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Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica Airton Luiz Jungblut ano 3 – nº 36 – 2005 – 1679-0316 cadernos idéias I U H

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Igreja Universal do Reino de Deus no

contexto do emergente mercado religioso

brasileiro: uma análise antropológica

Airton Luiz Jungblut

ano 3 – nº 36 – 2005 – 1679-0316

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Cadernos IHU Idéias: Apresenta artigos produzidos pelos con-vidados-palestrantes dos eventos promovidos pelo IHU. A di-versidade dos temas, abrangendo as mais diferentes áreas doconhecimento, é um dado a ser destacado nesta publicação,além de seu caráter científico e de agradável leitura.

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IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NOCONTEXTO DO EMERGENTE MERCADO

RELIGIOSO BRASILEIRO:UMA ANÁLISE ANTROPOLÓGICA

Airton Luiz Jungblut

1 – O contexto

Os dados sobre opção religiosa do último Censo Demográ-fico confirmaram o que os cientistas sociais da religião já vinhamalertando há duas décadas: o rebanho evangélico vem crescen-do de modo extraordinário e acelerado no Brasil. Segundo oIBGE, os adeptos dos diferentes ramos e denominações evangé-licos praticamente dobraram de número entre 1991 e 2000, sal-tando de 13,3 para 26,1 milhões, o que representa, em termosproporcionais, um avanço de 9,1% para 15,4% da populaçãobrasileira. A maioria desses religiosos (67,6%), cumpre frisar,pertence à vertente pentecostal, isto é, a igrejas, como Assem-bléia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, Evangelho Qua-drangular, Deus é Amor, Universal do Reino de Deus, entre ou-tras. Tais dados atestam que as igrejas do protestantismo tradi-cional, oriundas da Reforma Protestante, vêm perdendo terrenopara os pentecostais.

O que os dados do IBGE não revelam, mas pesquisas so-ciológicas e antropológicas mostram sobejamente, é que talcrescimento vem ocorrendo concomitantemente com uma am-pla transformação na conduta e no modo de ser dos pentecostais.Mudança que se estende à forma desses religiosos se relaciona-rem com a sociedade e a cultura envolvente, o que é tanto causacomo conseqüência dessa expansão numérica. Em suma, o tra-dicional rigorismo puritano e o notório sectarismo desse gruporeligioso vêm sendo, paulatinamente, minimizados nos últimosanos.

São diversos os motivos da ocorrência desse fenômeno: aose tornar uma grande minoria religiosa, esse grupo, antes orga-nizado em pequenas comunidades de crentes, foi perdendo suacapacidade de impor regras comportamentais restritivas, sobre-tudo nas igrejas que, em seus enormes templos e catedrais,passaram a realizar os cultos espetaculares de massa, vários

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dos quais centrados em exorcismos coletivos; ao diversificar-seinstitucionalmente e socialmente, passou a abranger cada vezmais segmentos de classe média, que, em geral, são pouco afei-tos a condutas rigoristas e puritanas; ao adotar novas estraté-gias proselitistas e, sobretudo, ao inserir-se em inusitados einesperados espaços sociais – em detrimento de seu pregressosectarismo, que apregoava, por exemplo, “crente não se meteem política” –, tais como a mídia eletrônica e a política partidária,teve de se acomodar às pressões, regras e exigências dessasinstituições midiáticas e políticas; ao optar pelo marketing,viu-se constrangido a adaptar seus cultos, crenças e práticas re-ligiosos às demandas, sempre diversificadas, mas, principal-mente, das massas pobres, de indivíduos interessados na solu-ção mágico-religiosa de seus problemas cotidianos. Com isso,eles, em particular os neopentecostais, cuja principal represen-tante é a Igreja Universal do Reino de Deus, vêm se tornandocada vez mais indistintos da cultura e da sociedade envolventes.

Pode-se dizer até mesmo que, em diversos casos, vigoracomo que uma inusitada e, aparentemente paradoxal, fascina-ção de muitos evangélicos pela mundanidade que os envolve.Fascinação que se expressa por certa avidez em se apropriar detudo aquilo que, produzido para finalidades mundanas ounão-religiosas, mostra-se simbólica e esteticamente sedutor,mobilizador de atenções, consumível em grande escala, racio-nalizador de esforços. Mídia, marketing, computação, Internet,artes visuais, moda, estética moderna, músicas profanas, estilose comportamentos de vanguarda, rapidamente são incorpora-dos, ressemantizados ou instrumentalizados, individual e institu-cionalmente, por crentes e grupos de todas as vertentes evangé-licas para incrementar a pregação e divulgação do Evangelho.

Vários cientistas sociais têm pesquisado as particularida-des e, sobretudo, as conseqüências da expansão desse vigoro-so movimento religioso no Brasil e na América Latina. As pesqui-sas e análises de campo permitem observar que, em territórioscomo os da política partidária (Freston, 1992; Mariano, 1995;Oro, 2001), de esportes como o futebol (Jungblut, 1994) e dosritmos e estilos de musicalidade profana (Pinheiro, 1998), todosanteriormente não somente desabitados, mas também repudia-dos e demonizados – em razão de seu mundanismo – por essesreligiosos, ingressam os evangélicos pentecostais e de modocada vez mais intenso, participativo, visível, vocal.

Isso só faz aumentar o impacto social e cultural que a ade-são aos grupos evangélicos provoca nos imaginários, nos valo-res e nas práticas de grupos e indivíduos excluídos da socieda-de brasileira. Seja pela valorização da autonomia empresarial edesvalorização do trabalho assalariado, promovidos pelos difu-sores eclesiásticos da Teologia da Prosperidade nos templosneopentecostais (Freston, 1992; Mariano, 1995), seja em decor-

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rência dos discursos disciplinares e higienizadores dirigidos àsfamílias dos estratos mais pobres pelos pastores em geral (Ma-chado & Fernandes, 1985), seja pela eticização operada pelo in-cessante combate mágico-religioso às drogas e ao álcool (Ma-riz, 1994), a religião evangélica tem deixado marcas profundasem parcelas expressivas dos segmentos mais pobres da socie-dade brasileira, onde ela mais se dissemina.

