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80 DEMOCRACIA VIVA Nº 34 A arte C U L T CULTURA Abdias Nascimento* e os orixás 1 FOTO: MARCUS VINI

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80 DEMOCRACIA VIVA Nº 34

A arte

C U L TC U L T U R AAbdias Nascimento*

e os orixás1

FOTO: MARCUS VINI

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U R A

1 Texto extraído do livro-catá-logo ilustrado da exposiçãoAbdias Nascimento 90 Anos –

Memória Viva, publicado peloIpeafro/ Instituto de Pesquisase Estudos Afro-Brasileiros (Rio,2006). O Ipeafro, que guarda oacervo de Abdias Nascimentoe realiza a exposição itinerante,gentilmente cedeu ao Ibase ouso das imagens dos orixás paraesta edição especial.

2 Orum: em iorubá, o domí-nio cósmico do criador, dosancestrais, dos orixás e dosnão nascidos. Aiyê: em iorubá,o universo material.

Os orixás resultam das minhas próprias refle-xões e aventuras do espírito no rastro de umproblema que, para mim, mais do que umaquestão artística ou acadêmica, é uma exigên-cia vital. Por isto, não me preocupam somenteas formas estéticas, a distribuição de volumesno espaço ou o teor das cores. De primeiríssimaimportância é a peripécia espiritual e culturaldo afro-brasileiro: a história e os deuses dareligião exilada com meus antepassados.

Nessa volta às fontes originárias daarte africana, não tenciono cometer o suicí-dio de um regresso histórico. Não advogo areprodução de uma forma existencial pretéri-ta. Meus orixás estão longe de se configura-rem deuses arcaicos, petrificados no tempo eno espaço do folclore ou perdidos nas estra-tosferas da especulação teórica de cunho aca-dêmico. São presenças vivas e viventes. Habi-tam tanto a África como o Brasil e todas asAméricas, no presente, e não nos séculosmortos. Surgem na vida cotidiana e nos as-suntos seculares, legados pela história e pe-los ancestrais. Por isso, os orixás recebem no-mes de pessoas vivas, empenham-se nadefesa dos nossos heróis e mártires e engajam-se no processo de resgate da identidade, daliberdade e da dignidade de nosso povo.

Espero que o meu esforço criativo con-tribua para esse processo, representando uminstrumento operativo do saber, do conheci-

mento, da comunicação e da revelação dopovo negro ao qual pertenço e das divindadesque me inspiram e me sustentam: os orixás.

Entre o orum e o aiyê2 há um espaço demistério ignorado pela vã racionalidade huma-na. Dele emerge minha pintura, num esforço parao resgate de algumas imagens-símbolo da traje-tória sobrenatural e histórica que vem de umpassado mítico para um presente e um futurode humanidade plena. Pinto Ogum e me comu-nico com a divindade da justa vingança, compa-nheiro de armas dos irmãos que lutam por liber-dade e dignidade. Evoco Yemanjá, celebrandoaquela que vigia a fertilidade de nossa gente,alerta contra a agressão contida em determina-dos controles de natalidade. Retrato Xangô, pra-ticando a justiça, militante de todos os movi-mentos pela restauração dos nossos direitosfundamentais. Convoco Ossaim, cultivador dasplantas medicinais, transmissor do saberfarmacológico da mãe África, protetor da saúdede nossos irmãos e irmãs e da pureza do meioambiente. Oxunmaré resume a alegria coloridae vital do nosso povo e expande a sua naturezalúdica. Oxum, doadora generosa do amor, enri-quece nossas vidas com sua doçura dourada.Obatalá, em sua dualidade masculino-feminina,estrutura o ovo primal da criação e da procriaçãoda espécie. E do além, muito além das nuvensdo orum, Olorum nos observa...

Axé!

Minha pintura requer como básico o universo conceitual afro-brasileiro, a diferença cultural

do negro que se sente africano mas que está nas Américas, no mundo equivocadamente

europeu do Brasil. A ela também são relevantes os problemas sociais e humanos do negro

num país que ele construiu para os outros.

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82 DEMOCRACIA VIVA Nº 34

ABDIAS NASCIMENTO, Ideograma Adinkra

Rio de Janeiro, 1992

Acrílico sobre tela, 104 x 154 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

ABDIAS NASCIMENTO, Tema para Léa Garcia:Oxunmaré

Buffalo, NY, EUA, 1971

Acrílico sobre tela, 106 x 156 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

C U L T U R A

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3 Texto extraído do livro-catá-logo ilustrado da exposiçãoAbdias Nascimento 90 Anos –

Memória Viva, publicado peloIpeafro (Rio, 2006).

