Caderno de Resumos - XVIII SETA

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Linguística XVIII Seminário de Teses em Andamento 29, 30 e 31 de Outubro de 2012 Caderno de Resumos Expandidos Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas

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Linguística

XVIII Seminário de Teses em Andamento

29, 30 e 31 de Outubro de 2012

Caderno de Resumos

Expandidos

Instituto de Estudos da Linguagem

Universidade Estadual de Campinas

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IE L – Unicamp CRB 8/6879

C114

Caderno de resumos expandidos do Anais do XVIII SETA / Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem -- V.1, n.1 (2012). -- Campinas, SP : UNICAMP/Publicações IEL, 2012-

Anual

1. Teses – Resumos. 2. Pós-Graduação - Teses. I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem.

CDD: 378.242

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Reitor

Fernando Ferreira Costa

Vice-reitor

Edgar Salvadori De Decca

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

Diretora

Matilde Virgínia Ricardi Scaramicci

Diretor-Associado

Flávio Ribeiro de Oliveira

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Coordenador

Fabio Akcelrud Durão

Sub-comissões de Pós-graduação em:

Linguística

Plínio Almeida Barbosa

Suzy Maria Lagazzi

Paulo Sérgio de Vasconcellos

Linguística Aplicada

Maria Viviane do Amaral Veras

Maria Rita Salzano Moraes

Marcelo El Khouri Buzato

Teoria e História Literária

Marcos Antonio Siscar

Fabio Akcelrud Durão

Márcio Orlando Seligmann Silva

Divulgação Científica e Cultural

Susana Oliveira Dias

Monica Graciela Zoppi-Fontana

Cristiane Pereira Dias

COMISSÃO ORGANIZADORA XVIII SETA

Divulgação Científica e Cultural

Andrea Klaczko

Linguística

Amanda Bastos Amorim de Amorim

Danusa Lopes Bertagnoli

Fabiana Raquel Leite

Flávia Orci Fernandes

Gabriela Strafacci Orosco

Janaina Olsen Rodrigues

Lara Medeiros

Marina Peixoto Soares

Rogério Luid Modesto dos Santos

Linguística Aplicada

Gabriela Claudino Grande

Junot Maia

Nayara Natalia de Barros

Paula Baracat De Grande

Teoria e História Literária

Rafael Henrique Zerbetto

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NOSSOS AGRADECIMENTOS AO APOIO RECEBIDO DE:

PRPG

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APRESENTAÇÃO

O Seminário de Teses em Andamento (SETA) é uma

realização anual dos alunos de pós-graduação do Instituto

de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de

Campinas (IEL/UNICAMP).

Trata-se de um evento destinado à apresentação de

dissertações de mestrado e teses de doutorado em

andamento de alunos regularmente matriculados em

Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu cujas pesquisas

estão incluídas nas áreas de Linguística, Linguística Aplicada,

Teoria e História Literária e Divulgação Científica e Cultural.

Em 2012 acontece a 18ª edição do evento entre os dias

nos dias 29, 30 e 31 de outubro, nas dependências do Instituto

de Estudos da Linguagem (IEL), na Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP).

Desejamos a todos um ótimo seminário com profundos

debates.

COMISSÃO ORGANIZADORA

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Resumos

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Andrea Klaczko

Universidade Estadual de Campinas

"FOTOGRAFANDO O COTIDIANO": OFICINAS PARA A PRODUÇÃO UM JORNAL

COMUNITÁRIO

Nossa pesquisa está inserida no "Projeto Barracão: Eldorado dos Carajás",

desenvolvido pelo Laboratório de Estudos Urbanos (LABEURB/NUDECRI – UNICAMP).

Esse projeto atua em um bairro da periferia de Campinas, o Eldorado dos Carajás, e

busca possibilitar aos moradores, em especial jovens e mulheres, o exercício da

cidadania para que eles criem com a comunidade um laço político (DIAS, 2011). A

metodologia de trabalho do "Projeto Barracão" com a comunidade é dada pela

aplicação de oficinas aos moradores. São oficinas artísticas, de leitura, tecnologia ou

de divulgação científica e cultural. Como aponta Dias (2011), o objetivo é "colocar o

sujeito em confronto com sua realidade, a fim de mostrar que o sentido do espaço que

ele habita, já significado como sendo de periferia, pode ser outro. Assim como o

sentido dos espaços dos quais ele se sente excluído também pode ser outro". Nesta

pesquisa de mestrado, nos propusemos a trabalhar com adolescentes entre 14 e 20

anos de idade com o intuito de estimulá-los para a reflexão política. Como estratégia

para trazer esses adolescentes para o projeto veio a partir das teorias de comunicação

comunitária. Para Paiva & Sodré (2002), a comunicação comunitária seria uma

proposta alternativa para viabilizar ferramentas que dessem voz as minorias

marginalizadas. Eles a definem como um veículo de pressuposto político feito pela e

para a comunidade, com o objetivo de produzir mensagens sob a ótica daquela

realidade, diferente do discurso produzido pela grande mídia. Raquel Paiva (1998: 160)

reforça que “o que permite conceituar um veículo como comunitário não é sua

capacidade de prestação de serviço, e sim sua proposta social, seu objetivo claro de

mobilização vinculado ao exercício da cidadania.”. Esse tipo de comunicação

possibilitaria uma transformação da realidade, produzida a partir dos próprios

moradores dessas comunidades, a partir do momento que passam a fazer uma

reflexão profunda do local aonde vivem, isto é, passam a fazer exercício do seu

político. Decidimos, então, como objetivo geral de nossa pesquisa, oferecer aos jovens

a possibilidade de produzirem veículos de comunicação para o bairro aonde vivem.

Nossa ideia inicial é de que fossem fabricados duas mídias: um boletim de notícias

impresso e um blog virtual. Dessa forma, os adolescentes poderiam explorar diferentes

tipos de linguagem, a partir da escrita para um jornal impresso e para internet,

passando pela linguagem visual da diagramação, fotografias e vídeos que viriam a ser

desenvolvidos. Uma vez que esses veículos de comunicação estejam prontos, nossa

pesquisa se propõe a, a partir deste material, refletir sobre o funcionamento dos

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processos de produção discursiva e ideológica nas mídias comunitárias, sob a ótica da

Análise do Discurso. Para que as mídias possam ser realizadas, julgamos que seja

necessário que os adolescentes possam ter um contato aprofundado com os

diferentes tipos de linguagem presentes dentro de um periódico impresso ou virtual;

possibilitando a eles a compreensão dos mecanismos da escrita, da fotografia e da

interação criada por essas duas. Para tanto, planejamos que nosso trabalho de campo

seja feito por cerca de oito meses na comunidade do Eldorado dos Carajás, e nesse

tempo ofereceremos dois grupos de oficinas: o primeiro que deverá explorar essas

diferentes linguagens de forma aprofundada, para que os jovens possam re-conhecer e

explorar suas habilidades; e o segundo que seria a produção enfim das duas mídias

comunitárias. Em setembro de 2012, o primeiro grupo de oficinas começou a ser

oferecido com o nome de “Fotografias do Cotidiano - Descobrindo as múltiplas formas

de retratar o universo ao nosso redor através de fotografias, de histórias e de suas

interações. Como mostrar para o mundo tudo aquilo que só você enxerga?”. Serão três

oficinas neste grupo que deverão ser ministradas até dezembro deste mesmo ano. A

primeira, “O que você vê?”, com quatro encontros, será de fotografia básica com

introdução às técnicas de filmagem, buscando exercitar a fotografia não somente

como registro da realidade, mas também como uma possibilidade para expressão

pessoal. A segunda oficina trará conceitos de escrita em diferentes gêneros textuais.

“Como você sente?” acontecerá em dois encontros e tem a proposta de permitir aos

adolescentes que brinquem com as escrita de textos jornalísticos para relatar seus

sonhos e o mundo da imaginação, e produção de textos literários contando as histórias

da realidade em que vivem.Por fim, a última oficina deste bloco é a “Des-organizando

o ver e o sentir”, com quatro encontros, em que introduziremos técnicas básicas de

diagramação aos jovens, procurando fazer com que compreendam as etapas da

construção visual de uma página de um livro, um jornal ou qualquer meio impresso,

para que depois possam ter também a compreensão dessa organização em meios

virtuais, como blogs e sites. O segundo grupo de oficinas acontecerá no primeiro

semestre de 2013 e para que seja planejado é preciso aguardar os resultados desse

primeiro contato com a comunidade. Este trabalho apresentado ao XVIII SETA

pretende trazer o processo de preparação e planejamento desse primeiro grupo de

oficinas, bem como os primeiros resultados provenientes do trabalho de campo no

bairro Eldorado dos Carajás.

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Carina Pascotto Garroti

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A SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA E A POPULARIZAÇÃO DO

CONHECIMENTO

A divulgação científica entrou, definitivamente, na agenda pública e governamental do

Brasil. Não por acaso, multiplicaram-se os veículos especializados na área e novos

espaços foram incluídos à mídia tradicional. A criação de políticas públicas de

divulgação de C&T no livro Branco da 2ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia,

publicado em 2002 fortaleceu o setor, que desde então tem contado com o apoio da

iniciativa pública e privada. É crescente, também, o número de museus e centros de

ciência, possibilitando, assim, acesso diversificado ao conhecimento científico por

estudantes e pela população em geral. A criação da Semana Nacional de Ciência e

Tecnologia (SCNT), em 2004, é mais um exemplo de como a cultura científica pode ser

levada à população em geral. A Semana é coordenada pelo físico Ildeu Moreira, do

Departamento de Popularização de Difusão da C&T da Secretaria de C&T para Inclusão

Social do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A importância da

Semana para despertar o interesse pela área e como mobilizadora nacional para a

realização de atividades relacionadas à Ciência, Tecnologia e Inovação é visível. A cada

ano observa-se a participação crescente de projetos de divulgação científica nos

municípios brasileiros. Resultados animadores são também registrados nas mais

recentes pesquisas de opinião pública realizadas pelo MCTI (2011). Da mesma forma,

em grande parte, pode-se também creditar à Semana, além de outras formas

correntes de divulgação científica, a ampliação crescente de visitas a museus e centros

de ciência, que quadruplicaram nos últimos anos (de 2 para 8%). O objetivo geral desta

pesquisa é avaliar o papel da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e a sua

colaboração no processo de popularização da ciência. Além disso, pretende historiar,

analisar e entender sua trajetória e refletir sobre a importância desta iniciativa no

desenvolvimento de uma cultura científica no país. Alguns dos objetivos específicos

são : examinar o processo de popularização da Ciência, no Brasil, a partir de sua

inserção nas políticas públicas do país, com a 2ª Conferência Nacional de C&T, em

2001 e seus desdobramentos; avaliar o processo de criação e evolução da Semana

Nacional de Ciência e Tecnologia, criada no Brasil em 2004; avaliar, por meio de

entrevistas com lideranças científicas, pesquisadores da área de comunicação científica

e divulgadores da ciência (jornalistas e pesquisadores) a influência, a importância e o

impacto da Semana no processo de popularização da ciência, no Brasil; descrever as

estratégias, os critérios de seleção dos temas escolhidos para cada Semana e suas

atividades, incluindo recursos financeiros, humanos e materiais de divulgação, no

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período de 2004 a 2012; examinar, por meio do portal da Semana de 2012

(Departamento de Popularização de Difusão da C&T da Secretaria de C&T para

Inclusão Social do MCTI), as atividades desenvolvidas no país, durante o período de 8 a

28 de outubro de 2012 (semana anterior, durante e posterior); acompanhar, na cidade

de São Paulo, algumas das atividades realizadas em diferentes instituições; verificar

como a SNCT foi divulgada no período analisado, 8 a 28 de outubro de 2012 (Folha de

S. Paulo e O Estado de S. Paulo); recuperar os materiais de divulgação da SNCT 2012

(site da SNCT, folders, cartazes, jornais etc), analisando seu conteúdo e formatos; fazer

um balanço dos resultados da Semana de 2012. A pesquisa é monográfica, descritiva

de caráter qualitativa. De forma complementar será utilizado o recurso quantitativo

para verificar o crescimento e a diversidade de atividades da Semana. Trata-se de um

Estudo de Caso único (YIN, 1989), de natureza exploratória. Será, também, realizada

pesquisa documental para avaliação dos documentos oficiais da Semana e outros

relacionados à área. Na pesquisa bibliográfica serão utilizadas fontes primárias e

algumas secundárias nas áreas de Comunicação, Cultura Científica e Popularização da

Ciência. O corpus da pesquisa de campo compreende o período de 8 a 28 de outubro

de 2012 (três semanas). Durante a primeira e a terceira semana, será feito um

acompanhamento da divulgação da SNCT no Portal da própria Semana, no MCTI.

Durante a realização da Semana – 15 a 21 de outubro de 2012 – serão acompanhadas

atividades realizadas na cidade de São Paulo em diferentes instituições. A seleção

destas atividades ocorrerá após a divulgação da programação no site da Semana,

obedecendo a critério da diversidade. Está ainda prevista a realização de entrevistas

semi-estruturadas com jornalistas, professores e lideranças da área de Divulgação

Científica. Para isso será elaborado um roteiro de questões a ser aplicado por email

e/ou pessoalmente. Os resultados preliminares e conclusões da pesquisa poderão ser

verificamos após outubro de 2012. No entanto, segundo o MCTI, nas primeiras seis

edições, a Semana reuniu 5% da população brasileira. Este número praticamente

dobrou em 2010, cerca de 10%, ou seja, 190 mil pessoas. Na última edição, até o

último levantamento, os dados contabilizaram 16.110 atividades em 654 municípios

em todos os estados brasileiros. “O número de atividades da SNCT aumentou 20%

entre 2010 e 2011 e o número de municípios envolvidos cresceu em torno de 60%”.

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Daniela Camila de Araújo

Universidade Estadual de Campinas

JOGANDO NOTÍCIA: NEWSGAMES COMO PLATAFORMAS INTERATIVAS PARA A

DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA

Nossa pesquisa tem por objetivo analisar as interações entre usuários e newsgames

para assim compreender de que forma ocorre essa experiência interativa e a

construção dos sentidos atribuídos ao jogo. A partir dessa compreensão podemos

refletir a respeito dos newsgames, em específico, e das novas mídias, em geral,

enquanto ferramentas de divulgação da ciência. Os newsgamespodem ser entendidos

como jogos baseados em eventos noticiosos. Criador do primeiro newsgame

(September 12th), o pesquisador e desenvolvedor de games Gonzalo Frasca descreve

esse tipo de jogos como a junção de charges políticas e simulação. Na primeira obra

dedicada exclusivamente ao assunto, os autores Bogost, Ferrari e Schweizer (2010) vão

expandir o conceito, considerando o termo como qualquer intersecção ente jogos e

jornalismo. Um dos argumentos que defendem a aplicabilidade dos newsgames para a

divulgação de conteúdo jornalístico é a capacidade de simularem como as coisas

acontecem a partir da construção de modelos com os quais as pessoas podem

interagir (BOGOST, FERRARI e SCHWEIZER, 2010). Visto dessa forma, em nosso

trabalho a interatividade torna-se o cerne da discussão em torno dos newsgame Para

analisar a experiência interativa entre jogo e jogador, empreendemos um estudo

empírico realizado com sete voluntários, com idades entre 18 e 30 anos. Cada um

deles participou de uma situação experimental, na qual jogaram o Newsgame CSI, jogo

produzido pela revista Superinteressante e que constitui nosso objeto de estudo.O

roteiro do newsgame descreve o assassinato fictício de um juiz, encontrado morto com

um tiro no peito e o jogador representa o papel de um detetive e deve examinar as

pistas para encontrar a solução do caso. Dessa forma, o newsgame pretende

demonstrar alguns passos de uma investigação criminal e exemplificar de que maneira

os recursos da ciência forense contribuem para a solução destes casos. O jogo é

guiado por um “mestre”, que apresenta as instruções iniciais de cada fase e representa

o “chefe” da investigação. Ele é representado por uma pequena fotografia que aparece

do lado esquerdo da tela a cada início de fase. O newsgame é constituído por cinco

fases e cada uma delas é estruturada sobre uma fotografia. Na maior parte do tempo,

o único movimento possível para o jogador é clicar sobre as pistas encontradas em

cada cena. Após o clique, é aberta uma janela com informações a respeita daquela

evidência. Nas fases 1 (Cena do Crime) e 4 (De volta a cena do crime) a fotografia

apresenta a sala onde foi encontrado o corpo do juiz e diversas evidências do crime; na

fase 2 (Necrotério), a imagem mostra o cadáver sobre a mesa de necropsia e ao clicar

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sobre determinadas partes do corpo, o usuário vai conhecer os detalhes da autópsia;

na fase 3 (Laboratório da Perícia), são reunidas todas as evidências encontradas até o

momento e os objetos podem ser arrastados na cena; a quinta e última fase,

apresenta um formulário que deve ser preenchido pelo usuário com sua teoria sobre a

solução do crime.Para registrar as ações dos sujeitos enquanto interagiam com o jogo,

utilizamos o software Camtasia Studio, programa utilizado para gravar imagens da tela

do computador, permitindo assim que fossem registradas todas as ações dos sujeitos

dentro do jogo. Simultaneamente utilizamos a webcam, para que fossem também

registradas as expressões faciais desses sujeitos. Para capturar imagens em um plano

geral que nos permitissem visualizar também as reações corporais dos indivíduos, foi

utilizada uma câmera filmadora. Após a conclusão do jogo, cada um dos sujeitos

passou por entrevista com a pesquisadora, durante a qual puderam assistir as imagens

gravadas pelo software Camtasia Studio e, na medida em que assistiam, relatavam

para a pesquisadora a navegação e os passos que seguiram no jogo, dificuldades que

tiveram e pontos interessantes que perceberam. Durante todo esse processo, houve a

observação constante da pesquisadora.Além dessa etapa presencial, foi aplicado um

questionário, formulado a partir da tecnologia Google Docs e respondido on-line, no

qual as questões versaram sobre a experiência dos voluntários com computadores,

internet e jogos.Até o momento realizamos a análise dos dados colhidos com dois

sujeitos de pesquisa. As considerações a que chegamos ainda não são conclusivas, uma

vez que a pesquisa ainda se encontra em andamento, mas ressaltaram aspectos

importantes da interação e algumas peculiaridades do envolvimento desses sujeitos

com o newsgame.A partir da análise do mecanismo do jogo e da interação dos dois

sujeitos que analisamos até o momento, podemos destacar dois aspectos que

chamaram mais a atenção: (1) a tentativa de direcionar o jogador para uma solução

previamente formulada para o Newsgame CSI, evidenciada pelo papel do detetive, que

deixa subentendidos trechos da solução final, e a reduzida flexibilidade para a teoria

proposta pelo jogador; e (2) a reduzida variabilidade de ações, uma vez que na maior

parte do tempo o único movimento possível é o clique sobre os objetos em uma cena

estática. Com base nesses elementos, podemos inferir que a interatividade permitida

no Newsgame CSI é fechada. Por mais que as trajetórias dos sujeitos se diversifiquem,

o jogo não permite múltiplas escolhas e respostas. O newsgame analisado está mais

preparado para responder a cliques sobre a tela do que para dialogar com o jogador,

permitindo a transformação e recombinação da mensagem. Outro elemento

importante foi a constatação de que o conteúdo do newsgame foi mais associado com

gêneros do entretenimento, como séries e filmes policiais. A relação com investigações

criminais reais e mesmo com conceitos científicos da ciência forense, como é relatado

na matéria impressa que deu origem ao newsgame, não é mencionada por esses

sujeitos. De uma maneira geral, observamos um interesse marcante no desfecho do

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jogo, e por consequência na história fictícia do assassinato do juiz, e um reduzido

interesse para o conteúdo noticioso ou jornalístico apresentado no newsgame.

Felipe Schmidt Fonseca

Universidade Estadual de Campinas

LABS EXPERIMENTAIS

Ao longo da segunda metade do século XX, o histórico de colaborações entre arte,

ciência e tecnologia foi uma das influências predominantes para o surgimento de

organizações dedicadas ao projeto e desenvolvimento de novas tecnologias e, por

conseguinte, novas formas de as pessoas se relacionarem com o mundo. O

estabelecimento de laboratórios como o estadunidense MIT Media Lab, em 1985, é

frequentemente mencionado como um marco importante nesse sentido. Mais

recentemente, a suposta tendência global em direção a arranjos econômicos

fortemente apoiados nas tecnologias digitais faz com que autoridades governamentais

e acadêmicas, assim como celebridades do mundo empresarial, defendam a

necessidade de replicar o modelo do MIT Media Lab em outros contextos, inclusive no

Brasil. Em tempos de iminente esgotamento do modelo de crescimento do

agrobusiness e da indústria tradicional, a “inovação” - entendida por esses atores

como a aplicação da criatividade para solucionar problemas comerciais ou para gerar

aquilo que chamam de propriedade intelectual - é trazida ao centro do palco. Para

assegurar seu pleno desenvolvimento, precisaríamos começar desde o zero a construir

por aqui instituições nos moldes do estadunidense. O presente ensaio busca contribuir

com a compreensão de um modo de ação coletiva emergente - através de

agrupamentos coletivos, descentralizados, auto-organizados e coordenados - através

do qual têm-se levado a cabo experiências de apropriação crítica de tecnologias.

Entendo aqui por apropriação crítica o uso reflexivo das tecnologias, notadamente das

tecnologias da informação mas também estendendo-se a outros tipos de tecnologia,

através do qual indivíduos e grupos escapam à condição de meros usuários e adquirem

agência na relação com o objeto técnico e com seu entorno tecnopolítico,

potencialmente tornando-se inventores e autores dessas mesmas tecnologias. Tais

experiências situam-se em um cenário de cooperação entre iniciativas em diversas

partes do mundo, mesmo que em contextos totalmente distintos. Abrem

oportunidades de transformação social, a partir da aproximação entre essas

tecnologias e as demandas de diferentes grupos sociais, e da possibilidade de

modificação dessas tecnologias ao adotar uma postura de “código aberto”. Em outras

palavras: caracterizam-se pela adoção de uma postura de compartilhamento com

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licenças livres via internet tanto do resultado de suas ações quanto, frequentemente,

dos métodos e instrumentos que possibilitaram alcançá-los. São várias as

denominações que tais formações utilizam para si mesmas. Para citar somente

algumas: redes, laboratórios, hackerspaces, coletivos, zonas autônomas, projetos

experimentais. Situam-se em uma região fronteiriça entre diferentes campos como,

entre outros, a arte, a ciência, a educação, o ativismo, as políticas públicas e o

mercado. Talvez seja justamente a posição de fronteira que impeça seu

enquadramento absoluto em categorias estabelecidas e evite, por conseguinte sua

submissão total a qualquer desses campos. Se por um lado essa condição ocasiona

dificuldades operacionais para tais formações, em especial na mobilização de recursos

para pôr em marcha suas atividades; por outro permite ou mesmo exige um alto grau

de autonomia e inventividade. Estas surgem não somente em termos objetivos -

naquilo que é elaborado e disponibilizado por essas formações, por vezes é chamado

“conteúdo” (um conceito no mínimo questionável, devido a sua associação quase

automática com modelos de logística industrial e estratégia militar que se afiguram

superficiais para entender a produção em questão), como também em termos

organizacionais e de dinâmica social. Outra particularidade imposta pelo não

enquadramento de tais formações é naturalmente a dificuldade em analisá-las através

de instrumentos convencionais. Tratam-se de dinâmicas criativas, conversas informais

entre atores de diversas partes do planeta, negociação aberta de produção

colaborativa, envolvimento com política de Estado, articulação do engajamento de

agentes locais, discussão técnica sobre ferramentas digitais e busca de maneiras de

financiar e manter projetos em funcionamento. Seria impraticável encontrar uma

metodologia que abarcasse todas as suas implicações. Nesse sentido, utilizarei um

recorte amplo inspirado pela etnografia e pela análise histórica, que permita a

visualização de determinadas dinâmicas sociais, a análise de percursos em particular e

a proposição de algumas hipóteses pontuais que, espero, contribuirão para formar um

retrato complexo deste cenário. O ensaio parte de minha própria experiência pessoal

como indivíduo atuante nesses contextos ao longo da última década, principalmente

no Brasil, mas também em contato com algumas iniciativas internacionais. Analisa

então as colaborações arte-ciência que influenciaram a criação do MIT Media Lab nos

Estados Unidos. Em seguida, relata outros tipos de formações que dialogam com a

ideia de laboratório, para então traçar paralelos entre eles e as primeiras sociedades

científicas, à época do Renascimento. Por fim, articula os diferentes tipos de

formações emergentes (medialabs autônomos ou coordenados por artistas,

hackerspaces e outros) com o cenário corrente no qual a definição de laboratório deixa

de ser ligada simplesmente a infraestrutura tecnológica, concentrando-se mais na

criação de oportunidades efetivas de colaboração entre pessoas e suas ideias. Mesmo

ciente das possíveis ressalvas, algumas das quais explicito ao longo do texto, utilizo a

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denominação “laboratórios experimentais” para referir o conjunto de iniciativas sobre

as quais dirijo meu olhar.

Fernanda Cristina Martins Pestana

Universidade Estadual de Campinas

OBJETOS E AFECTOS: UMA TRAMA DE SIGNIFICADOS, FUNÇÕES E SENSAÇÕES

“A princípio, eu tinha olhado os objetos distraidamente; depois me interessei pelos

segredos que os objetos pudessem ter em si mesmos (...)” (O Cavalo Perdido e outras

histórias, 2006). As palavras de Felisberto Hernández introduzem minha vontade de

propor a composição de uma trama de coisas, corpos e objetos que se deslocam das

condições que estabilizam as suas existências, para uma movimentação que os

permitem habitar outras funções, significados e/ou sensações. Desenhar uma teia

composta por coisas que não se fixam às significações dadas pelos saberes, ciências e

culturas, mas que constituam organismos vivos que desejam afetar-nos por sensações,

afectos e perceptos (Deleuze, Guattari; 2009), quando experimentados por artistas.

Uma proposta de deixar-nos habitar pelas coisas, despir objetos numa conversa em

que a materialidade deles possa dizer-nos de mistérios indescritíveis por palavras: da

secura das cores, da aspereza da madeira, do metal deslizante, da elasticidade plástica,

da vulnerabilidade do papel... Secar suas significações na possibilidade de compor uma

vida outra com estes materiais, ser habitado por estes mistérios em devir-coisa: “não

estamos no mundo, tornamo-nos mundo, tornamo-nos com o mundo, nós nos

tornamos contemplando-o. Tudo é visão, devir” (Deleuze, Guattari; 2009:220). Para

traçar esta trama escolhi pensar o afecto nos objetos criados por artistas como Marcel

Duchamp, Joseph Cornell, Robert Rauschenberg, Cildo Meireles e Arthur Bispo do

Rosário, que se apropriam de objetos precários e efêmeros, produzidos em escala

industrial para breve descarte, bem como coisas já degradadas, consumidas,

descartadas, desvalorizadas por uma sociedade de consumo, para criar algo novo

explorando os seus materiais. No processo da escolha desses objetos pelos artistas há

uma transformação do olhar sobre eles, os artistas se deixam afetar pelos perceptos

dos objetos, criam algo que dá vida à materialidade das coisas, compreendendo que os

significados e funções que lhes são atribuídos são exteriores à eles. Em suas

intervenções, os artistas habitam estas matérias com outras coisas, dão a elas uma

vida própria no que as (des)organizam segundo uma ordem estética – criam um

composto de sensações. Os artistas em devir-coisas experimentam a construção de

corpos com o mundo, criam os objetos desta trama que são apreciados não mais por

uma função ou utilidade, mas pelos organismos vivos que compõem. Permitem-nos

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desenhar conexões entre os ready-mades de Duchamp; as colheres, canecas, confetes

e outras coisas re-compostas por Bispo do Rosário; as inserções em circuitos

ideológicos de Cildo Meireles; as montagens de Joseph Cornell; e as pinturas

compostas por objetos e recortes de Rauschenberg; numa trama em que seja possível

perceber nestes compostos possibilidades de afectos. Minha proposta é traçar

conexões em que estes objetos sejam independentes dos dados biográficos de seus

autores, ou de determinações que os fixem a alguma identidade, temporalidade ou

territorialidade dada. Pensar um processo em que a arte, ao mesmo tempo que se

apropria de coisas (coisas que já afetam o nosso cotidiano dentro de uma lógica

consumista), em um movimento desestabilizante daquilo que está dado, executa

também um processo de desapropriação, que nos permite pensá-las como coisas que

ressoam por si sós numa multiplicidade de sentidos e sensações. Neste deslocamento,

a arte cria possibilidades de inventar problemas e soluções no que olha para as coisas

e as percebe como corpos balbuciantes que clamam por vozes próprias, suscitam uma

vontade de desvendar mistérios cujas soluções estão em seu próprio corpo. Soluções

que se dão no encontro com a arte – e a cada solução a criação de um novo problema

– e em devires-coisa: um problema vital como mais um órgão pulsante nos corpos de

quem os criou e do público que os contempla. Porém inventar problemas com as

coisas não se trata da negação das cargas culturais preexistentes, mas de uma

condição de coexistência, de agregar à materialidade preconstituída e já “consumida”

dos objetos outras significações. O desejo deste desenho é compor este ponto de

encontro entre estes materiais preexistentes, e as possíveis intervenções feitas pelos

artistas que podem dar a eles vidas próprias: criar compostos de sensações nas coisas

que habitam o mundo. Uma das possibilidades de intervenção observada nas

composições criadas pelos artistas é a experimentação da palavra com os objetos. O

simples ato de “dar nome às coisas”, por exemplo, pode deslocar um objeto de um

esquema classificatório e determinante presente na cultura científica, e fazer proliferar

possibilidades absurdas que subvertem a lógica dos saberes, como fez Marcel

Duchamp em uma pá, um de seus ready mades, ao grafar a frase “In advance of the

broken arm”, ou nomear como “fonte” um mictório. Pensar a palavra como parte

deste composto que habita os objetos e prolifera sentidos e sensações que nos

querem afetar; a palavra também como um traço que pode abrir feridas sobre/nas

coisas e as deslocam das suas significações e funções dadas: “Nomes se dão às coisas/

Nomes se dão/ Nomes se dão às pessoas/ Nomes se dão/ Nomes se dão aos deuses na

imensidão do céu/ Nomes se dão aos barquinhos na imensidão do mar/ Nomes se dão

às doenças na imensidão da dor/ Nomes se dão às crianças na imensidão do amor”

(Nome das coisas, Karnak). Uma vontade de procurar os mistérios dessa imensidão

que habita as coisas pela arte e deixar que elas nos afetem. Desenhar uma trama de

objetos em deslocamento, desestabilizados na divagação por esta imensidão de

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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possibilidades de experimentar coisas e palavras que compõem afectos e proliferam

de sentidos e sensações. Este trabalho se insere no projeto maior de pesquisa Por

entre ciências, divulgações e comunicações, as configurações políticas de cultura e de

público (Processo Fapesp: 2010/50651-0, vinculado ao Labjor – Unicamp, coordenado

pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Vogt e Profa. Dra. Susana Dias).

Jessica Norberto Rocha

Universidade Estadual de Campinas

A CULTURA CIENTÍFICA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: A EXPERIÊNCIA DE

FORMAÇÃO A DISTÂNCIA NA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL – UFMG

Há quase duas décadas, o National Science Education Standards (1996), publicado nos

Estados Unidos, já enfatizava a importância da alfabetização científica para o cidadão e

a colocava como meta para o século XXI. Hoje, e de maneira especial, no Brasil, a

motivação não é diferente: a alfabetização científica passa a ser compreendida como

necessidade para a formação de uma educação cidadã e de uma cultura científica. Tal

motivação ocupa um espaço que vai da prosperidade nacional ao reconhecimento do

conhecimento científico como parte da cultura humana, incluindo, em seu significado,

o exercício da cidadania (na avaliação de riscos e nas escolhas políticas), o

desempenho econômico e as questões de decisão pessoal. O ensino de Ciências, em

diferentes níveis, tem apresentado lacunas preocupantes, de acordo com pesquisas

nacionais e internacionais. Diversas avaliações mostram que o desempenho dos jovens

brasileiros em ciências, na maioria das vezes, está aquém do desejado. Para ilustrar,

mostramos o resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA,

2000, 2003, 2006, 2009) – avaliação internacional padronizada, desenvolvida

conjuntamente pelos países participantes da OCDE, aplicada a alunos de 15 anos no

ensino regular. O PISA abrange os domínios de Leitura, Matemática e Ciências, não

somente quanto ao domínio curricular de cada, mas também quanto aos

conhecimentos relevantes e às habilidades necessárias à vida adulta. Os resultados

brasileiros em Ciências não são nada satisfatórios quando comparados com o nível

atingido por outros países. Em 2000, de 43 países avaliados, o Brasil ficou na 42º

colocação, penúltimo lugar, com 375 pontos, acima apenas do Peru; em 2003, de 41

países avaliados, o Brasil também ficou apenas uma colocação acima do último,

Tunísia, apesar de subir para 390 pontos. Em 2006, em 57 países, atingiu a posição 52,

acima de Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Catar, Quirguistão, mantendo a média de 390

pontos da avaliação anterior. Por fim, em 2009, dos 65 países participantes, a posição

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alcançada foi de 53 com 405 pontos. (OECD, 2000, 2003, 2006, 2009). O professor é

um formador de opinião de grande influência na construção do imaginário de seus

alunos e possui um papel relevante na formação de cidadãos críticos e na promoção

da consciência e tomada de decisão em assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação

(CT&I). O presente Estudo Caso tem como objetivo identificar e analisar a cultura

científica dos professores da Educação Básica de Minas Gerais, à luz dos modelos de

pesquisa em Percepção Pública da Ciência, tendo em vista o processo de formação de

professores no curso Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil da UFMG

(UAB/UFMG). Busca-se compreender profundamente a Cultura Científica dos alunos

do curso de Pedagogia UAB/UFMG, além descrever e interpretar a complexidade do

caso. O presente estudo inclui pesquisa bibliográfica e documental, análise dos dados

quantitativos e qualitativos coletados a partir do questionário baseado nos modelos de

Percepção Pública da Ciência e das entrevistas semiestruturadas realizadas com 10%

da amostra inicial, e a triangulação de informações, dados e evidências. Sendo assim, o

trabalho será desenvolvido em três fases: 1) percepção da ciência pelos alunos do

curso Pedagogia UAB/UFMG; 2) a cultura científica dos professores e suas práticas

pedagógicas; e 3) o panorama e suas repercussões. No primeiro momento, a pesquisa

foi realizada por meio de um questionário, com perguntas fechadas e abertas, aplicado

em professores em formação inicial e em exercício do curso de Pedagogia UAB/UFMG.

A análise tradicionalmente efetuada por meio de questionários não revela toda a

complexidade e as dimensões das representações sobre CT&I. Por esse motivo, no

segundo momento, a pesquisa será realizada por meio de entrevistas

semiestruturadas em profundidade com uma amostragem de no mínimo 10% do

cursistas de Pedagogia UAB/UFMG. Considerando que temos em cada um dos cinco

polos entre 24 cursistas e 39 alunos respondentes, faremos a entrevista com pelo

menos 4 alunos, sendo 2 em formação inicial e 2 professor em atividade. Assim,

teremos 20 alunos entrevistados, representando, portanto, 12,9% do universo total. As

entrevistas serão realizadas durante os encontros presenciais, previamente

autorizadas e agendadas pela coordenação do curso. Esta etapa objetiva considerar os

aspectos ativos no processo de cognição para a construção de sentido, da negociação

das mensagens, da motivação e das conotações emotivas, tratando a cultura científica

como um processo dinâmico. A partir das entrevistas, espera-se coletar dados em

maior profundidade sobre a sua formação, a recepção e participação dos assuntos

atuais da área científica e sua relação com a sociedade, as atitudes e valorização da

ciência, as práticas pedagógicas e alguns aspectos da recepção de seus alunos. Na

terceira fase, a partir do cruzamento dos dados obtidos nas duas fases anteriores, será

possível identificar e analisar os pontos que evidenciem como a cultura científica dos

alunos do curso de Pedagogia UAB/UFMG – turma 2011 pode influenciar seus

discursos e atuais e futuras práticas pedagógicas. A partir da presente pesquisa,

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espera-se abrir caminho para futuras investigações, programas de divulgação científica

e formação qualificada do professorado para ensino de CT&I e suas relações com a

sociedade no mundo contemporâneo.

Juliano Luis Pereira Sanches

Universidade Estadual de Campinas

CInAPCe, RÁDIO NÔMADE, COMUNICA-BRINCADEIRA: UMA METODOLOGIA DE

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA EM NEUROCIÊNCIAS PARA ALUNOS DO ENSINO BÁSICO

A proposta foi possibilitar a formulação de conjecturas sobre as neurociências a partir

de leituras sonoras de “CInAPCe, rádio nômade, comunica-brincadeira: Uma

metodologia de comunicação científica em Neurociências para alunos do Ensino

Básico”. Um artefato sonoro foi construído em duas edições, com atenção à imersão

nas neurociências. O artefato foi disponibilizado entre grupos de alunos e professores

do Ensino Fundamental, vinculados à escola pública da SME (Secretaria Municipal de

Educação), EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental), Francisco Ponzio

Sobrinho, Santa Odila, Campinas/São Paulo. A iniciativa foi permitir a aproximação

escolar com alguns dos diálogos atuais sobre as neurociências, tais como nos casos de

epilepsia e AVC (Acidente Vascular Cerebral). O objetivo geral foi verificar, numa

perspectiva analítica, como um artefato sonoro poderia ser inserido em uma

experiência comunicativa com uma escola pública do Ensino Fundamental de

Campinas. Os objetivos específicos foram verificar como a Rádio CInAPCe poderia ser

usada como um instrumento de contato com uma visão transversal de apropriação do

conhecimento; estudar os sentidos gerados, através do contato de alunos e

professores com uma experiência comunicativa em neurociência. O projeto permitiu o

debate entre alunos do Ensino Fundamental na faixa etária de 10 anos de idade (5°

ano ou quarta série). Os resultados corroboram alguns aspectos interessantes em

neurociências. 70% dos alunos nunca presenciaram uma crise de epilepsia. Isso

demonstra a falta de atenção das várias mídias sobre o assunto. 35% dos parentes e

amigos dos estudantes já tiveram crises. A pesquisa mostra a dificuldade em manter a

calma durante a crise. "A pessoa, que não tem epilepsia, tem medo de quem tem".

59% acreditam que existe uma diferença entre os que têm epilepsia e aqueles que não

têm. A pesquisa foi baseada nas seguintes áreas do conhecimento: a transversalidade,

a transdisciplinaridade, a ludicidade, o pós-formalismo, o construtivismo crítico, o pós-

estruturalismo, a educomunicação. Com essa experiência rizomática, a criança foi

convidada para a enunciação de uma atitude de provocação sobre as neurociências.

Direta ou indiretamente, os alunos promoveram novos exercícios e problemas

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

intelectuais aos pesquisadores. A dinâmica da cartografia foi: Os pesquisadores

provocaram os alunos. E as crianças provocaram os pesquisadores. Permitir novas

relações dialéticas e dialógicas. A perspectiva foi baseada na formulação de leituras

provocativas sobre o conhecimento. Colocar as certezas em crise. As crianças não são

entidades inócuas, mas, sim: agentes políticos, filosóficos e artísticos. Reconheceu-se

com a leitura das crianças um exercício de atitude filosófica. E por que não um

exercício de uma atitude científica? Ao pensar no impacto social da epilepsia e do AVC,

é relevante considerar, num ponto de vista ainda mais complexo, que as dificuldades

de compreensão do cérebro assombram a vida contemporânea, pois, desde a

arquitetura até à astronomia, todas as ações sociais são impingidas a partir de uma

visão de relacionamento acerca dos dispositivos fisiológicos de sentidos. Por exemplo,

por que são construídas as placas de trânsito senão para um contato com o dispositivo

de sentido, imbricado ao cérebro? Por mais paradoxal que seja sustentar a presente

afirmação, as cidades, as profissões, as escolas, os artefatos audiovisuais, as

tecnologias são pensadas a partir dos conhecimentos inerentes às neurociências. Sem

levar em conta o potencial do cérebro, há motivos para produzir artefatos de

relacionamento entre os sentidos? Há motivos para pensar a produção de energia

(nuclear, eólica, solar, térmica, entre outras) sem se colocar em atenção o potencial de

manejo tecnológico, vinculado à condição neural? As relações cognitivas estabelecem

condições de produção para os campos sociais e subjetivos, em que a resolução de

problemas surge cada vez mais como um efeito de um complexo neural. A teia neural

estabelece tendências e devires sobre os processos, de modo a gerar interferências

nos modos de organização da vida contemporânea. Uma teia neural situada no caos

humano, em que os reveses e os dispositivos de solução de problemas disputam uma

arena em uma superfície amorfa. O óbito do paciente, enquanto falência do cérebro, é

uma questão de atenção para as neurociências. O que os pesquisadores do cérebro

devem fazer? O que as pesquisas podem mudar na relação vida social-corpo orgânico-

cérebro? Quais as consequências e responsabilidades das mudanças impingidas pelas

neurociências? O cérebro, assim como um sistema eletrônico de uma máquina, está

condenado a vivenciar uma série de reveses, que comprometem a vida humana

contemporânea e que, por sinal, interferem na construção das relações sociais e

produtivas, num ponto de vista amplo. A produção de pensamentos e desejos faz do

cérebro a extensão das máquinas de sentidos em trânsito, que imprimem

delineamentos peculiares sobre os efeitos da própria linha de montagem e de

reprodução, com experiências e interfaces que marcam a condição. Num pós-

capitalismo centralizado no fenômeno fabril, hoje o que fica saliente nas relações

maquínicas é uma dialética construída sob os desígnios das forças neurais e subjetivas

de produção de sentidos. Desliza-se, assim, com essas provocações, sob o conceito de

CMI (Capitalismo Mundial Integrado), de Guattari (1995, pp. 30-35), em que são

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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ressaltadas as potências das forças produtivas da subjetividade, enquanto meios de

apropriação, em contraste com os processos de dominação, para além das extensões

de controle em que a razão se assenhorou durante os séculos. Para Guattari (1992, 30-

267), as questões urbanísticas, arquitetônicas, médicas e subjetivas devem ser

pensadas em relações de conexão, agenciamento e enunciação. Através de complexas

fusões e embates neurais, subjetivos e sociais, há um atravessamento entre os objetos,

as tecnologias, as comunicações, as ciências e as educações em curso. A dor presente

na vida social, enquanto parte da formação orgânica da mente, se expressa, por

exemplo, quando se depara com a possibilidade de não-controle, típica das

implicações da perecibilidade do cérebro. Sabe-se que a maturidade, além de imprimir

responsabilidades à vida social, também é um marco da constatação da premissa de

aniquilação da condição orgânica. A arte, a música, a escrita, a fotografia e o cinema

são efeitos de projeções, dores, prazeres e potências existenciais das máquinas de

sentido – que se produzem por deslocamentos tênues entre os cérebros, as

subjetividades e os delírios.

Maísa Maryelli de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

A PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS SOBRE C&T: BAGAGEM CULTURAL E IMAGENS

CONSTRUÍDAS A PARTIR DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO

Em uma sociedade dita democrática, o acesso à educação de qualidade, à informação

e ao conhecimento é fundamental para que o cidadão exerça sua liberdade de pensar

e tomar decisões sobre questões que o afetem enquanto parte da coletividade. Para

que um indivíduo participe de discussões sobre transgênicos, por exemplo, é

necessário que ele conheça suas vantagens e desvantagens e tenha consciência do

impacto dos resultados das pesquisas na qualidade de vida das pessoas. Nesse

contexto, os indicadores de Percepção Pública da Ciência (PPC) têm ganhado

importância. A construção desses indicadores pode estimular e aprimorar a

comunicação da ciência e o estabelecimento de mecanismos de inclusão de diferentes

atores no debate em torno de temas de ciência e tecnologia (C&T). Bucchi (2008)

destaca que a concepção tradicional de comunicação pública da ciência nasceu

baseada na ideia de que os temas científicos eram muito complicados para serem

entendidos pelo público em geral. Assim, era necessário estabelecer uma mediação

entre cientistas e cidadãos comuns. Nos anos 1980, estudiosos da comunicação

pública da ciência definiram esse enfoque como “modelo de déficit”. Vogt (2008)

ressalta que com o passar dos anos, países como a Inglaterra e a França foram

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Divulgação Científica e Cultural

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

substituindo a teoria do déficit por uma visão mais democrática das funções da

divulgação científica. Como consequência do amadurecimento dessa visão,

desenvolveram-se os conceitos de entendimento público da ciência (public

understanding of science) e consciência pública da ciência (public awareness of

science). Ambos buscam transcender o foco na aquisição da informação pelo público,

chamando a atenção para a importância de se formar cidadãos capazes de adotar uma

postura crítica com relação ao processo envolvido na produção e circulação do

conhecimento científico. Esses conceitos estão relacionados à cultura científica, que

segundo Vogt, está atrelada às formas de interação da sociedade com os temas de

C&T. Vogt (2003) se propõe a explicar a dinâmica da cultura científica por meio da

“espiral da cultura científica”. O modelo destaca, entre outros processos, o de “ensino

para a ciência”, desenvolvido nas salas de aula, museus e feiras de ciência. Estudiosos

chamam a atenção para o papel da escola na vida dos alunos e da comunidade. No

ambiente escolar, o ensino de ciências deve ser orientado para além da esfera formal,

não se atendo exclusivamente à promoção do entendimento do conteúdo

apresentado nas disciplinas. Ele deve se direcionar, também, aos aspectos relativos ao

mundo exterior à escola, ao modo como os estudantes utilizarão o conhecimento

adquirido. Nesse contexto, emergem iniciativas no sentido de promover diferentes

abordagens educacionais, tendo em vista a multidimensionalidade do processo de

ensino e aprendizagem, dentre as quais pode-se citar o Programa Mais Educação.

Criado pelo Ministério da Educação (MEC), o Programa objetiva ampliar a oferta de

conteúdos nas escolas públicas e aumentar a jornada escolar. A educação científica é

uma das áreas contempladas, sendo abordada por meio de atividades de “Iniciação à

Investigação das Ciências da Natureza”, que visam a complementar a formação escolar

por meio da visitação a museus de divulgação científica e da realização de oficinas e

feiras de ciências. O Mais Educação apresenta grande potencial no que se refere ao

ensino de ciências para crianças e adolescentes, projetando-se como uma alternativa

ao desenvolvimento e à valorização da educação científica no País. Entretanto, sabe-

se pouco sobre a percepção que os estudantes têm da ciência e dos cientistas, seu

nível de interesse, seus hábitos informativos e sobre o modo como eles relacionam os

conhecimentos científicos adquiridos em museus ou feiras de ciências com o seu

cotidiano. Os indicadores de percepção pública da ciência construídos a partir da

compreensão dos estudantes envolvidos no Programa podem ser uma importante

fonte de informação para o desenvolvimento de políticas de divulgação capazes de

promover a cultura científica em meio ao público jovem e colocar em evidência a

necessidade de se tornar o processo de tomada de decisão relativa à C&T mais

democrático. Este trabalho se propõe a analisar a percepção do público escolar sobre

ciência antes e depois de sua participação nas atividades de divulgação científica em

museus, centros de ciência e outras instituições de educação não-formal, com foco nas

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

ações desempenhadas pelo Programa Mais Educação. O objetivo principal é avaliar a

influência que essas atividades exercem na visão dos alunos sobre a ciência e os

cientistas. No caso desta pesquisa, o estudo de caso de natureza quantitativa e

qualitativa se apresenta como a melhor opção metodológica, pois, segundo Yin (2001),

é a estratégia apropriada para lidar com acontecimentos contemporâneos, em que

não se pode manipular comportamentos relevantes.Como não há nenhuma escola

participante do Programa situada em Campinas, o trabalho de campo será

desenvolvido na cidade de São Paulo. Dados do MEC mostram que, em 2009, 128

escolas da capital paulista participaram do Mais Educação. Em função da dificuldade

de entrar em contato com todas elas, será escolhida uma região da cidade. Então,

entre as escolas participantes localizadas nessa região, será feito um levantamento das

que desenvolvem atividades de educação científica e que se mostrem disponíveis para

participar da pesquisa. Dentre estas, será escolhida a mais viável em função da

segurança do local e do número de alunos. A amostra será composta por estudantes,

preferencialmente matriculados na última série (5º ano) da 1ª fase do ensino

fundamental, na qual há uma maior evasão na transição para a 2ª fase, já que este

grupo foi mencionado na cartilha Programa Mais Educação – passo a passo, do MEC,

como parte do público alvo do Programa.A coleta de dados será feita por meio da

aplicação de questionários junto a alunos da escola selecionada. Em linhas gerais, os

questionários deverão tratar de pontos como: a imagem que os entrevistados têm de

C&T, os conhecimentos que eles têm sobre conteúdos gerais da ciência, seus hábitos

informativos, além de seus perfis sociais e culturais. O número de entrevistados será

definido de acordo com um desenho amostral que será previamente elaborado.

Marcelo de Albuquerque Vaz Pupo

Universidade Estadual de Campinas

CIRCUNSCREVENDO OLHARES: CULTURA, MOVIMENTOS DO CAMPO, IMAGEM E

CONHECIMENTO

Este resumo baseia-se em projeto de mestrado e nas reflexões elaboradas a partir de

disciplinas cursadas no Labjor. O propósito do projeto é discorrer sobre as imagens que

faz o mundo rural e as imagens que fazem dele o poder hegemônico, trazendo

algumas linhas contrastantes para análise. A forma de agir e pensar deste mundo rural

vem preenchendo nosso imaginário de futuros possíveis, tanto sócio quanto

ambientalmente falando. A proposta do projeto de mestrado é produzir imagens que

transmitam este sentido humano que vem sendo obliterado. A pesquisa tem o

pressuposto de que essa essa obliteração relaciona-se com a crise contemporânea, e

Page 24: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Divulgação Científica e Cultural

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atentar para a solução que propõe as organizações campesinas é uma tarefa sensata

na superação desta crise. A noção de recampesinização do mundo rural pode ser

interpretada como uma forma de resistência da agricultura familiar que se expressa

como luta por autonomia na era da globalização. A agricultura familiar trabalha sua

emancipação empregando seus conhecimentos na valorização dos potenciais

ecológicos e socioculturais locais. Assim, a emancipação do camponês alimenta a

reciprocidade e a solidariedade social. Eric Wolf entende que as noções que legitimam

as ideologias são elementos culturais, interessando-se pela relação entre poder e

idéias. No caso dos camponeses e suas movimentações sociais, esta relação entre

cultura, ideia e poder é um útil instrumento de análise da complexidade da questão. As

lutas e mobilizações nacionais da década de 1990 realimentou a discussão sobre o

papel da agricultura familiar no cenário sócio-político brasileiro. Estas movimentações

funcionam como rompantes do satus quo. Este acirramento revolve nossas

concepções sobre sociedade e cultura, expondo a pervesidade e as desigualdades do

sistema, que busca silenciar a força dos movimentos sociais. Wolf diz que a noção de

cultura encaixa-se onde há diferenças entre a população ao mesmo tempo em que há

apelos à unidade. Podemos então correlacionar as diferenças políticas ao elemento

cultural associado, invocando este corpo conceitual que é sensível às questões pela

cultura estudados. Este vácuo entre a noção de cultura pela antropologia e uma

abordagem político-econômica é preenchido, até mesmo pelo olhar que Wolf lançou

aos camponeses em estudos anteriores. Segundo ele, existe a ideia que sob os

elementos culturais há alguma forma de espírito interior que necessita trabalhar

através de uma elite que o expresse - a não ser para os camponeses. Talvez o

camponês constitua a relação com o outro não pela opressão, mas por uma habilidade

tácita que faça do acolhimento e do respeito seu braço político. As diferentes

expressões agriculturais e os processos a elas inerentes donde derivam determinantes

ambientais, sociopolíticos e de subjetivação nos mostram mundos repletos de

antagonismos, mas que disputam o mesmo solo. Assim, estes "mundos" e seus

projetos parecem congregar as contradições que são encontradas na raiz de nossa

crise. Wolf afirma que toda ideologia é formada a partir de uma matéria-prima comum

- os elementos culturais de uma sociedade, sendo uma forma dela ganhar influência.

Neste antagonismo de modelos agrícolas isso é perceptível pois existe a idéia de que o

meio rural deve ser superado pela tecnologia, numa disseminação de ideias que opõe

a cultura do campo ao "futuro" e ao "civilizado". O poder hegemônico estabelece um

imaginário do que seria a proposta dos movimentos sociais e do que seria o futuro no

campo a partir da tecnologia, revendo a Revolução Verde dos anos 50 (mecanização,

agroquímicos). Este imaginário é implementado via poder: repressão, criminalização,

etc. Assim, as ideias hegemônicas ganham visibilidade. O discurso tecnológico é

eficiente em reunir do "plano geral da cultura aquilo que lhe é adequado" para nos

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

convencer de que o futuro caminha para onde ele aponta. A ciência é "deusificada" na

disputa pelo sentido da vida. Para Geertz, a ciência representanda o moderno

substituto da religião. Ela seria uma forma de religião adequada a uma modernidade

desencantada. Porém, este fundamentalismo tecno-científico não é desprovido de

posicionamento político. Podemos analisar a relação que estabelecida entre o

imaginário elaborado pela cultura científica e o poder associado à construção do

conhecimento por ela gerado. Quem constrói o conhecimento? Quem beneficia-se

com ele? Estudando a agroecologia e o agronegócio, Costa aponta que é na essência

sociocultural que podemos discernir uma expressão política da outra. Ao contrário do

agronegócio, para a agroecologia existe uma clara "relevância dos saberes locais para a

geração e valorização do conhecimento sob inspiração e controle das populações

locais". Essa postura questiona alguns paradigmas, notadamente aqueles vinculados

ao pensamento dominante. Aqui insere-se outro aspecto do mestrado , que busca

bases teóricas que dêem suporte analítico à organização do conhecimento dos

movimentos campesinos - ao menos daquela que presencio na prática acadêmica. A

proposta prática da pesquisa pretente circunscrever à uma produção imagética esta

estrutura de conhecimento popular que se dá na movimentação cidade-campo. Trago

à tona a hipótese de que o pontencial das conexões não-lineares da linguagem

cinematográfica é sensível aos processos político-pedagógicos que se dão no

torvelinho das lutas camponesas. Elisa Pereira Gonsalves, ao analisar a educação

popular, articula o pensamento de Humberto Maturana para nos aventar a ideia de

que só podemos conhecer o conhecimento humano a partir dele mesmo, e que essa

inscrição corporal do conhecimento pode nos indicar a superação de propostas

despóticas, por assim dizer, de produção de conhecimento: o indivíduo é produtor e

produto do processo de conhecimento. Estas conexões não-lineares parecem ter sua

potência não exatamente no fato de não serem rigorosamente lineares, mas por

acolherem elegantemente a autonomia: do pensamento, das interelações, da

criatividade, do indivíduo e da coletividade – simultaneamente. O cinema assim

permite à essa unidade “nós-eu” elaborar diferentes normas, compreender as

conexões que se realizam no interior do próprio pensamento; em suma, ser

autônomo. Se na produção de conhecimento há necessariamente atravessamentos

políticos, concepções de realidade e de vida, quais são as "factíveis ficções" dos

sujeitos co campo? Que conjuntos possíveis eles criam a partir de sua prática, seu

trabalho, seu cotidiano, que tanto desequilibra a linearidade dogmática que se afirma

intransigente, imutável, petrificada?

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Patricia Aline dos Santos

Universidade Estadual de Campinas

A APLICABILIDADE DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS EM SAÚDE NO JORNALISMO

Com interesse nas relações da ciência com a comunicação, e em virtude de

experiências anteriores na área da saúde, direcionei o olhar para o jornalismo e as

relações com a Saúde Baseada em Evidências (SBE) para desenvolver esta dissertação.

Praticar a SBE, resumidamente, quer dizer utilizar estatísticas derivadas de pesquisas

com base em amostras populacionais para a tomada de decisão nos diversos âmbitos

da saúde como político, clínico, na pesquisa, entre outros. Esses estudos são

submetidos à avaliação da qualidade metodológica para que então tenham os

resultados matemáticos sintetizados. Há um delineamento específico para a análise

crítica dessas sínteses, que depois subsidiarão a tomada de decisão. Esta, em princípio,

deve incluir a participação do paciente, ou da população em foco. Neste sentido, toda

experiência ao longo da carreira do profissional de saúde, apesar de inicialmente não

ser o critério mais importante para uma decisão, será posteriormente fundamental

para que o resultado da síntese de evidências possa ser aplicado em cada

contexto.Esta perspectiva para a área saúde vem sendo adotada desde os anos 1990,

principalmente nos Estados Unidos e Europa e, atualmente, em nível global, norteando

desde políticas públicas, pesquisas ou as condutas clínicas de rotina em relação a cada

um de nós, quando no papel de pacientes nos consultórios médicos.Sendo uma

mudança na forma de ver a saúde, é possível que a SBE seja considerada um

paradigma, o que, na perspectiva de Thomas Kuhn (1962), pode tornar-se uma ideia

tão aceita ao ponto de ser a única forma de ver este campo. Neste momento em que

se consolida como uma “caixa preta”, fazendo referência ao termo usado por Bruno

Latour (2000), temos a oportunidade de acompanhar o processo de desenvolvimento

da SBE, tendo o jornalismo como motivação. A partir desta reflexão, defini como norte

a busca de inter-relações entre o jornalismo e a SBE. Como hipótese fundamental,

levei em consideração que as políticas e práticas em saúde vêm utilizando o

embasamento em evidências e provocando mudanças neste campo no Brasil e, deste

modo, poderiam também implicar em mudanças na forma de fazer jornalismo em

saúde. Neste sentido, cheguei ao questionamento principal: em que medida os

preceitos da SBE são levados em consideração por jornalistas habituados à cobertura

de temas em saúde. O objetivo geral neste trabalho é, portanto, analisar a

aplicabilidade de evidências em saúde na produção jornalística. Especificamente será

(1) analisada a presença da abordagem de evidências no Newsmaking, no fazer

jornalismo em saúde (2) observaremos as possibilidades de congruências entre

jornalismo e a SBE e (3) em que medida as controvérsias da SBE são abordadas no

Page 27: Caderno de Resumos - XVIII SETA

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fazer jornalismo em saúde. Na busca de respostas para esses objetivos, será levado em

conta que jornalistas podem ter denominações diferentes para o uso de estudos que

se classificam como SBE. Podem também não ter uma classificação específica para o

uso de evidências em sua rotina. Por isso, na análise junto aos jornalistas, o jargão das

práticas da SBE serão evitados, uma vez que é um processo recente, em fase de

compreensão e adoção, com denominações diversas inclusive entre profissionais de

saúde ou não conhecido profundamente. O ponto de partida desta dissertação é uma

delimitação da SBE, contextualizando a área, como vem se desenvolvendo

historicamente e detalhando os delineamentos dos principais estudos utilizados nas

pesquisas de evidências. A contextualização do jornalismo científico em saúde dá

sequência à seção de referencial teórico desta pesquisa, também na perspectiva de

sua construção histórica e abordagem contemporânea deste campo. Estudos de

Sociologia do Jornalismo e a teoria do Newsmaking são alguns dos referenciais para

discutir a cultura jornalística, a organização do trabalho em suas pressões, impactos na

narrativa e nos processos de rotina. São observados os espaços instáveis no trabalho

do jornalista, como aparecem na interação com os agentes sociais para,

posteriormente, verificarmos a possibilidade do uso de evidências nestes processos. O

aprofundamento nas questões da prática jornalista se desenvolverá no momento da

pesquisa de campo a partir de questões como: em que medida preceitos da SBE são

utilizados no dia a dia do jornalismo em saúde? Evidências são usadas por jornalistas

com intencionalidades similares àquelas dos profissionais de saúde? Qual a

importância dada a estudos científicos que indicam maior ou menor nível de

evidências, segundo a literatura em SBE? Qual a relevância atribuída a evidências na

rotina de apuração de notícias? Como são recebidos ou buscados e selecionados esses

estudos? Esses questionamentos serão feitos a jornalistas utilizando entrevistas

individuais com um grupo de profissionais selecionados para a pesquisa.

Posteriormente, será utilizado um questionário online para a participação de

jornalistas convidados. A perspectiva dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia

(ESCT) é o referencial que permeia todas as seções desta dissertação. Nos ESCT, a

ciência é vista também do ponto de vista de seus interesses e reveses que podem

mostrar processos técnicos e sociais que normalmente não são apresentados, mas têm

implicações sociais mais amplas. Assim, este trabalho também visa ser uma

oportunidade para analisar a construção desse conhecimento em SBE, o processo pelo

qual os cientistas chegam às evidências, os elementos que fazem parte dessas relações

e os caminhos que se cruzam com o jornalismo.

Page 28: Caderno de Resumos - XVIII SETA

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Tainá Mascarenhas de Luccas

Universidade Estadual de Campinas

VIDA E TEMPO EM PROLIFERAÇÃO: AS POTENCIALIDADES DAS IMAGENS QUE

EXPERIMENTAM MUDANÇAS E CLIMAS

Nuvem – desterritório de múltiplas conexões, pensamentos que se encontram e logo

dispersam, ou precipitam. Nuvem-que-se-quer-um-dia-chuva. Potência que se faz em

água. Chuva que chega e dissolve as nossas próprias cristalizações, pesquisa-inundada

que deseja pensar a imagem enquanto potência e possibilidade de proliferação, uma

imagem-viva que pulsa e experimenta, expande de forma não previsível e busca

romper com as tentativas de fixações de significados e sentidos; imagem que possui

uma vontade intensa de vida. Nesta pesquisa, procuro pensar a imagem enquanto

potência de abertura capaz de ultrapassar o tempo vivido, os seus aspectos indiciais

que foram registrados na imagem e são rapidamente capturados pelo nosso intelecto

e cultura; para pensar a imagem enquanto possibilidade de proliferação de outros

vividos que estão ligados a outra temporalidade. Um tempo no qual não se pretende

estagnar os sentidos e sensações, há fluxos em devir. Nuvens em movimentos

constantes. Mas como procurar vidas intensas nas imagens se cada vez mais somos

encharcados por predominâncias de tempos vividos – factualidades que são,

fortemente fixadas nas imagens que circulam na mídia e em nossas vidas? Há

demasiados guardassóis (ou guarda-chuvas?) que tentam cobrir nossas amplitudes de

percepções por meio de políticas imagéticas que procuram manter os padrões e

impedir que outras manifestações distintas aconteçam. Diante dessas questões,

procuro pensar alguns aspectos determinantes que compõe a trama imagética, os

pontos de encontros e ramificações, que permitem refletir e experimentar a ideia de

imagem enquanto potência de proliferação (imagem-viva). Para isto, no entanto,

escolho concentrar o olhar (e as experimentações) em imagens das mudanças

climáticas que aparecem, com frequência, na mídia e na divulgação científica; imagens

estas que falam do clima – retratam o vivido, mas querem afirmar também um tempo

futuro. Nuvens que nos cobrem e nós as cobrimos – imagens que registram e

monitoram as informações que suprem as pesquisas climáticas e também chegam até

nós. Fotográficas e audiovisuais, somos inundados por excessos de repetições, clichês,

factualidades; imagens que mostram o passado, mas querem dizer de um tempo ainda

por vir para poder organizar à vida; servem às previsões e nos previnem. Mas como

antever o que muda constantemente? Como fixar as nuvens? Se as previsões

climáticas são projetadas na própria impossibilidade da ciência de dizer, com certeza,

de um tempo futuro, que é complexo e mutável. E o que acontece quando o tempo

vivido registrado na imagem é tensionado e desequilibrado? O que pulsa? Questões

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que se cruzam e se emaranham ao pensar às imagens do clima; seus problemas

relacionados às tentativas de fixações; como também as possibilidades de

experimentações que movimentam o pensamento para uma imagem que acontece em

devires d’arte. Por meio de leituras de autores como os filósofos Espinosa, Deleuze e

Guattari, busco trabalhar a ideia de potência e criação artística relacionando-as

possibilidades de experimentações imagéticas que procuram romper com os padrões

conhecidos, vividos e fixados, para pensar uma imagem-viva que prolifera. O artista,

através de sua obra, é um mostrador, inventor e criador de afectos que, segundo

Deleuze & Guattari (1992), nos atravessam e atingem através do seu bloco de

sensações e nos transformamos com eles(as). Procuro conhecer também trabalhos de

artistas visuais, como o finlandês Jorma Puranem e o brasileiro Eustáquio Neves, que

têm produzido experimentações potentes para pensar a imagem enquanto criação e

invenção que apostam em outras políticas e poéticas imagéticas. Nuvens de

pensamentos que movimentam a escrita-pesquisa e também impulsionam a própria

criação-experimentação com imagens. Será que vai chover? Imagem-viva que palpita e

expande: potência-na-imagem e potência-pela-imagem; seria o artista – com suas

cores, nuances, luzes, sombras e composições – capaz de dar a ver a potência por meio

de sua criação? Quem-o-que inunda e o-que-quem é inundado? Experimentações

imagéticas que procuram abrir brechas (buracos no guardassol) para que novas

percepções e sensações possam penetrar: “É essa afinidade entre pensamento e vida

que lança na direção da experimentação e da invenção de si mesmo e do mundo –

uma potência da vida e que, portanto, não só já não reconhece os limites entre arte e

vida como também desfaz as fronteiras que separam a vida e o conhecimento de uma

atividade criadora” (Godoy, 2008, p.122) Busco através da aproximação com trabalhos

de artistas, como também por meio das minhas próprias experimentações com as

imagens das mudanças climáticas, expor a ideia de uma imagem-arte como superfície-

tela-papel aberta às intervenções e criações diversas, espaços híbridos que podem

agregar intensidades distintas que aproximam artistas, imagens e objetos. Espaços

que apostam “na manifestação de novas políticas visuais e novos processos de

significação onde está presente, menos caracteres de continuidade, mais de ruptura,

menos de desenvolvimento, mais de transformação” (Favila, 1998, p.5). Chamo, então,

de imagem-arte as possibilidades que nascem das experimentações, encontros e

desencontros de pensamentos e sensações; um “entre-lugar” que foca no

desequilíbrio, “essa pulsação vibrátil que não possibilita dizer onde está a linha que

separa uma coisa e outra, numa criação de sentidos que se faz entre a finitude e

infinitude do tempo. Quase morte, fio de vida a pulsar” (Wunder, 2008, p.71,72.).

Espaços-entre que desestabilizam o território já conhecido dos nossos sentidos e

cristalizações, e podem estabelecer conexões múltiplas (nuvens) de intensidades

distintas que proliferam potências de mais vida pelas/nas imagens. “Talvez seja

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somente debaixo da chuva, debaixo do contínuo derramar do que não nos pertence

nem podemos controlar, que teremos alguma chance de aprender novos

comportamentos” (Nuno Ramos, 2008, p.211). Esta pesquisa de mestrado integra as

atividades do projeto “Vida e tempo em proliferação: experimentações na divulgação

científica das mudanças climáticas” Faepex/Unicamp; e também do grupo de pesquisa

"multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências e educações” (CNPq).

Tatiane Furukawa Liberato

Universidade Estadual de Campinas

O SETOR EMPRESARIAL E A COMUNICAÇÃO ENVOLVENDO INOVAÇÃO E

PROPRIEDADE INTELECTUAL

O processo atual de globalização insere a competitividade cada vez mais vinculada à

criação de um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que permita ações

cooperativas e estimule a transferência tecnológica. No contexto brasileiro, a base

governamental vem se esforçando para fortalecer as atividades inovativas,

incentivando o financiamento de projetos que visam uma maior interação entre o

setor público e privado, assim como o desenvolvimento de mecanismos legais que

possibilitem a transferência de tecnologia. As alterações realizadas na legislação que

envolve a inovação tecnológica permitem hoje ao Brasil colocar em prática

mecanismos que intensifiquem o intercâmbio entre as instituições de pesquisa (onde

geralmente a invenção é criada), e o setor empresarial (que aplica essas invenções ao

mercado). Diante deste cenário, e pelo fato dessas instituições, em sua maioria de

caráter público, viverem em contato direto com o berço da C&T, há a necessidade de

se quebrarem algumas amarras para chegar ao seu público. No entanto, estas

instituições fazem uso da linguagem e dos canais de comunicação corretos para

atingirem sua população de interesse? Elas são atingidas? A inovação é um aspecto da

estratégia de negócios ou parte do conjunto de decisões de investimentos que objetiva

criar capacidade de desenvolvimento de produtos ou para melhorar a eficiência

destes, que tende a enfatizar a inovação como experimentos de mercado e procurar

mudanças extensivas que reestruturam fundamentalmente indústrias e mercados. A

patente é o título de propriedade temporário sobre o invento. Para concessão de uma

patente no Brasil, é necessário realizar pedido de depósito no Instituto Nacional de

Propriedade Industrial (INPI). Assim, quando alguém produz inovação tecnológica,

lançando um produto novo, ou modificando um já existente no mercado, essa

invenção deve ser protegida por meio de um dispositivo legal que concede ao

proprietário da invenção, dentro de uma faixa de tempo preestabelecida. Além disso, a

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Divulgação Científica e Cultural

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proteção atua como um estímulo a investidores, incentivando a contínua busca de

inovações, já que assegura o direito de explorá-las com exclusividade. Os documentos

de pedidos de patentes são, portanto, fontes de informação tecnológica e comercial,

devendo ser utilizadas por todas as empresas, ICTs (Instituição Científica e Tecnológica)

e demais atores que participam e desenvolvem pesquisa científica e tecnológica. A

divulgação científica inserida no âmbito social por meio da diversidade dos meios de

comunicação faculta a si própria a possibilidade de atingir os mais diversos públicos

além de fomentar reflexão sobre os impactos sociais de C&T. Vale destacar ainda que a

patente é uma importante fonte de informação para os meios noticiosos. Entretanto,

será que a patente utilizada como fonte de informação tecnológica, comercial e

jornalística é direcionada pelos meios de comunicação ao seu público-alvo? Como as

universidades atingem o setor empresarial na divulgação de suas patentes,

contribuindo não só para a disseminação do conhecimento científico, mas para o

interesse do setor na inserção do invento no mercado? Em que local e de que maneira

os empresários buscam esse tipo de informação visando utilizá-la para benefício de

seus produtos e de sua empresa? O Brasil vem apresentando um crescimento no que

se refere à produção científica mundial. O mesmo não acontece com o depósito de

patentes. E quando se trata dos depositantes de patentes, vale destacar o peso das

ICTs. Entre os 20 primeiros colocados na lista dos maiores depositantes de pedidos de

patente junto ao Inpi entre 1999 e 2003, 8 são instituições públicas, sendo a

Universidade Estadual de Campinas a 1ª colocada. Nos países desenvolvidos, no que se

refere à proteção da propriedade intelectual, as universidades costumam ficar muito

abaixo das indústrias. A importância deste projeto engloba uma importante vertente

sobre a comunicação no processo de gestão tecnológica envolvendo empresas, frente

à disposição dos meios de comunicação e o investimento do país em ciência,

tecnologia e sociedade. O seu principal objetivo é compreender e analisar o processo

comunicacional que se refere à busca de informação científica e tecnológica nos mais

diferentes meios, com ênfase naquelas que tratam de inovação e propriedade

intelectual. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, cujo objeto abrange os

canais, elementos e processos de comunicação social, institucional e científica

utilizados por empresas de base tecnológica localizadas na cidade de São Carlos,

interior de São Paulo. A escolha justifica-se pelo elevado número de empresas desta

categoria presentes na cidade, pois, entre outras características, abriga dois campi da

Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), duas

unidades da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), incubadoras de empresas,

dois Parques Tecnológicos e duas faculdades particulares. Essa infraestrutura justifica a

conquista de diversos índices como o grande número de patentes registradas na

cidade e a inserção em programas de fomento como os oferecidos pela Fundação de

Amparo do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Financiadora de Estudos e Projetos

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(Finep). Tem como base lógica da investigação o procedimento técnico de

levantamento a ser realizado por meio de questionários e entrevistas, que buscarão

identificar as vias de informação utilizadas por empresários de base tecnológica, com

ênfase nas patentes, haja vista que um invento desenvolvido por uma ICT pode ser

licenciado por uma empresa, gerando a inovação tecnológica. Apesar de não ter a

finalidade de discutir a teoria das organizações, tampouco o processo de inovação em

si, a expectativa é que o resultado deste trabalho contribua para a melhoria da

percepção por parte das empresas, bem como das ICTs, quanto à necessidade de

adequar permanentemente sua política de comunicação no processo de inovação

tecnológica, ajudando assim a promover sua imagem e cumprir seu papel no

desenvolvimento econômico da pesquisa científica e da sociedade brasileira frente ao

investimento das empresas atuais.

Valéria Cristina Costa

Universidade Estadual de Campinas

AGRICULTURA FAMILIAR: COMUNICAÇÃO E GÊNERO NA TRANSFERÊNCIA DE

TECNOLOGIA E NEGÓCIOS DA PESQUISA AGROPECUÁRIA PÚBLICA

A urgência em encontrar respostas para o dilema mundial que é aliar conservação de

recursos naturais e aumento da produção de alimentos reforça o debate sobre a

inclusão produtiva da trabalhadora rural e o papel das restrições de gênero na baixa

produtividade das lavouras e da qualidade de vida. A dificuldade de acesso às soluções

tecnológicas está entre as limitações impostas à mulher do campo – que engrossa

estatísticas indicadoras de miséria no Brasil e no mundo. O objetivo da investigação é

observar como instituições de pesquisa agropecuária – com destaque para a Embrapa

e o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária/SNPA - promovem a interlocução com

a trabalhadora rural e em que medida a comunicação para transferência de tecnologia

funciona como veículo de cultura (comunidade científica/organizacional/nacional),

interferindo na promoção da equidade de gênero, no acesso da mulher aos serviços e

produtos disponibilizados. Mudanças climáticas podem reduzir em até 60% a

produtividade de culturas de grãos como feijão, milho e soja, segundo apontam

estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-Embrapa com a Universidade

Federal de Viçosa-UFV e a Universidade Estadual de Campinas-Unicamp. Ao mesmo

tempo e em direção oposta, cresce o contingente populacional no mundo, que deverá

saltar dos atuais cerca de 7 bilhões para mais de 9 bilhões de pessoas em 2050,

exigindo que a produção mundial de alimentos seja duplicada, segundo estimativas da

Organização das Nações Unidas para a Alimentação/FAO, evidenciando a urgência na

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Divulgação Científica e Cultural

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busca por sistemas agropecuários que associem produção de alimentos, conservação

ambiental e inclusão social. O relatório denominado O Estado Mundial da Agricultura e

da Alimentação do período 2010-2011, editado pela FAO, indicou que 43 % da força de

trabalho agrícola dos países pobres e em desenvolvimento é formada por mulheres,

que, no entanto, ainda encontram-se apartadas dos recursos necessários para tirarem

da terra o próprio sustento e o da família. Restrições de gênero tornam lavouras

comandadas por mulheres até 30% menos produtivas que aquelas controladas por

homens, diz o relatório. A dimensão de Estado em termos de responsabilidade na

busca de soluções para os problemas apontados está posta, indicando a necessidade

de envolvimento das instituições de pesquisa agropecuária, em especial as públicas, no

debate sobre a inclusão produtiva da agricultora. Este o motivo pelo qual a

investigação focaliza organizações do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária -

SNPA. No entanto, a igualdade entre os sexos, a valorização da mulher e eliminação de

toda forma de discriminação de gênero não se consegue por decreto, embora ações

afirmativas e políticas públicas tenham papel fundamental no alcance desse objetivo

do milênio. As soluções tecnológicas desenvolvidas pelos centros de pesquisa somente

poderão realizar seu potencial se forem colocadas em prática, por meio do suporte de

políticas públicas e com o envolvimento de todo setor produtivo - com destaque

especial para a trabalhadora rural, cuja relevância como agente de desenvolvimento

sustentável nas comunidades agrícolas cresce em importância no cenário atual. No

Brasil, a agricultura familiar é o segmento agropecuário que apresenta maior inserção

de mão-de-obra feminina, cuja posição como agente de segurança alimentar e de bem

estar familiar e comunitário no meio rural tem sido constantemente reafirmada. No

entanto, as ciências agrárias continuam sendo predominantemente marcadas pelo

masculino, estando os homens em maioria na liderança das pesquisas agropecuárias

da Embrapa, por exemplo, já que são 70% do quadro funcional de cerca de 9 mil

empregados. Afinal, nos últimos três mil anos os sistemas filosóficos, sociais, e

políticos da civilização ocidental, em especial, guardam a marca do patriarcado -

mantido pela força, por meio da tradição, da lei e da linguagem. Mas a revisão de

paradigmas – mudança profunda no pensamento, percepção e valores que formam

uma determinada visão da realidade imposta principalmente às instituições que

produzem conhecimento - faz emergir valores como trabalho cooperativo, pesquisa

participativa e em rede, e indicativos de responsabilidade social. O conceito de gênero

como pretende ser aqui entendido: a expressão culturalmente determinada da

diferença sexual, que permite uma compreensão das identidades de mulher e de

homem como uma construção simbólica exige que a adoção/incorporação paulatina

de novos valores seja feita também por essa via, simbólica, cultural, da linguagem. E é

aí que a comunicação social surge como grande aliada da pesquisa agropecuária no

diálogo com a mulher enquanto integrante desse mosaico que é a agricultura familiar

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Divulgação Científica e Cultural

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no Brasil. Junta-se a isso o fato de que o ponto de contato da pesquisa com o setor

produtivo ainda tem como principal porta de entrada a transferência de tecnologia

(TT). A comunicação pode organizar e oferecer elementos que reeduquem a percepção

do cientista, ajudando-o a realizar a consciente transição de paradigmas, reunindo os

saberes de áreas como sociologia, antropologia e educação para melhor conhecer a

cultura científica que envolve a pesquisa agropecuária e indicar formas para torná-la

permeável à promoção da equidade de gênero. Ou seja, um instrumento para

gestores, pesquisadores, agentes de transferência de tecnologia (TT) e de comunicação

delinearem políticas públicas e estratégias de ação. É baseada nesses pressupostos que

esta pesquisa busca analisar linguagem/discurso utilizados tanto em documentos

institucionais como na comunicação interpessoal, em eventos de transferência de

tecnologia, bem como observar a maneira como é desenvolvido o “diálogo” entre

pesquisadores, agricultores/as e a tecnologia, esta última entendida também como

agente nessa rede de atores. No foco da investigação estarão: assentamento da

reforma agrária, comunidade tradicional/indígena e produtores/as de hortaliças da

Região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo. Serão analisados os discursos

para identificação da presença ou não de postura inclusiva da mulher nas ações e a

efetividade à política de equidade de gênero preconizada no âmbito das instituições de

pesquisa. Espera-se com isso obter um levantamento que aponte onde, quando, como

e por que a comunicação expressa atitude facilitadora ou não da equidade de gênero

na fase de transferência de tecnologia/adoção dos resultados da pesquisa.

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Linguística

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Alan Lobo de Souza

Universidade Estadual de Campinas

A INVENÇÃO DA PREGUIÇA E OUTROS ESTEREÓTIPOS: UMA ANÁLISE

(INTER)DISCURSIVA DE PIADAS SOBRE BAIANO

Nesta comunicação, propomos uma breve apresentação do desenvolvimento dos

primeiros capítulos da dissertação de mestrado intitulada “Os estereótipos nas piadas

sobre baiano”, desenvolvida no Instituto de Estudos Linguísticos (IEL-Unicamp) sob a

orientação do Prof. Dr. Sírio Possenti. Inscrita na Análise do Discurso (AD), esta

pesquisa visa à análise das piadas sobre baiano, tematizando o modo como as

representações do baiano, a partir de estereótipos, processam-se no interdiscurso. O

que nos permite levantar o seguinte questionamento: como a história e a ideologia são

mobilizadas no interdiscurso, promovendo o riso, bem como possíveis tensões em tal

discurso humorístico? A questão da preguiça, genericamente vista como um traço de

personalidade atribuído ao baiano, não raramente é evocada nas piadas sobre baianos

– o que parece óbvio afirmar. Parece-nos que esta redução constitui a representação

mais comum sobre a figura do baiano em piadas. Analogamente, teríamos o mineiro

esperto, o gaúcho veado, o judeu sovina etc. Contudo, após uma observação (mesmo

que superficial) das piadas sobre baiano, é possível afirmar que a morosidade, a

lentidão, não é a única caracterização associada ao baiano nas piadas em que ele é o

foco: há também a alusão à ignorância, à malandragem, além da associação

abrangente do nordestino generalizadamente caracterizado como baiano. Um

aparente conjunto de propriedades estereotípicas. Este espaço simbólico de

significações necessita ser abordado de maneira minuciosa, de modo que seja possível

descrever o funcionamento discursivo de uma piada sem perder de vista as

peculiaridades sócio-históricas que marcam a memória coletiva associada à figura do

baiano. Uma decisão que nos impõe o seguinte questionamento: quais as condições

históricas de produção que possibilitam que determinado grupo seja o objeto do riso a

partir de diferentes estereótipos? É comum encontrar em trabalhos de sociólogos (cf.

RUBIN, 1988), antropólogos (cf. RISÉRIO, 1988, 2004; PINHO, 1998) e historiadores (cf.

MOURA, 2005), a referência ao termo Baianidade enquanto “ideia de Bahia” ou “jeito

de ser baiano”. Um cenário que possibilita aqui o tratamento do termo como um

discurso identitário, um espaço de significações irregular, em que discursos se

entrecruzam e definem as condições históricas que os determinaram. A maior ou

menor divulgação de uma representação do baiano envolve, portanto, marcas de

ordem histórica exploradas neste ou naquele discurso. No caso das piadas, seria a

hipótese da representação do baiano predominantemente associado à preguiça. O que

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Linguística

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impõe a apresentação das condições históricas de produção desse discurso, sem a qual

a análise das piadas fracassaria. De outro lado, a noção de estereótipo, observadas as

diferentes perspectivas teóricas, resume a caracterização de uma idée reçue, um lugar-

comum, imagens cristalizadas na sociedade, no imaginário coletivo. Para a AD, agrega-

se a essas definições à defesa de que as designações estereotípicas funcionariam como

um referente social compartilhado, recuperado, por sua vez, pelo interdiscurso, pelo

conjunto de opiniões, saberes e crenças formadoras de dizeres sedimentados e sem

um referente histórico aparentemente declarado. Com efeito, o estereótipo, como um

objeto transversal, permite estudar “la relación de los discursos con los imaginarios

sociales y, en términos más amplios, la relación entre el lenguaje y la sociedad.”

(AMOSSY & HERSCHBERG PIERROT, 2001, p. 11). Nessa perspectiva, é possível

compreender o fato de baiano ser representado como preguiçoso, o judeu sovina etc.

Representações imaginárias que operam como “uma evidencia sin historia” (AMOSSY

& HERSCHBERG PIERROT, 2001, p. 113) nos textos chistosos que circulam, por

exemplo, na internet. A análise do estereótipo de baianidade, levando em

consideração uma memória discursiva, o “já dito”, permite-nos sublinhar que os

discursos que provocam o riso se constroem através da reafirmação das relações de

poder construídas histórico-ideologicamente, em meio a embates e conflitos por vezes

esquecidos – ou desconhecidos. Portanto, a escolha das piadas sobre baiano agrega

uma relevância social e científica à análise de tal corpus. Afinal, se tais chistes circulam

na sociedade, fica em dúvida a existência do preconceito, revelando a existência das

condições de produção que permitem sua materialização. Dessa maneira, é imperioso

investigar as condições de produção e de formação dos discursos em piadas sobre

baiano, sobretudo no que diz respeito à hipótese de a representação do baiano

reduzida ao estereótipo da preguiça se contrapor ao “discurso de baianidade” tão

propagado pelas agências de turismo e marketing (também possivelmente explorado

nas piadas sobre baiano), articulando, assim, um simulacro (cf. MAINGUENEAU, 2008).

Não podemos, entretanto, explorar essa rubrica (baianidade) sem antes descrever e

interpretar o modo como esse discurso se constrói. Ratificamos que optamos por

apresentar as considerações teóricas sobre a questão crucial para o funcionamento da

estereotipia e do simulacro em piadas sobre o baiano: o interdiscurso. Trata-se da

questão central desenvolvida ao longo do primeiro capítulo da dissertação em

andamento. Para tanto, no cerne dos discursos históricos que caracterizam a formação

de estereótipos e o modo como o baiano é representado socialmente, os trabalhos de

Zanlorenzi (1998) e Mariano (2009) são fundamentais. Obras que revisitam questões

históricas, culturais e sociais promotoras de discursos arraigados no preconceito e

estereótipos acerca da figura do baiano na sociedade brasileira. Consideramos que o

tema da preguiça não raramente é evocado nas piadas sobre baianos como a

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Linguística

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representação de “baianidade”. Mas o que estaria na base da caracterização desta

baianidade? E em que ponto ela se relaciona com as demais representações

observadas em piadas sobre baiano?

