Caderno de Formacao D15

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Educação Infantil

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  • Caderno deformao

    Formao de ProfessoresBloco 02 - Didtica dos Contedos

    volume 1

    So Paulo

    2011

    cada vez melhor

  • 2 2010, by UneSP - UniverSidade eStadUal PaUliSta

    Pr-reitoria de GradUaorua Quirino de andrade, 215 - CeP 01049-010 - So Paulo - SPtel.(11) 5627-0245www.unesp.br

    UniveSP - UniverSidade virtUal do eStado de So PaUloSecretaria de desenvolvimento econmico, Cincia e tecnologiarua bela Cintra, 847 - ConsolaoCeP: 01014-000 - So Paulo SP tel. (11) 3218 5784

    Projeto GrfiCo, arte e diaGramaolili lungarezi nead - ncleo de educao a distncia

    Universidade Estadual Paulista. Pr-Reitoria de Graduao U58c Caderno de formao: formao de professores didtica dos contedos /

    Universidade Estadual Paulista. Pr-Reitoria de Graduao; UniversidadeVirtual do Estado de So Paulo. So Paulo: Cultura Acadmica, 2011.

    v. 2 ; 186 p. ; 28 cm. (Curso de Pedagogia)

    ISBN 978-85-7983-147-8

    1. Formao de professores. 2. Didtica dos contedos. 3. Didtica geral.4. Memrias do professor. I. Autor. II. Universidade Virtual do Estado deSo Paulo. III. Ttulo.

    CDD 370.19

  • 3Governo do eStado de So PaUloGovernador

    Geraldo alckmin

    SeCretaria de deSenvolvimento eConmiCo, CinCia e teCnoloGiaSecretrio

    Paulo alexandre barbosa

    UniverSidade eStadUal PaUliStareitor afastado

    Herman jacobus Cornelis voorwaldvice-reitor no exerccio da reitoria

    julio Cezar duriganChefe de Gabinete

    Carlos antonio GameroPr-reitora de GraduaoSheila Zambello de Pinho

    Pr-reitora de Ps-Graduaomarilza vieira Cunha rudge

    Pr-reitora de Pesquisamaria jos Soares mendes Giannini

    Pr-reitora de extenso Universitriamaria amlia mximo de arajo

    Pr-reitor de administraoricardo Samih Georges abi rached

    Secretria Geralmaria dalva Silva Pagotto

    fUndUneSP - diretor Presidente luiz antonio vane

    Cultura acadmica editoraPraa da S, 108 - Centro

    CeP: 01001-900 - So Paulo-SPtelefone: (11) 3242-7171

  • 4Pedagogia Unesp/UnivespSheila Zambello de Pinho

    Coordenadora Geral e Pr-reitora de Graduao

    ana maria martins da Costa SantosCoordenadora Pedaggica

    Klaus Schlnzen juniorCoordenador de mdias

    lourdes marcelino machadoCoordenadora de Capacitao

    ConSelHo do CUrSo de PedaGoGiaana maria martins da Costa Santos

    Presidente

    Celestino alves da Silva jniorClia maria Guimares

    edson do Carmo inforsatoGustavo isaac Killner

    joo Cardoso Palma filhorosngela de ftima Corra fileni

    tereza maria malatian

    SeCretariaroseli aparecida da Silva bortoloto

    NEaD - Ncleo de Educao a Distncia / UNESPKlaus Schlnzen junior

    Coordenador Geral

    teCnoloGia e infraeStrUtUraPierre archag iskenderian

    Coordenador de Grupo

    andr lus rodrigues ferreiraGuilherme de andrade lemeszenski

    marcos roberto GreinerPedro Cssio bissetti

    rodolfo mac Kay martinez Parente

    ProdUo, veiCUlao e GeSto de materialeliane aparecida Galvo ribeiro ferreira

    elisandra andr maranheliliam lungarezi de oliveira

    mrcia debieux de oliveira limaPamela Gouveia

    valter rodrigues da Silva

    adminiStraoSueli maiellaro fernandes

    jessica Pappjoo menezes mussolini

    Suellen arajo

  • 5Prezados AlunosH quase um ano e meio dvamos incio ao Curso de Pedagogia na modalidade a distancia, com

    dois encontros presenciais, semanalmente.

    experincia nica e ousada. Porm oportunizou a todos ns ampliarmos os horizontes no que diz respeito formao de professores fazendo com que a Universidade Pblica cumpra com seu compromisso social e poltico.

    a Pr-reitoria de graduao vem se empenhando no sentido de oferecer uma gama de cursos dentro de uma poltica de expanso de vagas que cabe Universidade Pblica.

    Particularmente sobre este curso, finalizamos o bloco 1, cujo foco foi o de possibilitar uma formao geral aos cursistas, com disciplinas distribudas entre temas que vo da introduo educao, educao infantil, passando por fundamentos da educao. Permeando os 3 mdulos o eixo articulador contemplou uma discusso sobre memria do Professor. foram totalizadas 1050 horas de estudos.

    estamos iniciando uma nova etapa do curso. o bloco 2 contemplar a didtica dos Contedos, perfazendo 1440 horas. Sero abordados os contedos das reas especficas do conhecimento para o ensino fundamental. o eixo articulador do bloco sobre educao inclusiva e especial perpassar todos os componentes, integrando a libraS.

    a grade curricular visou atender as diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, bem como as exigncias do meC no que diz respeito educao a distncia.

    temos a certeza de que os cadernos, resultado do trabalho dedicado de seus autores, vem contribuindo, um a um, para uma formao slida dos profissionais da educao.

    aos poucos vamos incorporando ao curso atividades para ajudar e complementar na interlocuo autores/cursistas. estamos nos referindo s videoconferncias de abertura e de encerramento de cada disciplina. esse recurso possibilitou tambm estabelecer um canal aberto no Portal para interao entre alunos e professores dando continuidade ao esclarecimento de eventuais dvidas em relao ao contedo.

    assim, ao iniciarmos esta nova etapa, queremos desejar a todos a continuidade de um bom trabalho.

    Sheila Zambello de Pinho

  • 6Carta ao AlunoUm dos maiores educadores de todos os tempos afirmou: todos os homens devem

    desenvolver o pensar, o falar e o agir, de modo que esses trs dons se harmonizem entre si. . Em 1632 ele publicou A Didtica Magna, para ns, uma leitura obrigatria para todo o educador. Esto contidos neste livro os pressupostos bsicos para uma educao de excelncia. Tudo que lemos hoje, sobre educao, tem, na Didtica Magna, sua fonte, de onde nunca cessam de brotar orientaes precisas sobre como educar homens e mulheres para que se tornem cidados.

    Este mesmo pensar permite trazer uma de nossas maiores poetizas Cora Coralina, com a simplicidade que sempre foi sua marca ela nos faz lembrar de nossa primeira escola, de nossa primeira professora e nos faz sentir saudade do espao e da pessoa. Quando sentimos saudade somos conduzidos por boas lembranas. Foi por esta nica escola de uma grande mestra, cinqenta anos mais velha do que eu, que cheguei esta publicao de meus livros e s minhas seguidas noites de autgrafos.

    Minhas noites de autgrafos... Por que no lembrar de quem e onde, pela primeira vez algum nos abriu a porta para o saber, algum nos deu a chave e nos convidou para entrar. Juntam-se a estas lembranas as de Carlos Drummond de Andrade, quando insistiu com seu pai para que comprasse para ele a Biblioteca Internacional de obras Clebres, 24 volumes encadernados em percalina verde. Drummond era s uma criana, mas o livro j havia assumido, em sua vida, o papel que anos mais tarde fez dele o grande poeta Drumond. O poema de Drummond sobre a Biblioteca Verde dimensiona para ns a importncia da leitura em nossas vidas e o quanto ela nos seduz.

    Pensamos ser importante fazer com vocs este rpido passeio pela educao e pela literatura. Por que ambas so feitas por ns, para nosso aprimoramento intelectual e para despertar nossa sensibilidade.

    O caderno que abre uma nova etapa do curso focar um outro aspecto da formao de vocs. O que fazer, o como fazer, o porqu fazer contribuir para um saber-fazer e ser cidado, comprometido com uma educao de qualidade.

    Para encerrar gostaramos de agradecer a Deus pelo cuidado que teve conosco at aqui e pedir a Ele que permanea conosco para que possamos chegar ao final deste trabalho com a certeza do dever cumprido.

    Klaus Schlnzen Junior Ana Maria da Costa Santos

  • 7SumrioBloco 02 - Didtica dos Contedos

    Didtica Geralintroduo Geral 10

    didtica Geral 16Alda Junqueira Marin

    Formao Didtica do Educador Contemporneo: Desafios e Perspectivas 33Celso dos S. Vasconcellos

    o ofcio de aluno 59Edson do Carmo Inforsato

    a relao Pedaggica 66Jaime Cordeiro

    a aula: o ato pedaggico em si 80Robson Alves dos Santos Edson do Carmo Inforsato

    a preparao das aulas 86Edson do Carmo Inforsato Robson Alves dos Santos

    avaliao: instrumento de desenvolvimento pedaggico 100Robson Alves dos Santos

    agendas e atividades 110

    Eixo Articulador- Educao Inclusiva e Especialintroduo Geral 145

    incluso escolar: marcos legais, atendimento educacional especializado e possibilidade de sucesso escolar para pessoas com deficincia 148Elisa Schlnzen Renata RinaldiDanielle Santos

    decreto 6.571/08 161Presidncia da Repblica

    agendas e atividades 164

  • 8Biblioteca VerdeApolo nu, Vnus nua... Nossa

    Senhora, tem disso tudo nos livros?

    Depressa, as letras. Careo ler tudo.

    A me se queixa. No dorme este menino.

    O irmo reclama: apaga a luz, cretino!

    Espermacete cai na cama, queima

    a perna, o sono. Olha que eu tomo e rasgo

    essa Biblioteca antes que peque fogo

    na casa. Vai dormir, menino, antes que eu perca

    a pacincia e te d uma sova. Dorme,

    filhinho meu, to fraquinho.

    Mas leio. Em filosofias

    tropeo e caio, cavalgo de novo

    meu verde livro, em cavalarias

    me perco, medievo; em contos, poemas

    me vejo viver. Como te devoro,

    verde pastagem. Ou antes carruagem

    de fugir de mim e me trazer de volta

    casa a qualquer hora num fechar

    de pginas?

    Tudo o que sei ela que me ensina.

    O que saberei, o que no saberei nunca,

    est na Biblioteca em verde murmrio

    de flauta-percalina eternamente.