2 – A Igreja Universal do Reino de Deus, sua identidade e omercado religioso

A Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, ponta de lançadesse movimento de crescimento evangélico no Brasil, ostentauma identidade que é constantemente – e talvez mais do quequalquer outro grupo religioso no País – posta em contratastepor seus agentes com as identidades de outros grupos religio-sos. Este exercício contínuo e, até certo ponto, agressivo, de os-tentação da sua identidade, pela negação das identidades alheias,pode, num certo sentido, ser explicado pelo caráter nitidamenteconcorrencial e expancionista desta igreja. Sua estratégia de, in-sistentemente, desqualificar os concorrentes para com isso con-quistar o maior número possível de fiéis, torna, portanto, a ex-pressão de sua identidade um exercício fundamentalmente con-trastivo. Como se dá esse exercício no caso dessa igreja?

Várias são as possibilidades de que um grupo dispõe paraafirmar sua identidade, negando, etnocentricamente, as identi-dades dos “outros”. Em determinadas modalidades de cultosafro-brasileiros, por exemplo, é comum que um determinadogrupo advogue para si maior correspondência com modelosafricanos, enquanto para os outros grupos concorrentes é atri-buída uma negligência para com a manutenção destes mode-los. Neste caso, contrapõe-se uma manutenção correta (“pura”)de crenças e procedimentos rituais a uma manutenção incorreta(“contaminada”, sincrética) dos símbolos em jogo.

No caso da IURD, é possível notar que o mencionado exer-cício de contrastividade entre as identidades que representam o“nós” e os “outros” tem, como elemento simbólico fundamental,as representações e imagens do diabo. A imagem desse entemaligno é invocada em quase todos os momentos em que osagentes dessa igreja referem-se aos concorrentes. A intenção éclara: associando os concorrentes ao diabo e denunciando apericulosidade de tal associação, fica mais fácil chamar para si aexclusividade da associação com o ente benigno que o comba-te, Deus. Esta disposição polarizada, Deus – nós – versus o dia-bo – os outros – é freqüentemente manifestada nas palavras deseus pastores: “A Igreja Universal quer que vocês se tornem só-cios de Deus e não do demônio, como tem muita gente queren-

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do aí fora, nos terreiros”. Um trecho de uma das obras do BispoMacedo é também revelador:

Tanto no alto espiritismo como no baixo, seja qual for o rótu-lo usado, o consulente é encaminhado sorrateiramente atéenvolver-se totalmente com o mundo dos espíritos. Umban-da, Quimbanda, Candomblé, Kardecismo, Bezerra de Me-nezes, Yokanan, Exoterismo, etc., são apenas nomes de sei-tas e filosofias usadas pelos demônios para se apoderaremdas pessoas que a eles recorrem, ora buscando ajuda, orase envolvendo por mera curiosidade (1987).

Pode-se, contudo, observar que as associações que a IURDfaz entre as religiões concorrentes e o diabo obedece a umaclassificação diferenciada para cada caso. Com relação às reli-giões afro-brasileiras, a associação é percebida como direta,pois os adeptos de tais cultos são acusados de estarem lidandocom o diabo, de forma explícita e consciente. No caso do catoli-cismo e do espiritismo, sugere-se que seus adeptos estão prati-cando uma religião considerada errada. Seus fiéis são, portanto,tidos como enganados pelo diabo e, em virtude disso, associa-dos a ele. Já no caso das religiões evangélicas e pentecostais,reconhece-se que seus seguidores têm consciência da açãomaléfica do diabo no mundo, mas esse reconhecimento, segun-do a ótica dos membros da IURD, não é o suficiente, uma vez quese recusam a combatê-lo ferrenhamente. Este fato serve paracolocá-las sob suspeita de estarem associadas ao diabo, mes-mo que inconscientemente.

As imagens e representações acerca do diabo são, portan-to, altamente operacionais no exercício que os membros daIURD fazem para construir sua identidade religiosa, a partir dasidentidades que atribuem aos grupos religiosos concorrentes.Interessante é notar que o “nós somos” da IURD apóia-se maisna oposição ao diabo e seus aliados (as outras igrejas e reli-giões) do que nas associações com Deus, associações essasmenos manifestamente presentes nos discurso dessa igreja.

O elemento simbólico que acaba de ser analisado é, semdúvida, o mais importante no exercício de construção da identi-dade da IURD. Há, no entanto, outros aspectos importantes a se-rem observados.

Notou-se em pesquisa realizada por nós que pastores eobreiros dessa igreja demonstram reticência quando provoca-dos a se manifestar sobre temas teológicos mais aprofundados.Geralmente, quando inquiridos sobre questões doutrinárias queexijam maior conhecimento teológico, costumam advertir que omais importante não é procurar conhecer Deus, mas, sim, crerna sua existência e poder, e isso com a maior fé que se puderdemonstrar.

Muito mais do que revelar um certo despreparo destesagentes para com questões teológicas mais elaboradas, essa

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negligência informa sobre uma imagem que a IURD ostenta eopõe a certos concorrentes seus. Trata-se da oposição “fé ver-sus sabedoria”, em que a primeira é valorizada em detrimentoda segunda. Esta oposição serve para estabelecer que o “nós”da IURD está verdadeiramente comprometido com o exercícioda fé – algo propagado por ela como positivo – enquanto algunsdos “outros” externos comprometem-se mais com o culto à sa-bedoria, que é vista como potencialmente inibidora da fé, por-tanto, negativa. Isso fica bem evidente quando o bispo Macedoafirma, em seu livro A libertação da teologia, o seguinte:

A primeira coisa que o homem deve fazer para compreen-der a Deus é crer. Por isso, insistimos em dizer que fé é umaquestão de prática, e nunca de estudos; ela só deve ser vivi-da, e não mentalizada. Experimente o leitor fazer isso, e vivaem uma nova dimensão, na presença de Deus. (...) Infeliz-mente, existe hoje também dentro das igrejas uma idolatriaacentuada da sabedoria. Os livros que falam acerca da Bí-blia são mais lidos do que a própria Bíblia; os pregadoresfalam 80 ou mais por cento, em suas pregações, dos pro-blemas sociais, de política, de filosofia ou de si mesmos equase nada, de Deus ou de Cristo (s/d).

A oposição fé versus sabedoria serve, como se pode perce-ber, para fornecer à identidade da IURD mais um contraste ope-racional entre o que deve ser tomado como característica sua – afé – e o que deve ser tomado como característica de outras igre-jas – a fé inibida pela sabedoria. Essa contrastividade é exercidaprincipalmente nas acusações que são dirigidas à Igreja Católi-ca e às igrejas evangélicas mais tradicionais e faz parte do reper-tório de acusações que seus agentes (pastores e obreiros) diri-gem a esses concorrentes. Vejamos o depoimento de um pas-tor: “As pessoas, os católicos, os evangélicos principalmente,querem se aproximar de Deus lendo livros. Isso é errado. Deusnão quer que estudem ele. Deus quer fé e isso que a Igreja Uni-versal faz”.

