Caçada à população civil ali, eram uns sacos ne-gros, e se foram”, relata. A explosão...

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de 23 a 29 de setembro de 2010 11 américa latina Carlos, a esposa e a filha: a casa da família (no alto) não é mais segura Fotos: Patrícia Benvenuti Patrícia Benvenuti enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia) O ELETRICISTA colombia- no Carlos Alirio Peña Gar- cía, de 37 anos, já não se sen- te seguro em casa, onde vive com a esposa e a filha, no mu- nicípio de Barbacoas, no de- partamento de Nariño (sul do país). A qualquer momento, ele teme a chegada da polícia que, há mais de um ano, quer fazê-lo pagar por crimes que não cometeu. O caso de García é um exemplo dos crimes do Esta- do colombiano contra a po- pulação civil, que tem arcado com as consequências da su- posta guerra contra o terro- rismo e o narcotráfico. A perseguição ao eletricis- ta começou em 15 de maio de 2009, ao meio-dia e meia, quando um grupo de cinco policiais, em uma caminho- nete, apareceu em sua casa para pedir reparos no sistema de energia de um dos depar- tamentos de polícia. Sem mandado García, de imediato, disse que não poderia sair de ca- sa naquele momento, mas se comprometeu a ir até o lo- cal mais tarde. Os agentes, no entanto, insistiram para que ele realizasse logo o ser- viço que, segundo eles, se- ria devidamente pago. “[Os policiais] diziam que preci- savam da energia logo pa- ra enviar uns informes pa- ra Bogotá [capital da Colôm- bia]”, conta. Diante da insis- tência, García pegou sua cai- xa de ferramentas e seguiu os homens ao departamen- to policial. No caminho, os policiais anunciaram a García sua pri- são, sob acusação de rebeldia e envolvimento com grupos guerrilheiros. “Perguntei: ‘vocês têm ordem de captu- ra’? Eles disseram ‘não, mas você está capturado’ e nada mais”, relembra. O eletricista também con- ta que, inicialmente, os po- liciais informaram que seus crimes teriam acontecido em uma determinada região do país. Momentos depois, quando finalmente apresen- taram um mandado de pri- são, já no departamento, o eletricista já era acusado de delitos em outro ponto. Apesar das irregularida- des, a prisão de García durou quase um ano. Ele foi libera- do apenas em 5 de maio de Caçada à população civil COLÔMBIA Perseguido há mais de um ano, eletricista colombiano é apenas uma das vítimas do Estado colombiano 2010 e, desde então, se en- contra em prisão domiciliar. Explosivos A saída do cárcere, porém, não foi o fim da perseguição. Na manhã do dia 19 de agos- to, sua esposa, a professora Damir Burgos, de 35 anos, se dirigia para casa quando foi abordada por integrantes da Promotoria, que estavam em duas caminhonetes. “Um dos homens da Promotoria perguntou para onde eu esta- va indo. Disseram-me que eu não podia ir [por aquele ca- minho] porque iam detonar alguns explosivos”, conta. Impedida de passar por aquele trecho, a professora usou um atalho para alcan- çar sua residência. Ao chegar, ela se deparou com sua casa rodeada por homens que co- locavam explosivos em dife- rentes pontos. De acordo com ela, havia cerca de 50 pessoas da Polícia, Exército e Promo- toria, além de sete homens que estavam um pouco mais afastados, com o rosto cober- to por capuzes. “Então, houve uma explo- são e, depois, eles saíram. Subiram na caminhonete, levantaram as coisas que ti- nham ali, eram uns sacos ne- gros, e se foram”, relata. A explosão aconteceu atrás da casa do casal, que fica no iní- cio de uma mata cerrada. García, que estava den- tro da casa, conta que os ho- mens não perguntaram por ninguém, apenas espalha- ram os explosivos. Eles tam- bém faziam fotografias e fil- magens do local. Para o ele- tricista, a ação foi uma ten- tativa de forjar uma acusa- ção de terrorismo contra ele. “Como já me acusaram de re- belião, agora querem colocar uma acusação de terrorismo [contra mim]”, alerta. Provas forjadas Além de trabalhar