus val. Do Rio Mogi Guassu. SP: Ministério da Agricultura, Divisão de Caça e Pesca, 1955, 131 p.

• MIES, Antônio. (Filho) Noções sobre reprodução dos animais e inseminação artificial. RJ: Ministério da Agricultura, SIA, s.d. Serie Didática, n. 9)

• MINAS GERAIS. Departamento Estadual de Estatística. Tábuas Itinerárias do Estado de Minas Gerais. BH: Oficinas Gráficas da Estatística, 1943, 356 p.

• MINAS GERAIS. Departamento Geral de Estatística. Divisão de Estatística, Fisiográfica e da Viação. As Grutas de Minas Gerais. BH: Ofic. Gráficas da Estatística, 1939, 278 p.

• PEREIRA, Manuel Nunes. O peixe-boi da Amazônia. RJ: Ministério da Agri-cultura, Divisão de Caça e Pesca, 1954. 132 p.

• ______ . A ilha de marajó. Estudo econômico-social. RJ: Ministério da Agri-cultura, 1956. 153 p. (Estudos Brasileiros, 8).

• SILVA, Marcelo (Júnior). O ofidismo no Brasil. RJ: Serviço Nacional de Edu-cação Sanitária, 1956, 346 p.

• PIERRE, Henry. La vie des Aveugles. Paris: PUF, 1944. (“Que sais-je?”)

• RIBEIRO, Diogo Branco. O cavalo e o burro de guerra e de paz. Hipologia e Higine Veterinária. SP: MdL, 1956, 345 p.

• ROLAND, Marcel. Les Betes nous parlent. Paris: Mercure de France, 1949.

• ROSTAND, Jean. La vie des crapauds. Paris: Stock, 1941.

• ______ . La vie des libellules. 12ª ed. Paris: Ed. Stock, 1941. 190 p. (Les li-vres de nature, 33).

• RUSSELL, E.S. Le comportament des animaux. Paris: Payot, 1949, 232 p.

• SANDERSON, Ivan T. Les betes rares de la jungle africaine, mon expedition zoologique au Cameroun. Paris: Payot, 1938.

• SANTOS, Eurico. Entre o gambá e o macaco. RJ: Briguiet, 1945.

• SICK, Heinrich Helmut. Sons emitidos pelas aves independentemente do ór-gão vocal...

• SIMPÓSIO SOBRE O PROBLEMA DA MACONHA (S Paulo), RJ: Comis-são Nacional de Entorpecentes, 13, Ministério das Relações Exteriores, 1961. RJ: Academia Brasil. de Ciências, 1965. p.131-140. Separata de Anais da A-cademia. Brasileira de Ciências.

• SIRE, Marcel. L’Intelligence ds animaux, Paris: Hachette, 1954, 303 p.

• TRANQÜILIZANTES. RJ: Comissão Nacional de Entorpecentes, 11, Minis-tério das Relações Exteriores, 1960.

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_____________ LITERATURA REGIONALISTA E FOLCLORE • ALMEIDA, Guilherme de. Pequeno Romanceiro. SP: Martins, 1957. 104 p.

• ALMEIDA, Lúcia Machado de. Passeio a Sabará. Ilustrações de Guignard. SP: Livraria Martins Editora, 1952. 147 p.

• ALMEIDA, Renato Costa de. Compêndio de história da música brasileira. RJ: F.Briguiet, 1948. 183 p.

• ______ . História da Música Brasileira. 2ª ed. RJ: F.Briguiet, 1942. 529 p.

• ______ . Fausto – Ensaio sobre o problema do ser. 2ª ed. RJ: F.Briguiet, 1951. 343 p.

• ALVARENGA, Oneida Paolielo de. Musica popular brasilena: traduccion. México: FCE, 1947. 272 p. (Coleccion Tierra Firme, 33)

• ANDRADE, Mario Raul de Moraes. La musica y la cancion populares en el Brasil... RJ: Imprensa Nacional, 1942. 21 p. (MREX, Division de Cooperacion Intelectual, Colección de Monografias Brasilenas, 2)

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• ELIS, Bernardo. O tronco. romance. SP: Martins, 1956. 280 p.

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• MURMÚRIOS DO PARAÍBA. Grêmio Brasileiro de Trovadores, Seccional de São Fidelis, São Fidelis, Coletânea n.1, s.d.

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• LOPES, João Simões (Neto) Contos gauchescos e lendas do sul. RJ: O Globo, 1949. 438 p. (Coleção Província, 1).

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• MEYER, Augusto. (Júnior). Guia do folclore gaúcho. RJ: Graf. Editora Auro-ra, 1951. 188 p.

• MOTA, Leonardo Ferreira da (Filho). Violeiros do norte: poesia e linguagem do sertão nordestino por Leonardo Mota. 3ª ed. Fortaleza: Imprensa Universi-tária do Ceará, 1962. 329 p.

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• ______ . Parada Morta. RJ: Alba, 1943. 149 p.

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• MUSEU VILLA-LOBOS (RJ) Presença de Villa-Lobos. RJ: Depto de Im-prensa Nacional, 1967.

• ORTÊNCIO, W.Bariani. Sertão sem fim (contos). RJ: São José, 1965. 293 p.

• PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. RJ: IBGE, 1957

• RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e Boiadas. 5ª ed. RJ: José Olympio, 1965.154 p. (Coleção Sagarana, 16)

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• RIBEIRO, Joaquim Brás. Folclore Baiano. RJ: MEC, Serviço de Documenta-ção, 1956. 57 p. 19 cm. (Os Cadernos de Cultura, 90)

• RIBEIRO, Sabóia. Contos do cacau (tipos e cenários do Vale do Rio das Con-tas) RJ: Pongetti, 1966. 218 p.

• RICARDO, Cassiano. João Torto e a fábula: 1951-1953. RJ: José Olympio, 1956. 189 p.

• ______ . Martim Cererê. O Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis. 11ª Ed. SP: Saraiva, 1962. 301 p.

• ROMERO, Silvio. Cantos populares do Brasil. RJ: José Olympio, 1954. (Co-leção Documentos Brasileiros)

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• SILVA, Alberto da Costa (Org.) Antologia de lendas do índio brasileiro. RJ: INL, 1957. 246 p.

• VALLADARES, Benedito. Esperidião: Romance. RJ: O Cruzeiro, 1951. 309 p.

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• VASCONCELOS, Agripa. Sinhá Braba: romance do ciclo agropecuário nas gerais. BH: Itatiaia, 1966. 373 p. (Saga no país das Gerais, 2).

________________

MEMÓRIAS MUNICIPAIS E ESTADUAIS (MINAS GERAIS E OUTROS ESTA-DOS) • ALMEIDA, Horácio de. Brejo de areia: memórias de um município. RJ: Mi-

nistério da Educação e Cultura, 1958, 301 p. (Coleção “Vida Brasileira”)

• AUDRIN, José M. Os sertanejos que eu conheci. RJ: José Olympio, 1963, 205 p. (Col. Documentos Brasileiros, v. 117)

• BARBOSA, Emilio Garcia. Os Barbosas em Mato Grosso: estudo histórico. Campo Grande: Ed. Empresa Correio do Estado Ltda, 1961, 70 p.

