Burle de Niemeyer

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Vol. 26, Nºs 1 e 2, jan.–dez./2007 Raízes Raízes, Campina Grande, vol. 26, nºs 1 e 2, p. 59–70, jan./dez. 2007 VIA CAMPESINA: UMA ANÁLISE SOBRE SUA GÊNESE E PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO R ESUMO Este artigo visa analisar a gênese e o processo de consolidação da Via Campesina, no período entre 1992, ano de surgimento da rede, e 2005. A Via Campesina é, hoje, a maior rede transnacional de movimentos sociais rurais e não urbanos, formada por um conjunto plural de atores amalgamados sob o conceito amplo de camponês, e pode ser identificada tanto com os “antigos movimentos sociais de classe”, pela base material e pelo interesse em gerar mudanças nas políticas individuais dos estados, como com os “novos movi- mentos sociais”, por incorporar o foco na identidade e nas especificidades culturais. Os seus ativistas mantêm uma forte relação com a base (os movimentos sociais locais e nacionais), enquanto, simultaneamente, agem em nível transnacional, engajando-se em polí- ticas informacionais e “de accountability”, e empreendendo alianças com outros movimentos sociais contestatórios à globalização neoliberal, em fóruns e coalizões sociais. Palavras-chave: Via Campesina, rede transnacional de movimentos sociais, movimentos sociais rurais, globalização neoliberal, ati- vismo global VIA CAMPESINA: ONE ANALYSIS OF ITS INCEPTION AND PROCESS OF CONSOLIDATION A BSTRACT This article aims to analyze the inception and the process of consolidation of the transnational network of social movements Via Campesina, in the period between 1992 and 2005. Via Campesina is compounded by a broad group of actors amalgamated into the concept of peasant, and it is legitimate to say that, today, it is the biggest transnational network of rural and no-urban social move- ments. The group can be associated with the “old social movements” because of the material base and the interest in changing nati- onal politics, but also has characteristics of the “new social movements”, such as the preoccupation with matters related with identi- ty and culture. Its activists maintain a strong connection with the base (the local social movements) while, at the same time, act in the transnational arena as, for example, when establish alliances with others international social movements in forums and social coalitions against neoliberal globalization. Key words: Via Campesina, transnational social movements, transnational social networks, global activism, neoliberal globalization, social rural movements Carolina Burle de Niemeyer Doutoranda em Sociologia – IUPERJ. E-mail: [email protected]

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Vol. 26, Nºs 1 e 2, jan.–dez./2007

Raízes

Raízes, Campina Grande, vol. 26, nºs 1 e 2, p. 59–70, jan./dez. 2007

VIA CAMPESINA:UMA ANÁLISE SOBRE SUA GÊNESE E PROCESSODE CONSOLIDAÇÃO

R E S U M O

Este artigo visa analisar a gênese e o processo de consolidação da Via Campesina, no período entre 1992, ano de surgimento da rede,e 2005. A Via Campesina é, hoje, a maior rede transnacional de movimentos sociais rurais e não urbanos, formada por um conjuntoplural de atores amalgamados sob o conceito amplo de camponês, e pode ser identificada tanto com os “antigos movimentos sociaisde classe”, pela base material e pelo interesse em gerar mudanças nas políticas individuais dos estados, como com os “novos movi-mentos sociais”, por incorporar o foco na identidade e nas especificidades culturais. Os seus ativistas mantêm uma forte relação coma base (os movimentos sociais locais e nacionais), enquanto, simultaneamente, agem em nível transnacional, engajando-se em polí-ticas informacionais e “de accountability”, e empreendendo alianças com outros movimentos sociais contestatórios à globalizaçãoneoliberal, em fóruns e coalizões sociais.Palavras-chave: Via Campesina, rede transnacional de movimentos sociais, movimentos sociais rurais, globalização neoliberal, ati-vismo global

VIA CAMPESINA:ONE ANALYSIS OF ITS INCEPTION AND PROCESSOF CONSOLIDATION

A B S T R A C T

This article aims to analyze the inception and the process of consolidation of the transnational network of social movements ViaCampesina, in the period between 1992 and 2005. Via Campesina is compounded by a broad group of actors amalgamated into theconcept of peasant, and it is legitimate to say that, today, it is the biggest transnational network of rural and no-urban social move-ments. The group can be associated with the “old social movements” because of the material base and the interest in changing nati-onal politics, but also has characteristics of the “new social movements”, such as the preoccupation with matters related with identi-ty and culture. Its activists maintain a strong connection with the base (the local social movements) while, at the same time, act inthe transnational arena as, for example, when establish alliances with others international social movements in forums and socialcoalitions against neoliberal globalization.Key words: Via Campesina, transnational social movements, transnational social networks, global activism, neoliberal globalization,social rural movements

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601. INTRODUÇÃO

A Via Campesina é uma rede transnacional de movi-mentos sociais que data de 1992, e hoje tem abrangên-cia praticamente global. Este movimento social despon-tou como ator transnacional significativo em 1996,durante a Assembléia Global sobre Segurança Alimen-tar (AGFA), realizada pela FAO, em Quebec, Canadá,tendo conquistado a atenção do público em geral duranteo antológico encontro da OMC realizado em Seattle, em1999. (Desmarais, 2003a; Edelman, 2003). Hoje, a ViaCampesina constitui-se como um dos movimentos soci-ais alter-mundialistas mais atuantes, tanto em nível trans-nacional quanto local.

Ao analisarmos a formação da Via Campesina, encon-tramo-nos diante do seguinte questionamento: como épossível reunir em uma mesma organização camponesese pequenos agricultores de países desenvolvidos e em de-senvolvimento, quando seus interesses parecem ser tãoopostos? Como funcionam os processos de construção deidentidade e consenso, em uma organização de composi-ção assaz heterogênea?

Buscamos a resposta a partir de uma análise do pro-cesso de transnacionalização de movimentos sociais ru-rais, em busca de identificar quais os fatores responsá-veis pela emergência de uma rede de movimentos sociaisde camponeses e pequenos e médios agricultores deâmbito global, para, em seguida, empreender uma aná-lise da gênese e do processo de formação e consolidaçãoda Via Campesina, buscando entender como esta redemantém-se coesa, apesar das enormes diferenças estru-turais, sociais e culturais que existem entre as organiza-ções que dela fazem parte.