Aline de Paula Machado

Universidade Estadual de Campinas

USO DE TÉCNICAS ACÚSTICAS PARA VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR EM SIMULAÇÃO

EXPERIMENTAL

Este projeto propõe o uso de técnicas de análise acústica para reconhecer um

indivíduo dentro de um grupo de dez falantes do português paulista e assinalar quais

parâmetros acústicos são relevantes para o reconhecimento naquele grupo. A

identificação de um indivíduo dentro do grupo se dará a partir das análises de trechos

de suas falas, durante os quais se quantificarão as frequências dos dois primeiros

formantes das vogais orais, a frequência fundamental, a duração de unidades do

tamanho da sílaba e da vogal, a intensidade relativa (ênfase espectral), a frequência

fundamental de base de cada sujeito, a taxa de movimento de formantes e o ∆C

(desvio padrão de durações de intervalos consonânticos). Todos os trechos escolhidos

são de entrevistados divididos em dois grupos, (i) entrevistas ao ar livre e (ii) gravações

telefônicas (de celular para celular em viva-voz). Além disso, trechos escolhidos em

sala com tratamento acústico de um dos falantes (o ‘criminoso’) simularão o padrão

questionado da situação forense. É a fala desse sujeito que será comparada à dos

demais. A fala é um elo, uma cadeia cujas informações são trocadas e a cooperação é

negociada (Pardo & Remez, 2006). O locutor tem como expectativa que o ouvinte

compreenda toda a (complexa) dimensão da mensagem emitida e é justamente a

percepção e o reconhecimento da fala pelos sujeitos que são os pontos principais de

muitos estudos relacionados à fonética acústica, psicoacústica, visando a entender o

que do acústico contribui para a percepção dos diferentes indivíduos. O

reconhecimento de locutor pode ser definido como qualquer atividade pela qual uma

amostra de fala é atribuída a uma pessoa com base em suas propriedades fonético-

acústicas ou perceptuais. Ou seja, o ouvinte percebe, para além do conhecimento

físico-acústico, parâmetros linguísticos e extralinguísticos que incluem sem exaurir,

variações de parâmetros acústicos diversos e idiossincrásias do sujeito. Este projeto é

feito com intuito de aprender procedimentos experimentais que possam ser

automatizados (através de procedimentos nos softwares PRAAT e R) e servir à área de

Fonética Forense. Levantamos questões como (i) quais parâmetros acústicos são

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Linguística

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eficazes para a verificação de locutor? (ii) Os mesmos são eficazes em uma situação

forense? Por isso duas situações de degradação serão utilizadas, entrevista ao ar livre e

gravação via celular.(iii) Quão robustos são os resultados na pesquisa? (iv) As técnicas

de análise estatística escolhidas são eficazes para a verificação do sujeito? A técnica

utilizada para este trabalho é a auditiva acompanhada de análise acústica via programa

de software especializado. Utilizando o software Praat para medir parâmetros

acústicos, será feito um quadro com as características de cada sujeito comparando

com um quadro de uma gravação feita em laboratório (com alta relação sinal-ruído,

portanto) de um deles (sorteado sem que a Mestranda saiba). Assim, ocorrerá uma

verificação de locutor inicial. Depois disto realizado, analisaremos estatisticamente

cada parâmetro dos falantes (inclusive do sujeito gravado em laboratório, o

“criminoso”) no programa R calculando o p-valor (probabilidade de aceitação da

hipótese nula), com o test de Student explicado anteriormente, entre cada sujeito e o

“criminoso” e então se decidirá qual está mais próximo ao “criminoso”.

Amanda Bastos Amorim de Amorim

Universidade Estadual de Campinas

REFLEXÕES INICIAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DAS METODOLOGIAS DE PESQUISA EM

NEUROLINGUÍSTICA

Tradicionalmente, a pesquisa em Neurolinguística é caracterizada por análises

quantitativas apoiadas em um aparato teórico-metodológico de cunho gerativista, ou

seja, privilegiam uma concepção localizacionista de cérebro – correlacionando

substratos neurais direta e univocamente a funções complexas – e uma concepção de

linguagem apartada de quaisquer elementos considerados extralinguísticos, ou seja,

descartando singularidades relativas a aspectos subjetivos, ideológicos ou sociais.

Privilegia-se, nos estudos das patologias, objetivamente o que o sujeito não consegue

fazer, o que ele perdeu ou é deficitário e os instrumentos mais utilizados para coleta

de dados são as baterias de testes-padrão, em que o que o sujeito produz ou não

produz é quantificado e recebe tratamento estatístico de forma a localizá-lo no polo da

normalidade ou no da patologia. Embora a teoria gerativa seja amplamente

questionada em diversas áreas dos estudos da linguagem, ainda é hegemônica. Tal

fato torna necessário - para além de construir uma crítica - observar como tal cenário

foi e continua sendo construído, suas relações com a história das ciências biomédicas e

particularmente com a Clínica. Conforme indicam Foucault em “O nascimento da

clínica”, Coudry em “O diário de Narciso”, Novaes-Pinto em “Uma contribuição do

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas”, entre outros

autores, a Clínica constitui-se como uma instituição que privilegia análises

quantitativas em detrimento de estudos de casos. A relação entre escolhas

metodológicas e instituições é fundamental para que se reflita a respeito do que

Foucault, em “A ordem do discurso”, denomina vontade de verdade de uma época. De

acordo com o autor, as instituições exercem um poder coercitivo sobre os discursos e,

uma vez que a vontade de verdade permeia as instituições, ela também exerce

influências sobre os discursos. No Brasil, desde meados dos anos 80, com os primeiros

estudos de Coudry, vêm sendo realizadas pesquisas baseadas em análises

predominantemente qualitativas, pautadas em aparatos teóricos de perspectivas

sócio-histórico-culturais. Tais pesquisas partem da concepção luriana de cérebro como

Sistema Funcional Complexo, ou seja, consideram que o cérebro trabalha em conjunto

para realizar até mesmo funções menos complexas e que suas partes são capazes de

se reorganizar em caso de lesão. Além disso, considera-se que a linguagem é um

trabalho exercido pelo sujeito, que não é assujeitado nem fonte dos sentidos, mas um

sujeito situado, como Sobral se refere ao sujeito Bakhtiniano no texto “Ato/atividade e

evento”. Nessas perspectivas, no estudo das patologias, privilegia-se o processo por

meio do qual o sujeito chega ao seu intuito discursivo, ou seja, como ele lida com suas

dificuldades e se comunica. Dessa forma, abandona-se um intento de padronizar

avaliação e método de coleta de dados, passando a utilizar protocolos não-fechados e

a observação de episódios dialógicos, nos quais a linguagem é observada em

funcionamento, dando visibilidade aos processos em lugar dos objetos privilegiados

pela teoria gerativa. Para a pesquisa em andamento que motiva esta apresentação,

importa refletir sobre metodologias de pesquisa em Neurolinguística. Uma vez que

teoria e metodologia estão fortemente relacionados entre si, é fundamental observar

o processo de constituição do Gerativismo, a recepção da teoria por outros campos do

conhecimento e como são observadas as anomalias na teoria que dão espaço ao

surgimento de outras teorias concorrentes. Para tanto, recorre-se ao estudo das

chamadas revoluções científicas, amplamente descritas e analisadas por Kuhn em ”A

estrutura das revoluções científicas”. Embora o autor se baseie, sobretudo, nas áreas

da física e da química e os devidos ajustes devam ser considerados quando se passa de

um campo do conhecimento para outro, a estrutura básica descrita ajuda a refletir

sobre o que aconteceria na relação entre o gerativismo e as teorias de cunho sócio-

histórico-cultural. Segundo o autor, uma ciência, em um dado momento, se estabelece

e, a partir de então, se inicia um processo chamado de ciência normal, em que as

pesquisas geram uma impressão de acúmulo e têm uma metodologia bem definida

para descrição e análise dos fenômenos de interesse. Uma vez que a ciência se baseia

num modelo, que é uma abstração do que é possível compreender em um dado

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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momento (e, segundo Bakhtin, em “Estética da criação verbal”, caso seja tomado

como uma verdade, vira ficção científica), esse acúmulo leva à descoberta de

anomalias, ou seja, fenômenos que não cabem no modelo proposto da ciência normal.

A partir desse ponto, os adeptos da ciência normal ou adaptam o modelo de forma a

abarcar a anomalia – e, portanto, descaracterizá-la como tal – ou abandonam esse

modelo em busca de outras possibilidades. Acredita-se que esse modelo de estrutura

das revoluções científicas possa ser útil para refletir sobre a construção da teoria

gerativa, sua constituição como ciência normal – que se relaciona ao seu êxito de

inserção nas ciências biomédicas – e a observação de anomalias, que anteriormente

eram desconsideradas para fins de pesquisa, propiciando, por fim, que outras

possiblidades teóricas e metodológicas sejam exploradas. Dessa maneira, poderiam

ser explicadas tanto as reformulações da teoria gerativa quanto as teorias que

privilegiam abordagens sócio-histórico-culturais que vêm conquistando cada vez mais

espaço.

Ana Cláudia Romano Ribeiro

Universidade Estadual de Campinas

DE OPTIMO REIPUBLICAE STATU DEQUE NOUA INSULA UTOPIA... (1516), DE TOMÁS

MORUS: TRADUÇÃO COMENTADA DO LATIM AO PORTUGUÊS BRASILEIRO E ANÁLISE

DE SUAS RELAÇÕES INTERTEXTUAIS COM O DIÁLOGO DE FINIBUS BONORUM ET

MALORUM (45 A. C.), DE MARCO TÚLIO CÍCERO

Esta comunicação visa apresentar, de forma resumida, meu projeto de pós-doutorado,

supervisionado pela prof. Isabella T. Cardoso, que consiste em 1) traduzir diretamente

do latim a Utopia (1516) de Tomás Morus, a mais conhecida obra escrita em neo-latim,

segundo Kytzler, e 2) estudar as relações intertextuais entre a Utopia e o De finibus

bonorum et malorum (45 a.C.) de Marco Túlio Cícero. Em seu estudo sobre as “fontes,

paralelos e influências” da Utopia de Morus, Surtz percebe que “the most evident

influences are classical”, tendo sido essas influências filtradas pela visão de mundo

cristã, pela interpretação dos humanistas italianos, pela tradição política inglesa, pelas

diversas incidências do contato entre Velho e Novo Mundo na história do pensamento

ocidental e pelo próprio trabalho literário do Morus escritor (cf. 1965, p. cliii-cliv; clvi)

–e, poderíamos acrescentar, do Morus tradutor, que se mostrava consciente dos

efeitos de escolhas em uma versão (Botley, 2007). Um primeiro exame revela que a

presença dos autores latinos antigos é numerosa e importante para a constituição do

tecido narrativo da Utopia, algo esperado, já que a presença latina era a base, havia

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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séculos, da educação letrada. Ainda que apenas Sêneca e Cícero sejam citados

explicitamente, são vários os autores latinos aos quais Morus alude indiretamente. É

notório que um dos principais autores antigos conhecido dos letrados era, nos séculos

do humanismo, Cícero. A primeira geração de humanistas italianos, que logo

irradiariam suas ideias aos demais humanistas, tinham o latim ciceroniano, bem como

a forma dialógica das obras do orador latino, como modelo. Além disso, encontraram

em Cícero a reafirmação da própria consciência histórica, a valorização dos valores

políticos republicanos e uma “doutrina cívica” (cf. Skinner, 1996, p. 75-76). As várias

edições críticas da Utopia apontam para a presença, no texto moreano, de diversos

temas abordados em várias obras de Cícero. Dentre essas obras, o presente projeto se

propõe a examinar mais detidamente o De finibus, cuja relação com a Utopia foi pouco

estudada. Em 1965, Surtz, na introdução de sua edição da Utopia (The Yale edition of

the Complete Works of St. Thomas More) notava que Platão e Plutarco são, na

composição da Utopia, tão essenciais quanto Cícero e Sêneca, e que estes filósofos são

“the source for the tenets and arguments of the two schools discussed by the

Utopians, the Epicurean and the Stoic. Cicero De finibus is of special interest here, but

detailed studies of Ciceronian and Senecan influences have still to be made.” (p. cliv e

clxi, grifos meus). A Utopia é um longo diálogo, dividido em dois livros, no qual se

discute acerca do melhor estado e da coincidência entre bem individual e bem comum.

Trata-se de uma obra de ficção que discute a ética e sua prática na forma da política.

Praticamente todas as edições comentadas do libellus aureus já citadas apontam a

presença do epicurismo e do estoicismo na constituição da ética utopiana do sumo

bem individual e do sumo bem comum, que nesta obra coincidem. O De finibus

também aborda essas questões. O telos da existência, para os utopianos de Morus, é a

felicidade. Como os filósofos, eles têm o hábito de debater longamente temas como a

virtude e o prazer, mas seu interesse principal recai em investigar em que consiste a

felicidade humana. Segundo o narrador, Hitlodeu, a felicidade utopiana consiste em

provar prazer. Após longa reflexão, os utopianos concluíram que todas as ações e as

virtudes nelas contidas têm como finalidade o prazer e a felicidade, consequência de

um tipo específico de prazer: aquele bom e honesto. Este prazer pode advir das

materia uoluptatis, que vão do alimentar-se bem a gozar de boa música, necessidades

advindas de uma vida que siga a natureza: a natureza leva ao prazer e a virtude. A esse

resumo da ética utopiana é preciso acrescentar a noção de razão, que, para os

utopianos, é a faculdade capaz de levá-los a discernir o bom e o honesto. Surtz dedicou

alguns artigos ao estudo da filosofia do prazer e do epicurismo na Utopia, mostrando o

quanto a eles estão associadas concepções estoicas e sugerindo que Morus tenha

elaborado suas concepções acerca do epicurismo e do estoicismo a partir da leitura de

obras como o De vita beata, de Sêneca, e o De finibus, de Cícero. Ora, é sabido que o

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Linguística

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tema “dos fins do bem e do mal” está fortemente presente na filosofia e na literatura.

Por exemplo, dentre as obras escritas em latim, certamente não deve ter sido estranho

a Morus o pensamento dos Pais e dos Doutores da Igreja e as obras de Erasmo, que

cristianizou Epicuro em seu The Epicurean e no De contemptu mundi. Neste projeto

nos ocuparemos apenas dos três diálogos que compõem os cinco livros do De finibus,

e que discutem três sistemas éticos vivos na época de Cícero: a filosofia moral de

Epicuro, a dos estoicos e a de Antíoco. Isso porque o De finibus - uma das raras

sistematizações antigas a respeito do epicurismo e do estoicismo a terem sobrevivido

às vicissitudes do tempo, com efeito, parece ser uma das principais fontes da ética

utopiana, quer direta, quer indiretamente. A rigor, não consiste em condição para o

nosso estudo, que, adotando uma abordagem intertextual, considerar que esta obra

de Cícero teria sido necessariamente lida por More, visto que nosso interesse é

observar efeitos de sentido no texto de More para um leitor que conhecesse o De

Finibus, ou textos dele derivados (cf. Vasconcellos, 2007, Fowler, 1997, De Smet,

2007). Mas é bastante plausível imaginar que ele a tenha lido ao menos em uma das

várias edições disponíveis no final do século XV. Com este trabalho, pretendemos

contribuir para ampliar o campo dos estudos clássicos renascentistas brasileiros, que

apenas recentemente começaram a ser mais significativamente fomentados no Brasil.

Mais precisamente, esperamos conhecer melhor Morus e Cícero, a Utopia e o De

finibus e as relações intertextuais que ligam esses dois textos.

Ana Paula Peron

Universidade Estadual de Campinas

SOBRE SENTIMENTOS, MULHERES E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM OLHAR

DISCURSIVO MATERIALISTA

Sob a base teórica da Análise de Discurso de vertente materialista, nossa pesquisa

pretende focalizar as emoções, os sentimentos, enquanto práticas constituídas no

discurso. As emoções com as quais trabalharemos são aquelas produzidas na interface

com a violência contra a mulher. Com base nos estudos de Orlandi (2012),

consideramos que os sentimentos são sentidos produzidos por práticas ideológicas

que tocam o sujeito em sua própria constituição e em seu modo de individua(liz)ação.

Assim, acreditamos que os sentimentos, no discurso, não estejam, portanto, apenas

atrelados a vontades ou inclinações pessoais, nem mesmo a representações sociais,

mas que podem ser vistos enquanto práticas ideológicas e discursivas que significam

pelo simbólico e pelo equívoco na linguagem e na história. Nessa perspectiva, os

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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sentimentos são tomados como objetos paradoxais, como práticas em que há o

confronto do simbólico com o político. Dessa forma, por dar primazia à contradição

constitutiva do discurso – e olhar para essas emoções enquanto discurso –, nossa

leitura se distancia de outras vertentes de estudos discursivos, que, também

considerando as emoções como objetos de linguagem, tomam-nas enquanto

manifestações do ethos ou do pathos discursivos, relacionados às imagens de si na

interação comunicacional e aos conjuntos de crenças de uma coletividade, inscritas em

uma problemática de representações psicossociais. Dado o enfoque materialista que

assumimos, ressaltamos que, por hora, não estamos diferenciando sentimentos e

emoções, mas que os estamos tomando como termos intercambiáveis. Para

empreender nosso gesto analítico, o material desta pesquisa será composto

prioritariamente de relatos de mulheres que sofreram ou sofrem os efeitos da

violência em suas relações afetivas na conjugalidade. Tais relatos serão gravados e

obtidos a partir do contato da pesquisadora com mulheres em situação de violência e

que buscam atendimento em uma casa de acolhida situada em um bairro de periferia

na cidade de São Paulo. É necessário salientar que não se trata de uma casa-abrigo,

mas de um núcleo organizado de defesa da mulher em que as mulheres recebem

atendimento pontual e/ou mais prolongado (por meio de oficinas, grupos,

atendimentos e acompanhamentos jurídicos, sociais, psicológicos, encaminhamentos

etc.) para lidarem com o enfrentamento da violência de gênero. Para nossa pesquisa,

serão gravados, individualmente, os relatos de algumas mulheres, maiores de idade,

que, voluntariamente, aceitarem contar suas histórias e autorizarem, com o termo de

consentimento livre e esclarecido, a gravação de suas histórias. Inicialmente,

pensamos em um número de aproximadamente dez. Não pretendemos pré-estruturar

nenhum tipo de questionário, mas deixar o relato seguir o máximo livremente possível,

a partir de uma abordagem bem geral como: “conte-me um pouco de sua história de

vida, das coisas que marcaram você em relação à sua vida afetiva e conjugal, das coisas

que você sente quando se lembra de sua história afetiva, de sua experiência de ter

sofrido violência”. Por certo, durante esses relatos, poderão ser feitos alguns

questionamentos às mulheres, no sentido de deixar mais bem esclarecido algum

ponto, de colocar em destaque os sentimentos delas em relação às situações de

violência que tenham perpassado suas experiências afetivas, notadamente aquelas

vividas na relação conjugal. Estamos partindo da hipótese de que, quando as mulheres

relatam suas histórias de vida e suas experiências com o afeto, a conjugalidade e a

violência, sejam constitutivos desses relatos distintos sentimentos para “justificar”,

“reclamar”, “comentar”, “opinar” sobre (...) essas experiências. Buscaremos observar

quais sentimentos emergem desses relatos que, ao abordarem a própria história de

vida, possibilitam àqueles sujeitos se significarem enquanto mulheres. E então nos

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Linguística

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

perguntamos: Como significa ser mulher em uma relação afetiva/amorosa perpassada

pela violência? O que significa “ser mulher” a partir dessas vivências? Assim, queremos

compreender também como essas emoções/sentimentos significam, no discurso, os

sujeitos e a própria violência contra a mulher. Interessa-nos ainda pensar sobre as

memórias que afetam esses discursos sobre a violência e que fazem significar,

enquanto práticas discursivas e ideológicas, as emoções que ali se constroem. E

questionamo-nos: os sentidos de “violência contra a mulher” estariam atrelados às

emoções para os sujeitos? Como a violência doméstica e familiar contra a mulher

apareceria significada a partir das emoções, dos sentimentos? Haveria algum

atravessamento ideológico (do jurídico, do político, do religioso) na própria construção

dessas emoções que, hipoteticamente, cremos estarem amalgamadas à violência

doméstica e familiar contra a mulher? Que processos históricos e ideológicos

constituem essas emoções e, com elas, o sujeito mulher e os sentidos de “violência

contra a mulher”? Todos esses questionamentos compõem, juntos, o problema de

pesquisa que se nos apresenta. Ao nos definirmos pela proposta discursiva

materialista, acreditamos, assim, que sentimentos como medo, vergonha, dor, culpa,

constrangimento, amor, ódio, raiva, força, coragem, esperança (que supomos serem

frequentes nesse processo discursivo) não podem ser considerados apenas enquanto

manifestações individuais de atitudes: os sentimentos daquele sujeito que fala sobre a

violência sofrida são discursos e, como tais, sofrem determinações e constituem-se

pela contradição, pelo equívoco, pela falha, estando, desse modo, em estreita relação

com o real da língua e da história. E esses sentimentos-discursos significam as

mulheres e a violência contra a mulher.

Atilio Catosso Salles

Universidade do Vale do Sapucaí

DISCURSIVIDADES DA IMAGEM: NARRATIVIDADES URBANAS (EM)CENA

Decerto que propor uma leitura a partir de uma ordem discursiva não implicará em

impor “uma forma” (de interpretação) a tal discursividade. Pelo contrário, o

procedimento de interpretação a que nos filiamos em relação aos sentidos é o da

multiplicidade, da largueza, da possibilidade de emaranhamento, cujo efeito de

perda/ganho se dá no mesmo espaço, pela opacidade da língua/sujeito/história. Nessa

posição discursiva dos estudos da linguagem, a possibilidade que sustenta o dizer e sua

interpretação está suposto pelo já dito, compreendido por Orlandi (2007, p.31) como

memória discursiva, “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna

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sob a forma do pré-construído, o já dito que está na base do dizível sustentando cada

tomada da palavra”. Desse modo, propomo-nos encampar pela compreensão do

universo do dizível na perspectiva materialista do discurso, (PÊCHEUX 1988, 1997,

2004; ORLANDI 1996, 2004; MARIANI 2004; LAGAZZI 2007), para problematizar como

se constitui a “narratividade em imagens” sobre/do o urbano no documentário –

Território Vermelho (GOIFMAN, 2006), apontando, sobretudo, para as injunções a

trajetos dos sujeitos e sentidos no espaço da cidade. Circunscreve-se assim este

projeto de compreensão discursiva, cuja problematização está pautada nos limiares de

uma não convergência dos sentidos relativa à constituição/circulação do e sobre

urbano e à sua resistência histórica na materialidade significante específica que ora

recortamos para análise, o documentário. As relações sociais no urbano, na sua

reprodução e ruptura, através da emergência das falas na apreensão do simbólico,

capturam ininterruptamente processos de significação que deslocam efeitos de

perturbação, falta e injunção a trajetos, vias. A cidade, pelo seu funcionamento social

no espaço do simbólico, mobiliza movimentos discursivos que percorrem e cruzam as

margens da “incompreensão”. A propósito da abertura dos sentidos no espaço da

cidade, temos em jogo a convergência da espacialização da linguagem, face ao da

simbolização do urbano. Pensar o lugar dessa espacialização e a simbolização de

alguns “flagrantes urbanos” (ORLANDI, 2004), no documentário, é como temos

observado, uma tentativa de “editar”, por ruptura de uma prática, emergência,

interrupção, o lugar totalizador de acesso ao caos do urbano: “[...] a interrupção de um

processo de reformulação parafrástica de sentidos pela mudança das condições de

produção” (ZOPPI-FONTANA, 1997:51). Em Território Vermelho “o corpo dos sujeitos e

corpo da cidade formam um, estando o corpo dos sujeitos atado ao corpo da cidade,

de tal modo que o destino de um não se separa do destino do outro.” (ORLANDI, p.11,

2004). Nada pode ser pensado sem a cidade. Nesse sentido, todas as determinações

que definem esse espaço “vermelho”, cruzam-se na tensa relação entre a cidade, o

urbano e o social. A cidade tem assim o seu corpo significativo que resiste à metáfora,

a poesia, ao dizer possível. Tal resistência equivale entregar-se ao imaginário, ao

ilusório, ao calculável. Conforme Orlandi (2004) são muitas as formas de barrar a

metáfora, entretanto pelos incontornáveis processos de denegação e negação sujeitos

urbanos formulam modos de dizer que jogam com a própria desorganização do espaço

burocrático. Essas formulações são materialmente expressas em fulgurações, lampejos

em que a narratividade urbana se estampa e esvai-se. Fuga! No documentário temos

cenas em que sujeitos participam, sem distância. Não relata do lugar de fora. Narra-se

como parte de cada tomada de imagem. Há, no entanto, uma objeção a se pontuar:

não propomos compreender a palavra narratividade conforme a sua etimologia.

Narratividade em nossa proposta de leitura é parte da cidade, parte constitutiva das

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cenas urbanas. Segundo Pêcheux, a imagem é um discurso que reclama sentido, “um

operador de memória social” (2002 [1983], p.51). Sendo discurso, a imagem, as

narratividades urbanas aí em funcionamento operam, sobretudo, enquanto estrutura

ou acontecimento. É a cidade produzindo sentidos. Um olhar em movimento sendo

narrado, não por um “contador de histórias (como o cego nordestino, o violeiro, o

velho indígena etc.)” (Orlandi, p.31, 2004), isso, pois, a cidade não tem um narrador.

Não são as pessoas que protagonizam o documentário simplesmente que ocupam o

lugar dos contadores de história ao conduzirem a câmera pelo território vermelho,

nem mesmo é o diretor ou editor que ocupa essa posição. As narratividades em

imagens têm os seus “vários pontos de materialização. Moventes. Fulgurações.

Materialidade dispersa. E são nas suas relações que podemos compreender esses seus

sentidos (Orlandi, p.31, 2004). Nessa direção, enquanto gesto que desorganiza a

narratividade urbana em imagens, é também um modo de dar relevo à espessura

semântica da cidade, atravessar o urbano, os seus territórios saturados, e capturar

pelas câmeras (a que câmera dança/ a que seduz/ a autônoma/ a que muda/ a que

roda/ e a clone) o flagrar do real da cidade se significando no instante de um flash, de

uma mirada, ou focagem que ficam na película estatizável de cada imagem. No vídeo,

os movimentos de discursos, de imagens, cruzam-se dando lugar à incompreensão. À

espera dos sentidos, e na ânsia de representar a cidade pela a sua organização, o

sujeito se desorganiza, tropeça na quantidade que não se pode metaforizar como

devia. Isso, pois como já dado pelo imaginário, o discurso social não é homogêneo. Há

de se pensar a cidade como “um processo em que se fazem presentes eventos não

apenas empiricamente, mas materialmente diferentes, constituindo novas formas

sociais e representando um real deslocamento ideológico nos modos de significar, e

viver, a cidade” (ORLANDI, p. 70, 2004). À medida que a cidade nos expõe à sua ordem,

assim como a língua, o incontível, o incompleto e equívoco se apresentam diante

daquilo do que não se pode controlar. O “diretor” e os “editores” do documentário

expostos a esse efeito do desamparo diante do que não de pode controlar, entram no

jogo incessante de dar unidade, lógica a esse espaço urbano, pelo próprio gesto de

captura, foco, congelamento em/de imagens do corpo da cidade e dos sujeitos. O que

nos aproxima ainda mais da possiblidade de compreensão de que o espaço urbano e

os sujeitos se constituem ao mesmo tempo por uma tensão sem fim. E a memória se

inscreve incessantemente, produzindo efeitos de literalidade.

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Beethoven Barreto Alvarez

Universidade Estadual de Campinas

EFEITOS POÉTICOS DO SENÁRIO IÂMBICO EM PERSA DE PLAUTO

Nos últimos trinta anos, editores das obras de Plauto (c. 255-184 a.C.) - por exemplo,

J. Barsby (1986) editor de Bacchides, ou A. Gratwick (1993) editor de Menaechimi -

vêm tematizando em suas introduções às peças a importância da observação da

métrica do verso plautino para uma fruição mais completa do sentido próprio da

comédia. Embora advertindo quanto a diversos pontos obscuros e incertos, editores e

estudiosos costumam apontar que os textos plautinos se caracterizam, em relação à

métrica, sobretudo, pela distinção entre, por um lado, versos em senários iâmbicos,

que não seriam pronunciados junto com acompanhamento musical, e, de outro, por

todos os demais metros, que contariam com o acompanhamento musical durante sua

enunciação. A tradição de pesquisas plautinas ainda divide em dois grupos os metros

que seriam acompanhados de música, de acordo com sua forma de expressão: assim,

versos longos, trocaicos e iâmbicos ou anapésticos, são geralmente chamados de

“recitativos” e os diversos metros chamados líricos são considerados de versos

“cantados”, e.g. Hall (2002) e Gratwick (1993), bem como Lelay (1925), Law (1922),

Marshall (2006), além de Duckworth (1952); para um pensamento divergente, veja

Moore (1998), em que há uma ampla revisão das opiniões de autores sobre o formato

musical da comédia romana em suas páginas inicias. Sem entrarmos no mérito das

divergências que envolve tal classificação, cabe-nos ressaltar que, de todo modo, essa

distinção não dá conta de todos os aspectos envolvidos na apreciação da métrica

plautina. Antecede às questões sobre a relação entre métrica e instrumentos musicais

a própria identificação do tipo de verso transmitido nos manuscritos. Isso porque, em

primeiro lugar, questões prosódicas e métricas do latim de Plauto estão fortemente

conectadas com problemas de transmissão textual. Para compreendê-las, portanto,

que devem ser levadas em conta particularidades da tradição manuscrita das peças

plautinas, que envolvem, entre outros, problemas de ortografia e colometria. É notório

que, ao longo dos séculos, estudiosos têm se dedicado a tentar detectar e explicar as

regras métricas e prosódicas apreensíveis dos versos de suas comédias a partir do

texto e dos testemunhos de gramáticos antigos (principalmente Ritschl (1848) e Moore

(1998). O estudo mais antigo sobre a prosódia e a métrica do latim arcaico (até onde

se atesta, já que de seus testemunhos chegaram até a Modernidade diretamente) teria

sido empreendido por quem teria em mãos textos com a divisão de versos e falas mais

clara, e que possivelmente conhecia as particularidades prosódicas e métricas do latim

da comédia romana de Plauto, o erudito romano M. Terêncio Varrão (116-27 a.C.). Dos

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textos efetivamente transmitidos como importantes para o estudo da métrica

plautina, há ainda (como lembra Questa 2007, p. 5) o breve tratamento de Marco Túlio

Cícero (Orat. 152), em especial sobre o hiato; depois, os relatos de Césio Basso (séc. I

d.C.), Aulo Gélio (125-180 d.C.) e mais tarde de gramáticos latinos, que se basearam

fundamentalmente em fontes anteriores (especialmente em Varrão), mas adicionando

considerações, hoje tidas em geral como especulativas e mal fundamentadas – junto

com Questa, veja Fortson (2004). A partir do meio do século XVIII, desde Bentley

(1726), se intensificam os estudos métrico-filológicos, especialmente entre estudiosos

germânicos. Durante este período a filologia plautina avançou sobremaneira; contudo

a crença em alguns modelos teóricos da acentuação latina parece ter comprometido

algumas de suas observações, como indicam Questa (2007, p. 13) e Soubiran (1988, p.

333 et seq.). Isso nos lembra de um segundo aspecto importante para a identificação

da métrica plautina. O fato de se ter nas vinte e uma peças remanescentes de Plauto

um dos poucos exemplos da língua latina da época arcaica, bem como o fato de o

sarsinate ter escrito apenas no gênero cômico (que contava, em alguma medida, com

um latim coloquial e estilizado) são alguns dos parâmetros que exigem consideração

quando se comparam aspectos prosódicos e métricos do latim plautino com os de

textos provenientes de épocas posteriores. Uma questão que se tem colocado nos

estudos sobre o tema é, portanto: até que ponto a prosódia plautina demonstra uma

prosódia do latim arcaico ou coloquial e até que ponto reflete efeitos de sua

composição poéticas? Assim como Gratwick e Lightley (1982, p. 124), sugerimos que a

forma dos versos iâmbicos não deveria ser observada apenas como análoga à discurso

cotidiana ou à prosa, e daí sem valor poético, mas sim, ser percebido como mais um

recurso dramático de que dispunha autores da comédia romana do tempo de Plauto.

Objetivando tratar do estado da arte da questão modernamente, partindo

especialmente das observações de Questa (2007), este trabalho também deverá

incluir, posteriormente, as reflexões de Soubiran (1988), Boldrini (1992) e Fortson

(2007), estudiosos que, contemporaneamente, têm contribuído de forma fundamental

ao tema em apreço. Ficará para um outro momento ainda o cotejo com autores dos

séc. XVIII e XIX e, quiçá, com a tematização realizada pelos gramáticos antigos.

Partindo desse cenário, em nossa exposição, pretende-se, em um primeiro momento,

apresentar brevemente características particulares da prosódia do latim da época de

Plauto. Particularmente, trataremos da estrutura do tipo de verso que é considerado

como “verso falado” (i.e. não acompanhado de música, segundo a classificação que

descrevemos no início desta exposição): o senário iâmbico, verso largamente

empregado na comédia romana, constituindo cerca de 34% dos quase 21.150 versos

de Plauto, segundo estatísticas de Moore (2012, p. 382). Para tanto, vai-se tomar por

base, fundamentalmente, as considerações de C. Questa (2007), porém, em nenhum

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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momento, este trabalho tentará superestimar a importância ou relevância da variação

métrica do senário iâmbico, contudo, não poderemos deixar de observar possíveis

efeitos gerados pela variação de sílabas longas e breves no interior do senário. A

seguir, a título de exemplo das questões envolvidas na percepção da métrica plautina,

apresentarei uma escansão de alguns senários iâmbicos, mais precisamente de um

trecho do monólogo do parasita de Persa (Plaut., Per. 53-67). Por fim, teceremos

algumas considerações finais com vistas a sugerir que a variação métrica dos senários

iâmbicos pode ser observada como mais um recurso poético de que dispunham os

comediógrafos latinos.

Caroline Ferreira Cunha Santos

Universidade do Vale do Sapucaí

A LÍNGUA ESTRANGEIRA NAS LEIS EDUCACIONAIS: MOVIMENTOS E SENTIDOS

Partindo da perspectiva da Análise de Discurso de linha francesa, proposta por Michel

Pêcheux, e lançando o olhar para a legislação que rege o ensino brasileiro, este

trabalho propõe pensar discursivamente que sentidos têm sido produzidos pelo modo

como o ensino de língua estrangeira tem se constituído nesse espaço discursivo que

abrange as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Esta pesquisa tem

sido desenvolvida por meio de revisão bibliográfica e da análise discursiva de alguns

recortes das LDBs de 1961, 1971 e 1996. Algumas noções caras à análise de discurso,

como sujeito, sentido, memória, ideologia, formações discursivas, acontecimento

discursivo, entre outras, fundamentam essa pesquisa. Na Análise de Discurso, segundo

Orlandi (2007b), não se parte da exterioridade para o texto como na análise de

conteúdo, mas busca-se conhecer essa exterioridade pelo modo como os sentidos se

trabalham no texto, em sua discursividade. E é essa especificidade da exterioridade na

análise de discurso que transforma a noção de linguagem, pensando sua forma

material e desloca a própria noção de social, de histórico, de ideológico, da forma

como as ciências humanas e sociais as definem. Não se pode, portanto, separar o

linguístico, o histórico e o ideológico. E assim, o discurso é o lugar de observação do

contato entre a língua e a ideologia, sendo a materialidade específica da ideologia o

discurso e a materialidade específica do discurso, a língua (Orlandi, 2008, p.86). A

linguagem, para a AD, não se trata de instrumento de comunicação, antes é tomada

como prática, ação que transforma, que constitui identidades. Ao falar, ao significar,

eu me significo (Orlandi, 2007b, p.28). A noção de língua é tomada aqui em uma

abordagem discursiva como foi proposto por Pêcheux, que afirma que a língua não

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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existe na forma de um bloco homogêneo de regras organizado à maneira de uma

máquina lógica (Pêcheux in Orlandi, 2007a). Para Orlandi (idem), o deslocamento do

conceito de língua em sua autonomia absoluta, na lingüística, para a autonomia

relativa, considerando a materialidade histórica, distingue a análise de discurso tanto

da análise de conteúdo como da análise lingüística. Portanto, é preciso pensar a língua

não como algo abstrato, mas em sua materialidade. Assim, analisar esse corpus

discursivamente significa pensar na opacidade da linguagem, já que não há uma

verdade oculta atrás do texto, o que há são gestos de interpretação que o constituem

(Orlandi, 1999). Para isso não se pode separar o discurso da sua exterioridade, ou seja,

é imprescindível levar em conta as condições de produção do discurso. Faz-se

necessário atentarmos não apenas para o que é dito, mas como é dito, ou seja, atentar

para a materialidade da língua, pois o sentido não está nas palavras, ou em algum

outro lugar, pronto a ser descoberto, mas o que há são sentidos múltiplos que se

movimentam no domínio da memória. Movimento este que pode ser observado por

meio de repetições, equivalências, regularizações discursivas, do equívoco, da falta, do

silenciamento. Dentre as questões abordadas nesta pesquisa, destacam-se a produção

de efeitos de evidência acerca da língua inglesa como sinônimo de língua estrangeira,

entre outros; o apagamento da expressão “língua estrangeira” da LDB de 1961; o

efeito metafórico presente nas diferentes designações para língua estrangeira –

línguas vivas estrangeiras, línguas estrangeiras, língua estrangeira moderna – que

ocorrem na legislação. A legislação anterior a 1961 que regulamentava o sistema de

ensino brasileiro estabelecia que fossem ensinadas tanto as línguas clássicas como as

línguas vivas, produzindo, desse modo, uma regularização discursiva relativa ao ensino

de língua estrangeira. Em 1961, foi criada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) que regulamentou a educação formal em todas as

instituições de ensino brasileiras. Nesta lei, não há nenhuma ocorrência da expressão

“língua estrangeira”, e tampouco havia qualquer especificação das línguas a serem

ensinadas além da língua materna. Assim, possibilitava-se a inclusão da língua

estrangeira na grade curricular apenas como uma das duas disciplinas optativas que

cabia ao estabelecimento de ensino escolher. Consideramos, portanto, a LDB de 1961

um acontecimento discursivo, conforme definido por Pêcheux, como sendo o encontro

de uma atualidade e uma memória, o que irrompe nessa rede de regularização

discursiva e provoca um jogo de força na memória que, ao mesmo tempo, busca

manter essa regularização pré-existente e também perturba, desregula essa rede de

implícitos na memória (Pêcheux, 1999). Além disso, o ensino de língua estrangeira que

antes compreendia vários idiomas como francês, inglês, alemão, espanhol, passa a ser

predominantemente de língua inglesa. Conforme Celada (2002), teria havido um

deslocamento: o foco passa a estar na língua veicular – língua inglesa – e as outras

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Linguística

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línguas ficam destituídas de atenção ou desfocadas, privilegiando uma língua “que está

em toda parte”, o que tem a ver com a troca comercial. Assim, teria se produzido,

ideologicamente, no imaginário educacional um efeito de evidência em relação ao

inglês como língua estrangeira.

Clara Coelho Mangolin

Universidade Estadual de Campinas

APONTAMENTOS PRÉVIOS SOBRE A LINGUAGEM DAS MULHERES NO NÍVEL LEXICAL

E SUA RELAÇÃO COM FATORES SOCIAIS

Neste trabalho, serão apresentados resultados preliminares para a pesquisa de

Mestrado intitulada “Linguagem e Gênero: O desempenho lexical das mulheres sob um

olhar sociolinguístico”, a qual busca analisar a heterogeneidade intrínseca à fala da

mulher e desvendar os mecanismos sociais cuja ação influencia e, em última instância,

causa esta heterogeneidade. A perspectiva aqui adotada a respeito da relação entre

gênero e linguagem alinha-se com uma postura sociolinguística mais recente, que não

considera uma única variável como suficiente para justificar os usos linguísticos dos

sujeitos. Neste sentido, há um certo afastamento dos trabalhos clássicos realizados e

defendidos por linguistas como Labov (1972), Lakoff (1975), Trudgill (1972), Sankoff et

al. (1989), Deuchar (1988) e Chambers (1995), que apontam para a fala das mulheres

como sendo definida por uma busca pelo uso da variedade padrão, e uma

aproximação de teóricos como Eckert e McConnell-Ginet (2003), que em seu trabalho

“Language and Gender” trouxeram a perspectiva da fala da mulher como sendo

permeada e influenciada por uma série de fatores. Para defender e aprofundar esta

perspectiva, entrevistas sociolinguísticas estão sendo conduzidas com 12 mulheres de

diferentes faixas etárias; estas entrevistas são audiogravadas e posteriormente

analisadas dentro do nível lexical, com especial atenção ao uso de gírias e de

expressões idiomáticas. Todas as entrevistadas são participantes de diferentes

movimentos sociais e, portanto, apresentam um forte perfil de liderança e

engajamento em questões mais amplas como a politica, o sindicalismo, a luta contra o

preconceito e a busca de seus direitos. O contato com estas mulheres se dá através de

um método de rede de contatos, em que elas são indicadas por conhecidos em

comum; desta forma, busca-se evitar a alteração dos dados frequentemente

provocada por desconfortos entre entrevistado e pesquisador. Também há uma

preocupação em travar contatos prévios e regulares com as entrevistadas, na intenção

de criar uma atmosfera de maior confiança e permitir que estas se expressem

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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naturalmente no momento da entrevista real. As entrevistas seguem dois modelos

distintos: um deles mais informativo e abrangente, tratando de domínios pessoais, do

trabalho, do estudo e da participação da mulher em movimentos sociais; o outro, mais

concentrado na produção de comentários e reflexões da mulher sobre a importância

de cada um destes aspectos em sua trajetória de vida. Ao utilizar estes diferentes

modelos, esperamos encontrar variações na linguagem provocadas pela mudança de

gênero produzido na fala (o comentário em contraposição à narrativa), ao mesmo

tempo em que contamos com a influência da grande liberdade de expressão concedida

pela segunda entrevista sobre o aparecimento de uma maior quantidade de léxico

especial. Até agora, foram realizadas 07 das 24 entrevistas previstas, sendo que outras

05 têm previsão de serem realizadas dentro das próximas semanas; as demais

entrevistas serão realizadas conforme novas entrevistadas sejam contatadas. A coleta

e análise de dados realizada até o momento permitiu-nos constatar uma certa

constância do uso de linguagem padrão por parte das mulheres estudadas (tomando

aqui, como fator determinante do que seria a linguagem padrão e de seu uso, o

emprego de gírias comuns, em vez de gírias de grupo, bem como de expressões

idiomáticas mais tradicionais). Esta constância foi interrompida apenas pontualmente,

no caso de mulheres que apresentavam uma inserção sociocultural muito particular,

ou seja, que apresentavam características particulares em sua inserção nos meios de

estudo, trabalho e militância. Percebemos, assim, que a produção de linguagem destas

mulheres é marcada pela diferença, e tal diferença não pode ser satisfatoriamente

explicada pelo fator “faixa etária”, nosso principal elemento de controle - de fato,

observamos que o que existe é uma correlação entre o fator etário e outros fatores

sociais no desempenho relativo ao nível lexical na fala das mulheres. Desta forma,

podemos afirmar que este estudo, embora ainda inconcluso, já aponta para a

necessidade de uma teoria de base social mais aprofundada, o que pode ser alcançado

ao trabalhar a intersecção das teorias da Sociolinguística – área de diálogos por

excelência – com os campos da Antropologia, da Análise da Conversação e mesmo da

Análise do Discurso, a fim de alcançar um entendimento do social que vá além das

categorias duras de idade, gênero e classe. Vale mencionar que esta pesquisa também

faz parte do projeto “É nóis na fita: a formação de um registro e a elaboração de

registros no campo da cultura popular urbana paulista”, coordenado pela Profa. Dra.

Anna Christina Bentes da Silva; e, dentro deste, ele está colaborando na construção do

corpus proposto, além de também ter permitido observar com mais clareza como o

uso conjunto de gírias – que tornam a fala mais coloquial e a aproximam mais da

variedade não-padrão – e de expressões idiomáticas – que conferem a esta fala um

caráter mais formulaico, gerando a impressão de que o falante, por não possuir

conhecimentos sobre o assunto ou não conseguir expressar-se da maneira que deseja,

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Linguística

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precisa recorrer a enunciados prontos, universais – atua para constituir o que se

conhece como “fala popular”.

Claudia Freitas Reis

Universidade Estadual de Campinas

SOBRE OS SENTIDOS DA PALAVRA LÍNGUA: PLURILINGUISMO E DIVERSIDADE

A questão que apresentamos neste trabalho insere-se nos estudos semântico-

enunciativos e, como tal, implica numa reflexão que objetiva a compreensão do(s)

sentido(s) em torno da relação estabelecida entre as palavras que compõem um

enunciado, levando-se em conta que este, por sua vez, é também parte integrante de

um texto (cf. Guimarães, 2007). Em meu trabalho de doutoramento analiso os

documentos publicados pela UNESCO em seu site. Interessam-me, especificamente, os

textos que tratam de questões linguísticas. Criada no pós-guerra, a organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, toma para si a missão

de unificar e pacificar as nações. Todo seu esforço está em diminuir as assimetrias

entre os povos e assegurar os mesmos direitos a todos. Com base nestes preceitos, a

questão linguística torna-se pertinente na medida em que se coloca uma relação entre

língua e cultura que acarretará esforços para ações de preservação linguística (Reis,

2010), significando a preservação linguística enquanto uma preservação cultural.

Assim, instaura-se a importância do desenvolvimento de estratégias que implementem

uma espécie de “multilinguismo democrático”, uma circulação simétrica de línguas,

onde línguas majoritárias e minoritárias têm o mesmo direito a serem enunciadas. E,

desta forma, garantindo a circulação das línguas minoritárias nos mesmos espaços de

circulação das línguas majoritárias , estaríamos implementando a preservação das

línguas e, consequentemente, a permanência de determinadas culturas, patrimônios

da humanidade. Esta conjuntura nos colocou diante da seguinte pergunta: o que é

uma língua? Como a língua é significada nestes textos? Desta forma, a entrada para

este estudo foi a escolha da palavra língua para análise de seus domínios semânticos

de determinação (cf. Guimarães, 2007 ). O DSD de uma palavra é um aparato

descritivo que indica as relações de determinação que configuram o sentido de uma

palavra em um texto específico, ou seja, um dos objetivos de nosso trabalho será

percorrer os textos com vistas para as relações que funcionam na determinação dos

sentidos da palavra língua a partir da forma como esta se relaciona com outras

palavras dos textos que selecionamos para nossas análises. Acreditamos que este

estudo do DSD da palavra língua nos dará condições para pensar o funcionamento da

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Linguística

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argumentação. No trabalho que apresentamos aqui, trataremos, especificamente, do

estudo do DSD da palavra língua no texto disposto no site, cujo título é “Diversidad

lingüística y plurilingüismo en Internet”. Nesta análise, além do estudo do sentido da

palavra configurado pela relação desta com as outras palavras do texto, levaremos em

conta um outro elemento que vem sendo também objeto de nossa reflexão.

Trataremos do espaço de navegação viabilizado pelo site e do esquema de linkagem

que acreditamos ser significativo para a configuração do DSD, na medida em que

somos levados ao conteúdo que desejamos pelos links que são representados por

palavras. Assim, as palavras que indicam os links vão sendo significadas pela relação

que vai sendo traçada entre elas, pela navegação. É uma enumeração que vai

afunilando nossa navegação, especificando, de certa forma, aquilo que buscamos, até

chegarmos ao que buscamos. Pretendemos propor, então, uma articulação entre um

estudo linguístico desta linkagem e o estudo do DSD da palavra língua dentro do texto

selecionado. Nosso estudo se fará com base na Semântica do Acontecimento

(Guimarães,2002) o que coloca, entre outras coisas que :1. O sentido de uma palavra é

determinado no acontecimento de linguagem; 2. O sentido não é tratado por nós por

uma abordagem referencial; 3. O sentido de uma palavra deve ser pensado a partir da

relação que há entre esta palavra e o texto que ela compõe. Para a Semântica do

Acontecimento, os enunciados são considerados enquanto um acontecimento de

linguagem. Este acontecimento possui sua própria temporalidade que é instaurada

não pelo locutor, mas pelo próprio enunciado no acontecimento. Esta questão é

importante, pois nos faz considerar os elementos desta temporalidade: a sua

futuridade que coloca a interpretabilidade do enunciado e o memorável que recorta

um passado. Assim o sujeito se constitui por esta temporalidade instaurada pelo

acontecimento linguístico, pelo funcionamento da língua (cf. Guimarães, 2004). O site

será tratado enquanto um espaço que permite que línguas e falantes circulem, pelo

próprio funcionamento linguístico, em uma relação litigiosa. Desta forma, faremos

uma articulação que considera o site enquanto um espaço de enunciação onde as

relações entre línguas e falantes será atravessada pelo político, “O espaço de

enunciação é assim decisivo para se tomar a enunciação como uma prática política”

(Guimarães, 2007, p.206). Deste modo o estudo do sentido de uma palavra, deve

considerar, necessariamente, esta relação que se instaura no acontecimento

enunciativo, determinada pelo funcionamento político da linguagem. Pretendemos,

portanto, com nossas análises, contribuir para os estudos linguísticos semânticos,

apresentando as especificidades de nosso aparato teórico-metodológico, pela

produção de uma análise que possa propiciar a articulação entre o estudo do sentido

de uma palavra pelo seu DSD e a direção argumentativa que este estudo imprime ao

texto.

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Cristina de Souza Prim

Universidade Estadual de Campinas

PROPOSTAS DE ANÁLISE DA AMBIGUIDADE INTERNA AOS DPS CONTENDO NOMES E

ADJETIVOS

O exemplo em (1) a seguir pode ser interpretado com leitura intersectiva (1a) ou com

leitura não-intersectiva (1b), o que equivale a dizer que Olga dança rebeldemente.

(1) Olga é uma dançarina rebelde.

a. Olga é dançarina e Olga é rebelde.

b. Olga é rebelde como dançarina.

Na literatura encontram-se as duas possibilidades de análise para esta ambiguidade:

uma que aponta que nomes são predicados de um lugar e a ambiguidade de (1) deve

ser atribuída a alguma complexidade sintática e/ou semântica do adjetivo –

chamaremos esta de A-análise – e outra que aponta que o adjetivo seria um predicado

de um lugar e que a ambiguidade deve ser atribuída a algum tipo de complexidade na

estrutura do núcleo nominal – esta, por sua vez, chamaremos de N-análise. O objetivo

deste trabalho é apresentar e comparar as análises. A A-análise, mais frequentemente

encontrada na literatura, assume que nas línguas românicas a posição pós-nominal

pode, a princípio, ter duas leituras, o que é corroborado pelo exemplo acima, e a

posição pré-nominal permite apenas uma delas. Nesta linha, muitos teóricos, como

Cinque (1993, 2010), Crisma (1990, 1993, 1996), Bernstein (1993), entre outros,

assumem que adjetivos são gerados na posição pré-nominal e nomes (ou

constituintes) movem-se sobre os adjetivos, resultando em adjetivos pré ou pós-

nominais, dependendo do número de movimentos. Cinque, em seu trabalho The

syntax of adjectives (2009), propõe uma abordagem que trata a semântica e a sintaxe

dos adjetivos unificadamente. A sugestão de que adjetivos entram na estrutura de DPs

de duas formas talvez seja o principal ponto defendido em Cinque (2007): adjetivos

são originados ou como modificadores sintagmáticos diretos de núcleos funcionais da

projeção estendida de N ou como predicados de relativas reduzidas, gerados acima da

projeção funcional que apresenta o primeiro tipo de adjetivos. Cada uma dessas

formas de engendramento básico de adjetivos está associada a diferentes

propriedades interpretativas e sintáticas. Os dois tipos de modificação adjetival são

gerados no campo pré-nominal, mas cada um deles passa por um tipo diferente de

movimento sintagmático para se tornarem pós-nominais. Visto que esta hipótese

considera que, em um exemplo como (1), é o adjetivo que provoca a ambiguidade

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Linguística

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

observada de acordo com a posição que ocupa, é inesperado encontramos

ambiguidade na posição pré-nominal; é inesperado ainda que um mesmo adjetivo, se

aplicado a nomes diferentes, tenha a princípio comportamentos diferentes. No

entanto, é possível refutar estas consequências da teoria com exemplos como os que

seguem:

(2) Maria é uma bailarina sensual (leitura intersectiva ou não-intersectiva)

(3) Maria é uma economista sensual (somente leitura intersectiva)

(4) O bom ladrão

Já de acordo com a N-análise, são as propriedades do nome que produzem

ambiguidade dos DPs. Larson apresenta uma proposta para clarificar exemplos como

(1) a partir do ponto de vista composicional. Diferentemente das A-análises, que

apontam que, basicamente, os adjetivos são ambíguos entre uma leitura intersectiva e

não-intersectiva, Larson postula um argumento evento para o nome. Baseando-se no

trabalho de Davidson, de 1967, sobre os advérbios, Larson defende que nomes com

uma clara contraparte verbal (administrador, dançarina, cantor) e com uma

contraparte referindo a um estado ou ação (violinista – que toca violino) motivam

estrutura de eventos em nominais. Larson propõe um argumento evento nos nominais

para dar conta da leitura não-intersectiva. No exemplo acima, o nome é um deverbal

com uma estrutura complexa que contém, no mínimo, referência a alguma atividade e

o agente da atividade: administrador é um predicado de dois lugares <x,e> sendo e a

administração e x o agente da administração. Segundo a análise de Larson, os adjetivos

são predicados de apenas um lugar, e podem ser aplicados a indivíduos, eventos ou

ambos. Quando a semântica do AP previne a aplicação dos dois tipos de entidade, a

estrutura de modificação de N não é ambígua. Um exemplo: embora pessoas possam

ser idosas, eventos e estados não podem ser; idoso, pontanto, só predica indivíduos. Já

anterior, como em “Lula foi o presidente anterior”, se aplica a eventos, mas não a

pessoas: “anterior(e), mas não “anterior(Lula). Há ainda aqueles que podem predicar

de ambos, indivíduos ou eventos, como é o caso de rebelde e sensual nos exemplos

acima. Para Larson, sempre haverá ambiguidade quando a semântica dos APs permitir

aplicar tanto a “indivíduos” quanto a “eventos/estados”. De fato, o que Larson

defende é que não há leitura não-intersectiva, mas há interseção de A com grupos

diferentes: no caso de (10), a interseção pode ser com dancer ou com dancing. A

análise do adjetivo é simplificada dessa forma, pois não há divisão de AP; todos os

adjetivos são predicados, mas de formas diferentes. A análise ganha uma vantagem

imediata com isto: desta forma, a aproxima-se “beautiful dancer” e ‘dances

beautifully”. No entanto, a N-análise não explica claramente como analisar DPs com

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mais de dois adjetivos. Em geral, este é o problema de muitas análises que tentam

explicar o comportamento dos adjetivos (e um exemplo que podemos citar aqui é a

Hipótese de Movimento de Núcleo). A leitura de evento de beautiful é bloqueada

quando um predicado de indivíduo intervém, pois a leitura não-intersectiva é que deve

estar mais próxima de N. Se os modificadores intersectivos acessam livremente os

argumentos, este resultado é inesperado:

(5) a. Olga is a beautiful blonde dancer.

b. Olga is a blonde beautiful dancer.

As duas propostas apresentadas anteriormente apresentam conjecturas interessantes,

ainda que nenhuma delas seja desprovida de problemas. Será discutida cada proposta

com mais afinco e por fim se argumentará a favor da N-análise, em especial pela

simplicidade e elegância que há por trás da proposta.

Daiane Rodrigues de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

A CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO MISSIONÁRIO BATISTA NO BRASIL: QUESTÕES

INICIAIS DE UMA ANÁLISE DISCURSIVA

A missão evangelística constitui-se como um lugar fundamental no discurso cristão,

seja ele católico ou protestante. O envio sistemático de missionários protestantes para

o Brasil começou em 1836, com a chegada do Reverendo metodista Spaulding. Em

1858, foi fundada a primeira comunidade protestante do país: a Igreja Evangélica. Em

1881, foi organizada por missionários norte-americanos a Primeira Igreja Batista no

Brasil. Tal igreja tem se destacado pela grande ênfase dada ao trabalho missionário. Os

batistas procuram o indivíduo para “salvá-lo” e fazem dele um “propagandista” de sua

mensagem. A vida do protestante batista se define, assim, em três “tempos”: a

conversão, a instrução e a evangelização. Segundo a Convenção Batista Brasileira, a

missão primordial do povo de Deus é a evangelização do mundo. Nesse sentido, essa

Convenção criou em 1907 duas organizações responsáveis pelo gerenciamento do

trabalho missionário. A Junta de Missões Mundiais (JMM) tem como objetivo atuar na

expansão da igreja batista além das fronteiras do Brasil. Já a Junta de Missões

Nacionais (JMN) tem como objetivo a expansão nacional da igreja Batista. A cada ano,

essas juntas desenvolvem uma campanha evangelística. Cada campanha tem um tema

(slogan), uma divisa (um texto bíblico) e um alvo (em dinheiro) estabelecido. Tendo

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Linguística

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isto em vista, o objetivo do presente trabalho é discutir a constituição do discurso

missionário protestante no Brasil. Mais especificamente, o funcionamento do discurso

das Juntas missionárias batistas. Para este trabalho, tomaremos como corpus de

análise textos institucionais dessas Juntas sobre a formação, objetivos e modo de

trabalho dessas organizações. Para tanto, levamos em consideração a proposta de

Maingueneau (2006) a respeito do funcionamento dos discursos constituintes.

Segundo esse autor, os discursos religioso, filosófico, científico e literário têm um

estatuto particular, na medida em que não reconhecem nenhuma autoridade acima de

si mesmos. A esse grupo de discursos, o autor chama de discursos constituintes. Tais

discursos se propõem como Origem, não reconhecendo nenhuma outra autoridade

além de sua própria e não admitindo quaisquer outros discursos acima de si mesmos.

Eles são ao mesmo tempo auto e heteroconstituintes. Autoconstituintes, porque

fundam, mas não são fundados por outros discursos, e heteroconstituintes, porque

desempenham um papel constituinte em relação aos outros. Esses discursos se

apresentam como ligados a uma Fonte legitimadora que lhes concede acesso à

verdade e lhes atribui superioridade sobre os demais. Esses discursos legitimam as

práticas discursivas de uma coletividade e funcionam como fiadores (como lugar de

autoridade, norma e garantia) de múltiplos gêneros do discurso. No campo religioso,

cada posicionamento constituinte pretende nascer de um retorno à Verdade divina,

que os demais posicionamentos teriam esquecido ou subvertido. Nesse sentido, faz

parte do funcionamento do discurso religioso missionário que os batistas se

apresentem como responsáveis pela “salvação do mundo”. Para a análise, levamos em

consideração também a proposta de Amossy e Pierrot (2001) a respeito da noção de

estereótipos. Segundo as autoras, essa noção entra na problemática da Análise do

Discurso pela noção de pré-construído. O estereótipo funcionaria como um tipo de

pré-construído, na medida em que é um elemento prévio do discurso, afirmado pelo

enunciador, mas cuja origem já está esquecida (“já-dito” antes e em outro lugar).

Desse modo, a ativação/construção de estereótipos funciona na relação entre os

diferentes posicionamentos discursivos, porque está ligada ao interdiscurso ou

memória do dizer. As autoras afirmam que o estereótipo tem um caráter inevitável e

indispensável, na medida em que é um elemento constitutivo da relação do ser

humano consigo “mesmo” e com o “outro”. Nesse sentido, mesmo sendo às vezes

negativos, eles são fundamentais para a coesão de um grupo e a consolidação de sua

unidade. Possenti (2004) afirma que o estereótipo, quando é negativo, funciona como

um simulacro no sentido proposto por Maingueneau (1984), o qual propõe que a

relação entre os discursos se dá por um processo de interincompreensão, inscrito nas

próprias condições de possibilidade de um discurso. Para Maingueneau, o

desentendimento recíproco é próprio da relação entre os discursos. Um enunciador

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Linguística

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discursivo só pode ‘imitar’ o seu Outro a partir de seu próprio discurso, referindo-se a

ele por meio de traduções ou “simulacros” que constrói dele. Desse modo, é

constitutivamente “normal” que o discurso missionário construa a imagem de seus

“outros” por meio de simulacros, derivados de estereótipos de tipo oposto (negativo).

Nesse sentido, embora o discurso batista tente se apresentar como tolerante, sempre

constrói uma imagem de seu outro a partir de uma série de simulacros e estereótipos,

como aquele que precisa ser evangelizado. Além de construir uma imagem negativa de

seu outro, por meio de estereótipos e simulacros, o discurso batista também constrói

uma imagem de si como “proclamador de direito da salvação” do mundo,

apresentando-se como uma verdade absoluta e necessária. Essa posição inscreve-se

em um funcionamento típico do discurso missionário. Tendo em vista esses

pressupostos teóricos, neste trabalho, buscamos, portanto, analisar discursivamente a

constituição das juntas missionárias batistas, a fim de discutir o funcionamento do

discurso missionário nos séculos XX e XXI no Brasil.

Danusa Lopes Bertagnoli

Universidade Estadual de Campinas

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO USO DE "SUPER" COMO MODIFICADOR ARGUMENTATIVO

DO VERBO

Este trabalho procura descrever e analisar um fenômeno bastante recente que temos

observado no português brasileiro: o uso de “super-” não mais como um prefixo que

se liga ao verbo (como em “superproteger”, “superestimar”), mas como uma unidade

autônoma que incide sobre ele (como em “super quero”, “super topo”, “super

imagino” etc). Podemos observar que neste caso “super” deixa de funcionar como um

prefixo que se liga a uma base lexical, para funcionar como uma forma livre que se

relaciona ao verbo podendo inclusive exibir mobilidade sintática em relação a ele

(“comeu super”, “merece super”), o que demonstra que nestes casos ele já não

funciona mais como prefixo. Este destacamento de “super” da base lexical já ocorre há

algum tempo no português brasileiro, podendo funcionar como nome (“super” para

“supervisor”) como nos mostra o Dicionário de Usos do Português do Brasil (BORBA,

2002, p.1502), como adjetivo (“gasolina super”, “casa super”) (SANDMAN, 1989) ou

ainda como advérbio de intensidade que modifica outro advérbio (“ele falou super

bem”). É este destacamento de “super” (a sua existência como forma livre) que chama

nossa atenção para este estudo. Interessa-nos mapear se ela pode ocorrer com todo e

qualquer verbo, ou se há alguma restrição (de aspecto, tempo, modo) que impede esta

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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articulação e, principalmente, compreender como esta forma ao se desligar da base

lexical modifica o verbo, produzindo assim uma orientação argumentativa sobre o

enunciado em que aparece. Dessa forma, para estudar este fenômeno linguístico

fundamentamos nosso trabalho na Semântica Enunciativa articulando duas

abordagens que, ainda que sejam bastante próximas, apresentam certas

particularidades que as distinguem. Considerando o sentido de intensificação que

constitui a forma “super”, trabalhamos com os conceitos de “escalas argumentativas”

e de “modificadores” (realizantes e desrealizantes) propostos por Ducrot (1973, 1995)

em sua Teoria da Argumentação na Língua, além do conceito de “modificadores

sobrerealizantes”, proposto por García Negroni (1999) nesta mesma perspectiva.

Nesta teoria, Ducrot define a argumentação como uma propriedade inerente à língua,

como sua função primeira, sendo que, em sua configuração mais recente, essa

argumentatividade não estaria mais restrita apenas aos operadores argumentativos

(descritos por Ducrot no início de sua formulação teórica), mas se estenderia ao léxico

da língua, os nomes e verbos que Ducrot reúne no termo “predicados”. Estes

predicados têm um potencial argumentativo que pode ser reforçado ou atenuado

quando empregados em um discurso a partir da incidência de modificadores (adjetivos

e advérbios) sobre eles. Os modificadores que reforçam este potencial argumentativo

são chamados pelo autor de “modificadores realizantes” (MR), enquanto que aqueles

que o atenuam ou invertem são chamados de “modificadores desrealizantes” (MD).

García Negroni (1999) propõe ainda uma terceira classe de modificadores, os

“modificadores sobrerealizantes” (MS), que indicam o grau máximo de um predicado,

situando seu potencial argumentativo em uma escala que não é banal, mas

extraordinária. Para compreendermos estes conceitos, podemos observar o predicado

“solução” modificado pelos adjetivos “difícil”, “fácil” e “facílima”, em que “difícil” seria

um MD de “solução”, pois atenua seu potencial argumentativo em direção à “não

solução”, “fácil” seria seu MR, pois reforça seu potencial argumentativo, enquanto

“facílima” seria seu MS, uma vez que “a solução não só é fácil, como é facílima”, de um

modo extraordinário, fora do comum. Estes conceitos são ferramentas fundamentais

para nossa análise, pois partimos da hipótese de que “super” parece funcionar (no

caso que temos estudado) como um modificador que indica o grau máximo na escala

argumentativa em que se inscreve o verbo ao qual se relaciona. Podemos observar

esta gradualidade de “super” no exemplo “Olha como ele tá gordinho. Ele comeu

super hoje”, em que “super” coloca o verbo “comer” em uma escala extraordinária, já

que em “comeu muito” temos um reforço argumentativo de “comer” (“de fato ele

comeu”) e em “comeu pouco” temos uma atenuação deste predicado (“ele quase não

comeu”), mas ainda em uma escala ordinária, daquilo que se espera. Porém, neste

exemplo, observamos que “super” intensifica o potencial argumentativo de “comer”

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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em seu grau máximo, situando-se assim em uma escala argumentativa extraordinária e

constituindo o argumento para o enunciado anterior (“Ele está gordinho porque

comeu super”). Ainda que mobilizemos os conceitos da Teoria da Argumentação na

Língua, ao abordarmos questões relativas à enunciação nos inscrevemos na Semântica

do Acontecimento, como é desenvolvida por Guimarães (2002), a partir de alguns

deslocamentos produzidos por este autor em relação à perspectiva de Ducrot. Neste

sentido, trabalhamos com a noção de enunciação como um acontecimento histórico

que instala sua própria temporalidade, configurado por uma cena enunciativa que nos

mostra os lugares sociais a partir dos quais se enuncia e para quem se enuncia, bem

como os memoráveis recortados por esta enunciação. Além disso, procuramos estudar

a forma “super” a partir das relações que estabelece com outras formas no enunciado,

pois acreditamos que é a partir dessas relações que se constitui o seu sentido. Por fim,

tomamos o enunciado como uma unidade que integra um texto e que tem seu sentido

constituído a partir dessa relação de integração (GUIMARÃES, 2011). É sob esta

abordagem que procuramos descrever o funcionamento de super enquanto um

modificador argumentativo do verbo.

Diego Jiquilin-Ramirez

Universidade Estadual de Campinas

PISTAS SINCRÔNICAS E DIACRÔNICAS DAS FRICATIVAS POSTERIORES DE TRÊS

DIALETOS HISPÂNICOS

A tese se propõe a investigar os aspectos acústico e articulatórios das fricativas

posteriores do português brasileiro e alguns dialetos do espanhol a partir dos pontos

de vistas diacrônico e sincrônico. Já que a pesquisa ainda se encontra em andamento,

apenas nos atemos aos dialetos do espanhol, por isso apresentamos um estudo

preliminar com atenção neste idioma. Diacronicamente, investigamos as origens dos

atuais sons fricativos posteriores do espanhol. Sincronicamente, realizamos análises

estatísticas e qualitativas sobre três variedades do idioma. O objetivo é entender a

mudança lingüística desses sons de maneira que a perspectiva dinâmica e simbólica da

diacronia conflua ao dinamismo e simbologia da sincronia. Retiramos exemplos de

sons posteriores das demais línguas romances e chegamos ao latim, idioma em que a

“aspiração” ocupou dois estatutos diferentes: i) variação alofônica entre a fricativa ou

sua ausência, a presença do fone era indício de condição social elevada ii) e aspiração

depois de oclusiva, fone tomado emprestados dos gregos. Os sons fricativos

posteriores do espanhol, no entanto, não se originam de nenhum desses dois casos.

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Historicamente, existiu um fonema fricativo glotal proveniente de f- latino – e que nos

dias atuais desfonologizou-se e apenas subsiste em alguns dialetos. O espanhol, língua

em pauta neste trabalho, apresenta pelo menos um som fricativo velar (exemplo:

[x]igante) em seu sistema fonológico atual - fruto da (trans)fonologização de outros

sons latinos (como a palatalização de “l” ou do grupo “cl”, por exemplo) – e, pelo

menos, outro glotal como variedade dialetal (exemplo: ca[x]a ~ ca[h]a),

frequentemente encontrado na pronúncia andaluza e na da zona do Caribe. A que se

deveu o aparecimento destes sons, ou melhor, o que contribuiu para que ocorresse a

fonologização de sons posteriores neste idioma moderno? Como surgiram no espanhol

dos dias atuais? A resposta a estas perguntas pode se mostrar reveladora se

reavaliamos a unidade mínima de análise. Labov (1996) já aponta, em Lingüística

Histórica, uma polêmica sobre a unidade fundamental da mudança lingüística: por

alguns considerada o fonema, para outros a palavra. Para poder observar as mudanças

do passado da língua, avaliamos os processos de mudança sincrônica. Hoje, o fonema

é realizado pelo menos em três pontos diferentes do trato vocal, segundo seja o

dialeto em que é produzido. Para analisar estas três variedades, gravamos amostras da

fala madrilenha, paraguaia e caribenha. Contamos com três sujeitos representantes da

fala de Madri, Espanha, dois homens e uma mulher. Como representantes da fala

paraguaia, gravamos duas informantes, ambas provenientes de Assunção. Para obter

amostras da fala do Caribe, contamos com mais sujeitos, já que a zona dialetal abarca

vários países: são quatro os sujeitos colombianos, três mulheres e um homem

oriundos de Bogotá; um venezuelano, da capital Caracas; uma salvadorenha, de San

Miguel; um sujeito de sexo masculino proveniente de San José de Costa Rica, Costa

Rica, e um cubano de La Havana. Todos os informantes, com alto nível de escolaridade,

se encontram na faixa etária de 25 a 35 anos. Como variáveis independentes

escolhemos o contexto vocálico de ocorrência do fone. A articulação nas zonas

posteriores, além de ser influenciada pela variedade dialetal, varia segundo se articule

entre [a]_[a],[i]_[i] ou [u]_[u]. A palavra alvo foi introduzida numa frase veículo não

forjada, retirada de textos reais. Palavras, cuja fricativa se encontre entre [a]_[a] é

muito mais freqüente que entre [i]_[i]. Este contexto, por sua vez, é muito mais

comum que [u]_[u]. Para sanar a dificuldade em encontrar palavras pouco frequentes,

utilizamos a ferramenta de busca disponibilizada pela Real Academia Española (RAE)

denominada CORDE (Corpus Diacrónico del Español). Escolhemos um corpus

diacrônico porque pudemos ter ampliada a ocorrência de palavras. Por isso, dentre os

vocábulos que foram alvos do estudo contamos com certo léxico arcaizante, uma

minoria. Uma vez que os informantes são sujeitos altamente escolarizados, não houve

dificuldades de leitura das frases mais arcaicas. Mesmo assim, eles foram submetidos a

uma leitura prévia antes da gravação, de modo a que estivessem treinados. O corpus

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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foi coletado no Laboratório de Fonética do Consejo Superior de Investigación Científica

(CSIC), localizado em Madri, Espanha. Qualitativamente, especulamos a oscilação

formântica das fricativas em pauta. Segundo a teoria da perturbação e o modelo linear

fonte-filtro de produção da fala (Fant, 1960; Stevens & House, 1961; Stevens, 1998), a

oscilação do formante com relação aos formantes das vogais adjacentes podem

oferecer pistas sobre os pontos de articulação da consoante. Quantitativamente,

seguindo a metodologia apresentada por Forrest et al (1988) e Jongman et al (2000),

em estudo anterior, testamos uma análise dos quatro momentos espectrais: centro de

gravidade, variança, assimetria e curtose. Percebemos que os momentos espectrais

podem ser úteis para descrever a produção da fricativa de acordo com o contexto

vocálico. De todos os modos, não tomamos nem a palavra nem o fonema como

primitivo de análise, propomos o gesto articulatório como unidade de descrição da

mudança lingüística. Esta unidade pode explicar tanto a mudança no nível da palavra,

quanto no nível do fonema. Sob a ótica da Fonologia Gestual (Browman & Goldstein,

1985, 1986, 1991; Browman, Byrd & Saltzman, 2006), fazemos uma revisão profícua

sobre os estudos diacrônicos das fricativas posteriores do espanhol. Ainda devemos

levantar bibliografia sobre a história das fricativas posteriores do português e aplicar a

mesma metodologia de análise sincrônica às nossas consoantes.

Diogo Martins Alves

Universidade Estadual de Campinas

HIGINO E A MORTE DO AUTOR

A relevância da obra Fabulae, atribuída a um certo Higino, tende a ser cada vez mais

reconhecida nos estudos mitográficos. No entanto, as controvérsias que se fazem

sobre sua denominação à atribuição de sua autoria têm influenciado diretamente na

apreciação dessa obra – que tem, aliás, estatuto filológico peculiar, uma vez que o

acesso ao texto se dá por meio de uma edição renascentista de 1535, já que dele não

nos foi legado nenhum manuscrito completo. Alguns estudiosos (entre eles autores de

edições críticas) divergem quanto ao valor da obra em si, considerando-a desde a uma

mera e medíocre tradução de um compêndio grego, hoje perdido, até o mais

importante manual de mitologia legado pela Antiguidade greco-romana. A partir de

seu índice, sabe-se que as Fabulae constituem um compêndio em que se encontrariam

277 relatos mitológicos greco-latinos narrados em prosa. Contudo, no texto que hoje

se dispõe, muitas “fábulas” cujos títulos ali são indicados estão ausentes, e várias

outras se encontram bastante incompletas. Desse modo, considerando também essas,

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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no total, transmitem-se apenas 246 fabulae higinianas. Outra questão (e não menos

problemática) está na definição de seu gênero. Costuma-se sugerir que a obra seria

constituída de três partes, a saber: i) o prefácio (praefatio), que, por sua estrutura e

conteúdo (formada por uma sequência de nomes próprios no ablativo e nominativo,

indicando os genitores e os filhos, respectivamente), seria uma genealogia; ii) as

“fábulas”, propriamente ditas, que apresentam as narrativas mitológicas (são as

Fabulae de número I a CCXX, correspondendo à maior parte da obra); e iii) os

catálogos, em que são apresentadas predominantemente inúmeras listas de nomes

próprios (Fabulae de número CCXXI a CCLVII e CCLXIV a CCLXXVII), com temáticas

diversas - como, para citar apenas alguns exemplos: as mães que assassinaram seus

filhos (CCXXXIX), quem foram os efebos mais belos (CCLXXI) ou então quem foram os

inventores e o que foi inventado (CCLXXIV). Em nossa pesquisa, temos por intenção a

tradução e análise do que chamamos, na esteira de Boriaud (1997:xxviii), dos catorze

primeiros ciclos mitológicos da obra – em que se encontram, inclusive, mitos para os

quais hoje Higino é a única fonte antiga. Não temos por pretensão qualificar a obra: o

intuito é, antes, observar seu texto, com destaque a características relacionadas a sua

língua, estilo e gênero, investigando, inclusive, a relevância de tais aspectos para o

estudo mais geral dos mitos ali referidos, bem como de outros a estes relacionados.

Como metodologia, partimos da elaboração de uma tradução anotada do corpus,

destacando nas notas: as questões que se mostram relevantes aos aspectos

linguísticos, - nomeadamente relativos à língua latina e a recursos textuais (como o uso

de discurso direto, citações, poliptoto, figuras etimológicas, repetições, construções

sintáticas, etc.) -, bem como efeitos e relações com as convenções genéricas das

fabulae que decorrem a partir da recorrência de tais aspectos estilísticos. Procuramos

também observar questões de mitologia e cultura greco-romana em geral

evidenciadas nos textos, com destaque ao cotejo com outros textos antigos (de

gêneros vários) que se referem aos mitos das fábulas, atentando à diferença e

semelhança da versão do mito em Higino e visando, sempre que possível, uma análise

intertextual. Sobre essa análise, em estudos preliminares temos encontrado

correspondências entre as narrativas higinianas e obras de diversos autores da

Antiguidade, sobretudo as do sulmonense Ovídio (43 a.C – 17? d.C.). Observamos

também que as discussões que tendem a qualificar a obra muitas vezes têm

demonstrado preferência por determinados modelos e, como pressuposto, o apego a

um conceito de “tradição clássica” restrito, e por vezes excludente (por exemplo, ao

apontar versões de Higino, quando divergentes com relação a outros textos, como

“erros”). Tal preferência e premissa na leitura do texto das Fabulae têm gerado, por

exemplo, propostas de emendationes. Ademais, a partir de uma perspectiva classicista

da língua, o estilo higiniano tem sido considerado pedestre. No entanto, uma maior

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Linguística

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

atenção ao texto tem nos revelado que recursos constantes têm determinados efeitos:

contribuem notavelmente para uma impressão de objetividade da obra, i.e. para dar a

impressão de seu caráter compilatório. Em outras palavras, a nosso ver, tais recursos

sugerem um aparente apagamento da figura do autor. Ora, embora pareça haver

certo apagamento, de modo a caracterizar Higino como mero transmissor dos

conteúdos dispostos, isso não indica que o autor, e sua inuentio, não existam. Pelo

contrário, são os recursos empregados em tal apagamento que o configuram como

autor de sua seleção e apresentação da matéria. Dessa forma, a suposta falta de

preocupação com um estilo mais valorizado em si (por exemplo, com uma uarietas em

termos lexicais ou de figuras de linguagem) parece sublinhar uma preocupação em

caracterizar como informação o que se apresenta, isto é caracterizar o enunciado

como “dado” mitológico (não como invenção de Higino, por exemplo). Esse estilo

ainda é corroborado com a escolha pelos gêneros que encontramos na obra, como o

catálogo e a genealogia, que, consistindo basicamente em enumerações de nomes,

compreendem grande parte da obra. Por fim, a menção a outros autores antigos (por

exemplo, Eurípedes e Sófocles, ou mesmo Cícero), declaradamente (seja no título, seja

na narrativa), configura-se também um recurso que contribui para o possível propósito

de efeito de (mera) compilação acima mencionado: àqueles é transferida a autoria da

versão, cujo texto higiniano apenas transmitiria. Nesse sentido, sabemos que uma

comparação de “informações”, “dados” disponibilizados na obra em estudo com a

versão de outros autores que tratem dos mitos ali abordados já se mostra presente

nos estudos clássicos, porém isso se dá normalmente de modo instrumental, num

sentido único: na tentativa de compreender o texto ou poesia dos demais autores.

Uma apreciação do texto e estilo da obra higiniana a partir deste cotejo, e dos efeitos

de sentido que um possível diálogo entre os textos traria às Fabulae, contudo, ainda se

mostra desejável.

Eclenir da Silva

Universidade Estadual de Campinas

UM ΕSTUDO SOBRE A FONOLOGIA DA LÍNGUA MASTANAWA

Minha pesquisa apresenta um estudo sobre a fonologia da língua Mastanawa. O

Mastanawa pertence à família linguística Pano e é falado por um povo do mesmo

nome que está localizado na selva baixa, às margens do rio Purus, distrito de Purus,

Província de Coronel Portillo, Departamento de Loreto, no Peru. Esta região fica na

fronteira do Brasil (Estado do Acre) com o Peru. A língua Mastanawa faz parte do

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Linguística

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grupo de línguas indígenas que estão ameaçadas de extinção, por isso, o objetivo da

pesquisa é contribuir para a preservação da mesma. Nosso primeiro contato com a

língua Mastanawa ocorreu durante a graduação, através do programa de iniciação

científica, quando participamos do projeto de reconstrução da família Pano

desenvolvido pelo GICLI – Grupo de Investigação Científica de Línguas Indígenas. No

projeto, trabalhamos com quatro línguas dessa família, entre elas, o Mastanawa.

Nesse período nos foi fornecido por Eugene E. Loos uma lista de palavras e frases que

haviam sido coletadas por alguns estudiosos e compiladas por esse autor. Então, com

esses dados em mãos, fomos ao campo com o objetivo de conferir os mesmos e

coletar novos dados linguísticos. O trabalho de campo ocorreu em novembro de 2011,

quando estivemos entre os Mastanawa durante 18 dias, nos relacionando com o povo,

conhecendo seus costumes e modo de vida, enquanto coletávamos os dados

linguísticos para a composição da pesquisa. Na coleta de dados, usamos questionários

em Português e Espanhol. Nosso principal colaborador foi um falante nativo da língua

Mastanawa, que também fala fluentemente o Espanhol e entende um pouco de

Português. Na pesquisa apresentamos algumas informações sobre o povo Mastanawa,

ou seja, alguns aspectos da cultura e sobre a língua. Quanto à origem dos Mastanawa,

não existem informações precisas. São considerados como um grupo muito isolado, do

qual pouco se conhece. De acordo com alguns pesquisadores, a história dos

Mastanawa se assemelha à de outros povos da família Pano, como por exemplo, os

Sharanawa. Segundo as pesquisas os Mastanawa se estabeleceram às margens do

Purus há mais ou menos 50 anos, isto por estarem fugindo das epidemias que

assolavam as populações indígenas na época. Hoje, a população Mastanawa, que é de

aproximadamente 150 pessoas, se encontra distribuída em quatro aldeias: Naranjal,

Kataya, Três Bolas e Sinaí. Sua economia depende da agricultura de subsistência, caça

e pesca. A base de sua alimentação é a banana, a macaxeira, o milho e a carne. No que

se refere à língua, a maior parte da população é bilíngue, tem o Espanhol como

segunda língua. Os mais velhos são monolíngues, falam apenas o Mastanawa.

Previamente à descrição dos segmentos fonéticos, fizemos uma breve exposição sobre

os sons, do ponto de vista de sua descrição e produção. Quanto ao sistema fonético, a

língua Mastanawa é composta por 24 fones consonantais, são eles: [p], [b], [t], [d], [c],

[k], [q], [/], [ts], [tS], [dZ], [∏], [s], [S], [ß], [h], [m], [n], [¯], [N], [≤], [R], [w] e [j]; e 12

fones vocálicos: [i], [ i)], [Æ], [Æ)], [u], [u)], [I], [ɘ], [o], [õ], [a] e [a]. Na análise fonêmica

dos sons, aplicamos os critérios de contraste, distribuição complementar e variação

livre, segundo a metodologia descrita em Keneth L. Pike e Donald A. Burquest.

Paralelamente, também consideramos os aportes teóricos de análise fonológica

encontrados em autores como N. S. Trubetzkoy, Larry M. Hyman e Bruce Hayes. É

importante ressaltar que os resultados da pesquisa apresentados a seguir são

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preliminares. Com relação aos fones consonantais, foram comprovados como

fonemas, através do critério de contraste em ambientes idênticos, os seguintes sons:

/p/, /b/, /∏/, /t/, /d/, /n/, /R/, /ts/, /tS/, /k/, /dZ/, /s/,/S/ e /ß/; e através do critério de

contraste em ambientes análogos: // e /¯/. Os alofones encontrados através do

critério de distribuição complementar são: [k], [c] e [q] que são alofones do fonema

/k/; e [n], [N] e [≤] que são alofones do fonema /n/; e por meio do critério de variação

livre, observamos que os fones [dZ] e [j] variam livremente quando precedem [a].

Quanto à oclusiva glotal [/], sua ocorrência é previsível, ocorre apenas no meio de

palavras e entre fones vocálicos, é precedida pela aproximante palatal [j], mas não por

fones vocálicos nasais, também precede a aproximante labial [w], é usada apenas

como recurso para fechamento de sílaba. Ainda falta decidir o status de [h] e dos

segmentos ambivalentes [w] e [j]. No que se refere às vogais, foram comprovadas

como fonemas através do critério de contraste em ambientes idênticos, os seguintes

sons: /i/ e /Æ/; e através do contraste em ambientes análogos: /a/; e como alofone, o [ɘ]

que se encontra em distribuição complementar com [Æ]; quanto ao critério de variação

livre, observamos que os seguintes sons variam livremente: [i] e [I]; [o] e [u], quanto a

estes, faremos uma nova revisão dos dados para decidir se o fonema é [o] ou [u]. Com

respeito às vogais nasalizadas, estamos revendo os dados e verificando se as mesmas

são realmente nasalizadas ou se existem vogais nasais na língua.

Edinamária Conceição Mendonça

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

O SUJEITO SOB O IMPERATIVO DA VISIBILIDADE

A pesquisa investiga o modo como se deu o processo de espetacularização do sujeito

na vida pública do Rio de Janeiro no contexto da comemoração do Centenário de

Abertura dos Portos em 1908. Constituída na interface da Análise de Discurso (AD), da

Memória Social e da História, busco investigar o modo pelo qual o sujeito se insere em

uma ordem de visibilidade social, considerando que esta mesma ordem é constituída

por processos discursivos-memorialísticos que se dão na vida social, em um

determinado tempo e lugar. Parto do pressuposto de que este processo se dá no

âmbito do imaginário, fazendo-se necessário apreendê-lo em uma materialidade

específica. Tomei então, como materialidade investigativa a comemoração do

Centenário de Abertura dos Portos, o qual será considerando como um evento-

símbolo acerca dos modos de imaginar e vivenciar a modernidade no início do século

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XX. Acredito que em função das condições de produção das festas de centenários, das

quais destaco a apropriação da memória histórica para a invenção de tradições

(HOBSBAWM, 2009) e o uso de estratégias discursivas e memorialísticas (MENDONÇA,

2010) acredito que este evento seja um lugar material e simbólico onde seja possível

flagrar o processo de espetacularização do sujeito na vida pública, bem como,

compreender as transformações no regime de visibilidade naquele contexto sócio-

histórico. Neste sentido, a análise não objetiva apreender os sentidos ou o porquê da

realização do evento, mas como o mesmo se insere em um mundo marcado pelo

imperativo da visibilidade e como possibilita ao pesquisador compreender as

transformações do sujeito. Na construção deste recorte considerei também que o

evento-símbolo ocorreu na capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, que era uma

referência nacional em termos de economia, política e, especialmente, do ponto de

vista dos usos e costumes. Argumento que entre a segunda metade do século XIX e o

início do XX, ocorreu uma série de transformações sociais, históricas, econômicas e

culturais que modificaram os modos de ser e de estar nas sociedades ocidentais, as

quais afetaram os regimes de historicidade, de discursividade, de visibilidade.

Entendendo estas transformações como sendo um amplo processo de mudança de

natureza complexa – que envolve múltiplas dinâmicas, abrange diferentes domínios da

vida social e ocorrem em uma temporalidade e espacialidade estendida –, podemos

citar o triunfo e a transformação do capitalismo, a democratização, as transformações

no mundo do trabalho, o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e de

transporte – dentre estes últimos a ferrovia e o navio a vapor aceleraram o contato

entre as pessoas e a circulação de mercadorias e de serviços –, a urbanização das

cidades e a invenção da fotografia, do cinema e dos centenários (HOBSBAWM, 2009).

