Cachaças+-+Minas+Gerais

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Ficha Técnica

@ 2010. SEBRAE/MGTodos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, desde que divulgadas as fontes.

SEBRAE/MG

Presidente do Conselho DeliberativoRoberto Simões

Diretor SuperintendenteAfonso Maria Rocha

Diretor Técnico Luiz Márcio Haddad Pereira Santos

Diretor de OperaçõesMatheus Cotta de Carvalho

UNIDADE DE ATENDIMENTO COLETIVO E AGRONEGÓCIOS

Priscilla Magalhães Gomes LinsGerente

Fernando Machado Ataíde e Rogério Galuppo Fernandes

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO

Lauro DinizAssessor

Márcia Fonseca, Fernanda Ruas e Daniela Carvalho

AGRADECIMENTO Clotilde Andrade Paiva, Eduardo Campelo, José Carlos Ribeiro e Marcelo Magalhães Godoy

GESTÃO EDITORIAL

Nascentes Comunicação Estratégica

EDITOR Adriano Macedo TEXTOS Adriano Macedo, Breno Procópio e Jorge Fernando dos Santos REVISÃO P.S.Lozar PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Sandra Fujii FOTOGRAFIA Ignácio Costa e Miguel Aun PRODUÇÃO E TRATAMENTO DE IMAGEM Bárbara Monteiro ILUSTRAÇÃO Diego Baptista e Ricardo Sá IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica e editora Mafali

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Apresentação 11

Abrideira 13

Certificadas 31

Viagem Litográfica 83

De Salinas a Poço Fundo 131

Saideira 181

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M ais de três séculos depois de es-

pantar o frio de bandeirantes, ga-

rimpeiros e tropeiros que partici-

pavam da aventura do Ciclo do Ouro em Minas

Gerais, a cachaça de alambique, um dos mais

tradicionais produtos do artesanato mineiro,

está pronta para conquistar o mundo. Para al-

cançar a qualidade, os sabores e a capacidade

de produção necessários à disputa do mercado

internacional, a bebida teve de percorrer longa

trajetória, sempre ligada aos personagens dos

fatos mais marcantes da história do Brasil, dos

tempos da Colônia até a República.

Um subproduto clandestino dos enge-

nhos, a cachaça entrou nas casas-grandes, ga-

nhou espaço nas bodegas dos povoados e foi

levada pelos mascates a todos os pontos do

país. A Minas, chegou entre o fim do século XVII

e início do século XVIII, para deflagrar uma tra-

dição a que se dedicaram artesãos comprome-

tidos pelo desafio de produzir um destilado de

qualidade. Muitos escritores contam a história

da bebida, que virou símbolo de resistência aos

colonizadores, nas lutas pela independência,

e foi transformada pelo Movimento Modernis-

ta de 1922 em sinal de brasilidade, ao lado do

samba, do Carnaval e da feijoada.

Cachaças – Minas Gerais resgata a ampla li-

teratura escrita e oral da saga dos cachaçólogos

e dedica especial atenção à produção da aguar-

Tradição de liberdade e sabor

dente de alambique em Minas, da instalação

dos primeiros engenhos até o início do século

XXI. Também mostra as iniciativas que possibi-

litaram a modernização do processo produtivo

ao longo do tempo, apresenta as principais ci-

dades e regiões produtoras, relaciona marcas

certificadas, reproduz rótulos famosos, lista

quase 300 denominações distintas da cachaça,

visita museus e coleções e dá dicas culturais.

O livro informa ainda que o Sebrae-MG

participa dessa história desde 2001, quando

fez um diagnóstico sobre a cachaça. O estudo

induziu ações que possibilitaram a organização

do processo produtivo e o desenvolvimento

da bebida num padrão de qualidade compatí-

vel com as exigências do mercado mundial e

a imagem conquistada pelo produto. O esta-

do já produz 260 milhões de litros por ano de

cachaça artesanal, em 9 mil alambiques, mais

da metade do total nacional. De ‘Januária’, uma

das pioneiras, a ‘Havana’, a mais famosa, Mi-

nas tem mais de 600 marcas diferentes. Salinas,

Novorizonte, Rubelita, Taiobeiras, Santa Cruz

de Salinas e Fruta de Leite formam o maior polo

de produção da bebida e ali o Sebrae orienta

25 produtores e 109 agricultores familiares para

superar novo desafio: tornar a cachaça brasilei-

ra uma bebida internacional.

Roberto SimõesPresidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-MG

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abrideira

Personalidade única em cada coração, 15

Na algibeira dos tropeiros, 19

De Januária ao polo de Salinas, 22

De filha bastarda a símbolo nacional, 24

Chama da vida desde a Antiguidade, 27

Linha do tempo, 28

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Bico de pena de Almir Costa (1998) a partir de fotografia de Marcelo Magalhães Godoy, que registrou o processo de limpeza (escumação) do caldo de cana em propriedade do senhor José da Costa, em Cambuquira (MG)

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A cana destilada tem cabeça, co-

ração e cauda. Para os aman-

tes da cachaça (cuja destilação

ocorre numa das etapas iniciais da pro-

dução), e cachaçólogos, a certeza é uma

só: a melhor parte é o coração. Porque

é a mais límpida e pura, que provoca as

melhores sensações e evita riscos para as

impertinentes ressacas no dia seguinte.

Desde, é claro, que seja apreciada com

moderação. É o coração que alimenta a

cachaça produzida em alambique, dife-

rentemente da aguardente de coluna ou

industrial, que não separa a fração nobre

da bebida. De cada coração nasce uma

personalidade única, resultado de todo

um processo produtivo que, ao longo dos

anos, foi aperfeiçoando a bebida, incor-

porando metodologias e processos com

técnicas mais apuradas para imprimir pa-

drões de qualidade cada vez melhores.

De filha bastarda da indústria da cana-

de-açúcar, produzida no Brasil desde o

período colonial, a cachaça de alambique

se sofisticou, ganhou status de bebida in-

ternacional e caminha rumo a novos mer-

cados, com autonomia, para deixar de

ficar restrita à geografia próxima à produ-

ção. É justamente o mercado, no entan-

to, o maior desafio para os produtores de

cachaça de coração de alambique, tan-

to na disputa com produtores informais

– que não seguem a legislação vigente –,

quanto na identificação de canais de dis-

tribuição eficientes para colocar a bebida

na mesa ou no balcão para o consumidor,

no Brasil e no exterior.

A cachaça produzida em Minas Ge-

rais é referência nacional de qualidade,

resultado de um movimento de organi-

zação do setor iniciado em 1988 com a

reunião de um grupo de produtores para

criar a Associação Mineira dos Produto-

res de Cachaça de Qualidade (Ampaq). A

associação, que estabeleceu normas de

fabricação e a criação de um selo de qua-

lidade (o primeiro para bebidas alcoólicas

do país), foi sugerida no estudo setorial

Aguardente em Minas, realizado pelo Insti-

tuto de Desenvolvimento Industrial (Indi)

em 1982, berço de sua implantação. Esse

diagnóstico mostrou o domínio da cacha-

ça industrial e a tendência de extinção da

cachaça artesanal. Revelou ainda uma fal-

sa mensagem, a de que Minas produzia

cachaça de boa qualidade e era auto-su-

ficiente. “Importávamos 50% da cachaça

consumida aqui. Em Belo Horizonte, só

20% das marcas vendidas eram mineiras

e registradas”, lembra-se o engenheiro

Personalidade única em cada coração

CaChaçólogos

Profissional da cachaça. O amante da cachaça é conhecido na linguagem do setor como cachaçófilo. Fonte: DA SILVA, Jairo Martins. Cachaça, o Mais Brasileiro dos Pra-zeres. Editora Anhembi Morumbi.

CaChaça

Denominação exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com teor alco-ólico entre 38° GL e 48° GL. A aguardente de cana pode ter grau alcoólico entre 38° GL e 54° GL, mas acima de 48° GL não pode ser denominada cachaça. A cachaça (nova) é o produto final das seguintes etapas: pre-paração do caldo de cana; propagação do fermento; fermentação; e destilação. Após a destilação, a cachaça de alambique passa por uma série de procedimentos (pós-destilação) destinados a apurar a qualidade: maturação, envelhecimento, análises, mistura (cachaças de diferentes tonéis para ajuste da compo-sição físico-química e características senso-riais), homogeneização, ajuste final do teor al-coólico, filtração, entre outros. Fonte: MAIA, Amazile Biagioni R.A. e CAMPELO, Eduardo Antônio Pinto. Tecnologia da Cachaça de Alambique. Sebrae-MG e Sindbebidas.

Produzida no Brasil desde o período colonial, a cachaça de alambique se sofisticou, ganhou status de bebida internacional e caminha rumo a novos mercados

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agrônomo José Carlos Ribeiro, à época

profissional do setor da agroindústria do

Indi, responsável pelo estudo que pesqui-

sou as várias regiões do estado.

O setor se desenvolveu pelo trabalho

de empresários com raízes no meio rural

e que tinham condições financeiras e téc-

nicas de investir num projeto com novo

modelo empresarial, com metodologia

associada à tecnologia artesanal. Novas

instituições, públicas e privadas, univer-

sidades, associações e cooperativas se

mobilizaram para se articular e induzir o

desenvolvimento do setor.

O economista Eduardo Campelo res-

salta que Minas sempre teve tradição

na produção de cachaça, mas faltavam

visão empresarial e aprimoramento da

qualidade. Campelo esteve à frente do

Pró-Cachaça (Programa de Incentivo à

Produção de Aguardente), criado em

1992 pelo governo estadual para incen-

tivar e fortalecer o setor produtivo da

cachaça de alambique. “Nosso alvo era

a profissionalização do empresário rural

para desenvolver o produto e a cultura

da cachaça”, afirma Campelo.

Os trabalhos do Sebrae-MG junto ao

setor de produção e comercialização de

cachaça de alambique de Minas Gerais

vêm desde o ano de 2001, com a divulga-

ção do Diagnóstico da Cachaça de Minas

Gerais. O estudo deu sustentação à estru-

turação de ações para auxiliar grupos de

produtores a organizarem o processo pro-

dutivo e desenvolverem produtos dentro

de um padrão de qualidade compatível

com as exigências do mercado interno e

com a imagem que a cachaça conquistou

nos últimos anos.

As ações estruturais implementadas

incluíram, por exemplo, o desenvolvimen-

to do associativismo e da cooperação en-

tre os produtores, a elaboração de mar-

cas, a promoção da imagem do produto,

a adequação dos alambiques às normas

legais, a condução de iniciativas com

foco no padrão de qualidade do produto

e a organização de clínicas tecnológicas.

Lideranças empresariais também fo-

ram capacitadas no processo de boas

práticas comerciais e participaram de

feiras do setor de bebidas nas principais

capitais do país, de rodadas de negócios

e agendas de relacionamento, abrindo

mercados para o produto e contribuin-

do com a comercialização da cachaça. A

partir de 2010, com a conclusão do tra-

balho de estruturação do setor, o foco

do Sebrae-MG passou a ser a consolida-

ção da venda do produto.

“A Ampaq tirou a cachaça da senzala e a

colocou na casa-grande. A nossa ideia era

mostrar que a cachaça é uma aguardente

de cana, como o uísque é uma aguarden-

te de grãos. Também queríamos congre-

gar esse mundo da cachaça que não tinha

número, não tinha bibliografia, pois não

qualidade

A qualidade da cachaça de alambique é resultado de cuidados e controles es-pecíficos adotados em todas as etapas do processo, desde a seleção e a colheita da matéria-prima até o engarrafamento e ro-tulagem do produto. Em seu conjunto, esse monitoramento permite alcançar um produto excepcional, que supera em muito a concor-rência no mercado baseada em preço, pois destina-se à degustação, à apreciação, ao deleite, à fruição... A produção da cachaça é acompanhada da geração de resíduos como a folhagem e o bagaço da cana, o vi-nhoto (resíduo da destilação do vinho) e as cinzas ricas em minerais (resíduo da queima do bagaço). Todos eles têm aproveitamen-tos importantes, tanto para o aumento da lucratividade financeira do empreendimen-to como para a preservação ecológica e proteção ambiental. Fonte: MAIA, Amazile Biagioni R.A. e CAMPELO, Eduardo Antônio Pinto. Tecnologia da Cachaça de Alambique. Sebrae-MG e Sindbebidas.

ClíniCas teCnológiCas

Consultorias coletivas organizadas pelo Sebrae-MG para minigrupos de até 10 em-presários e empreendedores com a orienta-ção de especialistas nas mais diversas áreas de interesse.

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de litros de cachaça artesanal em 9 mil

alambiques, mais da metade dos 400

milhões de litros produzidos anualmen-

te no Brasil. As bebidas produzidas em

Minas estão sempre no topo da lista das

principais classificações nacionais, como

as das revistas Veja e Playboy. A produção

brasileira anual de cachaça é estimada

em mais de 1,7 bilhão de litros, incluin-

do aí a cachaça industrial, que represen-

ta mais de 70% do mercado. “O eixo do

conhecimento da tecnologia artesanal

havia registro nenhum sobre a cachaça, as

suas histórias, os seus produtores”, afirma

Walter Caetano, primeiro presidente da as-

sociação, produtor da cachaça Germana e

um dos fundadores, em 2001, da Federa-

ção Nacional das Associações dos Produ-

tores de Cachaça de Alambique (Fenaca),

com sede em Belo Horizonte.

“Nasceu em Minas Gerais o embrião

de todas as associações surgidas em

outros estados e também do Programa

Brasileiro de Desenvolvimento da Aguar-

dente de Cana, Caninha ou Cachaça (PB-

DAC), em novembro de 1997”, lembra

Jairo Martins da Silva, autor de Cachaça,

o Mais Brasileiro dos Prazeres.

Em 1999, vários produtores se reuni-

ram para criar a Cooperativa de Produ-

ção e Promoção da Cachaça de Minas

(Coocachaça), com o apoio da Agência

de Promoção às Exportações (Apex).

Com o objetivo de promover e vender a

cachaça mineira de alambique, a Cooca-

chaça reúne atualmente 80 cooperados

com capacidade de produzir até 12 mi-

lhões de litros anuais. José Carlos Ribeiro

afirma que a cooperativa participou de

feiras de bebidas e eventos internacio-

nais em várias partes do mundo. E já ex-

portou a cachaça mineira, por meio da

tecnologia do “blend”, para a América

do Norte, África, Ásia e Europa.

Hoje, o estado é autossuficiente e

produz algo em torno de 260 milhões

migrou de São Paulo para Minas Gerais.

Temos a melhor tecnologia na área, prin-

cipalmente da agroindústria da cacha-

ça. Estamos equiparados em termos de

qualidade sensorial e degustativa aos

melhores uísques do mundo”, garante

José Carlos Ribeiro, que se dedica hoje

à realização de cursos de formação de

mestre alambiqueiro na Fazenda Taver-

na Real, em Itaverava (MG), juntamente

com o filho, o engenheiro de alimentos

Arnaldo Andrade Ribeiro.

No topo da preferêNcia As cachaças de alambique produzidas em Minas Gerais costumam figurar no topo de classificações elaboradas por algumas das principais revistas nacionais. Em 2009, das 10 primeiras posições listadas pela revista Playboy, cinco eram mineiras, figurando Anísio Santiago/Havana, Vale Verde, Claudionor e Germana nas primeiras colocações. Em 2010, Anísio Santiago, Canarinha e Vale Verde ficaram nas pri-meiras posições da relação da revista Veja para as cachaças envelhecidas.

revista Playboy

1o Anísio Santiago/Havana (Salinas, MG)

2o Vale Verde (Betim, MG)

3o Claudionor (Januária, MG)

4o Germana (Nova União, MG)

5o Canarinha (Salinas, MG)

Fonte: Revista Playboy, 6 de agosto de 2009.

revista Veja

1o Anísio Santiago/Havana (Salinas, MG)

2o Canarinha (Salinas, MG)

3o Vale Verde (Betim, MG)

Fonte: Revista Veja, 17 de fevereiro de 2010. Ranking das cachaças envelhecidas.

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A bebida veio para Minas no final

do século XVII e início do XVIII,

quando a procura do ouro des-

locou bandeirantes, garimpeiros e tro-

peiros para a região. A cachaça seguia as

trilhas com tropeiros e mascates para ser

vendida nos povoamentos que surgiam

ao longo da Serra do Espinhaço, região

muito fria. A bebida era um aliado para

suportar o frio. Desde o período da co-

lonização do estado, era transportada e

consumida também pelos canoeiros em

suas longas viagens através do sertão,

até a construção dos primeiros enge-

nhos em Minas, no início do século XVIII.

“O consumo de açúcar, principalmente

sob a forma de rapadura, e da aguarden-

te faziam parte da dieta alimentar dos

mineiros. A aguardente era largamen-

te consumida pela população escrava,

que buscava na bebida um suprimento

energético para enfrentar os trabalhos

extrativos ou como lenitivo diante da re-

alidade marcada pela exploração do tra-

balho”, registram os professores Marce-

lo Magalhães Godoy e Clotilde Andrade

Paiva, autores do artigo Os 300 anos da

atividade canavieira em Minas Gerais.

Durante décadas, a produção de

cachaça expandiu-se em todo o Brasil.

Com a publicação de decreto régio de 24

de fevereiro de 1743, proibindo a produ-

ção de aguardente na capitania da Bahia,

região que antecedeu Minas Gerais na

produção de cachaça, os engenhos dis-

seminaram-se pela capitania de Minas

para suprir o mercado interno e, poste-

riormente, exportar açúcar, rapadura e

aguardente para outras capitanias.

O século XIX é marcado por uma

nova fase para a agroindústria da cana-

de-açúcar. Com o fim do sistema colo-

nial e o advento da independência, a

atividade se expande com o término da

restrições à produção de aguardente. “A

perseguição restritiva é substituída pela

voracidade fiscal. O destaque com que

a produção de aguardente aparece nos

debates dos legisladores provinciais e

na fala de presidentes da província é

inequívoco indício de que sua dissemi-

nação e volume de produção estavam

longe de ser desprezíveis. Ao longo do

século, são decretadas diversas fórmu-

las de tributar a atividade. Tributam-se

em cascata as unidades produtivas, a

circulação e comercialização e as alíquo-

tas variam constantemente, e chega-se

mesmo a situações de bitributação,

com impostos municipais e provinciais

Na algibeira dos tropeiros

Minas Gerais foi o estado com o maior número de engenhos no Brasil durante todo o século XX, chegando em alguns momentos a ter mais engenhos do que a soma dos demais estados do país

Vinícius Augusto da Silva, produtor da Branquinha de Minas (ver página 70), revive os dias em que foi tropeiro. Até o início do século XX, os muares eram o meio de transporte usual para transporte da bebida a granel

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coexistindo”, apontam Marcelo Godoy

e Clotilde Paiva. O resultado foram as

baixas arrecadações, a larga sonegação

e as frequentes contestações por parte

dos produtores.

A agroindústria da cana, marcada

pela sazonalidade, conviveu durante os

dois primeiros séculos da história de

Minas com outras atividades. Predomi-

navam as unidades onde os engenhos

funcionavam junto com a pecuária e

outros cultivos, com outras indústrias

rurais, com a siderurgia das pequenas

forjas, com a mineração, com a fiação

e tecelagem, com vários trabalhos ma-

nuais e mecânicos e outras atividades

econômicas. O censo demográfico e

econômico de 1831/32, segundo os pro-

fessores, confirma a convivência destas

duas realidades. Havia desde casos em

que o engenho era mais uma atividade

da fazenda, não a central, até situações

em que o engenho aparecia com desta-

que e a produção de aguardente era a

atividade central da unidade.

Até o início da década de 1930, a

industrialização de subprodutos da

cana não desestruturou a produção

dos engenhos, que continuam a res-

ponder por quase toda a produção de

açúcar, álcool, aguardente e rapadura

do estado. No recenseamento indus-

trial de 1920, as cinco usinas exis-

tentes respondiam por apenas 6% da

produção de açúcar, 26% do álcool e

1% da aguardente. Os engenhos ainda

produziam 94% do açúcar, 74% do ál-

cool, 99% da aguardente e a totalidade

das rapaduras. Nesse período, algumas

regiões se destacam na produção de

cachaça, como Ponte Nova, Januária

e Curvelo, com bebidas que ganharam

fama dentro e fora do estado.

Vendedor de caldo de cana, gravura atribuída ao litógrafo brasileiro Lopes, de meados

do século XIX. Rio de Janeiro, 1840

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Moinho de cana-de-açúcar, do pintor alemão

Johann Moritz Rugendas

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A cachaça Januária, que come-çou a ser produzida no início do sé-culo XX, fez fama durante décadas. A cidade tornou-se sinônimo de ca-chaça. Nos anos 1920, os produto-res começaram a vender a Januária para os barqueiros do São Francisco. Em meados daquela década, comer-ciantes locais criaram engarrafado-ras, surgindo marcas famosas como Claudionor, Caribé, Januária Cente-nária, Aquino e Januária Única, en-tre outras. O elevado conceito das bebidas entre os apreciadores du-rou até meados da década de 1960, quando a imagem e a credibilidade das cachaças produzidas em Brejo do Amparo foram arranhadas com a onda de falsificações.

Nas décadas de 1930 e 1940 há uma significativa mudança no mer-cado, quando as usinas passam a ser apoiadas pelas políticas do Ins-tituto do Açúcar e do Álcool (IAA), criado em 1929 para controlar a produção e manter os preços num nível adequado, protegendo o pro-duto brasileiro no mercado mundial. Para atingir essas finalidades, o IAA estabeleceu rígido sistema de co-tas, distribuídas entre as diferentes unidades produtivas, o que estimu-lou a concentração da produção em grandes usinas, com capacidade de

fabricação em larga escala, deses-truturando a produção de açúcar de engenho.

“A partir da década de 50 assis-te-se a uma progressiva extinção da produção de açúcar nos enge-nhos, restando hoje pouquíssimas expressões, e uma concentração cada vez maior da produção de ra-paduras e aguardente nas áreas de menor dinamismo econômico do estado. Estatísticas apontam para Minas Gerais como o estado com o maior número de engenhos no Bra-sil durante todo o século XX, che-gando em alguns momentos a ter mais engenhos do que a soma dos demais estados do país”, ressaltam Marcelo e Clotilde.

O professor Marcelo Godoy es-tudou o nascimento, a ascensão e o declínio da indústria canavieira em Minas Gerais. A tese de doutorado No país das minas de ouro a paisa-gem vertia engenhos de cana e ca-sas de negócio, defendida por ele em 2004 na Universidade de São Paulo, registra a evolução do setor. Dados do Anuário Estatístico de Mi-nas Gerais para o ano de 1922/25 e do Censo Agropecuário do IBGE para o ano de 1995/96 mostram que o número de engenhos caiu de 32.928 para 23.626 nesse perí-

De Januária ao polo de Salinas

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odo. Deste total, foram registrados 14.817 engenhos de fabricação de rapadura, 343 engenhos de açúcar, 8.466 engenhos para produção de aguardente, 956 engenhocas de garapa e 910 para a fabricação de melado.

São mais de 600 marcas diferen-tes de cachaça em Minas Gerais, resultado de um novo dinamismo na fabricação da bebida. Salinas, no Norte de Minas, é hoje o maior polo de produção de cachaça artesanal do país. A região reúne 25 produto-res e 109 agricultores familiares que formam a Associação dos Produ-tores de Cachaça Artesanal de Sa-linas (APACS). Juntos, produzem 5 milhões de litros por ano. Os produ-tores da APACS são apoiados pelo Sebrae-MG, que desenvolve em cinco municípios da região ações para melhorar a competitividade, aumentar a produção e a venda de cachaça.

O Programa Nacional de Certi-ficação da Cachaça, iniciativa do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Indus-trial (Inmetro) e do Sebrae Nacional, mostra que as cachaças mineiras se destacam no país. Das 47 marcas certificadas até 2009, 28 são produ-zidas em alambiques mineiros.

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A aguardente de cana era um subpro-

duto da indústria do açúcar, consu-

mido no Brasil Colônia e exportado

para as costas africanas. A cachaça serviu

como moeda de troca para a compra de es-

cravos que vinham trabalhar nos grandes en-

genhos. Segundo o historiador e antropólo-

go Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), em

Prelúdio da Cachaça (Editora Itatiaia), “a cacha-

ça nasceu da indústria do açúcar, bastarda e

clandestina, merecendo depois proclamação

de legitimidade per rescriptum principis. Tornou-

se bebida nacional, determinando uma litera-

tura oral de impressionante vitalidade”.

Para o historiador Caio Prado Júnior

(1907-1990), “a aguardente é um produto

mais democrático que o aristocrático açú-

car, exclusivo dos senhores de engenho”.

Em seu livro O Mito da Cachaça Havana – Anísio

Santiago (Edições Cuatiara), Roberto Carlos

Morais Santiago lembra que a descoberta

da cachaça teria ocorrido casualmente, du-

rante o processo de produção de rapadura

e açúcar mascavo.

O caldo da cana era fervido em tachos

de cobre para ficar limpo e concentrado em

massa de boa espessura. Desta, retirava-

se espuma ou borra com grandes escuma-

deiras. A borra fermentada, acumulada em

cochos de pau, transformava-se em garapa

azeda ou vinho de cana. Esse subproduto

complementava a alimentação de animais

e escravos nos próprios engenhos, sendo

chamado de cagaça, palavra da qual teria se

derivado o termo cachaça. Há uma outra

versão, segundo a qual a bebida era usada

para amolecer carne de porco ou cachaço. A

destilação da garapa azeda em alambiques de

barro deu origem à aguardente nacional.

Jairo Martins da Silva, em Cachaça, o Mais

Brasileiro dos Prazeres, levanta outra hipótese

para o início da destilação da cachaça no

Brasil. “Os portugueses, acostumados a to-

mar bagaceira, improvisaram uma bebida

com a substância residual do caldo de cana,

conhecida como borra, garapa azeda ou garapa

doida. Provavelmente fermentada, ela produ-

zia o mesmo efeito prazeroso”.

O certo é que os senhores de engenho

provaram e aprovaram a bebida dos escravos.

A aguardente entrou na casa-grande e nas bo-

degas, e foi recebida nos salões, passando a

ter importância econômica. Tanto que a Coroa

portuguesa expediu uma Carta Régia, em 13 de

setembro de 1649, proibindo a fabricação da

aguardente em todo o país, com duas exce-

ções: não se aplicava a Pernambuco e o uso da

bebida restringia-se à população escrava, não

sendo permitida a venda, apenas a produção

para consumo próprio.

De filha bastarda a símbolo nacional

per resCriptum prinCipis

Por rescrito do príncipe. Era a le-gitimação do filho natural pedida pelo pai ao Imperador desde que esse não tivesse filhos legítimos e o casamento subsequente fosse impossível.

A cachaça se popularizou e tornou-se signo de resistência aos colonizadores. Atingiu o ápice no século XIX, transformando-se, também, em sinal de brasilidade

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Na pintura do francês Jean-Baptiste Debret, escravos

africanos extraem a garapa

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A ordem da Corte foi ignorada, pois a ca-

chaça havia caído no agrado dos governantes

locais. Senhores de engenho, comerciantes e

destiladores reagiram, continuaram a produzir

e vender a bebida. Em 1661, finalmente, o Rei

D.Afonso VI, sob a regência da rainha D. Luísa

de Gusmão, suspendeu a proibição. A solu-

ção encontrada pela metrópole portuguesa

foi o aumento constante dos impostos sobre

a sua comercialização. No período entre 1756

e 1766, foi instituído o “subsídio voluntário”

dos estabelecimentos que vendiam “aguar-

dente da terra”, assim como dos proprietários

que a vendessem. Originalmente concebido

com vistas a contribuir para a reconstrução

de Lisboa, devastada por terremoto em 1755,

o tributo acabou renovado por mais dez anos,

de 1768 a 1778. Em 1772, foi criado o “sub-

sídio literário” para subvencionar os “mestres

régios” (professores de primeiras letras), revo-

gado após a Independência.

