Caderno 24 Tempo de Fecundidade e Misericordia Emma Ocana

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    Tempo de Fecundidade

    e Misericrdia

    Emma Ocaa

    Traduo:

    Maria Antonieta Lopes Vigrio

    Caderno 24

    Curso organizado pela

    Fundao Betnia

    Maio 2013

    www.fundacao-betania.org

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    BREVE EXPLICAO

    Em 25 e 26 Maio de 2013, no Rodzio, decorreu o curso organizado pela

    Fundao Betnia, Tempo de Fecundidade e Misericrdiasob a orientao

    de Emma Martinez Ocaa.

    As intervenes de Emma Ocaa durante o curso basearam-se nos contedos

    da sua obra: TE LLEVO EN MIS ENTRAAS DIBUJADA disponvel em:

    http://www.narceaediciones.es/libreria/NC_detalle.asp?idLibro=1120

    da Editora Narcea: http://www.narceaediciones.es/default.htm

    Este Caderno n 24 apenas inclui uma seleco de textos relativos ao curso,

    pelo que os /as leitores/as devem ter em conta a vantagem de consultar a obra

    integral.

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    JESUS SOUBE AJUDAR CADA PESSOA

    A DAR LUZ O MELHOR DE SI MESMA

    Jesus foi um sbio parteiro, nele podemos contemplar em que consiste

    esse saber servir de ajuda.

    Cuidou mas no superprotegeu, nem suplantou, nem fez pelos outros o que

    eles podiam e deviam fazer, no se fez protagonista do crescimento nem das

    curas, sempre devolvia ao outro o mrito: A tua f te salvou.

    Ajudou sentindo apaixonadamente a dor dos seus mas no entrou em

    confluncia com ningum.

    Cuidou prximos e longnquos, os seus e os estrangeiros, privilegiou todos

    os excludos pelo sistema, no descuidou a dimenso social e poltica do

    cuidado, porque a sua paixo foi o Reino de Deus e no s cada uma das

    pessoas sofredoras, lutava por um mundo diferente, uma sociedade que fosse

    uma famlia de filhos e irmos.

    Jesus ajudou e deixou-se ajudar, aprendeu a dar e a receber, ensinou e

    aprendeu: da vida, das pessoas, dos lrios do campo, dos pssaros, da terra,

    da semente

    Em vez de falar de como Jesus serviu de ajuda vamos escut-lo a ele.

    Dar vida1 foi uma paixo na minha vida, poderia dizer que foi algo que

    deu sentido minha vida. Mas dar vida no s dar luz, ressuscitar mas

    sobretudo ajudar a que cada pessoa possa viver segundo a sua verdade,

    segundo as suas possibilidades e limites, ser ela mesma e desenvolver o seu

    ser, com o que a vida fez com ela e nela.

    1 Jo 10,10

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    sugestiva a imagem de serparteiro de vida, gosto. Na histria do meu

    povo guardava-se memria agradecida de Sifr e Pu2que arriscaram a sua

    vida para ajudarem as mulheres israelitas a dar luz.

    Tambm a minha me foi fazer de parteira quando soube que Isabel estava

    grvida.3

    Saber favorecer o nascimento de cada pessoa na sua verdade mais

    profunda, em todas as suas possibilidades, uma tarefa apaixonante,

    colaborar com o meu Deus Me nesse ajudar a ser cada pessoa o que pode e

    est chamada a ser.

    Ajudei as minhas amigas e os meus amigos a extrarem deles o melhor

    de si, por isso, antes de morrer pude orar a meu Pai dando graas por isso e

    devolvendo-os s suas mos: Tu mos deste e eu tos ponho nas tuas mos,

    tos devolvo.4. Sim, Tu, meu Deus Me-Pai, me deste amigas e amigos e eu

    os cuidei com mimo, com esmero, mas tambm com respeito, deixando-os ser

    eles mesmos.

    Eu os ajudei escutando a sua verdade mais profunda, a sua singularidade

    nica e irrepetvel.

    Os amigos so sempre um dom teu, uma manifestao do teu amor, Deus

    meu, e por isso te dou graas.