Deste modo, o objeto da pesquisa insere-se no contexto da transformação da

visibilidade na época moderna, mais especificamente no período entre a segunda

metade do século XIX e o início do XX. Em função deste pressuposto mais geral – das

transformações nos regimes – proponho que no processo de transformação da

visibilidade, o sujeito se espetacularizou. Para tal, busco compreender os processos

discursivo-memorialísticos de transformação no regime de visibilidade e o modo pelo

qual possibilitam as condições de emergência, manutenção, modificação e aceleração

do processo de espetacularização do sujeito na vida publica do Rio de Janeiro no início

do século XX; Estabelecer as relações entre materialidade, imagem e aparência para

compreender a força e o sentido do imperativo de ser visível na sociedade moderna;

Analisar os dispositivos de visibilidade que circularam durante a comemoração do

Centenário para compreender as relações entre discurso e memória na constituição do

processo de espetacularização do sujeito durante as comemorações do Centenário de

Abertura dos Portos. Na construção do corpus da pesquisa trabalharei com a noção de

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Linguística

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dispositivos de visibilidade. Apropriando-me da noção de dispositivo proposta

Mouillaud (2002, p.34) para quem estes “são os lugares materiais e imateriais nos

quais se inscrevem (necessariamente) os textos” proponho que determinados

textos/objetos sejam lidos como dispositivos de visibilidade, ou seja, como lugares

materiais e imateriais onde o sujeito pode enunciar sua inserção em uma ordem de

visibilidade específica. Assim, os textos/objetos ao serem inseridos em determinados

sistemas são investidos de sentido e podem ser lidos com dispositivos. Assim, temos

que a vestimenta inserida no sistema da moda; a data comemorativa de um evento

inserida no dispositivo de visibilidade do ethos comemorativo de centenários; as

transformações urbanísticas no espaço da cidade inseridas no dispositivo da paisagem

visual; os mapas inseridos no dispositivo de controle do espaço; o discurso jornalístico

inserido no sistema de difusão da informação constituem-se em lugares materiais e

simbólicos onde acredito seja possível apreender no movimento das transformações

dos regimes o objeto da pesquisa. Quanto modo de proceder – considerando a

constituição do corpus por materialidades de diferentes naturezas – trabalho com a

noção de composição. Pois como afirma Lagazzi (2007, s/p) “não temos materilidades

que se complementam, mas que se relacionam pela contradição, cada uma fazendo

trabalhar a incompletude na outra”. Assim ao analisar diferentes materialidades

significantes pela noção de composição acreditamos poder “explicitar as montagens e

os arranjos sócio-históricos que tecem a trama discursiva ao longo do tempo”

(FERREIRA, 2009, p. 105). Procederei então por recortes sucessivos nas materialidades

discursivas remetendo-as às condições de produção e ao funcionamento discursivo

objetivando compreender nas tramas do sentido os efeitos produzidos. Creio que os

resultados da pesquisa possam apontar para questões mais gerais acerca do modo

pelo o sujeito se transformou na época moderna e como o mesmo se insere na ordem

de visibilidade da época.

Elisângela Gonçalves da Silva

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Universidade Estadual de Campinas

ESTUDO DE CONSTRUÇÕES COM O VERBO SER IMPESSOAL NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Construções, como as que se seguem em (1), se apresentadas a qualquer falante do

português brasileiro (PB) contemporâneo, certamente serão reconhecidas,

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Linguística

70

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

intuitivamente, como construções de sentido equivalente, correspondendo ao que se

tem chamado na literatura como construções existenciais.

(1) a. Existe muita livraria muito boa na Avenida Francisco Santos.

b. Há muita livraria muito boa na Avenida Francisco Santos.

c. Tem muita livraria muito boa na Avenida Francisco Santos.

Este trabalho tem por objetivo analisar construções impessoais com o verbo ser,

conforme pode ser observado nas sentenças em (2), semanticamente correspondentes

às apresentadas acima:

(2) a. É muita livraria na Avenida Francisco Santos.

b. Foi uma festa quando Ana chegou!

c. É só confusão naquela casa o dia todo!

d. É LOJA DE MARCA no Shopping Barra!

Discutimos, neste trabalho, a noção de “existência”, sobretudo a imprecisão do termo

existencial para caracterizar as construções abordadas nesta pesquisa, termo que,

apesar disso, utilizamos, em virtude de ser o mais difundido na literatura linguística

para denominar as sentenças impessoais com os verbos haver e ter. Isso não trará

implicações para a análise, visto que esta se pauta em fatores sintáticos, que irão

determinar a obtenção de tais construções. Adotando a versão minimalista da Teoria

de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1995), assim como os pressupostos teóricos da

Morfologia Distribuída (HALLE & MARANTZ, 1993; EMBICK, 2003), propomos que, no

português brasileiro contemporâneo, o verbo ser adquire uma leitura “existencial”

sempre que um núcleo portador do traço de grau (Deg(ree)) se encontra adjacente a v

(dentro da proposta de ADGER, 2004), conforme apresentado na estrutura em (3)

abaixo. Assim sendo, consideramos que o D(eterminante) que nucleia a coda

existencial porta traço de grau [-interpretável], o que o leva a selecionar como

complemento um elemento que possua a versão [+interpretável] de Deg, isto é, a

selecionar categorialmente um DP avaliativo graduável. Esse constituinte com marca

de intensificação de grau pode ser um quantificador, como muito(a/s) ou um

(conforme exemplos em, respectivamente, (2a) e (2b) acima), um advérbio que

indique avaliação, apreciação, como só (sentença em (2c)) e o próprio nome (cf. (2d)).

O DP é concatenado a v que possui traço-D [-interpretável]. Na representação em (3) a

seguir, esse núcleo é o Num muitas, sobre o qual recai a marca de intensificação

avaliativa.

Page 71: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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(3) DP

ei

D[uDeg] NumP

ei

muita[Deg] CP

ei

livrariai CP

ei

C PP

ei

ti P’

ei

em DP

2

a Avenida Francisco Santos

Na proposta que esboçamos (baseada na Morfologia Distribuída), a forma verbal usada

nas “existenciais” é obtida por meio da combinação de traços no decorrer da

computação sintática, com o item vocabular ganhando uma expressão fonética apenas

após Spell-Out em PF (não vindo pronto do léxico), o que explica o fato de as

“existenciais” do PB poderem ser realizadas ora com ser ora com ter ora com estar

(com), segundo a hipótese de Avelar (2004), para quem, no processo de inserção

vocabular, são aplicadas regras, conforme (4) a seguir, em que o operador “+” indica a

ocorrência de uma operação de fusão de traços adjacentes no componente

morfológico. Assim, v (sem se fundir com qualquer traço ou núcleo) resulta na inserção

de ter-existencial; ao juntar-se a Poss, recebe a matriz fonológica de ter-possessivo; ao

fundir-se ao núcleo D ou associar-se ao traço-D, leva à inserção da matriz morfológica

de estar-copulativo/existencial; se este complexo (v+D) se juntar a Top, a forma verbal

a ser realizada será a de ser-copulativo.

(4) a. ter-existencial � v

ter-possessivo � v+Poss

estar-copulativo/existencial � v+D

ser-copulativo � v+D+Top

Page 72: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

72

XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Em se tratando de ser-existencial, nossa hipótese é a de que a sua formação acontece

conforme mostrado na estrutura em (5) abaixo, em que o operador “*” aponta a

adjacência entre v e um núcleo X portador do traço Deg.

(5) ser-existencial � v * X[DEG]

Essa proposta se baseia na hipótese de que construções locativas, possessivas e

existenciais possuem uma base comum, isto é, possuem a mesma estrutura

subjacente, que se constitui em torno de um verbo copular (cf. LYONS, 1968, CLARK,

1978, FREEZE, 1992, AVELAR, 2004, para o português brasileiro). Fatores fundamentais

para a obtenção de ser-existencial são (a) a concordância de número plural entre o

verbo e o Tema, que está correlacionada ao Caso checado pelo DP pós-verbal

(nominativo), bem como (b) o fato de as construções formadas com esse verbo

indicarem um conteúdo avaliativo, o que leva à presença de uma categoria de grau no

DP. Restrições de especificidade e definitude consistem em particularidades sintático-

semânticas próprias das construções “existenciais” que as opõem às construções

copulativas: de um lado, a posição de sujeito de ser tende a abrigar constituintes

definidos, de outro, o DP pós-verbal nas “existenciais” são normalmente indefinidos.

Isso nos leva a considerar a existência de dois tipos diferentes de ser – um “existencial”

e um copulativo. Este trabalho traz, assim, a contribuição de analisar um fenômeno

linguístico nunca antes estudado no português brasileiro contemporâneo, as

construções “existenciais” com o verbo ser (cuja ocorrência no português foi verificada

por renomados estudiosos até o século XVI), numa perspectiva estritamente formal,

buscando estabelecer correlações entre construções locativas, como tem sido feito por

estudiosos de diferentes línguas naturais.

Erick Marcelo Lima de Souza

Universidade Estadual de Campinas

ESTUDO FONOLÓGICO DA LÍNGUA BANIWA-KURIPAKO

Este trabalho é um estudo descritivo e comparativo do que consideramos dois dialetos

pertencentes à família Aruak, conhecidos como Baniwa do Içana e Kuripako. Aqui se

faz uma análise linguística da relação entre ambos os dialetos pautada em parte do seu

componente linguístico, isto é, o sistema fonológico, com vistas a colaborar para uma

definição da classificação dialetal. Sua base teórica linguística é fundamentada nas

ideias estruturalistas europeias da Escola de Praga. Nele, há, também, uma discussão

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

da variação dialetal deste ramo da família Aruak e um breve histórico dos estudos

sobre essa ramificação da família. Esta pesquisa é, assim, uma tentativa de discutir

tanto questões da fonologia quanto da variação dialetal, com ênfase na primeira,

como um dos requisitos para a segunda. Esse trabalho de caráter fonológico pretende

contribuir para o conhecimento da língua que acreditamos ser, aqui, Baniwa-Kuripako,

bem como servir de suporte para discussões sociolinguísticas e, também, sobre

planejamento e desenvolvimento de sistema ortográfico. Nessa dissertação seguimos

a Convenção da ABA (1953) sobre grafia dos nomes de povos indígenas , de modo que

adotamos as formas Baniwa (com “w”) e Kuripako (com “k”). Com respeito ao último

termo, empregaremos apenas um R, em vez de dois, uma vez que transcreveremos

aqui o fonema /ɻ/ como “r” e o fonema /ɺ/ por “l”, assim não haverá necessidade de

transcrever com RR, considerando a forma fonolóca é /kuɻipaakʊ/. Esta é uma

tentativa de aportuguesar ou criar um termo em português para os respectivos nomes,

uma vez que há grande variedade de grafias desses termos na literatura. Na parte

inicial deste trabalho, apresenta-se toda a questão da variação dialetal. Nele

apresentamos um panorama das questões históricas, geográficas, étnicas e discute-se

a diversidade dialetal deste ramo da família Aruak que é composto pelo o que é

considerado por muitos dialeto/língua Baniwa do Içana, dialeto/língua Kuripako e

língua Piapoco. Entretanto, nos ocuparemos aqui de uma comparação entre os dois

primeiros. Assim, discutiremos as principais visões dos autores em relação a essa

questão dialetológica. A segunda parte deste trabalho ocupa-se em apresentar e

descrever os procedimentos de coleta de dados em campo. Nele é possível entender

como foi feita a escolha dos falantes, que foram os fornecedores de dados para nossa

análise, e quais foram critérios subjacentes a essas decisões. Apresentaremos também

a elaboração e a base da metodologia de coleta de dados, a escolha do local para

coleta de dados, as ferramentas utilizadas para isso, algumas considerações sobre a

experiência de coleta de dados e um pouco da visão dos indígenas em relação a

algumas problemáticas que envolvem questões linguísticas e de uso da língua. A

terceira parte é dedicada a apresentar as premissas fonológicas que darão suporte e

embasamento teórico para nossas considerações e discussões. Tais premissas são

orientadas pelo pensamento linguístico da Escola de Praga e teremos como mentor

central para nossa fundamentação teórica Trubetzkoy (1939) com seu modelo

fonológico estruturalista europeu. Outras noções produzidas na continuidade dessa

tradição fonológica serão, eventualmente, também utilizadas para contribuir à análise,

a saber: uma teoria de traços distintivos, inicialmente proposta por Jakobson e

desenvolvida, entre outros, por Chomsky & Halle; uma representação de processos

fonológicos, derivada da concepção que toma os traços distintivos como primitivos do

sistema fonológico. Na quarta parte do trabalho, apresentam-se as análises para o

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

início de uma discussão de cunho fonológico. Assim, apresentaremos algumas

questões fonéticas para darmos início a nossas considerações fonológicas. Ali serão

apresentados os fones registrados em cada dialeto e suas condições de ocorrência,

bem como algumas discussões sobre a representação superficial. Nesta seção,

apresenta-se o quadro fonético para a representação dos fones das duas variantes em

questão aqui, tanto Baniwa do Içana quanto Kuripako. Nele, pretende-se também

demonstrar como está estruturado o padrão silábico do Baniwa do Içana e do

Kuripako, ou seja, quais são suas ocorrências, quais segmentos ocupam posição de

aclive, ápice e declive, e qual o papel da duração e do acento. Nessa seção, o foco é a

fonologia propriamente dita, em que será feita uma análise do jogo opositivo do

sistema fonológico para definição do estatuto das consoantes e vogais, objetivando

uma definição do quadro de fonemas em Baniwa e em Kuripako. Em seguida,

apresentaremos nossas considerações para os processos fonológicos tais como:

apagamento, ditongação, alongamento e coalescência como harmonia vocálica,

metátese de /x/, aspiração de obstruintes, ensurdecimento de soantes, nasalização e

palatalização de consoantes. Ainda aí, apresentamos a Fonologia do Kuripako. Nele, já

apresentaremos uma comparação entre cada dialeto baseada no comoponente

fonético-fonológico. Essa é uma seção da dissertação destinada a apresentar uma

descrição do Kuripako e uma comparação simultânea com o Baniwa. Essa proposta de

apresentação, em separado, do sistema fonológico de cada variante é proposital, com

vistas a enfatizar cada variante e constatar o elevado grau de semelhança entre os dois

e, com isso, reforçarmos nossa hipótese de que o sistema fonológico é o mesmo e de

que não é coerente separar um do outro, e salientamos novamente, pelo menos do

ponto de vista fonológico. Assim, analisando os dois separadamente, é possível

constatar com mais clareza que não são dois sistemas fonológicos distintos. Na última

parte do trabalho, dedicamo-nos a estabelecer nossas conclusões, as considerações

finais que nos mostrarão aonde chegamos e o que podemos estabelecer como um

avanço em relação ao que se sabe até o momento sobre os dois dialetos em questão

nessa pesquisa.

Fabiana Lopes da Silveira

Universidade Estadual de Campinas

PRAECEPTA E DECRETA NA EPÍSTOLA 94 DE SÊNECA

As Epístolas Morais a Lucílio (63-65 d. C.), ainda que sejam consideradas por muitos

estudiosos umas das mais importantes obras do filósofo estoico romano Lúcio Aneu

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), costumam ser criticadas tanto por, alegadamente, se

resumirem a um conjunto de exortações de cunho moral (preceitos), sem maior

fundamento doutrinário, quanto por, segundo em geral se supõe, não apresentarem

sistematicidade. No entanto, um olhar mais atento à carta 94 e à seguinte, a 95, nos

permite notar que o próprio Sêneca tematiza a questão do papel dos preceitos, i.e. do

valor da parte da filosofia denominada preceptiva (de ordem prática, regida pelos

praecepta), frente à dogmática (parte da filosofia de ordem teórica, regida pelos

decreta). Para tanto, nessas cartas, o filósofo adota uma forma de argumentação

consideravelmente organizada, além de fazer uso regular de certas imagens

(metáforas e comparações) referentes aos mencionados decreta e praecepta. Levado

isso em conta, e tendo estudado tais aspectos na Ep. 95 durante a nossa pesquisa de

Iniciação Científica, pretendemos defender, agora tendo como corpus a Ep. 94, a

hipótese de que o filósofo apresenta certa sistematicidade, ao menos no que se refere

à sua argumentação sobre os referidos métodos de doutrinação filosófica. Com esse

intuito, temos investigado de que modo Sêneca, na carta 94, prefigura a

complementaridade entre ambos os métodos, a qual será mais claramente exposta

somente na carta 95. Observemos, então, um trecho da Ep. 94, na qual o estoico lança

um de seus argumentos favoráveis à parte preceptiva da filosofia, domínio dos

praecepta: “Além disso, se alguém fica esperando o tempo em que saberá por si

mesmo qual será sua melhor atitude, enquanto isso errará e, errando, será impedido

de chegar ao estado em que possa estar contente consigo mesmo; deve, portanto, ser

regido até que comece a poder reger a si mesmo. As crianças aprendem com o modelo

caligráfico; seus dedos (digiti) são segurados e são conduzidos por outra mão (manu)

aos símbolos das letras; depois, são ordenadas a imitar os modelos e a corrigir a

caligrafia: dessa mesma forma nosso espírito, enquanto é treinado segundo o modelo,

é ajudado. Essas são as razões com as quais se prova que essa parte da filosofia

[scilicet a parte preceptiva] não é supérflua. A seguir, pergunta-se se ela basta por si só

para fazer alguém sábio (an ad faciendum sapientem sola sufficiat). Daremos a essa

questão o dia oportuno (Huic quaestioni suum diem dabimus): enquanto isso, postos à

parte os argumentos, não é evidente ser-nos necessário um assistente que preceitue

(praecipiat) contra os preceitos do vulgo?” (Ep. 94, 51-52, tradução a partir da edição

latina de Reynolds, 1965). Chamam-nos a atenção dois elementos da passagem. Em

primeiro lugar, Sêneca faz uso de imagens relativas a partes do corpo humano (dedos

e mão, cf. digiti e manu) enquanto expõe seu ponto de vista de que o espírito deve ser

“treinado segundo o modelo” (Ep. 94, 51), por um “assistente que preceitue”

(aduocato qui... praecipiat, Ep. 94, 51). Trata-se, então, de um emprego de imagens

que tem em vista os preceitos (praecepta). Em segundo lugar, o filósofo afirma que o

questionamento sobre a parte preceptiva da filosofia ser ou não suficiente “para se

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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fazer alguém sábio” (Ep 94, 52) deverá ser deixada para “o dia oportuno” (suum diem).

Tais aspectos também estarão presentes na carta seguinte, a Ep. 95. Vejamos como

esta se inicia: “Você pede que eu efetivamente cumpra o que eu disse que deveria ser

adiado para um dia oportuno (diem suum), e lhe escreva se acaso esta parte da

filosofia, que os gregos chamam de ‘parenética’, e nós, de ‘preceptiva’ (praeceptiuam),

seria suficiente para se consumar a sabedoria (ad consummandam sapientiam)”. (Ep.

95, 1). Notamos que, ao retomar a questão sobre a preceptiva, o estoico também

retoma o termo do qual havia se servido para se referir ao momento adequado para

discuti-la: diem suum (Ep. 95, 1; cf. Ep. 94, 52). Essa similaridade formal, junto da

própria retomada do assunto em uma carta seguinte, marcando sua relação com a

missiva anterior, nos indica também que a exposição filosófica senequiana não deve

ser aleatória e isolada como se costuma alegar. Já o outro aspecto mencionado,

concernente às imagens, estará presente na Ep. 95 no momento em que Sêneca

afirma mais claramente que tanto os preceitos (pracepta) quanto os princípios

(decreta) são importantes para o aprendizado da filosofia: “Mas juntemos uns aos

outros [scilicet os preceitos aos princípios]: pois não só os ramos são inúteis sem raiz,

mas também as próprias raízes são ajudadas pelos ramos que elas geraram. Não é

possível alguém desconhecer a função que têm as mãos (manus), elas nos são úteis

explicitamente: o coração, do qual as mãos (manus) vivem, a partir do qual elas tomam

força, se movem, está oculto. Posso dizer o mesmo sobre os preceitos (praeceptis):

eles estão expostos, e os princípios da sabedoria estão recônditos”. (Ep. 95, 64).

Percebemos, então, que, tal como na carta precedente, na Ep. 95 a imagem da manus

novamente se refere a assuntos ligados aos praecepta: se, na Ep. 94, 51, compara-se a

mão que ajuda as crianças a escrever (aliena manu per litterarum simulacra ducuntur,

Ep. 94, 51) ao assistente que preceitua contra os preceitos do vulgo (qui contra populi

praecepta praecipiat, Ep. 94, 52), as mãos são, na passagem acima da Ep. 95,

diretamente comparadas aos preceitos (idem dicere de praeceptis possum, Ep. 95, 64).

Esse é mais um dado que nos indica como uma leitura atenta à argumentação e às

imagens presentes nas cartas em apreço pode revelar uma coerência e uma

sistematicidade no texto senequiano, tantas vezes negligenciadas por estudiosos

modernos. Marcas textuais desse tipo têm sido, pois, o nosso principal ponto de

partida para, questionando críticas que vêm acompanhando a obra filosófica de

Sêneca ao longo dos séculos, investigar a questão da preceptiva no autor.

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Fabiana Raquel Leite

Universidade Estadual de Campinas

APONTAMENTOS SOBRE O "VOCABULÁRIO ELEMENTAR DA LÍNGUA BRASÍLICA" DE

JOSÉ JOAQUIM MACHADO DE OLIVEIRA

Desde os primórdios da colonização, houve uma preocupação com o registro e a

aprendizagem da língua falada por toda a costa leste brasileira. Em 1555, um ano após

a sua chegada ao planalto de Piratininga, o Padre José de Anchieta já relatava a sua

inquietação acerca do aprendizado dessa língua a seus confrades de Coimbra. O

interesse pelas línguas indígenas, mormente pela “língua brasílica” ou “língua geral,”

se deve, parcialmente, ao trabalho de catequese, sem o domínio da qual ele seria

ineficiente. Houve, no Brasil, a formação de três línguas gerais, a Língua Geral

Amazônica, a Língua Geral Paulista (LGA e LGP respectivamente) e o Guarani Crioulo.

Diferentemente do que ocorre com a LGA e o Guarani Crioulo, cuja literatura é vasta,

visto que existem documentações dessas línguas desde o início da colonização, não há

muita produção acadêmica acerca da LGP devido à escassez de registros dessa

variante. Os principais documentos que conhecemos dessa língua atualmente são: o

dicionário de verbos, não datado e de autor desconhecido compilado e publicado pelo

naturalista alemão Von Martius em seus Glossaria linguarum brasiliensium, sob o

nome de “Tupi Austral” (Martius 1867:99-122) e uma pequena lista de palavras

colhidas por Saint Hilaire no início do século XIX em comunidades de mestiços de

índios bororo e negros na província de Minas Gerais (Saint Hilaire [1847] 1944:254-

255). Podemos apontar, ainda, como testemunho da LGP, parte da poesia e do teatro

escrito por Anchieta entre 1554 e 1562 e a toponímia do interior dos estados de São

Paulo e Minas Gerais, do sul de Goiás e do norte velho do Paraná. Embora Anchieta

tenha escrito a primeira versão de sua “Arte” durante os dez anos em que viveu entre

os tupi de São Vicente, a versão publicada, em Coimbra, em 1595, sob o título “Arte de

grammatica da língua mais usada na costa do Brasil” foi revista e conformada a

variante falada na costa do Rio de Janeiro e na região norte do país. Couto de

Magalhães (“Viagem ao Araguaya,” 1863, p.92) declara, na introdução do vocabulário

Avá-Canoeiro, que “muitos dos nomes constantes do vocabulário [...] são hoje

correntes entre os paulistas do povo, chamados caepiras naquella Provincia.” Pelo que

podemos inferir da declaração de Magalhães, havia, ainda, em meados do século XIX,

diversas expressões da LGP no discurso dos ‘caepiras’ paulistas. Neste contexto,

apresentaremos, nesta comunicação, uma análise preliminar do “Vocabulário

Elementar da Língua Geral Brasílica” (VELGB) de José Joaquim Machado de Oliveira

como amostra da LGP falada em meados do século XIX. O VELGB possui 1311 verbetes

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que ocupam as páginas 129 a 171 da “Revista do Arquivo Municipal de São Paulo”, ao

final do VELGB, encontramos uma lista de 73 verbetes denominada “Vocabulário dos

Índios Coroados”. As entradas do VELGB estão em língua geral acompanhadas pela

definição em português. De acordo com Alcântara Machado, neto do autor e

compilador do vocabulário, Machado de Oliveira teria coletado, pessoalmente, grande

parte dos dados no período em que ocupou o cargo de diretor geral dos índios em São

Paulo e durante o tempo em que serviu nas campanhas do sul. Em sua memória

Notícia Raciocinada sobre as Aldeias de Índios da Província de São Paulo, o autor

demonstra possuir conhecimento linguístico e cultural dos povos indígenas da

província “[...] fallando differentes dialectos; um só característico, diversificando

apenas em pequenas circunstancias.” (Oliveira, 1846, p. 204). Encontramos no VELGB,

95 entradas assinaladas com asterisco que, segundo nota, no original estavam

acompanhadas da menção t.g. Dentre os verbetes que trazem essa indicação,

encontramos alguns neologismos, como guara’-pira (cavalo) e possíveis influências do

guarani, amoig (parente), andibe (reunião) e do espanhol, acha (corruptela de

machado) e burica’ (mula). Além das entradas indicadas com a menção t.g., existem,

no VELGB, outras com claras influências do Guarani, o que, segundo Martius (1867, pp.

99-100), representaria o resultado do contato durante o período de guerras. Martius

acreditava que o contato entre espanhóis, índios guarani e tupi durante esse período

trouxe elementos do guarani e do espanhol para a LGP. Há ainda duas entradas que

trazem uma provável referência ao padre Chagas Lima e ao contato com os kaingang,

iongjo (papagaio) e a frase nhandi moanguo hare oguerhaima Lima yápe (seu

perseguidor foi levado a Lima). Vale-nos ressaltar que o contato linguístico da LGP não

foi só com o português, a LGP teve contato também com outras línguas indígenas,

como a língua bororo (família bororo), a língua kaingang (família jê), no norte do

Paraná e a língua panará (família jê), oeste de São Paulo, sudoeste de Minas Gerais e

no sul de Goiás. O autor apresenta também 16 verbetes com a indicação abreviada B.

de A. Essa indicação é uma possível referência a João da Silva Machado, o Barão de

Antonina e aos alojamentos indígenas da cidade de Itupeva sob a sua proteção.

Machado de Oliveira declara, em sua “Notícia Raciocinada,” ter contatado o Barão de

Antonina para a obtenção de informações sobre os alojamentos: “Dirigi-me ao

mencionado Barão; e, accendendo este á minha exigência, teve a begnidade de

satisfazer-me completamente de quanto dependia saber a tal respeito.” (Oliveira,

1846, p. 248). Alcântara Machado também aponta o Barão como um dos informantes

do avô. Dentre os verbetes acompanhados pela menção B. de A., temos jaguarétún

(onça preta), não encontramos essa construção em nenhum outro documento de

registro, seja da LGA ou LGP. Existem ainda 7 entradas acompanhados da menção l.g.,

uma dessas entradas, a frase que faz provável referência a Chagas Lima mencionada

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

previamente, recebe, além da legenda l.g., a menção t.g. Embora nossa análise ainda

esteja em sua fase inicial, encontramos, além dos exemplos explicitados acima,

elementos que nos levam a inferir que o VELGB constitua um importante documento

de registro da LGP falada em meados do século XIX. Não descartamos, no entanto, a

possibilidade de Machado de Oliveira ter reunido, em um mesmo vocabulário,

elementos do Guarani do Sul e da LGP. Nosso próximo passo será analisar os dados e

contrastando-os com os outros documentos de registro da LGP.

Fábio Ramos Barbosa Filho

Universidade Estadual de Campinas

O FUNCIONAMENTO DO JURÍDICO NO DISCURSO URBAN(ÍSTIC)O

Concebemos a cidade como uma materialidade histórica que funciona a partir da

relação contraditória entre o real e o imaginário. Os gestos de ordenamento (ou, nos

nossos termos, organização) que buscam instituir, a partir da intervenção técnica e

jurídica, os contornos de uma racionalização do espaço urbano, se situam no âmbito

da configuração da cidade enquanto lugar privilegiado de reprodução das relações de

produção. Neste trabalho, buscamos delinear os primeiros passos do nosso

procedimento analítico, pensando o funcionamento do discurso urban(ístic)o - espaço

de sobredeterminação do discurso urbanístico no urbano , configurando um

imaginário pautado na normatividade técnica e jurídica que institui o que chamamos

de "concepção jurídica da cidade" - para que, a partir de então, possamos começar a

compreender como funciona a relação litigiosa entre o real da cidade (o incontível) e

os gestos de ordenamento, que tem como instância fundamental de sustentação o

aparelho jurídico. Partindo dessas considerações, colocamos o movimento subjacente

aos gestos de racionalização empreendidos na escrita teórica da linguística diante do

próprio funcionamento da escrita urbana, compreendida aqui como a escrita

urbanística: gestos de ordenamento da cidade. Escritas delirantes e análogas que se

encontram no mesmo lado e se defrontam com a mesma questão: se, retomando

Pêcheux, a lingüística encontra seu real no ponto em que ela relaciona-se com a

psicose, o urbanismo encontra o seu real no ponto em que ele se relaciona com o

incontível. Dizer que a psicose é o impossível da linguagem é sustentar, conforme

mencionamos acima, que a fala psicótica não se encaixa em nenhuma estrutura lógica

que possa ser escrita em termos teóricos. A cidade é incontível, equívoca e incompleta

como a língua. E o efeito do desamparo diante do que não se pode controlar gera,

igualmente, tentativas incessantes de dar unidade, razão e lógica a esse espaço. À

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

medida que a cidade nos expõe à sua ordem poética, ao lugar do possível, do

contingente – à sua ordem - o urbanista responde com a organização. Se na clínica

psicanalítica o delírio do psicótico intervém justamente como tentativa de dar unidade

ao sujeito, a escrita delirante do urbanista tenta dar unidade à cidade. O projeto

urbanístico aparece como a imagem narcísica onde não só a cidade, mas o homem se

enxerga organizado. O que nos aproxima ainda mais da premissa de que sujeito e

espaço se constituem ao mesmo tempo em um processo sem fim onde há uma ligação

material entre o corpo do sujeito e o corpo da cidade e instituem a sobredeterminação

que coloca o jurídico como elemento dominante em uma formação social cujo modo

de produção preponderante é o capitalista. Fragmentos de uma legislação específica,

que classifica, recorta e, diremos, produz – no sentido de uma prática que produz um

objeto diferente da matéria prima da qual parte – uma cidade de papel, inteiramente

circunscrita à problemática jurídica e infraestrutural. Eixos de uma discursividade que

se mostra, em torno das diferenças, a repetição de uma mesma premissa: em uma

sociedade cujo modo de produção é capitalista, só se fala a partir do jurídico. O que

nos faz repetir a pergunta de Orlandi: “as políticas públicas dizem o político ou o

calam?”. Acreditamos, entretanto, que os processos que envolvem os litígios sociais (e

que produzem efeitos discursivos como questões urbanas), são espaços que apontam

contradições fundamentais do funcionamento do jurídico e da ideologia da legalidade

que, pelo viés da falha e da historicidade dos dizeres frente ao político, nos expõem à

equivocidade da evidência. E é justamente a consideração e, sobretudo, a

preponderância teórico-analítica do conceito de ideologia que institui as fronteiras e as

particularidades do campo de saber que denominamos Análise de Discurso. Com

contornos bastante específicos, certamente, que nos fazem confrontar essa

particularidade em um movimento permanente de litígio semântico na história,

pensando a relação do urbanismo com o Estado. Relação fundamental para que

pensemos na produção jurídica, técnica e política da cidade e que toca,

epistemologicamente, a instituição da cidade enquanto categoria, enquanto objeto de

conhecimento e a relação de determinação do discurso urbanístico (que institui

categorias e dilui o social) numa transformação das questões sociais em termos

urbanísticos: o imaginário urban(ístic)o não só sobredetermina o social, mas dilui o

social. Os problemas sociais passam a ser problemas urbanos, problemas conjunturais

passam a ser expressos em termos infraestruturais. Apagamento da historicidade das

questões sociais em termos de questões urbanas e, se é urbano, o urbanismo pode

resolver. Solução técnica como ferramentas para questões histórico-sociais: tensão

entre o urbano e o social. No entremeio dessas questões, buscamos pensar a

resistência onde a homogeneidade do discurso dominante falha. Nos seus suspiros,

enquanto lugares do possível frente à tensão entre os limites do possível (a

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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organização) e os deslimites do impossível (a ordem). E a falha aparece no discurso

dominante como a repetição (que para nós é contenção) de leis e de gestos técnicos

que contornam a situação sem deslocá-la. E essa falha, acreditamos, tem o seu nódulo,

a sua potencialidade na relação contraditória entre a ordem e a organização. Se os

objetos de conhecimento são litigiosos (estão já sempre no jogo dos sentidos),

transitando nas formações discursivas, o que define a pega é a possibilidade de

deslocar esses sentidos, de (re)situá-los em outro espaço, no movimento

incontornável dos sentidos: busca de espaço. Espaço para repetir. Até ficar diferente.

Fernanda Moraes D'Olivo

Universidade Estadual de Campinas

COMPREENSÃO DO SENSO COMUM NO CONTRAPONTO DOS DIZERES DA MÍDIA

IMPRESSA E DO CORDEL

Nesta comunicação, pretendo apresentar o percurso de pesquisa do meu doutorado,

que está, ainda, em construção. Tal trabalho tem como origem as conclusões do

mestrado, intitulado “O social no cordel: uma análise discursiva”, por meio do qual

pude compreender uma relação entre os discursos que circulam na mídia e temas

retratados nos versos dos cordéis, como o caso do Mensalão, a eleição do presidente

Lula, a chacina da candelária, entre outros. Essas temáticas eram constituídas por

dizeres que considerei, através das análises das paráfrases dos versos dos folhetos,

como sendo parte do senso comum. A partir da compreensão na pesquisa de

mestrado de que há uma relação entre os assuntos que circulam em reportagens da

mídia impressa com o que vem a ser tema dos folhetos, estabeleço, neste trabalho,

um contraponto entre o funcionamento discursivo da mídia jornalística impressa e o

funcionamento discursivo dos versos de folhetos de cordel, na configuração da

discursividade do senso comum que circula em nossa sociedade. Para isso, busco, em

meu doutorado, compreender, nesse contraponto entre o cordel e a mídia, os

silenciamentos e as reiterações produzidos e seu modo de funcionar na relação com o

social. Nesse movimento entre o que é reiterado e o que é silenciado está um ponto

importante para a compreensão da “naturalização do comum”. Para a constituição do

corpus da pesquisa, selecionei reportagens jornalísticas, especificamente da mídia

impressa, que apresentam assuntos que tiveram grande repercussão no período de

julho de 2010 a julho de 2011. Assim, tendo como base as reportagens, selecionei

cordéis que tratam dos assuntos das notícias selecionadas. Em relação aos folhetos,

ainda selecionaremos mais de um exemplar sobre um mesmo assunto tratado na

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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mídia, para realizar o contraponto com as reportagens. Para o desenvolvimento do

trabalho, as análises serão feitas com base no dispositivo teórico-analítico da Análise

de Discurso de perspectiva materialista, fundada por Michel Pêcheux, na década de 60,

que propôs pensar sobre a linguagem rejeitando as evidências dos sentidos e os

lugares já-estabilizados e, para esta reflexão, apresenta o trabalho com a

materialidade da língua, no entremeio da trilogia de conhecimento composta por

língua/ materialismo histórico/inconsciente, levando em conta a contradição e o

confronto entre teoria e sua prática analítica. Para a compreensão do funcionamento

dos discursos da mídia impressa e dos discursos que circulam nos versos de cordéis

será fundamental o conceito de condição de produção, pois é relevante observar

discursos em diferentes materialidades e como esses discursos (se) significam em

relação às especificidades de cada suporte. Para a compreensão da discursividade de

dizeres que fazem parte do senso comum é fundamental conceitos como

interdiscurso, pré-construído, em que o interdiscurso incorpora os elementos do ‘pré-

construído’, definido por Pêcheux (1975) como sendo “o que remete a uma construção

anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é ‘construído’ pelo

enunciado” (p.99). Ou seja, entendo ‘pré-construído’ como sendo os sentidos que

sustentam uma determinada discursividade, fazendo parte da instância da memória

discursiva. O conceito de ‘pré-construído’ será fundamental em nossas análises para a

compreensão dos efeitos de sentidos produzidos pelo silenciamento e pela reiteração

dos dizeres que fazem parte do senso comum. Além desses conceitos, será também

relevante as noções de paráfrase e paráfrase e polissemia, já que o senso comum,

segundo Geertz (1983), coloca os dizeres de maneira literal, sendo apenas aquilo e não

outra coisa, ou seja, os sentidos que constituem o senso comum não tendem para o

deslizamento, para o deslocamento (polissemia) e sim para a estabilidade, para a

repetição (paráfrase). Assim, toda a discussão por nós desenvolvida sobre a reiteração

nos cordéis vem ao encontro desse posicionamento de Geertz. Outro ponto teórico

importante para a análise deste meu percurso são as questões sobre o silêncio,

pensadas discursivamente. Segundo Orlandi (2007), há várias formas do silêncio: (i) o

silêncio fundador, que dá condições para que os sentidos signifiquem e (ii) a política do

silêncio, que é subdvidida em silêncio constitutivo (para dizer é preciso não dizer) e o

silêncio local, relacionado à censura. Pensando na questão do que é silenciado nos

dizeres do senso comum, considero como fundamental para as análises a política do

silêncio, pelo fato de que os dizeres do senso comum sempre trazem em seu

funcionamento coerções constitutivas das relações sociais. Estas reflexões acerca do

senso comum tem como ponto principal a busca pela compreensão da relação entre o

que é silenciado e o que é reafirmado nos dizeres do senso comum, o que se mostra

como uma análise relevante pelo fato de nos dar a possibilidade de discutir o político

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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no social, especificamente a sociedade em suas relações de forças no que diz respeito

a quem tem direito de dizer o quê. Busco, assim, compreender como se constituem os

sujeitos no meio do que já está cristalizado, estabilizado em nossa sociedade, por meio

do contraponto entre os dizeres do cordel e da mídia impressa. Isso me leva a indagar

sobre as vozes sociais que formulam os discursos sobre o senso comum. Será que os

discursos considerados como parte do senso comum são comuns a todos? O que seria

o comum? O que é reafirmado por aquilo que é visto como sendo da instância do

comum? O que é apagado nos dizeres do senso comum? Quem são ‘todos’? Estas

questões justificam a importância de compreender, em nossa sociedade atual, os

discursos tomados pela grande maioria como sendo de conhecimento de todos, como

parte de uma “convenção social”.

Guilherme Adorno de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

OS DISCURSOS SOBRE A INDIVIDUALIDADE NA COMPOSIÇÃO MATERIAL DOS VLOGS

Depois do lançamento da plataforma virtual YouTube, a circulação de vídeos ganhou

uma dimensão diferente. Com a possibilidade de reunir inúmeros audiovisuais em um

só endereço eletrônico, em pouco o tempo o YouTube potencializou o acesso de

usuários e foi comprado pela multinacional americana Google. Em 2010, um formato

de produção ganhou grande visibilidade no Brasil: o vlog, geralmente caracterizado

como o vídeo em que uma pessoa fala, sobre um assunto qualquer, de frente para

uma câmera parada, muito semelhante aos blogs em termos de temáticas e

conteúdos. Ao ter como material os vlogs, minha pesquisa embarca na corrente de

propostas sobre diferentes textualidades nos trabalhos em Análise de Discurso. Tal

como teorizado por Eni Orlandi na disciplina fundada por Michel Pêcheux, formulação,

circulação e constituição são três instâncias indissociáveis do discurso. Do objeto

teórico há o desdobramento material, impondo os desafios de análise. Os vlogs,

apresentando uma composição própria de distintas materialidades significantes,

conceitos tomados dos trabalhos de Suzy Lagazzi, põem em circulação, no espaço

digital, dizeres de pessoas nem sempre conhecidas pelos usuários da Internet. Há um

gesto de tornar público formulações que, antes do envio do vídeo à plataforma, eram

conhecidas apenas no espaço/tempo de sua primeira enunciação. Sujeito

individualizado, o vlogueiro (nome que se dá ao produtor do vlog) enuncia sobre fatos

cotidianos, notícias da mídia ou dicas de fazeres específicos, muitas vezes, marcando

opiniões a partir do que considera como sendo vivências particulares. Nos

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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tateamentos iniciais do material, olhar para o que se mostra como sendo

individualidade tornou-se uma base de sustentação para explorar analiticamente e

construir o objeto específico de estudo. Com o objetivo geral de analisar o(s)

discurso(s) sobre a /da individualidade em vlogs brasileiros, faço a seguinte pergunta:

que gestos de interpretação sobre a individualidade são suscitados no encontro entre

a formulação significante no espaço digital de leitura do vlog e o sujeito que publiciza o

que é representado como particular? Com tal questionamento, alguns

desencadeamentos são possíveis. Buscando escapar da evidência do termo

individualidade, comecei a percorrer alguns dicionários desde o século XVIII até os

mais recentes deste início da segunda década do século XXI. Com o parâmetro do

trabalho de Claudine Haroche sobre as gramáticas na passagem da forma-sujeito

religiosa para a forma-sujeito jurídica, já pude compreender algumas relações que os

efeitos de sentido de individualidade têm com as determinações históricas do sujeito

capitalista, isto é, o sujeito de direito. Em paralelo, trago as contribuições da teorização

de Eni Orlandi, referenciando Louis Althusser, Michel Pêcheux e Michel Foucault, sobre

o processo de subjetivação, tendo como parte constitutiva a individuação dos sujeitos

ao se identificarem a certos sentidos e não outros. Apoiado no objetivo de

compreender o modo como individualidade foi sendo significado na espessura

temporal do arquivo dicionarístico, minhas leituras se guiaram na passagem de um

verbete a outro. O batimento entre descrição e interpretação me trouxe algumas

compreensões quanto aos processos que sustentam os lugares de exterioridade e

interioridade nos verbetes sujeito e indivíduo, textualizações do político que também

fazem parte da significação de individualidade. Afetados pela memória dos enunciados

definidores do século XVIII, os exemplos de sujeito e indivíduo apagam a determinação

histórica-ideológica nos dizeres do instrumento linguístico em análise: há uma

insistência em visibilizar a indeterminação para não textualizar a própria condição

política de ser sujeito (de linguagem, inconsciente, ideológico). A historicidade dos

verbetes possibilita confrontar os vlogs na medida em que estabelecem um

contraponto de análise. A cadeia significante na história produz efeitos de sentidos ao

simbolizar, significando no instante do acontecimento da formulação. Na tentativa de

ser consequente com as contribuições de Suzy Lagazzi, tenho o interesse de estudar os

modos significantes sob os quais os gestos de interpretação são formulados nos

videologs e compreender a estruturação própria do videolog ao conjugar a formulação

significante e o espaço digital para que o vídeo possa ser visto pelo usuário, impondo

restrições de leitura. A imbricação material de uma composição textual funciona pelo

entremeio das materialidades, na contradição que dá margens à interpretação. Por

outro lado, possibilitar que diferentes interpretações funcionem também pela

contradição, expondo o sujeito às palavras, às imagens, aos sons, enfim aos

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

significantes, se dá pela abertura à equivocidade. Trabalhar a equivocidade da língua

está relacionado com a concepção do texto como um espaço de autoria. Falar de

gestos de interpretação e de equivocidade é, portanto, também falar de autoria. A

partir das considerações anteriores, traço ainda outro objetivo específico para minha

tese: discutir o movimento entre sujeito e autoria na formulação dos vlogs. Na maneira

como é entendida discursivamente, a autoria é uma das possibilidades para que o

confronto se realize nos e para os sujeitos. Mais uma vez, Suzy Lagazzi alerta para um

ponto importante quando se propõe o trabalho com um objeto de análise composto

por diferentes textualidades: a materialidade significante se torna relevante nas

relações possíveis de serem traçadas no percurso analítico, ao ancorar simbolicamente

os processos de identificação dos sujeitos aos sentidos. O espaço de autoria é um lugar

de trabalhar o equívoco, o confronto e a contradição neste liame entre sujeito, história

e significante.

Harley Fabiano das Neves Toniette

Universidade Estadual de Campinas

CONCORDÂNCIA COM SINTAGMAS NÃO ARGUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Este trabalho analisa sentenças do português brasileiro (PB) em que um sintagma não-

argumental estabelece concordância com a flexão verbal a partir da Teoria de

Princípios e Parâmetros em sua versão minimalista (Chomsky 1995, 2000, 2001, 2004,

2008), dos trabalhos de Holmberg (2010) e Holmberg, Nayadu & Sheehan (2009) em

torno do parâmetro pro-drop, e de Ouali (2008), para a possibilidade de

compartilhamento de traços não interpretáveis entre os domínios de

C(omplementizador) e T(empo). Parte-se da hipótese de que a gramaticalidade dessas

construções está atrelada, no português brasileiro (PB), a um conjunto de

particularidades envolvendo especificidades do conjunto de traços não-interpretáveis

situados nesses dois domínios, afetando as propriedades de posições situadas entre os

dois núcleos em ambas as variedades. Como complemento, adota-se o estatuto do PB

como língua de proeminência de tópico (ver Negrão, 1999, entre outros),

considerando que este fator tem sido apontado como o responsável pela

gramaticalidade de construções como Meus olhos estão saindo água e Esses relógios

caíram o ponteiro. Uma observação mais apurada mostra que, ao contrário do que

acontece no português europeu, o português brasileiro (PB) licencia construções com

um constituinte aparentemente não-argumental realizado em posição pré-verbal

concordando com o verbo – ver (1) a (4). Nota-se que o sintagma que estabelece

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Linguística

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relação de concordância com o verbo - ver (a) - equivale, nas paráfrases -ver (b) - a um

modificador interno a um sintagma nominal - ver (1) e (2) - ou a um termo em função

adverbial - ver (3) e (4):

(1) a. Meus dois carros furaram o pneu da frente.

b. O pneu da frente dos meus dois carros furou. (adaptado de Pontes 1987: 36).

(2) a. Aquelas calças estão soltando o botão.

b. O botão daquelas calças está soltando. (extraído de Avelar & Galves 2010).

(3) a. Esses sapatos doem meu pé.

b. Meu pé dói com esses sapatos. (adaptado de Pontes 1987: 37).

(4) a. Essas cidades chovem muito.

b. Chove muito nessas cidades. (extraído de Avelar & Galves 2010).

Costa (2010) aponta para o fato de que sentenças nas quais um sintagma não-

argumental concorda com o verbo não são detectadas no português europeu (PE),

embora esta variedade licencie, de forma mais restrita, sintagmas não-argumentais em

posição pré-verbal. É apartir desse ponto que se defende ser possível trabalhar a

hipótese de que a gramaticalidade dessas construções possa estar relacionada, de

alguma forma, a propriedades do parâmetro pro-drop, uma vez que este parâmetro é

tido como responsável por vários contrastes envolvendo a posição de sujeito nas duas

variedades do português. Dessa maneira, este trabalho busca, a partir da descrição e

análise do comportamento de construções como as exemplificadas em (1)-(4),

apresentar uma proposta que derive e explique o desencadeamento da concordância

com sintagmas não-argumentais no português brasileiro, e seqüencialmente, qual (ou

quais) motivos impediriam o desencadeamento desse fenômeno no português

europeu. Os sintagmas que estabelecem relação de concordância nas construções de

(1) a (4) analisadas por este trabalho serão chamados, doravante, de sintagmas não-

argumentais (ou também não-argumentos), já que correspondem a termos com

função geralmente não-argumental, tais como adjuntos adnominais e adverbiais em

paráfrases dessas mesmas construções. Como desdobramento do trabalho, está sendo

verificado se a proposta estabelecida para as construções apresentadas de (1) a (4)

pode ser estendida para outras construções, tais como as que envolvem

hiperalçamento e construções em que há a interpretação passiva para verbos que

mantém a morfologia da voz ativa, uma vez que tais construções colocam questões

relevantes para o andamento do que será apresentado por este trabalho. Em termos

gerais, este trabalho parte da hipótese de que a possibilidade de concordância com

sintagmas não argumentais no PB é possível graças a uma diferença de organização

nos traços não interpretáveis no complexo C-T nas duas variedades. Em termos

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

específicos, tomando um dos pressupostos teóricos adotados, haveria uma diferença

inicial entre o estatuto do PB e do PE em relação ao parâmetro pro-drop, estanto o PB

enquadrado como língua parcialmente pro-drop, e o PE como língua canonicamente

pro-drop (Holmberg, 2010). Essa diferença se estruturaria, entre outros pontos, na

ideia de que as línguas canonicamente pro-drop comportariam um traço-D em T

(Holmberg (2010) postula que o traço-D é um codificador de informações sobre

referencialidade), enquanto que as línguas parcialmente pro-drop não trariam esse

traço em T. Partindo deste contraste, o trabalho aqui apresentado argumenta que o

português brasileiro não traria o traço-D, dadas as condições estipuladas por Holmerg

(2010), mas comportaria este traço em C. Além desse pressuposto, este trabalho

estipula dois tipos de relações distintas entre a organização dos traços não

interpretáveis no complexo C-T entre o PB e o PE, que organizam, entre outras coisas,

a maneira na qual os traços não interpretáveis e suas relações estão dispostos em

ambas as variedades. A tabela a seguir sintetiza e contrasta as propriedades que

compõem o completo C-T nas duas variedades do português - PB e PE – de acordo com

os pressupostos adotados por este trabalho:

Português Brasileiro Português Europeu

Default: Compartilhamento de traços não

interpretáveis (de acordo com o trabalho

de Ouali (2008))

Default: Transferência de traços não

interpretáveis (de acordo com o trabalho

de Ouali (2008))

Traço-D permanece em C, atuando como

uma sonda (μD). Pode ser valorado

tardiamente nas orações do tipo matriz-

encaixada.

Traço-D transferido para T, dependente da

valoração dos traços-φ. Deve ser valorado

tão logo quanto possível.

O requisito dos traços não interpretáveis

pode ser procrastinado na ausência de

uma fase em vP

O requisito dos traços não interpretáveis

deve ser atendido em primeira mão,

independentemente da presença ou

ausência de uma fase em vP

EPP de T φ-independente (pode

desencadear o aparecimento de SpecTP

para ser valorado independentemente dos

traços-φ)

EPP de T φ-dependente (valorado como

resultado da valoração dos traços-φ)

Se as hipóteses estipuladas por este trabalho estiverem corretas, acredita-se que um

sistema de organização organizado dessa maneira pode ser capaz de demonstrar, em

termos de diferenças macro e microparamétricas, quais são os fatores envolvidos na

composição das oposições sintáticas existentes entre PB e PE, entre outras coisas.

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Helio de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

SIMULACROS DA EDUCAÇÃO (A DISTÂNCIA)

Esta comunicação apresenta os resultados parciais de uma pesquisa em

desenvolvimento cujo objetivo é analisar as ocorrências do termo “educação a

distância” – e suas diversas variantes –, embasando-se na noção de fórmula conforme

proposta por Alice Krieg-Planque (2003, 2006, 2009, 2010). O corpus, organizado a

partir dos percursos (circulação) do termo citado, é constituído por textos de

diferentes gêneros: artigos científicos na área de educação, mídia impressa, online e

televisionada, além de documentos oficiais do MEC – Ministério da Educação. No

recorte aqui apresentado, destaca-se o caráter polêmico da fórmula – uma de suas

principais características ao lado do caráter cristalizado, da dimensão discursiva e do

funcionamento como referente social. É nessa dimensão polêmica que a fórmula se

torna um “lugar” privilegiado para “compreender a forma como os diversos atores

sociais organizam, por meio dos discursos, as relações de poder e de opinião” (KRIEG-

PLANQUE, 2010, p. 09). Considerando as manifestações pró e contra a “educação a

distância” (mas conhecida pela abreviação EAD), é acirrada a discussão em torno do

valor pedagógico e financeiro das diferentes formas de interação entre educação e

tecnologia em modalidades não presenciais. De acordo com documentos oficiais, a

educação a distância no Brasil tem, desde 2003, um crescimento de matrículas maior

do que o ensino presencial e é supostamente usada como uma ferramenta de inclusão

no ensino superior, além de estar se firmando inclusive dentro dos cursos presenciais

mais tradicionais, que podem oferecer, legalmente, vinte por cento dos seus

conteúdos a distância. Por outro lado, apesar do crescimento e do suposto sucesso, a

EAD ainda é alvo de fortes críticas e protestos evolvendo instituições de âmbito

nacional, servindo como exemplo a recente campanha “anti-EAD” promovida pelo

Conselho Federal de Serviço Social com apoio do ANDES (Associação Nacional dos

Docentes Em Ensino Superior) e que foi intitulada “Educação não é fast-food! Diga não

para a graduação a distância em Serviço Social”. Na materialidade discursiva que os

textos do corpus representam, a EAD pode ser reformulada tanto como “novo

paradigma da educação” e “possibilidade educacional fantástica”, como “canoa

furada”, “conto do vigário” e “enrolação a distância”. Todas essas reformulações

indicam que o termo “educação a distância” parece funcionar como um referente

social, ou seja, ele significa alguma coisa (mas não a mesma coisa, e isso o torna objeto

de polêmica) para todos num determinado momento. Isso também significa que o

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

termo circula, que as pessoas falam dele, que seu lugar de surgimento se diversifica,

que se torna um objeto partilhado do debate (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 54). Tendo em

vista o funcionamento específico da polêmica, isto é, os mecanismos discursivos

envolvidos no processo de produção de sentidos em torno da (não) aceitação da

educação a distância como campo/espaço de ensino e aprendizagem, buscamos apoio

teórico adicional no conceito de interincompreensão constitutiva conforme proposto

por Maingueneau (1984, 1987, 2008). Essa aproximação da noção de fórmula com os

trabalhos de Maingueneau nos permitiu observar em minúcias um dos efeitos da

polêmica – a produção de simulacros a partir das restrições semânticas de ambos os

discursos (contra e a favor da EAD). Segundo Maingueneau (1984, p. 64), a relação

polêmica “baseia-se numa dupla bipartição: cada pólo discursivo recusa o outro, como

derivando de seu próprio registro negativo, de maneira a melhor reafirmar a validade

de seu registro positivo”. Isso significa que, a partir de cada sistema de restrições

semânticas, são definidos dois conjuntos de categorias semânticas opostas: o conjunto

de dos semas reivindicados pelo discurso (os semas positivos) e o conjunto dos

rejeitados por ele (os semas negativos). Os semas são aqui entendidos como unidades

de sentido que refletem, segundo Maingueneau, “a exploração sistemática das

possibilidades de um núcleo semântico” (1984, p. 62). Consequentemente, quando o

espaço discursivo é considerado como uma rede de interação semântica, define-se

“um processo de interincompreensão generalizada, a própria condição de

possibilidade das diversas posições enunciativas” (op.cit., p. 99). Assim, não há

dissociação entre enunciar conforme com as regras de sua própria formação discursiva

e “não compreender” o sentido de enunciados do Outro, pois cada posição interpreta

os enunciados de seu Outro traduzindo-os nas categorias do registro negativo de seu

próprio sistema. Evidencia-se, nesse ponto, a produção dos simulacros. Em outras

palavras, o Mesmo só compreende seu Outro através de um simulacro que dele

constrói, de uma espécie de imagem distorcida na qual, o Outro, por sua vez, jamais se

reconhecerá. Também merece destaque um fato surgido na leitura do corpus:

percebemos manifestações dos mesmos discursos pró/contra EAD em outros suportes

que não o puramente verbal: charges, cartoons, fotos etc. Tendo isso em vista,

achamos válido incluir neste trabalho ainda outra noção que Maingueneau

desenvolve, diretamente relacionada à produção de simulacros: a de prática

intersemiótica. Prosseguindo com suas hipóteses, o autor diz que o discurso não deve

ser pensado somente como um conjunto de textos, mas como uma prática discursiva,

através da qual o sistema de restrições semânticas torna os textos comensuráveis com

a “rede institucional” de um “grupo”, que a enunciação ao mesmo tempo supõe e

torna possível (1984, p. 23). Em conformidade com isso, a prática discursiva também

pode ser pensada, de maneira mais abrangente, como uma prática intersemiótica que

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

integra produções pertencentes a outros domínios semióticos (pictórico, musical etc.),

dessa forma, “o mesmo sistema de restrições que funda a existência do discurso pode

ser igualmente pertinente para esses outros domínios” (idem). A prática intersemiótica

deve ser considerada, em consequência, como a manifestação de uma mesma

semântica em outros planos que não o estritamente linguístico-textual. Enfim, o

trabalho analisa também algumas imagens que se inserem no discurso contrário à EAD

e imagens características do discurso tipicamente pró EAD, observando que os

mesmos simulacros identificados nos enunciados “reaparecem” aqui em outra

“semiose”.Esta comunicação apresenta os resultados parciais de uma pesquisa em

desenvolvimento cujo objetivo é analisar as ocorrências do termo “educação a

distância” – e suas diversas variantes –, embasando-se na noção de fórmula conforme

proposta por Alice Krieg-Planque (2003, 2006, 2009, 2010). O corpus, organizado a

partir dos percursos (circulação) do termo citado, é constituído por textos de

diferentes gêneros: artigos científicos na área de educação, mídia impressa, online e

televisionada, além de documentos oficiais do MEC – Ministério da Educação. No

recorte aqui apresentado, destaca-se o caráter polêmico da fórmula – uma de suas

principais características ao lado do caráter cristalizado, da dimensão discursiva e do

funcionamento como referente social. É nessa dimensão polêmica que a fórmula se

torna um “lugar” privilegiado para “compreender a forma como os diversos atores

sociais organizam, por meio dos discursos, as relações de poder e de opinião” (KRIEG-

PLANQUE, 2010, p. 09). Considerando as manifestações pró e contra a “educação a

distância” (mas conhecida pela abreviação EAD), é acirrada a discussão em torno do

valor pedagógico e financeiro das diferentes formas de interação entre educação e

tecnologia em modalidades não presenciais. De acordo com documentos oficiais, a

educação a distância no Brasil tem, desde 2003, um crescimento de matrículas maior

do que o ensino presencial e é supostamente usada como uma ferramenta de inclusão

no ensino superior, além de estar se firmando inclusive dentro dos cursos presenciais

mais tradicionais, que podem oferecer, legalmente, vinte por cento dos seus

conteúdos a distância. Por outro lado, apesar do crescimento e do suposto sucesso, a

EAD ainda é alvo de fortes críticas e protestos evolvendo instituições de âmbito

nacional, servindo como exemplo a recente campanha “anti-EAD” promovida pelo

Conselho Federal de Serviço Social com apoio do ANDES (Associação Nacional dos

Docentes Em Ensino Superior) e que foi intitulada “Educação não é fast-food! Diga não

para a graduação a distância em Serviço Social”. Na materialidade discursiva que os

textos do corpus representam, a EAD pode ser reformulada tanto como “novo

paradigma da educação” e “possibilidade educacional fantástica”, como “canoa

furada”, “conto do vigário” e “enrolação a distância”. Todas essas reformulações

indicam que o termo “educação a distância” parece funcionar como um referente

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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social, ou seja, ele significa alguma coisa (mas não a mesma coisa, e isso o torna objeto

de polêmica) para todos num determinado momento. Isso também significa que o

termo circula, que as pessoas falam dele, que seu lugar de surgimento se diversifica,

que se torna um objeto partilhado do debate (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 54). Tendo em

vista o funcionamento específico da polêmica, isto é, os mecanismos discursivos

envolvidos no processo de produção de sentidos em torno da (não) aceitação da

educação a distância como campo/espaço de ensino e aprendizagem, buscamos apoio

teórico adicional no conceito de interincompreensão constitutiva conforme proposto

por Maingueneau (1984, 1987, 2008). Essa aproximação da noção de fórmula com os

trabalhos de Maingueneau nos permitiu observar em minúcias um dos efeitos da

polêmica – a produção de simulacros a partir das restrições semânticas de ambos os

discursos (contra e a favor da EAD). Segundo Maingueneau (1984, p. 64), a relação

polêmica “baseia-se numa dupla bipartição: cada pólo discursivo recusa o outro, como

derivando de seu próprio registro negativo, de maneira a melhor reafirmar a validade

de seu registro positivo”. Isso significa que, a partir de cada sistema de restrições

semânticas, são definidos dois conjuntos de categorias semânticas opostas: o conjunto

de dos semas reivindicados pelo discurso (os semas positivos) e o conjunto dos

rejeitados por ele (os semas negativos). Os semas são aqui entendidos como unidades

de sentido que refletem, segundo Maingueneau, “a exploração sistemática das

possibilidades de um núcleo semântico” (1984, p. 62). Consequentemente, quando o

espaço discursivo é considerado como uma rede de interação semântica, define-se

“um processo de interincompreensão generalizada, a própria condição de

possibilidade das diversas posições enunciativas” (op.cit., p. 99). Assim, não há

dissociação entre enunciar conforme com as regras de sua própria formação discursiva

e “não compreender” o sentido de enunciados do Outro, pois cada posição interpreta

os enunciados de seu Outro traduzindo-os nas categorias do registro negativo de seu

próprio sistema. Evidencia-se, nesse ponto, a produção dos simulacros. Em outras

palavras, o Mesmo só compreende seu Outro através de um simulacro que dele

constrói, de uma espécie de imagem distorcida na qual, o Outro, por sua vez, jamais se

reconhecerá. Também merece destaque um fato surgido na leitura do corpus:

percebemos manifestações dos mesmos discursos pró/contra EAD em outros suportes

que não o puramente verbal: charges, cartoons, fotos etc. Tendo isso em vista,

achamos válido incluir neste trabalho ainda outra noção que Maingueneau

desenvolve, diretamente relacionada à produção de simulacros: a de prática

intersemiótica. Prosseguindo com suas hipóteses, o autor diz que o discurso não deve

ser pensado somente como um conjunto de textos, mas como uma prática discursiva,

através da qual o sistema de restrições semânticas torna os textos comensuráveis com

a “rede institucional” de um “grupo”, que a enunciação ao mesmo tempo supõe e

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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torna possível (1984, p. 23). Em conformidade com isso, a prática discursiva também

pode ser pensada, de maneira mais abrangente, como uma prática intersemiótica que

integra produções pertencentes a outros domínios semióticos (pictórico, musical etc.),

dessa forma, “o mesmo sistema de restrições que funda a existência do discurso pode

ser igualmente pertinente para esses outros domínios” (idem). A prática intersemiótica

deve ser considerada, em consequência, como a manifestação de uma mesma

semântica em outros planos que não o estritamente linguístico-textual. Enfim, o

trabalho analisa também algumas imagens que se inserem no discurso contrário à EAD

e imagens características do discurso tipicamente pró EAD, observando que os

mesmos simulacros identificados nos enunciados “reaparecem” aqui em outra

“semiose”.

Ivana Pereira Ivo

Universidade Estadual de Campinas

AS FRICATIVAS DO GUARANI-MBYÁ

As pesquisas linguísticas envolvendo línguas do tronco linguístico Tupi sugerem a

existência, no passado, de uma protolíngua que teria sido o ascendente comum da

família linguística Tupi-Guarani que, em algum momento da história pré-colombiana,

teria se desdobrado, gerando duas novas protolínguas que deram origem aos ramos

linguísticos Tupi e Guarani. (COSTA, 2010, p.100). Do Proto-Tupi, a língua conhecida

hoje como Tupi Antigo era a mais falada na costa brasileira no início do período

colonial. Essa língua operava com poucos sons fricativos, o que chamou a atenção dos

estudiosos da época: “Nessa lingoa do Brasil não há f.l.s.z.rr dobrado nem muta com

líquida, vt cra, pra & c. Em lugar de do s. in principio, ou médio dictionis serue, ç. Com

zeura, vt Aço, çatâ”. (ANCHIETA, 1951, p. 1). Costa (2010) elucida que Anchieta não

fazia a distinção entre som e letra e que ele, quando diz que aquela língua não tem “s”,

está, na verdade, se referindo ao som [S] que era o valor fonético da letra “s” no

português da sua época. Foi a partir dessa peculiaridade que os jesuítas afirmaram que

esses povos não tinham nem fé, nem lei, nem rei, em virtude da ausência das “letras”

“f”, “l” e “r forte”. Além de reduzidas, as fricativas registradas no Tupi Antigo sofreram

mudanças no decorrer da história. As variedades da língua guarani faladas nos séculos

XVII e XVIII, segundo Rodrigues (1990), são convencionalmente conhecidas como

Guarani Antigo. Segundo Edelweiss (1947), foram as obras publicadas pelo Jesuíta,

António Ruiz de Montoya que contribuíram para tornar o termo “Guarani” conhecido.

O autor publicou em Madri o “Tesoro de la Lengua Guarani” (1639), a “Arte y

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Linguística

93

XVIII Seminário de Teses em Andamento

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vocabulário de la Lengua Guarani” e o “Catecismo dela Lengua Guarani”(1640) e

conviveu com os guarani na primeira metade do século XVII, nas reduções da Província

do Guairá, hoje região do estado do Paraná. Além dele, Pablo Restivo descreveu o

guarani falado no século XVIII, quando não havia mais reduções, em uma região que

compreendia os territórios entre os rios Uruguai, Paraná e leste do rio Uruguai. Costa

(2010) explica que na literatura a respeito dos ramos Tupi e Guarani, as diferenças

comumente apontadas entre as línguas dos referidos ramos tratam da mudança das

palavras paroxítonas nas línguas Tupi em oxítonas nas línguas Guarani, o que causa a

queda da sílaba átona final das primeiras e a mudança do fonema /s/ do ramo tupi em

/h/ no ramo Guarani, como observado por Edelweiss (1947, p. 100): “[...] o grande

mestre Montoya repetidas vezes havia chamado a atenção para a tendência de

reciprocamente se substituírem o h e o s dento do próprio guarani: “La h y la ç se

Suelen usar uma por la otra” [...]. As descrições do Tupi Antigo apresentam os

seguintes fonemas fricativos para aquela língua: 01. A fricativa alveolar /s/ e sua

variante [S]; 02. A fricativa bilabial /B/. Ao compararmos estas às descrições elaboradas

pelo Pe. Antonio Ruiz de Montoya em “Arte de la lengua guarani” de (1585-1652),

observamos algumas mudanças ocorridas na série das fricativas: 01. Algumas

realizações de /s/ foram convertidas em [h] e outras mantidas como [S]. 02. A fricativa

bilabial /B/ foi mantida. O Guarani-Mbyá, uma das línguas que compõem a família

linguística Tupi-Guarani, falada nas regiões sul e sudeste do Brasil, apresenta um traço

comum às línguas dessa família, que é o de operar com poucos sons fricativos, como

acontecia com o Tupi Antigo. Dados do Mbyá contemporâneo, falado em Paraty, no

estado do Rio de Janeiro, apresentam algumas mudanças na série das fricativas: 01.

Algumas realizações de /h/ do Guarani Antigo são apagadas enquanto outras são

mantidas; 02. As realizações de /S/ são produzidas como africadas [t°s] e [t°S]; 03.

Algumas realizações de /s/ do Tupi Antigo são produzidas como /g/; 04. A fricativa

bilabial /B/ apresenta as variantes [v], [w] e ditongo com [u]. As bases teóricas e

metodológicas do Círculo Linguístico de Praga concebem a língua com um sistema

funcional, passível de mudanças, embora essas não sejam consideradas “ataques

destruidores” lançados ao acaso, de forma independente. [...] “o sistema linguístico,

submetido à mudança, é envolvido num processo de perpétuo remanejamento a fim

de manter essa funcionalidade, num esforço incansável de estabilização”. (FONTAINE,

1978, p.23). Para Jakobson (1931, p. 14), “qualquer mudança deve ser tratada com

referência ao sistema no qual ela acontece”. Assim, após observarmos uma mudança

fônica, algumas perguntas devem ser feitas: algo foi modificado no interior do sistema

fonológico? Foi perdido algum contraste fonológico? Foram adquiridas novas

distinções fonológicas? Houve reestruturação nas oposições particulares? “Cada

unidade fonológica no interior de um sistema deve ser examinada tomando em conta

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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as suas relações recíprocas com todas as outras unidades do sistema, antes e depois

da mudança fônica considerada”. (JAKOBSON, 1931, p. 14). Os mecanismos criados

pelo sistema para continuar funcionando de forma equilibrada, com harmonia entre os

seus elementos são, conforme Jakobson (1931): defonologização – a supressão de

uma distinção fonológica, fonologização – surgimento de uma distinção fonológica e

refonologização – reorganização de uma distinção fonológica em outra diferente.

Assim, ao observarmos que algumas fricativas do Tupi Antigo são modificadas em

obstruintes (- contínuos) ou em aproximantes em Guarani Mbyá, investigamos a

possibilidade de ter havido um rearranjo nas classes de sons do Mbyá em resposta às

oposições configuradas como relevantes ao sistema. Intentamos investigar se, pelo

fato dos sons fricativos (+ contínuos) não entrarem no jogo das oposições

fundamentais ao funcionamento do sistema, teriam passado a desempenhar outra

função.

Janaina Olsen Rodrigues

Universidade Estadual de Campinas

UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO REFERENCIAL DA HIPERONÍMIA NOS CONTEXTOS

PATOLÓGICOS E NÃO PATOLÓGICOS

Este resumo apresenta os objetivos, uma parte do aparato teórico-metodológico, bem

como os resultados parciais da pesquisa de mestrado em andamento intitulada “Um

estudo da construção referencial da hiperonímia nos contextos patológicos e não

patológicos”, realizada sob orientação da Profª Drª Edwiges Morato no Instituto de

Estudos da Linguagem IEL/ Unicamp. Tendo como principal motivação a necessidade

de um melhor entendimento acerca das relações entre linguagem e cognição, a

referida pesquisa fundamenta-se, do ponto de vista teórico-metodológico, em três

domínios: o da Semântica, o da Linguística Textual e o da Neurolinguística. Sob uma

abordagem sociocognitiva da linguagem, são investigadas e analisadas as estratégias

de construção textual da referência utilizadas por afásicos - sujeitos que apresentam

problemas de linguagem oral e/ou escrita, decorrentes de lesões cerebrais causadas

por acidentes vasculares cerebrais, tumores e traumatismos crânioencefálicos

(MORATO, 2010) -, por indivíduos com Doença de Alzheimer em fase inicial - em que

os problemas mnêmicos associados à ansiedade ou à depressão são constantes- e por

indivíduos sem qualquer comprometimento neurológico - grupo controle. Como

instrumento metodológico, adotou-se um protocolo composto por dezoito conjuntos

de três co-hipônimos cada. Tal escolha teve como intuito focalizar e delimitar o

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Linguística

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trabalho linguístico e sócio-cognitivo, bem como o percurso enunciativo realizado

pelos sujeitos ao categorizar e enquadrar os co-hipônimos em um conjunto genérico,

sendo possível verificar, dessa maneira, o processo de referenciação em curso através

dos enquadres cognitivos explicitados pelos próprios participantes. Como ponto de

partida rumo a uma expansão da noção, tem-se a definição de hiponímia como a

relação em que “X é um tipo de Y”, adotando X como hipônimo e Y como hiperônimo.

Em modelos computacionais, ela é representada por “X é um Y” (RUMELHART et al.,

1972) ou pela expressão “X é um membro de Y” (KINTSCH, 1974). Definições clássicas

(aristotélicas) também recaem sobre a hiponímia, como a de genus e differentiae, isto

é, o hiperônimo e as qualidades que distinguem seus hipônimos. Seguindo as

classificações hiperonímicas propostas por Cruse (1986), no protocolo da pesquisa,

foram contempladas com representantes co-hiponímicos as relações de hiperonímia

que atendem à classificação de hiperonímia prototípica (como, por exemplo, o

conjunto "Brasil, México e Paquistão"), de quase-hiperonímia (como o conjunto

"vermelho, rosa e verde"), de para-hiperonímia ("cachorro, gato papagaio", por

exemplo) e de hiperonímia taxonômica (como "sofá, mesa, estante"). Desse modo,

enquanto fenômeno de encadeamento e de coesão, os co-hipônimos, inseridos no

mesmo patamar da hierarquia de elementos semânticos a que pertencem, permitiram,

desempenhando a função de imputs, a retomada referencial através de diferentes

percursos semântico-textuais, nomeadamente a relação de hiperonímia ("vegetais que

se usa muito pra...pra salada" diante dos co-hipônimos "alface, rúcula e agrião), a

relação de meronímia (como, por exemplo, a ativação do item lexical "sala" perante os

co-hipônimos "sofá mesa e estante"), as predicações ("três grandes expoentes da

nossa dramaturgia" para "Tarcísio Meira, Lima Duarte e Tony Ramos") , a ativação de

frames ( como "festa de criança" para os co-hipônimos "quindim, goiabada e

brigadeiro"), as considerações ( "isso eu não entendo muito...de jogo eu não entendo "

para os co-hipônimos "bingo, xadrez e dominó) , as construções metafóricas ( como "a

quadrilha" perante "Lula, FHC e Sarney" ou "um...desastre" para os co-hipônimos

"sogra, cunhado e genro"), etc. Tais estratégias emergentes, analisadas

comparativamente e entre si, tendo em vista os três grupos heterogêneos envolvidos,

constituem o interesse principal da investigação científica em andamento. A

pluralidade de referentes resultantes da aplicação do protocolo também explicita o

papel dos objetos de discurso como elementos dinâmicos, que são inseridos,

mantidos, identificados, retomados, construindo ou reconstruindo, por esta via, os

sentidos no curso da progressão textual (KOCH & MARCUSCHI, 1998; KOCH, 1999,

2002) construída, no caso, na situação de interação estabelecida no processo de coleta

de dados. Ao obter resultados de natureza semântica não hiperonímica, mesmo diante

de um comando condizente com a definição dessa relação semântica e partindo dos

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

co-hipônimos, considera-se que o referenciar, segundo Marcuschi (2002), é uma

atividade discursiva elaborada em um contexto de interação verbal, sendo fruto de um

processo criativo que tem um lugar central na construção das vivências individuais e

não um simples ato de designação. Desse modo, as estratégias de referenciação,

incluindo o uso de hiperônimos, são construídas discursiva e interativamente, isto é,

dentro de uma rede lexical situada em um sistema sócio-interativo que permite a

produção de sentidos e na qual a relação de hiperonímia, como um recurso

referencial, se insere. Os resultados parciais obtidos até então, explicitados pelas

estratégias emergentes da aplicação do protocolo, também contribuem para a

consideração de que a chave para compreensão da DA e das afasias não está (apenas)

no cérebro ou nas estruturas neurológicas (LEIBING, 2006), visto que, assumindo uma

perspectiva que tem, como conceitos base, a linguagem, a cognição e a interação,

nesta pesquisa, os participantes são concebidos como pessoas que convivem com os

déficits criando estratégias linguísticas e não-linguísticas- sendo as estratégias de

caráter linguístico e sociocognitivo o foco da presente pesquisa. Enfatiza-se, portanto,

o caráter social e pragmático da linguagem e da cognição, estreitando as relações

entre verbal e não verbal, entre linguagem e práticas socioculturais, já que a linguagem

não deve ser vista como a representação dos referentes mundanos, ou como mera

competência de habilidades cognitivas inatas, mas sim como o local em que,

concomitantemente, a exterioridade (o cultural, o social e o histórico) se relaciona com

os processos internos (nossos esquemas mentais) a partir da construção de “versões

públicas do mundo” (MONDADA & DUBOIS, 1995).

José Edicarlos de Aquino

Universidade Estadual de Campinas

AS FILIAÇÕES TEÓRICAS DO PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO BRASILEIRA: UM

PROJETO DE TRABALHO

O objeto do nosso projeto são as filiações teóricas do processo de gramatização

brasileira. Inseridos no campo da História das Ideias Linguísticas, que considera

constitutiva a relação entre história do saber metalinguístico e história da língua,

indicamos como nosso objetivo principal analisar o modo como se constrói uma rede

de filiações teóricas no processo de gramatização brasileira a partir da obra de Júlio

Ribeiro, que recusa a tradição da gramática filosófica estabelecida pelo português

Jerônimo Soares Barbosa e, assim, realiza uma virada epistemológica nos estudos do

português no Brasil, operando “um gesto fundador que constrói uma filiação à qual os

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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gramáticos brasileiros farão referência sistemática” (ORLANDI, 2009 p. 154). A

gramatização é tomada na História das Ideias Linguísticas como um processo de

instrumentação das línguas que altera os espaços de comunicação e a relação dos

falantes com suas línguas, construindo, a partir de um saber sobre a língua, uma

imagem de unidade linguística, de que se servem as nações a partir do Renascimento.

Dessa forma, faz parte do nosso objetivo analisar também a maneira como a

construção de uma rede de filiações teóricas a partir da obra de Júlio Ribeiro

institucionaliza um saber brasileiro sobre a língua e como a institucionalização desse

saber elabora uma identidade linguística e uma identidade nacional brasileira.

Rejeitando a noção de influência, por implicar no juízo de passividade diante do

conhecimento, pensamos as filiações teóricas da gramatização brasileira em termos de

ressignificação de um saber sobre a língua. Nossa hipótese é de que a gramatização

brasileira se constitui na articulação entre a gramática geral e a gramática histórico-

comparativa e na reelaboração das ideias mobilizadas por essas duas grandes teorias

linguísticas. Na história da tradição linguística ocidental, a gramatização aparece como

“o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas

tecnologias, que ainda hoje são os pilares de nosso saber linguístico: a gramática e o

dicionário”, conforme Auroux (1992, p. 65). Nessa perspectiva, os produtos da

gramatização (a gramática, o dicionário e outros escritos sobre a língua) não são

considerados simples representações da atividade linguística dos homens, mas, ao

contrário, verdadeiros instrumentos linguísticos, isto é, objetos técnico-culturais e

sócio-históricos, como resumem Colombat, Fournier e Puech (2010). A segunda

metade do século XIX marca o período inicial do processo de gramatização brasileira

da língua portuguesa, caracterizado pela produção das primeiras gramáticas e

dicionários do português falado no Brasil. É nesse momento que esses instrumentos

linguísticos começam a ser feitos por brasileiros e para brasileiros, o que muda a

relação que os brasileiros têm com a língua que falam e também o conhecimento

sobre a língua que têm. Com efeito, os gramáticos brasileiros do final do século XIX e

início do século XX assumem a posição-autor de um saber sobre a língua que não é o

mero reflexo do saber gramatical português (ORLANDI, 2000). Nesse processo, a

Grammatica Portugueza, de Júlio Ribeiro, lançada em 1881, constitui um evento

interpretativo que vai desencadear fortes reações durante toda a gramatização

brasileira, funcionando como um discurso fundador, no sentido que o dá Orlandi

(1993), isto é, um discurso que funciona como referência básica no imaginário

constitutivo do país e que não se apresenta como já definido, mas antes como uma

categoria que o analista deve delimitar pelo próprio exercício de análise. O papel

fundador da obra de Júlio Ribeiro é atribuído inclusive por seus contemporâneos.

Carlos Eduardo Pereira, por exemplo, no prólogo de sua Gramamatica Expositiva,

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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publicada em 1907, afirma o seguinte: “Depois que Júlio Ribeiro imprimiu novas

direcções aos estudos gramaticaes, romperam-se os velhos moldes, e estabeleceu-se

largo conflicto entre a eschola tradicional e a nova corrente”. Como explica Orlandi

(2000), é justamente o mecanismo de citação que faz de Júlio Ribeiro a referência

primeira na gramatização brasileira da língua portuguesa, o discurso fundador da

história da gramática brasileira. Por essa razão, não se pode deixar de lado as

remissões que foram feitas à obra de Júlio Ribeiro ao longo de processo de

gramatização. Além da Grammatica Portugueza, são também obras de Júlio Ribeiro:

Traços Geraes de Linguistica (1880), Cartas Sertanejas (1885), Holmes Brasileiro ou

Gramática de Puerícia (1886), Procellarias (1887), Questão Grammatical (1887), Nova

Grammmatica da Lingua Latina (1895), Uma Polêmica Célebre (19--). Escreveu ainda

dois romances, Padre Belchior de Pontes (1876-1877) e A Carne (1888), polêmica obra

do naturalismo brasileiro. Todas essas produções são tão importantes quanto a

Grammatica Portugueza para a análise das filiações teóricas do processo de

gramatização brasileira. De fato, de acordo com Orlandi (2009, p. 80), assim como as

gramáticas, as produções dos gramáticos brasileiros em outros domínios “fazem parte

de um processo discursivo mais amplo que tem a ver, nos países de descolonizados,

com a relação dos falantes com sua língua e a visibilidade e legitimidade da mesma”. A

obra de Júlio Ribeiro não foi ainda estudada no seu conjunto nem as filiações teóricas

particulares do processo de gramatização brasileira foram analisadas de forma mais

aprofundada. Ao reunir essa obra e analisá-la, nosso trabalho traz contribuições para a

história do conhecimento metalinguístico no Brasil por tratar das ideias linguísticas em

circulação no país na virada do século XIX para o XX. Ele também suscita uma discussão

de relevância para a história do pensamento sobre a linguagem em geral por colocar

em questão, por exemplo, a ideia muito difundida pela História da Linguística de que a

gramática geral desaparece como paradigma com a emergência do método histórico-

comparativo. A obra de Júlio Ribeiro e as remissões feitas a ela nos mostram que a

tradição da gramática geral, viva no Brasil, continua a animar a reflexão sobre a língua

ainda na virada para século XX.

Juliana Batista Trannin

Universidade Estadual de Campinas

'AS COISA TUDO' NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

O objetivo deste trabalho é descrever as propriedades sintáticas do quantificador tudo

no Português Brasileiro (PB) e comparar com os dialetos europeu e afro-brasileiro. O

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estudo se fundamenta no quadro teórico da gramática gerativa (CHOMSKY, 1995 e

obras posteriores). Pretende-se discutir o comportamento sintático de "tudo" em

sentenças existenciais e sentenças genéricas e as restrições em relação à flutuação de

"tudo" no PB. Os dados constituem sentenças encontradas na internet, no Twitter e

em blogs, além de sentenças construídas a partir da intuição do falante, por meio de

testes de gramaticalidade. No PB coloquial, além do uso tradicional como

quantificador indefinido, como em (1a), a palavra "tudo" é usada em substituição à

forma flexionada "todos", como em (1b):

(1) a. Os meninos compraram tudo que precisavam.

b. Os meninos tudo chegaram.

Este fenômeno foi originalmente descrito por Godoy (2005). A autora mostra que, na

fala informal, tudo pode aparecer na configuração TDPp (tudo + DP plural), em que a

marcação do plural no DP incide somente no determinante e o verbo pode ou não

apresentar a flexão de plural, como nos exemplos abaixo:

(2) a. Os cara tudo assiste o programa.

b. As menina tudo usa saia curtinha.

(3) a. Eu fui e fiz as coisa tudo.

b. Não sei como vou deixar meus menino tudo aí. (GODOY, 2005, p. 16)

A proposta de Godoy (2005), retomada por Cançado (2006), é a de que "tudo"

existencial é um quantificador universal, pois não contém uma restrição inerente.

Conforme as autoras, o "tudo" existencial parece ser resultado da perda da restrição

inerente da expressão complexa "tudo" indefinido, tornando-se um quantificador

puro. Godoy classifica as ocorrências em dois tipos: "tudo" existencial e "tudo"

genérico. Nas sentenças com leitura existencial, como (2) e (3), a posição canônica do

quantificador é à direita do nome, como nas sentenças em (2)-(3) acima. Quando

"tudo" ocorre no sintagma objeto, por outro lado, a sentença é gramatical, como em

(4). Quando o quantificador é parte do sintagma sujeito da oração, tudo não pode

ocupar a posição à esquerda do nome, como mostra (5).

(4) a. Ele comprou tudo as coisa.

b. Os aluno leram tudo os livro.

(5) a. *Tudo as criança foram pro parque.

b. *Tudo os menino viajaram ontem.

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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A impossibilidade de ocorrência de "tudo" nesta posição é um dos aspectos que o

diferencia do quantificador "todo". Cançado (2006, p.165) relaciona a

agramaticalidade de tudo+DP ao fato de que, quando há perda da flexão de plural, “o

elemento que se encontra mais à esquerda é que carrega a flexão de número”. Para

Lacerda (2011), entretanto, a agramaticalidade de tudo+DP é explicada pelo fato de

que tudo não tem traços-phi e é, por isso, incapaz de estabelecer concordância com a

flexão verbal em T. Além das construções existenciais, "tudo" pode ocorrer também

em sentenças com sentido genérico, na configuração TN (tudo + nome nu), com verbo

de ligação:

(6) a. Homem é tudo palhaço.

b. Político é tudo corrupto.

Nestas sentenças, segundo Godoy e Cançado, a flutuação não é permitida; a única

posição possível é depois do verbo, à esquerda do nome. O estatuto sintático de

"tudo" genérico permanece uma questão em aberto. Na análise de Vicente (2006), no

PB, o quantificador universal e o DP formariam um constituinte, não podendo ocorrer

em domínios separados. A autora afirma que, na fala coloquial, o quantificador

indefinido "tudo" é uma das formas de "todos", pelo fato de estarem em distribuição

complementar quando “flutuados”. A forma não flexionada disponível do

quantificador só pode ocorrer em casos de movimento de DP:

(7) a. Todos os meninos

b. Os menino tudo/todo

c. *Tudo/todo os menino (VICENTE, 2006, p. 93)

Vicente considera dois tipos de elementos modificados pelo quantificador: lexicais e

pronominais. O primeiro grupo são os elementos como “os alunos”, em (8a). O

segundo, elementos pronominais plurais, como pronomes não-clíticos (“eles”, “nós”,

“vocês”), como em (8b) e pronomes clíticos (“os”, “nós”, “cês”), em (8c):

(8) a. Os alunos todos

b. Eles/Nós/Vocês todos

c. A Heloísa viu cês todos/tudo. (Vicente, 2006, p. 103-104)

No corpus selecionado, encontram-se ocorrências de "tudo" existencial com DP

lexicais, como em (9a,b) e pronominais (9c,d,e):

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Linguística

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(9) a. troco meus chocolates tudo por uma cerveja.

b. comprei tudo meus livros da faculdade no sebo.

c. pior que erro tudo eles

d. to brava com vocês tudo.

e. Cês tão tudo loco com esse dia do índio.