• ______ . Esboço histórico e divagações sobre Campo Grande. Ed. Libraria Tipográfica Pindorama, 1964, 56 p.

• ______ . Panoramas do Sul do Mato Grosso. Campo Grande: Ed. Empresa Correio do Estado ltda, 1963, 182 p.

• ______ . Reminiscências. Campo Grande: Livraria Pindorama, 1965.

• BARBOSA, Francisco de Assis. João Pinheiro: documentário sobre sua vida. BH: APM, 1966. 366 p. (Publicações do APM, 1)

• LAMARTINE, Juvenal. Velhos costumes do meu sertão. Natal: Ed. da Funda-ção José Augusto, 1965, 135 p.

• LIMA, Esperidião de Queirós. Antiga família do sertão. RJ: Agilor, 1946. 331 p.

________________

ICONOGRAFIA, VISTAS, ARTES VISUAIS E PAISAGENS (DESENHOS, FOTO-GRAFIAS, ILUSTRAÇÃO, CATÁLOGOS DE EXPOSIÇÃO) • A PINTURA Holandesa de 1880 até hoje: introdução de Raul Pedrosa. RJ:

Instituto Brasil-Holanda, 1948. 39 p.

• ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Artistas coloniais. RJ: MEC/SDOC, 1958. 89 p. (Cadernos de Cultura, 113).

• ARNOLD, Henry. Initiation a la sculpture. Paris: Librairie d’Art R.Ducher, c.1936. 128 p. (Colection Manuels d’Initiation).

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• CHARBONNEAUX, Jean. La Sculpture Grecque. Paris: Fernad Hazan, s.d.

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• CRUZ, Ernesto Horácio da. Igrejas e Sobrados do Maranhão: São Luiz e Al-cântara. RJ: Livros de Portugal, 1953, 118 p.

• DI CAVALCANTI, Emiliano. Reminiscências líricas de um perfeito carioca, com ilustrações do autor. RJ: Civilização Brasileira, 1964, 97 p.

• FERREZ, Gilberto. As cidades de Salvador e Rio de Janeiro no século XVIII álbum iconográfico comemorativo do bicentenário da transferência da sede do governo do Brasil. RJ: IHGB, 1963. 88 p.

• FISCHER, Ernst. The necessity of art: a marxist approach. NY: Penguin Books, INC, c.1959. 234 p. (Pelican Books, A632).

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• FLEXA RIBEIRO; CARLOS OCTÁVIO. Velásquez e o Realismo. RJ: Gráfi-ca Antenna, 1949.

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• FUNCK-BRENTANO, Jacques Chrétien Frantz Séraphicus. La Renaissance. 73ª ed. Paris: Arthème Fayard, 1949. 442 p. (Les Grandes Études Historiques)

• GASQ. Paul e MARION, J. Le Musée de Dijon. Paris: Henris Laurens, 1934.

• GAUTHIER, Joseph. Graphique d’histoire de l’art. Paris: Plon, s.d. viii, 272 p.

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• KELLY, Celso. Portinari: quarenta anos de convívio. 1962 (2) - RJ: Edições GLT, s.d. 11 p.

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• LEMERLE, Paul. Le style byzantin. Paris: Librairie Larousse, c.1943. 131 p. (Arts, style ET techniques).

• LEONARDO DA VINCI, 1452 – 1519. Textes choisis: pensées, théories, pre-ceptes, fables ET facéties: 9ª ed. Paris: Mercure de France, 1929. 348 p. (Col d’auteurs étrangers).

• LHOTE, André. Traité du paysage. 4ª ed. Paris: Librairie Floury, 1948. 215 p.

• LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. RJ: José Olympio, 1963.

• MARANGONI, Matteo. Come si guarda um quadro com 193 illustrazzioni. 5ª ed. Firenze: Vallechi Editore, 1950. 458 p.

• MAUREL, André. Paysages d’Italie: de Milan a Rome. Hachete et Cie, 1913.

• MELO, João Cabral de (Neto) Joan Miró. RJ: MEC/SDOC, 1952. 48 p. (Os Cadernos de Cultura).

• MICHEL, Emile François. Paul Potter, par Émile Michel. Paris: Henri Lau-rens, ed. s/d. 128 p.

• PLATT, Rutheford Hayes. A pocket guide to the trees: with drawings by Mar-gareth L. Cosgrove. NY: Pocket Books, Inc. c.1952. 256 p.

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• PRINET, René François Xavier. Initiation au dessin. Paris: Librairie Ernest Flammarion. 1940. 124 p.

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• PUYVELDE, Leo Van. Les esquisses de Rubens. Bale: Les Editions Holbein, 1948. 97 p.

• QUEIROZ, Carlos. Paysages du Portugal: photographies de Mario Novaes. Lisbonne: Secretariat National de l’Information, 195?, 88 p.

• ROCHA, Glauber de Andrade. Revisão crítica do cinema brasileiro. RJ: Civi-lização Brasileira, 1963. 147 p. (Retratos do Brasil, v.21).

• RUBENS, Carlos. Historia de la pintura en el Brasil. (Colección Monografias Brasilenas, 3) RJ: Imprensa Nacional, 1943.

• SACHS, Paul Joséph. The pocket book of great drawings. NY: Pocket Books, c.1951. 112 p. (Pocket Book, 765)

• SCHNEIDER, René et GUSTAVE Cohen. La formation du genie moderne dans l’art de l’Occident – arts plastiques – art Littéraire, Paris: Renaissance du Livre, 1936.

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• STEFFERUD, Alfred. How to know the wild flowers: NY: The New Ameri-can Library, c.1950. 144 p.

• TRAZ, Georges de. Simon Bussy, par François Fosca. 4ª ed. Paris: Gallimard, c.1930. 63 p.

• TURLAY NEWBEY, Clare. Drawing a cat. London: The Studio (1948).

• UZÉ, Marcel. Le chat dans La nature dans l’histoire & dans l’art. Novara: Ed. de Varenne, 1951. 63 p.

• ______ . Il gatto nella natura nella storia e nella arte. Novara: Instituto Geo-grafico de Agostini, 1951. 63 p.

• VENTURI, Lionelo. Pour comprendre la peinture de Giotto à Chagall. Paris: Albin Michel, 1950. 216 p.

• WOLFFLIN, Heinrich. Principles of Art History. NY: Dover, s.d.

• ZUBIZARRETA, Carlos. Acuarelas paraguayas. 3ª ed. Buenos Aires: Edi-ciones Nizza, 1959. 140p.