No final do século XVII, a descoberta de

ouro em Minas Gerais e o surgimento de vá-

rios povoados em lugares altos e úmidos da

Serra do Espinhaço foram acompanhados do

deslocamento da cachaça para o interior do

estado. Os garimpeiros passam a consumir a

cachaça levada pelos tropeiros para ameni-

zar o frio. As trilhas eram interligadas a Paraty,

por onde o ouro era escoado para Portugal

através da baía da Ilha Grande. O crescente

comércio da cachaça, mesmo na época da

proibição, estimulou o surgimento de alam-

biques clandestinos na região, que chegou

a ter cerca de 150 engenhos. Como se dizia

à época, “onde mói um engenho, destila um

alambique”, registra Câmara Cascudo. A fama

da região como produtora cresceu tanto que

Paraty passou a ser sinônimo de cachaça,

sendo comum pedir um “cálix de paraty”.

A cachaça no Brasil Colônia adquiriu ta-

manha popularidade que o aumento do con-

sumo da bebida passou a ameaçar a fabrica-

ção dos produtos similares europeus. Daí as

sucessivas tentativas de proibição de Portu-

gal, já que ela competia com o vinho e a ba-

gaceira, a famosa aguardente produzida com

bagaço de uva.

A bebida tornou-se símbolo de resistência

aos colonizadores. Atingiu o ápice no século

XIX, transformando-se, também, em sinal de

brasilidade. Tanto os rebelados da revolução

de Pernambuco, em 1817, quanto os inconfi-

dentes das Minas Gerais, três décadas antes,

consumiam a bebida nas lutas de Indepen-

dência, como forma de rebeldia e protesto.

Em 1822, o próprio imperador Dom Pedro II

teria brindado à Independência do Brasil com

uma boa dose de pinga.

A partir de 1889, a cachaça perde o gla-

mour. Os republicanos que assumiram o poder

passaram a discriminá-la como símbolo do de-

cadente passado imperial. A moda agora era

consumir produtos vindos da Europa. Somen-

te a partir do Movimento Modernista de 1922 é

que a popular caninha começa a recuperar seu

status como símbolo de brasilidade, ao lado do

samba, do Carnaval e da feijoada.

Page 27: Cachaças+-+Minas+Gerais

Chama da vida desde a Antiguidade

Desde a Antiguidade, o homem produz bebidas alcoólicas. A difi-culdade para encontrar e conservar água potável levou-o a fermentar sementes e a destilar gramíneas para matar a sede. A cerveja surgiu na Mesopotâmia, de grãos de ceva-da embolorados, e teria motivado a invenção da escrita para que os sacerdotes pudessem controlar es-toques de sementes e da bebida.

O vinho teria sido descoberto pelo próprio Noé, que plantou uma muda de videira no Monte Ararat, logo após o dilúvio. O cultivo da uva no Egito antigo era exclusivo dos sacerdotes. Os egípcios curavam suas moléstias inalando vapor de líquidos fermentados. Mais tarde, graças ao Império Romano, o vinho se propagou pela Europa. Os ára-bes, por sua vez, desenvolveram o processo da destilação, aumentan-do a produção de bebidas na Idade Média. Já no Caribe, escravos afro-descendentes fermentaram o mela-ço da cana e descobriram o rum. No Brasil, surgiu a cachaça, irmã caçula do açúcar, produto que vigorou du-rante dois séculos como a base da economia nacional.

“Em geral, os nomes de bebi-da destilada, nos vários idiomas, associam as palavras água e vida. Exemplo disso já se observa na nossa cachaça, água ardente, onde

27

o “ardente” se refere à “chama da vida”. Na Noruega, temos o aquavit dos vikings, no qual os termos la-tinos aqua vitae ficam bem claros. No caso do uísque da Escócia, a palavra se origina de uisgebeatha, que em celta antigo significa exa-tamente a mesma coisa: “água da vida”. Os destilados franceses, fei-tos a partir de frutas, levam tam-bém o mesmo nome, eau de vie, e, na Rússia, vodca traduz-se por “aguazinha”, que tem uma conota-ção positiva”, lembra Jairo Martins da Silva no livro Cachaça, o Mais Brasileiro dos Prazeres (Editora Anhembi Morumbi).

A cana-de-açúcar é uma planta do gênero Saccharum originária da Ásia. Historicamente, no Brasil, o surgimento da cachaça ocorreu em São Vicente, em 1532, com a cana trazida das ilhas atlânticas da Madeira e São Tomé por Mar-tim Afonso de Souza. De lá, Du-arte Coelho trouxe cana para Per-nambuco, no ano seguinte. Ainda que as primeiras mudas tenham chegado ao Brasil bem antes, em 1504, trazidas pelo fidalgo portu-guês Fernando de Noronha, ape-nas a partir da implantação das capitanias de São Vicente e Per-nambuco é que começaram a ser instalados os primeiros engenhos de açúcar no Brasil.

saCerdotisa egípCia

Sacerdotes egípcios curavam doenças com a inalação de vapor de líquidos fermen-tados.

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1504 1532 1649 1661 1743 1756 a 1766 1772 1889 1922 1929 1982 1983 1988 1989 1990 1992 1993 1997 1998 1999 2001 2002 2005 2007 2009

O fidalgo português, Fernando de Noronha traz as primeiras mudas de cana para o Brasil.

Acredita-se que a cachaça surgiu em São Vicente, descoberta por acaso pelos escravos.

A produção e o consumo de cachaça passam a ter importância econômica no Brasil Colônia, até que a Coroa portuguesa expede Carta Régia, em 13 de setembro desse ano, proibindo a fabricação da aguardente em todo o país, permitida apenas para consumo próprio.

A metrópole portuguesa suspende a proibição e passa a elevar os impostos sobre a venda da aguardente.

Decreto Régio de 24 de fevereiro de 1743 proíbe a produção de aguardente na capitania da Bahia, o que a incentiva na capitania de Minas.

É instituído e passa a valer o subsídio voluntário sobre a aguardente. Os recursos são destinados à reconstrução de Lisboa, devastada por terremoto em 1755.

Criação do subsídio literário sobre a venda da bebida. O recolhimento é destinado ao pagamento de “professores de primeiras letras”. O tributo é oficialmente revogado anos após a independência.

A partir da República, a cachaça perde o glamour. Os republicanos que assumiram o poder passaram a discriminá-la como símbolo do decadente passado imperial.

A partir do Movimento Modernista a popular caninha começa a recuperar seu status como símbolo de brasilidade, ao lado do samba, do Carnaval e da feijoada.

Criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que estabelece um rígido sistema de cotas, desestruturando a produção dos engenhos nas décadas de 1930 e 1940.

O Instituto de Desenvolvimento Industrial (Indi) realiza o estudo setorial Aguardente em Minas.

O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais abre linha de crédito para projetos de produção de cachaça de alambique.

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BICO DE PENA DE ALMIR COSTA, A PARTIR DE FOTOGRAFIA DE MARCELO MAGALHÃES GODOy

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A LISBOA ANTES E DEPOIS DO TERREMOTO, REPRODUÇÃO DE GRAVURA ALEMÃ DO SÉCULO XVIII

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1504 1532 1649 1661 1743 1756 a 1766 1772 1889 1922 1929 1982 1983 1988 1989 1990 1992 1993 1997 1998 1999 2001 2002 2005 2007 2009

Criação da Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq).

Criação da Comissão de Estudos de Aguardentes de Cana da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com sede em Belo Horizonte.

A Ampaq cria o Programa de Garantia de Qualidade, conferindo o selo de qualidade às cachaças de seus associados.

Criação do Programa de Incentivo à Produção de Aguardente (Pró-Cachaça), aprovado pela Lei Estadual Nº 10.853, de 4 de agosto desse ano.

Decreto Estadual Nº 34.645, de 14 de abril, regulamenta o Pró-Cachaça.

Decreto 2.314, de 4 de setembro, do governo federal, regulamenta a Lei Nº 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.

Criação do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça (PBDAC), cujo embrião surgiu em Minas Gerais.

Criação da Feira e Festival Internacional da Cachaça (Expocachaça), realizada anualmente em Belo Horizonte.

Criação da Cooperativa de Produção e Promoção da Ca-chaça de Minas, com apoio da Agência de Promoção às Exportações (Apex).

O Sebrae-MG produz o diagnóstico da cachaça de alambique do estado de Minas Gerais.

Criação da Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique (Fenaca), com sede em Belo Horizonte.

Lei Estadual Nº 13.949, de 11 de julho, estabelece o padrão de identidade e as características do processo de elaboração da Cachaça de Minas.

O Decreto 4.062, de 21 de dezembro, do governo federal, define as expressões Cachaça, Brasil e Cachaça do Brasil como indicações geográficas, de origem e uso exclusivamente brasileiros.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) aprova, por meio da Instrução Normativa nº 13, de 29 de junho, o regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade para aguardente de cana e para cachaça.

Em 30 de outubro desse mesmo ano, a Instrução Normativa 56 do MAPA aprova os requisitos e procedimentos para registro de estabelecimentos produtores de cachaça, organizados em associações ou cooperativas legalmente constituídas.

Início da implantação do processo de certificação da cachaça com a assinatura do convênio entre o Sebrae Nacional e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), com a definição da análise de conformidade para o produto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

O governo de Minas sanciona, em 11 de janeiro, a lei que declara como Patrimônio Cultural de Minas Gerais o processo de fabricação de cachaça de alambique.

O Decreto nº 6.871, de 4 de junho, da presidência da República, regulamenta a Lei nº 8.918 (14/07/94), que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.

Decreto nº 42644, de 5 de junho (Lei da Cachaça de Minas Gerais), regulamenta a Lei nº 13.949, de 11 de julho de 2001.

Page 30: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 31: Cachaças+-+Minas+Gerais

certificadas

Água da Bica de Brumadinho, 32

DJ resgata tradição da região dos Maias, 36

No alto da serra, uma cachaça “Da Boa”, 41

Dois dedos de prosa em Piranguinho, 44

Gavião do Vale une irmãos em passatempo levado a sério, 47

Irmãs gêmeas de padrão internacional, 51

Prazer de Minas representa o estado dentro e fora do país, 55

Prosa & Viola: legado cultural com a alma do homem sertanejo, 58

Pura de origem na terra do gado zebu, 62

Lenda para deixar saudade, 65

Segredos de Araxá em forma de cachaça, 67

Branquinha nasce granfina, 70

A marca da brasilidade, 74

O canto do Uirapuru chega à China, 77

Flores de sucesso brotam em Salinas, 80

31

Page 32: Cachaças+-+Minas+Gerais

32

No início do ano 2000, o publi-

citário Alexandre Wagner pro-

curava alguma atividade ren-

tável para ajudar a pagar as despesas

da sua propriedade rural, em Brumadi-

nho, na Região Metropolitana de BH.

Ao ser procurado por um amigo para se

filiar a uma cooperativa de produtores

de cachaça, não se interessou. “Falei

que não gostava de cachaça, não tinha

interesse”. Depois de muita insistên-

cia do amigo, acabou tornando-se um

cooperado e descobriu que produzir

cachaça poderia ser a solução para a

propriedade rural. Investiu no negócio,

montou o alambique e começou a pro-

duzir, juntamente com o sócio Edson

Oliveira, a Água da Bica e a Rainha do

Milênio, em 2005.

Para chegar à outra ponta do ne-

gócio, o mercado, Alexandre Wagner

colocou em prática, no ano seguinte,

uma ideia criativa, o “Bate-Papo com

Cachaça”. O objetivo era promover

encontros de degustação de cacha-

ças de alambique em bares e restau-

rantes da capital mineira e da Região

Metropolitana. O projeto surgiu após

se constatar um problema comum que

atinge todo produtor: a divulgação da

bebida.

Para realizar o “Bate-Papo com Ca-

chaça”, o publicitário comprava amos-

tras de aproximadamente 50 marcas

produzidas no estado; depois fazia

parcerias com proprietários de bares e

restaurantes. “Durante os encontros,

os clientes podiam escolher a cachaça

e degustar à vontade; o proprietário

enchia sua casa e lucrava, e a cultura

da cachaça artesanal era divulgada”,

explica o produtor. “O mais importante

era consolidar um espaço para a Água

da Bica, por isso colocávamos cartazes

com fotos da marca no bar e distribuía-

mos folders sobre o evento”.

No período de três anos, de 2006 a

2008, o evento percorreu mais de mil

estabelecimentos da Região Metropoli-

tana de BH, resultando numa cadeia de

comercialização. “Em Minas existe essa

cultura do bar, o cliente é leal e sem-

pre volta. Então, depois que fazíamos

o bate-papo, o cliente voltava e pedia a

Água da Bica, porque tinha experimen-

tado durante a degustação. O proprie-

tário era obrigado a comprar para aten-

der o seu público”, conta Alexandre.

Água da Bica de Brumadinho

“Eu armazeno as minhas marcas em três madeiras diferentes, porque assim ofereço produtos diferenciados” Alexandre Wagner, produtor das cachaças Água da Bica, Sonhadora e Rainha do Milênio

Alexandre Wagner (ao lado) diz que a bebida está presente em todos os estados brasileiros

Page 33: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 34: Cachaças+-+Minas+Gerais

Alambique iniciou a produção em 2005

Page 35: Cachaças+-+Minas+Gerais

35

Em 2007, ele criou também a marca

Sonhadora, uma cachaça suave, enve-

lhecida em tonéis de jequitibá e com

teor alcoólico mais baixo destinado

ao público feminino. Atualmente, as

marcas Água da Bica e Sonhadora são

encontradas em aproximadamente 100

pontos de venda da capital mineira, e

estão presentes em todos os estados

brasileiros. Wagner ressalta que não

tem vendas expressivas em todo o país,

mas conseguiu, no curso de cinco anos,

formalizar parcerias com lojas especia-

lizadas e representantes para que as

suas marcas pudessem ser compradas

em qualquer região. “Minha formação

em publicidade facilitou na divulgação

das cachaças. Normalmente, o produ-

tor monta um engenho com maquiná-

rio muito bom, produz uma cachaça de

qualidade, mas depois tem dificuldade

de colocar o produto no mercado”, ar-

gumenta Wagner.

A fazenda Sítio do Sossego, de 75

hectares, está localizada próximo ao

rio Paraopeba e produz por ano 120

mil litros. A produção é dividida entre

as marcas Água da Bica (80 mil litros),

Sonhadora (30 mil litros) e Rainha do

Milênio (10 mil litros). Esta última,

voltada para público seleto, é enve-

lhecida durante cinco anos em barril

de carvalho e chega a custar R$ 300.

“Eu armazeno as minhas marcas em

três madeiras diferentes, porque assim

ofereço produtos diferenciados; é uma

forma de atender um público mais am-

plo”, informa Wagner.

Além das estratégias de mercado,

o produtor investiu também em quali-

dade na construção do engenho na fa-

zenda Sítio do Sossego. Com a consul-

toria do engenheiro Arnaldo Ribeiro,

do Centro de Tecnologia da Cachaça,

Wagner comprou dornas de aço inox,

maquinário para moagem, alambique,

envazadora, filtro para retirada do ex-

cesso de cobre, barris e tonéis para a

adega com capacidade de 55 mil litros

de cachaça. Em 2007, as marcas Água

da Bica e Sonhadora receberam o selo

do Inmetro como certificação de pro-

cesso. Alexandre Wagner lembra que

muitos dos requisitos presentes no

Regulamento de Avaliação de Confor-

midade (RAC) – documento fornecido

pelo organismo certificador de pro-

duto acreditado pelo Inmetro com os

padrões de produção da cachaça arte-

sanal – já estavam adequados. “O selo

representou mais um passo para a tra-

jetória da Água da Bica e Sonhadora.

Um atestado de qualidade para o seu

público consumidor”.

ficHa tÉcNicaCidade: Brumadinho Região: Região Metropolitana de BHProdutor: Alexandre Wagner(31) 9208-3853Início da produção: 2005Volume: 120 mil litros por ano Teor alcoólico: Água da Bica (42%) Sonhadora (39%)Envelhecimento: um ano em umburana

(Água da Bica) e jequitibá (Sonhadora); e cinco anos em carvalho (Rainha do Milênio)

Page 36: Cachaças+-+Minas+Gerais

36

DJ resgata tradição da região dos Maias

A DJ Cachaça Mineira surgiu em

novembro de 2004 para resga-

tar uma antiga tradição de fa-

bricação de cachaça artesanal na região

dos Maias, em São Gonçalo do Pará, no

centro-oeste do estado, que chegou a

concentrar inúmeros alambiques na dé-

cada de 1940. Na região, a família do

empresário Leonardo Gonçalves Mo-

reira adquiriu a Fazenda do Engenho,

inicialmente para descanso e lazer. Foi

nessa área que Leonardo decidiu cons-

truir um dos melhores alambiques do

Brasil, que se tornou referência nacio-

nal. A cachaça foi certificada pelo Inme-

tro (por meio do IPEM de São Paulo) e

recebeu o reconhecimento da Associa-

ção Mineira dos Produtores de Cachaça

de Qualidade (Ampaq).

O desenvolvimento da empresa se-

guiu um caminho diferente do que é

percorrido normalmente neste setor de

produção de cachaça artesanal. Ao in-

vés de começar com pequena estrutura

de produção para se desenvolver aos

poucos, a DJ optou por construir, des-

de o início, uma grande estrutura que

possibilitasse alcançar a excelência do

produto, que tem como preocupação

básica a qualidade. Para isso investiu

muito em pesquisa e tecnologia.

Além de todo o diferencial de produ-

ção, a DJ se destacou também pela ima-

gem inovadora do produto, representa-

da pela mudança do estilo adotado pela

maioria das cachaças, o perfil rústico. A

opção foi por uma versão mais moderna.

A garrafa da DJ passou então a ser fabri-

cada com a técnica de “fosqueamento in-

termitente em serigrafia vitrificada” para

dar um aspecto de sofisticação. “Esta

imagem sintetiza a evolução do mercado

consumidor desse destilado nacional,

que está em pleno crescimento”, afirma

Silvana Moreira, diretora da DJ.

O projeto de identidade da marca ti-

nha a intenção de fazer com que o con-

sumidor se surpreendesse duplamente,

tanto pelo estilo inovador quanto pela

qualidade superior. E deu certo. Com

as séries Ouro e Prata, a DJ mostra que

uma bebida tradicional como a cachaça

pode ganhar estilo e qualidade, con-

quistando os mais exigentes paladares.

“Quando se buscam soluções criativas,

o produtor consegue ampliar o seu es-

paço”, afirma Silvana Moreira.

Com esta visão, a DJ conquistou o

primeiro lugar no Prêmio ABRE de De-

sign & Embalagem em 2008, na cate-

goria Bebidas Alcoólicas. Organizado

pela Associação Brasileira de Embala-

“Quando se buscam soluções criativas, o produtor consegue ampliar o seu espaço”Silvana Moreira Gonçalves, diretora da Cachaça DJ

Page 37: Cachaças+-+Minas+Gerais

37

gem, o concurso é considerado o mais

importante do setor, pois representa

toda essa cadeia produtiva e conta

com o apoio da Organização Mundial

de Embalagem (WPO), da União Latino-

Americana de Embalagem (ULADE), do

Programa Brasileiro de Design (PSD) do

Ministério do Desenvolvimento, Indús-

tria e Comércio Exterior, e do Centro

São Paulo Design (CSPD).

A responsabilidade ambiental tam-

bém é algo que embasa todas as ações

da empresa. Toda cana-de-açúcar utiliza-

da na produção é plantada manualmen-

te e sem o uso de agrotóxicos. Também

foram plantadas 2.500 mudas de árvores

nativas na reserva florestal da Fazenda.

Na DJ, o vinhoto não prejudica o meio

ambiente, já que é depositado em um

tanque preparado para recebê-lo, sendo

pulverizado em seguida no canavial, fun-

cionando como fertilizante natural.

O bagaço da cana de açúcar é reapro-

veitado no abastecimento da caldeira. A

cabeça e a cauda da cachaça, descartá-

veis na produção, são convertidas em ál-

cool combustível para abastecer a frota

da DJ, evitando-se impactos ambientais

com o descarte desses subprodutos. A

água utilizada no resfriador, que passa

apenas em canos e serpentinas, retorna

para a caixa-d’água, criando

assim um novo ciclo. E o

lixo é totalmente recicla-

do e comercializado, com

renda destinada a institui-

ções filantrópicas.

A DJ também reconhe-

ce que a satisfação dos

seus funcionários reflete di-

retamente na qualidade do

produto, por isso, a sede da

DJ oferece conforto e quali-

dade de vida a seus colabo-

radores. A acomodação é em

chalés mobiliados. A empre-

sa oferece ainda assistência

ambulatorial, treinamento e

incentivos para qualificação

profissional, alimentação de

qualidade e área de lazer.

Desde 2007 no mercado,

a DJ vende para vários estados

brasileiros, entre eles São Pau-

lo, Amazonas, Rio Grande do Sul

e Paraná. Silvana Moreira conta que

várias ações estão sendo feitas para co-

locar o destilado de São Gonçalo do Pará

entre as principais marcas do país. Uma

delas é a participação em feiras do setor

como a ExpoCachaça (MG) e o Congres-

so Brasileiro de Bebidas (SP), além da

promoção de eventos culturais. Outra

iniciativa que tem rendido bons resulta-

dos é a produção de embalagem perso-

nalizada para o segmento corporativo.

Page 38: Cachaças+-+Minas+Gerais

Silvana Gonçalves afirma que a bebida se destaca também pela imagem inovadora do produto

Page 39: Cachaças+-+Minas+Gerais

39

Reconhecimento internacional

A cachaça DJ recebeu a medalha de ouro na Com-petição de Degustação do Ministério do Rum 2009, realizada no Salão Flórida do Hotel Delano, em Miami Beach. Vinte e dois jurados se reuniram durante dois dias de competição para degustar 65 tipos de bebidas destiladas feitas de cana-de-açúcar, produzidas em mais de 20 países como Porto Rico, Panamá, República Dominicana, Venezuela e Nicarágua. Os destilados são julgados por seu aroma, gosto inicial, corpo e conjunto, numa escala de 1 a 25 para cada um dos atributos. A nota final é a soma da pontuação atribuída a cada atri-buto. Organizado por Edward Hamilton, autor de vários livros sobre o rum, a competição avalia as bebidas em categorias reconhecidas pela Indústria de Destilados de Cana-de-Açúcar. A cachaça DJ dividiu a medalha de ouro com marcas famosas como Bacardi Reserva Limi-tada e Castro Rum. A DJ Cachaça Mineira também foi agraciada com a medalha de Prata no Concurso Mun-dial de Bruxelas Brasil 2008.

ficHa tÉcNicaCidade: São Gonçalo do Pará Região: Centro-oesteProdutores: Leonardo Moreira Gonçalves, Lander

Moreira Gonçalves e Silvana Moreira Gonçalves

(37) 3221-2800Início da produção: 2005Volume: 200 mil litros por ano Teor alcoólico: 40%Envelhecimento: quatro anos em jequitibá-rosa

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Page 41: Cachaças+-+Minas+Gerais

41

Nome da cachaça é uma homenagem dos proprietários, Silvia e Gil Moura (ao lado), à terra onde nasceu a família

No alto da serra, uma cachaça “Da Boa”

O compositor carioca Lamartine

Babo certa vez recebeu uma car-

ta apaixonada de Nair Pimenta

de Oliveira, moradora de Boa Esperança,

no sul de Minas. A moça dizia-se grande

fã de suas músicas e, com isso, passaram

a se corresponder por cartas. Passado al-

gum tempo, Lamartine recebeu o convite

de um dentista para conhecer Boa Espe-

rança. Chegando lá descobriu que Nair era,

na verdade, o tal dentista chamado Carlos

Alves Neto. Sem perder o bom humor, La-

martine compôs uma de suas mais belas

canções, Serra da Boa Esperança.

Muitos anos depois, a música que des-

creve a dor do poeta ao deixar sua terra

“no coração do Brasil” inspirou os empre-

sários Gil e Silvia Moura no batismo de sua

cachaça, pois eles procuravam uma marca

que simbolizasse as belezas de Boa Espe-

rança. “A canção de Lamartine Babo fala

um pouco da nossa própria história, já que

fomos criados na capital, mas sentimos

saudades da cidade onde nasceu toda a

família. Queríamos de algum modo home-

nagear Boa Esperança, a cidade dos cafe-

zais e do Festival da Canção, que já tem

mais de 40 anos de história”, explicam Gil

e Silvia Moura, proprietários do Alambique

Toledo e Moura Ltda.

O batismo então se deu e a cachaça foi

registrada como “Serra da Boa Esperança”.

Porém, seu nome foi reduzido (pelo fato de

o adjetivo “Da Boa” fazer parte do próprio

nome) e passou a ser conhecido em Minas

como Da Boa, uma estratégia dos produ-

tores, que tiveram a ideia de um rótulo que

destacasse a expressão, clara referência

ao universo da cachaça. “Conseguimos

explorar um nome que está na cabeça de

todo brasileiro quando vai tomar uma pin-

ga: esta é da boa!”, brinca Gil.

A serra da Boa Esperança é um acidente

geográfico no meio rural de Boa Esperança

e municípios adjacentes. Possui aproxima-

damente 100 km², que vai desde a Serra

Azul, passando pela Serra do Buracão, até

o Chapadão. Ali, num de seus enclaves, o

casal Gil e Silvia fundou em 2003 o Alam-

bique Toledo e Moura Ltda., localizado na

Fazenda Várzea do Ribeirão de São Pedro,

numa região cercada de plantações de

café, milho e criação de gado leiteiro.

A ideia dos empresários era produzir

uma cachaça artesanal de qualidade, que

se tornasse referência na região de Boa

Esperança. “A nossa família é do sul de

Minas, mas moramos em Belo Horizon-

te há muitos anos. Queríamos investir na

nossa terra, e a cachaça apareceu como

“Queríamos de algum modo homenagear Boa Esperança, a cidade dos cafezais e do Festival da Canção”Gil e Silvia Moura, proprietários do

Alambique Toledo e Moura Ltda.

Page 42: Cachaças+-+Minas+Gerais

42

Capelo

Proteção superior de chaminé, para evi-tar a entrada de vento e chuva. O alambique capelo tem uma coluna lisa e essa proteção na parte superior. Segundo a empresa D & R Alambiques, são três os tipos de alambi-ques: capelo, coluna e tromba de elefante.

oportunidade. No começo o objetivo

era o lucro, depois passamos a nos en-

cantar com a produção do alambique”,

explica Gil.

Na época, o engenho foi todo mon-

tado dentro dos padrões do Ministé-

rio da Agricultura, com o objetivo de

colocar a cachaça Da Boa, como ficou

popularmente conhecida na região, no

mapa das cachaças artesanais de quali-

dade. Merecem destaque os dois alam-

biques capelos, a estrutura produtiva

em elevação – moenda e fermentação

na parte mais alta, e a caldeira na parte

mais baixa –, fora as duas grandes ade-

gas com mil barris de carvalho escocês

no total e nove tonéis de 5 mil litros de

jequitibá-rosa. Há ainda dois tonéis de

jequitibá de grande volume – um de 50

mil e outro de 70 mil litros.

A qualidade técnica e a infraestru-

tura da fazenda Várzea do Ribeirão de

São Pedro impressionam. Gil Moura

conta que no início pediu apoio à Uni-

versidade Federal de Lavras (UFLA), que

prestou consultoria e forneceu levedu-

ras selecionadas para o processo de

fermentação. O resultado é uma bebida

de qualidade com leve toque frutado e

suavidade característica.

Além de produzir 120 mil litros por

ano de cachaça, o Alambique Toledo e

Moura mantém um rigoroso padrão téc-

nico voltado à preservação ambiental.

A água usada no resfriamento do alam-

bique é reutilizada junto com o vinhoto

na irrigação; o bagaço vai para a cal-

deira e também serve de alimento para

o gado. O engenho possui ainda uma

nascente, uma represa de 10 mil metros

quadrados e uma reserva ambiental de

3,5 hectares.

E quando o assunto é religiosidade,

a Da Boa também tem sua fé. Gil conta

que sua mãe Luzia Augusta trouxe de

Portugal uma pequena imagem de Nos-

sa Senhora de Fátima. A família devota

construiu uma pequena capela na en-

trada da propriedade. Toda essa estru-

tura da Fazenda Várzea do Ribeirão de

São Pedro fez tanto sucesso que entrou

para o roteiro turístico do município de

Boa Esperança.

Atualmente, a cachaça Da Boa é co-

mercializada no sul e oeste de Minas,

Zona da Mata e Região Metropolitana

de Belo Horizonte, além dos estados de

São Paulo, Rio de Janeiro e capitais do

Nordeste. Gil Moura conta que parte ex-

pressiva das vendas é feita por meio de

distribuidores, fora as vendas diretas.

