Caderno D - nº 15

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DIÁRIO OFICIAL EM PARCERIA COM A SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA www.dio.es.gov.br REVISTA DE CULTURA DO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Ano II - nº 15 Vitória-ES Maio de 2013 Bimestral Nesta edição: Manuela Santos Neves - Gilberto Medeiros Kamila Brumatti Bergamini - Marcio Martins Carlos Papel - Lincoln Guimarães Dias - Vinicius Oliveira As telas cobiçadas não estão nas galerias

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Caderno D nº 15

Transcript of Caderno D - nº 15

  • DIRIO OFICIALEM PARCERIA COM A SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA

    www.d io .es .gov.brREVISTA DE CULTURA DO DIRIO OFICIAL DO ESTADO DO ESPRITO SANTO

    Ano II - n 15Vitria-ESMaio de 2013 Bimestral

    Nesta edio: Manuela Santos Neves - Gilberto MedeirosKamila Brumatti Bergamini - Marcio MartinsCarlos Papel - Lincoln Guimares Dias - Vinicius Oliveira

    As telas cobiadasno esto nas galerias

  • Seguinte:

    2 CADERNO D FEVEREIRO 2013

    GOVERNO DO ESTADOJOS RENATO CASAGRANDEGovernador

    GIVALDO VIEIRA DA SILVAVice-Governador

    AMINTHAS LOUREIRO JNIOR Secretrio de Gesto e Recursos Humanos

    Direo GeralMarcos Alencar

    Jornalista responsvelJoelson Fernandes (ES 00418 JP)

    Diretor de ContedoErlon Jos Paschoal

    Projeto GrficoIvan Alves (MTb-ES 28/80)

    Conselho Editorial: Erlon Jos Paschoal/Erly Vieira Jr./Marcos Alencar/Reinaldo Santos Neves/Srgio Blank

    DIO

    MIRIAN SCARDUADiretor Presidente

    SAMIRA MASRUHA BORTOLINI KILLDiretor Administrativo-Financeiro

    MARCOS JOS DE AGUIAR ALENCARDiretor de Produo e Comercializao

    SECULT MAURCIO SILVASecretrio de Estado da Cultura

    JOELMA CONSUELO FONSECA E SILVASubsecretria de Patrimnio Cultural

    CHRISTIANE GIMENESGerente de Ao Cultural

    Este Caderno pode ser acessado nos siteswww.dio.es.gov.br e www.secult.es.gov.br

    DIRIO OFICIALREVISTA DE CULTURA DO DIRIO OFICIAL DO ESTADO DO ESPRITO SANTO

    Ano II - n 15Vitria-ESAbril de 2013 Bimestral

    EM PARCERIA COM A SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA

    www.d io .es .gov.br

    Gilberto [email protected]

    Como nem tudo colorido como as flo-res grafitadas que nascem entre as racha-duras no concreto das cidades, o artista plstico capixaba Nenna v possibilida-des entre o mundo acadmico e a arte da rua, mas faz coro com os grafiteiros contra a dupla Os Gemos, notrios por pintar com permisso para os grafitei-ros, com permisso no grafite. Muito chatos, tanto na execuo como nas te-mticas, disparou na entrevista que voc confere a seguir.

    Nenna comeou sua atividade artstica com a interveno urbana (assim como o grafite) Estilingue em 1970. Passou por temporadas em Nova Iorque, Rio de Janeiro, Barcelo e atualmente est na

    Outro olhar sobre o grafiteimpresses e jatos de tinta, o conhecido spray industrial. Mas o ativismo margi-nal pode incluir outros temperos como escalar paredes... Os grafites j existem, pelo menos, desde a Grcia e ainda po-demos at mesmo considerar as pintu-ras rupestres como uma espcie de seu antepassado mais distante.

    As artes plsticas incorporam as tc-nicas do grafite?

    Acho que existe o dilogo, sim. Mas acredito ser mais predominante no sen-tido inverso: o grafite se apoderando dos processos pictricos e conceituais da arte.

    Quem, na sua avaliao, destaca-se no mundo grafitando atualmente?