    Papai, me compra a Biblioteca Internacional

    de Obras Clebres

    So s 24 volumes encadernados

    em percalina verde.

    Meu filho, livro demais para uma criana-

    Compra assim mesmo, pai, eu creso logo.

    Quando crescer eu compro. Agora no.

    Papai, me compra agora. em percalina verde,

    s 24 volumes. Compra, compra, compra.

    Fica quieto, menino, eu vou comprar.

    Rio de Janeiro? Aqui o Coronel.

    Me mande urgente sua Biblioteca

    bem acondicionada, no quero defeito.

    Se vier com arranho recuso, j sabe:

    quero devoluo de meu dinheiro.

    Est bem, Coronel, ordens so ordens.

    Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro,

    fino caixote de alumnio e pinho.

    Termina o ramal, o burro de carga

    vai levando tamanho universo.

    Chega cheirando a papel novo, mata

    de pinheiros toda verde. Sou

    o mais rico menino destas redondezas.

    (Orgulho, no: inveja de mim mesmo.)

    Ningum mais aqui possui a coleco

    das Obras Clebres. Tenho de ler tudo.

    Antes de ler, que bom passar a mo

    no som da percalina, esse cristal

    de fluda transparncia: verde, verde.

    Amanh comeo a ler. Agora no.

    Agora quero ver figuras. Todas.

    Templo de Tebas, Osris, Medusa,

  • Professor autor:

    Edson do Carmo InforsatoDoutor em Educao do Departamento de Didtica, Faculdade de Cincias e Letras UNESP Araraquara

    Professor assistente:Robson Alves dos Santos

    Departamento de Didtica, Faculdade de Cincias e Letras UNESP Araraquara

    no problema da educao que assenta o grande segredo do aperfeioamento da humanidade.Immanuel Kant

    Didtica dos ContedosBloco 2 Disciplina 15

    Didtica Geral

  • 10

    Viso Geral da

    Disciplina

    Didtica Geral

    Introduo:

    Inauguramos o bloco 2 do curso com o Mdulo de Didtica Geral. Como vocs no-taram, pelo desenvolvimento do curso at aqui, a sua estrutura curricular se apia em uma perspectiva geral, para depois, se inserir nas partes, com as especificidades de cada matria.

    Neste segundo bloco, os alunos sero estimulados a desenvolver atividades, cujo propsito central o ato de ensinar. Primeiramente, tomando o ensino nos seus aspectos gerais, sem vnculos especficos com cada rea de contedo, para, em seguida, abord-lo atrelado aos

    domnios de cada matria que compe o currculo dos primeiros ciclos do ensino fundamen-tal. Assim, o mdulo de Didtica Geral, cujos contedos esto dispostos neste caderno, tem a

    inteno de orientar os alunos para a assimilao de reflexes e prticas sobre os elementos

    essenciais que constituem o ato de ensinar em escolas destinadas a estudantes que se iniciam na leitura, na escrita e na apropriao de linguagens mais elaboradas para a compreenso e ao no mundo em que vivem.

    Nossa perspectiva de abordagem para a Didtica Geral evolutiva. Assim como a sociedade modificou os seus modos de ser e estar no mundo, tambm a transmisso e a apro-priao do conhecimento por seus membros sofreram transformaes para graus mais com-plexos e atualizados. Os seres humanos continuam com seus condicionantes biolgicos, com

    seu potencial para a aprendizagem e, fundamentalmente, com a caracterstica de aprender

    uns com os outros. Isto , eles continuam nascendo para a humanidade e essa humanidade s poder ser desenvolvida pelo contato com outros seres humanos. Mas a forma desses con-tatos e a humanidade a se construir modificaram seus perfis. Essas modificaes significam

    que os seres humanos esto aprendendo uns com os outros por meios de novos artifcios que a prpria humanidade construiu e, sendo assim, eles no podem ser ignorados pela escola, lugar e tempo inventados para a realizao intencional da educao.

  • Viso Geral da

    Disciplina

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    Nesse sentido, pretendemos tratar o ensino da maneira como ele deve ser visto na con-temporaneidade: no apartado do aprendizado. Ou seja, se o aluno no est aprendendo,

    necessrio repensar os modos como se est ensinando, pois a meta de toda ao do ensino deve ser o aprendizado dos alunos. Sabemos, sobejamente, que o artifcio da transmisso, nos pri-mrdios da escolaridade, era unilateral e se acreditava que bastava faz-la com organizao

    e mtodo para que o conhecimento se instaurasse no aluno. Punha-se toda a nfase na recepo e na imitao como fatores de aprendizado. Os que no aprendessem fica-riam para trs, uma vez que a transmisso era inquestionvel. Comprovadamente, os

    alunos ainda guardam as caractersticas da imitao e da recepo como maneiras de aprender. No entanto, estamos em um estgio da nossa humanidade em que as descobertas de como aprendemos, por um lado, e os consensos que temos a res-peito de uma escolaridade de caracterstica republicana - para todos- por outro, no nos permitem continuar a praticar e a entender a atividade de ensinar sem a vincular, de maneira atualizada, com a atividade de aprender. Por isso, nesse

    mdulo, o aluno entrar em contato com os contedos que tratam do ensino

    na sua relao com o aprendizado, ou seja, o professor o artfice do ensino

    cujo desgnio o aprendizado do aluno. Assim como ensinar uma atividade,

    aprender tambm o e, desse modo, os dois atores que se colocam em relao nesta empreitada devem ser ativos. Obviamente, as atividades so determina-das pelos papis que cada um tem no processo. Para usar a metfora do teatro, bem apropriada na nossa viso, o professor, alm de ator, um co-roteirista, o diretor, o cengrafo e o contra-regras para que o aluno seja o protagonista.

    Com base neste prembulo, a Didtica Geral, neste caderno, ser apre-sentada por meio de assuntos que vo desde a compreenso dos seus elemen-tos definidores, passando pela compreenso da sua evoluo, do enfoque pu-ramente no ensino, ao seu vinculo com o aprendizado, at culminar com as

    atividades que a realizam efetivamente no espao escolar, a sala de aula.

    Edson do Carmo Inforsato

    Agradeo a valiosa assistncia e colaborao do prof. Ms. Robson

    Alves dos Santos no planejamento e organizao deste caderno.

  • 12

    Viso Geral da

    Disciplina

    Temas do mdulo

    1) A identificao da Didtica Definio

    Histria

    Papel

    Importncia na formao de professores

    2) A Didtica, o ensino e o aprendizado O professor como artfice da Didtica: representaes de ensino e do aprendizado

    Oficio de Aluno

    3) A Relao Pedaggica como o cerne da Didtica Os vnculos entre professor e aluno

    As relaes com o saber

    4) A aula: a realizao da Arte de Ensinar e de Aprender Concepo

    Preparao

    Realizao

    Avaliao

  • Viso Geral da

    Disciplina

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    OBJETIVO GERALLevar os licenciandos em Pedagogia a assimilar a compreenso de que o professor

    ensina para que o aluno aprenda e que, portanto, o aprendizado ter maiores chances de ocorrncia quanto mais vinculadas forem as atividades de ensino com as de aprendizado.

    OBJETIVOS ESPECFICOS: Levar os licenciandos em Pedagogia a assimilar:

    as concepes que condicionam a Didtica como o modo de se realizar o ensino e o aprendizado, visando que eles a exeram de maneira apropriada e atualizada;

    a vinculao entre ensino e aprendizado na Didtica Contempornea e os respecti-vos papis do professor e do aluno, para que haja discernimento e sentido na ao pedaggica;

    a importncia da relao pedaggica na preparao didtica e, dentro dela, a abor-dagem complexa das relaes pessoais entre o aluno e o professor;

    a concepo ampla de aula como o tempo e o espao da realizao do processo de ensino e aprendizado, e sua respectiva valorizao por meio de um planejamento bem feito, de um esforo na realizao e de uma avaliao contnua para a reali-mentao desse processo.

    Ementa TemaNuclear:A didtica como um processo de preparao do professor como

    responsvel pelas atividades de ensino que visam ao aprendizado do aluno.

    UnidadeI:O sentido da Didtica: histria, papel, evoluo, professor como artfi-ce, o oficio do aluno e as tenses entre o ensino e o aprendizado.

    UnidadeII:O cerne da Didtica: relaes aluno-professor, aluno-conhecimento e professor-conhecimento

    Unidade III:A aula como a realizao da Didtica: concepo, planejamento, manejos, avaliao.

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    Viso Geral da

    Disciplina

    BIBLIOGRAFIA

    BARLOW, Michel. Avaliaoescolar Mitos e Realidades. Porto Alegre: Artmed, 2006.

    BLIN, Jean-Franois. Classes difceis: Ferramentas para prevenir e administrar os pro-blemas escolares. Porto Alegre: Artmed, 2005.CARLINI, Alda Luza et al. Osprocedi-mentosdeensinofazemaaulaacontecer. So Paulo: Avercamp, 2004.

    CASTRO, Amlia Domingues de. Ensinaraensinar. So Paulo: Thomson Learning; Pioneira, 2001.

    CASTRO, Amlia Domingues. Atrajetriahistricadadidtica. Disponvel em: . Acesso em: 24 set. 2010.

    CORDEIRO, Jaime Cordeiro. Didtica. So Paulo: Contexto, 2005.

    GIMENO SACRISTN, J. OAlunocomoInveno. Traduo de Daysi Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2005.

    MARCHESI, lvaro. Oqueserdens,osmausalunos? Traduo de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2006.

    MATTOS, Luiz Alvez de. Sumriodedidticageral. Rio de Janeiro: Aurora, 1971.

    MEIRIEU, Phillipe. Ocotidianodaescolaedasaladeaula: o fazer e o compreender. Traduo de Ftima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005.

    NRICI, Imdeo Giuseppe. IntroduoDidticageral: dinmica da escola. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1971.

    PERRENOUD, Philippe. Oficiodealunoesentidodotrabalhoescolar. Traduo de Julia Ferreira. Porto: Porto Editora, 1995.

    PHELAN, Thomaz W.; SCHONOUR, Sarah Jane. 1-2-3Mgicaparaprofessores Disciplina efetiva em sala de aula. Porto Alegre: Artmed: 2009.

    RANGEL, Mary. Mtodosdeensinoparaaaprendizagemeadinamizaodasau-las. Campinas, SP: Papirus, 2006.

    SAVATER, Fernando. Ovalordeeducar. Traduo de Monica Stahel. So Paulo: Edi-tora Planeta, 2005.

