Buracos Negros Com Rotação
-
Upload
tessiomelo -
Category
Documents
-
view
14 -
download
2
description
Transcript of Buracos Negros Com Rotação
Universidade Federal de Campina Grande
Departamento de Física
Curso de Pós-Graduação em Física
Relatividade Geral II
PROFESSOR: VICTOR IGNÁCIO AFONSO
ALUNO: TÉSSIO ROGÉRIO NÓBREGA BORJA DE MELO
SOLUÇÃO DE KERR E BURACOS NEGROS COM ROTAÇÃO
Campina Grande, Paraíba
Outubro de 2014
ii
SUMÁRIO
1 Introdução .............................................................................................................. 3
2 A Métrica Geral de Um Espaço-Tempo Estacionário Axialmente Simétrico ........... 4
3 O Arrasto dos Referenciais Inerciais ....................................................................... 6
4 A Métrica de Kerr ................................................................................................... 8
5 A Estrutura de Um Buraco Negro de Kerr............................................................. 12
5.1 Singularidades e Horizontes .......................................................................... 12
5.2 Superfícies de Limite Estacionário e de Redshift Infinito ............................... 15
5.3 A Ergosfera................................................................................................... 18
5.4 O Processo de Penrose .................................................................................. 20
6 Geodésicas na Geometria de Kerr ......................................................................... 23
6.1 Geodésicas Não-Nulas no Plano Equatorial ................................................... 24
6.2 Geodésicas Nulas no Plano Equatorial .......................................................... 26
7 Coordenadas de Eddington-Finkelstein ................................................................. 28
8 Extensão Analítica da Solução de Kerr ................................................................. 31
9 Considerações Finais ............................................................................................ 33
Apêndice A – Carga, Energia e Momento Angular em um Espaço-Tempo
Assintoticamente Plano ............................................................................................... 34
Bibliografia ................................................................................................................. 37
3
1 INTRODUÇÃO
A solução de Schwarzschild descreve a geometria do espaço-tempo exterior a
um objeto estático esfericamente simétrico, sendo caracterizada por um único parâmetro
𝑀, que corresponde à sua massa. Entretanto, a maioria dos objetos astrofísicos reais
possui rotação e se buracos negros puderem ser originados a partir do colapso
gravitacional de estrelas rotantes, eles possuirão, portanto, momento angular.
A gravitação, por sua própria natureza intrínseca, age de modo que a fonte do
campo gravitacional se acopla diretamente com a geometria exterior por ele gerada –
característica evidenciada na não-linearidade das equações de campo. No caso de um
objeto massivo rotante, o espaço-tempo tende a “acompanhar” o movimento de rotação
do objeto, fazendo com que as geodésicas se assemelhem a espirais centradas em um
eixo, e por isso partículas de teste tendem a girar em torno da fonte, mesmo que não
possuam momento angular. Dessa forma, o eixo de rotação do objeto define uma
direção preferencial de movimento e, consequentemente, o espaço-tempo não pode ser
mais isotrópico, tampouco, esfericamente simétrico. Por esta razão, em Relatividade
Geral, não é possível encontrar uma transformação de coordenadas que reduza a
geometria do espaço-tempo exterior a um corpo em rotação, à geometria esfericamente
simétrica de Schwarzschild. Esta situação é bastante diferente do que acontece na teoria
newtoniana, na qual sempre é possível mudar para um referencial que gira com a fonte,
reduzindo-a ao repouso.
4
2 A MÉTRICA GERAL DE UM ESPAÇO-TEMPO
ESTACIONÁRIO AXIALMENTE SIMÉTRICO
Estamos interessados em obter a geometria do espaço-tempo exterior a um corpo
massivo em rotação. Para isso, faremos primeiro uma análise das simetrias que este
espaço-tempo deve possuir, antes de resolver propriamente as equações de Einstein. É
razoável admitir que um corpo girando em torno de um eixo a uma taxa constante, deva
produzir uma geometria estacionária e que possua simetria em torno do eixo de rotação.
Por isso, procuramos a forma geral de uma métrica estacionária axialmente simétrica.
A estacionariedade e a simetria axial implicam a existência de vetores de Killing
e, portanto, a existência de um sistema de coordenadas adaptado a essas simetrias.
Introduzimos então a coordenada 𝑡 tipo-tempo e o ângulo azimutal 𝜙 em torno do eixo
de rotação, sendo os vetores de Killing correspondentes, 𝜕 𝜕𝑡 e 𝜕 𝜕𝜙 . Neste sistema
especialmente adaptado, a métrica deve ser independente das coordenadas 𝑡 e 𝜙, ou
seja,
𝑔𝜇𝜈 = 𝑔𝜇𝜈 𝑥1,𝑥2 , 2.1
onde 𝑥1, 𝑥2 são coordenadas tipo-espaço. Além da simetria axial, devemos impor que o
elemento de linha seja invariante pela inversão simultânea de 𝑡 e 𝜙,
𝑡 ⟶ −𝑡 e 𝜙 ⟶ −𝜙. 2.2
Este requerimento adicional nos permite dizer que o espaço-tempo em questão é gerado
por um corpo em rotação, pois ele garante que a fonte do campo gravitacional, qualquer
que seja ela, tenha movimento puramente de rotacional em torno do eixo de simetria.
Em conseqüência disso, devemos ter
𝑔01 = 𝑔02 = 𝑔13 = 𝑔23 = 0, 2.3
5
pois os termos correspondentes no elemento de linha mudam de sinal sob a
transformação 2.2 . Assim, 𝑑𝑠2 deve ter a seguinte forma,
𝑑𝑠2 = 𝑔00𝑑𝑡2 + 𝑔03𝑑𝑡𝑑𝜙 + 𝑔33𝑑𝜙
2 + 𝑔11 𝑑𝑥1 2 + 2𝑔12𝑑𝑥
1𝑑𝑥2 + 𝑔22 𝑑𝑥2 2 .
2.4
Devido ao fato de 𝑔𝜇𝜈 depender apenas de 𝑥1 e 𝑥2, podemos considerar a
expressão dentro dos colchetes em 2.4 como descrevendo uma subvariedade
bidimensional e usar o fato de que qualquer variedade bidimensional é conformalmente
plana, ou seja,
𝑔𝑎𝑏 = Ω2 𝑥 𝜂𝑎𝑏 , 2.5
onde Ω2 𝑥 é uma função arbitrária das coordenadas e 𝜂𝑎𝑏 = 𝑑𝑖𝑎𝑔 −1,−1 ,
considerando que a assinatura de 𝑔𝜇𝜈 é −2. Sendo assim, podemos escrever o elemento
de linha 2.4 da seguinte forma
𝑑𝑠2 = 𝐴𝑑𝑡2 − 𝐵 𝑑𝜙 − 𝜔𝑑𝑡 2 − 𝐶 𝑑𝑥1 2 + 𝑑𝑥2 2 . 2.6
Vamos agora chamar as coordenadas 𝑥1 e 𝑥2, respectivamente, de 𝑟 e 𝜃 – às
quais, a princípio, não podemos atribuir um significado geométrico. No entanto, para
que se possa fazer com que elas sejam o mais similares possível com as coordenadas 𝑟 e
𝜃 usuais de um espaço esfericamente simétrico, é útil considerar que os coeficientes 𝑔22
e 𝑔33 não sejam idênticos no elemento de linha 2.6 , de modo que passamos a escrevê-
lo como,
𝑑𝑠2 = 𝐴𝑑𝑡2 − 𝐵 𝑑𝜙 − 𝜔𝑑𝑡 2 − 𝐶𝑑𝑟2 − 𝐷𝑑𝜃2 , 2.7
onde 𝐴, 𝐵, 𝐶, 𝐷 e 𝜔 são funções arbitrárias das coordenadas 𝑟 e 𝜃, e temos a liberdade
de relacionar 𝐶 e 𝐷 de uma maneira tal a fazer com que as coordenadas 𝑟 e 𝜃 sejam o
mais próximas possível do caso esfericamente simétrico. As funções em 2.7 estão
relacionadas com as componentes da métrica por
6
𝑔𝑡𝑡 = 𝐴 − 𝐵𝜔2 , 𝑔𝑡𝜙 = 𝐵𝜔, 𝑔𝜙𝜙 = −𝐵, 𝑔𝑟𝑟 = −𝐶, 𝑔𝜃𝜃 = −𝐷.
2.8
Note que 𝜔 = −𝑔𝑡𝜙 𝑔𝜙𝜙 e se o corpo não estiver em rotação, devemos ter
𝜔 = 0, pois neste caso (de não-rotação) a métrica deve ser invariante por uma reversão
temporal 𝑡 ⟶ −𝑡 e, consequentemente, 𝑔𝑡𝜙 = 0.