    No sou apaixonado por grafites. Como tambm no sou por monumentos que somos obrigados a ver diariamente e eternamente. Prefiro obras pblicas efmeras, sendo grafites, intervenes ou qualquer outra possibilidade... Mas quando vem a pretenso da sua perma-nncia na paisagem, me enche o saco. No caso dos abrigos em pontos de nibus em Vitria, que conheci por fotografias em redes sociais, acredito que mereciam um dilogo mais demorado com a comunida-de. Entre os grafiteiros mais conhecidos, considero Os Gmeos muito chatos, tanto na execuo como nas temticas. Ento destaco o londrino Bansky, como o que mais me surpreende. Todo o processo do Bansky realmente bacana, inclusive o anonimato estratgico.

    Frana, mas mantm representao no Brasil por meio da galeria Matias Brotas Arte Contempornea.

    Caderno D - A realizao de bienais uma mostra de uma mudana no estatu-to do grafite perante o mundo da arte?

    Nenna - Bienais so eventos fundamen-tadas na procura por forte presena mi-ditica, atravs de novidades, conceitos, eventos paralelos, etc. um processo que permeia praticamente todas as bienais in-ternacionais. A incluso do grafite passa por essa percepo, pois mesmo j sendo uma atividade comum ainda leva a ques-tionamentos e at possibilidade de en-crencas maiores, como na Bienal de Ber-lin 2012, em que um grupo de So Paulo transgrediu os limites do espao destina-do a suas atividades atingindo uma antiga igreja. Mas o reconhecimento do grafite pelas instituies natural e merecido.

    Grafite para ser ensinado na acade-mia, ou sua essncia e objetivos con-testatrios so incompatveis com o mundo formal?

    O grafite mais conhecido e divulgado se utiliza basicamente de pintura sobre suportes diversos, principalmente mu-ros e paredes. Ento o processo pode ser autodidata, como comum na pintura, ou pode ser desencadeado no ambiente das artes plsticas, atravs de cursos em escolas e universidades que ensinam as tcnicas pictricas, como o uso do pin-cel e outros processos, como colagens,

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  • centro da cidade. Na Praia do Can-to, as praias, o Iate Clube, e a casa de Victor e Branca Santos Neves, no alto do morro do Barro Verme-lho, a casa freqentada por quase todo mundo que fez a arte e a cr-nica da vida da capital nos agita-dos anos 70 do sculo que passou. Pois aquela era a casa onde Car-mlia Maria de Souza (impossvel no lembr-la) tinha uma poltrona exclusiva que ocupava, cercada de amigos, por tardes e noites intei-ras que por vezes lhe inspiravam uma crnica. Uma casa que ouviu ao vivo Os Mamferos, que, segun-do a lenda, foi a primeira banda do mundo a pintar o rosto como par-te da performance. Isso antes de Alice Cooper e dos Secos e Molha-dos. A casa que exps as primeiras pinturas de Luizah Dantas, ento uma jovem estudante de design da UFES, e serviu aos ensaios do Grupo Teatro da Barra, de Paulo e Bob de Paula.

    A casa de Victor e Branca tinha alma artstica e acolhedora e as-sim permaneceu at o dia de sua derrubada, vtima, como tantas outras, da especulao que tornou a Praia do Canto um bairro qua-se s de prdios. Mas enquanto existiu, foi uma casa sempre em movimento que acompanhou e testemunhou muitas histrias de Vitria, do tempo que se dizia que esta ilha uma delcia.

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    Manuela Santos Neves [email protected] CAPIXABA

    culturaAs casas, assim como as ruas e as cidades, tm seus cheiros, tm seus ritmos, tm seus movi-mentos e tm pessoas que con-ferem e conformam a cada uma delas a alma prpria. As casas, as cidades e as ruas tm seus tem-pos. Vitria uma cidade de mui-tos tempos. O que recordo aqui um tempo em que a vida na ca-pital passava sem tanta pressa e tanto trnsito. Uma vida um tanto quanto previsvel e rotineira. Vit-ria, nesse tempo, era uma cidade de alma pacata.