A IURD, como se tem afirmado até aqui, disputa fiéis em vá-rias frentes e contrapõe para cada caso facetas diferentes dasua identidade. Como não poderia deixar de ser, age tambémno território pentecostal. Ali, entre os seus semelhantes, um dostraços diferenciadores enfatizados é a tolerância ou ausência devigilância para com os comportamentos cotidianos de seusadeptos, ou seja, a IURD, é bastante liberal, em se tratando de“usos e costumes” em oposição ao comportamento ascético esectário das concorrentes. É claro que alguns comportamentos,tais como homossexualismo, alcoolismo, uso de drogas, etc.,são combatidos pela IURD por serem interpretados como conse-qüências de obras demoníacas, mas, contrariamente a outrasdenominações pentecostais mais tradicionais, não é feita umacobrança mais firme sobre as atitudes dos fiéis. Uma informante

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por nós entrevistada relata, nesse sentido, que a sua conversãoà IURD se deu em função do cansaço que experimentou quantoao controle exercido sobre ela quando era fiel da Igreja Assem-bléia de Deus, onde era “forçada” a usar roupas demasiada-mente sóbrias para seu gosto, além de não poder usar cabelocurto e ir a festas. A este ascetismo, encontrado em muitas igre-jas pentecostais, a IURD contrapõe uma visível liberalidade paracom os comportamentos profanos. Tem-se, assim, um pente-costalismo mais liberal do que aquele normalmente encontra-do neste território, configurando-se, portanto, em mais um sinalconstrativo.

Outro elemento diferenciador que a IURD contrapõe ao pen-tecostalismo tradicional é a descontração que caracteriza suasreuniões ou cultos. São encontros que comportam momentosde verdadeira festividade, assemelhando-se a shows de auditó-rios, onde pastores, por vezes, parecem encenar a figura de umshowman, que faz brincadeiras e conta anedotas. Em uma reu-nião, à qual nós assistimos, um dos pastores orquestrou, comuma canção, toda uma série de movimentos que os fiéis deviamfazer com o corpo, à semelhança de movimentos de ginásticaaeróbica. Esse e outros expedientes utilizados pelos pastoresda IURD são, comumente, vistos por outras igrejas pentecostaismais tradicionais como demasiadamente irreverentes para ocor-rerem em templos que se pretendam evangélicos. Na IURD, elessão a expressão de mais um dos sinais diferenciadores que elaostenta na contraposição com outras igrejas, principalmente aspentecostais tradicionais.

Nesses dois aspectos mencionados, é preciso dizer, acontraposição de identidades não se expressa, como nos ca-sos anteriores, por um discurso articulado, oral ou escrito, frutode opções doutrinárias, mas, sim, por uma expressividadeconstruída pelas estratégias performáticas adotadas pela igre-ja. A identidade contrastiva é, nesse caso, estruturada pelo quese faz – ou pelo que não se faz – e não pelo que é expressadodiscursivamente.

O que um grupo ostenta como identidade precisa tambémser pensado em termos do que é anunciado positivamente. Paratanto, é necessário que se analise também o conteúdo internode uma identidade, o que não significa entendê-la por si própria,ignorando o mundo externo com o qual ela se comunica, mas,sim, com o que é eleito como substância para compô-la. É claroque não podemos abandonar de todo a dimensão contrastiva,pois não tem sentido pensar em traços próprios que não sejamtambém distintivos. O que, em síntese, se pretende aqui é sabero que a IURD positivamente afirma ser, buscando os elementossimbólicos que compõem a sua identidade e a lógica que inspiraa escolha destes elementos.

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A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha aconselha a to-mar a tradição de um grupo social como o “porão” ou o “reser-vatório” de onde os integrantes de um determinado grupo bus-cam “a medida das necessidades (...), traços culturais isoladosdo todo que servirão essencialmente como sinais diacríticospara uma identificação” (Cunha, 1987). O “reservatório” da IURDé, sem dúvida, o cristianismo, mas apenas uma “sala” dele – pro-testantismo – onde se situa um compartimento ainda menor – opentecostalismo. É necessário, então, se fixar neste último com-partimento para compreender a identidade da IURD. O que, exa-tamente, é retirado dali para compor a identidade desta igreja?

A IURD retira da tradição pentecostal basicamente duascrenças fundamentais ao seu arranjo identitário: a de que o Espí-rito Santo age sobre o mundo ativamente, manifestando-se devárias formas (revelações, milagres, inspirações, batismos,etc.); e a de que o demônio, da mesma forma, mas em sentidocontrário, age ativamente sobre o mundo, produzindo todo tipode prejuízos para a humanidade. É lógico que outros elementosmenos importantes também são retirados do pentecostalismo,mas os dois acima compõem o que poderíamos chamar de es-trutura central deste empréstimo, dada a importância que assu-mem na identidade da IURD como fornecedora de serviços mági-co-religiosos. É, principalmente, com essas duas crenças queessa igreja constrói a sua imagem de aliada e representante deDeus e inimiga e combatente do diabo, imagem essa que, comose verá, é altamente operacional na estratégia que este grupodesenvolve para assegurar seus interesses.

Se levarmos em conta que uma identidade constitui tam-bém o modo pelo qual um grupo procura “se apropriar de um ni-cho econômico”, tal como sugere Manuela Carneiro da Cunha(1987), poderemos estar na pista certa em se tratando da com-preensão da identidade da IURD. Por “nicho econômico” enten-da-se aqui toda uma série de interesses não só materiais, mastambém políticos e simbólicos.

A IURD tem, inegavelmente, características empresariais eexpancionistas. Não se pode deixar de levar em consideração aavidez que essa igreja demonstra em se tornar cada vez maior,disputando abertamente fiéis com outras igrejas e/ou religiões.O arranjo feito em torno de sua identidade, portanto, obedece auma estratégia de interesses o que a torna algo muito próximodo que Abner Cohen chama de “grupo de interesses” (1978).Assim sendo, a identidade sustentada pela IURD deve ser pensa-da como uma “estratégia simbólica”, em que os símbolos ou tra-ços identitários são escolhidos, ajustados e manipulados visan-do a atender aos seus interesses de expansão como grupoproselitista.