  • Viso Geral da

    Disciplina

    15

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    SILVA, Ada Maria Monteiro da et al. Didtica,currculoesaberesescolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Didtica: O ensino e suas relaes. Campinas, SP: Papirus, 2001.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro; Amaral, Ana Lucia (Orgs.). Formaodeprofessores: Polticas e Debates. Campinas, SP: Papirus, 2002.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Liesdedidtica: Campinas, SP: Papirus, 2006.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Tcnicasde ensino: Novos tempos, novas configu-raes. Campinas, SP: Papirus, 2006.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Aula: Gnese, dimenses, princpios e prticas. Campinas, SP: Papirus, 2008.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Aaventurade formarprofessores. Campinas, SP: Papirus, 2009.

    VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Aescolamudou. Que mude a Formao de Pro-fessores! Campinas, SP: Papirus, 2010.

    ZABALA, A. Aprticaeducativa: Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

    ZABALA, Antoni. Comotrabalharoscontedosprocedimentaisemaula. Porto Ale-gre: Artmed, 1999.

  • 16

    Cena 1

    Didtica Geralalda junqueira marin

    Livre-docente em Educao, Programa de Estudos Ps Graduados em Educao Histria Poltica Sociedade PUC/SP

    Este texto aborda diversos aspectos da Didtica a que qualificamos de Geral. Essa

    denominao se refere a uma rea pedaggica que se dedica fundamentalmente docncia, ao ensino, ao trabalho dos professores. assim, aqui so abordados os aspectos gerais de de-sempenho de qualquer professor. H diferenas esperadas entre o trabalho de professores de lngua Portuguesa e educao fsica, por exemplo, mas h muitas semelhanas, traos, ca-ractersticas comuns. as diferenas, as particularidades sero vistas posteriormente. agora hora de se focalizar o todo, o trabalho de ensino em seu conjunto essencial, nuclear.

    este tema est subdividido em quatro partes articuladas. So marcadas por pequenas cenas da realidade de nossas escolas a partir das quais so apresentadas as noes, apresen-tadas a seguir.

    Dois alunos retornam juntos a suas casas aps um dia de aulas e vo

    conversando sobre seu perodo na escola, pois estiveram em salas separadas.

    - Deus me livre! O professor de Histria sabe muito, mas no

    tem didtica nenhuma! (diz o aluno A).

    - Pois eu acho que verdade, mas em compensao o de Matemtica, hein?

    Aquilo sim que professor, aquele tem didtica (responde o aluno B).

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    DID

    t

    ICA

    GEr

    Al

    essa uma cena muito comum no mundo da escola, at mesmo entre os alunos mais novos que se referem a isso de outro modo, como veremos logo adiante neste mesmo texto.

    Mas, ento, a Didtica algo que se tem ou no tem? Sim e no!

    Sim, porque composta de conhecimentos adquiridos. Constituem saberes adquiri-dos por diversos meios, inclusive por meio da formao escolar ao longo do percurso como estudante, assim como aprendendo esses conhecimentos em disciplinas do currculo de for-mao de professores, tal como esta. a conotao de ter baseia-se num modo de ser, de se comportar em sala de aula nos momentos de ensinar. Quando se diz que tem didtica por-que se reconhece que o professor sabe ensinar bem, de um modo que os alunos aprendem.

    Mas tambm podemos dizer que no, e isso, ento, significa que o professor tem al-guns conhecimentos, porm eles no so suficientes para exercer bem a funo, de modo que

    os alunos aprendam. e a didtica pode ento fornecer esses conhecimentos.

    Vocs devem estar se perguntando, ento: como se pode afirmar que os alunos que

    ainda no so formados como professores possam usar esses termos e identificar a existn-

    cia, ou no, dessas condies?

    Para compreender preciso ver um pouco da histria da escola, pois h estreita relao entre a histria da escola na modernidade e a histria da didtica. alguns estudos nos for-necem dados para isso. Hamilton (2001a e 2001b), ao realizar pesquisas em textos histricos do sculo Xvi (por volta de 1500 a 1600), encontrou dados que marcaram a escolarizao moderna na Europa ligando currculo, livro-texto, disciplina e didtica com modificaes

    relacionadas existncia da imprensa e aparecimento dessas novas palavras simultanea-mente ao aparecimento da instruo relacionada aprendizagem composio e ordenao de conhecimentos, mtodo como preocupao didtica, oratria e atividade docente com disciplina (ordem) para apresentar o conhecimento, ou seja, para expor o currculo. isso tudo ocorreu provocando um deslocamento, na poca, da aprendizagem que vigorava sem a preocupao com ensinar para comear a vigorar e haver nfase na instruo. a palavra didtica, segundo ele, apareceu por essa poca, foi uma inveno, como parte do lxico pre-sente nos escritos educacionais. essa virada instrucional constituiu um momento decisivo para a existncia da escolarizao moderna com caractersticas existentes at hoje. assim, como didtica um termo, uma palavra bem antiga e bem disseminada, at alunos que nunca estudaram o que aqui est descrito, sabem identificar o que ter ou no ter didtica, ou seja,

    ser capaz de ensinar bem, ou no, seus alunos.

    So, portanto, muitos sculos em que essa palavra vem sendo pronunciada sempre com essa perspectiva ligada instruo e, nesses escritos pesquisados, vinculada necessidade de

  • 18

    que se aprendesse o seu significado para orientar as aes dos que fossem se dedicar educao

    das crianas e jovens. Portanto bem voltado ao prtica. Com o passar do tempo comearam a surgir textos especificamente denominados com o termo didtica, escritos por Elias Bodin (CO-MNIO, 1976), Ratke (2008) e, posteriormente, o prprio Comnio que leu esses textos e ficou

    conhecido como o pai da didtica. So conhecimentos existentes no sculo Xvii, isto , por volta de 1620 e 1630 (Comnio, 1976), constituindo conjunto de saberes organizados orienta-dores para se ensinar todas as coisas a todos, pois desde essa poca j se defendia a necessidade de que todas as pessoas fossem educadas, que por todos os lugares se construssem escolas e, portanto, por todos os lugares se preparassem pessoas para ensinar e aprender com facilidade, solidamente e com rapidez. Comnio organizou esses conhecimentos em uma das partes do livro e, em outra, os conhecimentos necessrios para se ensinar a moral, cincias, artes, lnguas, algo similar s didticas ou metodologias especficas como as que viro a seguir neste curso.

    durante sculos vigorou essa perspectiva de se pensar na didtica. durante o sculo Xviii rousseau j propunha, por volta de 1762, que seria necessrio estudarmos os alunos para que os conhecssemos. essa proposta, to antiga, j enunciava os primrdios da pesqui-sa sobre as realidades educacionais (MIALARET, 1974) que evoluiu muito, sobretudo no fi-nal do sculo XiX e durante todo o sculo XX. neste ltimo sculo ganhou fora a pesquisa sobre a realidade escolar com destaque para os focos sobre a instruo, sobre o ensino, sobre os modos de se fazer o trabalho pedaggico, sobretudo em salas de aula. Com esse incremen-to surgiu toda uma atividade de investigao nessa rea que a didtica.

    Com tais dados sintetizados pode-se pensar na identidade da didtica enquanto parte da rea pedaggica dedicando-se ao ensino. em 1994 apresentei algumas ideias sobre isso, depois publicadas em 1996 e 2005, quando apontei a minha concepo ao dizer que a di-dtica rea de conhecimento pedaggico que se dedica ao estudo, anlise, divulgao e desempenho do trabalho docente. Considero, assim, que ela possui trs feies ou facetas:

    1. ela o ncleo do trabalho docente, a parte fundamental desse trabalho, a atividade de ensinar e levar os alunos a aprenderem; portanto um conjunto de aes para articular muitos conhecimentos que o professor possui para poder atender tarefas fundamentais de mediao entre tias conhecimentos e a escolarizao de crianas, jovens e adultos;

    2. a didtica tem tambm a sua feio formadora de professores. ela fundamental nessa finalidade, componente central do currculo dos cursos de formao de profes-sores. o momento de se disseminar o conhecimento existente para auxiliar os novos professores a se prepararem para o desempenho de sua funo nas salas de aula, pois,

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    nessa circunstncia nos cursos de formao aprendem-se, por meio da didtica, vrios princpios, procedimentos e atitudes para serem considerados bons professores, que saibam ensinar e que seus alunos aprendam;

    3. a terceira feio, ou faceta da didtica, a da investigao. por meio dessa ca-racterstica que profissionais desenvolvem novos conhecimentos sobre o ensino. Essa

    perspectiva investigadora efetivada quando se busca saber mais sobre algum aspecto do trabalho docente que ainda precise de informaes adicionais, de acrscimo de anlises. nessa perspectiva estudam-se procedimentos de ensino, materiais didticos (livros, figuras, cadernos, filmes) utilizados por professores e alunos; formas de rela-cionamento entre professores e alunos; programao de seu trabalho e providncias para o que se necessita; estudos realizados entre outros focos de ateno e interesse, bem como os problemas enfrentados pelos professores no seu dia a dia de servio com essa tarefas. tais conhecimentos produzidos vo compor os contedos da disciplina curricular para formar professores para que aprendam a trabalhar como professores e possam ensinar seus alunos.

    esses estudos mantm relaes com conhecimentos sobre a realidade das escolas e sua organizao, o ambiente social em que esto, entendendo que o professor, seus alunos e o que ocorre no interior da sala de aula tm estreita influncia de caractersticas sociais, polticas,

    legais, econmicas, cientficas, artsticas que compem cenrios e condies materiais em que

    a educao acontece e, ao mesmo tempo, influenciam essas reas externas escola.

    outros pesquisadores, ao analisarem a Pedagogia, abordam-na de modo similar denomi-nando de dimenses: epistemolgica, na busca de novos conhecimentos com suas questes e procedimentos investigativos; prtica enquanto saberes para a ao pedaggica, e a terceira que a dimenso disciplinar caracterizando os conhecimentos pedaggicos como curso (Pimen-ta, franCo; libneo, 2010).

    possvel, aqui, sintetizar apontando a importncia de todas essas feies que identifi-cam a didtica e a possibilidade de compreender porque os dois alunos comentam, com opini-es diferentes, a atuao de seus professores, pois pode ser que o professor que tem didtica tenha vivido boas situaes com professores que ensinaram bem e ele aprende enquanto aluno durante a vida e tambm no curso de formao. j o professor que no tem didtica pode ter passado pela escola com professores que no o ajudaram tanto a aprender como se portar em sala de aula e/ou no teve boas aulas de didtica no seu curso, no aprendeu como ensinar seus alunos e tudo o que est envolvido nessa situao de sala de aula.