    Era o incio dos anos 70, o tem-po a que me refiro, quando o mar ainda batia na calada alta da Sa-turnino de Brito. Foi na poca que uma das castanheiras que orlam a avenida amanheceu transformada num estilingue gigante, por inspi-rao e obra de Atlio Gomes, antes de Nenna1 . Vitria, junho de 1970, arte contempornea intervindo na paisagem da Praia do Canto e indi-cando que a vida na cidade podia no ser assim to morna, ao con-trrio do que aparentava. Viviam--se os anos da contracultura, das revolues comportamentais e de novas propostas no campo das artes. O Estilingue na Saturnino de Brito indicava que aqui havia pessoas dispostas s novas expe-rimentaes e com vontade de no-vas expresses. E essas pessoas gostavam de se encontrar.

    E havia lugares que serviam aos encontros delas, como as redaes dos jornais, a Rua Sete de setem-bro, o infalvel Britz Bar. Esses no

    Manuela Santos Neves jornalista

    Uma casa da

    1Para aqueles que no acompanharam a produo artstica capixaba, Atlio Gomes e Nenna so nomes do mesmo artista plstico, mas em tempos diferentes.

  • Gradativamente o mundo ins-titucionalizado sinaliza para um dilogo com o renegado das artes visuais: o grafite que, para doutores, artistas plsticos e gra-fiteiros , na verdade, filho direto das pinturas rupestres.

    Criado para dar vazo neces-sidade de mediao de ideias e ri-tuais entre os homens, ele venceu os sculos resistindo a gregos, ro-manos, ao perodo das trevas, s grandes guerras e cresceu revigo-rado enquanto o mundo se lique-fazia na ps-modernidade, sobre-tudo da virada dos 1970 para c.

    No Esprito Santo no diferente e tem grafiteiro de malas prontas para mostrar sua arte em festivais na Europa, outros so instrutores do Centro de Referncia da Juven-tude de Vitria e at mesmo em-presas buscam a linguagem para se comunicar com novos pblicos.

    Inquietos, ele se organizam em coletivos, promovem exposies e batalhas de pintura, como ocor-reu em abril no estdio Tattoo da Lama, na Rua da Lama, reduto bo-mio da regio do campus da Ufes em Goiabeiras, Vitria.

    Abrigado em galerias e bienais, pintado sob autorizao na parede

    Gilberto Medeiros jornalista e blogueiro

    CAPA

    4 CADERNO D ABRIL 2013

    externa de museus, debatidos em livros ou ensinado em oficinas nas escolas, o grafite pode bradar: vim, vi e venci!

    V l que o prestgio no seja su-ficiente, ainda, para o grafite ga-nhar espao na academia entran-do na grade curricular do curso de Artes da Universidade Federal do Esprito Santo (Ufes).

    Mas cresce o movimento feito para chegar a isso, inclusive com apoio de gente l de dentro, como o professor doutor em Comunica-o e Semitica Valdelino Gonal-ves dos Santos Filho.

    Valdelino j ministrou discipli-nas optativas sobre grafite para seus alunos. Ainda que parea pou-co, mostra que a perseverana o caminho desses artistas para abrir espao em meio aos outros meios.

    O grafite a pri-meira expresso humana, pai da linguagem verbal. Apesar de novas necessidades mudarem o grafite, at hoje ele um instrumento de

    Rafa

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    muromuroQuando o

  • Gilberto Medeiros [email protected]

    CADERNO D ABRIL 2013 5

    conscincia, necessrio como co-mer. Com o grafite nasceram a re-ligio e a medicina, ensina.

    Valdelino ressalta a caractersti-ca contestatria dessa expresso. O grafite questiona valores como a proporiedade e denuncia o mal--estar da civilizao. Grafiteiro pin-ta na rua porque critica, define.

    Fora de casa quando fora da rua

    Grafiteiros de longa data como Fredone Fone, 32, Jordo Somall, 27, Ficore Kabelera, 28, e Thiago

    Balbino, 29, concordam com Valde-lino sobre as definies de sua arte.