2. O PROCESSO DE TRANSNACIONALIZAÇÃO DEMOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS

Edelman (2003) desenvolveu uma pesquisa históricacujo resultado revela que o processo de transnacionaliza-ção de movimentos sociais rurais remonta ao fim do sé-culo XIX e início do XX, e segue a mesma tendência evi-denciada em outros movimentos sociais.

Algumas das associações existentes seguem até nos-sos dias, como a Associated Country Women of theWorld (ACWW), que se desenvolveu ao longo dos anos1920, a partir do encontro entre dois movimentos soci-ais de mulheres, trabalhou ativamente junto à Liga das

Nações e, hoje, tem status consultivo junto a várias agên-cias da ONU.

Um outro exemplo seriam as Missões Agrícolas, fun-dadas em 1930 por líderes religiosos e decanos de colégi-os agrícolas. Durante as suas primeiras quarenta décadas,a ênfase destas missões foi na assistência técnica e evan-gelização de grupos rurais; na década de 1970, sob influ-ência do movimento da Teologia da Libertação, as Mis-sões mudaram seu foco para a ajuda aos pobres e a lutaanti-colonialista, o que fez com que se aproximassem dosmovimentos de base e viessem a abraçar causas como oacesso à terra, o que teria facilitado a cooperação transna-cional entre ativistas, camponeses e agricultores dos paí-ses desenvolvidos e em desenvolvimento.

A IFAP é uma outra organização de antes da globali-zação e é a que mais nos interessa, por ser uma concor-rente da Via Campesina. A IFAP foi formada, em 1946,por algumas das maiores organizações de agricultores domundo, em reação ao contexto do pós II Guerra Mun-dial, no qual, as relações internacionais estavam tornan-do-se mais institucionalizadas. A criação da ONU e dealgumas de suas principais agências – dentre elas a FAO– estimulou a organização inglesa British NationalFarmer’s a convocar representantes de organizações deagricultores de outros 30 países a engajarem-se em umaproposta de cooperação internacional, na intenção de terrepresentatividade junto ao novo sistema de instituições(Edelman, 2003).

A IFAP foi gerada com dois principais objetivos: tra-balhar no sentido de assegurar a segurança alimentar enutricional para o mundo e garantir um padrão mínimode qualidade de vida para as famílias de agricultores (IFAP,2005). Em função das mudanças sofridas pelas políticasde comércio agrícola internacional, a IFAP foi alterandogradualmente o seu objetivo principal. De 1960 até 1980,esteve voltada a influenciar as propostas de acordos inter-nacionais de commodity, já a partir de 1980, passou a tercomo objetivo principal, influenciar as regras comerciaispara a agricultura (IFAP, 2005).

Pode-se constatar que a tendência à formação de mo-vimentos sociais rurais com perfil transnacional, não foimotivada apenas pela globalização, mas a crise agrícola dadécada de 1970-1980 teria sido o principal estímulo à in-tensificação deste processo. Esta crise, que teve início nadécada de 1970, favoreceu a concentração da produção erecursos produtivos na mão de poucas e grandes transna-cionais e marcou o início da tendência a prescrição depolíticas internacionais, de viés liberalizante, para a agri-

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61cultura. Estes fatores induziram a reações, por parte deorganizações sociais rurais, que variaram do protecionis-mo à formação de Transnational Networks (TNs) e movi-mentos sociais transnacionais (Edelman, 2003).

Nos Estados Unidos, a crise agrícola mundial teria in-viabilizado a continuidade dos programas de financia-mento agrícola, levando movimentos de agricultores areações protecionistas. Também na Europa, os protestostransnacionais de agricultores – no período compreen-dido entre 1992 a 1997 – não teriam, em sua maioria,objetivos solidários, mas metas nacionalistas e protecio-nistas (Edelman, 2003).

No entender de Edelman (2003), Desmarais (2003) eBorras (2004), o processo de regionalização da década de1980 e o fortalecimento das instituições econômicas mul-tilaterais – a partir da criação da OMC e das mudançasno perfil e objetivos das outras duas instituições, o FMI eo Banco Mundial – foram os principais fatores a colabo-rarem para que grupos e movimentos sociais rurais pas-sassem a estabelecer, entre si, um tipo de ativismo socialtransnacional verdadeiramente solidário. Já que as mudan-ças associadas à globalização neoliberal incidiram de for-ma decisiva na vida das pessoas do campo, fazendo comque os acordos de livre comércio e os mecanismos de go-vernança supra-estatal passassem a ser o principal foco dosmovimentos sociais de camponeses e agricultores.

No entender de Desmarais (2003), em função destesnovos desafios, os movimentos sociais rurais tenderam anacionalizar-se, regionalizar-se e transnacionalizar-se, embusca de novos espaços de negociação e ação coletiva. Jápara Borras (2004), a tendência não foi exclusivamente nadireção da ampliação de escala. Segundo este autor, asmudanças ocorridas nos padrões de governança alteraramo ambiente institucional (em especial nos países em de-senvolvimento), com o qual os movimentos sociais inte-ragiam, criando novos desafios e oportunidades.

Partindo de Fox (2001), Borras afirma que os estadosnacionais sofreram tripla pressão: ‘de cima’, a partir daglobalização, que implicou em que parte do poder de con-trole do estado fosse cedido a mecanismos de regulaçãosupranacional, como a OMC, o FMI e o Banco Mundial;‘de baixo’, a partir da descentralização parcial dos pode-res políticos, fiscais e administrativos do estado nacional,que passam a ser mais compartilhados entre os governosmunicipais e estaduais; e ‘pelos lados’ através da privati-

zação de algumas de suas funções, por meio do surgimentode mecanismos de regulação privada.

As colocações de Borras remetem-nos a Scholte (2005).Em sua análise sobre a globalização e as conseqüentesmudanças nos padrões de governança, Scholte afirma queo estado nacional continua sendo o principal ator políticodo sistema internacional, mas salienta que a emergênciade um tipo de governança policêntrica implicou em umadiminuição do poder do estado, por conta do comparti-lhamento da governança entre o governo nacional e ins-tâncias sub-nacionais, supranacionais e privadas; destacan-do o papel, neste processo, das organizações econômicasmultilaterais, dos acordos de integração regional, dos me-canismos regulatórios privados e dos governos municipaise estaduais.