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    Cena 2Uma conversa de duas professoras em reunio de incio de ano. A

    professora A pergunta para a B como ela est acostumada a ensinar

    um ponto novo de Histria, ao que B diz:

    - Eu explico expondo o assunto e depois dou questionrio.

    -Nossa, que coisa to tradicional voc est me dizendo, to antiga!,

    retrucou a professora A.

    - , mas foi assim que eu aprendi com meus professores nas escolas em

    que eu estudei. Dizem que tem outros meios, mas eu no sei como fazer

    (respondeu a professora B).

    ao longo do tempo, esse processo de aprender a ser professor continuou sendo realizado e mesmo ensinado aos novos professores, tanto que a professora b, da cena acima, se refere a modos de fazer seu trabalho aprendido mais pelo contato que teve com os professores dela ao longo da escolarizao vivenciada do que pelos estudos nos cursos. Uma das fases desse pro-cesso ficou, mesmo, conhecida como Didtica Tradicional porque, tanto os conhecimentos sis-tematizados em manuais sobre ensino quanto a realizao desse ensino em sala de aula, seguia sempre os mesmos princpios dos tempos iniciais da escolarizao. Considerava-se a criana como se fosse um adulto em miniatura com grande capacidade de memorizao, com mente malevel em que deveriam ser impressos os conhecimentos e valores. Para isso, o ensino esco-lar deveria transmitir tais conhecimentos, repeti-los sempre, e as crianas deveriam exercit-los para memorizar. o uso da palavra pelo professor, textos didticos, materiais visuais e concretos eram os principais recursos indicados para o trabalho do professor e a recepo e ordem dadas eram os comportamentos a serem realizados pelos alunos. Supunha-se que, desse modo, as

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    noes simplesmente seriam impressas nos crebros dos alunos sem que precisassem fazer outro esforo alm dos mencionados. esse era um tempo em que a escola no estava disponvel para toda a populao e, portanto, no havia grandes preocupaes com o aprendizado, pois os que frequentavam escolas eram todos muitos parecidos, tinham outras condies homogneas favorecedoras para o sucesso escolar.

    Desde o final do sculo XIX os estudos e pesquisas sobre a infncia trouxeram novos

    conhecimentos por meio do trabalho de grupos de pesquisadores em vrias partes do mundo. a partir de ento houve grande incentivo aos estudos sobre a criana em idade escolar com nfase sobre desenvolvimento e aprendizagem. Passou-se a compreenso diferente quanto importncia da atividade mental e fsica das crianas e jovens em relao s noes a serem aprendidas na escola e fora dela.

    esses resultados de pesquisas impulsionaram a criao e disseminao de novos meios de realizao do trabalho nas salas de aula. Havia tambm grandes mudanas sociais de-senvolvia-se a cincia em todas as reas e os conhecimentos sobre o homem; expandia-se a industrializao; defendiam-se crescentemente os ideais para educar toda a populao com o crescente surgimento de novos pases reorganizados com proclamao de repblicas que exigiam novas condies para se pensar o ensino.

    Seguindo esses princpios surgiram, ento, novos procedimentos didticos, mas sem-pre com a preocupao de levar o alunado a realizar esforos para aprender as noes mobi-lizando as condies intelectuais das crianas nas fases de seu desenvolvimento e as carac-tersticas individuais de cada um. o professor nesta caracterizao passou a ser concebido como orientador da aprendizagem do alunado e no mero transmissor das noes. alguns exemplos desses procedimentos so:

    1. o estudo do meio atividade organizada em que o alunado levado a conhecer lugares da sociedade que antes eram apenas contedos relatados pelos professores ou lidos nos textos (balZan,1969);

    2. estudo dirigido em que o aluno recebe orientaes e estmulos do professor, mas tem todo o trabalho para adquirir os conhecimentos e procedimentos para, posteriormente, continuar estudando individualmente (CaStro,1969);

    3. mtodo de projetos em que professores e alunos planejam uma atividade e organizam vrias aes para atingir um objetivo que se refere a algum problema, coletando dados, especificando condies e materiais para resolver o problema (PILETTI,1985);

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    4. fichas didticas um procedimento que permite aos alunos trabalharem de acordo com suas condies e ritmos, pois h uma ficha com as noes, outra com os exerccios e

    uma terceira com a correo ou respostas dos exerccios em que cada criana recebe seu conjunto de acordo com as condies que apresenta naquele momento (Piletti,1985).

    essa nfase nas novas tcnicas de ensino, entretanto, esteve mais presente nas pesqui-sas e nos manuais do que efetivamente nas salas de aula e nos cursos, que se mantinham com algumas alteraes, mas poucas, no tanto quanto seriam necessrias para a poca (segunda metade do sculo XX) e que se mantm at hoje como vimos na cena 2, pois a professora ainda trabalha do mesmo modo e no teve a oportunidade de aprender outros procedimentos.

    a partir da segunda metade do sculo XX, principalmente a partir da dcada de 1960, diversos pases do mundo, incluindo o brasil, comearam a ampliar as ofertas de escola para a populao que antes no estava sendo escolarizada. Como decorrncia, duas caractersti-cas comearam a aparecer de modo acentuado nas escolas: a evaso e a repetncia. as esco-las e os professores no se prepararam para enfrentar essas novas situaes considerando-se que as origens sociais dos alunos passaram a ser diversificadas. Bem diferentes dos que fre-quentavam escolas antes dessa poca. Comearam a surgir vrios estudos para se identificar

    o que ocorria no interior das salas de aulas.

    mais ou menos nesse perodo, dcada de 1970, comeou-se a apontar que no bastava que a didtica tivesse boas tcnicas, mas precisava estabelecer relaes com outras reas de conhecimento para auxiliar a suprir novas necessidades. ocorreu um movimento que aponta-va o tecnicismo da didtica a partir de vrias anlises realizadas sobre o ensino da didtica.

    Como consequncias desses dois aspectos enunciados, passou-se a perceber que no s o ensino precisaria mudar nas escolas, mas tambm o ensino da didtica, nos cursos de for-mao de professores, precisaria sofrer alteraes. em muitas universidades houve mudan-as, inclusive nos nomes, eliminando-se o ttulo didtica, como se isso funcionasse como mgica para mudar, sem a clareza que o nome no altera nada se a forma de se focalizar e realizar o ensino no for outro.

    busca-se, agora, focalizar o ensino de um modo que se estabeleam muitas relaes, pois com as pesquisas foram se acumulando conhecimentos os quais nos informam que so muitas as interferncias sobre o ensino, sobre o professor e sobre os alunos. Com as pesqui-sas tambm se verificou que no basta o professor orientar os alunos. Eles no esto isolados

    no mundo da escola que, por sua vez, no est isolada na sociedade. assim, existe, para mui-tos, a clareza de concepo que no basta o professor ser orientador dos alunos, mas tambm no basta ser transmissor de conhecimentos. o professor precisa desempenhar muitas aes para ensinar e tentar assegurar ao mximo a aprendizagem dos alunos.

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    nessa perspectiva atual o professor continua, sim, precisando dominar profundamente os conhecimentos escolares a serem ensinados aos alunos: lngua Portuguesa, Histria, Cincias, Matemtica, Artes, Geografia, Educao Fsica. Mas o professor precisa, tambm, dominar,

    profundamente, os conhecimentos pedaggicos para poder orientar os alunos, expor noes quando precisar e cuidar de todas as aes para desempenhar sua funo primordial: a docn-cia. ou seja: ele precisa saber ensinar para que seus alunos aprendam, mas precisa aprender, tambm, nas diversas circunstncias pelas quais ele passa enfrentando sempre novas situaes.

    o professor, aqui, ento, est sendo concebido como o responsvel pela didtica de suas aulas. ele que constri toda a estrutura do seu ensino a partir de tudo o que sabe, de tudo o que lhe pedido pela legislao, pela escola e, hoje em dia, com a colaborao das famlias e mesmo dos alunos. Entre os conhecimentos cientficos que compuseram parte das

    disciplinas de seus cursos e outros conhecimentos que adquiriu incluindo a vida das aulas, h um trabalho de criao a ser feito.

    Por mais que os procedimentos possam ser os mesmos, os contedos tambm, na mes-ma escola, cada professor tem o seu jeito de trabalhar. embora tenhamos muitos traos ou caractersticas gerais para o desempenho da funo docente por isso possvel pensar em que necessria uma didtica Geral sempre temos nossos modos peculiares de arranjar todos os elementos que compem nossa atuao. em uma escola, dois ou trs professores que alfabetizam trabalham com certos traos diferentes entre eles, do exemplos diferentes, referem-se a diversificados eventos ou situaes, ao lado de outros muito parecidos. Isto faz

    com que possamos pensar que h ingredientes de arte em nosso trabalho, h criao nesses arranjos pessoais, h expresses individuais.

    do mesmo modo h que se atentar para o fato de que hoje se sabe que, ao lado de caractersticas comuns de desenvolvimento e aprendizagem de todas as crianas reveladas pelas pesquisas, cada uma delas tem sua individualidade, suas peculiaridades, e isso tem interferncias sobre o trabalho dos professores.

    Os aspectos apontados para o aprendizado da profisso, aps as pessoas passarem por

    anos de estudo e em cursos especficos, podem ser chamados aqui para a vida de alunos.

    as crianas, desde muito cedo, ao frequentarem as escolas tornam-se alunos. as pesquisas vm estudando essas mudanas por meio de diferentes procedimentos e em muitos aspectos. arajo (2002), oliveira (2002) e monteiro (2002), por exemplo, relatam, de diferentes modos e em lugares distintos pr-escola e incio do ensino fundamental procedimentos e aes para o controle das crianas transformando-as em alunos por meio, por exemplo, dos espa-os : h lugares ideais para sentar, h preocupao com assepsia e ordem do ambiente; h cumprimento dos horrios rgidos levando aprendizagem do tempo, inclusive para o uso do

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    banheiro ou para apontar o lpis; conteno dos movimentos para no atrapalhar o trabalho; o caderno tem que ficar limpo e bonito, entre tantas outras situaes em que se desenvolve

    a obedincia ao controle e vigilncia exercidos preparando as crianas, desde cedo, para o mundo do trabalho (fernndeZ enGUita,1989).