    No era fcil respeitar cada pessoa na sua singularidade e ao mesmotempo ajud-las a crescer, acolher os seus desejos e peties quando estes

    entravam em contradio com o estabelecido, com o politicamente correcto,

    com o que se esperava de um Rabi.

    2 Desenvolvi este tema em MARTNEZ OCAA, E., Cuando la Palabra se hace cuerpo en

    cuerpo de mujer, Narcea, 2010, 3, pp. 115-1183 Lc 1,39-564 Jo 17,12

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    Mas sempre foi para mim mais importante a pessoa que tudo o resto, por

    isso escutei o amor apaixonado de Maria Madalena, acolhi-o com gratido,

    desfrutei-o, partilhei com ela a minha paixo pelo Reino, os segredos da minha

    vida, chamei-a para a fazer minha colaboradora na expanso da Boa Notcia.5

    Era o meu modo de subverter a ordem patriarcal onde s os homens

    podiam ser discpulos e testemunhas. Ajudei-a, enquanto vivi na histria, a

    libertar-se de tudo aquilo que dentro dela eram obstculos (demnios

    chamava-lhes a minha gente) para que pudesse acolher com plenitude o Reino

    no seu corao. Ficou totalmente curada 6 , (sete demnios a expresso

    simblica dessa cura), liberta nas suas melhores energias por isso se

    converteu numa autntica seguidora, seguiu-me pelos caminhos cheios de p

    da Palestina7, seguiu-me at cruz8quando outros me abandonaram, esteve

    presente no meu enterro e depois da minha morte ajudei-a a experimentar o

    meu amor pessoal por ela e confirmei-a na misso que lhe tinha encomendado:

    ser a Apstola dos Apstolos, a primeira testemunha da Ressurreio.9

    Ajudei a Maria e a Marta, e tambm, do mesmo modo que com Maria

    Madalena, fui ajudado por elas. A amizade foi uma ajuda recproca para

    crescer, madurar, ser cada um ns prprios.

    Acolhi com gosto os seus desejos de se converterem em discpulas minhas,

    a Marta custou-lhe um pouco mais, pois ao princpio, condicionada pelos

    preconceitos patriarcais, no entendia que a sua irm Maria ousasse pedir-me

    ser minha discpula e eu o aceitasse. Mas quando eu lhe disse que uma s

    coisa era necessria e que Maria j a tinha encontrado, estava certo de queMarta compreenderia, como assim foi. 10 A sua casa era o meu lugar de

    descanso, onde eu me sabia querido, ajudado e protegido, eu tambm me

    deixava ajudar.

    5 Desenvolvi este tema em MARTNEZ OCAA, E., Cuando la Palabra se hace cuerpo encuerpo de mujer, Narcea, 2010, 3, pp. 115-1186 Lc 8, 1-37 Lc 8, 2b-3; 23,49; 23,55;24,108

    Mc 15,14.40.47; Mt 27,55-56; Lc 23,49.55; Jo 20,13.159 Mc 16, 1-11; Mt 28, 1-20; Lc 24, 1-12; Jo 20, 1-1910 Lc 10, 38-42

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    Esse desejo de servir de ajuda apresentou-se-me num momento

    sumamente difcil para elas e para mim, foi quando morreu o seu irmo Lzaro,

    ajudei-as, mas no como elas esperavam, frustrei as no seu desejo de evitar

    a morte, mas era necessrio que compreendessem para toda a sua vida, que a

    vida passa muitas vezes pela morte. Aceitei a sua crtica de no ter estado ali a

    seu lado mas ento comuniquei-lhes uma boa notcia: no est morto, est a

    dormir.

    Muitas vezes damos por mortas partes nossas, realidades nossas, pessoas,

    tarefas, instituies. S esto a dormir, esperando que algum lhes transmita

    vida e possam ressuscitar. Elas necessitavam dessa experincia, e tu? 11

    Tambm ajudei em tudo o que pude os meus amigos: aos doze (de um

    modo especial Pedro, Tiago e Joo), a Nicodemos, a Zaqueu Ajudei-os

    respeitando a sua identidade e tentando faz-los ver as suas debilidades, os

    seus medos, as suas lutas inteis por quem seria o primeiro, as suas

    dificuldades para entender que o Mestre aquele que serve e lava os ps.12

    Acolhi com misericrdia as suas necessidades de sinais, ver e tocar para

    crer. Sentei-me com eles acolhendo a sua necessidade de compreender as

    minhas parbolas, o mistrio da vida e da morte, como o gro de trigo deve

    morrer para dar fruto. No entenderam muito, mas eu continuei confiando neles.

