BV~ · 2015. 7. 22. · Prof. Luís Alfredo a1 de Carvalho, D.Sc ProQ Adriana BV~ s Soares, D.Sc. C...
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UM MODELO NEUROCOMPUTACIONAL PARA ALGUNS TRANSTORNOS DE PENSAMENTO PRESENTES NA
ESQUIZOFRENIA
Pedro Paulo da Silva Ayrosa
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR
EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE SISTEMAS E COMPUTAÇÃO.
Aprovada por:
p Prof. Luís Alfredo a1 de Carvalho, D.Sc
ProQ Adriana BV~ s Soares, D.Sc. C e bVY'
Prof. 1 Jiz 0 , tá .6 Azevedo, D.Sc.
L/" >o /,..&3- Prof. ~é r~ io ) fxe l Gonçalves,
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
MARÇO DE 2001
AYROSA, PEDRO PAULO DA SILVA
Um Modelo Neurocomputacional
para alguns Transtornos de Pensamento
presentes na Esquizofrenia [Rio de Janeiro]
200 1
XIII, 125 p., 29,7 cm (COPPE/UFRJ,
D.Sc., Engenharia de Sistemas e
Computação, 200 1)
Tese - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1 - Neurociência Cognitiva Computacional
2 - Esquizofienia 3 - Redes Neuronais
I. COPPE/UFRJ II.Título ( série )
Aos meus pais Dilmar e Yolanda Ayrosa A minha esposa Sueli Barione Ayrosa
Ao meu filho João Pedro Barione Ayrosa
Agradecimentos
Ao Professor Dr. Luís Alfredo Vida1 de Carvalho por sua orientação segura, pela
paciência e apoio durante a realização deste trabalho.
Aos Professores do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação pela
minha formação acadêmica.
A todos os funcionários do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação,
especialmente à Solange, pela atenção e presteza.
Aos familiares pelo incentivo e apoio em todos os momentos, especialmente à
minha prima Dra. Ilce Ayrosa de Barros.
A Capes pelo apoio ftnanceiro através do programa PICDT.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo apoio e facilidades para o
desenvolvimento deste trabalho.
A Universidade Estadual de Londrina pelo incentivo e apoio durante o período
de doutoramento.
Ao Departamento de Computação da Universidade Estadual de Londrina pela
minha liberação e pelo esforço de todos a fim de me proporcionar a oportunidade de
capacitação.
Aos muitos colegas da pós-graduação, especialmente à Cinira, à Nivea e à Rosa,
que sempre se mostraram solícitos com as minhas dúvidas e indagações.
Aos amigos Prof. Dr. Roosevelt José Dias e Eng. Carlos Godar pelo incentivo
durante todos esses anos e especialmente pelas suas amizades.
Resumo da Tese apresentada à COPPEAJFRJ como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc)
UM MODELO NEUROCOMPUTACIONAL PARA ALGUNS TRANSTORNOS DE PENSAMENTO PRESENTES NA ESQUIZOFRENIA
Pedro Paulo da Silva Ayrosa
Orientador: Luís Alfredo Vida1 de Carvalho
Programa: Engenharia de Sistemas e Computação
Recentes pesquisas em esquizofrenia têm demonstrado diversas anomalias
na estrutura, função cognitiva e fisiologia cerebral. Alguns destes achados parecem
estar desconectados. Este trabalho propõe um modelo neurocomputacional para a
desordem de pensamento da esquizofrenia que integra alguns fenômenos clínicos
inexplicáveis ou sem conexão com resultados experimentais. Mapas auto-
organizáveis e a equação de membrana para representação pontual de um neurônio
são as bases do modelo. O efeito de priming semântico presente em sujeitos
esquizofrênicos com distúrbio de pensamento é simulado. Alguns transtornos de
pensamento são explicados como resultado de um decréscimo da relação de sinal-
ruído no córtex cerebral.
Abstract of Thesis presented to COPPEAJFRJ as a partia1 fulfillment of the
requirements for the degree of Doctor of Science (D. Sc.)
A NEUROCOMPUTATIONAL MODEL FOR SOME SCHIZOPHRENIC THOUGHT DISORDERS
Pedro Paulo da Silva Ayrosa
Advisor: Luís Alfredo Vida1 de Carvalho
Department: Computer and System Engineering
Recent researches in schizophrenia has demonstrated widespread
abnormalities in patient's brain structure, cognitive function, and physiology.
Some of these findings appear to be disconnected. This work proposes a
neurocomputational model for schizophrenic thought disorder that integrate some
inexplicable or unrelated clinical phenomena and experimental results. Self-
organizing maps and the membrane equation for point representation of a neuron
are the model bases. Semantic priming effect in normal subjetcts and thought-
disordered schizophrenia patients is simulated, and formal thought disorder is
explained as result of decreased signal-to-noise ratio in cortical networks.
Sumário
Capítulo 1 Introdução
1. I Apresentação
1.2 Fomulação do Problema
1.3 Relevância do Problema
1.4 A Tese
1.5 Organização do Texto
Capítulo 2 O Sistema Nervoso
2.1. Introdução
2.2. O Sistema Nervoso
2.3. O Cérebro
2.3.1. O Córtex 2.4. O Neurônio
2.4.1. Breve Histórico
2.4.2. Estrutura
2.4.3. Sinapses, Neurotransmissores e Neuromoduladores
Capítulo 3 Esquizofrenia
3.1. Introdução
3.2 Histórico, Conceituação e Classificação
3.3 Sintomatologia, Diagnóstico e Epidemiologia
3.4 Etiopatogenia da Esquizofrenia
3.4.1 Hipótese Dopaminérgica
3.4.1.1 Características Gerais do Sistema Dopaminérgico
3.4.1.2 Classificação dos Receptores
3 -4.1.3 Mecanismo Básico de Síntese e Degradação da Dopamina 29
3.4.1.4 A Hipótese Básica 30
vii
3.4.2 Hipótese Serotoninérgica
3.4.3 Hipótese Hipofrontalidade
3.5 Distúrbio de Pensamento em Esquizofrenia
3.6 Modelos Computacionais para Esquizofrenia
3.6.1 Modelos de Cohen e Servan-Schreiber
3 -6.2 Modelos de Hoffman
Capítulo 4 O Efeito de "Priming" Semântico
4.1 Introdução
4.2 Definição de Priming e Priming Semântico
4.3 Técnica de Decisão Léxica
4.3.1 Tempo de Duração do Prime e Tempo de Reação
4.4 Teorias para o Priming Semântico
4.4.1 Teoria da Propagação da Ativação
4.4.2 Teoria da Expectativa
4.4.3 Teoria do Casamento Semântico
4.5 Priming Semântico e Esquizofrenia
Capítulo 5 O Modelo
5.1. Conceitos Preliminares
5.1.1. Redes Neuronais
5.1.2. Mapa Auto-Organizável (SOM)
5.1.2.1 Arquitetura e Algoritmo
5.1.2.2 Inspiração e Plausibilidade Biológica
5.1.3. A Equação da Membrana
5.2 O Nível 1 do Modelo
5.3 O Nível 2 do Modelo
Capítulo 6 Resultados e Discussão
6.1 Simulação 1 : Construção do Mapa Auto-Organizável Representativo
da Rede Semântica
6.2 Simulação 2: Verificação se o Modelo Reproduz o Efeito de Priming
Semântico
6.3 Simulação 3: Verificação se o modelo Reproduz a Desfocalização ou 101 Espraiamento de Sinal Provocado pela Modulação da Dopamina
6.4 Simulação 4: Verificação se o modelo Reproduz o Comportamento de 104 Propagação da Ativação
6.5 Simulação 5: Verificação se o Modelo Reproduz o Conceito de Idéia 105 Fixa como um Forte Ruído em uma Unidade
6.6 Considerações Finais 106
Capítulo 7 Conclusão
Referências Bibliográficas 110
Lista de Figuras
Figura 2.1 : Estrutura do Sistema Nervoso Central
Figura 2.2: Divisão em lobos: Frontal, Parietal, Temporal e Occiptal
Figura 2.3 : Estrutura do Neurônio
Figura 3.1 : Vias Dopaminérgicas nigroestriatal, mesolímbica e mesocortical
Figura 3.2: Ventrículos de uma pessoa normal e ventrículo aumentados de uma
pessoa com esquizofrenia
Figura 3.3 : PET com a média do fluxo sanguíneo de pacientes durante
alucinações auditivas
Figura 3.4 Área de associação pré-frontal
Figura 3.5: Imagem mostrando que os esquizofrênicos não tem o fluxo
sanguíneo aumentado nos lobos frontais durante a realização de
testes cognitivos.
Figura 3.6: Topologia da rede do experimento de Stroop
Figura 4.1 : Seqüência de eventos de um experimento de decisão léxica
Figura 4.2: Esquema dos tempos utilizados para o cálculo do priming
Figura 4.3: Os tempos: SOA (Stimulus Onset Asynchrony) e RT (Tempo de
Reação)
Figura 4.4: Propagação da ativação em uma rede
Figura 4.5: Média do Tempo de reação (RT) dos grupos de sujeitos normais
(Normal), sujeitos com distúrbio de afetividade (Afetivo), sujeitos
esquizofrênicos sem distúrbio de pensamento (EsDP) sujeitos
esquizofrênicos com distúrbio de pensamento (EcDP) para os pares
Prime-Palavra-Não-Relacionada (Prime-PNR) e Prime-Palavra-
Relacionada (Prime-PR)
Figura 4.6: Média do Tempo de Priming dos grupos de sujeitos normais
(Normal), sujeitos com distúrbio de afetividade (Afetivo), sujeitos
esquizofrênicos sem distúrbio de pensamento (EsDP) sujeitos
esquizofrênicos com distúrbio de pensamento (EcDP)
Figura 4.7: Comparação dos resultados de experimentos de priming semântico
Figura 5.1 : Rede Semântica
Figura 5.2: Arquitetura geral da rede
Figura 5.3: Esquema das unidades de saída como capacitores com ruídos
Figura 6.1: Organização dos conceitos após o treinamento da rede
Figura 6.2: Contribuição de cada micro-característica para a distribuição
topográfica dos conceitos
Figura 6.3: Distribuição dos conceitos na rede 3x5
Figura 6.4: Resposta da rede para o estímulo polegar
Figura 6.5: Resposta da rede para o estímulo unha
Figura 6.6: Resposta da rede para o estímulo dedo da mão
Figura 6.7: Resposta da rede para o estímulo dedo do pé
Figura 6.8: Resposta da rede para o estímulo mão
Figura 6.9: Resposta da rede para o estímulo pé
Figura 6.10: Resposta da rede para o estímulo braço
Figura 6.11 : Resposta da rede para o estímulo perna
Figura 6.12: Resposta da rede para o estímulo sapato
Figura 6.13: Resposta da rede para o estímulo meia
Figura 6.14: Gráfico do efeito depriming semântico, reproduzido pelo modelo
para sujeitos normais e sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de
pensamento
Figura 6.15 : Ativação da rede pelo estímulo perna
Figura 6.16: Ativação da rede pelo estímulo perna, com a redução de 90% no
valor da variável que representa a ação da dopamina
Figura 6.17: Comportamento da ativação da rede em quatro momentos 1 O4 diferente: (a) t=20, (b) t=112, (c) t=470 e (d)t=630
Figura 6.18: Resultado da simulação da resposta da rede para o estimulo perna 105 tendo sido aumentado o ruído da unidade correspondente ao
estímulo meia na ordem de 30%
Lista de Tabelas
Tabela 3.1: Comparação entre a esquizofrenia tipo I e a tipo 11, segundo CROW
Tabela 3.2: Influência de substâncias psicoativas no mecanismo de síntese e
degradação da dopamina
Tabela 5.1: Representação dos objetos através do ajuste do bit de nomeação
Tabela 5.2: Representação das características
Tabela 5.3: Representação dos 10 objetos através de 21 bits
Tabela 6.1: Resultados da simulação do efeito priming com tempo de duração
do prime de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: dedo da
mão com mão
Tabela 6.2: Resultados da simulação do efeitopriming com tempo de duração
do prime de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: mão
com pé
Tabela 6.3: Resultados da simulação do efeitopriming com tempo de duração
do prime de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: pé com
sapato
Tabela 6.4: Resultados da simulação do efeitopriming com tempo de duração
do prime de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: sapato
com pé
Capítulo 1
Introdução
1.lApresentação
A Neurociência Cognitiva Computacional (NCC) é uma disciplina recente
que combina o corpo de conhecimentos (e os métodos de investigação) da
neurociência e da ciência cognitiva com as técnicas da ciência da computação,
especialmente da inteligência artificial, a fim de modelar os processos cognitivos.
Tal modelagem visa prover informações ou testar teorias que nos permitam
entender a natureza da mente e o seu relacionamento com o cérebro.
Normalmente a pesquisa em neurociência cognitiva computacional
envolve uma extensa gama de conhecimentos que vai desde aspectos de
bioquímica e biofisica da fisiologia, passando pelo conhecimento neuroanatôrnico
e das modernas técnicas de investigação por imagens cerebrais, até os
procedimentos e teorias da psicologia experimental, além, é claro, dos métodos
computacionais.
Em resumo, a NCC tenta explorar computacionalrnente uma possível
ligação entre a neurociência de baixo nível com o desempenho cognitivo de alto
nível, desenvolvendo, assim, teorias e explicações que podem ser simuladas e
comparadas com dados experimentais. Este trabalho foi realizado neste contexto.
1.2 Formulação do Problema
O problema investigado e modelado neste trabalho é descrito pela seguinte
questão: por que os sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de pensamento,
distúrbio este caracterizado por uma ruptura das associações normais, apresentam
um tempo de reação nos testes de decisão léxica que privilegia as associações
normais ao passo que o esperado seria exatamente o oposto?
1.3 Relevância do Problema
A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico extremamente importante. É a
mais freqüente das psicoses atingindo 1% da população mundial, e se
considerarmos a forma mais branda da esquizofrenia esta porcentagem ficaria na
faixa de 3% a 5%. Apesar da gravidade apresentada pelos pacientes afetados pela
esquizofrenia, somente metade da população de todos os pacientes
esquizofrênicos (dos Estados Unidos) recebe tratamento adequado (BRANDÃO
& GRAEFF,1997). Ela também está associada a uma incidência maior de
doenças médicas gerais e de mortalidade, especialmente por suicídio em cerca de
10 % dos pacientes. Como geralmente a esquizofrenia aparece precocemente na
vida do indivíduo e frequentemente pode ser crônica, os custos do transtorno são
substanciais. Nos EUA, o gasto direto com a esquizofrenia em 1990 correspondeu
a 2,5% do total do gasto com a saúde, ou cerca de 16 a 19 bilhões de dólares. Se
os custos indiretos de fatores como perda de produtividade, fardo sobre a família,
desemprego e incapacidade perrnantente forem considerados, soma-se um valor
superior a 46 bilhões de dólares (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2000). Desta forma, todos os esforços científicos para entendimento dos
mecanismo envolvidos na manifestação da esquizofrenia são extremamente
importantes.
1.4 A Tese
O objetivo deste estudo é construir um modelo que permita a verificação
por simulação de algumas hipóteses e teorias que explicam certos achados
conflituosos, como o aumento do efeito depriming (ou amorçagem) semântico em
sujeitos esquizofrênicos que sofrem de desordem de pensamento formal, quando
comparados com sujeitos normais utilizados como controle.
Para tanto foi desenvolvido um framework onde vários níveis de abstração
de diferentes paradigmas e teorias das áreas de inteligência artificial e ciência
cognitiva foram combinados para a construção de um modelo neurocomputa-
cional.
1.5 Organização do Texto
Este trabalho está organizado em 7 capítulos, sendo o primeiro esta
introdução.
O capítulo 2 é apresenta de forma sucinta a organização e os principais
elementos do sistema nervoso central a fim de facilitar o entendimento das
referências anatômicas e funcionais de alguns mecanismos biológicos
referenciados e discutidos nos capítulos seguintes.
O capítulo 3 faz uma descrição dos aspectos gerais da esquizofrenia
permitindo o leitor sem formação na área médica tomar contato com os principais
conceitos necessários a compreensão de vários pressupostos assumidos pelo
modelo.
O capítulo 4 descreve o fenômeno observável nos sujeitos esquizofrênicos
com distúrbio de pensamento denominado efeito de priming semântico. Tal
fenômeno é importante por exigir, para seu entendimento, uma integraçao de
achados e teorias nem sempre relacionados de forma direta.
O capítulo 5 descreve os conceitos ou técnicas preliminares (redes neuronais
artificiais, mapas auto-organizáveis e a equação da membrana para modelos
pontuais de neurônios) que serviram de base para o desenvolvimento modelo. É
apresentado o modelo em detalhes, bem como os pressupostos assumidos.
O capítulo 6 descreve todas as simulações realizadas e os resultados obtidos
são discutidos.