Encontram-se também sentenças com "tudo" genérico:

(10) a. Japonês tudo tem cara de vendedor de pastel.

b. Justin Bieber não quis tirar foto com o restart pq mulher é tudo invejosa

Além disso, verifica-se ocorrências nas configurações tudo + DP singular e tudo + nome

nu:

(11) a. (...) e iam jogar o refri tudo fora kaka

b. Quebrei tudo o braço do menino.

c. Comi sopa tudo...

Parece que "tudo" pode possuir diferentes traços e combinar com um NP ou um DP,

gerando diferentes interpretações, assim como o quantificador "todo", conforme

Müller, Negrão & Gomes (2007). Ao contrário dos exemplos em (9) que têm leitura

quantificacional, as sentenças em (11) teriam uma leitura adverbial, em que "tudo"

significaria "inteiro". As sentenças serão classificadas e analisadas em relação à posição

do quantificador e ao tipo de elemento que eles modificam. Serão investigadas as

restrições de flutuação em sentenças transitivas, inacusativas, inergativas e passivas,

em comparação aos resultados obtidos por Godoy e Cançado. O fenômeno descrito

aqui é interessante pelo fato de "tudo" ser invariável, ou seja, não possuir flexão de

número nem de gênero. O PB falado perdeu a flexão de número, mas ainda conserva

as marcas de gênero. Pode-se pensar na inserção deste fenômeno em um processo

maior de perda da marcação de plural no PB falado e no enfraquecimento do traço de

gênero.

Page 102: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

102

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Karen Alves da Silva

Universidade Estadual de Campinas

SAUSSURE E A BUSCA SILENCIOSA PELA EPISTEMOLOGIA DA LINGUAGEM

O trabalho de Ferdinand de Saussure foi marcado pela busca incessante do mestre por

encontrar uma metodologia que pudesse explicar o fenômeno linguístico. Nessa seara

científica, Saussure deixou transparecer seu perfeccionismo ao priorizar a qualidade

dos dados e a análise rigorosa do fenômeno linguístico. Desde o Mémoire sur le

système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes, o jovem linguista já

demonstrava essas preocupações ao elaborar um trabalho bastante maduro sobre o

sistema das vogais nas línguas indo-europeias. Observamos precocemente em

Saussure os traços que o definirão durante a sua vida: "Ao amar a perfeição,

desafiando a si mesmo, ele nunca estava satisfeito com os resultados obtidos e

objetivava sempre ir além" (Muret apud Fehr, 2000, p. 35; trad. nossa). Mais do que

isso, como nos alerta Muret (op.cit.), "constantemente sua imaginação inquieta e sua

insaciável curiosidade o guiavam para novos problemas e o arrebatavam para novos

horizontes. (...).". Com este espírito e profundamente incomodado com prática de seus

contemporâneos, o mestre genebrino colocou-se não somente em uma posição de

crítica, mas buscou aperfeiçoar e modificar a metodologia até então adotada. Diante

da ausência de uma só "idéia clara" (Saussure apud Starobinski, 1974, p.11) no âmbito

dos estudos linguísticos, ele se viu frente à tarefa de cunhar novas terminologias e

conceitos para esses estudos. É a essa tarefa que ele se dedicou desde 1880. A

teorização saussuriana compareceu, no curso histórico dos estudos da linguagem,

como uma verdadeira revolução científica, já que alterou o modo como se concebia e

se praticava esses estudos sobre linguagem. Todavia, com uma metodologia marcada

pelo perfeccionismo e pelo rigor herdado da tradição francesa, o mestre silenciou

sobre as suas inovadoras formulações provavelmente em razão das intensas

reformulações a que submetida a teorização. Encontramos evidências e

desenvolvimentos das reflexões de Saussure sobre a língua e sobre a linguagem nas

três conferências por ele ministradas na Universidade de Genebra, em novembro de

1891. Todavia, apesar de mais bem sistematizadas, elas são um fragmento do universo

de uma teoria que, pelas mãos de Saussure, foi pouco transmitida; segundo Arrivé

(2010, p. 20): "foi possível dizer (...) que ele [Saussure] não publicou o que escreveu e

não escreveu o que foi publicado em seu nome". Essa intensa reconstrução e o

consequente silêncio estavam ligados, como aponta Benveniste, a um "drama de

pensamento": era preciso modificar o que se fazia no tocante ao estudo da linguagem

para garantir uma teoria que efetivamente jogasse luzes sobre o fenômeno linguístico.

Page 103: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

103

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Nas palavras de Benveniste (1988, p. 41): "O que, então, o impedia de publicar?

Começamos a sabê-lo. (...). Saussure afasta-se da sua época na mesma medida em se

tornava pouco a pouco senhor da sua própria verdade, pois essa verdade o fazia

rejeitar tudo o que então se ensinava a respeito da linguagem". O deslocamento

proposto pelo mestre genebrino implicava em deixar as análises baseadas na diacronia

da língua e nas relações histórico-genéticas com um protótipo de língua ancestral, e

importava compreender o fenômeno lingüístico a partir de uma abordagem sincrônica

e sistemática. Contudo, romper com a forma de se produzir ciência é uma tarefa

árdua, já que resulta em não aceitação do trabalho e em críticas. Com efeito, o

trabalho inovador de Saussure só foi conhecido após o surgimento do Curso de

Linguística Geral (1916). Essa obra póstuma, amplamente louvada e questionada pela

tradição que a sucedeu, modificou o andamento dos estudos da linguagem. Se até

Saussure, os desenvolvimentos sobre língua e linguagem eram feitos de forma pouco

organizada, após o Curso, a Linguística tornou-se ciência com objeto e método:

"Ferdinand de Saussure é (...) o homem que reorganizou o estudo sistemático da

linguagem e das línguas de uma maneira tal que ela tornou possíveis os avanços

realizados ao longo do século XX" (Culler apud Fehr, 2000, p. 17, trad. nossa). Nesse

contexto, algumas questões podem ser levantadas: será que os contemporâneos de

Saussure poderiam compreender e aceitar os deslocamentos propostos pelo mestre

ou ele seria intensamente criticado, assim como foi com o Mémoire? O temor de ser

incompreendido silenciou Saussure? Por outro lado, não seria o rigor do cientista que

não o permitia divulgar a complexidade de sua teorização sem que o trabalho estivesse

finalizado? Quais as marcas desse rigor e as consequências desse silêncio para a obra

do genebrino? Refletimos sobre essas questões no primeiro capítulo de nossa tese de

doutorado. Com efeito, jogar luzes sobre esses questionamentos propiciará melhor

compreensão da complexa obra saussuriana e, consequentemente, nos ajudará a

entender a construção da noção de sujeito falante e a posição desse sujeito na obra de

Saussure, propósitos de nossa tese. No presente trabalho, nosso objetivo é o de

compreender como o rigor metodológico e o silêncio editorial marcaram a

epistemologia saussuriana, bem como as consequências dessas marcas para a

Linguística que sucedeu Saussure. Para tanto, nos apoiamos nos trabalhos de Godel

(1969) Fehr (2000), Bouquet (2000), Milner (2002), Trabant (2005), Kyheng (2008) e

Arrivé (2010), valendo-nos especialmente dos textos e dos pressupostos saussurianos

contidos no Curso e nos Escritos de Linguística Geral (2004). (projeto apoiado pelo

CNPq).

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Laise Aparecida Diogo Vieira

Universidade do Vale do Sapucaí

(EN)CENA: A REPRESENTAÇÃO, O REAL DA INTERPRETAÇÃO

A campainha toca. Uma, duas, três vezes. O silêncio se instaura. Uma interpretação,

entre as possíveis, realiza-se. Bem-vindo, espect-ator dessas escutas! O não dito que

significa na cena, o acontecimento. Esse trabalho tem como base dois elementos

fundamentais: o silêncio e a interpretação. A partir desses pontos, visamos ao

estabelecimento da sua relação de entremeio, apontando para a análise do que

estamos denominando uma discursividade cênica, no teatro de Beckett. Por meio da

leitura do romance O inominável (2009), de Samuel Beckett, e de suas obras teatrais,

entre elas, Esperando Godot (2010) e Fim de Partida (2010), podemos refletir sobre a

desconstrução da narrativa padrão. Nessas obras, o leitor, o artista e o espectador,

inversamente seduzidos pela impossibilidade de expressar o que já foi dito, deparam-

se com o que há de mais cru, sensível e desnudo universo, povoado por personagens

que falham, que duvidam, que se vêem impossibilitados de seguir e que, no entanto,

seguem: “(...) é preciso continuar, não posso continuar, vou continuar.” (BECKETT in O

inominável, p. 185). Quanto à narratividade presente na obra e estilo “beckettiano”,

temos na área de artes e de estudos literários pesquisas que refletem sobre a palavra e

a não-palavra, o dito e o mal-dito, o visto e o mal-visto. Surge na perspectiva da

Análise de Discurso, a busca por trilhar o campo da discursividade cênica. Em que

consiste o ato de interpretar “Samuel Beckett”, ou ainda servir-se de seus textos na

constituição de um espetáculo? Ao considerarmos essa atuação dramática como um

dos nossos objetos de pesquisa, questionamos a que se refere o processo de

interpretação. É nessa perspectiva que se tornam fundamentais os elementos

constitutivos de encenação, entre eles, o silêncio. Tendo como base a obra de Eni

Orlandi, As formas do silêncio: no movimento dos sentidos, e textos do autor Samuel

Beckett, buscamos com esse trabalho contribuir na reflexão do tema da representação

no teatro denominado pós-dramático. Representação esta, que parece se instaurar

num processo de (des)construção de sentidos pelos atores-intérpretes e que, neste

ato, presentificam-se na cena. Nesse movimento, outras possibilidades significativas se

geram por meio dos espectadores, também intérpretes. No entremeio dessa

intensificação de relações e sentidos, pretendemos também refletir sobre a prática

cênica, ao considerar o teatro - assim como a dança, já analisada por Orlandi (2011) -,

um objeto em sua materialidade discursiva, pertencente a uma conjuntura histórica,

com suas formas de assujeitamento e significação. No que se refere ao acontecimento

da interpretação, consideramos como uma provocação nessa análise o fato de, no ato

Page 105: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

de representar, encontrar-se a ideia da presentificação, o de tornar-se presente, numa

linguagem real, viva, em sua forma encarnada, em que “o corpo passa da invisibilidade

para a significação” (ORLANDI, 2012, p.97). O representar assume, nesse sentido, o ato

de estar ali, naquele momento presente, que se instaura a partir de um silêncio, de um

não gesto, de um não sentido, que se sente, e se funde o interpretável. Aliás,

lembremos que, pelo viés da Análise de Discurso, repetir não é reproduzir, mas

retomar. É por meio da obra Interpretação; autoria, leitura e efeitos do trabalho

simbólico (2007), de Orlandi, que buscaremos os deslocamentos possíveis no que

tange aos aspectos da interpretação e da sua relação na produção de efeitos de

sentidos. Para esse estudo, inquieta-nos algumas questões fundamentais sobre “o que

é interpretar?”, “quem é esse intérprete, que representa, mas não é o mesmo?”.

Nessa perspectiva, outra obra que relacionamos à práxis de se pensar os efeitos de

sentidos e a significação destes é o acima citado As formas do silêncio: no movimento

dos sentidos (1995), da mesma pesquisadora, buscando reforçar a relação entre

silêncio e a interpretação dramática. Por meio da Análise do Discurso, buscamos,

assim, compreender o funcionamento de elementos na composição da discursividade

cênica, tais como, a relação interpretação – texto – corpo – artistas – público – teatro,

como espaço –, em um processo de produção de sentidos. A obra O Discurso:

estrutura ou acontecimento (2002), de Pêcheux, vem contribuir na reflexão da

possibilidade da “forma encarnada”, ao considerarmos o teatro em sua cena

presentificada, instaurada. Além disso, essa obra é essencial para a compreensão de

outros conceitos dos estudos das ciências da linguagem, que certamente deverão ser

aprofundados ao longo da pesquisa e conforme o andamento da própria análise. Essa

investigação poderá se fazer, inclusive, por meio da resignificação de categorias

teatrais já existentes, entre elas, “teatro pós-dramático”, “teatro do absurdo” e “ação

dramática”. Categorias estas, que, em nossa hipótese, permitem furo(s), deslize(s) ao

se tratar do estilo beckettiano. E assim, tomados e retomados pelas formas de uma

linguagem que contemplam o inacabado, optamos, nesse percurso, por continuar num

movimento que se faz no gesto de (des)construção e fragmentação e, a partir dele,

tocar a iminência de objetos significativos, que sensibilizam o artista, o homem, e que

nos fazem reafirmar as palavras de Luis Jouvet: “não há nada mais falso, mais fútil,

mais vão, não há nada mais necessário que o teatro.”

Page 106: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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Lara Medeiros Borges Pereira

Universidade Estadual de Campinas

SOBRE A FEMINILIDADE E O EROTISMO EM UM DIÁLOGO ENTRE FREUD E LOU

ANDREAS-SALOMÉ

A escuta das mulheres histéricas, imersas na repressora sociedade do século XIX,

permite que Freud realize as primeiras formulações acerca da teoria e prática da

psicanálise, concebendo a histeria como um sintoma psíquico com um sentido a ser

decifrado. Este movimento, por oposição ao de mera observação e diagnóstico da

paciente, como vigente na época, tem importância fundamental no processo de

retirada da histeria do âmbito da “loucura” ou da suposição corrente de que seus

sintomas fossem resultantes de uma farsa ou fingimento. Freud inova, ainda, ao

afirmar que o sintoma histérico ocorre por intermédio do inconsciente, e não pela

intenção consciente da histérica. A escuta das mulheres histéricas por Freud

proporciona, por conseguinte, um novo olhar sobre a temática da sexualidade

feminina. A problematização do feminino em sua obra surge a partir de 1905, em "Três

ensaios sobre a teoria da sexualidade", texto no qual ele introduz a ideia de que existe

uma sexualidade infantil, trazendo à tona questões bastante polêmicas sobre a

sexualidade do menino e da menina. Traçando uma breve cronologia dos escritos de

Freud sobre a mulher e seu erotismo, podemos observar que a questão se apresenta

pela primeira vez a ele, ademais de em "Três ensaios...", em "O caso Dora" (1905), que

o faz refletir sobre como uma mulher escolhe seu objeto amoroso, além de questões

sobre a transferência e a contratransferência. Em 1919 ele escreve "Uma criança é

espancada", abordando a gênese da perversão. Aqui, Freud começa a articular a

posição feminina com o masoquismo a partir da análise de sua filha Anna, realizada

com o auxílio de Lou Andreas-Salomé. Em 1920 escreve "A psicogênese de um caso de

homossexualismo numa mulher", em que trata da escolha homossexual de um objeto

amoroso, indagando-se sobre a razão da homossexualidade feminina e obtendo como

uma de suas conclusões que o objeto de amor da menina também é a mãe. A questão

da feminilidade, porém, ao mesmo tempo em que assume um lugar importante no

desenvolvimento da teoria psicanalítica, também é alvo de impasses, críticas e

reavaliações para Freud. Ao longo de sua obra, no que tange à condição da mulher e

da feminilidade, ele é muitas vezes apontado como conservador e até mesmo

misógino, dada a primazia que o elemento fálico e a masculinidade assumiam em sua

teoria, posição esta que ele revê a partir de 1923. De toda forma, tais questões foram

cruciais para promover diversas reflexões que possibilitaram que, mais tarde, a

discussão sobre a sexualidade feminina tivesse maior visibilidade em diversos âmbitos

Page 107: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

da sociedade. Um interessante diálogo sobre o tema da sexualidade e do erotismo

femininos foi estabelecido entre Freud e uma de suas principais admiradoras, amigas e

discípulas: Lou Andreas-Salomé. Esta, sem dúvida, é uma das personalidades femininas

mais proeminentes na filosofia e literatura dos séculos XIX-XX, embora poucos estudos

tenham sido realizados sobre sua vida e obra, principalmente acerca dos frutos de seu

encontro pessoal e teórico com Freud. As publicações de Lou Salomé sobre a teoria

psicanalítica, em geral, são escassas, e consistem principalmente de releituras em

linguagem psicanalítica de questões que já lhe interessavam antes, aprimoradas pelo

conhecimento recém-adquirido. Entretanto, ao longo dos 25 anos em que estudou e

praticou a psicanálise, Lou se destaca como a grande interlocutora de Freud e da

metapsicologia freudiana, bem como de seus próprios pacientes. Suas questões se

centram, sobretudo, na temática da sexualidade feminina, no amor e nas questões de

narcisismo e diferença sexual. Como aponta Peters (1962/1986), sua principal

contribuição para a psicanálise é a afirmação de que o fenômeno do narcisismo inclui

sempre o amor por si próprio e a submissão, temática esta abordada primeiramente

em suas obras "Reflexões sobre o problema do amor" e "O Erotismo", e que também

se fará presente em diversas de suas obras literárias, ademais de merecer um artigo

inteiramente dedicado a ela em 1921, "Narcisismo como orientação dual". Em "Sobre

o feminino", de 1914, uma resposta aos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade de

Freud", Lou reflete mais uma vez sobre a natureza feminina e a diferença entre os

sexos. Neste ensaio ela traça um novo percurso para o desenvolvimento da menina,

reinterpretando a puberdade como um momento em que a menina, em seu próprio

momento de maturação, é enviada de volta a si mesma, para um “eu” que, para a

autora, é a fusão original com tudo. Neste retorno a si, as pulsões sexuais e as pulsões

do ego da mulher se unem, por oposição ao que acontece no homem, em que elas

estão separadas e em conflito. Portanto, a mulher estaria em harmonia, como um ser

abençoado e indivisível. É válido apontar que Freud adiciona uma nota de rodapé em

"Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" em 1920 acerca dos acréscimos realizados

pelo ensaio "Anal e Sexual" (1916) de Lou Salomé, o qual recebeu grandes elogios por

parte de Freud, que também o citou na "Conferência XX: A Vida Sexual dos Seres

Humanos" (1916-1917). Na nota, Freud qualifica esta obra da colega como "[...] um

trabalho que aprofunda extraordinariamente nossa compreensão da importância do

erotismo anal [...]" (FREUD: 1920/2006: 176). Em "Narcisismo como orientação dual"

Lou realiza um interessante estudo sobre a importância do erotismo anal nas primeiras

fases da vida da criança, importância esta que, como ressaltam Appignanesi e

Forrester (op. cit.), possui uma inflexão metafísica além e acima da inflexão

psicanalítica habitual. Neste ensaio, a psicanalista concebe o narcisismo não apenas

como o primeiro estágio da vida infantil, mas também como o complemento libidinal

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Linguística

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

do egoísmo, ou seja, um amor próprio primário que se estende ao longo da vida e é

muito mais generalizado e onipresente que o de Freud. Dado este panorama, este

trabalho pretende investigar aprofundadamente de que forma se deu a aproximação

entre as ideias de Freud e Lou Salomé, bem como as descobertas, reconstruções e

reformulações que tal contato possibilitou para o desenvolvimento de uma teoria

sobre o erotismo e a sexualidade feminina nas obras de ambos os autores.

Larissa Picinato Mazuchelli

Universidade Estadual de Campinas

O EFEITO DAS PRÁTICAS SOCIAIS COM A LINGUAGEM NO CASO DO SUJEITO AJ

Ao retomarmos brevemente a história da afasiologia, observamos que a linguagem

oral, até o século XIX, era reduzida a um ato motor e a escrita era vista unicamente

como simulacro da fala (cf. Santana, 2002). Essas concepções ainda estão presentes,

contudo, na literatura neurolinguística tradicional, que não apenas dicotomiza a

relação entre oralidade e escrita, mas parte das características de uma escrita

normativa padrão para avaliar a linguagem de sujeitos afásicos, geralmente de forma

superficial e com a consequente patologização de fenômenos que caracterizam

processos normais. A posição da Neurolinguística de orientação enunciativo-discursiva

(doravante, ND), em contrapartida, coloca no centro da teoria e prática terapêuticas o

sujeito enquanto atuante com e sobre a linguagem. Nela, a linguagem é um fenômeno

sócio-histórico, uma atividade humana tomada como lugar de interação e interlocução

de sujeitos, indeterminada, incompleta e passível de (re)interpretação, em que tanto o

sujeito quanto ela própria se constituem em um movimento dinâmico (cf. Franchi,

1977; Coudry, 1986/1988, Geraldi, 1990). Além disso, fundamentamos nossa discussão

nos trabalhos de Luria (1981, 1990, 1991), sobretudo na concepção de cérebro como

um Sistema Funcional Complexo (doravante, SFC), que orienta a ND: um cérebro

dinâmico, plástico e produto da evolução sócio-histórica do homem, e em alguns

conceitos importantes para a compreensão do quadro do sujeito desta pesquisa: os

conceitos de neuroplasticidade, de maneira geral compreendido como a capacidade

do cérebro de se reorganizar funcionalmente (Annunciato, 1995), e de reserva

cognitiva, aqui concebido como a capacidade cerebral de reagir a um prejuízo das

funções cognitivas superiores através do recrutamento de redes cerebrais, o que

reflete o uso de estratégias cognitivas alternativas (Stern, 2002). Esses conceitos são

relevantes, pois nos permitem justificar as variações individuais de alguns processos

linguístico-cognitivos nas afasias, e até mesmo na condição não patológica, explicando,

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ainda que não completamente, como sujeitos com níveis distintos de letramento, por

exemplo, podem criar estratégias diferentes para driblar dificuldades impostas pelas

alterações de linguagem. Vale a pena ressaltar que essas estratégias não estão

diretamente relacionadas às experiências puramente escolares, como muitas vezes se

afirma, mas dizem respeito à relação que esses sujeitos estabelecem com os processos

de significação, ou com os signos (cf. Vygotsky, 1986). Nesse sentido, essas

considerações nos permitem colocar em cheque tanto diagnósticos quanto

prognósticos deterministas, relativos às alterações de linguagem. Considerando essa

fundamentação teórica, o objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões

sobre o efeito das práticas sociais com a linguagem no caso de uma afasia progressiva,

assim caracterizada uma vez que prevalecem, no quadro, os traços que dão indício a

um agravamento dos sinais (sintomas) reconhecidamente relacionados ao chamado

“declínio cognitivo”, na literatura neuropsicológica. Dito de outro modo, nosso

objetivo é refletir, por meio de uma análise qualitativa dos dados (cf. Vygotsky, 1986)

que emergiram em situações dialógicas nas sessões individuais e no Grupo III do CCA,

sobre o efeito das práticas com a linguagem no “desenvolvimento” do quadro – e aqui

nos referimos a uma inesperada “estabilização” que foi se revelando ao longo dos dois

anos de acompanhamento. Trata-se, portanto, de uma reflexão ancorada no estudo de

caso do sujeito AJ – do sexo masculino, que tem 76 anos de idade, é brasileiro, casado,

economista e frequenta o Grupo III do CCA desde agosto de 2006. A partir da análise

dos dados obtidos nas sessões individuais e em grupo, observamos como a prática

social com a linguagem, com as atividades de leitura e escrita, por exemplo, e,

sobretudo, o alto nível de letramento de AJ, foram importantes para que o sujeito

pudesse se manter na língua(gem) e nas relações sociais, atuando, ainda que sob o

impacto da afasia e do severo comprometimento cognitivo, como sujeito de

linguagem. Procuramos discutir, em linhas gerais, como o trabalho com as

modalidades orais e escritas pode ser incorporado na prática de avaliação e

acompanhamento de sujeitos com alterações de linguagem, uma vez que a prática

social com a linguagem pode alterar, por exemplo, a “atitude de atenção” (Vygotsky,

1926), que por sua vez altera as funções psicológicas superiores. Nesse sentido, uma

discussão importante inserida na reflexão sobre o quadro de AJ diz respeito à

dicotomia entre oralidade e escrita que, segundo Corrêa (2006), baseado na teoria de

Bakhtin (1929/2003), tem sido vista por alguns como um recurso metodológico, em

que uma dimensão entre posições tidas como prototípicas de um ou de outro geram a

ideia de um “continuum de gêneros textuais”. Ao se opor a essa posição frente à

relação, o autor faz um retorno à perspectiva de Bakhtin para evidenciar a necessidade

de não fixarmos e neutralizarmos a característica determinante da noção bakhtiniana

de gêneros do discurso: sua instabilidade relativa. A discussão proposta por Corrêa é

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

interessante para os estudos pelos quais a ND se interessa por nos permitir, ao não

visar um “produto final” e não sedimentar a instabilidade relativa característica dos

gêneros, melhor compreender a relação de gêneros em diferentes tipos de

materializações (oral ou escrita) e, portanto, de recursos linguísticos utilizados nos

processos de (re)organização linguístico-cognitiva. A noção de relações intergenéricas

(Bakhtin, 1929/2003) pode ser vista como um caminho para melhor compreendermos

tanto a relação entre os elementos linguísticos mais estáveis em determinado gênero e

sua relação com outros gêneros utilizados em sua produção, como os processos de

(re)organização linguístico-cognitivo de sujeitos com lesões cerebrais. Acreditamos que

o estudo do caso de AJ dá visibilidade a esse processo e contribui tanto para o

desenvolvimento teórico acerca do funcionamento da linguagem nas patologias,

quanto para o acompanhamento terapêutico de sujeitos com comprometimentos

linguístico-cognitivos. Por fim, buscamos avaliar caminhos para novas pesquisas sobre

o tema e ressaltar como a pesquisa neurolinguística pode se beneficiar teórica e

metodologicamente ao assumir uma postura ética (cf. Bakhtin) que inclui o outro em

suas discussões. O olhar para o sujeito que busca ser entendido no processo

terapêutico com sujeitos como AJ – para quem a escrita passou a ser lugar de

(re)encontros –, é em grande medida um olhar ético que possibilita uma relação outra

entre pesquisador/pesquisado.

Laura Maria Mingotti Muller

Universidade Estadual de Campinas

SUJEITOS, HISTÓRIAS E RÓTULOS: A LEITURA E A ESCRITA DE DIAGNOSTICADOS DE

DISLEXIA

Patologias relacionadas ao processo de aquisição da escrita têm cada vez mais tido

repercussão social, o que pode ser visto pelo aumento expressivo de crianças e jovens

diagnosticados e pela crescente circulação de informações sobre essas patologias.

Exemplo disso é a incidência da Dislexia: de acordo com órgãos oficiais como a

Associação Brasileira de Dislexia, entre 5% e 17% da população mundial seria

composta por indivíduos disléxicos, número bastante expressivo para uma patologia.

Considerar que em uma sala de aula de quarenta alunos, pelo menos duas crianças

apresentam um transtorno na leitura e na escrita é alarmante, e tem repercutido em

diversos segmentos da sociedade: politicamente, vários projetos de lei que obrigariam

as escolas a oferecerem atendimentos específicos para os diagnosticados com dislexia

têm sido propostos em todo o país. Economicamente, diversos profissionais como

Page 111: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

médicos, fonoaudiólogos, psicopedagogos e psicólogos têm se beneficiado com esse

novo público. Socialmente, a família e as escolas passam a atribuir ao biológico a razão

pelo fracasso no processo de ensino-aprendizagem, isentando-se da responsabilidade

(Moysés e Collares, 1992). A pesquisa de Mestrado em andamento “Crianças e jovens

diagnosticados de Dislexia: o que seus dados de escrita revelam?” apoiada pela

Fapesp, propõe o enfrentamento desse excesso de medicalização, principalmente pelo

diagnóstico de Dislexia Específica de Desenvolvimento. Para isso são discutidos os

casos de cinco sujeitos diagnosticados que estão ou estiveram em acompanhamento

longitudinal comigo sob a supervisão da Profa Dra Maria Irma Hadler Coudry e da

Profa Dra Sonia Sellin Bordin, no Centro de Convivência de Linguagens (CCazinho)

situado no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.

A discussão desses casos e a análise de seus dados buscam: compreender o que os

sujeitos sabem, pensam e quais hipóteses constroem sobre a escrita imersas em sua

função social. Para isso, são utilizados materiais, escritos por esses sujeitos, que (i)

mostrem a relação entre fala, leitura e escrita tanto em seus acertos como nos “erros

produtivos”, que fazem, como sujeitos da linguagem, lugar de reflexão, conduzido

pelos cuidadores/mediadores, (ii) apresentem as marcas nos dados de escrita que

haviam sido interpretadas como sintomas de uma (suposta) patologia, como a

literatura sobre Dislexia descreve – tais como as substituições, inversões, omissões e

junções de letras, a segmentação não convencional, a escrita em espelho, a adição de

letras ou sílabas e a confusão de letras foneticamente semelhantes – as

reinterpretando como hipóteses naturais do processo de aquisição da escrita.

Pretende-se, por essa discussão, descaracterizar a patologia, como a Neurolinguística

Discursiva tem proposto. Secundariamente, e de forma a compreender a

contemporaneidade, a pesquisa considera os mecanismos pelos quais um diagnóstico

adquire sentido na história dos sujeitos, na escola, nas diversas avaliações clínicas e na

família e quais outros problemas ele encobre, a ponto de dificultar, e mesmo impedir,

a entrada desses sujeitos no mundo das letras. O diagnóstico é entendido pela

Neurolinguística Discursiva como um dispositivo (Agamben, 2008) que captura os

sujeitos, orienta e determina os discursos e o modo de agir da escola, da família e do

sujeito, destacadamente no que diz respeito à leitura e à escrita. Estrategicamente, o

diagnóstico de Dislexia desloca para os corpos dos sujeitos questões sociais e

desresponsabiliza a sociedade pelo crescente fracasso no ensino de leitura e escrita

que vivemos hoje. Para tanto, são especialmente relevantes: os laudos das avaliações

clínicas, os cadernos escolares e o que falam os pais, a escola e o sujeito sobre sua

suposta patologia. Esta discussão se insere no quadro teórico e metodológico da

Neurolinguística Discursiva que, desde a década de 80 (Coudry, 1988), vem integrando

– para estudar patologias e supostas patologias - um conjunto de autores que

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Linguística

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comungam uma concepção de linguagem, de sujeito e de cérebro/mente. Sendo uma

Neurolinguística de abordagem discursiva, ela tem como ponto de partida teórico a

interlocução. Assim, tanto a avaliação, acompanhamento longitudinal e análise de

dados, levam em conta: "as relações que nela se estabelecem entre sujeitos falantes

de uma língua, dependentes das histórias particulares de cada um; as condições em

que se dão a produção e interpretação do que se diz; as circunstâncias histórico-

culturais que condicionam o conhecimento compartilhado e o jogo de imagens que se

estabelece entre interlocutores" (COUDRY & FREIRE, 2011, p. 23-24). Fundamenta-se

em quatro pilares: uma concepção de linguagem abrangente/pública e uma concepção

de sujeito histórico, não idealizado, constituído na e pela linguagem, baseada em

Franchi (1977); uma concepção histórica e funcional de cérebro formulada por

Vygotsky (1926; 1934), Luria (1979) e Freud (1891) e, por fim, uma metodologia

heurística ancorada no conceito de dado-achado, proposta por Coudry (1996),

compatível com o Paradigma Indiciário proposto por Ginzburg (1989) e introduzido por

Abaurre et. alli. (1997) nas pesquisas sobre aquisição da escrita. Sujeito, língua e

cérebro são entendidos como construtos humanos socioculturais. A utilização desse

aporte teórico tem possibilitado a pesquisa um olhar técnico diferente relativo ao

processo de aquisição e uso da escrita daquele comumente utilizado por áreas como a

Psicologia, a Psicopedagogia, a Fonoaudiologia e principalmente a Medicina. Tais áreas

tendem a desconsiderar fatores históricos, sociais e intersubjetivos e privilegiam a

linguagem como consequência do processo de maturação orgânica. Essa possibilidade

tem permitido que se discuta o que é da ordem do normal e do patológico em relação

às dificuldades enfrentadas pelo sujeitos em sua entrada no mundo das letras; e dá

visibilidade a dispositivos que transformam problemas sociais, enfrentados

principalmente pela escola e pela família em problemas individuais inerentes ao

sujeito.

Luciana Ribeiro de Souza

Universidade Presbiteriana Mackenzie

O ESTABELECIMENTO DA CADEIA REFERENCIAL: UMA ANÁLISE EM DIFERENTES

SEQUÊNCIAS TEXTUAIS DO ROMANCE LUCÍOLA

Este trabalho é resultado dos estudos realizados para o projeto de Mestrado "O

estabelecimento da cadeia referencial em português: uma análise em diferentes

sequências textuais", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de

São Paulo (FAPESP). Considerando a importante função dos referenciadores textuais

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Linguística

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no processo da construção e organização do enunciado, não só por manterem a

coesão e a coerência, como também por produzirem os efeitos de sentido da

enunciação, o projeto maior tem como objetivo a verificação do modo de

estabelecimento da cadeia referencial em português, visto em relação a parâmetros

discursivos de produção. O córpus de análise da dissertação se compõe de trechos de

romances brasileiros, de diferentes épocas (a saber: Romantismo, Realismo,

Modernismo e Contemporaneidade. Sendo duas obras de cada escola literária). A

seleção das obras para exame tem sido feita a partir de leituras teóricas e de consulta

às próprias obras do tipo escolhido para que seja possibilitada uma inserção segura no

aparato de análise. Por meio de uma incursão nas diferentes sequências textuais,

busca-se examinar, na formação da cadeia referencial endofórica, a inter-relação entre

a referenciação expressa por pronomes pessoais e possessivos e a referenciação

expressa por demonstrativos (em tríade) e por advérbios pronominais (em tríade

correlata), a fim de verificar a diluição de limites entre os pontos referenciais

aparentemente fixos e inequívocos que os esquemas tripartidos sugerem. Nesse

processo, além da diferenciação por tipo textual, observam-se os diferentes

preenchimentos fóricos (e anáfora ou de catáfora, com suas subespécies): sintagma

nominal, pronome, ou zero. Busca-se ainda uma interpretação semântica e pragmática

da relação que existe entre o modo de preenchimento dessas casas e os diversos

processos intervenientes no modo de criação e manutenção da rede referencial

textual: os modos de permitir acessar e identificar os objetos de discurso que povoam

o texto; o jogo entre referenciação textual e referenciação tópica para estabelecer o

fluxo informativo; os modos de estabelecer correferenciação na cadeia de

referenciações. Por fim, busca-se interpretar discursivamente a criação de efeitos

retóricos (e seus desdobramentos), ligados à inserção de novas rotulações, ou à

manutenção das categorizações (por sintagmas nominais ou por pronomes, na

sequenciação referencial). Fornecem suporte geral para a pesquisa as bases teóricas

funcionalistas de Halliday (1994), Dik (1997), Givón (1984; 1995), Coseriu (1979, 1992)

e Beaugrande (1993), explicitados em Neves (2007; 2010). Trata-se de uma teoria que

se liga aos fins a que servem as unidades linguísticas, ocupa-se das funções dos meios

linguísticos de expressão, e entende a gramática como uma integração dos

componentes sintático, semântico e pragmático (este visto como componente direto

da produção discursiva). Quanto à teoria da enunciação nos serviram de base

Benveniste (1966) e Fiorin (1996). No que se refere aos mecanismos de coesão,

serviram de suporte principal ao direcionamento e à execução das análises: Halliday;

Hasan (1976) e Halliday (1994), tanto para o embasamento teórico-metodológico

quanto para o geral da proposta. Para as análises em português, recorremos, entre

outros, a Antunes (1996; 2005), Koch (1997; 1999; 2002; 2010) e Koch; Travaglia

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(1989). Os primeiros estudos, em andamento, estão fixados no romance Lucíola, de

José de Alencar, 2002. O Romantismo brasileiro foi um dos primeiros movimentos

literários do país a enfatizar o nacionalismo. Embora a maioria dos autores românticos,

por terem estudado na Europa, tenha em seus trabalhos características do

romantismo português, procurou-se, em geral, expressar uma literatura com

elementos típicos do Brasil. Nesse contexto, Alencar é um dos mais representativos

nomes, pois escreveu sobre todos os temas da época (indianismo, regionalismo,

urbanismo e romance histórico), em diferentes textos. A opção por Lucíola, romance

urbano, escrito em 1862, respeitou, além da importância do autor, a aproximação

temática com uma obra modernista já selecionada, mas que ainda não está em fase de

análise, Amar, verbo intransitivo: idílio, de Mário de Andrade, escrita em 1927. O que

se propõe não é chegar, necessariamente, a conclusões ligadas as orientações

estéticas das escolas, mas verificar o jogo enuncivo-enunciativo que se monta na

cadeia referencial, segundo a diferença de sequências textuais (narrativa, descritiva,

dissertativa e injuntiva). A obra de Alencar é narrada em primeira pessoa, portanto,

muitas vezes, nos textos em estudo, verificou-se a presença de referentes de primeira

e segunda pessoa, elementos que remetem para fora do texto (referência exofórica).

Essas não se encaixam na diretriz do trabalho, pois o que se propõe é analisar os

referentes textuais (endofóricos). Por aí, observou-se que o uso de cada entidade

fórica, em sequências de todos os tipos (narrativo, injuntivo, etc.), gera um sentido que

se justifica no contexto da produção discursiva. Dessa maneira, um termo fórico, pode,

inclusive, de acordo com a intenção do enunciador, repetir-se na teia referencial para

produzir sentidos diferentes, como se pôde verificar em análises já realizadas. Nesta

apresentação, a atenção se concentrará nas marcas de referenciação demonstrativa

verificadas em sequências textuais dos tipos narrativo e dissertativo, tendo sido

verificado o maciço recurso ao uso do artigo definido, uma referenciação

demonstrativa de interpretação muito menos direta e muito mais elaborada do que a

que se manifesta no uso dos pronomes demonstrativos, na sua tripartição. Identificar

cada um dos elementos que compõe a cadeia referencial do enunciado é identificar

não só uma organização lógica, para construção do sentido, como também, em

algumas estruturas do texto, a flexibilidade das regras gramaticais impostas como

estanques. Isso permite uma reflexão sobre as várias possibilidades de uso da língua

no processo de interação verbal, um dos desideratos dos exames de linha

funcionalista.

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Linguística

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Manuela Ayres Batista Benedicto

Universidade Estadual de Campinas

A LÍNGUA DE QUINTILIANO - UM RECORTE TEMÁTICO (INST. ORAT. VIII, I, 1 - III, 37)

No estudo da ars rhetorica (arte/ciência retórica), também conhecida entre os

romanos como ars dicendi (arte/ciência do dizer), a linguagem era o meio através do

qual o orador mobilizava o público com seu discurso. Segundo esse conceito, a palavra

era, portanto, o instrumento de persuasão do orador, o qual deveria manejá-la bem

para produzir nos ouvintes os efeitos desejados. A elocução, parte da Retórica que se

relaciona com as palavras, segundo Quintiliano, mestre de Retórica do século I,

envolve três “virtudes” que regem o uso da linguagem por parte do orador, a fim de

que este preserve em seu discurso o “dizer bem” característico da arte retórica: a

pureza (Latinitas), a clareza (perspicuitas) e o ornamento (ornatus). O autor, em sua

Institutio oratoria, apela para um emprego de palavras que privilegie as que sejam

latinas (“puras”), claras e ornamentadas (VIII, I, 1). É justamente sobre as propriedades

de cada virtude em palavras isoladas ou agrupadas em expressões que o autor se

alonga nos três primeiros capítulos de seu oitavo livro. O capítulo I do Livro VIII

estabelece, logo no primeiro parágrafo, uma correspondência direta entre o conceito

de elocução e suas virtudes, afirmando que, em palavras isoladas ou unidas, deve-se

buscar que sejam puras (Latina), claras (perspicua), adornadas (ornata) e corretas

(emendata). A “pureza”, na visão do autor, está relacionada ao fato de serem as

palavras latinas não apenas no que diz respeito às regras gramaticais da língua, as

quais devem ser seguidas, mas ainda na oposição a palavras não romanas ou

estrangeiras. Para os oradores da época, o latim próprio da cidade de Roma não só era

considerado a única forma de língua apropriada à arte retórica, como também parecia

superior a quaisquer outras manifestações que pudesse haver nos arredores ou no

campo, as quais soavam como estranhas e rudes. No capítulo II, em que elucida o

conceito de clareza, afirma que essa virtude se define por referir-se principalmente às

palavras e que seu primeiro sentido consiste na denominação própria de cada coisa.

Contra a clareza depõem a obscenidade (uerba obscena) e os termos chulos (sordida) e

baixos (humilia), o que, no entanto, não significa que a linguagem corrente, que muitos

acreditam ser “inferior”, deva ser evitada, pois tal impressão pode induzir a outra falta

– a de criar um discurso por demais afetado e incompreensível. A linguagem corrente

deve ser empregada justamente para garantir que o discurso cumpra no público

ouvinte as tarefas próprias do ofício oratório de ensinar, comover e deleitar, estando

desaconselhado apenas o palavreado mais chulo presente nessa forma de língua. Por

outro lado, Quintiliano também faz ressalvas quanto ao uso de uma linguagem muito

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Linguística

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figurada, que exceda os limites da compreensão. Não se deve, pois, ser impreciso nem

tampouco abusar do sentido figurado das palavras, afastando-se muito de sua

denominação própria. No terceiro capítulo, o mestre de retórica passa a versar sobre a

parte da eloquência (dicendi pars) por meio da qual o orador, segundo ele, mais

alcança mérito: o ornatus, ou ornamento. Ora, Quintiliano afirma que de nenhuma

outra maneira é mais recompensado o orador, senão pelo uso adequado das palavras

e por sua escolha elegante (III, 2). Tendo já defendido no capítulo I, como

características fundamentais a serem preservadas pelo orador, quando de sua escolha

vocabular, que as palavras sejam latinas (Latina), claras (perspicua) e ornamentadas

(ornata), Quintiliano ressalta nesse momento que, dessas propriedades, a última é a

mais destacável. Em razão de sua grande preocupação com o inventário lexical dos

praticantes da arte retórica, Quintiliano apresenta no capítulo III, entre outras coisas,

suas considerações acerca do vocabulário de que deve servir-se o orador, enumerando

e discutindo aspectos lexicais que concernem à exposição do ornamento. Nosso autor

ainda retoma as advertências do capítulo anterior quanto aos arcaísmos ao tratar da

elegância, para insistir que nem todas as palavras que deixaram de ser empregadas

usualmente são recuperadas sem que haja prejuízo na compreensão da fala, do que se

pode inferir que os arcaísmos não servem em sua totalidade como recurso ao

ornamento do discurso. Quintiliano faz questão de lembrar que o traço arcaico deve

ser usado com moderação e não devem ser as palavras trazidas de volta dos lugares

mais obscuros do passado. A antiguidade das palavras nem sempre serve como fator

de embelezamento do discurso, e sim, muitas vezes, é capaz de torná-lo pesado e

incompreensível, quando em determinados casos a associação entre palavra e

referente se houver perdido ao longo dos anos. No mesmo capítulo, Quintiliano ainda

faz menção do uso de palavras novas, ou neologismos (uerba noua), opinando que tais

formas são legítimas no discurso contanto que já tenham sido suavizadas pelo uso e

não pareçam tão estranhas aos ouvidos. Além disso, o processo de criação de

neologismos tem em Quintiliano um defensor, pois, contrário aos que afirmam que ao

orador não é permitido inventar termos novos, o mestre de retórica defende tal

exercício como forma de enriquecimento da língua. Sobre os opositores, justifica que,

ao desconsiderarem a possibilidade de novas palavras serem incorporadas à língua,

são os próprios latinos os mais prejudicados, visto que atuam como “juízes iníquos”

contra si mesmos, condenando-se a padecer com a pobreza de sua linguagem (III, 33).

Para nosso autor, portanto, o desprezo por novas palavras resulta na “pobreza” da

língua, pois a impede de incorporar novas formações lexicais e, com isso, ampliar seus

domínios. Os três primeiros capítulos de sua obra retórica evidenciam o conceito de

Quintiliano sobre o emprego das palavras e mostram que, no esforço por preservar a

linguagem oratória sob os princípios da elocução, o mestre possuía uma percepção da

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Linguística

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variabilidade da linguagem que o fazia selecionar, entre as possibilidades, aquilo que

era coerente com o discurso oratório.

Maria Judith Ismael Righi Gomes

Universidade Estadual de Campinas

O PAPEL DA LINGUAGEM NA FORMAÇÃO DE CONCEITOS

Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o papel da linguagem na formação de

conceitos em um criança (RB) com hidrocefalia e agenesia do corpo caloso, em

acompanhamento longitudinal no Centro de Convivência de Linguagens, CCAzinho/IEL,

UNICAMP, realizado desde 2009 por mim e pela graduanda em Física, Maíra

Lavalhegas Hallack. Em virtude desse quadro neurológico, RB apresenta uma fala

descontextualizada e vazia de significado porque, embora tenha o domínio da sintaxe,

as palavras remetem a outras palavras sem apoio do que representam no mundo real.

O quadro teórico que embasa os estudos da Neurolinguística Discursiva e que orienta

os trabalho realizados no CCazinho assume a linguagem como um complexo de

códigos formado no curso da história social. Coudry e Freire (2005) em seu trabalho

sobre cérebro e linguagem destacam que esse caráter social e interativo é próprio da

linguagem e que é pela multiplicidade de interações sociais que se estabelecem

através dela que cada um se constitui como sujeito de seu ambiente e aprende, uma

vez que a linguagem, em situações interativas transforma esse sujeito. A aprendizagem

de conceitos que relacionam a linguagem ao mundo real não é um fenômeno já

programado na memória genética da espécie humana, mas se constitui em uma

possibilidade que é realizada pela influência do contexto social, caracterizado pela

linguagem, em que os sujeitos crescem e se desenvolvem (Mecacci, 1987). Nesta

perspectiva discursiva, que toma por princípio a interlocução, considerando a relação

entre os falantes na situação sócio-histórica em que se encontram porque determinam

as condições de produção e interpretação do que se diz (Coudry e Freire, 2010), o

CCAzinho pode atender às necessidades de RB, já que, suas dificuldades mais

importantes se relacionavam às possibilidades de manter uma interação significativa o

que a impedia de se incluir, de forma participativa, nos diversos meios sociais a que

pertence, especialmente na escola. A reflexão, bem com a orientação do

acompanhamento realizado, se baseia nos trabalhos de Freud (1891 e 1895) em que

descreve as possibilidades encontradas pelo Sistema Nervoso na aquisição da

linguagem, através das conexões e representações resultantes das atividades cerebrais

marcadas pelo contexto sociohistórico constituindo, assim, o sujeito através das

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Linguística

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associações entre as representações de palavras e as representações de objeto, uma

vez que, neste caso, sente-se falta da relação entre a representação de palavra e a

representação de objeto. De acordo com esse autor, quando essa associação acontece

aparece a unidade linguística, a linguagem com o significado, o sentido. A

representação de objeto se faz por um complexo de associações visuais, acústicas,

cinestésicas e outras representações, que podem incluir algumas de conteúdo afetivo.

Portanto, o que se torna representado já não é o objeto propriamente dito, mas o

conjunto dessas associações. A representação de palavra se faz prioritariamente por

associações sonoras e motoras e em princípio, mais fechadas que a representação de

objeto, prioritariamente visuais, já que ampliam o número de associações que nela

podem ser incluídas. Quando a representação de objeto e a representação da palavra

se conectam possibilitam que o sentido da palavra aconteça, o que, por sua vez,

possibilita a formação do conceito. A contextualização significativa da atividade,

conforme discutido por Coudry (1987),foi importante, já que esta pode atualizar as

facilitações já adquiridas para a representação do objeto que determinará a aquisição

de um conceito. Ao evidenciar estas facilitações, podemos permitir que elas estejam

expostas a novas associações, já que segundo Freud (1895) a representações de objeto

permanecem sempre abertas a novas impressões, que levem o conceito espontâneo,

como esclarece Vygotsky (1934), a um status de conceito científico. De acordo com

este autor, quando um conceito se forma no pensamento do sujeito ele passa a ser

dominado voluntariamente e se incorpora a sua vida consciente e aos seus atos de

vontade. Voltamos ao Freud (1895), que afirma que a fala espontânea depende, é

claro do aprendizado acústico e motor das palavras, mas que os impulsos para esta

fala sempre são oriundos das representações de objeto bem estabelecidas, para que

não se limitem a imitações. Isto é um conhecimento essencial para as práticas

terapêuticas, já que devem excluir processos padronizados e repetitivos em função da

contextualização significativa. O estudo deste caso pode ser utilizado para refletir

sobre a condição precária de formação de conceitos que caracteriza hoje alunos

adolescentes da escola pública, que se mantêm desde as séries iniciais com

dificuldades na fala, leitura e escrita. Embora tais alunos realizem algumas associações

de objeto, em aulas práticas, por exemplo, não conseguem ultrapassar uma condição

inicial em relação à linguagem para formar conceitos científicos em seu processo de

escolarização.

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Mariana Fernandes Pereira

Universidade do Vale do Sapucaí

ALGUNS SENTIDOS DO GUARDA CAUSO: CAUSOS NO ESPAÇO ELETRÔNICO

Este trabalho busca pensar, sob a luz da Análise de Discurso de linha francesa, alguns

dos sentidos do blog intitulado “Guarda Causo”. Ele baseia-se em um dos assuntos que

serão tratados na dissertação intitulada “A narrativa tradicional sul mineira e o espaço

eletrônico: um olhar sobre os e-causos”. Embora não seja explicado em lugar algum

por seu autor, o nome do blog traz em si significações importantes: Guarda Causo.

Para considerar como causos os textos apresentados, penso no próprio nome do blog

e no fato de que nos textos, o autor afirma que são causos. O sujeito que escreve esses

causos foi tomado pelo discurso digital, embora se signifique também nas falhas. Ele

não apenas conta causos, mas os escreve e publica no blog. Assim, o ato de contar

causos se ressignifica, a interlocução se modifica e a relação do autor com o leitor

também. Dias (2011), ao tratar da linguagem da internet, afirma que esse

funcionamento passa certamente pela oralidade. É um funcionamento escrito da

língua que inscreve a oralidade: “escritoralidade” tal como define Orlandi. Mesmo que

haja equivalência entre oral e escrito na escrita digital, essa forma de escrita não passa

por uma “representação” do oral, mas pelo “simulacro” da oralidade, no sentido de

criação, e não de imitação. Cria-se uma escrita que dá conta da oralidade. E que tem

uma corpo-oralidade específica: a corpografia. A língua em meio eletrônico não

significa por ser somente escrita ou somente oralidade, mas por se constituir, em certa

medida, por ambas as formas de uma maneira nova. As mudanças emergem quando a

letra passa a significar, principalmente, a voz do sujeito que narra o causo e quando

essas histórias passam a se inscrever na memória metálica, que é entendida por

Orlandi (2006) como sendo a memória que é constituída por um meio eletrônico,

como TV ou computador, no qual os textos são produzidos em outra materialidade

(eletrônica, digital). A escrita é estruturante da interação pela internet, mas há grande

presença da oralidade, marcada de novas formas nesse meio, como os emoticons,

imagens, sinais gráficos, as faltas na pontuação, abreviações, chamados “erros de

digitação” e até novas palavras. Uma característica do ambiente digital é a evidência

do que Dias (2011b) chama de “possibilidade de aperfeiçoamento do sujeito”, uma vez

que pela escritura, o sujeito tem a oportunidade de retocar quando quiser seu texto ou

seu avatar. Haveria, então, uma possibilidade infinita de mudança ou

aperfeiçoamento. Porém, o que observo no Guarda Causo não é a impossibilidade

desses funcionamentos, mas, a não utilização dessas ferramentas em alguns

momentos. Talvez por isso seja possível que se encontrem trechos como: “Pequeno e

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magro. Euclides é caboclo inteligente e trbalhador. Conhecido pelos mais íntimos

como 'Seu Cride. Ele é o que se pode chamar de "um pé de boi" para no serviço.”

(Causo “Corpo Seco” – grifo meu). É possível se reescrever, é possível apagar e fazer

de novo. Mas o sujeito permite-se aparecer em letras trocadas. Outros sentidos que

emergem do nome Guarda Causo vêm da forma do verbo “guardar”, que dá origem

aos substantivos guarda-roupa e guardanapo, mas vai além desse sentido. Percebo

que o Guarda Causo carrega em si não somente a missão de ser “abrigo, amparo,

cuidado, proteção” aos causos contados, mas que traz também a presença do autor na

forma do guarda e a questão militar – que remete à forma como o autor do blog

levava a vida antes de se aposentar. Essa sentinela cuida e abriga os causos e a forma

que ele encontra para garantir isso é o blog. O movimento de colocar os causos na

internet pode ser uma forma de garantir que essas narrativas estarão a salvo do

esquecimento e da derrota quando competirem com as tecnologias de comunicação,

garantindo que possam funcionar juntas. Isso acontece, pois uma das evidências

produzidas pelo rápido crescimento das tecnologias é a de que o mundo digital tende a

tomar o espaço antes dedicado a outras atividades, fazendo com que elas se extingam.

E outro movimento que acontece, quando se publicam os causos no blog, é o de que

as memórias, ressignificadas em causos passam a ser outra vez ressignificadas nos e-

causos. Ele está contando coisas “que já foram contadas e até escritas, com mais

‘engenho e arte’”, mas a forma como faz isso está carregada de significações. Da

mesma forma que todos os sujeitos, embora capturados pela discursividade do

eletrônico, podem resistir, deslocar sentidos (Dias 2011b) ou ainda, como acrescento,

colocar-se aí de maneira ambígua. Isso porque, embora compartilhe do discurso e

escreva a partir da evidência do virtual ou tecnológico, o sujeito do Guarda Causo o faz

de forma extremamente particular. Uma forma que se significa por sua historicidade,

como “velho coronel” ou “velho aposentado”, duas formas pelas quais ele refere-se a

si mesmo, resistindo à evidência de que o discurso das novas tecnologias seja lugar

exclusivo de tudo o que é novo. Resiste, então, a diversas filiações desse discurso,

desloca sentidos, coloca-se no mundo digital e, por isso, acredito que funcione de

forma ambígua.

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Mariana Pini-Fernandes

Universidade Estadual de Campinas

LATINE LOQUI ELEGANTISSIME: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFESA DA LATINIDADE

NO DIÁLOGO BRUTUS

Marco Túlio Cícero é considerado uma das mais importantes autoridades latinas. Disso

podemos deduzir uma constatação simples: que seu saber é socialmente reconhecido

entre os autores que produziram em latim. Essas duas dimensões de Cícero

(autoridade e língua) se apresentam imbricadas em seu diálogo Brutus. Nessa obra, em

que o Arpinate retraça evolutivamente a história dos maiores oradores, é o domínio do

latim que o investe do direito à cidadania entre os mestres da eloquência. Cícero, que

obteve em 63 a.C. o título honorífico de pai da pátria (pater patriae) do Senado

romano, apresenta nesse texto uma defesa da retórica latina que se configura

igualmente como uma defesa do futuro de Roma. É importante termos em mente o

contexto de produção do Brutus: o retórico redigiu sua obra provavelmente nos

primeiros meses do ano 46 a.C., período em que se dá a vitoriosa campanha de César

na África. Esse empreendimento das armas romanas terá fim com a derrota do

exército de Pompeu em Tapso e o suicídio de Catão, sogro e grande amigo de Bruto,

em Útica. Assim, é na situação do fim da República romana e de sua tradição oratória

(que, segundo o retórico, desmoronavam com o triunfo de Júlio César) que Cícero

compõe o Brutus. De acordo com a interpretação do Arpinate, a ditadura de César

representou um período de expressivo declínio da eloquência e, consequentemente,

de seu emprego nas atividades do fórum: em razão do fim da antiga constituição e dos

decretos ditatoriais, que baniam as discussões livres, houve restrição da liberdade

política e numerosos oradores preferiram calar-se em decorrência da guerra civil. O

domínio do ditador significou, portanto, a dissuasão dos debates abertos. A eloquência

perde, dessa forma, muito de sua função. Cícero, que havia dado suporte a Pompeu,

abandona-o e se refugia em Brindisi após a Batalha de Farsália. Paralelamente, as

tendências oratórias estavam passando por profundas transformações, firmavam-se

novas orientações para o aticismo, com maior simplicidade e concisão que sua versão

precedente. Essas novas inclinações conflitavam com a oratória ciceroniana,

caracterizada pela abundância de rebuscamentos da forma – produto de sua herança

asianista. A eloquência de Cícero era acusada, portanto, de ser redundante e prolixa

(copia uerborum) e de estar mais voltada aos efeitos do ritmo e da sonoridade . O

Brutus foi uma oportunidade para que o Arpinate pudesse enfrentar, nas letras, as

adversidades políticas que obstruíam suas ambições republicanas. Esse trabalho

oferece um ponto de vista da história que canoniza a figura de Cícero no interior da

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cultura latina como télos, isto é, lugar para onde se destinaria toda a oratória romana.

Trata-se de construir um ideal concebido em unidade político-retórica: uma República

feita de discussões públicas. A narração de Brutus se passa em um período

contemporâneo ao autor e seus interlocutores e parece servir como continuação da

obra retórica anterior de Cícero, o De oratore, na tentativa de fornecer um ideal de

eloquência através de um traçado histórico. Assim, a partir de sua narração dos

sucessivos exemplos da tradição retórica, o Brutus apresenta, através da figura do

próprio Arpinate, o ideal de orador. Para que a ambição de se colocar como auge e fim

da cultura romana não o fizesse advogar em causa própria de maneira ingênua, Cícero

escolhe compor seu trabalho a partir de um gênero híbrido: a história da cultura e da

arte oratória latina é apresentada em forma de um diálogo filosófico. O gênero teria

em seu horizonte personagens e eventos conhecidos da audiência, e isso exigiria

verossimilhança; amparado pela tradição do diálogo platônico, a licença da ironia

imbui a própria escolha dos interlocutores do Arpinate na narração. A partir dessa

concepção, o autor pode vincular-se às questões de seu tempo. A obra, que em

princípio pareceria isenta de questões políticas, apresenta-se mobilizada a esse

respeito ao se situar no curso intelectual que é traçar os feitos da oratória romana.

Ora, para Cícero, um grande orador seria superior a generais que não valem nada. É

nosso interesse refletir, portanto, sobre a enorme dignidade que o autor confere à

Latinitas (Latinidade) e a forma como sua discussão se conecta a propósitos políticos,

particularmente no que diz respeito a César. Assim, a Latinitas não deve ser tomada,

na história ciceroniana da retórica, somente em sua concepção estreita: como

geografia (referência ao Lácio), enquanto língua (mera adoção do que chamaríamos,

hoje, um sistema de signos) ou simplesmente na condição de sinônimo para a

natividade romana. O orador de Arpino é um ambicioso político e o conceito de

“latinidade” é uma abstração que inclui e ultrapassa tais fronteiras em direção a seu

horizonte constitutivo, que é a civilização romana. Sendo assim, planejamos analisar

brevemente em nossa apresentação, o modo como, justamente num momento crítico

da cultura romana, Cícero se volta ao passado e aos ancestrais de sua arte para

advogar em favor da latinidade eloquente dos debates públicos republicanos.

Refletiremos sobre as implicações políticas da seleção de exempla do orador ideal

latino. Em decorrência do debate sobre a eloquência e particularmente da Latinitas,

nosso objetivo seria identificar os movimentos relacionados ao que chamaríamos hoje

de “política linguística” da Antiguidade romana no interior da composição do cânone

oratório do Brutus.

Page 123: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

123

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Michelli Alessandra Silva

Universidade Estadual de Campinas

SUJEITOS E LINGUAGEM NA SÍNDROME DO X-FRÁGIL: ENFRENTANDO DISPOSITIVOS

À LUZ DA NEUROLINGUÍSTICA DISCURSIVA

Há um movimento, desde os primeiros estudos com a dissecação de animais, pela

busca de indícios corporais que comprovem o que é observado nas ações e

comportamentos humanos, principalmente para diagnosticar possíveis doenças e suas

curas. O corpo humano, assim, tornou-se objeto de estudo, lugar e prova material das

patologias. Em minha pesquisa de Doutorado (CEP: 988/2010) tenho observado que

esse mesmo movimento vem acontecendo em relação às patologias (as que são de

fato e as que não são) em que a linguagem está envolvida. Uma dessas patologias é a

Síndrome do X-Frágil (que será referida como SXF), doença hereditária ligada ao

cromossomo X, considerada a segunda etiologia genética de retardo mental –

superada somente pela Síndrome de Down. Nota-se que os estudos realizados na área

focalizam, sobretudo, as características clínicas dos portadores da síndrome, porém

constata-se a falta de estudos mais aprofundados sobre seus desdobramentos no que

diz respeito ao desenvolvimento da linguagem, mais especificamente, ao processo de

aquisição e uso da fala/leitura/escrita, o que resulta, quase sempre, em uma

concepção reduzida e equivocada de linguagem na qual são baseadas todas as

condutas escolares e terapêuticas. Outra preocupação reside no fato de que, muitas

vezes, o “tratamento” indicado para a SXF é a associação de terapias multidisciplinares

com psicofármacos (indicados para comorbidades como a Hiperatividade e o Déficit de

Atenção), que alteram a dinâmica cerebral e têm efeitos sobre o processo de

aprendizagem. Neste trabalho apresento uma reflexão sobre o discurso científico

veiculado em diferentes publicações (artigos científicos, textos em sites de associações

e entidades relacionadas à patologia, bem como textos publicados em sites de eventos

e conferências) sobre a SXF. Com base em algumas obras de Foucault, analiso como

essa patologia é descrita pela área médica, especialmente em relação ao

desenvolvimento da linguagem, quais efeitos de poder/saber são produzidos por esse

discurso e suas implicações. Tendo isso vista, acompanho o processo de aquisição e

uso da fala, leitura e escrita de três sujeitos portadores da síndrome - PM (12 anos), AS

(15 anos) e RC (19 anos) - em sessões semanais individuais (1h de duração). PM e AS

também são acompanhados em sessões semanais em grupo (2h de duração), no

Laboratório de Neurolinguística (LABONE/IEL/UNICAMP). Ambos fazem parte do

Centro de Convivência de Linguagens (CCazinho), grupo que tem como proposta

acompanhar e compreender o processo de entrada no mundo da leitura e da escrita

Page 124: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

124

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

de crianças e jovens que receberam um diagnóstico (dificuldades de aprendizagem,

dislexia, problemas no processamento auditivo, deficiência mental), que produz

efeitos negativos em sua escolarização e em sua vida. A metodologia adotada é de

natureza heurística e tem por fundamento o conceito de dado-achado, formulado por

Coudry (1996). Assumem-se também neste estudo os pressupostos teóricos

formulados pela Neurolinguística Discursiva (ND), que se fundamenta na variação

funcional do cérebro determinada pela contextualização histórica dos processos

linguístico-cognitivos (VYGOTSKY, 1987; 1997; 1998; LURIA, 1981), se diferenciam

radicalmente de uma visão de funcionamento cerebral médio e padrão para todos os

falantes de uma língua natural. Na ND, são especialmente articulados a hipótese da

historicidade e indeterminação da linguagem e os conceitos de trabalho e força

criadora, formulados por Franchi (1992). Benveniste (1972) e Jakobson (1972; 1975)

são autores-âncora em relação aos conceitos de (inter)subjetividade e dos níveis de

funcionamento da linguagem. Luria (1981) e Freud (1891) são incorporados por sua

aproximação no que diz respeito ao funcionamento dinâmico e integrado de

cérebro/mente, em que a linguagem está representada em todo o cérebro e não

localizada em suas partes/centros. Também se destacam os conceitos de dispositivo

de Foucault (1994) e contradispositivos de Agamben (2009). Partindo desses

pressupostos, busco identificar as dificuldades linguísticas desses sujeitos de forma a

apontar aquilo que pode ser patológico, o que faz parte do processo normal de

aquisição e uso da fala/leitura/escrita e o que pode estar relacionado a outros fatores.

Algumas análises são apresentadas de forma a contrapor os dados observados com o

discurso determinístico da área médica. Com base no duplo caráter da linguagem

discutido por Jakobson (1975), é possível dizer que PM, AS e RG têm dificuldades em

combinar, ordenar signos linguísticos ou entidades linguísticas mais simples em

unidades mais complexas – em PM isso é mais aparente na fala, e em AS e RG isso é

mais aparente na escrita. Em relação à fala de PM as palavras dotadas de funções

puramente gramaticais são raras, dando lugar a um estilo “telegráfico” de fala; dessa

forma, fica limitado ao grupo da substituição, isto é, quando o contexto é falho, usa as

similitudes. Em relação à escrita, AS e RG têm dificuldade para (de)compor a palavra

em seus elementos fonológicos; dificuldade em relação ao domínio da construção da

palavra, o que afeta a ordem dos fonemas e suas combinações. No entanto, o que se

verifica é que há um trabalho integrado do cérebro e da linguagem desses sujeitos nas

atividades que lhes são propostas; e, em situações de interação, o papel do outro

mostrou ser de extrema relevância para que essas dificuldades fossem ultrapassadas –

fato que tem corroborado com as contribuições de Vygotsky (1997) sobre a

importância da mediação do outro e da linguagem para que a criança penetre num

universo de significações. Ressalta-se a importância de olhar o sujeito para além da

Page 125: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

patologia, focalizando sua relação com a linguagem em sua história de vida e sua

relação com o mundo e o tempo em que vive; uma forma de enfrentar os dispositivos

que determinam o que é e o que não é doença. Uma forma de enxergar possibilidades

para além dos déficits e transtornos estabelecidos de antemão, para que as condutas

terapêuticas e escolares não mantenham esses sujeitos no lugar do não sentido, no

lugar da impossibilidade de aprender.

Natália Luísa Ferrari

Universidade Estadual de Campinas

O PERCURSO METAFÓRICO DOS DÊITICOS DISCURSIVOS NA FALA DE SUJEITOS

AFÁSICOS E NÃO AFÁSICOS

A presente pesquisa de Mestrado intitula-se “O percurso metafórico dos dêiticos

discursivos na fala de sujeitos afásicos e não afásicos” e realiza-se sob orientação da

Profª Drª Edwiges Maria Morato, com financiamento da agência CAPES. Essa pesquisa

consiste no desdobramento de uma Iniciação Científica acerca das funções referenciais

do dêitico espacial (nº do processo: 111049/2012-5 CNPq), na qual foi realizada a

constituição e análise de um corpus de dados conversacionais entre afásicos – sujeitos

que apresentam problemas de linguagem oral e/ou escrita, decorrentes de lesões

cerebrais causadas por acidentes vasculares cerebrais, tumores e traumatismos

crânioencefálicos (MORATO, 2010) – e não afásicos extraídos das reuniões do Centro

de Convivência de Afásicos, situado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL –

UNICAMP). Para a constituição do corpus, que também será utilizado em nossa

pesquisa de Mestrado, procedemos à transcrição de ocorrências dêiticas espaciais a

partir dos registros audiovisuais de 22 encontros do CCA, o que perfaz um total de 44

horas. Tais registros pertencem ao Aphasiacervus, acervo de dados linguístico-

interacionais, que constituem os corpora de pesquisas coordenados pela Profª Drª

Edwiges Maria Morato junto ao grupo do CCA pelo qual é responsável. As ocorrências

dêiticas que analisamos evidenciaram o caráter multifuncional do fenômeno, o que

expande e questiona arrazoados de autores do campo da Afasiologia, como Lesser e

Milroy (1996) e Ahlsén (2006), para os quais os dêiticos compareceriam no contexto da

afasia essencialmente como uma espécie de estratégia compensatória para a

deficiência metalinguística desses sujeitos. Em nossa pesquisa, adotamos a concepção

de dêixis trazida por Marcuschi (1997), para o qual o fenômeno, presente em todas as

línguas naturais, tem uma função contextualizadora da fala e da escrita, fazendo

diversas exigências ao conhecimento partilhado pelos falantes. O autor também faz

Page 126: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

menção à chamada dêixis discursiva (doravante DD) – para a qual voltamos nosso

interesse na pesquisa de Mestrado – responsável pela criação de uma perspectiva

comum aos interactantes no texto, concebido como um espaço onde se localizam

conteúdos e proposições às quais se refere. Marcuschi (1997) considera esse uso

dêitico como uma estratégia de monitoração cognitiva da qual os falantes lançam mão

no curso da interação. Ainda sobre a DD, Cavalcante (2000) pontua que o fenômeno

envolve uma metaforização do espaço dêitico através da transposição das

coordenadas do ambiente físico da conversação para o texto. A autora também faz

menção ao fato de os dêiticos espaciais de função discursiva apresentarem,

metaforicamente, um sentido temporal – fato já observado por outros autores no

campo da Linguística, como Lyons (1975) e Levinson (1983) – sendo seu ponto de

referência o momento de sua inserção no texto para a focalização da atenção dos

interactantes. Dessa forma, podemos observar diferentes graus de metaforicidade no

estabelecimento da dêixis discursiva. Em nossa pesquisa de Iniciação Científica, a fim

de abarcar as diferentes funções referenciais dos dêiticos espaciais encontrados,

classificamos as ocorrências de nosso corpus em 1) prototípico, 2) discursivo e 3)

metafórico (FRAGOSO, 2003). Com relação ao caráter meramente compensatório

atribuído ao uso dêitico por parte de afásicos, as ocorrências que observamos

revelaram seu caráter referencial, bem como sua contribuição para a coesão,

seqüencialidade, organização do tópico conversacional e estruturação do evento

comunicativo de indivíduos afásicos e não afásicos. Consideramos que o uso dêitico

por parte de sujeitos afásicos e não afásicos observado em nossa pesquisa revela o

caráter intersubjetivo – pelo compartilhamento de sua prática pelos interactantes – e

perspectivo de sua fala – pelas diferentes propostas de sentido que um mesmo

elemento dêitico pode cumprir a depender da perspectiva da interação em andamento

(TOMASELLO, 2003). Em nossa pesquisa de Mestrado, procederemos ao

aprofundamento da análise dos contextos de emergência dos dêiticos que

classificamos como discursivos e metafóricos na fala de ambas as populações

focalizadas em nossa pesquisa. Essa análise nos permitirá uma melhor percepção do

percurso metafórico de tais dêiticos, tanto pela concepção do texto como um espaço

onde se localizam conteúdos e proposições, quanto pelo licenciamento de uma ideia

de tempo através do sentido de espaço das ocorrências presentes em nosso corpus de

pesquisa. Uma vez que os dêiticos são concebidos, no âmbito de nossa pesquisa, como

elementos contextualizadores da linguagem, o fenômeno, a nosso ver, evidencia a

participação do contexto na explicação do sentido. Autores como Hanks (2006) e Van

Dijk (2012) consideram a construção da categoria do contexto a partir dos julgamentos

de relevância por parte dos interactantes. Pensamos que essa característica atribuída

ao contexto nos auxiliará na análise da emergência dos dêiticos discursivos, que

Page 127: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

constroem ou invocam seu cenário de relevância (HANKS, 2008) a partir da focalização

de determinados conteúdos e proposições na criação de um foco de atenção comum

no texto. Como mencionamos anteriormente, existem diferentes graus de

metaforicidade no percurso realizado pelos dêiticos espaciais no estabelecimento de

sua função discursiva que buscamos investigar. Dessa forma, as tarefas às quais

pretendemos nos dedicar na pesquisa de Mestrado são: i) aprofundamento acerca do

percurso metafórico e os diferentes graus de metaforicidade apresentados pelos

dêiticos encontrados na fala de sujeitos afásicos e não afásicos e classificados como

discursivos e metafóricos, bem como ii) uma melhor percepção, entendimento e

qualificação das funções referenciais desses elementos na produção e interpretação de

sentidos nas situações conversacionais focalizadas. Em nossa pesquisa, que será

realizada a partir de uma perspectiva sociocognitiva, procuraremos considerar

aspectos linguísticos e cognitivos da significação em seus contextos pragmáticos e

interacionais, assim como nos mostram os trabalhos de Marcuschi (1997), Moura

(2002), Vereza (2007) e Morato (2008). É importante ressaltar que buscamos explicar a

questão da referência dêitica não apenas pela sua importância dentro dos contextos

de afasia, mas principalmente pelo fato de o caráter referencial da dêixis colocar-se

como uma questão fundamental para os estudos linguísticos.

Nayara da Silva Camargo

Universidade Estadual de Campinas

MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA TAPAYÚNA: ALGUNS PONTOS PARA DISCUSSÃO

A língua Tapayúna pertence à família Jê (Macro-Jê). É falada por um povo de mesmo

nome e estão localizados na aldeia Kawêrêtxikô às margens do rio Xingu na Terra

Indígena Kapôt-Jarina. No mestrado foram analisados alguns aspectos fonológicos da

língua, nesta análise, propus os seguintes fonemas: 10 fonemas vocálicos orais (/i/, /˝/,

/u/, /e/, /´/, /e/, /o/, /E/, /ø/, /O/, /a/) e 06 fonemas vocálicos nasais (/î/, / )̋/, /û/, /ê/,

/ô/, /å)/). A língua apresenta 15 fonemas consonantais, que são: (/t/, /Ê/, /tS/, /j/, /h/,

/hw/, /kw/, /N/, //, /n/, /tw/, /m/, /w/, /|/, /k/). Na pesquisa de doutorado pretendo

expor a descrição de alguns Aspectos da Morfossintaxe da língua Tapayúna.

Procuramos descrever a língua Tapayúna através de uma visão Tipológica – Funcional,

tendo em vista descrever, grosso modo, “a forma e a função” dos termos encontrados

na língua em questão. Aspéctos morfológicos: Até o momento, foram identificadas, as

seguintes classes gramaticais da língua Tapayúna. Nomes: através de critérios

morfológicos percebemos que os nomes na língua (i) recebem traço [+ humano]; (ii)

Page 128: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

admitem sufixos tais como: {-je (plural); -re (diminutivo); -txi (aumentativo)}. Por

exemplo: (01) ntàjtxi ‘pica-pau grande (espécie)’ cf. ntàj� ‘pica-pau’. De acordo com

critérios sintáticos o nome pode ocorrer (i) como núcleo de locução nominal (LN) nas

posições de sujeito e de objeto; (ii) como objeto de sujeito de posposições e locuções

posposicionais; (iii) predicado de orações não verbais. Seguem os exemplos: (02)1 kôk

na itha we re tyry/“o vento está soprando forte”. Categorias de Posse: manifestam-

se morfológica e sintaticamente: Nomes não possuídos: esses nomes não ocorrem

como núcleo de Locução Genitiva, por exemplo: (03) na/“chuva”. Nomes

inalienávelmente possuídos: ocorrem com seu possuidor. (04) i-krã/“minha cabeça”.

Nomes alienávelmente possuidos: segundo SANTOS (1997) os nomes alienavelmente

possuídos ocorrem com a presença de morfema {o} “posse” o qual é localizado entre o

termo que exprime o item possuído e aquele que manifesta o possuidor. É codificado

pelos mesmos recursos usados na posse de nomes inalienáveis. Formação de nomes:

Os nomes podem ser formadas a partir de vários critério: nome + adjetivos, nome +

verbo, por exemplo: (05) nome + adjetivos: nkere “tio” + tûwû “velho” = ngeretûwû

/“avô”; (06) nome + verbo: hwîtô “folha” + tôgô “pintar” = hwîtôtôk /“escrever; folha

de A4”. Pronomes: até o momento encontramos os pronomes “dependentes”, aqueles

que estão fixos em nomes e verbos e os pronomes independentes, aqueles que

ocupam lugar do nome ou do LN dentro da sentença. Os pronomes dependentes são:

1ps=i-; 2ps=a-; 3ps=º. Os pronomes independentes saão: 1ps= wa; 2ps=ga; 3ps=itha;

1pp = goa /gowa; 2pp= ajka; 3pp=ithaje. Demonstrativo: Os demonstrativos refletem

diferentes graus de proximidade em relação ao falante e ao ouvinte. Próximo ao

falante: itha (singular), itha-je (plural); Próximo ao ouvinte: atha (singular), atha-je

(plural); Afastado do falante e do ouvinte: nira (singular), nira-je (plural). Adjetivos:

assim como no Kinsêdjê (Suyá), no Tapayúna os adjetivos também podem receber

marca de pronomes, eles ocorrem também codificando o possuidor junto a nomes,

junto ao sujeito com verbos em forma longa, junto a objetos de verbos e junto a

posposições. Exemplo: (07) i-kankro/“meu sangue é vermelho”. Verbos: Funcionam,

prototipicamente, como predicado. Suas principais formas são os verbos Transitivos

(permite 2 argumento: sujeito e objeto) e Intransitivo (permite 1 argumento). O

Tapayúna possui tipos de formas verbais, porém essas formas ainda não estão

completamente fechadas. Segundo Santos (1997), o Suyá apresenta dois tipos de

verbos: aqueles com duas formas (FA e FB) e outros que não sofrem alteração (de

acordo com o autor, estes estão em menor número). Os verbos tipo FA podem ocorrer

(i) com negação; (ii) com futuro –mã (final de frase) e (iii) aspecto progressivos. Já os

1 Por motivos estruturais do resumo, os exemplos contam apenas com a frase na língua e a tradução livre. Estes estão separados por (/).

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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do tipo FB ocorrem (i) sem negação (ii) no tempo não-futuro e (i) aspecto não

progressivo. Seguem alguns exemplos: (08) tEw itha thê/“o peixe está

nadando”, (09) i-nkrere kêrê/ “eu não canto”; (10) nkàtyrej itha nkere/“esta

criança menino está cantando”, (11) wa nkre/“eu cantei”. Partículas: wã (futuro –

final de frase), ra / na (marca de sujeito / Tópico), progressivo: verbo FA+ro+verbo

posposicional, habitual: wêri. Por exemplo: (12) itha tûkhre ja hogo/“ele furou a

orelha”; (13) itha ra khà khã ta/ “ele cortou a pele”; (14) rowtxi ra nko roj

kõ/“onça está bebendo água”; (15) i-kõno katàkà wêri/“meu joelho é ruim; o joelho

dolorido (sempre)”. Advérbio: não recebe marca em seu radical, pode vir tanto no

início quanto no final da frase. Os advérbios encontrados até o momento são: nîhaj

(longe), guwêj (muito), a-hwere (mal), tot (perto), wãkatxi (longe), kã (locativo), katxi

(muito). (16) ajankrotxi kuwêj/ “tem muita poeira”. Posposição: até o momento

encontramos as seguintes posposições: kot (comitativo), kã (locativo). Aspectos

Sintáticos: Subconstituintes das orações: as orações podem conter vários

subconstituintes que podem ser identificados, em parte, pelo tópico (-na ~ -n) e pela

partícula de marcação de sujeito {ra}. Locuções nominais: pode ser um nome; um

pronome independente; demonstrativo de pessoa. Locução Genitiva: nomes

possuíveis das classes alienáveis ou inalienáveis com modificador ou com pronomes

dependentes. Outros modificdores: adjetivo; demonstrativo. Locução verbal: verbo +

modificador. Orações independentes: Orações verbais: intransitivas (SV-1argumento),

intransitivas estendidas (OBL.), transitivas (AOV-2 argumentos), transitivas estendidas

(OBL.). Orações não verbais: identificadoras, equativas, existenciais, possessivas, As

orações intransitivas: (SV). As Orações Transitivas: (AOV). Orações Nominais:

indentificadoras, equativas, locativas / Existenciais, possessivas. As interrogativas:

palavras interrogativas: nhûm “quem”. (17) wa nrã/“eu cantei”; (18) itha tûkhre ja

hôgô/ “ele furou a orelha”; (19) nhûm na kûwa/“quem está ouvindo?”. A intenção

deste trabalho é expor pontos da pesquisa, a qual está em andamento, e angariar

auxílio na descrição da língua Tapayúna.

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Linguística

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Nordélia Costa Neiva

Universidade Federal da Bahia

O TRATAMENTO DA COERÊNCIA TEXTUAL NOS LIVROS DIDÁTICOS: ANÁLISE DE

DADOS

A coerência textual apresenta-se como um princípio de interpretabilidade do discurso,

conforme Charolles 1983 (Apud KOCH ; ELIAS, 2008). Assim, pode-se conceber a

coerência textual como um processo de produção de sentidos em que interagem

autor-texto-leitor, no dizer de Koch e Elias (2008, p. 186), que salientam: “[...] a

coerência não está no texto, mas constrói-se a partir dele.”. A construção da coerência

envolve, desse modo, conhecimentos variados, tais como linguísticos, enciclopédicos,

socioculturais, dentre outros. Dessa forma, chaga-se à formulação da hipótese que

orienta este trabalho, qual seja: a de que o tratamento da coerência textual nos livros

didáticos não evoluiu, acompanhando as teorias que tratam do texto. O trabalho que

ora se apresenta tem como objetivo analisar a abordagem dos livros didáticos de

língua portuguesa no que tange ao tratamento da coerência nas atividades de

compreensão textual, buscando estabelecer uma relação entre a proposta do manual

do professor e o que efetivamente ocorre na elaboração das questões de

compreensão textual. O corpus básico a ser analisado compõe-se de uma amostra de

atividades de compreensão textual, retirada de livros de língua portuguesa do Ensino

Fundamental II, especificamente o 8º e o 9º anos, visto que nesses segmentos

conseguimos visualizar uma maior diversidade dos gêneros discursivos. Selecionamos,

assim, para a presente pesquisa, as coleções: Português Linguagens, de William

Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, Diálogo: Língua Portuguesa, de Eliana

Santos Beltrão e Tereza Gordilho e Projeto Radix: raiz do conhecimento, de Ernani

Terra e Floriana Toscano Cavallete.Utilizamos, como se pode visualizar no final de cada

exemplo, uma chave de codificação para facilitar a localização da pergunta, no livro ou

nos anexos. A proposta de construção desta pesquisa está pautada nos princípios

teóricos da Linguística Textual (doravante LT), linha de pesquisa que surge nos anos 60

do século XX, na Alemanha, especificamente, na perspectiva de seu quarto momento,

denominado por Heine (2008, 2010, 2011) de fase bakhtiniana, tomando como base

teórica, algumas das reflexões de Bakhtin, na medida em que esse filósofo considera a

enunciação como o traço eminentemente social e não individual, valorizando a palavra

como “motor que veicula, de forma privilegiada, a ideologia” (BAKHTIN, 1997, p.17).

Preconiza-se, conforme Heine (2012, no prelo), um sujeito dialógico, que embora

esteja marcado pela história, age de modo ativo no processo de enunciação. Procedeu-

se, para a análise que ora se apresenta, a um levantamento da concepção de coerência

Page 131: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

nas atividades de compreensão textual, montando um quadro comparativo de

perguntas classificadas, conforme Marcuschi (2008, p. 271) e Heine (2011), em: cópias,

inferenciais, metalinguísticas, mistas, e perguntas que exigem respostas pessoais. As

duas primeiras foram tomadas diretamente de Marcuschi (2001); as duas últimas

foram retomadas de Heine (2011). Reitere-se, que, para melhor aplicação a essa

pesquisa, realizou-se uma ampliação da definição das perguntas do tipo

Metalinguística em Marcuschi (2001) e em Heine (2011), promovendo, assim, uma

adaptação do quadro de tipologia de questões a serem utilizadas para a presente

pesquisa. Utilizamos, como se pode visualizar no final de cada exemplo, uma chave de

codificação para facilitar a localização da pergunta. As questões de Cópia, doravante

(C), possuem um número elevado, mas as questões de Inferência (I) também

demonstraram avanço significativo. Tal procedimento chama a atenção para o fato de

que, sabendo que o uso relevante de C conduz a um tratamento da coerência como

propriedade a ser retirada do texto e que as questões de cunho inferencial parecem

promover a oportunidade de um tratamento da coerência como princípio de

interpretabilidade discursiva, nos termos de Charrolles (1987), a análise desses

extremos permite delinear um quadro desse fenômeno nos livros didáticos das

primeiras décadas do século XXI e estabelecer uma comparação com resultados da

pesquisa do grande mestre Marcuschi, no final do século XX (1996). As questões

Metalinguísticas (Metaling) mostram que a compreensão textual ainda se prende

muito aos aspectos gramaticais, que têm sua importância, mas não são únicos. As

Perguntas que exigem respostas pessoais( Pps) nos ajudam a refletir acerca do

posicionamento do aluno diante da interpretação textual, chamando a atenção para o

fato de que, como salienta Marcuschi (1996, p.69), “o aluno escreve sua opinião

individualmente e tudo fica como está”, ou seja , a interpretação exigida do aluno não

estabelece um liame com a abordagem textual. Finalmente, as Mistas (M) nos trazem

a oportunidade de entrever um processo de mudança de postura que, reconhecemos,

“é lenta e gradual”, visto que deixa transparecer o desejo de portar-se de aordo com

os padrões de exigência da proposta do livro. Foram analisadas 778 perguntas, das

quais 32% foram Inferenciais, 28% Metalinguísticas, 27% de cópias, 10% Perguntas que

exigem respostas pessoais e 3% de Mistas. Observando a questão da coerência textual,

podem-se visualizar os indícios de avanço, ao se fazer uma comparação com os dados

de Marcuschi (1996), especificamente nos extremos com que estamos trabalhando, a

saber: Cópia e Inferencias. O referido linguista obteve, em sua análise, 60% de Cópias e

5% de perguntas que apresentam um caráter inferencial, ao passo que, nessa

pesquisa, computaram-se 27% de cópias e 32% de inferências. Ressalte-se que a

mudança mostrou-se relevante em termos percentuais, mas não foi tão relevante no

que diz respeito aos aspectos qualitativos.

Page 132: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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Osvaldo Cunha Neto

Universidade Estadual de Campinas

VIDAS DOS SOFISTAS DE FILOSTRATO: SEGUNDA SOFÍSTICA E A REVANCHE CONTRA

A FILOSOFIA.