A emergência de uma governança policêntrica1 gerouum efeito contraditório. Em resposta à descentralização doEstado, os movimentos sociais rurais tenderam à locali-zação, enquanto, simultaneamente, internacionalizaramseus movimentos, campanhas, lobbies e ações coletivas,sem com isso perder o seu caráter nacional, o que levouao surgimento de movimentos sociais, igualmente policên-tricos (Borras, 2003, p.4).

3. A GÊNESE DA REDE DE MOVIMENTOS SOCIAIS VIACAMPESINA

Desmarais (2003) e Edelman (2003) sustentam que umdos fatores fundamentais para a formação da Via Cam-pesina teria sido o estreitamento de relações entre ativis-tas de organizações rurais do norte e do sul, durante adécada de 1980.

Estes processos estão intimamente vinculados às mu-danças na natureza da governança global da economia eao viés neoliberalizante adotado nas políticas agrícolasmundiais, a partir dos anos 1980. Durante esta década,ocorreu um movimento de aproximação entre organiza-ções de agricultores da Europa e da América do Norte eentre estas e organizações de outros lugares do mundo,principalmente da América Latina. Esta aproximação deu-se de duas formas principais: por iniciativa de organiza-ções locais que buscaram empreender relações transmun-diais com organizações locais de outros países; e duranteeventos, como os protestos e coalizões contra o GATT e

1 Policêntrico, neste caso, significa “redes coordenativas, com vários centros de poder localizados em di-ferentes níveis: internacional, regional, nacional e local” (Borras, 2004, p.4).

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62o NAFTA, que reuniram organizações rurais de váriasprocedências em torno de um mesmo objetivo.

A Confédération Nationale des Syndicats de Travalil-leurs Paysans (CNSTP), da França e a National FarmersUnion (NFU) do Canadá são exemplos de organizaçõeslocais que desenvolveram projetos comuns com organiza-ções de outros lugares do mundo, durante os 1980 (Des-marais, 2002).

Edelman (2003) defende que as campanhas contra oGATT, que reuniram ativistas da Europa, Américas e Ásia,foram o principal ímpeto à formação da Via Campesina,porque nestas oportunidades, organizações rurais do nortee do sul superaram as suas diferenças, empreendendo umaação concertada em pró de uma meta comum: colaborarpara o fracasso das negociações do GATT, percebidascomo uma política prejudicial para o conjunto de peque-nos agricultores e camponeses do mundo todo.

Um exemplo seria uma coalizão formada por peque-nos produtores rurais, ambientalistas e consumidores quese reuniu em Genebra, em 1990, para protestar contra oGATT. Desta coalizão participaram trinta mil agriculto-res, sendo a maioria da América do Norte e Japão, alémde grupos da Coréia, África e América Latina. De acor-do com Edelman, os protestos encorajaram os delegadosde países em desenvolvimento, com objeções ao acordo,a não cederem e manterem as suas posições, o que teriacolaborado para a não conclusão da Rodada de Doha,na ocasião.

É possível considerar que, além das reações ao GATT,os protestos contra as grandes empresas transnacionais doagronegócio – principalmente as ligadas à produção e co-mercialização de transgênicos – também colaboraram paraa união de ativistas rurais. Já que ações de organizaçõesde agricultores, a favor da manutenção do status públicodos recursos genéticos e contra as transnacionais dos trans-gênicos, datam da década de 1980.

Em 1981, a NFU representou um lobby na Conferên-cia da FAO em Roma, em favor da conservação dos re-cursos genéticos (Edelman, 2003); na Europa, a França épioneira na reação à agricultura transgênica, vinculando-a ao conceito de “comida ruim” e à ameaça à cultura fran-cesa (Heller, 2001; Bové e Dufour, 2000). E a questão da“propriedade intelectual sobre formas de vida” é tambémuma questão sensível para a Índia, e suas reações aoGATT estão intimamente relacionadas à problemática dasTRIPS (Edelman, 2003).

É legítimo se supor que a relação de troca entre ativis-tas do norte e do sul, nas décadas precedentes à formação

da Via Campesina, tenha sido uma condição sine qua nonpara a sua concepção. Isto porque estes contatos não sóestreitaram os laços entre estas organizações, como favo-receram que, no contexto da globalização, camponeses epequenos agricultores do norte e do sul, assim como nor-te-americanos e europeus, percebessem que enfrentavamproblemáticas comuns que, pela sua origem internacional,demandavam a construção de uma solução solidária emnível transnacional.

Já as principais motivações à formação da rede seriama rejeição explícita à globalização neoliberal, e a convic-ção de que as questões e interesses das pessoas que ‘tra-balham a terra’ estavam completamente excluídos das ne-gociações do GATT (Desmarais, 2003; Edelman, 2003 eBorras, 2004).

Até a criação da Via Campesina, a IFAP era o únicocanal disponível para que movimentos sociais rurais ca-nalizassem suas demandas para as organizações interna-cionais. E no entender da Via Campesina, a IFAP é do-minada por suas organizações economicamente maispoderosas e atua, prioritariamente, em pró dos interessesdo agronegócio (Desmarais, 2003; Borras, 2004). Pode-seinferir que a visão que camponeses e pequenos agriculto-res, do norte e do sul, tinham da IFAP, induziu-os a cons-truir uma alternativa através da qual pudessem canalizaras suas demandas e se fazer ouvir pelos organismos inter-nacionais. Os quais, na globalização, passaram a ter mai-or poder de influência na definição das políticas dos Es-tados, inclusive no tocante às políticas agrícolas.

Rafael Alegria e Paul Nicholson, líderes da Via Cam-pesina, expõem o que levou agricultores de países desen-volvidos e em desenvolvimento a engajarem-se em umaproposta comum, apesar dos seus respectivos governosestarem se digladiando nas disputas sobre comércio agrí-cola travadas no GATT e posteriormente, na OMC.

Nas palavras dos ativistas:

Mesmo que a marginalização tome feições diferentes de acordo comas regiões do mundo, os mesmos conflitos de interesse se apresentamnos países industrializados e nos países ditos em desenvolvimento; deum lado, uma grande massa de população marginalizada, que defen-de a sua cultura e seu direito a viver decentemente; de outro, uma mi-noria que impulsiona os seus mega projetos econômicos, em nome do“livre” comércio internacional, e coloca em concorrência todos os ha-bitantes do planeta, em lugar de criar entre eles, laços de cooperaçãoe solidariedade (Alegria e Nicholson, prefácio, 2002).