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• BAROCELLI, Piero, BOCCASINO, Renato e CARRELI, Mario. Il reggio Museo Preistorico – Etnográfico “Luigi Pigorini” di Roma. 162 ilustrações, Roma, Libreria dello Stato, anno XV E.F (1937)

• CATALOGUE RAISONÉ DES TABLEAUX ET SCULPTURES. Haye: Musée Royal des Tableaux Mauritsuis, s.d

• CHEFS D’OEUVRE DES MUSÉES DE BERLIN. Paris: Petit Palais, Les Presses Artistiques, s.d

• CHEFS D’OEUVRE DE LA PINACOTHÉQUE DE MUNICH. Paris: Petit Palais, Les Presses Artistiques, s.d

• CHEFS D’OEUVRE RECUPERÉES EM ALLEMAGNE. Bruxeles: Ed. de la Connaissances, Palais de Beaux-Arts, 1948.

• CIARANFI, Anna Maria Francini. Il Palazzo e La Galleria Pitti in Firenze: álbum-itinerário. Firenze: Azienda Libraria Editoriale Fiorentina, 1949. 19 p. (Collezione Mirabilia)

• ESCULTURAS DE POLA REZENDE. RJ: MEC, 1941.

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• GALERIE CHARPENTIER, Cent portraits de femmes du XVe siécle a nos jours. S.l.p, scp, 1950.

• GIGLIOLI, Odoardo Hillyer. La regia galleria degli Uffizi. 2ª ed. Roma: La libreria dello Stato, 1940. 97 p. (Itinerari dei Musei e Monumenti d’Italia, 8)

• GRAPPE, Georges Pierre François. Catalogue du Musée Rodin.: essai de clas-sement chronolgiques des ouevres d’Auguste Rodin, 4eme Ed. Paris: Aulard & Cie, 1938. 155 p. front. Lus. 16 cm. s/marg.

• GUIDE DU MUSÉE DU LOUVRE, Paris: s.e, 1950.

• MODIGLIANI, Ettore. Catalogo della R. Pinacoteca di Brera in Milano, Mi-lano: R. Pinacote di Brera, (1935).

• MUSÉE DE DIJON. Catalogue ilustrée des ouevres de Fraçois Pompon. s.n.t

• MUSÉE DE L’ORANGERIE. Des maitres de Cologne a Albert Durer: primi-tifs de l’École Allemande Paris: les presses artistiques, sd. 75 p.

• MUSEO DEL PRADO (Madrid) Goya: 15 postales. Madrid: Kallmeyer y Gautier, s/d.

• MUSÉE DES MONUMENTS FRANÇAIS. L’art médiéval yougoslave: mou-lages et copies exécutés par des artistes yuougoslaves et français. L’exposition de l’art medieval Youoslave est placée sous les auspices de l’Association Francaise d’Action Artistique. Paris: Les presses artistiques. s.d. 59 p.

• MUSÉE DE LÓrangerie. Le paysage hollandais au XVII siécle. Paris: les presses artistiques, sd. 69 p.

• MUSÉE DU LOUVRE. Um compagnon pour visiteurs des collections du Mu-sée du Louvre. Paris: Ed. de l’indispensable, 1950. 231 p. i

• MUSÉE DU LOUVRE presenté par ses conservateurs. Angers editions Art et Tourisme. S.d 32 p. (Le Guide par l’image).

• MUSÉE DU LOUVRE. Les plus beaux tableaux du Louvre. Avec 246 gra-vures. Paris: Librairie Hachette, 1929. 191 p. PETIT PALAIS (Paris). Chefs d’oeuvre de la Pinacothèque de Munich – LPA. Editeur – Paris. L’exposition des chefs-d’ouevre de la Pinacothèque de Munich ... s/d.

• MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES (Rio de Janeiro). Exposição de Mosaicos de Ravena: catálogo organizado pelo prof. Giuseppe Bovini. Faen-za: Stabilimento Gráfico F. 70 p.

• MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES (Rio de Janeiro). Artes estrangei-ras no Museu Nacional de Belas Artes. RJ: MEC/Dep. de Imprensa Nacional, 1953. 143 p.

• MUSÉE NISSIM DE COMONDO. Paris: “Union Centrale des Arts Décora-tifs”, s.d.

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• MUSÉE RODIN. 4ª ed. Paris: Aulard, 1938.

• PETIT PALAIS (Paris). Chefs d’oeuvre des Musées de Berlin – Paris: Les Presses Artistiques, s.d. 70 p.

• RINALDIS, Aldo de, Catalogue de La Galerie Borghèse Rome. Rome 1949. 91 p.

• UM SÉCULO DE PINTURA BRASILEIRA. RJ: Museu Nacional de Belas Artes, MEC, s.d.

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• ANJOS, Cyro dos. A criação literária. RJ: MEC/SDOC, 1956. 109 p. (Os Ca-dernos de Cultura, 96)

• ARANHA, Graça. Graça Aranha: trechos escolhidos por Renato Almeida. RJ: Agir, 1958. 104 p. (Nossos Clássicos 27)

• AUERBACH, Erich. Mimesis. MEX: Fondo de Cultura Economica, 1950. 531 p.

• AZEVEDO, Fernando de. Máscaras e retratos. Estudos literários sobre os es-critores e poetas do Brasil. 2ª Ed. SP: Melhoramentos. 1962, 237 p. (Obras Completas, 5)

• BARBOSA, Francisco de Assis. Achados do vento. RJ: MEC/INL, 1958, 177 p. (Biblioteca de Divulgação Cultural, série A 15)

• ______ . A vida de Lima Barreto (1881-1922). 3ª ed. RJ: Civilização Brasilei-ra, 1964.

• BARBOSA, Rui. Oração aos moços. RJ: Casa de Rui Barbosa, 1949. 93 p.

• BERNAGE, Berthe. Savoir ecrire des lettres: conseils et formulas pour toutes les circonstances. Paris, Editions Gautier-Languereau, 1949. 415 p.

• BORNHEIN, Gerd A. Aspectos filosóficos do romantismo. POA: Sec. De E-ducação e Cultura, Inst. Estadual do Livro, 1959. 110 p. (Cadernos do Rio Grande, 8: Seção 1, Estudos e Conferências, 4)

• BRAY, René La preciosité et les précieu de Thibaut de Champagne à Jean Giradoux. Paris, Albin Michel, 1948. 406 p.

• CAILLOIS, Roger. Babel: orgueil, confusion et ruine de la littérature. 5ª ed. Paris: Galimard, 1948. 307 p.

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• CALMON, Pedro. Compendio de historia de la literatura brasilena. RJ: Im-prensa Nacional, 1942.

• CAMPOS, Paulo Mendes. Forma e Expressão do Soneto. RJ: MEC, 1952. 53 p. (Os Cadernos de Cultura)

• CANNABRAVA, Euryalo. Estética da Critica. RJ: MEC/SDOC, 1963. 323 p. (Coleção Letras e Artes, 13).

• ______ . A palavra escrita. RJ: Ed. Hipocampo, 1951.

• CÂNDIDO, Antônio. Tese e Antítese. SP: Cia Editora Nacional, 1964. 167 p. (Col. Ensaios.)