Apesar do parentesco etimológico comum, os termos “filosofia”, “sofística”, “filósofo”

e “sofista” sempre foram alvo de contendas ideológicas, sobretudo no século IV a. C.,

com Platão, Aristóteles e Isócrates. Não obstante, não devemos nos esquecer de que

foram justamente esses “filósofos” os responsáveis por delimitar e conceituar esses

termos, de modo que, assim como observamos que há nas teorias filosóficas

posicionamentos parciais e pessoais a respeito de diversas questões, também não

estaríamos isentos de encontrar posturas parecidas em relação ao esforço de

conceituar deste ou daquele modo os termos centrais ao exercício da reflexão e

prática “filosófica”. Dentre os precursores desse posicionamento parcial que acabou

por pejorar o próprio significado dos termos “sofística” e “sofista”, Aristóteles é, sem

dúvida, um dos mais contundentes e respeitados – segundo ele, “a sofística trata-se de

um saber aparente mas não real” (Metafísica, 1004 b, 25). Com um status intelectual

consideravelmente menor do que Aristóteles, Filostrato, no século III d. C., em sua

obra Vidas dos Sofistas, responde à proposição de Aristóteles e escreve sobre “os que

praticaram filosofia achando que praticavam a sofística e sobre aqueles que

legitimamente foram chamados de sofistas”; deste modo, Filostrato inverte a

proposição de Aristóteles, submetendo a filosofia à sofística (Cote 2006, p. 26). A rigor,

as primeiras ocorrências dos termos filosofia, sofística, filósofo e sofista são verificadas

no século VI a. C. e referidas a Píndaro e Pitágoras. Em seguida, observamos de

maneira mais explicita a dinâmica desses termos relacionados entre si nas

logomaquias que Platão registra em seus diálogos entre Sócrates, Górgias, Protágoras,

Pródico, Eutidemo, e também nos textos de Isócrates e de Aristóteles, durante o

período que poderia ser chamado de “primeira sofística”, ou de “Iluminismo grego”.

Contudo, da maneira como entendemos, Filostrato reacende este “diálogo” e nos dá a

oportunidade de concluir, na Antiguidade, o panorama geral de significação dos

termos “sofística” e “filosofia” –– de quebra, Filostrato inaugura o termo “segunda

sofística”. De acordo com Filostrato, nas Vidas dos sofistas, obra ainda não traduzida

integralmente para a língua portuguesa, enquanto a primeira sofística caracteriza-se

por ser uma “retórica filosófica” fundada por Górgias e que privilegiava a concepção

individual de cada sofista (dóxa), a segunda sofística teria sido fundada por Ésquines e

tinha o foco mais voltado à arte (téchnē). “Assim, a antiga sofística, assumindo

questões de cunho filosófico, discorria sobre elas em volume e extensão, pois refletia

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sobre a coragem, justiça, sobre os heróis e deuses e como se formou a concepção do

cosmo. Mas a [sofística] que se seguiu a esta não deve ser chamada de nova, pois

[também] é antiga e [deve], preferivelmente, ser chamada de “segunda”; [ela] esboça

e define [arquétipos] de pobres, de ricos, de aristocratas e de tiranos que a história

adota [como modelos]. Na Tessália, Górgias de Leôncio fundou a mais antiga e

Ésquines de Atrometo, a segunda (...). Os adeptos [de Ésquines] tratavam da arte e os

de Górgias, de suas próprias concepções” (Vidas, 480, linha 18, tradução minha). Uma

vez que Filostrato estabeleceu a terminologia “segunda sofística”, ele torna-se,

necessariamente, o ponto de partida de todos aqueles que almejam estudar o

“fenômeno”. Mesmo para os que eventualmente não venham a concordar com sua

argumentação, é com ele que, primeiramente, devem dialogar. A importância de

estudar (e traduzir) Filostrato é, portanto, primordial, um pré-requisito para o estudo

de todos os outros “deuterosofistas”. Além disso, Filostrato é também uma fonte

histórica ímpar; “quase a metade dos sofistas do seu inventário seriam desconhecidos

se não fossem suas informações; a arqueologia tem acrescentado dados sobre esses

personagens que foram salvos do esquecimento graças a Filostrato, que se revela

veraz” (Soria 1999, p. 11). Neste sentido, também é nosso objetivo realizar uma

tradução comentada das Vidas, que será anexada à tese de doutorado. Para esta

finalidade, dispomos do texto estabelecido por Kayser em 1844, o qual mantém a

paginação Olearius desde 1709, com 149 páginas, e registra poucas divergências no

aparato crítico, sobretudo quando Kayser menciona Cobet. Ademais, Soria (1999, p.

55) garante que a edição de Kayser supera todas as anteriores. Em suma, nossos

principais objetivos com o presente projeto são: 1) Realizar uma pesquisa para explicar

como os termos “filosofia”, “filósofo”, “sofística” e “sofista” ganharam diferentes

significados desde sua origem até Filostrato e o início da segunda sofística. a) Fazer um

levantamento das principais ocorrências dos termos em questão e de seus respectivos

significados, desde sua origem até Filostrato (séc. III d.C.); b) analisar a relação entre os

termos “filosofia”/“sofística”, “filósofo”/“sofista” e levantar hipóteses para explicar os

contextos em que os termos são usados como sinônimos, ou não, e em quais autores;

c) estabelecer generalizações para caracterizar possíveis diferenças entre os termos e

levantar hipóteses sobre os significados mais justificáveis (do ponto de vista conceitual

e histórico); 2) Traduzir a obra Vidas dos Sofistas de Filostrato destacando nas notas: a)

a legitimidade da terminologia “segunda sofística”; b) o rigor histórico de Filostrato a

partir do confronto com outras fontes (quando houver); c) semelhanças e diferenças

entre o conteúdo intelectual e argumentativo dos “sofistas” em relação ao conteúdo

intelectual e argumentativo dos “filósofos”.

Page 134: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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Priscila Hanako Ishy

Universidade Estadual de Campinas

UMA ANÁLISE AUTOSSEGMENTAL DE PROCESSOS FONOLÓGICOS NA LÍNGUA

KANAMARI

Essa apresentação visa demonstrar parte da pesquisa de mestrado realizada sobre a

fonologia da língua Kanamari. O objetivo da pesquisa foi descrever a língua Kanamari

em seus aspectos fonéticos e fonêmicos e analisá-la fonologicamente baseado na

Fonologia Não-Linear, nas suas vertentes autossegmental e métrica. Nesse resumo são

apresentadas algumas etapas cumpridas e parte dos resultados desse estudo. A língua

Kanamari é falada pela etnia de mesmo nome que habita a região sudoeste do estado

do Amazonas, com aldeias em territórios indígenas localizados ao longo dos rios

Japurá, Juruá, Xeruã, Itucumã, Jutaí, Tarauaca, Itacoaí, Javari e Jandiatuba. Segundo

dados do censo feito pela FUNASA em 2010, o número total de índios Kanamari é de

3.167. A família linguística a que pertence essa língua é denominada Katukina. Trata-se

de uma pequena família, composta tradicionalmente por quatro línguas: Katawixi,

Kanamari, Katukina do Biá, e Tsomwuk Djapa. Entretanto, atualmente, acredita-se que

a primeira já esteja extinta e as demais são dialetos de uma única língua. Apesar disso,

nos concentramos no estudo do Kanamari, sem nos preocupar em classificá-lo em

língua ou dialeto. Nossa pesquisa de campo concentrou-se na região do Rio Juruá, mais

especificamente no município de Eirunepé e na aldeia do Igarapé Mamori. Durante

essa etapa, coletamos dados por meio de questionários compostos por listas de

palavras e sentenças. Na maioria das vezes as gravações dos dados foram feitas com

uma ou duas pessoas e em alguns poucos casos com mais de duas, todos indígenas

Kanamari bilíngues. Após a gravação dos dados, iniciamos a transcrição dos mesmos e

partimos para a descrição fonética. A transcrição dos dados foi feita em símbolos do

IPA, os dados fonéticos foram processados e todos os fones organizados em tabelas. A

partir disso, deu-se procedimento à análise fonológica dos segmentos. Essa análise dos

dados foi feita conforme os procedimentos clássicos da análise fonêmica, o que nos

permitiu, inicialmente, identificar os elementos funcionais do Kanamari e sua

distribuição no sistema da língua. Os procedimentos utilizados foram contraste em

ambiente idêntico e contraste em ambiente análogo, concretizados por meio de pares

(ou grupo) de palavras, com significados diferentes, que se diferenciem em apenas um

segmento foneticamente semelhante, isto é, pares mínimos, ou por meio de pares de

palavras que se diferenciem em mais de um segmento, mas que sejam foneticamente

similares, denominados pares análogos. O objetivo desses procedimentos é definir

quais segmentos são contrastivos, formando unidades fonológicas diferentes, ou quais

Page 135: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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são variantes de uma mesma unidade fonológica, denominados alofones. Por meio da

análise fonêmica é possível também determinar quais desses alofones ocorrem em

distribuição complementar e quais estão em variação livre. Em conformidade com

essas ponderações, definimos os sons distintivos (fonemas) da língua Kanamari, bem

como seus alofones, por meio de pares mínimos e análogos e observamos algumas

regras fonológicas existentes no sistema dessa língua. Apresentamos também uma

abordagem de alguns aspectos da fonologia Kanamari com base nos pressupostos da

fonologia Não-Linear nas suas manifestações subteóricas da Fonologia Autossegmental

(Clements e Hume, 1995; Goldsmith, 1990, 1995; Kenstowicks, 1994) e Métrica (Hayes,

1995). Focalizamos, sobretudo, alguns processos fonológicos, a organização da sílaba,

o comportamento do acento e o alongamento de vogais. Para essa apresentação, no

entanto, nos limitamos à análise dos processos fonológicos. O modelo autossegmental

difere-se do modelo fonêmico e do modelo gerativo por considerar mais de uma

camada de segmentos (Goldsmith, 1990). Portanto, a característica principal desse

modelo é a interpretação hierárquica dos traços fonológicos, que pode estar em um

domínio maior ou menor do que o segmento. Cada traço age independentemente dos

outros, e essa característica permite que as regras fonológicas sejam representadas de

forma lógica. Clements and Hume (1995) propõem uma representação da organização

interna dos traços de cada segmento. Essa representação, conhecida como Geometria

de Traços, é composta por nós organizados hierarquicamente. Os nós finais compõem

os traços fonológicos e os nós intermediários caracterizam as classes de traços. Esse

modelo fonológico contribuiu na percepção de que os processos fonológicos não

ocorrem desordenadamente nas línguas, ao demonstrar um modelo baseado em

capacidade físicas e cognitivas do ser humano (Clements and Hume, 1995). Diante

disso, analisamos e representamos o processo fonológico de assimilação, identificado

em Kanamari, conforme os fundamentos da Fonologia Autossegmental e por meio da

Geometria de Traços. Esse processo ocorre de duas formas, por assimilação de

nasalidade e de vozeamento. A nasalização vocálica ocorre quando uma vogal oral

precede a consoante nasal velar /ŋ/, resultando em uma vogal nasal. No sistema

fonológico Kanamari, as vogais que ocorrem antecedentes ao som /ŋ/ são /a/, /ɪ/ e

/o/. Assim, esses três sons vocálicos são encontrados em suas formas nasais quando

antecedem a consoante nasal velar. Por meio da análise autossegmental, percebe-se

que o nó Raiz do primeiro segmento assimila o traço [+nasal] do segmento seguinte, o

que o transforma em [+ nasal] também. No caso de um som surdo assimilar o traço

sonoro de um segmento vizinho, ocorre a assimilação de vozeamento. Em Kanamari,

esse processo ocorre com a obstruínte surda /k/ em posição final de morfema, seguido

por um segmento sonoro. Nesse processo, notamos que o nó Laríngeo do segmento

/k/ assimila o traço [+sonoro] do segmento seguinte. Assim, o segmento realiza-se na

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Linguística

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

forma sonora. Para nossa apresentação, portanto, propomos apresentar essas etapas

da pesquisa mais detalhadamente e demonstrar por meio da Fonologia

Autossegmental e da Geometria de Traços a análise dos processos fonológicos

encontrados na língua Kanamari.

Priscilla Barbosa Ribeiro

Universidade de São Paulo

A ORDEM DE CONSTITUINTES SENTENCIAIS NA ESCOLA REPUBLICANA PAULISTA

A ordem de constituintes sentenciais no português do Brasil tem sido objeto de estudo

em recorte sincrônico e diacrônico e sob diferentes perspectivas teóricas. Um dos

resultados mais intrigantes foi a descoberta da correlação entre a colocação do sujeito

e a do clítico de maneira que a gramática que favorece a posição pós-verbal do sujeito

tende a favorecer o emprego da ênclise. A interdependência desses fatos linguísticos

revelou-se pela significativa redução da ordem verbo-sujeito (VS) (Berlinck, 1989;

Torres Morais, 1993) e de estruturas enclíticas no PB (Cyrino, 1993; Pagotto, 1993,

entre outros), atualmente restritas a contextos estruturais específicos, adquiridos

principalmente por meio da escolarização. Neste trabalho, a posição do sujeito e do

clítico será analisada em textos produzidos pela escola, justamente em período

relevante na mudança da ordem dos constituintes sentenciais. Pautando-nos no

contexto sociohistórico e cultural de São Paulo no início do século XX e

particularmente no âmbito educacional, focalizaremos a Escola Normal da Capital (EN),

que, embora atendesse alunos e alunas, se consolidava na formação de educadoras; e

o Ginásio do Estado de São Paulo (GE), voltado à preparação de jovens rapazes para o

estudo superior. Analisando as produções textuais de professores e dirigentes dessas

duas instituições, notadamente em atas produzidas em âmbito interno, visamos

identificar propriedades linguísticas vinculadas a cada instituição, considerando as

diferenças de formação de seus sujeitos e a distinção de gênero existente na base de

sua estrutura. A análise incide sobre os anos de 1901 a 1920, momento que apresenta

unidade histórica com o período final do século XIX (cf. Hobsbawn, 1995), no sentido

de que esta época foi marcada por concepções e práticas que se estenderam para

além das marcas do calendário. Ainda que se trate, formalmente, do século XX, o

período recortado apresentou-se, em muitos aspectos, semelhante ao século

precedente. Designado como “o tempo das certezas” (Costa e Schwarcz, 2007), o

século XIX caracterizou-se pela confiança em verdades absolutas, por modelos

dicotômicos de certo e errado, e por pautar-se em rígidos princípios morais (p.14).

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Esse espírito de época teria se alterado somente com o advento da Primeira Guerra

Mundial, em 1914, a partir da qual valores e concepções então vigentes se

reformularam de forma mais significativa. Contudo, essa periodização não pode ser

tomada de forma estritamente pontual, visto que as mudanças que a definem

repercutem de modos e em velocidades diferentes nos espaços que atingem. Na

educação paulista, a historiografia identifica para o período a concretização de

iniciativas republicanas gestadas na Monarquia. Tomado por grande “entusiasmo pela

educação” (Nagle, 1974), esse momento apresentou inúmeros debates e ações na área

educacional e se estendeu até cerca de 1920, quando deu lugar a uma nova fase na

história da pedagogia, a Escola Nova, fruto de novos modos de se conceber e praticar o

ensino (Hilsdorf, 2007, p.57; Saviani, 2008, p.177). Esse “entusiasmo pela educação”

foi convergente às necessidades do novo regime que, instaurado por um golpe militar,

precisou ganhar espaço no imaginário da população (Carvalho, 2007) e utilizou a

instrução pública como um de seus meios de propaganda. Assim, a República difunde

seu ideário entre alunos e professores por meio dos conteúdos e práticas escolares; e

junto a toda a população, constrói para si uma imagem associada às noções de

instrução, progresso e civilização, materializada, entre outros exemplos, nos edifícios

escolares que inaugurou (Wolff, 2010; Monarcha, 1999). Enfatizando como era

precário o ensino público durante a monarquia, a República busca se contrapor a uma

imagem decadente do regime monárquico que, mesmo que escapasse, em parte, à

realidade, era a imagem que os reformistas se empenharam em divulgar. No

movimento da propaganda republicana na educação destacaram-se a Escola Normal

da Capital, criada ainda no regime monárquico (1880), e o Ginásio do Estado de São

Paulo, uma inovação republicana (1894), considerados representantes da “mais alta

excelência escolar” da época (Perosa, 2004, p.75) e tomados como difusores e

símbolos do ideário republicano. Essa estratégia para consolidação do regime político

acarretou e fundamentou-se, entre outros processos, na mitificação dessas instituições

educacionais e do ensino público. Adotando a EN como carro-chefe da reforma e

primeiro núcleo de suas ações efetivas, o discurso republicano propunha libertá-la de

um passado ligado à Monarquia e ao catolicismo para transformá-la em instrumento

de progresso, no caminho para a evolução da sociedade paulistana rumo à civilização -

conforme o pensar da época (Hilsdorf, 2003, p.60). Nesse momento, de feminização do

magistério e consolidação da classe normalista, é inaugurado o Ginásio do Estado de

São Paulo, que se instala no antigo edifício da EN em setembro de 1894. A instituição

passa a figurar ao lado da Escola Normal e entre as célebres escolas da capital no

imaginário paulista, efeito de um discurso de exaltação e construção social de uma

imagem de qualidade do ensino público empreendido pelo propagandismo

republicano. Esse contexto de formação de um imaginário político pró-república e de

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

oposições diversas - individual e social, feminino e masculino, Escola Normal e Ginásio

do Estado – apresenta marcas que tendem a transparecer nas relações entre língua e

sociedade. Assim, buscaremos analisar as posições do sujeito e do clítico e sua variação

no ambiente das duas instituições escolares considerando o fato linguístico em seu

contexto de produção e tendo em vista as relações pedagógicas, políticas e valores

socioculturais nele implicados.

Rafaela Defendi Mariano

Universidade Estadual de Campinas

ANALISANDO A GESTÃO TÓPICA EM ALGUMAS INTERAÇÕES DO PROGRAMA

“MANOS E MINAS”: REFLEXÕES INICIAIS PARA A TIPIFICAÇÃO DOS REGISTROS ORAIS

DOS MANOS

Este trabalho tem como objetivo principal elaborar algumas reflexões iniciais a

respeito da importância dos recursos do nível textual para a tipificação dos registros

dos manos. Consideramos, neste trabalho, que o registro é uma “regularidade social”

(Agha, 2007), ou seja, as escolhas linguísticas e textuais-discursivas que o caracterizam

pressupõem reflexão e atividades de avaliação. Para o autor, deve-se considerar na

formação dos registros “o tratamento do nível textual-discursivo, trabalhando com a

análise dos enunciados produzidos no interior de textos e/ou gêneros”. Para tanto,

procedemos à análise da gestão do tópico discursivo (Jubran et al. , 2002) em

interações entre apresentador e entrevistado na plateia e nas entrevistas com

moradores da periferia em reportagens externas do programa de auditório “Manos e

Minas”, veiculado pela TV Cultura do Estado de São Paulo. Em trabalhos anteriores,

nossas análises estiveram voltadas para a questão do estilo de fala de um sujeito

pertencente ao grupo social de moradores da periferia da grande São Paulo (Mariano,

2011a). Mais especificamente, descrevemos e analisamos as diferenças estilísticas

resultantes das manipulações estratégicas, por parte do rapper Mano Brown, de

recursos linguístico-discursivos em quatro diferentes situações comunicativas. Nossa

hipótese era a de que sendo o design de audiência (Bell, 2001) o fator condicionante

da variação estilística, dois fenômenos se apresentam como os principais loci de

observação dessa variação: a gestão do tópico discursivo e o uso dos marcadores

discursivos. Em nossa análise, observamos um uso diferenciado dos marcadores

discursivos em todas as situações comunicativas, o que nos revela o monitoramento

estilístico por parte de Mano Brown tanto no sentido de adequar sua linguagem à

audiência (design de audiência (Bell, 2001)) como no sentido de elaborar/marcar uma

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

determinada identidade social relacionada tanto à classe social como ao

pertencimento a uma determinada comunidade, a dos moradores da periferia de São

Paulo (design de referência (Bell, 2001)). Em relação às nossas análises a respeito da

gestão do tópico discursivo, observamos que nas diferentes situações comunicativas

(com suas diferentes audiências), o rapper não apenas instaura diferentes tópicos para

cada uma das situações como também os organiza de forma diferenciada, mostrando

assim que o estilo se revela não apenas por meio de marcas estritamente linguísticas,

mas também pela manipulação de recursos do nível textual. Acreditamos que, assim

como aponta essa conclusão sobre a importância da análise dos recursos do nível

textual para a compreensão da manipulação do estilo, a gestão do tópico discursivo se

mostrará imprescindível na construção dos registros. Consideramos que os conceitos

de registro e estilo podem ser articulados, como postula Bentes (2009), já que “os

registros constituem-se em modelos reflexivos de avaliação e de uso apenas

parcialmente compartilhados pelos sujeitos e os estilos apresentam uma natureza

mais individual e estratégica”. O registro, porém, como já dissemos, é uma

“regularidade social” (Agha, 2007). As análises da fala de um sujeito não são

suficientes, então, para caracterizá-lo (Agha, 2007 apud Bentes e Granato, 2011).

Portanto, a análise de diferentes interações entre diferentes sujeitos no Programa

“Manos e Minas” possibilitará o levantamento dos registros, no nível textual, dos

manos. O programa “Manos e Minas” caracteriza-se pelo objetivo de “trazer ‘a voz da

periferia’ à mídia televisiva” e também pela divulgação e valorização do conhecimento

sobre essa realidade do ponto de vista dos próprios sujeitos que participam e

promovem práticas sociais, culturais, literárias e musicais vinculadas tanto às

comunidades da periferia quanto ao universo do movimento hip-hop (Granato, 2011).

Nossa análise da organização tópica juntamente com a análise em termos de conteúdo

dos tópicos discursivos instaurados propiciará, então, a nosso ver, a compreensão do

impacto dessa categoria textual na caracterização dos registros dos manos e o

levantamento da formação dos registros do grupo social em questão. Consideramos,

portanto, que o conceito de tópico discursivo não envolve apenas a noção de

conteúdo, visto que “aquilo de que se fala” não pode ser desvinculado do “como se

fala” (Maynard, 1980 apud Jubran et al., 2002). Podemos afirmar que o novo conceito,

proposto pelo Grupo de Organização Textual Interativa da Gramática do Português

Falado (Jubran et al., 2002), propõe uma nova forma de identificação que permite um

menor grau de subjetividade e melhor operacionalização. Segundo Pinheiro (2006,

p.44) “os traços de concernência e relevância que precisam a centração, uma das

características do tópico, segundo Jubran et al. (1992), se apresentam como um

critério a partir do qual o tópico pode ser identificado e depreendido”, o que permite

assim mais segurança e objetividade na delimitação da categoria. Inicialmente, o que

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

nos chamou a atenção no levantamento feito por Granato (2011) dos tópicos

discursivos desenvolvidos em três amostras do programa “Manos e Minas” foi a

exclusividade dos mesmos no cenário midiático nacional. A autora observou, por

exemplo, o desenvolvimento dos seguintes tópicos: realidade da periferia do país,

atividade cultural na periferia, projeto social e/ou educacional e elementos do hip-hop.

Além da exclusividade dos tópicos discursivos, outro fato que nos chamou a atenção

foi a instauração de tópicos discursivos por parte dos moradores da periferia

entrevistados na plateia que nem sempre vão ao encontro do tópico instaurado pelo

apresentador/repórter em suas perguntas. Em nosso trabalho anterior (Mariano,

2011b) no qual produzimos análises da gestão do tópico discursivo em duas

entrevistas e em uma reportagem do programa, observamos que um dos

entrevistados não expande o tópico instaurado pelo apresentador Rappin’ Hood, ao

contrário da ação do segundo entrevistado. Essa diferenciação na gestão do tópico

discursivo de sujeitos do mesmo grupo social no mesmo contexto, observada em

nossas análise iniciais, permitem-nos confirmar, então, a postulação de Agha (2007) da

não-homogeneidade do registro em um grupo. O autor conclui que quando se analisa

um determinado grupo social, encontra-se sempre um fracionamento ou uma

fragmentação desse grupo em outros, o que se denomina fracionamento sociológico.

Assim, pode-se concluir que, ao se estudar as práticas de linguagem de determinado

grupo social, percebe-se a diferenciação identitária interna ao próprio grupo (BENTES,

2009).

Rafahel Jean Parintins Lima

Universidade Estadual de Campinas

MARCO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA O ESTUDO DE IDENTIDADES SOCIAIS DE

PESSOAS COM AFASIA

O objetivo deste trabalho é apresentar os direcionamentos teórico-metodológicos da

minha pesquisa de Mestrado em Linguística, que procura discutir o conceito de

identidade social no âmbito de pessoas com afasia. Levo em consideração aqui a

discussão encontrada nos fundamentos da sociolinguística e na sociologia de base

bourdieusiana (1996). Particularmente sobre afasia enquanto questão social,

considero Morato (2001; 2010). A partir da discussão sobre identidade social, que leva

em consideração tanto os aspectos sócio-históricos de construção do sujeito quanto o

seu papel enquanto ator social, postura derivada de Marcuschi (2008), procurarei

encontrar indícios da medida pela qual as identidades sociais de pessoas com afasia

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

são construídas discursivamente. Tal forma de encarar as identidades sociais possui

semelhança em Lopes (2002). Nesse sentido, descrevo aqui a intervenção

metodológica para os fins de concretização do objetivo da pesquisa de mestrado. A

metodologia se pautará em entrevistas semi-dirigidas com pessoas com e sem afasia

mediadas, se necessário, por acompanhantes, tais como seus amigos e parentes, ou

pesquisadores do CCA que participam das atividades do Centro de Convivência de

Afásicos (CCA) do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de

Campinas (IEL/UNICAMP). Tais entrevistas serão registradas em vídeo e procurarão

focar aspectos da história de vida dos sujeitos e de suas atividades cotidianas atuais.

Procurarei contextualizar essa investigação das identidades sociais no âmbito da

revisitação da problemática sócio-histórica de como a pessoa com afasia é encarada na

sociedade ocidental (MORATO, 2010). As entrevistas serão antecedidas pela

observação participante de atividades do CCA a fim de conhecer in loco seus

participantes e a dinâmica do Centro de Convivência e de delimitar quais e quantos

sujeitos serão entrevistados, quantas sessões de entrevistas serão feitas, a duração

média de cada sessão, que perguntas poderão ser utilizadas e o delineamento do

método da entrevista. A participação nas atividades do Centro, supervisionada pela

minha orientadora, também pretende iluminar a decisão metodológica sobre em que

medida existe a necessidade de acompanhar os sujeitos com afasia em seu cotidiano,

bem como de entrevistar pessoas que foram ou são próximas desses sujeitos em

termos de família, de laços de amizade ou outro tipo de relacionamento social.

Imprevistos são esperados, como a possível não concretização da entrevista tal como

planejada, como observa De Fina (2011) em uma de suas pesquisas, embora o roteiro

geral seja de suma importância para entrevistas como método de obtenção de dados

(ALBERTI, 2004). A identidade social, que é o que investigo nas pessoas com afasia,

está presente nos estudos sociolinguísticos desde antes do estabelecimento histórico

destes como área da pesquisa linguística, nos anos 60. As identidades sociais, na

sociolinguística laboviana, são indicadas pelas categorias sociais nas quais os indivíduos

se enquadram. As categorias classe social, sexo, idade e origem geográfica são as

responsáveis pela definição social do indivíduo (BRIGHT, 1974). No entanto, tais

categorias têm sido rediscutidas não só por teóricos do discurso como Van Dijk (2011)

como pelos próprios sociolinguistas mesmo naquela época, como Gumperz (1982),

que também já criticava a tomada dessas categorias como tipos para o estudo

sociolinguístico, porque tomadas a priori e não problematizadas. Gumperz, no

entanto, não se dedica a descrever as identidades sociais, mas sim analisar como

práticas comunicativas diferentes se comportam e entram em choque quando

colocadas no mesmo espaço sócio-cultural. Atualmente essas categorias continuam

sendo discutidas, já que fundaram o pensamento sociolinguístico que ficou conhecido

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

como variacionista. Discussões desse tipo se encontram em Eckert (2005) e em

Woolard (2008), que assinalam a importância de considerar a relevância que os

interlocutores dão às categorias sociais na interação e não a relação direta entre língua

e categoria. À bem da verdade, mesmo Labov (1963) já encontrava indícios dessa

relação não totalmente direta, quando do seu estudo de Martha’s Vineyard. Mas o que

deve ser pensada, na verdade, é a natureza dessas categorias. Afinal, o conceito de

classe social, por exemplo, não é dado, ingênuo, sempiterno. É uma categoria sócio-

historicamente construída. Souza (2009), por exemplo, pautado em uma sociologia

bourdieusiana, prefere lidar com classe social não como relacionada à faixa de renda,

mas sim às condições culturais e sociais, isto é, simbólicas, que efetivam o

pertencimento de classe. Já quanto à categoria de gênero, a discussão é igualmente de

desconstrução, mas não necessariamente por conta da emersão da “sexualidade” ou

“identidade sexual”. Foucault (1985) estabeleceu que uma dessas identidades, a

homossexualidade, foi inventada no século XIX como definindo os sujeitos marcados

por características mais reconhecíveis do que descritíveis. Mas a sexualidade não se

confunde com o gênero (OSTERMANN; FONTANA, 2010), pois a identidade de gênero

diz respeito à construção social de si como mulher ou homem, independente da

direção que o erotismo toma e do sexo biológico. Lívia e Hall (1997) afirmam que os

critérios de sexualidade foram confundidos com os de gênero em muitas pesquisas

sociolinguísticas, o que provocou a escassez dos estudos sociolinguísticos da

sexualidade. O afásico, particularmente o que tem a sua fala alterada, é visto como

aquele que possui dificuldades justamente com o que a cultura ocidental considera

como sagrado: a linguagem (MORATO, 2010). Antes de ser categorizado em seu

gênero, idade e profissão, o afásico é classificado pelas características de sua afasia.

Morato (2010) observa que a afasia também é uma questão social, e não apenas

neurológica e estritamente linguística, dentre outras razões porque é no social que o

senso comum vê a linguagem como a expressão de saúde psicológica e de

racionalidade. Saúde psicológica no sentido dado por Foucault (1975), como

estabelecedora do que hoje chamamos de doença mental, isto é, loucura. Assim, a

afasia passa a ser igualada, no dia a dia, a doença mental e os afásicos passam a ser

estigmatizados socialmente: doença como conjunto de sintomas, isto é, signos

patológicos (FOUCAULT, 1977). É, enfim, dentro desse contexto teórico que pretendo

pesquisar a identidade social de pessoas com afasia, ou seja, o estatuto social

reservado a esses sujeitos na sociedade.

Page 143: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Rogério Luid Modesto dos Santos

Universidade Estadual de Campinas

A RESISTÊNCIA NOS MOVIMENTOS DO MOVIMENTO

A cidade demanda interpretação: ela (se/nos) significa. Tomamos esta formulação,

cuja constituição se dá no âmbito de uma reflexão teórica que relaciona a linguagem e

o espaço urbano para situarmos o objetivo de nosso trabalho. Entendendo, como nos

diz Orlandi (2004, p. 11), que o corpo social e o corpo urbano são um só e, sendo

assim, os sujeitos, vivendo como sujeitos-urbanos, são injungidos a interpretar a

cidade, atribuir-lhe sentido, buscamos o funcionamento do discurso dos sujeitos que,

da posição de mobilizados/organizados em movimentos, reivindicam uma outra

cidade. Nesse sentido, interessa-nos o dizer constituído na discursividade de dois

movimentos de reivindicação urbana, denominados "Movimento Desocupa" e o

"Movimento Ocupa Salvador" que atuam na cidade de Salvador-Bahia. Com esta

pesquisa, propomos questionar os modos pelos quais os movimentos sociais, mais

especificamente os movimentos sociais urbanos, situam a resistência na significação

da cidade e dos sujeitos citadinos. Desse modo, como base no dispositivo teórico da

Análise do Discurso de orientação materialista, buscamos entender o que, para esse

tipo de movimento, significa resistir e como isso está relacionado com o próprio

espaço urbano e os sujeitos que nele vivem. De nossa perspectiva teórica, percebemos

a resistência a partir de três aspectos fundamentais: i) a resistência não está no sujeito,

logo não representa uma saída da ideologia; ii) a resistência não se dá numa relação

pura de oposição; iii) a resistência se dá no simbólico. Dito de forma mais pontuada,

dizemos que a resistência, pensada a partir do projeto teórico materialista de Michel

Pêcheux, está sustentada nas falhas e furos que constituem o processo de interpelação

ideológica. Ela tem a ver com o embate de sentidos, a contradição, a incompletude dos

processos discursivos em que há sempre a possibilidade de outros sentidos

produzirem outras identificações no/para o sujeito. A contradição que se constitui

nos/pelos furos da interpelação ideológica põe outros sentidos em circulação. E isso

nos serve para considerar que a resistência não está no sujeito (isto é, em sua vontade

de resistir), mas no simbólico, na relação língua-história, na medida em que a

resistência está no embate de sentidos que, produzidos da falha, identificam os

sujeitos. No que tange aos movimentos sociais, de um modo geral, podemos dizer que

eles caracterizam-se por construírem para si um lugar de oposição ao poder (político)

vigente e fundamentarem seu dizer na evidência (no pré-construído) da eficácia da

sociedade civil organizada, na evidência da cidadania e da mobilização social. Os

movimentos sociais significam a cidade e os próprios sujeitos citadinos a partir da

Page 144: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

evidência de que problemas urbanos existem e do fato de que a sociedade civil precisa

estar organizada para reivindicar a resolução desses problemas. Em outras palavras, os

movimentos sociais, colocando-se contra algo/alguém para defender suas causas,

investem na evidência (evidência que é um trabalho da ideologia) de que é possível

mudar uma realidade pela mobilização social. Os movimentos sobre os quais nos

debruçamos em nossa pesquisa de mestrado, de modo mais específico, inserido nessa

discursividade, tem a cidade de Salvador como lugar e motivo de luta, imprimindo um

caráter de resistência às suas causas. Contudo, a partir das primeiras análises

discursivas que realizamos no âmbito de nossa pesquisa, chegamos à conclusão de que

se realmente há resistência, ela está colocada na contradição que toma corpo na luta

pela mudança e contra a mudança, já que os movimentos sociais urbanos, mesmo que

construindo pra si um lugar de oposição a um poder político, muitas vezes, pela

recorrência a um discursividade de ordem técnica/urbanista e jurídica, ratificam o

discurso daqueles que pretendem antagonizar. E, nesse contexto, percebemos os

movimentos do movimento que compõe o jogo que se dá ora na ratificação, ora na

oposição dos sentidos que envolvem as causas pelas quais os movimentos se

movimentam. Com base nessas questões, e também, entendendo que, conforme

salienta Lagazzi (1998, p.16), “o contraponto do poder não é a submissão, mas a

resistência” é que propomos, com nossa comunicação, apresentar uma reflexão acerca

do funcionamento do discurso do "Movimento Desocupa" e do "Movimento Ocupa

Salvador "que se significam como de resistência popular. Buscamos entender como,

nestes movimentos de reivindicação social no espaço da cidade, há a circulação e

manifestação de uma espécie de discursividade resistente. Nosso corpus constitui-se a

partir das diversas materialidades (textos, imagens, vídeos) produzidas no âmbito dos

supracitados movimentos os quais em sua maioria estão disponibilizados no espaço

virtual da internet.Tomando como corpus os discursos do "Movimento Desocupa" e do

"Movimento Ocupa Salvador", nosso objetivo para a comunicação neste seminário é

trazer os questionamentos que nos colocamos a partir de nossas primeiras análises.

Desse modo, queremos apresentar o andamento de nossa pesquisa pela apresentação

e reflexão das seguintes questões: i) Uma vez que parece haver uma concordância nos

objetivos finais do Estado e dos movimentos "Desocupa" e "Ocupa Salvador",

podemos falar em deslocamento?; ii) Resistir de fato é necessariamente sempre

deslocar?; iii) Há falhas na sobredeterminação do jurídico e do urbanístico no social?;

iv) De fato reivindica-se uma outra cidade?

Page 145: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Simone Michelle Silvestre

Universidade Estadual de Campinas

SILENCIAMENTO NA NOMEAÇÃO DAS LÍNGUAS DE TIMOR-LESTE

Sob a filiação da Análise de Discurso Francesa, de perspectiva materialista histórica, a

pesquisa de doutorado Política de Línguas em Timor-Leste: passado, presente e futuro

na constituição do Estado-Nação visa a análise das políticas de línguas im(postas) em

diferentes momentos na história de Timor-Leste. Mais, especificamente, investigar, em

um conjunto de sequências discursivas produzidas em três momentos distintos,

(período da colonização portuguesa (1515 a 1975), período da ocupação indonésia e

resistência timorense (1975 a 1999) e o momento do pós-independência (2002) até os

dias atuais), os discursos postos em circulação nas relações de contato e conflito entre

o português, o tétum, as línguas nacionais, a bahasa indonésia e, mais recentemente, a

língua inglesa, marcando diferentes posições no processo de (des)colonização

linguística do país. É importante destacar que concebemos a questão da Política de

Línguas, a partir do que propõe Orlandi (2007), enquanto processo capaz de conferir à

língua um sentido político, ou seja, essa passa a ser compreendida como uma questão

política. Não há a possibilidade de uma língua já não vir afetada desde sempre pelo

político. De acordo com o que defende Orlandi (2007, p.8), “uma língua é um corpo

simbólico-político que faz parte das relações entre sujeitos na sua vida social e

histórica. Assim quando pensamos em política de línguas já pensamos de imediato nas

formas sociais sendo significadas por e para sujeitos históricos e simbólicos, em suas

formas de existência, de experiência, no espaço político de seus sentidos”. Para esta

comunicação, e levando-se em conta que a pesquisa está na fase introdutória,

pretende-se analisar, do ponto de vista discursivo, sequências de dois documentos que

marcam posições sobre a política de línguas da atualidade. São eles: a proposta dos

assessores do Ministério da Educação/Unesco-Unicef de Timor-Leste, nomeado

‘Política Nacional de Educação Multilíngue baseada na Língua Materna’ (projeto piloto

em execução em três escolas localizadas em áreas distantes da capital do país) e o

Projecto de Resolução - ‘A importância da promoção e do ensino nas línguas oficiais

para a unidade e coesão nacionais e para consolidação de uma identidade própria e

original no mundo’ - elaborado por seis deputados do Parlamento Nacional em

resposta ao projeto piloto do Ministério da Educação. Enquanto que os representantes

do Parlamento Nacional defendem o ensino e a promoção do Português ao lado da

língua Tétum, os assessores do Ministério da Educação demandam esforços e

investimentos no ensino das línguas maternas. A partir do primeiro exercício de

análise, chamou-nos a atenção o fato de a mesma língua receber nomeações

Page 146: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

diferentes nos dois documentos e/ou estar associada a designações diversas,

silenciando-se nomes e sentidos outros associados às tais línguas. Na análise

discursiva, adotou-se a noção de silenciamento ou política do silêncio, que, segundo

Orlandi (2007 [1992]), desdobra-se em silêncio constitutivo, e, por sua vez, nos indica

que para dizer é preciso não dizer (se diz ‘x’ para não [deixar] dizer ‘y’), e no silêncio

local, que se refere à censura propriamente, ou aquilo que é probido dizer em uma

certa conjuntura. Sendo que, para as sequências que dispomos, é o silêncio

constitutivo que nos interessa. A partir de tal conceito, pretende-se compreender

quais são os silenciamentos produzidos no ato de nomeação das línguas nos dois

documentos e os sentidos que as designações conferidas as mesmas produzem,

configurando uma memória para as línguas. Em um primeiro gesto de análise, foi

possível perceber nas sequências da Política de Línguas para Timor-Leste, e levando-se

em conta a relação entre as línguas afetando a história e esta afetando a língua, que as

línguas e seus falantes encontram-se sempre em constante estado de conflito, uma

vez que elas sobrepõem-se umas as outras. No caso do discurso dos deputados do

Parlamento Nacional, apenas a promoção e o ensino das línguas oficiais (o tétum e o

português) serão capazes de manter a coesão e a identidade nacional de todo e

qualquer timorense. As línguas locais marcam a diferença entre os grupos de falantes e

promovê-las seria perturbar a suposta paz estabelecida e marcar a desorganização do

Estado de Direito. Já o inglês e o malaio aparecem na posição de línguas oficiais dos

países vizinhos, a Austrália e a Indonésia, línguas estrangeiras com força de decisão

política e econômica e com poder de se (im)porem, anulando outras línguas, no caso

de Timor-Leste, o português. Já o discurso do Ministério da Educação vem marcado

pela valorização e ensino das línguas maternas dos diferentes grupos. Apenas a partir

delas, as crianças timorenses serão capazes de aprender a ler e a escrever,

transferindo tais competências para a aprendizagem das línguas oficiais. O inglês e o

malaio, enquanto línguas internacionais da economia global, também merecem espaço

e situações de aprendizagem nas escolas de Timor-Leste. Porém, com todos esses

dizeres, é importante lembrar que o espaço de coexistência das línguas e seus falantes,

segundo Guimarães (2005), é marcado sempre pelo “litígio que distribui

desigualmente o direito a dizer”, além de algumas relações entre o real das línguas e

seus falantes aparecerem, não deixando de mencionar que sempre haverá o

silenciamento de sentidos que não estão autorizados a serem ditos no discurso por

aqueles que enunciam, especialmente quando se trata do discurso oficial, quase

sempre estabilizado.

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Talita Janine Juliani

Universidade Estadual de Campinas

VESTÍGIOS DE OVÍDIO: A BIOGRAFIA DE SAFO EM SOBRE AS MULHERES FAMOSAS

(1361-1362) DE GIOVANNI BOCCACCIO

Em Sobre as mulheres famosas (De Claris Mulieribus), um catálogo de biografias

femininas escrito entre os anos de 1361-1362, o autor Giovanni Boccaccio (1313-1375)

explora o universo mítico greco-romano, retratando a vida de personagens notáveis

(clarae) da Antiguidade. Ampla parte dos estudos sobre a obra é marcada por um viés

dicotômico, que oscila entre apontar um caráter moralista (cristão) ou “meramente”

literário nas biografias. A esse tipo de reflexão associam-se eruditas “pesquisas de

fontes” (Quellenforschungen) do catálogo, e a tendência de se privilegiar a busca por

semelhanças entre o texto boccacciano com outros a ele associáveis é, segundo

pudemos observar até o presente momento, o que vinha sendo prioritariamente feito

ao se tratar da Antiguidade nos estudos do De Claris Mulieribus até o século XX (cf.,

por exemplo, Torreta, 1902). Tal empenho proporcionou às pesquisas acerca de Sobre

mulheres famosas de Giovanni Boccaccio um conjunto amplo de paralelos na literatura

antiga, muito úteis para uma tarefa ainda a se empreender, uma vez que esses

paralelos nos ajudam a mapear grande parte das associações da obra em apreço com

obras de autores da Antiguidade. Além disso, despertou nossa atenção, em especial,

para a relação entre os textos do poeta romano Ovídio (43 a. C. – 17 d. C.), e o De

Claris Mulieribus do autor certaldense. O objetivo central da pesquisa a que se propõe

nosso projeto é direcionar tais apontamentos a respeito de textos ovidianos e da obra

de Boccaccio no sentido de uma investigação sobre o modo como, em Sobre as

mulheres famosas, se apresenta a poesia de Ovídio, e, sobretudo, proceder a um

exame que ainda não foi, ao que pudemos constatar, realizado: explorar efeitos de

sentido de tal presença no catálogo de mulheres de Giovanni Boccaccio. À medida que

valoriza a originalidade no processo de imitação criativa, a perspectiva intertextual

contribui para estender o sentido de “original” como uma característica não exclusiva

do modelo ou fonte, sem estabelecer necessariamente uma hierarquia entre a “fonte”

e sua imitação. Quando aqui referimo-nos ao termo “fonte”, este é compreendido no

âmbito de seu sentido figurado, i.e. como texto a partir de que algo (uma história, uma

informação, um recurso linguístico) provém. Sabe-se que o termo foi empregado por

Pasquali (1968) no contexto de estudos que valorizam a imitatio auctorum antiga,

tendo sido adotado, com adaptações metodológicas, por estudiosos como Conte

(1986) e Barchiesi (1984; 1997). Dessa forma, uma abordagem mais sistemática,

direcionada à busca pelo sentido da presença e efeito de um texto em outro texto,

Page 148: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

como é a intertextual (ainda que não encontrada por nós em nenhuma referência

bibliográfica relacionada especificamente ao De Claris Mulieribus), nos pareceu

potencialmente proveitosa para a apreciação do texto antigo em Boccaccio. Portanto,

ao nos voltarmos a algumas passagens boccaccianas em que são apontados paralelos

com textos do autor romano, nossa proposta é de precisamente identificar se e de que

modo os excertos do texto de Boccaccio ecoam as obras ovidianas, justamente para,

num diálogo com estas, gerar junto ao leitor do De Claris Mulieribus novas

significações. Assim, no cotejo dos textos latinos respectivos, teorias de linha

intertextual aplicadas aos estudos clássicos (sobre isso cf. Vasconcellos, 2001 e 2012)

vão guiar nossa interpretação das passagens selecionadas, bem como a busca por uma

compreensão mais profunda do modo como na obra de Boccaccio em apreço se dão,

por exemplo, as relações entre moralidade e literatura. A leitura apenas pautada pela

questão da moral ou amoral boccacciana em De Claris Mulieribus (cf. Cerbo, 2001;

Morse, 1996), como mencionado logo no início desta exposição, parece já não dar

conta dos estudos sobre tal texto do autor certaldense. Isso porque a própria obra –

aparentemente –, ao remontar à Antiguidade, nem sempre o faz com efeito primordial

de alcançar uma moral cristã, como observam Hardie e Barchiesi (2010) em relação ao

texto de Decameron, a mais conhecida obra vernácula de Boccaccio. A nosso ver,

também em Sobre as mulheres famosas, a inegável presença do vetor cristão que em

várias ocasiões pode ser observado nas biografias não encobriria outras nuanças e

aspectos do seu texto, elementos merecedores de um olhar mais aprofundado. Nossa

hipótese, amparada em resultados da pesquisa de Mestrado (2011), é de que será

profícuo observar o modo como se apresentam, já em Ovídio, as relações entre moral,

poesia e retórica (Cardoso, 2005; Schiesaro, 2003), as quais se refletem na complexa

constituição de ethos do autor, recentemente associada à constituição que apresenta

Boccaccio em outras de suas obras (cf. ainda mais uma vez Barchiesi; Hardie, 2010). Na

presente comunicação, a título de exemplificação do cotejo de passagens das obras

em apreço, nossa atenção se direcionará a alguns excertos da epístola poética de Safo

(séc. VII a. C), transmitida como a de número XV nas Heróides (Heroides ou Heroidum

epistulae) de Ovídio, e à biografia da poetisa (capítulo XLVII) em De Claris Mulieribus.

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Linguística

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Valquiria Botega de Lima

Universidade Estadual de Campinas

MULHER(ES) URBANA(S) E SENTIDOS MIDIATIZADOS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

Nosso objetivo nesse momento de reflexão é apresentar, sob a forma de um resumo,

os direcionamentos principais de nossa tese, cujo andamento se encontra em estado

inicial. Interessa-nos tomar como ponto norteador que as relações que os sujeitos

estabelecem entre si são relações de sentido. A Análise de Discurso de base

pêcheutiana (AD), teoria a qual nos filiamos, procura compreender como essas

relações funcionam produzindo seus efeitos, suas significações. Para estudar os modos

de funcionamento dos sentidos na relação com os sujeitos, escolhemos como objeto

de estudo a mulher urbana. Esse é o ponto de partida que nos guiará no processo de

escrita da tese. Nessa medida, temos acompanhado que as questões que envolvem o

universo feminino e a própria mulher possuem representativo destaque no campo

televisivo. Junto a isso, temos visto que o universo urbano, bem como, a cidade

adquirem visibilidade ao serem conjugados com a mulher que aparece midiatizada. A

televisão, na conjuntura contemporânea, tem tornado visível a existência de uma

relação da mulher com a cidade e esse espaço tem aparecido como lugar de

oportunidades. A partir daí, podemos dizer que a cidade se apresenta como o lugar do

possível, o lugar que publiciza as relações que as mulheres estabelecem entre si e com

o mundo que as rodeia. Pensar a mulher na cidade é pensá-la como pertencente a um

espaço cujo significado principal é o de ser público e aberto, por sua vez, contrário ao

privado, àquilo que se restringe e se fecha. Com isso, é possível afirmar que o estar na

cidade pode ser encarado como um modo de existência do feminino, um modo de

subjetivar-se. Tendo isso em vista, buscamos compreender como, na leitura produzida

pela mídia, a mulher urbana se subjetiva, e, consequentemente, se significa no espaço

da cidade. Para trabalhar com essa questão, nós a levaremos ao ambiente escolar,

ambiente cuja característica de base é a de ser um lugar de interpretação (ORLANDI,

2003). Além do mais, segundo a autora citada, a Escola também faz parte da cidade,

em decorrência disso pratica urbanidade. Nessa perspectiva, reconhecendo que há um

laço entre o sujeito escolar e a cidade, procuramos investigar quais efeitos de sentido

são produzidos na leitura que o estudante (sujeito-aluno) faz da mídia televisiva. Mais

especificamente, estamos tratando de um dos pilares do pensamento discursivo que é

a questão da injunção à interpretação, injunção que implica colocar o sujeito na

condição de “sujeito de sentido”, porque o significar é elemento constitutivo do ser

humano, tomado, por sinal, como animal simbólico. Para realizar a pesquisa,

escolheremos entre uma ou duas Escolas localizadas na periferia de Campinas-SP e

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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promoveremos discussões (via oficinas) com alunos do Ensino Médio. Nosso arquivo é

composto pelas séries televisivas Aline, Antônia e Alice. As duas primeiras foram

produzidas e exibidas pelo canal de TV aberta Rede Globo e a terceira pelo canal de TV

por assinatura HBO Brasil. Nosso propósito não é o de trabalhar com a totalidade das

séries, mas sim, em virtude do princípio metodológico da AD, selecionar e recortar

trechos dos episódios que abordem, de alguma forma, a relação entre mulher e

cidade. Outro ponto norteador da pesquisa consiste em pensar a mulher sob a ótica do

plural. Por conseguinte, para sustentar e garantir esse raciocínio, nos valemos da

reflexão feita por Pêcheux (2011) acerca dos objetos paradoxais. Assim, olhamos o

objeto mulher urbana como paradoxal, porque traz em si mesmo a marca do

contraditório que o constitui, de tal maneira que não há como produzir um efeito

interpretativo focado somente no homogêneo. Algumas questões se revelam

operantes para o exercício de análise, perguntamos então: qual (is) visão (ões) de

cidade é (são) produzida (s) pelas narrativas seriadas? A par das especificidades de

cada mulher urbana dessas séries, quais as semelhanças e diferenças entre os modos

pelos quais são discursivizadas? A cidade de São Paulo, cenário urbano de todas as

séries, se significa, também ou não, como uma das protagonistas da narrativa,

tornando um elemento significativo junto à (s) mulher (es) urbana (s)? A propósito da

etapa de análise, é importante dizer que não somente as séries serão objeto de

estudo, mas também os textos produzidos pelos alunos em virtude das discussões e

reflexões que serão promovidas. O estudo das séries, por consequência, nos leva a

pensar na circulação de sentidos que está organizada na visão polarizante estabelecida

entre os espaços de significação centro e periferia. Sendo assim, propomo-nos, ainda,

a refletir sobre um recorte inicial feito de nosso arquivo de pesquisa que busca

mostrar a construção e disseminação de sentidos homogeneizantes em torno do que

se entende por centro e periferia. Diante da pergunta: Qual (ais) visão (ões) de urbano

é (são) produzida (s) pelas séries? é possível chegar a um imaginário social de que o

centro é o lugar da novidade, do avanço, em contrapartida a periferia é o lugar da falta

de oportunidade. Além do mais, esse jogo opositivo traz uma visão padronizada na

medida em que coloca como protagonistas do espaço central mulheres de cor branca,

enquanto que as protagonistas do espaço periférico são mulheres de cor negra.

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Linguística

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Vanderlei Martins Ribeiro de Miranda

Universidade Federal de Minas Gerais

OS CAMINHOS DA ESTRADA REAL: O LÉXICO RURAL DO MUNICÍPIO DE SABINÓPOLIS-

MG

O presente resumo aborda o estudo do léxico rural do município de Sabinópolis-MG,

tendo como base o projeto de Mestrado em andamento intitulado "Léxico e cultura:

um estudo linguístico na área rural do município de Sabinópolis-MG", projeto este sob

a orientação da Prof. Maria Cândida Trindade da Costa Seabra. Dessa forma, nosso

intuito é recolher lexias que nos permitam verificar casos de variação linguística entre

a língua padrão e o léxico rural do município em questão. Além disso, nossa intenção é

relacionar aspectos linguísticos com aspectos extralinguísticos, tendo em vista o

desenvolvimento de uma pesquisa que possa articular as questões lexicológicas com

aspectos culturais, sociais e históricos dessa região de Minas Gerais. Sobre este último

aspecto, a questão histórica, é de se considerar que o território onde se encontra hoje

a cidade de Sabinópolis fazia parte, no passado, de umas das mais antigas regiões de

Minas Gerais, a comarca do Serro Frio, e atualmente faz parte da região da Estrada

Real. Daí nosso interesse em estudar o léxico dessa região, tendo em vista que, por ser

uma região muito antiga, poderíamos encontrar aí vestígios de traços linguísticos que

nos revelassem aspectos importantes do português dos séculos XVI, XVII e XVIII, e que

se encontraria hoje em desuso, persistindo apenas em algumas regiões rurais.

Considerando ainda essa hipótese, deve-se atentar também para a possível influência

do português arcaico trazido pelos bandeirantes para essa região de Minas Gerais.

Sendo assim, a rota das bandeiras representa um marco decisivo no tocante à história

da língua portuguesa em território mineiro, sendo o estudo dessas rotas de suma

importância para os estudos linguísticos atuais, sobremaneira no que tange à pesquisa

dialetológica. Além disso, estudar a região de Sabinópolis nos parece bastante

importante pelo fato de que, por ser uma região de formação cultural, social e

linguística bastante heterogênea, tendo em vista os diversos grupos sociais que

estiveram presentes nos primórdios da chamada região cultural da mineração em

Minas Gerais – baianos, portugueses, paulistas, pernambucanos, negros e índios,

temos um léxico multicultural, rico “em termos do mundo rural”, da natureza, da

heterogeneidade social e, ainda, de vocábulos do universo da mineração,

demonstrando dessa forma a importância que essa atividade exerceu na formação

cultural e social do Estado de Minas Gerais. É consenso entre estudiosos que, por ser o

léxico a área da língua que mais reflete a cultura de uma sociedade, é por meio dele

que podemos conhecer traços importantes da língua, da cultura e da sociedade dos

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Linguística

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Uma forte justificativa, também, para a realização

desse trabalho é o fato de haver pouquíssimas pesquisas na área de lexicologia relativa

à região do Serro e da Estrada Real, realizadas na UFMG – temos conhecimento apenas

da dissertação de mestrado em andamento de Cassiane Josefina de Freitas, intitulada

"O léxico na Serra do Cipó". Para coletar e descrever o léxico dos entrevistados de

Sabinópolis e realizar posterior análise sincrônica e diacrônica, a fim de verificar a

questão da variação e mudança linguística como, também, casos de retenção,

apoiaremos nas teorias da Sociolinguística e da Linguística Histórica – em Labov (1972,

1982, 1994), Tarallo (1985) e ainda na questão das redes sociais proposta por Milroy

(1992). Por ora, no andamento do nosso trabalho, podemos dizer que já recolhemos

um número significativo de lexias que revelam aspectos interessantes da cultura,

história e vida social da região estudada, antecipando assim, algumas hipóteses que

levantamos no início de nossa pesquisa. Partindo da metodologia sugerida por Labov

(1982), foram feitas entrevistas orais com 10 moradores da zona rural de Sabinópolis.

Após a transcrição de tais entrevistas, será feito o levantamento do léxico que melhor

reflita a cultura local e posterior análise diacrônica das formas encontradas. Será feita

também pesquisa em dicionários para se verificar a existência ou não das lexias na

língua portuguesa no período compreendido entre os séculos XVIII e XX. A realização

das entrevistas não constou de um questionário com perguntas previamente

estabelecidas, mas por meio de uma conversa informal foi seguido um roteiro mais ou

menos pré-definido que abordaram assuntos relativos à vida no campo, aos hábitos e

costumes, a vida social e religiosa, assim como a sua cultura e historia locais. A escolha

dos informantes foi baseada nas normas estabelecidas pelo projeto ‘Pelas trilhas de

Minas: as bandeiras e a língua nas Gerais’, projeto da Faculdade de Letras da UFMG,

coordenado pela Professora Doutora Maria Antonieta Mendonça de Amarante Cohen

e desenvolvido entre os anos de 2003 e 2006. As normas preveem que, em condições

ideais, o falante deve: a) ter idade igual ou superior a setenta anos; b) ser oriundo

preferencialmente de localidades rurais; c) ter nascido ou passado a maior parte de

sua vida na região que está sendo estudada, e d) ter baixo grau de escolaridade ou ser

analfabeto. A escolha de tais informantes deve-se ao fato de o vocabulário usado por

pessoas enquadradas nesse perfil tender a mostrar um léxico mais próximo ao

vernacular, além de revelar possíveis retenções linguísticas. Para a transcrição das

entrevistas foi adotada também a metodologia proposta pelo já mencionado projeto

“Pelas Trilhas de Minas: As bandeiras e a língua nas Gerais”. Sendo assim, a nossa

pesquisa se caracteriza por realizar um estudo linguístico com enfoque no léxico, no

município de Sabinópolis / MG, tendo como suporte o tripé: léxico, história e cultura,

tendo como principais objetivos os seguintes: i. fazer levantamento do vocabulário

encontrado na região, por meio de entrevistas orais; ii. realizar estudo linguístico-

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Linguística

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cultural na região de Sabinópolis, tendo como enfoque a rede semântica do mundo

rural; iii. realizar a descrição de tal vocabulário coletado nas entrevistas; iv. organizar

um glossário com as lexias encontradas; v. selecionar aspectos socioculturais da região

estudada a contribuírem na futura análise do corpus; vi. buscar vestígios de

vocabulários do século XVIII e XIX que possam ser casos de retenções linguísticas; vii.

contribuir, por meio do material coletado, para a criação de um banco de dados que

auxiliará futuras pesquisas linguísticas e culturais na região.

Vera Lucia da Silva

Universidade Estadual de Campinas

CARTAS MANUSCRITAS: SUJEITO DE DIREITO NA LÍNGUA E NA HISTÓRIA

A pesquisa que desenvolvo, em nível de doutorado, tem sua materialidade produzida

em um cenário institucional repressor em que sujeitos, na posição de presidiários,

cumprem pena privativa de liberdade. A Análise de Discurso francesa que tem como

seu fundador Michel Pêcheux é o pilar teórico que me instiga e também me desafia a

trabalhar analiticamente com um arquivo de cartas produzidas na prisão e enviadas

para destinatários diversos que estão na sociedade extramuro. A pergunta norteadora

da pesquisa sobre como esses sujeitos de direito se significam na/pela língua,

materializada na produção de correspondências, me direciona a fazer um percurso

teórico, histórico e analítico, a partir da hipótese de que esses sujeitos de direito,

ideologicamente interpelados, se submetem, mas também resistem na constituição

dessa forma-sujeito histórica capitalista que se concretiza historicamente a partir da

Revolução Francesa (HAROCHE, 1992). Pensar a transição do sistema feudal para o

capitalista me auxilia a compreender como esse sujeito de direito passa a ser

necessariamente construído no novo modo de produção, passando a gerir as

condições sociais, econômicas e políticas da sociedade e que se manifestam no

discurso produzido por esses sujeitos individuados pelo Estado (Orlandi, 2002, 2010,

2011), através de suas instituições. O objetivo é traçar um percurso analítico, através

dos dizeres interpretados enquanto logicamente estabilizados, mas com pontos de

deriva que possibilitam interpretações (PÊCHEUX, 1983) nos possíveis efeitos de

sentidos produzidos pela constituição, formulação e circulação (ORLANDI, 2001) dessas

correspondências nas diversas posições-sujeitos que significam o presidiário pela

materialidade da língua na escrita. Conforme a Constituição Federal de 1988 (CF/88),

esse jeito de se comunicar (ou não) é instituído como um direito, embora não

absoluto, diante do enunciado que assegura a (in)violabilidade da correspondência. No

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Linguística

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entanto, diante de penitenciárias “devassáveis por celulares” (ORLANDI, 2004), a carta,

com todos os empecilhos burocráticos que sobre ela recai, como a demora em

despachar, a censura que controla, devassa e invade a privacidade/intimidade daquele

que a escreve e até a impede em transpor os muros da prisão, está assegurada na Lei

de Execuções Penais de 1984 (LEP/84) como um direito da pessoa presa, desde que

“não comprometa a moral e os bons costumes” (Art. 41, § XV). É nessa produção

escrita de agentes de violência que estão com o seu direito de “ir e vir” suspensos e,

por conta disso, com uma série de regras produzidas e impostas pelo Aparelho

Repressor do Estado – ARE (ALTHUSSER, 2008) que estou desenvolvendo uma análise

discursiva das regularidades que compõem esse material linguístico, dentro do limite

do que pode e deve ser feito com a folha, ainda em branco e, particularmente, da

minha situação diante de duas posições que se sobrepõe: a de funcionária e

pesquisadora. Mas não há ritual que não falhe (PÊCHEUX, 2009) e, diante do espectro

da Era do Chumbo, esses escritores resistem/subvertem, se materializam

(corporificam) no papel e, pela língua, transpõem os muros da prisão. Se não há como

resistir ao processo de interpelação; há como resistir pelas possíveis brechas e

rupturas da falha da língua na história, a esses modos de individuação (ORLANDI,

2010). Como o homem é um sujeito condenado à interpretação, não perderei de vista

a afirmação de Pêcheux (2009) de que o sentido não está na palavra literal, mas na

posição do sujeito que a diz ou escreve. Estas chegam abertas nas mãos dos agentes

do Estado, ou seja, diante da intimidade exposta, o preso cria seus mecanismos de

defesa, ora silenciando, ora usando outras palavras com sentidos criados

situacionalmente para esta situação específica. Nesse caso, a vigilância é mútua: o

agente vigia o preso; o preso vigia o agente. O agente é prejudicado pela rotina; o

preso é beneficiado por ela. Essa luta em que a norma e a lei se embatem, mas

também se imbricam, produz uma política de consenso entre a instituição e o

presidiário, enquanto sujeito jurídico requalificado pela punição e não mais pela

concretização da vingança do rei em forma de suplício (FOUCAULT, 2006). A vingança

tornou-se (in)tolerável, pois a partir da Revolução Francesa, a transparência, a

completude e a tentativa de estabelecimento de sentidos homogêneos e unívocos

pelas legislações são marcas de um novo modelo de funcionamento social. Como

afirma Haroche (1992), os agentes não são sujeitos livres, pois agem em e sob as

determinações das formas de existência histórica das relações sociais jurídico-

ideológicas que impõe a todo indivíduo a forma de sujeito. O assujeitamento, ligado à

ambiguidade do termo – livre e responsável, passivo e submisso – exprime a ficção de

liberdade e de sua vontade própria, ou seja, ele é determinado, mas, para agir, deve

ter a ilusão de ser livre mesmo quando se submete. A partir das questões

apresentadas, a análise da língua – equívoca, imaginária e opaca – formulada na

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Linguística

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escrita desses indivíduos em posição discursiva de presidiário, o sujeito diz o que diz,

se assume como autor, se representa como origem do que diz com suas necessidades,

sentimentos e expectativas. Sujeito determinado pela exterioridade, mas na forma-

sujeito histórica capitalista, ele é constituído pela ambiguidade de determinar o que

diz (ORLANDI, 2001) e é sobre esses dizeres escritos que pautarei minha análise sem

me desprender do discurso enquanto um processo contínuo que não se esgota em

nenhuma situação particular.

Victor Cavalcanti Mariano Universidade Federal da Bahia

DPS SEM DETERMINANTE NO BRASIL: O CASO DE HELVÉCIA

O processo de formação do português brasileiro (PB) sempre intrigou pesquisadores

que querem entender as diferenças entre o português falado no Brasil e o falado na

Europa (português europeu, PE). Das propostas que visam explicar as diferenças

sintáticas encontradas entre o PB e o PE, duas se destacam: uma que defende que o

contato entre línguas e o aprendizado defectivo do português pelos escravos é o

principal caracterizador do processo de formação do PB (LUCCHESI, 2003; 2009a;

2009b); outra que defende que o contato entre línguas acelerou um processo de

deriva secular do português no Brasil e que esse processo estaria somente no início na

Europa (NARO, SCHERRE, 2007). As diferenças entre o PB e o PE se concentram, na

sintaxe, principalmente, nas variações de concordância nominal e verbal. Embora essas

sejam as diferenças que mais chamam atenção, outra diferença sintática entre estas

variedades do português é percebida e pode lançar luz sobre a questão da formação

do PB: a ocorrência de DPs nus na posição de sujeito. Segundo Ribeiro e Cyrino (2010,

n/p), “conforme apontado em diversos trabalhos, nus singulares não são possíveis em

posição de sujeito em línguas como o espanhol, a menos que sejam prosodicamente

marcados”. Nas línguas românicas e germânicas que possuem artigos, a realização de

DPs nus é restrita, sendo incomum a presença de DPs nus singulares na posição de

sujeito com leitura existencial (i.e., em que indicar a existência do objeto referenciado

no discurso é o foco da sentença) ou genérica (i.e., em que o foco da sentença é

generalizar o objeto referenciado). Os exemplos abaixo ilustram tais fatos:

(1) Português brasileiro

a. Cachorro gosta de gente. (Genérico) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 7)

b. Mulher esteve discutindo política (Existencial) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 8)

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Linguística

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(2) Português europeu

a. *Cachorro gosta de gente. (Genérico) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 7)

b. *Mulher esteve discutindo política (Existencial) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 8)

(3) Inglês

a. *Child is intelligent. (Genérico) (SCHIMITT, MUNN, 1999, p. 1)

b. *Child arrived. (Existencial) (SCHIMITT, MUNN, 1999, p. 1)

O que intriga na realização de DPs nus na posição de sujeito no PB é o fato de que eles

são característicos dos idiomas crioulos, mesmo quando estes possuem artigos

definidos e indefinidos. Como pode ser observado nos exemplos abaixo, retirados do

crioulo de Cabo Verde (BAPTISTA, 2007):

(4) a. Amigu ka ta faze keli. (Genérico) (p. 77)

Amigo NEG TMA fazer isso

“Amigos não fazem isso.”

b. Nu tenha xefri ki ta leba libru ku nos. (Existencial) (p. 77)

Nós ter chefe COMP TMA levar livro com nos.

“Nós tínhamos um chefe que pegava livro conosco.”

Além dessas realizações, as línguas crioulas atestam a ocorrência de DPs nus contáveis

com referência específica na posição de sujeito da sentença, ou seja, DPs nus em que o

nome faz referência a objetos específicos no mundo. Nestes casos, é esperado que, em

línguas que possuem artigos, o nome seja acompanhado pelo artigo definido. Nas

línguas crioulas, chama atenção também o fato de os nomes nus singulares poderem

ter interpretação de singular ou de plural. A realização de nomes sem artigo, com

leitura referencial / específica, pode ser observada nos exemplos de Bapstisa (2007) do

crioulo de Cabo Verde:

(5) a. Mudjer gosta d’el, fi ka ku el ala.- Interpretação Singular (p. 77)

Mulher gostar de ele ficar com ele lá.

“Mulher gosta dele e de ficar com ele lá.”

b. Kaza di es aldeia e baratu. – Interpretação Plural (p. 71)

Casa de essa aldeia ser barato.

“As casas dessa aldeia são baratas.”

Tendo em vista o que foi dito acima, é interessante observar o fato de o PB permitir a

realização de DPs nus singulares em contextos em que praticamente só as línguas

Page 157: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística

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crioulas permitem, como nominais com leitura genérica ou existencial na posição de

sujeito sentencial. É ainda mais relevante a observação de que, em algumas variedades

do PB, notadamente aquelas faladas por brasileiros afrodescendentes que vivem em

comunidades rurais isoladas, é comum encontrar registros de ocorrências de DPs nus

com leitura referencial / específica, como os encontrados nos inquéritos de Helvécia

no curso do meu mestrado. Tal fato pode ser evidenciado através dos exemplos

abaixo, retirados do inquérito HV-15:

(6) a. E nasceu, e criô, casô... tá no lugá, marido morreu...

b. Mar Bento já ficô com medo, pensava que... que onça ia...levantá. e ele foi de

fofotano, assim...que aí, mair na frente, pegô o picado, ó... Pisô pra fora, e chamô a

gente de ir pra lá e...

Assim, o estudo aqui realizado, analisa os inquéritos HV-15 e HV-16 do corpus do

Português Afro-brasileiro, acervo do Projeto Vertentes do Português Popular do

Interior do Estado da Bahia, coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi da Universidade

Federal da Bahia, com base no Programa Minimalista da Gramática Gerativa

(CHOMSKY, 1995), a fim de descrever os contextos sintático-semânticos em que não

ocorrem determinantes antes dos nominais nos corpora estudados. Além disso, busca-

se também fazer a análise dos contextos em que o determinante ocorre antes dos

nominais, a fim de que se possa fazer um esboço da estrutura dos DPs na fala das

habitantes de Helvécia.

Wellington da Silva

Universidade Estadual de Campinas

ANÁLISE FONÉTICO-ACÚSTICA DA EXPRESSIVIDADE DE EMOÇÕES EM DEPOIMENTOS

REAIS.

As emoções humanas podem ser expressas de várias formas. Apesar de serem as

expressões faciais mais investigadas, a expressão das emoções pela fala recebeu muita

atenção nas últimas décadas, em parte por causa do desenvolvimento de meios de

comunicação como o rádio e o telefone e, mais recentemente, de sistemas de síntese

de fala e de reconhecimento automático do falante. O termo “emoção” pode ser

facilmente confundido com outros afetos (como as atitudes). Desse modo, é

importante deixar claro a noção de “emoção” adotada neste trabalho. William James,

em seu clássico artigo de 1884 “What is an emotion?” (publicado no periódico Mind),

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Linguística

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define emoção como a experiência que temos das diversas alterações corporais que

sofremos ao presenciar certo evento no ambiente. Ao fenômeno de presenciar um

evento no ambiente deu-se, posteriormente, o nome de avaliação (appraisal). De

acordo com essa visão, o processo de avaliação informa ao organismo as

características do ambiente, deixando-o apto a agir sobre elas. Segundo Scherer

(“Psychological models of emotion”, 2000) as emoções diferem dos demais estados

afetivos por serem intensas e de curta duração, caracterizadas por um alto grau de

sincronismo de quase todos os subsistemas do organismo, produzidas através de uma

avaliação cognitiva do organismo sobre eventos externos e internos e também por se

alterarem rapidamente. Scherer desenvolveu um modelo teórico para explicar como o

processo de avaliação opera: o modelo de processos componenciais. Essa teoria

postula que os diversos subsistemas de processamento de informação do organismo

(cognitivo, motivacional, fisiológico e motor) continuamente checam estímulos

internos e externos através de critérios definidos, os SECs (Stimulus Evaluation

Checks), os quais ocorrem em uma ordem fixa. O autor especifica os seguintes SECs:

verificação de novidade, verificação de prazer intrínseco, verificação da relevância do

estímulo para as metas/necessidades do organismo, verificação do potencial de

controle do organismo sobre o evento e verificação da compatibilidade do evento com

normas sociais e internas ao organismo. Os resultados dos SECs terão influência no

sistema nervoso somático e no sistema nervoso autônomo do organismo. Este último

tem um efeito direto na fala, já que é responsável por controlar a respiração e a

salivação. O sistema nervoso somático, por sua vez, está relacionado com o controle

voluntário dos músculos. Os efeitos dos SECs no corpo alteram alguns parâmetros

acústicos da voz. As pesquisas sobre fala expressiva buscam, portanto, descobrir quais

parâmetros acústicos caracterizam cada emoção (assumindo que as emoções possuem

padrões específicos de mudanças nos parâmetros), bem como quais parâmetros são

usados pelos ouvintes para inferir o estado emotivo do falante. Os parâmetros mais

investigados na literatura são aqueles relativos à vibração das pregas vocais

(frequência fundamental), ao tempo (taxa de elocução e duração de enunciados e

pausas), à intensidade (quantidade de energia no sinal de fala) e à qualidade de voz

(distribuição da energia no espectro de frequência). É assumido que cada emoção é

constituída por um conjunto de dimensões ou primitivos emocionais. As dimensões

mais estudadas são: ativação, valência e dominância. A ativação diz respeito ao grau

de atividade do organismo, indo de calmo a agitado. Por sua vez, a valência tem a ver

com o grau de prazer que o evento oferece, sendo as emoções comumente

distinguidas nessa dimensão em positivas ou negativas. Por fim, a dominância refere-

se à possibilidade do organismo em lidar com a situação. A alternativa de se usar

dimensões evita o problema da confusão que pode ocorrer com os itens lexicais,

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Linguística

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sobretudo para emoções da mesma família (por exemplo, medo, pânico e ansiedade

são considerados como sendo da mesma família). A presente pesquisa tem por

objetivo determinar quais medidas acústicas melhor discriminam (e identificam) as

emoções expressas em trechos de fala extraídos de depoimentos reais e em que grau

elas são afetadas pelo estado emotivo do falante. Também será investigada a relação

entre as respostas dos sujeitos em testes de percepção e os valores obtidos para os

parâmetros acústicos medidos, com a finalidade de investigar em quais “pistas

acústicas” os sujeitos se baseiam para identificar o estado emocional do falante pela

sua voz. Os trechos de fala a serem utilizados serão extraídos de depoimentos reais,

contidos no filme nacional de estilo documentário “Jogo de cena”, que foi dirigido por

Eduardo Coutinho e estreou em 2007. Serão conduzidos dois tipos de teste de

percepção: usando itens lexicais emotivos e usando dimensões emocionais. No

primeiro, serão apresentados aos juízes os trechos de fala e estes deverão selecionar

um item lexical daqueles apresentados para “nomear” a emoção sentida pelo falante

do trecho. No segundo tipo, após ouvirem cada trecho de fala, os juízes deverão

classificar cada primitivo emocional em uma escala graduada de 1 a 5, podendo

escolher valores intermediários, de acordo com o grau do primitivo que o falante do

trecho apresentou. Desse modo, será possível investigar qual das duas alternativas

(itens lexicais afetivos stricto sensu ou dimensões) resulta em uma porcentagem de

reconhecimento das emoções maior pelos juízes e se as dimensões são interessantes

para descrever estados emocionais. As classes de parâmetros a serem medidas são:

frequência fundamental (f0), primeira derivada de f0 (df0), intensidade, inclinação

espectral (SpTt: spectral tilt) e Espectro Médio de Longo Termo (LTAS). Dessas classes

serão medidos os seguintes descritores estatísticos: f0: mediana, interquartil,

semiamplitude, quartil 0,995 e assimetria (skewness); df0: média, desvio-padrão e

assimetria; intensidade: assimetria; SpTt: média, desvio-padrão e assimetria; LTAS:

desvio-padrão. Essa etapa será realizada automaticamente por meio de um script para

o programa PRAAT (http://www.praat.org) implementado por Barbosa (2009). A

coerência entre as respostas dos juízes obtidas com o teste de percepção será avaliada

através do teste estatístico “Inter-Rater-Reliability”. As dimensões serão submetidas a

uma análise de PCA (Principal Component Analysis), a fim de reduzir o número de

dimensões para apenas as mais expressivas. Finalmente, os fatores de PCA serão

correlacionados com os valores obtidos para os parâmetros acústicos, através da

análise de regressões múltiplas.

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Linguística Aplicada

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Adolfo Tanzi Neto

Universidade Estadual de Campinas

NOVOS ESPAÇOS E TEMPOS E AS CONTRIBUIÇÕES DO CONCEITO DE CRONOTOPIA E

REMEDIAÇÃO

Desde o início da evolução da internet, são frequentes as discussões sobre as questões

de participação dos usuários nos meios tecnológicos. Wikipedia, YouTube, Twitter,

Facebook, Tumblr são sites que protagonizam esse cenário: usuários de diferentes

partes do mundo colaborativamente discutem diferentes temas; constroem novos

espaços de socialização; debatem sobre política, ética, sociedade; dividem

experiências, conhecimentos etc. Entretanto, o grande entrave tem sido quando

tentamos levar essa colaboratividade/participação para o campo da educação.

Acreditamos que um novo olhar deva ser colocado sobre essas questões, a simples

transposição didática do presencial para o digital não nos parece ser suficiente, sendo

assim, acreditamos que as contribuições dos estudos cronotópicos e remediação

possam nos levar a novas reflexões para a educação mediada por novas tecnologias.

Novas ferramentas são constantemente disponibilizadas para professores no mercado

das tecnologias digitais educacionais, sendo elas chats escolares, ambientes virtuais de

aprendizagem, wikis para escrita colaborativa, redes sociais educacionais etc., todas

com o objetivo maior de que o usuário participe, colabore, compartilhe e construa

conhecimento. Percebemos, hoje, uma grande frustração por parte dos professores ao

propor o uso de ferramentas tecnológicas da web nos ambientes escolares devido à

falta de interesse de participação dos alunos, seja em fóruns de bate-papo,

ferramentas colaborativas ou ambientes virtuais de aprendizagem. O fato é que, na

maioria dos casos, a interação do aluno com o objeto de estudo na web não se dá com

tanta facilidade como se é esperado por esses educadores. Nesse sentido, vem bem a

propósito as considerações de Lemke (2004) de que as práticas culturais e normas da

sociedade e o modo como isso está imbuído no hábito de nossos corpos, nossa

disposição para ação, as ferramentas que nos são providas e as arquiteturas que nos

vivemos tendem a convencionalizar, se não transformar em rotina, as formas nas quais

nós agimos em diferentes lugares, nos movemos de lugar pra lugar, de contexto a

contexto no curso do dia, da semana, ou mais, e fazemos uso do lugar e

experimentamos espaço e tempo no cruzamento desses contextos.Para o autor,

nossas práticas culturais tendem a convencionalizar certas ações, dessa forma,

acreditamos que, no campo educacional, muitos profissionais e escolas estão apenas

fazendo uma convencionalização de um ambiente escolar tradicional para o digital,

partindo-se de um deslumbramento de ferramentas e equipamentos disponíveis no

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Linguística Aplicada

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mercado atual. Diante disso, é pertinente olhar para esses contextos de aprendizagem

na web sob novas perspectivas. Para tanto, as contribuições dos estudos cronotópicos

e das questões de remediação são de grande valia para explorar essa problemática.

Bakhtin escreve sobre as questões de cronotopia, mencionando a Ágora na clássica

Atenas, os salões e bulevares de Paris do século XIX como arenas para discursos orais e

escritos. Sendo assim, na contemporaneidade a Ágora, os salões e os bulevares

parisienses se dão nos meios tecnológicos em ambientes virtuais, onde hoje são as

nossas arenas para discursos orais e escritos, ou seja, foram o que chamaremos de

remediados por meios tecnológicos. Para Bolter e Grusin (2000), os novos meios

tecnológicos reusam meios e espaços anteriores. Como a pintura para a fotografia, o

romance para o cinema, o telefone para a teleconferência, a imprensa para o

hipertexto eletrônico, com esse reuso, uma nova redefinição do meio se faz

necessária, mas não há, necessariamente, uma conexão entre elas, essa conexão

poderá acontecer se o leitor ou expectador conhecer as duas versões, por exemplo, a

leitura de um livro com o filme do mesmo no cinema, as características de uma pintura

para a sua fotografia, etc. Para tanto, a representação de um meio para outro é o que

os autores chamam de remediação, que é parte característica dos novos meios digitais.

É inquestionável a intensa interatividade nos meios digitais, temos grandes sites onde

milhões de internautas discutem um tema, mudam a política de um país, transformam

a cultura de um povo, desenvolvem novas ferramentas de acesso e de uso para as

redes, etc. Se olharmos para a educação nos meios tecnológicos e em seus atos de

remediação até o momento, percebemos que houve apenas uma transposição do

ambiente escolar presencial para o virtual. Bostad (2004) aponta para a eminente

necessidade de se pensar na educação mediada pelos meios tecnológicos, já que,

devido as TICs, nossas falas aparecem de novas formas, discurso eletrônico, por

exemplo, que gera novos objetos ou significantes de interpretação ambos para

pesquisar, para se comunicar em organizações ou para comunicações do dia a dia.

Entretanto, temos que lidar com uma demanda cada vez mais complexa. Nosso

mundo, como essa nova dimensão eletrônica, se torna a cada dia um ambiente mais

complexo, ou semiosférico em Lotman (1990) num senso de novos símbolos ou signos.

Esse mundo de novos signos demanda do indivíduo uma grande capacidade para lidar

com esses símbolos, o que deva ser letramento ou até mesmo a uma competência

interpretativa. Em ambas as instituições, trabalho e escola, temos experenciado uma

mudança de atividades face à face para atividades baseadas em símbolos em telas de

computador que (co)manipulam as normas, criando uma grande demanda de

participação do indivíduo nas habilidades de leitura e escrita. Para Lemke (2004), o

entendimento dos cronotopos é essencial para o design de ambientes educacionais e

mídias educacionais interativas, só assim teremos um cronotopo novo para um

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Linguística Aplicada

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homem novo – o da contemporaneidade que está inserido e novas formas de relações

humanas. Devemos lembrar que as Ágoras da clássica Atenas e os boulevards da Paris

dos século XIX foram hoje remediados por meios tecnológicos que criaram novos

cronotopos. Devemos repensar nos atos de remediação educacional para que o

mesmo aconteça na educação mediada pela tecnologia, pois estamos em uma nova

temporalidade e que deverá estabelecer diferentes transformações, uma renovação

dos sentidos do passado e a criação de sentidos futuros, que agora se inscrevem em

um novo espaço-tempo aberto às novas e constantes transformações.

Ana Elisa Toledo Lima Nascimento

Universidade Estadual de Campinas

AOS OLHOS DOS OUTROS: MUNDO ATRAVÉS DAS LENTES MIDIÁTICAS.

A TRADUÇÃO EM RELATO MIDIÁTICO

Na atual conjuntura tecnológica, fatos selecionados e noticiados vêm ganhando novas

formas de reprodução. Em vez de utilizar um único meio, multiplataformas midiáticas

são empregadas para a divulgação de acontecimentos e para a ampliação do público

receptor. No entanto, há de se considerar que cada um desses suportes sofre não

apenas influências de fatores externos – como situação histórico-social e contexto

geográfico-cultural –, mas também internos –critérios de noticiabilidade e linha

editorial. A ação desses fatores de influência reflete-se tanto na seleção das notícias,

nas abordagens e enfoques, quanto nas edições e traduções dos textos jornalísticos de

diferentes meios de comunicação. Em seu livroTranslation in Global News, Susan

Bassnett (2009) chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, não paramos para

refletir a respeito do longo caminho que se pode mapear entre a ocorrência de um

fato e sua chegada até nós; situação que deveria merecer toda a nossa atenção.

Segundo afirma Armand Mattelart (2005), em Diversidade Cultural e Mundialização,

quando em um cenário no qual tudo parece ter uma relação essencial com o mundial –

a economia, o direito, as normas, as finanças, as comunicações, as redes associativas,

as ciências, as letras e as artes – o movimento para incluir as sociedades em tal relação

parece tão irresistível que se torna espelho de uma consciência universal, articulada

em outros níveis geográficos, e que acabam por resultar em uma tensão não somente

entre o global e o local, mas a partir de um global que já se apresenta fragmentado e

no qual a tradução – considerando a multiplicidade de línguas e a posição de língua

franca assumida pelo inglês – passou a ocupar o posto de “mediador chave da

comunicação global” (BASSNETT, 2009, p.18). Pelas línguas de tradução transitam não

Page 163: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística Aplicada

163

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

apenas informações e acontecimentos, mas também (e principalmente) mitos, contos,

histórias e culturas. O presente trabalho tem como objetivo estudar a relação

globalização-tradução, abordando o modo como o fenômeno global vem interferindo

nos estudos de tradução, em especial seu funcionamento mais atual no ambiente

midiático. Em nosso estudo, partimos da constatação da existência de um filtro entre

um acontecimento e seu relato na imprensa (diversas formas de narrar o “fato ”), de

modo que a leitura que recebemos dele é, a exemplo das diversas traduções de um

mesmo texto, apenas uma entre muitas que um “mesmo” fato noticioso pode receber.

Assim, no intuito de melhor entendermos o posicionamento de cada mass media

diante dos eventos noticiados, bem como suas ideologias, propormo-nos a estudar as

linhas editoriais e sua influência na divulgação das traduções, através de entrevistas

com profissionais do meio midiático, sendo um dos focos de nosso questionamento a

formação dos profissionais responsáveis pelo processo tradutório. O estudo das

traduções será realizado com base em conceitos formulados por teóricos das linhas

pós-estruturalista como Rosemary Arrojo (1993, 1998, 2000 e outros), Lawrence

Venuti (1995, 1998, 2000, 2002, 2008); e no que Susan Bassnett (2009) chamou de

“escuta local”; escuta que para a maior parte dos brasileiros passou por uma tradução

não diretamente do inglês para o português, mas filtrada também pelas linhas

editoriais dos meios de comunicação. A percepção do envolvimento de parâmetros

culturais durante o processo de tradução de notícias entre fronteiras internacionais faz

com que enxerguemos que mais importante do que discutir o uso de estratégias de

domesticação ou estrangeirização (tradução que se mostra familiar para o leitor ou

que exige dele um esforço para se aproximar do estrangeiro) é compreender a visão

que um país (fonte) tem do outro (alvo), de sua cultura, costumes e valores; é a

“preocupação em entender o ‘outro’” (DENZIN & LINCOLN, 2006, p.15). Diante desse

panorama e ciente do papel exercido pelo jornalismo como organizador de perfis

culturais da sociedade, acreditamos ser importante (mais) uma reflexão sobre a

responsabilidade do tradutor no cumprimento de sua tarefa. Todo ato tradutório

implica uma escolha, uma preferência por essa ou aquela palavra, expressão ou verbo.

No entanto, quando o tradutor opta por um termo em detrimento de outro, omite um

relato que julga irrelevante ou adapta parte de uma notícia, ele talvez não tenha

consciência das possíveis consequências de suas escolhas tradutórias ou,

simplesmente, não entenda toda a responsabilidade embutida em sua tarefa.