    Participar de exposies muito vlido, a gente no deve ter limi-tes. Mas a casa do grafite a rua, contou Fredone.

    Pintando desde 1995, esse ska-tista j usou seus traos para co-lorir cidades de So Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambu-co, Chile, Uruguai e Argentina.

    Instrutor do Centro de Refern-cia da Juventude e do Centro de Referncia Especializado de Assis-tncia Social, Jordo Somall grafi-ta desde 1997.

    No gosto muito de exposio, o real grafite na rua. Utilizo tc-nicas do grafite para ensinar, mas quando os alunos pintam com au-torizao, no grafite, definiu.

    Prestes a embarcar para uma temporada de trs meses pintan-do na Europa, Ficore tira o foco da pintura em si. No meu entendi-mento, no grafite, o ato diz mais que a tcnica. Quando passo por uma instituio, o que fao fru-to do que fiz na rua, mas no o mesmo que fao na rua, pontuou.

    Balbino passou 2012 pintando na Alemanha e acha vlido partici-

    par de bienais. Ainda no tive oportunidade, quem sabem um dia.

    Em Portugus, a palavra gra-fite tomou para si o significado de graffiti do plural de graffi-to, palavra italiana para desig-nar inscries feitas em pare-des desde o Imprio Romano. uma inscrio caligrafada ou um desenho pintado ou grava-do sobre um suporte que no normalmente previsto para esta finalidade. Na tica dos grafitei-ros, o ato de grafitar necessa-riamente no pode contar com

    Fredone Fone rodou a Amrica do Sul

    Balbino acha vlido participar de bienais

    no s obstculo

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    CAPA

    promovida pelo Governo do Estado no Arquivo Pblico estadual.

    T sempre pensando no prxi-mo. Agora t olhando um muro de um prdio... analisando, de-pende do muro, do local, como fazer na hora de ir embora. J tive de sair correndo para no ser pega, contou.

    Maria Eduarda Gimenes, 21, transita entre a fotografia e o gra-fite. Alis, a primeiro levou-a ao ltimo: os amigos chamaram a menina para fotografar enquan-to pintavam alguns pontos de nibus de Vitria e estudante de Antropologia decidiu entrar por essa seara.

    s vezes fao s minha assina-tura (tag), depende do espao, do momento... j fui pega e tive de pagar multa, revelou. Hoje pres-to mais ateno, mas a gente fica com um muro na cabea at con-seguir pintar, confidenciou.

    Grafite levanta uma questao muito interessante, ligada propriedade privada, da cidade capital, de retomada dos espacos pbli-cos. a arte urba-na, a arte da provo-cao, do cotidiano, e da resistncia, fi-losofou a estudante

    de Arquitetura Maiara Dias, 20, que no participa diretamente do coletivo, mas apoia.

    a anuncia ou concordncia do proprietrio do suporte utilizado.

    Coletivo Das Mina

    Grafite no Clube do Boli-nha e menina entra e sai a hora que quiser. E na Grande Vitria elas so to organizadas a pon-

    to de fundar o coletivo Das Mina que en-contra-se pe-riodicamente para discutir o feminismo e... grafitar.

    O coleti-vo est focado atualmente em produzir mais, participamos de eventos mas gostaramos de mais trabalhos nas ruas. Esta-mos trabalhando para que isso se torne meio que uma rotina, contou Kika Carvalho, 21, alu-na de Artes Visuais e estagiria do Hospital Adauto Botelho, grafitei-ra desde 2009.

    Karen Valentim, 19, que trancou a faculdade de Re-laes Internacio-nais, apesar de pintar h pouco mais de um ano, j assinou KRN ao lado de seus desenhos em vrios muros de Vitria, Guarapari e, o mais re-cente, em Vila Velha. Sua ativi-dade motivou o convite para participar da cele-brao ao Dia do ndio

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    Gilberto Medeiros [email protected]

    Grafite mais o ato do que a tcnica

    Ficore Kabelera, 28, grafi-teiro desde 1997. Formado em Publicidade e Propaganda, no exerce a profisso. Mas o grafite trouxe reconhecimento e ele foi convidado a ser coor-denador de Atividades Exter-nas do Centro de Referncia da Juventude, em Vitria. Ele tambm MC e canta rap free--style, quando a rima feita na hora, e j se apresentou com Lo Gandelman e os roqueiros da Charlie Brown Jr.