3 O ARRASTO DOS REFERENCIAIS INERCIAIS
A presença do termo 𝑔𝑡𝜙 ≠ 0 na métrica 2.4 introduz qualitativamente novos
efeitos nas trajetórias das partículas. Como 𝑔𝜇𝜈 não depende de 𝜙, a componente
covariante do quadrimomento 𝑝𝜙 da partícula é conservada ao longo da geodésica. De
fato 𝑝𝜙 = −𝐿, onde 𝐿 é a componente do momento angular da partícula ao longo do
eixo de rotação, o qual é conservado. Esta conservação é conseqüência direta da
simetria axial do espaço-tempo. O momento angular total da partícula, entretanto, não é
uma quantidade conservada, dado que o espaço-tempo não é esfericamente simétrico em
torno de nenhum ponto.
As componentes contravariantes 𝑝𝜙 e 𝑝𝑡 do quadrimomento da partícula são
dadas por
𝑝𝜙 = 𝑔𝜙𝜇 𝑝𝜇 = 𝑔𝜙𝑡𝑝𝑡 + 𝑔𝜙𝜙 𝑝𝜙 ,
3.1
𝑝𝑡 = 𝑔𝑡𝜇𝑝𝜇 = 𝑔𝑡𝑡𝑝𝑡 + 𝑔𝑡𝜙𝑝𝜙 .
Consideremos uma partícula com momento angular nulo, de modo que 𝑝𝜙 = 0
ao longo da geodésica. Pela definição de quadrimomento, tanto para um fóton quanto
para uma partícula massiva, temos
𝑝𝑡 ∝𝑑𝑡
𝑑𝜍, 𝑝𝜙 ∝
𝑑𝜙
𝑑𝜍, 3.2
7
onde 𝜍 é um parâmetro afim ao longo da geodésica e as constantes de proporcionalidade
em cada caso são iguais. Então a trajetória da partícula é tal que
𝑑𝜙
𝑑𝑡≡ 𝜔 𝑟, 𝜃 =
𝑝𝜙
𝑝𝑡 ⇒ 𝜔 𝑟,𝜃 =
𝑔𝑡𝜙
𝑔𝑡𝑡. 3.3
Se 𝑔𝑡𝜙 ≠ 0, a partícula adquire um movimento transversal, além do radial que já
possuía. Temos então o surpreendente resultado de que uma partícula lançada em “linha
reta” no infinito com momento angular nulo é levada, somente pela influência da
gravidade, a adquirir uma velocidade angular no mesmo sentido de rotação da fonte.
Pela equação 3.3 vemos que o significado físico de 𝜔 é correspondente à velocidade
angular coordenada de uma partícula de momento angular nulo.
Este efeito é chamado de arrasto dos referenciais inerciais, e está presente em
qualquer métrica que possua 𝑔𝑡𝜙 ≠ 0, o que implica que ele sempre acontece quando a
fonte está em rotação. Referenciais inerciais são aqueles nos quais partículas de teste em
queda livre estão em repouso ou se movem em linha reta com velocidade constante. Se
uma partícula está em queda livre, para que ela esteja em repouso em relação a algum
referencial (inercial) em qualquer ponto espacial 𝑟, 𝜃,𝜙 , o referencial deverá estar se
movendo com uma velocidade angular 𝜔 𝑟, 𝜃 . Qualquer outro referencial inercial está
relacionado a este por uma transformação de Lorentz. Os referenciais inerciais são então
“arrastados” pela fonte rotante. Uma ilustração esquemática desse efeito em um plano
𝜃 = constante é mostrada na figura 1.
Figura 1: Arrasto dos referenciais inerciais.
8
Pode-se testar experimentalmente esse efeito por meio de giroscópios. É sabido
que um giroscópio em movimento mantém seu momento angular constante ao longo da
sua trajetória, apontando sempre para a mesma direção. Em um campo gravitacional,
entretanto, a curvatura do espaço-tempo faz com que a direção do momento angular se
altere, provocando o chamado de desvio geodésico. Além do desvio geodésico, o efeito
do arrasto dos referenciais inerciais faz com que o momento angular adquira um
movimento de precessão em torno da fonte. Embora os desvios sejam muito pequenos,
eles são cumulativos, e podem ser medidos mesmo em um campo gravitacional fraco,
desde que se espere um tempo suficiente. Recentemente, foram realizados experimentos
na órbita da Terra, utilizando giroscópios embarcados em um satélite chamado Sonda
Gravitacional B, lançado em 2004 pela NASA. Os resultados finais do experimento,
anunciados em 2011, confirmaram a existência dos dois efeitos e mostraram que os
desvios estão em excelente acordo com as previsões da Relatividade Geral.
4 A MÉTRICA DE KERR
Nesta seção esboçamos o caminho seguido para se obter a solução encontrada
primeiramente por Roy Kerr em 1963, a qual descreve a métrica exterior de um espaço-
tempo devido a um corpo em rotação. Embora o procedimento seja conceitualmente
direto, ele é algebricamente complicado e por isso não vamos resolver propriamente o
problema completo, limitando-nos a apresentar apenas os principais passos envolvidos e
os resultados. Encontramos anteriormente a forma da métrica estacionária axialmente
simétrica em termos de funções arbitrárias 𝐴, 𝐵, 𝐶, 𝐷 e 𝜔, que dependem das
coordenadas 𝑟 e 𝜃. Essa métrica é bastante geral, podendo descrever espaços-tempo
gerados tanto por objetos como estrelas e planetas, como também por objetos rotantes
estendidos, a exemplo de cordas cósmicas, contanto que sejam axialmente simétricos.
O procedimento para se obter a geometria devido a um objeto físico específico
consiste em calcular as componentes da conexão 𝛤𝜈𝜍𝜇
correspondentes à métrica 2.7 , e
então calcular as componentes do tensor de Ricci 𝑅𝜇𝜈 em termos das funções
9
desconhecidas 𝐴, 𝐵, 𝐶, 𝐷 e 𝜔. Como estamos interessados na métrica exterior, devemos
resolver as equações de Einstein no vácuo,
𝑅𝜇𝜈 = 0. 4.1
Ocorre que, neste caso, as equações de Einstein não dão uma solução única, ao
contrário do que acontece com a solução de Schwarzschild, por exemplo. Porém, isso
não é de todo surpreendente, porque a condição de simetria axial é bem menos restritiva
que a de simetria esférica. Para obter uma solução única, devemos de alguma forma
incluir nos cálculos as características do tipo de solução que estamos interessados. Neste
caso, estamos interessados nas soluções que correspondem a objetos compactos (que
têm uma extensão limitada) tais como estrelas. Representamos matematicamente essa
informação impondo a condição de que o espaço-tempo seja assintoticamente plano, a
métrica devendo então tender à de Minkowski para regiões muito afastadas da fonte.
Com o requerimento adicional de que exista uma superfície fechada convexa e suave
fora da qual a geometria é não singular, vemos que as equações de Einstein fornecem
uma solução única (a menos de uma transformação de coordenadas, é claro), a qual é
chamada de solução de Kerr. Em termos das coordenadas 𝑡, 𝑟,𝜃,𝜙 , o elemento de
linha da geometria de Kerr toma a seguinte forma,
𝑑𝑠2 = 𝑐2 1 −2𝜇𝑟
𝜌2 𝑑𝑡2 +
4𝜇𝑎𝑐𝑟 sen2 𝜃
𝜌2𝑑𝑡𝑑𝜙 −
𝜌2
Δ𝑑𝑟2 − 𝜌2𝑑𝜃2
− 𝑟2 + 𝑎2 +4𝜇𝑟𝑎2 sen2 𝜃
𝜌2 sen2 𝜃 𝑑𝜙2 ,
4.2
onde 𝜇 e 𝑎 são constantes, e 𝜌2 e Δ são definidos como,
𝜌2 = 𝑟2 + 𝑎2 cos2 𝜃 , Δ = 𝑟2 − 2𝜇𝑟 + 𝑎2 . 4.3
Esta expressão para o elemento de linha 𝑑𝑠2 é chamada de forma de Boyer-
Lindquist da solução de Kerr, e 𝑡, 𝑟, 𝜃, 𝜙 são as coordenadas de Boyer-Lindquist.
Podemos, no entanto, reescrever a métrica 4.2 em várias outras formas úteis. Fazendo,
10
Σ2 = 𝑟2 + 𝑎2 2 − 𝑎2Δ sen2 𝜃 , 4.4
podemos escrever 𝑑𝑠2 como,
𝑑𝑠2 =Δ−𝑎2 sen2 𝜃
𝜌2𝑐2𝑑𝑡2 +
4𝜇𝑎𝑟 sen2 𝜃
𝜌2𝑐𝑑𝑡𝑑𝜙 −
𝜌2
Δ𝑑𝑟2 − 𝜌2𝑑𝜃2 −
Σ2 sen2 𝜃
𝜌2𝑑𝜙2.