Primeiramente, ele está lidando com a língua de um povo a qual, mais que um sistema

gramatical pertencente a um grupo de indivíduos e parte integrante da identidade de

uma comunidade, é a expressão de seus valores e de seu espírito (BURKE, Peter, 1993,

p. 10). Em segundo lugar, a tradução procede de acordo com um double-bindque lhe

concede o potencial de produzir efeitos sociais de amplo alcance, e possui um enorme

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Linguística Aplicada

164

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

poder de construir representações de culturas estrangeiras (VENUTI, 2000, p.173-174).

Em trabalho mais recente, Venuti chama a atenção para o fato de que “a recepção de

uma tradução, como de qualquer produto cultural, não pode ser completamente

controlada, até porque o público tende a ser fragmentado em diversos camadas

culturais caracterizados por valores diferentes e mesmo conflitantes” (2008, p. 22).

Assim, talvez devêssemos considerar que mais que a transmissão dos fatos noticiados,

“o que emerge quando começamos a observar as maneiras como as notícias são

traduzidas mostra-nos que a tradução é muito mais que isso” (BASSNETT, 2009, p. 1).

Andrea Barros Carvalho de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

O IMPACTO DO ENEM NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE

O EFEITO RETROATIVO

As políticas educacionais brasileiras são elaboradas por instâncias superiores como

ministérios, secretarias estaduais e municipais ou órgãos ligados a estes sem a

participação dos demais envolvidos no processo educacional: professores, estudantes,

coordenadores, diretores e pais (Garcez, 2011). As decisões tomadas na esfera política

geralmente resultam em reformas educacionais, planos e resoluções com força de lei

que chegam à escola pública de maneira impositiva em forma de programas a serem

aplicados pelos professores. Dentro deste caráter intervencionista das políticas

educacionais, deu-se a criação e a utilização, em larga escala, de exames externos

como a Prova Brasil, a Provinha Brasil, o Saeb, o Enem e o Enade, cujos resultados são

utilizados na avaliação da educação básica e do ensino superior e orientam a adoção

de novas ações governamentais para a educação (http://portal.mec.gov.br, acesso em

16-08-2011). No caso do Enem, criado na década de 90 como parte da reforma

educacional do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, propôs-se

inicialmente um exame de caráter voluntário cuja finalidade era fornecer dados ao

governo sobre a situação do ensino médio (Lima, 2005). Atualmente, no entanto, o

exame vem ganhando maior notoriedade e importância no cenário educacional com a

adesão crescente de candidatos alavancada por medidas adotadas pelo MEC. Desde

2009, o Enem passou a ser usado com as seguintes finalidades: a) como condição

imprescindível para pleitear bolsa de estudos no Pro Uni; b) como forma de seleção

única em 51 instituições de ensino superior públicas através do Sistema de Seleção

Unificada (SISU); c) como prova de conclusão do Ensino Médio para estudantes

maiores de 18 anos matriculados no EJA (Educação de Jovens e Adultos); d) como item

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Linguística Aplicada

165

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

obrigatório para solicitação de FIES (Financiamento do Ensino Superior)

(http://portal.mec.gov.br, acesso em 16-08-2011). Além disto, as Instituições de

Ensino Superior (IES) públicas e privadas vem sendo incentivadas pelo MEC a adotar o

Enem como substituto ou como componente de seu processo seletivo. Desta forma,

notamos que na atual política educacional do governo federal há um empenho em

transformar o Enem em um exame de entrada unificado para as instituições de ensino

superior públicas e privadas. O objetivo deste trabalho é realizar um levantamento

acerca da expectativa de acesso ao ensino superior por parte de alunos egressos das

escolas públicas e, sobretudo, investigar a existência e a natureza de um possível efeito

retroativo (Alderson e Wall, 1993) do Enem nas práticas educacionais que o precedem,

neste caso, especificamente no ensino de língua inglesa na escola pública. Neste

sentido, nos interessa saber se o exame exerce algum tipo de influência nas crenças de

professores e estudantes sobre o ensino e a aprendizagem de língua estrangeira e se

têm ocorrido mudanças nas práticas de ensino de língua inglesa no ensino médio

visando a uma preparação para o exame. O efeito retroativo é um fenômeno complexo

cuja “natureza e abrangência são controladas por uma ampla gama de fatores

educacionais, individuais e sociais. Fatores que também incluem o contexto político

em que um dado teste foi introduzido, o conhecimento, atitudes e crenças dos

professores, diretores, o papel dos elaboradores do teste, as relações entre os

participantes e os recursos disponíveis” (Chapelle e Brindley , 2002, p.280). O ensino é

um fenômeno multifacetado uma vez que compreende as dimensões social, ética e

política, além de ser diretamente influenciado por características individuais dos

participantes tais como fatores afetivos, cognitivos, atitudes e crenças. Santos Guerra

(2003, p.18) afirma que a avaliação deve sempre levar em conta “as condições em que

se produz a formação, não podendo ser considerada como um fenômeno alheio,

sobreposto, acrescentado e descontextualizado”. Ademais, avaliar é também um

fenômeno moral na medida em que suas repercussões terão sempre um impacto e

consequências para os avaliados, para as instituições e para a sociedade. Para atender

aos objetivos propostos, realizaremos uma pesquisa exploratória de cunho etnográfico

recorrendo à observação de aulas e ao uso de questionários e entrevistas com

professores e estudantes de escolas públicas do estado de São Paulo. Também

procederemos a uma análise do conteúdo das questões de língua inglesa do Enem e de

seus pressupostos teóricos tomando como base sua adequação aos objetivos

educacionais para o ensino médio estabelecidos nos Parâmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio. Outros estudos sobre a avaliação em língua

estrangeira, especificamente sobre exames de entrada, já foram realizados no

contexto brasileiro (Gimenez 1999; Scaramucci, 1997, 1999, 2002; Correia, 2003;

Retorta, 2007; entre outros). Entretanto, nenhum estudo, até onde sabemos, enfocou

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

o Enem e sua relação com o ensino de língua inglesa na escola pública. Entendemos

que existam outras contingências além dos exames externos atuando sobre o trabalho

dos professores de língua inglesa na escola pública. Entretanto, mesmo em face de

dificuldades e de limitações, o ensino de língua inglesa na escola pública, na maioria

das vezes, é a única fonte de instrução e de contato com esta LE para uma vasta

parcela da população estudantil brasileira. Entendemos que Linguística Aplicada (LA) é

uma ciência que se propõe a pesquisar e a teorizar a linguagem de forma

contextualizada e situada, e por isso, ela tem uma função preponderante no

entendimento e na busca de respostas pedagógicas para o ensino de LI na escola

pública. Neste sentido, Rojo (2006, p.258) indica que, no fazer atual da LA brasileira, já

superamos um momento de aplicar teorias emprestadas para testá-las; o nosso foco

passa a ser nos “problemas com relevância social suficiente para exigirem respostas

teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma

melhor qualidade de vida”.

Cristina Fontes de Paula Costa

Universidade Estadual de Campinas

O GÊNERO RESUMO NA UNIVERSIDADE: POSSÍVEIS DIÁLOGOS

Este trabalho prevê a análise de resumos produzidos por alunos de primeiro ano de

diversos cursos de graduação que, por dificuldades em leitura e escrita, participaram

das oficinas do Programa de Apoio à Aprendizagem (PROAP), de uma Universidade

particular de Campinas. São analisados os resumos produzidos no primeiro dia das

oficinas, aplicados sem explicação prévia do gênero, procurando-se detectar, através

de indícios, diálogos entres os resumos e o texto-base e outros gêneros e discursos. À

luz dos conceitos de gêneros do discurso e dialogismo de Bakhtin (1990, 1992), o que

se nota é que “a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o

discurso (...). Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso

se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de

uma interação viva e tensa.” (BAKHTIN, 1990, p. 88). Consideramos, a partir de Bakhtin

(1992), que todo enunciado é uma resposta ativa a outros e, portanto, o resumo seria

uma resposta ao texto base e a outros textos/discursos. A metodologia usada é o

paradigma indiciário, “capacidade de, a partir de dados aparentemente

negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável

diretamente” (GINZBURG, 1989, p. 152), apropriado para analisar a complexa relação

entre sujeito e linguagem. Com um olhar de Sherlock Holmes para o texto, buscamos

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Linguística Aplicada

167

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

por pistas, singularidades que nos apontem para os possíveis diálogos. Além disso,

adotamos o olhar do pesquisador enquanto decifrador, que não vai ao texto sem

nenhuma questão a ser respondida, sem nenhuma hipótese, já que “as pistas

linguísticas não se oferecem espontaneamente ao desejo do analista.” (CORRÊA, 1997,

p. 5). As hipóteses, portanto, foram sendo construídas a partir de nossa visão de

linguagem, de nossos pressupostos teóricos. Não vamos ao texto, contudo, com um

olhar verificador, já que as hipóteses também vão sendo construídas a partir dos

dados, o que seria, segundo Fiad (2006), uma vantagem de se utilizar o paradigma

indiciário, que possibilitaria trabalhar “com os fenômenos ‘anormais’ mais do que com

a norma, com a possibilidade de ir em busca de explicações mais do que tentar

encontrar evidências para explicações já existentes.” (FIAD, 2006, p. 154). Como

pressupostos teóricos, utilizamos o conceito de letramento, dentro dos Novos Estudos

do Letramento (STREET, 2003), que o consideram “práticas, social e culturamente

determinadas” (KLEIMAN, 1995, p. 21). Utilizamos também o conceito de letramentos

acadêmicos, criado também no contexto dos Novos Estudos, que veem o contexto da

universidade como um meio constituído por várias práticas, permeadas por relações

de poder e de identidade (LEA, STREET, 2006). As pesquisas sobre letramento

acadêmico reconhecem, portanto, a complexidade das práticas de escrita nas

universidades, não julgando-as como “boas” ou “más”, o que também não é o objetivo

deste trabalho. Consideramos também pesquisas sobre o gênero resumo, sobretudo

Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2005) e Silva e da Mata (2002). Estas pesquisas

descrevem resumos de várias esferas, como o resumo de novelas, boxes de

reportagens, sinopse de filmes, orelha de livros etc., distinguindo esses resumos do

resumo escolar, tido como um instrumento de avaliação de leitura e escrita. As

discussões do resumo na esfera escolar apontam como suas principais características o

desejo de neutralidade e objetividade e, portanto, a importância da demarcação da

voz do autor (gerenciamento de vozes, segundo Machado, Lousada e Abreu-Tardelli,

2005) e o professor como único interlocutor. Primeiramente, é feita uma discussão

acerca do texto base, “Uma ecologia espiritual”, de Marcelo Gleiser, publicado na

Folha de São Paulo, caderno Ciência, em 15/08/2010. Podemos perceber vários

diálogos, como o diálogo com a ciência, com os discursos cristalizados que veem a

ciência e a religião como coisas opostas, com os discursos de preservação do meio

ambiente. Esses diálogos tornariam mais complexa a produção dos resumos, já que os

alunos teriam que lidar com várias vozes. Indo para a análise, procuramos identificar

quais as características do resumo produzido naquela situação, observando como os

alunos lidaram com o gênero. Analisamos a forma como o aluno se coloca no texto, se

ele se põe como autor da discussão e como ele lida com a voz do autor, a sua própria e

outras vozes presentes no texto base, como já discutido anteriormente. Com um olhar

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Linguística Aplicada

168

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

indiciário para os dados, pudemos identificar um diálogo predominante: o diálogo com

a instituição escolar e suas práticas tradicionais de leitura e escrita, sobretudo com os

gêneros redação escolar, a partir do uso de argumentos do senso comum (PÉCORA,

1992) e uso do texto base como coletânea, e o gênero resumo escolar, a partir da

cópia e da leitura orientada para partes do texto, a fim de detectar as ideias principais.

A partir da análise podemos, portanto, tecer algumas considerações: os alunos fazem

diferentes diálogos, baseados em diferentes leituras, e se apegam a diferentes partes

do texto, guiados por suas leituras, experiências e conhecimentos precedentes (KOCH

& ELIAS, 2006). Os alunos produtores dos resumos analisados respondem à instituição

escolar, às suas práticas de leitura e escrita e a seus gêneros e isso faz com que essa

seja a concepção de resumos deles nessa situação. Assim, o diálogo predominante

com as práticas escolares remete ao momento histórico dos alunos, ingressantes na

universidade, que não se desvencilham de uma hora para outra de práticas anteriores,

já que estas são constituintes do próprio sujeito.

Cynthia Agra de Brito Neves

Universidade Estadual de Campinas

OS GÊNEROS POÉTICOS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O

BRASIL E A FRANÇA

A tese de doutorado em andamento, em seu primeiro capítulo, faz uma pesquisa

histórico-comparativa a fim de contextualizar as raízes do ensino de língua portuguesa

no Brasil e do ensino de língua francesa na França, atentando para o momento em que

o ensino de Literatura se topicaliza como disciplina específica dentro do ensino das

línguas. O objetivo nesse primeiro momento é identificar heranças e influências da

pedagogia francesa na formação do nosso ensino, sobretudo em meados do século

XIX. O segundo capítulo direciona o olhar para o ensino de poesias na

contemporaneidade, discutindo, antes de tudo, a definição – polêmica, por excelência

– de “gêneros poéticos”: que variações são consideradas poéticas, que “gêneros” são

considerados hoje “poéticos” (sempre no plural) e, como tais, trabalhados nas escolas

de Ensino Médio no Brasil e na França. Para tecer essa discussão teórica, tomaremos

como referenciais Bakhtin (1997), Baroni e Macé (2006), Macé (2004), Genette, Jauss,

Schaeffer, Scholes, Stempel e Viëtor (1986). O terceiro capítulo investiga a presença

dos assim considerados “gêneros poéticos” em documentos oficiais estabelecidos pelo

Ministério da Educação de ambos os países. Nessa etapa, pretende-se apresentar as

políticas públicas que regem o Ensino Médio no Brasil e o Lycée na França, isto é,

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Linguística Aplicada

169

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

apresentar os respectivos currículos oficiais. É objetivo desse capítulo, também,

explicar as avaliações do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Baccalauréat

(BAC) – exames nacionais aplicados no final do Ensino Médio brasileiro e no final do

segundo ("le première") e do terceiro anos ("le terminale") do Lycée francês –,

contextualizar o nascimento desses exames e sua atual constituição, atentando para a

forma como essas provas se propõem a avaliar aquilo que é determinado pelos

currículos nacionais de ambos os países. A ideia é observar e comparar como os

exames BAC e ENEM dos últimos dois anos tratam os gêneros poéticos. No quarto

capítulo, dá-se a vez aos procedimentos metodológicos da pesquisa de campo

realizada ao longo de 2011 em salas de aula de dois Lycées de Grenoble, na França.

Como pesquisadora-observadora, acompanhei atividades que envolviam a circulação

dos gêneros poéticos em classes do Ensino Médio francês, a fim de estabelecer

comparações com as dinâmicas realizadas e também observadas em dois colégios do

interior de São Paulo no Brasil ao longo de 2010 e 2012. Aplica-se, portanto, uma

metodologia de geração de registros e análise crítica dos dados (MOITA LOPES, 1999,

2002, 2003) uma vez que se trata de uma pesquisa qualitativa, de cunho subjetivista e

interpretativo, baseada em observações da pesquisadora em sala de aula e no uso da

triangulação (observações, documentos, entrevistas). Mais especificamente, a

pesquisa focaliza os seguintes aspectos: i) a formação ideológica do ensino no Brasil e

na França; ii) a questão do sujeito aluno-leitor-receptor do poético cá e lá; iii) os

interdiscursos: o que dizem os professores sobre o poético em sala de aula, o que

dizem sobre os currículos oficiais e o que dizem em classe sobre o BAC e ENEM, ou

melhor, como esses exames são apresentados e trabalhados com os alunos, com foco

também na forma como estes recepcionam as poesias e como se relacionam – seja

através da leitura ou da escrita – com os gêneros poéticos. O quinto capítulo dedica-se

à descrição e à análise dos dados. "Entre les murs" dos Lycées franceses, foi possível

constatar algumas semelhanças com as nossas práticas pedagógicas como, por

exemplo, o excesso de apelo a critérios formais e a busca pelas figuras de estilo nas

análises poéticas realizadas em sala de aula ou propostas pelos livros didáticos

franceses e brasileiros, tal como criticam Petit (2002) e Fontes (1999),

respectivamente. Na conclusão de Rouxel (2004), o Lycée transformou a leitura em

uma prática formal, dissecante, longe de desenvolver a sensibilidade dos alunos. Em

território francês, a avaliação da leitura poética em voz alta ("lecture expressive"), bem

como a produção de um tipo de texto chamado "commentaire composée" – ambas

exigências do BAC – também contribuem para distanciar os alunos do “prazer do

texto” poético (BARTHES, 2006). Na contramão desse sistema institucional poderoso e

controlador de discursos (FOUCAULT, 2006) – como tem se constituído a escola ainda

em pleno século XXI –, os alunos tentam, no limite, escapar aos ditames desse exame

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

nacional que, por sua vez, moldam o ensino-aprendizagem da língua e literatura

francesas, assim como o ENEM brasileiro em território nacional. Nesse sentido, ousam,

desafiam e surpreendem os docentes. Em algumas dessas dinâmicas, de que participei

como professora-pesquisadora no Brasil e na França, foi possível perceber que os

alunos se constroem como sujeitos leitores de uma leitura subjetiva, singular,

individualizada e, assim, fugem à convenção escolar que, em geral, oprime ou

marginaliza esse tipo de leitura subjetiva."Les poésies", "l’école" ( MARTIN, M. C.;

MARTIN, S., 1997), dois territórios, aparentemente tão avessos, podem conjugar-se em

razão desse sujeito-leitor-aluno – o que também foi testemunhado em sala de aula de

literatura francesa durante a leitura das poesias de "À lumière d’hiver", de Philippe

Jaccottet. Ao tematizar a morte de maneira tão intensa e tão sensível, aquelas poesias

emocionaram visivelmente duas alunas presentes na sala de aula, cujos pais estavam

muito doentes. Ambas e cada qual na sua dor (se) leram, (se) disseram, (se)

escreveram nas poesias de Jaccottet; uma leitura capaz de nos "toucher" o corpo e,

por extensão, a alma (NANCY, 2006). A caminho das considerações finais, conclui-se

parcialmente que, promover a leitura literária, poética, subjetiva seja um desafio para

os professores e um desafio possível de se realizar na escola, tanto no Brasil quanto na

França. Na esteira de nosso crítico Antonio Candido (1995), enfatiza-se ainda que esse

exercício de leitura constitui um “dever” da escola e um “direito humano” do cidadão-

aluno-leitor, sobretudo no momento atual, em que as demandas dos alunos exigem de

nós, professores, uma disposição a negociar os saberes – indo além do saber que se

deve, sim, conservar, mas também conduzindo a um "savoir-faire" – e por que não? –

a uma "poiésis".

Dáfnie Paulino da Silva

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM MUD

Em nossa dissertação, temos por escopo examinar as práticas de letramento que

ocorrem no interior do jogo de construção colaborativa MUD Valinor, um projeto de

fãs da obra de J. R. R. Tolkien. O presente trabalho aplica a metodologia do estudo de

caso e utiliza como fonte de dados um corpus coletado no servidor do jogo, além de

textos e depoimentos acumulados na comunidade.A princípio, para compreender as

práticas de MUD, abordaremos o panorama tecnológico que as fomenta e torna

possível um objeto como o Multi User Dungeon. As novas tecnologias de linguagem

são parte de uma cultura emergente, que constitui e engloba novas práticas letradas

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que estão em conexão com eventos mais amplos: cultura de convergência e narrativa

transmídia, cultura colaborativa, inteligência coletiva e produsagem. Nesse cenário, os

novos letramentos estão relacionados a um conjunto de fatores históricos,

institucionais, culturais, a uma nova mentalidade na qual a participação tem um papel

preponderante (um novo ethos), e estão associados a uma interação ativa que se

tornou possível graças ao potencial das novas tecnologias digitais. Com as novas

tecnologias e formas de interação, surgem novas configurações sociais e novos

modelos de participação, como a produsagem. A produsagem é uma prática na qual a

figura do usuário-consumidor se hibridiza à figura do produtor (BRUNS, 2007), dando

origem ao produsuário, um sujeito emponderado que usa a tecnologia para acionar

práticas comunicativas, interagir com a indústria de entretenimento, produzir

significação e ser parte de fenômenos como a inovação ascendente. Embora criado na

década de oitenta, o MUD integra a essência desse cenário. O MUD Valinor consiste

em um jogo multiusuários, de RPG, em plataforma textual. No jogo, os usuários são

modificadores e construtores do ambiente, participando em uma hierarquia alternada

para o desenvolvimento e manutenção da plataforma. O MUD envolve uma dinâmica

social semelhante às plataformas colaborativas, com um sistema de governança,

convenções e práticas características quando o jogador interage com esse ambiente.

Mediante a complexidade do objetivo, desmembramos nosso escopo em três

perguntas de pesquisa que se completam: (1) Como funciona a dinâmica social no

espaço de afinidade que se apóia no MUD Valinor? (2) Quais as principais

características de letramentos de fãs em tal espaço? E (3) Quais são os gêneros

discursivos mais centrais para a prática desses letramentos e quais suas características

específicas? Ao longo da primeira questão, examinamos como o MUD Valinor

apresenta construções sociais complexas e pode funcionar como espaço de afinidade

ou comportar pequenas comunidades virtuais. No interior do jogo, os jogadores

reproduzem hierarquias e posturas do mundo real ou criam novas condutas; formam-

se nichos, há grupos populares e grupos excluídos. Deste modo, há formações sociais

que não podemos estudar em sua totalidade, mas que se revelam fundamentais para

entender a dinâmica social e sua relação com as práticas de letramento em curso, e

consequentes gêneros que emergem de tais práticas. O ambiente social dos MUD’s é

formado por dois grupos típicos: administradores (imortais) e jogadores (mortais).

Apesar da divisão inicial, existe uma responsabilidade compartilhada, uma forte

interação e fluxo entre os dois grupos. A equipe é formada tanto por administradores

(imortais) quanto jogadores (mortais), que discutem implementações e problemas do

jogo, ou atuam na construção de áreas, e gerenciamento de outros setores do projeto.

Assume-se que jogador mortal pode ter igual autoridade e conhecimento para

solucionar problemas, o conhecimento funciona em uma base todos-todos. O saber é

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

compartilhado e concorre para a existência de um sistema heterárquico e governança

compartilhada. Este aspecto participativo, construtivista e criativo é intrínseco à

experiência ‘mudiana’ (MURAY, 2005). Portanto, existe uma colaboração mútua e a

ocorrência de papéis fluídos; a sobrevivência e crescimento do jogo dependem de um

cenário que reúne funções, dimensões, habilidades, papéis e letramentos. Em suma,

um organismo colaborativo múltiplo em que os usuários migram continuamente entre

habilidades, alternando o poder. Na segunda questão de pesquisa, passa-se a estudar

os letramentos de fãs no MUD. Segundo Lankshear & Knobel (2007), temos a

perspectiva de letramentos como maneiras socialmente reconhecidas de gerar,

comunicar e negociar conteúdo significativo por meio de textos codificados em

contextos de participação no discurso. Associando essa perspectiva a de Lemke (2010),

acreditamos que os objetos (como o MUD) são parte constitutiva dos letramentos,

assim como os sujeitos, estratégias e práticas envolvidas. A partir desse aporte teórico,

foram estabelecidas categorias descritivas para as atividades típicas dos participantes

da comunidade; notamos que letramentos de fãs convivem com letramentos do jogo e

letramentos externos que se agregam à prática do prosuário mudiano. Identificamos

um conjunto de letramentos que abarca letramento em jogos, letramento em

produção textual, em literatura tolkieniana, letramento em programação e outros mais

variados. Alguns são típicos da construção colaborativa e outros externos, trazidos da

experiência de vida real dos jogadores. Observamos que os letramentos dos usuários

corroboram para papéis líquidos, funções e em todo sistema que torna possível a

existência do jogo. Na terceira questão de nossa pesquisa, objetiva-se verificar quais

são os gêneros discursivos / textuais centrais das práticas já mencionadas. Aplica-se a

teoria do russo Mikhail M. Bakhtin para estabelecer e distinguir gêneros específicos de

MUDs (ou seja, gêneros mudianos), e avaliar como esses gêneros se constituem e

processam suas funções vinculados à esfera de atividade do jogo. Utilizamos a teoria

para examinar a situação de produção dos enunciados, e compreender como esse

fator contextual é intrínseco ao conteúdo, construção composicional e estilo dos

referido enunciados. O que buscamos é uma análise dos gêneros textuais mais centrais

à prática dos letramentos de MUD, apresentando-os, examinando suas características

específicas enquanto gêneros digitais, para, ao final, refletir acerca das subversões e

renovações que acontecem quando os sujeitos (jogadores) têm liberdade para se

apropriar deles. Por fim, a presente dissertação pretende propor uma discussão sobre

as implicações dessas práticas letradas para o estudo de novos letramentos, além de

possíveis implicações e aplicabilidade de sistemas colaborativos com fins educacionais.

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Linguística Aplicada

173

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Débora Secolim Coser

Universidade Estadual de Campinas

GALANET VERSUS BUSUU: AS DIFERENTES MEDIAÇÕES EM DUAS COMUNIDADES DE

APRENDIZAGEM COLABORATIVA

Esta pesquisa de mestrado em andamento pelo departamento de Linguística Aplicada

da Unicamp objetiva investigar comparativamente os efeitos das mediações

pedagógica, tecnológica e político-institucional na aprendizagem colaborativa tal qual

acontece nas comunidades virtuais de aprendizagem de línguas Galanet e Busuu e

como essas mediações influem na maneira como a colaboração é feita e nos

resultados alcançados pelos participantes. O Galanet é uma plataforma digital que

permite aos falantes de diferentes línguas românicas praticarem a intercompreensão,

uma forma de comunicação plurilíngue em que cada um compreende as línguas dos

outros e se exprime na(s) língua(s) românica(s) que conhece, desenvolvendo, assim,

em diversos níveis, o conhecimento destas línguas de modo colaborativo. Já o Busuu é

uma rede social criada por leigos na pedagogia de ensino/aprendizagem de línguas,

que proporciona unidades de aprendizagem para os seus usuários nas mais diversas

línguas. Os usuários da plataforma escolhem as línguas que desejam aprender,

trabalham nas unidades no seu próprio ritmo e recebem feedback sobre suas tarefas

por nativos da língua alvo, ou ainda conectam-se via chat com estes nativos para

aprender colaborativamente praticando ou não a intercompreensão. As mediações

aqui referidas caracterizam-se pela intervenção de um conjunto de elementos, sejam

eles simbólicos ou concretos, humanos, técnicos, políticos, ou de outra natureza, que

intervêm na relação entre os aprendizes que participam de qualquer comunidade

virtual de aprendizagem de línguas. Por mediação tecnológica, entende-se o conjunto

de recursos digitais, como os programas de computador, e os efeitos dos eventos

comunicativos que podem ser atribuídos ao fato das interações ocorrerem via

computador. Por mediação pedagógica, entende-se a segmentação dos discursos por

meio de um dos participantes do chat para moldar uma conversa em função do tempo,

tema ou objetivos estipulados para aquela interação, ou as sequências de reparo para

tentar resolver problemas de compreensão e dar continuidade aos objetivos da tarefa.

A mediação pedagógica faz com que se estabeleça um contrato didático nas interações

que visam o ensino/aprendizagem de línguas. Por fim, a mediação político-institucional

corresponde ao conjunto de acordos, normas, diretrizes, princípios, regulamentos,

inclusive os relativos ao uso das línguas nas interações, e objetivos pedagógicos aos

quais o site se destina, fundamentados de acordo com o panorama sócio-histórico no

qual a criação dos sites está inserida. Fundamentada teoricamente nos conceitos

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Linguística Aplicada

174

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

bakhtinianos de dialogismo, plurilinguismo, intercompreensão e gênero discursivo, nas

ferramentas de Análise do Discurso Mediado por Computador propostas por Suzan

Herring e estudos sobre aprendizagem colaborativa de autores como Dillenbourg e

Schneider, Gava e Menezes e Swain, a pesquisa adota como estratégia metodológica

descrever o funcionamento dos gêneros que dão suporte à colaboração nesses dois

contextos – o Chat Pedagógico Plurilíngue (CPP) no Galanet e do Chat Colaborativo em

Duplas (CCD) no Busuu – relacionando-os com as principais teorias sobre a

aprendizagem colaborativa online presentemente disponíveis na literatura, a fim de

responder duas perguntas de pesquisa: (I) quais são as principais semelhanças e

diferenças entre os gêneros Chat Pedagógico Plurilíngue do Galanet e Chat

Colaborativo em Duplas do Busuu? e (II) que relações podem ser estabelecidas entre

as diferenças encontradas como parte da resposta 1 e os tipos de mediação

pedagógica, tecnológica e político-institucional em cada um dos casos? O Busuu foi

estrategicamente escolhido para a comparação por contemplar variáveis, como os

tipos de mediação, muito diferentes do Galanet. Enquanto o Busuu é aberto via

cadastro, desenvolvido por leigos em pedagogia de línguas e composto por um público

diversificado em nível de instrução e idade que interage em duplas sem o

monitoramento de tutores, o Galanet é acessível apenas por convidades, abriga chats

em grupos compostos por universitários, estudantes e professores, monitorados por

esses últimos. Além disso, diferenciam-se Busuu e Galanet principalmente em seus

objetivos políticos: enquanto o segundo visa promover a prática de intercompreensão

aproximando falantes de línguas românicas, o primeiro se apresenta como uma

alternativa às escolas de línguas. Tem-se por hipótese que essas diferenças de

mediação se manifestam nos três constituintes dos gêneros (conteúdo temático,

construção composicional e estilo). O corpus da pesquisa é constituído de arquivos de

registro de chats colhidos dos sites em questão, e documentos fornecidos pelos

próprios sítios nos quais estão expressos os princípios pedagógicos e político-

institucionais que os norteiam. No momento, a pesquisa encontra-se no estágio de

revisões bibliográficas no que tange a metodologia de pesquisa. Os entraves da

pesquisa centram-se, no momento, na dificuldade de encontrar sujeitos dispostos a

participar do Busuu, mas já há um sujeito que sinalizou positivamente para fazer parte

da pesquisa, além das intenções da pesquisadora de agir como sujeito-participante. Os

logs dos chats colhidos serão submetidos a estratificadores e marcadores formulados

com base no método de Herring, e as amostras serão submetidas à comparação do

perfil do novo espaço online com interações analisadas do Galanet que foram

previamente coletados e analisados durante uma pesquisa de Iniciação Científica

realizada no período de graduação da pesquisadora. Assim como foi feito com um

corpus limitado dos chats do Galanet na IC, os critérios usados para a seleção dos logs

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Linguística Aplicada

175

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

a serem analisados serão: (i) emergência de temas afetos às perguntas de pesquisa:

língua(s), aprender-ensinar línguas, mediação tecnológica, referências à organização

pedagógica ou objetivos pedagógicos dos eventos; (ii) emergência de problemas de

intercompreensão; (iii) existência de alterações na forma canônica da escrita e/ou

ocorrência de refuncionalizações dos sinais gráficos para a expressão de afetividade,

apreciação valorativa etc; (iv) existência de alterações importantes na estrutura

interacional típica dos episódios constitutivos do corpus. O corpus proveniente das

análises das duas plataformas serão complementadas com entrevista com os

participantes dos chats e com a observação participante da pesquisadora nas

plataformas. Após a coleta de dados será possível descrever o gênero chat do Busuu, a

partir dos termos de sua constituição e, posteriormente, comparar o CCD no Busuu

com o CPP do Galanet a partir dos traços distintivos entre as plataformas em ambos os

sites. Como próximo passo a pesquisadora centra-se no aprofundamento das teorias

sobre o conceito de mediação para diferentes autores, de modo a escrever um

capítulo de sua dissertação que reúna tais definições.

Eli Gomes Castanho

Universidade Estadual de Campinas

PRÁTICAS DE LETRAMENTO PARA INTERCULTURALIDADE: IDENTIDADES POLÊMICAS

EM SALA DE AULA.

O projeto de tese em questão tem como objeto de estudo minha prática como

professor de Língua Portuguesa e Literatura no ensino médio integrado ao técnico, no

Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, campus Ponta Porã, em situações de ensino-

aprendizagem onde são tratados tópicos que permitam apreender a representação

que os estudantes constroem sobre as identidades presentificadas naquele contexto

de fronteira do Brasil com o Paraguai. Contexto esse que, conforme Cavalcanti (1999),

pode ser tipificado como contexto sociolinguisticamente complexo. Acredito que a

complexidade do contexto fronteiriço não se deve reduzir à diversidade linguística,

que é seu traço mais aparente; ao contrário, há gestos implícitos que também

demarcam territórios e sinalizam para conflitos identitários permeados pela

linguagem. Nesse sentido, postulo que há identidades que, pela simples existência,

sinalizam para a produção de discursos polêmicos. Logo, vale categorizar algumas

dessas identidades como identidades polêmicas, exatamente por provocarem

discursos de afirmação ou refutação sobre as identidades. Sendo assim, ainda que

implicitamente, ao tratar dessas questões identitárias, de maneira inevitável, se dirá

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

‘sou isso, não sou aquilo’. Para tanto, elegi, como exemplos dessas identidades

polêmicas na complexidade do contexto da fronteira, o indígena, o paraguaio e o

assentado. O primeiro em razão da herança guarani, que resiste na região da

fronteira; o segundo, o estrangeiro com quem os direitos, algumas vezes, são

divididos; o terceiro, pela presença massiva na cidade onde se encontra o maior

assentamento de reforma agrária da América Latina e que se tornam invisíveis ante o

império do agronegócio. No uso corriqueiro da linguagem, espaços são disputados e

imagens (re)construídas sobre essas identidades e, portanto, cabe à escola promover a

reflexão sobre como se dá esse processo de construção e as relações de poder aí

imbricadas. Nesse sentido, as aulas de língua portuguesa podem e devem promover

eventos de letramento que (re)posicionem as representações sobre as identidades

polêmicas da fronteira com vistas à construção de um currículo multiculturalista

crítico, conforme sugere Silva (2004, p.89), para quem “a diferença, mais do que

tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão”. Faz sentido, ainda

mais no contexto sociolinguisticamente complexo da fronteira, a proposta de Maher

(2007) de uma educação intercultural que invista no estabelecimento do diálogo, na

capacidade de resolução do conflito intercultural e no preparo para a convivência com

o outro, com o diferente. Ainda para a autora, esse desafio de viver com o diferente

não deve ser exclusividade das políticas públicas de educação indígena, foco do seu

trabalho, antes, o desafio de incluir a interculturalidade no currículo deve ser

preocupação de outros contextos de escolarização, o que chama de educação do

entorno. De pouco adiantariam práticas de politização e fortalecimento dos

minorizados se o entorno eximir-se do debate intercultural. A tese que proponho quer

colocar à prova como as aulas de língua materna podem contribuir para, de fato, se

fazer uma educação intercultural, bem como indicar os muitos percalços encontrados

quando se escolhe esse percurso. Dessa forma, o objetivo geral da tese será, a partir

da investigação da própria prática, bem como da elaboração, execução e reflexão

sobre eventos de letramento pensados para pôr em debate questões identitárias,

contribuir para a consolidação de uma educação intercultural que sinalize para a

construção de currículos multiculturalistas críticos, não só de instituições de fronteira,

como também do entorno, já que a pluralidade cultural não é exclusividade dos

contextos sociolinguisticamente complexos, sobretudo nestes tempos de globalização

da cultura, em que tendem a se dissolver os espaços cerceados. Para cumprir o

objetivo, tenho optado, além da literatura advinda dos estudos em Linguística Aplicada

focados na questão da diversidade cultural, leituras como as dos estudos culturais

acerca da construção da identidade na contemporaneidade. Na esteira dos estudos de

Maher (2007:265), também opto pelo termo interculturalidade em vez de

multiculturalismo, exatamente para evitar o tratamento banalizado que o termo tem

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Linguística Aplicada

177

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

recebido e também porque o termo interculturalidade evoca, mais prontamente, a

relação entre culturas, que é o que realmente importa. A fim de apreender as imagens

que os estudantes, nos eventos de letramento, constroem do paraguaio, do indígena e

do assentado, recorreremos à categoria ethos discursivo, proposta por Dominique

Maingueneau, já que os sujeitos podem deixar entrever um mundo ético, embasados

em estereótipos, sobre o que vem a ser essas identidades polêmicas. Para a

constituição do corpus, serão elaboradas sequências didáticas que privilegiem o

trabalho com o gênero artigo de opinião e a gravação da aplicação dos módulos

pensados para tratar dos temas é que servirá de base para a discussão da tese. No

entanto, cabe frisar que nosso objeto de estudo não é apropriação do gênero escrito,

mas as vozes que, por meio das oficinas previstas, emergem na sala de aula e no artigo

de opinião, produto final das oficinas. Além disso, será interessante confrontar os

posicionamentos revelados na modalidade oral e a sua sustentação ou mudança na

modalidade escrita uma vez que o espaço democrático e descontraído da sala de aula

e o espaço em branco do papel podem sofrem coerções diferentes que regulam o que

pode e o que não pode ser dito, configurando-se, nos termos da Análise do Discurso de

Maingueneau, um sistema de restrições, que ele chama de Semântica Global. Por fim,

espera-se que o projeto de intervenção, por meio das oficinas da sequência didática,

possa contribuir para (re)posicionar e desestabilizar discursos cristalizados na

complexidade da fronteira sobre o que significa ser paraguaio, ser índio e ser

assentado.

Eliane Feitoza Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

A APROPRIAÇÃO DE DIMENSÕES LINGUÍSTICAS QUE FICAM OCULTAS NO PROCESSO

DE LETRAMENTO ACADÊMICO

O objetivo desta comunicação é o de trazer para discussão o projeto de doutorado

desta pesquisadora. Assim, cabe apresentar, de forma breve, alguns pressupostos que

guiam esse projeto. O objetivo geral do projeto é o de analisar as mudanças na escrita

de alunos universitários, no que concerne à apropriação de mecanismos linguístico-

discursivos que marcam o gerenciamento de vozes em gêneros acadêmicos. Para tal,

foram recolhidos, de meados de 2009 até o início de 2012, as resenhas produzidas por

3 alunos ao longo do período da graduação no curso de Letras de uma universidade

particular da cidade de São Paulo. Além das resenhas, recolhemos o Trabalho de

Conclusão de Curso, artigo científico, desses alunos. A escolha desses dois gêneros

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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como corpus significativo para este estudo deu-se não só pelo seu caráter polifônico e

pelo fato de a resenha integrar o artigo científico, mas por outros dois motivos, a

saber: no contexto de ensino no qual estamos inseridos, a produção de resenha crítica

é muito solicitada desde o início do curso, ou seja, na graduação, a resenha marca a

escrita inicial, e a produção do TCC (artigo científico) caracteriza a escrita final.

Acredita-se que, através desses gêneros, e de outros instrumentos de pesquisa (diários

de campo, entrevistas semiestruturadas, observação e gravação de aulas), será

possível investigar e analisar o processo de apropriação dessas unidades. Assim, e a

partir da hipótese de que a aquisição da escrita acadêmica se integra aos gêneros

como um comportamento a ser aprendido e continuamente desenvolvido, os objetivos

específicos deste projeto são: identificar, classificar, analisar os mecanismos

linguístico-discursivos, que dividem as responsabilidades enunciativas, mais

recorrentes nos textos dos alunos, através da comparação desses textos, a fim de

identificar as mudanças na escrita dos estudantes ao longo do curso; observar como

os alunos incorporam esses mecanismos aos seus textos; analisar de que modo a seção

teórica do artigo científico reflete a apropriação desses mecanismos, uma vez que esse

gênero permite, entre outras coisas, que o aluno materialize os conhecimentos

adquiridos sobre a escrita acadêmica ao longo do curso; observar a prática do

professor, ao orientar a escrita do TCC, à luz do conceito de prática do mistério.

Tomamos como opção teórica para entender o processo de apropriação de

mecanismos que marcam o gerenciamento de vozes em gêneros acadêmicos, além de

alguns pressupostos teóricos da Linguística Textual, Linguística Funcional e da Teoria

da Enunciação de Bakhtin, a área dos Letramentos Acadêmicos, pelo fato dessa área

propor um modelo de ensino superior no qual sejam mantidas as peculiaridades do

discurso acadêmico sem, no entanto, desconsiderar as singularidades dos alunos e sua

cultura individual, linguística e histórica (LEA E STREET, 1998), bem como as relações

de poder que permeiam esse nível de ensino. Desse modo, tanto os objetivos quanto

as perguntas de pesquisa foram formuladas a partir da premissa de que na instância

acadêmica circulam textos cujos padrões globais de organização e padrões linguístico-

discursivos que os materializam se diferenciam daqueles que circulam em outros

contextos de ensino, uma vez que cada comunidade discursiva possui normas e

convenções particulares para a produção e a divulgação do conhecimento

(BAZERMAN, 2006). Sendo assim, pode-se dizer que a participação dos universitários

nas diferentes práticas letradas de determinada área possibilita não só a construção do

conhecimento sobre essa área, mas sobre os gêneros privilegiados nela. Machado e

Cristovão (2006) acreditam que o ensino dos gêneros acadêmicos deve abranger os

seguintes aspectos: condições de produção; construção composicional (plano global)

que organiza os seus conteúdos; e estilo particular – ou seja, mecanismos linguístico-

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

discursivos (unidades de linguagem que marcam as posições enunciativas do

enunciador e de outras vozes), sequências textuais, mecanismos de coesão e conexão

e características lexicais predominantes em cada gênero. Para as autoras, o ensino

desses aspectos garante que os universitários se apropriem dos gêneros e passem a

considerá-los úteis para o seu fazer acadêmico. Porém, com base em nossa experiência

docente no curso de Letras, pode-se dizer que os professores, ao adotarem

determinado gênero como objeto de ensino e avaliação, abordam apenas algumas

características das condições de produção e do plano global. Já as unidades de

linguagem que marcam o gerenciamento de vozes em gêneros acadêmicos ficam como

dimensões escondidas para os alunos (STREET, 2009) – o que dificulta a apropriação da

escrita de gêneros acadêmicos. Sendo assim, acreditamos que, para que o aluno

adquira a condição letrada exigida pela universidade, ele precisa entender/dominar as

práticas linguísticas e discursivas privilegiadas nesse contexto, que, por sua vez, implica

o desenvolvimento de competências para lidar com o saber dizer e o saber fazer

(letramento acadêmico). Para que essas competências sejam desenvolvidas, os

professores devem auxiliar os alunos na reflexão sobre o fato de que a neutralidade, a

transparência, a racionalidade e a objetividade requeridas no discurso acadêmico –

representado pela escrita acadêmica (SIGNORINI, 1995) – fazem um movimento que

passa pela incorporação de novas vozes e outros discursos e pela remissão às vozes e

aos discursos legitimados na academia para, então, chegar à produção ou à

reprodução do conhecimento e do saber científicos através dos gêneros típicos dessa

esfera. Todavia, temos clareza de que não é apenas o desenvolvimento de habilidades

metalinguísticas que está envolvido no processo de letramento acadêmico. Para alguns

professores, os alunos precisam adquirir os valores e as convenções do discurso

acadêmico, historicamente associado aos valores e interesses da classe hegemônica,

bem como aos interesses institucionais, a fim de se inserirem nas práticas escriturais

da universidade, conforme aponta Canagarajah (1999). Neste processo de inserção, o

problema reside, entre outras coisas, quanto os professores esperam que os textos

dos alunos estejam em perfeita conformidade com as convenções textuais do discurso

acadêmico, deixando à margem reflexões sobre como os estudantes lidam com

discursos concorrentes e práticas letradas desconhecidas para ter voz no processo de

letramento acadêmico, visto os seus discursos e as suas práticas escriturais serem

múltiplas, híbridas e sobrepostas, portanto, diferentes do discurso exigido pela

academia (CANAGARAJAH, 1999).

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Elisa Oliveira Câmara

Universidade Estadual de Campinas

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DA PARATRADUÇÃO - ANÁLISE DE ELEMENTOS

PARATEXTUAIS

No atual mundo globalizado, poliglota e policultural em que vivemos, cada vez mais a

tradução vem sendo transformada, enquanto disciplina e enquanto prática, em uma

área fortemente relacionada aos aspectos políticos, ideológicos, culturais, sociais,

históricos, estéticos, e a tantos outros aspectos que caracterizam as sociedades

falantes dos idiomas envolvidos no processo tradutório. Segundo Nouss (apud

Baltrusch, 2008), ao adquirir essa dimensão transdisciplinar, a tradução e a

tradutologia estariam vivendo o chamado "translative turn" – paralelo que o autor

traça com o já superado "linguistic turn". Tendo em vista essa multiplicidade linguística

e cultural, surge o recente conceito de paratradução, proposto por pesquisadores do

"Grupo de Investigación Traducción & Paratraducción", da Universidade de Vigo,

visando uma investigação transdisciplinar na tradução que estude tanto os elementos

e processos textuais quanto os paratextuais, presentes em toda tradução. Trata-se de

analisar não somente os aspectos linguísticos e literários da tradução, mas também os

aspectos semióticos, culturais, antropológicos, filosóficos, éticos, ideológicos, políticos

e econômicos, sempre implícitos no ato nunca inocente de traduzir (site do "Grupo de

Investigación T&P"). O conceito de paratradução é criado à luz da noção de paratexto,

proposta por Genette (1981), que define os paratextos como tudo aquilo o que

acompanha, cerca, prolonga, envolve o texto, sendo verbal ou não. Para resumir, tudo

aquilo que apresenta o texto, “no sentido habitual do verbo, mas também em seu

sentido mais forte: para torná-lo presente, para garantir sua presença no mundo, sua

‘recepção’ e seu consumo (...)” (GENETTE, 2009:9). Segundo Vilariño (apud Baltrusch,

2008), um dos fundadores e investigador titular do Grupo T&P, a paratradução é uma

atividade de descrição de tudo o que cerca a atividade da tradução e, portanto,

relacionada aos elementos paratextuais, ou seja, a capa de uma publicação, a

disposição e ortotipografia do título, bem como de outros elementos da capa,

contracapa, folha de rosto, orelhas, quaisquer imagens contidas no livro e tudo mais o

que é apresentado visualmente ao leitor – em suma, “todo texto que se agrega a um

texto base” (Genette apud Alves, 2011). Embora o paratexto seja tratado por Genette

especificamente em relação à obra literária, definida pelo autor como uma “sequência

mais ou menos longa de enunciados verbais mais ou menos cheios de significação”

(GENETTE, 2009:9), o Grupo T&P leva o conceito a outras linhas de investigação, que

relacionam a paratradução à filosofia, à migração, à mestiçagem, à imagem e também

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

à literatura, entre outras. Segundo Frías (2007), outro fundador e investigador

principal do Grupo, o conceito de paratradução foi criado para analisar o espaço e o

tempo de tradução de todo paratexto presente no texto traduzido, não apenas na

forma de livro, mas também em qualquer outra produção editorial possível na era

digital. Assim sendo, se, como Genette (2009) afirma, não existe e nem jamais existiu

um texto sem paratexto, também se pode dizer que não há tradução sem sua

correspondente paratradução (Frías, 2007). Levando-se em conta essas considerações,

e pensando no fato de que os paratextos das obras literárias alimentam as

expectativas do leitor em relação ao texto, pretende-se investigar de que modo a

prática da paratradução influencia a leitura do público-alvo e qual o impacto que ela

causa no leitor, no sentido de interpretar quaisquer referências simbólicas, culturais,

políticas, ideológicas que possam estar representadas pelo paratexto. Deseja-se

analisar se, por meio da paratradução, o posicionamento ideológico, político ou

cultural do tradutor em relação ao texto pode ser fundamental para possibilitar

interpretações bem-informadas por parte do leitor e, do mesmo modo, se sua falta

pode prejudicar a interpretação ou o interesse do público pela obra. Para isso,

pretende-se analisar elementos paratextuais de obras traduzidas em comparação com

as originais, com o propósito de investigar qual a pertinência da prática da

paratradução e da importância de que o tradutor conquiste seu espaço frente às

editoras para que possa realizar essa prática. A análise consistirá mais precisamente

da(s) capa(s) da(s) obra(s) selecionada(s), considerando a ortotipografia do título e as

ilustrações da capa, mas também será dada relevância a outros tipos de paratextos,

como orelhas, a tradução do título e a disposição de todos os elementos paratextuais

presentes na capa da obra e, a depender da obra selecionada, as demais ilustrações do

livro – aspectos estes que em sua maioria influenciam a percepção do leitor ao ter o

primeiro contato com a obra. Tais análises serão respaldadas por teorias de autores

como Venuti (1995), que discute a situação de invisibilidade do tradutor, cujas ideias

parecem adequadas a um dos propósitos do presente estudo de defender a

visibilidade do tradutor em suas práticas paratradutórias, Lefevere, que apresenta

ideias sobre reescrita e manipulação do texto (Martins, 2010), tendo-se em conta que,

se a tradução é uma atividade de reescrita e, consequentemente, de manipulação,

assim também é a paratradução em relação aos elementos que cercam o texto.

Também será recorrido aos estudos de Genette (2009) sobre paratextos editoriais,

visto que o autor é responsável pela proposta do conceito de paratexto, que serve de

base para a criação do conceito de paratradução pelo Grupo T&P, e principalmente, as

análises serão realizadas à luz dos estudos de investigadores do Grupo T&P, como

Frías, Vilariño e Nouss.

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Linguística Aplicada

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Fabiana Panhosi Marsaro

Universidade Estadual de Campinas

AUTOR, EDITOR E DESIGNERS: UMA AUTORIA MÚLTIPLA DO LIVRO DIDÁTICO DE

LÍNGUA PORTUGUESA?

Neste trabalho, discutiremos uma das questões que se colocam em nossa pesquisa de

mestrado na área de Lingústica Aplicada, intitulada “Para além da letra: projeto

gráfico-editorial de livros didáticos de língua portuguesa”, em andamento: a (múltipla)

autoria do livro didático de língua portuguesa (doravante LDP) com relação a alguns

agentes que participam de sua produção, a saber, autor, editor e designer. Na referida

pesquisa, tomamos o LDP como um gênero secundário do discurso, “historicamente

datado, que vem atender a interesses de uma esfera de produção e de circulação e

que, desta situação histórica de produção, retira seus temas, formas de composição e

estilo” (BUNZEN; ROJO, 2005, p. 1), de acordo com a teoria de gêneros do Círculo de

Bakhtin. Também entendemos o LDP como objeto híbrido e complexo, ao mesmo

tempo produto comercial e fonte de lucro para grandes editoras e instrumento de

ensino-aprendizagem distribuído a milhões de professores e alunos brasileiros

trienalmente pelo Governo Federal, por meio do Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD). Para analisar essa configuração bastante específica do LDP precisamos

entender seus processos de produção, igualmente complexos, que reúnem diversos

agentes em várias esferas. Nesse contexto, a autoria do LDP se torna importante

objeto de reflexão. A teoria bakhtiniana nos permite entender a autoria como uma

categoria sócio-discursiva, nas palavras de Alves Filho, uma categoria em que “a

dimensão textual e a dimensão social se encontram e se co-constituem” (ALVES FILHO,

2006, p. 78). Segundo Faraco (2005, p. 41-42), reformulando a definição de Bakhtin, “a

função estético-formal de autor-criador é [...] uma posição axiológica” que, por sua

vez, “é um modo de ver o mundo, um princípio ativo de ver que guia a construção do

objeto estético e direciona o olhar do leitor”. Dessa forma, a partir de Bakhtin,

entendemos que a autoria não se caracteriza necessariamente pela invenção de algo

novo, mas pela maneira singular como o autor organiza, segundo sua ideologia, a

linguagem o e os acontecimentos da vida. Nessa perspectiva, para produzir um LDP, o

autor assume uma postura ideológica que acaba por definir a proposta pedagógica da

obra. A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais e de outros referenciais, ele

seleciona objetos de ensino e define a maneira como vai ensiná-los, lidando com

diversas vozes, que, entendidas conforme o conceito de Bakhtin 1988 [1934-35/1975],

são diversos pontos de vista sobre o mundo, isto é, diferentes ideologias interpretadas

verbalmente, seja na linha teórica adotada, nos textos da coletânea ou nos tipos de

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

exercício propostos. Ao reorganizar essas vozes diversas, fazendo com que, no produto

final, a ideologia predominante seja a sua e, consequentemente, da sua visão e

proposta pedagógica para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, o autor dá ao

LDP o acabamento estético que é próprio de sua função. Como argumenta Bragança

(2005, p. 222), porém, “todos os livros são produto da ação combinada do autor e do

editor. Às vezes gestados mais pelo autor, outras vezes criados pelo editor”. Para o

autor (2005, p. 224) esse controle do editor no processo de criação de uma obra

começa no fato de que a existência de um livro depende, antes de tudo, da decisão

editorial de publicar ou não um original, tomada a partir de critérios e motivações que

podem não ser as mesmas do autor. Vale lembrar que essa relação por vezes

conflituosa entre autor e editor não se restringe ao processo de produção do LDP. Os

trabalhos de Roger Chartier (1945/1999, 1981/2001) mostram que na história do livro,

de maneira geral, a figura do editor, longe se ser neutra, aparece sempre em tensão

com a do autor, uma vez que, como argumenta o autor, “um processo de leitura [pode

ser] ajudado ou derrotado pelas próprias formas dos materiais que lhe é dado ler”

(CHARTIER, 2001, p. 96). No LDP, especificamente, outro elemento se soma à equação:

o designer, pois como Choppin (2004) observa as características “formais” dos livros

didáticos, ou seja, sua organização interna e configuração visual, são bastante

específicas desse tipo de material e “a tipografia e a paginação fazem parte do discurso

didático de um livro usado em sala de aula tanto quanto o texto ou as ilustrações”

(CHOPPIN, 2004, p. 559). Bunzen e Rojo (data) caracterizam a autoria do LDP um

processo de negociação entre autores e editores: “os autores e editores de LDP

selecionam/negociam determinados objetos de ensino e elaboram um livro didático,

com capítulos e/ou unidades didáticas, para ensiná-los” (BUNZEN; ROJO, 2005, p. 16).

Considerando as tensões que constituem a esfera editorial, entretanto, uma hipótese

que levantamos é de que o LDP, mais do que fruto de uma negociação, é elaborado em

um processo de múltipla autoria. Autor(es), editor(es) e designer(s), mesmo que em

diferentes proporções, acabam tendo influência direta na estrutura composicional,

acabamento e estilo do LDP, componentes indissociáveis no todo do gênero, como

postula Bakhtin (data). As motivações desses agentes na produção do LDP seriam

estritamente pedagógicas, visando à produção de materiais de qualidade para a

educação básica? Considerando o perfil determinado para a coleção, seu público-alvo,

ou mesmo questões de ordem mais prática, como custos de copyright e impressão, o

editor pode intervir na seleção dos textos da coletânea, por exemplo, reorganizando a

orquestração autoral anterior do LDP. Da mesma forma, ao escolher imagens ou

produzir ilustrações, o designer pode comprimir a proposta pedagógica do autor em

um projeto gráfico não condizente. Neste trabalho pretendemos, portanto, através da

discussão teórica e apresentação de dados, refletir sobre a autoria do LDP e o papel de

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Linguística Aplicada

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

autor, editor e designer em seu processo de produção, uma vez que essa problemática

coloca em xeque a relação entre as exigências do mercado editorial e os propósitos

pedagógicos do LDP.

Francine Eloisa dos Santos

Universidade Estadual de Campinas

LETRAMENTO MULTICULTURAL: UMA ANÁLISE DO CURRÍCULO OFICIAL DO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Esta pesquisa tem por objetivo investigar e produzir reflexões acerca das práticas de

letramento multicultural, aquele que aborda “os produtos culturais letrados tanto da

cultura escolar e da dominante, como das diferentes culturas locais e populares com as

quais alunos e professores estão envolvidos” (ROJO, 2009, p.120) na escola pública.

Considerando a cultura dominante como Max Weber que diz que é aquela que tem

“tendência profunda à uniformização da vida, que em nossos dias se manifesta através

do interesse do capitalismo pela padronização da produção” (em GRIGNON, apud

SILVA, 1995, p.178), a cultura dominante seria, então, aquela em que predomina a

língua escrita sobre a falada, as línguas nacionais e internacionais escritas, a literatura,

as leis e regulamentos, a acumulação e concentração de saberes e a moeda e o

mercado cada vez mais amplo (GRIGNON, apud SILVA, 1995, p. 179). Partimos, então,

da hipótese de que os letramentos voltados para essa cultura são a abordagem do

material da disciplina de Língua Portuguesa proposto pela Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo em 2007/2008 (Cadernos do Professor e do Aluno) e nos

perguntamos se haveria, na sala de aula da escola pública, espaço para os letramentos

multiculturais, por acreditarmos que esse tipo de letramento poderia contribuir com a

formação crítica e global do aluno. A indagação para a realização dessa pesquisa surgiu

quando iniciei minha prática docente como professora de uma escola pública da rede

estadual, em uma instituição da periferia de Campinas, onde deparei-me com vários

tipos de dificuldades, entre elas, o choque cultural existente entre a realidade dos

alunos e a realidade exposta no material didático fornecido e publicado pela Secretaria

de Educação do Estado de São Paulo (Cadernos do Professor e o Aluno). O material foi

implementado no ano de 2008 em todas as escolas da rede estadual de São Paulo

como forma de padronizar o ensino público: a Proposta Curricular, que complementa e

amplia as Diretrizes e os Parâmetros Curriculares Nacionais, incorpora as propostas

didáticas vivenciadas pelos professores em suas práticas docentes e visa ao efetivo

funcionamento das escolas estaduais em uma rede de ensino (SECRETARIA DA

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010). A discrepância entre a cultura

dominante e a escolar, esta unida às culturas local e popular, despertou em mim

alguns questionamentos quanto à eficácia da utilização desse material com o tipo de

aprendiz presente nas escolas públicas estaduais. Considerando que as culturas

nascem de relações sociais que são sempre relações desiguais, desde o início existe

então uma hierarquia de fato entre as culturas que resultam da hierarquia social.

Pensar que não há hierarquias entre as culturas seria supor que as culturas existem

independentemente umas das outras, sem relação umas com as outras, o que não

corresponde à realidade (CUCHE, 2002, p.143). Estaria no material didático,

efetivamente, presente apenas a cultura dominante, ou nele há algo de novo? Caso se

confirme a primeira hipótese, as práticas de letramentos podem ser eficazes mesmo

em contexto em que a divergência cultural é a realidade? Quais são as implicações

para a prática pedagógica? Como o professor pode subverter/complementar o

material didático e a prática pedagógica para contemplar as culturas escolar, popular e

local, propiciando maior eficácia às práticas dos letramentos? Segundo Cuche (2002)

“em um dado espaço social, existe sempre uma hierarquia cultural. Karl Marx, assim

como Max Weber não se enganaram ao afirmar que a cultura da classe dominante é

sempre a cultura dominante, a força relativa de diferentes culturas em competição

depende diretamente da força social relativa dos grupos que as sustentam. Falar de

cultura “dominante” ou de cultura “dominada” é então recorrer a metáforas; na

realidade o que existe são grupos sociais que estão em relação de dominação ou de

subordinação uns com os outros” (p.145), portanto, é isso o que estamos analisando

nesta pesquisa. Para realizar essa pesquisa, utilizo com recurso uma metodologia

híbrida de análise bibliográfica e documental, investigando os letramentos possíveis

que integram as propostas pedagógicas presentes nos Cadernos do Professor e do

Aluno de Língua Portuguesa, volumes 1, 2, 3 e 4, das séries do Ensino Fundamental

Ciclo 2, publicados pela Secretaria do Estado de São Paulo no ano de 2009. Para tal,

procederei ao exame dos gêneros textuais, das temáticas abordadas e das tarefas e/ou

atividades contemplados neste material didático. Além disso, também estou

constatando a reação dos alunos ao se depararem com alguns textos presentes no

material, assistindo a aulas de outros professores. Como pesquisa documental e

bibliográfica entendemos que em geral a pesquisa documental realiza-se sobre

materiais que se encontram elaborados. São fontes acabadas que não receberam

ainda um tratamento analítico ou, se isso aconteceu, ainda podem oferecer

contribuições de reforço, ou podem ainda receber uma nova reformulação de acordo

com objetivos da pesquisa (FERRARI, 1974, p.228). Esse tipo de pesquisa, muitas vezes

acaba sendo confundida com a pesquisa bibliográfica, porém, há distinções

importantes a serem feitas entre os dois tipos de pesquisa. Primeiramente, quando se

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

considera a diferença na natureza das fontes, a pesquisa bibliográfica trabalha com

fontes secundárias de pesquisa, de diferentes autores que tratam de um mesmo tema.

Fontes secundárias de pesquisa são textos já consagrados, que já tiveram algum tipo

de trabalho realizado com eles. Já a pesquisa documental trabalha com fontes

primárias, materiais “brutos”, que ainda não tiveram um tratamento, um trabalho

realizado com eles, são provenientes dos próprios órgãos, entidades ou empresas (SÁ-

SILVA, 2009). A pesquisa bibliográfica, ainda, é aquela de natureza teórica, em que se

busca o embasamento teórico da pesquisa, é parte obrigatória da pesquisa, pois é por

meio dela que se toma conhecimento da produção científica existente, pois explicam

um problema a partir de referenciais teóricos já publicados. Enquanto a pesquisa

documental utiliza trabalhos que ainda não tiveram um tratamento analítico ou

interpretativo, a pesquisa bibliográfica visa selecionar, tratar e interpretar a

informação desse tipo de documento, buscando extrair algum sentido dele (SÁ-SILVA,

2009).

Gabriela Claudino Grande

Universidade Estadual de Campinas

METODOLOGIA PARA INVESTIGAÇÃO DO QUADRO INTERATIVO E SUA CONSTRUÇÃO

ENQUANTO RECURSO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA

Os aspectos metodológicos desta pesquisa de mestrado abordaram o contexto, os

sujeitos e dos instrumentos utilizados para a geração de registros. Assim, justifica-se o

uso do quadro interativo (QI) como um dos objetos de estudo e, em especial, das

ferramentas da internet. Por fim, o delineamento e os “tipos” de metodologia que se

inserem no campo aplicado dos estudos de linguagem e tecnologias são discutidos.

Dessa forma, esta pesquisa qualitativa pretende contribuir para a reflexão de

professores de língua quanto à sua prática de sala de aula, em um contexto sócio-

histórico que tem exigido a imersão das tecnologias de informação e comunicação

(TICs) nas atividades de ensino, identificando práticas e usos do quadro interativo que

parecem revelar novas práticas educacionais de ensino de língua estrangeira,

impactadas pelo uso das ferramentas da internet. Para isso busco responder a

seguinte pergunta: Como o quadro interativo de conexão sem fio se constrói como

recurso didático em sala de aula no ensino de inglês, como língua estrangeira? Passei a

visitar escolas de inglês e de ensino fundamental e médio de Sorocaba, cidade onde

atualmente moro, que dispusessem do quadro interativo em suas aulas. Após algumas

frustrantes recusas, encontrei uma escola de inglês. O dono da escola se mostrou

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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bastante interessado e até mesmo contribuiu com ideias para o projeto; ele autorizou

não apenas assistir as suas aulas, como também filmá-las e interagir com os alunos

como e quando achasse necessário. Estabelecemos dias e horários para assistir às

aulas. Os alunos, juntamente com o professor, responderam a um questionário e

assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Por três meses – maio,

junho e julho de 2012 - passei a fazer parte dessa turma. Durante a aula, meu papel se

restringiu a anotações, filmagens e fotografias, entretanto, estabeleci uma relação de

amizade, tanto com os alunos quanto com o professor que participava ativamente de

meus diários. Dos sujeitos participantes, situo-me como partícipe, uma vez que assisto

às aulas e a posteriori discuto meus diários com o professor e, este, por vezes, faz

modificações em suas aulas ou passa a ter novas perspectivas até mesmo quanto a

aspectos físicos do local onde leciona. Os instrumentos utilizados são: os diários,

durante as aulas, nos quais descrevo não só os usos do quadro interativo, como

também impressões contextuais e até mesmo ideias para aprimoramento das aulas;

discussões documentadas dos diários, em que o professor emite opiniões e

explicações quanto ao que escrevi no próprio diário; as filmagens, dando enfoque no

professor e no quadro interativo; um questionário para entender um pouco mais sobre

os alunos; e o termo de consentimento livre e esclarecido. Longe de buscar verdades

racionalistas, aceitando o fato de que a ciência e as verdades se encontram em eterna

transição (MATALLO, 1989), buscamos reconhecer algo construído na interpretação de

práticas sociais e nos usos em particular do QI. Entendemos, como Lemke (1994), que

precisamos pensar como as novas tecnologias da informação, nesse caso, o quadro

interativo e no uso da internet em sala de aula, podem transformar hábitos

institucionais de ensinar e aprender. Por se tratar de um contexto específico que

revela novos usos (Barone, 2004), a pesquisa é classificada como estudo de caso, pois

é descritiva, particular, inclui um número reduzido de sujeitos, singular, reflexivo e,

inicialmente, apresenta novos usos do quadro interativo e da internet. Segundo Yin

(2010), o estudo de caso enfoca um fenômeno contemporâneo no contexto da vida

real, como é o caso do quadro interativo nessa escola, “especialmente quando os

limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2010).

Apesar de não possuir algumas das últimas características citadas, ao longo das

observações na turma piloto, o estudo foi se constituindo e tomando características de

uma pesquisa-ação. Segundo Greenwood & Levin (2006/2003), nesse tipo de pesquisa,

os colaboradores trabalham em conjunto com os pesquisadores na definição e

elaboração de questões de pesquisa, no aprendizado, na condução da pesquisa, na

interpretação e na aplicação do que é aprendido para uma produção de mudança

social ignorando fronteiras disciplinares. Dessa forma, procurei trabalhar em conjunto

e, de maneira democrática, conduzi essa investigação. Assim, todos os diários são

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

discutidos com o professor e as interações resultaram em alguns impactos diretos não

somente em sua prática, mas também na mudança de algumas perspectivas.

Poderíamos, então, presumir que houve uma “co-produção de conhecimentos entre

participantes e os pesquisadores por meio de processos comunicativos colaborativos

nos quais todas as contribuições dos partipantes são levadas a sério.”(Greenwood &

Levin, 2006/2003). Além dessas duas metodologias supracitadas, esta pesquisa tem

um cunho etnográfico interpretativista. Etnográfico haja vista a imersão de longo prazo

prevista em ambientes naturais, não em laboratórios, e o fato da visão dos

participantes ter sido considerada para a investigação feita e as interações terem

ocorrido face a face. Houve também a consideração do contexto. Assim como para

Purcell-Gates (2004), para mim, a pesquisa etnográfica não foi desenhada para obter

generalizações estatísticas dos resultados, também como é no estudo de caso. A

pesquisa etnográfica provê "insights" sobre assuntos preocupantes, como é o caso das

novas tecnologias, das possibilidades que o quadro interativo oferece e, em

particular,d os recursos que a internet proporciona para seus usuários.

Interpretativista, pois, conforme afirma Schwandt (2006), considero a ação humana

significativa; me preocupo com um compromisso ético na forma de respeito em

relação à experiência de vida dos sujeitos e, a partir de um ponto de vista

epistemológico, procuro enfatizar a contribuição da subjetividade humana, tentando,

assim, compreender o significado subjetivo da ação partindo de um ponto de vista

situado histórico e culturalmente. Por meio desses métodos, procuro desenvolver a

minha visão, enquanto pesquisadora, como "bricoleur" (DENZIN & LINCOLN, 2006),

que utiliza estratégias, métodos e materiais para gerenciar a pesquisa, reunindo,

quando necessário, novas ferramentas e técnicas que sejam congruentes com a

pesquisa.

Helena Regina Esteves de Camargo

Universidade Estadual de Campinas

BBM: UMA RELAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E CLASSE SOCIAL.

O presente trabalho pretende investigar a relação entre a tecnologia Blackberry, o

idioma inglês e a classe alta da cidade de São Paulo. As hipóteses que sugeriram essa

relação surgiram durante minhas aulas de inglês como língua estrangeira (doravante

LE), em um grupo de cinco adolescentes, em que todos têm o aparelho Blackberry e

escolhem usar o inglês, em vez de português, sua língua materna, para comunicarem-

se por mensagens instantâneas por meio do aplicativo BBM. Ao listar as diferentes

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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funcionalidades que disponibilizam para o usuário uma variedade de recursos

semióticos além do alfabeto, entendemos, nos termos de Street (2006), que as

práticas no BBM são multimodais ou de multiletramentos e, como todo letramento,

não são neutras, pois estão relacionadas a práticas e eventos sociais de leitura e

escrita (BUZATO, 2007; KLEIMAN, 1995; STREET, 2006; LEMKE, 2010; LANKSHEAR,

2007; SOARES, 2002). Dessa forma, letramentos podem muito bem refletir a

identidade que os indivíduos constroem em relação à sua classe social, raça, idade etc,

pois são as "maneiras socialmente reconhecidas de usar a língua, gestos e outras

semióticas, bem como maneiras de pensar, crer, sentir, atribuir valor, atuar/agir e

interagir em relação a pessoas e coisas, a fim de sermos identificados e reconhecidos

como membros de um grupo socialmente significativo"(GEE, 1991, 1996, 1998, apud

LANKSHEAR, 2007, p.3, tradução minha) que revelam quem somos aos nossos olhos e

aos da sociedade. É assim que Gee (1991, 1996, 1998) define Discurso, com “d”

maiúsculo, e faz uma distinção entre nosso Discurso primário e nossos outros

Discursos secundários, em que este se refere à participação que tomamos em grupos

externos e instituições, como escolas, clubes, trabalho, classe social etc., e aquele se

refere a como aprendemos a ser e agir como pessoas como nós o fazem. Portanto,

podemos olhar as práticas de letramento dentro do contexto “classe social alta” como

um reflexo do construto de um Discurso secundário, ou seja, uma identidade. Para

gerar evidências de como os adolescentes marcam sua identidade como membros da

classe alta ao usarem inglês no BBM, os cinco alunos do grupo, com idades entre 13 e

14 anos, responderam a um questionário semiaberto com as seguintes perguntas: 1)

Para quem escreve mensagens no BBM? 2) Em que idioma(s) escreve suas mensagens

no BBM? 3) Tem preferência por algum? Qual? 4) Usa o mesmo idioma para escrever

mensagens para todas as pessoas? Se não, com quem usa o inglês? 5) Liste alguns

fatores que te fazem preferir usar o inglês ao escrever as mensagens. Para preservar a

privacidade dos alunos e da escola, seus nomes foram ocultados e, por serem menores

de idade, os pais dos alunos assinaram um termo de consentimento esclarecido para

que eles pudessem participar da pesquisa. As respostas dos alunos mostram que a

interação no BBM acontece entre pessoas da mesma classe social, que se conhecem

pessoalmente, o que por si só já promove certa exclusividade. Também fica

evidenciado o apreço que esses alunos têm pelo aprendizado de uma LE, pois alguns

alunos responderam que usam o idioma inglês para praticar e aprimorar sua

desenvoltura nele. Alguns alunos mencionaram que todos os seus contatos entendem

inglês, mostrando que é uma língua difundida e aceita dentro de sua classe social e,

portanto, não deve ser utilizada para excluir algum contato ou manter privacidade

dele. Por fim, alguns alunos responderam que preferem usar o inglês simplesmente

porque é mais chique e exclusivo, características que também são conferidas à classe

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

alta. Entendemos que ter competência em inglês no Brasil é característica de uma

classe privilegiada, pois não podemos considerar que o ensino público ou mesmo as

escolas privadas regulares incentivem a aquisição de uma LE da mesma forma que

cursos de idiomas o fazem. Dessa maneira, para aprender a comunicar-se bem em

inglês, é necessário dispor de dinheiro. Considerando que a escola de idiomas

frequentada por esses adolescentes é elitista (haja vista sua localização, mensalidade,

seus estabelecimentos e profissionais), para aprender inglês lá, é necessário dispor de

muito dinheiro, o que caracteriza uma condição exclusiva e diferente da maioria da

população brasileira. Outro traço dessa condição é o próprio Blackberry, pois tem um

custo alto se comparado a outros aparelhos. O custo sempre é uma forma de exclusão,

portanto, o fato de a comunicação via BBM só ser possível entre usuários de

Blackberry limita bastante o número de pessoas que podem fazer parte dessas

atividades e, consequentemente, das redes sociais dessas pessoas. Os adolescentes

criam um espaço cujo acesso se faz restrito àqueles que compartilham tanto da LE

quanto da tecnologia Blackberry. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que marca uma

posição social de prestígio, o uso do BBM em inglês exclui da comunicação todos os

que não compartilham do acesso a essa tecnologia e à língua inglesa, criando assim

também um espaço restrito e não oficial de afirmação identitária. Somando a condição

financeira necessária para dominar o inglês e ter um Blackberry, a importância que

esses alunos conferem ao aprendizado de línguas e a adjetivação de exclusivo,

diferente e chique dada ao inglês, podemos inferir qual é o Discurso secundário

enquanto membros da classe social alta de São Paulo construído por esses

adolescentes, ou seja, como se identificam e são reconhecidos em suas práticas dentro

dela: pessoas exclusivas, diferentes, cultas e chiques. Por fim, este trabalho acaba

revelando, de modo muito sucinto, como o letramento vai além da escrita, leitura e

suas competências. Ao estar atrelado às práticas sociais, políticas, culturais e históricas

do contexto em que os participantes usam leitura e escrita (nas suas diversas

modalidades), o letramento pode revelar qual é posição em que os indivíduos se

colocam na sociedade e como a sociedade os percebe.

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Janaína Fernandes Possati

Universidade Estadual de Campinas

A “REESCRITA DIALÓGICA”: INVESTIGANDO A REESCRITA SOB UMA PERSPECTIVA DA

HETEROGENEIDADE DA ESCRITA

Pretende-se apresentar no seminário uma parte das análises da pesquisa, em

andamento no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, que tem por objetivo

compreender como a reescrita de um texto, realizada num contexto escolar,

apresenta-se como ato dialógico, ou seja, assume a forma de resposta ativa, de réplica

a enunciados e enunciadores anteriores. Em nosso trabalho, visamos abordar o ato de

reescrever um texto para, posteriormente, entendê-lo como um ato dialógico. Para

auxiliar nesse entendimento, utilizaremos o conceito de heterogeneidade da escrita,

conforme concebido por Corrêa (2004). Para Fiad (2009), o termo reescrita poderia ser

compreendido como um processo “realizado pelo autor do texto, quando retorna

sobre seu próprio escrito e realiza algumas operações com a linguagem, que fazem

com que o texto se modifique (...).”. Porém, como conceber esse ato de reflexão, de

retorno ao texto, numa perspectiva dialógica? De acordo com os Parâmetros

Curriculares Nacionais de terceiro e quarto Ciclos do Ensino Fundamental, o conceito

de reescrita – abordado como refacção textual – “permite que o aluno se distancie de

seu próprio texto, de maneira a poder atuar sobre ele criticamente.” (BRASIL 1998, p.

77). Esse seria o momento em que o estudante poderia refletir sobre sua escrita,

visando aprimorá-la. Para abordarmos essa questão, partirmos da concepção dialógica

da linguagem de Bakhtin, segundo a qual um enunciado da língua – construído na

“alternância dos sujeitos do discurso” – seria “pleno de ecos e ressonâncias de outros

enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação

discursiva.”, devendo, assim, “ser visto antes de tudo como uma resposta aos

enunciados precedentes de um determinado campo (...).” (BAKHTIN, 2003, p. 275 e

297, ênfase do autor). Deste modo, ao compreendermos que qualquer amostra de

utilização da linguagem, seja na modalidade oral ou escrita, precisaria considerar o

caráter dialógico e situacional da língua (BAKHTIN, 1995), compreendemos que a

reescrita de um texto poderia aparecer como uma resposta a um enunciado, a um

enunciador anterior. A fim de tentar explicar o dialogismo presente na reescrita,

tomamos por base o conceito de heterogeneidade da escrita, concebido por Corrêa

(2004, p. 9) como sendo um “encontro entre as práticas sociais do oral/falado e do

letrado/escrito (...)”, concepção que considera, como elementos centrais: “a circulação

dialógica do escrevente – que pressupõe, com Bakhtin, o princípio dialógico da

linguagem – e a imagem que o escrevente faz da escrita, tomada como parte de um

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

imaginário socialmente partilhado, modo de recuperar a presença das práticas sociais

na produção discursiva dos seus agentes.” (CORRÊA, 2004, p. 9). Em nossa pesquisa,

adotamos a perspectiva que, ao relacionar a oralidade à escrita, coloca em contato

“uma prática social do campo das práticas orais” – relacionada à enunciação oral – e

“uma prática social do campo dos fatos lingüísticos” – relacionada à enunciação

escrita. Pretendemos, “com essa aproximação, chamar a atenção para a convivência

de marcas lingüísticas dessas práticas nos vários eventos discursivos, inclusive nos

diversos gêneros escritos produzidos (...)” (CORRÊA, 2001, p. 143-144), o que nos

permite assumir que a “relação entre oralidade e escrita” impõe ao texto escrito um

modo de enunciação heterogeneamente constitutivo, e a análise e compreensão dessa

heterogeneidade constitutiva auxiliam na compreensão da “relação sujeito/linguagem

a partir da consideração do texto escrito” (CORRÊA, 2004, p. XI). A partir dessas

concepções, Corrêa estipula três eixos que marcariam a heterogeneidade da escrita: o

primeiro seria “o eixo da representação que o escrevente faz da gênese da escrita”; o

segundo, “o eixo da representação que o escrevente faz da escrita como código

institucionalizado” e o terceiro, “o eixo da representação da escrita em sua relação

com o já falado/ouvido e o já escrito/lido”. (CORRÊA, 1998, p. 72-73). São esses três

eixos que nos auxiliam na busca e identificação do modo heterogêneo pelo qual cada

escrevente dos textos analisados constituiu sua reescrita. Consideramos que esses

eixos são instituídos no dialogismo que ocorre na reescrita, uma vez que os alunos

dialogam em suas reescritas orientados pelas representações que foram sendo

construídas por eles no decorrer de suas vidas e no diálogo com outros enunciados e

enunciadores, em práticas orais e escritas. Deste modo, analisamos textos

provenientes das Oficinas de Leitura e Escrita realizadas pela pesquisadora em um

colégio da cidade de Campinas. Sendo responsável pela organização e realização das

Oficinas, a pesquisadora, que também assumiu o papel de professora, apresenta-se

como um dos sujeitos dessa pesquisa, junto com os 11 alunos do 1º ano do Ensino

Médio, que participaram das atividades realizadas nas Oficinas desenvolvidas durante

o 2º semestre de 2011. Consideramos importante explicar quem são os sujeitos dessa

pesquisa, pois serão eles os participantes de destaque no ato comunicativo instituído

na situação das Oficinas – principalmente, nas reescritas realizadas –, constituindo-se

como fundamentais para o entendimento da reescrita como réplica. No seminário,

apresentaremos a análise de trechos de alguns dos textos, e de suas consequentes

reescritas, produzidos pelos alunos participantes das Oficinas. Nessas produções,

procuramos por indícios que revelassem como as sugestões da professora, em relação

a cada texto, influenciaram a sua reescrita, além de atentarmos para outros fatores,

relacionados aos três eixos da heterogeneidade da escrita (CORRÊA, 2004), que

também podem ter modificado a segunda versão dos textos – como o diálogo

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

instaurado pelo aluno com a imagem que tem da gênese da (sua) escrita (1º eixo), o

diálogo instaurado pelo aluno com a imagem que tem do que seria o código escrito

institucionalizado (2º eixo) e o diálogo instaurado pelo aluno com a imagem que tem

do que seria a exterioridade (outros textos, outros enunciadores) na constituição de

seu próprio texto (3º eixo). Como método de análise e de busca dos indícios que

revelassem o trabalho do sujeito com a linguagem nos três eixos, adotamos o

paradigma indiciário, conforme estudos de Ginzburg (2003) e trabalhos realizados por

Abaurre et al (1997). Ao adotarmos esse método para analisar os textos dos alunos,

buscamos “inferir as causas a partir dos efeitos.” (GINZBURG, 1989, p. 153), visando

compreender, numa perspectiva dialógica, o porquê de determinada expressão ou

construção estar presente (ou ausente) nas reescritas textuais.

Juliana Cristina Fernandes Pereira

Universidade Estadual de Campinas

(RE)VISÃO: UM OLHAR CRÍTICO NO CONTEXTO DOS ESTUDOS DA TRADUÇÃO

O presente projeto de mestrado, cujo enfoque é o trabalho do revisor textual no

contexto da tradução técnica e literária, tem por objetivo examinar de forma

aprofundada o cotidiano do revisor de textos, no que diz respeito as suas práticas,

normas impostas, liberdade de atuação e autoria. Outras questões que serão

discutidas no decorrer deste projeto são: hierarquia autor-tradutor-revisor (fidelidade

ao original versus status da profissão); o que privilegiar durante a revisão textual; grau

de interferência, benefícios/malefícios trazidos pelo emprego de ferramentas

tecnológicas de auxílio à tradução/revisão; e possibilidade de emprego do conceito de

autoria no processo de revisão. É sabido que, embora invisível para muitos segmentos

da sociedade, muito além de possibilitar o intercâmbio cultural, por meio da

disseminação do acesso a obras de autores estrangeiros, o tradutor é uma peça

fundamental que viabiliza a comercialização de sistemas de software, soluções e

outros produtos entre grandes organizações (internacionalização e localização de

software), tendo em vista a necessidade crescente das empresas em expandir seus

negócios e divulgar seus produtos. Não menos importante é sua participação em

eventos mundiais, como, por exemplo, a Copa do Mundo, e em atividades político-

diplomáticas e turísticas. Algumas obras literárias ilustram bem os dois extremos,

invisibilidade e importância do tradutor/revisor/intérprete, como é o caso de “História

do cerco de Lisboa”, de José Saramago (1998); “O tradutor cleptomaníaco”, conto do

escritor húngaro Dezsö Kosztolányi (1996); e “O intérprete de males”, conto da

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escritora indiana Jhumpa Lahiri (2001). A obra de Saramago reflete a visão dominante

de que aqueles que exercem atividades relacionadas ao texto – com exceção dos

autores, é claro – são destituídos de criatividade e de reconhecimento público. Merece

destaque a questão da hierarquia sagrada, presente no senso comum, entre autor e

revisor, que pode facilmente estender-se às relações autor tradutor/orador-intérprete

(casos estes em que também tal hierarquia vem sendo questionada). O personagem

principal, o revisor Raimundo Silva, é tido inicialmente como um escritor frustrado,

que trabalha como revisor e é mal remunerado. Em um determinado momento, o

revisor cede ao mais íntimo instinto e realiza um ato subversivo: acrescenta um “não”

a uma das partes do texto que está revisando, original que até então era considerado

intocável, imutável, divino. Tendo em vista o conceito de tradução intralingual

proposto por Jakobson (no sentido de que qualquer intervenção no texto é

considerada tradução), a atitude subversiva de Raimundo abre espaço para uma

discussão mais ampla, uma vez que contraria totalmente a visão essencialista de

linguagem, na qual o processo de tradução é visto como uma espécie de transporte de

carga, em que texto fonte e texto-alvo são considerados textos objetivos e claros,

facilmente “transportáveis” de uma língua para outra (ARROJO, 2000) e que devem

reproduzir totalmente a ideia do texto original, toda sua fluência e naturalidade e

apresentar o mesmo estilo empregado, refletindo as mesmas diretrizes estabelecidas

para o trabalho do tradutor. Vale ressaltar que esse estereótipo de inferioridade

atribuído aos trabalhadores textuais e a divinização do original também estão

presentes no conto “O tradutor cleptomaníaco”. Nesse conto, Gallus, personagem

principal, é a personificação do tradutor cleptomaníaco, que realiza infinitas

engenhosidades no texto, mas omite em sua tradução diversos objetos presentes no

texto-fonte – embora a qualidade textual da tradução fosse superior a do original, a

diferença na quantidade de objetos tinha um peso muito maior (questão da

fidelidade). Diferentemente dos dois personagens apresentados, no conto de Jhumpa

Lahiri, “O intérprete de males”, o protagonista representa não mais o estereótipo

daquele que transporta o significado, mas assume a postura de um sujeito que

transforma, modifica, atribui sentido à tradução. Sr. Kapasi é um indiano que, quando

jovem, estudara várias línguas e cujo sonho era tornar-se intérprete e trabalhar com

diplomatas e autoridades. Em sua vida adulta, em decorrência das adversidades,

passou a trabalhar como intérprete em um consultório – traduzia os males dos

pacientes para que o médico pudesse tratá-los – e nas folgas trabalhava como guia

turístico. Com base no que foi desenvolvido até agora, o próximo passo será propor

uma reflexão profunda nos contextos corporativo e acadêmico mais direcionada ao

processo de tradução/revisão técnica, que até então tem sido pouco explorado pelos

pesquisadores se comparado ao processo de tradução/revisão literária. Algumas das

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

questões a serem discutidas são: a revisão deve privilegiar e limitar-se a aspectos

gramaticais e ortográficos? O que se espera de uma revisão exemplar neste contexto?

O que o revisor, ele próprio, espera de si? Seria o revisor, em certa medida, autor do

texto? Em se tratando de autoria e sacralidade do original, por exemplo, sabe-se que o

ambiente de tradução técnica possibilita uma maior flexibilidade para os trabalhadores

textuais, se comparado à tradução literária. Embora a liberdade não seja total (e talvez

tal liberdade nunca possa ser total), o mundo da tradução corporativa oferece uma

gama de informações e dados a serem explorados à luz de teorias da tradução. Não

que se queira, com este trabalho, aplicar a teoria desenvolvida à prática dos

trabalhadores textuais, pois é impossível fugir às dicotomias tradicionais, mas sem

dúvida auxiliará esses trabalhadores a alcançarem o status merecido, comprovado

pelas teorias pós-estruturalistas, como sujeitos e coautores dos textos que manipulam.