    Caderno D - Qual a novidade?Ficore Kabelera Fui selecio-nado pela produo do festival Esprito Mundo, eles me convi-daram para seis participaes do evento na Inglaterra e na Itlia, a partir de junho. Vou participar de quatro eventos de arte em geral e dois de msica. Quero aproveitar a temporada para fazer contato com os grafi-teiros de l. A ideia ficar cerca de trs meses na Europa e, se der, pintar algumas paredes respeitando a condio de que estarei atrelado ao festival.

    Qual seu grafite mais re-cente?T parado h mais de dois me-ses, mas fiz um em So Paulo e, na volta, pintei uma placa abandonada muita grande no

    Bairrto de Ftima. Fiz junto com o Jordo Somall, que da minha crew (galera, equipe).

    Est parado h mais de dois meses por qu? Voc no pinta com frequencia?Eu pinto sempre que d, mas descobri uma leso na coluna que j est em tratamento e o mdico me afastou do trabalho e do grafite. Quase no saio, sinto muitas dores.

    O que acha de grafite nas ga-lerias e da Bienal do Grafite?Grafite na rua, nos muros que a gente pinta sem permis-so. mais o ato poltico do que a tcnica. Quando vai para uma galeria, uma bienal, quan-do um muro que voc pinta com permisso, no grafite, uma exposio que utiliza as tcnicas do grafite.

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  • DIVERSIDADE CULTURAL8 CADERNO D ABRIL 2013

    Em 1875, partia do porto de Havre (Frana) com destino ao Rio de Janeiro o Rivadavia, na-vio que trazia cerca de 400 passa-geiros. Eram em sua esmagadora maioria italianos com o sonho de encontrar no Novo Mundo o eldo-rado prometido por aqueles que organizavam a viagem interconti-nental e que viam nos europeus oitocentistas homens fceis de se persuadir. O Rivadavia era um dos primeiros navios a trazer imigrantes para o Esprito Santo. Assim como tantos outros, desem-barcava seus passageiros no Rio de Janeiro para que fosse feita a quarentena na Ilha das Flores. De-pois disso, os imigrantes tomavam seu destino em barcaas, trens, a cavalo ou a p, a depender de para qual parte do pas eles iriam.

    Como o fluxo migratrio foi in-tensificando-se, a viagem passou a ter o seu trajeto facilitado. Muitos navios comearam a sair de por-tos italianos e passaram a desem-

    O adeus dosItalianosbarcar no prprio Esprito Santo. Os navios tambm aumentaram o quantitativo de passageiros. H registros de que algumas embar-caes traziam perto de 1600 co-lonos.

    O resultado de todo esse proces-so imigratrio para o nosso Estado foi no menos que a prpria refor-mulao do povo capixaba. Para se ter uma ideia, Luiz Serafim Deren-zi salienta que em 8 anos (de 1870 a 1878) a populao saltou de 53 mil para quase 97 mil habitantes.

    A injeo de quase 70 mil1 italia-nos na sociedade ao longo de d-cadas provocou uma mudana de hbitos: transformou a economia, promoveu novos modos

    de uso e beneficiamento do solo, alm de inserir novos padres cul-turais e religiosos. Em famlias numerosas de 8, 10, 12 filhos, os italianos multiplicaram seu alcan-ce sobre o Esprito Santo. Mais adiante, j no sculo XX, ocorre a miscigenao das famlias que an-

    Kamila Brumatti Bergamini professora, mestre em Estudos Literrios e pesquisadora de narrativas modernas/contemporneas.

    Trajetria da imigrao italiana para o Esprito Santo elemento integrante da diversidade capixaba

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    Kamila Brumatti Bergamini [email protected]

    tes no permitiam que seus filhos se casassem com brasileiros. O resultado foi a diluio dos limites etnogrficos. Nos tornamos bran-cos negros, catlicos sincrticos, latinos de ascendncia europeia.