• ______ . Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meio de vida. RJ: José Olympio, 1964. 239 p. (Col. Documentos Brasileiros, v. 118)

• CARNEIRO, Levi. Na academia. RJ: Civilização Brasileira, 1943. 366p.

• CARPEAUX, Otto Maria. Pequena bibliografia critica da literatura brasilei-ra. RJ: MEC/SDOC, 1951. 271 p.

• ______ . A cinza do Purgatório. RJ: CEB, 1942.

• CASADO, José. Livro Branco da Crítica Literária. Maceió: Divulgação do Departamento Estadual de Cultura, 1966. (Coleção Critério,1)

• CASAIS MONTEIRO, Adolfo. Uma tese e algumas notas sobre a arte mo-derna. RJ: MEC/Departamento de Imprensa Nacional, 1956. (Col. Cadernos de Cultura)

• ______ . O Romance (Teoria e Crítica) RJ: Livraria José Olympio, 1964.

• COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. RJ: SulAmericana, São José, 1955.

• ______ . Conceito de Literatura Brasileira. RJ: Livraria Acadêmica, 1960. 76 p.

• CASTELLO, José Aderaldo. Aspectos do romance brasileiro. RJ: MEC/SDOC, 143 p. (Coleção Vida Brasileira, 18)

• CAVALHEIRO, Edgard. Evolução do conto Brasileiro. RJ: MEC/SDOC, 1954. 47 p.(Os cadernos de Cultura).

• CLARK, Graves Glenwood. Os Estados Unidos através do conto. RJ: MEC/SDOC, 1958. 159 p. (Os Cadernos de Cultura, 110)

• CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. RJ: MEC/INL, 1957. 663 p. (Biblioteca Cientifica Brasileira, B-V)

• DANTAS, San Tiago. Dom Quixote: um apólogo da alma ocidental. RJ: Agir, 1948. 67p.

• DUTRA, Waltensir; CUNHA, Fausto. Biografia crítica das Letras Mineiras – Esboço de uma história da Literatura em Minas Gerais. RJ: MEC/INL, 1956.

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295

• FONTOURA, João Neves da. Discurso de Resposta à Álvaro Lins em nome da Academia Brasileira de Letras ... na noite de 7 de julho de 1956. RJ: MEC/SDOC, 1956. 58 p.

• ______ . Poeira das palavras. RJ: MECS/SDOC 1953. 72 (Os Cadernos de Cultura)

• FLUSSER, Vilem. Língua e Realidade. SP: Ed. Herder, 1963. 238 p.

• HEGEL, Georg Wilhlem Friedrich. Esthéthique. Paris. Aubier, 1944. v. 23 cm. (Philosophie de l’Esprit).

• JULIO, Sylvio. Conexões folclóricas e literárias na poesia do Brasil por Sil-vio Julio. RJ: A. Coelho Branco, 1965. 253 p.

• KELLY, Celso. Liberdade e Paz: escritores a seu serviço. RJ: MEC/SDOC 1959. 1961, 25 p.

• LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Uma preposição portuguesa: Aspectos do uso da preposição “a” na língua literária moderna. RJ: Serviço Gráfico do IBGE, 1954. 148p.

• LIMA, Ébion de. Lições de Literatura Brasileira. 3ª ed. SP: Livraria Salesia-na, 1965. 596 p.

• LIMA, Herman. Variações sobre o conto. RJ: MEC/SDOC. 1952. 111 p. (Os Cadernos de Cultura)

• LINS, Álvaro. Roteiro literário do Brasil e de Portugal: antologia da língua portuguesa por Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Holanda. RJ: José Olympio, 1956.

• ______ . Missão em Portugal. RJ: Civilização Brasileira, 1960.

• ______ . Discurso sobre Camões e Portugal. RJ: MEC, 1956. 85 p. f

• ______ . Um estudo de Antônio Cândido. RJ: José Olympio, 1947. 309 p.

• ______ . Jornal de crítica: 6ª série. RJ: José Olympio, 1951. 316 p.

• ______ . Jornal de crítica: 7ª série. RJ: Ed O Cruzeiro, 1963. 325 p.

• ______ . Notas de um diário de crítica... RJ: José Olympio, 1943.

• ______ . A técnica do romance em Marcel Proust. RJ: José Olympio, 1956. 278 p.

• LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre: quarenta anos de correspondência literária entre M.Lobato e Godofredo Rangel. SP: Nacional, 1944. 504 p.

• MARTINS, Helcio. Pedro Salinas. Ensaios sobre sua poesia amorosa. RJ: MEC/SDOC, 1956. 111 p. (Os Cadernos de Cultura).

• MEYER, Augusto. Preto & Branco. RJ: MEC/INL, 1956. 227 p. (Biblioteca de Divulgação Cultural, 1)

• MORAES NETO, Prudente de. La novela brasilena. RJ: Imprensa Nacional, 1943. (Colection Monografias brasilenas, 4)

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• MOREIRA, Eidorfe. Sertão, a palavra e a imagem. Belém: H.Barra, 1959. 56 p.

• ______ . Presença do mar na literatura brasileira. Belém: H. Barra, 1962. 177 p.

• NASCENTES, Antenor de Veras. O idioma nacional. SP: Ed Nacional, 1942.

• PEREIRA, Lúcia Miguel. Cinqüenta anos de literatura. RJ: MEC, 1952. 38 p. (Os Cadernos de Cultura).

• ORICO, Osvaldo. Da forja à academia: memórias dum filho de ferreiro. RJ: José Olympio, 1956. 301 p. (Obras Escolhidas de Osvaldo Orico, v. 3).

• PEREZ, Renard. Escritores Brasileiros Contemporâneos. RJ: Civilização Bra-sileira, (1960).

• PIMENTEL, Osmar. Apontamentos de Leitura. SP: Conselho Estadual de Cul-tura. Comissão de Literatura, 1959. 141 p. (Coleção Ensaio)

• PORTRAIT OF A PUBLISHER: 1915/1965. NY: The Typophiles, 1965. 2 v. (Typophile Chap Books, 42-43)

• QUENEAU, Raymond. Bâtons, chiffres et letters. 7 ed. Paris: Galimard, 1950. 270 p.

• REGO, José Lins do. A casa e o homem. RJ: Organização Simões, 1954. 230 p. (Colecão Rex Ensaios Literários, v.4)

• RICARDO, Cassiano. A poesia na técnica e no romance. RJ: MEC/SDOC, 1953. 52 p. 20 cm. (Os Cadernos de Cultura, 59)

• RONÁI, Paulo. Encontros com o Brasil por Paulo Ronái. RJ: MEC/INL, 1958. 249 p. (Biblioteca de Divulgação Cultural, série A, 17)

• SANTOS, João Caetano dos. Lições Dramáticas RJ: MEC/SDOC, 1956. 141 p. (Coleção Teatro, 2).

• SAPIR, Edward. A linguagem: introdução ao estudo da fala. RJ: INL, 1954. 229 p. (Biblioteca Cientifica Brasileira, serie B, v.4)

• SARTRE, Jean-Paul. Saint Genet, comedien et martyr. 7a ed. Ed. Paris: Gali-mard, 1952. 578 p.