Situada num universo de diversidade religiosa, em que sãomuitas as agências a oferecer soluções mágico-religiosas para

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todos os tipos de demandas, a IURD, como mais uma destasagências de fornecimento de soluções sobrenaturais, procuratornar-se a mais atraente possível para conquistar uma clientelacada vez maior. Seus interesses, portanto, traduzem-se na suavontade de crescer e tornar-se poderosa num mercado de fé emconstante expansão que obedece ao processo de “ressacraliza-ção” da sociedade urbana.

Retomando a polaridade central expressa na identidade daIURD antes mencionada, entre ser aliado de Deus e inimigo dodiabo, torna-se oportuno perguntar como e por que esta polari-dade atende aos interesses identitários da IURD, ou seja, qualsua importância dentro de sua estratégia simbólica.

É possível constatar, observando a IURD, suas tentativas deconquistar e atrair para seus templos, com seu discurso proseli-tista, principalmente os católicos e os adeptos dos cultos mediú-nicos (espiritismo e religiões afro-brasileiras). Para os católicos,a polaridade cumpre a função de ser o espaço de argumentaçãoonde se tenta demonstrar que a presença e a ação do diabo nomundo são bem mais intensas do que eles podem imaginar. Ve-ja-se, por exemplo, o que diz o Bispo Macedo (1987): “Doenças,misérias, desastres e todos os problemas que têm afligido o ho-mem desde que este iniciou sua vida na terra, têm uma origem:o diabo”.

Como no catolicismo atual a figura do diabo não é maisapresentada como causa de todos esses acontecimentos, poisnormalmente eles são explicados por causas histórico-sociaise/ou pela “sábia vontade de Deus” (provação divina), a adver-tência acima visa a criar um estado de não-aceitação para aquiloque é, na ótica católica, segundo a IURD, visto como inevitáveldo ponto de vista espiritual. Deus e o diabo estariam no mundoefetivamente em contenda, medindo forças, e essa igreja apre-senta-se, então, como bem mais capaz do que a Católica de arti-cular para os interessados uma aliança mais forte com Deus,combatendo, de modo ferrenho, o diabo.

No caso dos cultos mediúnicos (espiritismo e religiõesafro-brasileiras) a polaridade, além de comportar a idéia do bem(nós) versus mal (eles), cumpre outra função importante: a defornecer um contraponto em termos de imagens para a idéia es-piritualista de que seres desencarnados de toda ordem agem einfluenciam na vida das pessoas. Se, nas religiões afro-brasilei-ras, existe todo um panteão de orixás, exus, caboclos, pretos ve-lhos, etc., os espíritos desencarnados do bem e do mal, que sãoimagens mentais altamente impressionantes e operantes na reli-giosidade popular, no pentecostalismo há, também, a imagemimpressionante do Espírito Santo a operar permanentemente nocotidiano das pessoas. Se há entidades espirituais no espiritis-mo e nas religiões afro-brasileiras capazes de fazer milagres,atendendo aos desígnios do diabo (discurso dessa igreja), há na

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IURD uma entidade análoga a estes, o Espírito Santo, derraman-do sobre os fiéis todo o tipo de bênçãos, manifestando-se cotidia-namente em transes espirituais (batismo no Espírito Santo, tran-ses proféticos, etc.). Tal como os primeiros, o segundo possui acapacidade de servir como imagem de força viva e atuante nopensamento daquelas pessoas que buscam religiões que pro-metem contatos explícitos com o sobrenatural.

A IURD, portanto, ao valer-se desta polaridade entre forçasativas do bem (Espírito Santo) e forças ativas do mal (diabo, enti-dades espíritas e afro-brasileiras, etc.), na qual se apresentacomo legítima representante das primeiras, estabelece uma es-tratégia simbólica que visa a garantir seus interesses de igrejaem expansão. Para cada concorrente que se apresenta comodetentor de um sistema simbólico atraente, ela contrapõe umaargumentação discursiva que tem como estrutura central a refe-rida polaridade. Esta polaridade, como vimos, é retirada do pen-tecostalismo clássico, ou seja, de uma tradição religiosa anteriorà sua existência. Tomada de empréstimo, ajustada e devida-mente manipulada, ela torna-se o território semântico a partir doqual a IURD pode anunciar positivamente a sua identidade degrupo religioso a serviço de Deus.

Um fato importante que ainda cabe mencionar em relaçãoa esse vínculo da IURD com o pentecostalismo, é o quanto estepode ser redefinido em função de exigências políticas específi-cas que estão relacionadas com a trajetória desse grupo. Tra-ta-se de relatar o abandono verificado, há cerca de uma década,de uma postura antiecumenista da IURD para com setores douniverso evangélico brasileiro em função dos ataques que co-meçou a sofrer da mídia televisiva, encabeçada, principalmente,pela Rede Globo.

Utilizada para a obtenção de um fatia do mercado religiosoenvolvente esta postura antiecumenista – que, sectarizante efragmentadora, é própria daqueles momentos em que um grupotenta forjar uma identidade exclusiva por contrastividade, advo-gando para si a exclusividade da eficácia religiosa – acabou porser superada por uma estratégia de articulação intereclesiástica,que visava a obter mais legitimidade em um campo religiosomaior, no caso o campo evangélico brasileiro. Assim, se é possí-vel identificar na trajetória da IURD, quando da sua aproximaçãoa outras denominações evangélicas (pentecostais, principal-mente), uma estratégia visando, no caso especifico, a obter a le-gitimidade historicamente conquistada pelas demais igrejasevangélicas para se fortalecer diante das hostilidades que sofria,tanto no interior quanto no exterior do universo evangélico. Issoocorre porque, tanto a unidade quanto a fragmentação, via, nes-te caso, antiecumenismo, são possibilidades virtuais no protes-tantismo e correspondem a estratégias que podem ser utilizadasem contextos históricos diferentes de cada igreja.

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O interessante é que, com base neste episódio conflitivo,duas formas de unificação se produziram: uma encabeçadapela Associação Evangélica Brasileira (AEVB), que pretendiadeslegitimar as práticas da IURD, acusando-as de desvios intole-ráveis do cristianismo evangélico; e outra de setores evangéli-cos simpáticos à IURD, já que, para estes, tal igreja, mal ou bem,representaria um avanço importante do protestantismo rumo àquebra da hegemonia católica no país. Esta ultima tendência foiencabeçada pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB),entidade engendrada pelo Bispo Macedo da IURD para este fim.