    Ajudei-os querendo tirar deles o melhor que tinham dentro de si, a Pedro, o

    do corao grande, mas fanfarro que se cria melhor que ningum, quis fazer-

    lhe compreender a sua fragilidade e vulnerabilidade humana. S a experinciada mesma o fez mudar, mas eu continuei a confiar nele, encomendei-lhe o

    cuidado dos seus irmos e irms na primeira comunidade.13

    Quis ajud-los a serem eles mesmos, mas no os superprotegi, nem lhes

    evitei os seus erros, to pouco os utilizei: deixei-os adormecer quando eu os

    11 Jo 11,1-54 Desenvolvi este tema em Cuando la Palabra se hace cuerpoen cuerpo de

    mujer, o.c, 96-11212 Jo 13, 1-1713 Jo 21

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    necessitava a meu lado consolando-me no horto14, deixei-os partir quando o

    medo os atormentou, negar-me, vender-me com um beijo de traio.

    O meu melhor meio de os ajudar era fiar-me deles, confiando no seu melhor

    eu, por isso, depois da minha Ressurreio os confirmei na sua misso de

    proclamar a boa notcia. E no me defraudaram.

    Ajudei-os tudo o que pude, enquanto caminhei na histria com eles, e

    depois da minha morte fi-los experimentar que eu sempre estou com eles como

    peregrino, como amigo que parte o po15e lhes prepara os pes e os peixes.

    Foi especialmente delicado para mim servir de ajuda a minha me.

    Primeiro deixei que ela fosse a minha melhor ajuda para poder ser eu

    mesmo, no s porque me levou no seu tero, me deu luz e me alimentou a

    seu peito, mas porque me ajudou a crescer em idade, sabedoria e

    conhecimento, em Nazar, junto a meu pai Jos.

    Depois tive de aprender a ajud-los a eles, sabendo, a seu tempo, pr

    limites aos seus desejos de me controlar, de me fazer segundo os seus sonhos

    sobre mim. Eu tinha que ser fiel a mim mesmo e ao sonho de Deus sobre mim

    e isso no coincidia com as suas expectativas: J desde pequeno lhes reprovei

    a sua busca angustiada e lhes recordei que eu me devia a meu nico Pai, meu

    nico Deus.16Custou-lhes entender mas tinham um corao contemplativo e

    ruminante e pouco a pouco foram assimilando o meu estranho modo de me

    situar ante eles com as minhas palavras e as minhas aces, mas esseprocesso foi lento.

    A minha me, amava-a muito, mas como toda a me tinha de madurar,

    passando pela renncia ao filho das suas entranhas. Os filhos no

    pertencemos nunca aos pais e mes, no somos para eles. Eu tinha de ser fiel

    14

    Lc 22, 39-46 e par15 Lc 23, 13-3516 Lc 2, 41-52

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    minha vocao, ainda que isso lhes supusesse romper de novo as entranhas,

    como se de um novo parto se tratasse. Era imprescindvel que assim fosse.

    Eu a entendi quando ela, com os meus irmos vieram procurar-me, pois

    criam que eu tinha ficado louco,17queriam evitar-me o que era iminente: o meu

    linchamento, a minha condenao morte, por isso procuraram maneira de me

    tirar do meio. Mas isso no era o que eu tinha escolhido, eu queria ser fiel a

    mim mesmo, ao meu povo, minha vocao, ao meu Deus e isso entrava em

    contradio com os desejos da minha me e dos meus familiares, por isso o

    meu modo de proteger a minha identidade e de os ajudar foi duro, mas no

    podia sobre proteg-los, nem podia deixar-me manipular pelos seus desejos

    (legtimos, por outro lado); por isso tive de lhes dizer que a minha me e os

    meus irmos eram os que escutavam a palavra de Deus e a cumpriam.18

    No o entenderam ento, mas era o momento de os ajudar a crescer na f,

    a passar dos laos da carne aos laos da f e a minha reaco tentava

    encaminh-los nessa direco, ainda que sim, fi-los sofrer. Frustrava as suas

    expectativas mas no podia evitar-lhes esse sofrimento.