O capítulo 7 é a conclusão deste trabalho bem como sugestões para
trabalhos futuros.
Capítulo 2
O Sistema Nervoso
2 .1 Introdução
Pode-se afirmar, segundo KAPLAN et al. (1997), que o cérebro é o
denominador comum para quase todas as escolas de pensamento envolvidas no
estudo do comportamento humano. Entretanto o cérebro é "apenas" um dos
componentes envolvidos na organização de uma grande estrutura de enorme
complexidade responsável pelos pensamentos, sentimentos e regulações
organovegetativas. Tal complexidade é incontestável somente pela observação
dos números de elementos e interações entre estes elementos: cerca de 20 bilhões
de neurônios e cada um conectado a 10 mil outros neurônios (SPITZER, 1999).
2.2 O Sistema Nervoso
Como ressaltado por MACHADO (1993), o sistema nervoso é um todo, e
qualquer divisão, indiferente ao critério adotado (isto é, critérios anatômicos,
embriológicos e funcionais), tem apenas a função didática. É freqüente na
literatura variações nas divisões objetivando a clareza didática da apresentação.
Neste trabalho é apresentado a estrutura do sistema nervoso baseada em
MACHADO (1 993), SHEPHERD (1 994) e KANDEL et al. (1 997), privilegiando
a classifícação mais objetiva e clara. Assim, a classificação do sistema nervoso
costuma ser apresentada sob dois aspectos: anatômico e funcional. A descrição
sob o critério anatômico divide o sistema nervoso em sistema nervoso central e
sistema nervoso periférico, enquanto a descrição funcional divide em sistema
nervoso sornático e sistema nervoso autônomo (este sub-dividido em: sistema
nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático).
O sistema nervoso central (SNC) é formado pelo encéfalo e pela medula
espinhal, isto é, é aquele localizado dentro da cavidade craniana e do canal
vertebral. O encéfalo é a principal região integrativa do sistema nervoso
responsável pela memória, geração de pensamentos e emoções, além das funções
relacionadas ao psiquismo e ao controle complexo do corpo (GUYTON, 1993). Já
a medula espinhal tem 2 funções principais: condutor de vias que saem e entram
no encéfalo e integração e coordenação de atividades sensoriais, motoras e
neurovegetativas. O SNC é descrito por KANDEL et al. (1997) como um
conjunto de 7 partes (veja figura 2.1):
medula espinhal: subdividida em regiões (cervical, torácica, lombar e sacra)
é a parte mais caudal do SNC;
bulbo: é parte superior a medula espinhal contendo diversos centros
responsáveis por funções autônomas (digestão, respiração e controle da
freqüência cardíaca);
ponte: está localizada acima do bulbo e é responsável pela transmissão de
informações sobre movimento do cérebro para o cerebelo;
cerebelo: modula a força e o alcance do movimento; participa do aprendizado
de habilidades motoras;
mesencéfalo: controla várias funções sensoriais e motoras, dentre as quais
podemos citar os movimentos oculares e coordenação dos reflexos visuais e
auditivos;
diencéfalo: dividido em duas estruturas, o tálamo responsável pelo
processamento da maior parte da informação que chega ao córtex cerebral
proveniente das outras partes do SNC, e o hipotálamo que regula as funções
autônomas, endócrinas e vicerais;
hemisférios cerebrais: consistem no córtex cerebral e três estruturas situadas
internamente: gânglios da base (relacionado ao desempenho motor), o
hipocampo (participa em diversos aspectos do armazenamento das memórias)
e o núcleo amigdalóide (coordena respostas autônomas e endócrinas com
participação dos estados emocionais).
O sistema nervoso periférico é composto por uma malha extremamente
ramificada de nervos. Nervos são cordões esbranquiçados constituído de feixes de
fibras nervosas reforçadas pelo tecido conjuntivo (MACHAD0,1993) que podem
ser nervos aferentes (ou sensoriais), eferente (ou motores) ou mistos (sensório-
motores). Pode-se dividir os nervos em dois grandes conjuntos: nervos espinhais e
nervos cranianos. Tal divisão está baseada na ligação com a medula espinhal ou
com o encéfalo.
+ Prosencéfalo
c Mesencéfalo
c Rombencefalo
Figura 2.1: Estrutura do Sistema Nervoso Central.
2.3 O Cérebro
O cérebro é dividido em dois hemisférios pela fissura longitudinal.
Situado à base desta fissura encontra-se um feixe de fibras nervosas chamado de
corpo caloso. Tal conjunto de fibras constituem um canal de comunicação entre os
dois hemisférios.
O sulco central (ou fissura de Rolando) e sulco lateral dividem cada
hemisfério em quatro seções denominadas por lobos (figura 2.2) e nomeadas de
acordo com a suprajacência dos ossos da caixa craniana: lobo frontal, lobo
temporal, lobo parietal e lobo occipital. Temos ainda duas outras subdivisões: o
córtex insular e o lobo límbico. O primeiro não visível na superfície do cérebro e
o segundo não constituindo uma área distinta, mas tendo seus neurônios formando
circuitos complexos com importante papel na aprendizagem, memória e emoções.
2.3.1 O Córtex
Devido ao processo evolutivo, o córtex ("substância cinzenta que se
dispõe em uma camada fina na superflcie do cérebro e do cerebelo;",
Machado,l993, p.151) se desenvolveu de forma diferenciada da estrutura
craniana. Tal desenvolvimento resultou numa forma enrugada em que é observado
e designado por giros as protuberâncias e por sulcos as depressões existentes
entre os giros. Em termos de evolução, o córtex é a parte do cérebro desenvolvida
mais recentemente. Com um estrutura formada por seis camadas bem defuiidas, o
córtex está presente somente nos mamíferos; e uma área específica, também com
seis camadas, o córtex pré-frontal (tratato mais adiante) está presente somente
9
nos primatas (LEVINE, 1991). O córtex apresenta várias áreas específicas com
funções relativamente definidas. Duas categorias são observadas: áreas motoras e
áreas sensoriais. Estas áreas são divididas em primárias quando mantém conexões
diretas com músculos específicos ou receptores sensoriais específicos; e
secundárias e terciárias quando complementam de forma variada as funções das
áreas primárias. Outras áreas, conhecidas por áreas de associação, não se
enquadram nas rígidas categorias de áreas motoras e sensoriais. Estas áreas
recebem e analisam sinais de várias regiões corticais e subcorticais. Três são
consideradas de destaque: área de associação parieto-occipitotemporal
(relacionada a compreensão da linguagem, etc), área de associação pré-frontal
(relacionada ao planejamento motor, aos processos de elaboração de pensamentos,
etc) e área de associação límbica (relacionada ao comportamento, às emoções e à
motivação).
Segundo KAPLAN et al. (1997, p.107), "c..) o córtex pré-frontal tem
sido de particular importância para os pesquisadores de transtorno cerebrais
unicamente humanos, como esquizofrenia e transtornos do humor c..) " devido a
observação do singular aumento de área pré-frontal dos humanos quando em
comparação com outras espécies. Por exemplo, o córtex pré-frontal dos humanos
constituem 29% da área cortical enquanto nos chimpanzés é de 17% e nos gatos
3,5% . Além dessa observação, é considerado o fato que a área pré-frontal dos
primatas e de outros animais é particularmente rica em terminações
dopaminérgicas e acredita-se que esta inervação dopaminérgica seja uma entrada
modulatória importante para várias tarefas cognitivas (O'REILLY &
MUNAKATA, 2000, KANDEL et al., 1997, LEVINE, 1995).
Figura 2.2: Divisão em lobos: frontal (F), Parietal (P), Temporal (T) e
Occiptal (O).
2.4 O Neurônio
2.4.1 Breve Histórico
Até pouco mais de cem anos atrás, segundo SHEPHERD (1994), ainda
não se tinha certeza se a teoria da célula era aplicada ao sistema nervoso. Em 1936
Jan Purkinje publica um trabalho sobre observações de células do cerebelo em que
descreve basicamente o núcleo e o citoplasma. Tais células receberão seu nome
mais tarde: células de Purkinje. Em 1865, com a publicação póstuma da obra de
Otto Deiters, é apresentado um diagrama em que é mostrado claramente dois tipos
de fibra ligadas ao corpo celular chamadas por Deiters de prolongação
protoplasmática e eixo cilíndrico designadas posteriormente de dendritos e
axônio, respectivamente. Desta forma, é proposta a imagem da célula nervosa
como uma célula qualquer que possui corpo celular com núcleo e citoplasma mas
caracterizada por possuir 2 tipos diferentes de prolongamentos (os dendritos:
múltiplos e ramificados e o axônio: quase sempre único.Ta1 imagem do neurônio
vai se intensificar com os trabalhos do italiano Camillo Golgi (publicados a partir
de 1885) e do espanhol Santiago Ramon y Cajal (publicados a partir de 1888)
que desenvolveram técnicas corantes para a visualização microscópica das células
nervosas. Como parte destas descobertas, segundo CHANGEUX (1985), surgem
diversas teorias e polêmicas sobre a função das células, sua organização coletiva
e comunicação que só serão definitivamente encerradas com o desenvolvimento
da microscopia eletrônica na década de 50.
2.4.2 Estrutura
O tecido nervoso é formado por dois tipos de células com funções bem
definidas. O primeiro tipo de célula é o neurônio que tem a função de receber,
processar e transmitir informações. O segundo tipo de célula é a glia que tem a
função de sustentação, isolamento, modulação da atividade neuronal e defesa
(MACHADO, 1993).
Tudo indica, segundo DAMÁSIO (2000), que os neurônios são a unidade
básica e crítica para produção de movimentos e a atividade mental. Como já dito
anteriormente, o neurônio é dividido em três partes: a corpo celular ou soma,
onde se encontram as organelas responsáveis pela manutenção da vida celular
através de vários processos metabólicos, os dendritos que recebem sinais para
serem processados pela célula e o axônio responsável pela transmissão dos sinais
integrados pela célula (pré-sináptica) para outros dendritos de outras células (pós-
sinápticas) através de uma conexão, chamada de sinapse, que pode ser elétrica ou
química (veja figura2.3).
Os neurônios formam circuitos locais que podem se organizar em camadas
ou não. Quando tais circuitos se estruturam em camadas recebem o nome de
regiões corticais e núcleo no caso contrário. A comunicação entre as regiões
corticais e os núcleos são feitas por projeções axonais formando o que chamamos
de sistemas. Quando estas linhas de comunicação, isto é, as projeções axonais, se
apresentam de forma macroscópica recebem a designação de vias.
2.4.3 Sinapses, Neurotransmissores e Neuromoduladores
As sinapses são junções entre neurônios, ou entre neurônios e efectores
(músculos ou glândulas), e são os principais lugares onde ocorre a comunicação
entre as células excitáveis (JOHNSTON & WU, 1995). Podem ser de vários tipos
(SHEPKERD, 1994), contudo a comunicação sináptica utiliza dois mecanismos
básicos: transmissão elétrica e a transmissão química.
A transmissão elétrica (ou sinapse elétrica) se realiza através do potencial
de ação do neurônio pré-sináptico para o neurônio pós-sináptico pela condução
direta, e é usada principalmente para enviar sinais de despolarização. É a forma
mais rápida de sinalização entre neurônios, sendo adequada aos comportamentos
rápidos e estereotipados, como as respostas defensivas ou de fuga (KANDEL et
al., 1997).
Já na transmissão química (ou sinapse química) a condução é mediada por
um transmissor químico que afeta as condutâncias iônicas, podendo produzir
ações excitatórias (despolarização) ou inibitórias (hiperpolarização). É mais lenta
do que a transmissão elétrica, pois o neurônio pré-sináptico tem que primeiro
liberar o neurotransmissor que irá se difundir pela fenda sináptica até se fixar nos
receptores da membrana da célula pós-sináptica. Segundo KANDEL et al. (1997),
apesar dos mecanismos de transmissão química serem mais lentos quando
comparados com os da transmissão elétrica, possuem a vantagem de que um único
potencial de ação libera milhares de moléculas de neurotransmissor permitindo,
assim, que os sinais possam ser modulados de um neurônio para o outro. Esta
plasticidade das sinapses químicas (por serem altamente modificáveis quanto a
eficiência) é um mecanismo importante na aprendizagem comportamental.
As substâncias químicas liberadas durante o processo de transmissão
química recebem o nome de neurotransmissores. Podemos citar como
neurotrasmissores: a acetilcolina, a noradrenalina, a dopamina, a serotonina, o
ácido gama-amino-butírico (GABA), diferentes aminoácidos (glutamato,
aspartato, glicina) e peptídios. Já, segundo BRANDÃO (1997), os
neuromoduladores são substâncias que influenciam atividade neuronal de forma
diferente dos neurotransmissores e se originam de células não-neuronais (por
exemplo, as células gliais), enquanto os neuromediadores são substâncias que
participam da resposta pós-sináptica ao transmissor. Como neuromoduladores
pode-se citar a amônia, o C02, a adenosina e o óxido nítrico; e como
neuromediadores pode-se citar o AMPc (monofosfato cíclico de adenosina), o
GMPc (monofosfato cíclico de guanosina) e o fosfatidilinositol.
Um fato muito importante para o modelo desenvolvido neste trabalho é
que a ação da dopamina no sistema nervoso central pode ser como um
neurotransmissor ou como um neuromodulador não-específico (KISCHKA et. al.,
1996), amplificando os sinais fortes e atenuando os sinais fracos, isto é, atuando
como uma moduladora da relação sinal ruído (COHEN & SERVAN-
SCHREBER, 1992).
Figura 2.3: Estrutura do Neurônio (fonte: KANDEL et al., 1997).
Capítulo 3
Esquizofrenia
3.1 Introdução
O Sr. X inglês, teve a sua primeira internação psiquiátrica em 1946, com a idade de 39 anos, ficou um curto tempo e retomou para o convívio familiar. Em 1948, Sr. X foi internado definitivamente. Era um homem solitário, costumava frequentar jogos de futebol, contudo, evitava qualquer contato próximo com outraspessoas. Por anos afio não trabalhava eficava em casa sem fazer nada, sendo alimentado e mantido pela sua mãe inválida. Acreditava que existia conluios contra ele e que estava em perfeita comunhão com as estrelas e os pássaros. Ouvia as vozes da Duquesa de Windsor e de jogadores de futebol famosos dizendo-lhe que tinha direito a uma pensão vitalícia. Sr. Gold é o nome de um homem que estava controlando sua mente. Alguns anos mais tarde, ainda estava em comunhão com as estrelas e dizia aos funcionários do hospital que havia uma nova estrela no céu e que isto signiJicava que o mundo pertencia a ele. Ao mesmo tempo escrevia cartas lúcidas queixando-se de ainda estar confinado em um hospital. Dez anos após a sua internação definitiva começou o tratamento com psicofármacos. Recuperou-se. Nos anos 80 estava perfeitamente normal e não mais isolado na instituição psiquiátrica. Trabalhava no depósito do hospital e enfatizava que não queria aposentar-se. Recaia quando as drogas eram suspensas ( SMITH, 1985,p. 17).
Este é um dos casos típicos descritos por SMITH (1985). Neste relato pode-
se encontrar as principais características do distúrbio psiquiátrico denominado
esquizofrenia. Tal distúrbio psicótico (isto é, com comprometimento da vida
social) é caracterizado pelo isolamento afetivo, sentimentos antagônicos
simultâneos, distúrbios de pensamento, delírio e alucinações, dentre outros
sintomas. Existem muitos esforços empenhados na tentativa de esclarecer o que é,
como se processa e qual o tratamento adequado para a esquizofrenia. A única
grande certeza é que o mistério da origem (ou das origens) e dos mecanismos da
esquizofrenia ainda não foram totalmente explicados.
3.2 Histórico, Conceituação e Classificação
As primeiras tentativas de descrições sistemáticas dos sintomas relacionados
a esquizofrenia são observadas nos trabalhos psiquiátricos do sec. XIX. Desta
forma, descrições parciais são encontradas nos trabalhos de Benedict Morel, Karl
Kahlbaum e Ewold Hecker (LOUZÃ NETO, 1995). Sob um ótica mais flexível,
podemos encontrar descrições fragmentadas em textos antigos tanto dos gregos
quanto dos hindus (SMITH, 1985).
Em 1896, Emil Kraepelin apresenta uma nosografia psiquiátrica que reúne
quadros de catatonia (estupor associado à acentuada rigidez ou flexibilidade
muscular), hebefrenia (hoje, uma forma crônica de esquizofrenia) e demência
paranóide (sintomas semelhantes a paranóia que progrediam para um transtorno
de curso deteriorante) sob a designação latina dementia praecox. O termo em
francês (demense precose) já fora utilizado por Morel para designar distúrbios
referentes a pacientes com deterioração profunda que se iniciavam na
adolescência (KAPLAN et al. 1997).