4.5
Esta forma pode ainda ser rearranjada de uma maneira mais sugestiva para um objeto
em rotação,
𝑑𝑠2 =𝜌2Δ
Σ2𝑐2𝑑𝑡2 +
Σ2 sen2 𝜃
𝜌2 𝑑𝜙 − 𝜔𝑑𝑡 2 −
𝜌2
Δ𝑑𝑟2 − 𝜌2𝑑𝜃2 , 4.6
de onde podemos obter 𝜔 = 2𝜇𝑐𝑟𝑎 Σ2 .
Vemos que a métrica de Kerr depende de dois parâmetros 𝜇 e 𝑎, como seria de
se esperar para um corpo em rotação. Além disso, no limite 𝑎 → 0,
Δ → 𝑟2 1 −2𝜇
𝑟 ,
𝜌2 → 𝑟2 ,
Σ2 → 𝑟4 ,
e então, qualquer uma das formas da métrica de Kerr acima tendem à métrica de
Schwarzschild,
𝑑𝑠2 → 𝑐2 1 −2𝜇
𝑟 𝑑𝑡2 − 1 −
2𝜇
𝑟 −1
𝑑𝑟2 − 𝑟2𝑑𝜃2 − 𝑟2 sen2 𝜃 𝑑𝜙2 . 4.7
Isto sugere que devemos fazer a identificação 𝜇 = 𝐺𝑀 𝑐2 (chamada de massa
geométrica), onde 𝑀 é a massa do corpo e, além disso, vemos que 𝑎 deve estar
relacionado, de alguma forma, à velocidade angular do objeto, por isso é
11
frequentemente chamado de parâmetro de rotação. No apêndice A, discutimos
brevemente a obtenção da energia e momento angular para um espaço assintoticamente
plano, e vemos que o momento angular total do espaço-tempo de Kerr é 𝐽 = 𝑀𝑎𝑐.
Notamos ainda que no limite 𝑎 → 0, as coordenadas 𝑟 e 𝜃 podem ser identificadas como
sendo as coordenadas polares de Schwarzschild, porém no caso geral isto não pode ser
feito. De fato, vemos de 4.2 que as superfícies 𝑡 = constante e 𝑟 = constante não têm
a métrica de 2-esferas.
Podemos ainda escrever 𝑑𝑠2 na forma original descoberta por Kerr, conhecida
hoje como forma de Kerr-Schild,
𝑑𝑠2 = 𝜂𝜇𝜈 𝑑𝑥𝜇𝑑𝑥𝜈 − 𝜆𝑙𝜇 𝑙𝜈𝑑𝑥
𝜇𝑑𝑥𝜈 , 4.8
onde 𝑙𝜇 é um vetor nulo com respeito à métrica de Minkowski 𝜂𝜇𝜈 ,
𝜂𝜇𝜈 𝑙𝜇 𝑙𝜈 = 0. 4.9
Um elemento de linha da forma 4.8 satisfaz as equações de Einstein no vácuo,
desde que
𝜆 =2𝜇𝑟3
𝑟2 + 𝑎2𝑧2,
4.10
𝑙𝜇 = 𝑐,𝑟𝑥 + 𝑎𝑦
𝑎2 + 𝑦2,𝑟𝑦 − 𝑎𝑥
𝑎2 + 𝑦2,𝑧
𝑟
onde 𝑥𝜇 = 𝑡 ,𝑥,𝑦, 𝑧 e 𝑟 é definido implicitamente em termos de 𝑥, 𝑦 e 𝑧 como
𝑟4 − 𝑟2 𝑥2 + 𝑦2 + 𝑧2 − 𝑎2 − 𝑎2𝑧2 = 0. 4.11
A forma de 𝑑𝑠2 então fica,
𝑑𝑠2 = 𝑐2𝑑𝑡 2 − 𝑑𝑥2 − 𝑑𝑦2 − 𝑑𝑧2 −
−2𝜇𝑟3
𝑟4 + 𝑎2𝑧2 𝑐𝑑𝑡 −
𝑟
𝑟2 + 𝑎2 𝑥𝑑𝑥 + 𝑦𝑑𝑦 −
𝑎
𝑟2 + 𝑎2 𝑥𝑑𝑦 − 𝑦𝑑𝑥 −
𝑧
𝑟𝑑𝑧
2
4.12
12
As duas formas 4.2 e 4.12 são equivalentes, desde que os dois conjuntos de
coordenadas estejam relacionados por
𝑐𝑑𝑡 = 𝑐𝑑𝑡 −2𝜇𝑟
Δ𝑑𝑟,
𝑥 = 𝑟 cos 𝜙′ + 𝑎 sen 𝜙′ sen 𝜃,
𝑦 = 𝑟 sen 𝜙′ − 𝑎 cos𝜙′ sen 𝜃 , 4.13
𝑧 = 𝑟 cos 𝜃,
onde 𝑑𝜙′ = 𝑑𝜙 − 𝑎 Δ 𝑑𝑟.
5 A ESTRUTURA DE UM BURACO NEGRO DE
KERR
A métrica de Kerr apresentada na seção anterior é a solução exterior de um
objeto massivo em rotação, sendo portanto válida até a superfície do objeto. No entanto,
vamos considerar a geometria de Kerr completa, válida em todo o espaço, como sendo
uma solução de vácuo das equações de Einstein. Esta solução descreve buracos negros
com rotação, conforme constataremos nesta seção.
5.1 SINGULARIDADES E HORIZONTES
A métrica de Kerr na forma de Boyer-Lindquist é singular em 𝜌 = 0 e Δ = 0.
Porém, calculando o escalar invariante 𝑅𝜇𝜈𝜍𝜌 𝑅𝜇𝜈𝜍𝜌 vemos que apenas 𝜌 = 0 é uma
singularidade intrínseca. Como
𝜌2 = 𝑟2 + 𝑎2 cos2 𝜃 = 0,
13
a singularidade ocorre em
𝑟 = 0, 𝜃 =𝜋
2, 5.1
ou ainda, usando a forma de Kerr-Schild, ela ocorre em
𝑥2 + 𝑦2 = 𝑎2 , 𝑧 = 0. 5.2
A singularidade, surpreendentemente, tem a forma de um anel de raio 𝑎 no plano
equatorial, diferentemente do caso de Schwarzschild, onde ela reside em apenas um
ponto.
Na métrica de Kerr, horizontes de eventos irão se formar quando as 3-superfícies
𝑟 = constante forem superfícies nulas, ou seja, os vetores normais a estas superfícies
são nulos. Isto ocorrerá quando 𝑔𝑟𝑟 = 0, o equivalentemente, 𝑔𝑟𝑟 = ∞. Como
𝑔𝑟𝑟 = −𝜌2
Δ, 5.3
os pontos onde Δ = 0 (singularidades coordenadas), são horizontes de eventos.
Resolvendo Δ = 0 para 𝑟, no caso em que 𝜇2 > 𝑎2, temos
𝑟± = 𝜇 ± 𝜇2 − 𝑎2 1 2 . 5.4
Temos então a existência de dois horizontes em 𝑟+ e em 𝑟−. No limite de Schwarzschild
𝑎 → 0, eles se reduzem a 𝑟 = 0 e 𝑟 = 2𝜇, como esperado. As superfícies 𝑟 = 𝑟± são
axialmente simétricas, mas não são esféricas. Fazendo 𝑟 = 𝑟± e 𝑡 = constante em 4.2 ,
obtemos superfícies bidimensionais com elementos de linha,
𝑑𝑠2 = 𝜌±2𝑑𝜃2 +
2𝜇𝑟±
𝜌±2 sen2 𝜃 𝑑𝜙2 , 5.5
14
os quais não descrevem a geometria de 2-esferas. Imergindo essas superfícies em um
espaço euclidiano tridimensional, vê-se que elas se assemelham a elipsóides axialmente
simétricos achatados ao longo do eixo de simetria.
A existência do horizonte de eventos externo 𝑟 = 𝑟+ mostra que a geometria de
Kerr representa um buraco negro. Esta superfície é como uma membrana unidirecional,
através da qual uma partícula ou um fóton só pode atravessar uma vez, de fora para
dentro, nunca na direção oposta.
Pode-se distinguir, então, três regiões distintas em um buraco negro de Kerr,
chamadas de regiões I, II e III, limitadas pelos horizontes de eventos, tais que:
Região I : 𝑟+ < 𝑟 < ∞ , Região II : 𝑟− < 𝑟 < 𝑟+ , Região III : 0 < 𝑟 < 𝑟− .
A solução é regular em cada uma dessas regiões.