Kátia Cristina de Oliveira

Universidade de Brasília

RADIOGRAFANDO A CULTURA DE APRENDER LÍNGUA ESTRANGEIRA (INGLÊS) DE

ALUNOS INGRESSANTES E EGRESSOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II

Esta pesquisa insere-se no contexto de ensino de língua estrangeira em uma escola

militar situada no Distrito Federal e tem por objetivo caracterizar a cultura de aprender

língua estrangeira (inglês) de alunos ingressantes e egressos do ensino fundamental II.

No processo de ensino e aprendizagem de LE, a abordagem de ensinar ou a cultura de

ensinar do professor não é a única força responsável pelo sucesso do mesmo.

Devemos nos atentar também para a existência e importância da abordagem de

aprender ou da cultura de aprender do aluno (cf. BARCELOS, 1995). Há, ainda, as

abordagens/culturas de terceiros, conforme postulado por Silva (2005, p.77). Um

terceiro pode ser um diretor, coordenador, os órgãos do governo responsáveis por

elaborar leis e diretrizes para a educação no país, os autores do livro didático, entre

outros. Não podemos nos esquecer, também, de que, entre os terceiros, estão os pais

dos alunos, que, com suas posturas, exercem grande influência na vida escolar de seus

filhos. A filosofia, a abordagem ou a cultura que vai reger o processo de ensino-

aprendizagem de LE fazem parte de uma possível equação, resultante do embate das

forças (abordagens) as quais mencionei acima. É possível que a abordagem

predominante seja uma combinação dessas forças estabelecida por meio de uma

negociação, geralmente tácita, entre as partes envolvidas. O agente mais poderoso

tem maiores probabilidades de ver sua abordagem respeitada e acatada. A equação de

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abordagem que prevalecer movimentará o ensino e a aprendizagem na prática.

(ALMEIDA FILHO, 2011). Conforme Barcelos (1995), a relevância de se estudar sobre a

cultura de aprender LE reside no fato de que ela pode nos mostrar a existência de

possíveis divergências entre o que os alunos esperam das aulas e do ensino e de como

os professores esperam que os alunos ajam para aprender o que é ensinado, ou seja,

ela pode evidenciar um conflito entre as expectativas dos alunos e as expectativas dos

professores a respeito do processo de ensino-aprendizagem de LE. Além disso,

professores e alunos podem ajustar suas atitudes, de acordo com o que é evidenciado

pela cultura de aprender, de modo a obter melhores rendimentos de ambas as partes

envolvidas: professores e alunos podem, então, alcançar melhores resultados e tornar

o processo de ensino-aprendizagem de língua mais satisfatório e bem sucedido. Em

busca de crescimento pessoal e tendo em vista (re)construir uma práxis mais crítica e

reflexiva (GIMENEZ E GOES, 2010; SILVA, 2010; GIL E VIEIRA ABRAHÃO, 2008; ALMEIDA

FILHO, 1999), paradigma este mais condizente com a contemporaneidade, a presente

pesquisa visa investigar a cultura de aprender língua estrangeira de alunos do ensino

fundamental II, em um lócus de ensino e de pesquisa em que, no presente momento,

atuo como professora e pesquisadora de língua(gem). Para tal intento, investigo, neste

estudo empírico, as características da cultura de aprender língua estrangeira de alunos

do Ensino Fundamental II. Feita a caracterização da cultura de aprender LE, verifico

como a cultura de aprender dos alunos ingressantes, se relaciona com a cultura de

aprender dos alunos egressos. As perguntas que nortearão a pesquisa são: 1.Como se

caracteriza a cultura de aprender LE (inglês) de alunos ingressantes (6º ano) e egressos

(1º ano) do Ensino Fundamental II? A caracterização da cultura de aprender será feita

através da consideração de aspectos que serão observados com o auxílio das sub-

perguntas: 1.1. Como se (re)constrói a cultura de aprender língua estrangeira dos

participantes da pesquisa? 1.2. O que os alunos dizem ser necessário fazer para

aprender inglês? 1.3. O que eles fazem para aprender inglês? 2. Como a cultura de

aprender dos alunos ingressantes se relaciona com a cultura de aprender dos alunos

egressos? A fundamentação teórica que orientará a análise dos dados contempla

tópicos como: Educação Linguística, com menção à Lei de Diretrizes e Bases Nacional

(LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Fundamental II (PCN-LE), o

Regulamento dos Colégios Militares (BORGES, 2003; MIRANDA, 2005; ROCHA, 2006;

LEFFA, 1999); abordagens do ensino de língua estrangeira (ALMEIDA FILHO, 2008),

cultura de aprender (BARCELOS, 1995), cultura de ensinar (FEIMAN-NEMSER &

FLODEN, 1986) e cultura de avaliar (SCARAMUCCI, 1997; ALMEIDA FILHO, 2008);

crenças: faces e interfaces, nessa seção discorro sobre crenças, mitos, pressupostos e

concepções (CARMAGNANI, 1993; BARCELOS, 1995, 2001, 2004; CARVALHO, 2000;

PERINA, 2003; SILVA, 2005, 2010;), e finalizo o capítulo teórico falando acerca dos

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estudos empíricos sobre cultura de aprender mais representativos no cenário

brasileiro atual. Para atingir o objetivo proposto, será realizada uma pesquisa

qualitativa-interpretativista de cunho etnográfico (FETTERMAN, 1998; FREEBODY,

2003; CHIZZOTTI, 2006; NUNAN, 2007; ANDRÉ, 2010). A pesquisa terá seus registros

coletados em uma escola militar situada Distrito Federal, onde eu atuo com professora

de LE (inglês) há dez anos. Os participantes primários desta pesquisa serão os alunos

de uma turma de 6º ano do EF II e os alunos de uma turma do 1º ano do EM, alunos

egressos do EF II. Os participantes secundários são as duas professoras de inglês das

respectivas turmas e os pais dos alunos mencionados anteriormente. A coleta de

registros será feita por meio de questionários, entrevistas, narrativas visuais

(desenhos), observações de aulas e notas de campo. A análise de dados será feita pela

triangulação dos registros coletados através dos diferentes instrumentos de pesquisa.

No final desse estudo, espero poder oferecer sugestões visando à harmonização e ao

sucesso do processo de ensino-aprendizagem de LE assim como obter crescimento

pessoal e uma prática mais crítica e reflexiva.

Letícia Yukari Iwasaki Kushida

Universidade Estadual de Campinas

REFLEXÕES SOBRE O ATO TRADUTÓRIO NA TRADUÇÃO DE FLOWERS FOR ALGERNON

Neste projeto, uma das principais questões que procuro abordar nos Estudos da

Tradução é a tendência ainda vigente a postular a tradução entre duas línguas como

tradução propriamente dita e, consequentemente, como representação do que ocorre

em um processo tradutório. A tendência desse regime tem suas raízes na taxonomia

proposta por Roman Jakobson (1971) que, numa tentativa de restringir a instabilidade

constitutiva do significado de “lingua(gem)”, propôs a classificação da tradução em

três categorias estruturais que tiveram repercussões e receptividade diferentes nas

mais diversas áreas que cruzam o campo dos Estudos da Tradução. A contribuição de

Jakobson, embora tenha grande importância no desenvolvimento das reflexões sobre

a questão, hoje deve ser revista quanto ao emprego de seu conceito de tradução

interlingual ou “tradução propriamente dita”, uma vez que leva à suposição de que as

línguas poderiam ser tomadas como “ilhas”, unidades distintas demarcadas

geograficamente, além de prescrever e indicar as formas de representar e apreender o

que se realiza de maneira “perlocucionária”, nos termos da teoria dos atos de fala de J.

L. Austin (1967), quando se traduz. Esse regime convencional da tradução acaba

limitando a visão que se tem da posição do tradutor apenas àquela de colocar-se entre

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uma língua nativa e outra estrangeira para operar a transferência da mensagem, sem

considerar quem é e onde está o agente do ato tradutório tanto em relação ao texto

de origem quanto ao texto traduzido, o que tacitamente tem levado ao apagamento

da figura do tradutor e ao idealismo da tradução como reprodução transparente.

Levando em consideração o que F. Schleiermacher (1838) já reconhecia sobre a língua

no século XIX e que R. Barthes (1978) complementou ao destacar o poderoso papel da

língua como inerente ao meio social (e, sendo assim, é modificada e modifica de

acordo com as transformações sociopolíticas), partimos do princípio de que a tradução

envolve imperativos morais tanto para o tradutor quanto para o leitor (público alvo) da

tradução, e sempre pode ser vista, em maior ou menor grau, como uma manobra

política de antagonismo social. Este trabalho propõe uma tradução do romance de

ficção científica Flowers for Algernon (1966), do escritor norte-americano Daniel

Keyes, acompanhada de uma análise e de reflexões acerca das questões que emergem

dessa tradução. O romance consiste na história de um narrador-personagem

deficiente intelectual que passa por um experimento cirúrgico para elevar seu

quociente de inteligência, e a decisão por traduzi-lo surge da constatação da ausência

de uma tradução do romance para a língua portuguesa, no Brasil ou em Portugal,

embora a obra tenha repercutido em diversos países e tenha sido traduzida para 27

línguas, ganhando ainda adaptações para o teatro, o cinema e a televisão. Esse espaço

vazio nos abre a oportunidade de contribuir para os estudos da literatura do gênero da

ficção-científica e para os estudos da linguagem e da tradução, visto que o tema do

crepúsculo mental, graças ao avanço da tecnologia na medicina, aponta uma crítica

distópica à relação problemática entre sociedade e linguagem (a ficção da

possibilidade de uma “cura” científica da deficiência intelectual). Além disso, ao

experimentar realizar o processo de reconstrução da narrativa em primeira pessoa,

caracterizada por aspectos textuais reveladores de uma pessoa com dificuldades de

escrita e que apresenta mudanças gradativas na qualidade dessa linguagem, é possível

constatar que uma “segunda voz”, índice de presença discursiva do tradutor, como

observa Hermans (1996), necessariamente ressoa no discurso narrativo traduzido,

aparecendo em maior ou menor grau de acordo com a estratégia de tradução adotada

e a consistência com que foi levada a efeito, seja por acréscimo de informações no

corpo do texto, seja por notas de rodapé, ou até mesmo por omissão de trechos. Por

se tratar de uma obra que aponta para o preconceito social particularmente

centralizado na deficiência intelectual e, consequentemente, no preconceito que

existe no nível linguístico, a concepção de língua(gem) que o tradutor assume se revela

na tradução de termos e expressões sujeitas a passar por discussão no campo do

politicamente correto, considerando a história dessa proposta (transformada em

movimento repressor da liberdade de expressão) nos Estados Unidos, sua influência no

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Brasil e a maneira como tem sido interpretada em cada país. Nesse sentido, a visão da

tradução como transferência de mensagem de uma língua a outra ou como

reprodução do texto original não se mostra suficiente para uma reflexão sobre o ato

tradutório necessária a este projeto, pelo fato de suprimirem a voz do tradutor e por

contemplarem a tradução como um processo que permite a comunicação monolíngue

entre duas comunidades linguísticas distintas, de modo que é preciso buscar outras

perspectivas que permitam observar a tradução como algo híbrido, como espaço de

encontro e de tensão entre línguas, dando enfoque ao seu caráter aberto. Nesse

sentido, buscamos a proposta de J. Derrida (1985), que reflete sobre a tradução como

ato performativo, com base na teoria dos atos de fala, mas apresentando uma

possibilidade de interpretar a tradução como uma forma de reconciliação entre as

línguas.

Liv Rocha Fernandes

Universidade Estadual de Campinas

A NOVA REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNICAMP: TRÊS GÊNEROS, TRÊS CONTEXTOS.

Toda mudança traz dúvida e ansiedade. A mudança na prova de vestibular da

Universidade Estadual de Campinas não é exceção. O exame mudou, mas foi a prova

de redação a que mais angústia traz a todos os envolvidos no processo: pais, alunos,

professores e elaboradores de material didático. Isso se dá tanto pelo peso da redação

na nota final (50% do total da prova, quarenta e oito dos noventa e seis pontos da

prova da primeira fase), quanto pela mudança na abordagem à produção escrita. Se

antes a redação seguia o padrão dissertação, narração e descrição comum a muitos

outros exames vestibulares, a mudança trouxe uma proposta baseada em gêneros

discursivos. Ao invés de uma redação, os alunos devem produzir três textos nos

gêneros requisitados pela prova e a coletânea foi extinta. As propostas de escrita têm

um texto-base ao qual o candidato deve se referir. Muito embora se discuta que

outros vestibulares como os da UFPR, a UEM e o da UFG, dentro outros, também

abordem gêneros; e que ainda apenas quatorze por cento da população brasileira

chegue ao ensino superior, uma mudança em prova é, sim, significativa. No contexto

brasileiro, os exames vestibulares são muito importantes visto que há uma crença de

que estudar em uma universidade de renome (ou pública) garantiria um futuro melhor

(SCARAMUCCI, 2002). É compreensível, então, que tenham surgido sistemas de ensino

cuja alegação comercial é “preparar para o vestibular”. Assim como relata Biggs

(1995), as provas guiam “não só o currículo, bem como os métodos de ensino e a

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abordagem de aprendizagem dos alunos”. Mas pode uma mudança em uma prova

influenciar o ensino? A dissertação, que está em fase final de coleta e análise prévia

dos dados, tem como objetivo investigar o efeito retroativo dessa mudança. Segundo

Scaramucci (2004), entende-se efeito retroativo como “o impacto ou a influência que

exames externos e avaliações em geral e especificamente no ensino e na

aprendizagem, assim como nas percepções e atitudes de professores, alunos e formas

de preparação”. Dessa maneira, iniciou-se um levantamento sobre o material didático,

em que esse efeito retroativo poderia aparecer. A metodologia envolvida é qualitativa

de cunho etnográfico e envolve análise documental (dos materiais), análise das aulas e

entrevista semi-estruturada com os produtores de material. A fundamentação teórica

que norteia o trabalho sobre efeito retroativo traz McNamara, Wall, Messick, Bailey,

Scaramucci, Cheng e Watanabe, quanto à escrita e língua materna, são tomados os

pressupostos de Marcuschi, Soares, Bunzen e Pietri e ainda Bakhtin, Bazerman, Sobral,

Dolz e Schneuwly, Street, Cope e Kalantzis. Foram selecionados três campos distintos

para coletar os dados: um terceiro ano do ensino em escola particular do interior do

estado de São Paulo, um cursinho preparatório para exames vestibulares em uma

grande cidade do interior de São Paulo e um material preparatório para a redação da

UNICAMP de alcance nacional feito por um sistema de ensino. Além dos três campos,

procurou-se saber também sobre o possível impacto no ensino médio público através

de conversa com professores de língua portuguesa e análise de um material de ensino

de português. Diferentemente das escolas particulares citadas, o efeito retroativo na

escola pública nesses campos foi nulo. Embora a análise não esteja concluída, já é

possível, através de uma análise superficial dos dados coletados em campo, dizer que

sim, há efeito retroativo nos três campos, apesar de aparecerem em diferentes níveis.

Também foi possível perceber algumas tendências no ensino de redação,

especialmente relacionado aos vestibulares. Nos campos de ensino médio, ensina-se

em três direções: Exame Nacional do Ensino Médio (também conhecido como ENEM);

UNICAMP e o que ambos os professores chamam de “vestibulares filosóficos”, que

englobam a FUVEST (responsável pelo vestibular da Universidade de São Paulo -USP), a

VUNESP (responsável pelo vestibular da Universidade Estadual de São Paulo - UNESP) e

da PUC (Pontifícia Universidade Católica). O cursinho, por outro lado, ensina redação

em duas frentes, UNICAMP e FUVEST. Quanto à produção de material didático

preparatório, também foi possível perceber que dois movimentos ocorrem: produção

por sistemas de ensino/editoras e produção pelo próprio professor de

português/redação. Ainda não há muitos materiais preparatórios para a redação da

UNICAMP no mercado. Ao que parece, elaboradores de material e editoras ainda os

estão elaborando. Desta forma, cabe aos professores elaborar materiais para as aulas

de redação. Mas o que os materiais preparados para as aulas de redação podem

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revelar sobre o entendimento do novo modelo da redação do vestibular? Como os

conceitos dos professores/elaboradores sobre linguagem e o construto da prova são

representados nesses materiais? Que aulas são essas e como os alunos estão sendo

preparados? Pretende-se, por triangulação dos dados coletados, - materiais, prova de

redação, dados de aula e entrevistas - refletir sobre essas questões. A análise dos

materiais e das aulas será realizada e um dos contextos será escolhido para uma

análise mais profunda, para triangulação dos dados e para inclusão na dissertação.

Lucas Vinício de Carvalho Maciel

Universidade Estadual de Campinas

DIALOGISMO EM NARRATIVAS: A LITERATURA DE DOSTOIÉVSKI NAS REFLEXÕES DO

CÍRCULO DE BAKHTIN

Neste trabalho, apresentamos as reflexões iniciais de nossa pesquisa de doutorado

"Dialogismo em narrativas", em que investigamos a noção de dialogismo, conforme

proposta por Bakhtin e seus companheiros Medvedev e Voloshinov, para analisar

narrativas compostas no contexto do vestibular da Unicamp. Para realização de nossa

pesquisa, assumimos a posição dos intelectuais do Círculo de Bakhtin que pensam o

dialogismo como um incessante diálogo das vozes que constituem a comunicação. Em

um texto, por exemplo, poderiam ser notadas vozes de diferentes pessoas, de distintos

personagens, de vários textos, de diversos gêneros que, ao se referirem umas às

outras, comporiam o enunciado. Este, por sua vez, ao se constituir, passaria a ser mais

uma voz no diálogo que estabelece a comunicação humana. Essa noção de dialogismo

foi desenvolvida por Bakhtin e seus companheiros em diversos estudos nos quais

discutiram a questão das relações dialógicas que sustentam e permitem a constituição

da linguagem. Um dos objetivos de nossa pesquisa é retomar as reflexões desses

intelectuais russos na tentativa de entender se as discussões presentes em diferentes

textos se completam e se podem nos levar a uma compreensão mais pertinente das

reflexões por eles propostas. Acreditamos que, por esse caminho, poderemos chegar a

um melhor entendimento acerca das concepções de dialogismo e de polifonia, de tal

modo que nos possibilite uma análise mais coerente das relações dialógicas expressas

nas redações narrativas que temos como objeto de análise. Juntamente à leitura dos

textos do Círculo, propomos, como primeira etapa de nossa pesquisa, a leitura e a

análise de algumas obras de Dostoiévski, utilizadas para nos familiarizarmos com o

universo literário desse autor que tanto influenciou os membros do Círculo de Bakhtin

em seus debates. Entre as obras dostoievskianas que examinamos, destacamos “Gente

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Pobre” (1846), “Memórias do subsolo (1864)”, “Crime e castigo” (1866), “O idiota”

(1869), "Os demônios" (1972) e “Os irmãos Karamázov” (1881). A leitura dessas e de

outras obras de Dostoiévski tem nos permitindo: (i) uma leitura mais fundamentada

das obras do Círculo na medida em que temos agora um conhecimento mais profundo

sobre, por exemplo, o enredo das obras e as características de personagens de

Dostoiévski que são citados nos textos de Bakhtin e de seus companheiros; e (ii)

discutir a extensão e a validade de certas colocações dos membros do Círculo a

respeito da literatura dostoievskiana, para que possamos assumir um posicionamento

próprio no contexto das diversas análises da obra de Dostoiévski. Para que se possa

entender o que pretendemos dizer com esse último ponto, é preciso esclarecer que,

para nossa surpresa, durante a realização dessa primeira fase da pesquisa de

doutorado, nos deparamos com várias críticas às análises de Bakhtin, segundo as quais

sua admiração pela literatura dostoievskiana o teria conduzido a “generalizações (...)

exageradas” (ROSENSHIELD, 1978: 271), a “conclusões extremadas” (FRANK, 1976: 87)

ou impossíveis “em seu próprio princípio” (TODOROV, 1984: xxiv). Assim, se, em um

primeiro momento, pensávamos em realizar a leitura das obras de Dostoiévski tão

somente para que pudéssemos empreender uma análise mais contextualizada das

obras do Círculo em que as linhas do romancista russo são referenciadas, vemos,

agora, que será interessante discutir as próprias afirmações de Bakhtin e de seus

companheiros sobre essa literatura. Isso é de grande importância para nossos

objetivos, pois, se concordarmos (mesmo que parcialmente) com as críticas às análises

bakhtinianas, precisaremos repensar o modo como esperamos examinar as relações

dialógicas nas redações dos vestibulandos, interesse último de nossa pesquisa. Desse

modo, se antes nos parecia imperioso discutir os limites entre dialogismo e polifonia,

para ver, por exemplo, se a polifonia ocorre apenas no âmbito de romances ou se pode

acontecer mesmo no contexto das narrativas curtas do vestibular, entendemos, agora,

que, antes disso, é preciso nos colocarmos no cenário das críticas às posições

bakhtinianas. Assim, precisamos previamente decidir se concordamos, por exemplo,

com a rejeição de Todorov à concepção bakhtiniana de polifonia, pois, segundo o

crítico, Bakhtin parece estar confundindo duas coisas. Uma é que as ideias do autor

sejam apresentadas por ele, no interior de um romance, como tão discutíveis como as

de outros pensadores. A outra é que o autor esteja no mesmo plano que suas

personagens. Ora, nada autoriza tal confusão, já que também é o autor que apresenta

tanto suas próprias ideias quanto as das outras personagens. (...) Dostoiévski não é

uma voz entre outras nos seus romances, é o criador único, privilegiado e radicalmente

diferente de todas as suas personagens, uma vez que cada uma delas não é,

justamente, senão uma voz, enquanto Dostoiévski é o criador dessa própria

pluralidade. (TODOROV, 1984: p.xxv). Aceder a essa crítica de Todorov, levar-nos-ia a

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excluir a própria categoria de “polifonia” como uma das possíveis de ocorrerem nas

redações já que essa concepção, que prevê certa paridade entre autor e personagem,

seria impossível “em seu próprio princípio” (TODOROV, 1984: xxiv). Nesse momento

de nossa pesquisa, contudo, mesmo que estejamos nos inteirando das críticas acerca

de certos posicionamentos bakhtinianos, ainda continuamos concordando com muitas

das posições do Círculo, inclusive com a concepção bakhtiniana de polifonia (BAKHTIN,

1929/1963). Ao lado de pesquisadores como Bezerra (2010), entendemos que a

literatura dostoievskiana traz realmente uma nova concepção de relação autor e

personagens, do que advém a posição bakhtiniana de que Dostoiévski “criou um tipo

inteiramente novo de pensamento artístico, a que chamamos convencionalmente de

tipo polifônico” (BAKHTIN, 1929/1963, p. 1). Ou seja, admitimos que “Bakhtin reitera a

presença indispensável do autor na construção do objeto estético e sua posição

especialíssima na arquitetônica do romance especificamente polifônico” (BEZERRA,

2010, p. xi), sem confundir ou igualar autor e personagens. Assim, no presente estágio

de pesquisa, encontramo-nos analisando a literatura de Dostoiévski, buscando

entender (e discutir) noções bakhtinianas fortemente influenciadas pela literatura do

romancista russo. Isso, supomos, permitirá uma discussão mais adequada quando da

análise das redações narrativas do vestibular Unicamp que compõem nosso corpus de

pesquisa.

Luís Fernando Protásio

Universidade Estadual de Campinas

A TRADUÇÃO ORIGINAL

A aproximação teórico- (no sentido de estabelecimento de uma identificação − ou de

uma conformação) metodológica (no sentido de circunscrição de um método

apropriado para o aludido estabelecimento) dos conceitos de tradução e de identidade

não é, em si, uma novidade dentro dos estudos da tradução, principalmente se tal

aproximação buscar amparo em trabalhos de fôlego mais tradicional que, como os de

Kathryn Woodward (2000) e de Stuart Hall (2005), hospedam-se sob a bandeira dos

chamados estudos culturais e/ou estudos pós-coloniais. Inscrita em uma perspectiva

maniqueísta da história, essa aproximação preludia o que Ricoeur (2011) chama, em

referência a um panfletário texto do helenista francês Marcel Detienne , de

“construção do comparável” o que, por sua vez, produz semelhanças -

“correspondências sem adequação”, “equivalências sem identidade”, são os termos

que Ricoeur usa- sempre transitórias. Semelhanças transitórias porque registradas, de

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Linguística Aplicada

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forma irrevogável, no tempo de uma história teleológica conformada em uma teoria

da historiografia. É nesse caminho maniqueísta que as abordagens que entendem a

tradução como construção de identidades têm se perdido nas vias, na história dos

estudos da tradução (história ordinariamente abordada como historiografia, embora

trate-se de coisas distintas), das “pontes”, dos transportes, da partida, do destino, da

chegada, das fontes, das metas, dos alvos e das flechas que povoam exaustivamente a

maioria dos discursos sobre tradução sem, em geral, atingirem o ponto de uma

novidade. É desse caminho que se deve distanciar; são essas pontes, para citar Deleuze

(1997), que se deve ultrapassar. Observado sob tal perspectiva (isto é, sob a

perspectiva dos Estudos Culturais), o diálogo entre a prática da tradução e a

construção de identidades, especialmente no contexto contemporâneo motivado pelo

processo de globalização, aponta para a tradução como um instrumento de afirmação

da identidade, com ênfase na identidade cultural. Eventualmente, todavia, essa

funcionalidade política pode também (ou, redizendo, pode inclusive) servir para

colocar essa identidade sob suspeita, já que questionaria seus limites sobretudo no

que diz respeito à fragmentação que lhe imprime um caráter de ‘espaço da diferença’

(com ênfase, ainda tomando o contexto contemporâneo, mas agora de acordo uma

expectativa mais relevante dentro do campo de uma filosofia da linguagem, nas

implicações e nas imbricações de gênero, de raça e de mestiçagem). Sob uma

perspectiva mais filosófica e de orientação pós-estruturalista, porém, o enfoque desse

diálogo é transferido do eixo afirmação/questionamento da identidade para o eixo

representação/transmissão dessa identidade, uma vez que desloca sua construção

histórico-discursiva como ‘espaço da diferença’ para a problematização dos conceitos

de história, memória, narração e diferença, que lhe são estruturais. Nesse sentido, é o

enfrentamento e a transmissão da diferença (alter, Outro, estranho, estrangeiro,

feminino, etc.) que abrem a possibilidade de um processo de narração (em seu caráter

de invenção ou, ainda, nos termos de Nancy Huston, em sua “espécie fabuladora”

("espèce fabulatrice"). Com efeito, será esse processo de narração que acionará, a um

tempo, a emergência do sujeito (a invenção de sua identidade na língua ao apropriar-

se do lugar vazio do “eu” e entrar no jogo simbólico) e o nascimento do drama

encenado por esse sujeito na língua (a conversão de sua memória em história e,

portanto, em urgência de testemunho). Sob essa perspectiva pós-estruturalista – que

é, aliás, a perspectiva assumida neste trabalho –, o problema da relação estabelecida

entre tradução e identidade começa, assim, a apontar para os conceitos de identidade

narrativa ("identité narrative") (RICOEUR, 1990) e de narração ("Erzählung")

(BENJAMIN, 1987; SELIGMANN-SILVA, 2003, GAGNEBIN, 2009), conceitos esses não

apenas encenados, mas também inscritos no corpo da língua que toma para si a

responsabilidade pela gênese e pela maturação da identidade. Consideradas essas

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Linguística Aplicada

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perspectivas, a autotradução (que é, em última análise, uma tradução do eu "je")

surge como uma estratégia de resistência (já que reatualiza a gênese do eu "moi") e

como uma tarefa de manutenção do impulso auto-bio-gráfico. Tal impulso, realizado

como um ritual de alienação do eu mesmo, faz a autotradução aproximar-se de uma

afinidade alegórica já que, de acordo com esse arranjo, restitui o corpo à língua − em

todas as dobras que essa restituição possa assumir. Em outras palavras, realiza a

passagem da coisa em si, idem a si mesma para sua nomeação, seu reconhecimento na

língua e como língua, sua transformação em língua − passagem que justamente

corporifica o delírio (para citar Deleuze) ou a loucura (para lembrar Blanchot) fundados

na "Aufgabe". Considerados esses termos e partindo de um panorama assim

desenhado, não seria arriscado aproximar teórica e metodologicamente (como é a

proposta aqui) as experiências extremas de exílio e de autotradução cultivadas pela

escritora canadense Nancy Huston a um cenário narrativo (e, portanto, ficcional) em

que tradução e identidade funcionam como intérpretes do episódio fundamental (um

episódio, nesse sentido, original, tal qual o entenderá "Agambem") que irá inscrever a

arké do sujeito (e, logo, de sua identidade) na história, seja essa história pensada, no

risco de Walter Benjamin, como processo real ("Geschichte"), como disciplina

("Historie"), como memória ("Gedächtnis"), como rememoração ("Eingedenken") ou

como comemoração ("Erinnerung").

Márcia Andréa Almeida de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: A PRESENTIFICAÇÃO E

ELEMENTARIZAÇÃO DOS OBJETOS DE ENSINO

Este estudo trata dos resultados parciais, obtidos a partir da análise de dados da tese

de doutoramento, que tem por objetivo investigar a apropriação que o professor faz

do Livro Didático de Língua Portuguesa (doravante LDP), integrando três dimensões

essenciais para se compreender o trabalho docente: os objetos de ensino, as

ferramentas do professor e os gestos didáticos. Ele está vinculado ao projeto de

pesquisa “Livro Didático de Língua Portuguesa: Produção, Perfil e Circulação – LD-

Properfil”, coordenado pela professora doutora Roxane Helena Rodrigues Rojo. Tal

projeto tem por objetivo desenvolver: i) a avaliação de livros didáticos de Português e

de Alfabetização no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), desenvolvido pela

Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC); ii) a assessoria e

consultoria ao MEC para as políticas do livro e da leitura; e iii) a pesquisa da produção,

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Linguística Aplicada

206

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

seleção e uso dos LDP, destinados ao ensino fundamental e médio, visando a

descrever as características editoriais, pedagógicas e discursivas dos LDP. Neste

trabalho, para refletirmos sobre o que o professor conhece do processo de avaliação

do LDP, do processo de seleção do material na escola e das diferentes relações que tais

processos suscitam, recorremos às entrevistas das professoras dos 6°, 7°, 8° e 9° anos

do ensino fundamental II de uma escola pública da cidade de Belém, aos questionários

aplicados com as professoras dos 6° e 9° anos e as observações realizadas em sala de

aula. Para isso, buscamos organizar o conteúdo do discurso das professoras a partir

dos componentes do triângulo didático (saber, aluno e professor), proposto por

Chevallard (1991) e repensado por Dabène (1995), relacionando-os à noção de

discurso e compreensão ativa de Bakhtin/Volochínov (2006/1929). Concernente ao

polo de saber, procuramos investigar quais são as apreciações das professoras sobre a

avaliação do LDP realizada pelo MEC, os critérios implementados na seleção e a sua

relação com os saberes didatizados, focalizando a compreensão ativa que elas

manifestam em seu discurso, sobretudo, dos documentos oficiais. No que diz respeito

ao polo do professor, procuramos centrar na relação que as professoras estabelecem

com o LDP, quanto as suas possibilidades e limitações, sem, contudo, perder de vista a

relação do professor com os demais polos do triângulo didático e focando a apreciação

que o professor tem desse instrumento, a fim de compreender essa relação dinâmica e

complexa que é a relação didática. Quanto ao polo do aluno (considerado como parte

integrante e constitutiva do sistema de ensino), buscamos explicitar de que modo eles

exercem influência no uso do LDP, a partir das entrevistas e dos questionários. Isto é,

em que momento as professoras fazem referência aos alunos em suas decisões de usar

ou não o livro e de selecionar os objetos de ensino, as atividades e as tarefas. A partir

da análise dos dados, verificamos que conhecer o processo de avaliação significa

também conhecer um conjunto de textos que são elaborados para auxiliar o professor

nos processos de seleção e uso, os quais podem influenciar o ensino/aprendizagem da

Língua Portuguesa. No entanto, o fato de as professoras não saberem definir esse

processo representa uma falha no PNLD: o distanciamento entre os agentes da esfera

escolar e da esfera das políticas públicas e a falta de uma participação mais ativa dos

professores no processo de transposição didática externa. Percebemos ainda que as

professoras parecem buscar seguir as novas orientações para o ensino, posto que

destacam o trabalho com texto e a integração entre gramática e texto, embora suas

ações de ensino mostrem outra tendência. Nesse caso, há incoerência entre os objetos

priorizados na seleção e aqueles ensinados e mediados pelo LDP. O discurso sobre o

livro deixa também entrever que as apreciações favoráveis ao uso do material advêm,

especialmente, de quem costuma utilizá-lo. A professora que mais pontuou aspectos

positivos sobre o material é justamente aquela que mais o utiliza, demonstrando assim

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Linguística Aplicada

207

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

um nível maior de apropriação do que as outras professoras, que não abordam

questões pontuais sobre o manual didático, porque talvez não o conheçam nem o

usem. A partir disso nos questionamos: usar para conhecer ou conhecer para usar?

Ainda com relação à análise, por meio das entrevistas, notamos que as possibilidades

de uso também se relacionam com o fato de o livro não tirar a autonomia do

professor, porquanto ele pode selecionar o que achar mais conveniente para ensinar,

utilizar outros materiais (seja outro LDP, seja gramática) e usá-lo quando sentir

necessidade. Os dados revelam que o professor tem total autonomia para decidir se

vai ou não utilizá-lo e que há uma forte ligação remanescente das professoras

investigadas com o currículo centrado no ensino de gramática, no qual o texto ainda se

faz presente como um pretexto e as práticas de escrita e orais são secundarizadas ou

inexistentes. Os resultados da pesquisa apontam também que, muitas vezes, o

professor não conhece certos assuntos presentes no livro, o que limita o uso desse

instrumento. Para nós, esse pode ser um dos principais fatores que favorece o não uso

do LDP, visto que as propostas atuais baseiam-se no ensino de outros saberes. Vale

mencionar que as mudanças recentes nos objetos de ensino e nas orientações teóricas

exerceram e exercem uma influência significativa na produção dos LDP, entretanto

parecem não exercer na prática das professoras, posto que estas tomam como

limitação a ausência de uma gramática normativa mais pontual e a quantidade de

textos e questões de interpretação. Além disso, os dados de pesquisa revelam que os

alunos exercem uma influencia muito grande no perfil do professor. De um modo

geral, o estudo até aqui feito permite concluir que a prática das professoras reflete não

só o saber advindo de sua formação e de suas experiências de vida, como também o

saber construído ao longo do exercício da prática de ensino.

Mariana Batista de Lima

Universidade Estadual de Campinas

LETRAMENTO ACADÊMICO: A CÓPIA (PLÁGIO) NAS PRÁTICAS DE ESCRITA

ACADÊMICA

Situações de carências e de impasses presentes no ensino do letramento acadêmico,

aos alunos ingressos em cursos de ensino superior, já vêm sendo evidenciadas e

discutidas em estudos de pesquisadores de diversos países (CANAGARAJAH, 1997;

BRAINE, 2002; MARINHO, 2012; OLIVEIRA, 2011; ZAVALA, 2010). Fundamentando-se

no conceito de que todo letramento é situado e corresponde a práticas sociais

(STREET, 1984; 1998), conflitos de identidades muitas vezes são gerados devido às

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Linguística Aplicada

208

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

distintas bases culturais de alunos versus docentes acadêmicos, o que pode ser

esclarecido com a noção de que a escrita seria mais do que uma simples técnica,

constituindo-se, portanto, em uma maneira de se ver o mundo (ZAVALA, 2010, p.75).

Ademais, é importante considerar que o texto acadêmico definitivamente não é

neutro, mas sim “vem associado a um tipo de identidade” (ZAVALA, 2010, p. 82).

Assim, não são somente “meros” estilos de textos escritos que estão em jogo, o

problema se recai na intrínseca relação entre letramento e prática social, e é

justamente essa importante relação que parece não estar sendo observada e

considerada o suficiente para que sejam corrigidos e atenuados os desencontros

sofridos pelos alunos universitários no tocante à aquisição do letramento acadêmico.

Numerosos e distintos são os gêneros constituintes do letramento acadêmico, entre

eles os que são lembrados mais prontamente são os escritos (o fichamento, o

relatório, a resenha, o resumo – OLIVEIRA, 2010, p.21), mas ainda há os orais (a aula, a

conferência, a defesa de monografias, de teses; a entrevista, o seminário etc.), esses

que também são aprendidos no ensino superior e, assim como os gêneros escritos,

“oferecem grandes desafios aos alunos” (MARINHO, 2010, p.366). Diante dessas

questões, outras problemáticas podem ser relacionadas aos conflitos propiciados pelos

desencontros de muitos estudantes universitários no momento da aquisição do

letramento acadêmico: a falta de autoria e identidade na execução dos trabalhos

escritos por eles, e, consequentemente, a possível condução ao extremo da utilização

do recurso de pura cópia (plágio) de trabalhos já produzidos e que, atualmente, são

amplamente disponibilizados, sobretudo, na internet. A prática indevida de cópia de

outros textos pode ser analisada a partir de três vieses fundamentais: jurídico, ético e

educacional. Nesta pesquisa, interessa principalmente o caráter educacional, que

inclui graduandos e pós-graduandos e que compete aos prejuízos gerados à qualidade

da formação dos estudantes, adicionados aos problemas de ordem ética e,

possivelmente, jurídica. Mas, apesar de ser necessário considerar questões de ordem

cultural na análise mais adequada do problema da cópia em textos escritos pelos

universitários, as carências educacionais e desencontros identitários não são

apresentados como validação e motivo para tácita aceitação de trabalhos que sejam

exemplos de pura cópia, de plágio. O objetivo é justamente entender o porquê do

problema e não o aceitar como natural e positivo, o que definitivamente ele não é,

uma vez que resulta e representa baixos níveis de qualidade na formação de

graduandos e, por conseguinte, baixa qualidade no desenvolvimento da pesquisa

científica como um todo. Diante dessas questões, neste trabalho se analisam registros

de interações em sala de aula em que alunos (graduandos do curso de Letras de uma

renomada universidade pública brasileira) discutem e apontam o que consideram ser

as principais causas e até mesmo possíveis soluções para os problemas em questão (a

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Linguística Aplicada

209

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

saber, deficitário ensino da escrita acadêmica, falta de autoria, identidade e a prática

da cópia em trabalhos escritos). As condições da geração dos registros deste trabalho

se deram por meio da gravação (áudio) de duas aulas de uma disciplina que compõe o

currículo obrigatório do curso. Ainda em andamento, esta pesquisa intenta entrevistar

docentes acadêmicos, da área de Letras, a fim de saber suas opiniões e classificações

acerca do que consideram ou não ser cópia (plágio) em trabalhos escritos acadêmicos,

com foco nos textos de alunos. De antemão, acredita-se que um total consenso não

será encontrado, isso porque já nas leituras realizadas, revisão bibliográfica, é possível

observar algumas controvérsias sobre a questão. No tocante à análise e geração de

registros, seguem-se aqui os preceitos metodológicos de cunho

qualitativo/interpretativista, que pretende opor as ponderações deste estudo aos

critérios de cientificidade positivista que procura justificar análises e respostas pelo

método/critério quantitativo (MOITA LOPES, 1998). Ainda em caráter de

esclarecimento, cabe expor que a noção de Linguística Aplicada, com que se opera

aqui, considera que uma das funções desta área científica é gerar compreensão acerca

dos problemas sociais em que a linguagem se faz central (MOITA LOPES, 2006). Muito

sucintamente, considerando-se o estágio em que se encontra esta pesquisa, pode-se

concluir que a falta de organizado ensino do letramento acadêmico e os modelos dos

trabalhos escritos ensinados durante o ensino fundamental e médio são, na grande

maioria dos casos, fortemente responsáveis pelas deficiências na produção de textos

acadêmicos conforme também apontam os alunos participantes desta pesquisa. Além

disso, o exercício de cópia (plágio), por vezes realizados pelos universitários, deve ser

compreendido como uma denúncia das dificuldades que enfrentam em relação ao

letramento acadêmico, o que pode levá-los ao problema do apagamento enquanto

indivíduos, frente aos padrões culturais hegemônicos vigentes no modelo de

globalização ocidental, ou a algo que ainda pode ser mais grave: “o fracasso ou

abandono escolar” (BEREBLUM, 2003, p. 104). Infelizmente, a trajetória acadêmico-

escolar ainda pode contribuir “para a desautoração (disempowering) de seus egressos”

(KLEIMAN, 2006, p.410). O letramento acadêmico exige pesquisas sobre habilidades e

competências linguísticas, mas também sobre “fundamentos e estratégias que

permitam refazer princípios e crenças que têm levado nossos alunos a uma relação

tímida, deficiente, inadequada e tensa com as práticas acadêmicas letradas”

(MARINHO, 2012, p.368).

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Marília Curado Valsechi

Universidade Estadual de Campiinas

LETRAMENTO PARA O LOCAL DE TRABALHO DOCENTE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE

O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR

DE LÍNGUA MATERNA

Este trabalho faz parte de nossa pesquisa de doutorado em Linguística Aplicada, em

andamento, cujo projeto intitula-se “Estágio Curricular Supervisionado: uma prática

situada para o letramento profissional do professor”. O interesse por desenvolver

pesquisa na área de formação de professores está ligado à minha trajetória enquanto

pesquisadora e formadora de professores. No mestrado, quando comecei a participar

do grupo Letramento do Professor, desenvolvi uma pesquisa que teve por objeto um

curso de formação continuada, oferecido por meio do programa Teia do Saber – uma

parceria entre a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e uma instituição de

ensino superior, no caso, o Instituto de Estudos da Linguagem – para professores dos

anos iniciais. Nesse trabalho, verifiquei como se dá o processo de apropriação dos

saberes formadores pelo professor participante com o objetivo maior de investigar a

eficácia do modelo de formação continuada proposto. Atuei também como formadora

de alguns cursos semipresenciais de formação continuada de professores de Educação

Infantil e anos iniciais e, ao trabalhar como professora de futuros professores de língua

portuguesa, no contexto da formação inicial do curso de Letras, mais especificamente,

na disciplina de estágio curricular supervisionado, adquiri um interesse ainda maior

por compreender a prática do estágio na formação do professor, o significado que este

apresenta para os envolvidos, tanto o licenciando quanto a comunidade escolar

(coordenador, professores das unidades concedentes, as escolas), bem como o tipo de

relação que os docentes em formação, ainda no contexto universitário, mantém com

os saberes acadêmicos para a realização da transposição didática (CHEVALLARD, 1998),

na elaboração das aulas a serem ministradas durante o estágio. Dessa forma,

mantenho o interesse do mestrado, que também faz parte de um dos objetivos do

nosso Grupo de pesquisa, em entender “o que está envolvido no processo de

formação (no caso, inicial) do professor a fim de contribuir para uma formação que

resulte na autorização do professor para agir no seu contexto de ação” (KLEIMAN &

MARTINS, 2007), nesse caso, voltado para a formação inicial do professor de língua

materna. Como objetivos específicos, procuro descrever o estágio curricular

supervisionado na formação do professor de língua portuguesa de uma universidade

pública do interior paulista, na qual atuo como professora e supervisora do estágio;

analisar os eventos de letramento de que o estagiário participa, assim como o

Page 211: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

processo de transposição didática efetuado por estes; investigar os significados que o

estágio apresenta para os participantes para contribuir com reflexões críticas a fim de

fornecer subsídios para a universidade, no que diz respeito à formação inicial docente,

numa perspectiva mais colaborativa e empoderadora do trabalho do professor. A

pesquisa está baseada na metodologia qualitativo-interpretativista, por partilhar de

suas características básicas, ou seja, é naturalística, visto que investiga o fenômeno em

seu “contexto natural”, não experimental, os dados são gerados a partir das práticas

sociais situadas durante a realização dos estágios curriculares supervisionados dos

sujeitos participantes. Também visa à compreensão profunda de seu objeto de estudo,

o estágio curricular supervisionado, enfatizando o ponto de vista dos seus

participantes, em função do qual procuramos refletir sobre os aspectos da realidade

que necessitam ser modificados, no caso, o formato de estágio curricular proposto na

formação inicial da referida instituição. Adotamos a perspectiva interpretativista tal

como designada por Moita Lopes (1994), pois, ao assumirmos o fazer científico como

uma construção de discurso, compreendemos que não há uma interpretação correta

para essa realidade, mas que os significados são construídos/negociados pelos sujeitos

envolvidos na investigação, considerando-se, inclusive, a subjetividade do pesquisador,

razão pela qual ressaltamos nossa trajetória como pesquisadora. Trata-se de um

estudo de caso, pois apresenta uma unidade específica e particular de estudo – a

prática do estágio supervisionado de uma instituição específica – e contempla as

características principais dessa abordagem, segundo Barone (2004): constitui-se de um

desenho de pesquisa descritivo e não-experimental, exige uma rica descrição do

objeto de estudo, procura enriquecer a compreensão do leitor sobre o fenômeno

investigado – contribuindo para a ampliação do conhecimento das comunidades

científicas que têm o estágio supervisionado como objeto de estudo – e utiliza de

abordagem indutiva, tendo em vista que os dados dirigem as compreensões que

emergem do estudo. Os dados a partir dos quais realizaremos a triangulação

correspondem ao projeto político-pedagógico do estágio da instituição universitária e

do planejamento da disciplina de estágio; textos produzidos pelos alunos estagiários,

como os planos de aula, relatórios de estágio, diários reflexivos; também nossos

diários reflexivos, produzidos em função das aulas na universidade; questionários de

avaliação da disciplina de estágio preenchidos pelos licenciandos e entrevistas

realizadas com alguns professores em formação, bem como com alguns agentes da

comunidade escolar. Para a presente comunicação, apresentamos análises iniciais dos

relatórios de estágio produzidos pelos alunos do último ano do curso de Letras.

Fundamentada, principalmente, na concepção bakhtiniana de linguagem e nos Estudos

de Letramento, a pesquisa compreende o estágio supervisionado como uma prática

situada para o local de trabalho do professor, em que o estagiário interage com vários

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

agentes (professor da escola, coordenador, supervisor acadêmico, alunos para os quais

ministrará aulas) e se insere em diversos eventos de letramento (envio de

documentação para a realização do estágio, pesquisa de textos para planejamento das

aulas, elaboração dos planos de aula, e a aula, efetivamente), atribuindo significado a

esses eventos e construindo sua identidade profissional docente.

Marluza da Rosa

Universidade Estadual de Campinas

O DISCURSO UNIVERSITÁRIO-CIENTÍFICO NA CONTEMPORANEIDADE: ALGUNS

APONTAMENTOS

Apresentamos, nesta comunicação, nosso trabalho de tese, em fase final de escrita,

com vistas a alinhavar aspectos pontuados na análise do corpus, bem como a debater

algumas noções teórico-conceituais desenvolvidas. Ancoramos nosso estudo na

perspectiva discursiva, remetendo-nos a sua relação constitutiva com a psicanálise

lacaniana. Nosso olhar para o corpus e para nossa própria articulação teórica é,

também, permeado pelo viés da desconstrução, o qual implica um gesto constante de

reformulação teórico-conceitual. Em nossa pesquisa, propomo-nos a colocar em

discussão o discurso em formulação e circulação no âmbito universitário,

compreendido não apenas como um lócus de observação, mas também de

problematização e de possível transformação de sentidos já-dados, naturalizados ou

reafirmados. Denominamos universitário-científico esse discurso para o qual nos

voltamos, compreendendo-o, metaforicamente, como os bastidores do discurso da

ciência. Ao colocarmos em jogo essa outra cena (LACAN, 2009), raramente mostrada,

quando o discurso da ciência é encenado como discurso da verdade, procuramos

explorar um modo de funcionamento que potencialize a tomada desse discurso pelo

avesso, potencializando, também a desestabilização dos sentidos aí tomados como

evidentes. Se a ciência em cena se encena como um discurso sem sujeito, que tende a

universalidade e que afirma desvendar lógica, objetiva e racionalmente o que dizem

fatos e fenômenos, seu avesso pode ser pensado a partir do que é foracluído nessa

imagem, a saber, a dimensão subjetiva que envolve o acaso, o desejo, a inscrição do

pesquisador ou, nos termos de Lacan (1998, p. 884), o “drama subjetivo do cientista”.

Desse modo, a proposta de uma torção no discurso científico não trata de uma busca

por substituí-lo pelo discurso do senso-comum ou por dizeres taxados como “mera

opinião” ou “sem comprovação científica”. Quando falamos de torção, não falamos de

oposição ou de inversão da hierarquia, movimento por meio do qual o discurso

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

científico passaria a assumir o polo contrário ao que comumente assume. Uma torção,

para nós, implica tomar um objeto ou um discurso em seu duplo (direito e avesso,

como na figura topológica da banda de moebius), considerando, também, seu outro

lado: pensar a cena com os bastidores ou pelos bastidores. Sendo assim, se a ciência

parece não falhar ao procurar apresentar respostas a todas as perguntas (ainda que

respostas provisórias), o que buscamos é tomá-la pelo viés em que esse semblante

(LACAN, 2009) pode ser desconstruído, em que essa possibilidade de falha sofre

menos tentativas de tamponamento. A ordem para a qual nos voltamos consiste,

assim, no processo de formação para a pesquisa científica, processo no qual não

apenas o conhecimento, mas também os pesquisadores estão em (trans)formação.

Entendemos que, nessa ordem, situada no âmbito universitário, a ciência não é dada

como pronta, diferindo-se, por exemplo, do modo como é veiculada nos discursos de

divulgação científica. Em outros termos, tomamos como lugar de observação e

problematização não o produto, mas o processo de produção e transmissão de

conhecimentos (a ciência em desenvolvimento). Nesse processo, mais do que os

resultados, importa a inscrição do pesquisador em formação, sua constituição

identitária, inevitavelmente atravessada pela heterogeneidade discursiva que permeia

essa outra cena e que presentifica uma memória de dizeres. Nessa perspectiva,

defendemos a hipótese de que a identidade do pesquisador em formação se constitui

em um movimento tenso de aproximação-afastamento a uma imagem ideal e

espectral, a figura do cientista, definida e reafirmada a partir de uma matriz de

sentidos que pode ser compreendida pela referência à designação ciência moderna.

Para a discussão proposta, tomamos como objeto de estudo o dizer de pesquisadores

em formação de diferentes disciplinas, inscritos em três grandes áreas: ciências

humanas, biológicas e exatas. O corpus foi construído a partir de entrevistas orais

semi-diretivas, gravadas e transcritas. No total, foram vinte e uma entrevistas (sendo

sete de cada área), nas quais os participantes foram instados a falar sobre como viam o

processo de formação em que estavam inseridos e sobre como se viam como

pesquisadores nesse processo. A análise se baseou em regularidades linguístico-

discursivas, presentes em segmentos recortados dos dizeres, os quais obedeceram, em

sua maioria, a uma estrutura narrativa linear, com passado e presente organizados

pelo olhar retroativo de um eu-narrador. Como resultados parciais, podemos apontar

alguns elementos que nos chamaram a atenção. No que concerne ao olhar para si

como pesquisador, notamos, por um lado, a ênfase no eu (dimensão consciente) como

principal responsável pelo desenrolar linear e teleológico de uma história escolar e

acadêmica, o que aponta para o caráter individualista e positivista, característico da

modernidade, que permeia esse dizer. Por outro lado e em contraposição a essa

fantasia de si mesmo, sinalizamos a construção de uma imagem de si mesmo

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

submetida tanto ao olhar e à voz do outro, quanto a um ideal de pesquisador em

constante adiamento, o que, ao mesmo tempo, frustra e alimenta um desejo de vir a

ser. No que diz respeito ao olhar para o processo de formação para a pesquisa, por

meio do qual buscamos problematizar, também, o discurso da ciência como

semblante, salientamos o atravessamento, nos dizeres, do que Lacan (1992) denomina

Discurso Universitário, marcadamente burocrático e com pretensões de completude,

de totalização, de tudo-saber. Além disso, pontuamos o conflito e o mal-estar, também

marcados no fio do discurso (por meio das hesitações e da reiteração de elementos

lexicais, por exemplo), que o pesquisador em formação vivencia na relação com a

constante demanda utilitária, ou seja, com o imperativo para que o conhecimento seja

convertido, não apenas em um resultado, mas em produto (em objeto) utilizável,

comercializável, rentável. Esse mal-estar também se materializa em dizeres que podem

ser interpretados como possíveis gestos de resistência ao excesso de visibilidade

esperado desses produtos – que devem ser positivos, reafirmando a ciência como

semblante daquilo que funciona –, em contraposição à invisibilidade e à vigilância

insistentes à quais se submete o pesquisador nesse processo de formação e de

produção de conhecimento.

Nayara Natalia de Barros

Universidade Estadual de Campinas

A ADEQUAÇÃO DA ESCOLHA METODOLÓGICA PARA A ANÁLISE DE UMA VARIEDADE

DE TEXTOS HIPERDOCUMENTAIS E MULTIMODAIS: O CASO STORIFY

No presente trabalho, pretende-se apresentar o projeto de mestrado da pesquisa

ainda em fase inicial de desenvolvimento “Curadoria na web como apoio para gêneros

e letramentos digitais”, dando destaque para as questões que suscitaram o interesse

por essa investigação e pelas questões que se colocam na escolha de uma metodologia

adequada para a análise do seu objeto específico – a plataforma Storify e os textos

produzidos por ela – com vistas a encontrar respostas coerentes às perguntas de

pesquisa elaboradas no delineamento primário do projeto. Nesta pesquisa, têm-se

duas categorias de objetivo: teóricos e empíricos. Como objetivos teóricos, a

investigação visa à realização de uma discussão aprofundada sobre o alcance do

conceito de gênero digital em geral e, em particular, para tratar de um caso como o

Storify. Como objetivos empíricos, é de interesse do estudo saber como a plataforma

funciona exatamente, de que maneira produz os resultados textuais que fornece aos

usuários e, além disso, buscar conhecer como esses textos estão sendo usados por

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

diferentes grupos, e quais características específicas tais grupos imprimem aos textos

produzidos, revelando, dessa forma, os percursos de apropriação. O objetivo geral da

pesquisa é investigar as formas de uso e diferentes tipos de apropriação tecnológica da

plataforma digital Storify, serviço que permite agregar e reunir em qualquer página da

Internet conteúdos veiculados nas mídias sociais, como YouTube, Flickr, Facebook e

Twitter, intercalando tais informações com textos próprios do usuário. Fundamentada

em concepções problematizadoras do conceito de gênero digital e dos novos

letramentos, combinadamente às teorias ainda iminentes sobre curadoria digital,

pode-se formular a hipótese de que o Storify vai modelizar uma variedade de gêneros

e será interessante averiguar como essa modelização resultará em textos diferentes,

no seio de diferentes letramentos. Nesta pesquisa, parte-se da noção de letramentos

como "práticas socialmente organizadas que utilizam sistemas simbólicos específicos e

tecnologias específicas para propósitos específicos em contextos específicos"

(adaptado de LANKSHEAR & KNOBEL, 2006), mas tenta-se, também, abarcar a

proposta de autores como Buzato (2009) e Leander; Lovvorn (2006), segundo os quais

letramentos digitais podem ser entendidos como redes complexas de letramentos

(práticas sociais) articulados por meio, virtude ou influência das TICs (Tecnologias da

Informação e Comunicação). É possível, nesse sentido, dizer que o Storify é resultado

de uma rede de letramentos (dos engenheiros/programadores, dos participantes das

redes sociais etc) à qual ainda se agregam outros tipos de letramentos, sejam eles

jornalísticos, políticos, publicitários, entre outros, sobretudo combinando diferentes

modalidades e mídias, ainda que o programa sugira a possibilidade de "linearizar" essa

rede, sem eliminar o seu caráter colaborativo, recorrendo, por isso, à noção de

narrativa social. Portanto, considera-se fundamental que a Linguística Aplicada tome

essa novidade como objeto de pesquisas, para que se conheçam suas possibilidades e

características específicas em comparação com outras ferramentas, produzindo, assim,

subsídios para uma apropriação mais produtiva do Storify para o ensino e

aprendizagem de línguas, entre outras aplicações possíveis. Como estratégia

metodológica, o projeto de pesquisa adotou a análise documental qualitativa e

quantitativa de cem textos produzidos via plataforma, a fim de responder às seguintes

perguntas: i) Em que medida as diferentes concepções de gênero digital vigentes na

literatura são capazes de explicar o tipo de texto produzido pelo Storify? ii) O Storify

seria melhor caracterizado como uma plataforma geradora de gêneros narrativos

diversos ou os textos produzidos via Storify constituiriam um (novo) gênero digital

específico? iii) Que características distintivas podem ser observadas nos textos

jornalísticos produzidos via Storify em relação a textos produzidos via Storify em

outras esferas de comunicação social, ou por outros grupos de usuários? iv) Em que

medida essas características revelam marcas de apropriações tecnológicas específicas

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Linguística Aplicada

216

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

por grupos específicos?. No entanto, com o decorrer do curso inicial de investigação,

foi percebido que talvez essa não fosse a metodologia mais adequada à análise dos

textos produzidos pela plataforma, por isso, realizou-se um levantamento teórico-

metodológico sobre as possibilidades de três diferentes metodologias, avaliando as

suas potencialidades e limitações quanto à contribuição para a pesquisa e facilitação

de seu desenvolvimento. Nesse sentido, é preciso ainda avaliar qual a combinação

metodológica mais apropriada para o estudo em questão, que ainda está em aberto

devido ao fato de a coleta e organização de dados se constituírem como etapa no devir

da pesquisa. Nesse levantamento sobre as metodologias, foram ponderadas a Análise

Documental (CELLARD, 2008), a Lingüística de Corpus (SARDINHA, 2000) e a Análise de

Conteúdo (BAUER, 2003). Para este processo de investigação, compartilha-se da idéia

de que é válida a defesa de um hibridismo teórico-metodológico na produção de

conhecimento (FABRÍCIO, 2006), para que se possa aproveitar o que as interconexões

das disciplinas têm a oferecer e a trazer como enriquecimento para o trabalho de

pesquisa. Nesta fase da pesquisa, entendemos que a metodologia é reflexo das

perguntas e dos pressupostos da investigação, por isso listamos algumas perguntas

que cada uma dessas metodologias permitiria responder, colocando-as lado a lado

para um debate sobre quais delas seriam mais instigantes e teriam mais implicações,

no sentido de que refletem o momento em que se encontra o andamento da tese e o

problema sobre o qual se debruça a pesquisadora.

Rita Elena Melian Zamora

Universidade Estadual de Campinas

A CONFECÇÃO DE DICIONÁRIOS MULTILÍNGUES ESPECIALIZADOS: VEÍCULOS DE

PESQUISA, CRIAÇÃO E DIFUSÃO DO CONHECIMENTO.

O mundo de hoje cresce vertiginosamente; o desenvolvimento das tecnologias facilita

o rápido avanço das ciências e estas, por sua vez, desenvolvem sua natureza inter e

transdisciplinar, com limites cada vez mais flexíveis. O desenvolvimento da sociedade e

o crescente intercâmbio econômico, social, cultural e científico-técnico nos impõem

uma realidade na qual se precisa de maior quantidade de meios de comunicação para

a transmissão de conhecimento. Assim sendo, essa nova realidade, com certeza,

motiva e exige um estudo mais profundo das linguagens especializadas. Diante dessa

nova realidade no âmbito da comunicação especializada, se impõe o papel do tradutor.

Traduzir conhecimento especializado é uma atividade prática que se enfrenta em

relação a problemas de terminologia e a disparidades entre línguas, devendo o

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Linguística Aplicada

217

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

tradutor sempre procurar a melhor solução real comunicativa e considerar a

necessidade de precisão e univocidade. Com essa motivação inicial, está sendo

desenvolvida a presente pesquisa no campo da Terminografia, ciência encarregada do

estudo, descrição ou normalização da linguagem das ciências. O trabalho visa a criar

um instrumento terminográfico, especificamente, um dicionário digital trilíngue no

campo de Redes de Computadores, em que seja descrita a terminologia da área.

Partindo da análise de textos comparáveis em inglês, espanhol e português, são

descritas e propostas hipóteses de equivalência. Nesse sentido, a proposta de

equivalências facilitaria a comunicação profissional interlinguística na área e o trabalho

de tradução técnico-científica, essencial para a divulgação em outras línguas de

conhecimentos gerados a partir dos avanços tecnológicos. O dicionário, ao ser

elaborado em forma de árvore conceitual, poderia ser utilizado como ferramenta de

estudo ou material didático que permita a aproximação do universo conceitual de

Redes de Computadores. A comunicação especializada atual, a maneira como as

ciências dialogam e evoluem, exige o seguimento de uma base teórico-metodológica

flexível e explicativa que dê conta da analise e descrição desta realidade e que reúna

as condições essenciais que façam possível analisar, identificar, recopilar e estruturar a

terminologia dos diferentes campos do saber. Assim, a atual pesquisa baseia-se no

referente teórico-metodológico da Teoria Comunicativa da Terminologia e no modelo

proposto por Alpízar Castillo (1997), no livro "Como hacer um diccionario científico

técnico". A metodologia adotada, através do estudo descritivo da análise de termos

nos contextos de uso, tem permitido desenvolver um instrumento terminográfico que

corresponda às necessidades reais da comunicação especializada no campo

pesquisado. A pesquisa tem permitido refletir sobre aspectos relacionados à

nomeação diante das disparidades linguísticas. Atualmente, as virtudes ou

imperfeições da sociedade globalizada têm feito com que a acumulação de poder

também determine a maneira como a ciência é feita, desenvolvida e difundida. Nesse

sentido, no plano da comunicação especializada, vamos ver que certas línguas acabam

tendo voz mais forte como meio global de comunicação. Muitos dos novos termos

provém de países que dominam os recursos necessários para o desenvolvimento de

pesquisas de ponta. Assim, o inglês tem se expandido como meio global de

comunicação e, na maioria dos casos, dita o caminho das ciências. A aparição de um

sem-número de conceitos nas línguas mais fortes terminologicamente, ao serem

internacionalizados, precisam ser designados em outras línguas. No desvendar desse

fenômeno, não podemos obviar que as culturas científicas são diferentes, também

variam com a cultura e a história da língua. Portanto, poderíamos dizer que nem todas

as culturas científicas têm o mesmo grau de permeabilidade linguística, de variação

lexical, de idiomaticidade. Tendo isso em vista, podemos afirmar que o panorama das

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

linguagens especializadas precisa de maior reflexão, precisa ser indagado mais

cuidadosamente. Ancorados nesta perspectiva, podemos afirmar que a tradução

especializada, muitas vezes menosprezada, representa, em verdade, um dos maiores

desafios dentro da profissão. A nova realidade da comunicação especializada demanda

uma evolução no tradutor, que, cada vez mais, recebe maiores exigências na hora de

atingir uma comunicação efetiva e precisa. Para isso, é fundamental que o profissional

conheça problemas fundamentais que a terminologia científica estabelece. A

aproximação da tradução da pratica terminológica pode ser um caminho para

entender o comportamento da linguagem das ciências. Ver a competência

tradutológica e o ensino da tradução em consonância com o proceder da ciência da

Terminologia e Terminografia pode ser um caminho para formar profissionais mais

completos e capazes de dar solução a problemas tradutológicos, baseados na

Terminologia e seu proceder metodológico.

Samira Abdel Jalil

Universidade Estadual de Campinas

POLÍTICAS LINGUÍSTICAS FAMILIARES E A COMUNIDADE ÁRABE DE FOZ DO IGUAÇU:

UM PROJETO DE PESQUISA EM ANDAMENTO

O objetivo desta comunicação é apresentar os dados preliminares do projeto de

pesquisa políticas linguísticas e identitárias familiares em contexto de imigração árabe

em Foz do Iguaçu. O projeto de pequisa em andamento está focado na compreensão

das políticas linguísticas familiares de transmissão e manutenção (ou não) da língua

árabe, bem como das representações que emergem no discurso desse grupo em sua

comunidade de fala. Sabe-se que a trajetória linguística brasileira e as políticas de

colonização portuguesa sempre enfatizaram a promoção do monolinguismo em

Português na Colônia, apesar da diversidade de línguas existentes no país. Esse

desfavorecimento das línguas, sejam elas autóctones ou alóctones, sempre

acompanhou o cotidiano brasileiro de forma a promover certa unidade nacional por

meio do uso de uma única língua principal de comunicação, à custa do apagamento de

minorias linguísticas. A oficialização do Português como língua nacional e a

consequente proibição do uso das outras línguas aqui faladas a partir de 1757 com o

estabelecimento do Diretório dos Índios pelo Marquês de Pombal deram abertura a

uma política opressora dos direitos linguísticos da maioria da população aqui

residente. Com isso, apesar da evidente diversidade cultural e linguística da sociedade

brasileira, no geral, a percepção é de que o Brasil é um país monolíngue, cuja única

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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língua hegemônica e legítima de comunicação é o Português, a língua de herança do

período colonial. (MARIANI, 2004, pp. 22-23). Dado o contexto atual da presença de

mais de 200 línguas no país, sendo aproximadamente 180 línguas indígenas ou

autóctones e 30 línguas alóctones ou de imigração (OLIVEIRA, 2003, p. 7), as políticas

linguísticas explícitas ou veladas adotadas no país devem ir de encontro a essas

políticas homogeneizantes restritivas, que têm servido tão somente como cenário para

a manutenção de políticas linguísticas que depõem contra o caráter plural das

interações no século XXI. Levando em consideração o contexto acima, bem como a

noção de que a sobrevivência de línguas minoritarizadas tem relação direta com o

estabelecimento de políticas linguísticas familiares e consequente planificação em sua

comunidade de fala, este estudo tem como objetivo promover uma reflexão acerca da

transmissão e da manutenção de uma língua de imigrante, no caso, o árabe, em sua

comunidade de fala na cidade de Foz do Iguaçu, na Unidade Federativa do Paraná,

cidade em que a presença dos árabes pode ser fortemente percebida em números e

no uso da língua de herança em diversos contextos de comunicação. A cidade de Foz

do Iguaçu é conhecida pela diversidade de línguas e culturas em circulação. De acordo

com os dados apresentados por Zamberlan e Corso (2006), previamente levantados

pelo Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros (SINCRE) da Polícia

Federal. Foz do Iguaçu congrega mais de 70 etnias diferentes. Ainda nesse texto,

Zamberlan e Corso mostram que Foz possui 19.05% do número de imigrantes

residentes em todo o Estado (IBGE, 2002). A descrição de tal contexto, assim como sua

correspondente análise, podem contribuir para uma compreensão mais ampla das

interações estabelecidas em comunidades de imigrantes. Além disso, pode-se, por

meio desta pesquisa, buscar produzir novos significados e saberes sobre a realidade

social da coletividade em questão. Ao se conhecer melhor as políticas linguísticas no

nível micro nessa comunidade, pode-se auxiliar, também, as famílias de imigrantes em

geral no planejamento de práticas linguísticas familiares e comunitárias que sejam

favoráveis à transmissão e à manutenção da língua de herança. Epistemologicamente,

pode-se dizer que, por este estudo focar na linguagem como prática social, está em

sintonia com as pesquisas contemporâneas em Linguística Aplicada e em Política

Linguística Crítica. Busca-se, portanto, questionar a visão de sujeito social homogêneo

e descorporificado de suas práticas discursivas, ao mesmo tempo em que se valoriza a

visão de sujeito social heterogêneo que pode transitar nas práticas discursivas das

comunidades linguísticas nas quais está inserido. Com relação à metodologia de

pesquisa, este projeto propõe-se a gerar seus dados com base numa abordagem

qualitativa, pois esta “é de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à

pluralização das esferas da vida” (FLICK, 2009, p. 20). Assim, serão feitas entrevistas

semi-estruturadas para melhor direcionar, tematicamente falando, os tópicos

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

específicos a serem tratados. As entrevistas serão realizadas com seis famílias da

comunidade, sendo três delas endogâmicas e três delas exogâmicas, com foco na

investigação das políticas familiares de transmissão e/ou manutenção da língua árabe

da primeira para a segunda geração. Para atingir os objetivos acima, as perguntas que

orientam esta pesquisa são: 1. Quais são as percepções dos sujeitos acerca das

políticas linguísticas familiares de transmissão e/ou manutenção da língua de

herança?; 2. Quais são as representações construídas acerca da língua de herança e de

seu uso? Ou seja, como os sujeitos de pesquisa enxergam o uso da língua árabe em

relação à suas origens e identidade no contexto plurilíngue de Foz do Iguaçu? ; 3. As

representações construídas acerca das línguas do repertório verbal dos participantes

influenciam favoravelmente a transmissão e a manutenção da língua árabe na família?;

4. Há diferenças no processo de transmissão e/ou manutenção quando o casal da

primeira geração é exogâmico? Se sim, quais? ; 5. Como a identidade grupal se

configura e é representada e negociada nas práticas discursivas? Com os dados

gerados a partir dessas perguntas, pretende-se produzir conhecimento e refletir sobre

as representações construídas acerca das identidades linguísticas dos referidos

participantes, com vistas à promoção, num momento futuro, de um planejamento de

políticas linguísticas familiares junto às novas gerações da comunidade de fala árabe

de Foz do Iguaçu. Sem que se tenha uma compreensão acerca dessa problemática, não

há como estabelecer políticas linguísticas familiares na comunidade que sejam

verdadeiramente favoráveis à continuidade do uso da língua árabe.

Sandra Francisca da Silva

Universidade Estadual de Campinas

A REPRESENTAÇÃO DA POBREZA NA TRADUÇÃO PARA ESPANHOLA DA OBRA VIDAS

SECAS DE GRACILIANO RAMOS

O objetivo desta pesquisa é analisar o discurso da tradução literária do romance

moderno brasileiro Vidas Secas de Graciliano Ramos. Inicia-se este estudo pela

perspectiva do processo tradutório da referida obra traduzida para o espanhol pela

tradutora argentina Florencia Garramuño. O embasamento teórico para esta análise

parte das seguintes teorias: Análise do Discurso de linha francesa, Interpretação e

Estudos da Tradução e o grau de correspondência dos sentidos entre o texto de

partida e de chegada, além de inquirir como a representação da pobreza é transferida

para a cultura do outro pelo viés do tradutor. Buscamos estudar à luz da diferença

marcada pela tradução, bem como a heterogeneidade discursiva, as relações de poder

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

e resistência que envolvem as personagens da obra. Pretende-se, ainda, explicar e

discutir as problemáticas referentes à interpretação tradutória do texto de partida

para a língua do outro, a espanhola. Propomos, também, interrogar o processo de

leitura e a relação estabelecida entre a interpretação e os enunciados traduzidos.

Compreendemos, portanto, que a tradução está marcada pela impossibilidade de

traduzibilidade da língua “original” e, ainda, como ressalta Walter Benjamin em A

tarefa do tradutor (2008, p.27), “se é que a tradução é uma forma, então a

traduzibilidade de determinadas obras é algo que se encontra e localiza na sua própria

essência”, numa prática em que nem mesmo o autor é senhor de seu texto. Com o

intuito de discutir as relações de força presentes nos discursos das personagens na

tradução, recorremos à memória discursiva como representação dos sentidos, uma vez

que os valores sociais, culturais do tradutor direcionam as escolhas do dizer do ato

tradutório. A questão norteadora para este projeto refere-se à minha formação

profissional na área de Língua espanhola, Análise de discurso e Estudos da Tradução.

Entendemos que o tradutor ocupe um lugar no entremeio das duas línguas. Pensamos,

a partir dessas concepções, realizar uma investigação sobre a inscrição da língua-

cultura de Vidas Secas (portuguesa), na língua – cultura do outro (espanhola) e, que

por meio dessa tradução nos possibilite a reflexão de indagações como as de Walter

Benjamin (2008, p.25), “Será que uma tradução seja válida em termos dos leitores que

não entendem a obra original?”. A referida obra por pertencer à década de trinta,

pensamos que possa ter sofrido influências ideológicas, das disputas de poder desse

momento histórico e político-social, pois seu contexto é marcado por transformações

políticas, decorrentes da queda da oligarquia cafeeira, acentuando, com isso, a luta de

classes liderada por Getúlio Vargas, que, posteriormente, foi nomeado presidente.

Nessa perspectiva, o tradutor tem uma árdua tarefa de transferir para outra língua

todos esses aspectos que envolvem a cultura brasileira para a “língua-cultura” do

outro. Pensamos também, via (ARROYO, 2005, p. 22), que “traduzir não pode ser

meramente o transporte, ou a transferência, de significados estáveis de uma língua

para outra”, pois, temos um processo de interpretação a cada vez que um texto é lido

e, por isso, o tradutor passa a transformar significados e a produzir sentidos, variáveis

de línguas, que não são fixas, nem estáveis e, portanto, impossíveis de controlar.

Partimos do pressuposto de que a tradução não apresenta uma visão única da língua,

mas que transforma o texto de partida, fazemos a hipótese de que as representações

de pobreza que atravessam a tradução ou a diferença entre elas, devem-se ao entre-

lugar, tanto da língua-cultura de partida como a da língua-cultura de chegada.

Questionamos, então, alguns aspectos que serão abordados nos interstícios da análise:

quais as condições de produção da tradução da tradução da narrativa de Vidas Secas?

Quais os efeitos de sentido presentes na obra e na materialidade linguística que

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Linguística Aplicada

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

permitem a interpretação de uma crítica contra a exclusão do homem brasileiro da

região nordestina? Quais as vozes e as formações discursivas presentes na tradução

dos ditos e não ditos das personagens? Como a linguagem da obra “original” e da

traduzida articula a pobreza? Como as representações da pobreza irrompem na

materialidade linguística do texto traduzido? Qual a função autor-tradutor nessa

obra?. Temos como objetivos específicos: discutir a construção do imaginário via

tradução e estabelecer o grau de correspondência e afastamento entre as duas

línguas, pelo conceito derridiano de différance, ressaltando, portanto, a prática dessa

diferença. Promover uma reflexão do lugar do sujeito tradutor na busca pela “pureza”

da tradução e em constante angústia de não dizer mais do que o texto “original” diz.

Assumimos, para este estudo, a seguinte indagação foucaultiana (2007, p.114) “Uma

frase fielmente traduzida para uma língua estrangeira forma dois enunciados distintos,

ou apenas um?” Por isso, refletimos sobre a complexidade de delimitação desse

conceito, posto que, cada vez que um discurso é articulado, uma nova enunciação é

formada. Podemos declarar, nessa perspectiva, que o texto original e o traduzido estão

em campos distintos; logo, são compostos por duas enunciações, posicionadas e

datadas, em lugares, e momentos também distintos, impedindo que ela se repita.

Thaís Ribeiro Bueno

Universidade Estadual de Campinas

O MITO DE LA MALINCHE NO ATUAL CONTEXTO DAS PRÁTICAS DE TRADUÇÃO

CULTURAL

"Y del mismo modo que el niño no perdona a su madre que lo abandone para ir en

busca de su padre, el pueblo mexicano no perdona su traición a la Malinche. Ella

encarna lo abierto, lo chingado, frente a nuestros indios, estoicos, impasibles e

cerrados", afirma o escritor mexicano Octavio Paz em seu ensaio “Los Hijos de La

Malinche (2004) ou "Os filhos da Malinche". Em seu texto, com base em eventos

ocorridos no episódio da conquista do México pelos espanhóis, Paz argumenta que a

figura de Malinche, figura indígena central e essencial para o sucesso da empresa de

Cortés, representa a mulher traidora e fraca, aberta ao estrangeiro e dominada por

ele. De fato, essa imagem da índia asteca prevaleceu por muito tempo no imaginário

da construção e da fundação nacional do México, e até hoje o nome de Malinche

irrompe na boca dos mexicanos como xingamento: "hijo de la Malinche" e "hijo de la

chingada" são expressões pejorativas equivalentes e estão, no espanhol mexicano,

entre os piores tipos de ofensa verbal. Da mesma forma, "la chingada" pode assumir

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Linguística Aplicada

223

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

diversos significados pejorativos aplicados à mulher (que no Brasil podemos traduzir

como "a puta" e "a cadela"), assim como acontece com a expressão "à la chingada"

(que pode ser traduzida como "ir para o inferno"). É importante e muito interessante

notar, contudo, como essa imagem negativa da figura de La Malinche esteve, durante

toda a história do México, entranhada de outras formas, bem mais complexas, na

representação da cultura mexicana, representando a fraqueza da abertura ao outro

conquistador, antes de ser resgatada e ressignificada por estudos feministas mais

recentes. Para isso, é necessária uma rápida olhada na história de La Malinche. Afirma-

se que La Malinche era uma indígena de origem nahua que fora entregue a Cortés por

um cacique derrotado por ele. Após algum tempo, favorecida por suas habilidades

linguísticas, La Malinche viria a se tornar não apenas amante de Cortés, mas,

sobretudo, sua intérprete. Estando sempre ao lado de Cortés e apoiando seus planos

de conquista, La Malinche foi a responsável, em grande parte, por traduzir para o

espanhol as palavras do imperador Moctezuma, figura soberana reinante na cultura

asteca. Compreendendo, assim, as expectativas dos astecas e sobretudo de

Moctezuma, que via em Cortés o retorno do deus asteca Quetzalcóatl, o conquistador

espanhol tinha grande vantagem estratégica em seus planos de conquista. Além de

reforçar a imagem de Cortés como tirano e de consolidar a conquista espanhola como

um ato histórico de violação/violência, esse episódio histórico também serviu para

construir a figura de La Malinche como mito nacional, cujo elemento central seria a

suposta dupla violação, ideológica e sexual, a que a asteca teria se submetido. Ao

colaborar para os planos de dominação de Cortés, a indígena passou a assumir a

imagem de traidora (fazendo jus ao ditado italiano traduttore, traditore), desprezada e

desprezível, inútil, usada e abusada pelo estrangeiro conquistador. Nesse contexto

histórico, é interessante pensar nas formas pelas quais se pode pensar a figura

ambígua de La Malinche (ou Dona Malina, uma corruptela de “má língua”) e suas

relações com conceitos de identidade, nacionalidade e intercâmbio cultural, sendo que

o embasamento teório e a linha central que norteará essa reflexão residem nos

estudos da tradução de linha pós-estruturalista, bem como autores dos estudos

culturais e algumas feministas chicanas. A hipótese de minha pesquisa é a de que, seja

no contexto da Conquista do México, seja no atual contexto pós-globalização (em que

choque de cultura e identidades e imaginários nacionais híbridos são questões que

estão na ordem do dia), a ideia de tradução como transporte de significados de uma

língua A para uma língua B, de forma fiel e transparente, já não cabe mais. Se o ato

tradutório tiver que ser entendido como ponte, deverá ser, necessariamente, uma

ponte em declive, como forma de destacar a questão desigualdade do acesso às

línguas por falantes de diferentes culturas e o fato de a língua não ser uma ferramenta

neutra utilizada por tais falantes. De certa forma, a articulação de correntes pós-

Page 224: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Linguística Aplicada

224

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

estruturalistas com os estudos da tradução, a partir da década de 1980, veio a ser

bastante adequada ao contexto pós-globalização de relações interculturais e de

literaturas de fronteira. Agora considerada uma possibilidade de abertura de espaços

para o desvelamento de relações de poder político e social, e como a própria re-escrita

do texto original, a tradução passa a subverter as antigas formas de se pensar língua e

texto. Dessa forma, a proposta de minha pesquisa, que busco trazer, resumidamentee,

para este Seminário de Teses em Andamento, é a proposição de alguns

questionamentos. Articulando algumas propostas de políticas linguísticas ao panorama

dos estudos tradução, não poderíamos, de certa forma, entender o ato tradutório

como um exercício dessas propostas pós-modernas? Se a tradução é, como bem ilustra

o episódio-cena de La Malinche, uma abertura ao estrangeiro (uma abertura que

nunca se dá sem uma dose variável de violência e violação), o ato tradutório torna-se

uma leitura especial, uma espécie de reescrita de um texto ou de uma cultura original

que nunca existiram e que não podem ser alcançadas pelo tradutor. Nesse panorama,

a inevitabilidade de uma certa dose de traição ao texto/cultura está diretamente

ligada à abertura, criada de forma violenta, à cultura estrangeira e algum tipo de ética

para com o outro. As relações de poder que existem nos intercâmbios linguísticos e

que se encontram veladas por discursos e ideologias relativos à língua ficam evidentes

nesses movimentos de tradução cultural, e isso é justamente o que torna o texto

traduzido uma leitura tão especial.

Page 225: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Aline Amsberg de Almeida

Universidade Estadual de Campinas

A VIDA DOS ROBÔS COMO CORPOS HÍBRIDOS EM MINDSCAN

Em Mindscan (2005), o escrito canadense Robert J. Sawyer apresenta a empresa

Immortex, que coloca no mercado uma tecnologia que oferece ao usuário um “corpo

artificial – que seja infinitamente sustentável, infinitamente reparável e infinitamente

atualizável” (SAWYER, 2005, p.14). De acordo com o vice-presidente da empresa,

qualquer pessoa pode fazer a “transferência” de seu corpo orgânico para um corpo

robótico e se tornar um androide, contanto que possa pagar pelo serviço. Assim, Jake

Sullivan, embora ainda em seus 40 anos de idade, decide fazer a transferência, pois

está ciente da possibilidade de ter uma doença degenerativa hereditária, certo de que

um robô não pode sofrer a Síndrome de Katerinsky. Porém, assim que começa sua

nova vida como um androide, em seu novo corpo mecânico, Jake começa a perceber

as particularidades de ser um robô, já que os estados orgânicos como a fome, o

cansaço, o sono, a necessidade de eliminar dejetos foram retiradas do protótipo

daquilo que a Immortex chamou “corpo artificial” (ibidem, p.63). Outras questões

existenciais surgem no caminho de Jake quando passa a viver como um robô. São

questões humanas, pois esse robô também é um ser humano, comparável aos robôs

de Isaac Asimov, que possuem suas próprias crises, como Andrew em “O homem

bicentenário”. Andrew após conseguir juridicamente sua liberdade e deixar de servir

seres humanos, porque se sentia igual a eles em sua existência no mundo, decidiu

também pedir à justiça sua condição humana reconhecida pela lei. Andrew de Asimov

queria ser homem, enquanto Jake de Sawyer queria ser robô. E mais tarde, em

Mindscan, Jake volta a querer ser homem, no mesmo sentido que Andrew, não

organicamente ou biologicamente, mas socialmente. É através do corpo que os

personagens de ambos os autores precisam buscar essa condição humana. Jake é um

corpo que une a organicidade e a tecnologia, pois seu cérebro positrônico é uma

réplica do cérebro orgânico pertencente ao Jake “original”, aquele que decidiu fazer a

transferência para o corpo androide. O corpo híbrido, conceito do qual faço uso para

analisar a obra de Sawyer, é a via pela qual Jake consegue a sua liberdade da doença

humana, manifestação da fragilidade do corpo orgânico. É também a união entre o

tecnológico/informático/mecânico e o orgânico/biológico, de acordo com Bernard

Andrieu em seu artigo sobre a integração dos corpos híbridos, afirmando que o híbrido

é aquele que redefine o esquema corporal, tornando interiores elementos

tecnológicos outrora exteriores. O conceito é inspirado na figura do ciborgue proposta

por Donna Haraway em 1991, mostrando que a tecnologia penetra a pele humana em

Page 226: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

níveis muito profundos. Hoje, a ficção científica, especialmente publicada no século XXI

explora as extrapolações e implicações dessa penetração tecnológica em níveis ainda

mais profundos não somente da pele, mas também da alma. Os robôs de Isaac Asimov

são humanos ao extremo, social e psicologicamente, encontrando e criando para si

questões existenciais que muitas vezes os fazem entrar em colapso. Jake Sullivan não é

somente herdeiro da fabrica de cerveja Sullivan criada por sua família, mas de certa

maneira também herda e dá continuidade à tradição Asimoviana de conferir

humanidade a autômatos, ou antes, de demonstrar essa humanidade muitas vezes

não reconhecida por seus criadores. O ciborgue blasfema, segundo Donna Haraway

(1991, p. 39), por ser um organismo híbrido e quebrar fronteiras, por ser animal e

máquina. Longe de poder ser entendida como uma visão tecnofóbica do ciborgue, a

visão de Haraway é a demonstração do pós-humano, quando o humano não existe e

não pode ser sem a tecnologia, desde sua concepção como ser vivo até suas mais

avançadas questões éticas. O novo corpo e novo cérebro de Jake operam com

velocidade elétrica e não química, (SAWYER, 2005, p.91) proporcionando ao

personagem novas experiências – pós-humanas – corporais. Quando Jake volta para

sua casa, após ter feito a transferência, percebe que sua cachorra não o reconhece

como Jake, demonstrando agressividade e hostilidade, fazendo-o experimentar uma

rejeição que não consegue ser expressa no corpo: “Meu coração não estava batendo

forte – porque eu não tinha coração. Minha respiração não estava ragged – porque eu

não respirava. Meus olhos não ardiam – porque eu não podia chorar.” (ibidem, p.92).

Donna Haraway apresenta seu mito do ciborgue como uma estratégia pós-modernista

de reescrita do corpo, no âmbito que permite a todos os objetos cientificamente

conhecíveis do mundo serem traduzidos em termos de teoria textual. Nessa via, o

sagrado do corpo é profanado pela tecnologia deixando assim de ser sagrado pois essa

profanação não o destrói mas modifica sua essência e sua ontologia. E somente nesses

termos pode-se falar numa essência do humano quando tratamos do híbrido corpo-

tecnologia, quando ela se permite sofrer mutação deixando de se estimar ou supor

como verdade para se tornar condição mutável do ciborgue. Pois o ciborgue é o eu

desmontado e remontado (HARAWAY, 1991, p.70), remodelado pela biotecnologia e

pela informática. Desse modo, ao enfrentar as novas idiossincrasias de seu corpo, Jake

não deixa de ser humano por não ter coração, ou lágrimas, ou por não respirar ar.

Essas novas regras corporais o obrigam a reaprender sua humanidade e a entender sua

pós-humanidade, na reescrita corporal permitida pela concepção biotecnológica do

corpo como códigos que possibilita a especulação e a extrapolação científica dentro de

literaturas de ficção científica construídas no século XXI, como a literatura de Robert

Sawyer.