como eletricista, García atua há 14 anos como vigilante em um hospital, em um turno que se estende das sete da noite às sete da manhã. O trabalhador reitera que não tem qualquer envolvi- mento com grupos guerrilhei- ros e afirma que, desde que o Exército ocupou a região, há cinco anos, não há mais gru- pos armados na área. Sua inocência, no entan- to, não é suficiente para li- vrá-lo de acusações, como explica o advogado da As- sociação Nacional de Aju- da Solidária (Andas) Edgar Montilla González. De acor- do com ele, o que determina as capturas na região são os avisos dos informantes, ge- ralmente pessoas que se re- tiram da guerrilha e passam a atuar a serviço do Exército colombiano. “A inteligência militar pa- ga a eles [os informantes] um soldo por cada pessoa que apontam como colabo- rador da guerrilha. Então, eles [informantes] vão apon- tando qualquer pessoa, mes- mo que não tenha vínculos [com a guerrilha]. Para ca- da um, vão dando uma fun- ção (‘esse fulaninho de tal é colaborador da guerrilha’), enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia) Disposto a combater a tão alardeada violência dos grupos armados, o Exército colombiano parece não ter a mesma dedicação quando o assunto são os seus pró- prios crimes. Apesar do alto número de denúncias no país de viola- ções contra a população ci- vil, ainda são raros os casos em que se chega a algum ti- po de punição para os sol- dados envolvidos. O principal motivo, se- gundo o advogado da As- sociação Nacional de Aju- da Solidária (Andas) Ed- gar Montilla González, são as barreiras impostas pe- Para militares, violações são casos isolados em combate. “Os processos mudam de direção e são enviados a outras cidades, o que dificulta acompanhar de perto o seu desenvolvi- mento”, explica. O mesmo se dá com os poucos processos que pas- saram a tramitar na Jus- tiça comum. Como exem- plo, o advogado cita o ca- so dos camponeses Car- los Alirio Cuesta e Luis Orlando Aguilar, executa- dos pelo Exército em maio de 2006 no município de Cumbal, no departamento de Nariño, sul da Colôm- bia. “Os casos foram reme- tidos a uma Promotoria de Direitos Humanos da cida- de de Cali [no departamen- to de Vale de Cauca, distan- te cerca de 315 quilômetros de Cumbal]”, critica. O episódio dos “falsos positivos” veio à tona em 2008, durante o gover- no do ex-presidente Álva- ro Uribe (2002-2010). Para ganhar recompensas, sol- dados atraíam e executa- vam jovens civis, que eram vestidos com uniformes de grupos armados a fim de si- mular sua participação na guerrilha. Estima-se que, desde 2002, cerca de dois mil jo- vens pobres colombianos tenham morrido nessas cir- cunstâncias. Entidades de direitos humanos e movi- mentos sociais do país pe- dem a responsabilização penal de Álvaro Uribe, con- siderado um dos principais culpados pela existência dos “falsos positivos”. (PB) enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia) Enquanto organizações po- pulares e de direitos huma- nos alertam para as violações do Exército contra a popula- ção civil colombiana, esses de- litos são apenas episódios iso- lados para os militares. Há cerca de seis meses em Ricaurte, no departamento de Nariño (sul da Colômbia), o comandante de Polícia do município, Eduardo Giovan- ni Aluarez, admite que exis- tem casos de abusos perpetra- dos por agentes do Estado. No entanto, ele afirma que as acu- sações não podem ser genera- lizadas. “Há, às vezes, um grupo que afeta uma comunidade, e ge- neralizar isso é muito delica- do”, diz. Opinião semelhante tem o comandante do Batalhão de Artilharia 23 da Colômbia, Mario Augusto Amaya, que também atua em Ricaurte. Segundo ele, não faltam es- forços para punir os respon- sáveis. “Estamos levando à Justiça esses [agentes] que violam os direitos humanos. Não estamos ocultando na- da”, afirma. Treinamento rigoroso Amaya assegura, ainda, que os todos os integrantes da Força Pública de Segu- rança da