    Perrenoud (2002) analisa, em srie de artigos, essa fase da vida escolar das crianas e jovens dizendo tratar-se de um aprendizado por meio do cumprimento de um ofcio. Sinteti-camente pode-se entender, a partir de vrios aspectos j apontados e tambm com o que ele relata, que o alunado, desde pequeno, tem um trabalho que definido pelo futuro, algo para

    o que ele se prepara; realiza muitas aes semelhana de qualquer outro trabalho como j exemplificado anteriormente; aprende e enfrenta desencontros e conflitos entre a vida familiar

    e a da escola e se aproveita disso para seu benefcio; aprende e enfrenta a expectativa constante de futuro com as suas presses e a competitividade; precisa saber selecionar a que obedece e a que resiste; enfrenta as constantes mudanas propostas pelas variaes na vida escolar, inclu-sive aprendendo a trabalhar cada vez com um professor diferente, assim como aprende, cons-tantemente, a discriminar a hora de falar e a de calar. tudo isso compe o seu processo lento e gradual de socializao, em um ofcio de aluno que os prepara para os demais ofcios sociais.

    Cena 3 Uma pesquisadora est na escola para uma pesquisa na rea de Didtica

    buscando obter mais conhecimento sobre a viso dos alunos quanto

    dificuldade que tm de entendimento sobre o que as professoras de 1 a

    4 srie falam em sala de aula. Investigam qual a reao dos professores e

    alunos quando manifestam no entender o que as professoras dizem.

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    -Voc entende tudo o que a professora fala? pergunta a pesquisadora.

    -Tem umas coisas que eu no entendo (aluno 1).

    -Entendo um pouco (aluno 2).

    - No d para entender direitinho (aluno 3).

    - O que a professora faz quando voc no entende? (pesquisadora)

    - A minha vem at a minha carteira e me ensina (aluno 3).

    - A gente pede pra explicar de novo, ela no explica, ela fala que j explicou

    um monte de vezes (aluno de 3 srie)

    - ... e ela fala pra eu sentar e no explica pra mim (aluno 2).

    esse excerto uma sntese de uma pequena parte de uma pesquisa realizada com crianas e professoras publicada na ntegra (marin; monteiro, 1998). a anlise desses dados nos permite extrair muitas informaes para que se compreendam dois aspectos bem centrais na rea da didtica: as relaes entre os professores e alunos e as relaes com o saber, com o conhecimento.

    as relaes entre professores e alunos, como se v nessa cena, so permeadas por sa-beres, pelo conhecimento escolar que o professor detm e que os alunos precisam aprender. a interao que ocorre sempre na direo de o professor explicar as noes novas, fazer e responder perguntas, orientar comportamentos dos alunos, corrigir os erros, entre tantas outras aes. do mesmo modo, os alunos tambm interagem com os professores prestando ateno no que lhes dito, fazendo e respondendo perguntas aceitando, ou no, as orien-taes do professor quanto aos seus comportamentos, corrigindo o que estava errado na atividade entre outras aes. nessa cena 3, vrias dessas aes podem ser vistas, incluindo a percepo que os alunos tm de que tarefa do professor explicar o que eles no entenderam, ou seja, ainda bem jovens sabem que isso parte da didtica do professor.

    essa parte do trabalho da sala de aula considerada por alguns pesquisadores como a caracterstica mais central da escolarizao moderna (vinCent; laHire; tHin, 2001). dizem eles que as relaes entre mestres e alunos, chamadas de relaes pedaggicas, so relaes sociais que no existiam anteriormente ao surgimento da escola moderna, como j visto no item anterior. Essa configurao que se estabelece na sala de aula um princpio

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    fundamental para compreender a escola, pois so relaes impessoais, muito diferentes das relaes que existem entre crianas e adultos nas famlias, por exemplo, as quais so pesso-ais sobretudo carregadas de afetividade.

    essa pedagogizao das relaes sociais, por sua vez, ocorre pela funo docente li-gada aos saberes que precisam ser ensinados tanto em relao ao que ensinar quanto em relao ao modo de ensinar.

    Na cena 3, retratada anteriormente, verificam-se relatos sobre relaes pedaggicas de

    diversos professores com diversos alunos nas sries iniciais do ensino fundamental. nessa trocas entre os alunos e os professores, relatos esses feitos a pesquisadoras, as crianas ma-nifestaram de diversas formas as relaes com saberes apontando as reaes que elas tm quando no entendem o que as professoras falam, e verificam-se as manifestaes delas

    sobre esse no entendimento, acompanhadas das reaes das professoras.

    a partir desses dilogos relatados entre as pesquisadoras e as crianas, possvel de-tectar algumas aes docentes de preocupao com a aprendizagem das crianas, de valo-rizao dos saberes para aquelas crianas, pois as professoras novamente estabelecem uma relao positiva re-ensinando-as. uma ao que demonstra domnio adequado de sua fun-o: elas esto l fundamentalmente para isso, para ensinar e os alunos para aprender. os alunos tambm so valorizados, so atendidos em algo que lhes importante. mas tambm existem as professoras que ignoram os pedidos dos alunos, ou se recusam a ensin-los no-vamente, demonstrando, com isso, o desprezo pelos saberes so pouco importantes e, por isso eles no precisam aprend-los e pelos alunos, simbolicamente sinalizando que se no aprenderem porque aquilo no para eles. Com isso abdicam do que mais importante em sua funo e interditam a evoluo escolar e social de seus alunos.

    o resultado desses dois modos de agir, alm de revelar modos de se relacionar pedago-gicamente com seus alunos e com os conhecimentos que esto perpassando essas relaes, deixa marcas no alunado que, em outras oportunidades tero certezas (no 1 caso) ou dvidas (no 2 caso) quanto s atitudes positivas na base de busca por novos conhecimentos e dedi-cao aos estudos. esses episdios relatados na cena 3 nos do oportunidade para comentar concepes de bourdieu (2004) quando nos leva a pensar que os sistemas de ensino carre-gam com eles, poderosamente, sistemas de pensamento,de percepo e ao no mundo, ou seja, no so s os conhecimentos que as escolas propiciam, mas muito mais do que isso.

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    diversos estudos realizados, desde 1987, por equipe de pesquisadores na frana e de-pois no brasil, tchecoslovquia e tunsia (CHarlot, 2000, 2001) nos permitem entender que a relao com o saber , basicamente, uma relao com o mundo estabelecida desde que se nasce para poder sobreviver. nesse processo, cada um estabelece relaes com as pessoas, os objetos, a linguagem, o tempo. So mltiplos modos incluindo aqueles que as crianas es-tabelecero com os conhecimentos chamados saberes escolares, conhecimentos organizados que se desenvolveram historicamente no mundo e esto disponveis para serem ensinados e aprendidos. outro aspecto importante dessa relao o desejo de saber para que cada um aprenda. vale dizer, aqui, que esse desejo de saber no apenas dos alunos, mas uma marca fundamental da funo docente, pois tudo o que se estuda no curso de formao, e dever ser estudado para o resto da vida, tem implicaes e relaes com a vida da sala de aula. essa relao com o conhecimento fundamental para o bom desempenho do professor. Como diz Giovanni (2000), o trabalho do professor implica a busca constante de conhecimento como um ato de cumplicidade com os alunos no que se refere ao compromisso com o ato de buscar conhecimentos, pois demonstrao do valor atribudo a tal aspecto como parte da valori-zao do ser humano.

    na cena 3 descrita, as crianas demonstram esse desejo, querem manter relao posi-tiva com o saber, mas algumas crianas so interditadas nesse desejo quando as professoras no as ajudam. essa situao uma das que leva ao chamado fracasso escolar, ou seja, a impossibilidade de aprender, de ocasionar falhas na aprendizagem dos contedos escolares. H outros elementos que interferem a favor ou contra esse desejo de aprender para os quais no h espao, neste momento, mas que podem ser ampliados com outras leituras.

    este item, alm de apresentar essas noes, permite demonstrar como se desenvolvem conhecimentos sobre relaes entre professores e alunos e relaes com o saber por parte dos pesquisadores citados. tambm possvel destacar como eles serviram de base para a escrita deste texto de modo a compor o currculo do curso e, ainda, exemplos de aes de professoras e alunos a serem provavelmente enfrentados na vida prtica em sala de aula, po-dendo fornecer opes a cada um que v atuar como docente, abrangendo as trs feies da didtica citadas anteriormente.

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    Cena 4Esta no uma s cena, mas uma sntese de muitas cenas da realidade

    captadas por pesquisas. So excertos constantes de pesquisas sobre a escola,

    mas a partir de manifestaes de professores que esto trabalhando.

    quase 80% dos professores optaram por dizer que a funo docente , essencialmente, a de criar condies para que ocorra a aprendizagem;

    55% disseram que um problema manter a disciplina em seu trabalho dirio;

    52% disseram que as caractersticas sociais de seus alunos so um problema;

    s 165 consideram mais importante transmitir conhecimentos atualizados e relevantes;

    21% consideraram menos importante proporcionar conhecimentos bsicos (UNESCO,2004)

    fragilidade, rigidez e restrio nos procedimentos e recursos didticos;

    conflitos e dilemas enfrentados pelos professores no que se refere relao entre seu saber e as caractersticas dos alunos fracos e/ou das camadas populares (MARIN,1998)

    professores no tm familiaridade com os contedos a serem ensinados, nem com os tipos de dificuldades dos alunos; eles tm dificuldade de transformar os conhecimentos adquiridos anteriormente em contedos ensinveis; tm dificuldades de organizar a sequncia de ensino e organizar atividades escolares para os alunos (GUARNIERI, 1996).