Em 1908, com a publicação da monografia Demência Precoce ou Grupo
das Esquizofrenias por Engen Bleuler (BLEULER, 1950) o termo esquizofrenia
(do grego: qqt<o = cindido, e zqp~v= mente) é sugerido como substituto do
termo dementia praecox, já que fora observado que a esquizofrenia não se instala
somente numa faixa etária baixa, como também não ocorria uma demência no
sentido estrito da palavra, mas sim alterações na esfera afetiva e conativa da
personalidade, isto é, urna cisão entre pensamento, emoção e comportamento.
Cabe ressaltar que não se deve interpretar o transtorno psicótico designado pelo
termo esquizofrenia como significando uma personalidade dividida, cuja a
designação técnica atual e transtorno dissociativo de personalidade conforme
descrito no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-
Jw. O Conceito atual de esquizofrenia, segundo SPOERRI (1988), deve-se a
diversos teóricos e pesquisadores tais como: Adolf Meyer (que acreditava ser a
esquizofrenia, entre outros distúrbios, uma reação a uma vasta gama de estímulo
estressantes), Harry Stack Sullivan (que ressaltava o isolamento social como causa
e sintoma da esquizofrenia), Gabriel Langfeldt (que classificou os pacientes com
sintomas psiquiátricos em dois grupos: com esquizofrenia verdadeira e com
psicose esquizofreniforme) e Kurt Scheider (que ressaltava a dificuldade de um
diagnóstico preciso).
Resumidamente, podemos conceituar a esquizofrenia como um distúrbio
psiquiátrico complexo que se caracteriza por baixa afetividade, perda de contato
com a realidade, alucinações, etc. , cujapatogênese é multifatorial: ação conjunta
de causas coadjuvantes psíquicas (caracterológicas, familiares, sociais) e
somáticas, sobre a base de uma constituição herdada (SPOERRI, 1 98 8,p.%).
Devido a sua complexidade, a esquizofrenia apresenta diversas
classificações que sofieram influências diretas da abordagem conceitual de
teóricos e de pesquisadores, variando, assim, conforme os países e escolas.
BLEULER (1950) classificou os sintomas da esquizofrenia em
fundamentais (ou primários) e acessórios (ou secundários). Os fundamentais
seriam específicos da esquizofrenia, enquanto os acessórios poderiam ocorrer em
19
outros quadros psiquiátricos. Assim, a classificação dos sintomas seria: sintomas
fundamentais ou primários (distúrbios de associação do pensamento; distúrbios de
afetividade; ambivalência de afetividade e de vontade; autismo) e sintomas
acessórios ou secundários: (alterações sensoperceptivas -alucinações-; delírios;
sintomas catatônicos; alterações de memória e de atenção).
Alguns autores, segundo LOUZÃ NETO (1995), consideram os sintomas
fundamentais e primários como sinônimos (da mesma forma com sintomas
acessórios e secundários), enquanto outros citam que Bleuler salientava não existir
uma superposição entre sintomas primários e fundamentais ou secundários e
acessórios. A distinção seria que os sintomas primários são decorrente diretamente
de um processo mórbido cerebral, enquanto os secundários se originam de uma
reação do psiquismo a esse processo mórbido.
Kurt Schneider (SCHNEIDER, 1980) definiu a classe dos sintomas em dois
tipos: os de primeira ordem e os de segunda ordem. Os sintomas de primeira
ordem são indicativos de esquizofrenia exceto nos casos que exista uma causa
orgânica. Enquanto os sintomas de segunda ordem seriam menos sugestivos na
indicação da presença do que se entende por esquizofrenia. Desta forma os
sintomas de primeira e segunda ordens são: primeira ordem: sonorização do
pensamento; alucinações auditivas na forma de vozes; alucinações auditivas na
forma de vozes que dialogam entre si; percepção delirante (o esquizofrênico
percebe um objeto além do seu significado comum); vivência de influência
corporal (o esquizofiênico sente-se influenciado pelo seu próprio corpo por uma
"força" que lhe parece de origem externa); roubo ou subtração do pensamento;
difusão do pensamento (o esquizofrênico acredita que as pessoas estão
20
adivinhando o que ele está pensando); vivência de influência no domínio dos
sentimentos, tendências e vontade; segunda ordem: intuição delirante;
perplexidade; vivência de empobrecimento afetivo; disposições de ânimo
depressivas ou maníacas; outros sintomas e outros distúrbios sensoperceptivos.
Através de estudos com tomografia computadorizada (ARNOLD et al.,
1996) observou-se um alargamento dos ventrículos e atrofia cortical em um
subgmpo de pacientes esquizofrênicos crônicos. Tais estudos sugerem uma
relação entre a esquizofrenia e as anormalidades estruturais ou funcionais do
sistema nervoso. Baseado em observações similares, porém bem anteriores aos
estudos citados acima, CROW (1 980) formulou a hipótese de que a esquizofienia
pode ser composta por duas síndromes independentes: a esquizofrenia de tipo I
(devido a uma hiperfunção dopaminérgica) e a de tipo I1 (devido a alterações da
estrutura do cérebro). Esta proposta tenta ampliar a dicotomia entre sintomas
positivos e sintomas negativos.
Entendemos como sintomas positivos exageros e distorções de certas
funções cognitivas. Basicamente os sintomas positivos podem ser divididos em
duas classes: alucinações e delusões (delusion). As alucinações (experiências
sensórias que ocorrem sem qualquer estímulo externo sobre os órgãos dos
sentidos) podem ser cinestésicas, gustativas e olfativas, visuais e auditivas. As
delusões (falsas crenças que são mantidas, de modo firme, mesmo que a realidade
social as contradigam) são classificadas em: delusão de referência, de
interpretação, de influência, de perseguição, de grandeza, de ciúmes, etc.
Já os sintomas negativos correspondem a perda ou diminuição de certas
funções cognitivas. São normalmente classificados em quatro grupos: alogia
2 1
(ausência de fala), falta ou escassez de afetividade, anedonia (ausência de prazer
em atos que são normalmente agradáveis) e deterioração da atenção.
De uma forma geral o tipo I corresponde a esquizofrenia aguda que
apresenta uma boa resposta aos neuropeptídeos típicos tendo uma manifestação
relevante de sintomas positivos e cuja a etiopatogenia está relacionada ao aumento
dos números de receptores de dopamina. Já o tipo I1 corresponde a esquizofrenia
crônica que apresenta uma resposta pobre aos neuropeptídeos típicos tendo uma
manifestação relevante de sintomas negativos. Além disso, os pacientes com
esquizofrenia do tipo I1 podem apresentar comprometimento intelectual e a
etiopatogenia normalmente está relacionada com a perda de células e mudanças
estruturais do cérebro (veja tabela 3.1).
Sintomas Positivos
(exageros ou distorção de funções)
Esquizofrenia aguda
Boa resposta aos neuropeptídeos típicos,
possivelmente devido ao aumento dos
receptores de dopamina
Nenhum comprometimento intelectual
Etiopatogenia: aumento dos números de
receptotes de dopamina
Sintomas Negativos
(perda ou diminuição)
Esquizofrenia crônica
Resposta pobre aos neuropeptídeos
típicos
Transtorno irreversível
Etiopatogenia: perda de células e
mudanças estruturais no cérebro
Tabela 3.1: Comparação entre a esquizofrenia tipo I e a tipo 11, segundo
CROW (1980).
Cabe ressaltar que alguns autores (HERZ (1997), por exemplo) propõem
uma terceira categoria de sintomas além do positivo e negativo. Esta categoria é
chamada de sintomas de desorganização e é dividida em desorganização de
falalpensamento, de comportamento e de afetividade.
3.3 Sintomatologia, Diagnóstico & Epidemiologia
Segundo a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994), o diagnóstico da
esquizofienia está baseado nos seguintes critérios: sintomas característicos
(delírios, alucinações, discurso desorganizado, etc.); disfunção social/ocupacional;
duração; exclusão de transtornos esquizoafetivos; exclusão de substâncias1
condição médica geral; relação com um transtorno evasivo do desenvolvimento. O
DSM-IV também classifica a esquizofrenia nos segundos subtipos:
Paranóide: o paciente apresenta preocupação com um ou mais delírios ou
alucinações auditivas frequentes e não apresenta de forma proeminente
os seguintes sintomas: discurso desorganizado, comportamento
desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado ou inadequado;
Desorganizado: o paciente apresenta de forma proeminente os seguintes
sintomas: discurso desorganizado, comportamento desorganizado e afeto
embotado ou inadequado; além de não satisfazer os critérios do tipo
catatônico;
ocatatônico: é dominado por, pelo menos, dois dos seguintes sintomas:
1)imobilidade motora evidenciada por cataplexia; 2)atividade motora
excessiva; 3)extremo negativismo ou mutismo; 4)peculiaridades do
movimento voluntário evidenciadas por posturas, movimentos
estereotipados; 5)ecolalia ou ecopraxia;
~Indiferenciado: os sintomas satisfazem o critério a) (sintomas
característicos) descrito no DSM-IV mas não satisfazem os critérios dos
tipos paranóide, desorganizado ou catatônico;
l Residual: os critérios satisfeitos são: a)ausência de delírios e alucinações
proeminentes, discurso desorganizado e comportamento amplamente
desorganizado ou catatônico; b)existem evidências contínuas da
perturbação, indicada pela presença de sintomas negativos ou dois ou
mais sintomas relacionados no critério a) (sintomas característicos)
descrito no DSM-IV.
A maior causa de hospitalização psiquiátrica nos dias atuais é a
esquizofrenia. Gira em tomo de 1% da população geral o número de pessoas
atingidas por este distúrbio na sua forma mais grave. Entretanto, se considerarmos
a forma mais branda da esquizofrenia esta porcentagem ficaria na faixa de 3% a
5%. Apesar da gravidade apresentada pelos pacientes afetados pela esquizofrenia,
somente metade da população de todos os pacientes esquizofrênicos (dos Estados
Unidos) recebe tratamento adequado (BRANDÃO & GRAEFF, 1997).
A esquizofi-enia tem igual prevalência em homens e mulheres. Contudo, há
diferenças no início e no curso deste distúrbio. Alguns autores, segundo TSUANG
& WU (1996), atribuem às diferenças hormonais a responsabilidade do início
24
diferenciado entre homens e mulheres. As idades de maior incidência nos homens
são de 15 a 25 anos, enquanto nas mulheres, de 25 a 35 anos. Ocorre ainda que o
início da esquizofrenia antes de 10 ou após 50 anos é extremamente raro. Tal
observação pode ser caracterizada pelo fato que a maioria dos pacientes (em tomo
de 90%) está na faixa de 15 a 55 anos (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2000).
É observado que os indivíduos esquizofrênicos nasceram, mais
provavelmente, no inverno (ou início da primavera). Alguns estudos, segundo
TSUANG & FARAONE (1996), sugerem que um vírus ou uma mudança na
dieta alimentar poderiam ser um hipótese plausível para explicar tal observação.
Uma outra hipótese é que os indivíduos com predisposições genéticas para
esquizofrenia teriam uma vantagem biológica que permitiria uma maior
capacidade de sobrevivência as agressões naturais da estação (inverno, no caso).
Não é observada uma distribuição homogênea da esquizofrenia pelo planeta.
Contudo, é observado que certas regiões têm uma prevalência anormalmente alta.
Tal observação sugere que uma causa infecciosa para esquizofrenia explicaria
esses bolsões geográficos (KAPLAN et al., 1997).
Cerca de 50% de todos os pacientes com esquizofrenia tentam o suicídio
pelo menos uma vez durante as suas vidas, e 10% a 15% deles morrem por
suicídio durante os 20 anos subseqüentes a tentativa. Desta forma, suicídio é
considerado uma causa comum de morte entre os pacientes esquizofrênicos
(LOUZÃ NETO, 1995).
3.4 Etiopatogenia da Esquizofrenia
De acordo com ANDREASEN (1994), as pesquisas dos mecanismos da
esquizofrenia usualmente empregam um dos três possíveis modelos (no sentido
conceitual, e não matemático-computacional) explicativos: modelos de um única
doença, modelos de múltiplas doenças e modelo multidimensional ou
multisistêmico.
A classe dos modelos de uma única doença assume que a esquizofrenia é
produzida por um único mecanismo que produz diversas manifestações. Esta
classe possui duas variantes: a primeira assume a existência de um único processo
que produz múltiplas lesões cerebrais, e a segunda assume a existência de uma
única lesão que pode produzir múltiplas manifestações.
A classe dos modelos de múltiplas doenças assume que a esquizofrenia é
um grupo de desordens. Tais desordens apresentam mecanismos e etiologias
heterogêneas. De acordo com esta visão a esquizofrenia é similar ao retardo
mental (mental retardation) que é uma síndrome que possui etiologia heterogênea,
isto é, algumas formas de retardo mental tem etiopatogenia puramente genética e
outras puramente ambientais. Esta classe de modelos é a mais amplamente aceita
e possui evidências substanciais.
A classe dos modelos multidimensionais emerge dos estudos analíticos
sobre a classificação dos sintomas em positivos e negativos. Estudos utilizando
análise fatorial (técnica estatística usada para reduzir um grande número de
variáveis para um número menor de combinações lineares de variáveis) sugerem
que os fatores positivos poderiam ser subdivididos em dois grupos: sintomas
psicóticos (ou positivos) e sintomas de desorganização (ARNDT &
ANDREASEN, 1991). Desta forma teríamos 3 dimensões (segundo os estudo de
análise fatorial): as duas primeiras referente aos sintomas psicóticos e de
desorganização e a terceira referente aos sintomas negativos. Assim, o modelo
multidimensional sugere que as três dimensões já citadas podem refletir diferentes
processos de enfermidades.
Estas três classes de modelos é que dão suporte para as hipóteses sobre os
mecanismos da esquizofrenia. Tais mecanismos são categorizados em quatro
grupos: mecanismos de neurodesenvolvimento, mecanismos baseados em
circuitos neurais, mecanismos genéticos e moleculares, e mecanismos quírnico-
anatômico (ANDREASEN & BLACK., 1995).
3.4.1 Hipótese Dopaminérgica
3.4.1.1 Características Gerais do Sistema Dopaminérgico
O sistema dopaminérgico (DA) é formado por três subsistemas: sistema
nigroestriatal, sistema mesolímbico e sistema mesocortical (veja figura 3.1). O
sistema nigroestriatal projeta-se da substância negra do mesencéfalo até o
neoestriatum, isto é, até os núcleos caudato e putâmen. O sistema mesolímbico
(veja figura 3.1) projeta-se da parte ventral do tegmento mesencefálico e da
substância negra para o núcleo accumbens, septo lateral, amígdala e tubérculo
olfatório.
O sistema mesocortical tem seus corpos celulares principalmente no
tegmento do mesencéfalo e projeta-se para o córtex pré-frontal, núcleo
accumbens, septo lateral e tubérculo olfatório. Os três subsistemas formam o
sistema mesotelencefálico. Ainda existe o sistema diencefálico que é constituído
por vias curtas, sendo a mais importante a via tubero-infundibular que projeta-se
do núcleo arqueado para a eminência média do hipotálamo ( B R A ~ Ã O &
GRAEFF, 1 997).
Vias Dopaminérgicas Vias Dopaminérgicas (Nigroestriatal) (mesolímbico e mesocortical)
Figura 3.1: Vias Dopaminérgicas nigroestriatal, mesolímbica e mesocortical.
3.4.1.2 Classificação dos Receptores
Um receptor é na realidade uma proteína receptora específica para um
deteirninado neurotransmissor. O receptor está, em geral, na face externa da
membrana pós-sináptica, ligado como grupo protéico a uma molécula protéica que
atravessa a espessura de toda a membrana celular. Quando ocorre uma ligação
química entre um neurotransmissor e um receptor, normalmente, desenvolve-se
uma alteração conformacional da estrutura da molécula proteica que pode
ocasionar uma excitação ou uma inibição da célula. Tal estímulo pode produzir
alteração da permeabilidade da membrana celular a um ou mais íons ou ativar (ou
inativar) uma enzima fixada na outra extremidade da proteína receptora. Os
receptores dopaminérgicos podem ser divididos em várias subclasses: receptores
D1 e D5 (localizados no córtex), receptores D2 (localizados mais
proeminentemente nas estruturas límbicas e estriatais e podem estar presente no
córtex, porém em baixa densidade) e receptores D3 e D4 (limitados às áreas
límbicas e corticais). Uma outra classificação agrupa os receptores em dois
gmpos: os receptores D1 e D5 que estimulam a formação do monofosfato de
adrenosina cíclica (AMPc) ativando a proteína Gl e D2 , D3 e D4 que inibem a
formação do monofosfato de adrenosina cíclica pela ativação da proteína G.
3.4.1.3 Mecanismo Básico de Síntese e Degradação da Dopamina
A dopamina é uma das três catecolaminas (os outros dois neurotrasmissores
são a noradrenalina e a adrenalina) sintetizadas a partir do aminoácido tirosina.