3 – A IURD como organização direcionada ao “mercado”

Peter Berger, ao diagnosticar uma situação de disputa mer-cadológica entre as várias modalidades de religião existentes noOcidente contemporâneo (2003, 149-51), nos faz perceber queos grupos religiosos são constrangidos, em razão da pressãoque sofrem para obter bons resultados nesse mercado, a racio-nalizarem burocraticamente suas estruturas sociorreligiosas.

Em se tratando de tradições religiosas que remontam a sé-culos ou milênios, essas readaptações organizacionais são sem-pre mais demoradas e difíceis de ocorrerem em função do pesodo tempo que sobre elas incide, constrangendo aqueles movi-mentos de renovação e readaptação exigidos pela contempora-neidade. Já nas organizações mais novas, vê-se, normalmente, ocontrário. Elas, como ainda não se solidificaram plenamente emtermos identitários, organizacionais, dogmáticos, litúrgicos, etc.,podem, mais facilmente, absorver aquelas transformações ne-cessárias a um melhor desempenho mercadológico.

Tem-se hoje no meio evangélico brasileiro, por exemplo,formatos organizacionais que, discreta ou escancaradamente,vêm assumindo feições empresariais adequadas às exigênciasdo mercado que, em nada, lembram as formas tradicionais decongregações religiosas. Tais mudanças aparecem expressas,inclusive, na própria terminologia elaborada no calor da horapara classificá-las, como “agências de cura divina” (Monteiro,1979), “supermercados da fé” (Jardilino, 1994), “igrejas-empre-sas” (Pierucci, 1997), “holdings da fé” (Fonseca, 1997), etc. Fe-nômeno que se observa igualmente na “marketização do sagra-do” (Campos, 1996), que acompanha, de modo emblemático,as transformações organizacionais que vêm se processandonesse movimento religioso.

O caso da IURD, nesse contexto, é bastante peculiar. Essaigreja já surge escancaradamente orientada para o mercado,pois, pelo que se observa, seu modelo organizacional foi racio-nalmente concebido para funcionar como empresa, como de-monstra Paul Freston:

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A organização da Igreja Universal facilita o controle centraliza-do e a inovação metodológica constante. Em Economia e So-ciedade, Weber mostra como a religião pode se descolar dasdemandas sociais através da formação de uma classe sacer-dotal detentora do poder de definir a mensagem. A IURD pro-cura minimizar a dependência das demandas leigas de váriasmaneiras. Primeiro, através da diversificação da origem dosingressos. Em segundo lugar, por meio de um esquema ecle-siástico que não cria fortes laços horizontais entre membros.Não permite a participação congregacional a nível decisório,evitando que o tradicionalismo se imponha. Em terceiro lugar,através de mudanças freqüentes dos pastores, evitando a for-mação de bases independentes de poder. As transferênciassão facilitadas pela padronização: “quem viu uma igreja Uni-versal, viu todas”, dizem. E, em quarto lugar, pela economiade gastos por meio da utilização de muitos pastores baratosporque jovens, solteiros ou recém-casados sem filhos, muitasvezes com baixas expectativas de sustento porque re-cém-saídos das drogas ou outra forma de vida desorganiza-da. Para eles, o pastoreado oferece várias vantagens: umadisciplina e supervisão capazes de reforçar a recuperação;um contexto para compartir o deslumbramento da vida re-constituída; e um sentido de importância. Não menos impor-tante é a garantia de sobrevivência, mesmo modesta. Algunspastores ex-viciados estariam para a IURD um pouco como os“filhos da igreja” estavam para o catolicismo da República Ve-lha: “donativos em espécie moldados pela corporação comomão-de-obra especializada” (Miceli, 1988, p. 97, 103, 107,108). A IURD também conta com a mão-de-obra gratuita dosmuitos obreiros e obreiras. Vestindo um uniforme que lembrao de comissários(as) de bordo, recepcionam as pessoas, ex-pulsam os demônios, cuidam das crianças e limpam o templo(1994, p. 144-45).

A IURD, portanto, ao utilizar-se de uma estratégia adminis-trativa bastante centralizadora e vertical que exclui o laicato dasdecisões eclesiásticas e, fazendo um uso otimizado da mão-de-obrabarata (pastores e obreiros) que arregimenta entre suas bases,mostra uma eficiência organizacional nada amadora, relevandoassim toda a sua ânsia de bem se posicionar no mercado religio-so brasileiro.

Outro flanco, pelo qual a IURD mostra toda a força de sua ra-cionalidade mercadológica, é a utilização da mídia. Ao longo desua trajetória meteórica de crescimento, essa igreja soube,como nenhum outro grupo evangélico brasileiro, bem utilizar osrecursos de divulgação permitidos pelas modernas tecnologiasde comunicação de massa para vender-se no mercado religiosolocal. Contando atualmente com duas redes nacionais de televi-são, a Rede Record e a Rede Mulher (UHF), várias dezenas de rá-dios AM e FM e um jornal semanal (Folha Universal), com tiragemsuperior a um milhão de exemplares, a IURD pode ser considera-da hoje um império midiático (FONSECA, 2003).

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Desde cedo, quando a nascitura IURD fazia um uso mais in-tenso dos espaços radiofônicos, já ficava evidente a intençãoeminentemente concorrencial da utilização da mídia. Segundo oque informa Alexandre Brasil Fonseca (2003, p. 264-65), os pas-tores dessa igreja logo perceberam as vantagens, em termos deboa audiência, que seus primeiros programas radiofônicos obti-nham, quando levados ao ar antes ou depois de programas dereligiões mediúnicas (espiritismo, cultos afro-brasileiros, etc..).Com essa estratégia, a IURD passou a não só aproveitar a au-diência radiofônica interessada em religião como também a con-trastar a sua identidade a de grupos concorrentes no forneci-mento de soluções mágico-religiosas para as aflições cotidia-nas, desqualificando-os e autopromovendo-se à custa de exer-cícios contrastivos.