Dentro deste contexto, em 1992, um grupo de 8 orga-

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63nizações camponesas da América Central, América doNorte e Europa encontrou-se em Manágua, durante oCongresso da União Nacional de Agricultores e Criado-res de Gado (UNAG)2 e junto com a ONG holandesa,Paulo Freire Stichting3 (PFS), desenvolveram a idéia decriar um movimento social global de pequenos agriculto-res e camponeses.

De acordo com Desmarais (2003), na sua gênese, operfil da Via Campesina ainda não estava definido. A PFSconcebia-a como um projeto político – que teria comoobjetivo influenciar políticas governamentais e alocação derecursos em projetos do interesse de camponeses – e comoum programa de pesquisa – que deveria operar de formacoordenada com centros de estudo voltados às priorida-des dos agricultores. Mas, como colocado por esta autorae Borras (2004), este projeto não atendia a expectativa damaioria das lideranças camponesas, que demandavam acriação de uma organização que tivesse o objetivo de de-safiar o modelo de desenvolvimento neoliberal dominan-te. Outro ponto de atrito teria sido em relação à partici-pação da IFAP na nova organização. Enquanto osmovimentos rurais e camponeses eram radicalmente con-tra esta participação, a PFS defendia a inserção da IFAPno novo projeto (Desmarais, 2003).

É possível concluir que, enquanto a PFS tinha paraa Via Campesina uma proposta reformista, concebendoa nova organização como uma estrutura de ação dentrodos mecanismos de governança global existentes; os lí-deres dos movimentos camponeses tinham para a ViaCampesina uma proposta transformadora, percebendo-a como a oportunidade para a concepção de um modeloalternativo de desenvolvimento, criado sem a interferên-cia de ONGs e a partir da análise coletiva, ação conjun-ta, e solidariedade entre camponeses e pequenos agricul-tores, do Norte e do Sul.

Refletindo sobre a “razão de ser” da Via Campesina,as lideranças camponesas teriam concluído que esta seriaa oportunidade para a criação de um movimento socialliderado e conduzido por camponeses e pequenos agricul-tores, através do qual pudessem falar por si mesmos, sema intermediação de ONGs ou outros atores. O que levouestas lideranças a minimizarem a importância da FFS na

nova associação, a qual, em reação, abandona a Via Cam-pesina em 2004.

Pode-se dizer que a gênese da Via Campesina tenhainfluenciado na sua relação com ONGs, já que antes devoltar a relacionar-se com atores ‘de fora da rede’, o novomovimento social investiu em seu processo de consolida-ção, dedicando o período entre 1992 e 1994 à aproxima-ção com movimentos sociais rurais locais (Via Campesi-na, 2004). Esta estratégia tinha como objetivo transformara Via Campesina na ‘voz camponesa’ junto ao sistemainternacional, para, só depois de conquistado este espaço,voltar a trabalhar em parceira com ONGs e outros atores‘de fora da rede’ (Desmarais, 2003).

Em maio de 1993, realizou-se, na Bélgica, a PrimeiraConferência Internacional da Via Campesina, ocasião emque constituiu-se como rede transnacional de movimen-tos sociais e definiu as suas estruturas e primeiras linhasestratégicas de trabalho. A segunda conferência da redefoi realizada em abril de 1996, no México, e nela estive-ram presentes 69 organizações representando campone-ses, pequenos e médios agricultores de 37 países diferen-tes, discutindo os seguintes temas e questões: reformaagrária, crédito e dívida externa, tecnologia, participaçãodas mulheres, desenvolvimento rural e soberania alimen-tar (Via Campesina, 2005). Até o ano de 2006, foramrealizadas quatro conferências internacionais: a terceiraem 2000, em Bangalore na Índia, e a quarta em 2004,em Itací, no Brasil.

Ao analisar-se as Conferências Internacionais, pode-seconstatar que a Via Campesina adota uma visão holísticada problemática camponesa, o que está refletido na evo-lução de suas campanhas. Problemas como agriculturatransgênica, falta de acesso a terra e a recursos produtivos,dumping e violência contra os camponeses são tidos comoquestões inter-relacionadas inscritas no conjunto amplo deDireitos dos Camponeses.

4. VIA CAMPESINA: UM ATOR E UMA ARENA DE AÇÃO

Em nosso entender, a Via Campesina seria uma RedeTransnacional de Movimentos Sociais, e assim como tantos

2 Apesar da Via Campesina ter sido criada em um evento desta organização, ela não faz parte da ViaCampesina e sim da IFAP.

3 Fundação dedicada aos problemas da terra que fornece informação sistematizada sobre o tema e inspi-rada na obra de Paulo Freire. Em seus programas de cooperação promove intercâmbios entre trabalha-dores rurais Europeus e Latino-americanos. Publica a revista para Cooperação Agrária Mundial “In-tercâmbio”. (http://www.ppbr.com/ipf/legado.html)

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64conceitos contestados, este também precisa de uma corre-ta definição. Trabalhamos com o conceito de Eschle eStammers (2004), segundo o qual, uma rede de movimen-tos sociais: “é uma rede de interações informais que reú-ne grupos informais e indivíduos e, por vezes, organiza-ções formais, em lutas por mudança social na base daidentidade compartilhada” (p.352). Ainda de acordo comesta concepção, quando a atividade simbólica, as inova-ções de estilo de vida, os grupos informais, as articulaçõesnão institucionais de identidade coletiva e os protestospopulares desaparecem, um movimento social deixou deexistir.

Depreende-se que, de acordo com este conceito, umaverdadeira rede de movimentos sociais é aquela que man-tém uma forte relação com a base: os ativistas e/ou movi-mentos sociais locais. De forma que, uma rede constituí-da apenas de organizações formais, sem a participaçãoativa de movimentos de base em processos contenciosos,não seria considerada um movimento social, estando maispróximo ao conceito de Transnational Advocacy Networks(TAN) de Keck e Sikkink (1998).