    Ajudar a minha me em Can foi tambm faz-la ver, que ela no marcava

    o meu tempo, mas acedi ao seu desejo de ajudar um casal recm-casado

    atrapalhado e sobretudo para expressar que tinha chegado a hora de substituir

    as tinas pesadas de gua da antiga aliana, feitas de prescries e normas,

    pelo vinho novo da festa de Deus entre ns.19

    Servir de ajuda a minha me foi tambm prepar-la para a dor da minhamorte, no estava nas minhas mos evitar-lhe essa amargura e no o tentei.

    Mas ali no Glgota abri-lhe a possibilidade de crescer, oferecendo-lhe a minha

    nova famlia para que a fizesse sua, ajudei-a oferecendo-lhe uma nova

    fecundidade, perdia um filho e podia ganhar uma comunidade, a comunidade

    17

    Mc 3, 2018 Mc 3, 31-3519 Jo 2, 1-12

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    dos meus amigos e amigas.20Ela deixou-se ajudar, acolheu os meus como

    seus, por isso depois da minha Ressurreio, quando lhes enviei o meu

    Esprito, ali estava ela formando uma Nova famlia, a famlia dos amigos de

    Jesus21.

    O meu desejo de dar vida, a minha generosidade, voltou-se de um

    modo especial para os excludos, marginalizados, doentes, pessoas

    pecadoras oficialmente assim mo tinha revelado Deus, assim sentia eu o

    Seu corao de Me-Pai, que pe mais amor onde h mais necessidade. Por

    isso a minha compaixo, cuidado e empenho por ajudar o voltei para eles e

    elas, oferecendo-lhes a minha riqueza pessoal, fazendo-me eu pobre como

    eles, marginalizado, pondo-me como eles na fila dos pecadores para ser

    baptizado por Joo 22 . Fiz o possvel por os acolher, por compreende-los,

    oferecendo-lhes po e vinho para o caminho.

    No me quis esquecer, nesse desejo de ajudar, dos estrangeiros,

    aceitando-os como filhos de Abrao, ainda que nisso foi uma mulher cananeia

    que me abriu os olhos.23

    Tambm pus especial cuidado em ajudar as mulheres, quebrando

    esteretipos, reconhecendo-as na sua dignidade, escolhendo-as como minhas

    seguidoras, testemunhas da minha ressurreio, pondo-as de p.

    No pararia de te narrar o gozo to profundo que todas estas experincias

    me produziam. Porque poder dar vida, capacitar para que cada pessoa possa

    viver a sua vida e a sua verdade, uma fonte profunda de fecundidade e defelicidade.

    Desejo-te que tu tambm tenhas essa experincia.

    Jesus p arteiro de vida.

    20 Jo 19, 25-2721

    Atos 1,12-14. O tema de Maria desenvolvi-o em o.c. Cuerpo Espiritul, pp. 160-18422 Mc 1923 Mt 15, 21-28; Mc 7, 24-31. Desenvolvi este tema em ibidem, 74-81

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    JESUS DE NAZAR, TESTEMUNHA VSIVEL

    DA MISERICRDIA ENTRANHVEL DE DEUS

    Queridos irmos e irms, sou Jesus de Nazar, sei da vossa preocupao porviver, como comunidade eclesial, em fidelidade ao mesmo Esprito que a mim

    me alcanou e Me fez possvel ser testemunha da entranhvel misericrdia de

    Deus, e ao mesmo tempo quereis ser fiis ao vosso momento histrico e ao

    vosso povo, como eu tambm o quis.

    Essas foram as minhas grandes paixes enquanto caminhei pela minha

    terra, por isso quis hoje vir a partilhar convosco a minha prpria experincia,para o caso de vos servir de ajuda.

    verdade que o meu tempo no o vosso, separam-nos vinte e um

    sculos, mas sim, descubro problemas comuns: a gente sofre, no tem

    trabalho, nem sade, nem se sente querida e respeitada, h violncia, guerras,

    fome material e espiritual, no se respeitam os direitos humanos, h uma

    profunda diviso social, econmica, ideolgica, na distribuio dos bens h

    uma flagrante injustia Sucedem-se escndalos de corrupes vrias entre

    autoridades polticas, econmicas, religiosas e isso desanima e faz difcil ter

    esperana.