Após a sua produção a dopamina é armazenada nas vesículas sinápticas e, depois,
liberada para a fenda sináptica na despolarização do terminal axônico. As ações da
dopamina podem ser interrompidas por dois procedimentos gerais: a captação,
onde é levada de volta ao neurônio; e a metabolização pela monoaminoxidaxe
(MAO) e pela catecol-O-metiltransferase (COMT). Genericamente o mecanismo
básico de síntese e degradação da dopamina descrito acima pode ser dividido em 6
processos (KANDEL, 1993): síntese enzimática, armazenagem nas vesículas
sinápticas, liberação, atuação nos receptores, captação e degradação. Várias
substancias psicoativas podem interferir nestes mecanismos como antagonistas ou
agonistas, veja a tabela 3.2 :
Síntese Enzimática L-Dopa I Aumenta a síntese I Armazenagem
Liberação
Interação
Captação
Degradação
Reserpina Interfere no armazenamento
Anfetamina Estimula a liberação de dopamina
Antipsicóticos Bloqueia a recepção e a
autorecepção
Cocaína Inibe a captação
Pargyline Inibe a degradação
Tabela 3.2: Influência de substâncias psicoativas no mecanismo de síntese e
degradação da dopamina.
3.4.1.4 A Hipótese Básica
A hipótese dopaminérgica básica é que a esquizofrenia é resultado de uma
demasiada atividade dopaminérgica. Esta hipótese esta apoiada em duas
observações principais:
a eficácia e a potência dos antipsicóticos (exceto a clozapina) estão
correlacionadas com sua capacidade de atuar como antagonista dos receptores
dopamínicos do tipo D2; OU em outras palavras: as drogas que bloqueiam os
receptores dopamínicos tem ação antipsicótica;
as substâncias farrnacológicas que aumentam a atividade dopaminérgica
(principalmente a anfetamina) são psicotomiméticas, isto é, imitam a
30
ocorrência natural da psicose podendo induzir sintomas psicóticos em pessoas
não-esquizofrênicas.
De acordo com (BRANDÃO & GRAEFF, 1997) existem algumas restrições
(a nível conceitual e clínico) à hipótese dopaminérgica da esquizofrenia:
é difícil extrapolar a partir da observação do mecanismo de ação de um agente
terapêutico para processos fisiopatológicos;
são ainda escassas as evidências diretas que demonstram o aumento da
atividade dopaminérgica na esquizofrenia;
existe uma dissociação temporal entre os efeitos bioquírnicos e terapêuticas
dos antipsicóticos, isto é, enquanto os efeitos bioquírnicos são imediatos o
curso temporal do efeito terapêutico dura algumas semanas.
A hipótese dopaminérgica básica tem sofrido vários refinamentos dentre os
quais podemos citar os estudos realizados por GRAY & FELDON (1993) que
tentam reconciliar resultados conflituosos que surgem da hipótese básica. A
principal idéia defendida é que a "causa possível" para a esquizofrenia está na
regulação cortical dos sistemas dopaminérgicos subcorticais.
3.4.2. Hipótese Serotoninérgica
A serotonina é um neurotransmissor também conhecida como 5-
hidroxitriptamina (5-HT) da família das arninas biogênicas. As vias
serotoninérgicas do sistema nervoso central tem origem na ponte superior e no
mesencéfalo (núcleos mediano e dorsal da rafe, locus ceruleus caudal, área
prostema e área interpeduncular) projetando-se para os glânglios da base, sistema
límbico e córtex cerebral. São conhecidos atualmente 4 tipos e 4 subtipos de
3 1
receptores de serotonina (KAPLAN et al., 1997). Os 4 tipos são: 5-HT1,5-HT2 ,5-
HT3 e 5-HT4 ; e os 4 subtipos referentes ao 5-HT1 são: 5-HTIA, 5-HTlB ,5-HTlc e
5-HTID. Alguns autores apresentam uma classificação diferente e ampliada
(IQBAL & VAN P W G , 1995).
A importância do estudo detalhado dos receptores está na possibilidade do
desenvolvimento de drogas seletivas com efeitos terapêuticos. Desde a década de
50 são realizados estudos comparativos entre os efeitos do LSD (alucinações, por
exemplo) e certos sintomas psicóticos da esquizofrenia. Tais estudos são
motivados pelo fato de o LSD ser um antagonista de serotonina e seus efeitos são
considerados como reflexo do déficit de serotonina no sistema nervoso central.
Contudo, a hipótese que associa o déficit serotoninérgico a patogênese da
esquizofrenia foi enfraquecida com a descoberta de substâncias que são potentes
antagonistas de serotonina e não possuem propriedades alucinógenas. Além disso,
foram descobertas, também, propriedades agonistas do LSD (além das
propriedades antagonistas, há muito conhecidas).
Atualmente, segundo BRANDÃO & GRAEFF (1997), há um ressurgimento
da hipótese serotoninérgica, isto é, a hipótese que certos componentes da
esquizofrenia podem ser causados pelo aumento da atividade serotoninérgica. Tal
ressurgimento está baseado no fato que novas drogas que inibem vários subtipos
de receptores de serotonina podem ter um efeito terapêutico na esquizofrenia.
Estudos relativamente recentes (IQBAL & VAN PRAAG, 1995) apontam
para uma hipótese combinada da atuação conjunta da serotonina e dopamina, isto
é, parece existir uma interação complexa entre o sistema dopaminérgico e o
sistema serotoninérgico na patogênese da esquizofrenia. A partir desta nova
3 2
hipótese pesquisadores tem procurado desenvolver compostos que bloqueiam
tanto receptores D2 como 5-HT2 , visando o tratamento conjunto dos sintomas
positivos e negativos da esquizofrenia.
Com as modernas técnicas de imagens cerebrais (tomografia
computadorizada -TC-, imagem por ressonância magnética -1RM-, espectroscopia
por ressonância magnética -ERM-, tomografia por emissão de pósitrons -TEP-)
foi possível realizar estudos da anatomia e de certos parâmetros do neocórtex in
vivo. Pode-se dividir a análise de imagens computadorizada do cérebro em duas
categorias: as que mostram anormalidades funcionais e as que mostram
anormalidades estruturais. As técnicas que mostram as anormalidades
igura 3.2: Ventrículos de uma pessoa normal (esquerda) e ventrículos
os de uma pessoa com esquizofrenia (fonte: University of
Digital Anatomist Program).
Figura 3.3: PET com a média do fluxo sanguíneo de pacientes durante
alucinações auditivas (fonte: F
estruturais são a tomografia computadorizada e a imagem por ressonância
magnética. Através destas técnicas foi possível observar, em esquizofrênicos,
aumento dos ventrículos (como mostrado na figura 3.2) sugerindo uma redução do
tecido cerebral, redução do volume do cérebro e da massa cinzenta, redução do
tálamo e aumento dos glânglios da base (FLAUM et al., 1994). Já com as técnicas
que mostram as anormalidades funcionais (a espectroscopia por ressonância
magnética e a tomografia por emissão de pósitrons) pode-se observar (em
pacientes com esquizofrenia) a hipofrontalidade (discutida a seguir), os circuitos
envolvidos nas alucinações (figura 3.3) e a inatividade do córtex cingulato
(durante a realização de tarefas linguisticas) (F TH et al., 1995).
: Área de associação pré-frontal (fonte: fontc:University oE
ton Digital Anatomist Program).
Apesar de existir, segundo TAYLOR (1995), muitos dados conflituosos,
alguns resultados foram consistentes com diversos estudos e metodologias. Um
desses resultados é a existência de uma hipoatividade no córtex frontal (figura
3.4), isto é, um decréscimo do fluxo sanguíneo nos lobos frontais do cérebro
(figura 3.5). Esta hipoatividade é observada principalmente durante a realização
de testes de desempenho dos lobos frontais, isto é, testes que exigem
planejamento sequencial e utilização da memória de trabalho (working memory).
Esta hipoatividade é a base da hipótese da hipofrontalidade, em outras palavras, a
hipótese é que o hipometabolismo do córtex pré-frontal correlaciona-se
positivamente com a severidade do quadro clínico dos pacientes esquizofrênicos
(BRANDÃO & GRAEFF, 1997, p. 7 1).
Figura 3.5: Imagem mostrando que os esquizofrênicos não tem o fluxo
sanguíneo aumentado nos lobos frontais durante a realização de testes
cognitivos.(fonte:FLA
O distúrbio de pensamento presente na esquizofrenia foi inicialmente
observado por BLEULER (1950) e tem uma longa tradição de pesquisa descrito
em termos da psicologia da associação e estudado através do teste de associações
de palavras (SPITZER, 1997; COHEN & SERVAN-SCHREIBER., 1993). O
DSM-IV (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION ,1994) descreve o
distúrbio de pensamento como : distúrbio do pensamento formal: pertubação na
forma do pensamento, não em seu conteúdo; pensamento caracterizado por
afrouxamento de associações, neologismos e construções ilógicas ... (KAPLAN et
al., 1997, pp.293). KAPLAN et al. (1986) afirmam que distúrbio de pensamento
no esquizofrênico é um dos aspectos mais característicos da enfermidade e exibe
no ordenamento de seus conceitos um defeito semelhante à perda da relação
figura-fundo no desempenho perceptivo. Ainda, segundo KAPLAN et al. (1986),
o esquizofrênico é mais dependente dos estímulos imediatos e mais determinado
por eles em seu comportamento do que por objetivos a longo prazo, além de estar
sujeito a intempções no curso do pensamento subitamente e sem aviso.
MAHER (1983) afirma que uma maneira de investigação dos distúrbios de
pensamento nos esquizofrênicos é através da análise de suas elocuções. Várias
anomalias são observáveis nos esquizofrenicos com distúrbio de pensamento:
repetição de unidades Lingüísticas, que pode ser de frases, palavras ou sílabas;
intrusão associativa, que pode ser da forma de uma cadeia de simples
associações ou intrusões espasmódicas e esquema de palavras, onde as
produções escritas seguem um esquema ou padrão guiado por letras, números ou
sons. MAHER (1983) também sugere que o problema com a elocução dos
esquizofkênicos (com distúrbio de pensamento) provavelmente ocorre por uma
disfunção no processo de associação. Estudos recentes (ALOIA et a1.,1998)
reforçam esta idéia que a disfunção no processo de associação de palavras poderia
resultar na desorganização da fala.
3.6 Modelos Computacionais para Esquizofrenia
Existem dois modelos computacionais mais significativos para alguns
aspectos da esquizofrenia. É observável que tais modelos são restritos a um
domínio e com grande abstração da parte biofísica e neuroquímica, comum nos
modelos da ciência cognitiva.
3.6.1 Modelos de Cohen e Servan-Schreiber
Cohen e Servan-Schreiber (COHEN et al., 1992, 1993 e 1994)
desenvolveram vários modelos computacionais (mais especificamente: modelos
conexionistas) que modelaram os resultados observados em diversos testes
neuropsicológicos dentre os quais três se destacam: o experimento de Stroop, o
teste de desempenho contínuo e o teste de disambigüidade léxica. O experimento
de Stroop é o teste mais antigo para mostrar a interferência entre duas
modalidades de sensação visual (figura 3.6). O teste consiste em duas subtarefas:
a) nomear a cor da tinta em que uma palavra (nome de uma cor) esta escrita; b) ler
em voz alta uma palavra (nome de uma cor) enquanto ignora a cor em que ela esta
escrita.
Por exemplo, pode-se ter a palavra VERMELHO escrita com tinta azul, e
solicita-se que o sujeito que está sendo submetido ao teste diga a cor em que a
palavra VERMELHO está escrita (subtarefa a) ou solicita-se que leia a palavra
VERMELHO em voz alta (subtarefa b).
O teste utiliza três tipos de estímulos: de conflito, congruente e de controle.
No estímulo de conflito o nome da tinta e a cor em que ela está escrita são
3 8
diferentes, por exemplo a palavra VERMELHO escrita em azul. No estímulo
congruente o nome da cor é escrita com a própria cor, por exemplo a palavra
VERMELHO escrita em vermelho. Já no estímulo de controle teremos nome de
cores ou seqüências de XXX escritas em preto. É observado pelo experimento de
Stroop que é mais fácil ler a palavra ignorando a sua cor do que ignorar a palavra
e nomear a cor da tinta em que ela está escrita. Em termos de tempo de resposta
pode-se observar que: gasta-se menos tempo para ler uma palavra do que nomeá-
la; a cor da tinta em que a palavra está escrita não afeta a velocidade da leitura; e
finalmente, as palavras tem um grande efeito sobre a nomeação das cores. Tais
observações estão refletidas no tempo de resposta aos diversos tipos de estímulos.
Quando aplicados em esquizofrênicos (normalmente crônicos e na maioria dos
relatos do tipo 11) apresentam resultados indicando um desempenho
significativamente pior do que observado em pessoas normais. Tais resultados
reforçam a tese de que o maior déficit cognitivo na esquizofrenia é a falta da
atenção seletiva, mostrando um envolvimento deficitário do córtex pré-frontal.
O Teste de Desempenho Contínuo visa verificar o funcionamento do córtex
pré-frontal, especialmente a atenção. Consiste em uma tarefa experimental que
envolve a identificação rápida de um objetivo e a retração de uma resposta ao
estímulo de distração, por exemplo, detectar a letra X que aparece em uma
seqüência de letras ou sinalizar toda vez que um X é seguido de uma letra A.
Objetiva a avaliação da acuidade e da latência das respostas. Os esquizofrênicos
também apresentam um desempenho pobre em relação ao grupo de controle. O
Teste de Disambiguidade Léxical requer a seleção de um significado
contextualmente correto de uma palavra potencialmente ambígua. Por exemplo,
3 9
na frase "The farmer needed a new pen for his cattle", os esquizofrênicos
interpretam (mais frequentemente) a palavra pen como instrumento de escrita do
que as pessoas normais. Em outras palavras, os esquizofrênicos tendem a
interpretar (acessar) o significado dominante (usual) ao invés de utilizar o
significado menos usual porém claro dentro do contexto.
Cohen e Servan-Schreiber concentraram suas pesquisas na tentativa de
explorar a relação entre o déficit cognitivo e as anomalias biológicas encontradas
em alguns pacientes esquizofrênicos. Sugerem que o déficit no desempenho de
tarefas que requerem atenção seletiva e processamento da linguagem podem ser
resultados de distúrbios biológicos envolvendo o córtex pré-frontal e o sistema
dopaminérgico mesocortical. Simularam os padrões de desempenho de pessoas
normais e esquizofrênicas, observando que a diferença entre os desempenhos
poderiam ser explicadas por um simples déficit funcional, isto é, por um distúrbio
na representação interna do contexto. Este déficit na representação interna do
contexto poderia ser explicada por um distúrbio biológico específico: redução nos
efeitos da dopamina no córtex pré-frontal. Em termos de modelagem, associaram
um parâmetro particular denominado ganho para simular o efeito
neuromodulatório da dopamina a nível celular. Os modelos, segundos os autores,
permitem testes das variáveis biológicas.
RESPONSE
&' red gieen ' b w K & RED GREEN
INK COLOR Color Word Namlng Reedlng WORD
TASK DEMAND
Figura 3.6: Topologia da rede do experimento de Stroop.
Cohen e Servan-Schreiben assumem que sua argumentação está calcada em
quatro componentes: desempenho de esquizofrênicos em uma variedade de tarefas
cognitivas indica um decréscimo da habilidade de usar o contexto na escolha de
um comportamento apropriado; córtex frontal está diretamente envolvido (e é
necessário) na representação interna (e em sua manutenção) de informações
contextuais; a esquizofrenia está associada com anomalias do córtex frontal; e a
função normal do córtex frontal está intimamente associada a atividade do sistema
dopaminérgico mesocortical, que também parece estar afetado na esquizofrenia.
Devemos ressaltar que uma representação interna de contexto significa ter
uma informação na mente de tal forma que pode ser imediatamente usada em
resposta a um comportamento apropriado, por exemplo, um conjunto de
instruções para a realização de uma tarefa, um estímulo inicial específico ou
resultado de uma seqüência de processamento de um estímulo inicial. Pode ser
dissociada da memória de curto-prazo. Cabe lembrar que alguns esquizofrênicos
apresentam desempenhos normais em tarefas que se utilizam da memória de
curto-prazo e déficit em tarefas baseadas na representação interna de contexto. Os
modelos conexionistas descritos por Cohen e Servan-Schreiber utilizam o
aprendizado por backpropagation e a função de ativação das unidades é a
sigmóide. As críticas aos modelos Cohen e Servan-Schreiber estão calcadas no
fato dos modelos não terem nenhuma correlação neuroanatômica e serem modelos
funcionais, isto é, modelam funções cognitivas.