Em nosso entender, a conceituação de Eschle e Stam-mers estaria adequada à conceituação da Via Campesina,pelo fato de esta ser uma rede que, apesar de dinâmica,tem sua própria existência dependente dos movimentossociais de base que a compõem.

Para a análise da natureza da rede, selecionamos Bor-ras (2004). De acordo com este autor, a Via Campesinatem uma característica dual, sendo simultaneamente umator e uma arena de ação. Borras sustenta sua tese afirman-do que, como ator, a Via Campesina representa a voz e osinteresses camponeses junto ao sistema internacional, ecomo arena, é o espaço no qual os diversos grupos sociaise atores (nacionais, regionais e sub-nacionais), que delafazem parte, negociam e estabelecem metas, objetivos ecampanhas comuns, fortalecendo-se mutuamente.

Este caráter dual faz com que o autor a considere comoum tipo de ‘instituição’, conceituada aqui “de forma am-pla e aberta, como um corpo de ‘regras’ que media a inte-ração entre diversos atores e entre atores e estruturas exis-tentes” (Borras, 2004, p.5).

Esta ‘instituição’ teria sido constituída por movimen-tos sociais camponeses para defender os seus interesses epara os ‘de fora da rede’ (outros movimentos sociais,ONGs e instituições internacionais) seria percebida comouma entidade interessante – embora complexa de enten-der – com a qual têm de lidar e interagir (Borras).

Considerar a Via Campesina como um tipo de insti-

tuição, apesar de sua estrutura descentralizada e não-hie-rárquica, facilita o entendimento da estrutura da rede eajuda a revelar as tensões envolvidas nos seus processos deconstrução de identidade e consenso, os quais influenci-am na definição de suas posições e metas.

Ao analisar a Identidade Coletiva dos movimentos so-ciais rurais surgidos em resposta à globalização, Edelman(1998) coloca que:

Os movimentos camponeses contemporâneos compartilham a iden-tidade de classe dos ‘antigos movimentos sociais’ com a preocupaçãoem atingir mudanças nas políticas de estados individuais, incorporan-do, ainda, os focos na identidade e na especificidade cultural própriosdos ‘novos movimentos sociais’ (p.50).

A avaliação de Edelman revela parte da complexidadeimplícita na identidade da Via Campesina. A diferença daVia Campesina relativamente aos antigos movimentossociais rurais seria o fato de a rede incorporar uma varie-dade de atores que não cabem em uma definição de clas-se tradicional. A diversidade que compõe a rede incluicamponeses da África, pequenos e médios agricultores doCanadá, Sem-terras do Brasil, indígenas e até pescadorese pastores, que são abarcados pelo conceito contemporâ-neo de camponês, que está relacionado à noção de ‘terri-tório’ e não mais exclusivamente à noção de ‘terra’.

A discussão acerca de território está cada vez mais pre-sente nesta rede de movimentos sociais e nas discussõessobre reforma agrária. Este conceito, por ir além do aces-so à ‘terra’ e englobar o ‘lugar’ – que não pode ser legiti-mamente delimitado por fronteiras geopolíticas ou defi-nido pela propriedade privada – pode comportar nômades,coletores, pescadores, índios e artesãos, que não trabalhamdiretamente a terra, mas dependem do território para asobrevivência das suas respectivas sociedades.

De acordo com Desmarais (2003), Edelman (2003) eBorras (2003), a construção de um “nós”, coletivo, querepresente a posição unificada da Via Campesina – umarede com uma composição assaz heterogênea, tanto emtermos geográficos quanto em tipos de atores – não foi(como ainda não é) um processo simples.

Este processo teria sido favorecido pela relação pregres-sa entre ativistas do norte e do sul, que permitiu a estes gru-pos identificarem interesses comuns, ao ponto de supera-rem as enormes diferenças culturais, nacionais e regionaisexistentes e consolidarem uma identidade coletiva como‘camponês’ ou ‘pessoas da terra’ (Desmarais; Edelman,1998).

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65De acordo com Edelman, o termo camponês (como

categoria analítica) vigorou nos estudos de populaçõesrurais pobres durante três décadas, a partir de 1970. Nadécada de 1990, muitos pesquisadores tenderam a trocaros ‘Estudos Camponeses’ pelos ‘Estudos Agrários’, na in-tenção de cobrir a relação entre as populações rurais po-bres e outros atores – o que não estaria contemplado pe-los Estudos Camponeses –. Em paralelo, ocorreu atendência de substituição do termo camponês pelo termoagricultor.

Mas, segundo este mesmo autor, o termo camponêsvem sendo apropriado e resignificado pelos próprios ato-res, que vem fazendo o esforço de:

[...] reapropriar o termo ‘camponês’, infundindo-o com um conteú-do novo e positivo, incluíndo a celebração do camponês como um su-jeito sofisticado, possuidor de valores modernos e projetos políticos.Esta reconceituação faz com que ativistas rurais insistam hoje na equa-lização de ‘camponês’ e ‘agricultor’ e, em geral, permutem as duaspalavras – em conversações, análises escritas e até na denominação demovimentos (Edelman, 2003, p. 187).

Entendemos, a partir de uma declaração da líder cana-dense da Via Campesina, Nettie Wiebe (Wiebe apud Edel-man, 2003, p.187), que o termo ‘camponês’ une o agricul-tor de subsistência ao agricultor modernizado, do Canadá,assim como aos outros atores que formam a Via Campesi-na. Isto porque o conceito resignificado de camponês pas-sou a representar um sujeito de resistência. Aquele que de-fende o direito à manutenção de um padrão de vidatradicional (mas não atrasado) baseado em valores diferen-tes dos neoliberais, questionando a primazia do lucro, datecnologia e da individualidade, em relação ao bem estarsocial, ao conhecimento tradicional e à comunidade.

Viemos a entender que o conceito de camponês resig-nificado, além de incorporar a variedade de tipos de ato-res que trabalham a terra e não se identificam com o mo-delo de desenvolvimento neoliberal, passou a abrangerartesãos, pastores e pescadores, que hoje também fazemparte da Via Campesina.

Resta ainda uma questão: como foi construída estaidentidade e como esta consegue se manter íntegra emuma rede de abrangência global e natureza heterogêneacomo a Via Campesina?