    Passados 140 anos do simblico adeus dos primeiros imigrantes, a Itlia ainda importante na diver-sidade cultural no Esprito Santo. E ao que se parece, no e no ser possvel cortar os laos que unem nosso Estado ao pas de Dante. Mesmo assim, importan-te fazer uma ressalva, sobretudo no aspecto da histria escrita de nosso povo. Apesar de centenria, a colonizao italiana se desdobra at datas recentes. Ainda comum encontrar capixabas que trazem frescas memria histrias folcl-ricas dos nonnos e nonnas. Ao mesmo tempo em que essa proxi-

    midade fortalece a identidade ta-lo-capixaba do povo, faz crer que a imigrao ainda no passado suficiente para se tornar histria escrita. As poucas publicaes so-bre o assunto perdem-se em edi-es extintas e de acessibilidade limitada. Entre o adeus italiano de fins do Sculo XIX e o homem ca-pixaba dos dias atuais existe uma histria que precisa ser contada e recontada nos detalhes, para que saibamos mais e melhor sobre ns e sobre nossa diversidade, que en-contra nos italianos mais um de seus ingredientes.

    h quase 140 anosItalianos

    1Vale lembrar que desse montante, quase metade foi dizimada por doenas como a malria, o tifo, o ttano, e por condies precrias de existncia. Muitos italianos morreram devido a picadas de cobra, afogamentos em rios e cachoeiras, alm dos bitos no decurso do trabalho rduo (quedas de cavalo, feridas de enxada, serro-tes, tornos e grupies, esmagamento por engrenagens de moinhos, rodas dagua, engenhos, entre outros) nas fazendas isoladas do interior do Estado.

    Trajetria da imigrao italiana para o Esprito Santo elemento integrante da diversidade capixaba

  • CULTURA PRESENTE

    10 CADERNO D ABRIL 2013

    ideal, de uma forma de se colocar no mundo, de enxergar o mundo. Porm, comum nos depararmos com o vazio. Nos questionamentos e no nas respostas que sustente um posicionamento. Ou, mais co-mum ainda nos depararmos com mudanas muito rpidas sobre o que escolher, o que defender, o que pensar. Momentos de difceis deliberaes, por no ter sido pos-svel elaborar uma deciso diante da presso contnua.

    O que pode despertar e criar a construo de novas possibilida-des nesses momentos de grandes questionamentos caractersticos nas juventudes? A arte. A cons-truo atravs da arte. O estmu-

    O que alimenta o viver? O que estimula a busca? O que propor-ciona o movimento contnuo de construo, mesmo quando no se tem uma elaborada conscincia do que construir? Como pensar sobre o que realmente desejado? Esses e muitos outros questiona-mentos esto presentes na cabea da pessoa, sobretudo, na faixa et-ria denominada adolescncia, ou, melhor ainda, a fase caracterizada como juventude.

    As vrias juventudes que convi-vem ou, se isolam, nessas relaes sociais estabelecidas so pressio-nadas a ter um posicionamento. Esse ser jovem pressionado a ex-por a defesa de uma idia, de um

    Marcio Martins ator, professor e assistente social

    A Inquietao

  • CADERNO D ABRIL 2013 11

    Marcio Martins [email protected]

    lo que a criao, a arte, em suas vrias formas de linguagens pode proporcionar e assim, preencher, prazerosamente, o viver de uma pessoa, provocando o estudo e a busca por respostas.

    Nesse caminho de estmulos, buscas, estudos, aproximaes e experimentaes, esse ser vai se construindo e podendo assumir po-sicionamentos conscientes, argu-mentados por justificativas coeren-tes. O vazio sendo preenchido ou, idias sendo substitudas, modifi-cadas, repensadas, j que passa a haver continuamente provocaes a partir da criao, a partir das artes.