    De tudo isso tambm eu fui testemunha e conheo como tudo isso

    ressoa no corao, di, s vezes desalenta, desanima. Tambm eu tive de

    fazer um caminho de crescimento na escuta, acolhimento e transformao da

    minha pessoa para poder viver todos os acontecimentos duros do meu tempo e

    os que a mim, pessoalmente, me tocou assumir. Fui crescendo na capacidade

    de me deixar alcanar pelo Esprito de Deus, pelo seu amor incondicional, para

    poder assim ser testemunha da Boa Notcia da sua misericrdia entranhvel,

    a que eu tinha experimentado no meu corao.

    No foi fcil, o Deus que me proclamavam os escribas e os fariseus no

    coincidia com a experincia que eu tinha de Deus. As autoridades religiosas do

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    meu tempo no me ofereciam referncias vlidas para reconhecer nelas o

    amor incondicional de Deus, a sua preferncia pelos ltimos, a sua entranhvel

    misericrdia.

    O que que me ajudou a abrir-me ao Esprito do meu Deus, a viver e a

    proclamar, apesar de tudo, a boa notcia do Reino?

    A verdade que, na minha vida de busca contnua, vivi uma

    experincia fundante que alterou a minha vida e a mudou para sempre,

    convertendo-se na coluna vertebral da minha pessoa. Eu era um crente judeu e

    como muitos dos meus correligionrios queria que o Reino de Deus se fizesse

    verdade no meio de ns. Fui baptizar-me ao Jordo e ali se revelou a

    verdade de mim mesmo e de Deus.24Com uma luz deslumbrante descobri

    quem era Deus e quem era eu para Ele: filho amado em quem Deus se

    compraz, por eu ser filho, por puro amor seu, no pelos meus mritos. Fiquei

    transtornado, deslumbrado; necessitei de ir ao deserto para interiorizar,

    penetrar com mais profundidade essa experincia. Ali, no silncio dos dias e

    noites fui descobrindo a entranhvel ternura de Deus, o seu amor

    incondicional por todos os seus filhos e filhas, por toda a sua criao, a sua

    paixo pelo perdidodeste mundo, o seu sonho de fazer deste mundo uma

    famlia de filhos e irmos tudo mudou para mim. J no podia seno viver

    para tornar verdade este sonho, para viver como Filho amado e irmo de todos,

    para ser testemunha visvel do invisvel Deus amor de misericrdia.

    Essa era a melhor boa notcia que jamais tinha recebido e comecei

    ento a proclamar com a minha vida e as minhas palavras que o Reino jestavaentre ns, no nosso prprio corao, que s fazia falta abrir os olhos e

    ver, que o Deus da vida nos alentava e sustentava desde dentro, que esse

    Deus de infinita misericrdia envolve tudo. Nessa misericrdia existimos,

    respiramos, somos. Pouco a pouco fui deixando Deus ser Deus em mim,

    consenti em ser alcanado pelo seu amor incondicional.

    24 Mc 1

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    A partir dessa experincia a minha paixo foi converter-me em sua

    testemunha. Pedi intensamente essa graa, trabalhei a minha pessoa para

    fazer do meu corpo um lugar para revelar o Deus misericordioso , que

    muitos profetas tinham proclamado com paixo Fui aprendendo a olhar o

    meu povo com o olhar apaixonado de Deus, que sofria ao ver como os seus

    opressores o tratavam, transformando-o em escravo.25Eu vi-o no meu tempo,

    no s havia escravido econmica e poltica mas tambm religiosa, a minha

    gente vivia escravizada pela dominao poltica, pela injustia e pela religio

    opressora. Olhei a minha gente e tambm a mim se me comoveram as

    entranhase brotou no meu interior um desejo irrefrevel de libertar, pr em p,

    perdoar, devolver a dignidade de filhos e filhas amadas, fiz dos meus olhos

    um lugar para descobrir no s a opresso do meu povo mas tambm o olhar

    misericordioso de Deus para com todas as suas filhas e filhos.