Com produção anual de 120 mil litros,

o Alambique Toledo e Moura Ltda. tem

conseguido comercializar 30% de sua

produção, sendo o restante envelhecido

com o objetivo de lançar lotes especiais

Page 43: Cachaças+-+Minas+Gerais

43

ficHa tÉcNicaCidade: Boa Esperança Região: SulProdutor: Alambique Toledo e Moura Ltda.(35) 3851-2717 e (35) 9954-2717Início da produção: 2003Volume: 120 mil litros por ano Teor alcoólico: 42%Envelhecimento: dois anos em barris de carvalho

(ouro) e jequitibá-rosa (prata)com valor agregado. Além da qualidade

técnica da cachaça Da Boa, já certifica-

da pelo Inmetro, mediante o Programa

Nacional de Certificação da Cachaça em

2007, e pelo selo da AMPAQ em 2004,

que faz parte do primeiro critério para

comercialização. Gil e Silvia acreditam

que o momento agora é investir em es-

tratégias de marketing e formar parcerias

com distribuidores e representantes de

outros estados a fim de levar a marca de

Boa Esperança para todo o Brasil.

Page 44: Cachaças+-+Minas+Gerais

44

Dois dedos de prosa em Piranguinho

Conhecida como a capital na-

cional do pé de moleque, a

cidade de Piranguinho, no sul

do estado, começa a se firmar, tam-

bém, como a região do dedo de prosa,

ou melhor, da cachaça de alambique

Dedo de Prosa, lançada em 2004 pelos

irmãos Saulo e Jacqueline Germiniani.

Os dois entraram de cabeça no setor

depois de imersões profissionais em

cursos especializados na área de fabri-

cação de cachaça. Isso para firmar o pé

no mercado de bebidas com um produ-

to de excelência e fazer da propriedade

uma usina de oportunidades.

A história da cachaça começou

com o patriarca da família Germinia-

ni, o seu Saulo, um apaixonado pelos

destilados. Com histórico bem sucedi-

do no comércio de carne em Itajubá,

o empresário adorava estudar os pro-

cessos de destilação, principalmen-

te do uísque e da cachaça. O gosto

pela bebida era tanto que seu Saulo

resolveu comprar um alambique para

produzir a própria cachaça na Fazenda

Serra Grande, propriedade da família

em Piranguinho.

A construção do engenho ocorreu

em 2001, mas os filhos só decidiram ini-

ciar a produção depois de estudar bem

a área e o mercado. Saulo e Jacqueline

fizeram os cursos de Especialização e

Pós-Graduação em Cachaça na Univer-

sidade Federal de Lavras e o curso de

Mestre Alambiqueiro em Itaverava, pelo

Centro de Tecnologia Canavieira, além

de cursos de capacitação técnica do

Sebrae-MG. “Queríamos produzir uma

cachaça artesanal para competir em

qualidade com as melhores do merca-

do”, afirma Jacqueline Germiniani Calvo.

“Com os cursos, aprendemos a técnica,

mas precisávamos descobrir um jeito

nosso, um ponto nosso de produção,

para que a marca tivesse um diferen-

cial”. Isso foi possível após a realização

de muitos testes, de corte, moagem,

fermentação e destilação.

Na Agroindustrial Serra Grande

Ltda., empresa dos irmãos Germinia-

ni, é produzida atualmente a Dedo de

Prosa versão Carvalho e Louro-Canela.

São produzidos 80 mil litros anuais da

marca. Os próximos passos compreen-

dem o lançamento das cachaças Savas-

“O papel do produtor de cachaça artesanal é pesquisar sempre e criar novas oportunidades de negócio, mas sempre com foco na qualidade” Jacqueline Germiniani Calvo, proprietária da Agroindustrial Serra Grande Ltda.

Page 45: Cachaças+-+Minas+Gerais

Bebida é produzida na Fazenda Serra Grande,

em Piranguinho

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Page 46: Cachaças+-+Minas+Gerais

46

si nas versões ouro e prata e 180º (mix

de aguardente, limão e mel), em par-

ceria com produtores da região, e do

licor Dedo de Prosa. “Percebemos que

investir em outros produtos é uma saí-

da de mercado para alcançar um equilí-

brio comercial precisamos diversificar o

segmento. De repente, irão surgir novos

nichos e a Dedo de Prosa já vai estar

preparada para absorver esse merca-

do”, afirma Jacqueline. “O papel do pro-

dutor de cachaça artesanal é pesquisar

sempre e criar novas oportunidades de

negócio, mas sempre com foco na qua-

lidade do seu produto”. E para transfor-

mar toda a cadeia produtiva da cachaça

em agronegócio, a Agroindustrial Serra

Grande também envaza e produz blends,

como o da marca Colinas do Sul Ouro,

da Cooperativa do Sul de Minas.

Jacqueline, que coordena a pro-

dução da Dedo de Prosa, também é a

responsável pela criação de gado de

corte, num total de 800 cabeças da

raça Nelore, criadas em confinamento

com venda certa para o frigorífico da

região. Além disso, comercializa fer-

mento, bagaço e mudas de cana-de-

açúcar. E ainda sobra tempo para viajar

pelo Brasil a fim de dar palestras e con-

sultorias sobre o processo de fabrica-

ção da cachaça e desenvolvimento de

ações sustentáveis. “No caso da Dedo

de Prosa, todas as etapas de produção

são registradas dentro de um controle

rigoroso, a fim de manter a padroni-

zação do produto”. Na Fazenda Serra

Grande, as máquinas e conexões são

limpas diariamente. E a água do poço

artesiano, “nossa principal matéria-pri-

ma”, é analisada duas vezes ao ano.

Os produtores procuram ser o mais

ecológicos possível. Os resíduos viram

insumo, parte da palha e do bagaço da

cana são usados na queima da caldeira

e na forração do canavial. O bagaço é

vendido para produtores de cogumelo,

que o utilizam para forração dos solos.

Também é usado na propriedade para

fazer o berço para o gado descansar

durante o confinamento. O vinhoto vira

adubo no canavial e grande parte é des-

tinada para alimento do gado. Todos

esses processos são acompanhados

por um consultor ambiental.

Jacqueline Calvo acredita que o pa-

pel de todo produtor de cachaça de

alambique é levar a cultura do desti-

lado de cana aos diversos públicos.

“Mostramos que o consumo de bebida

alcoólica deve ser na quantidade certa,

e que uma boa cachaça é um alimento

que faz bem”. Desde, é claro, que seja

uma bebida de qualidade, o que deve

ser a regra número um de quem pro-

duz cachaça.

ficHa tÉcNicaCidade: PiranguinhoRegião: Sul de MinasProdutores: Jacqueline e Saulo de Barros Germiniani(35) 3623-1777 ramal 206 Início da produção: 2004Volume: 80 mil litros por anoTeor alcoólico: 40%Envelhecimento: três anos em barris de

carvalho (ouro) e dois anos em louro-canela (prata)

Page 47: Cachaças+-+Minas+Gerais

47

Gavião do Vale une irmãos em passatempo levado a sério

O município de Belo Vale, co-

nhecido pela sua tradição

histórica – com os legados da

Fazenda Boa Esperança, do Barão de

Paraopeba, e do Museu do Escravo –,

pelas belezas naturais e pela produção

de mexerica “ponkan”, vem ganhando

fama como produtor de cachaça arte-

sanal de qualidade. Uma das marcas de

destaque é a cachaça Gavião do Vale,

do casal Oliveira e Eunice Paiva. Produ-

zida na fazenda Gavião, numa área de

49 hectares, localizada entre Belo Vale e

Piedade dos Gerais, a bebida é comer-

cializada nas versões ouro e prata, am-

bas envelhecidas durante cinco anos.

Dona Eunice conta que a Gavião do Vale

é muito apreciada pelo público femini-

no. “A nossa bebida tem baixa acidez,

suavidade e um toque adorável”.

Vendida basicamente nos municí-

pios próximos como Congonhas, Con-

selheiro Lafaiete, Ouro Branco, Moeda

e Tiradentes, e na Região Metropolita-

na de Belo Horizonte, a Gavião do Vale

começou sua história por acaso, há

quase 10 anos. Em 1999, o procurador

de justiça Oliveira Salgado Paiva parti-

cipou, juntamente com o irmão, o mé-

dico Olinto de Paiva Neto, de um curso

de degustação na Associação Mineira

de Produtores de Aguardente de Quali-

dade (Ampaq). Dali, saíram com a ideia

de montar um pequeno alambique,

igual ao das histórias que escutavam

do avô Balbino Lopes Salgado, imigran-

te português que chegou ao município

de Abre Campo no final do século XIX,

empregado na Fazenda Córrego Frio,

produtora de cana-de-açúcar, fumo e

café. Balbino enamorou-se de Cornélia,

filha do fazendeiro José de Abreu, ca-

sando-se em seguida com ela.

Como gestor da fazenda Córrego

Frio, Balbino ajudou na fabricação da

cachaça Cristalina, que se tornou uma

das marcas mais conhecidas na pri-

meira metade do século XX na região

da Zona da Mata Mineira. Com a mor-

te de José de Abreu, ele passou a ser

o proprietário da marca. “Meu avô era

conhecido também como Tenente Bino,

por ter exercido cargos políticos de

destaque durante mais de 30 anos em

Abre Campo. Em 1950, ele vendeu a pa-

tente da Cristalina para um empresário

“A nossa bebida tem baixa acidez, suavidade e um toque adorável”Eunice Caetano Paiva, produtora da Gavião do Vale

Cristalina

História familiar da produção da aguar-dente Cristalina, em Abre Campo, motivou os irmãos Oliveira Salgado Paiva e Olinto de Paiva Neto a enveredarem na produção de cachaça em Belo Vale.

Page 48: Cachaças+-+Minas+Gerais

Produtores receberam consultoria de especialistas e doutores para garantir a qualidade da produção

Page 49: Cachaças+-+Minas+Gerais

49

da cidade chamado Francisco Nassif.

Alguns anos depois conheci o senhor

Nassif, que me disse ter comprado todo

o alambique do meu avô, as dornas, a

caldeira, tudo. Só não comprou a recei-

ta. Aí não tinha jeito de acertar a mão

na cachaça”, conta Oliveira.

Proprietários da fazenda Gavião des-

de a década de 1990, Oliveira e Olinto

resolveram então, em 2000, construir o

engenho. O que parecia um passatem-

po foi levado a sério, assumindo um

tom profissional.

O investimento inicial priorizou a

qualidade técnica e incluiu equipamen-

tos: dornas de aço inox, filtros, caldeira,

envasadora, uma adega com 80 barris

de carvalho e mais seis tonéis de jequi-

tibá. O planejamento previu a adequa-

ção da produção às normas técnicas

do Ministério da Agricultura. Os irmãos

receberam consultoria do engenheiro

agrônomo Luiz Cláudio da Silveira, da

Universidade Federal de Viçosa, que

deu orientações sobre o plantio da

cana-de-açúcar; e da doutora Amazile

Biagioni Maia, responsável pelas aná-

lises químicas da bebida. Além da es-

trutura de produção, a fazenda Gavião

se preocupou também com os padrões

ambientais, com rodízio do solo para o

plantio da lavoura, o reaproveitamento

do vinhoto (usado na irrigação) e do ba-

gaço. Na propriedade, há ainda uma re-

serva de mata nativa, de nove hectares,

e três nascentes.

Com a morte do irmão e idealizador

da Gavião do Vale, Olinto Paiva Neto,

em 2004, seu Oliveira contou com a

ajuda da esposa Eunice Caetano para

gerir a fazenda. A empresária passou a

desenvolver estratégias para comercia-

lização da marca, com a participação

em feiras, como a Feira e Festival In-

ternacional da Cachaça (ExpoCachaça),

e eventos com o apoio do Sindicato

das Indústrias de Cerveja e Bebidas em

Geral do Estado de Minas Gerais (Sin-

dbebidas). A empresa Salgado e Paiva

Agroindústria Ltda., responsável pela

Gavião do Vale, também tem contado

com um grupo de distribuidores nos es-

tados de Minas Gerais e São Paulo. Ao

obter o selo do Inmetro em dezembro

de 2008 por meio do Programa Nacio-

nal de Certificação da Cachaça (PNCC),

a Gavião do Vale deu mais um passo

no seu projeto de expansão. “O selo

foi uma vitória pra gente, pois certifica

a nossa qualidade para o mercado e o

público em geral. Queremos que a nos-

sa marca se torne conhecida e passe a

ser consumida por mais pessoas”, de-

fende Eunice Caetano.

ficHa tÉcNicaCidade: Belo ValeRegião: Central Produtor: Salgado e Paiva Agroindústria Ltda.(31) 3337-9857 e (31) 99849857 Início da produção: 2002Volume: 30 mil litros por anoTeor alcoólico: 43% Envelhecimento: cinco anos em carvalho e jequitibá

Page 50: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 51: Cachaças+-+Minas+Gerais

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Irmãs gêmeas de padrão internacional

Elas fazem parte de uma geração

de cachaças preocupada com a

qualidade da bebida e a saúde

do consumidor. Gêmeas de 25 anos, a

Vale Verde tem corpo dourado; a Minha

Deusa, pele prateada. Ambas envelhe-

cidas durante três anos. A primeira, em

barris de carvalho. A segunda, em barris

de grápia. As duas nasceram das mãos

do empresário Luiz Otávio Pôssas Gon-

çalves, que na boca pequena do merca-

do é considerado um Midas. Por onde

passou no ramo de bebidas, há emble-

máticas histórias de sucesso. Ex-pro-

prietário da Refrigerantes Minas Gerais,

franquia mineira da Coca-Cola, criou a

Kaiser no Brasil, numa ideia considera-

da tão ousada à época pelo presidente

do grupo mundial, Donald Keough, que

Luiz Otávio recebeu apenas “um dólar”

de contribuição para a empreitada. O

empresário ainda guarda a nota, colo-

cada numa moldura.

Dessa trajetória, carregou na baga-

gem a experiência necessária para dar

vida à Fazenda Vale Verde, proprieda-

de da família no município de Betim, a

poucos minutos de Belo Horizonte. Ali,

construiu um alambique com tecnolo-

gia europeia e tornou-se o precursor

no uso desse conhecimento na pro-

dução de cachaça. “Para abrir a fábrica

da Kaiser tive de viajar para o exterior,

pesquisar na Europa os vários métodos

de destilação e fermentação, tanto de

cervejas como do uísque e do vinho.

Quis aplicá-los na produção da cacha-

ça”, explica Gonçalves. Na avaliação de

especialistas do setor, o projeto signifi-

cou também o início da profissionaliza-

ção da produção de cachaça artesanal,

a partir de meados dos anos 1980. O

modelo de alambique de Luiz Otávio

passou a mostrar, ano a ano, que a qua-

lidade estava vinculada à tecnologia.

“Naquela época, a maioria dos alam-

biques trabalhava sem aporte científico

e tecnológico. Primeiro, inovamos ao

selecionar a cana e a não queimá-la. Na

produção da Vale Verde também retirei

a fermentação com fubá, que embora

seja mais rápida não é de boa qualidade

e gera mais acidez. Passamos a usar so-

mente a fermentação natural e leveduras

selecionadas”, lembra Luiz Otávio. Já a

garapa extraída da moagem da cana era

centrifugada, decantada e filtrada antes

de ir às dornas de fermentação. No pro-

cesso de destilação, a cachaça que saía

do alambique passava por um filtro de

“Há um público específico para a cachaça artesanal, que é diferente da bebida industrializada”Luiz Otávio Pôssas Gonçalves, produtor das cachaças Vale Verde e Minha Deusa

Trajetória do empresário Luiz Otávio é marcada por histórias de sucesso no setor de bebidas

Page 52: Cachaças+-+Minas+Gerais

52

resina catiônica, que assegura a retira-

da de metais pesados, como o cobre e

o zinco; e, depois, por um filtro de car-

vão, responsável pela redução da acidez.

“Um costume antigo dos produtores de

cachaça artesanal era usar o fogo direto,

a partir da queima de lenha ou do baga-

ço de cana, para aquecer o alambique e

fazer a destilação. Um dos cuidados que

tivemos desde o início foi fazer a desti-

lação a vapor, porque assim se consegue

o aquecimento do caldo a uma tempera-

tura gradual e constante, o que faz com

que o álcool superior (mais volátil) se se-

pare primeiro. Esse álcool é pior para a

saúde. Enfim, com esse processo conse-

guimos fazer uma separação melhor”.

Além do investimento em tecnologia

e do incentivo à profissionalização do

setor, a cachaça Vale Verde também foi

pioneira, entre os produtores de bebi-

das destiladas, na área da preservação

ambiental. Em 2002, criou o Vale Verde

Parque Ecológico com o objetivo de ofe-

recer aos visitantes um espaço de lazer,

diversão e ecoturismo. São 30 hectares

onde estão dispostos um orquidário

com mais de 20 mil orquídeas e viveiros

de pássaros silvestres como papagaios,

araras, tucanos e lóris, entre outros. Há

ainda um parque de pesca, uma horta

orgânica, passeios de charrete e peda-

linhos, além de trilhas ecológicas para

o visitante. Na propriedade, um acervo

com quase 2 mil garrafas, de diversas

marcas de todo o Brasil, estão reuni-

das no Museu da Cachaça, que atrai a

atenção dos apaixonados pelo assunto.

“A receita obtida na venda das cachaças

Vale Verde é revertida, integralmente, em

ações de preservação ambiental do par-

que. Além disso, empresas, instituições

governamentais e de ensino mantêm

parcerias conosco, desenvolvendo ações

de responsabilidade ambiental e social”,

O modelo de alambique da Vale Verde mostrou, a partir

de 1985, que a qualidade na produção de cachaça

está associada à tecnologia

Page 53: Cachaças+-+Minas+Gerais

53

informa o gerente geral da Fazenda Vale

Verde, Rafael Gonçalves Horta.

O Parque Ecológico recebe a média

mensal de 6,5 mil visitantes, o que de-

monstra o sucesso da iniciativa. “Esta-

mos incentivando os jovens a ações de

preservação ambiental, oferecendo co-

nhecimento sobre a fauna e a flora. Além

dos benefícios sócio-ambientais do par-

que, conseguimos divulgar a nossa mar-

ca”, comenta o gerente.

Atualmente, a Vale Verde e a Minha

Deusa são vendidas para quase todas

as regiões do Brasil. Segundo o gerente

Rafael Gonçalves Horta, as duas marcas

já podem ser encontradas nas regiões

Sudeste e Sul, em quase todos os esta-

dos do Nordeste, bem como no Distri-

to Federal, em Goiás, no Mato Grosso,

Amazonas, Pará e Acre. Sinônimos de

cachaças de qualidade, a Vale Verde e

a irmã, Minha Deusa, carregam o reco-

nhecimento de organismos públicos e

privados, além de revistas nacionais e

internacionais.

A Vale Verde foi, por exemplo, a

primeira cachaça a receber o Selo de

Qualidade AMPAQ (Associação Mineira

de Produtores de Aguardente de Qua-

lidade) no começo da década de 1990.

Em 2007, obteve o selo de qualidade do

Inmetro e foi escolhida a melhor cacha-

ça brasileira no Ranking de Cachaças da

Revista Playboy. Pela mesma publica-

ção, a Vale Verde recebeu, em 2009, o

primeiro lugar na categoria Melhor Ca-

chaça Extra Premium. E em 2010, quan-

do os produtos completam 25 anos de

lançamento, a revista europeia Drink

Business concedeu a medalha de ouro à

cachaça envelhecida Vale Verde e à não

envelhecida Minha Deusa.

A cachaça Minha Deusa segue os

mesmos padrões de produção da Vale

Verde. Tem, no entanto, escala produtiva

menor, de 20 mil litros por ano, enquanto

a Vale Verde produz anualmente 150 mil

litros. “A Minha Deusa foi idealizada para

atender ao público que prefere a cachaça

branca. A ideia era ser uma bebida para

fazer batidas e coquetéis, e com preço

mais baixo”, explica Rafael Horta.

Sobre o futuro da cachaça de alam-

bique, Luiz Otávio defende a busca pela

qualidade. “Vejo muito futuro para a ca-

chaça, principalmente agora que temos

a certificação que diferencia o bom pro-

duto do ruim. Defendo que haja essa

segmentação do mercado, é preciso que

um órgão governamental incentive isso,

essa competição, essa definição da ori-

gem da cachaça e o seu modo de produ-

ção, porque aí ela vai ampliar o seu pú-

blico. Porque há um público específico

para a cachaça artesanal, que é diferente

da bebida industrializada”, completa.

ficHa tÉcNicaCidade: Betim Região: Metropolitana de BHProdutor: Luiz Otávio Pôssas Gonçalves / Fazenda Vale Verde(31) 3079-9171 Início da produção: 1985Volume de produção: 150 mil litros por anoTeor alcoólico: 40%Envelhecimento: três anos em barris de carvalho

(Vale Verde) e três anos em dornas de grápia/madeira neutra (Minha Deusa)

Page 54: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 55: Cachaças+-+Minas+Gerais

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Prazer de Minas representa o estado dentro e fora do país

O empresário Euler Chaves ini-

ciou a produção da cachaça

Prazer de Minas em 1999 com

o objetivo de gerar mais receita para

a sua propriedade rural, localizada no

município de Esmeraldas, na região me-

tropolitana de Belo Horizonte. Com tra-

jetória bem sucedida no ramo de venda

de combustíveis, mas sem experiência

na produção de destilados, Euler resol-

veu conhecer a fundo o universo dos

alambiques artesanais para transformar

a sua marca, dez anos depois, numa das

principais cachaças de Minas. Vendida

para 18 estados brasileiros – onde o

consumidor tem saboreado a suavidade

e o buquê da cachaça envelhecida em

tonéis de carvalho –, a Prazer de Minas

foi eleita, em 2009, a Melhor Cachaça da

Feira e Festival Internacional da Cachaça

(ExpoCachaça). O resultado veio acom-

panhado de um convite irrecusável: car-

regar o selo do Instituto Estrada Real e

representar Minas Gerais em eventos

no Brasil e no exterior. “Estamos tendo

um reconhecimento da nossa trajetória,

e espero que novas portas sejam aber-

tas”, afirma Euler Chaves, que atribui

essas conquistas à preocupação, desde

o início, com a qualidade em todas as

fases da produção. “Priorizamos uma

infraestrutura moderna, muita preocu-

pação com a higiene desde o corte e a

lavagem da cana à destilação. A nossa

fazenda também foi uma das primeiras

a utilizar leveduras selecionadas da Uni-

versidade Federal de Lavras em 1999

para o destilado de cachaça, produzin-

do uma bebida de altíssima e refinada

qualidade”.

Localizada em região de vale, área de

60 hectares, a Prazer de Minas montou

uma das estruturas de produção de ca-

chaça mais modernas do estado, com

dois alambiques de cobre aquecidos por

caldeira, sala de fermentação climatiza-

da, dornas de inox, sistema de engarra-

famento e duas adegas sendo uma com

barris de carvalho inglês, e outra com

dornas de jequitibá. “Ao se seguir um

processo limpo, conseguimos uma ca-

chaça com baixa acidez, transparente, e

de excelente qualidade”, observa Euler.

As características da bebida têm

agradado ao mercado. Mas para chegar

a ele, o empresário Euler Chaves tem

“Estamos tendo um reconhecimento da nossa trajetória, e espero que novas portas sejam abertas”Euler Chaves, produtor da Prazer de Minas

Para Euler (na foto da página ao lado), processo limpo garante cachaça com baixa acidez e excelente qualidade

Page 56: Cachaças+-+Minas+Gerais

56

Fazenda integra projeto da Estrada Real

Após o convite do Instituto Estrada Real, a Fazenda Prazer de Minas está se preparando para abrir o empreendimento ao público, transformando-se num ponto turístico. Para isso, investe R$ 80 mil somente na urbanização da fazenda, incluindo a construção de um piso similar ao da Estrada Real. “A pavimentação original é o chamado pé de moleque, mas como não encontramos esse material, estamos fazendo de tudo para ficar parecido e criar aquela mesma sensação do caminho histórico”, afirma Euler Chaves. O empreendimento também terá restaurante e a oferta de passeios ecológicos para os turistas, pois dentro da fazenda há duas reservas florestais ideais para passeios.

A parceria com o Instituto Estrada Real renderá ainda outros benefícios: “Estamos numa fase de mudança. No começo de fevereiro de 2010, a Prazer de Minas passou a ser comercializada com o novo rótulo, com o acréscimo do brasão Estrada Real. A Prazer de Minas vai representar também a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e receberá o apoio do governo estadual. Nossa cachaça estará presente em todos os eventos, exposições e na rede de hotelaria da Estrada Real”, informa Chaves.

56

feito um trabalho de relacionamento

permanente com os grandes distribuido-

res. Quando começou a comercializar a

cachaça, em 2002, ele passou a investir

nos principais mercados consumidores

do Brasil. Hoje, vende 30 mil litros anuais

da bebida, grande parte consumida fora

de Minas. “Uma vez por mês viajo para

divulgar a Prazer de Minas. Visito um ou

dois grandes distribuidores, seja em Bra-

sília, São Paulo, Rio de Janeiro ou outros

estados”. O esforço maior, no entanto,

está concentrado em São Paulo, o maior

mercado brasileiro para a cachaça. “São

Paulo é o maior comprador da Prazer de

Minas”, afirma Euler.

Os esforços estão concentrados,

também, num nicho em que poucos

produtores de cachaça artesanal cos-

tumam investir: a classe A. No início,

a marca inovou no formato das emba-

lagens, ao fazer parte de um grupo que

passou a utilizar garrafas transparentes

importadas do Uruguai. “Nós começa-

mos a importar a garrafa transparente,

cilíndrica, diferenciada para atender um

público sofisticado. Depois essa garrafa

começou a ser produzida em São Paulo

Page 57: Cachaças+-+Minas+Gerais

57

ficHa tÉcNicaCidade: EsmeraldasRegião: Metropolitana de BHProdutor: Euler Chaves(31) 9990-3390 Início da produção: 1999Volume: 50 mil litros por anoTeor alcoólico: 39%Envelhecimento: dois, três, cinco e dez anos

em barris de carvalho Inglês ou dornas de jequitibá

pela Saint-Gobain”. Logo após, a Prazer

de Minas também passou a ter garrafa

própria, exclusiva e personalizada. Uma

das iniciativas para aproximar a Prazer

de Minas ainda mais de um público se-

lecionado ocorreu em 2004. A cachaça

chegou ao mercado em edição “Gold”

com cinco anos de envelhecimento, ven-

dida em garrafa de cristal, francesa, com

design moderno e muito nobre. A come-

moração dos dez anos da marca veio

acompanhada de investimento arrojado

para uma cachaça artesanal. O empresá-

rio Euler Chaves importou 200 garrafas

de cristal da Boêmia (República Tcheca).

“É a nossa edição Celebration, em co-

memoração aos dez anos da Prazer de

Minas com uma cachaça nobre envelhe-

cida em carvalho.” Cada unidade custou

R$ 1.260,00. O cliente recebe a garrafa

em casa, numerada e com certificado no

nome dele. Chaves garante que quase

não existem mais dessas garrafas impor-

tadas da Boêmia. “Uma grande empre-

sa comprou 40 unidades para oferecer

a celebridades, e o próprio empresário

presenteou o presidente Lula e o vice-

presidente José Alencar.”

Page 58: Cachaças+-+Minas+Gerais

58

Prosa & Viola: legado cultural com a alma do homem sertanejo

Conhecido como a sede do Cir-

cuito Turístico Guimarães Rosa

e por estar localizado no centro

geográfico de Minas, o município de Mor-

ro da Garça, na região central do estado,

começa a fazer parte também do roteiro

dos alambiques artesanais. Ex-distrito

de Curvelo – região que deu notoriedade

a cachaças que marcaram época como

Florisbella, Correinha, Reis, Sarobá, Excel-

sior e Marcolina, entre outras –, Morro da

Garça meteu na algibeira o legado cultural

dos vaqueiros e das cantorias e produziu

uma cachaça de qualidade e com a identi-

dade da região: a Prosa & Viola.