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    analisando esses poucos excertos de pesquisas que compem parte do conhecimento que temos das cenas de sala de aula no brasil, podemos extrair quatro elementos importantes para o ncleo da didtica contidos em duas expresses: concepes e o ciclo docente que, por sua vez, composto de trs elementos ou etapas intensamente articuladas entre si, quais sejam, o planejamento ou preparo, a execuo (mago do trabalho) e a avaliao.

    os aspectos histricos e sociais que vimos, no incio do texto e em outros momentos do texto, sobre o surgimento da escola moderna desde os primrdios no sculo Xvi, tambm tm a ver com esses elementos. foi em funo do aparecimento da escola moderna que se instaurou um espao especfico chamado escola, que no havia antes; essa instituio fun-ciona de acordo com tempos (perodos de vida em que a infncia um universo separado), ano, bimestre, semestre, dia a dia totalmente racionais e controlados; saberes formalizados, delimitados tanto em relao ao que ensinar quanto ao como faz-lo; surge a sistematizao das noes com o planejamento ou preparo das lies para muitas crianas.

    j nos sculos mais prximos de ns, surgem novas necessidades que decorrem da ampliao das turmas de alunos. ensinar grandes grupos no a mesma coisa que ensinar individualmente ou pequenos grupos e, com isso, muitos pases do sculo XiX possuam altos percentuais de atendimento populao com novas caractersticas: muitos professores, muitas classes, profissionalizao do magistrio, programa de estudos ampliados e no mais

    s o saber ler e escrever, gradao das turmas e, portanto, sua classificao, gerando critrios

    organizativos (SoUZa, 1998). diante desse processo, de l para c, devido necessidade de dar vazo ao avano nos estudos da populao e necessidade de se organizar classes sequenciais, a avaliao passa a ter cada vez mais peso no ciclo docente, at os dias atuais.

    as concepes que temos hoje, portanto, decorrem dos conhecimentos que foram sendo construdos e das reflexes de muitos pensadores. Algumas dessas concepes j vimos nos

    itens anteriores e ainda esto circulando entre os professores, principalmente quando s apon-tam a orientao a ser dada pelo professor, ou a necessidade de se manter a disciplina (alunos quietos em suas carteiras); a existncia de alguns (muitos) que tm problemas com as origens dos alunos; outros tantos que manifestam no ser importante fornecer os conhecimentos bsi-cos. por concepes como essas que, em parte, temos os problemas hoje to denunciados da crise da escola. j se sabe que precisamos trabalhar com todas as crianas e precisamos ensin--las. H que se entender que parte das concepes sabermos que nossos alunos querem fazer parte da modernidade, mas o progresso, para a maioria deles, significa ter acesso aos conhe-cimentos, e a modernidade brasileira, segundo martins (2000), inclui elementos tradicionais tambm, no to modernos, como, por exemplo, a pobreza, a fome, as origens sociais do campo e da cidade perifrica, com adversidades culturais que precisam ser enfrentadas e superadas.

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    encerrando h que se retomar as principais noes que se tentou explicitar aqui. a didtica rea composta por conhecimentos que se referem ao saber fazer do professor. a rea mais antiga do campo pedaggico, surgindo especificamente voltada para o ensino.

    esses conhecimentos podem e devem ser usados para realizar as atividades voltadas s salas de aulas dos milhares de alunos que temos para se ensinar os milhares de futuros professores que se preparam a como desenvolver seus trabalhos e, tambm, a realizar pesquisas sobre o ensino que possam servir para que as aes polticas se apropriem de seus resultados de modo a que esse trabalho possa ser cada vez melhor.

    Como rea que existe h muitos sculos, passou por diversas fases com crescente inven-o de procedimentos para ensinar, o que nos permite apontar que ela tambm uma rea que tem caractersticas de arte, de criao, pois cada um adiciona suas escolhas pessoais a parcelas particulares a elementos que so gerais no ensino dos diferentes componentes curriculares.

    rea que permite aos professores efetivarem o ensino e a aprendizagem dos alunos segundo as concepes que tm sobre todo esse universo que a escola; que permite ao professor planejar seu trabalho, preparar o que deve ensinar e o que espera que seus alunos aprendam; que executa esse trabalho, o qual muitas vezes no se efetiva do mesmo modo que planejou pelos inmeros imprevistos, pois a realidade dinmica impondo que seja en-frentada com a flexibilidade possvel em funo do domnio que o professor tem da situao,

    manejando a classe para obter o mximo de resultados de aprendizagem dos contedos e de outros aspectos como vimos; e rea que permite ao professor acompanhar seus alunos e a si mesmo para ver os resultados de tudo o que vem pensando, fazendo e analisando por meio de avaliaes constantes. rea que, no movimento dialtico de ir e vir dirio, no s permite, mas exige que o professor aprenda tambm nessa mediao constante.

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    Saiba Mais

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    Formao Didtica do Educador Contemporneo: Desafios e Perspectivas

    Celso dos S. vasconcellosDoutor em Didtica

    Libertad Centro de Pesquisa, Formao e Assessoria Pedaggica.

    I-Desafios da Formao Didtica

    a formao dos educadores uma demanda constante. Se a formao ao longo da vida , em funo dos avanos tericos e prticos, uma exigncia em qualquer campo profissional no

    caso dos educadores de profisso, ela se torna especial por, pelo menos, trs razes. A primeira

    refere-se enorme complexidade de nossa atividade (uma das mais exigentes do ser humano, quando exercida no seu autntico sentido), com o agravante da sua recente crise de sentido, como decorrncia da queda do mito da ascenso social por meio do estudo (esta crise se traduz na pergunta sincera do aluno: Professor, estudar para qu?). a segunda diz respeito cres-cente demanda da sociedade em relao s atribuies da escola (trnsito, consumo, drogas, doenas sexualmente transmissveis, violncia, gravidez na adolescncia, ecologia). Por fim, a

    terceira est representada pela frgil formao inicial dos educadores, tanto pela qualidade da formao frequentemente disponibilizada, quanto pela falta de interesse do acadmico na sua formao, reflexo, entre outras coisas, da vivncia curricular, logo no incio do Ensino Funda-mental, marcada pelo imprinting escolar instrucionista (vaSConCelloS, 2010b, 102).

    A Didtica um dos campos tericos (ou terico-metodolgicos) mais especficos da

    funo docente, pois dominar bem uma rea de conhecimento no nos faz professores, mas especialistas naquela rea; se adicionarmos saberes ticos e de cultura geral, passamos a ser pessoas interessantes especialistas em determinada rea de conhecimento. mas para que nos tornemos professores, educadores de profisso, devemos dominar ainda os saberes pedaggi-cos, que tm na didtica seu eixo articulador. os antigos intuiam isto ao dizer que Para en-sinar o latim a joo, preciso conhecer o latim e o joo. no tudo, mas j apontavam para

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    a necessidade de outros saberes, para alm dos que se ia ministrar. Sendo assim, a Didtica ocupa um lugar privilegiado na vida do professor, certo? nem sempre... So muitas as ma-nifestaes da falta de percepo do valor da didtica como um poderosssimo instrumento de trabalho. Citamos, inicialmente, a pesquisa feita pelo ibope junto a professores de todo o brasil e publicada na revista nova escola, de novembro de 2007. nela, 70% dos professores apontam como um dos principais problemas da sala de aula a desmotivao dos alunos; 69%, a indisciplina e a falta de ateno; ao mesmo tempo, em outra pergunta, 90% afirmam que

    esto satisfeitos com a prpria didtica! Qual seja, parece que a didtica nada tem a ver com o enfrentamento destes problemas to desafiantes da sala de aula.

    a exigncia de maior ou menor nfase na formao, para qualquer atividade humana, est relacionada relevncia e complexidade da mesma. ora, no caso da educao escolar, estamos nos movimentando, ao mesmo tempo, em um campo da maior importncia para a sociedade e para os sujeitos, e da maior complexidade. Considerando apenas o recorte episte-molgico da atividade docente, no caso, a questo do processo de conhecimento, a partir da contribuio de vygotsky acerca da questo da Zona de desenvolvimento Proximal, sabe-mos que, com este conceito, um antigo dilema da didtica pde ser superado: ou o professor chegava muito cedo e o aluno no tinha como aprender, ou muito tarde e o aluno j tinha aprendido. o aporte vygotskyano nos esclarece que, na verdade, existem no sujeito no um nvel de desenvolvimento, mas dois: o nvel de desenvolvimento real, que corresponde qui-lo que o sujeito j internalizou, pode fazer sozinho, e o nvel de desenvolvimento potencial, aquilo que est em fase de construo, capaz de fazer com a ajuda de parceiros qualifica-dos (ex.: o professor ou os colegas de classe). ora, se a interveno do professor for abaixo do nvel real, de fato no atingir o aluno, pois, como este j sabe, j domina determinado tipo de conhecimento, no se interessar; da mesma forma, se for acima do nvel potencial, o aluno nem compreender o que o professor est propondo, portanto, tambm no se inte-ressar. Isto significa que, para atingir o aluno, o professor ter de atuar justamente na sua

    ZdP; ocorre que, se tiver 35 alunos em sala, corre o risco de ter 35 ZdPs!1 vejam a enorme complexidade, ainda que considerando apenas um pequeno recorte da atividade docente.

    Neste texto, vamos tocar em questes muito delicadas. Gostaramos que as reflexes

    propostas fossem compreendidas como uma espcie de manifesto a favor da didtica. mui-to sinteticamente, a teoria dialtica da atividade Humana aponta que as condies de re-alizao de uma atividade esto relacionadas ao Querer e ao Poder do sujeito (individual e coletivo). o Poder se funda no Saber e no ter (Condies materiais e Condies Polticas). o Querer, por sua vez, vem do desejo e/ou da necessidade (vaSConCelloS, 2010b). o

    1. certo que, na prtica, as zonas de desen-volvimento proximal dos alunos se asseme-lham em funo da idade, do repertrio cul-tural partilhado, do grau de mobilizao etc.

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    objetivo do texto fortalecer tanto o Querer quanto o Poder do professor, por meio da did-tica, certamente considerando todos os limites desta forma de mediao, mas tambm suas potencialidades. esta, no entanto, como j comeamos a perceber, no uma tarefa fcil, sobretudo porque vamos mexer com crenas muito enraizadas que se tornaram naturais, esquecendo-se de que so produtos histricos-culturais. Significa dizer que essas crenas

    no correspondem a uma essncia metafsica, mas a construtos humanos que tiveram uma gnese e um desenvolvimento, que nem sempre foram assim e nem precisam continuar assim para sempre. da a necessidade, em alguns momentos, de um posicionamento mais contun-dente, justamente para provocar este estranhamento com algo que parece to normal. nosso desejo, portanto, contribuir com o trabalho dos educadores; s que no atravs de palavras fceis, de discursos demaggicos de elevao de autoestima, e sim de elementos tericos, metodolgicos e prxicos da didtica.

    1. Descompasso entre Ensino e Aprendizagem

    o enfoque que assumimos, como apontamos na introduo, o da didtica como arti-culadora do ensino e da aprendizagem. isto pode parecer elementar e, de fato, o do ponto de vista lgico. todavia, j da perspectiva histrica, esta articulao est muito longe de aconte-cer, uma vez que enorme o descompasso entre os esforos empreendidos com a inteno de ensinar e os resultados efetivamente alcanados em termos da aprendizagem dos alunos.