3.6.2 Modelo de Hoffman & Dobscha
O modelo de HOFFMAN & DOBSCHA (1989) utiliza a rede Hopfield e
tem o foco de atenção na geração dos sintomas positivos observados nos
esquizofrênicos. O objetivo é modelar os efeitos da poda (over-pruning) no
córtex cerebral na tentativa de explicar um possível mecanismo de
desenvolvimento anormal subjacente a esquizofrenia.
Basicamente está calcado nos primeiros dados relacionados a hipótese da
hipofrontalidade, poda sináptica e disfunções que parecem surgir durante o
neurodesenvolvimento. A hipótese assumida por Hoffman e Dobscha é que uma
poda patológica no córtex frontal daria origem aos sintomas positivos da
esquizofrenia. Esta hipótese foi testada numa rede formada por 100 unidades
organizadas em uma matriz 1 O x 10.
A regra de poda (denominada pelos autores de axonal pruning rule) tenta
implementar a situação onde neurônios competem uns com os outros para serem
conectados entre si. Os autores tentam implementar assim o danvinismo neural. A
regra pega um determinado coeficiente (coeficiente de poda) e multiplica-o pela
distância física entre duas unidades conectadas; se o resultado for maior que o
peso sináptico da conexão então a conexão é podada. De forma mais precisa: a
conexão da unidade i para unidade j é podada se wij < ( p x a distância entre as
unidades i e j), onde p é o coeficiente de poda variando de 0.6 a 1.0 :
então pode o axônio xy -+v. A rede é usada para armazenar padrões aleatórios antes do início do
processo de poda. Com a poda os autores observaram que surgiam saídas
estranhas não relacionadas com os padrões de entrada, que certas subpopulações
de neurônios pareciam ter um comportamento autônomo e certos "módulos "
produziam um padrão de saída fixo não relacionado a nenhuma entrada ou
memória existente anteriormente. Tal região recebeu o nome de parasiti foci .
Os autores também argumentam que quando o parasitic foci surge em uma
rede biológica pode gerar padrões coerentes de disparo neuronal que dependendo
da localização anatômica pode gerar um ou mais dos diversos sintomas positivos
da esquizofrenia. Um problema com o modelo, segundo REID (1993), é o fato do
modelo não explicar o efeito dos neurolépticos na redução dos sintomas positivos
nem modelar de forma mais plausível os processos de neurodesenvolvimento.
Capítulo 4
O Efeito de "Priming" Semântico
4.1 Introdução
Este capítulo tem dois objetivos principais: definir o efeito de priming,
especialmente o priming semântico (semantic priming), realizando uma revisão
bibliográfica sobre o tema, explicitando as teorias e mecanismos que tentam
explicar tal efeito; e, apresentar uma análise do efeito de priming semântico nos
sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de pensamento destacando as
particularidades deste fenômeno que o tomam relevante como objeto de
investigação e modelagem.
4.2 Definição de Priming e Priming Semântico
O experimento de priming é definido, segundo DORAN & PAROT
(1998) como
técnica frequentemente utilizada em psicologia cognitiva experimental que geralmente compreende três fases: a apresentação de um estímulo (palavra, fisionomia, imagem) chamado disparador, um intervalo de tempo durante o qual se apresentam estímulos complementares ou simplesmente nada (intervalo interestímulo) e, por fim, um segundo estímulo (objetivo). Na maioria dos casos a tarefa do sujeito consiste em categorizar ou denominar o objetivo, ou, ainda, decidir se se trata ou não de uma palavra c..) (DORAN & PAROT, 1998, pp.609).
e o efeito ou fenômeno depriming e definido como:
Diz-se que há efeito de priming se a apresentação do primeiro estímulo produz uma diminuição do tempo de latência da resposta ou um abaixamento do limiar de identzficação na tarefa realizada em relação ao objetivo. Fala-se de prirning especiJico da modalidade quando o objeto e o
disparador são analizados via a mesma modalidade sensorial c..) e intermodalidade nos outros casos c..) (DORAN & PAROT, 1998, pp.609).
De forma mais específica, pode-se definir o fenômeno priming semântico
como o fato observável que um sujeito reconhecerá uma palavra (objetivo) mais
rapidamente se for precedida por uma outra palavra semanticamente relacionada
do que por uma palavra que não guarde relação semântica com o objetivo. Em
resumo, uma palavra é mais rapidamente reconhecida como tal se for precedida
por outra com significado associado. Por exemplo, a palavra preto (objetivo) é
reconhecida mais rapidamente como tal se é apresentada logo após a palavra
branco do que após uma outra palavra não relacionada semanticamente, como a
palavra onda.
4.3 Técnica de Decisão Léxica
O fenômeno de priming semântico tem sido observado e estudado durante
a realização de experimentos com a técnica de decisão léxica desde os trabalhos
de MEYER et al. (1971) e NELLY (1977). A Técnica de Decisão Léxica (TDL)
consiste em um experimento em que o sujeito decide se uma cadeia de caracteres
é uma palavra ou não. Tal técnica tenta evitar, segundo SPITZER (1997), uma
grande limitação do teste clássico de associação livre de palavras que é o fato dos
pesquisadores só poderem distinguir tipos específicos de associações após o
experimento ter sido realizado. Desta forma, a fim de evitar tal limitação utiliza-
se a TDL com a finalidade de investigar certos tipos de associações (ou
específicos pares de palavras) definidos a priori pelo pesquisador. A TDL
consiste na seguinte sequência de eventos (veja a figura 4.1):
sujeito do experimento é exposto a uma tela de computador na qual está com
um ponto fixo;
ponto fixo é substituído por uma cadeia de caracteres (que pode ser uma
palavra ou uma sequência de caracteres sem significado) que é o estímulo
inicial ou estímulo de preparação (prime);
após um curto espaço de tempo, a palavra é apagada;
outra cadeia de caracteres (objetivo) é mostrada na tela do computador;
sujeito, então, responde se a cadeia de caracteres apresentada no passo anterior
é uma palavra ou não.
4.3.1 Tempo de Duração do Prime e Tempo de Reação
Dois tempos são observados na técnica de decisão léxica: o tempo de
duração do prime e o tempo de resposta. O primeiro é designado por Stimulus
Onset Asynchrony (SOA) e o segundo por tempo de reação (RT). Estes dois
tempos servem de parâmetros para as análises dos experimentos e como base para
investigação de vários fenômenos que definem o paradigma de priming semântico
para uma única palavra, restrição proposta por NEELY (1991) para a investigação
e estruturação de resultados. Tal proposta tenta limitar o domínio de análise
devido ao aumento (de forma exponencial) de resultados e variações
metodológicas em tomo da técnica de decisão léxica. Tendo como base o
paradigma depriming semântico para uma única palavra, NEELY (1991) enumera
18 fenômenos que têm sido explorados isoladamente e que ele acredita que devam
46
ser explicados por uma única teoria. Alguns destes fenômenos são: priming
semântico não associativo, priming de nomes-categorias de alta e baixa
dominância dos exemplares, priming mediado, priming de retrocesso, facilitação
de não-palavras, etc (NEELY, 1991).
r - ] Tela em banco até que o mouse seja ativado
L
:i Ponto fixo
L branco Prime por 200 ms
Objetivo é apresentado até que a resposta seja dada preto (1 L
Uma ou duas teclas são pressionadas com um ou dois dedos (médio e indicador) da mão do lado dominante
Figura 4.1: Seqüência de eventos de um experimento de decisão léxica
(adaptado de SPITZER (1999)).
A análise de um experimento de decisão léxica é feita, na maioria dos
casos, da seguinte maneira: é requisitado ao sujeito do experimento a decisão se
uma cadeia de caracteres é uma palavra ou não. Se uma cadeia de caracteres é
uma palavra ela pode estar ou não relacionado ao seu prime. O efeito de priming
é tipicamente calculado pela subtração da média dos tempos de reação de pares de
(primer-palavra não relacionada) - (primer-palavra relacionada) (veja figura 4.2).
Priming = T 1 -T2
Figura 4.2: Esquema dos tempos utilizados para o cálculo dopriining.
Quando o desempenho do sujeito para palavras não relacionadas com o
prime serve como base para comparações, o resultado da diferença é chamado de
efeito de priming total. Se o desempenho para objetivos que seguem primes
neutros é tomado como base para comparações, tem-se a facilitação se o resultado
da diferença for um número positivo e inibição no caso contrário.
Outros dois critérios também são utilizados para o cálculo do priming: a
porcentagem de aumento na velocidade de resposta das palavras relacionadas
sobre as não relacionadas; e subtração das porcentagem de erros de palavras não
relacionadas e palavras relacionadas.
Devido as variantes nos cálculos do efeito de priming e nas metodologias
utilizadas nos experimentos, é encontrado na literatura várias faixas que
caracterizam o fenômeno. Contudo, SPITZER (1999) afirma que o tempo médio
do efeito depriming semântico está entre 30 e 50 milisegundos.
Priirt e Objetivo Resposta
stimulus onset asynchrony (SOA) reaction time (RT)
Figura 4.3: Os tempos: SOA (Stinzulus Onset Asynchrony) e RT (Tempo de
Reação) , (adaptado de SPITZER, 1997).
4.4 Teorias para o Priming Semântico
4.4.1 Teoria da Propagação (ou Difusão) da Ativação
Na realidade não se trata de uma única teoria e sim de conjuntos de teorias
e modelos que possuem em comum a idéia que o conhecimento é representado
através de nós interligados de uma rede. Tal idéia é amplamente utilizada para
fundamentar diversos modelos da psicologia cognitiva e da inteligência artificial
(ANDERSON, l976), (ANDERSON, 1983) , (COLLINS & QUILLIAN, 1969),
(COLLINS & LOFTUS, 1975), (POSNER & SNYDER, 1975), (RICH &
KNIGHT, 1994), (SOWA, 1984). Este enfoque teórico parte do princípio que o
conhecimento está organizado em forma de rede, hierárquica ou não, onde os
conceitos são armazenados (ou representados) em vários nós no interior da rede.
Tais nós podem estar ativos ou não. A ativação pode ser causada diretamente por
estímulos externos ou por estímulos internos, ou indiretamente pela ativação de
nós da vizinhança de um determinado nó (STERNBERG, 2000). Um ponto
extremamente importante neste enfoque é que o processo é automático (daí a
importância dos resultados dos experimentos de priming que suportam tal
afirmação) e a estimulação de um nó tem forte influência nos nós adjacentes, isto
é, existe uma disseminação da ativação de um nó sobre o conjunto de nós a ele
interligados. E segundo STERNBERG (2000, pp. lgl), c..) quanto mais nós são
ativados e a disseminação da ativação alcança maiores distâncias de sua fonte
inicial, ativação enfraquece (veja figura 4.4). O priming semântico é explicado
da seguinte forma: quando o prime é mostrado, um ou mais nós da rede são
ativados e esta ativação começa a ser propagada na rede, antes que o sinal seja
atenuado (pelo passar do tempo) é mostrado o objetivo. Como o objetivo ainda
guarda um certo grau de ativação proveniente da propagação do prime, ele é
ativado mais rapidamente se comparado a um prime que não guarda um
relacionamento semântico. A teoria propõe que quando há um relacionamento
semântico entre dois conceitos existe um rota na propagação da ativação que é
menor do que uma rota (caso ela exista) entre dois conceitos não relacionados.
Desta forma o tempo da ativação de conceitos separados por estas rotas são
diferentes, caso exista ou não um associação semântica. O tempo para percorrer
esta rota é evidenciado no experimento de priming.
Figura 4.4: Propagação da ativação em uma rede
(adaptado de SPITZER, 1999).
4.4.2 Teoria da Expectativa
A teoria da expectativa, segundo NEELY (1991), tem sido utilizada em
alguns casos (por exemplo, ANDERSON (1983)) como complemento da teoria da
propagação da ativação e em outros de fosma independente (por exemplo,
BECKER, 1985). Esta teoria explica o priming semântico assumindo que o sujeito
do experimento de priming usa o prime para gerar um conjunto de expectativas
que consiste de objetivos potenciais que estão relacionados ao prime. Assim,
objetivos que pertençam a este conjunto são reconhecidos mais rapidamente do
que aqueles que não estão incluídos neste conjunto de expectativas.
4.4.3 Teoria Casamento Semântico
Esta teoria é também conhecida como teoria dos indícios compostos
(compound cue theovy). Foi proposta por RATCLIFF & MCKOON (1988). Esta
teoria explica o efeito do priming semântico através de um processo de evocação
envolvendo o que denominam de indício composto, uma ligação do alvo e do
prime c..) como um par usado para evocar as informações da memória
(STERNBERG, 2000, pp.194). O ponto chave da teoria (e que difere das outras
propostas) é a representação mental do prime e do objetivo: eles formam um
indício composto unificado e não nós separados como nas propostas anteriores.
Não existe uma propagação e sim um percurso aleatório por toda a estsutura da
memória (que pode ou não ter um estsutura de rede). O priming semântico ocorre
c..) porque as respostas evocadas ao alvo são multiplicadas pelas respostas
evocadas ao prime, produzindo, desse modo, uma resposta muito mais poderosa
52
do que a que se originaria de cada um isoladamente (STERNBERG, 2000,
pp.194).
4.5 Priming Semântico e Esquizofrenia
A técnica de decisão léxica tem sido utilizada no estudo de associações de
palavras em pacientes esquizofrênicos com e sem distúrbios de pensamento por
vários autores (MANSCHRECK et al., 1988; KWAPIL et al. ,1990;
SPITZER,1993; PASSERIEUX et al. 1997; SPITZER et al. , 1994; SPITZER,
1997; WEISBROD et a1.,1998 ).
Os estudos sobre o efeito de priming em sujeitos normais (MEYER &
SCHVANEVELDT, 1971; COLLINS & LOFTUS, 1975; NEELY, 1977;
MLLLER & GLUCKSBERG, 1988) têm sido interpretados como uma evidência
de uma organização do lexicon mental em forma de representação do
conhecimento em rede interligada (MCNAMARA, 1 992; MAS SON, 1 995;
SPITZER, 1997; STERNBERG, 2000). De acordo com estes modelos, as
características semânticas (e talvez, segundo NEELY (1991), as informações
sobre pronúncia, sintaxe e ortografia) são representadas como unidades ou nós de
uma rede neural. E durante uma elocução, as unidades desta rede se tomam ativas
por um breve período de tempo e, então, decaem rapidamende ou são ativamente
inibidas. Como já foi visto estes modelos são conhecidos como modelos de
propagação de ativação e estão baseados na hipótese proposicional amplamente
aceita pela comunidade da psicologia cognitiva (STERNBERG, 2000). Segundo
MCNAMARA (1992) as teorias baseadas no modelo de propagação de ativação
possuem algumas variações, contudo compartilham de três idéias fundamentais: a
recuperação de um item da memória é realizado pela ativação da sua
representação interna, a propagação da ativação é realizada através de uma rede
interconectada de traços de memória, e o acúmulo de ativação residual de traços
de memória facilita a sua subsequente recuperação.
O fato fundamental para nosso trabalho foi exposto inicialmente por
MANSCHRECK et al. (1988) e reproduzido experimentalmente por KWAPIL et
al. (1990), SPITZER et al. (1993) e WEISBROD et al. (1998). Tal fato é o
aumento do efeito semantic priming em sujeitos esquizofrênicos que sofrem de
desordem de pensamento formal, quando comparados com sujeitos
esquizofrênicos que não sofrem de desordem de pensamento e sujeitos normais
utilizados como controle.
No trabalho de MANSCHRECK et al. (1988) os experimentos de decisão
léxica foram aplicados em grupos de sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de
pensamento (EcDP), sujeitos esquizofrênicos sem distúrbio de pensamento
(EsDP), sujeitos com distúrbio de afetividade (Afetividade) e sujeitos normais
(Normal). O efeito de priming foi encontrado em todos os grupos com um
significante aumento de ganho no grupo de sujeitos esquizofrênicos com distúrbio
de pensamento (veja figura 4.5 e figura 4.6). MANSCHRECK et al. (1988)
afirmam que os resultados são consistentes com os modelos de rede ativação
associativa (teoria da ativação propagada) e dá suporte à hipótese do déficit de
atenção no funcionamento da linguagem nos esquizofrênicos. SPITZER et al.
(1994) realizaram estudos semelhantes com pacientes alemães obtendo o mesmo
perfil de resultados (veja figura 4.7).
1 Nornal I Afetivo I EsDP I EcDP I
Figura 4.5: Média do Tempo de reação (RT) dos grupos de sujeitos normais
(Normal), sujeitos com distúrbio de afetividade (Afetivo), sujeitos
esquizofrênicos sem distúrbio de pensamento (EsDP) sujeitos esquizofrênicos
com distúrbio de pensamento (EcDP) para os pares Prime-Palavra-Não-
Relacionada (Prime-PNR) e Prime-Palavra-Relacionada (Prime-PR)
(Adaptado de MANSCHRECK et al. (1988)).