Desde o começo de 2001, quando o

engenheiro e produtor rural José Antô-

nio de Freitas Souza resolveu montar um

alambique, a ideia era produzir uma

cachaça bem elaborada tecnica-

mente e que tivesse uma relação

com o homem sertanejo, com as

coisas rurais. “Eu sou um ho-

mem que cresceu no campo e

apaixonado pela sua cultura.

Por esse motivo, a minha ca-

chaça representa esse uni-

verso”, explica.

Na fazenda Alvorada, com área de 480

hectares e criação de gado de corte, José

Antônio montou um pequeno alambique

unindo tecnologia às normas produtivas

de uma boa cachaça artesanal. Com ca-

pacidade atual de 30 mil litros anuais, a

estrutura do engenho possui salas de fer-

mentação isoladas, duas engarrafadoras,

filtros de polimento para a separação

de partículas sólidas da cachaça e ade-

ga com 180 barris de carvalho e quatro

tonéis de jequitibá. Fora o maquinário,

a Agro-Indústria Prosa & Viola (nome da

empresa responsável pela marca) inves-

tiu numa produção ecologicamente cor-

reta, adequada à legislação ambiental.

Merecem destaque as ações de reapro-

veitamento de resíduos, como o baga-

ço e o vinhoto; o corte sustentável da

cana, com a proibição de desmatamen-

tos e queimadas na área de plantio; e a

reutilização da água, que após resfriar o

alambique ou ser usada para limpeza das

instalações, é escoada e usada na irriga-

ção da lavoura.

Além da qualidade produtiva, a Fa-

zenda Alvorada possui a beleza dos cam-

pos cerrados, sendo a sua região famosa

Eu sou um homem que cresceu no campo e apaixonado pela sua cultura. Por esse motivo, a minha cachaça representa esse universo”José Antônio de Freitas Souza, produtor da cachaça Prosa & Viola

Page 59: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 60: Cachaças+-+Minas+Gerais

60

A Prosa & Viola e a Terra de Minas foram as duas primeiras cachaças artesanais a receber, em dezembro de 2006, o selo Inmetro de qua-lidade, por meio do Programa Nacional de Cer-tificação da Cachaça (PNCC). A iniciativa, que avalia todas as etapas do processo artesanal de produção, como práticas ambientais, proprieda-des químicas e padronização, resultou em um

ganho de imagem efetivo para as duas marcas. “Os certificados n° 1 e 2 do Inmetro são, respec-tivamente, da Prosa & Viola e da Terra de Minas. Isso significou muito pra gente e mostrou que temos qualidade”, afirma o produtor José Antô-nio. Ele ressalta que, durante as duas auditorias realizadas pelos técnicos do Inmetro, a Agro-In-

60

Pioneiras na certificação

dústria Prosa & Viola foi aprovada nos quesitos de limpeza e higiene; na adoção de controles rigorosos no trato da matéria-prima, manejo do canavial e cuidado com fertilizantes e outros in-sumos; cumprimento da legislação trabalhista e nos aspectos ambientais. A gerente de vendas, Daniela Vilaça, conta que após a obtenção da certificação as marcas ganharam muito em mídia espontânea. “Em 2007, foram veiculadas maté-rias em sites, revistas e publicações diversas”, afirma a gerente.

Dentre as estratégias de venda, a Prosa & Viola e a Terra de Minas começaram a partici-par de feiras do setor, eventos de degustação e, também, de encontros das mais diversas áreas profissionais, mas sempre com foco no público classe A. Congressos médicos, fóruns de profis-sionais do setor imobiliário, feiras agropecuárias e encontros gastronômicos são exemplos dessa iniciativa. “Acreditamos que, ao ter contato com públicos diferentes, divulgamos a nossa marca e mostramos a qualidade da cachaça artesanal”, define Daniela.

Atualmente, a Prosa & Viola e a Terra de Mi-nas são vendidas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Bahia, Paraná, Santa Ca-tarina e Rio Grande do Sul. O projeto para o fu-turo é ampliar as vendas no Rio de Janeiro, onde a Terra de Minas já tem um público consumidor; em São Paulo e, principalmente, em Minas. “No nosso estado temos investido na região do en-torno de Belo Horizonte, e em Uberlândia e Dia-mantina, lugares onde temos representantes. Mas queremos ampliar esse quadro”, garante a gerente de vendas.

Page 61: Cachaças+-+Minas+Gerais

61

por representar o início do sertão rosia-

no. Dizem que foi passando por aqueles

caminhos que o escritor João Guimarães

Rosa descreveu com deslumbramento o

Morro da Garça, uma elevação rochosa

de 350 metros cercada de superfície pla-

na. Chamado depois de “morro testemu-

nho” e eternizado por Rosa no conto “O

Recado do Morro”, o da Garça continua

referência para vaqueiros e viajantes que

passam pela região.

Foi ali que, em 2001, a Prosa & Viola

comemorou a sua primeira safra. Porém,

antes de ser comercializada, foi envelhe-

cida em barris de carvalho por três anos

ficHa tÉcNicaCidade/Região: Morro da Garça / Região CentralProdutores: José Antônio de Freitas Souza e Daniela Vilaça Souza(31) 8709-2266 Início da produção: 2001Volume: 30 mil litros por anoTeor alcoólico: 40% Envelhecimento: três anos em barril de carvalho

(Prosa & Viola); um ano em tonel de jequitibá (Terra de Minas)

para ganhar a característica aparência

ouro. Em 2004, na Feira e Festival In-

ternacional da Cachaça (ExpoCachaça),

José Antônio e sua filha Daniela Vilaça

Souza, gerente de vendas da empresa,

montaram um estande para a cachaça

de Morro da Garça e começaram a pro-

sear com os fregueses. Foi a entrada no

mercado. “Depois da experiência da fei-

ra, percebemos que o público procurava

também uma cachaça branca para fazer

coquetéis. Aí idealizamos a Terra de Mi-

nas, um destilado prata armazenado em

tonéis de jequitibá e com o gosto da

nossa região”, explica o produtor.

Page 62: Cachaças+-+Minas+Gerais

62

“Quando se começa a fabricar a cachaça artesanal não se tem ainda um padrão... Às vezes, esse gosto característico, tão próprio da sua terra, acaba agradando mais pessoas”Marcos Cordeiro de Resende,produtor da P.O. de Minas

Pura de origem na terra do gado zebu

O nome pode causar certa estra-

nheza à primeira vista. Afinal,

P.O. (ou Puro de Origem) é uma

sigla geralmente utilizada para designar

um animal com pedigree, puro de uma raça.

Mas foi justamente pela familiaridade com

a expressão em Conquista, no Triângulo

Mineiro, região de raças zebuínas, que o

produtor e alambiqueiro Marcos Cordeiro

de Rezende conseguiu associar os mes-

mos atributos à cachaça P.O. de Minas.

Assim, transmite ao mercado a percepção

de um produto com pureza garantida na

origem. “Meu tio Oto Rezende da Cunha

foi quem criou a marca no começo da

década de 1980 pensando na cultura dos

criadores de gado. A marca fez sucesso

e se tornou muito falada por aqui”, infor-

ma Marcos Cordeiro, conhecido na região

como Marcos da P.O.

A trajetória da cachaça pode ser di-

vidida em dois momentos. De 1980 até

1995, período em que Oto Rezende da

Cunha produziu a cachaça em sua fa-

zenda, localizada em Capinópolis, a 160

quilômetros de Uberlândia. Ao longo de

quinze anos, seu Oto foi modernizando

o modo de produção da P.O. de Minas.

Quando resolveu parar, o sobrinho Mar-

cos Cordeiro, que queria uma alternativa

para a criação de gado leiteiro, ficou com

a marca. A partir de 1996, na Fazenda

Montágua, no município de Conquista,

Marcos priorizou a melhoria técnica do

produto. “Eu era apenas um consumidor

de cachaça e trabalhava com produção

de leite há 14 anos. Mas sempre enfren-

tava muitas dificuldades. Então resolve-

mos investir, eu, meu pai Donaldo e mi-

nha mulher Séfora, na cachaça”.

Para conhecer os processos de produ-

ção da cachaça artesanal, Marcos buscou

informação técnica junto ao Sebrae-MG.

Com o suporte da instituição, fez cur-

sos de alambiqueiro e de fermentação.

Descendente de italianos que imigraram

Page 63: Cachaças+-+Minas+Gerais

Cachaça com fermento caipira

A P.O. de Minas é fabricada na Fazenda Montágua,

em Conquista, dentro das normas de certificação das

chamadas bebidas de qualidade. A cachaça apresenta

teor alcoólico de 39%, baixa acidez e um buquê com

leve toque do carvalho, madeira usada nos barris para o

envelhecimento da bebida durante dois anos.

No processo de fermentação é usado o chamado

fermento caipira, cuja mistura traz milho, farelo de ar-

roz e farelo de soja. Já na destilação, o produtor separa

o coração da cachaça para ser envelhecido, reutilizan-

do a cabeça e a cauda para produzir álcool para uso

doméstico.

“Acredito que um dos fatores que ajudou na venda

da nossa cachaça foi a suavidade. Isso porque a P.O. de

Minas é mais leve do que as cachaças de outras regi-

ões do estado. Além disso, quando se começa a fabricar

a cachaça artesanal não se tem ainda um padrão e o

produtor acaba buscando um gosto, um sabor que seja

do seu agrado. Às vezes, esse gosto característico, tão

próprio da sua terra, acaba agradando mais pessoas”,

afirma o produtor Marcos Cordeiro de Rezende.

A Fazenda Montágua é propriedade da família Re-

zende há mais de 70 anos. A área foi comprada pelo

bisavô de Marcos Cordeiro na década de 1930. O nome

“Montágua” foi dado porque as terras, a 25 quilômetros

do Rio Grande, são banhadas por muita água de qua-

lidade – nascentes, minas d’água e córregos. Marcos

Cordeiro conta que na época da certificação do Inmetro

os técnicos fizeram estudos de qualidade da água, cujo

resultado foi positivo. “Essa água é utilizada na produ-

ção da cachaça. Um exemplo disso está na preparação

do caldo para moagem”, relata.

63

Page 64: Cachaças+-+Minas+Gerais

64

ficHa tÉcNicaCidade: ConquistaRegião: Triângulo MineiroProdutor: Marcos Cordeiro de Resende(34) 9978-0540 e (34) 9989-2034 Início da produção: 1996Volume: 30 mil litros por anoTeor Alcoólico: 38% (prata) e 39% (ouro)Envelhecimento: dois anos em barril de carvalho

(ouro) e jequitibá-rosa (prata)

para o Brasil no início do século XX para

trabalhar nas lavouras de café, Marcos

passou a contar com a família no negó-

cio. Ele fica na produção, responsável por

supervisionar a moagem, a fermentação,

o alambique e a limpeza do maquinário.

O pai Donaldo, com 78 anos, ajuda a es-

posa de Marcos no engarrafamento e na

rotulagem. E a filha Daniela desenvolve as

estratégias de divulgação da marca.

A fabricação da cachaça, no entanto,

é apenas uma das etapas do processo da

cadeia produtiva da bebida. Outra igual-

mente importante, na avaliação do pro-

dutor, é a venda do produto e a conquista

de um espaço no mercado. De acordo

com estimativa do Sebrae-MG, existem

mais de 600 marcas de cachaça em Minas

Gerais, fora os alambiques com produção

e venda clandestina. Ou seja, o produtor

que atua na formalidade enfrenta, além

da alta tributação, um mercado concorri-

do e, em muitos casos, uma disputa des-

leal. “No início, a gente vendia apenas a

granel em Conquista e, depois, no Triân-

gulo Mineiro. Além da concorrência, havia

ainda depreciação em relação à cachaça

artesanal. As pessoas acreditavam que

não tínhamos qualificação e higiene. Era

comum a gente escutar que havia gambá

lá na fazenda”, relembra Cordeiro.

Em 2000, o produtor da P.O. de Minas

deu mais um salto de qualidade ao pro-

fissionalizar o negócio, contando com a

consultoria do Centro de Tecnologia Ca-

navieira (CTC) para a completa adequa-

ção às normas do Ministério da Agricul-

tura e Pecuária (Mapa). O resultado foi a

ampliação das vendas para outras regiões

de Minas Gerais, além dos estados de São

Paulo e Rio de Janeiro. “A gente percebeu

que esse preconceito contra a cachaça

artesanal poderia diminuir se houvesse

mais qualidade na produção. Quando o

produtor agrega valor ao seu produto, ele

amplia o mercado. Por isso, quando o Se-

brae apareceu com a certificação e o selo

do Inmetro, a gente logo topou”.

O Sebrae-MG ajudou a P.O. de Minas

com 50% do custo da certificação, além

do apoio técnico para a implementação

dos procedimentos. “Na fazenda a gente

já aproveitava os resíduos, como o vinho-

to e o bagaço; mas a mudança principal foi

no controle rigoroso do processo de pro-

dução, com análises químicas constantes,

controle da fermentação e o estabeleci-

mento de normas”, relata o produtor.

Depois de tanto esforço, Marcos Cor-

deiro não perde o bom humor e diz que

tem a fórmula para fazer bons negócios

com o seu produto. “Eu digo que só faço

o que gosto, mulher e cachaça. Essa

brincadeira é porque tenho três filhas e

sou conhecido como o alambiqueiro da

P.O. de Minas”.

Page 65: Cachaças+-+Minas+Gerais

65

Lenda para deixar saudade

Transformar cachaça de qualidade

em lenda. Foi com este espírito

que o engenheiro químico Car-

los Assis deu início, em 2002, à ideia de

produzir cachaça no Engenho Santa Fé,

em campos de chapadão de Uberaba. No

projeto do engenho, os segredos dos fer-

mentos artesanais se aliaram à moderna

tecnologia de equipamentos e a um rígi-

do controle de qualidade para produzir

uma bebida única. Na região, onde nasce

o Velho Chico, águas cristalinas brotam

“Quando nasce uma cachaça de qualidade, uma áurea envolve o engenho, nasce ali uma lenda, que se torna presente por gerações” Carlos Assis, produtor da Lenda do Chapadão

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Page 66: Cachaças+-+Minas+Gerais

66

de veredas e deixam sua marca nas ca-

chaças que ali são preparadas.

Produzida em alambiques de cobre,

a Lenda do Chapadão provém de vinho

fermentado em ambiente isolado, onde

estão instaladas as dornas de aço inox,

com dispositivos de ajuste de tempera-

tura e de rigoroso controle de sanidade.

Neste ambiente reservado, se processa

uma fermentação inspirada na tradição

da melhor cachaça mineira. Em cana-

vial próprio, cultivado sem agrotóxico, a

cana da safra é colhida e moída diaria-

mente, produzindo uma garapa límpida

rica em sacarose. O bagaço serve como

combustível na caldeira, de onde é obti-

da a energia (por meio do vapor) para a

destilação controlada.

A preservação do meio ambiente

combina com a qualidade da cachaça

produzida. As nascentes de água crista-

lina, a fauna e flora são rigorosamente

preservadas, o vinhoto é aspergido no

canavial como fonte de nutrientes e o

reflorestamento com plantas nativas

é prática comum na área que cerca o

Engenho. No caso da água, captada em

fonte natural, o reaproveitamento é su-

perior a 90%, após sua utilização princi-

palmente nos resfriadores e no circuito

de vapor condensado (utilizado na cal-

deira para o aquecimento necessário

à destilação), retornando ao seu curso

natural na mesma qualidade quando da

sua captação.

Com safras da ordem de 15 mil litros,

Assis já totaliza 70 mil litros descansan-

do em tonéis de madeira, parte durante

dois anos, reservada em barris de carva-

lho (tipo ouro), parte em tonéis de jequi-

tibá-rosa (tipo prata). Os destilados são

conhecidos pela suavidade e pelo aroma.

“A Lenda do Chapadão, certificada

pelo Inmetro, tem seu mercado principal

em cidades de Minas, São Paulo e Brasí-

lia, e reúne qualificação para participar

de seleto mercado e de confrarias no fu-

turo”, afirma o produtor. Para divulgar a

bebida, a Lenda do Chapadão tem parti-

cipado de feiras setoriais e também reali-

za o “Dia de Campo”, quando um bar ou

cachaçaria oferece a bebida aos clientes

para ser degustada. “Já fizemos o evento

no Mercado Central de Belo Horizonte e

de São Paulo, em clubes, restaurantes. E

o público aprovou, porque quando nossa

cachaça é degustada, não se tem pressa

pois ela é suave e desce macia”.

Fluminense de Nova Friburgo, Carlos

Assis mora na roça, e junto ao engenho

recebe os amigos para relembrar sauda-

des, numa prosa “acompanhada de len-

das”. “O ato de degustar uma cachaça

possui a mágica de nos levar por cami-

nhos em que só a saudade nos guia, daí

a lenda”, considera Assis.

ficHa tÉcNicaCidade: UberabaRegião: Triângulo MineiroProdutor: Carlos Assis(34) 3313-0855 Início da produção: 2003Volume: 15 mil litros por anoTeor alcoólico: 40%Envelhecimento: um ano em barris de carvalho e

jequitibá-rosa

Page 67: Cachaças+-+Minas+Gerais

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Segredos de Araxá em forma de cachaça

F oi na fazenda Asa Branca, em

Araxá, localizada no Alto Para-

naíba, que Paulino Correa Chi-

crala, descendente de libaneses, pas-

sou a desvelar segredos desta terra e a

contá-los em forma de cachaça. Que o

apreciador não espere, depois de beber

algumas doses, descobrir confidências

íntimas de personagens consagrados

da região como Ana Jacinta de São José

(a Dona Beja) nem as propriedades das

águas medicinais do lugar. Mas poderá

apreciar o sabor suave de uma cachaça

envelhecida em carvalho e que carrega

um pouco da história da família. Pauli-

no Chicrala lembra-se do tempo em que

ficava na fazenda do seu avô, quando

menino, vendo o preparo da rapadura.

“Meu avô Chicrala Miguel Elias veio para

o Brasil em 1907, do Líbano, descenden-

te de uma família muito tradicional que

raramente consumia bebida alcoólica.

Em sua fazenda, havia criação de gado e

produção de café. E claro, a produção de

melado para a rapadura”.

O gosto pelas coisas do campo fi-

cou marcado em Paulino, que resolveu,

em 1998, iniciar uma atividade rural na

fazenda Asa Branca. “Tenho essa pro-

priedade bem próxima a Araxá. Pen-

sando em torná-la produtiva, analisei

várias opções desde cogumelo, avicul-

tura e pupunha até produção de leite. A

cachaça era um produto relativamente

marginalizado, mas já começava a dar

os primeiros passos para tornar-se uma

bebida refinada e apreciada pelos mais

exigentes degustadores”.

Como a região do Alto Paranaíba é

marcada por um clima bem equilibra-

do, altitude apropriada para o cultivo

da cana-de-açúcar e conta com água

de primeira qualidade, Paulino decidiu

investir na cachaça. Junto com a família

iniciou o plantio do canavial e construiu

um alambique adequado aos padrões

técnicos, com dornas, serpentinas e

tubulações de aço inox, o que facilita

a higienização de todo o equipamen-

to; filtros para retirada de resíduos de

cobre; alambique aquecido a vapor e

envazadora. Em 1998, foi produzida a

primeira safra, de cerca de 20 mil litros,

da marca Segredo de Araxá.

“Fazer cachaça é um processo sim-

ples, é necessário ter disciplina, higiene

“A cachaça era um produto relativamente marginalizado, mas já começava a dar os primeiros passos para tornar-se uma bebida refinada e apreciada pelos mais exigentes degustadores”.Paulino Correa Chicrala, produtor das cachaças Segredo de Araxá e Carnaval

Page 68: Cachaças+-+Minas+Gerais

68

e estar envolvido com o negócio. Digo

sempre que higiene, manejo e equipa-

mentos adequados são parte do segre-

do da boa cachaça artesanal”, afirma

Paulino. O produtor conta que apren-

deu a produzir cachaça sozinho. Auto-

didata, visitou inúmeros alambiques,

conversou com especialistas da área,

leu livros sobre o assunto e, o principal,

colocou a mão na massa.

Embora tenha aprendido sozinho a

maior parte do processo, Paulino garan-

te que a produção da Segredo de Araxá

respeita todas as normas técnicas. Ali na

Fazenda Asa Branca, de 48 hectares, ro-

deada por flora nativa de cerrado, com

exemplares de jatobá, ipê, cedro, angico

e pau-ferro, o visitante vai encontrar o

cuidado com o fabrico da cachaça arte-

sanal em harmonia com o meio ambien-

te. Dentre as ações sustentáveis, mere-

cem destaque a redução da queima de

lenha substituída pelo bagaço na caldei-

ra; a utilização das pontas da cana para

alimentar o gado; o aproveitamento do

vinhoto na irrigação do canavial e o rea-

proveitamento da água.

A Segredo de Araxá obteve o selo or-

gânico do Instituto Mineiro de Agropecu-

ária (IMA) em 2009 devido aos procedi-

mentos sustentáveis, como o manejo do

canavial e a não utilização de agrotóxico.

“Cerquei toda a fazenda com mata nativa

e tenho 30 pés de bálsamo de refloresta-

mento. Também preservo duas nascentes

dentro da propriedade”, relata Paulino.

Certificada pelo Inmetro em abril de

2009, o que atestou os processos de

moagem, fermentação e destilação a

vapor, a Segredo de Araxá é envelhecida

durante seis anos em barris de carva-

lho, em um ambiente com temperatu-

ra, luminosidade e umidade adequadas.

O resultado, segundo Paulino Chicrala,

é uma bebida suave, aromática e com

teor alcoólico de 40%. Outro destaque

da Segredo de Araxá é a baixa acidez,

em torno de 0,63g por 100ml de álcool

anidro. É um valor relativamente baixo,

já que o Ministério da Agricultura, Pecu-

ária e Abastecimento estabelece teor de

acidez máximo de até 0,100g por 100ml

de álcool anidro.

A cachaça Segredo de Araxá é vendi-

da atualmente em Minas Gerais, Distrito

Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Para-

Região do Alto Paranaíba

é marcada por clima equilibrado e altitude apropriada para

o cultivo da cana-de-açúcar

Page 69: Cachaças+-+Minas+Gerais

69

ficHa tÉcNicaCidade: AraxáRegião: Alto ParanaíbaProdutor: Paulino Chicrala,

Chicrala Agroindustrial Ltda.(34) 9105-6674 Início da produção: 1999Volume anual de produção: 50 mil litros por anoTeor alcoólico: 40%Envelhecimento: quatro e seis anos em carvalho

(Segredo de Araxá) e dois anos em jequitibá (Carnaval)

ná, Ceará, Bahia, Mato Grosso do Sul,

Mato Grosso, Goiás e Amazonas. De

acordo com Paulino Chicrala, desde o

começo da produção a bebida tem sido

vendida para distribuidores, e também

via telefone e internet.

O produtor, porém, critica a atuação

do governo em virtude da alta tributa-

ção e da falta de ações para a valori-

zação da cachaça artesanal. Apesar de

os produtores de cachaça terem sido

excluídos do Simples, ficando sujeitos,

por exemplo, a pagar IPI de R$ 2,90 por

garrafa, reduzindo a competitividade do

produto, Paulino não pensa em parar,

em razão dos investimentos já realiza-

dos. “Estamos desenvolvendo ações

visando a ampliar o nosso espaço no

mercado”, ressalta.

O produtor tem investido nos úl-

timos anos na exportação da Segredo

de Araxá. Ele participa do consórcio

ConBrasil Cachaça Export com foco no

mercado norte-americano, que reúne

um produtor de São Joaquim de Bicas

(cachaça Ilha Grande), um produtor de

Coluna, do norte de Minas (cachaça

Coluninha) e a sua marca de Araxá. Os

três têm selo orgânico do IMA, pois não

fazem uso de agrotóxicos no plantio da

cana e tampouco no processo de pro-

dução da cachaça. “Já fizemos três ex-

portações para os EUA, em 2004, 2006

e 2007, com o volume aproximado de 6

mil litros. Cada produtor é responsável

por um terço do que é exportado. De-

pois da crise, em 2008 e 2009, aguar-

damos a recuperação do mercado para

voltar a vender”, ressalta. “Meu grande

sonho é a exportação, vender volumes

maiores de uma vez só. A Segredo de

Araxá quer avançar nesse projeto. O

produto exportado passa a ser mais va-

lorizado no mercado interno”.

Para o consumidor que visita a Fa-

zenda Asa Branca, em Araxá, o alambi-

que oferece um atrativo diferente para

o fã de uma boa caninha. O produtor

Paulino Chicrala armazenou a cachaça

Segredo de Araxá em vários tipos de

madeira. Dessa forma, o visitante pode

degustar a cachaça envelhecida em to-

néis de umburana, ipê, bálsamo, amen-

doim, garapa, freijó, carvalho, jequitibá,

jatobá e castanheira. “A ideia é que o

visitante possa provar o destilado em

diferentes madeiras. A de que ele gostar

mais, ele leva”, brinca.

A Chicrala Agroindustrial Ltda., ra-

zão social da fazenda, também lançou

em 2004 a cachaça Carnaval, destinada

ao mercado externo. A marca também

foi certificada pelo Inmetro. “Quando

fui escolher o nome, pensei numa mar-

ca que representasse bem o Brasil, por

isso escolhi Carnaval, a maior festa po-

pular brasileira, conhecida internacio-

nalmente”. A Carnaval é comercializada

na versão ouro, envelhecida por quatro

anos em barris de carvalho; e na versão

prata, envelhecida por dois anos em

barris de jequitibá.

Page 70: Cachaças+-+Minas+Gerais

70

Branquinha nasce granfina

E ra princípio da década de 1940,

quando Vinícius Augusto da

Silva, de apenas 15 anos, cos-

tumava deixar a Fazenda de Coração de

Jesus, no município de Claro dos Poções,

norte de Minas, montado em lombo de

burro na companhia de outros tropeiros

para levar a tal da Granfina a Jequitaí e

outras cidades da região. Em cada via-

gem, a comitiva levava duas bimbarras

de 40 litros cada no lombo do animal.

A bebida, vendida a granel, abastecia as

feiras e mercados, de Jequitaí a Montes

Claros. “Com o tempo, passamos a fa-

zer venda contratada”, relembra seu Vi-

nícius, hoje com 84 anos e produtor da

cachaça Branquinha de Minas.

O antigo tropeiro, hoje produtor, co-

meçou cedo a descobrir os segredos dos

alambiques. Ainda adolescente passou

a trabalhar na fazenda do tio Dermeval

Santos Silva, comerciante pioneiro que

percebeu a demanda por aguardente em

sua venda, em Água Boa (atual distrito

de Vista Alegre), e a escassez do produ-

to por ali. Naquela época, o tio decidiu

produzir a própria cachaça, a Granfina. O

comerciante contratou Manoel Pessoa,

um alambiqueiro “dos bons” de Salinas,

e o levou para a Fazenda Coração de Je-

sus. Em pouco tempo, Dermeval passou

a vender a bebida no balcão e, posterior-

mente, em toda a região.

Seu Vinícius guarda até hoje boas

lembranças da Fazenda Coração de Je-

sus. Pois foi lá que, além de aprender

a ser vaqueiro, arrieiro e administrador,

conheceu a menina Maria de Lourdes,

filha do tio Dermeval. “Vixe, não tirava

os olhos dela. Digo que ela me comprou

pra eu trabalhar pro pai dela. Quando

a gente se casou ela não tinha 17 anos

ainda”, lembra-se. Nos tempos da tro-

pa, seu Vinícius partia de Vista Alegre

para Montes Claros, numa viagem de 10

léguas – cerca de 65 quilômetros. Ele

e a comitiva faziam o caminho em três

marchas ou pousos fixos, como se cos-

tuma dizer – em Felício Alves, Atoleiro

e Montes Claros. Depois, voltavam com

carga de feijão, arroz e outros utensí-

lios. “A Granfina ficou muito afamada na

época, foi a cachaça boa que apareceu

na nossa região. Lembro que até em Pi-

rapora o povo consumia a cachaça do

tio Dermeval”, relata. A bebida era tão

boa que, vez ou outra, o guia da tropa

não resistia aos atributos da Granfina.