Com o tempo e o sucesso obtido em suas estratégias –igualmente expansionistas – no campo das modernas mídias, aIURD acabou por se firmar como uma espécie de paradigma bra-sileiro na utilização destas tecnologias para fins religiosos. Tor-nou-se, pode-se dizer, o grupo mais bem sucedido na explora-ção de uma maneira latino-americana de teleevangelismo bemdiversa daquela existente nos E.U.A., conforme nos permite ver olivro de Jacques Gutwirth sobre o assunto (1998). Esse autor,que narra a saga dos grandes teleevangelistas norte-america-nos das últimas décadas, demonstra que, nos E.U.A., o uso dorádio e da televisão tende a tornar o espaço privado dos lares olugar privilegiado do vivenciamento da fé evangélica. A contra-partida financeira (dízimos e ofertas) desses “telefiéis” a essas“igrejas eletrônicas” é feita por telefone, informando o númerodo cartão de crédito e autorizando débitos. Ora, no Brasil, ondeos espaços públicos e as catarses coletivas ainda são itens bas-tante valorizados pelas massas, os meios eletrônicos de comu-nicação devem ser utilizados para atrair os fiéis aos templos. Foio que perceberam, desde cedo, as lideranças da IURD. E é alique o fiel deve ser instado a contribuir. Assim, agindo com umaeficiente racionalidade mercadológica, a IURD, segundo consta-ta Fonseca: “...não entra na mídia com o objetivo de arrecadarrecursos, mas sim para divulgar seus produtos e atrair novos se-guidores. Estes pagarão pelos serviços que utilizarão e poderãoengrossar seu rol de dizimistas (2003, p.278).

À guisa de conclusão

Os aspectos acima analisados permitem a constatação ine-quívoca de que a Igreja Universal do Reino de Deus assumiu, emsua trajetória, feições identitárias e organizacionais claramenteorientadas para o mercado religioso que emergiu nas últimasdécadas. Essa situação faz da IURD um caso paradigmático nocontexto religioso brasileiro, pois antes dela nenhum outro gru-

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po havia se lançado à disputa por fiéis com tamanha ambiçãomercadológica.

A forma como a IURD, engenhosamente, constrói sua identi-dade, sempre de olho nos rivais e no que se mostra eficaz no mer-cado religioso envolvente, mostra que o sucesso desse gruponão se deve ao acaso, à sorte, mas, sim, a uma eficiente racionali-dade mercadológica, construída ao longo de sua trajetória. Tam-bém o estilo empresarial emprestado a seu governo eclesiástico eà hábil utilização das modernas tecnologias de comunicação demassa para atrair féis a seus templos, atestam o profissionalismodas estratégias expansionistas adotadas por esse grupo. Comtodo esse sucesso, não há exagero em se afirmar que o surgi-mento dessa igreja incendeia o mercado religioso brasileiro. De-pois de uma gradual pluralização das modalidades religiosas bra-sileiras, iniciada a partir dos anos cinqüenta do século XX, o ad-vento da IURD, no final dos anos setenta, transforma esse cenáriopluralizante numa situação de mercado, onde, cada vez mais, seescancara a inevitabilidade da disputa aberta por fiéis.

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Artigo enviado ao IHU em05 de novembro de 2004

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DEBATE

Paulo (aluno Psicologia – UNISINOS) – O senhor tem algumdado sobre esse uso que eles fazem da mídia eletrônica nessasigrejas? Por que eles usam tanto isso?

Aírton – O eficiente uso dos meios de comunicações de massa,principalmente televisão e rádio, é uma das marcas da IgrejaUniversal e do neopentecostalismo de um modo geral. No casoda Igreja Universal, muito mais a televisão do que o rádio. Basi-camente, tal utilização está relacionada com esta mesma lógicade mercado que eu estou aqui querendo chamar a atenção eque ordena bastante a forma como a Igreja Universal se colocano mercado religioso brasileiro, ou seja, há que aparecer na mí-dia para que os templos sejam bem freqüentados. Há nisso umaclara intenção propagandística que visa trazer as pessoas para otemplo. Isso é diferente, por exemplo, do teleevangelismo nor-te-americano. O teleevangelismo brasileiro do qual, talvez, aIgreja Universal seja um dos grupos mais representativos, fazuso de uma espécie de propaganda para que o indivíduo vá aotemplo. Nos Estados Unidos, segundo mostra Jacques Gutwirth(no livro: L’eglise électronique: la saga des télévangelistes), nãoocorre assim. Lá os pastores pentecostais e neopentecostais uti-lizam a TV como um fim em si mesma, e não para chamar gentepara os templos. Há, também, a cobrança de dízimos e de doa-ções, mas isso é feito via telefone, cartão de crédito, coisas des-te tipo. No Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus utiliza a TVpara atrair pessoas para os seus templos e faz isso de formatambém estratégica, bem pensada. Levam ao ar, por exemplo,programas sobre exorcismo, testemunhos de pessoas que en-contraram na Igreja Universal soluções para todos os tipos deproblemas, em horários inusitados (quatro, cinco horas da ma-nhã), porque é, nesse horário, segundo o que eles constatam,que os aflitos, que as pessoas necessitadas, aquelas que estãoà beira de um suicídio, estão acordadas sem ter nada que fazere, por isso, ligam o televisor. Qual é a audiência de um programadesses, levado ao ar durante a madrugada? Na verdade, é muitobaixa, mas a Igreja Universal consegue, desta forma, atrair paraos seus templos muitas pessoas. Também consegue isso, utili-zando-se de alguns horários um pouco mais tarde (seis horas damanhã, por exemplo), porque muita gente está acordando, e oprograma da Igreja Universal é o único que está passando nesse

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horário em alguns canais. Trata-se, eminentemente, de estraté-gias mercadológicas.

Participante 1 – Sobre as condições legais destas seitas... Euvou ser sincero a respeito do que eu penso da Igreja Universal: éum bando de bandido. Eu não tenho compromisso com nin-guém, acho que eu posso dizer isso aqui... Mas como estas coi-sas se manifestam em uma sociedade que está legalmente or-ganizada? Como é possível isso em nome da liberdade de pen-samento? Porque não há vínculo realmente. A ligação com opastor é esta: o cara chega bêbado, dá o dízimo e vai embora.Para mim, isso é a antítese do que se pode chamar de religião.Não há vínculo nenhum, é só uma empresa que não paga im-posto, que se beneficia de toda a legislação vigente e está aí rou-bando, como mostrou aquela matéria da revista VEJA: o Edir Ma-cedo dando risada dos pobres. Isso é horrível para mim. Como éque a sociedade globalizada permite que isso exista?