Priming
Grupos do experimento
"
!3 Priming
Figura 4.6: Média do Tempo de Priming dos grupos de sujeitos normais
(Normal), sujeitos com distúrbio de afetividade (Afetivo), sujeitos
esquizofrênicos sem distúrbio de pensamento (EsDP) sujeitos esquizofrênicos
com distúrbio de pensamento (EcDP). (Adaptado de MANSCHRECK et al.
(1988)).
Nornal
37
Afetivo
56
EsDP
36
EcDP
83
Priming Semântico
" I Normal I EsDP I EcDP .-
K et al. (1 988)
SPITZER et
Grupos do Experimento
al. (1 988) -a- SPITZER et al.
Figura 4.7: Comparação dos resultados de experimentos de priming
semântico dos trabalhos de MANSCHRECK et ul. (1988) e SPITZER et ul.
(1994).
A questão fundamental, então, é a seguinte: por que os sujeitos
esquizofrênicos com distúrbio de pensamento, distúrbio este caracterizado
por uma ruptura das associações normais, apresentam um tempo de reação
que privilegia as associações normais ao passo que o esperado seria
exatamente o oposto?
A resposta para esta questão é extremamente complexa. Contudo este
trabalho propõe um modelo simplificado que tenta sugerir algumas respostas. Os
detalhes e as argumentações (bem como as simulações) serão apresentados nos
próximos capítulos.
Capítulo 5
O Modelo
O modelo neurocomputacional proposto para alguns transtornos de
pensamentos presentes na esquizofrenia e para o efeito de "priming" semântico
foi desenvolvido utilizando-se de dois níveis (ou etapas) de abstração. O nível 1
modela o conhecimento semântico através de uma representação conexionista por
micro-características conforme descrito em AYROSA (1992). O nível 2 modela
uma possível representação do conhecimento semântico no córtex pré-frontal
através uma rede neuronal auto-organizável que preserva as características
topográficas (e as associações semânticas) da representação do conhecimento
representada no nível 1. Modela, também, as unidades de saída da rede auto-
organizável através de uma representação pontual do neurônio.
O framework desenvolvido pode ser resumido da seguinte maneira: um
conhecimento sobre um domínio restrito (representado por uma estrutura em rede
semântica) é transferindo para uma rede neuronal artificial auto-organizável que
captura as relações semânticas observáveis. Cada unidade da rede é modelada por
uma equação da membrana que as considera como capacitores com ruídos.
5.1 Conceitos Preliminares
5.1.1 Redes Neuronais
Apesar de termos vários textos que tratam de maneira introdutória o estudo
das redes neuronais (KOVACS, 1996; MEHROTRA et al., 1997; BRAGA et. al.,
1998; TEIXEIRA, 1998), será realizado aqui uma breve revisão dos principais
conceitos a fim de unificar os diversos termos e explicitar a maneira como eles se
interrelacionam.
Uma dificuldade inicial é estabelecer uma definição precisa e ampla das
redes neuronais. Assim como o termo inteligência artificial apresenta mais de 150
definições (CLEIMAN, 1991), o termo rede neuronal também apresenta diversas
definições e sinônimos, tais como: sistema conexionista, sistema paralelo
distribuído (PDP), redes adaptativas, etc. Uma das principais razões para a
diversidade de definições é o fato das redes neuronais sofrerem influências direta
de várias disciplinas tais como: matemática, psicologia, neurociência, física,
engenharia, filosofia, ciência da computação, biologia, etc. É observado, assim,
diversos e diferentes termos para expressar um mesmo fato.
Uma rede neuronal pode ser vista como formada de três grupos de
definições ou parâmetros: características da unidade de processamento (elemento
computacional ou neurônio), tipo de regra de aprendizado e topologia da rede.
Uma unidade de processamento ui é formada por três blocos lógicos: bloco
de entrada responsável pela reunião dos sinais de entrada vindos de outras
unidades ou do ambiente, bloco intermediário responsável pelo estado de ativação
da unidade em determinado instante t e, finalmente, um bloco de saída
responsável pelo valor de saída da unidade no instante t. O bloco de entrada
combina os valores provenientes da saída de diversas fontes expresso por um
vetos de entrada O = (o, ..., oj ,..., o,,), com os respectivos pesos das ligações.
Cada peso é expresso por um valor (variável) wik, isto é, o valor da conexão da
saída ok à entrada das unidade ui. O conjunto de todos os pesos entre todas as
ligações (padrão de conexão) das unidades de uma rede é expresso por uma matriz
bidimensional, chamada matriz de conexão. Em resumo, este bloco combinará
todos os sinais de entrada com seus respectivos pesos, fornecendo um único sinal
de entrada denominado neti, resultado da aplicação de uma regra de propagação,
onde neti=Ç wu oj, para i variando de 1 a n (número de unidades). Após a
obtenção do valor neti tem-se que obter outro valor, denominado estado de
ativação ai@. Isto é realizado no bloco intermediário, onde é utilizado uma função
F denominada regra de ativação que combina o valor conente ai(t) com o neti
obtendo assim o novo valor de ai(t): ai(t+At)=Fi(ai(t), neti(t)). O bloco de saída é
responsável por transmitir um valor oi (valor de saída) da unidade em questão para
todas as outras unidades a ela interconectada. O valor de saída de cada unidade ui
é determinado pelo estado de ativação ai(t) e uma função f denominada função de
saída: oi(t)=f(ai(t)).
As regras de aprendizado têm por objetivo modificar o padrão de conexão
da rede em função do aprendizado ou adaptação. Algumas regras utilizadas são:
Hebb: esta regra estabelece que o ajuste depende somente da saída desejada e
das entradas da unidade de processamento, a equação utilizada para descrevê-
la é: wo(t+l) = w, + vai(t) aj(t), onde 57 é uma constante positiva denominada
taxa de aprendizado.
Anti-Hebb: como a equação que descreve a regra de Hebb só permite o
incremento dos pesos, costuma-se, por diversos motivos, utilizar regras
denominadas anti-Hebbianas, estas regras incorporam um termo de
decaimento responsável pelo decremento dos pesos. Uma equação comumente
utilizada é a equação diferencial: dwv/dt= -Awv + ai aj
Para um estudo detalhado das diversas regras de aprendizado tais como
adaline, perceptron, backpropagation, instar, hopfield, widrow-hoff, etc, veja
SIMPSON (1990) e MURPHY (1991).
Em função da regra escolhida, do funcionamento da rede e do nível de
supervisionamento empregado, podemos ter várias classificações para as redes
neuronais. Quanto ao paradigma de funcionamento temos:
auto-associador: modelos em que um conjunto de padrões são
armazenados para uma posterior recuperação através de atributos
particulares dos padrões armazenados;
associador de padrões: modelos em que um conjunto de padrões é
armazenado em outro conjunto de padrões;
classificador: modelos em que um conjunto de padrões é associado a um
outro grupo de padrões agrupados em categorias;
detector de regularidade: modelos que são capazes de categorizar um
conjunto de padrões de entrada, isto é, o modelo não possui um conjunto
de classes determinado a priori, assim, ele deve determinar as categorias
relevantes baseado nas regularidades estatísticas dos padrões.
Quanto ao nível de supervisionamento, tem-se 3 tipos básicos: aprendizado
supervisionado, aprendizado por reforço e aprendizado não-supervisionado.
Alguns modelos podem combinar estes tipos em fases distintas do aprendizado.
No aprendizado supervisionado é fornecido à rede um conjunto de pares onde
cada par é composto do padrão de entrada e do padrão desejado na saída. Estes
dois padrões são comparados, durante o processo de aprendizagem, e o erro
resultante pode ser utilizado para controlar o processo adaptativo da rede. Já o
aprendizado por reforço utiliza um padrão de entrada e um sinal externo que pode
ser interpretado como uma medida de adequação das ações adaptativas recentes.
No aprendizado não supervisionado a rede recebe somente o padrão de entrada e o
classifica internamente, ressaltando por si só as propriedades interessantes dos
estímulos de entrada.
O terceiro e último grupo de definições corresponde à topologia da rede. É
notado que redes com estruturas (topologias) similares frequentemente possuem
atividades, regras de aprendizado e aplicações também similares (MURPHY,
1991). Deve-se, assim, entender como topologia os diversos parâmetros
associados à estsutura da rede neuronal. Estes parâmetros comumente utilizados
para expressar a topologia de uma rede são: números de camadas, número de
unidades por camada, tipos de interconexão e direção do fluxo de informação.
Segundo BADDELEY (1997), existem três áreas onde as técnicas de redes
neuronais podem ser úteis aos pesquisadores em neurociências: na regressão,
63
quando os conjuntos de dados estão relacionados de forma não linear; na
existência de prova, quando deseja-se demonstrar que certo princípio é suficiente
para explicar um fenômeno biológico, isto é, os detalhes modelados podem não
ser realísticos mas a intenção é demonstrar algum princípio de alto nível; e por
último para modelos comparativos de aspectos quantitativos da operação
neuronal.
5.1.2 Mapa Auto-Organizável (SOM)
O modelo conhecido como rede de Kohonen, mapa de Kohonen, mapa
auto-organizável ou ainda de mapas de características auto-organizáveis é
resultado de pesquisas que tentam entender como os neurônios biológicos se
organizam (auto-organizam) de forma a realizar diferentes tarefas. Os modelos
auto-organizáveis também são conhecidos como redes organizadas
topograficamente ou topologicamente. Nestes modelos, as unidades vizinhas
competem através de ligações laterais e se organizam em detectores de diferentes
sinais de entradas como resultado de um processo de aprendizagem adaptativo. O
modelo Self-Organizing feature Maps - SOM - (KOHONEN, 1982) combina o
princípio do aprendizado competitivo com uma estrutura topográfica das unidades
de processamento, isto é, unidades adjacentes tendem a ter vetores-peso similares
(MEHROTRA, 1997). Devido a simplicidade do algoritmo, o SOM é a rede
neuronal, baseada no aprendizado não supervisionado, mais popular e com
centenas de diferentes aplicações em diversas áreas, desde reconhecimento de
caracteres à análise bioquímica de drogas para o tratamento de câncer, passando
pela robótica e análise de imagens (KOHONEN, 1997).
Existem várias versões do SOM, contudo as idéias de um mapeamento de
dados de entrada pertencentes a um espaço %" em um espaço bidimensional e o
comportamento da regra de aprendizado são comuns a totalidade das versões
(KOHONEN et al., 1996). Para cada unidade i, um vetor referência mi = [pii, pi~,...,
piJT E !Rn é associado. A fosma de apresentar o reticulado bidimensional pode
ser retangular, hexagonal ou irregular, sendo que a forma hexagonal é mais
utilizada devido a facilidade de visualização. Na sua forma mais simples um
vetor de entrada x = [cii, E,i2,..., E,iJT E !Rn é ligado a todas unidades em paralelo
através de uma variável escalar pij. O funcionamento da rede é muito simples:
dado um vetor x E 93" , este é comparado com todos os mi E %" segundo uma
métrica definida, normalmente a menor distância euclidiana, e desta forma é
calculado a unidade vencedora ou a unidade resposta, também conhecida com
BMU (Best-Matching Unit).
5.1.2.1 Arquitetura e Algoritmo
O SOM é composto de duas camadas de unidades de processamento. A
primeira camada é de entrada ou domínio, a segunda, de saída ou imagem.
Cada unidade da camada de entrada está conectada a todas as unidades da camada
de saída através de um conjunto de vetores-pesos. As unidades da camada de
saída estão interconectadas de acordo com uma determinada topologia que
definem uma vizinhança, isto é, um conjunto de unidades interconectadas a que
terão seus pesos alterados em conjunto quando uma delas é a unidade vencedora.
Em outras palavras: durante o processo de aprendizagem, aquelas unidades que
estão topograficamente próximas (na grade) até uma certa distância ativarão umas
às outras a fim de aprender "alguma coisa" da mesma entrada x , que através do
processo continuado de aprendizado conduzirá a uma ordenação global
(KOHONEN, 1 997).
A regra de aprendizado do SOM é a seguinte:
mi (t + 1) = m, (t) + h,, (t) [x(t) - m, (t)] ,
onde a variável t =O,], ... representa o tempo, o mi é o vetor referência, o x é o
vetor de entrada, e a função hCi(t) é a chamada função de vizinhaça.
Para a convergência no processo de aprendizagem é necessário, segundo
KOHONEN (1997), que hci(t)+ O quando t+m Normalmente a função de
vizinhança é definida como uma função gaussiana:
onde a(t) é o fator de aprendizado o o parâmentro o(t) define a largura do núcleo
(a área de vizinhança ou raio de vizinhança). Arnbas funções são monotônicas
descrescentes em relação ao tempo.
O algoritmo SOM pode ser sucintamente descrito da seguinte forma: um
padrão de entrada x E !Rn é apresentado à rede pela camada de entrada, isto é, as
unidades da camada de entrada são ativadas com um padrão x; utilizando-se este
padrão, calcula-se a similaridade entre a entrada x e cada uma das unidades de
saída; a saída com maior fator de similaridade é declarada como unidade
vencedora; todas as unidades vizinhas à unidade vencedera e a própria unidade
vencedora tem seus pesos alterados a fim de aumentar ainda mais o fator de
similaridade; o processo é repetido com todas as entradas até que se atinja um
patamar de parada: um número máximo de iterações ou um valor de erro
admissível.
5.1.2.2 A Inspiração e a Plausibilidade Biológica
Segundo VON DER MALSBURG (1995), o processo de uma rede auto-
organizável é fundamental para a organização do cérebro e é desenvolvida em
diversas escalas temporais que variam de frações de segundos, nos processos
eletrofisiológicos, até gerações, nas adaptações filogenéticas. Tal fato torna difícil
o acompanhamento experimental dos efeitos das modificações organizacionais na
formação e alteração dos mapas de representação (KOHONEN, 1997). Contudo
alguns mecanismos biológicos serviram de inspiração e sustentam a plausibilidade
biológica dos mapas de característas auto-organizáveis de Kohonen.
A representação cortical foi inicialmente observada através de estudos
utilizando-se técnicas eletrofisiológicas em animais. Observou-se que podia-se
produzir um potencial evocado no córtex pela estimulação de uma parte específica
da superfície do corpo do animal. Estas respostas evocadas foram utilizadas por
vários pesquisadores para mapear a representação do corpo no giro pós-central em
macacos (KANDEL et al., 1997).
Os mapas topográficos de representações foram inicialmente
demonstrados nos seres humanos pelo neurocirurgião Wilder Penfiels na década
de 30 (SPITZER, 1999). O trabalho de Penfiels teve origem na observação dos
relatos de pacientes, sob anestesia geral, durante operações cirúrgicas para o
tratamento da epilepsia e outros distúrbios cerebrais. Penfiels estimulou a
superfície do giro pós-central (a única porção acessível à experimentação com
essa técnica na época) em vários pontos na área S-I e observou que isto produzia
sensações táteis em partes distintas do lado oposto do corpo. Desta forma,
Penfield constriu um mapa da representação neuronal do corpo no córtex sensorial
somático (KANDEL et al., 1997). Não somente o tato mas todos os sentidos estão
estruturados em mapas corticais. Para KOHONEN (1997) a origem e a formação
dos mapas topográficos podem ser explicadas por uma ação conjunta de fatores
evolutivos, de desenvolvimento pré-natal e aprendizado.
Alguns princípios básicos da organização do cérebro dos mamíferos, tais
como a conectividade, a competição e inibição lateral (scHÜz, 1995), são
implementadas no algoritmo SOM. Por exemplo, a conectividade no SOM é
estabelecida pela interconexão de todas as unidades da camada de entrada com
todas as unidades da camada de saída; a competição é realizada durante a
determinação da unidade vencedora e a inibição lateral é utilizada na função de
vizinhança conhecida como "chapéu mexicano" onde cada unidade influencia o
estado de ativação das unidades vizinhas de três formas possíveis: excitatória,
inibitória e levemente excitatória. Desta forma, segundo RITTER (1995), o
algoritmo SOM pode modelar com sucesso uma gama impressionante de
características observadas nos mapas cerebrais.
5.1.3 A Equação da Membrana
A tarefa fundamental do sistema nervoso é comunicar e processar
informações. Desta forma o mundo é percebido, representado e modificado. Os
neurônios são as células fundamentais para a armazenagem e processamento de
informações pelo cérebro. Tais células se utilizam de vários mecanismos para a
sua manutenção e para realização de suas tarefas funcionais. De acordo KEYES
(1985), quaisquer mecanismos físico ou biofísico que pretendam realizar
processamento de informações devem obedecer a várias restrições. Tais restrições
podem ser resumidas em três princípios:
1. o mecanismo deve operar em alta velocidade;
2. o mecanismo deve ter um repertório rico em primitivas computacionais com
habilidade de implementar uma variedades de operações de alto ganho tanto
lineares como não-lineares;
3. o mecanismo deve estar em contato com o mundo físico e ser capaz de
representar precisamente padrões da entrada sensorial e traduzir o resultado
das computações sobre estes padrões em ação.