Colômbia (cerca de 250 mil pessoas hoje) rece- bem um treinamento rigoro- so – inclusive, com lições em direitos humanos – e estão preparados para lidar com a população. Na sua avaliação, portanto, são infundadas as críticas de que o Estado co- lombiano desrespeita a ques- tão dos direitos humanos. “O governo assinou todos os tratados de direitos huma- nos que existem, não falta nenhum”, conclui. (PB) Apesar do alto número de denúncias, no país, de violações contra a população civil, ainda são raros os casos em que se chega a algum tipo de punição para os soldados envolvidos A militarização dos processos Atuação da Justiça Penal Militar impede punição dos crimes cometidos por soldados la Justiça Penal Militar, que segue responsável pela apuração desses delitos. As dificuldades começam, explica, no acesso às infor- mações e aos processos. “Os despachos funcio- nam em guarnições mi- litares que põem barrei- ras para entrar, há descul- pas para não se expedir có- pias dos processos. Isso se faz com a finalidade de es- conder os abusos e ocultar a verdade”, acusa. O advogado também pontua que a realização das investigações pela Justiça Militar impede, sobretu- do, a coleta de depoimen- tos que poderiam ser fun- damentais para elucidar os acontecimentos. “As teste- munhas têm muito medo de ir a esses batalhões [on- de funcionam a Justiça Mi- litar]”, argumenta. “Falsos positivos” Os obstáculos são ainda maiores, garante González, para a apuração das execu- ções extrajudiciais, que fi- caram conhecidas como o caso dos “falsos positivos”: civis assassinados por mi- litares e apresentados co- mo guerrilheiros mortos “Estamos levando à Justiça esses [agentes] que violam os direitos humanos. Não estamos ocultando nada” outros compram os compu- tadores ou telefones celula- res”, relata. A simples acusação, de acordo com o advogado, cos- tuma ser o bastante para a ordem de captura de uma pessoa. Nesse sentido, Gon- zález critica a Promotoria co- lombiana, que expede as or- dens de captura. “A Promo- toria não considera a reali- dade, acreditam muito na Força Pública”, reclama. O caso do eletricista, pa- ra ele, é ainda mais gra- ve. “Contra ele, sequer ha- via uma ordem de captura. Tiveram que tirá-lo da casa por meio de uma mentira”, salienta. Uribismo O advogado sustenta, ain- da, que esse tipo de práti- ca foi impulsionada duran- te o governo do ex-presiden- te Álvaro Uribe (2002-2010). “É costume fabricar provas e fazer montagens contra cam- poneses inocentes que têm si- do vítimas de detenções arbi- trárias, ilegais e massivas. Is- so faz parte da política de se- gurança democrática do pre- sidente anterior, Álvaro Uri- be, e continuada pelo atu- al governo [de Juan Manuel Santos]”, diz. A perseguição a García po- de ainda estar relacionada à sua militância na organização indígena Camawari, que re- presenta o povo Awá. Seu ir- mão, Eder Burgos, é líder da organização. Além disso, o histórico de violência do Estado colom- biano na região causa ainda mais insegurança à família. Há quatro anos, um rapaz da comunidade apareceu mor- to na mata, logo atrás de sua casa. De acordo com o Exérci- to, a vítima fazia parte de um grupo guerrilheiro. Damir aponta para uma ca- sa em frente à sua e diz que, só ali, houve outras cinco mortes. Segundo ela, os sol- dados chegaram às cinco ho- ras da manhã e assassinaram as cinco pessoas – duas mu- lheres e três homens – a tiros. Uma das mulheres, como Da- mir, era professora. “Era gen- te aqui do povo, como todo mundo”, garante. Damir diz que teme pelo que pode acontecer com seu marido. “Eu tenho medo por- que, se o levam, não se sa- be para onde. E, como aqui [os policiais] são ensinados a matar as pessoas, ninguém diz nada por medo, não se de- nuncia”, completa. O caso de García é um exemplo dos crimes do Estado colombiano contra a população civil, que tem arcado com as consequências da suposta guerra contra o terrorismo e o narcotráfico