Aírton – O Professor Ricardo Mariano, que tem pesquisado aIgreja Universal e tem conversado com pessoas que pesquisamessa igreja na França, tem afirmado, em função de compara-ções com o que lá ocorre, que realmente há, no caso brasileiro,uma tolerância para com essa igreja bastante interessante deser analisada. A Igreja Universal, por exemplo, acusa a socieda-de brasileira de ser intransigente com ela, de persegui-la, mas,na verdade, se a gente for comparar a nossa legislação em rela-ção à religião com outras de outros países, como a França, porexemplo, vamos ver que o Brasil é extremamente tolerante comos grupos religiosos. Há aqui, inegavelmente, liberdade religio-sa. Há muito pouco que se possa fazer, em termos legais, contragrupos religiosos moralmente incômodos como a Igreja Univer-sal. Na França, existe um Departamento do Estado que avalia,que analisa os grupos religiosos, que os investiga atentamente.Eles só podem funcionar, como um grupo religioso legalmenteconstituído, se obtiverem este aval. No Brasil, não existe nadadisso. Existe uma liberdade absoluta. Isso é bom por um lado,mas também cria problemas, porque alguns grupos mal-inten-cionados podem simplesmente abusar dessa liberdade. Então éuma questão que tem a ver com esta nossa legislação de cultos.Em alguns aspectos, nós somos bem liberais.

Marco Antônio (estudante no Seminário Concórdia e naULBRA) – Gostaria de saber até que ponto esta atitude da IgrejaUniversal de colocar problemas reais, do dia-a-dia, como culpade demônios ou de diabos, não influencia o não-enfrentamentoreal dos problemas? Pode acontecer de a pessoa, ao invés deenfrentar o problema pelo qual está passando, seja por meio de

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terapias, seja por meio de uma boa conversa, pensar que é coi-sa do diabo?

Aírton – A Igreja Universal faz exatamente isto: ela desculpabili-za o indivíduo de qualquer tipo de problema. Satanás e suas le-giões de demônios, exus e orixás, são, no final das contas, osresponsáveis pelos problemas. Isso é péssimo para alguém quetem um problema real e não consiga, com esta explicação, en-contrar solução real para ele. Mas há que se ter em mente que,muitas vezes, este discurso acaba funcionando como uma es-pécie de motivador. A Igreja Universal, segundo o que constatouPaul Freston, começou, num determinado momento, a fazer dis-cursos do seguinte tipo: “Não adianta você ser um desemprega-do e só pedir a Deus e nada fazer para que Deus o ajude, vocêtem que criar as condições mínimas para que Deus o ajude, ouseja, se você não consegue arranjar um emprego, abra uma car-rocinha de cachorro-quente que Deus vai ajudá-lo”. Então,acompanhado de um discurso que culpabiliza o demônio e seusauxiliares pelos malefícios humanos, vem a versão popular deum discurso de auto-ajuda, de um discurso que diz: “Bom, me-xa-se! Deus vai ajudar, mas ajude Deus a ajudá-lo, também.”Então, é um pouco mais complexo. Isso, em muitos casos, temeficácia. Um discurso como o da Igreja Universal do Reino deDeus é, em muitos contextos, o único capaz de devolver a au-to-estima de alguém que não consegue consultar um psicanalis-ta, alguém que não consegue ler um livro de auto-ajuda de umautor famoso. Nesse sentido, alguns pesquisadores têm mostra-do que a Igreja Universal do Reino de Deus oferece aos pobresuma espécie de técnica de auto-ajuda. Claro que a gente podecriticar isso, claro que a gente pode pensar que seria melhor seele buscasse apoio no Sindicato, ou se ele tentasse resolver issode forma mais racional e menos mágica, mas também não po-demos ser completamente etnocêntricos, desqualificando qual-quer tipo de ação que ocorra na esfera da religiosidade popular.

Participante 2 – Discurso assim catastrófico de constataçõesque deixa a gente indignado, como o fez nosso amigo aqui, écomum em nossas reflexões, no meio universitário. Eu gostariade saber se tu constataste, apesar das dificuldades, pessoas daIgreja Universal que têm alguns momentos de lucidez, porexemplo, no meio da política, que comecem a descobrir queexiste por trás a racionalidade de uma lógica de mercado?

Aírton – Na Igreja Universal, não só entram pessoas, tambémsaem. Há algumas pesquisas que mostram que, assim como hámuitas pessoas entrando, há muitas pessoas saindo. Algumasparecem se dar conta de que a Igreja Universal seria muito maisuma empresa, seria muito mais um negócio do que uma igreja.Insatisfeitas com isso, elas vão embora e, às vezes, se tornam

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extremamente críticas dela. Está cheio de sites na Internet compessoas testemunhando que a Igreja Universal é um grande em-buste ou coisa que o valha. Mas a Igreja Universal, mesmo as-sim, ainda é uma espécie de portal de entrada para o neopente-costalismo, uma espécie de uma via de entrada para pessoas in-gressarem no mundo evangélico. Elas vão para a Igreja Univer-sal do Reino de Deus e, ocorrendo a decepção, não voltam aocatolicismo, se eram católicas. Não voltam a ser descrentes, seeram descrentes. Não voltam às religiões afro-brasileiras, se aelas encontravam-se ligadas. Elas se dirigem a um outro grupoevangélico, menos empresarial, “mais sério”, “mais interessan-te”, “mais humano”, “com uma mensagem verdadeiramentecristã”. Há que se perceber que nem tudo funciona às mil mara-vilhas para essa igreja, algumas coisas dão erradas. Há pessoassaindo da Igreja Universal, processando-a, criticando-a, etc. Hápessoas que deram todos os seus bens para a Igreja Universal eagora os querem de volta. Há que se relatar isso também.

Participante 3 – Como é que eles formam os pastores? Existeuma literatura religiosa, teológica consistente, produzida poresta igreja?