    Considerando que o ser humano sempre aprende (de acordo com o bom senso dos edu-cadores mais sensveis e as contribuies das Neurocincias), ao afirmarmos que os alunos

    no esto aprendendo, queremos dizer que no esto se apropriando daqueles elementos indispensveis da cultura ou que no esto aprendendo tudo o que podem e tm direito. Co-locamo-nos em um plano de constatao de uma realidade feita pelo prprio professor, pelo professor do ano seguinte, pelos altos ndices de repetncia e evaso, pelas pesquisas sobre analfabetismo funcional, pelos empresrios que recebem os egressos do ensino Superior, pelas avaliaes de sistema. os dados do Saeb (Sistema de avaliao da educao bsica) tm revelado sistematicamente, por exemplo, que mais da metade dos alunos concluintes da 8 srie/9 ano no dominam competncias bsicas de leitura e de escrita. no podemos ab-solutizar os dados, uma vez que sempre so relativos (o que captam e o que deixam de captar; a forma como foram aplicados e analisados etc.). no entanto, como vemos, so muitos os indicadores que confirmam o problema da no-aprendizagem dos alunos. Vale destacar que

    no estamos julgando a competncia cognitiva dos educandos (os alunos no so capazes de aprender), muito pelo contrrio, este tipo de preconceito que combatemos.

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    de imediato, esclarecemos tambm que no se trata de julgamento moral dos educa-dores at porque, como registramos, h inteno de ensinar , mas de uma constatao da realidade.

    O Descompasso entre Ensino e Aprendizagem e a Formao Docente

    a compreenso do fenmeno da no-aprendizagem dos alunos nos remete a um enor-me e complexo conjunto de fatores. Como diz o ditado africano, preciso toda uma aldeia para se educar uma criana, no sendo, portanto, tarefa s da escola e do professor. deseja-mos aqui refletir sobre um destes fatores: a formao didtica do educador.

    A formao docente , atualmente, um dos mais importantes e delicados desafios na luta

    pela qualidade democrtica da educao escolar. merece relevo porque, como em qualquer profisso, a qualidade do trabalho est estreitamente vinculada formao terica e prtica do

    trabalhador. delicada porque mexe diretamente com a autoimagem do educador, sobretudo quando se constata a fragilidade desta formao (conceitual, procedimental e atitudinal).

    2.Fragilidade da Formao Didtica

    a histria da fragilidade da formao docente longa. apontamos trs grandes mo-mentos marcados pela falta de: teoria, interesse dos dirigentes e interesse do professor. a obra de Comenius (1592-1670), Didtica Magna, considerada uma das primeiras sistemati-zaes cientficas da arte de ensinar, de meados do sculo Xvii (vrias elaboraes entre 1621 e 1657). Antes, havia textos esparsos, desde as reflexes sobre educao de Plato (428-

    348/7 a.C.); aristteles (384 322 a.C.); at obras como Institutio Oratria, de Quintiliano (35-95); De Magistro, de Santo agostinho (354-430); Eruditio Didascalia, de Hugo de So vitor (1096-1141); De Magistro, de Santo toms (1225-1274), ou mesmo a contribuio de autores como erasmo (1466-1536) e lutero (1483-1546), mas que tinham, de um modo geral, mais um carter de orientao moral do que propriamente de reflexo sobre os fundamentos

    do ensino. Com De Disciplinis, de vives (1492-1540), com a Ratio Studiorum (1599), dos jesutas, e com o Memorial de Frankfurt ou o Aporiam Didactici Principio, de ratke (1571-1635), j h uma maior sistematizao e fundamentao do ensino, bem como uma apro-ximao da organizao do cotidiano escolar (embora ainda se mantenha uma forte carga religiosa, sobretudo na Ratio). Portanto, como as produes sobre o ensino eram raras, pouco especficas e ainda de difcil circulao (a impressa s de meados do sculo XV), foram

    sculos de exerccio do magistrio sem a possibilidade de fundamentao maior por falta da existncia da mesma. Em um segundo momento, final do sculo XVIII, incio do XIX, j

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    h teoria disponvel, mas foram os governantes que no tiveram interesse em formar bem os professores, pelo perigo que poderiam oferecer ordem dominante. No final do sculo XX

    e incio do XXi, h teoria e governos desejando a formao docente, mas falta o querer de muitos professores, porque a profisso se tornou desinteressante ou porque acham que no

    precisam de formao (familiaridade).

    Vamos partir de uma situao bem concreta: o professor percebe um aluno que no

    est aprendendo, qual a sua postura? Certamente, alm de seu compromisso, da compre-enso que tem de seu papel, o repertrio de intervenes tem muito a ver com sua forma-o didtica. Em alguns casos, afirma: J fiz tudo o que estava ao meu alcance e quando

    perguntamos o que foi feito, diz com a confiana do dever cumprido: Chamei sua ateno,

    mudei-o de lugar, coloquei de castigo, mandei um bilhete para os pais, mandei para a dire-o, chamei os pais, solicitei encaminhamento para servios especializados (mdico, psico-lgico, fonoaudiolgico, neurolgico etc.), comuniquei ao Conselho tutelar. Diante destas providncias, podemos nos perguntar: para fazer isto, seria preciso ter formao especfica

    para o exercer o Magistrio?

    H casos em que o professor chama os pais e diz: Seu filho no est aprendendo, tm

    que fazer alguma coisa..., como se a responsabilidade pelas aprendizagens escolares fosse dos pais. Quem o profissional que, na sociedade, tem como tarefa ensinar, isto , cuidar para que o aluno aprenda? Para se ter uma ideia do grau do equvoco, imaginem os pais levarem o filho ao dentista e este afirmar: Seu filho tem problema no dente, precisam pro-curar algum que cuide disto.... Notem bem: uma coisa chamar os pais e dizer que o filho

    no est aprendendo e indagar: H alguma informao relevante que poderiam me dar, que poderia ajudar meu trabalho com ele?. outra coisa quando o sentido de deem um jeito para que ele aprenda.

    o despreparo (para no dizer desespero) de muitos professores facilmente constat-vel: reproduo da metodologia instrucionista, dificuldade em lidar com conflitos em sala de

    aula, desorientao diante do aluno que no est aprendendo, dependncia do livro didtico, fcil aceitao das apostilas padronizadas, pouca produo de material prprio, professor pouco escreve (mesmo para jornal interno da escola), intimidao frente s presses dos pais, presa fcil dos modismos pedaggicos, vtima de pacotes pedaggicos das mantenedoras, expectador dos palpites externos e estranhos ao mundo da educao, invaso de profissionais

    de outras reas no magistrio.

    H uma viso de que o problema da formao docente est na necessidade de atualiza-o: tecnologias da comunicao e informao, incluso, diversidade, transdisciplinaridade etc. no temos a menor dvida desta demanda. todavia, antes de mais nada, preciso que

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    haja tomada de conscincia de que este despreparo passa por um aspecto absolutamente elementar de sua atividade: a didtica, o processo de ensino-aprendizagem. nas formaes continuadas, quando perguntamos aos professores quais so as exigncias bsicas para a aprendizagem dos alunos, poucos apontam o conjunto dessas exigncias ou, pelo menos, uma delas e, de um modo geral, no sabem justificar o porqu da exigncia apresentada (sa-bem que se trata de um aspecto importante na aprendizagem, porm no sabem justific-lo).

    Se fssemos aplicar com os professores o mesmo critrio que utilizam com alunos (exigir no mnimo 50% de acerto), apenas 20% seriam aprovados, pois, das seis exigncias essncias (como veremos abaixo), 80% colocam duas ou menos. H professores que respon-dem frente e verso e no apontam sequer uma categoria epistemolgica; falam da funo da escola, da formao da cidadania etc., s que no isto que est sendo perguntado! nesta mesma direo aponta pesquisa do prof. fernando becker (A Epistemologia do Professor, 1993): o despreparo dos docentes para um dos aspectos nucleares de sua atividade o pro-cesso de conhecimento , tal que estranham serem indagados a respeito de como seus alunos conhecem, chegando mesmo um professor a afirmar Te confesso que nunca tinha

    pensado nisso (1993, p. 53). O que estar fazendo em sala um professor e sabemos per-feitamente que no um caso isolado que sequer compreende como seu aluno aprende? muito provavelmente no ser construo do conhecimento, mas mera transmisso.

    Muitos professores nem desconfiam da sua frgil formao, uma vez que at tiveram

    acesso teoria na formao acadmica, mas no se do conta de que foi na base instru-cionista, tanto o contato com o contedo (mera exposio do professor ou de algum grupo encarregado do seminrio), quanto a sua avaliao (reproduo do discurso da aula, do livro ou da apostila). Como viram aquela matria, foram avaliados e aprovados, acreditam que de fato sabem. Quando se pede que expliquem com suas palavras (indicador bsico da assimilao, da internalizao do saber), chega a ser constrangedor, visto que, simplesmente, repetem os fragmentos de teoria de que ainda se lembram. Se forem piagetianos, dizem que a aprendizagem se d por assimilao e acomodao; se forem vygotskyanos, afirmam que a

    aprendizagem se d na zona de desenvolvimento proximal. todavia, no vo alm disto, no conseguem explicar como se d o processo.

    relaes entre Formao Frgil e lgica Classificatria e Excludente

    H uma forte vinculao entre a formao frgil e lgica classificatria, e excludente.

    Como muitos docentes no sabem como trabalhar com os alunos concretos que tm, em decorrncia da frgil formao, acabam excluindo-os do processo de ensino-aprendizagem. Por outro lado, a lgica classificatria e excludente presente na escola (e na sociedade) pro-

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    tege a frgil formao da crtica, uma vez que, a priori, j se sabe que o problema est no aluno (e/ou na sua famlia), obviamente (As verdades so mentiras de que os homens se esqueceram o que so. nietzche). S para se ter uma ideia do grau de introjeo desta lgica, h pais que entram com processo na justia para que a escola reprove seu filho....