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de 23 a 29 de setembro de 2010 11

américa latina

Carlos, a esposa e a fi lha: a casa da família (no alto) não é mais segura

Fotos: Patrícia Benvenuti

Patrícia Benvenuti enviada a Ricaurte e

Barbacoas (Colômbia)

O ELETRICISTA colombia-no Carlos Alirio Peña Gar-cía, de 37 anos, já não se sen-te seguro em casa, onde vive com a esposa e a fi lha, no mu-nicípio de Barbacoas, no de-partamento de Nariño (sul do país). A qualquer momento, ele teme a chegada da polícia que, há mais de um ano, quer fazê-lo pagar por crimes que não cometeu.

O caso de García é um exemplo dos crimes do Esta-do colombiano contra a po-pulação civil, que tem arcado com as consequências da su-posta guerra contra o terro-rismo e o narcotráfi co.

A perseguição ao eletricis-ta começou em 15 de maio de 2009, ao meio-dia e meia, quando um grupo de cinco policiais, em uma caminho-nete, apareceu em sua casa para pedir reparos no sistema de energia de um dos depar-tamentos de polícia.

Sem mandadoGarcía, de imediato, disse

que não poderia sair de ca-sa naquele momento, mas se comprometeu a ir até o lo-cal mais tarde. Os agentes, no entanto, insistiram para que ele realizasse logo o ser-viço que, segundo eles, se-ria devidamente pago. “[Os policiais] diziam que preci-savam da energia logo pa-ra enviar uns informes pa-ra Bogotá [capital da Colôm-bia]”, conta. Diante da insis-tência, García pegou sua cai-xa de ferramentas e seguiu os homens ao departamen-to policial.

No caminho, os policiais anunciaram a García sua pri-são, sob acusação de rebeldia e envolvimento com grupos guerrilheiros. “Perguntei: ‘vocês têm ordem de captu-ra’? Eles disseram ‘não, mas você está capturado’ e nada mais”, relembra.

O eletricista também con-ta que, inicialmente, os po-liciais informaram que seus crimes teriam acontecido em uma determinada região do país. Momentos depois, quando fi nalmente apresen-taram um mandado de pri-são, já no departamento, o eletricista já era acusado de delitos em outro ponto.

Apesar das irregularida-des, a prisão de García durou quase um ano. Ele foi libera-do apenas em 5 de maio de

Caçada à população civilCOLÔMBIA Perseguido há mais de um ano, eletricista colombiano é apenas uma das vítimas do Estado colombiano

2010 e, desde então, se en-contra em prisão domiciliar.

ExplosivosA saída do cárcere, porém,

não foi o fi m da perseguição. Na manhã do dia 19 de agos-to, sua esposa, a professora Damir Burgos, de 35 anos, se dirigia para casa quando foi abordada por integrantes da Promotoria, que estavam em duas caminhonetes. “Um dos homens da Promotoria perguntou para onde eu esta-va indo. Disseram-me que eu não podia ir [por aquele ca-minho] porque iam detonar alguns explosivos”, conta.

Impedida de passar por aquele trecho, a professora usou um atalho para alcan-çar sua residência. Ao chegar, ela se deparou com sua casa rodeada por homens que co-locavam explosivos em dife-rentes pontos. De acordo com ela, havia cerca de 50 pessoas

da Polícia, Exército e Promo-toria, além de sete homens que estavam um pouco mais afastados, com o rosto cober-to por capuzes.

“Então, houve uma explo-são e, depois, eles saíram. Subiram na caminhonete, levantaram as coisas que ti-nham ali, eram uns sacos ne-gros, e se foram”, relata. A explosão aconteceu atrás da casa do casal, que fi ca no iní-cio de uma mata cerrada.

García, que estava den-tro da casa, conta que os ho-mens não perguntaram por ninguém, apenas espalha-ram os explosivos. Eles tam-bém faziam fotografi as e fi l-magens do local. Para o ele-tricista, a ação foi uma ten-tativa de forjar uma acusa-ção de terrorismo contra ele. “Como já me acusaram de re-belião, agora querem colocar uma acusação de terrorismo [contra mim]”, alerta.