É importante notar que nem todos os valores de 𝑎 e 𝜇 correspondem a uma
solução de buraco negro. Da equação 5.4 , vemos que se
𝑎2 > 𝜇2 , 5.6
não existirão valores reais de 𝑟 que anulem Δ, de modo que não existirão
horizontes de eventos. Como a singularidade intrínseca em 𝜌 = 0 continuaria a existir
nesse caso, teríamos a existência de uma chamada singularidade nua, ou seja, uma
singularidade que não está envolvida por um horizonte de eventos. Nesse caso, pode-se
mostrar que geodésicas temporais e nulas no plano equatorial podem começar na
singularidade e ainda assim alcançar o infinito, fazendo portanto com que a
singularidade esteja visível ao universo exterior. Entretanto, a hipótese da censura
cósmica previne que isto aconteça. Segundo ela:
Singularidades nuas não podem se formar em um colapso gravitacional de
estados genéricos não singulares em um espaço-tempo assintoticamente plano
que obedeça a condição de energia dominante.
15
Embora essa hipótese ainda não tenha sido demonstrada, acredita-se que ela seja
verdadeira e várias tentativas de contra-exemplos foram feitas para refutá-la, porém sem
sucesso.
O fato de a condição 𝑎2 ≤ 𝜇2 ser satisfeita impõe um limite superior no
momento angular 𝐽 do buraco negro. Como 𝐽 = 𝑀𝑎𝑐 e 𝜇 = 𝐺𝑀 𝑐2 , temos
𝐽 ≤𝐺𝑀2
𝑐. 5.7
No caso em que 𝑎2 = 𝜇2, o buraco negro é chamado de buraco negro extremo.
Neste caso, os horizontes de eventos 𝑟+ e 𝑟− coincidem em 𝑟 = 𝜇 e 𝐽 = 𝐺𝑀2 𝑐 . É
provável que buracos negros muito próximos do caso extremo ocorram naturalmente em
muitas situações astrofísicas. Matéria caindo em um buraco negro forma um disco de
acreção que rotaciona no mesmo sentido que ele. A matéria do disco carrega momento
angular conforme espirala e cai em direção ao horizonte de eventos, aumentando assim
o momento angular do buraco negro. Este aumento de momento angular, entretanto, é
limitado pelo fato de que a matéria em rápida rotação emite radiação intensamente,
levando embora consigo parte do momento angular.
5.2 SUPERFÍCIES DE LIMITE ESTACIONÁRIO E DE REDSHIFT
INFINITO
Associada ao efeito do arrasto dos referenciais inerciais está a existência das
chamadas superfícies de limite estacionário, as quais passamos agora a discutir.
Considere fótons emitidos de uma posição com coordenadas espaciais fixas 𝑟, 𝜃, 𝜙 no
espaço-tempo. Em particular, considere que eles são emitidos nas direções ±𝜙 de modo
que, a princípio, apenas 𝑑𝑡 e 𝑑𝜙 são não-nulos ao longo do caminho. Como 𝑑𝑠2 = 0
para a trajetória de um fóton, temos
𝑔𝑡𝑡𝑑𝑡2 + 2𝑔𝑡𝜙𝑑𝑡𝑑𝜙 + 𝑔𝜙𝜙 𝑑𝜙2 = 0, 5.8
ou
16
𝑔𝜙𝜙 𝑑𝜙
𝑑𝑡
2
+ 2𝑔𝑡𝜙
𝑑𝜙
𝑑𝑡+ 𝑔𝑡𝑡 = 0, 5.9
de onde obtemos,
𝑑𝜙
𝑑𝑡= −
𝑔𝑡𝜙
𝑔𝜙𝜙±
𝑔𝑡𝜙
𝑔𝜙𝜙
2
−𝑔𝑡𝑡
𝑔𝜙𝜙
1 2
. 5.10
Se 𝑔𝑡𝑡 𝑟, 𝜃 > 0 no ponto de emissão, vemos que 𝑑𝜙 𝑑𝑡 é positivo (negativo)
para um fóton emitido na direção 𝜙 positiva (negativa), como seria de se esperar,
embora o valor de 𝑑𝜙 𝑑𝑡 seja diferente para as duas direções. Agora, em uma
superfície definida por 𝑔𝑡𝑡 𝑟,𝜃 = 0, as duas soluções da equação acima são,
𝑑𝜙
𝑑𝑡= −
2𝑔𝑡𝜙
𝑔𝜙𝜙= 2𝜔,
𝑑𝜙
𝑑𝑡= 0. 5.11
A primeira solução corresponde a um fóton enviado na mesma direção que a
fonte de rotação, e a segunda, a um fóton sendo enviado na direção oposta. Para o
segundo caso, vemos que quando 𝑔𝑡𝑡 𝑟, 𝜃 = 0 o arrasto nas órbitas é tão severo que o
fóton não se move! Qualquer partícula massiva, dessa forma, irá girar junto com a fonte,
mesmo que o seu momento angular seja arbitrariamente grande no sentido oposto. Por
isso, qualquer superfície definida por 𝑔𝑡𝑡 𝑟, 𝜃 = 0 é chamada de superfície limite de
estacionário. No interior da superfície, onde 𝑔𝑡𝑡 𝑟, 𝜃 < 0, nenhuma partícula (massiva
ou fóton) pode se manter numa posição fixa. Isto pode ser mostrado diretamente
considerando a quadrivelocidade de um observador em 𝑟, 𝜃,𝜙 fixo, a qual é dada por,
𝑢𝜇 = 𝑢𝑡 , 0,0,0 . 5.12
Entretanto, tem-se que cumprir a condição 𝒖 ∙ 𝒖 = 𝑔𝑡𝑡 𝑢𝑡 2 = 𝑐2, a qual não pode ser
satisfeita se 𝑔𝑡𝑡 < 0, mostrando, portanto, que uma quadrivelocidade da forma 5.12
não é possível nessa região.
Qualquer superfície definida por 𝑔𝑡𝑡 = 0 é interessante fisicamente pela
ocorrência de outro fenômeno importante. Para um emissor E e um receptor R com
17
coordenadas fixas em um espaço-tempo estacionário, pode-se mostrar que o redshift
gravitacional sofrido pelo fóton desde o evento da emissão até o evento da recepção, é
dado, em geral, por
𝜈𝑅
𝜈𝐸=
𝑔𝑡𝑡 𝐴
𝑔𝑡𝑡 𝐵
1 2
, 5.13
onde 𝐴 é o evento no qual o fóton é emitido e 𝐵 é o evento no qual o fóton é recebido.
Vemos que se o fóton é emitido de um ponto com coordenadas espaciais fixas, então
𝜈𝑅 → 0 no limite 𝑔𝑡𝑡 → 0, sofrendo portanto um redshift infinito. Por isso, uma
superfície definida por 𝑔𝑡𝑡 𝑟,𝜃 = 0 é também chamada de superfície de redshift
infinito.
Para o caso específico da métrica de Kerr, temos
𝑔𝑡𝑡 = 𝑐2 1 −2𝜇𝑟
𝜌2 = 𝑐2
𝑟2 − 2𝜇𝑟 + 𝑎2 cos2 𝜃
𝜌2, 5.14
então (no caso 𝑎2 ≤ 𝜇2) essas superfícies, chamadas de 𝑆+ e 𝑆−, ocorrem em
𝑟𝑆± = 𝜇 ± 𝜇2 − 𝑎2 cos2 𝜃 1 2 . 5.15
As duas superfícies 𝑆+ e 𝑆− são axialmente simétricas, mas fazendo 𝑟 = 𝑟𝑆± e
𝑡 = constante na métrica de Kerr, e notando de 5.4 que 𝑟𝑆±2 + 𝑎2 = 2𝜇𝑟𝑆± +
𝑎2 sen2 𝜃, obtemos os elementos de linhas de superfícies bidimensionais
𝑑𝑠2 = 𝜌±2𝑑𝜃2 +
2𝜇𝑟𝑆± 2𝜇𝑟𝑆± + 2𝑎2 sen2 𝜃
𝜌𝑆±2 sen2 𝜃 𝑑𝜙2, 5.16
os quais, novamente, não descrevem a geometria de 2-esferas, mas sim descrevem
superfícies que se assemelham a elipsóides. No limite de Schwarzschild 𝑎 → 0, a
superfície 𝑆+ se reduz a 𝑟 = 2𝜇 e 𝑆− a 𝑟 = 0. Na solução de Schwarzschild, portanto, a
superfície de redshift infinito e o horizonte de eventos coincidem.