Aírton – Eles têm literatura própria, têm uma editora, que já pu-blicou uns 20 títulos, a maioria do Bispo Edir Macedo. Sobre aformação dos pastores, eu não estou bem inteirado. Ouvi relatosde que tentaram fazer com que os pastores tivessem uma forma-ção teológica básica. Acho que foi quando eles foram acusadosde charlatanismo, mas parece que não seguiram adiante nessepropósito. Eu sei pouco sobre isso. Sei que o sujeito entra, co-meça a trabalhar como “obreiro” na igreja espontaneamente,deve conquistar a confiança dos pastores, deve ser identificadocomo alguém que realmente é um fiel, que honra a obra, quepaga os seus dízimos. Se conquistar essa confiança, ele podeser convidado a ser “obreiro”. Ele pode ficar a vida inteira como“obreiro”, entretanto, se algum pastor achar que se trata de al-guém promissor, que ele poderia ser mais bem aproveitado, elepode se tornar pastor. Até onde eu sei, os critérios funcionammais ou menos assim: se o sujeito é bonito, bem apessoado,fala bem, etc. tem alguma chance. Quanto à formação teológica,talvez ele até receba algum treinamento básico. Isso deve existir,porque funciona um pouco como empresa e toda empresa temo seu serviço de treinamento em algum momento.

Águeda – Se a gente tiver bastante dinheiro, vamos dizer assim,uma quantia inusitada, pode ser uma franqueada da empresaIgreja Universal?

Aírton – Até onde eu sei, não funciona desta forma. Eles têm umcontrole total. Eles não abrem a possibilidade de a Igreja Univer-

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sal tornar-se uma marca famosa no mundo pentecostal, ser ex-plorada mediante contratos de franquia. Eles têm um controle rí-gido e centralizado. O Professor Ricardo Mariano relata em umdos seus textos que o deputado federal Carlos Rodrigues, bispoe fundador dessa igreja, admite tranqüilamente que o governoeclesiástico da Igreja Universal é uma “ditadura”. Assumir-se as-sim não os constrange nem um pouco, porque, para eles, demo-cracia na igreja não funciona, pois não tem sentido fazer umaassembléia para saber se um pastor deve ou não comprar umórgão, se deve ou não abrir um programa de televisão ou de rá-dio. Segundo este pastor, “todas as igrejas democráticas nãocrescem, porque uma ovelha não pode mandar em um pastor”.A igreja, portanto, é concebida de uma forma que a comunida-de e os pastores não têm nenhuma autonomia sobre as deci-sões que a afetam administrativamente, teologicamente, liturgi-camente, etc. Na Igreja Universal, não existe franquia, porqueeles querem manter o monopólio e o controle centralizado emuito forte sobre as igrejas, não deixando nada sair do padrão.Eles tentam manter um serviço padronizado. Eles não deixamcada templo assumir características próprias. A liturgia, os ri-tuais, tudo é padronizado.

Participante 4 – Existe um núcleo que planeja, que pensa a igre-ja e aí vem a pergunta: “Que continuidade se pode esperar deuma igreja que está centralizado em uma pessoa ou em um gru-po pequeno?”

Aírton – Segundo o professor Ricardo Mariano, a Igreja Univer-sal é, “ditatorialmente”, controlada por Edir Macedo. Claro queele divide alguns poderes com aqueles bispos que estão maispróximos, mas é um grupo muito pequeno realmente. Esse sis-tema está dando certo até agora, mas existe uma pergunta a serfeita: “Até quando dará?” Aparentemente, do ponto de vista ad-ministrativo, parece ser um bom modelo, pois a igreja não párade crescer. Em alguns lugares, ele dá errado também. O profes-sor Ari Pedro Oro me relatou que, no México, eles fracassaram.Não conseguiram se instalar no México, porque lá o culto à Vir-gem de Guadalupe, por ser muito forte, inviabilizou suas preten-sões expansionistas. Pode ocorrer que este modelo de adminis-tração, em algum momento, comece a dar problema. É possível,quem sabe, que ocorra alguma cisão no futuro. Já houve uma ci-são no início, quando a IURD não era ainda uma igreja forte. Paramelhor entender as questões que envolvem os dilemas atuaisdessa igreja, há um livro que está para ser lançado que se intitulaIgreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores dafé. Ele foi organizado pelo professor Ari Pedro Oro e pelo profes-sor belga-canadense André Corten, com prefácio do famosíssi-mo Harvey Cox. Contém cerca de 20 importantes artigos sobre a

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Igreja Universal. É um livro fundamental para entender a IgrejaUniversal. Ele forma uma espécie de marco referencial básicopara entender também algumas importantes características doatual campo religioso brasileiro como um todo. Pode-se dizerque, não entendendo a Igreja Universal, não se entende muito oque acontece no universo religioso brasileiro.

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Airton Luiz Jungblut (1962), natural de Três deMaio, RS, é antropólogo com mestrado e doutora-do em Antropologia Social pela Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul – UFRGS. Sua tese inti-tula-se Nos chats do Senhor: um estudo antropoló-gico sobre a presença evangélica no ciberespaçobrasileiro. Desde 1999, atua como professor epesquisador no Programa de Pós-Graduação emCiências Sociais da Pontifícia Universidade Católi-

ca do Rio Grande do Sul, onde concluiu sua graduação em Ciências So-ciais (1988) e a especialização em Antropologia Social, em 1990. Desen-volve pesquisas antropológicas relacionadas à religião contemporâneabrasileira, comunicação mediada por computador, individualismo e or-ganizações sociais e, mais recentemente, práticas de consumo.

Últimos trabalhos publicados:JUNGBLUT, Airton Luiz. A heterogenia do mundo online: algumas refle-xões sobre virtualização, comunicação mediada por computador e cibe-respaço. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre: PPGAS/UFRGS, v. 21,p. 97-121, 2004._______. Exercícios identitários no ciberespaço brasileiro: o caso dos“chats” evangélicos. In: MEDEIROS, João Luiz; DUARTE, Maria Beatriz Ba-lena (org.). Mosaico de identidades: interpretações contemporâneas dasciências humanas e a temática da identidade. Curitiba: Juruá, 2004. p.15-30._______. Os domínios do maligno e seu combate: notas sobre algumaspercepções evangélicas atuais acerca do mal. Debates do NER, PortoAlegre, n. 4, p. 35-42, 2003._______. A religião e a ética num mundo em processo de globalização.In: MALLMANN, Maria Izabel (org.). Paz e guerra em tempos de desordem.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p. 57-83._______. O individualismo de nossos dias e a (des)ordem no ciberespa-ço: um olhar sobre as organizações sociais ambientadas em redes decomputadores. In: SILVEIRA, Flavio (org.). Organizações e sociedade:identidade, poder, saber e comunicação na contemporaneidade. PortoAlegre: EDIPUCRS, 2003. p. 97-115.