Provas forjadasAlém de trabalhar como

eletricista, García atua há 14 anos como vigilante em um hospital, em um turno que se estende das sete da noite às sete da manhã.

O trabalhador reitera que não tem qualquer envolvi-mento com grupos guerrilhei-ros e afi rma que, desde que o Exército ocupou a região, há cinco anos, não há mais gru-pos armados na área.

Sua inocência, no entan-to, não é sufi ciente para li-vrá-lo de acusações, como explica o advogado da As-sociação Nacional de Aju-da Solidária (Andas) Edgar

Montilla González. De acor-do com ele, o que determina as capturas na região são os avisos dos informantes, ge-ralmente pessoas que se re-tiram da guerrilha e passam a atuar a serviço do Exército colombiano.

“A inteligência militar pa-ga a eles [os informantes] um soldo por cada pessoa que apontam como colabo-rador da guerrilha. Então, eles [informantes] vão apon-tando qualquer pessoa, mes-mo que não tenha vínculos [com a guerrilha]. Para ca-da um, vão dando uma fun-ção (‘esse fulaninho de tal é colaborador da guerrilha’),

enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia)

Disposto a combater a tão alardeada violência dos grupos armados, o Exército colombiano parece não ter a mesma dedicação quando o assunto são os seus pró-prios crimes.

Apesar do alto número de denúncias no país de viola-ções contra a população ci-vil, ainda são raros os casos em que se chega a algum ti-po de punição para os sol-dados envolvidos.

O principal motivo, se-gundo o advogado da As-sociação Nacional de Aju-da Solidária (Andas) Ed-gar Montilla González, são as barreiras impostas pe-

Para militares, violações são casos isolados

em combate. “Os processos mudam de direção e são enviados a outras cidades, o que difi culta acompanhar de perto o seu desenvolvi-mento”, explica.

O mesmo se dá com os poucos processos que pas-saram a tramitar na Jus-tiça comum. Como exem-plo, o advogado cita o ca-

so dos camponeses Car-los Alirio Cuesta e LuisOrlando Aguilar, executa-dos pelo Exército em maiode 2006 no município deCumbal, no departamentode Nariño, sul da Colôm-bia. “Os casos foram reme-tidos a uma Promotoria deDireitos Humanos da cida-de de Cali [no departamen-to de Vale de Cauca, distan-te cerca de 315 quilômetrosde Cumbal]”, critica.

O episódio dos “falsospositivos” veio à tona em2008, durante o gover-no do ex-presidente Álva-ro Uribe (2002-2010). Paraganhar recompensas, sol-dados atraíam e executa-vam jovens civis, que eramvestidos com uniformes degrupos armados a fi m de si-mular sua participação naguerrilha.

Estima-se que, desde 2002, cerca de dois mil jo-vens pobres colombianos tenham morrido nessas cir-cunstâncias. Entidades de direitos humanos e movi-mentos sociais do país pe-dem a responsabilização penal de Álvaro Uribe, con-siderado um dos principais culpados pela existência dos “falsos positivos”. (PB)

enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia)

Enquanto organizações po-pulares e de direitos huma-nos alertam para as violações do Exército contra a popula-ção civil colombiana, esses de-litos são apenas episódios iso-lados para os militares.

Há cerca de seis meses em Ricaurte, no departamento de Nariño (sul da Colômbia), o comandante de Polícia do município, Eduardo Giovan-ni Aluarez, admite que exis-tem casos de abusos perpetra-dos por agentes do Estado. No entanto, ele afi rma que as acu-sações não podem ser genera-lizadas.

“Há, às vezes, um grupo que afeta uma comunidade, e ge-neralizar isso é muito delica-do”, diz.

Opinião semelhante tem o comandante do Batalhão de Artilharia 23 da Colômbia, Mario Augusto Amaya, que também atua em Ricaurte. Segundo ele, não faltam es-forços para punir os respon-sáveis. “Estamos levando à Justiça esses [agentes] que violam os direitos humanos. Não estamos ocultando na-da”, afi rma.