Edelman (2003), Desmarais (2003) e Borras (2004)afirmam que o amalgama que une este conjunto diversode atores é a bandeira ampla de oposição ao neoliberalis-mo e, apesar das diferenças, estas organizações teriam em

comum o fato de representarem, em suas respectivas soci-edades, setores econômica e politicamente marginalizados,tanto em nível nacional, sub-nacional como internacional.

Edelman e Desmarais salientam que a identidade decamponês seria afirmada no desafio aos grupos dominan-tes, o que nos levou a inferir que esta identidade foi cons-truída e é mantida a partir da alteridade. A necessidadede a Via Campesina afirmar a sua identidade, a partir danegação do outro, justificaria a eleição de alvos – como oMcDonalds e a Coca-Cola – que, simbolicamente, repre-sentariam o sistema ao qual o conjunto heterogêneo quecompõe a rede não pertence e se opõe.

Edelman, assim como Borras, afirma que a definiçãodas agendas e metas da Via Campesina são partes daconstrução e reconstrução de sua identidade coletivacomo ator, refletindo a heterogeneidade de sua compo-sição, em termos geográficos, em tipos de associação eem termos ideológicos.

Os autores atestam, ainda, que para uma organizaçãofazer parte da rede, não seria necessário assumir um com-promisso ideológico, alegando que a Via Campesina com-porta organizações originárias ou comprometidas com asmais variadas tradições ideológicas: “desde aquelas oriun-das de uma estrutura comunista de estado até as de tradi-ção anárquico-sindicalista; desde aquelas com uma pro-cedência amplamente liberal, àquelas provenientes doativismo ambientalista” (Borras, 2004, p.10).

Mas, apesar das diferenças em termos de visão de mun-do, agenda política e métodos de trabalho, estas organi-zações teriam em comum a noção compartilhada de queo neoliberalismo é uma ameaça e esta seria a principaldivergência entre a IFAP e a Via Campesina. Para a ViaCampesina, o neoliberalismo seria um problema a ser su-perado, enquanto que a IFAP conceberia-o como umaoportunidade de ação, e esta percepção diferenciada refle-tir-se-ia na relação entre as duas organizações e a OMC(Borras, 2004).

Viemos a entender, que a Via Campesina recusar-se-iaa empreender um diálogo com a instituição, por não acre-ditar na possibilidade de reforma da OMC; enquanto aIFAP adotaria a participação como a sua principal estra-tégia, exatamente por ter forte penetração nesta organiza-ção multilateral. Por conseguinte, a Via Campesina apelapara os protestos e coalizões como forma de relacionamen-to com a OMC, enquanto a IFAP investe no lobby, napressão e na barganha.

De acordo com Desmarais (2003) e Borras (2004), oprocesso de construção de identidade de ambas as orga-

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66nizações é totalmente diferenciado. A Via Campesinaconstruiria a sua identidade, a partir da negociação dasdiferenças, enquanto que a IFAP buscaria atingir o con-senso, através da imposição da visão de mundo, estrutu-ra, ideologia e posicionamento dos seus membros maispoderosos, o que geraria reflexos na definição de suas res-pectivas agendas e metas e na forma como se relacionamcom as instituições internacionais.

Pode-se inferir que a construção de consenso, na rede,seria parte do processo de construção e reconstrução desua identidade como ator, negociado entre os seus diferen-tes membros, na arena Via Campesina. E que, por esteprocesso de negociação, também são definidas as estraté-gias adotadas pela rede.

Um exemplo seria a Campanha “OMC fora da agri-cultura”, fruto de muito diálogo entre os grupos que com-põem a rede. Este processo de negociação resultou em umacampanha que não refletiu a posição de seus membrosmais influentes, mas uma posição intermediária entre osseus constituintes (Borras).

Com relação à operacionalização das campanhas, Des-marais explica que embora as ações da rede sejam direci-onadas aos níveis: local, nacional, regional e internacio-nal, simultaneamente, o seu processo de construção dealternativas está apoiado em o que as organizações estãorealizando em nível local, ou seja, em suas regiões e paí-ses. O que está de acordo com o que afirmam Eschle eStammers (2004), segundo quem, em uma rede transna-cional de movimentos sociais, a influência é mútua, ocor-rendo nos dois sentidos: do local para o global e do glo-bal para o local.

No caso da Via Campesina, da mesma forma que osseus posicionamentos e estratégias são frutos da interaçãoe negociação entre os seus diferentes membros, a rede in-fluencia estas mesmas organizações. As diversas estratégi-as adotadas pelas organizações da Via Campesina, tantonas suas atuações internacionais quanto nas suas açõeslocais, seriam fruto da relação de troca entre as suas di-versas organizações. Como um exemplo, a NFU, do Ca-nadá, que teria sido fortemente influenciada pela ViaCampesina em seu posicionamento em relação à OMC eaos geneticamente modificados, sendo que, nesta últimaquestão, a Confedération Paysanné, da França, e a Kar-nakata Rajya Ryota Sangha (KRRS), da Índia, teriam exer-cido a principal ascendência (Desmarais, 2003).

A Via Campesina está estruturada em forma de rede,não existindo de forma independente das organizações quedela fazem parte. A rede de movimentos sociais não pos-

sui sede fixa, sendo a sua equipe efetiva e estrutura, pe-quenas e descentralizadas. Estas características fazem comque seja dependente das lideranças, ativistas e estruturadas organizações e movimentos sociais que a compõem,e esta dependência encerra aspectos negativos e positivos.

Por um ponto de vista negativo, esta relação deixa arede vulnerável a sofrer com as conseqüências de dispu-tas internas entre as organizações locais e/ou regionais quedela fazem parte. Um exemplo teria sido a disputa entreo grupo filipino, Kilusang Magbubukid Pilipinas (KMP)e um grupo seu dissidente, a Demokratikong ng KilusangMagbubukid ng Pilipinas (DKMP). As duas organizaçõestentaram instrumentalizar a Via Campesina, cada qual emseu favor, prejudicando os trabalhos preparatórios para aII Conferência e para o Fórum Paralelo de ONGs da rede.Ambos os dois encontros deveriam ter sido realizados nasFilipinas, mas por conta deste conflito, terminaram acon-tecendo no México (Desmarais, 2003).

Por outro lado, constata-se que a Via Campesina ne-cessita manter um vínculo estreito com a base, para man-ter a sua própria sobrevivência, de forma que não é possí-vel equacioná-la a uma organização formal que toma vidaprópria e passa a ter como principal objetivo a própria so-brevivência e não mais os interesses de seus constituintes.