________________

LIVROS DE REFERÊNCIA

• ALMANAQUE MUNDIAL 1964 RJ: Seleções do Reader’s Digest c. 1963.

• AMARAL, Átila do. Manual de Engenharia Ferroviária. RJ: Globo, 1957.

• ANUÁRIO 1962 e 1963. RJ: MREX, Imprensa Nacional, RJ: 1963.

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297

• ARBORETO CARIOCA. RJ: Sec. de Econ.Departamento de Recursos Natu-rais, 1965

• BIBLIOTECA DE Selecciones. Libros escogidos y condensados. La Habanam Biblioteca de Selecciones, 1957. 478 p. (Biblioteca de Selecciones, 6)

• BIRDS AND ANIMALS FROM THE NATIONAL GALLERY. London, Harrison & Sons, 1943. viii, 32 p. fots. 19 cm. s/marg

• BRASIL, 1960. Situação, recursos, possibilidades, s/c. RJ: MREX, s.d.

• BRASIL, 1938. A new survey of Brazilian life, economics, financial, labour, social conditions, from a general point of view. RJ: IBGE, 1939

• BRASIL. CNG. Vocabulário Geográfico do Estado de Goiás; contribuição para o dicionário geográfico brasileiro. RJ: Serviço Gráfico do IBGE, 1957, 232 p.

• BRASIL, Atlas Geográfico Escolar. CNG, Campanha Nacional do Material de Ensino, 1956, 60 p.

• BRASIL. Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada. Plano Decenal de De-senvolvimento Econômico e Social. Educação II: diagnóstico preliminar. RJ: EPEA, 1966, 318 p.

• BRASIL. MINISTÉRIO da Viação e Obras Públicas. Serviço de Documenta-ção. O novo plano nacional de viação. RJ: Serviço de Documentação, 1965, 96 p. (Documentos da coordenação Executiva, 2).

• BRIQUET JÚNIOR, Raul. Pequeno dicionário inglês-portugues de termos empregados em anatomia, ezoognósia, fisiologia, zootecnia e teconologia de produtos animais. 2ª ed. RJ: MA, 1952. v. 23 cm. (Série Didática)

• CARNEIRO DE QUEIROZ, Honorino. Manual do Mestre de Obras. 2ª ed. s/c, Conquista, 1952.

• CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. RJ: INL, 1954. 660 p.

• CASTRO, Almerindo Martins de. Dicionário de rimas. RJ: Editora Moderna, 1944, 285 p.

• COSME, Luiz. Dicionário Musical. RJ: INL, 1957. 137 p.

• CHAMFORT, Maximes et Anecdotes. 2ª ed. Mônaco: 1950.

• DEVAUX, Pierre. Les chemins de fer. Paris: PUF, 1949. (“que sais-je?”)

• DIVISÃO TERRITORIAL DO BRASIL. – 4.235 municípios – 7.762 distri-tos, s.c., IBGE:CNG, 1965.

• ELFORGE, Henrique. Glossário dos nomes vulgares das plantas do herbário da seção de Botânica. RJ: Ministério da Agricultura, 1945. 80 p.

• ENCYCLOPEDIA PELA IMAGEM. Porto: Lello, s.d.

• ENCYCLOPÉDIE PAR L’IMAGE. Paris: Hachete, s/d.

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• GEOGRAFIA DO BRASIL: Grandes Regiões – Meio, Norte e Nordeste. RJ: IBGE/CNG, 1962.

• HORNADAY, Willian Temple. Official guide book to the New York zoologi-cal park. 24 ed. NY: Zoological Society, 1934. 224 p.

• JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. Guia dos visitantes. RJ: Servi-ço Florestal, Ministério da Agricultura, 1947. 42 p.

• KLEIN FILHO, Curt. Método relâmpago para gaitas. SP: Irmãos Vitale, c.1954. 15 p.

• LEMOS, Julio. Pequeno dicionário luso-brasileiro de vozes de animais: ono-matopéias e definições. Lisboa: Revista de Portugal, 1946. 71 p.

• MARIZ, Vasco. Dicionário Bio-Bibliográfico Musical: brasileiro e interna-cional. RJ: Kosmos, 1948. 246 p.

• MANUAL DE ENGENHARIA FERROVIÁRIA. RJ: Globo, 1957. 673 p.

• MANUAL DO FOGUEIRO. 2ª ed. Lisboa: Livraria Bertrand, s.d. 383 p.

• MEMENTO LAROUSSE. Encyclopédique et ilustrée; nouvelle edition entié-rement refondue. Paris: Librairie Larousee, 1949. 949 p.

• MINAS GERAIS. Departamento Estadual de Estatística. Dicionário Toponí-mico. 1945. BH: Depto Estadual de Estatística, 1945. 150 p.

• MINAS GERAIS. Serviço de Estatística Geral. Álbum Chorográfico munici-pal do Estado de Minas Gerais. BH: Imprensa Oficial, 1927.

• REBOUX, Paul Henri Amillet. Petits secrets de l`art d`ecrire. Ora: Editions Raoul Tari, 1946. 227 p.

• RIO DE JANEIRO (DF) Prefeitura, Departamento de Geografia e Estatística. Nomenclatura dos logradouros públicos do Distrito Federal. RJ: Prefeitura do DF, Departamento de Geografia e Estatística, 1958, 586 p.

• TEIXEIRA GUERRA, Antonio. Dicionário geológico-Geomorfológico. 2ª ed. RJ: IBGE, CNG, 1966

• THE COMPACT TREASURE OF INSPIRATION: NY: Pocket Books, Inc. 1955. 288 p.

• THE POCKET READER: 500 pages of reading entertainment. Short Stories, Articles, Poems, Puzzles and Short Misteries… NY: Pocket Books, 1941. 490 p. (Pockhet Books, 108).

• THE SOUTH AMERICAN HANDBOOK, 1940. London, Trade & Travel publications, 708 p.

• TROVADOR. coleção de modinhas, recitativos, árias, lundus etc. RJ: Livra-ria Popular de A.A. da Cruz Coutinho Ed., 1876. 5 v.

• VIGNES ROUGES, Jean des. DICTIONNAIRE DES CARACTÈRES. Paris: Oliveu, 1946.

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299

_______________

LITERATURA BRASILEIRA E ESTRANGEIRA

• ACCIOLY, Breno. Cogumelos. RJ: Ed. A Noite, 1949. 100 p.

• AESCHYLUS, 525 A.c. Théatre d’Eschyle Paris: Garnier, s.d. LXI, 325 p.

• ALMEIDA, Manuel A. de Memórias de um sargento de Milícias. SP: Martins, 1952. 286 p. (Biblioteca da Literatura Brasileira, 4)

• ______ . Memórias de um sargento de Milícias. RJ: Imprensa Nacional, 1944. 286 p. (Biblioteca Popular Brasileira, 9)

• ALVES, Raul. O Canastra. RJ: A Encadernadora, 1936. 244 p.