18
A superfície 𝑆− toca a singularidade no plano equatorial. Além disso, 𝑆− se
encontra completamente interna ao horizonte de eventos 𝑟 = 𝑟− (exceto nos pólos, onde
eles se tocam). Já a superfície 𝑆+ tem raio coordenado 2𝜇 no equador e, para todo 𝜃,
envolve completamente o horizonte de eventos externo 𝑟 = 𝑟+ (exceto nos pólos, onde
eles se tocam), dando origem a uma região entre eles, chamada de ergosfera. A
estrutura de um buraco negro de Kerr é ilustrada na figura 2.
Figura 2: Estrutura de um buraco negro de Kerr.
5.3 A ERGOSFERA
A propriedade que define uma ergosfera (a qual pode ocorrer em outros tipos de
espaços-tempo) é que ela é uma região onde 𝑔𝑡𝑡 < 0, porém as partículas podem ainda
escapar (na geometria de Schwarzschild, por exemplo, não existe ergosfera porque
𝑔𝑡𝑡 < 0 apenas no interior do horizonte de eventos). Como na ergosfera 𝑔𝑡𝑡 < 0 em
todos os pontos, uma conseqüência imediata é que um observador não poderá se
encontrar em uma posição fixa 𝑟,𝜃,𝜙 nessa região, dado que ele está no interior da
superfície de limite estacionário. É possível, entretanto, que o observador se mantenha
em coordenadas 𝑟 e 𝜃 fixas, rotacionando em torno do buraco negro (em relação a um
observador no infinito). A quadrivelocidade de tal observador é dada por
19
𝑢𝜇 = 𝑢𝑡 1,0,0,Ω , 5.17
onde Ω = 𝑑𝜙 𝑑𝑡 é a sua velocidade angular com respeito a um observador no infinito.
Na ergosfera existem restrições no movimento dos observadores que são
induzidas pela geometria do espaço-tempo, de modo que Ω não pode assumir um valor
arbitrário, mas sim estará limitado a uma faixa de valores permitidos. Como 𝒖 ∙ 𝒖 =
𝑔𝜇𝜈 𝑢𝜇𝑢𝜇 = 𝑐2, temos de 5.17 ,
𝑔𝑡𝑡 𝑢𝑡 2 + 2𝑔𝑡𝜙𝑢𝑡𝑢𝜙 + 𝑔𝜙𝜙 𝑢𝜙
2= 𝑢𝑡 2 𝑔𝑡𝑡 + 2𝑔𝑡𝜙Ω + 𝑔𝜙𝜙 Ω2 = 𝑐2
5.18
Como 𝑢𝑡 é real, devemos ter
𝑔𝜙𝜙 Ω2 + 2𝑔𝑡𝜙Ω + 𝑔𝑡𝑡 > 0. 5.19
Sendo 𝑔𝜙𝜙 < 0 em todo o espaço-tempo, o lado esquerdo da equação acima como
função de Ω é uma parábola côncava para baixo. Desse modo, Ω poderá estar no
intervalo Ω− < 𝛺 < Ω+, onde
Ω± = −𝑔𝑡𝜙
𝑔𝜙𝜙±
𝑔𝑡𝜙
𝑔𝜙𝜙
2
−𝑔𝑡𝑡
𝑔𝜙𝜙
1 2
= 𝜔 ± 𝜔2 −𝑔𝑡𝑡
𝑔𝜙𝜙
1 2
. 5.20
Quando 𝑔𝑡𝑡 = 0 (limite externo da ergosfera), temos que Ω− = 0 e Ω+ = 2𝜔. O
limite inferior Ω− = 0 indica que Ω tem que ser positivo, obrigando o observador a
rotacionar no mesmo sentido que o buraco negro. Já no outro caso especial em que
𝜔2 = 𝑔𝑡𝑡 𝑔𝜙𝜙 , teremos Ω± = 𝜔. Neste caso, os observadores são forçados a rotacionar
com um único valor possível de velocidade angular Ω = 𝜔. Na geometria de Kerr, isto
ocorrerá no horizonte de eventos externo 𝑟 = 𝑟+, o qual define o limite inferior da
ergosfera.
Em resumo, vemos que para um observador que se encontra em coordenadas
fixas 𝑟 e 𝜃 no interior da ergosfera, a faixa de valores permitidos de velocidade angular
Ω− < 𝛺 < Ω+ fica cada vez mais estreita conforme nos aproximamos do horizonte
𝑟 = 𝑟+, e ainda, no próprio horizonte a velocidade é limitada a um único valor Ω𝐻 ,
20
Ω𝐻 = 𝜔 =𝑎𝑐
2𝜇𝑟+. 5.21
Ω𝐻 é, portanto, o valor máximo de velocidade angular permitido para um
observador na ergosfera.
5.4 O PROCESSO DE PENROSE
O processo de Penrose é um processo pelo qual se pode extrair energia de um
buraco negro de Kerr, como mostraremos a nesta seção. Suponha que um observador
numa posição fixa no infinito lança uma partícula 𝐴 na ergosfera de um buraco negro de
Kerr. A energia da partícula 𝐴, medida pelo observador no evento da emissão ℰ, é dada
por
𝐸 𝐴 = 𝒑 𝐴 ℰ ∙ 𝒖𝑜𝑏𝑠 = 𝑝𝑡 𝐴 ℰ , 5.22
onde 𝒑 𝐴 é o quadrimomento da partícula no evento ℰ e 𝒖𝑜𝑏𝑠 é a quadrivelocidade do
observador , a qual tem componentes 𝑢𝑜𝑏𝑠𝜇 = 1,0,0,0 .
Suponha agora que em algum ponto na ergosfera, a partícula 𝐴 decai em outras
duas partículas 𝐵 e 𝐶. Pela conservação do quadrimomento, no evento do decaimento
𝒟, temos
𝒑 𝐴 𝒟 = 𝒑 𝐵 𝒟 + 𝒑 𝐶 𝒟 . 5.23
Se o decaimento ocorre de tal maneira que a uma das partículas, 𝐶 digamos,
escape da ergosfera e eventualmente alcance o infinito, um observador que recebe essa
partícula irá medir sua energia no evento da recepção ℛ, como
𝐸 𝐶 = 𝑝𝑡 𝐶 ℛ = 𝑝𝑡
𝐶 𝒟 , 5.24
21
onde a segunda igualdade segue devido ao fato de a componente temporal covariante do
quadrimomento da partícula ser conservada na geometria de Kerr, dado que a métrica é
estacionária, 𝜕𝑡𝑔𝜇𝜈 = 0. Do mesmo modo, para a partícula original temos 𝑝𝑡 𝐴 𝒟 =
𝑝𝑡 𝐴 ℰ . Assim, a componente temporal da equação 5.23 pode ser escrita como
𝐸 𝐶 = 𝐸 𝐴 − 𝑝𝑡 𝐵 𝒟 , 5.25
onde 𝑝𝑡 𝐵 é também conservado ao longo da geodésica seguida por 𝐵.
É importante notar que 𝑝𝑡 𝐵 = 𝒆𝑡 ∙ 𝒑 𝐵 , onde 𝒆𝑡 é o vetor da base coordenada
correspondente à coordenada 𝑡, cujo módulo quadrado é dado por
𝒆𝑡 ∙ 𝒆𝑡 = 𝑔𝑡𝑡 . 5.26
Se a partícula 𝐵 sempre escapasse da superfície externa da ergosfera, isto é, para
uma região onde 𝑔𝑡𝑡 > 0, então 𝒆𝑡 seria tipo-tempo. Dessa forma, 𝑝𝑡 𝐵 seria
proporcional à energia da partícula medida por um observador com quadrivelocidade ao
longo da direção de 𝒆𝑡 . Neste caso, 𝑝𝑡 𝐵 tem que ser positivo, e então 5.25 implica
que 𝐸 𝐶 < 𝐸 𝐴 . Entretanto, se a partícula 𝐵 nunca escapasse da ergosfera, mas, ao
contrário, caísse no buraco negro, então ela permaneceria numa região onde 𝑔𝑡𝑡 < 0, de
modo que 𝒆𝑡 é tipo-espaço. Neste caso, 𝑝𝑡 𝐵 seria uma componente espacial do
momento da partícula, a qual pode ser positiva ou negativa. Para decaimentos nos quais
ela fosse negativa, de 5.25 vemos que 𝐸 𝐶 > 𝐸 𝐴 e então teremos extraído energia
do buraco negro. Este é o processo de Penrose.
Uma vez que a partícula tenha ultrapassado o horizonte de eventos, a massa 𝑀 e
o momento angular 𝐽 = 𝑀𝑎𝑐 do buraco negro se tornam:
𝑀 ⟶ 𝑀 + 𝑝𝑡 𝐵 𝑐2 , 5.27
𝐽 ⟶ 𝐽 + 𝐿. 5.28
De 5.27 vemos que o valor negativo de 𝑝𝑡 𝐵 para uma partícula em queda livre no
processo de Penrose reduz a massa total do buraco negro. Para mostrar que o momento
angular do buraco negro é reduzido pela partícula em queda livre, é útil considerar um
22
observador na ergosfera em uma posição de coordenadas 𝑟 e 𝜃 fixas, o qual observa a
partícula 𝐵 quando ela passa por ele. A quadrivelocidade deste observador será dada por
5.17 ,
𝑢𝜇 = 𝑢𝑡 1,0,0,Ω .