Segundo KOCH (1999), o pontencial da membrana é uma variável física do
sistema nervoso que atende a todos os três princípios de Keyes:
1. pode variar rapidamente sobre grandes distâncias, isto é, um potencial de
ação pode variar seu potencial de 100 mV dentro de 1 ms, e propaga-se até
1 cm (ou mais) em um axônio dentro deste intervalo de tempo;
2. controla um vasto número de gates não-lineares, os canais iônicos, que são
a base para operações não-lineares;
3. através da operação dos canais iônicos os estímulos (visual, táctil, auditivo
ou olfativo) são transformados em mudanças do potencial da membrana
que controlam a liberação de neurotransmissores ou contrações
musculares.
Em quase todas as células do corpo podemos encontrar uma diferença de
potencial elétrico entre o meio interno e externo. Algumas destas células
70
(nervosas e musculares, por exemplo) exibem um comportamento extremamente
interessante que é responsável pela transmissão de informações, qual seja a
capacidade de autogerar impulsos eletroquímicos em suas membranas. Esta
capacidade é denominada excitabilidade.
A base do comportamento das células excitáveis está fortemente calcada
nas variações reversíveis da permeabilidade iônica da membrana celular. Em
SHEPHERD (1994) é apresentado um estudo detalho dos aspectos biológicos das
células excitáveis.
Tem-se conhecimento da importância dos fenômenos elétricos sobre o
sistema nervoso desde os trabalhos experimentais do médico italiano Luigi
Galvani. Com o eletrofisiologista Bois Reymond tem-se a constatação da
existência do potencial de repouso, isto é, uma voltagem constante entre o meio
interno e externo da membrana celular quando a célula não está produzindo um
potencial de ação ou excitada de alguma outra forma.
A base física do potencial de repouso foi estudada pelo físico-químico
Nernst através de experimentos com potenciais gerados por membranas
inorgânicas que são semipermeáveis, isto é, membranas que são permeáveis a
alguns íons e não a outros.
A teoria de Nernst estabeleceu a relação entre a concentração iônica e o
potencial de equilíbrio da membrana. Desta maneira, pode-se definir o potencial
de equilíbrio como a voltagem que existiria entre os lados internos e externos da
membrana caso ela fosse permeável exclusivamente a um íon.
As informações, a nível neuronal, são transmitidas por potenciais de ação,
isto é, por variações rápidas do potencial da membrana. Tal fenômeno é também
71
conhecido como resposta tudo ou nada. Desta forma um potencial de ação ocorre
ou não dependendo da grandeza do estímulo aplicado. Caso este estímulo
ultrapasse um valor limiar (valor mínimo do potencial da membrana em que vai
ocorrer um potencial de ação 50% das vezes) ocorrerá uma variação abrupta do
potencial de repouso da membrana. Esta variação consiste de um deslocamento do
potencial de repouso negativo para um valor positivo, retomando para um valor
negativo.
Desta maneira, as etapas sucessivas da geração do potencial de ação são:
repouso, despolarização e repolarização. O repouso consiste no valor do potencial
de repouso anterior ao estímulo, sob estas condições a membrana é dita polarizada
pois se encontra em um valor negativo. Na despolarização, a membrana,
subitamente, se torna muito permeável aos íons de sódio ocasionando uma
variação em direção a um valor positivo. Logo a seguir, em poucos décimos de
milésimos de segundo, os canais de sódio começam a se fechar, enquanto os
canais de potássio são abertos em números maiores do que na dinâmica normal de
repouso. Com isto há um retomo ao nível negativo da membrana. Tal etapa é a
repolarização. Todo o processo de despolarização e repolarização pode ser
explicado pelo comportamento dos diversos tipos de canais de sódio e potássio
dentre outros. Este trabalho não objetiva o estudo detalhado do funcionamento
destes canais. Para um estudo aprofundado veja: JOHNSTON & WU (1995)
HOPPENSTEADT (1 992) e TUCKWELL (1 988) .
Hodgkin e Huxley modelaram detalhadamente, em 1952, a geração e
propagação de um potencial de ação de um axônio (HODGKIN & HUXLEY,
1952). Determinaram experimentalmente as funções de condutância para os íons
72
de sódio e potássio da membrana axonal, isto é, estabeleceram, a partir de
experimentos, que as condutâncias g% e g~ são funções do potencial da
membrana Y e do tempo t. Estabeleceram também que estas condutâncias sofrem
variações de forma a sustentar a propagação de um potencial de ação e estabelecer
um período refratário absoluto no local da membrana em que ocorreu o potencial
de ação.
Partindo dos experimentos que tentavam comprovar a "hipótese dos canais
iônicos seletivos", Hodgkin e Huxley comprovaram que a corrente que atravessa a
membrana pode ser dividida em suas componentes capacitivas e iônicas, isto é,
para uma pequena região da membrana a corrente total é considerada como sendo:
I=C.dV/dt + Ii, onde C.dV/dt é a corrente capacitiva e 4 é a corrente iônica.
Um outra forma utilizada para modelar o neurônio é a utilização da
representação pontual, onde o neurônio é reduzido a um único ponto ou
compartimento, isto é, tem-se um modelo simplificado que pode ser útil quando
não necessitamos simular o comportamento da árvore dendrítica (KOCH,1999). A
estrutura orgânica das membranas plasmáticas, que separam o citoplasma do
ambiente extracelular, é formada principalmente por fosfolipídios e proteínas. As
duas camadas de moléculas de fosfolipídios que isolam o meio interior e exterior
(que apresentam potenciais elétricos diferentes) atuam como um capacitor.
Capacitores são dispositivos para armazenagem de carga elétrica que são
carregados e descarregados por correntes elétricas. A carga Q, medida em
Coulombs, sobre o capacitor é diretamente proporcional a tensão aplicada,
simbolicamente:
Q = C.<, ,
onde, na biofísica, C é a capacitância definida como capacitância específica da
membrana em p . ~ / c m ~ , e V,,, é potencial da membrana, isto é, V, (t)=Vintraceiuiar(t)
- Vextraceiuiar(t). O valor da corrente que flui através do capacitor, a corrente
dielétrica I,, é simplesmente a variação da carga no tempo:
Derivando os dois lados da equação Q=C.y,, e fazendo-se as substituição de
dQ/dt, tem-se:
Quando injetamos uma corrente neste neurônio pontual, isto é, inserimos
uma fonte de corrente na célula, pode-se analisar o comportamento do mesmo
através da analogia com o circuito RC simples (associação em série de um resistor
e um capacitor). Usando-se a lei de Kirchoff e a lei de Ohm, tem-se que:
onde IR é a corrente que passa pelo resistor, R é a resistência e vmt é a tensão
associada ao resistor que representa o potencial de repouso. De acordo a lei da
conservação da corrente:
dY,l (t) + v, ( 0 - V,, c- dt R
= I,, (t) 7
e considerando z= RC , chamado constante de tempo do circuito que descreve
quão rápido o potencial da membrana se altera quando uma corrente é aplicada,
tem-se:
5.2 O Nível 1 do Modelo
O Nível 1 do modelo representa, através de um conjunto de micro-
características, um fragmento da realidade descrita por uma rede semântica. A
rede semântica utilizada como base para a extração das micro-características foi
apresentada por SPITZER (1997) como representante dos resultados estatísticos
sobre associação de palavras publicado por PALERMO et al. (1964) e ainda
considerado como fonte clássica para estudos de associações de palavras em
língua inglesa. Tal estudo foi realizado em universo de 871 estudantes sendo 377
do sexo masculino e 494 do sexo feminino. As 4 associações mais comuns
destacadas por SPITZER (1997) são:
dedo da mao é associado à mão por 457 estudantes: 52,5%
e mão é associada ao pé por 228 estudantes: 26,2%
pé é associado ao sapato por 255 estudantes: 29,3%
sapato é associado ao pé por 370 estudantes: 42,5%.
Braço u Figura 5.1: Rede Semântica adaptada de SPITZER (1997).
Na figura 5.1 temos a representação gráfica da rede semântica. A modelagem das
micro-características teve como objetivo transformar as informações presentes na
rede semântica em uma forma de representação tratável por uma rede neuronal. A
forma escolhida não foi a forma clássica exposta em RITTER et. al. (1989), mas
uma forma híbrida que tenta representar não só os objetos mas também a estrutura
e relações presentes no grafo representativo da rede semântica.
O esquema de representação é constituído de um conjunto de objetos
sendo que cada objeto é representado por um conjunto de 21 bits. Os 10
primeiros bits são utilizados para nomeação dos objetos enquanto os 11 bits
restantes servem para marcar a presença ou não das caractéristicas ou
propriedades. Assim, um bit com valor 1 indica que o objeto possui ou atende
uma determinada característica ou propriedade. Conforme destacado por RITTER
(1995), o prinleiro e importante passo para uma tarefa de processamento de
infoimações ou reconhecimento de padrões é identificar ou construir um conjunto
relativamente pequeno de características em que as informações essenciais
estejam concentradas.
As micro-caracteristicas escolhidas, então, foram as seguintes:
Objeto de tamanho pequeno, em comparação com os outros objetos do
domínio; objetos que possuem esta característica: polegar, unha, dedo-mão,
dedo-pé;
Objeto de tamanho médio, em comparação com os outros objetos do
domínio; objetos que possuem esta característica: mão, pé, sapato, meia;
Objeto de tamanho grande, em comparação com os outros objetos do
domínio; objetos que possuem esta característica: braço, perna;
Objeto com comportamento reflexivo, isto é, o objeto apresenta uma ligação
bidirecional no grafo representativo da rede semântica; objetos que possuem
esta característica: dedo-mão, mão, pé, sapato;
Objeto orgânico, objeto faz parte do corpo do ser humano; objetos que
possuem esta característica: polegar, unha, dedo-mão, dedo-pé, mão, braço,
pé, perna,
Objeto mestre, se o número de ligações eferentes é maior 3; objetos que
possuem esta característica: dedo-mão, mão, pé;
Objeto escravo, se o número de ligações aferentes é maior ou igual ao
número de ligações eferentes; objetos que possuem esta característica:
polegar, unha, dedo-pé, braço, perna, meia;
Objeto sozinho, se ele possui apenas uma ligação aferente; objetos que
possuem esta característica: polegar, unha, braço, perna, meia;
Objeto acompanhado, se ele possui ligações eferentes e aferentes; objetos
que possuem esta característica: dedo-mão, dedo-pé, mão, pé, sapato;
Localização superior, objeto localizado na parte superior do corpo do ser
humano; objetos que possuem esta característica: polegar, unha, dedo-mão,
mão, braço;
Localização inferior, objeto localizado na parte inferior do corpo do ser
humano; objetos que possuem esta característica: dedo-pé, pé, perna, sapato,
meia.
É claro que as características escolhidas para esta rede semântica poderiam ser
diferentes mas o importante, independente do número e tipo de micro-
características, é que o conjunto consiga capturar a estrutura e as relações da rede
semântica. Para um estudo detalhado sobre representação do conhecimento em
redes neuronais veja HINTON (1981), HINTON et al. (1986) e HINTON (1990).
Polegar
, , . 'Objeto c . ,' .- , > I '
. " ~ i t ,ati,vado I
Mão
Unha
Dedo-mão
Bit 2
Bit 3
Braço
Sapato
Bit 7
Perna
Meia
Bit 8
Tabela 5.1: Representação dos objetos através do ajuste do bit de nomeação
(bits de 1 a 10).
Objeto pequeno
Característica > *
Bit 11
Bits ,
Objeto médio
Objeto grande
Objeto com comportamento reflexivo
Objeto orgânico
Objeto mestre
Objeto escravo
Objeto sozinho
Objeto acompanhado
Localização superior
Localização inferior
Bit 12
Bit 13
Bit 14
Bit 15
Bit 16
Bit 17
Bit 18
Bit 19
Bit 20
Bit 21
Tabela 5.2: Representação das características (bits de 11 a 21).
Tabela 5.3: Representação dos 10 objetos através de 21 bits.
5.2 O Nível 2 do Modelo
A idéia do nível dois é representar em uma rede auto-organizável os
objetos descritos no nível 1. Isto é, mapear o espaço de entrada (os objetos) em
uma espaço de saída (a rede) de forma que os nós da rede reproduzam a estrutura
organizacional da rede semântica da figura 5.1. Para isso foi utilizado a rede de
Kohonen ou de forma mais específica o algoritmo Mapa Auto-Organizável (Self-
Organizing (Feature) Map -SOM-) (KOHONEN, 1982, KOHONEN, 1997). A
razão para a escolha deste algoritmo é o fato que a arquitetura onde o algoritmo
SOM é aplicado é caracterizada pelas ligações na camada de saída do tipo
inibição lateral. Segundo SPITZER (1997), RAUSCHECKER (1995) e
THOMSON & DEUCHARS (1994) esta é uma característica (inibição lateral)
essencial do córtex humano e permite a rede gerar espontaneamente
representações em forma de mapas sem a necessidade de qualquer realimentação
ou supervisão. A figura 5.2 mostra a arquitetura geral da rede.
Para completar o modelo, cada urna das unidades de saída foi modelada
como um neurônio formado por um único compartimento, onde dendritos, soma e
axônio estão concentradas e representados pelo potencial elétrico V. A
excitabilidade da membrana foi modelada por um capacitor elétrico com
capacitância C. O ruído foi modelado por uma corrente &,,,. Uma variável m foi
introduzida junto a corrente IiTzw com a função moduladora:
o somatório representa a intensidade do estímulo aplicado à rede, e a variável m
terá o seguinte comportamento: se W,V, for a maior ativação da rede m = d,
caso contrário m = l/d, onde a varíável d pode representar a descarga de um
neurotrasmissor.
Pesos n
SAIDA DA REDE
(15 unidades)
I ENTRADA DA REDE (21 bits)
Figura 5.2: Arquitetura geral da rede.
Bateria c Figura 5.3: Esquema das unidades de saída como capacitores com ruídos.
Capítulo 6
Resultados e Discussão
As simulações foram realizadas em microcomputador tipo PC com
processador AMD-K6 400MHz e 64MB de memória RAM. Duas bibliotecas de
funções foram utilizadas: inicialmente o SOM - PAK: The Self-Organizing Map
Prograrn Paclç-age (KOHONEN et al., 1996) e depois o conjunto de funções
chamado SOM Toolbox for Matlab 5 (VESANTO et al., 2000). Após a
construção e treinamento do SOM, isto é, a geração dos pesos da rede, foi
desenvolvido um conjunto de funções/programas na linguagem de programação
do Matlab 5.3 para a análise do comportamento da rede quando estimulada.
6.1 Simulação 1: Construção do Mapa Auto-Organizável
Representativo da Rede Semântica
A primeira simulação teve como objetivo verificar se as micro-
características utilizadas para a descrição do domínio eram adequadas. O critério
de verificação utilizado foi observar a capacidade da rede de representar as
relações topográficas presentes na rede semântica proposta por SPITZER (1997),
e se estas relações topográficas são compatíveis com as 4 associações mais
comuns, isto é: dedo da mão associado com mão, mão associado com pé, pé
associado com sapato, e sapato associado com pé. Para a simulação do mapa
semântico do córtex frontal utilizou-se os mapas auto-organizáveis de Kohonen
com os seguintes parâmetros: uma rede com 15 unidades formando uma matriz 3
X 5. O número de unidades foi estabelecido pela regra heurística k E 5.n1l2 , onde
k é o número de unidades e n o número de amostras utilizadas para o treinamento
da rede (VESANTO et al., 2000). A visualização estabelecida para esta simulação
foi a grade hexagonal. Os parâmetros de inicialização e treinamento foram
gerados pelo próprio programa.
O resultado foi uma rede organizada topograficamente (figura 6.1). As
quatro associações mais comuns destacadas por SPITZER (1997) foram
reproduzidas, isto é, a freqüência das associações foram mapeadas por uma
relação de adjacência entre os objetos. Os objetos foram mapeados seguindo estas
"tendências" topográficas: objetos pequenos tendem para parte inferior do mapa,
enquanto os objetos médios e grandes tendem para a parte superior e superior-
esquerdo, respectivamente. Os objetos orgânicos tendem para o lado direito do
mapa e os objetos mestres ocupam a parte inferior do mapa. Na figura 6.2 pode-
se ver as contribuições de cada característica na organização topográfica da rede.
É observado que o polegar e a unha foram mapeados em uma mesma unidade. Tal
fato é compatível com as micro-características utilizadas e mostra que os bits de
nomeação dos objetos não interfere na organização do mapa, tendo o
comportamento desejável neste tipo de representação conforme destacado em
KOHONEN (1982) e KOHONEN (1997).
MAPA
Figura 6.1: Organização dos conceitos após o treinamento da rede.
Figura 6.2: Contribuição de cada micro-característica para a distribuição
topográfica dos conceitos.