“O Raimundo Preto fazia um canudo

com talo de mamoeiro e ficava por ali;

“A Branquinha de Minas busca unir a tradição dos alambiqueiros da época do meu avô Dermeval com a tecnologia e a qualidade deste novo tempo”Antônio Augusto da Silva, produtor das cachaças Branquinha de Minas e Branca de Minas

BimBarra

Bras. MG Pipote grande para conduzir cachaça. Fonte: Novo Aurélio - O Dicionário da Língua Portuguesa - Século XXI. Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 1999.

lÉgua

Antiga unidade brasileira de medida itinerária, equivalente a 3.000 braças, ou seja, 6.600m; légua brasileira. Fonte: Novo Aurélio - O Dicionário da Língua Portugue-sa - Século XXI. Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 1999.

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Page 72: Cachaças+-+Minas+Gerais

72

mineira. Marcelo percebeu a necessidade

de expandir o negócio; ele então com-

prou novo maquinário, fez treinamentos,

tudo para alcançar um outro padrão de

qualidade”, explica Antônio Augusto da

Silva, filho de seu Vinícius e neto de seu

Dermeval. “O tio Marcelo resolveu vender

a cachaça somente engarrafada, deixando

de comercializá-la em barril, o que é uma

forma tradicional lá na região de Montes

Claros. A fazenda acabou perdendo di-

nheiro e teve que voltar a vender a granel

para o público local”, afirma.

Um novo marco na história da Fazen-

da Coração de Jesus foi iniciado em 2003,

quando uma nova geração da família ad-

quiriu a Granfina e a transformou na In-

dústria Cachaça Água Boa Ltda. Antônio

Augusto da Silva passou a ser o diretor.

Uma das primeiras decisões foi o regis-

tro da marca. “Quando fomos procurar

o órgão responsável, descobrimos que

a Granfina já havia sido registrada. Fica-

mos muito tristes, porque tínhamos mais

de 50 anos de história com a marca”. Por

uma peça do destino, a Granfina aposen-

tou-se, sendo substituída pela Branqui-

nha de Minas. “É um sinônimo de cacha-

ça. A gente normalmente diz: desce uma

branquinha aí!”, explica o diretor.

Além da mudança do nome, os ges-

tores resolveram modernizar o restante

do processo produtivo da fazenda, tudo

quando a gente se entretinha, ele metia

o canudo na bimbarra e se esbaldava na

nossa cachaça”, conta seu Vinícius.

O pioneirismo da cachaça Granfina

naquela região de Vista Alegre, Jequitaí e

Montes Claros contou com a ajuda dos

filhos de Dermeval dos Santos Silva. Em

meados da década de 1980, o filho Mar-

celo dos Santos Reis assumiu a gestão da

fazenda e buscou modernizar a produção

do alambique, visando a melhorar ainda

mais a marca. “Essa época coincide com

a criação da Ampaq e com todo aquele

movimento de valorização da cachaça

Seu Vinícius e Antônio Augusto da Silva colocaram Claro dos Poções no roteiro das cachaças de qualidade

Page 73: Cachaças+-+Minas+Gerais

73

para colocar a cachaça de Claro dos Po-

ções no roteiro das cachaças de quali-

dade. “A nossa ideia era dar um caráter

mais profissional à produção na Fazen-

da Coração de Jesus. Compramos novas

máquinas, passamos a fazer análises

químicas regularmente, como também a

ter maior cuidado com a matéria-prima

e a higiene. A limpeza é fundamental na

fabricação da cachaça”, afirma Antônio

Augusto. As mudanças em busca de qua-

lidade resultaram na obtenção, em 2009,

do selo de qualidade Inmetro, vinculado

ao Programa Nacional de Certificação da

Cachaça (PNCC), ação do Sebrae Nacio-

nal, Inmetro e Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Nós

já havíamos feito muitas mudanças es-

truturais em 2003, por esse motivo ti-

vemos somente que redefinir normas

de trabalho e registrar as tarefas diárias

para receber a certificação”.

A principal mudança com a certi-

ficação é a ênfase na qualidade, me-

lhorando-se ainda a produtividade e

reduzindo-se o nível de perda de ma-

teriais, como o fermento. Há também

maior controle dos padrões de acidez,

de teor alcoólico e da composição quí-

mica. Além do padrão de qualidade do

produto, a certificação possibilitou à

Branquinha de Minas um aumento de

produção da ordem de 30%.

Atualmente, a Indústria Cachaça

Água Boa Ltda. consegue vender 80% da

produção anual no norte de Minas, Re-

gião Metropolitana de Belo Horizonte, e

nos estados de São Paulo, Rio de Janei-

ro, Mato Grosso, Rio Grande do Norte,

Bahia e Rio Grande do Sul. A principal

forma de comercialização da marca tem

sido por meio de distribuidores, além da

venda direta. Entre as ações de divulga-

ção, destaca-se a participação em feiras

do setor como a Feira e Festival Inter-

nacional da Cachaça (ExpoCachaça) e a

Feira do Food Service em Minas Gerais

(Technobar). De acordo com o produtor

Antônio Augusto, a previsão é ampliar a

produção da Fazenda Coração de Jesus

nos próximos anos, alcançando o volu-

me estimado de 300 mil litros.

A cachaça Branquinha de Minas tem

teor alcoólico de 38%, com coloração

dourada após envelhecimento em bar-

ris de castanheira-do-pará durante dois

anos. É uma aguardente suave, com

baixo teor de acidez, resultado do con-

trole de todo o processo de produção.

“A Branquinha de Minas busca unir a

tradição dos alambiqueiros da época do

meu avô Dermeval com a tecnologia e a

qualidade deste novo tempo. Tudo para

que a cachacinha desça suave e praze-

rosa. E que não traga consequências no

outro dia”, brinca Antônio.

ficHa tÉcNicaCidade: Claro dos PoçõesRegião: Norte de MinasProdutor: Antônio Augusto da Silva, Indústria

Cachaça Água Boa Ltda.(31) 3241-1965 Início da produção: 1940Volume: 100 mil litros por anoTeor alcoólico: 38% Envelhecimento: um a dois anos em barril de casta-

nheira-do-pará

Page 74: Cachaças+-+Minas+Gerais

74

A marca da brasilidade

A Verde Amarela faz parte do grupo

de cachaças artesanais fabricadas

por uma nova geração de produ-

tores de Minas que têm investido, desde o

princípio, em qualidade técnica e na profis-

sionalização do setor para inserir o destila-

do de cana-de-açúcar no mercado mundial.

A história da marca começa em 2002 quan-

do os irmãos Wellington Braga Júnior e Mile-

na Braga resolvem montar um engenho nas

terras da família em Marilac, no Vale do Rio

Doce. A ideia era aproveitar parte dos 210

hectares da fazenda Alvorada, tradicional

produtora de leite na macrorregião de Go-

vernador Valadares, para o fabrico de aguar-

dente. “O meu pai Wellington Braga é pro-

dutor de leite há mais de 20 anos na região,

e nós queríamos diversificar os negócios da

fazenda. Naquela época a cachaça estava

sendo muito valorizada e consumida pelas

classes A e B. Sabíamos que, além do inves-

timento inicial, tínhamos de trabalhar pela

qualidade do produto”, conta Milena Braga.

Mas, antes de começar o plantio da cana e

a construção do alambique, os irmãos bus-

caram conhecimento com o curso de Pós-

Graduação em Tecnologia da Cachaça, pela

Universidade Federal de Lavras; e o Curso

de Mestre Alambiqueiro, no Centro de Tec-

nologia da Cachaça (CTC) em Itaverava, com

os engenheiros José Carlos Ribeiro e Arnal-

do Ribeiro. Na montagem do engenho da

Verde Amarela, destaque para as dornas e

tubulações de aço inox, decantador e filtros

para retirada de impurezas, envazadora com

capacidade para 800 garrafas por dia; e ade-

ga com 150 barris de carvalho de 200 litros

cada, três tonéis de jequitibá-rosa de 20 mil

litros cada e mais três dornas de recepção

de aço inox de 20 mil litros cada.

Com capacidade produtiva anual de 60

mil litros, a Verde Amarela é vendida desde

2005 na versão ouro (um blend envelhecido

durante um ano em carvalho e mais um ano

em jequitibá rosa) e na versão prata (armaze-

nado nas dornas de recepção de aço inox).

Wellington Júnior explica que a escolha do

blend foi uma estratégia para a comercializa-

ção da marca. “Nós queríamos oferecer uma

cachaça diferenciada para o mercado. Por

isso optamos pelo envelhecimento em duas

madeiras, o que resultou num paladar úni-

co”. A qualidade técnica também está pre-

sente no engenho da Fazenda Alvorada, co-

meçando pelo controle rigoroso da higiene,

com assepsia diária das dornas e tubulações

de inox feita por vapor; lavagem semanal do

alambique e limpeza da caldeira a cada três

dias. As análises químicas são feitas regular-

mente para manter o teor de acidez e teor

“Nós queríamos oferecer uma cachaça diferenciada para o mercado. Por isso optamos pelo envelhecimento em duas madeiras, o que resultou num paladar único.”Wellington Braga Júnior, produtor da cachaça Verde Amarela

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76

de cobre como estabelecido pelo Minis-

tério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-

mento (Mapa). A graduação alcoólica da

Verde Amarela é de 40 GL.

Na parte ambiental, o engenho da fa-

mília Braga é responsável pelo reaprovei-

tamento dos recursos hídricos de mais

de 80%, sendo que a água usada no res-

friamento do alambique é encaminhada

para um tanque e misturada com o vi-

nhoto, e dali bombeada para a lavoura

e piquetes para alimentar o gado. Além

disso, o bagaço gerado pela moagem da

cana vai para a caldeira e também serve

como adubo natural.

Os produtores da cachaça Verde Ama-

rela vendem a bebida no próprio Vale do

Rio Doce, na Região Metropolitana de

Belo Horizonte, e nos estados de São

Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. De acordo

com o produtor Wellington Braga Júnior,

a venda é o maior desafio do setor de-

vido à alta tributação e à informalidade.

“Na nossa região do Vale do Rio Doce,

devem existir mais de 100 alambiques

informais e o produtor que está dentro

de todos os padrões técnicos e legaliza-

do tem de competir com esse pessoal. O

que atrapalha o mercado da cachaça é a

informalidade”, argumenta.

Para reverter esse quadro, os irmãos

têm investido em várias estratégias para

a consolidação da Verde Amarela no

mercado: participação em feiras – Fei-

ra e Festival Internacional da Cachaça

(ExpoCachaça) e feiras agropecuárias

ficHa tÉcNicaCidade: Marilac Região: Vale do Rio DoceProdutor: Oliveira Braga Indústria e Comércio

de Bebidas(33) 9979-1171 Início da produção: 2005Volume de produção: 60 mil litros por anoTeor alcoólico: 40%Envelhecimento: Dois anos em carvalho e jequitibá

(Verde Amarela Ouro). Armazena-mento em dornas de inox durante um ano (Verde Amarela Prata)

de Governador Valadares –, venda di-

reta por meio do site, negociação com

distribuidores de São Paulo e Rio de Ja-

neiro, e diversificação do produto – a

cachaça é vendida em embalagens di-

ferenciadas, como estojos de madeira,

kits personalizados para presente e ró-

tulos temáticos. Uma ação que deu cer-

to foi a venda dos garrafões de 15 litros

da Verde Amarela em bares e restauran-

tes de Governador Valadares. “Nós faze-

mos parcerias com os proprietários dos

estabelecimentos, deixando a cachaça

consignada; apenas quando o públi-

co consome é que recebemos. Porém,

também estamos fazendo marketing di-

reto na nossa região”, afirma Milena. No

caso do mercado externo, a Verde Ama-

rela já exportou duas remessas para os

EUA. Idealizada para ser uma cachaça

símbolo da cultura do Brasil, a Verde

Amarela também explora o quesito

brasilidade. Nos últimos anos, sempre

que ocorre um evento esportivo maior

como os Jogos Olímpicos e a Copa do

Mundo, os produtores aproveitam e

buscam soluções criativas para ampliar

as vendas. Em 2010, as garrafas estão

sendo vendidas com uma bandeira do

Brasil presa ao gargalo, contendo uma

receita de coquetel ou uma informação

sobre a Copa. “Queremos aproveitar os

bons momentos para tentar novas ex-

portações; e a Copa de 2014 será no

Brasil, o que dará visibilidade ao país”,

diz Milena.

Page 77: Cachaças+-+Minas+Gerais

77

O canto do Uirapuru chega à China

Uirapuru é um pássaro raro

que contagia toda a floresta

quando começa a cantar. A

lenda sobre a ave inspirou os irmãos

pecuaristas Adalto e Geraldo Pinto no

batismo da cachaça que produzem no

Vale do Rio Doce. Eles procuravam um

nome-marca que simbolizasse o Brasil e

pudesse ter boa circulação no exterior.

“Diz a lenda que quem ouvir o canto

desse pássaro viverá feliz para sempre.

Uma dose da Uirapuru é garantia de fe-

licidade eterna”, brinca Adalto.

A história da cachaça Uirapuru teve

seu início em 1992 quando o pai, seu

João Batista de Andrade, resolveu com-

prar um pequeno alambique para pro-

duzir a própria cachaça na fazenda Vista

Nova, localizada no distrito de Córrego

dos Rodrigues, em São Geraldo da Pie-

dade. Com experiência de muitos anos

na criação de gado leiteiro e de corte,

ele queria fabricar aguardente seguindo

a receita dos parentes alambiqueiros de

Guanhães. Ele e os filhos, Adalto e Ge-

raldo, fizeram o plantio da cana, monta-

ram a sala de fermentação, compraram o

maquinário para moenda e começaram

a produção. O problema é que a receita

não dava certo. “Meu pai queria fazer a

cachaça artesanal igual à da família. Mas

no início, ele teve dificuldade de acertar

a padronização da garapa e o fermento

não trabalhava direito”, conta Adalto.

Ao longo de uma década, Adalto e

Geraldo Andrade, após grande aprendi-

zado e já com experiência, resolveram

montar uma estrutura completa de en-

genho, até colocar no mercado as pri-

meiras garrafas com as marcas Uirapuru

e Expresso Cana, que passaram a ser

comercializadas em Governador Valada-

res e região. Foi então que perceberam

o potencial de mercado da cachaça, que

se transformou num negócio lucrativo.

Fizeram o curso de Tecnologia e Pro-

dução de Cachaça em Guanhães e, em

2002, registraram as marcas Uirapuru e

Expresso Cana. No mesmo ano, surgiu

a oportunidade da primeira exporta-

ção e para um mercado pouco comum

aos produtores de aguardente, a China.

“Mandamos dois contêineres para os

chineses, cerca de mil caixas, num total

de 12 mil garrafas”, conta Adalto.

Depois do negócio, os irmãos no-

taram que investir em qualidade repre-

sentava o principal diferencial para uma

marca conquistar espaço no mercado.

Eles então fizeram as últimas adequa-

“Diz a lenda que quem ouvir o canto desse pássaro viverá feliz para sempre. Uma dose da Uirapuru é garantia de felicidade eterna” Adalto Andrade, produtor da cachaça Uirapuru

Page 78: Cachaças+-+Minas+Gerais

Além da área destinada ao cultivo de cana e à produção de cachaça, a fazenda Vista Nova possui uma reserva legal de 40 hectares e uma mata nativa

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ções na estrutura da fazenda Vista Nova

para colocar a Uirapuru na linha de fren-

te das cachaças artesanais de qualidade.

Hoje o engenho conta com três alambi-

ques, dornas de aço inox para fermen-

tação, envazadora e uma adega com

capacidade para 85 mil litros, composta

de dois tonéis de 20 mil litros cada de

jequitibá-rosa, um tonel de 20 mil litros

de cerejeira, um tonel de 20 mil litros de

grápia, e um menor de 5 mil litros de car-

valho brasileiro. Além disso, o processo

de fermentação é todo natural, e o plan-

tio da cana sem agrotóxicos.

A empresa Andrade Agroindústria,

responsável pela marca Uirapuru, tam-

bém investe em ações ambientais. Fora

o reaproveitamento dos resíduos da pro-

dução – o vinhoto é usado para irrigar a

lavoura de cana, e o bagaço vai para a

caldeira –, a fazenda Vista Nova possui

uma reserva legal de 40 hectares e mais

uma mata nativa de três hectares, com

espécies como peroba, angico, sapucaia

e sucupira. Existem também seis nascen-

tes protegidas. Na área de 200 hectares,

pouco mais de 30% são destinados ao

plantio de cana, e outra parte é usada

para a criação e pastagem das 350 cabe-

ças de gado da raça mestiço holandês,

que produzem 450 litros de leite por dia.

Com produção anual de 180 mil litros

de cachaça, sendo 80 mil da Uirapuru

ficHa tÉcNicaCidade: São Geraldo da PiedadeRegião: Vale do Rio DoceProdutor: Andrade Agroindústria Ltda.(33) 3277-7308 e (33) 9989-4570 Início da produção: 2002Volume: 180 mil litros por anoTeor alcoólico: 40% Envelhecimento: seis meses a um ano em carvalho,

jequitibá e cerejeira (Uirapuru Ama-rela) e grápia (Uirapuru Prata)

e 100 mil da Expresso Cana, os irmãos

Adalto e Geraldo Andrade transformaram

o alambique no carro-chefe da fazenda.

Adalto Andrade explica que o volume

total da safra é comercializado hoje no

Vale do Rio Doce, na Região Metropolita-

na de Belo Horizonte, e nos estados de

São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco

e Bahia. Em 2005, a Uirapuru recebeu o

convite do Sebrae para participar de uma

feira em Recife; lá os produtores firma-

ram parceria com um representante local

e passaram a vender para o Nordeste.

No mesmo ano, a Andrade Agroindústria

se associou ao Sindicato das Indústrias

de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado

de Minas Gerais (Sindbebidas), que tem

fornecido informações e suporte técnico

à empresa, além de ajudar em ações de

divulgação da marca.

O investimento dos irmãos Andrade

na estrutura técnica do alambique e na

qualidade da cachaça Uirapuru foi reco-

nhecido, em 2009, com os certificados

do Instituto Mineiro de Agropecuária

(IMA) e do Inmetro, este último pelo Pro-

grama Nacional de Certificação da Ca-

chaça (PNCC). “Quando o mercado co-

meçar a exigir produtos certificados para

a comercialização, vamos ver um aumen-

to de qualidade da cachaça artesanal. E

quem saiu na frente como a Uirapuru, vai

beber água limpa”, garante Adalto.

Page 80: Cachaças+-+Minas+Gerais

80

Flores de sucesso brotam em Salinas

As folhas da tabua, erva aquáti-

ca da família das tifáceas, são

usadas por artesãos para tecer

esteiras e cestos, podendo também dar

celulose de papel. Por feliz coincidên-

cia, Tabúa se tornou o nome de uma das

cachaças artesanais mais festejadas de

Minas, não por acaso produzida

na fazenda de mesmo nome.

A aguardente tem sua

produção comandada

por José Lucas Men-

des de Oliveira. For-

mado em Filosofia

e pós-graduado em

Bioética e Adminis-

tração Hospitalar, ele

começou a produção

muito cedo, influencia-

do pelo pai e pelo avô,

em Salinas, sua terra natal.

Em 2003, resolveu criar a pró-

pria marca e formou sociedade

com o sogro, César Portela. Para sobres-

sair num mercado tão concorrido, ado-

tou uma receita simples: “Temos um bom

produto, uma empresa sólida e transpa-

rente, com objetivo claro”.

Para José Lucas, o apoio do Sebrae

é muito importante para o sucesso do

“Temos um bom produto, uma empresa sólida e transparente, com objetivo claro.” José Lucas Mendes de Oliveira, produtor da cachaça Tabúa

produto, que foi destacado com o selo

do Inmetro. “Essa parceria nos coloca

diante da realidade de que somos uma

empresa, e nos faz pensar com os pés

no chão. Além disso, nos estimula a

conhecer nosso potencial e como colo-

cá-lo em prática”, reconhece, acrescen-

tando que o selo de qualidade

sinaliza que estão no

caminho certo.

No momento,

a empresa inves-

te na divulgação

da marca Ta-

búa, buscando

parcerias com

empresas que

acreditem no

potencial de uma

boa cachaça arte-

sanal. O projeto em-

presarial foi elaborado

sob orientação da Fundação

Estadual do Meio Ambiente de Minas

Gerais (Feam). Antes de iniciar a produ-

ção em escala industrial, os dois sócios

verificaram a profundidade do lençol

freático em suas terras para evitar in-

filtrações que pudessem contaminar a

água da região.

Page 81: Cachaças+-+Minas+Gerais

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ficHa tÉcNicaCidade: Salinas (Taiobeiras)Região: Norte de MinasProdutor: José Lucas Mendes de Oliveira(11) 4021-4822 Início da produção: 2004Volume: 250 mil litros por anoTeor alcoólico: 41%Envelhecimento: Dois anos em tonéis de umburana

(Flor de Ouro 600ml) e cinco anos em bálsamo (Flor de Ouro 700ml) e um ano em tonéis de jequitibá (Flor de Prata)

Também foram mapeadas a malha

hídrica e a afloração de nascentes,

garantindo-se a devida proteção às

matas ciliares da propriedade. A pre-

ocupação ambiental e a consequente

adoção de técnicas da chamada “pro-

dução limpa”, que visam a preservar a

natureza, agregaram valor ao diferen-

cial do produto.

A Tabúa é comercializada com os

rótulos Flor de Ouro e Flor de Prata. O

primeiro se refere a uma cachaça ama-

rela, armazenada por dois anos em to-

néis de umburana (600ml) e cinco anos

em bálsamo (700ml). O segundo apre-

senta uma aguardente branca e mais

suave, guardada em tonéis de jequitibá,

sendo ideal para caipirinhas, batidas e

coquetéis em geral.

As duas cachaças foram destaque no

Circuito Brasileiro de Jet Ski, em Cabo

Frio (RJ) e Itanhaém (SP). Também par-

ticiparam da feira da Associação Brasi-

leira de Supermercados Portal (Abras),

no Rio de Janeiro, e da 42ª Equipotel,

o maior evento de hotelaria e gastro-

nomia da América Latina, realizado em

São Paulo. A fábrica tem financiamen-

tos do Banco do Brasil e cobertura da

Seguradora Brasileira de Crédito à Ex-

portação (SBCE), já que seus produtos

visam também o mercado externo.

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viagem litográfica

Coleção Lotus Lobo, 85

Coleção José Maurílio Silva, 108

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As reproduções de rótulos de cachaça apresen-

tadas nesta parte integram a coleção da artista

plástica Lotus Lobo, uma das mais importan-

tes litógrafas do país, referência na arte contemporânea

brasileira. São 89 rótulos de cachaças produzidas em

Minas, sobretudo nos anos 40 e 50, e que integram um

acervo composto por quase 500 exemplares de peças

originais impressas na Litografia e Estamparia União In-

dustrial, da cidade mineira de Juiz de Fora.

A maior parte do acervo é de autoria do alemão Gui-

lherme Rüdiger. Nascido em Nürenberg, em 1887, ele

se formou como técnico em desenho para litografia e

se mudou para o Brasil aos 26 anos, fixando residência

em Juiz de Fora. Rüdiger trabalhou na União Industrial,

de 1918 a 1966, quando foi decretada a falência da em-

presa. Lotus o conheceu três anos depois, quando ele

preparava uma exposição. Em 1977, a artista plástica

recebeu de suas mãos a coleção que integrava seu ál-

bum de trabalhos, produzidos ao longo de décadas.

Nesta coleção, há raridades que permitem acompa-

nhar visualmente uma parte da história da bebida em

Minas, como exemplares produzidos nos chamados ci-

clos de Ponte Nova, Januária e Curvelo: Tentadora, Ver-

gonha, Cascata, Dominante, Januarense, Januária, Porto

Januária, Correinha, Excelsior, Florisbella, Marcolina e

Sarobá. A riqueza do acervo está, também, na diver-

sidade, incluindo litografias de cachaças alambicadas

em mais de 35 cidades e distritos, no tempo em que

Bambuhy e Dôres do Indayá eram grafadas com “y”, La-

fayette dobrava o “t” e Sete Lagôas usava chapéu.

Em torno de 20% do acervo são de rótulos de ca-

chaças produzidas na região da Zona da Mata, não só

em razão da localização da indústria onde Rüdiger tra-

balhava, mas justificada também pela concentração de

muitos engenhos na região. Números do Anuário Estatís-

tico de Minas Gerais para os anos de 1922/25, levantados

pelo professor Marcelo Magalhães Godoy no estudo No

país das minas de ouro a paisagem vertia engenhos de cana e

casas de negócio, revelam que a Zona da Mata apresentava

o maior número de engenhos no período, 8.504 ou 26%

do total de unidades em Minas.

Coleção Lotus Lobo

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Em Curvelo, encontramos esta rara coleção do funcio-

nário público aposentado José Maurílio Silva. Em dois

cadernos antigos, ele preserva mais de mil rótulos de

cachaças, produzidas em diversos estados brasileiros em várias

décadas do século XX. José Maurílio iniciou a coleção há mais

de 30 anos, motivado pela concentração de inúmeros produto-

res e engarrafadores da bebida na região. Ele costumava visitar

as empresas e comprar as peças dos lavadores de garrafa, que

tinham prática em descolar os rótulos sem prejudicá-los.

Nesta edição, uma amostra de rótulos temáticos e curiosos

de todas as regiões de Minas. De Paraopeba, a Alterosa e a

Lambadinha, duas raridades. A última é o exemplar mais raro,

da época em que o colecionador tinha apenas 12 anos, ou

seja, nos anos 1950. O cinema é homenageado pela cachaça

E O Vento Levou (Curvelo) ou Luzes da Ribalta (Contria). Na

coleção, há também nomes e expressões pitorescas como Vin-

gança (Leopoldina), Chica Brava (Pedro Leopoldo), Alegria de

Pobre (Além Paraíba), Leite de Onça (Governador Valadares),

Perna Bamba (Bom Despacho), Chora no Copo (Uberlândia),

Chiquita Bacana (São João Del Rei), Canelinha (Pará de Minas)

e Gangorra (Jequiri).

Pela coleção desfilam ainda o Al Capone de Itaverava, o JK de

Uberlândia, a Luana de Alfenas, a Maria Bonita de Descoberto, a

Gilda de Machado, a Princesa do Egito, de Betim, e a Rainha do

Sertão, de Itabirito. São ao todo 66 exemplares que mostram a

diversidade da arte da rotulagem.

Coleção José Maurílio Silva

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de salinas aPoço fundo

SALINAS

Um mar de aguardente, 133

ARAçUAí

O rio das araras grandes, 157

POçO FUNDO

Da Roseira de Paiolinho a Colinas do Sul, 165

131

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A cidade produz 5 milhões de litros de cachaça todo ano

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Um mar de aguardente

S alinas, no Norte de Minas, tem

tanta cachaça que se os donos de

alambiques da região abrissem os

tonéis de uma só vez, o sertão viraria um

mar de aguardente. Parece exagero, mas

todo ano eles produzem em torno de 5 mi-

lhões de litros do destilado orgânico e arte-

sanal. O produto é responsável pela maior

parte do ICMS do município.

A terra e o clima da região são adequa-

dos à produção de cana de boa qualidade,

matéria-prima das melhores aguardentes.

Destacam-se no município 25 produtores

que integram a Associação dos Produtores

Artesanais de Cachaça de Salinas (APACS),

donos de 51 marcas de sucesso. Outros

109 produtores, também ligados à entida-

de, formam a Coopercachaça, cooperativa

da agricultura familiar responsável pelo blend

da aguardente Terra de Ouro. A marca abriga

dois tipos da bebida, sendo um envelhecido

em tonéis de bálsamo e outro ideal para cai-

pirinhas e coquetéis.

A maioria dos alambiques de Salinas é

registrada no Ministério da Agricultura e os

proprietários contam com o apoio do Se-

brae-MG num projeto que visa a melhorar o

controle de qualidade e a comercialização

da cachaça. A exemplo dos fabricantes do

Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, os

salinenses entraram, em 2009, com um pe-

dido de Indicação Geográfica de Procedên-

cia da região de Salinas, no Instituto Nacio-

nal de Propriedade Industrial (INPI).

A persistência em garantir o padrão da

bebida fez com que a produção de cachaça

se tornasse a segunda atividade em fatura-

mento no município. A região ainda produz

leite e carne de sol, e também se destaca

pela diversidade e criatividade do seu arte-

sanato. Boa parte da mão de obra local tra-

balha em alambiques e plantações de cana.