Este observador irá medir a energia da partícula 𝐵 como sendo
𝐸 𝐵 = 𝑝𝜇 𝐵
𝑢𝜇 = 𝑢𝑡 𝑝𝑡 𝐵
+ 𝑝𝜙 𝐵
Ω . 5.29
Como a energia tem que ser positiva, devemos ter
𝑝𝑡 𝐵
+ 𝑝𝜙 𝐵
Ω > 0
𝑝𝑡 𝐵
− 𝐿Ω > 0,
ou,
𝐿 <𝑝𝑡
𝐵
Ω, 5.30
onde 𝐿 = −𝑝𝜙 𝐵
é a componente do momento angular da partícula ao longo do eixo de
rotação do buraco negro. Como 𝑝𝑡 𝐵
é negativo no processo de Penrose e ainda, pelos
resultados da seção anterior, Ω tem que ser positivo para um observador dentro da
ergosfera, implica que 𝐿 < 0. Então, a partícula em queda livre terá momento angular
negativo, fazendo com que o momento angular líquido do buraco negro seja reduzido. A
energia rotacional pode ser continuamente extraída até que o momento angular do
buraco negro seja zero, e ele se torne um buraco negro de Schwarzschild.
Podemos ainda estabelecer um limite máximo para 𝐿 (o que é equivalente a um
limite inferior na sua magnitude, já que 𝐿 é negativo), lembrando que na ergosfera há
um valor máximo de velocidade angular Ω𝐻 , que ocorre no horizonte de eventos 𝑟 = 𝑟+.
Denotando as variações na massa e momento angular do buraco negro por 𝛿𝑀 e 𝛿𝐽
respectivamente, de 5.30 temos que
23
𝛿𝐽 <𝑐2𝛿𝑀
Ω𝐻, 5.31
onde deve ser lembrado que ambos 𝛿𝑀 e 𝛿𝐽 são negativos. Pode-se ainda mostrar que a
área do horizonte de eventos 𝑟 = 𝑟+, dada por
𝐴 =8𝜋𝐺
𝑐4 𝑀2 + 𝑀4 −
𝑐𝐽
𝐺
2
, 5.32
varia da seguinte forma quando 𝑀 e 𝐽 variam,
𝛿𝐴 =8𝜋𝐺
𝑐
𝑎
Ω𝐻 𝜇2 − 𝑎2 𝛿𝑀 − Ω𝐻
𝛿𝐽
𝑐2 . 5.33
Levando em conta ainda a equação 5.31 , temos que
𝛿𝐴 > 0, 5.34
mostrando assim que a área do horizonte de eventos de um buraco negro nunca decresce
em um processo de Penrose.
6 GEODÉSICAS NA GEOMETRIA DE KERR
No que segue, vamos discutir brevemente as principais características das
geodésicas de Kerr, tanto para partículas massivas como para fótons. As equações para
as geodésicas nesta geometria são bem menos tratáveis que as da geometria de
Schwarzschild, fazendo com que a trajetória das partículas exiba um comportamento
bastante mais complicado. Podemos citar duas diferenças claras em relação ao caso de
Schwarzschild: a primeira é que devido ao efeito do arrasto dos referenciais inerciais,
não é possível a existência de geodésicas radiais; segundo, as trajetórias em geral não
estão contidas em um plano – refletindo o fato de o espaço-tempo não ser esfericamente
24
simétrico – o que faz com que o momento angular das partículas não seja uma
quantidade conservada.
Há, entretanto, outras constantes de movimento na geometria de Kerr que são
úteis, pois fornecem integrais primeiras às equações de movimento. Essas grandezas são
as componentes 𝑝𝜙 e 𝑝𝑡 do quadrimomento, que se conservam devido à simetria axial e
à estacionariedade da métrica, respectivamente. Para ver isso, basta olharmos para a
equação da geodésica escrita na seguinte forma
𝑡 𝜇 =1
2 𝜕𝜇𝑔𝜍𝜌 𝑡
𝜍𝑡𝜌 , 6.1
onde 𝑡𝜇 é a componente covariante do vetor tangente à curva. Se 𝑔𝜍𝜌 não depende de
uma das coordenadas 𝑥𝜇 , vemos que a componente 𝑡𝜇 correspondente é conservada.
Como o quadrimomento é proporcional ao vetor tangente, tanto para fótons quanto para
partículas massivas, implica que a componente 𝑝𝜇 é uma constante de movimento.
A métrica de Kerr possui ainda simetria de reflexão no plano equatorial, de
modo que partículas que estejam inicialmente nesse plano com 𝑝𝜃 = 0, irão sempre
manter 𝑝𝜃 = 0, e suas geodésicas estarão restritas a este plano. Vamos então nos
concentrar nas principais características das geodésicas para este caso especial mais
simples de movimento no plano equatorial.
6.1 GEODÉSICAS NÃO-NULAS NO PLANO EQUATORIAL
Fazendo 𝜃 = 𝜋 2 na métrica de Kerr 4.2 , temos
𝑑𝑠2 = 𝑐2 1 −2𝜇
𝑟 𝑑𝑡2 +
4𝜇𝑎𝑐
𝑟𝑑𝑡𝑑𝜙 −
𝑟2
Δ𝑑𝑟2 − 𝑟2 + 𝑎2 +
2𝜇𝑎2
𝑟 𝑑𝜙2,
6.2
Pode-se mostrar que as equações geodésicas para partículas massivas
correspondentes a esta métrica são,
25
𝑡 =1
Δ 𝑟2 + 𝑎2 +
2𝜇𝑎2
𝑟 𝑘 −
2𝜇𝑎
𝑐𝑟ℎ , 6.3
𝜙 =1
Δ 2𝜇𝑎𝑐
𝑟𝑘 + 1 −
2𝜇
𝑟 ℎ , 6.4
𝑟 2 = 𝑐2 𝑘2 − 1 +2𝑐2𝜇
𝑟+
𝑎2𝑐2 𝑘2 − 1 − ℎ2
𝑟2+
2𝜇 ℎ − 𝑎𝑐𝑘 2
𝑟3, 6.5
onde o ponto denota diferenciação em relação ao tempo próprio 𝜏 e as constantes de
integração 𝑘 e ℎ são tais que no limite 𝑟 → ∞, a energia e o momento angular por
unidade de massa de repouso da partícula são dados, respectivamente, por 𝑘𝑐2 e ℎ.
Como seria de se esperar, a trajetória de uma partícula irá depender do seu
sentido de rotação, se no mesmo sentido que o buraco negro, ou em sentido contrário.
Vemos também que ambas as coordenadas 𝑡 e 𝜙 são coordenadas “ruins” próximo aos
horizontes. Expressa em termos dessas coordenadas, uma trajetória que se aproxima de
um dos horizontes (𝑟+ ou 𝑟−) irá espiralar em torno do buraco negro um número infinito
de vezes, bem como irá levar um tempo coordenado infinito para que cruze o horizonte.
Entretanto, esses fenômenos não retratam a realidade completa dos fenômenos, pois
nenhum desses efeitos será sentido por um observador comóvel à partícula.
Pode-se mostrar que são permitidas órbitas circulares estáveis na geometria de
Kerr, para as quais 𝑟 = 𝑟𝑐 = constante. Existe, entretanto, um valor mínimo da
coordenada radial 𝑟𝑚𝑖𝑛 acima do qual elas podem ocorrer, ou seja, 𝑟𝑚𝑖𝑛 é o valor de 𝑟
para a órbita circular estável mais interna possível. Para 𝑟 < 𝑟𝑚𝑖𝑛 , uma partícula em
queda livre irá espiralar rapidamente em direção ao buraco negro. O valor de 𝑟𝑚𝑖𝑛 é
sensível ao sentido de rotação da partícula, de modo que para partículas que giram no
mesmo sentido que o buraco negro, 𝑟𝑚𝑖𝑛 é menor que no caso em que ela gira no
sentido contrário.
26
Figura 3: Geodésica de uma partícula massiva no plano equatorial.
A figura 3 mostra a trajetória de uma partícula massiva abandonada em repouso
no infinito (𝑘 = 1), com momento angular nulo (ℎ = 0). Nela, pode-se perceber
claramente o efeito do arrasto dos referenciais inerciais. As linhas tracejadas
representam os horizontes de eventos e a linha pontilhada representa a singularidade.