Treinamento rigorosoAmaya assegura, ainda,

que os todos os integrantes da Força Pública de Segu-rança da Colômbia (cerca de 250 mil pessoas hoje) rece-bem um treinamento rigoro-so – inclusive, com lições em direitos humanos – e estão preparados para lidar com a população. Na sua avaliação, portanto, são infundadas as críticas de que o Estado co-lombiano desrespeita a ques-tão dos direitos humanos. “O governo assinou todos os tratados de direitos huma-nos que existem, não falta nenhum”, conclui. (PB)

Apesar do alto número de denúncias, no país, de violações contra a população civil, ainda são raros os casos em que se chega a algum tipo de punição para os soldados envolvidos

A militarização dos processosAtuação da Justiça Penal Militar impede punição dos crimes cometidos por soldados

la Justiça Penal Militar, que segue responsável pela apuração desses delitos.

As difi culdades começam, explica, no acesso às infor-mações e aos processos.

“Os despachos funcio-nam em guarnições mi-litares que põem barrei-ras para entrar, há descul-pas para não se expedir có-pias dos processos. Isso se faz com a fi nalidade de es-conder os abusos e ocultar a verdade”, acusa.

O advogado também pontua que a realização das investigações pela Justiça Militar impede, sobretu-do, a coleta de depoimen-tos que poderiam ser fun-damentais para elucidar os acontecimentos. “As teste-munhas têm muito medo de ir a esses batalhões [on-de funcionam a Justiça Mi-litar]”, argumenta.

“Falsos positivos”Os obstáculos são ainda

maiores, garante González, para a apuração das execu-ções extrajudiciais, que fi -caram conhecidas como o caso dos “falsos positivos”: civis assassinados por mi-litares e apresentados co-mo guerrilheiros mortos

“Estamos levando à Justiça esses [agentes] que violam os direitos humanos. Não estamos ocultando nada”

outros compram os compu-tadores ou telefones celula-res”, relata.

A simples acusação, deacordo com o advogado, cos-tuma ser o bastante para aordem de captura de umapessoa. Nesse sentido, Gon-zález critica a Promotoria co-lombiana, que expede as or-dens de captura. “A Promo-toria não considera a reali-dade, acreditam muito naForça Pública”, reclama.

O caso do eletricista, pa-ra ele, é ainda mais gra-ve. “Contra ele, sequer ha-via uma ordem de captura.Tiveram que tirá-lo da casapor meio de uma mentira”,salienta.

UribismoO advogado sustenta, ain-

da, que esse tipo de práti-ca foi impulsionada duran-te o governo do ex-presiden-te Álvaro Uribe (2002-2010).“É costume fabricar provas efazer montagens contra cam-poneses inocentes que têm si-do vítimas de detenções arbi-trárias, ilegais e massivas. Is-so faz parte da política de se-gurança democrática do pre-sidente anterior, Álvaro Uri-be, e continuada pelo atu-al governo [de Juan ManuelSantos]”, diz.

A perseguição a García po-de ainda estar relacionada àsua militância na organizaçãoindígena Camawari, que re-presenta o povo Awá. Seu ir-mão, Eder Burgos, é líder daorganização.

Além disso, o histórico de violência do Estado colom-biano na região causa aindamais insegurança à família.Há quatro anos, um rapaz dacomunidade apareceu mor-to na mata, logo atrás de suacasa. De acordo com o Exérci-to, a vítima fazia parte de umgrupo guerrilheiro.

Damir aponta para uma ca-sa em frente à sua e diz que,só ali, houve outras cincomortes. Segundo ela, os sol-dados chegaram às cinco ho-ras da manhã e assassinaramas cinco pessoas – duas mu-lheres e três homens – a tiros.Uma das mulheres, como Da-mir, era professora. “Era gen-te aqui do povo, como todomundo”, garante.

Damir diz que teme pelo que pode acontecer com seumarido. “Eu tenho medo por-que, se o levam, não se sa-be para onde. E, como aqui[os policiais] são ensinadosa matar as pessoas, ninguémdiz nada por medo, não se de-nuncia”, completa.

O caso de García é um exemplo dos crimes do Estado colombiano contra a população civil, que tem arcado com as consequências da suposta guerra contra o terrorismo e o narcotráfi co