    Escuteios gritos de dor e de gozo do meu povo, pude compreender as

    suas necessidades, sonhos, desejos, no fechei os meus ouvidos s suas

    queixas, aos seus pedidos, e alegrei-me com as suas alegrias. A minha boca

    foi aprendendo a profetizar, a denunciar e a anunciar que a boa notcia do

    Reino j estava no meio de ns, com a minha boca abenoei e a fechei

    maldio e a maledicncia, beijei, saboreei a vida. Aprendi a falar e a calar

    como linguagem de amor. Fui aprendendo a degustar na vida quotidiana os

    sabores do Reino. Tambm trabalhei para fazer com as minhas mos, mas

    sobretudo para fazer delas umas mos que curam, sanam, ajudam a pr de p,

    para levantar as pessoas paralisadas e decadas, para ajudar cada pessoa a

    dar luz o melhor de si, para levantar, sanar, partilhar. Os meus psfizeram-

    se samaritanos, no passando de largo face aos que deitados no caminhoesperavam a minha proximidade, aproximei-me dos que, deitados no caminho,

    esperavam o blsamo da minha proximidade, cura, perdo, reabilitao

    Percorri caminhos conhecidos e desconhecidos, sa da minha terra

    querendo quebrar fronteiras, estabelecer contactos e dilogos construtores.

    Como te disse antes, sobretudo as minhas entranhas se estremeciam de

    25 Ex.

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    dorao ver o sofrimento do meu povo e essa dor fez com que toda a minha

    pessoa se mobilizasse em tornar verdade um amor operativo 26, por isso as

    minhas entranhas foram fecundas, dando vida, esperana, sentido, po, vinho

    para que a festa continue. O meu corao foi aprendendo, base de

    contemplar o meu Deus muitas noites em orao, que estava cheio de nomes,

    que a nica coisa importante era saber amar como Deus ama, com ternura,

    com compaixo, com gratuidade, com incondicionalidade trabalhei para fazer

    o meu corao semelhante ao seu. Pouco a pouco o esprito de Deus me foi

    alcanando e a minha pessoa fez-se testemunha visvel do Deus invisvel.

    Querer ser testemunho da Sua misericrdia fez-me passar pela vida no

    como juiz mas como sanador. Quanta dor nas pessoas do meu tempo e do

    vosso momento histrico!

    Olhava com horror tantos corpos maltratados de tantas maneiras,

    violados, violentados, vendidos, comprados, prostitudos, feitos mercadoria

    barata, fruto do engano e da extorso, explorados em trabalhos desumanos;

    corpos mutilados pela violncia e pelas guerras; corpos aterrorizados pela

    represso e a tortura; corpos sequestrados de tantas maneiras, famintos,

    desnutridos, doentes por no terem a ateno sanitria a que tm direito;

    corpos encarcerados muitas vezes porque so pobres e no podem pagar a

    um bom advogado ou a um fiscal ou a um juiz; corpos famintos de carcias e de

    contactos. Tantas feridas! No meu interior ressoava o grito de Deus pela boca

    do profeta Isaas Consolai, consolai o meu povo.

    Como tornar credvel um Deus bom Me-Pai e no atender dor dosseus filhos e filhas? Como proclamar a boa notcia da misericrdia

    entranhvel de Deussem denunciar a dor e as suas causas, sem trabalhar

    por a aliviar, e tratar de erradicar as causas sociais e estruturais da mesma?

    26 Os Evangelhos s utilizam o verbo esplajnisomai (comover-se as entranhas)para

    o atribuir a Jesus: Mt 9, 36; 14, 14; 15, 32; 20, 34; Mc 1, 41; 6,34;8,2; 9, 22; Lc 7, 13,ou para personagens de parbolasestreitamente ligadas a ele Mt 18, 37; Lc 10,33;15, 20