• AMADO, Jorge. Gabriela, Cravo e Canela. SP: Martins, 1958. 453 p. (Obras de Jorge Amado, 14)

• ______ . Dona Flor e seus dois maridos. SP: Martins, 1966.

• ANDRADE, Mário. Contos Novos. SP: Martins, 1947. 152 p. 22 cm. (Obras completas de Mario de Andrade)

• ______ . O empalhador de Passarinho. SP: Martins, s.d. 250 p. (Obras com-pletas de Mario de Andrade 20)

• ANJOS, Cyro dos. Abdias. RJ: Ed. José Olympio, 1945.

• ______ . Explorações no Tempo. RJ: MEC/SDOC, 1952. 67 p. (Os Cadernos de Cultura)

• ______ . Montanha. Romance. RJ: José Olympio, 1956. 391 p.

• ARANHA, Graça. A Viagem Maravilhosa. 3ª ed. RJ: F.Briguiet e cia. 1944. 400 p.

• ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. México: FCE, 1951. 242 p. (Serie de Lit. Moderna. Vida y ficcion, 19)

• BARREIROS, Eduardo Canabrava. O segredo de Sinhá Ernestina. RJ: José Olympio, 1967. 101 p.

• BINZER, Ina Von. Alegrias e Tristeza de uma educadora alemã no Brasil. SP: Anhembi, 1956. 137 p.

• BORBA FILHO, Emilio. Sol das almas. Romance. RJ: Civilização Brasileira, 1964. 231 p.

• BORGES, Jorge Luis. Manual de Zoologia fantástica por Jorge Luiz Borges e Margarita Guerrero. MEX: FCE, s.d. 159 p.

• BRAGA, Rubem. A cidade e a roça. Crônicas. RJ: José Olympio, 1957. 179 p.

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300

• ______ . Três “Primitivos”. RJ: MEC/SDOC, 1953. 19 p. (Os Cadernos de Cultura)

• CARDOSO, Lúcio. Maleita 2ª ed. RJ: O Cruzeiro, 1953. 252 p. Coleção Con-temporânea.

• CARVALHO, O.G. Rego de. Amor e Morte. Teresina: Caderno de Letras Me-ridiano, 1956. 157 p.

• CLOETE, Stuart. The turning wheels. NY: Penguin Books, 1946. 356 p.

• COLERIDGE, Samuel Taylor. The golden book of Coleridge. London: JM Dents & Sons Ltd. S.d xii. 289 p. (Everyman’s library, 43)

• COLETANÊA. Diversos. RJ: MEC/DOC, 1963. 157 p. (Coleção Teatro, 16).

• CONDÉ, José. Onda Selvagem. RJ: O Cruzeiro, 1950. 219 p.

• CONRAD, Joseph. Tales of hearsay. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, 1925. 272 p. (Col. Of British Authors, Tauchnitz Edition, 4674).

• CONY, Carlos Heitor. Antes, o verão. Romance. RJ: Civilização Brasileira, 1964. 171 p.

• COOPER, James Fenimore. The prairie: a tale. NY: The new american Li-brary, c.1964. vii, 415 p.

• COUTO, Ribeiro. Cabocla. Romance. 5ª ed. RJ: Organizações Simões, 1960. 236 p.

• ______ . Longe. Lisboa: Ed. Livros do Brasil, 1961.

• ______ . Entre mar e rio. Lisboa: Ed. Livros do Brasil, 1952.

• DANTAS, Paulo (Neto). Sertão do Boi Santo: rapsódia para um filme. SP: FCO Alves, 1963. 103 p. (Coleção Terra Forte, v.6).

• ______ . Purgatório. Romance. SP: Piratininga, 1954 (?). 248 p. (Trilogia Nordestina, II).

• ______ . Quem foi Antônio Conselheiro. Roteiro histórico e biográfico. SP: Emp. Gráfica Carioca, 1966. 77 p. (Col Brasil Paratodos, 1).

• ______ . Euclides opus 66. Balada heróica. SP: Empresa gráfica Carioca., 1965. 186 p.

• ______ . Chão de Infância. Novela. Cia Editora Nacional, 1953. 144 p. (Tri-logia Nordestina, I).

• DOYLE, Arthur Conan. The land of mist. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, 1926. 287 p. (Col. Of British Authors, Tauchnitz Edition, v.4728).

• ______ . The case-book of Sherlock Holmes. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, s.d. 296 p. (Collection of British and American Authors, Tauchnitz Edition, v.4790)

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301

• ______ . The Maracot Deep and other stories. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, 1929. 272 p. (Collection of British and American Authors, Tauchnitz Edition, v.4905)

• ______ . The lost world: being an account of the recent amazing adventures. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, s.d. 287 p. (Collection of British and America Authors, Tauchnitz Edition, v.4370)

• DOURADO, Autran. Uma vida em segredo. RJ: Civilização Brasileira, 1964, 103 p. Col. Novela Brasileira, 5.

• EMERSON, Ralph Waldo. The complete essays and other writings of Ralph Waldo Emerson. (...) NY: The Modern Library, s.d. 930 p.

• ERASMUS, Desiderius. Éloge de la folie. Paris: Editions de Cluny, 1941. XXVII, 168 p.

• FERNANDES, José Fonseca. Joatão e a ilha: romance. RJ: José Olympio, 1966, 206 p.

• FIGUEIREDO, Guilherme. O outro lado do rio. Romance. RJ: Civilização Brasileira, 1961. 257 p. (Col. Vera Cruz, Literatura Brasileira, 21)

• FORSTER, Edward Morgan. A passage to India. London: J.M. dent & Sons Ltd., c.1957. 282 p. (Everyman’s Library, 972).

• FREYRE, Gilberto. Dona Sinhá e o Filho Padre: seminovela. RJ: José Olym-pio, 1964, 187 p. (Obras reunidas de Gilberto Freyre).

• ______ . Talvez poesia. RJ: José Olympio, 1962. 97 p. (Obras reunidas de G Freyre)

• GHOST stories. Select by John Hampdem. London: JM, Dent & Sons Ltd, 1939. 15 p. (Everymans Library, 952)

• GOMES, Eugenio. O romancista e o ventríloquo. RJ: MEC/Serviço de Do-cumentação, 1952. 95 p. 29 cm. (Os Cadernos de Cultura).

• GRAU, Shirley Ann. The black prince and other stories. NY: The new Amer-ican Library, c.1954. 191 p. (Signet Books, s.1318)

• GUIRALDES, Ricardo. Dom Segundo sombra: SLP: MRE, 1952. 300 p. 18 cm. (Col. Brasileira de Autores Argentinos, 10).

• HAMSUN, Knut Pedersen. Un vagabond joue en sardine. Paris: Les Editions Rieder, 1932. 253 p.

• HOMER. The Iliad., Harmond w.Middlesex, Penguin Books, (1950).

• ______ . The Odyssey, Hardmondsw: Penguin, 1948

• HUXLEY, Aldous. As portas da percepção e O céu e o Inferno: RJ: Civiliza-ção Brasileira, 1957. 172 p.