6.2 GEODÉSICAS NULAS NO PLANO EQUATORIAL
Para fótons no plano equatorial, as equações das geodésicas são
𝑡 =1
Δ 𝑟2 + 𝑎2 +
2𝜇𝑎2
𝑟 𝑘 −
2𝜇𝑎
𝑐𝑟ℎ ,
𝜙 =1
Δ 2𝜇𝑎𝑐
𝑟𝑘 + 1 −
2𝜇
𝑟 ℎ , 6.6
𝑟 2 = 𝑐2𝑘2 +𝑎2𝑐2𝑘2 − ℎ2
𝑟2+
2𝜇 ℎ − 𝑎𝑐𝑘 2
𝑟3,
27
onde o ponto denota diferenciação em relação a algum parâmetro afim. Como já
mencionamos, não existem geodésicas nulas radiais no plano equatorial, porém
podemos obter informação sobre a variação radial da estrutura dos cones de luz
investigando as chamadas geodésicas nulas principais. Elas são definidas como sendo as
geodésicas nulas para as quais 𝑎 = ℎ 𝑐𝑘 . As equações 6.6 se reduzem a
𝑡 = 𝑟2 + 𝑎2 𝑘 Δ ,
𝜙 = 𝑎𝑐𝑘 Δ , 6.7
𝑟 = ±𝑐𝑘.
Escolhendo o sinal positivo na última equação, podemos escrever
𝑑𝑡
𝑑𝑟=
𝑡
𝑟 =
𝑟2 + 𝑎2
Δ,
𝑑𝜙
𝑑𝑟=
𝜙
𝑟 =
𝑎
Δ. 6.8
Como Δ > 0 na região I, segue que 𝑑𝑟 𝑑𝑡 > 0 na nesta região, e então essas equações
correspondem a fótons que se afastam do buraco negro. Para 𝑎2 < 𝜇2, pode-se resolver
as equações diretamente. Obtemos,
𝑐𝑡 = 𝑟 + 𝜇 +𝜇2
𝜇2 − 𝑎2 ln
𝑟
𝑟+− 1 + 𝜇 −
𝜇2
𝜇2 − 𝑎2 ln
𝑟
𝑟−− 1 + constante
6.9
𝜙 =𝑎
2 𝜇2 − 𝑎2ln
𝑟 − 𝑟+
𝑟 − 𝑟− + constante. 6.10
Note que no limite 𝑎 → 0, a equações 6.9 e 6.10 se reduzem às equações para a
trajetória de um fóton na geometria de Schwarzschild.
Pode-se mostrar que são permitidas trajetórias circulares para fótons na
geometria de Kerr, com 𝑟 = 𝑟𝑐 dado por,
𝑟𝑐 = 2𝜇 1 + cos 2
3cos−1 ±
𝑎
𝜇 , 6.11
28
onde o sinal positivo corresponde a uma órbita na mesma direção de rotação do buraco
negro, e o sinal negativo, no sentido oposto. No caso dos fótons, entretanto, as órbitas
circulares não são estáveis.
7 COORDENADAS DE EDDINGTON-FINKELSTEIN
As coordenadas 𝑡 e 𝜙 na forma de Boyer-Lindquist não são “boas” coordenadas
próximo aos horizontes de eventos. Entretanto, podemos remover a singularidade
coordenada usando como inspiração as equações das geodésicas nulas principais
6.9 e 6.10 , estendendo a solução para 𝑟 = 𝑟+.
Em forma diferencial, as equações 6.9 e 6.10 para fótons incidentes tomam
a forma
𝑐𝑑𝑡 = −𝑟2 + 𝑎2
Δ𝑑𝑟 7.1
𝑑𝜙 = −𝑎
Δ𝑑𝑟. 7.2
Nas coordenadas de Eddington-Finkelstein avançadas 𝑡 ′ ,𝜙′ , 𝑟,𝜃 , buscamos
fazer com que as trajetórias principais dos fótons incidentes sejam linhas retas,
definindo então 𝑡 ′ ,𝜙′ , 𝑟,𝜃 de modo que
𝑐𝑑𝑡 ′ = −𝑑𝑟, 𝑑𝜃 = 𝑑𝜙′ = 0. 7.3
De 7.1 e 7.2 vemos que a transformação de coordenadas deve satisfazer
𝑐𝑑𝑡 ′ = 𝑐𝑑𝑡 +2𝜇𝑟
Δ𝑑𝑟 7.4
𝑑𝜙′ = 𝑑𝜙 +𝑎
Δ𝑑𝑟. 7.5
29
A solução de Kerr em coordenadas de Eddington-Finkelstein avançadas toma
então a seguinte forma
𝑑𝑠2 = 1 −2𝜇𝑟
𝜌2 𝑐2𝑑𝑡 ′2 −
4𝜇𝑟
𝜌2𝑐𝑑𝑡 ′𝑑𝑟 − 1 +
2𝜇𝑟
𝜌2 𝑑𝑟2 +
4𝜇𝑟𝑎 sen2 𝜃
𝜌2𝑐𝑑𝑡 ′𝑑𝜙′
+2 𝑟2 + 𝑎2 𝑎 sen2 𝜃
𝜌2𝑑𝑟𝑑𝜙′ − 𝜌2𝑑𝜃2
− 𝑟2 + 𝑎2 sen2 𝜃 +2𝜇𝑟𝑎2 sen4 𝜃
𝜌2 𝑑𝜙′ 2,
7.6
Definindo o parâmetro de tempo avançado 𝑝 = 𝑐𝑡 ′ + 𝑟 (tal que 𝑑𝑝 = 0 ao longo
da geodésica do fóton), a solução de Kerr pode ser escrita como
𝑑𝑠2 = 1 −2𝜇𝑟
𝜌2 𝑑𝑝2 − 2𝑑𝑝𝑑𝑟 +
4𝜇𝑟𝑎 sen2 𝜃
𝜌2𝑑𝑝𝑑𝜙′ + 2𝑎 sen2 𝜃 𝑑𝑟𝑑𝜙′ − 𝜌2𝑑𝜃2
− 𝑟2 + 𝑎2 sen2 𝜃 +2𝜇𝑟𝑎2 sen4 𝜃
𝜌2 𝑑𝜙′ 2,
7.7
Alternativamente, é possível também fazer com que as geodésicas nulas
outgoing passem a ser linhas retas. Nesse caso, de maneira análoga, as coordenadas
𝑡∗,𝜙∗, 𝑟,𝜃 são chamadas de coordenadas de Eddington-Finkelstein retardadas e
𝑞 = 𝑐𝑡∗ − 𝑟, é chamado de parâmetro de tempo retardado.
Na figura 4 está mostrado um diagrama espaço-tempo no plano equatorial de um
buraco negro de Kerr usando coordenadas de Eddington-Finkelstein avançadas. O
horizonte de eventos 𝑟 = 𝑟+ delimita uma superfície de “não-retorno”. Uma vez que
uma partícula tenha cruzado este horizonte, seu futuro estará direcionado para a região
III – a qual contém a singularidade – e nunca se poderá retornar para a região I.
30
Figura 4: Diagrama espaço-tempo nas coordenadas de Eddington-Finkelstein.
A singularidade da solução de Kerr é tipo-tempo, diferentemente da solução de
Schwarzschild, que é tipo-espaço. Isto significa que é possível evitar a singularidade
movendo-se ao longo de uma curva tipo-tempo. De fato, fazendo a extensão máxima da
solução de Kerr, vê-se que uma partícula que tenha cruzado o horizonte 𝑟 = 𝑟− pode
cruzar novamente esta superfície 𝑟 = 𝑟− e eventualmente emergir de 𝑟 = 𝑟+ em uma
outra região do espaço-tempo assintoticamente plana.
Figura 5: Estrutura dos cones de luz no plano equatorial na geometria de Kerr.
31
A figura 5 mostra uma ilustração esquemática da estrutura dos cones de luz no
plano equatorial da geometria de Kerr, as quais também ilustram o arrasto dos
referenciais inerciais. Conforme nos aproximamos da superfície de redshift infinito 𝑆+,
qualquer partícula viajando contra a direção de rotação tem que viajar na velocidade da
luz apenas para se manter estacionário (relativamente a um observador no infinito). Para
valores menores de 𝑟, na ergosfera, os cones de luz “viram”, de modo que os fótons (e
as partículas massivas) são forçados a viajar na direção de rotação. No horizonte de
eventos 𝑟+, os cones de luz passam a apontar apenas na direção da região II, de modo
que o futuro das partículas se encontra nessa região.