A aguardente ícone é a Havana (hoje Anísio

Santiago), criada na década de 1940 e reco-

nhecida como Patrimônio Cultural Imaterial

da cidade. A bebida costuma figurar entre

as primeiras posições nas classificações de

tradicionais publicações brasileiras e é con-

siderada a melhor cachaça envelhecida do

Brasil por alguns especialistas.

salinas

indiCação geográFiCa

O reconhecimento de uma in-dicação geográfica origina-se do esforço de um grupo de produtores ou de prestadores de serviço que se organizam para defender seus pro-dutos ou serviços, motivados por um lucro coletivo. O produto ou o serviço portador de indicação geográfica tem identidade própria e inconfundível. Fonte: Instituto Nacional da Proprie-dade Industrial (INPI).

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Origem no sal da terra

S alinas tem suas origens em 13

de junho de 1554, quando o

desbravador Francisco Bruzza

Espinosa deixa Porto Seguro, na Bahia,

com destino ao norte de Minas, chegan-

do aos rios Pardo e Jequitinhonha, Serra

das Almas e Itacambira. Em 1663, o ter-

ceiro Conde da Ponte inicia a ocupação

das terras da região.

Na década de 1690, o bandeiran-

te Antônio Luís dos Passos estabele-

ce uma fazenda de criação de gado às

margens do rio Pardo. Conta-se que

ele percorria as terras habitadas pelos

índios Tapuias à procura de jazidas de

sal, produto escasso e muito valorizado

na época, chegando às margens do rio

Salinas. No início do século XVIII, o pri-

meiro aglomerado de casas da região dá

lugar à Comarca do Serro Frio.

Segundo Felisbello Freire, no livro

História Territorial do Brasil, a primeira con-

cessão de sesmaria em Salinas ocorreu

em 16 de janeiro de 1734, em nome do

capitão Inácio de Souza Ferreira, funda-

dor do sítio São José. Numa petição de

5 de abril de 1830, o capitão-mor Theo-

doro de Sá e sua consorte se declararam

donos da fazenda Pé da Serra (Matrona)

e apresentaram escrituras datadas de

1735. Ainda em abril de 1830, a Câmara

Municipal de Minas Novas comunicava

a Sua Majestade Imperial que “o povo

da Fazenda da Salinas ergueu uma casa

de oração sem licença do prelado e sem

provisão imperial em 1828”.

Em 20 de agosto de 1833, o povoado

em torno da capela de Santo Antônio de

Salinas transforma-se no distrito de Rio

Pardo de Minas, que até então perten-

cia a Minas Novas. Na véspera do Natal

de 1838, um recenseamento no arraial

conta apenas 248 habitantes. Em 16 de

maio de 1855, a Lei de número 730 eleva

o distrito à condição de freguesia.

Já em 18 de dezembro de 1880, a Lei

2.725, assinada pelo presidente da pro-

víncia de Minas Gerais, Joaquim José de

Sant’Anna, eleva o antigo arraial à cate-

goria de vila, sendo esta pertencente à

comarca de Grão Mogol. A ela são incor-

porados os distritos de Águas Vermelhas,

Pajaú (Cachoeira de Pajeú), Catinga (Pe-

dra Azul) e, mais tarde, Bom Jardim das

Taiobeiras (Taiobeiras).

Sete anos depois, a Lei 3.485 eleva

a vila à categoria de cidade. O estatuto

do município de Santo Antônio de Sali-

nas é aprovado quatro anos mais tarde

e a comarca é finalmente instalada em

Vila

Povoação de categoria superior à de aldeia ou arraial e inferior à de cidade. Con-junto de pequenas habitações independen-tes, em geral idênticas, e dispostas de modo que formem rua ou praça interior, por via de regra sem caráter de logradouro público. Fonte: Novo Aurélio – O Dicionário da Lín-gua Portuguesa – Século XXI. Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 1999.

Freguesia

Povoação, sob o aspecto eclesiástico, o conjunto de paroquianos. Nas cidades e províncias portuguesas, a menor das divi-sões administrativas. Fonte: Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa – Sé-culo XXI. Editora Nova Fronteira, 3ª edição, 1999.

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Iniciativa para conquistar mercados

O Sebrae-MG desenvolve, desde 2005, o Projeto de Comer-

cialização da Cachaça em Salinas e Região. A iniciativa visa a

apoiar a Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de

Salinas (APACS) na identificação de novos mercados e expan-

são das vendas para outros estados e para o exterior. Naquela

época, a região de Salinas produzia 4 milhões de litros de ca-

chaça. A comercialização ainda é o grande desafio, ressalta a

técnica do Sebrae-MG, Kênia Cardoso. Isso porque a cachaça

artesanal made in Minas precisa se impor num cenário no qual

outras bebidas já têm mercado consolidado.

Das plantações de cana ao balcão das lojas, longo é o ca-

minho percorrido pelo produto até o consumidor. Para alcan-

çar sucesso, é preciso ter capricho, conhecimento e profis-

sionalismo para colher bons resultados. Depois de se fazer

um diagnóstico dos canaviais, a primeira meta alcançada pelo

projeto do Sebrae-MG foi o aumento na fabricação de cacha-

ças artesanais na região, importante polo produtor da bebida

que melhor representa o Brasil. Além da qualidade, o destila-

do local passou a se destacar pela quantidade, sendo preciso

criar condições para superar dificuldades comerciais e escoar

a produção.

Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Co-

mércio Exterior, Kênia é a técnica responsável pelo projeto,

que já viabilizou a participação dos produtores salinenses em

feiras do setor de bebidas, criando agendas de relacionamen-

to em exposições e encontros de difusão do destilado regional

nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Depois dessas iniciativas, a cachaça salinense tem sido en-

contrada em diferentes pontos do país, distribuída ou revendida

por grandes redes, no atacado e no varejo. O objetivo agora é

conquistar novos parceiros para aumentar as vendas.

1892. Em 7 de setembro de 1923, a cida-

de adota o nome de Salinas e empossa

Clemente Medrado Fernandes como pri-

meiro prefeito nomeado.

A cidade tem cerca de 40 mil habi-

tantes e integra um importante polo

de educação regional, tendo na Escola

Agrotécnica Federal o curso de Tecnó-

logo em Produção de Cachaça, primeiro

e único no mundo. O padroeiro dos sa-

linenses é Santo Antônio, festejado em

13 de junho. Não sem motivos, além da

tradicional festa junina, o evento mais

importante do município é o Festival

Mundial da Cachaça.

136

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A capital da cachaça

A Associação dos Produtores Ar-

tesanais de Cachaça de Salinas

(APACS) teve um papel essencial

na transformação de Salinas em capital

mundial da cachaça. Fundada em 2001,

a APACS congregou os produtores da re-

gião para valorizar e promover a bebida

dentro e fora do estado. A organização

do setor teve o apoio do Sebrae-MG, por

meio da metodologia da Gestão Estraté-

gica Orientada para Resultados (GEOR).

Com ela, os produtores participam de

programas de capacitação e recebem su-

porte técnico na comercialização, na par-

ticipação em feiras e em contatos com

representantes comerciais.

Antes da APACS, a região de Salinas

produzia cerca de 1,5 milhão de litros de

cachaça. A bebida começou a ser produ-

zida com os primeiros fazendeiros que se

estabeleceram na cidade; alguns deles sa-

íram da Bahia no século XIX com cabeças

de gado e escravos para plantar cana no

norte de Minas. A aguardente já gerava

uma receita extra em meados do século

XX. Hoje, a produção de cachaça é a se-

gunda atividade econômica da região.

“Nossa produção se tornou mais or-

ganizada, obedecendo a um único pa-

drão de qualidade. A criação da APACS

também facilitou o aumento de recursos

e o apoio de entidades especializadas

para auxiliar boas práticas de fabrica-

ção”, afirma Eilton Santiago Soares, pro-

dutor da cachaça Canarinha, atual pre-

sidente da entidade. Técnico agrícola e

vereador em Salinas, Eilton se associou

à APACS em 2004. Ao assumir a presi-

dência, em 2006, a associação contava

com apenas 12 associados. Hoje, já são

51 marcas, graças a um trabalho de mo-

bilização e conscientização dos coope-

rados. Segundo ele, além de promover a

união dos produtores, a APACS divulga

Salinas como a principal região produto-

ra de cachaça artesanal do país.

A associação agregou a Cooperca-

chaça, fundada também em 2001 por

109 produtores da agricultura familiar

com o objetivo de melhorar o lucro, ge-

rar trabalho e ajudar na diminuição do

êxodo rural. Os cooperados produzem

a cachaça Terra de Ouro e participaram

do Brazilian Taste Festival, evento gas-

tronômico de promoção de produtos

brasileiros realizado na Alemanha, du-

rante a Copa do Mundo de 2006. Além

da APACS, a cooperativa conta com o

apoio da Câmara de Comércio e Indús-

tria Brasil-Alemanha e da Associação

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Mineira dos Produtores de Aguardente

de Qualidade (Ampaq).

Para Eilton, os maiores desafios dos

donos de alambiques são a inserção no

mercado internacional e a redução da

carga tributária. A popular caninha ainda

é pouco conhecida fora do país e chega

aos supermercados brasileiros com im-

postos que correspondem até a 83% do

valor da garrafa, segundo dados do Cen-

tro de Referência da Cachaça. Sobrinho

de Anísio Santiago, criador da legendária

cachaça Havana, Eilton acredita que a

obtenção do selo de Indicação Geográ-

fica de Procedência vai garantir um con-

trole ainda maior do produto salinense.

As cachaças de Salinas também ga-

nharão visibilidade com uma nova ini-

ciativa no município, a criação do Mu-

seu da Cachaça. Eilton Soares foi um

dos que mais defenderam a construção

do espaço e seus olhos brilham quando

fala no assunto. “Será um museu dife-

rente, com espaço de lazer, estandes

de venda, exposições permanentes,

auditórios, jardins, sala de degustação,

sala de essências aromáticas, engenho,

moenda e até um canavial de verda-

de”, anuncia. A construção, orçada em

R$ 7 milhões, foi erguida num terreno

de 13.120 metros quadrados no bairro

São Geraldo. Com apoio do governo

estadual, o projeto foi elaborado pela

arquiteta Jô Vasconcelos, tendo 2,2 mil

metros quadrados de área construída.

O presidente da APACS enaltece o

apoio do Sebrae-MG às iniciativas em

prol da cachaça de Salinas. “A cidade deve

muito à entidade, que abriu caminhos em

outros mercados e tem sido muito impor-

tante na nossa luta pelo selo de Indicação

Geográfica de Procedência. Sem isso não

teríamos alcançado tantas conquistas

e seria quase impossível realizar nossos

projetos”, reconhece. Entre essas iniciati-

vas, ele destaca a Feira Mundial da Cacha-

ça, realizada sempre no mês de julho, com

público superior a 35 mil pessoas. Outro

evento importante deverá ser a mostra

Salinas em Paris, com o objetivo de divul-

gar a cachaça no exterior. Eilton também

aponta a existência em sua cidade do

curso de Tecnólogo em Produção de Ca-

chaça, oferecido pelo Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Norte

de Minas (IFNMG), campus Salinas com a

finalidade de qualificar mão de obra para a

fabricação e comercialização da bebida.

(38) [email protected]

Desde 2001, a APACS valoriza e promove a bebida dos associados dentro e fora do estado

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Agro Indústria Monte Alto Ltda.Cachaça: Monte Alto

Agroindústria Três Irmãos Ltda.Cachaça: Majestade

Cooperativa dos Produtores de Cachaça de Alambique da Microrregião de Salinas (Coopercachaça) Cachaças: Terra de Ouro

Gel. Brasil Indústria e Comércio e Exportação de Bebidas Ltda.Cachaça: Fabulosa

associados da aPacs

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Engarrafadora e distribuidora de Aguardente de Cana Indiana Ltda.Cachaças: Indiana, Cana de Ouro, Cana de Prata, Dona Moça, Sabor de Salinas, Segredo de Salinas e Memória de Salinas

associados da aPacs

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Indústria, Comércio e Exportação de Cachaça Meia Lua Ltda.Cachaças: Meia Lua e Beleza de Minas

Indústria, Comércio e Exportação de Cachaça Salinas Ltda.Cachaças: Salineira e Valiosa

Indústria, Comércio e Engarrafamento de Aguardente de Cana EcológicaCachaça: Fascinação

associados da aPacs

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Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Cachaça JN Ltda.Cachaças: Cachoeira, Asa Branca e Hanavilhana

Indústria e Comércio de Aguardente de Cana Beija-Flor Ltda.Cachaças: Beija-Flor, Salivana e Indaiazinha

associados da aPacs

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associados da aPacs

Indústria e Comércio de Aguardente de Cana ArtistaCachaças: Artista e Salimel

Indústria e Comércio de Aguardente Lua Cheia Ltda.Cachaças: Lua Cheia e Só Luar

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associados da aPacs

Indústria e Comércio de Aguardente Menago Ltda.Cachaças: Anísio Santiago – Havana

Indústria e Comércio de Aguardente Preciosa Ltda.Cachaças: Sabinosa, Brinco de Ouro, Puricana e Brinco de Prata

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Indústria e Comércio de Aguardente de Cana SabiáCachaças: Sabiá e Flor de Salinas

Indústria e Comércio de Aguardente Salicana Ltda.Cachaças: Salicana e Salinense

associados da aPacs

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Indústria de Aguardente São Fidelis Ltda.Cubana

J.P. Indústria e Comércio Aguardente de Cana Ltda.Erva Doce e Canardente

associados da aPacs

Indústria e Comércio e Exportação de Bebidas Samers Ltda.Cachaças: Sabor de Minas e Baluarte

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associados da aPacs

Santiago SoaresCanarinha

Indústria e Comércio e Exportação de Cachaça Sobrado Ltda.Cachaças: Sabor da Cana e Sobradinha

Peladinha Indústria e Comércio Ltda.Cachaça: Peladinha

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associados da aPacs

Seleta e Boazinha Indústria e Comércio Importação e Exportação Ltda.Cachaças: Seleta, Boazinha e Saliboa

Tabúa Indústria e Comércio de Cachaça Ltda.Cachaças: Tabúa Flor de Ouro, Tabúa Flor de Prata e Salideira

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Oswaldo Santiago conduz o legado deixado pelo pai, o produtor Anísio Santiago

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Pioneirismo da Havana

Um dos associados da APACS é

Oswaldo Mendes Santiago, filho

de Anísio Santiago (1912-2002)

e hoje à frente da empresa fundada pelo

pai. O patriarca, que viveu 90 anos, só be-

bia cerveja, mas criou a cachaça Havana

no início da década de 1940. O produto

se tornaria conhecido como a melhor ca-

chaça do mundo, ficando várias vezes em

primeiro lugar na classificação de cacha-

ças das revistas Veja e Playboy.

A marca inaugurou uma tradição nos

anos 1950, e transformou Salinas num

dos mais importantes polos de produção

de cachaça artesanal do país. Em 2001,

Anísio perdeu na justiça o direito de usar

o nome Havana, isso porque a empresa

Havana Club Holding, de propriedade da

francesa Pernod Ricard S/A, registrou no

Brasil a marca Havana Club visando ao

comércio de rum. O patriarca passou o

bastão para os filhos e morreu em 2002.

Desde então, Oswaldo e os irmãos lutam

na justiça para reaver o direito de uso da

marca da cachaça, que passou a se cha-

mar Anísio Santiago.

“Meu pai começou praticamente do

nada. Não tinha ambição por dinheiro e

queria fazer uma cachaça de qualidade”,

afirma Oswaldo, que desde os seis anos

acompanhava o velho na lida da Fazenda

Havana, na Serra dos Bois. A exemplo de

Anísio, ele e os irmãos preferem a quali-

dade à quantidade. A produção da Ha-

vana – Anísio Santiago raramente ultra-

passa a marca de 12 mil litros por safra.

Os filhos aprenderam com o pai que a

paciência é a alma do negócio. “O suces-

so do nosso produto estimulou o surgi-

mento de outras marcas”, diz Oswaldo.

“Salinas produz algumas das melhores

cachaças artesanais do país e fazer parte

da APACS nos deixa muito orgulhosos”.

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O voo da águia Seleta

D e barba longa e rabo de ca-

valo, boina basca ou chapéu

de couro, Antônio Eustáquio

Rodrigues, maior produtor mineiro de

cachaça de alambique em volume, é a

prova viva de que filosofia e cachaça an-

dam de mãos dadas. Dono de um esti-

lo pessoal que o transformou num dos

principais personagens da indústria de

bebidas do país, ele é um dos associados

da APACS que mais se destacam no mer-

cado. “Mestre não é quem mais ensina, é

quem mais aprende”, costuma dizer.

Produtor das marcas Boazinha, Se-

leta e Saliboa, o empresário prepara o

lançamento da Cachaça do Coronel,

envelhecida em tonéis de carvalho. Ele

é dono também da Tanoaria Padre Eus-

táquio, onde fabrica os próprios tonéis,

e tem 3 milhões de litros de cachaça

armazenados em 465 deles. Sua pro-

dução começou com a Boazinha, nome

de uma aguardente produzida pelo con-

terrâneo Lau. “Ele fazia uma pequena

quantidade e a procura era maior que

a demanda”, recorda. “Para atender a

todos, começou a comprar outras mar-

cas, mas os clientes queriam sempre

‘da boazinha’”. Anos depois, quando a

aguardente não era mais fabricada, An-

tônio buscou-a no fundo da memória e

batizou sua primeira cachaça.

Antônio emprega quase 100 pessoas e

afirma que a base do sucesso é a honesti-

dade. Para ele, a comercialização e os altos

impostos continuam sendo os principais

desafios dos donos de alambique. Mesmo

assim, é preciso conquistar novos merca-

dos. No entanto, consumidor e distribuidor

não investem num produto desconhecido

e não podem pagar pelos erros do fabri-

cante. “Mas não é fácil ser produtor e in-

termediário ao mesmo tempo”, alerta. “É

preciso distinguir investimento e despesa.

Investimento dá retorno; despesa, não. O

intermediário é quem mais investe, pois

pega o produto pronto para lapidá-lo”.

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O produtor Antônio Eustáquio Rodrigues é um dos principais

personagens do ramo

Page 154: Cachaças+-+Minas+Gerais

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Trabalho da moenda ao comércio

Além dos produtores e seus fa-

miliares, muita gente em Sali-

nas sobrevive da cachaça. No

auge da produção, cerca de 2 mil mo-

radores encontram trabalho direto ou

indireto no município, conforme núme-

ros da Associação dos Produtores Arte-

sanais de Cachaça de Salinas (APACS).

Boa parte dessa gente é formada por

jovens de ambos os sexos, alguns já

no ramo há vários anos. Para o prefeito

José Antônio Prates, a produção de ca-

chaça envolve um processo ético e cul-

tural que é uma verdadeira bênção. “A

tradição teve início pelas mãos humil-

des de personagens como Anísio, Noé,

Joãozinho da Lua Cheia, e hoje continua

com os mais jovens”, ressalta.

Joana Pereira de Melo aprendeu na

prática tudo o que sabe, e agora está

cursando Administração à distância,

pela Universidade do Norte do Para-

ná (Unopa). Há 10 anos ela trabalha na

empresa Seleta e Boazinha, de Antônio

Eustáquio Rodrigues. Casada e mãe de

dois filhos, exerce as funções de gerente

de produção e comanda 23 funcionários,

entre engarrafadores, tanoeiros, carrega-

dores e motoristas. Conheceu o marido

na tanoaria e hoje ele é caminhoneiro.

Page 155: Cachaças+-+Minas+Gerais

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“A cachaça representa nossa sobrevivên-

cia”, reconhece. “Além dela, Salinas tem

poucas oportunidades de trabalho”.

Um dos profissionais comandados

por Joana é o tanoeiro Francino Pereira

da Silva França. Surdo-mudo, começou

como aprendiz na Tanoaria Padre Eus-

táquio e há mais de três anos vive da

profissão. Ele e mais dois colegas fazem

em média um tonel de 10 mil litros por

semana. Todos eles aprenderam o ofí-

cio graças à oportunidade oferecida por

Antônio Eustáquio Rodrigues. O patrão

é exigente, mas ensina tudo o que sabe

com paciência e respeito. Ele sabe que

os funcionários são parceiros importan-

tes e por isso precisam ser estimulados

para que o trabalho seja bem realizado.

A história de Darlene Pereira dos

Santos é um pouco diferente. Natural

de Taiobeiras, ela foi para Montes Cla-

ros com a finalidade de fazer um curso

preparatório para o vestibular. Queria

aprender uma profissão ligada às ciên-

cias biológicas e ficou sabendo do cur-

so de Tecnólogo em Produção de Ca-

chaça, oferecido pelo Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do

Norte de Minas (IFNMG), campus Sali-

nas. “O mercado da cachaça estava em

franco crescimento e eu me interessei

pelo curso”, recorda.

Darlene foi uma das primeiras que se

formaram na nova profissão e imediata-

mente iniciou uma pós-graduação em

Tecnologia da Produção de Cana, Açúcar

e Álcool. Em 2009, começou a trabalhar

na Associação dos Produtores Artesanais

de Cachaça de Salinas (APACS), emprego

que muito lhe tem ensinado, completan-

do o aprendizado teórico. Ela auxilia na

parte administrativa e técnica, devendo

também cuidar do site da entidade e da

venda de cachaças por meio dele. A for-

mação escolar lhe deu argumentos para

defender as qualidades do produto.

Darlene afirma que o avô materno

chegou a ter um alambique, que fun-

cionou em condições precárias devido

à falta de conhecimento técnico, mas

admite que nunca havia imaginado que

um dia trabalharia com cachaça. “Reco-

mendo o curso aos mais jovens, pois

ele abriu para mim uma oportunida-

de de trabalho na própria região onde

moro”, reconhece. Segundo ela, o curso

possibilita ao profissional atuar na ad-

ministração de uma fábrica de cachaça,

na orientação técnica durante o plantio

e a colheita da cana, no gerenciamento

de lojas especializadas e até em labora-

tórios. O curso tem aulas de alimenta-

ção, biologia, física, química, topografia

e outras matérias relacionadas à produ-

ção de cachaça.

A cachaça faz parte da cultura de Salinas e mobiliza em torno de 2 mil pessoas no auge da produção, a maioria jovens de ambos os sexos

Page 156: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 157: Cachaças+-+Minas+Gerais

157

O rio das araras grandes

O nome Araçuaí é de origem in-

dígena e significa “rio das ara-

ras grandes”. As aves se foram,

mas o rio continua sendo um dos mais

importantes do Vale do Jequitinhonha,

onde fica a cidade. No século XVIII, o

município foi ligada à comarca do Serro

Frio e, mais tarde, a Minas Novas.

No século XIX, o padre Carlos Perei-

ra de Moura fundou a Aldeia do Pontal,

na confluência dos rios Araçuaí e Jequi-

tinhonha. Ali aportavam canoeiros que

traziam mercadorias da Bahia. A presen-

ça desses homens atraiu muitas mulhe-

res. Expulsas pelo padre, elas seguiram

rio acima, achando abrigo na Fazenda

Boa Vista, de Luciana Teixeira, na mar-

gem direita do ribeirão Calhau. O lugar

deu origem à atual Araçuaí, entre 1830 e

1840. Além das mulheres, a aguardente

de cana já fazia a festa dos aventureiros

em seus momentos de descanso.

A Lei Provincial de 13 de julho de

1857 elevou o lugarejo à condição de

sede de distrito. A instalação do nome

de Villa de Arassuahy ocorreu em 1° de

julho de 1871. Em 21 de setembro do

mesmo ano, a Lei 1870 transformou o

lugar em cidade, cujo nome passou a

ser escrito com a grafia atual. A cidade

cresceu às margens do rio Araçuaí, prin-

cipal afluente do Jequitinhonha. Com a

abertura da estrada de rodagem, o movi-

mento de ônibus e caminhões substituiu

a navegação, pondo fim à atividade dos

canoeiros, homenageados com uma es-

tátua na praça da Matriz.

Até 1891, Araçuaí era a capital do

nordeste de Minas, ocupando o quarto

lugar entre os municípios mineiros em

número de comerciantes. Por ali passou

a estrada de ferro Bahia– Minas. A esta-

ção de trem da cidade começou a fun-

cionar em 1942 e hoje está desativada.

A agricultura e a pecuária são as princi-

pais atividades econômicas do municí-

pio e sempre enfrentaram dificuldades

devido ao clima quente e seco. O sub-

solo da região, no entanto, é rico em

minérios e pedras preciosas como tur-

araçuaí

A produção de cachaça é alternativa econômica do município

Além do subsolo rico em minérios e pedras semipreciosas, a região apresenta dinamismo na agricultura e na pecuária

Page 158: Cachaças+-+Minas+Gerais

158

malina, água-marinha, berilo, topázio,

crisólita, lítio, feldspato, cassiterita e

quartzo. A cidade é também conhecida

pela qualidade de sua cachaça e pelo

talento de seus artesãos.

Ao longo de muitos anos, Araçuaí

funcionou como entreposto comercial

de grande movimento. Por ali passavam

mercadorias oriundas do Serro, Ferros,

Peçanha, Minas Novas, Salinas e outras

cidades do norte e nordeste do estado.

Os armazéns do município viviam abar-

rotados de sal e outros produtos de

beira-mar, que aguardavam os tropeiros

para trocá-los por carne-seca, queijo e

produtos agrícolas nas fazendas da re-

gião. O auge dessa atividade se deu na

década de 1880, quando as tropas mu-

daram sua rota para o sul do estado.

O comércio araçuaiense foi perden-

do a força no final do século XIX, in-

fluenciando a decadência da navegação

do Jequitinhonha. A importação foi des-

locada da Bahia para o Rio de Janeiro.

A estrada de ferro Bahia–Minas passou

a transportar os produtos até Teófilo

Otoni, onde eram recebidos pelos tro-

peiros. A estrada de rodagem, aberta no

meio da mata entre aquela cidade e São

Miguel do Jequitinhonha, propiciou a

comunicação direta entre a estação de

trem e os distritos mais férteis do muni-

cípio do norte do estado.

Essas mudanças enfraqueceram

a economia de Araçuaí, que contudo

ainda mantém um comércio expressi-

vo. O mercado municipal é uma praça

movimentada, na qual os lavradores da

região vendem ou trocam seus produ-

tos pelos artigos de que necessitam. A

atividade comercial concentrou-se qua-

se toda em torno das feiras e a cidade

tem hoje grandes armazéns. Em 1901,

na Fazenda da Barra do Piauí, começou

a extração de pedras coradas, que ain-

da atrai compradores de vários lugares.

No entanto, a única indústria extrativa

de minério no município é a Companhia

Brasileira de Lítio (CBL).

Araçuaí adentrou o século XXI como

um dos principais municípios do Vale

do Jequitinhonha, apesar da fama de

“cidade do já teve”. A cidade encontrou

na produção de cachaça artesanal uma

alternativa econômica. A escola agríco-

la mantida pela diocese do município

contribuiu significativamente para me-

lhorar o cultivo da cana e a produção

de cachaça na região. A cidade hoje tem

perto de 40 mil habitantes.

pedras Coradas

Pedras preciosas e semipreciosas. Existem quase 80 tipos de pedras ou gemas coradas brasileiras catalogadas pelo boletim de preços do Ministério das Minas e Ener-gia, entre elas o rubi, a safira, a esmeralda, a água-marinha, a turmalina, o topázio impe-rial, a ametista, o crisoberilo olho de gato e a alexandrita. Fonte: Ministério das Minas e Energia.

Coração do Vale tem a qualidade atribuída não apenas ao processo de qualidade na produção, mas ao tipo de solo e ao clima da região

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160

A cachaça do Coração do Vale

S e os tropeiros ainda cruzassem

o Vale do Jequitinhonha, como

fizeram até meados do sécu-

lo XX, provavelmente levariam em suas

bruacas muitas garrafas da aguardente

Coração do Vale, feita pela Cooperativa

de Produção de Cachaça de Alambique

de Araçuaí e Região (Cachaçaboa). Esse

mesmo produto certamente seria trans-

portado também pelos antigos canoei-

ros, que ainda naquela época subiam e

desciam o rio Araçuaí levando e trazen-

do toda sorte de mercadorias. A tradição

de se produzir cachaça na região vem de

longe. O clima semi-árido, bem como o

tipo de solo do lugar, favorecem o plan-

tio da cana-de-açúcar, desde cedo usada

na produção das melhores aguardentes.