• IVO, Ledo. Um brasileiro em Paris e o rei da Europa. RJ: JO, 1955. 82 p.

• ______ . O caminho sem aventura. Romance. 2ª ed. RJ: O Cruzeiro, 1958. 163 p.

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302

• ______ . A cidade e os dias. Crônicas e histórias. RJ: O Cruzeiro, 1957. 234 p.

• ______ . Estação central. RJ: Tempo Brasileiro, 1964. 11 p.

• ______ . Ladrão de Flor. RJ: Elos, 1962. 246 p.

• ______ . Use a passagem subterrânea. SP: Difusão Européia do Livro, 1961. 101 p.

• JARDIM, Luis. Isabel do sertão. Peça em 3 atos. RJ: José Olympio, 1959. 127 p.

• KIPLING, Rudyard. The five nations. Leipizig: Bernhard Tauchnitz, 1903. 246 p. (Col. of British Authors, Tauchnitz Edition, v.3689).

• ______ . The second jungle book. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, s.d. 280 p. (Col. of British and American Authors, v.3181).

• ______ . Something of myself for my friends known and unknown. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, c.1938, 216 p. (Tauchnitz Edition of British and Ameri-can Authors, v.5311).

• ______ . The light that failed. Leipzig: FA Brockhaus, 1913. 278 p. (The Eng-lish Library).

• ______ . The seven seas. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, 1897. 256 p. (Col. of British Authors, Tauchnitz Edition, v.3189).

• ______ . The vampire and other verses. NY: Barse&Hopkins Publishers, s.d. 62 p.

• ______ . Just so stories for little children. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, s.d. 254 p. (Col. of British and American Authors, v.3615).

• ______ . Just so stories for little children. Rome: the Albatross, 1949. 224 p. The Albatross Modern Continental Library, v.3615).

• ______ . Le plus belle histoire du monde: 47a ed. Paris: Mercure de France, 1946. 213 p.

• ______ . Leipzig: Bernhard Tauchnitz, s.d. 366 p. (Col. of British and Ameri-can Authors, v.3527).

• LA FONTAINE, Jean de. Fable de La Fontaine: Paris: Théodore Lefévre et Cie. Ed., s.d. 248 p.

• LEA, Tom. The brave bulls NY: Pocket Books, c.1949. 264 p. (Pockhet Books, 771)

• LIMA, Herman. O conto. Salvador: Universidade da Bahia, 1958. 68 p.

• ______ . Poeira do tempo: memórias. RJ: José Olympio, 1967. 332 p.

• LISPECTOR, Clarice. Alguns contos. RJ: MEC, 1952. 51 p. (Os Cadernos de Cultura)

• LONDON, Jack. South sea tales. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, sd. 286 p. (Collection of British and American Authors, v. 4392).

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303

• LCHATEAUBRIAND, François Auguste René. Memoires d’outre-tombe. Paris: Librairie Garnier, s.d.

• MACIEL, Amora. Tição. Contos. RJ: Continental Editorial, 1966. 210 p.

• MAUGHAM, William Somerset. Cosmopolitans: very short stories. Leipzig: Bernhard Tauchnitz, c. 1937. 210 p. (Tauchnitz Edition of British and Ameri-can Authors, 5253.)

• MARSH, Ngaio. Overture to death. Philadelphia: The Blakiston Company, 1943. VI, 312 p. (Pocket Book Best Sellers, 221)

• MELVILLE, Herman. Moby Dick or the Whale: complete and unabridged edition. NY: The New American Library, sd. XX, 536 p. (Signet Book, D1229)

• ______ . Moby Dick. 115éme ed. Paris: Galimard, 1948. 552 p.

• ______ . Moby Dick. RJ: José Olympio, 1957. 2v. 24 cm.

• MENDES, Murilo. Contemplação de Ouro Preto. RJ: MEC, 1954, 171 p.

• ______ . O discípulo de Emaús. 2 ª ed. RJ: Agir, 1946.138 p.

• MELLO, Edelweiss Barcellos. Viajante impreciso: poesia. RJ: Pongeti, 1955. 127 p.

• MELO, João Cabral de (Neto) O cão sem plumas. Barcelona: SCP, 1950. 41 p. 17 cm.

• ______ . Duas águas (poemas reunidos). RJ: José Olympio, 1956. 270 p.

• ______ . O engenheiro. RJ: Amigos da Poesia, 1945. 55 p.

• ______ . Quaderna. Lisboa: Guimarães Ed. 1960. 113 p. (col. Poesia e Verda-de)

• MÉRIMÉE, Prosper. Nouvelles choisies et extraits. Paris: Hachete, c.1939. 93 p.

• MOLIERE, Jean Baptiste Poquelin. Artimanhas de Scapino. Comédia em 3 atos. RJ: MEC/SDOC, 1962. 91 p. (Coleção Teatro)

• MOLNAR, Ferenc. Os meninos da Rua Paulo. SP: Saraiva, 1952. 189 p.

• MOOG, Clodomir Viana. Tróia. Romance. RJ: Civilização Brasileira, 1962. 406 p. (Col. Vera Cruz, Literatura Brasileira, 35)

• MORA, Otavio. Ausência viva. RJ: Livraria São Jose, 1956. 84 p.

• ______ . Terra Imóvel. RJ: São Jose, 1959. 123 p. 22 cm.

• MORAES. Vinicius de. Orfeu da Conceição. Tragédia carioca. 2ª ed. RJ: São José, 1960. 113 p.

• OLIVEIRA, Isócrates de. Drama de um padre. RJ: Calçadense, 1954. 180 p.

• ______ . A hora do anticristo. RJ: Ed. do Autor, 1965 (?). 432 p.

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304

• PALMÉRIO, Mario. Vila dos Confins. RJ: José Olympio, 1963, 296 p. (Col. Sagarana, 5).

• PENA, Cornélio. A menina morta. RJ: José Olympio, 1954. 458 p.

• PEREIRA, Antônio Olavo. Marcoré. Romance. Dedicatória do autor. RJ: JO, 1957. 265 p. 23 cm. s/marg

• ______ . Fio de prumo. Romance. RJ: José Olympio, 1965. 247 p.

• PIMENTEL, Américo. (Capitão de corveta) Meu primeiro comando. 1925-1927. RJ: Imprensa Naval, 1929, 123 p.

• PIRES, Waldir Magalhães. Sangue, amor e neve. 2ª Ed. RJ: Depto Imprensa Nacional, 1950. 512 p.

• QUEIROZ, Rachel de. 100 crônicas escolhidas. RJ: José Olympio, 1958. 347 p.

• ______ . A donzela e a moura torta. (crônicas e reminiscências). RJ: José Olympio, 1948. 212 p.

• RAMOS, Graciliano. Infância: memórias. 4ª ed. RJ: José Olympio, 1955. 248 p.

• ______ . Terra bruciata: a cura de Edoardo Bizarri. Milano: Nuova Acade-mia Editrice, 1961. 184 p.