8 EXTENSÃO ANALÍTICA DA SOLUÇÃO DE KERR
A solução de Kerr pode ser estendida analiticamente utilizando as coordenadas
de Eddington-Finkelstein avançadas e retardadas,
𝑐𝑑𝑡±′ = 𝑐𝑑𝑡 ±
𝑟2 + 𝑎2
Δ𝑑𝑟 8.1
𝑑𝜙±′ = 𝑑𝜙 ±
𝑎
Δ𝑑𝑟, 8.2
de modo que agora é permitido que a coordenada 𝑟 assuma valores negativos, podendo-
se então alcançar regiões além da singularidade. A figura 6 mostra o diagrama de
Penrose do espaço-tempo maximal, ao longo do eixo de simetria para o caso mais
interessante fisicamente de 𝑎2 < 𝜇2.
32
Figura 6: Diagrama de Penrose da solução de Kerr.
As regiões I 𝑟+ < 𝑟 < ∞ são regiões estacionárias assintoticamente planas,
exteriores ao horizonte de eventos externo. As regiões II 𝑟− < 𝑟 < 𝑟+ são não-
estacionárias e cada ponto representa uma superfície fechada pela qual não se pode
cruzar no sentido de dentro para fora (closed trapped surface). As regiões III −∞ <
𝑟 < 𝑟− contêm a singularidade em anel, e admite curvas fechadas tipo-tempo, as quais
violam a causalidade. Entretanto, parece bastante improvável que o colapso
gravitacional de um objeto astrofísico real em rotação leve à formação de um espaço-
tempo com características tão estranhas como esta. Se buracos negros realmente
puderem se formar na natureza, espera-se que efeitos quânticos sejam importantes na
região III e, sendo assim, somente uma teoria quântica da gravitação poderia predizer
resultados mais próximos da realidade, os quais (espera-se) previnam de alguma forma
a ocorrência de curvas tipo-tempo fechadas e a conseqüente violação da causalidade.
33
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos este trabalho destacando a grande importância que possui a solução
de Kerr, tanto por ser uma solução exata das equações de Einstein quanto por descrever
espaços-tempo que se aproximam bastante de situações astrofísicas realísticas, tais
como aqueles gerados por estrelas ou buracos negros, dado que tais objetos
naturalmente terão momento angular, o qual se conserva.
Interessantes implicações surgem das soluções de buracos negros, embora
muitas das suas conseqüências devam ser apreciadas com certo cuidado, pois em
situações extremas como esta, espera-se que efeitos quânticos se manifestem, de modo
que uma teoria clássica da gravitação pode possivelmente predizer resultados não-
realísticos. Ao mesmo tempo em que refletem grandes problemas para a Relatividade
Geral, os buracos negros são os melhores sistemas para se testar idéias que possam
conduzir a uma teoria quântica da gravitação, aumentando ainda mais a importância de
se ter soluções clássicas exatas para essas situações extremas.
34
APÊNDICE A – CARGA, ENERGIA E MOMENTO ANGULAR
EM UM ESPAÇO-TEMPO ASSINTOTICAMENTE PLANO
Dada uma densidade de carga 𝜌 𝑥 , 𝑡 no espaço-tempo de Minkowski, temos
uma carga elétrica associada dada por
𝑄 = 𝑑𝑉𝜌𝑉
= 𝑑𝑉∇ ∙ 𝐸 𝑉
, 𝐴. 1
ou, usando o teorema de Gauss,
𝑄 = 𝑑𝑆 ∙ 𝐸 𝜕𝑉
= 𝑑𝑆𝑖𝐹0𝑖
𝜕𝑉
. 𝐴. 2
Pode-se estender essa expressão para um espaço-tempo qualquer,
𝑄 = 𝑑𝑆𝜇∇ν𝐹𝜇𝜈
Σ
, 𝐴. 3
Ou ainda, usando o teorema de Gauss,
𝑄 =1
2 𝑑𝑆𝜇ν𝐹
𝜇𝜈
𝜕Σ
, 𝐴. 4
onde 𝑑𝑆𝜇ν é o elemento de área de 𝜕Σ. Por meio dessa expressão pode-se calcular a
carga contida em um espaço-tempo geral.
Podemos encontrar expressões semelhantes a 𝐴. 4 para a energia e momento
angular de um espaço-tempo assintoticamente plano. A questão da energia de um
campo gravitacional é bastante delicada, pois não se pode defini-la da mesma forma
como se faz usualmente em outras teorias de campos por meio de um tensor energia-
momento 𝑇𝜇𝜈 conservado. A noção de uma energia conservada localmente existe
35
somente em espaço-tempo que possua um vetor de Killing tipo-tempo, o que não
acontece em geral. Porém, o fato de não podermos definir localmente a energia de um
campo gravitacional já era de se esperar, pois pelo princípio da equivalência, é sempre
possível mudar para um referencial em queda livre, anulando os efeitos gravitacionais, e
com isso, sua energia.
Entretanto, podemos definir a energia total de um espaço-tempo
assintoticamente plano, pois 𝜕 𝜕𝑡 é assintoticamente um vetor de Killing. Podemos
escrever a métrica 𝑔𝜇𝜈 desse espaço-tempo como
𝑔𝜇𝜈 = 𝜂𝜇𝜈 + ℎ𝜇𝜈 , 𝐴. 5
onde 𝜂𝜇𝜈 é a métrica de Minkowski. Em regiões muito afastadas da fonte do campo
gravitacional, temos
ℎ𝜇𝜈 = 𝑂 1
𝑟 , 𝐴. 6
e,
𝑔𝜇𝜈 → 𝜂𝜇𝜈 , 𝐴. 7
pois o espaço-tempo é assintoticamente plano. Assim, podemos considerar ℎ𝜇𝜈 como
sendo um campo sobre o espaço-tempo de Minkowski. A componente 𝑇00 do tensor
energia-momento associado a ℎ𝜇𝜈 é
𝑇00 =1
16𝜋𝐺𝜕𝑖 𝜕𝑗ℎ𝑖𝑗 − 𝜕𝑖ℎ𝑗𝑗 . 𝐴. 8
A energia total é então calculada integrando 𝑇00 sobre todo o espaço,
𝐸 = 𝑑3𝑥𝑇00 . 𝐴. 9
Usando o teorema de Gauss, podemos reescrever 𝐴. 9 como uma integral de
superfície,
36
𝐸 =1
16𝜋𝐺 𝑑𝑆𝑖 𝜕𝑗ℎ𝑖𝑗 − 𝜕𝑖ℎ𝑗𝑗 ∞
. 𝐴. 10
Esta expressão não depende de quantidades locais, mas apenas de quantidades
assintóticas, de modo que ela válida não importando o tipo de fonte do campo
gravitacional, desde que ela seja compacta. A expressão 𝐴. 10 é conhecida como
energia ADM para espaços-tempo assintoticamente planos.
Ela pode ainda ser escrita na forma de uma integral de Komar, na qual aparecem
explicitamente os vetores de Killing correspondentes às simetrias do espaço-tempo.
Essas integrais são da forma,
𝑄𝜉 =𝐶
16𝜋𝐺 𝑑𝑆𝜇𝜈 ∇
𝜇 ξν
𝜕𝑉
onde 𝑄𝜉 é a “carga” associada ao vetor de Killing 𝛏, e 𝐶 é uma constante. Para um vetor
de Killing tipo-tempo 𝛏 = 𝑘𝜇𝜕𝜇 = 𝜕 𝜕𝑡 , 𝑄𝜉 é a energia 𝐸,
𝐸 = −1
8𝜋𝐺 𝑑𝑆𝜇𝜈 ∇
𝜇𝑘ν
∞
,
e pode-se mostrar, por exemplo, que 𝐸 = 𝑀𝑐2 no caso do espaço-tempo de
Schwarzschild. Para o caso de um vetor de Killing 𝛏 = 𝑚𝜇𝜕𝜇 = 𝜕 𝜕𝜙 , temos que 𝑄𝜉
será o momento angular total do espaço-tempo,
𝐽 =1
16𝜋𝐺 𝑑𝑆𝜇𝜈 ∇
𝜇𝑚ν
∞
.
Para a métrica de Kerr, encontra-se que 𝐽 = 𝑀𝑎𝑐.
37
BIBLIOGRAFIA
CARROL, S. Spacetime and Geometry. An Introduction to General Relativity.
Addison Wesley, Nova York, 2004.
d'INVERNO, R. Introducing Einstein's Relativity.Oxford University Press, Oxford,
1992.
HOBSON, M. P., et al. General Relativity. An Introduction for Physicists.
Cambridge University Press, Cambridge, 2006.
SCHUTZ, B. A First Course in General Relativity. 2ª ed. Cambridge University
Press, Cambridge, 2009.
TOWNSEND, P. K., arXiv:gr-qc/9707012 v1 4 Jul 97.
WALD, R. General Relativity, The University of Chicago Press, Chicago, 1984.