A qualidade da cachaça produzida

em Araçuaí está relacionada ao tipo de

solo, à cana utilizada nos alambiques e

ao próprio clima da região. É o que ga-

rante o presidente da Cooperativa Ca-

chaçaboa, Antônio Luiz Moreira Santos,

mais conhecido como Toninho. Seu avô

paterno, Nuno dos Santos, foi produ-

tor da cachaça Sarajá, que chegou a ser

muito apreciada na cidade. Mas o pai e

os tios não deram continuidade à tradi-

ção que ele resolveu retomar.

Toninho tem 13 irmãos e foi o único

de sua geração que se interessou pela

produção de aguardente de cana. Ele as-

sumiu a presidência da Cooperativa de

Produção de Cachaça de Alambique de

Araçuaí e Região (Cachaçaboa) em 2009,

e desde então vem se empenhando na

melhoria e na divulgação da cachaça Co-

ração do Vale, lançada no mesmo ano,

mediante parceria com o Sebrae-MG, a

Prefeitura Municipal de Araçuaí, o Ins-

tituto Evaldo Lodi (IEL)/Federação das

Indústrias do Estado de Minas Gerais

(Fiemg) e o Sindicato das Indústrias de

Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de

Minas Gerais (Sindbebidas-MG). O pro-

duto foi lançado durante a Expocachaça

(festival realizado anualmente em Belo

Horizonte), e num evento de degustação

realizado no Mercado Central, também

na capital mineira. A nova cachaça, um

blend elaborado a partir da produção dos

25 cooperados da Cachaçaboa, tem sido

aprimorada a cada dia e a Cooperativa

busca também melhorar sua imagem,

usando embalagens diferenciadas e per-

seguindo a padronização do produto.

“A Coração do Vale é produzida e co-

mercializada segundo todas as normas le-

gais”, garante Toninho, que se refere tanto

BruaCa

Saco ou mala de couro cru, para trans-porte de objetos e mercadorias sobre bestas. Bolsa de couro. Fonte: Novo Aurélio - O Di-cionário da Língua Portuguesa - Século XXI. Editoria Nova Fronteira, 3ª edição, 1999.

Page 161: Cachaças+-+Minas+Gerais

161

à legislação federal, que dispõe de requi-

sitos para a padronização, classificação,

registro, inspeção, produção e fiscaliza-

ção inerentes à cachaça brasileira, quan-

to aos licenciamentos necessários para a

atividade. Um dos diferenciais da cachaça

de Araçuaí é o fato de ser envelhecida em

tonéis de jequitibá, madeira muito encon-

trada no Vale do Jequitinhonha. A princi-

pal dificuldade dos produtores são as

barreiras para entrar no mercado. “Nosso

problema é a falta de distribuição e de di-

vulgação junto aos consumidores nacio-

nais e internacionais”, analisa. Toninho se

diz otimista com relação à parceria com o

Sebrae-MG, que acarretou uma série de

iniciativas, entre elas a capacitação dos

produtores para o associativismo e o co-

operativismo. Todo esse trabalho possi-

bilitou o aprimoramento dos cooperados

em métodos gerenciais relacionados à

administração, finanças, armazenamen-

to, estocagem, produção, custos e meio

ambiente. “Sabemos produzir e a entida-

de está nos ajudando a vencer os obstá-

culos comerciais”.

Para elaborar a Coração do Vale, os

produtores utilizam as melhores práticas

de produção nos processos de plantio,

corte e moagem da cana, fermentação e

destilação do caldo. Eles dedicam espe-

cial atenção à separação das frações de

cachaça, fazendo uso apenas do “cora-

ção” – a parte boa da bebida, isenta de

elementos químicos que podem prejudi-

car o sabor e a qualidade da aguardente.

Quem degusta a cachaça sente no olfato

e no paladar as propriedades da bebida.

A cooperativa buscou também melhorar

a imagem do produto, mediante a utili-

zação de rótulo e embalagens diferen-

ciados que se adequaram à padroniza-

ção da nova marca de aguardente.

Por essas e outras, a técnica do Se-

brae-MG na microrregião, Kênia Cardo-

so, afirma que Araçuaí tem o projeto de

cooperativa da cachaça mais bem estru-

turado de que tem notícia. “O projeto é

financiado pelo BNDES e a cidade produz

Toninho está à frente da Cachaçaboa, que desenvolve

iniciativas para unir os produtores em torno da

produção e venda da bebida

Page 162: Cachaças+-+Minas+Gerais

162

uma excelente cachaça”, afirma. O desa-

fio agora é desenvolver estratégias de co-

mercialização do novo produto. Em 2010,

além do planejamento de marketing, o pro-

jeto desenvolvido na região contempla a

busca de mercados potenciais, especial-

mente nas cidades de São Paulo e Rio de

Janeiro. A expectativa é que a produção

da Cooperativa Cachaçaboa atinja pelo

menos 300 mil litros em 2010.

Surgida inicialmente em 1999 como

um projeto para organizar a atividade

dos produtores, a Cachaçaboa foi forma-

lizada como cooperativa em 2004 devido

à necessidade de unir forças para levar à

frente um produto de qualidade. A en-

tidade foi estruturada com uma planta

industrial para o beneficiamento secun-

dário da cana, visando à produção de

1,2 milhão de litros de cachaça por ano.

Reúne 25 produtores, cada um deles em-

pregando de quatro a cinco pessoas na

região. Cada unidade de produção rural

tem capacidade para destilar até 40 mil

litros, sendo que três delas podem che-

gar a 100 mil litros de cachaça por ano. A

mão de obra é basicamente familiar e o

subproduto é utilizado na pecuária local

e na produção de adubo orgânico, além

de servir como base energética de com-

bustível para a destilação.

(33) [email protected]

Page 163: Cachaças+-+Minas+Gerais

A terceira vida de Rainer

Natural de Osnabrück, no norte da Alemanha, Heinrich Nicolaus Busselmann vive em Araçuaí o que chama de sua “terceira vida”. Ele morou em Berlim e em várias cidades do mundo, estudou agronomia e sociologia, ajudou a fundar o Par-tido Verde em seu país e chegou ao Brasil em 1987 por meio de um convênio do governo ale-mão com a diocese de Araçuaí. Foi trabalhar na escola agrícola do município, com a missão de adaptar o sistema de produção europeu à agri-cultura familiar de subsistência, típica do Vale do Jequitinhonha.

Rainer, como é conhecido na cidade, adaptou-se tanto à vida do lugar que chegou a ser secre-tário municipal de Agricultura. Casou-se com a jo-vem filha de um garimpeiro, com quem teve dois filhos, e vive da produção de cachaça e da criação de cabras e galinhas em sua pequena proprieda-de, às margens do rio Araçuaí. Morava na Alema-nha quando provou cachaça pela primeira vez. Sua irmã, que trabalhava como assistente social da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), no município de Salinas, levou-lhe de presente uma garrafa de Havana.

Enquanto o criador da famosa marca, Anísio San-tiago, preferia beber cerveja, Rainer, que não enten-dia nada sobre a bebida típica de seu país, acabou se transformando num produtor de boa cachaça. Ainda na Alemanha, chegou a conhecer peque-nas fábricas de destilados à base de trigo e batata. Curioso pelos processos de destilação, estudou o assunto com amigos do sul da Bavária, produtores de destilados feitos de pera e ameixa, muito tradi-cionais na região. Morando na índia, muito antes de pensar no Brasil, conheceu uma bebida feita de ar-

roz. Pouco a pouco, foi se tornando um especialista em destilados.

Um dos fundadores da Cooperativa Cachaçaboa, Rainer tem muito a oferecer no quesito comercial. Ainda na Alemanha, acompanhou de perto a inte-gração da economia nacional na então Comunidade Europeia, cujo mercado tinha a produção agrícola como carro-chefe. “Quem não atingia os objetivos e regras previamente estabelecidos era automatica-mente excluído do processo”, recorda.

Rainer participou da luta para salvar a agricul-tura familiar, que até então predominava em boa parte da Europa. Lembra-se de que em países como a França uma boa estratégia foi patentear como patrimônio histórico e cultural os produtos feitos artesanalmente, como o queijo, o vinho e o conhaque. “Essa ideia pode salvar os pequenos produtores brasileiros de alimentos e bebidas”, acredita. Na sua opinião, o pequeno produtor não tem como competir na quantidade ou no preço, mas pode oferecer como diferencial a qualidade de seus produtos.

O alemão começou a produzir cachaça em 1999. Até então, plantava cana para alimentar o gado de leite. Um amigo seu, Darlan Nepomuceno, sugeriu produzirem aguardente em parceria e montou um alambique em sua pequena fazenda. “Acompanhei de perto todo o processo e aprendi as manhas do negócio”, lembra Rainer. Naquela época, ele era secretário de Agricultura e enfrentava o problema da informalidade no setor de produção de cachaça. Como fabricante e bom bebedor, ele diz que a ca-chaça acalma o espírito, alimenta a boa prosa com os amigos e tem tudo para ajudar no crescimento econômico de Araçuaí.

163

Page 164: Cachaças+-+Minas+Gerais
Page 165: Cachaças+-+Minas+Gerais

165

Da Roseira de Paiolinho a Colinas do Sul

O município de Poço Fundo, no

sul do estado, tem apenas 15,9

mil habitantes, distribuídos

numa área de 474 km². Em toda a região,

no entanto, há 15 alambiques, média de

um para cada mil moradores. A maioria,

no entanto, concentra-se no distrito de

Paiolinho, de onde surgiu a tradição da

produção da cachaça das mãos de seu

Quinzinho Rosa (Joaquim Francisco da

Costa), ainda nos anos 1950. Ele foi o

primeiro produtor rural da região e mon-

tou nessa época uma engenhoca na fa-

zenda do Brejo Grande para a produção

de rapadura e cachaça.

Quinzinho Rosa gastava horas e ho-

ras ao lado da caldeira e do alambique.

Com paciência, cuidava da qualidade da

bebida, a Roseira, cachaça que ficou afa-

mada na redondeza. Chegou a produzir

80 litros por dia. Nos anos 1970, o pa-

triarca passou o alambique para os qua-

tro filhos, Olívio, Zico Rosa, Darílio e Ari.

Quem seguiu com a produção da Roseira

foi seu Olívio e o filho, Joaquim (mesmo

nome do avô), que se recorda de quan-

do, ainda jovem, se envolveu com o ne-

gócio. Ele cangava os bois de madrugada

para vender dois barris de 100 litros de

cachaça em Poço Fundo, a 10 km da fa-

zenda. “A gente chegava na cidade e ti-

nha de parar na entrada e passar sabão

nos eixos do carro de boi para não fazer

barulho. O carro cantava e a polícia não

deixava a gente passar no calçamento. A

gente tinha que subir pela rua da cadeia,

mas sem fazer barulho”.

Com a morte de Olívio na década

de 1990, seus filhos resolveram dividir

a fazenda. Daí, cada neto de Quinzinho

Rosa seguiu seu rumo, mas produzindo

a própria marca de cachaça, atividade

impregnada no DNA da família. Seu Jo-

aquim continuou a produção da Roseira

em sociedade com o irmão Naro; dona

Augusta produz a Paiolinho, e a irmã Is-

mair, a cachaça Izaltina. Todos carregam

na memória e no jeito de falar a rotina de

sul do estado

Colinas do Sul surgiu a partir da união de cooperados de Poço Fundo e de Machado, em 2004, em torno da Coopercasul

Page 166: Cachaças+-+Minas+Gerais

166

quem cresceu no meio do canavial, ao lado

das dornas de fermentação e do calor da

caldeira. Os irmãos garantem que o cheiro

que vem do berço é o da cachaça. Hoje, os

bisnetos de Quinzinho Rosa, Luiz (filho de

dona Augusta) e Anderson (filho de Joaquim)

já fizeram do ofício a cachaça de cada um.

Neste momento, a região se prepara para

um novo ciclo de expansão, após a profis-

sionalização da atividade. Desde 2004, os

produtores perceberam a necessidade de

criar uma associação (ou cooperativa) para

fortalecer a produção regional de cachaça.

O caminho pareceu a solução ideal para

agregar valor à produção e inserir os produ-

tores num novo patamar de qualidade para

alcançar novos mercados. Criada com os

alambiqueiros de Poço Fundo e da cidade

de Machado, a iniciativa ganhou corpo em

março de 2005, quando os produtores ru-

rais começaram a participar de palestras de

sensibilização sobre cooperativismo, a con-

vite do Sebrae-MG.

A primeira etapa das ações do Sebrae-

MG, chamada “linha de campo”, compre-

endeu um diagnóstico da produção de cada

um dos 60 cooperados, com fotos, avaliação

da cachaça – aparência, sabor, aroma e aná-

lise de elementos –, e normas técnicas que

deveriam ser adequadas junto ao Ministério

da Agricultura. Essa primeira ação serviu de

suporte aos produtores para que eles deixas-

sem a informalidade, buscassem o registro e

fizessem as adequações necessárias.

Por meio do projeto Gestão Estratégi-

ca Orientada para Resultados (GEOR), o

Sebrae-MG entrou como parceiro da Coo-

percasul em 2005. No início havia muitos

alambiques fora dos padrões, com estrutura

rudimentar, equipamentos incompletos (au-

sência de filtros e decantadores, por exem-

plo), sendo que alguns produtores ainda

usavam a queima da lenha e jogavam o vi-

nhoto diretamente nos cursos d’água.

Para mudar esse quadro, ficou estabele-

cido como pré-requisito para participar da

Coopercasul, desde a sua fundação, a ade-

quação do engenho às normas de produ-

ção do Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento (Mapa). O presidente da

cooperativa, Anderson da Costa (bisneto

de Quinzinho Rosa), explica que essa de-

terminação foi inscrita no estatuto e apro-

vada por todos os cooperados, sendo que

apenas os produtores que estão dentro

das normas podem fornecer cachaça para

a Coopercasul.

“O levantamento que fizemos mostrou

que parte dos alambiques do sul de Minas

produzia a cachaça de ‘bica corrida’, isto é,

aquela em que não se faz a separação do

coração, da cabeça e da cauda. Hoje essa

situação mudou. Todos os nossos 30 coope-

rados, de 21 municípios da região, utilizam a

parte nobre da cachaça, fora as adequações

ambientais e de higiene”, afirma Anderson.

Em dois anos, o Sebrae-MG identificou

uma melhora significativa da qualidade dos

Page 167: Cachaças+-+Minas+Gerais

Os produtores Zico Rosa e Joaquim da Costa, de Paiolinho, seguiram os passos do patriarca,

Seu Quinzinho Rosa

Page 168: Cachaças+-+Minas+Gerais

168

alambiques e da produção, todos os coo-

perados fazendo um esforço muito grande

para se adequarem. Correções na estrutu-

ra do engenho, procedimentos certos de

aproveitamento sustentável – bagaço e

vinhoto –, separação dos álcoois superio-

res. Tudo isso passou a ser padrão entre os

cooperados.

A segunda etapa de conformação da

Coopercasul tratou do seu estatuto e da

eleição dos diretores. Em seguida, os coo-

perados contaram mais uma vez com con-

sultoria do Sebrae-MG para estabelecer o

padrão de qualidade da marca que iria re-

presentar dali para a frente a cooperativa:

a Colinas do Sul.

A meta da Cooperativa é vender a ca-

chaça Colinas do Sul em todo o território

nacional e, paralelamente, no mercado in-

ternacional. Por esse motivo, a cooperativa

estabeleceu um padrão rigoroso de quali-

dade, que contou com a colaboração dos

técnicos da Universidade Federal de Lavras

(UFLA) e do Ministério da Agricultura.

Para se ter ideia, o teor de acidez máxi-

mo estabelecido pelo Mapa é de 150 mg/100

ml de álcool anidro; a cooperativa exige um

teor abaixo dos 90 mg. A taxa de cobre é de

4 mg/l e a graduação alcoólica 47 GL. Além

disso, é cobrado do produtor o uso de cai-

xas de fermentação apenas de aço inox ou

aço carbono; separação dos álcoois supe-

riores e rigoroso controle ambiental.

Todos os cooperados tiveram ainda que

se adequar a um projeto de controle am-

biental, o qual recomenda o controle do

vinhoto, do bagaço, das cinzas da caldeira

e a outorga do uso da água, fora as licenças

convencionais solicitadas nos órgãos com-

petentes.

Ao produtor cabe entregar a cachaça

dentro do padrão estabelecido; a coo-

perativa faz todo o restante do processo

– transporte, análises químicas, engarrafa-

mento e venda.

(35) 3283-1023 / (35) [email protected]

O produtor Avelino José Capela, de Cambuí, é um dos cooperados

da Coopercasul

Page 169: Cachaças+-+Minas+Gerais

Novas perspectivas no mercado

A Coopercasul está fechando uma par-ceria com a Cooperativa dos Produtores de Cachaça de Alambique da Região Cen-tro-Oeste de Minas Gerais, com o objetivo de fortalecer as duas regiões produtoras e ampliar o mercado das marcas Colinas do Sul e Real.

O vice-presidente da Coopercasul, Ivan Vilela, explica que a parceria ampliará para mais de 60 o número de produtores, com capacidade produtiva estimada de 2 mi-lhões de litros de cachaça por ano. “O co-operativismo agrega valor ao produto, ofe-rece infraestrutura para comercialização e representa os produtores junto aos órgãos governamentais”.

Vilela defende ainda a cooperativa como solução para os pequenos produtores. Se-gundo dados da Associação Comercial de Poço Fundo, a cooperativa do sul de Minas gera hoje cerca de 500 empregos diretos e mais de 100 indiretos, sendo a maioria ocu-pação de mão de obra familiar.

“Com um número maior de cooperados após a fusão, teremos dinheiro e caixa para contratar um gestor e manter uma coope-rativa-empresa. Estamos buscando uma visão moderna, com estrutura para comer-cialização, que ofereça sede com melhores equipamentos e vendedores nas regiões. A nossa ideia é consolidar a marca em Minas e depois partir para os outros estados”, afirma o vice-presidente.

Joaquim Silvério é alambiqueiro da propriedade

de dona Augusta Costa

Page 170: Cachaças+-+Minas+Gerais

170

As cachaças de Minas Gerais

Por todo o estado a produção da

cachaça de alambique mobiliza

milhares de famílias. Em alguns

casos, como em Salinas, a bebida tem

fundamental importância na economia

local, sobretudo na geração de emprego

e renda. É uma síntese da realidade bra-

sileira, que reúne atualmente mais de 40

mil produtores de 4 mil marcas, segun-

do o Instituto Brasileiro da Cachaça. E

as microempresas correspondem a 99%

do total de produtores. No Brasil, o setor

da cachaça é responsável pela geração

de mais de 600 mil empregos, diretos e

indiretos. Minas Gerais se destaca como

polo de produção de cachaça artesanal.

Com capacidade instalada de produ-

ção de mais de 1,7 bilhão de litros, uma

parcela mínima da bebida é destinada ao

mercado externo. Em 2009, segundo nú-

meros do Ministério de Desenvolvimen-

to, Indústria e Comércio, apenas 10,8

milhões de litros foram exportados, ge-

rando uma receita de apenas US$ 15,58

milhões. O principal destino é a Alema-

nha (terra da cerveja), responsável por

24% dessa fatia. São aproximadamente

180 empresas exportadoras, que enviam

a bebida para mais de 60 mercados. Ou

seja, há uma avenida de crescimento no

mercado internacional.

Nesta edição, destacamos 81 mar-

cas diferentes de cachaça artesanal de

Minas Gerais. São produtos de exce-

lência de associações e cooperativas

de produtores que desenvolvem, jun-

tamente com o Sebrae-MG, ações de

melhoria da qualidade do produto, de

organização do setor e de ampliação do

mercado, dentro e fora do país. Cachaças

– Minas Gerais registrou também as his-

tórias dos produtores que obtiveram,

até o final de 2009, o selo do Inmetro,

um atestado que garante essencialmen-

te o padrão de qualidade da bebida

que chega ao consumidor. Os produtos

estão distribuídos em 17 cidades das

cinco macrorregiões de Minas, confor-

me divisão geográfica utilizada pelo Se-

brae-MG em seus projetos.

Page 171: Cachaças+-+Minas+Gerais

171

Page 172: Cachaças+-+Minas+Gerais

172

BELO VALEGavião do Vale

Região Central

BETIMMinha Deusa e Vale Verde

BRUMADINhOÁgua da Bica e Sonhadora

MORRO DA GARÇAProsa & Viola e Terra de Minas

ESMERALDASPrazer de Minas

Belo Vale

 Betim

 Brumadinho

 Morro da Garça

Esmeraldas

Page 173: Cachaças+-+Minas+Gerais

173

Região Leste

MARILACCachaça Verde Amarela

GOVERNADOR VALADARESUirapuru

 Marilac

 Governador Valadares

Page 174: Cachaças+-+Minas+Gerais

174

ARAxáCachaça Carnaval e Segredo de Araxá

Região Oeste

CONqUISTAP.O. de Minas

UBERABACachaça Lenda do Chapadão

 Araxá

 Conquista

 Uberaba

Page 175: Cachaças+-+Minas+Gerais

175

BOA ESPERANÇASerra da Boa Esperança

Região Sul

PIRANGUINhODedo de Prosa

POÇO FUNDOColinas do Sul

SÃO GONÇALO DO PARáCachaça DJ

Boa Esperança

 Piranguinho

Poço

Fundo

 São Gonçalo

do Pará

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Região Norte

 Araçuaí Claro dos Poções

 Salinas

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ARAÇUAíCoração do Vale

CLARO DOS POÇõESBranquinha de Minas

SALINASAnísio Santiago e Havana

SALINASArtista

SALINASAsa Branca

SALINASBrinco de Ouro e Brinco de Prata

SALINASBeija-Flor

SALINASBaluarte

SALINASBeleza de Minas

SALINASBoazinha

SALINASCachoeira

SALINASCana de Ouro

e Cana de Prata

SALINASCanarinha

SALINASCanardente

SALINASDona Moça

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SALINASErva Doce

SALINASFabulosa

SALINASFlor de Salinas

SALINASHanavilhana

SALINASMeia Lua

SALINASIndaiazinha

SALINASIndiana

SALINASLua Cheia

SALINASMajestade

SALINASMemória de Salinas

SALINASMonte Alto

SALINASPeladinha

SALINASPuricana

SALINASRio Salinas

SALINASSabiá

SALINASSabinosa

SALINASSabor de Cana

SALINASSabor de Minas

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SALINASSalideira

SALINASSabor de Salinas

SALINASSaliboa

SALINASSalicana

SALINASSalimel

SALINASSalineira

SALINASSalinense

SALINASSalivana

SALINASSegredo de Salinas

SALINASSeleta

SALINASSobradinha

SALINASSó Luar

SALINASTabua Flor de Ouro

e Tabua Flor de Prata

SALINASTerra de Ouro

SALINASSalideira

SALINASSalineira

SALINASValiosa

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saideira

Cachaça de A a Z, 183

Museu da Cachaça, 185

Raridades em Caeté, 186

Xico da Kafua, 187

Musa dos Sambistas, 188

Oração do Pau-d’Água, 188

Novo colecionador, 188

Inspiração literária, 189

Leveduras selecionadas, 190

Clube Mineiro da Cachaça, 191

A arte da tanoaria, 192

Engenho Boa Vista, 193

Degustação de cachaça, 194

Berços de boa madeira, 195

Dicas de leitura, 196

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Abrideira BadaloCaiana Danada Elixir Faísca

Garapa HomeopatiaIsca JurubitaKatiassa LindinhaMé Nó-cego OrontanjePrego Queima-pé Rama Saideira TalagadaUmazinha Vexadinha

White water Ximbica Zuninga

Abençoada

AtitudeBagaceira

Cumbica Dengosa

Marvada

Santinha

Xixi-de-gato

TragoÓbsessão

ZombeteiraUca

ImaculadaGororoba Januária

Limpa-goelaNão-sei-quê

Endiabrada

Purgante

Tremedeira

Jinjibirra

Levanta-velho

Mulatinha

Uísque-de-pobreTiúba

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Trago

A . Abençoada, abrideira, aça, acalma-nervo, acuicui, água-benta, água de briga, água de cana, água-doce, água-maluca, água que passarinho não bebe, aguardente, aguarrás, aguinha, amansa-corno, aman-sa-sogra, amarelinha, anacuíta, antibió-tico, antioxidante, apaga-tristeza, aquela que matou o guarda, arapari, ardosa, ariranha, arrebenta-peito, arrupiada, asso-vio de cobra, atentada, atitude, azinhavre, azougue, azuladinha, azulzinha.

B . Badalo, bafo de tigre, bagaceira, bagaço, bambu-amigo, baronesa, bebida de po-bre, bicarbonato de soda, bicha, bichinha, bico, birinaite, birinata, birita, boa, boa ideia, boazinha, boinha, borbulhante, boresca, bota-fora, braba, branca, bran-quinha, brasa, braseira, brasileira, brava.

C . Cabreira, cachorro de engenheiro, café branco, cascabulho, caiana, calibrina, calorenta, cana, canguara, canha, canica, canicilina, caninha, canjebrina, capote de pobre, capim-santo, cascavel, catinguen-ta, catuaba, catuta, cauim, cavalo-arriado, caxaramba, caxiri, caxirim, cem-virtudes, chá de cana, champanha da terra, cha-

Cachaça de A a Z

A cachaça, desde as suas origens no Brasil Colônia, ganhou uma infinidade de apelidos. Em cada região do país, ou em

diferentes grupos sociais, o destilado de cana que melhor representa a alma brasileira pode ser identificado por meio de

expressões solenes ou bem-humoradas, que já fazem parte do folclore nacional. De A a Z, a grande variedade de nomes

da bebida revela a criatividade dos bons bebedores. A seguir, listamos quase 300 denominações distintas.

puletada, chibatada, chica-boa, chicote, chinelada, chora-menina, chorinho, choro, cobertor de pobre, cobreira, comadre, cumulaia, congonha, consolação, conso-la-corno, cumbeca, cumbica, cura-tudo.

D . Danada, de colarzinho, dengosa, depura-tivo, desabafa-peito, desmancha-samba, desmanchadeira, distinta, ditadura, doi-dinha, dona-branca, dengosa, dindinha, douradinha.

E . Elixir, endiabrada, engasga-gato, engor-da-marido, entorta-pé, espanta-moleque, espírito, esquenta-peito, esquenta por dentro, estricnina.

F . Faísca, fanta, faz-dodó, faz-xodó, fecha-corpo, filha de senhor de engenho, fogo, fogo-molhado, fogosa, forra-peito, fruta.

G . Garapa, garapa-doida, gás, girgolina, giribita, glostora, goró, gororoba, goro-robinha, gramática, grogue, generosa, gengibirra, gororoba, guampa.

h .Homeopatia.

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I . Iaiá me sacode, imaculada, imbiriba, incha-cara, injeção, isca.

J . Januária, jeribita, jinjibirra, jura, jurubita, jurupinga.

K .Katiassa.

L . Lágrima de virgem, lamparina, lanterneta, lapada, lebreia, legume, levanta-velho, limpa-goela, lindinha, lisa.

M . Maçangana, malafo, malunga, malvada, mamadeira, mamãe de aluana, mamãe-sacode, mandureba, mangaba, mania, marafo, maria-branca, maria-teimosa, martelada, marvada, mata-bicho, matu-aba, mé, mijo de câo, mijo-santo, moça-branca, moça-loura, monjopina, mulati-nha, meu-consolo.

N . Não sei quê, nó-cego.

O . Obsessão, óleo de cana, omim-fum-fum, orontanje, otim-fifum, otim-fim-fim.

P. Parati, parda, parnaíba, passa-raiva, pa-trícia, pechincha, pela-goela, penicilina, perigosa, piloia, pilora, pindaíba, pinga,

piribita, pitu, porongo, preciosa, prego, proletária, pura, purgante.

q . Quebra-gelo, quebra-goela, quebra-mu-nheca, queima-pé.

R . Rama, remédio, restilo, retrós, roxo-forte.

S . Saideira, samba, santinha, semente de arenga, sete-virtudes, sinhazinha, sumo da cana, suor de alambique, sururuca.

T . Tafiá, talagada, tapa no beiço, teimosa, tenebrosa, terebintina, tiguara, tiquira, tira-juízo, tira-prosa, tira-teima, tiúba, tome-juízo, trago, tremedeira.

U . Uca, uísque de pobre, umazinha, uminha, urina de gato, urina de santo.