5. A ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DA VIA CAMPESINA

Ao pensarmos em uma imagem representativa parauma rede de movimentos sociais transnacionais, construí-mos a seguinte imagem visual: um grande círculo – a ViaCampesina – contendo círculos menores – as organizaçõesregionais, compostas de organizações e movimentos soci-ais locais e nacionais – e círculos ainda menores – osmovimentos sociais locais e nacionais. Estas unidades es-tão interligadas entre si em rede, não respeitando o limiteimaginário dos círculos. Portanto, de acordo com a nossapercepção, a Via Campesina é uma rede dinâmica (já queestá aberta à inclusão e exclusão de movimentos e/ou re-des de movimentos sociais), que estabelece um elo entreestes diferentes movimentos sociais, mas deixa de existir,caso estes também não existam mais.

De acordo com Desmarais (2003), os órgãos mais im-portantes da estrutura da Via Campesina seriam o Comi-tê Coordenador Internacional (CCI), formado por repre-sentantes de todas as regiões que ela representa e oSecretariado Operacional Internacional (SOI), o órgão quecoordena o CCI.

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67Temos poucas informações sobre os critérios estabe-

lecidos para que uma organização faça parte da rede mas,de acordo com Desmarais e Borras (2004), um critériocategórico seria a organização candidata não fazer parteda IFAP. E como já dito, ao filiar uma organização, a ViaCampesina não exige nenhum compromisso político eideológico, congregando organizações dos mais variadosperfis (Edelman, 2003; Borras, 2004). Mas temos infor-mações de que quando uma organização se candidata afazer parte da rede, a Via Campesina a manteria sob ob-servação por um período de tempo, com o objetivo deavaliar se as suas metas, objetivos e estratégias coincidemcom os da rede.

Desde a sua concepção, a estrutura e formação da ViaCampesina passaram por algumas transformações. Noperíodo compreendido entre 1992 e 1996, a estrutura daVia Campesina esteve basicamente apoiada no ComitêCoordenador Internacional (CCI), submetido à época, àcoordenação geral do comitê regional da Europa, sob aresponsabilidade de Paul Nicholson, representante do paísbasco (Edelman).

Em 1996, a Via Campesina estabeleceu um Secretaria-do Operacional Internacional, órgão criado com o objetivode complementar o trabalho do CCI e auxiliar na fiscaliza-ção do funcionamento do dia-a-dia da rede. O Secretaria-do Operacional ficou, inicialmente, a cargo da ASOCODE– a organização regional responsável pela América Central– considerada a mais adequada, devido a sua maior expe-riência com o trabalho transnacional. E a secretaria, propri-amente dita, foi delegada à coalizão de Honduras, a cargode Rafael Alegria que, nomeado Secretário Executivo, ins-talou a Via Campesina em uma pequena sala de uma dasprincipais coalizões camponesas hondurenhas4.

Segundo dados publicados, no sítio da Via Campesi-na, em 2006, a estrutura atual da rede de movimentos so-ciais está subdividida em 8 diferentes regiões, assim dis-tribuídas: África, América do Norte, América do Sul, lestee sudeste da Ásia, Sul da Ásia, América Central, Cuba eCaribe, e Europa. Cada uma destas regiões conta com doisrepresentantes de movimentos sociais ou organizações deagricultores, sendo um homem e uma mulher para cadaregião; os representantes regionais vão compor o ComitêCoordenador Internacional (CCI), considerado o maisimportante elo entre as várias organizações da rede, o quereflete a preocupação da Via Campesina com a equidadede gênero, entre os representantes do movimento social.

A partir da análise de documentos da Via Campesina,referentes às suas organizações partícipes, pode-se confe-rir que, no ano de 2006, a rede encontra-se em franco pro-cesso de expansão, buscando ampliar a sua penetração naÁfrica. Percebe-se, também, que a rede vem sofrendo cadavez mais influência da região do Sul e Sudeste da Ásia;uma mudança, igualmente evidenciada por Desmarais(2003a) e Amin (2004).

De acordo com documentação disponibilizada pelarede, pode-se conferir que o Secretariado Operacional daVia Campesina não está fixado em um país ou região es-pecífica, podendo ser redefinido durante as sua Confe-rências Internacionais. Durante a última Conferência In-ternacional, realizada em 2004, ficou definido que oSecretariado Internacional passaria para Jacarta, sob aresponsabilidade de Henry Saraghi, líder da FederaçãoCamponesa da Indonésia e que a próxima conferênciada rede deveria vir a ser realizada em algum país da Áfri-ca (Via Campesina, 2004).

De acordo com a avaliação feita sobre as relações deinfluência das diversas regiões geográficas da rede, fomoslevados a saber que a Via Campesina sofreu, em sua pri-meira fase, uma influência muito expressiva das organi-zações e movimentos sociais rurais da Europa e, princi-palmente, das Américas Latina e Central. Esta ascensãogera reflexos até hoje, como demonstra o fato de as lín-guas oficiais dos encontros internacionais da rede seremo inglês e o espanhol, e o seu próprio nome – La ViaCampesina – nunca ter sido traduzido para outra língua(Desmarais, 2003).

Mas apesar da predominância da Europa e AméricaLatina, confere-se que a rede, também, sofreu uma forteinfluência da UNORCA, organização do Canadá que deugrande apoio à Via Campesina, durante a sua primeiraparticipação em um encontro da FAO.

Analisando os períodos compreendidos entre 2004 e2006, percebe-se que a Via Campesina tem cada vez maispenetração no sudeste e leste da Ásia e, por conseguinte,os movimentos sociais destas regiões têm cada vez maisrepresentatividade, dentro do movimento social.

Outra região na qual cresceu o número de organiza-ções, entre 2004 e 2006, é Cuba e Caribe, mas não identi-ficamos se este fenômeno reflete uma maior penetração naregião, ou se corresponde à filiação de organizações queantes estavam ligadas à Via Campesina através da ASO-CODE, extinta em 2005.