Há uma íntima ligação da produção cultural deAbdias Nascimento com a sua atuação cívica epolítica. Seus múltiplos talentos e formas deexpressão voltam-se todos para o avanço dacausa anti-racista. Na dramaturgia, na poesia ena pintura, no engajamento na luta interna-cional pan-africanista e na atuação como de-putado federal, senador e secretário de Esta-do, Abdias desenvolve aspectos dessa luta àqual dedicou plenamente uma vida de 90 anos.

Professor Emérito da Universidade do Es-tado de Nova York e Doutor Honoris Causapelas Universidades do Estado do Rio de Janei-ro e Federal da Bahia, Abdias Nascimento fun-dou o Teatro Experimental do Negro em 1944,organizou vários eventos históricos do movi-mento social anti-racista no Brasil e participoude atividades mundiais pan-africanistas. Co-fundador do PDT, foi o primeiro secretário deDireitos Humanos e Cidadania do Governo doEstado do Rio de Janeiro (1999).

Já na década de 1930, engajou-se na Fren-te Negra Brasileira e prosseguiu na luta contrao racismo, organizando eventos como o Con-gresso Afro-Campineiro, em 1938.

Militante do antigo PTB, durante o regimemilitar de 1964 exilou-se nos Estados Unidos ena África até 1981. Professor das universida-

des Yale, Wesleyan, do Estado de Nova Yorknos Estados Unidos, e Ilé-Ifé, na Nigéria, eleparticipou do movimento internacional pan-africanista, desenvolveu a criação artística eexpôs suas pinturas.

Atuou desde o exílio na criação do PDT. Devolta ao Brasil, liderou a implantação em 1981da Secretaria do Movimento Negro do PDT.

Primeiro deputado federal e senador afro-brasileiro a dedicar seus mandatos à luta con-tra o racismo (1983–87; 1991–1999), apre-sentou projetos de lei definindo o racismo comocrime e criando mecanismos de ação compen-satória para construir a verdadeira igualdadepara os negros na sociedade brasileira.

Tomou parte na 3a Conferência Mundialcontra o Racismo em Durban, África do Sul,em 2001.

A partir da implementação da política decotas na Universidade do Estado do Rio deJaneiro, em 2003, Abdias contribui para asiniciativas dos afro-brasileiros em diversos con-textos, inclusive perante os tribunais da na-ção, defendendo o princípio da constitucio-nalidade da ação afirmativa por meio doamicus curiae, que permite a manifestaçãode representantes da sociedade civil no âmbi-to do processo jurídico.

Trajetória viva de Abdias3

ABDIAS NASCIMENTO, Mulata Corde Rosa: um Estudo para Oxum

Middletown, EUA, 1970

Acrílico sobre tela, 102 x 152 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

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A ARTE E OS ORIXÁS

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84 DEMOCRACIA VIVA Nº 34

ABDIAS NASCIMENTO, Onipotentee Imortal: Adinkra Asante

Rio de Janeiro, 1992

Acrílico sobre tela, 154 x 104 cm

Acervo Abdias Nascimento /IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

ABDIAS NASCIMENTO, Oxum no seu Labirinto

Buffalo, NY, EUA, 1971

Óleo e acrílico sobre tela, 82 cm x 158 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

C U L T U R A

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ABDIAS NASCIMENTO, Simbiose Africana nº 2

Buffalo, NY, EUA, 1971

Acrílico sobre tela, 64 x 94 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

ABDIAS NASCIMENTO, A Dupla Personalidadede Oxunmaré nº 2

Buffalo, NY, EUA, 1971

Acrílico sobre tela, 156 x 106 cm

Acervo Abdias Nascimento

Foto de Lula Rodrigues

A ARTE E OS ORIXÁS

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86 DEMOCRACIA VIVA Nº 34

ABDIAS NASCIMENTO, Padê de Exu

Rio de Janeiro, 1988

Acrílico sobre tela, 104 x 154 cm

Acervo Abdias Nascimento /IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

ABDIAS NASCIMENTO, A Flecha doGuerreiro Ramos: Oxossi

Buffalo, NY, EUA, 1971

Acrílico sobre tela, 152 x 102 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

ABDIAS NASCIMENTO, Xangô Rodrigues Alves

Middletown, EUA, 1970

Acrílico sobre tela, 104 x 156 cm

Acervo Abdias Nascimento / IPEAFRO

Foto de Lula Rodrigues

C U L T U R A

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