V . Velha-aroeira, vexadinha, venenosa, vir-gem, virtude.

W . White water.

x . Xarope de bebo, ximbica, xinapre, xixi de anjo, xixi de gato.

Z . Zombeteira, zuninga.

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Que tal conhecer as cachaças Iracema, Amansa Sogra, Consolo de Corno ou Granfina? Estas marcas fa-zem parte do acervo de mais de 1500 garrafas do Museu da Cachaça. Inau-gurado em 1989 no Vale Verde Alam-bique e Parque Ecológico, no municí-pio de Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte, o museu teve iní-cio quando o empresário e produtor da cachaça Vale Verde, Luiz Otávio Pôssas Gonçalves, adquiriu uma co-leção com cerca de 350 marcas. Na-quela época, ele pensou em construir um espaço para contar a história das bebidas e, em especial, da cachaça, que é hoje parte do legado cultural e gastronômico de Minas. No Museu da

Museu da Cachaça

Cachaça, o visitante pode fazer uma viagem no tempo pelos painéis que ilustram a história da bebida, desde os primeiros relatos no Egito Antigo com o surgimento da cerveja até os dias atuais. Há também peças que fa-zem parte da história da cachaça mi-neira, como o alambique de cerâmica, precursor dos alambiques de cobre; a máquina usada para encher com aguardente as garrafas e garrafões; e uma antiga moenda, que funcionava com tração animal. O acervo do Mu-seu da Vale Verde conta com algumas raridades: a cachaça Chita, por exem-plo, com rótulo datado de 1935; e a Pelé Caninha, dedicada ao jogador de apenas 17 anos, que conquistaria a

Museu da CaChaça

Vale Verde alamBique e parque eCológiCo

Rodovia MG 50, km 39 – Bairro Vianópolis. Entrada de segunda a sábado: R$10,00 (adulto) e R$ 5,00 (criança). Entrada aos domingos e feriados: R$ 15,00 (adulto) e R$ 7,50 (criança). Mais informações: (31) 3079-9171, www.valeverde.com.br ou www.cachacavaleverde.com.br .

Copa de 1958 com a Seleção Brasileira de Futebol. Na época, Pelé não gos-tou da homenagem por ter seu nome vinculado a uma bebida alcoólica. Por meio de uma ação judicial, todas as garrafas foram retiradas do mercado. Apenas cinco unidades teriam sobrado nas mãos de colecionadores e uma de-las faz parte deste acervo.

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Museu da CaChaça de Caeté

Sítio Vale do Ipê. Estrada da Fazenda Ouro Fino – Caeté. Visita mediante agendamento prévio. Mais informações: (31) 3651-2024, 3651-8757, 9999-6960 ou www.museudacachacamg.com.br .

Raridades em Caeté

O médico Paulo Diogo Monteiro de Barros mantém um tributo à cachaça brasileira em Caeté, na Região Me-tropolitana de Belo Horizonte. Numa área de 100 m², ele preserva mais de 8,7 mil marcas diferentes de aguar-dente. Localizada no Sítio Vale do Ipê, ao pé da Serra da Piedade, a coleção foi iniciada despretensiosamente, na década de 1970, quando Paulo Diogo trabalhava em João Pinheiro (MG), onde decidiu comprar todas as 13 marcas expostas na prateleira de um boteco, e 67 marcas encontradas nas cidades de Paracatu, Patos de Minas e Pirapora. Além de contar com uma Pelé na coleção, o acervo tem rari-dades como uma antiga Jurema, de

1905, produzida por Júlio Laender, de Teófilo Otoni; uma antiga Havana, da primeira safra, além das principais marcas produzidas nos tempos áure-os de Ponte Nova, Curvelo e Januária. De Salinas, são mais de 80 garrafas de diferentes produtores e épocas. Há também curiosidades como O Ba-bão (aguardente de quiabo) e Tiquira, esta última uma aguardente de man-dioca produzida no Maranhão, muito apreciada pelos norte-americanos na época em que estiveram na base montada na região, durante a Segun-da Guerra. O acervo encanta pela di-versidade e as garrafas são o retrato vivo da história da produção de ca-chaça no Brasil.

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Um dos principais acervos em Belo Horizonte está aberto à visitação no restaurante Xico da Kafua. O proprie-tário é Murai Caetano de Oliveira, um aficionado da aguardente nacional. Natural de Dores do Indaiá (MG), ele começou a colecionar cachaças em 1984, quando adquiriu o restaurante. A partir daí, passou a comprar duas garrafas de cada marca, uma para servir e outra para o acervo pessoal. Pouco a pouco, tornou-se conheci-do pelos donos de alambiques, que passaram a presenteá-lo. Cada vez mais interessado no assunto, Murai foi descobrindo outros coleciona-dores e passou a frequentar feiras, exposições e eventos de degustação em várias partes do país. “Conserva-mos exemplares raros, de safras que muitas vezes nem os produtores têm mais.” Hoje, os fregueses do Xico da Kafua têm a oportunidade de ver de perto cerca de 2 mil garrafas de di-ferentes marcas e safras de cacha-ça, além de equipamentos usados em alambiques. Entre as raridades, o comerciante destaca um exemplar da marca Botica, que, segundo ele, produz desde 1853 em Passos, no sul do estado, uma das melhores ca-chaças do país. Outras raridades são as garrafas de Pingo de Ouro, pro-duzida em Santo Antônio do Grama, na Zona da Mata Mineira. Além das

Xico da Kafua

garrafas expostas, o museu do Xico da Kafua mantém exemplares de 20 marcas ofertadas por fabricantes es-pecialmente para degustação. Bom bebedor, Murai define a cachaça como “um espírito de liberdade, um bem precioso que compõe a nossa vida na cultura, na gastronomia e nas alegrias de encontros festivos”. Para ele, “uma boa cachaça é aquela que degustamos com calma e concentra-ção, sentindo seu aroma e suas par-ticularidades”.

XiCo da Kafua

Avenida Itaú, 1.195, bairro João Pinheiro. Mais informações: (31) 3375-2030 ou www.xicodakafua.com.br

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Musa dos sambistas Samba e cachaça sempre fizeram parceria. Pro-

va disso é o CD Cachaça dá samba!, de Alfredo Del-Penho e Pedro Paulo Malta, sambistas da nova geração da Lapa boêmia, no Rio de Janeiro. Produ-zido em 2006 pelo músico e pesquisador Henrique Cazes com direção artística de João Augusto, o dis-co reúne 14 composições sobre a aguardente na-cional. Do centenário poeta da Vila, Noel Rosa, aos contemporâneos Moacyr Luz, Aniceto do Império e Zeca Pagodinho, vários bambas cantaram e decan-

taram a cachaça. O disco reúne sambas de primeira, registrando também uma seresta satírica, uma embo-lada e a antológica Malvada pinga (Moda da pinga), de Laureano, imortalizada pela caipiríssima Inezita Barro-so. Outro clássico que não poderia faltar é Cachaça, de Héber Lobato, Lúcio Girão e Marinósio Filho (“Você pen-

sa que cachaça é água?”). Preço: R$ 27,90.Outro projeto musical que merece destaque é

o álbum duplo Cachaça Fina, produzido em 2003. São nada menos que 35 faixas falando de coisas do Brasil – incluindo a cachaça, naturalmente. Des-tacam-se no repertório Meu Molequim, com Eudes Fraga; Samba, Seresta & Baião, com Consuelo de Paula; Graal, com Jiripoca Band; e Amor de Feiran-te, com Morena & Nelson Câmara. Preço: R$ 20.

Oração do Pau-d’Água

Santa Cana que se extrai da roça, purificado seja o vosso caldo / Aguardente sem mistura, venha a nós o vosso líquido, a ser bebido à nossa vontade, assim no boteco como em qualquer lugar / Cinco litros por dia, nos dai hoje / Perdoai o dia em que bebemos de menos, assim como perdoamos o mal que a “marvada” nos faz / Não nos deixeis cair atordoados e livrai-nos da rádio-patrulha. Amém... Hic!

Novo colecionador

Ex-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Ge-rais, o desembargador Sérgio Resende começou a sua coleção de cachaça em 2006. Porém, ele nunca comprou uma única garrafa. Nas viagens pelo estado, Sérgio passou a ganhar de presente dos amigos uma aguardente da região visitada. Resende já formou um acervo com mais de 500 marcas, algumas raridades, como uma antiga Havana, de Salinas. O curioso é que Sérgio Resende não é um degustador de cachaça, o que pode ser garantia de vida longa à coleção. “Gosto de colecionar por causa dos rótulos, dessa memória que faz parte da cultura mineira. Tenho, por exemplo, a P.O. de Minas original, produzida por Oto Rezende da Cunha em Capinópolis, no Triângulo Mineiro. Essa cachaça faz parte da memória da minha família”, ex-plica Sérgio.

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A cachaça serviu de tema para a ficção e a poesia, inspirando vários escritores em diferentes épocas. Na obra A Cachaça no Folclore de Minas Gerais, João Dornas Filho registrou, por exemplo, uma quase ode à aguardente nacional:

A cachaça é minha prima, o vinho é meu parente.

Não há festa nem festejo que meus parentes não entre. Vou mandar fazer um bicame

de madeira de canela, pra passar toda cachaça

dos quintos pra minha goela. No fim da minha vida

quero morrer de fartura. O quinto será meu caixão, o alambique, a sepultura.

No seu famoso Dicionário Folclórico da Cachaça, Mário Souto Maior resgata o pensamento do poeta Carlos Drummond de Andrade sobre a bebida:

Queiram ou não queiram seus adversários, a cachaça é uma utilidade pública

brasileira, dado histórico nacional (...)Não lhe faço a apologia, de que não precisa.

Registro sua presença cultural, seu fascínio sobre a mente do povo.

Outro bom mineiro que não poderia deixar de se refe-rir à aguardente nacional foi Guimarães Rosa. No roman-ce Grande Sertão: Veredas, por exemplo, ele menciona indiretamente o ciclo de produção de Januária. Em deter-minado ponto da narrativa, Riobaldo afirma:

“Ali, o tempo, a rapaziada suava, cuidando nos alambiques, como perfeito se faz. Assim essas ca-chaças – a vinte-e-seis cheirosa – tomando gosto e cor queimada, nas grandes dornas de umburana”.

Enquanto isso, o “sabiá da crônica”, Rubem Bra-ga, inspirou-se num estapafúrdio projeto de lei que tentava proibir a fabricação, o transporte, a venda, a compra e o uso da cachaça. Isso em pleno século XX. Ele escreveu A cachaça também é nossa, com o título lembrando o mote “O petróleo é nosso”, crôni-ca de protesto contra tal absurdo: “O Brasil é o único país do mundo que não leva a sério sua bebida na-cional”, constatou.

E com visão futurista sugeriu: “Por que não es-tudar seriamente o problema da aguardente de vá-rios pontos de vista, desde o da saúde pública até o da exportação?... Uma associação de produtores, amparada pelo governo, poderia dar dignidade à indústria da cachaça, estabelecendo padrões de idade e qualidade (como se faz em outros países com o uísque, o conhaque, o vinho etc.), que te-riam de ser respeitados, punindo-se severamente as fraudes”.

Contudo, o autor que melhor abordou a cachaça do ponto de vista ficcional foi Jorge Amado, em A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água, novela escrita em 1959 e publicada no volume intitulado Os Velhos Marinheiros – duas histórias do cais da Bahia. Com o estilo humorístico que lhe era pecu-liar, o romancista baiano narra as aventuras de um homem dado à bebedeira, que se afoga no mar da Bahia. Levado pelos companheiros de cachaça numa espécie de despedida, o defunto percorre os pontos de boemia que frequentou para só depois ser sepultado.

Inspiração literária

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Leveduras selecionadas

A pesquisadora e professora da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rosane Freitas Schwan, começou em 1997 um estudo pioneiro no Brasil relacionado às leveduras selecionadas, que são microorganismos com ele-vada capacidade produtiva para transformar o açúcar do mosto da cana-de-açúcar em álcool. O objetivo da pesquisa era oferecer aos produtores de cachaça artesanal uma tecnologia que já vem sendo usada pelas princi-pais marcas de bebidas do mundo. “O uísque escocês utiliza as leveduras selecionadas da cevada há mais de 40 anos. Já o vinho, que é resultado da fermentação da uva, também tem sua levedura. Essa tecnologia é um selo internacional de qualidade”, explica Rosane. No Brasil, até o final da década de 1990, não havia um estudo sobre a fermentação da cachaça, e a realidade para a maioria dos produtores que usavam apenas o fermento caipira (como o fubá, o milho e o farelo de arroz) era de perdas durante o processo produtivo. Naquela época, a pesquisadora e uma equipe de alunos do Departamento de Biologia da Ufla coletaram o total de 1,8 mil leveduras naturais, retiradas de amostras de caldos de cana de alambi-ques de Minas Gerais e Goiás. Em seguida, eles isolaram em laboratório a espécie Saccharomyces cerevisiae, denominada UFLA-CA11 e que possui características superiores.

Rendimento e qualidade

Os benefícios da UFLA-CA11 são muitos, desde o alto rendimento na produção de etanol e ésteres. Na prática, a levedura produz mais cachaça com a mesma quantidade de cana; passando pelo aprovei-tamento de quase 100% dos elementos resultantes da quebra de sacarose na fermentação – glicose e frutose –, até o alto poder de sedimentação, o que elimina a necessidade de centrífuga, reduzindo o custo do alambique. A levedura selecionada ainda se destaca por não produzir os aldeídos na mesma quantidade que as leveduras usadas pela indústria atual. Esses elementos são responsáveis pela de-sagradável ressaca do dia seguinte. Os primeiros alambiques a utilizar a UFLA-CA11 foram os das cachaças Bocaina (Lavras), Prazer de Minas (Esme-raldas) e Da Boa (Boa Esperança). O produtor Anto-nio Claret Sales conta que conseguiu aumentar em 30% a produção da Bocaina com a levedura, além de ter reduzido o teor de acidez do seu produto de 140 mg por 100 ml de álcool anidro para 23mg. Em 2008, a Ufla resolveu fazer a transferência da tecno-logia com o objetivo de atender um número maior de produtores. A empresa LNF Latino Americana (Bento Gonçalves, RS) atua como parceira no de-senvolvimento da levedura selecionada na versão seca e desidratada, facilitando o manuseio e dimi-nuindo o tempo de estocagem. Segundo a profes-sora Rosane Schwan, o último levantamento da uni-versidade revelou que cerca de 1,2 mil alambiques em Minas Gerais já fazem uso da UFLA-CA11, sen-do o produto comercializado também nos estados do Tocantins, Santa Catarina, Bahia e São Paulo. A Universidade Federal de Ouro Preto e a Universida-de Federal de Minas Gerais também desenvolvem pesquisas sobre leveduras selecionadas.

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O tradicional bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, é sede do Clu-be Mineiro da Cachaça (CMC), criado em 2001 para promover a aguardente produzida nos melhores alam-biques de Mi-nas Gerais. Até o início de 2010, o trabalho do CMC consistia na produção de eventos, participação em feiras, congressos e simpósios sobre cachaça, além da realização de palestras e degusta-ções em diferentes regiões do país. Em janeiro, a entidade abriu um bar na Rua Mármore, 373, em Santa Te-reza, vizinho do famoso restaurante do Bolão.

Para o especialista Murilo Alber-naz, presidente do Clube, a cachaça sempre sofreu com o preconceito que muitos cultivam com relação às coisas genuinamente nacionais. No entanto, reconhece que isso vem di-minuindo graças ao trabalho dos pro-dutores e de suas associações, que atuam em diferentes estados brasi-leiros. Albernaz afirma que o Clube Mineiro da Cachaça está aberto a to-dos aqueles que valorizam “o autên-tico produto nacional, que pode ser comparado aos melhores destilados

Clube Mineiro da Cachaça

do mundo”. O CMC não tem objetivos oficiais, mas contri-bui consideravelmente nos debates para a divulgação, comercialização e consumo

da cachaça mineira, atuando junto a ór-gãos governamen-tais e associações

de produtores. A entidade congrega

cerca de 1,8 mil associados em todo o país, que recebem regularmente informações sobre o universo da ca-chaça e participam de eventos rela-cionados à bebida.

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A arte da tanoaria

A tanoaria é uma arte antiga que consis-te na fabricação de vasilhas de madeira para acondicionar vinhos e aguardentes. Estas vasilhas recebem várias designações, de acordo com suas dimensões e capacidade de armazenagem, como o barril, a cartola e o tonel. O profissional responsável por confec-cionar os vasilhames de madeira é conhecido como tanoeiro. O ofício nasceu na Europa e sempre esteve ligado à produção vinícola. No século XIX, as correntes migratórias trou-xeram alguns desses artesãos para o Brasil, que passaram a produzir barris e tonéis para armazenar a cachaça.

Em Minas Gerais, é possível encontrar pro-fissionais que vivem cercados de madeiras, aduelas, pinos e de uma infinidade de peças e instrumentos que fazem parte da arte da tanoaria. Um exemplo é a Tanoaria Padre Eus-táquio, do produtor da marca Seleta, Antônio Rodrigues, de Salinas. A fábrica é gerenciada por Joana Melo, que aprendeu o ofício de ta-noeiro aos 22 anos. Hoje, ela coordena uma equipe de cinco profissionais que confeccio-nam barris e tonéis de jequitibá, umburana, bálsamo e ipê-amarelo para atender ao mer-cado mineiro, além dos estados de São Paulo e Bahia. Como Joana gosta de dizer, a arte da tanoaria continua viva nas terras de Salinas e das Minas Gerais.

Page 193: Cachaças+-+Minas+Gerais

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Um dos dois mais antigos alam-biques do Brasil em funcionamen-to está localizado na Estrada Real, em Coronel Xavier Chaves (MG), a 14 km de São João del-Rei. Na ci-dade mineira está o Engenho Boa Vista, erguido no século XVIII, de propriedade de Rubens Resende Chaves (bisneto de Xavier Chaves e descendente direto dos pais de Ti-

Engenho Boa Vista

radentes), e da esposa Cida Chaves, que produzem 30 mil litros anuais da cachaça Século XVIII. Nas tardes de sábado, o casal recebe visitan-tes, das 10h às 13h, para degusta-ções, acompanhadas de petiscos. A proprietária também faz melado, rapadura e licor de cachaça. A edifi-cação ainda guarda a atmosfera da época.

engenho boa Vista

Sítio Boavista, a 500 m do centro de Co-ronel Xavier Chaves, em direção à Fazen-da do Pombal. Aberto diariamente para visitação, das 9h às 16h. Degustação com petiscos aos sábados, das 10h às 13h. Mais informações: (32) 3357-1238.

Cida Chaves e Rubens Resende Chaves mantiveram a tradição secular da família de Tiradentes

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Degustação de cachaça

Todo produtor de cachaça tem como principal objetivo ter o seu pro-duto reconhecido e aprovado sensorialmente pelo consumidor. Para os especialistas, degustação e análise sensorial são processos distintos. A primeira é uma avaliação subjetiva que consiste em observar, experimen-tar, avaliar (através de uma escala comparativa ou por analogias sempre subjetivas), apreciar e classificar. De modo geral, busca-se apenas expri-mir o prazer ou o desprazer dos sentidos na experimentação. A análise sensorial é uma degustação técnica. É o resultado estatístico da avaliação de grande número de provadores previamente selecionados e treinados. Degustar é uma arte e pede atenção especial para se observar caracte-rísticas sensoriais importantes de uma boa cachaça como aparência, cor, aroma e sabor:• A aparência deve ser límpida e transparente (ausente de partículas).

Incolor ou dourada clara.• Após agitação, formam-se bolhas que se desfazem em aproximada-

mente 15 segundos.

• A boa cachaça deixa no copo uma oleosidade a escorrer lentamente.

• A cachaça deve escorrer em lágrimas brilhantes pelas paredes internas do recipiente.

• O aroma não pode provocar ardor nos olhos ou nariz.• O aroma deve ser agradável.• Quando esfregada na pele (como nos testes de perfume), deixa aroma

agradável.• Se você gosta de cachaça envelhecida, passe um pouco na pele, deixe o

álcool evaporar e sinta o aroma da madeira. Se não tiver aroma, você pode ter sido enganado (a bebida não é envelhecida ou é de má qualidade).

• Queima agradavelmente a boca, deixando sensação de prazer.• Se envelhecida em madeira, deixa suave amargor.• Após ingestão, a sensação do retrogosto é harmoniosa.• O tato na língua é aveludado.

Fonte: Livros “Tecnologia da Cachaça de Alambique” (Sindibebidas e Sebrae), “Cachaça, O Mais Brasileiro dos Prazeres” e “Cachaça artesanal, do alambique à mesa” (Editora Senac).

Tipos de copo

A melhor forma de saborear a bebida é utilizando um recipiente pequeno (cálice ou copo), com volume aproximado de 20ml. Beba sempre em pequenos goles para as papilas da língua avaliarem e transmitirem ao cérebro o teor de acidez. O recipiente mais usual são copinhos de vidro. O ideal é servir a bebida sem transbordar. O limite é um dedo abaixo da borda. Uma boa dica

é intercalar os goles de cachaça com goles de água para manter o “bom relacionamento” da bebida com o organismo. Há médicos, especialistas e mesmo produto-

res de cachaça de alambique que defendem o consumo máximo de uma dose diária. Este seria o limite

ideal para a saúde. Ou seja, o equiva-lente a um copinho de cachaça.

A branca é mais indicada para a caipirinha. Para a elaboração de drinques, as frutas indicadas são as de sabores marcantes, como maracujá, carambola, pitan-ga, abacaxi, morango e limão. A cachaça envelhecida deve ser apreciada pura. Em geral, a cachaça é boa para harmonizar com pratos de tempero forte, bem condimentados, como feijoada, carnes, linguiças e embutidos em geral.

Harmonização

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Boa madeira

Conheça algumas das madeiras brasileiras utilizadas em barris para o envelhecimento da cachaça. Assim como o uísque, o rum e o conhaque, a bebida passa por um processo de envelhecimento para adquirir boas propriedades sensoriais de aroma e paladar. Modifica ainda a coloração, de branca para amarelada. Torna a cachaça macia e aveludada, atenuando a sensação desidratante do álcool presente. Cada madeira confere características peculiares de cor, brilho, aroma, sabor e adstringência, em razão das estruturas peculiares de seus taninos e lignina, porosidade ao oxigênio e aos componentes da própria cachaça produzida. Fonte: Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq), Tecnologia de Cachaça de Alambique, de Amazile Biagioni Maia e Eduardo Campelo, e Fabricação Artesanal da Cachaça Mineira, livro de autoria de José Carlos e Arnaldo Andrade Ribeiro.

AMENDOIM Madeira neu-tra, que não altera a cor da cachaça.

ANGELIM-ARAROBAAngelim-coco, pau-pintado, angelim-doce, urarama, ange-lim-do-pará, angelim-pedra, angelim-rosa, angelim-rajado, angelim-pinima, angelim-de-espinho e angelim-de-fo-lha-larga (acapu). Ocorre da Bahia até o Rio de Janeiro e Minas Gerais.

BáLSAMOCabriúva, cabriúva-do-cam-po, cabriuva-parda, cabrué, cabureíba, óleo-cabureíba, óleo-pardo, pau-bálsamo. Re-sulta numa cachaça de gosto forte. Confere tom amarelado à bebida.

CARVALhOOcorrência do carvalho brasilei-ro da Bahia até Santa Catarina. Madeira uni-versalmente utilizada para ar-mazenagem de bebidas destiladas.

CEREJEIRACereja-galega, cereja-dos-passarinhos, cerejeira-da-europa. Madeira branco-avermelhada ou amarelada e avermelhada.

FREIJÓ (FREI JORGE)Madeira castanha com listras escuras, opacas e pulveru-lentas

GARAPAFornece madeira de lei de cerne amarelado e ondeado. Amarelinha, garapa-amarela, garapiapunha ou grapiapu-nha. Ocorrência da Bahia ao Rio Grande do Sul e Mato Grosso.

IPê-AMARELOGarante uma cachaça que desce macio num tom alaranjado.

JATOBá O tronco produz um óleo tido pela cultura popular como medicinal.

JEqUITIBáJequitibá-rosa, jequitibá-vermelho e jequitibá-branco. Madeira róseo-acastanhada ou bege-rosada. Ocor-rência do Nordes-te ao Sul do país. Elimina o leve gosto de ba-gaço de cana sem alterar a cor.

UMBURANACumbaru-das-caatingas, cumaré, ambu-rana, imburana-de-cheiro. Baixa a acidez e diminui o teor alcoólico da cachaça, que fica mais suave.

VINháTICO Excelentes madeiras ama-relas: vinhático-da-mata e vinhático-do-campo. Aranha-gato. Confere cor amarelo-ouro e gosto próximo ao da cachaça pura. Fornece cor amarelo-ouro e gosto próxi-mo ao da cachaça pura.

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Dicas de Leitura

Erwin Weimann. Editora Terceiro Nome, 2009. Com gravuras, mapas, fotos e uma coletânea de rótulos, os textos apontam a trajetória da cachaça desde o seu início, nos canaviais e engenhos brasi-leiros do século XVI. O livro aborda ainda o processo de fabricação sem tecni-cidades tediosas e leva o leitor a conhecer diferentes tipos de cachaça e alambi-ques, as regiões produto-ras, a presença da bebida nas mesas humildes e nas sofisticadas, a utilização da cachaça na gastronomia e no preparo de aperitivos e, ainda, faz uma compa-ração de caráter científico, entre as bebidas destiladas fabricadas no mundo e a tradicional cachaça.

CAChAÇA, A BEBIDA BRASILEIRA

Jairo Martins da Silva. Editora Anhembi Morumbi, 2006. Este livro apresenta a his-tória, elaboração, serviço e degustação da cachaça. A cachaça é a bebida destila-da mais consumida no Bra-sil. Sua origem está envolta em fatos históricos, socio-lógicos e econômicos que caracterizam o país desde o seu descobrimento. Saída dos engenhos de cana, no tempo da colonização portuguesa, transformou-se na bebida de todas as classes sociais, vencendo os preconceitos que sempre a acompanharam desde a sua criação. De norte a sul do país, o autor faz um mape-amento das principais cida-des produtoras e respectivas características regionais. No capítulo sobre degustação, orientações para análise do produto, incluindo modelos de fichas técnicas de degus-tação. Há ainda capítulos com receitas à base da bebida, informações sobre mercado e legislação.

CAChAÇA, O MAIS BRASILEIRO DOS PRAZERES

Roberto Carlos Morais Santiago. Edições Cuatiara, 2006. O livro aborda a história de sucesso da mais fa-mosa e tradicional marca de cachaça artesanal do Brasil, a ‘Havana – Anísio Santiago’. Produzida em Salinas, norte de Minas Gerais, desde a década de 1940, pelo produtor Anísio Santiago (1912-2002), agora pelos sucessores, tornou-se marca lendária em todo o país. É consi-derada Patrimônio Cultural Imaterial de Salinas e ícone da cachaça artesa-nal mineira e brasileira em face de sua qualida-de, história, notoriedade e fama em mais de 60 anos de produção. O livro aborda, ainda, aspectos relevantes da economia, cultura e história da cacha-ça brasileira, mineira e de Salinas. Possui, também, glossário da cachaça para que o leitor possa enten-der o mundo fantástico da sua alquimia.

O MITO DA CAChAÇA hAVANA – ANíSIO SANTIAGO

Luís da Câmara Cascudo.Editora Itatiaia (em sebos) e Global Editora (edição mais recente, de 2006).Resultado de minuciosa pesquisa do folclorista Luís da Câmara Cascudo, que recorreu a objetos, docu-mentos e fontes as mais diversas. O autor refaz uma viagem na linha do tempo para oferecer aos estu-diosos e interessados um detalhado levantamento de etnologia, história e socio-logia da cachaça, a conhe-cida ‘água que passarinho não bebe’. No livro há des-de informações históricas sobre o início da produção de cachaça no Brasil até a chegada das primeiras mudas da cana Cayenne ao Rio de Janeiro, oriunda da Guiana Francesa, daí cana caiana. Na publicação, um passeio pela cultura brasilei-ra com informações sobre cerimoniais que incluem a cachaça até o uso da bebi-da nas guerras do Império. “Há uma tradição de que a cachaça misturada com pól-vora provoca a coragem”.

PRELUDIO DA CAChAÇA

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