• ______ . Vidas secas. Romance. 5ª ed. RJ: José Olympio, 1955. 154 p.

• RANGEL, Godofredo. Vida Ociosa. 2ª ed. SP: Cia Edit. Nacional, 1934. 251 p.

• REBELO, Marques. Marafa. SP: Martins, 1956. 218 p. (Obras de Marques Rebelo, 1).

• REGO, José Lins do. Pedra Bonita. 3ª ed. RJ: José Olympio, 1943. 369 p.

• ______ . Fogo Morto. 2ª ed. RJ: José Olympio, 1944. 370 p.

• ______ . Meus verdes anos. RJ: José Olympio,1956. 351p.

• RICARDO, Cassiano. A face perdida. 1948-1949. Poesia. RJ: JO, 1950. 177 p.

• ______ . O arranha-céu de vidro. RJ: José Olympio, 1956. 184 p.

• ______ . O difícil manhã. RJ: Livros de Portugal, 1960. 161 p.

• ______ . Jeremias sem chorar. RJ: José Olympio, 1964. 160 p.

• ______ . Montanha Russa. SP: Cultrix, 1960. 162 p.

• ______ . Poesias completas. RJ: José Olympio, 1957. 662 p.

• ROCHA, Adolfo Correia da. Bichos: contos por Miguel Torga. 4ª ed. Coim-bra, Atlântida, 1946. 131 p.

• RODRIGUES M Wilson Woodrow. Contos. RJ: Torre Editora, s.d. 126 p. 23 cm.

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305

• RUBIÃO, Murilo. Os dragões e outros contos. SLP: Movimento Perspectiva, 1965. 188 p.

• RUNYON, Damon. The best of Damon Runyon: NY: Pocket Books, 1938. 237 p. (Pocket Books, 53).

• SALES, Herberto. Além dos marimbus: narrativa da viagem que fez Jenner Nogueira Chaves às matas do Andaraí para compra de uma fazenda onde ex-trair madeiras. RJ: O Cruzeiro, 1961.

• ______ . Cascalho. Romance. 4ª Ed. RJ: O Cruzeiro, 1966. 319 p.

• ______ . Dados biográficos do finado Marcelino. Romance. RJ: O Cruzeiro, 1965. 254 p.

• ______ . Histórias ordinárias. RJ: O Cruzeiro, 1966. 200 p.

• SHAKESPEARE, Willian. The complete works: London: Humphrey Milford, Oxford University Press., s/d. VIII, 1164 p.

• ______ . Five great tragedies. NY Pocket Books, c.1939. VIII, 574 p.

• ______ . Four great comedies: NY: Pocket Books, 1948. XI, 372 p. (Pocket Book, 533)

• ______ . Macbeth. RJ: José Olympio, 1961. 110 p.

• SHELLEY, Mary Wollstonecraft. Frankenstein. London: JM Dents&Sons Ltd, 1933. 242 p. (Everyman’s Library, 616)

• STEVENSON, Robert Louis Balfour. The great short stories of R Louis Ste-venson. NY: Pocket Books, 1951. 370 p. (A Cardinal Edition, C-48)

• ______ . Treasure Island: NY: Pocket Books, 1939. 244p.

• SILVA, José Antônio da. Romance de minha vida SP: MAM, 1949. 239 p.

• SUASSUNA, Ariano. Auto da compadecida. RJ: Agir, 1957, 203 p.

• THE ALBATROSS BOOK OF LIVING VERSE: English and American poe-try from the thirteenth century to the present day (…) Leipzig: The Albatross, c.1933. 655 p. (The Albatross Modern Continental Libray, 55)

• WILDER, Thornton Niven. The ides of March. London: Longmans, Green and Co., 1948. 198 p.

________________

PERIÓDICOS • ALMANAQUE Bertrand Lisboa 1900... 1902/1951 – (com falhas)

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306

• ALMANAQUE Mundial (Seleções do Readers Digest – Rio de Janeiro) - A-nos 1962 e 1964 (com falhas)

• ANUÁRIO DA Academia Brasileira de Letras Rio de Janeiro 1935 – 1957/9 –

12 -1960/4 – 13

• ARAUTO da Christian Science (The Herald Christian Science – Portuguese Edition) Boston 1951 ... 1960, 10:4

• THE CHRISTIAN Science Journal (The first Church of CChrist, Scientist in

Boston) Boston …. 1960, 78 - 1961, 79 - 1962, 80 - 1963, 81- 1964, 82

• CHRISTIAN Science Sentinel, Boston …. 1960, 62 – 3,5-9, 11-13,15-28,31-53 / 1961, 63 1-52 / 1962, 64 – 1-30,32-39,41,44-45,48,51-52 / 1963, 65 – 8 ….

• DIÁLOGO, Revista de Cultura. (Sociedade Cultural Nova Crítica SP) ....

1955, 2(dez) / 1957, 8 / 1958, 10 / 1960, 12-13 / 1963, 15 / 1964, 16

• Le HÉRAUT de la Science Chrétienne (The Herald of Christian Science, French Edition, Boston) … 1950, 33 – 6 / 1960, 43, 8-9 / 1961, 44, 2-3, 7, 9 / 1964, 47, 1

• INVENÇÃO – Revista de Arte e Vanguarda São Paulo .... 1962, 1 – 2 / 1963,

2 – 3 / 1966/67, 6 – 5

• THE Kenyon Review Gambier, Ohio, Estados Unidos – 1939-1970 .... 1962, 24 – 4 / 25, 2-4

• NOONDAY (The noonday Press) New York …. 1960, 3

• A ORDEM Revista de Cultura (Centro Dom Vital) Rio de Janeiro, 1921 ....

/1962, 68 – 1, 5,6

• PAPELES (Revista de Ateneo de Caracas, Caracas, Venezuela) ... 1967, 3-4

• PERGUNTE E RESPONDEREMOS Rio de Janeiro, 1957 –..... 1960, 3 – 26, 29-34 / 1961, 4 – 37-42, 45-48 / 1962, 5 – 49-57, 59 / 1965 e 1966 (não apare-ceu!) / 1967, 8 – 85-87, 89

• REVISTA DA ACADEMIA MATOGROSSENSE DE LETRAS (Academia

Matogrossense de Letras) Cuiabá ... 1937, 5 – 9-10 / 1963, 30 – 56

• REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA (Instituto Brasileiro de Filosofia) São Paulo, 1951 – 1965, 15 – 57,60 / 1966, 16 – 62,64 / 1967, 17 – 66-68

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307

• REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Rio de Janeiro, 1939 - .... 1963, 25 – 3,4 / 1964, 26 – 1-3 / 1965, 27 – 1 / 1966, 28 – 1

• REVISTA SELEÇÕES DE READERS DIGEST .... 1951/1967 (115, 143,

149, 208, 217, 222, 235, 238-239, 242-243, 247-257, 259-262, 264-284, 286-288, 290, 292, 298-310) [64 números] / 208 – maio 1959

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