    Atravs da descoberta do mundo da arte, atravs do envolvimento

    me faz criarcom esse mundo de liberdade, cria-es e possibilidades, as relaes vo sendo construdas, recons-trudas e solidificadas ao longo do caminhar. As dvidas iniciais vo tendo contornos de entendimentos, os estudos vo ganhando sentidos, a possibilidade de ocupao de um espao vai ficando maior, a admi-rao por pessoas que provoca esse pensar vai se ampliando. E passa a poder sonhar, idealizar, sentir que possvel estar dentro de uma po-ltica cultural, que at ento, pelo desconhecimento e distanciamen-to, no fazia relao com sua vida.

    O mgico acontecimento com o mundo da arte e da criao sendo viabilizado junto s pessoas por

    projetos que aproximam, em todas as regies, o estudo sobre lingua-gens dentro da comunicao, no intuito de expandir conhecimen-tos, de ampliar as possibilidades de escolhas, j que passa a ser ofe-recida para que haja experimenta-es, e assim, possivelmente um posicionamento diante da aproxi-mao de preenchimento em sua vida, ou no, havendo novas expe-rimentaes e construes com o que lhe provocar identificao.

    A arte, qualquer que seja sua for-ma de expresso uma gigantesca ferramenta de interveno social, por ampliar e alimentar o desejo da criao e assim, da construo contnua do ser social.

    Inquietao

    Fotos: arquivo Secult

  • Msica

    diva Maria Cibele e quantos aden-travam o salo para o ritual de en-cantamento, ao som dos acordes do conjunto do Helio Mendes, pio-neiro do vinil: a msica capixaba um espetculo!

    Guarapari cedeu prostrada psicodelia dos Mamferos e um Aprgio Lyrio mudava o curso do Rio, em show antolgico no Tea-tro Opinio, incluindo canes do bom a bea Chico Lessa. Flavio y Esprito Santo incomodava as ruas de Santa Tereza no Rio de Janeiro e no ba do Sergio Sampaio, um tesouro de incontestvel genialida-de, que o Brasil cantou e o Esprito

    12 CADERNO D ABRIL 2013

    MSICA

    Carlos Papel cantor, compositor e produtor musical

    Compositores, poetas, instru-mentistas, cantores e afins, se multiplicam nas esquinas da-quela, Avenida Esprito Santo da iluso. Escolas e faculdades am-plificam ainda mais a demanda e a orquestra maravilhosa de loucos j visvel nas caladas, ruas, be-cos e praas. A msica do mundo, produzida nesse pedao de plane-ta, safra das melhores e tem pas-sado de inquestionvel robustez, desde que o garoto Maurcio resol-veu desafiar o mundo, cantando a paz com seu divino violo.

    Nos bastidores de outrora, os auditrios de rdios aplaudiam a

    Capixaba

  • CADERNO D ABRIL 2013 13

    Carlos Papel [email protected]

    Santo continuou incrdulo, ao in-vs de colocar o bloco na rua.

    Comeo dos anos 80 e as ruas do centro protegiam as criaes do Z Antonio, com seus acordes meta-fricos, Fbio Teixeira de violo ir-repreensvel no paiol e quantos po-etas, roa de milho cheia de vocais e janelas abertas para o vento sul, sopro de energia pura dos guetos capixabas, enquanto o apimen-tado compositor Joo, teimava em cantar as belezas do Esprito Santo, Guto Neves abraava Lula contra a correnteza e Carlos Bona costurava a vida sem lero lero.

    As eltricas guitarras de tambo-res Manimais, abriam os anos 90 decretando as misturas. Rockcon-go, Regcongo e o que mais viesse.

    Macucos, maratimbas, catraieiros, astronautas, venham todos, a m-sica do Casaca vai tocar em Marte, de novo o bloco vai continuar em casa, ningum se mexe para ven-tar a novidade aos quatro cantos. Ento que os acordes Moxuaras nos protejam.

    Tantos quantos fartos nomes fi-caro faltando aqui nesse pedao de texto, mas se a memria no foi escrita, fica aqui a sugesto, que a escrevamos ns, contempornea misso que deve ser saboreada por cada qual a conhea. Faamos en-to uma orao a So Pedro Cae-tano e vamos com ele anunciar a novidade de Z Moreiras, Freitas,

    Jonias, Zorzais e quem vier mais. Este o sonho, aquele dos olhos abertos, quando nem tnhamos nos preparado para dormir.