4 A omissão do nome nos foi imposta por falta da existência de dados.

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68A África é um continente com o qual a Via Campesi-

na está se aproximando, pode-se conferir que apesar donúmero de filiados não ter aumentado de 2004 para 2006,houve uma mudança significativa: a coordenação regio-nal que, em 2004, estava a cargo de Diamantino Nham-possa, da UNAC, passou a ser compartilhada com Mari-am Seseko, da CNOP. O que reflete o compromisso da ViaCampesina, em buscar o equilíbrio de gênero, no conjuntode sua coordenação.

Constatamos que no período entre 2004 e 2006, haviaum movimento social rural turco incorporado à rede, soba competência da região Europa. Com relação à China eOriente Médio, em 2006 não havia informações sobre or-ganizações filiadas à rede; mas, sabe-se que em 2002,membros da Via Campesina estiveram em Ramallah, emconjunto com uma delegação internacional, participandode um protesto contra o bloqueio israelense a esta cidadee estreitando contatos com movimentos sociais rurais da-quela região (Edelman, 2003).

6. OS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTRA A GLOBALIZAÇÃONEOLIBERAL

Por conta de seu perfil e trajetória, pode-se considerara Via Campesina como parte dos chamados “novos mo-vimentos sociais contra a globalização”. Vários autores,como Gómez (2004), Scholte (1999, 2000, 2005), DellaPorta (2005), Tarrow (2005) e Tilly (2005) alegam queconseqüências das políticas neoliberais prescritas pelasorganizações econômicas multilaterais – como o agrava-mento do desnível social e o aumento do desemprego eda concentração de renda, em nível mundial, regional elocal – seriam as principais razões que levaram à reaçãosocial mundial contra a globalização neoliberal.

E como já visto, a globalização neoliberal é, também,apontada como a principal motivação à intensificação doprocesso de transnacionalização de movimentos sociaisrurais, a partir do fim da década de 1980 (Edelman, Des-marais, 2002, Borras, 2004).

Mas, apesar da importância atribuída a globalizaçãoneoliberal, não se deve equacionar globalização a neoli-beralismo. Adotamos a noção de Scholte (2005), paraquem a globalização é complexa, não podendo ser redu-zida a apenas um aspecto. Segundo esta abordagem, aglobalização é fruto e motor para mudanças nas esferasde identidade e conhecimento que, associadas às mudan-ças nas esferas de governança e produção, implicaram na

re-configuração do espaço social, caracterizado na contem-poraneidade pela ‘supraterritorialidade’ (Scholte, 2005).

Estas mudanças teriam alterado o padrão de relaciona-mento e troca entre pessoas de altas esferas sociais (alémde governos e empresas), mas também entre atores des-privilegiados econômica e politicamente, como campone-ses, pequenos agricultores e indígenas.

As mudanças nos padrões de relacionamento, por suavez, favoreceram a ocorrência de mudanças nos padrõesde identidade, favorecendo a formação de alianças entrepessoas de origens geográficas e compromissos ideológi-cos diversos.

É necessário esclarecer, também, que o ativismo trans-nacional contemporâneo não forma um todo homogêneo.Seus objetivos, metas, estratégias e formas de ação sãovariadas e podem ser subdivididos em conformistas, refor-mistas, rejeicionistas e transformadores (Scholte, 2003).Deste conjunto, interessa-nos destacar aqueles que ques-tionam a base da governança global da economia e visama uma mudança na ideologia e condução destas políticas:os chamados movimentos sociais contra a globalizaçãoneoliberal, ou como denominado por Gómez (2004,p.322), o “movimento de movimentos”.

O “movimento de movimentos” é assim denominadopor ser formado por novos e velhos movimentos sociais,ONGS e redes de ativistas, com os mais variados interes-ses, tendências político-ideológicas e capacidade e recur-sos organizacionais. Apesar do perfil heterogêneo, estesmovimentos identificar-se-iam a partir da preocupaçãocompartilhada com temas e questões associadas a dois ei-xos principais: “a transformação de todas as atividadeshumanas em mercadoria e a exigência da democracia fren-te ao poder fortalecido dos mercados” (Gómez, 2004, p.324). A identificação deste traço ajuda a explicar as par-cerias estabelecidas entre a Via Campesina e movimentossociais de ambientalistas e grupos de consumidores, alémde outros, não diretamente interessados na questão cam-ponesa.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste artigo, propomo-nos a responder oque motivou a formação da Via Campesina, uma redetransnacional de movimentos sociais que congrega pes-soas com culturas, histórias e interesses, aparentemente,tão distintos.

O resultado desta análise foi o de que o surgimento da

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69Via Campesina está associado a um movimento, maisamplo, de reação às políticas neoliberais adotadas em ní-vel mundial, no pós década de 1980. A partir desta consi-deração, identificamos a Via Campesina como parte inte-grante dos movimentos sociais alter-mundialistas, que temcomo principal mote, lutar para que outra globalizaçãoseja possível, a partir de uma mudança nos parâmetros quedefinem as políticas econômicas internacionais, a partir daadoção de critérios que privilegiem a justiça social e a pre-servação do meio-ambiente.

Constatou-se que o surgimento de uma rede de movi-mentos sociais, de perfil tão heterogêneo como esta, só foipossível devido à relação pregressa entre ativistas do nortee do sul. Pois estes contatos não só estreitaram os laçosentre estas organizações, como favoreceram que, no con-texto da globalização, camponeses e pequenos agriculto-res, do norte e do sul, assim como norte-americanos eeuropeus, percebessem que enfrentavam problemáticascomuns que, pela sua origem internacional, demandavama construção de uma solução solidária em nível transna-cional. Este fenômeno pode ser igualmente identificado naformação da IFAP, surgida em resposta a nova conjuntu-ra, mais institucionalizada, que caracterizou as relaçõesinternacionais, do pós-segunda guerra mundial, quandofoi criada a ONU e algumas de suas principais agências,como a FAO.

Pode-se inferir que, assim como a IFAP, a Via Campe-sina também tenha surgido em reação a mudanças, deordem institucional, no ambiente internacional. Com aglobalização, houve uma diminuição relativa do poder doestado sobre a definição de suas políticas sociais e agríco-las. Este novo contexto gerou problemas comuns paracamponeses e pequenos produtores rurais, independente-mente de seu país de origem. E por terem uma origeminternacional, estes problemas demandaram a concepçãode uma solução transnacional, materializada na criação daRede de Movimentos Sociais Via Campesina.

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