Na figura 6.3 é mostrado a distribuição dos conceitos pela rede no formato
retangular. Tal representação foi utilizada para todas as visualizações do estado
final da rede, quando estimulada. Com a rede treinada foi gerado o conjunto de
pesos onde cada unidade de entrada está ligada a todas as unidades de saída,
totalizando assim 315 pesos armazenados em uma matriz 21x15. A rede foi
testada para cada estímulo de entrada. Todas as saídas, para cada estímulo, foram
nonnalizadas a fm de permitir uma unificação da escala. As figuras 6.4 até 6.14
mostram o resposta da rede para cada um dois estímulos.
Figura 6.3: Distribuição dos conceitos na rede 3x5.
Polegar
Figura 6.4: Resposta da rede para o estímulo polegar
Unha
Figura 6.5: Resposta da rede para o estímulo unha
Figura 6.6: Resposta da rede para o estímulo dedo da mão.
Figura 6.7: Resposta da rede para o estímulo dedo do pé
Figura 6.8: Resposta da rede para o estímulo mão.
Figura 6.9: Resposta da rede para o estímulo pé.
Braço
Figura 6.10: Resposta da rede para o estímulo braço.
Perna
Figura 6.11: Resposta da rede para o estímulo perna.
Figura 6.12: Resposta da rede para o estímulo sapato
Meia
Figura 6.13: Resposta da rede para o estímulo meia.
6.2 Simulação 2: Verificação se o Modelo Reproduz o do
Efeito de Priming Semântico
Esta simulação foi realizada com os pesos obtidos na simulação
anterior. Cada unidade foi modelada como um capacitor com ruído. Os
parâmetros utilizados foram: constante de decaimento .c = 1; ruído = 0,O para
sujeitos normais e 0,02 para sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de
pensamento; limiar de ativação para as unidades = 0.995; tempo de duração do
prime = 200 ms, SOA=400 ms. As 4 associações mais comuns representando as
palavras relacionadas semanticamente foram simuladas, isto é: dedo da mão
associado com mão, mão associado com pé, pé associado com sapato, e sapato
associado com pé. As quatro duplas de palavras não relacionadas foram: dedo da
mão com meia, mão com perna, pé com polegar, sapato com braço (veja as tabelas
6.1, 6.2, 6.3 e 6.4). O critério para a seleção das palavras não relacionadas foi o
seguinte: elas não poderiam estar associadas nem direta nem indiretamente a um
dos estímulos (prime ou target). A média do efeito de priming para sujeitos
normais foi de 40,5 ms e para sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de
pensamento foi de 92 ms (veja figura 6.14). Estes valores estão dentro da média
que, segundo SPITZER (1997), caracterizam o efeito depriming. O que permitiu
o aparecimento do efeito de priming foi o aumento da corrente Iinw que
representa no modelo o ruído na rede.
Em outras palavras, houve uma diminuição da relação sinal ruído,
confirmando a idéia, exposta em SPITZER (1997) e SPITZER (1999), que uma
diminuição da relação sinal-ruído, possivelmente modulada pela dopamina, seria
94
uma possível explicação para o efeito de priming e a resposta para o paradoxo de
que sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de pensamento, distúrbio este
caracterizado por uma ruptura das associações normais apresentam um tempo de
reação que privilegia as associações normais ao passo que o esperado seria
exatamente o oposto.
O resultado desta simulação também é compatível com o modelo de
propagação da ativação no seguinte sentindo: quando o prime é apresentado à
rede, a unidade associada é ativada e devido a propagação da rede, as unidades
associadas (palavras associadas ao prime) também são ativadas em escala menor.
No modelo, devido ao ruído (no caso dos sujeitos esquizofiênicos com distúrbio
de pensamento), estas unidades associadas ao prime demoram mais tempo,
quando comparadas com os sujeitos normais, no processo de estabilização após o
prime.
Assim, quando a rede recebe o estímulo (target) aquelas unidades
associadas ao prime ainda se encontram parcialmente ativadas ocasionando um
tempo de resposta mais rápido. Como citado anteriormente, este processo pode ser
caracterizado pela modulação da relação sinal-ruído pela dopamina. Desta forma,
a próxima simulação tentou reproduzir este o efeito.
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Normais
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Esquizofrênicos
com Distúrbio de Pensamento
Palavras não relacionadas Palavras não relacionadas
dedo da mão Drime
Target
rempo de reação
Palavras rel
Prime dedo da mão
meia Target meia
692
cionadas
Tempo de reação I
Palavras relacionadas
Prime dedo da mão ?ime
Target
dedo da mão
mão mão
rempo de reação Tempo de reação
Efeito de Priming
Tabela 6.1: Resultados da simulação do efeito priming com tempo de
duração do prime de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: dedo da
mão com mão.
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Normais
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Esquizofrênicos
com Distúrbio de Pensamento
Palavras não relacionadas
Target
rempo de reação I 692 I
Palavras relacionadas
Drime mão
Target
rempo de reação 652
Efeito de Prinzing I 40
Palavras não relacionadas
Prime mão
rempo de reação I 588 I
Palavras relacionadas
Target
rempo de reação
Efeito de Priming
mão
Tabela 6.2: Resultados da simulação do efeito priming com tempo de duração
do prime de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: mão com pé.
Sujeitos Esquizofrênicos
com Distúrbio de Pensamento
Palavras não relacionadas
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Normais
Simulação do tempo de reação
Palavras não relacionadas
Drime
Target
Prime
Target polegar
rempo de reação 693
cionadas
Tempo de reação
Palavras relacionadas Palavras re
Prime
Target sapato Target sapato
Tempo de reação rempo de reação 65 1
Efeito de Priming Efeito de Priming
Tabela 6.3: Resultados da simulação do efeitopriming com tempo de duração
doprinze de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: pé com sapato.
42
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Normais
Palavras não relacionadas
Prime
Target
Tempo de reação
Palavras rel
sapato
braço
cionadas
Prime sapato
Target
Tempo de reação I 651 Efeito de Prii~zing 43
Simulação do tempo de reação
Sujeitos Esquizofrênicos
com Distúrbio de Pensamento
Palavras não relacionadas
Prime sapato
Ta rge t
Tempo de reação 585
Palavras relacionadas
Prime sapato
Target
Tempo de reação
Efeito de Priining 94
Tabela 6.4: Resultados da simulação do efeitopriining com tempo de duração
doprii~ze de 200 ms e SOA de 400 ms. Associação testada: sapato com pé.
Efeito de Priming
ii Normal
Esquizofrênicc com Distúrbio Pensamento
Figura 6.14: Gráfico do efeito de priming semântico, reproduzido pelo
modelo, para sujeitos normais e sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de
pensamento.
6.3 Simulação 3: Verificação se o Modelo Reproduz a
Desfocalização ou Espraiamento de Sinal Provocado pela
Modulação da Dopamina
Nesta simulação foram utilizados todos os parâmetros da simulaçao 1 com
alteração da variável que representa a dopamina. A idéia é simular o efeito da
dopamina com moduladora da relação sinal ruído. O parâmetro d para o caso
normal foi igual a 20 e para a simulação da hipoatividade foi reduzido a 10% do
valor normal. Foi observado o espraiamento do sinal. Para o estímulo perna, por
exemplo, a rede apresentou um comportamento "bem focalizado", isto é,
considerando um limiar de 0,5 somente este conceito é ativado (veja figura 6.15).
Com o mesmo estímulo e limiar de ativação, porém com o fator dopamina
reduzido a 10%, tem-se a ativação dos conceitos braço, polegarlunha, meia e dedo
do pé, além da perna (figura 6.16).
Figura 6.15: Ativação da rede pelo estímulo perna.
Figura 6.16: Ativação da rede pelo estímulo perna, com a redução de 90% no
valor da variável que representa a ação da dopamina.
O comportamento do modelo reflete o possível papel de modulação da
dopamina. Mas existe um problema. A influência da dopamina na etiopatogenia
da esquizofrenia é dada pelo comportamento oposto, isto é, a hipótese
dopaminérgica diz que a esquizofrenia é resultado de uma demasiada atividade
dopaminérgica (KAPLAN et al., 1997; LOUZÃ NETO, 1995; BRANDÃO &
GRAEFF, 1997) e não pela hipofunção da mesma. Segundo SPITZER (1 999), a
discussão do papel da dopamina na esquizofrenia é extremamente complexa e dá
origem a várias controvérsias, contudo três pontos são importantes:
1. É geralmente aceito que a dinâmica da atuação da dopamina envolve
diferentes escalas de tempos, isto é, vai de alguns milisegundos até dias ou
semanas, passando por centenas de milisegundos;
2. O efeito agudo dos neurolépticos é bloquear o sistema dopaminérgico, mas
durante a administração crônica, algumas outros fenômenos também
acontecem (por exemplo os efeitos terapêuticos conhecidos), e talvez até o
aumento da atividade dopaminérgica.
3. A esquizofrenia pode não ser causada só por um distúrbio do sistema
dopaminérgico, mas também pode ser resultado de algum déficit micro-
anatôrnico primário, isto é, por um pequeno defeito na ligação de certos
neurônios, ou perda de neurônios no córtex frontal ou temporal, ou uma
migração de neurônios para uma localização errada ou camada cortical errada.
Desta forma, a dopamina poderia ter um papel secundário dentro de um processo
compensatório. Este processo seria a neuromodulação. Todas estas possibilidades
são objetos de intensas pesquisas, segundo SPITZER (1999).
A questão, então, é a seguinte: existe algum achado que mostra uma
hipoatividade dopaminérgica em sujeitos esquizofiênicos, que justifique a
hipótese da neuromodulação da relação sinal-ruído utilizada no modelo? A
resposta é sim. KAHN et al. (1995) e KISCHKA et al. (1996) apontam vários
estudos que sugerem uma ligação direta do decréscimo da atividade
dopaminérgica com déficit cognitivo nos esquizofrênicos e com o
comprometimento do córtex pré-frontal. Tais achados podem estar associados a
um decréscimo da atividade dopaminérgica do sistema mesocortical que
influencia o córtex, que por sua vez é responsável pelas funções cognitivas
(DAVIS et al., 1991; GRACE, 1991). O modelo utilizou a idéia sugerida por
COHEN & SERVAN-SCHREIBER (1992, 1993) que a dopamina atua como
neuromodulador amplificando os sinais fortes e atenuando os sinais fiacos
simulando, assim, uma possível atuação da dopamina como responsável pela
1 O3
concentração da ativação em uma unidade (focalização) ou espraiamento das
ativações (desfocalização).
6.4 Simulação 4: Verificação se o Modelo Reproduz o
Comportamento de Propagação da Ativação
Nesta simulação foi apresentado um estímulo e acompanhado em quatro
períodos de tempo diferente. Foi observado que o modelo implementa a idéia da
propagação da ativação (COLLINS et al., 1975), isto é, com o passar do tempo
as outras unidades próximas vão se ativando (figura 6.17). Os parâmetros
utilizados foram os mesmos da simulação 1.
F'igura 6.17: Comportamento da ativação da rede em quatro momentos
diferente: (a) t=20, (b) t=112, (c) t=470 e (d)t=630.
6.5 Simulação 5: Verificação se o Modelo Reproduz o
Conceito de Idéia Fixa como um Porte Ruído em uma
Unidade
Nesta simulação utilizou-se os mesmos parâmetros da simulação 1, porém
aumentou-se o ruído na ordem de 30% . O resultado foi a ativação de um conceito
não relacionado. Em outras palavras, o conceito "intruso" era sempre ativado
independente do estímulo. Tal resultado tenta simular o conceito de idéia fixa
presente nos esquizofrênicos com distúrbio de pensamento. A simulação consistiu
na escolha de uma determinada unidade como representante de uma idéia fixa,
isto é, o parâmetro correspondente ao seu ruído foi aumentado, e ativada com um
outro estímulo. Veja na figura 6.16 o resultado da rede para meia como idéia fixa
e perna como estímulo.
Figura 6.18: Resultado da simulação da resposta da rede para o estímulo
perna tendo sido aumentado o ruído da unidade correspondente ao estímulo
meia na ordem de 30%.
6.6 Considerações Finais
O modelo mostrou-se adequado na forma de representar as características
semânticas (simulação 1) confirmando que os mapas de características auto-
organizáveis se organizam topograficamente seguindo o princípio das
similaridades e da freqiiência das entradas, além de suportar a idéia que uma rede
semântica (forma de representação clássica da inteligência artificial simbolista)
pode ser vista como uma rede de micro-características (forma de representação do
conhecimento conexionista). A forma de acesso ao mapa topográfico pode ser
descrito pelo modelo de propagação de ativação, isto é, a ativação de um nó
representativo de um conceito ativa os nós adjacentes, e com o passar do tempo
os conceitos associados são também ativados ou estão preparados para uma
ativação em momentos subsequentes (simulação 4) sendo esta idéia compatível
com os experimentos de decisão léxica.
O modelo reproduz o efeito depriming (simulação 2) reforçando a idéia que
os sujeitos esquizofrênicos com distúrbio de pensamento podem sofrer de uma
disfunção no acesso léxico. O problema não estaria no mecanismo de
armazenagem dos conceitos e sim no acesso. Este problema de acesso pode ser
caracterizado por uma desfocalização (simulação 3). O comportamento do modelo
reproduz as observações clínicas de experimentos com associações anormais de
palavras, e suporta a explicação para o aumento de desempenho na realização de
tarefas de processamento de associações normais pelos esquizofiênicos com
distúrbio de pensamento.
O modelo implementa a idéia que o espraiamento da propagação da ativação
corresponde ao grau de precisão da recuperação de um conceito, isto é, pouco
espraiamento corresponde a uma focalização no conceito estimulado, enquanto
uma desfocalização (perda da precisão do acesso léxico) corresponde um maior
espraiamemte. O modelo simula o grau de espraiamento através da variação do
parâmetro correspondente a possível ação de neuromodulação da dopamina. Tal
efeito neuromodulador da dopamina no córtex psé-frontal e temporal, através do
sistema dopaminérgico mesocortical, pode explicar o distúrbio de pensamento nos
esquizofrênicos como uma baixa relação sinal ruído.
Alguns distúrbios de pensamento podem ser explicados pela analogia com o
comportamento do modelo. Por exemplo, as associações indiretas ou pensamentos
tangentes observados nos esquizofrênicos com distúrbio de pensamento podem
ser explicadas pela desfocalização. As idéias fxas ou intrusões podem ser
explicadas, no modelo, pelo aumento do suído em certos neurônios (simulação 5).
Finalmente, conclui-se que a simulação com redes neuronais com unidades
mais detalhadas pode ajudar o entendimento das enfermidades mentais, bem como
relacionar achados e sugerir uma integração de teorias e procedimentos
experimentais da neurociência, da ciência cognitiva e da prática terapêutica.
Capítulo 7
Conclusão
O visto neste trabalho é que apesar de décadas de estudos (e dos avanços
tecnológicos) no estudo do cérebro, e especialmente na pesquisa sobre
esquizofrenia, ainda não se tem evidências diretas que possam ser aceitas, sem
restrições, pela comunidade cientifica. O que existe são diversas hipóteses que
tentam explicar somente alguns aspectos da esquizofrenia.
Talvez o grande problema seja saber de forma precisa o que é a
esquizofrenia (ou as esquizofrenias). Quanto à modelagem, o que podemos
observar é que os modelos são ainda incipientes, com uma pequena analogia com
os fenômenos modelados. Contudo, conforme os modelos, apesar de limitados,
são de fundamental importância porque tentam reunir fenômenos empíricos
aparentemente discrepantes debaixo de uma única explicação, provêem novas
interpretações de dados já existentes, reconciliam evidências contraditórias e
conduzem a novas predições.
Como contribuição deste trabalho, pode-se destacar o seguinte:
Desenvolvimento de um framework onde vários níveis de abstração de
diferentes paradigmas da inteligência artificial e da ciência cognitiva são
integrados para a simulação de alguns processos cognitivos;
Integração de diversas hipóteses e teorias em um modelo computacional,
permitindo assim a verificação de alguns princípios gerais pela simulação.
Pode-se indicar como trabalhos futuros:
Ampliação do domínio de conhecimentos com representação não só de
características semânticas, mas também com informações sobre a pronúncia,
sintaxe e ortografia;
Ampliar a equação da membrana a fim de capturar a dinâmica de outras
variáveis, isto é, outros neurotransmissores e neuromoduladores, ou até
mesmo os canais iônicos;
Simular o priming semântico indireto através da análise do comportamento da
rede para as segundas, terceiras e quartas associações mais frequentes. Além
do estudo do efeito da variação do SOA.
Simular os experimentos com outros tipos depriming, por exemplo o priming
de repetição, onde uma exposição prévia a uma palavra prepara uma evocação
subseqüente dessa informação.
Aplicar o framework desenvolvido neste trabalho para explorar outros
fenômenos ou distúrbios, não só da esquizofrênia mas também de outros
transtornos psiquiátricos.
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