    Para toda essa gente boa, que sofre o po para nos dar o circo, aquele abrao da emoo e a gra-tido pela alegria gerada e para quem comanda o volante da cara-vana e pode dar a direo, espero sinceramente que vista a carapu-a de suas atribuies e mude o rumo dessa prosa. Assim escreva a nova histria da amada msica contempornea capixaba, que j cheia de vigor, mas precisa de vitamina.

    Capixaba contempornea

  • 14 CADERNO D ABRIL 2013

    artesARTES VISUAIS

    O Esprito Santo foi uma das provncias mais pobres do Brasil colonial e coube s suas florestas, montanhas e ndios, por deliberao da coroa portu-guesa, o triste papel de dificultar o acesso por terra ao ouro das Minas Gerais. Da manuteno da barreira natural decorreu o abandono das regies interiora-nas e a construo tardia de vias de acesso. As consequncias his-tricas foram a estagnao eco-nmica e o isolamento cultural, mantidos por longos anos e cujas sequelas so sentidas ainda hoje.

    Uma delas corresponde ao es-casso suporte para a produo e circulao de bens culturais. No entanto, no que se refere s artes visuais, possvel dizer que algumas transformaes alentadoras se deram ao longo dos ltimos vinte anos, afetan-do positivamente o processo de formao dos artistas locais e ampliando significativamente as demandas sociais por bens e aes culturais que contribuem para viabilizar a atuao desses profissionais.

    Nesses ltimos vinte anos, o Centro de Artes da Universidade Federal do Esprito Santo - prin-cipal ncleo local de formao de artistas visuais - absorveu

    Lincoln Guimares Dias artista plstico, doutor em Comunicao e Semitica PUC/SP e professor do Departamento de Artes Visuais - UFES

    pouco a pouco as discusses e prticas conceituais contempo-rneas ligadas fotografia, v-deo, performances e instalaes, ao lado dos j existentes ateliers modernistas de pintura, escul-tura, desenho e gravura. Com isso, a formao se diversificou, se atualizou e se tornou mais prxima de uma paradigmtica predominante na contempora-neidade. A produo dos artistas mais jovens apresenta evidentes sinais desta transformao.

    A produo e o circuito das

    Obras de Elpdio Malaquias

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    Lincoln Guimares Dias [email protected]

    artes

    Algumas instituies e inicia-tivas pblicas e privadas, vm cumprindo importante papel de divulgao, debate e fomen-to. Hoje, o Museu de Arte do Esprito Santo (MAES) e o Mu-seu da Vale so dois dos mais significativos espaos do Esp-rito Santo ligados exibio e discusso crtica de produes locais, nacionais e internacio-nais. Os editais de incentivo produo cultural da Secreta-ria de Estado de Cultura, cujo

    visuais no Esprito Santo

    teor amadurece a cada ano, estimula e d suporte material produo e contribui para o amadurecimento profissional dos produtores locais.

    Essas e outras conquistas no representam pouco, mas muitos desafios esto ainda por ser en-frentados: faz-se necessrio, por exemplo, uma poltica local de aquisio e formao de acervos pblicos de obras de arte. A esse respeito, notria a despropor-o entre a monumentalidade do

    projeto do Cais das Artes e a ine-xistncia dessa poltica. Por ou-tro lado, o MAES, recentemente, adquiriu uma significativa cole-o de desenhos e pinturas de Elpdio Malaquias, uma notcia que merece ser comemorada. Mas este , ainda, um fato iso-lado. imprescindvel uma ao abrangente e integrada, que te-nha por finalidade dotar os nos-sos museus atuais e futuros - de um verdadeiro e representa-tivo acervo permanente.

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    tObras de Elpdio Malaquias

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    Praia da ConchaBarra do Jucu - Vila Velha-ES

    Vinicius Oliveira [email protected]