    Um aspecto que nos incomoda bastante, faz pensar e desafia o entendimento, o quanto

    os professores no se implicam na questo do fracasso escolar. diante de alunos que no es-to aprendendo, um nmero significativo de professores simplesmente apontam a reprovao

    como soluo, seja para motivar aluno para a aprendizagem, seja para educar, mostrar que no podem agir de determinada forma que sero punidos. a prtica de responsabilizar o aluno pelo seu fracasso no nova.

    a frgil formao pedaggica como um todo e a falta de domnio didtico do profes-sor, em particular, levou ao longo da histria a um conjunto de equvocos. tomamos como referncia a escola elementar, de Gramtica, uma vez que ser a base da escola moderna. Quando houve uma significativa expanso no sculo XII, em funo entre outras coisas da retomada do crescimento urbano, a questo se evidenciou e sucessivas foram as ini-ciativas inadequadas para resolver os problemas no comportamento e na aprendizagem. a primeira grande medida tomada foi o uso da vara (frula, basto, posteriormente, palmat-ria-frula de palmeira) (Petitat, 1994, p. 56). o professor usa o argumentum ad baculum, isto , o argumento que apela para o bculo, para o basto, para o castigo fsico. tal recurso foi to utilizado que, comumente, o mestre de Gramtica representado nas iluminuras, pinturas, baixos relevos ou esculturas medievais ou modernos com a vara ou a palmatria na mo. o crescimento do sentimento de repugnncia pelo castigo fsico (ariS, 1981, p. 181) fez com que outras formas de disciplinamento fossem adotadas. Uma delas foi a humilhao. na frana do sculo Xviii, por exemplo, difundiu-se a ideia de que era preciso humilhar a infncia para melhor educ-la.

    outra forma utilizada, s que de maneira no consciente ou no assumida, foi a pres-so de enquadramento do aluno pela avaliao. em um primeiro momento, foi a emulao, a competio entre os alunos pelo melhor desempenho, obtendo-se assim melhor comporta-mento (muitas vezes associada prtica de delao dos colegas). a Ratio Studiorum (1599 ver CdiGo... 2009), dos colgios jesutas, recomendava este procedimento ao prefeito de estudos e aos mestres. a outra forma de uso da avaliao como elemento de controle de com-portamento foi a ameaa da reprovao. esta, como sabemos, lamentavelmente tem fortes reflexos at hoje. Com a crescente crtica ao uso da avaliao como instrumento de poder

    autoritrio, sobretudo a partir dos anos 1970, abre-se o campo para a busca de novas alterna-tivas no controle disciplinar. Sem que tivesse havido um avano na formao pedaggica dos docentes, a perspectiva de medicalizao ganhou espao (CollareS; moySS, 1996).

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    inicialmente, na forma de encaminhamentos para especialistas, e mais recentemente pelo uso quase que indiscriminado de drogas, notadamente a Ritalina (cloridrato de metilfeni-dato). Qualquer manifestao que no se enquadre nas expectativas do professor, j h a suspeita de Hiperatividade ou Dficit de Ateno. Esta viso se propagou de tal forma que

    existem testes em revistas ou em sites para que pais e professores avaliem se seus filhos ou

    alunos so portadores de TDAH (Transtorno do Dficit de Ateno com Hiperatividade)

    (vaSConCelloS, 2009).

    3.Sobre o Desinteresse pela Formao Didtica

    Constatamos este paradoxo: alunos no aprendendo e muitos professores revelando desprezo pela formao, seja inicial, seja continuada. vejamos alguns indicadores disto. for-mao inicial: futuro professor procura curso mais curto, procura curso menos exigente, chega atrasado na aula; sai antes; no l ou s o faz para fazer prova ou trabalho; conclui curso sem ter lido uma obra por completo, tem xerox de xerox; pede para outro assinar lis-ta de presena; cola (o importante tirar nota; isto demonstra o quanto o futuro professor aprendeu sobre a escola, o quanto incorporou o esquema - Imprinting); acha que no preci-sa fazer o estgio, pede para s assinarem. formao Continuada: desprezo pela teoria; acha bobagem ter reunies de formao toda semana (HtPC); falta s reunies; chega atrasado; sai antes; no participa da reunio (nem para sugerir, nem para criticar); fica conversando

    durante reunio (conversas paralelas); busca congresso/seminrios s em funo do certifi-cado; pouco l ou pesquisa.

    Como entender a falta de interesse pela formao pedaggica?

    Armadilha para o Professor

    levando a srio os antigos, precisamos conhecer o joo, qual seja, quem nosso interlocutor, o professor em formao. Como dizia o jovem marx, a arma da crtica no pode se esquecer da crtica das armas, para que no caiamos em abordagens voluntaristas, moralistas. H uma lgica estrutural que nos consome e suga nossa alma.

    Certamente, h uma diversidade enorme de situaes dos professores. todavia, pode-mos apontar uma verdadeira armadilha historicamente montada e muito bem montada, registre-se para o professor, por aqueles que no tm interesse em uma escola de qualida-de social (e por aqueles que so por eles seduzidos, cooptados, com maior ou menor grau de conscincia desta cooptao):

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    desmonte Social.

    Currculo disciplinar instrucionista e avaliao Classificatria, e excludente.

    Condies Precrias de trabalho.

    formao frgil.

    justificativas ideolgicas para o fracasso dos alunos (vasconcellos, 2010b: 20).

    destes cinco pontos que sintetizam aspectos estruturais e pessoais, objetivos e subjetivos , comumente, os professores destacam com muita nfase o 3 e o 1 no que diz respeito situao da famlia (falta de apoio, transferncia de responsabilidades para a escola etc.). em relao formao, vrios falam dela, mas no sentido de se manterem atualizados, de acompanharem os novos saberes que vo rapidamente surgindo na sociedade do conhe-cimento (reproduzindo um pouco o discurso neoliberal e a necessidade de competncias). Poucos so os que percebem ou admitem o gravssimo problema da formao inicial.

    Causas do Desinteresse

    a partir deste difcil contexto do educador, apontamos os seguintes fatores subjacentes ao desinteresse pela formao:

    1) no quer ser professor; falta a opo pelo magistrio.

    no tem afinidade, vocao.

    no quer ser professor nas condies degradadas atualmente.

    no quer ser em funo da representao social negativa da profisso do-cente (muitas vezes, os prprios pais no aceitam a opo dos filhos pelo magistrio!).

    2) acha que j sabe

    forte presena do senso comum no ensino:

    todo mundo j ensinou algo a algum, o que leva as pessoas a acharem que podem ser professores. no percebem que uma coisa ensinar algo a algum (o que qualquer um pode fazer), e outra ensinar os saberes necessrios a todos (tarefa de mestre!).

    todo mundo passou pela escola, onde aprendeu a ser professor (instrucio-nista). esta uma das especificidades do magistrio: vivemos muitos anos

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    no campo que vamos nos formar profissionalmente antes de iniciarmos a formao profissional propriamente dita, e acabamos esquecendo que aquela vivncia j era formativa, e muito, j que fica fortemente entranhada no su-jeito (imprinting escolar).

    formao frgil disponibilizada ao Professor (falta de contato com obras dos grandes pedagogos; convivncia com professores com formao tambm frgil; dicotomia teoria-Prtica: faa o que o digo, no faa o que eu fao).

    no se sente questionado pelo passado remoto: faz o que sempre foi feito (distoro que vem desde a idade mdia)

    no se sente questionado pelo passado prximo: faz o que foi feito com ele quando era aluno (imprinting escolar instrucionista).

    no se sente questionado por prticas de inovao por falta de conhecimento das que esto em andamento (dos colegas ou de outras escolas).

    no para a fim de refletir, em funo da rotina alienante (comporta-se como se estivesse no piloto automtico).

    no se sente questionado pela no-aprendizagem dos alunos em funo das justificativas ideolgicas para o fracasso.

    o Imprinting escolar instrucionista (vasconcellos, 2010b: 102) tem se revelado uma categoria importante para ajudar a entender este paradoxo da falta de interesse pela formao didtica. Vejamos: por que h tantos mdicos, engenheiros, advogados exercendo o magist-rio e to poucos professores atuando como mdicos, engenheiros ou advogados? Para alm das questes corporativas (CRM, CREA, OAB), h aqui uma questo de saber profissional.

    o professor no se atreve a entrar numa sala de cirurgia porque nem sabe como pegar o bis-turi ou onde fazer a inciso; j o mdico no v muito problema em entrar na sala para dar aula porque acha que sabe o que ser professor. onde aprendeu? no Imprinting escolar, nos primeiros anos do ensino fundamental (agora srio, agora para valer, um aluno atrs do outro, acabou o ldico, acabou a rodinha, acabou o parquinho...). o que no sabe que esta estampagem que teve foi de carter instrucionista e no mediador. mas, como estamos ana-lisando, no s o mdico que despreza a necessidade de formao didtica; muitas vezes, tambm o futuro professor, uma vez que, assim como o mdico, acha que no precisa de for-mao porque j sabe o que ser professor, o que tem de fazer em sala. depois, no cotidiano escolar, este professor fica absolutamente desarvorado, impotente, diante das dificuldades na

    aprendizagem ou na disciplina, e responsabiliza o aluno.

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    DID

    t

    ICA

    GEr

    Al

    Polticas, estruturas so necessrias, mas no suficientes. Quando falta o Querer do

    professor, toda conversa sobre formao vista como colquio flcido para acalentar bo-vino (conversa mole para boi dormir). na atividade Humana, o Querer no tudo, mas tudo passa pelo Querer. a questo nuclear no o pouco saber do professor, mas a falta de querer aprender, de querer se superar.

    4. A Formao Didtica como exigncia para a Superao do Descompasso Ensino-Aprendizagem

    o termo que vygotsky utiliza em seus escritos pode nos ajudar a fortalecer o enfoque da didtica que assumimos, qual seja, como articuladora do ensino e da aprendizagem. a palavra russa obuchenie tem um sentido tanto de ensino, quanto dos seus efeitos sobre os alunos, do desenvolvimento gerado e do crescimento cognitivo (daniels, 2003: 21), algo como processo de ensino-aprendizagem, incluindo sempre aquele que aprende, aquele

    que ensina e a relao entre essas pessoas (oliveira, 1993, p. 57; ver tambm neW-man; HolZman, 2002, p. 71).

    voltando quela situao anteriormente apontada do aluno que no estava aprendendo, o professor que, alm do compromisso, tem uma boa formao didtica vai recorrer a um grande leque de mediaes, seja no que diz respeito s dimenses bsicas da atividade do-cente (trabalho com o Conhecimento, organizao da Coletividade e relacionamento in-terpessoal), seja quanto gesto escolar, naquilo que mais diretamente interfere no processo didtico. Por exemplo:

    adequao das expectativas: ser professor dos alunos concretos que tem (e no de "determinados contedos"). Partir de onde o aluno est e no de onde deveria estar. Para tanto: incentivar o aluno a dizer com as suas palavras; adequar o nvel de dificuldade das atividades (sucesso autoestima); tratar o aluno pelo nome (e no por apelido); propiciar trabalho de monitoria entre os alunos e incentivar horrio de estudo em sala e ofertar roteiro de orientao de estudo.

    abordar o contedo de forma diferente e dialogar sobre as dificuldades en-contradas (investigao).

    Conhecimento mais profundo da realidade dos alunos, por meio do dilogo e da convivncia com eles no recreio/intervalo