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    Tentei passar pela vida como bom samaritano, no s no passar ao

    largo, mas fazer-me prximo, criar proximidade com a minha maneira de olhar

    a realidade, para depois me aproximar das pessoas doloridas, saqueadas

    pelos bandidos de turno, e baixando das minhas cavalgaduras, tocar, ungir,

    limpar, carregar Descobri a grande necessidade que temos os seres

    humanos de nos encontrarmos com homens e mulheres sanador@s! Talvez no

    meu tempo e neste vosso tambm, nos tenham educado mais para ser juzes

    que sanadores, para criticar mais do que para compreender, para julgar mais

    do que para acolher incondicionalmente os corpos feridos em qualquer das

    suas dimenses. Por isso passei pela vida curando, tratando de expulsar

    demnios tantos (violncias, fomes, guerras, classismos, sexismos, racismos,

    terrorismos, egosmos, narcisismos). No vos esqueceis que uma das

    caractersticas dos meus discpulos a de expulsar demnios27. E no se

    trata s de curar doenas mas de algo mais urgente: estabelecer contactos

    sanadores. Eu descobri em mim essa graa, por isso as pessoas tratavam de

    me tocar, porque saa de mim uma fora sanadora.

    Esta foi uma das minhas convices bsicas, e que proclamei com toda

    a solenidade no sermo da montanha e que Mateus recolheu no seu captulo

    25, que no fim da vida saberemos se ganhmos a vida ou a perdemos em

    funo de como foi o nosso amor operativo que passa pelo corpo e o cura,

    que toca a alma e a cura nas suas solides e aflies, quer dizer, como foi o

    nosso amor compassivo, sanador: amor que se faz po e gua que sacia a

    fome e a sede; vestido que cobre as vrias nudezes, companhia na dor da

    solido, da doena, libertao das diversas prises em que camos,

    acolhimento nas excluses de raa, sexo, classe

    Quer dizer que se nos vai perguntar se passmos pela vida como

    Sanador@s ou no, a descobriremos, como vos disse antes, o que ganhar

    ou perder a vida. Nada mais, nada menos!

    27 Mc 3, 13-16; par

  • 7/24/2019 Caderno 24 Tempo de Fecundidade e Misericordia Emma Ocana

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    Desejo-vos de todo o corao que vos deixeis alcanar pela Sua

    misericrdia, a onde cada um@ mais o necessite; o mais dolorido, doente,

    danificado, incoerente, desajustado a precisamente na vossa debilidade

    onde o Deus da misericrdia entranhvel se derrama, disso eu sou testemunha.

    Com carinho e esperana.

    Jesus de Nazar,

    filho amado de Deus e vosso irmo.

  • 7/24/2019 Caderno 24 Tempo de Fecundidade e Misericordia Emma Ocana

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    EXERCCIO DE MEDITAO:

    ORIO COMO SMBOLO DA FECUNDIDADE E DA PRPRIA VID A

    Imagina um rio com o maior pormenor possvel, como o seu caudal, a sua

    fora, por onde corre, se rio de plancie ou de montanha.

    Identifica-te, neste momento da tua vida, com esse rio e pede a graa de

    ver e contemplar a verdade mais profunda da f. Para tanto, toma

    conscincia de alguns aspectos do rio:

    Caudal: no s quanto caudal de gua leva, mas o que tem alimentadoo

    caudal do rio, donde procede a sua gua: nascente, outros rios, afluentes,chuva, poos, rios subterrneos, neve;

    - Fora do rio: flui suavemente, manso, rpido, correndo; Estparado? Em

    pntanos, lagos, com diques, ribeiros, com falta de gua, de fora, de

    energia? Estperdidoou perdendo gua?

    Leito:por onde passa? Plancies, vales, montes, cidades? Como so esses

    lugares? Aonde chega, que pessoas dele beneficiam, que realidades dele

    aproveitam? Que terras fecundou ou est fecundando e como? Que vidabrota nas suas margens? Para qu ou a quem se dirigea direco e o leito?

    Desaguamento. Toma conscincia de qual a foz desse rio, aonde vai

    desaguar

    Depois de ver com lucidez o rio, pede a graa de contemplar o mais profundo

    dele: Quem de verdade este rio: contempla o Senhor Jesus como origem (a

    fonte de gua viva); como o caudal (afluentes, chuvas, poos subterrneos),

    como o leito por onde o rio corre, como a meta final, como vocao definitiva:

    o rio chamado a ser o MAR.

    Termina a tua oraopedindo a graa de:

    Experimentar essa verdade, de viver assim mais conscientemente;

    Deixar-te alimentarpela sua gua viva;

    Permitir ser conduzido/apelo seu leito;

    Aceitar ser fecundadapelos seus valores, pelo seu amor

    Alguns textos significativos que podem ressoar: Jr 1,13; e Jo 7,38

  • 7/24/2019 Caderno 24 Tempo de Fecundidade e Misericordia Emma Ocana

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    EXERCCIO DE MEDITAO:

    CONTEMPLAR A FECUNDIDADE DE DAR LUZ O MELHOR DE TI

    A partir desta experincia de calma e abandono, convido-te, uma vez mais, a

    fazer a experincia de um texto meditado e contemplado muitas vezes a

    vocao - misso de Maria (Lc 1,26-42). No se narra apenas o que nela se

    passou, nela se fala de ti.

    Uma vez mais, recupera essa experincia fundante, que anuncia-te que ests

    grvida/o de vida nova, que algo de novo est a crescer nas tuasentranhas, quealgo novo est nascendo em ti.

    Deixa que nas tuas entranhas ressoem estas belas palavras: alegra-te, o

    Senhor est em ti e desde sempre te enche com a sua graa, ests grvida/o

    de vida nova, sempre amanhecendo

    D-te tempopara descobrir como essas palavras so verdade em ti, nomeia

    a verdade da vida nova que desde j h algum tempo vais detectando na

    tua vida,pessoas, valores, crenas, atitudes, sonhos, emoes

    Talvez esse anncio te perturbe e te perguntes: como pode ser isso, se eu ?

    Mas, uma vez mais, a palavra ressoa contundente. O que s no mais profundo

    do teu ser no obra tua, nem de homem, nem de mulher, nem do teu esforo,

    nem das tuas boas obras obra de Deus em ti, dom de Deus para ti

    ser de Deus em ti amor de Deus que fecunda a tua vida, o que quer que

    tenha acontecido na tua vida, sejas como fores, s o que Deus te quis oferecer,

    o seu ser divinoa sua imagem filho amado e filha amada de Deus.

    D-te tempo para respirar estas palavras. No importa se as sentes ou no.

    Acolhe-as como a grande notcia que nos trouxe Jesus. Respira-as querendo

    acreditar, acolher, interiorizar, pedir que algum dia seja experincia Tu ests

    grvida/o de vida nova, a vida de Deus em ti, como dom da criao.

  • 7/24/2019 Caderno 24 Tempo de Fecundidade e Misericordia Emma Ocana

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    Essa criatura nova, que est ascendo em ti, chamar-se- Jesus, porque no

    seu nome foi gerada, porque essa a vocao crist, deixar que Cristo se

    configure em ti. Chegar a ser como Jesus, verdadeiramente filho e filha, irmo

    e irm ao seu estilo. Sente esse chamamento a seguir, colaborando no teu

    novo nascimento, sempre possvel ainda que o consideres impossvel (Jo 3,1-

    12); ainda que tu no acredites em ti, Deus acredita.

    Mas h algo mais: como a Maria, se anuncia que Isabel, essa mulher velha e

    estril,tambm est grvida de vida nova. Toma conscincia de que Isabel

    um smbolo de todas essas realidades que tu pressentes como velhas e

    estreis, das quais nada esperas D-te tempo para enumer-las.

    Escuta que o corao volta a dizer-te que tambm elas esto grvidas de

    vida nova, ainda que isso te parea impossvel, porque o Deus, que tudo

    sustenta, trabalha a partir de dentro em cada pessoa, em toda a realidade, e a

    partir dessa presena toda a vida nova possvel. Acreditas nisto?

    A tua tarefa acolher, consentir nesse amor e deixar-te alcanar por

    esse amor.

    Pouco a, pouco, vais deixando cair estas palavras como chuva mansa no

    teu corao e como Maria sente o desejo de ir colaborar no nascimento

    dessa vida nova que est tambm nascendo tua volta, ao perto e ao longe.

    Termina a tua orao acolhendo o chamamento a colaborar activamente nonascimento de um mundo novoque j est emergindo entre dores de parto.

    Com temor e tremor, deixa-te acompanhar pela tua irm mais velha, Maria,

    faa-se em mim, como Tu queres, que a Tua Palavra se faa verdade em

    mim.