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Ana Carolina Sá Teles

Universidade de São Paulo

DUPLO, CISÃO E NARRATIVA EM "O ESPELHO" DE MACHADO DE ASSIS

Esta comunicação integra a pesquisa de Mestrado “Constituição do sujeito e questão

moral em contos de Machado de Assis”, realizada na Faculdade de Filosofia Letras e

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Hélio de

Seixas Guimarães, e com financiamento da FAPESP. A pesquisa aborda questões de

constituição do sujeito e a “questão moral” em contos de Machado de Assis,

investigando a relação entre esses temas e uma concepção moderna de personagem e

narrativa curta em literatura brasileira. Na polêmica crítica a O PRIMO BASÍLIO (1878),

por exemplo, Machado realçava a importância da “pessoa moral” dos caracteres e do

drama. Assim, a questão moral é recorrente na obra do autor, desde seu primeiro

romance, RESSURREIÇÃO (1872), e percebemos que em sua segunda fase, ela é

adensada em função da ambiguidade crescente no delineamento das personagens e

das situações. Os seguintes contos são abordados na pesquisa de Mestrado: “O

espelho” e “Verba testamentária”, de PAPÉIS AVULSOS; “Galeria Póstuma” e “Uma

senhora”, de HISTÓRIAS SEM DATA; “Um homem célebre” e “O enfermeiro”, de

VÁRIAS HISTÓRIAS; e “O caso da vara”, de PÁGINAS RECOLHIDAS. Assim, gostaria de

apresentar nesta comunicação para o XVIII SETA considerações sobre “O espelho”

(1882), dentro do quadro geral do trabalho. “O espelho” é um conto paradigmático, ao

considerarmos as questões de constituição do sujeito e de “pessoa moral” em

Machado de Assis, não apenas por ser um dos contos célebres do autor, mas também

pela tematização da identidade em xeque e pela formação de um personagem

reflexivo que desenvolve a auto-análise, rememorando sua vivência por meio da

narração. Ademais, a estrutura do conto, em especial no que diz respeito à cisão do

foco narrativo, lança desafios às convenções realistas do século XIX, como já abordado

por Sandra Guardini Vasconcelos, ao lado do humor como recurso que vai contra as

supostas certezas do cientificismo em voga. Em “Esquema de Machado de Assis”,

Antonio Candido já apontara, entre os problemas fundamentais da obra machadiana, a

questão da identidade e seus desdobramentos em relação ao conto “O espelho”. Em

1930, ademais, teve início “a etapa psicológica da crítica” com interpretações de

Augusto Meyer e Lucia Miguel Pereira, entre outros críticos que passaram a investigar

a “questão moral” em Machado de Assis. Assim, no contexto da recepção da década

de 30, um conto como “O espelho”, que não tinha sido mencionado, até então,

tornou-se canônico. Não por acaso, nesse processo foi central o ensaio homônimo de

Meyer, que enfocou pontos vertiginosos e subterrâneos da obra de Machado de Assis,

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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praticando leituras de desvelamento. Meyer caracterizou a ambiência do conto como

“chiaroscuro subjetivo”, o que podemos depreender justamente desde o primeiro

parágrafo de “O espelho”, pela luminosidade da cena e pela tematização problemática

dos limites. Na abertura do conto, o número de cavalheiros é incerto, havendo a

indicação de indivíduos independentes, mas não a ponto de sabermos o número exato

de personagens na sala. O espaço é intersticial, situado na fronteira entre o mundano

da cidade e o espiritual do céu, assim como a luz de fora funde-se à luz de dentro da

sala. Também a metafísica em questão é apresentada em termos apenas

“parcialmente solenes”, dado que paródicos e genéricos. Existem elementos de cisão

na própria composição do texto. O foco narrativo é divido entre a moldura em terceira

pessoa e o relato de Jacobina em primeira pessoa, de forma propositadamente

precária, em que o final brusco e a saída de cena inusitada do narrador-protagonista

armam o efeito de choque nos leitores do conto. Jacobina, por sua vez, tem a cisão e a

duplicação de sua personalidade tematizada na história, bem como apresenta cisão

em um nível estrutural de sua composição enquanto narrador-personagem. Assim, na

história que Jacobina conta sobre a farda de alferes, ele se encontra dividido,

enfrentando, por um lado, o vazio de sua constituição e, por outro, a inflação de sua

alma exterior ornamental na sociedade brasileira escravocrata do XIX, decidindo, por

fim, ceder de bom grado à cooptação pela aparência, transformando-se no seu duplo,

“o alferes”. Já na composição estrutural do personagem, desenvolvem-se brechas e a

ironia em relação à cooptação. Ou seja, há no conto o contraste entre o tom

humorístico empregado e a gravidade da história contada, como analisou Meyer.

Restam também as motivações recônditas do personagem sob a máscara social, além

de haver, igualmente, a cisão entre o “personagem-tipo” alferes e o narrador-

personagem que, por meio da análise de si e da rememoração, é alçado à categoria de

pessoa. Portanto, nesta comunicação, apresentarei algumas especificidades de “O

espelho”, como as seguintes: breve comentário sobre a principal fortuna crítica do

conto; o duplo como tema e como aspecto da estrutura narrativa; presença de

elementos do “estranho familiar” freudiano no texto; cisão do foco narrativo; cisão da

personalidade, não apenas em relação à composição de Jacobina como personagem,

mas também como um dos narradores do conto, no momento da enunciação, quando

é, então, um capitalista “astuto e cáustico” (ASSIS, 2008, 322).

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Teoria e História Literária

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Ana Laura Donegá

Universidade Estadual de Campinas

O ANÔNIMO ***: UM ESCRITOR NACIONAL ENTRE OS COLABORADORES DO NOVO

CORREIO DE MODAS

O Novo Correio de Modas foi impresso no Rio de Janeiro, entre 1852 a 1854, na gráfica

dos irmãos Eduardo e Henrique Laemmert – dois tipógrafos-editores de origem alemã

que, assim como outros estrangeiros do período, decidiram investir no crescente

mercado de livros brasileiro. De periodicidade semanal, a revista tratou de tendências

e novidades de vestuário, apresentando figurinos, moldes e debuxos de bordados para

homens, mulheres e crianças. A prosa ficcional ocupou, ao lado da moda, um local de

prestígio no interior da publicação, que participou do processo de difusão dos folhetins

na corte brasileira, abrindo espaço tanto para composições nacionais quanto para

traduções. Houve grande participação de escritores estrangeiros na seção relativa às

narrativas, composta predominantemente por produções francesas. Como era de

praxe na imprensa desse período, o Novo Correio de Modas não trouxe muitas

informações a respeito de seus colaboradores e redatores. Entre os poucos dados que

conseguimos obter a respeito de sua rede de produção, encontra-se uma crônica,

divulgada no número 17 do segundo semestre de 1852, na qual D. Sallustio festejou a

entrada de “uma hábil pena nacional” no rol dos colaboradores do periódico. De

acordo com o cronista, o novo integrante enviava esporadicamente seus textos para

serem veiculados nas páginas da revista e passaria, a partir de então, a fazer parte

oficialmente de seu corpo editorial. O colaborador optou por manter-se no anonimato,

publicando seus textos com a assinatura de ***. Talvez essa estratégia tenha

resultado do receio de se ver associado às polêmicas opiniões que divulgava no Novo

Correio de Modas. De fato, a medida parece ter sido razoável, porque um de seus

primeiros artigos, chamado “Emancipação das mulheres” , logo provocou revolta.

Nesse texto, divulgado no número 16 desse mesmo semestre, o autor ridicularizou a

entrada do sexo feminino no mercado de trabalho e procurou diversos argumentos

para convencer suas leitoras da inviabilidade da ideia. Defendeu que não seria o

despotismo masculino que levaria as mulheres a se dedicarem à vida doméstica, mas

sim a existência de funções distintas para cada sexo, delimitadas pela própria natureza.

A seu ver, essas diferenças estariam evidentes desde a mais tenra infância, por isso as

meninas prefeririam brincadeiras nas quais pudessem revelar seu pendor natural por

cuidar e acalentar, enquanto os meninos, mais afeitos às aventuras, optariam por se

divertirem com espadas e cavalos. O autor argumentou ainda que o papel social da

mulher seriam os cuidados interiores da casa (isto é, a dedicação ao lar, ao marido e

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aos filhos), enquanto ao homem caberiam os cuidados exteriores (ou seja, a obtenção

de um emprego e o sustento da família), porque se ambos realizassem as duas tarefas

ao mesmo tempo, ficaria difícil distinguir que papel caberia a cada um. Para

fundamentar seu raciocínio, expôs diversas situações em que as mulheres virariam

motivo de escárnio no mercado de trabalho. Afirmou que elas não poderiam participar

dos negócios (porque o enjôo da gravidez atrapalharia a tomada de decisões), ocupar

postos no exército (visto que a gravidez as impossibilitaria de correr), exercer cargos

parlamentares (já que a doce melodia de suas vozes faria com que não fossem

tomadas a sério), nem mesmo trabalhar em funções liberais, no direito ou na medicina

(porque não poderiam levar seus filhos para os tribunais ou assistir um paciente com

bebês nos braços). Por fim, disse que a existência de diferenças naturais entre homens

e mulheres não motivaria a depreciação de nenhum dos sexos, porque cada qual teria

a sua força, sendo que a feminina residiria na delicadeza: “Dalila e Onfale venceram

Sansão e Hercules; e não foi com a força; foi com a brandura e a meiguice.”

Inconformada com o conteúdo do artigo, Joana Paula Manso de Noronha usou as

páginas do Jornal das Senhoras, no qual trabalhava como redatora, para publicar um

réplica. Em tom irritado, afirmou que os “disparates” propagados por ***

manifestariam ignorância por parte do autor quanto ao tema da liberdade feminina.

Logo após as críticas de redatora, o colaborador do Novo Correio de Modas retomou a

questão da libertação desse sexo, veiculando, no número 18 desse mesmo semestre,

um artigo chamado “Ainda a emancipação das mulheres” . No texto em questão,

tentou se reconciliar com as leitoras, alegando que ainda não havia compreendido

esse “bicho” da “emancipação das mulheres”. De fato, é possível que não dominasse

muito bem o assunto, pois sua tentativa de fazer as pazes com o sexo feminino deve

ter gerado ainda mais revolta. O autor mostrou-se incapaz de conceber um papel

social para o sexo feminino fora do círculo doméstico. Para começar, defendeu que

não acreditava que apenas os homens seriam dotados de inteligência, porque às mães

de família caberiam diversas responsabilidades, incluindo “conservar ou ganhar a

estima do seu marido, e nunca a perder”, “zelar sobre os filhos que a Providência se

digna conceder-lhe”, “tornar-se a si e a sua casa agradável aos estranhos” a fim de

evitar que seu esposo procure “alegres momentos de distração” em outros lares. Mais

adiante, continuou seu raciocínio defendendo a educação feminina, desde que os

conhecimentos adquiridos pelas mulheres visassem à tarefa reservada por Deus para

esse sexo, ou seja, o cuidado do lar. Por isso, desaconselhou-as a partir para trabalhos

relacionados a estudos científicos, ou mesmo à tradução de novelas. Em sua opinião,

seria preferível que elas permanecessem se preocupando unicamente com seus filhos

e maridos, deixando outros assuntos a cargo dos homens. Ainda que tenha se

dedicado a alguns artigos, a maior contribuição do colaborador *** veio de suas

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Teoria e História Literária

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narrativas ficcionais. Debruçando-se sobre temas como a família, o papel da mulher e

a escravidão, ele evidenciou mais uma vez sua visão conservadora da sociedade. Em

um período de grande agitação em torno da criação da literatura nacional, é

interessante que uma revista impressa por alemães, composta principalmente por

artigos estrangeiros, tenha reservado desde o início um espaço para a produção

brasileira em suas páginas. Além disso, é intrigante constatar que aspectos da

sociedade carioca Oitocentista podem ser apreendidos por meio da leitura desses

textos.

Bruna Grasiela da Silva Rondinelli

Universidade Estadual de Campinas

MARTINS PENA E O MELODRAMA ROMÂNTICO FRANCÊS NO TEATRO DE SÃO PEDRO

DE ALCÂNTARA

A partir do final da década de 1830, os melodramas românticos e sociais franceses

começaram a aportar no Brasil. Os títulos mais representados no Teatro de São Pedro

de Alcântara, durante os primeiros anos do decênio de 1840, foram: "Trinta Anos ou a

Vida de um Jogador" ("Trente Ans ou la Vie d'un Joueur", 1827), de Victor Ducange; "O

Sineiro de São Paulo" ("Le Sonneur de Saint-Paul", 1838), de Joseph Bouchardy;

"Heloísa e Abelardo" ("Héloïse et Abeilard", 1836), de Auguste Anicet-Bourgeois; e "O

Marinheiro de São Tropez" ("La Dame de Saint-Tropez", 1844), de Adolphe Dennery. O

ator João Caetano dos Santos foi o responsável pela introdução dos melodramas nos

palcos do Rio de Janeiro. Prado (1972, p. 22) constatou que os textos franceses

encenados pelo artista eram traduções portuguesas. Contudo, não deve ser ignorada a

chegada ao Rio de Janeiro, em 1840, de uma companhia dramática francesa, que

trouxe em sua bagagem textos de melodramas ainda não encenados no Brasil. A trupe,

dirigida por Ernest Gervaise, se instalou no Teatro de São Januário para uma

temporada de espetáculos, que duraram até 1843. A plateia fluminense mostrou-se

motivada com a presença do teatro francês na cidade, creditando-lhe a fonte do

desenvolvimento da arte dramática brasileira, como declarou um espectador anônimo

em correspondência publicada pelo jornal "Diário do Rio de Janeiro", em 09 de março

de 1841: "A verdade nos obriga a confessar que o teatro francês no Rio de Janeiro tem

concorrido para importantes reformas no teatro nacional". Se os melodramas eram

exibidos com frequência e agradavam grande parcela do público, a crítica teatral da

época manteve-se dividida na apreciação do gênero. Enquanto alguns aprovavam a

encenação do repertório francês, que enriqueceria os palcos do Rio de Janeiro, outros

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desaprovavam e condenavam a representação de cenas violentas de assassinatos,

adultérios, vinganças e revoltas populares. Huppes (2000, p. 63-122) analisou a

apropriação de elementos da estética do melodrama pelos dramas de autores

brasileiros do primeiro período romântico, como Gonçalves Dias, Martins Pena e o

franco-brasileiro Luis Antonio Burgain. No caso de Martins Pena, o impacto do

melodrama se estendeu às suas comédias. São de sua autoria 22 peças cômicas;

destas, 18 estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no Teatro de São

Pedro de Alcântara, em espetáculos beneficentes em favor dos atores. Arêas (1987, p.

196) identificou o diálogo das comédias do autor com a estética do melodrama.

Martins Pena entrou em contato com o repertório de melodramas a partir das récitas

oferecidas pelo Teatro de São Pedro de Alcântara e de seu trabalho como censor do

Conservatório Dramático Brasileiro. Meses antes de escrever e encenar "O Noviço",

analisou para o Conservatório Dramático a peça "Fabio, o Noviço ou A Independência

de Milão", tradução do melodrama romântico "Fabio le Novice" (1841), de Charles

Lafont e Noël Parfait. A peça francesa, que estreou no Teatro de São Pedro de

Alcântara em 13 de abril de 1845, une o tema amoroso e familiar ao político. Seu

enredo histórico, que se passa no século XVI em Milão, narra as peripécias vividas por

Fabio, um noviço que renega a vida religiosa e participa de uma revolta popular que

culmina na independência política da região italiana. "O Noviço", de Martins Pena,

comédia representada pela primeira vez em 10 de agosto de 1845, revisita os lugares-

comuns do gênero melodrama, tais como a perseguição incansável ao herói, a punição

do vilão, o roubo de herança, o reconhecimento final que resolve os nós da trama e

distribui a justiça, punindo o vilão e recompensando os bons. Carlos é constantemente

perseguido ao longo da peça, vítima das artimanhas de seu tio Ambrósio que, a todo

custo, tenta se apoderar de sua herança. Como ocorre no entrecho das peças

francesas, os planos maquiavélicos do vilão fracassam, mas só após o herói sofrer

inúmeras injustiças. Além dos elementos centrais da estética do melodrama, Martins

Pena fez uma comédia que incluiu temas e personagens de "Fabio le Novice".

Aproveitando a boa recepção da peça francesa, recuperou a sua figura principal: um

noviço heróico e órfão. Ao ver Carlos no palco, a plateia do Rio de Janeiro se lembraria

de Fabio. Os dois noviços compartilham algumas características, como a astúcia, a

inclinação para aventuras e o desejo de seguir a carreira militar. Ambos não se

adaptam às doutrinas religiosas, não gostam da vida reclusa e sentem-se inaptos para

o noviciado, o que os levam a escapadelas frequentes do convento. Ao dialogar com o

gênero francês e, especificamente, com a peça de Lafont e Parfait, o dramaturgo

brasileiro satirizou o comportamento extremamente virtuoso do herói do melodrama.

Carlos não é patriótico como o herói de "Fabio le Novice". O noviço brasileiro não

aceita subordinar-se às ordens do Mestre dos noviços, vive discussões acaloradas com

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o Dom Abade e cogita atear fogo ao convento. O comportamento transgressor de

Carlos - que apresenta as artimanhas do criado da farsa - é inaceitável para o herói

típico do melodrama. Fabio é audacioso, mas não ultrapassa os limites do decoro

social, não age de forma cômica nem planeja ardis contra o vilão que o persegue.

Martins Pena não pretendia somente divertir o público com a sátira de temas,

personagens e recursos do melodrama. Além da paródia, "O Noviço" mostrou aos

espectadores que a falta de justiça social estava enraizada na composição e aplicação

das leis civis do Segundo Império. Nesse sentido, Martins Pena não foi apenas o

comediógrafo responsável por fundar a comédia nacional de costumes - como o

quiseram a maior parte dos críticos teatrais e os historiadores da literatura -, mas

também um autor influente na constituição dos programas teatrais oferecidos pelo

Teatro de São Pedro de Alcântara, espectador de suas récitas e conhecedor de seu

repertório de melodramas. E, sobretudo, um comediógrafo que tinha uma mensagem

social para transmitir à sua plateia. Mensagem que construía, em parte, por meio da

apropriação e nova significação dos recursos e temas dos melodramas sociais,

invertendo-os comicamente para a construção de suas peças, recheadas de cor local.

Bruno Mendes dos Santos

Universidade Estadual de Campinas

MEMÓRIA E TESTEMUNHO NA OBRA DE GÜNTER GRASS

O objetivo da pesquisa é analisar algumas obras do autor alemão Günter Grass (1927-)

– a saber, a Trilogia de Danzig, que engloba os romances “O Tambor” (1959), “Gato e

Rato” (1961) e “Anos de Cão” (1965), e o livro de memórias “Nas Peles da Cebola”

(2006) – tendo em vista os conceitos de memória e testemunho discutidos no âmbito

da Literatura. Grass é um dos mais importantes e controversos escritores alemães do

período pós-guerra. Nascido em 1927, viu durante a sua juventude eclodir a Segunda

Guerra Mundial. Como muitos de seu tempo, foi membro da juventude hitlerista e

alistou-se no exército alemão. Um cidadão pacato, nunca questionou a ideologia

nazista. Após a descoberta dos horrores perpetrados pelos oficiais representantes nos

campos de concentração, reavaliou sua posição, assimilando a culpa coletiva de seu

povo e procurando, a seguir, através da arte, transmitir aos alemães a sua percepção e

pressionar cada cidadão sobrevivente do III Reich a uma verificação da parcela

individual de responsabilidade pelo processo histórico que culminou numa das

maiores tragédias humanas do último século. A partir de sua obra, tornou-se uma das

mais respeitadas autoridades morais da Alemanha no período, sempre presente na

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mídia e preocupado em manter acesa a memória dos eventos do Nazismo.Sua obra de

ficção é permeada de traços históricos e autobiográficos bastante notórios, que nos

permitem estudá-la pelo viés do conceito de “espaço autobiográfico”, denotado pelo

teórico Philippe Lejeune. Em “O Tambor”, o protagonista Oskar Matzerath é um garoto

nascido com consciência e discernimento, que decide aos três anos de idade não mais

crescer. Leva sempre seu tambor de lata e o toca quando deseja, ainda que em

momentos inapropriados. Nascido e crescido em Danzig (atual Gdansk, na Polônia), no

mesmo bairro que Grass, cercado de tipos humanos que de alguma forma

impressionaram o autor e foram representados na ficção. Observa e narra como

testemunha ocular dos acontecimentos históricos locais, dentro do contexto geral: a

convivência entre alemães, poloneses e judeus, a ascensão de Hitler, a perseguição

antissemita, a invasão nazista, as batalhas na guerra, o contra-ataque russo, a

reconstrução e o restabelecimento econômico e político são retratados como pano de

fundo da evolução de um indivíduo que não se identifica com a população comum e se

mantém à parte, preocupado apenas consigo mesmo; o personagem é, ao mesmo

tempo, um alterego e uma antítese de Grass, já que partiu do mesmo substrato

sociocultural, porém agiu de maneira oposta ao seu criador.Em “Gato e Rato”, o

narrador Pilenz é um jovem alemão comum, também criado no bairro de Grass em

Danzig, colega do excêntrico Mahlke, um outsider que não se submete às autoridades

nazistas e que deseja fazer ouvir sua voz. Quando se vê perseguido pelas autoridades,

por não cumprir suas delegações, pede ajuda a Pilenz (que não se esforça muito), e

acaba desaparecendo num mergulho no mar. O sentimento de culpa pela morte de

Mahlke o persegue, fazendo com que escreva sua versão da história e honre o nome

do amigo.Em “Anos de Cão” aparecem menos referências autobiográficas que

representações dos tipos humanos do período histórico, ressaltando a política racista

de Hitler e a sua influência nos relacionamentos pessoais entre arianos e judeus. Neste

terceiro livro da trilogia, o autor Grass se coloca numa posição testemunhal,

mostrando através das personagens fictícias Amsel e Mater a sua percepção das

relações humanas durante o III Reich.Na produção ficcional, portanto, Grass reorganiza

fatos e personagens reais de maneira tal que leva o leitor a reconhecer a ligação entre

História e Literatura e compreender algumas características humanas comuns que

permitiram, em última instância, o estabelecimento do Nacional-socialismo e sua

máquina de extermínio. Neste sentido, conforme verificaram Theodor Adorno e Max

Horkheimer na “Dialética do Esclarecimento” (1944), o Holocausto não pode ser

caracterizado como uma mera e infeliz fatalidade na história humana, mas sim o ápice

de um processo levado a cabo pelo desenvolvimento técnico progressista.Temos

muitos exemplos de obras notadamente classificadas como testemunhos, ou seja,

aquelas em que uma pessoa passa por um evento traumático, geralmente

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representativo de um quadro histórico mais amplo, e narra sua visão dos fatos,

descrevendo-as para tentar transmitir a sua experiência, ou pelo menos uma noção

dela. Estas narrativas de testemunho são, via de regra, de teor autobiográfico e o

narrador é, por excelência, um sobrevivente dos fatos narrados e vítima dentro

daquele contexto. “É isto um homem?”, do judeu italiano Primo Levi, sobrevivente de

Auschwitz, é o exemplo mais notório deste tipo de literatura. Grass, pelo contrário,

não era a vítima do sistema, mas um colaborador do governo nazista. Como soldado,

sobreviveu às ações de que participou. A descoberta do genocídio, no entanto, teve

nele, segundo relata, um efeito catártico, transformador. Uma parte da análise teórica

consiste em verificar se é possível classificar como testemunho a narração deste cunho

na voz do opressor e em que termos e condições esta narrativa testemunhal

funcionaria como tentativa de transmissão de uma experiência. Lançando mão do

legado de Grass (seus textos literários, bem como ensaios, entrevistas, depoimentos

ou artigos de opinião e autocrítica) e das produções de seus críticos e estudiosos, bem

como do acervo teórico envolvendo os conceitos de memória e testemunho,

ficcionalidade, filosofia da história e crítica da violência, pretende-se identificar as

intenções, estratégias, métodos e soluções encontradas pelo autor para representação

do período histórico desde o fim da Primeira Guerra Mundial até a era Adenauer,

levando em conta a posição de Grass como sujeito e objeto social, em um dos

ambientes mais representativos da história global no violento século XX.

Caio Maríngoli Marabesi

Universidade Estadual de Campinas

DA ESCRITA DE PRÁTICAS VIVENCIAIS À PRÁTICA DA POESIA ESCRITA: ALGUMAS

QUESTÕES DA TRAJETÓRIA POÉTICA DE WALY SALOMÃO

Waly Salomão publica seu primeiro livro, Me segura qu’eu vou dar um troço, no ano de

1972. Neste momento o autor participa ativamente das discussões sobre a produção

cultural e artística do período logo após a atuação da vanguarda concretista e durante

o surgimento da chamada “geração marginal”. Em relação à poesia, a “geração

mimeógrafo” dos poetas marginais deu a tônica de movimento ou fenômeno literário

que talvez pudesse ser visto como uma proposta coletiva, marca de uma época,

momento, que revelava o esgotamento das experiências de vanguarda (isso tendo no

horizonte, e como modelo de oposição, as propostas que ainda reverberavam do

concretismo) em solo nacional. Associada ao etos do cotidiano, a marca característica

de muitas das obras de poetas como Cacaso, Chacal, Eudoro Augusto seria, além do

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uso ostensivo de uma linguagem absolutamente corriqueira (pouco afeita ao literário),

a publicação “em suportes frágeis, fora do circuito tradicional”, “marginais”, portanto,

também editorialmente. Waly Salomão, dessa forma, será automaticamente

aproximado a tal tendência, na poesia, pelo dado de geração. Suas obras, no entanto,

apontam para outro tratamento da literatura e da linguagem. Sem esquecer a relação

com a tradição e revelando, ao mesmo tempo, uma disposição para a prospecção, a

obra de Waly Salomão produz um discurso de um sistema em constante abertura.

Nem romper com o passado, na lógica da ruptura nomeada por Octavio Paz referindo-

se às vanguardas da modernidade, como a indicar um novo possível caminho, nem

recuperar, e ali permanecer, lugares topologicamente marcados anteriormente. Como

parte de uma pesquisa maior que visa abordar a trajetória dos trabalhos poéticos

desse autor, partindo de temas caros à discussão sobre a arte na contemporaneidade,

o trabalho aqui proposto tem como objetivo central mostrar como os textos de Waly

Salomão, desde sua primeira publicação até seus últimos livros, editados e publicados

no início dos anos 2000, constroem uma dicção, que também se dá formal e

tematicamente, que busca acolher a diferença, reinventar os lugares já determinados

pela doxa e instaurar uma constante transformação e metamorfose da forma, da

linguagem e dos diversos discursos. Um livro como o referido Me segura qu’eu vou dar

um troço, no caso, poderia, então, ser lido e pensado a partir de uma preocupação

com a forma que, apesar de nunca ser tirada do horizonte, é vista através do

imediatismo dos atos, falas, ações, confissões que o próprio livro incorpora como

matéria de onde se constrói e a partir da qual se elabora. Tal livro em construção,

colocado sempre num porvir, seria menos uma literatura antiliterária, no sentido

apontado por Antonio Candido, como negação da própria possibilidade de se fazer

literatura (questão bem ao gosto das discussões do período), do que a tentativa e o

entendimento da necessidade de se pensar uma outra profundidade, ou, dito de outra

maneira, a contínua tentativa de forma que, a cada passo dado para sua realização, se

impõe a necessidade de reconsiderar seu percurso. A tendência construtiva é

mesclada a uma estética subjetiva, que opta por captar impressões, sensações

momentâneas. Apesar da evidente assimilação dos projetos da modernidade os

trabalhos de Waly não procuram reeditar qualquer experiência anterior, mas desejam

apontar a necessidade das construções abertas, dos trabalhos em progresso. Nesse

primeiro momento, Waly Salomão estabelece um forte diálogo com artistas plásticos,

principalmente Hélio Oiticica e passa a ocupar uma posição singular no campo das

artes no Brasil participando e influenciando as experiências contraculturais dos anos

70 já que propunha um tipo de escrita que resultasse também numa experimentação

pessoal e subjetiva. Assim como Hélio Oiticica, Waly Salomão também estava

interessado em explorar a relação entre prática artística experimental e a experiência

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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de vida. As imagens das viagens e deslocamentos geográficos seriam, assim, a

afirmação não só de uma vontade de experimentar diferentes lugares dentro e fora do

país mas também de poder mover-se livremente pelos mais diversos registros

linguísticos e discursivos. Portanto, a experimentação formal amalgamada a uma

prática de vida e vivências pessoais. Nesse sentido um livro como Algaravias, já nos

anos 90, momento em que as questões da poesia apontam, como parece ser um

consenso da crítica, para uma recuperação do trabalho mais apurado com o verso e

com as formas metrificadas, um livro como Algaravias também seria menos um

retorno ao verso promovido pelo poeta Waly do que a tentativa de se pensar seu

acontecimento, o acontecimento do poema, como abertura, do verso, do sujeito, da

tradição, às vozes externas que os circundam e que, num primeiro momento, parecem

ser ignoradas por tais estruturas para marcar o lugar de onde se afirmam. Do mesmo

modo, as afirmações, nos versos, em Algaravias de um sujeito que “contrabandeia

bárbaros e barbárie em meu bojo”, ou que conclui “agora, entre meu ser e o ser

alheio/a linha de fronteira se rompeu” bem como da contínua retomada dos versos de

um poema por fazer em “Fábrica do poema” indicariam a necessidade de se situar

(seja o poema, a identidade, a história, a tradição, o sujeito) num eterno

deslocamento, sem ponto final ou porto seguro, um lugar que, como foi dito

representaria menos uma experiência da multiplicidade, do que a intensidade de um

lugar que é potencialmente muitos, infinitos e por isso mesmo nenhum, ao mesmo

tempo.

Camila Rodrigues

Universidade de São Paulo

A COLEÇÃO DE ANEDOTAS INFANTIS DE GUIMARÃES ROSA

Procurando por um lugar legítimo para a História na obra de Guimarães Rosa, minha

pesquisa começou a se desenvolver no mestrado (Rodrigues, 2009), no qual descobri

que apesar do tema ter sido abordado, desde os anos 1970, só ganhou força mesmo

cerca de vinte anos depois, quando algumas leituras passaram a se alinhar a novas

concepções de História e então renovados vislumbres da relação temporal presentes

na escrita rosiana começaram a ganhar maior notabilidade - dentre eles, a perspectiva

infantil, que ora escolhi neste doutorado. Nesta pesquisa, no campo da História

Cultural, volto-me para a escritura de Guimarães Rosa, buscando problematizar o

diálogo que esta estabelece com a cultura dos não letrados - como as crianças - que,

no contexto da criação rosiana, pode aparecer sob a máscara do embate entre a forma

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dos adultos lidarem com a linguagem infantil. Para uma investigação interdisciplinar

como esta, os diálogos mais fecundos são os estabelecidos com historiadores, como

Carlo Ginzburg (2007), e com intérpretes rosianos, como Willi Bolle (2004), porém a

proposta abre-se para várias áreas de averiguação, abarcando os trabalhos sobre

linguagem (Wittgenstein, 1999; Sacks, 2010); aquisição da linguagem infantil (François,

2009); teoria da literatura (Lima, 2006); crítica genética (Willemart, 1999). Ao

considerar a escritura de Guimarães Rosa, estamos partindo da ideia de que li se

manifestam autênticas zonas de passagem, onde a escrita reforça ou enfraquece os

conflitos na tentativa de manter em ação a tensão entre os contrários, como o o oral e

o escrito. Ao manter essa crise constante, a escrita rosiana experimenta alinhavar

temporalidades históricas e recriações ficcionais. Assim, quando sugiro que uma

possível aproximação entre a escritura rosiana e a conversação infantil pode ser

melhor observada se cotejarmos os modos de expressão da criança, que se utilizam de

uma junção simultânea de linguagens para se comunicar, o que é reavivado no

processo de escrita rosiana quando este, partindo da percepção dos ritmos da fala,

também dialoga concomitantemente com várias linguagens. Para Henri Meschonnic

(2006) esta forma de se expressar que aposta em todas as maneiras de propagar

mensagens e fabricar significados é a Oralidade, que só funciona quando a

engrenagem de todas as linguagens atuantes estiver em movimento constante. Se a

Oralidade é um modo de funcionamento, é na escrita que ela encontra seu momento

de potência, porque o material escrito pode reinventar todas as partes que o

constituem, já que é composto por palavras, que são entes simultaneamente visuais e

sonoros, e que produzem sentidos se atuarem em movimento, o que se aproxima da

língua da criança que, em suas buscas por outros sentidos para a estranheza da

realidade, acaba engendrando significados para o mundo. Para refletir sobre isso me

debrucei sobre uma das coisas mais importantes no fabrico da escrita: seu processo de

feitura, onde se potencializa um universo de possibilidades que estou lendo nos

manuscritos disponíveis no IEB/USP. Dentre estas fontes, escolhi os Cadernos de

estudo para a obra de Rosa. Tais cadernos seriam verdadeiros laboratórios de escritura

e foi sobre eles que se centrou minha comunicação no Seta 2011. Lembrando o

questionamento da legitimidade da História proposto claramente por Rosa em seu

livro Tutaméia (Rosa, 1967) e suas consequências para a crítica de sua obra, destaco

que só a partir dos anos 1990 a História começou a ser vista como um tema rosiano,

especialmente com o trabalho de Wille Bolle (2004), que propôs uma aproximação

entre a perspectiva de Rosa e a concepção crítica do historicismo formulada por

Walter Benjamin(1994).Se a indicação de Bolle estiver correta, lembro que a reflexão

pioneira de Benjamin considerou como legítimos os olhar da criança sobre o tempo e a

temporalidade. (Benjamin, 2002). Segundo Giorgio Agamben (2008), para a criança, a

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Teoria e História Literária

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percepção da diferenciação temporal significa a atuação de outras maneiras de lidar

com a linguagem e, consequentemente, de formular narrativas, já que elas não se

sujeitam a regras, mas reagem performativamente.Se a História é como a vida e tem

vários sentidos a serem procurados no entrelaçamento de entre verdades e

possibilidades, devemos persistir buscando-os, assim como fazem as crianças, quando

ainda não se formataram as sintaxes ou gramáticas determinadas por adultos e

desfrutam da pura vivência do tempo. Seguindo a investigação sobre a possibilidade

de tais dinâmicas infantis aparecerem imbricadas na própria escritura de Rosa, durante

o ano de 2012 descobri novas fontes de pesquisa: outros cadernos rosianos. Estes

estão disponíveis para consulta no acervo pessoal de sua esposa, Aracy Guimarães

Rosa, no IEB/USP. Há também os que estão disponíveis da Fundação Casa de Rui

Barbosa, RJ. Ambos os grupos de cadernos mostraram-se diferentes daqueles originais

do acervo de Rosa, pois nestes, muito mais do que selecionar citações a serem usadas

na obra (eram cadernos de estudo para ela), o autor parece estar usando os cadernos

como blocos de anotações, já que neles vemos uma seleção de textos alheios e

anedotas. Tantas destas tratam do modo de pensar e de falar da criança. É sobre essas

fontes, que são históricas e também literárias, que falarei em minha comunicação.

Clara Carolina Souza Santos

Universidade Estadual de Campinas

BIBLIOTHECAS

No século XIX, livros como “Bibliothecas” apresentam um repertório de obras,

reunindo em um único volume uma variedade de títulos com indicações de leitura

para seus leitores e breves resumos com o conteúdo sucinto dos exemplares referidos.

Com formatação variada, estes livros conhecidos como Bibliothecas serviam no século

XIX para divulgação de determinada coleção de obras e de autores diversos em

territórios diferentes da circulação e impressão primeira daquele volume descrito; em

alguns casos seu formato mais regular - com resumos das narrativas - era apropriado

para publicizar leilões, com indicação de data e local do acontecimento no frontispício

da obra; alguns livreiros conhecidos das Américas e Europa utilizaram esta espécie de

registro para venda e troca de seu acervo em escala transnacional e, em seu uso mais

comum, volumes como Bibliothecas continham indicação de leitura para leitores sobre

bons livros impressos em determinada região, auxiliando, assim, na regulação do gosto

popular de obras literárias e científicas. É interesse geral da tese identificar as espécies

variadas das Bibliothecas em alguns usos específicos para venda, troca, divulgação e

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Teoria e História Literária

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difusão de romances, contos, novelas e fábulas; o por quê da alteração a partir do

século XIX de sua formatação regular e como a fixação da escrita deste livro auxilia na

difusão de contos, novelas, romances e fábulas no período novecentista, revelando

aspectos da aceitação social do romance em formato de livro e da configuração do

campo literário no período. Também analisaremos a presença de romances, contos e

novelas nestes exemplares e como estes textos ficcionais são divulgados entre o Brasil

e alguns países na Europa (em especial França, Inglaterra e Alemanha) em

Bibliothecas, identificando quais autores brasileiros estão presentes nesta espécie de

documento. Parte da pesquisa reconstituirá as pessoas envolvidas no processo de

escrita e tradução dos resumos contidos nas Bibliothecas, identificando quais as

traduções de livros romanescos em língua portuguesa, francesa, alemã e inglesa são

referidos nestes volumes, sejam traduções de livros voltadas para um público mais

douto ou para um leitor não letrado, mas de maior poder aquisitivo, pois que nesta

variedade de registro podemos reconhecer o uso de obras ficcionais encadernadas, e,

dentre elas, algumas de valor acessível ao público que lê por divertimento. Em alguns

casos, as Bibliothecas são a reunião de alguns catálogos de livreiros conhecidos na

Europa com conexão em diversas partes do mundo europeu, tendo em seu conteúdo o

título da obra seguido da descrição do exemplar a fim de despertar a curiosidade do

leitor para compra e leitura individual. Em outros casos Bibliothecas assemelham-se a

dicionários de autores e livros, meramente referindo os nomes de um ou de outro em

uma extensa lista enumerativa, com a intenção de demonstrar quais são os títulos à

disposição da comunidade leitora ou, apenas, divulgar a variedade literária da terra

por meio da menção daqueles que lá escrevem. É comum a toda esta espécie de livro o

público-alvo a que se destina esta publicação: pessoas leitoras de obras que circulam

no trânsito entre as Américas, Europa e territórios unificados pelas línguas portuguesa,

francesa, inglesa, alemã e holandesa, sejam estes leitores aqueles que compram livros

em leilões ou aqueles que lêem por divertimento e para instrução. Até o século XVIII a

impressão destas Bibliothecas portáteis busca a super variedade de títulos de

determinado Estado Nacional com o propósito de louvar aquele Império e seus

agentes. Ao longo do século XVIII, com a fundação das Academias Científicas, dos

Institutos Históricos e das Sociedades, registros como Bibliothecas começam a

proliferar nos Estados nação a princípio como um modo de divulgação do saber

produzido nestas associações. Para a tese é fundamental reconhecer estas tramas

entre os agentes brasileiros, luso, ingleses, franceses, alemães, canadenses e

estadosunidenses a fim de reconstituir o trânsito dos romances traduzidos ou não e

que circulam entre as Américas e Europa. A escrita destas Bibliothecas no século XIX

parece ser gestada por esses letrados, que de algum modo galgam cargos

administrativos participando dessas associações e institutos em vias de consolidação,

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Teoria e História Literária

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cujo propósito primeiro seria a construção da imagem do nacional. O dado

interessante desta espécie de obra é que elas parecem ser confeccionadas em

conjunto, num trânsito de via dupla entre as américas e a Europa. O resumo de cada

título descrito no interior de uma Bibliotheca parece ser construído por alguns destes

letrados que ocupam cargos nos Institutos Históricos e Geográficos e é possível que ao

ocupar estes cargos de tradutores de obras impressas em determinado espaço

geográfico algum letrado tenha a incubência de enviar estes resumos traduzidos ou

não para outros institutos históricos ou associações de leitura, como indicam os

regimentos da Bibliotheca Brasileira, por exemplo. Um outro exemplo deste trânsito é

o relato do autor de uma Bibliotheca Americana de 1836, onde se dá notícia de que o

resumo de uma viagem de Bry só foi finalizado devido ao resumo feito nestas

associaçṍes e enviado por um tipógrafo francês para as terras americanas. Esta

comunicação se destina a analisar a ocorrência nestas Bibliothecas de resumos

semelhantes, reconstituindo, assim, a trama entre as pessoas tradutoras nestas

associações e institutos que se proliferam no mundo a partir do século XIX a fim de

divulgar o Nacional em escala mundial. Outro exemplo pode ser confirmado a partir da

análise dos regimentos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que indicam

alguns letrados para o ofício de tradutores, tarefa ainda a ser investigada.

Daniel Essenine Takamatsu Arantes

Universidade Estadual de Campinas

OS CONTOS DA REVISTA BRASILEIRA (1895-1899)

A presente pesquisa se ocupa da investigação dos contos da Revista Brasileira (1895-

1899). Fundada em meados do século XIX, o periódico se notabilizou pela abordagem

de assuntos científicos, políticos, culturais e artísticos. De trajetória irregular, sofreu a

interrupção de sua veiculação por diversas vezes — ao todo, o periódico possuiu oito

fases. Em 1895, dirigida pelo crítico literário José Veríssimo e contando com a

colaboração de importantes figuras do final do século XIX, a revista voltou a circular

pela terceira vez, estendendo suas atividades até o ano de 1899, e reuniu em sua

redação intelectuais como Nina Rodrigues, Oliveira Lima, Joaquim Nabuco, José

Veríssimo, Euclides da Cunha, entre outros. Não obstante, a revista privilegiou a

divulgação literária, que se tornou um de seus principais traços, e se tornou ponto de

encontro dos principais literatos da época. Machado de Assis, Arthur Azevedo, Coelho

Neto, Araripe Júnior, Sílvio Romero são alguns dos nomes que aparecem nas páginas

do periódico, colaborando com textos de ficção e crítica literária. Dentro da produção

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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ficcional notamos uma forte tendência do periódico em privilegiar a prosa, sobretudo

o gênero conto. Em seu primeiro ano de edição, por exemplo, o periódico publicou os

contos “Uma Escrava”, de Magalhães de Azeredo, “A Dívida”, de Arthur Azevedo, “Fio

Reatado”, de Lucio de Mendonça, “Flor de Lótus”, de Raimundo Correia e “Uma noite”,

de Machado de Assis. O gênero continuou a aparecer com regularidade na publicação

e entre os escritores que publicaram suas short stories no periódico o mineiro Afonso

Arinos ganhou destaque com a veiculação de quatro contos na revista: “Pedro

Barqueiro”, “Joaquim Mironga”, “Assombramento” e “A Cadeirinha”, que seriam

reunidas posteriormente em seu livro Pelo Sertão (1898). Além disso, após a edição do

volume de contos, José Veríssimo dedicou uma resenha editada pela Revista Brasileira

analisando e elogiando o livro do escritor mineiro. Afonso Arinos foi um dos

representantes da tendência das narrativas rurais em prosa, que esteve em voga entre

os escritores de nossa literatura entre o final do século XIX e começo do XX. A tal

tendência literária convencionou-se denominar como regionalista. Nos contos de

Arinos podemos ver uma forte predileção por uma literatura construída a partir de

modelos locais bastante específicos, além da reprodução mais ou menos fiel do

ambiente rural e dos tipos que ali encontramos. Os costumes e linguagens dos

sertanejos, a descrição de latifúndios e de habitantes das zonas rurais, bem como a

própria paisagem do sertão estão entre os elementos principais das short stories do

literato. Ao tomarmos o conjunto da produção ficcional da Revista Brasileira,

verificamos que isso não foi apenas uma tendência trazida por Afonso Arinos para o

periódico. As novelas, “Bodas de Sangue”, de Rodrigo Otávio, e “A Tapera”, de Coelho

Neto, os contos “Uma Escrava”, de Magalhães de Azeredo, “Violento”, de Valdomiro

Silveira, e o romance Dona Guidinha do Poço, de Manoel de Oliveira Paiva, publicados

pela revista, também se aproximam da tendência regionalista do final do século XIX.

Dessa forma, a predileção por esse tipo de publicação literária não se tratava apenas

de um gosto da revista ou do público leitor daquele momento, mas sim parte da linha

editorial ufanista do periódico, que declarava logo em seu “Artigo de Fundo” a

preferência de seus editores por textos que abordassem exclusivamente assuntos

relativos ao país. Essa política editorial, naturalmente, não atingiu apenas a literatura,

mas quase todos os textos lançados pela revista, independente da área (artes, ciências

ou política). Ao observarmos as relações entre imprensa e literatura do final do século

XIX no Brasil que o presente trabalho investiga mais a fundo como esses dois campos

se estabeleceram e se desenvolveram dentro da Revista Brasileira. A reunião de um

grupo seleto de intelectuais e escritores, a ligação com a Academia Brasileira de Letras,

a posição da revista e de seus colaboradores frente ao momento político conturbado

pelo qual passava o país, o papel da produção literária dentro do programa do

periódico, entre outras questões tornam a análise da revista proveitosa e nos auxiliam

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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a lançar novos olhares sobre a imprensa e a literatura do período. Nesse sentido, é

significativo nos atentarmos para a resposta dada pelo grupo de intelectuais que se

reuniu através da revista e se propôs debater a situação política brasileira após a

instauração do regime republicano, como afirmou em seu “Artigo de Fundo”. Ao

passarmos pelo periódico, notaremos que esse debate esteve direcionado para o

campo jurídico, que não permitiu posições mais incisivas dos colaboradores e a

“neutralidade” acabou dando tom à revista. Outro aspecto interessante para se notar

as relações entre literatura e imprensa é que boa parte dos colaboradores da Revista

Brasileira esteve envolvida na criação da Academia Brasileira de Letras, nascida na

redação do periódico. Todavia, a movimentação política para a fundação do instituto é

divergente da feição assumida pela revista e veremos que essa posição “neutra”, ou

seja, de afastamento dos problemas políticos e sociais, dos colaboradores e,

especialmente, dos literatos, é transformada para a realização do projeto, uma vez que

os idealizadores da Academia Brasileira de Letras procuraram financiamento e a

simpatia do governo de Prudente de Moraes para fundar a instituição.

Erich Soares Nogueira

Universidade Estadual de Campinas

NOTAS TEÓRICAS SOBRE VOZ E LITERATURA.

O doutorado em andamento pesquisa a noção de Vocalidade na obra de Guimarães

Rosa. Nos dois anos anteriores, foram apresentadas as leituras de dois textos rosianos

― Meu �o o Iauaretê (em 2010) e Buriti (em 2011). Neste ano, pretende-se focar

alguns aspectos teóricos sobre a voz, sobre sua relação com a linguagem, de modo

geral, e sua especificidade no texto literário. Em termos teóricos, pode-se por ora

lembrar que Roland Barthes, em “O grão da voz”, já afirmara que a voz é “essa

materialidade do corpo que emana da garganta, espaço onde o metal fônico adquire

consistência e se recorta”; além disso, o autor nos indica que a voz ocupa um lugar

fronteiriço, isto é, ela é fundamentalmente o ponto de “articulação entre o corpo e o

discurso”. Outros teóricos que pensaram sobre a “voz”, como Corrado Bologna (Flatus

Vocis), Giorgio Agamben (A linguagem e a morte) e Adriana Cavarero (A piú voci),

também chamam a atenção para uma especial fronteira em que se situa esse

elemento notadamente humano: a fronteira homem/animal. De modo geral, não

dizemos que os animais têm voz. E, se em alguns estudos lemos a expressão “voz

animal”, será preciso entender que essa voz é sem sentido, podendo expressar dor e

prazer, mas sem ser capaz de abrir-se para ordem do discurso e da significação. A voz

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Teoria e História Literária

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humana, por sua vez, instaura-se justamente a partir de uma superação ou extinção

dessa voz animal. Dizendo de outro modo, dar lugar à linguagem envolve a morte do

animal ou de uma pura voz sem sentido. No entanto, a voz humana é também

memória daquilo que em nós possa ser a animalidade. Na fala, por exemplo, há

inúmeros elementos vocais que estão aquém ou além de um sentido claro e

identificável: como apontará Bologna, nossa voz guardará sempre as marcas corpóreas

do animal que fomos porque sempre “si confonde com il ronzante turbinío delle

pulsazioni corporee, che sfuggono alla coscienza perchè la precedono”. A ideia central,

numa primeira parte da comunicação, é pensar esse lugar fronteiriço ocupado pela

voz, entre a ordem do humano e do animal. Guimarães Rosa é certamente um escritor

que muitas vezes se aproxima, por meio de sua radical experimentação literária e da

caracterização de personagens, dessa fronteira complexa e perigosa. Poderão ser

indicados alguns textos ou passagens de sua obra nas quais essa questão ganha maior

relevo. No campo mais teórico, a comunicação também diferenciará, a partir de Paul

Zumthor, os aspectos que definem a “oralidade” daqueles que compõem a noção de

“vocalidade”. Em termos básicos, no campo da oralidade, a voz é entendida sobretudo

como meio de comunicação da palavra, como seu suporte sonoro; já o campo da

“vocalidade” abre-se para o que é próprio da voz, para todas as suas qualidades

materiais que antecedem e excedem a linguagem. O texto literário será pensado

justamente como esse lugar que excede a linguagem, que busca levar ao limite a

matéria que o compõe. Como resultado mesmo da escritura, as “vozes” do texto

literário podem ter o efeito de desagregar a linguagem, criando-lhe sempre novas

aberturas de sentido e negando-lhe aquela sua função mais normativa, que tende a

revalidar significados únicos, prontos e bem fechados. É importante notar que a voz

não se opõe à escrita, mas sim a libera de uma “clareza parasitária” (Barthes) para

revigorar aquilo que na palavra há de incontrolável. No entanto, saliente-se nesse

processo que, mesmo quando o texto chega ao limite de ser pura presença sonora

(como ocorre, por exemplo, em inúmeras passagens da obra de Guimarães Rosa), a

leitura não sofre, por assim dizer, uma suspensão absoluta do sentido, mas é como

que lançada num fluxo em que a voz “mostrar-se-á como pura intenção de significar,

como puro querer-dizer, no qual alguma coisa se dá à compreensão sem que se

produza ainda um evento determinado de significação” (AGAMBEN, 2006, p.53). Cabe

aqui já apresentarmos a noção de flatus vocis. Partamos da experiência comum,

lembrada por Agamben de se ouvir uma palavra cujo sentido desconhecemos, mas à

qual necessariamente atribuímos o intuito de significar, por ela estar inserida na

ordem do discurso. Essa experiência, como explica Agamben, aponta para uma

“articulação originária” entre voz e linguagem, em que a voz é flatus vocis, ou seja, em

que ela não é mais puro som e não ainda um significado, mas aponta para essa

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Teoria e História Literária

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possibilidade de significar. Como flatus vocis, a voz é, portanto, indicação de “que a

linguagem tem lugar”. Assim chegamos a uma questão central: não seria este o limite

do trabalho literário, ou seja, esvaziar a linguagem de todas as suas alienações, como

propõe Guimarães Rosa, e instaurar esse lugar em que a linguagem se potencializa

como experiência vocal em incessante “impulso para o querer-dizer”? Se assim for

possível compreendê-la, então ao leitor (e ao crítico) caberia lidar com essa flatus vocis

que é contínua resistência à significação e, na busca de sentidos possíveis e

transitórios, ler sob a inevitável condição de uma escuta não autoritária.

Fabiana Angélica do Nascimento

Universidade Estadual de Campinas

A NOVELA POLE POPPENSPÄLER, DE THEODOR STORM E O TEMA DA OPOSIÇÃO

ENTRE O ARTISTA E O BURGUÊS

A pesquisa que ora se propõe pretende analisar a novela Pole Poppenspäler como uma

novela organizada ao redor do tema da oposição entre o artista e o burguês. Uma tal

análise demandará que se investigue o modo de tratamento do mesmo tema nas

novelas românticas e sua posterior reapropriação por Storm, autor do Realismo

poético, validando-se assim a hipótese de Kunz (1970) segundo a qual as narrativas de

Storm se organizam ao redor de uma oposição de caráter histórico-político. A novela

Pole Poppenspäler, que ainda não possui uma tradução em língua portuguesa, foi

escrita em 1874 para uma revista voltada ao público infanto-juvenil (Deutsche Jugend).

Ela narra a história do velho marionetista de Munique Josef Tendler, cuja filha, Lisei,

casa com o torneiro artístico Paul Paulsen. Os dois jovens se conhecem quando a

família da menina apresenta uma temporada na cidade de Paul. Doze anos depois,

durante a peregrinação de Paul que constitui parte de sua formação profissional, os

jovens se reencontram numa cidade do interior da Alemanha. Josef Tendler é preso

por suspeita de roubo, e Paul ajuda Lisei a tirar seu pai da cadeia. Depois desse

episódio, Paul pede Lisei em casamento, que aceita imediatamente, e os três partem

de volta à cidade de Paul. Apesar do escárnio dos moradores da aldeia por Paul viver

com uma família de artistas mambembes, ele atende ao desejo do velho Tendler em

realizar mais uma apresentação a qual resulta em um grande fiasco. O velho

marionetista não consegue suportar o fracasso e morre. Depois de seu enterro, o

boneco Kasperl, dado por perdido, é lançado por alguém sobre o túmulo, entretanto,

toda essa manifestação de ódio não consegue perturbar a felicidade de Paul e Lisei. Em

Pole Poppenspäler, o conflito gerado pela transição entre duas diferentes

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Teoria e História Literária

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perspectivas, a do mundo pequeno burguês e a do artista, condensa-se de forma

simbólica, na trajetória dos personagens Tendler, marionetista, artífice e artista

mambembe em oposição a Paul, torneiro artístico, profissão já voltada à produção do

tipo industrial. Ao mesmo tempo está presente a caracterização geográfica e humana

das “pessoas simples” (“kleine Leute”), como camponeses, operários e artesãos.

Também está presente a regionalização geográfica e lingüística, por meio da

representação das paisagens alemãs e ao uso de dialetos, de acordo com o repertório

típico do Realismo poético. Ao contrário das correntes realistas vigentes em outras

partes da Europa, o Realismo poético não queria retratar diretamente a realidade, mas

sim, retratar a realidade a partir de uma “fantasia criadora” na qual as circunstâncias e

relações fossem mais reais do que a própria realidade. Outra característica dessa

estética era deslocar a ação para um tempo que não o do autor – o distanciamento

possibilitava criticar o presente. Mas a crítica não era direta, deveria esconder-se sob a

adequação externa. As descrições tampouco comunicavam sentimentos: o mundo

deveria ser representado sem nenhuma tentativa de explicação e de modo mais

imparcial possível. Para levar a cabo tal intuito, o Realismo poético parece ter

encontrado no gênero novela a sua maior expressão. Na tradição alemã, de acordo

com Benno von Wiese (1957), existem muitas teorias sobre novela, no entanto, ainda

pairam dúvidas sobre tal gênero. Uma definição bastante oportuna é a de Goethe

(Conversações com Eckermann, 29.01.1827): “o que é a novela se não um evento

inaudito”, pois a novela sempre tem a ver com um acontecimento que se condensa ao

longo de uma determinada extensão de tempo e espaço. Entendido como uma

peripécia ou transformação (Wendepunkt), esse acontecimento precipitará a

condensação da ação no conflito. Podemos também considerar a definição de novela

segundo os românticos. Friedrich Schlegel, na obra Nachricht von den poetischen

Werken des Johannes Boccaccio (1801), destacou que a novela é exemplarmente

adequada para representar um estado de ânimo e uma perspectiva subjetivos, assim

como aspectos mais profundos e peculiares desse mesmo estado de maneira indireta e

alegoricamente expressiva. Aqui se torna clara a tensão entre o subjetivo e o objetivo.

Schlegel, embora por um lado tenha observado o caráter social do gênero ao notar

uma “tendência à ironia”, acentua por outro a ‘profundidade’ do sentimento objetivo,

que corresponderia, neste caso, ao indireto e não revelado. Se, por um lado, os

românticos concedem uma amplitude à subjetividade, ao fantástico e à ironia que

favorecem a sociedade e a mistura com o “Märchen”, os realistas concentram-se no

acontecimento como tal para devolver à realidade da natureza e à sociedade o seu

próprio equilíbrio; em ambos os casos a narrativa novelística se desenvolve na

concentração do caso isolado (Einzelfall), cujo significado se forma, na maioria das

vezes, em uma poética simbólica. Expressões como motivo (Leitmotiv), silhueta

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

(Silhouette) ou peripécia (Wendepunkt), servem apenas para parafrasear uma

tendência de estilo que destaca o acontecimento único em sua expressividade

particular que alcança, por meio de seu significado subjetivo, uma validade objetiva, é

o que, em linhas gerais, o Realismo poético busca e se verifica na novela em questão.

É a partir do reconhecimento da presença da representação de dois modos de vida

opostos, do artista e do burguês, e também da tentativa de uma definição de novela

que contribua para justificar a escolha do gênero por toda uma geração de autores, é

que pretendemos localizar a perspectiva de análise da novela de Storm, investigando a

retomada desse tema, romântico, pela geração de autores realistas alemães.

Fernanda Andrade do Nascimento Alves

Universidade Estadual de Campinas

VIOLÊNCIA E PISTOLAGEM EM TRÊS ROMANCES LATINO-AMERICANOS

Como contar o medo nas grandes cidades da América Latina? É essa a pergunta feita

por Susana Rotker na introdução de "Ciudadanías del miedo". Rotker menciona um

importante texto construído com os corpos cidadãos: as cifras de mortos na Colômbia

e no México, dados alarmantes sobre a violência nas grandes cidades. Como contar

fenômenos violentos, como narrar a morte de imigrantes ilegais, de "mulas" no

México? É o questionamento proposto por Rossana Reguillo em seu artigo "Textos

fronterizos". Como narrar a realidade? De outra forma. Estas são a pergunta e a

resposta formuladas por Rafael Lemus em sua forte crítica à narrativa do Norte do

México na revista "Letras Libres", texto que provocou muita polêmica e incitou muitos

respostas, como a do escritor mexicano Eduardo Parra. Como contar? De acordo com

os três exemplos citados, esta parece ser uma indagação que atravessa distintos

discursos críticos que se propõem a refletir sobre a relação entre literatura e violência,

entre literatura e realidade. E a palavra "como" chama aqui a atenção. Contar parece

ser um fato. Conta-se a violência como se houvesse algo que impulsionasse os autores

à narração de acontecimentos violentos. No entanto, a pergunta que se repete é:

como proceder a essa narrativa? Como dar forma ao real, como ordenar o que parece

impossível de ordenar? Talvez nessa tentativa de ordenação e representação haja

fracassos e êxitos. Como contar? A partir de diferentes gêneros, de diferentes pontos

e vista e também de diferentes regiões geográficas. Não é fácil tomar partido:

literatura de mercado, que segue normas editoriais, que quer agradar o público leitor e

que converte o excesso da violência em espetáculo? Ou, ao contrário, literatura

voltada a seu tempo histórico, que não encontra outra saída a não ser abordar uma

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Teoria e História Literária

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

realidade que compete ao autor? Representação precária da violência? Estetização da

pobreza e da marginalidade? Estas são algumas perguntas que rondam o tema de que

quero tratar nesta comunicação. Meu objetivo é pensar como os gêneros escolhidos

pelos escritores refletem o gesto dirigido ao Outro, como se plasma na forma narrativa

um olhar ao marginal. Em "Para não dizer que não falei do samba", Alba Zaluar (1998,

p. 248) desenvolve uma interpretação significativa para a leitura que quero fazer aqui.

A socióloga comenta como o adjetivo "violento" é usado geralmente para falar do

outro, apontando que, em algumas cidades, "o crime e a violência são como um

artifício ou idioma para pensar o outro". Desse modo, elegi autores que me despertam

muitos interrogantes: questiona-se a qualidade literária de seus escritos, questiona-se

o ponto de vista ético a partir do qual escolhem contar a violência. Trata-se da novela

"O Invasor" (2002), do escritor brasileiro Marçal Aquino, do romance "Rosario Tijeras"

(1999), do colombiano Jorge Franco, e do romance "Un asesino solitario" (1999), do

mexicano Élmer Mendoza. A intenção é verificar como cada autor, desde sua

cartografia literária específica, trabalha o tema da violência e se é possível propor

algum tipo de aproximação entre mundos ficcionais distintos. Não se busca apagar

diferenças e especificidades do problema da violência em cada cidade que constitui o

espaço das narrativas. Mas, considerando as particularidades que configuram o

fenômeno em São Paulo, Medellín e Culiacán e afastando uma vontade

homogeneizadora, é possível considerar que os autores tocam realidades que têm

algumas características comuns, que chamam a atenção para fenômenos que estão se

desenvolvendo em várias partes do continente ao mesmo tempo. Em que coincidem

estes textos? Todos se constituem em torno de um personagem emblemático: um

pistoleiro, um sicário. Embora no Brasil não se utilize o termo sicário para empregado,

como atualmente no México e na Colômbia, a figura do assassino de aluguel está

presente nos três países. Trata-se de uma forma de delinquência muito particular, que

interessa por sua representação literária. Os três romances se localizam no território

do crime. Em "El cuerpo de delito. Un Manual", Josefina Ludmer define a importância

do delito como elemento fundador de relações sociais, culturais e econômicas, como

noção articuladora, "una constelación que articula delincuente y víctima", isto é, que

"articula sujetos: voces, palabras, culturas, creencias y cuerpos determinados. Y que

también articula la ley, la justicia, la verdad, y el estado con esos sujetos", como "una

frontera cultural que separa la cultura de la no cultura, que funda culturas, y que

también separa líneas en el interior de una cultura. Sirve para trazar límites, diferencia

y excluir. Con el delito se construyen conciencias culpables y fábulas de fundación y de

identidad cultural. [...] una frontera móvil, histórica y cambiante (los delitos cambian

con el tiempo), no sólo nos puede servir para diferenciar, separar y excluir, sino

también para relacionar el estado, la política, la sociedad, los sujetos, la cultura y la

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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literatura." (LUDMER, 1999, p. 14). Embora o "corpus" com o qual trabalha Ludmer

seja muito distinto do meu, tomo de sua reflexão essa categoria com o intuito de

pensar o delito, a violência como elemento mediador das relações que se estabelecem

nas tramas e no tecido social armado nas três obras, delito que permite a trajetória de

ascensão ou queda dos pistoleiros e que também marca a relação entre "eles" e "nós",

ou seja, as diferenças que se fazem notar entre os personagens oriundos das margens

e aqueles que habitam os bairros elitizados das urbes.

Guaraciara Roberta Loterio

Universidade Estadual de Campinas

VERACIDADE : CONFISSÕES, CORPOS E TESTEMUNHOS NA BERLIM DE WALTER

BENJAMIN

Em Ibiza no ano de 1932, a pedido de um jornal, Walter Benjamin dá início a uma de

suas primeiras tentativas autobiográficas. Esta receberia inicialmente o título de

Crônica Berlinense, discorrendo acerca de suas experiências e perspectivas infantis. De

acordo com Bernard Witte e Susan B. Winnett, esta tentativa autobiográfica

benjaminiana, escrita primeiramente em forma de narrativa contínua, tardiamente

daria origem a coleção de histórias curtas que levaria o nome de Infância em Berlim

por volta de Mil e Novecentos (Witte, Bernard & Winnett, Susan B. Paris – Berlin –

Paris: Personal, Literary, and Social Experience in Walter Benjamin’s Late Works., 1986,

pp. 49-60). Nesse momento, aconselhado por seu amigo Gershom Scholem, Benjamin

parece retirar toda e qualquer referência biográfica de seus escritos, a fim de não

torná-los tão suscetíveis a “mal-entendidos” (Benjamin, Walter. Correspondência,

1993, p. 40). Tal ato abriria espaço para uma leitura histórico-política mais ampla do

século XIX, dirigindo autores como Willi Bolle à ênfase de que Benjamin, assim como

Baudelaire, inauguraria um gênero intitulado "tableau urbano". Este se configuraria

como a narrativa moderna acerca da grande cidade. (Bolle, Willi. Fisionomia da

Metrópole Moderna, 2000). A escritura de Infância em Berlim é marcada por um

período de profunda crise pessoal e profissional para o autor: este se sentia desiludido

e incapaz de encontrar audiência simpática a seus escritos, em meio ao fortalecimento

do regime fascista. Foi precisamente neste período que adquiriu tabletes de morfina e

considerou seriamente acabar com sua vida após o 40º aniversário, em 15 de julho de

1932 [tal resolução, contudo, só viria a cabo em Portbou em 27 de setembro de 1940].

Ao invés do suicídio, Benjamin opta por embarcar no trabalho de reminiscências,

“escavando” suas memórias infantis – fato que soa pouco acidental. Há certa

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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significância nessa revisão, como Benjamin mesmo escreve em uma das cartas

endereçadas à Scholem em 26 de setembro de 1932: “[...] recordações de infância –

que você já terá percebido não tratar-se, de forma alguma, de relatos ao modo de

crônicas e sim de uma ou outra expedição às profundezas da memória [...]”(Benjamin,

Walter. Gesammelte Schriften Vol. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 1064).

Fruto de um período de crise, os escritos que compõem Infância em Berlim por volta

de 1900 entrelaçariam cacos de uma vida pessoal e imagens fugidias de um século em

ruína. A organização de tais textos é regida pela descontinuidade, sendo que cada

pequeno fragmento remonta uma espécie de fantasmagoria epifânica: a recordação

de momentos da infância vem à luz por meio do momento presente, no qual o autor

evoca a memória. Inspirado pelo modelo de Proust, Benjamin apodera-se de sua

história pessoal à medida a narra. Contudo, diferentemente deste mesmo autor,

apenas é capaz de resgatar os fragmentos de seu passado a partir da abertura de sua

espacialidade, ou seja, através da retirada de traços diretamente biográficos. Em

Infância em Berlim Benjamin assume verdadeiramente sua afirmação de “não utilizar o

‘eu’, exceto em cartas” a fim de fragmentar este mesmo ‘eu’, expandindo a sua

espacialidade e permitindo que esta seja permeada pelos ecos de um século que

sucumbe a uma esfera política instável. Mesmo que Benjamin não aponte

explicitamente, fica claro que a experiência que determina o Gestalt de Infância em

Berlim é a de morte. Como diria Derrida alguns anos mais tarde, Benjamin queima o

‘eu’ e busca capturar a si mesmo dentro da história de todo um século, tornando-se “a

cinza” a fim de denunciar a si, a verdade de si e de toda uma época, efetuando um

gesto “confessional” por meio do rompimento, do “queimar” – e não apagar – a

consistência do eu (Derrida, Jacques. Cinders. Londres: University of Nebraska Press,

1991). Também Gerhard Richter parece enfatizar que o desaparecimento da primeira

pessoa em Infância em Berlim está vinculado a uma nova maneira de se auto-retratar

inaugurada por Benjamin, a qual privilegiaria um "corpus" ante o "corpo" do autor. Tal

corpo, de fato, apenas seria apreendido por Benjamin através de uma escrita

fragmentária do si mesmo, identificado em sua alteridade. (Richter, Gerhard. Walter

Benjamin and the Corpus of Autobiography, 2000). Contrariamente, todavia, Carla

Milani Damião em seu trabalho Sobre o Declínio da Sinceridade: Filosofia e

Autobiografia de Jean-Jacques Rousseau a Walter Benjamin enfatiza que não se deve

vincular Infância em Berlim à escrita autobiográfica. Isto, tendo em vista que Benjamin

não obedeceria à cronologia tradicional dos relatos autobiográficos, cuja a narrativa

segue as etapas: "nascimento-infância-juventude-idade adulta". (Damião, Carla Milani.

Sobre o Declínio da Sinceridade: Filosofia e Autobiografia de Jean-Jacques Rousseau a

Walter Benjamin, 2006). Como Damião, Manuela Günter afirma que Benjamin

efetuaria a construção de um "anti-sujeito", no sentido individual, fazendo sumir o

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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sujeito-herói-personagem ou o sujeito-narrador, colocando em xeque a esfera

autobiográfica. (Günter, Manuela. Zur Subversion Autobiographischen Schreibens bei

Siegfried Kracauer, Walter Benjamin und Carl Einstein, 1996). Inúmeras conjecturas

permeiam os relatos presentes em Infância em Berlim por volta de 1900, levando

teóricos a se questionarem acerca do caráter pessoal e referencial do sujeito

benjaminiano em tais fragmentos. Para alguns, como Bolle e Richter, ainda que dados

biográficos e a referência direta ao 'eu' sejam suprimidas, existiria na obra traços

autobiográficos. Para outros, como Damião e Günter, não se pode falar em

autobiografia, uma vez que estes mesmos elementos, os quais engajariam aquilo que

se compreende como "pacto autobiográfico", teriam se esvanecido. Em minha

comunicação pretendo discorrer sobre esta controvérsia, tendo como base a maneira

como Benjamin busca desarticular a esfera autobiográfica, rompendo com os aspectos

meramente confessionais de seus escritos. Em seguida, busco denunciar de que modo

tal rompimento possibilita uma abertura para o caráter histórico- testemunhal que

permeará a obra e expandirá as noções daquilo que se compreende por ‘sujeito

benjaminiano’ e ‘autobiografia’ a partir de então.

Guilherme Zubaran de Azevedo

Universidade Federal de Minas Gerais

HISTÓRIA E MEMÓRIA EM GRANDE SERTÃO:VEREDAS E EM A MENINA MORTA

A proposta de trabalho a respeito do romance brasileiro contemporâneo tem como

objeto de pesquisa os relatos romanescos que evidenciam momentos traumáticos da

experiência pretérita do país. O foco da análise se concentra em narrativas tecidas pela

atividade da memória, da rememoração, pelas quais se vislumbram histórias de

sofrimento capazes de desnudar a fragmentação das instituições e dos valores da

cultura nacional. Essa temática se materializa a partir da análise comparativa dos

romances Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (2006), e A menina morta, de

Cornélio Penna (2009), ambos publicados na década de 1950. Realizar uma

comparação entre estas duas obras se justifica, na medida em que mobilizam, pelo fio

da memória, vivências dolorosas relacionadas com momentos do passado nacional.

Essa proposta de análise tem como fundamento teórico a hipótese, conforme Jaime

Ginzburg (2012), segundo a qual as instituições políticas e sociais brasileiras se

constituem a partir da mobilização de ações violentas. Tal perspectiva constrói um

olhar a respeito da literatura baseado na dicotomia do trauma coletivo - relacionado a

determinado impacto sofrido por um grupo social ou mesmo toda sociedade - e da

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Teoria e História Literária

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melancolia, materializada na precariedade de sujeitos históricos em superar perdas

coletivas. Esses dois elementos configuram um tipo de forma literária marcada por um

descentramento e uma espessura temporal. O evento traumático diz respeito a uma

situação limite, caracterizada por um excesso de realidade que se choca com a

capacidade de percepção ou recepção do sujeito. Esse real traumático, de acordo com

Seligmann-Silva (2003), é compreendido como uma ferida capaz de desestabilizar as

condições da consciência e da memória de um sujeito, cuja enunciação sofre um

processo de limitação, tornando problemática a própria representação da realidade

violenta. Assim, segundo Jaime Ginzburg, o processo de extrema violência provoca

uma dupla desarticulação: de um lado, o próprio sujeito é colocado diante de suas

insuficiências e, de outro, a realidade mirada se torna desordenada. Portanto, há um

elemento lacunar calcado na incapacidade de uma recordação total do fato, visto que

este é da ordem do inenarrável e do indizível, isto é, diante de uma experiência de

extrema violência, a língua se torna insuficiente para representá-la. Há dois aspectos

fundamentais que se relacionam com a problemática da violência e do trauma: a

memória e a forma literária. Em relação ao primeiro elemento, observa-se que os dois

romances – Grande sertão: veredas e A menina morta narram eventos momentos da

vida pretérita do país. No entanto, a historicidade presente nas narrativas não revela o

contexto social de forma totalizante, ou seja, não há uma representação completa da

vida nacional da época; ao contrário, o papel mnemônico repousa na fragilidade, como

explica Jeanne Marie Gagnebin (2006), dos rastros do passado que se articulam num

jogo entre recordar e esquecer. São pequenos relampejos ou intermitências que

revelam experiências do patriarcalismo e do mandonismo que narram situações de

violência e trauma por meio das quais as vozes emudecidas encontram um canal de

enunciação. A forma literária se configura pela desintegração das formas tradicionais

de narrativa. Segundo Walter Benjamin (1994), a desorientação do mundo moderno,

decorrente do declínio da experiência, encontra na finitude da personagem

romanesca, presente em sua trajetória, uma fonte de sentido. Agrega-se a isto a crise

do Realismo, explicada por Adorno (2003), materializado na posição do narrador, cuja

atividade não consegue representar a objetividade épica, o que evidencia o

tratamento da vida sem o domínio das categorias éticas e comportamentais

tradicionais. Esses conceitos romanescos servem como instrumentos de análise dos

romances Grande sertão: veredas e A menina morta. Assim, os narradores dessas

obras, marcados pela crise mimética, se constituem como parâmetro de comparação,

na medida em que absorvem os elementos do mundo social. Essa configuração

romanesca narra as historicidades relativas à formação das estruturas políticas e

sociais brasileiras. Em primeiro lugar, é importante observar a constituição da família

patriarcal. Nesse momento, impõe-se o diálogo com os autores como Sérgio Buarque

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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de Holanda (1976) e Gilberto Freyre (1963). Em Raízes do Brasil, o mundo familiar se

forma no meio rural, no qual a ordem provém da autoridade dos senhores de

engenhos; seu pátrio poder torna-se o sustentáculo do quadro familiar, de modo que o

seu exercício, quase tirânico, consolidou esse sistema a qualquer corrosão externa.

Assim, o familismo marca a vida social do país, fundando os mandonismos locais e

concretizando o predomínio da esfera privada sobre a pública. A ética da cordialidade,

que guia as ações a partir de um fundo emotivo, surge no contexto da grande família

brasileira. A família e o mundo rural constituem o núcleo de A menina morta e Grande

sertão: veredas. Sob esse cenário, forma-se a fazenda do grotão, onde impera o

interdito imposto pelo patriarca para os agregados e escravos; e o sertão rosiano em

que se desenvolve a luta entre os grupos de jagunços e os setores da ordem pública.

Em ambas as obras, o exercício da violência é representado como uma instituição da

vida social nacional, expressada nas cenas de batalhas, na escravidão, na interdição do

outro e na condição precária dos escravos. Esse quadro compõe uma perspectiva da

formação da sociedade brasileira distinta da posição positiva de Gilberto Freyre a

respeito da colonização portuguesa e do patriarcalismo. Há, assim, um contraste entre

as duas obras literárias e o ensaio sociológico de Freyre, no qual aquelas apresentam

as fazendas e as casas grandes como lugares de servidão e violência (BOLLE, 2004;

SANTOS, 2004). Portanto, o trabalho procura problematizar as historicidades

representadas pelos romances Grande Sertão:veredas e as A menina morta a partir

das noções de violência e trauma a fim de evidenciar experiências de grupos sociais

subalternos.

Isabel Cristina Domingues Aguiar

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

RETRATO DO BRASIL E PAULO PRADO: UM ESCRITOR NO ENTRE-LUGAR

Longe de qualquer pretensão dogmática, Paulo Prado definiu sua obra como ensaística

e reinvidicatória por mostrar o desequilíbrio entre o modelo europeu e a realidade

local a partir de uma visão não unitária ou categórica, fazendo com que sua obra se

distanciasse da crítica cientificista de fins do século XIX. A visão fragmentária de Prado

dialogará com pensadores, poetas de seu tempo e de outros tempos sendo impossível

encaixá-lo em doutrinas e saberes, salvo o posicionamento do autor como intérprete

do Brasil ao lado de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. O autor de Paulística

(1925) e Retrato do Brasil (1928) se empenhava em buscar as raízes da formação da

nacionalidade brasileira atribuindo à cobiça e a luxuria do colonizador português,

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

somado o Romantismo do século XIX, a grande responsabilidade pela degradação do

caráter do povo brasileiro. O objetivo deste artigo é trazer à cena uma reflexão acerca

dos conceitos de cultura e literatura presentes no livro Retrato do Brasil: ensaio sobre

a tristeza brasileira. Interessa-nos observar que maneira o autor vivenciou a tensão

entre a relação centro-periferia, a constatação do atraso e a necessidade de

renovação, que se refletiu no apoio ao movimento modernista de 1922. Para isso, o

fundamento metodológico será o ensaio “O entre-lugar do discurso latino-americano”,

de Silviano Santiago que a partir dos pressupostos dos Estudos Literários e dos Estudos

Culturais desenvolve dois conceitos que aqui nos interessa: a transdisciplinaridade e o

“entre-lugar”. O conceito de transdisciplinar vai ao encontro do aspecto múltiplo

ressaltado na figura de Paulo Prado e é determinante para entender sua obra não

como miscelânea de saberes, mas como forma unitária de analisar, entender e (re)

interpretar a realidade. Já a idéia de entre-lugar é atribuída ao caráter reinvidicatório,

mas não partidário do discurso pradiano que busca um lugar no mundo da cultura, da

literatura, da política, diferente do lugar europeu. A biografia de Paulo Prado nos

mostra o quanto valorizou as artes e cultura em geral. Tendo vivido na Europa a

efervescência intelectual, Prado a julgava como parte decisiva para a mudança de uma

sociedade que se encontrava alheia ao processo de modernização evidenciado em

outros países. Daí, na inovação cultural justifica-se o apoio principalmente financeiro

dado ao grupo modernista de São Paulo. Em Nacional Estrangeiro, Sérgio Miceli

enfatiza a importância do apoio de Paulo Prado para o sucesso do movimento

modernista de 22, já que estamos nos referindo a um respeitado nome da sociedade

aristocrata conservadora da época. Contudo, a adesão do autor ao Modernismo não

institui uma mudança radical e ideológica como ocorreu com outros participantes da

Semana de Arte Moderna, ao contrário, Paulo Prado permaneceu na fronteira entre o

conservadorismo x modernismo, o tradicional x inovador, tanto que conseguiu

escrever o clássico livro Paulística ao mesmo tempo em que iniciava a atividade de

mecenas do movimento. O paradoxo tradicional x moderno está presente na figura de

Paulo Prado, no grupo que financiou e em parte pode explicar a tensão do autor frente

à impossibilidade de modernização. Porém, o objetivo de Paulo Prado vai além da

constatação da desigualdade, em Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira

(1928), encontramos uma reflexão acerca do caráter nacional brasileiro a partir dos

males de sua origem, da herança melancólica unida à cobiça e à luxúria da época

colonial. Longe de uma visão totalitária e superficial Retrato do Brasil é escrito com o

intuito de ser um ensaio interpretativo a mais para o entendimento da formação do

caráter do brasileiro. Retrato do Brasil se compõe de duas partes escritas em

momentos distintos da vida do autor, sendo que a primeira relaciona-se ao ensaio

propriamente dito, o qual se divide em quatro capítulos – A Luxúria, A Cobiça, A

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Tristeza e O Romantismo – os quais seriam as mazelas que o Brasil acumulou nos

séculos de exploração portuguesa. Posteriormente, Paulo Prado incorpora o Post-

Scriptum ao livro para explicar as pretensões que teve com o ensaio, rebater as críticas

dos defeitos de sua tese e agradecer pelos lapsos apontados e que foram corrigidos

para a nova edição. A tese defendida ao longo do Retrato diz respeito à idéia de que

haveria graves defeitos na formação do brasileiro que, consequentemente,

interferiram na constituição da nacionalidade do país. Segundo Paulo Prado, a

formação do brasileiro a partir do cruzamento de três raças tristes – o português, o

negro e o índio – aliada ao contato com o clima intenso do país criaram um estado

permanente de melancolia excessiva que dificilmente pode ser transpassado. É

possível afirmar que a defesa de Paulo Prado ao caráter não-regionalista de Retrato do

Brasil seja um receio que esta obra seja julgada pelos critérios de Paulística, livro este

que reúne ensaios escritos em meio à agitação modernista de São Paulo e que foram

publicados originalmente pelo autor no jornal O Estado de S. Paulo. O exercício

interpretativo realizado nesse estudo permitiu levantar algumas questões

interessantes da obra Retrato do Brasil, a análise proferida pelo autor e a solução dada

no Post Scriptum, à percepção da inadequação entre o modelo europeu e a realidade

brasileira, a preocupação de Paulo Prado com a tese idéia de um corpo social sofrendo

de uma patologia que lhe impedia de crescer, enfim, todas as questões aqui

posicionadas nos levam a pensar no impasse/ tensão que diversos intelectuais, assim

como Paulo Prado vivenciaram.

Jacimara Vieira dos Santos

Universidade Federal da Bahia

AS NAUS E TERRA PAPAGALLI: DERRISÃO E IRONIA NA DESSACRALIZAÇÃO DA

VEROSSIMILHANÇA

A obra do escritor português António Lobo Antunes é multifacetada e complexa,

assumindo uma relação bastante particular com a gramática e instaurando formas

peculiares de pontuação. Excedendo o plano estrutural da escrita, o autor admite não

se prender às fronteiras dos gêneros literários, e As naus parece comportar

substancialmente essas marcas, além de trazer uma retomada de episódios históricos

numa rede de associações compositivo-ficcionais sob o crivo da paródia e do humor.

José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta têm uma produção literária

marcadamente intertextual e paródica em que o humor aparece como uma categoria

importante que imprime densidade crítica sob as máscaras do riso fácil. Os autores

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

brasileiros trazem em Terra Papagalli, uma paródia do Descobrimento do Brasil,

esfacelando as fragilidades da sua suposta coerência e verdade inscritas na história e,

paralelamente, revelam cronologias superpostas que perfazem intermediações entre o

passado e o presente. Este trabalho procura desenvolver um estudo comparativo

acerca dos romances, examinando a estratégia retórica que nestas composições

literárias movimentam a categoria do real e do verossímil. As naus descreve, nas rotas

propostas por seu narrador, percursos insólitos que ultrapassam a realidade conhecida

e renovam as possibilidades ficcionais, acrescentando-lhe desafiante frescor e

reverberação. Deflagra, por outro lado, olhares que pendem para carnavalizações,

realces burlescos, elementos irônicos que desconsertam e abalam certezas, ordens e

verdades, em oscilantes ondas de humor contido e em maremotos que desordenam os

tempos e a cronologia. Em Terra Papagalli observa-se que a terra representa, também,

o lado telúrico confluindo com o geopolítico. Neste romance a história do Brasil é

contada a partir do prisma de um degredado (Cosme Fernandes), também desfazendo

a megalomania nacional dos grandes nomes e dos grandes homens e, mesmo, de uma

narrativa grandiloqüente. Os romances As naus e Terra Papagalli subvertem, por meio

da linguagem literária, as referencialidades do real e do verossímil, mobilizando a

ironia e a derrisão para conduzir novas formas de apreensão das narrativas históricas.

Desta forma, profanam e dessacralizam os princípios que as fundamentam,

transitando no terreno da ambigüidade que consigna o estatuto do conhecimento

artístico; mais precisamente, do romance. Há uma subjacente incitação à retomada do

passado em ambos os romances que, num certo sentido, contraria o tempo atual,

ocupado em exaltar o agora e pouco afeito a incentivar o conhecimento do passado

para reavaliá-lo. A ressonância advinda do passado é operacionalizada, nas obras

literárias focalizadas, por meio de distensões, intermitências, conexões e

superposições temporais que às vezes aparecem sob forma labiríntica, mas não

perdem o nexo para uma interpretação do presente. Partindo dessas leituras, a dicção

do humor a que alguns autores recorrem descreve caminhos críticos, trilhando a ficção

e a história sob modos ficcionais modernos que instauram um labor imaginativo com

os fantasmas da memória do país. Imagens nonsense, absurdas, fantásticas e

fantasmagóricas surgem em paralelo ao que é concebido como realidade e verdade

histórica, tanto em As naus quanto em Terra Papagalli, desencadeadas por contornos

burlescos, grotescos, risíveis, caricaturais, cômicos e irônicos conforme se

particularizam em cada obra, enquanto desafiam a ordem natural das coisas conforme

postulada pelo real. Ao focalizarem-se os percursos narrativos de António Lobo

Antunes em As naus; e dos autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta em

Terra Papagalli, nota-se que as obras passam, invariavelmente, pela memória nacional,

respectivamente, de Portugal e do Brasil, em que se vislumbram formas distintas de

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

humor, em semelhante processo de derrisão. Devido, portanto, às particularidades das

obras e de seus respectivos autores, intuí-se que o riso latente na obra brasileira

assume uma disposição eufórica, que se externaliza - e aberto e largo se mostra à

primeira vista; - ao passo que a obra do escritor português sustenta um riso de aspecto

disfórico, interiorizado e incluso em si mesmo. Assim, o fato a se destacar em princípio

é que, embora as obras se constituam na pontuação do interdito, o fazem por

caminhos – e conseqüente geração de sentidos – opostos. Em ambos os casos, as

modalidades de riso perceptíveis nos romances são críticas e contestadoras,

permeadas por recursos retóricos instauradores de estados de tensão cômica. Não

obstante, os cruzamentos cronológicos de ambos os romances citados conferem vários

status ao passado e dão um caráter de deslocamento ao presente, evidenciando a

necessidade de manter a atenção frente à questão do tempo nos romances. Procura-

se evitar a generalização de tomar os romances enquanto busca nostálgica do passado

histórico, mas vislumbrar que há, neste movimento, um esforço de negação crítica de

certas versões e uma retomada criativa de marcos histórico. Expressa na

ficcionalização, essa retomada passa a se constituir num elemento insurgente que

projeta leituras importantes, indicando, também, que uma investigação das relações

complexas entre Literatura e História demanda o questionamento acerca de formas de

poder, discurso e política, cognição e controle social, no passado e na

contemporaneidade. O exame da ambivalência existente sob o riso, a comicidade e os

procedimentos irônicos, mostra-se, nesta perspectiva, relevante.

Josilaine Cátia Gonçalves

Universidade Estadual de Campinas

A CONFIGURAÇÃO DO TEATRO DE HILDA HILST NA INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA

O estudo minucioso da obra teatral de Hilda HiIst pela perspectiva filosófica da

hermenêutica pode permitir uma melhor compreensão sobre as características de sua

escrita. Ainda mais, por se tratar de uma obra de grande complexidade. Portanto a

análise de um conjunto de princípios relacionado à tragédia e à comédia, à fala, à

escrita, ao sistema de enunciação e enunciado e a própria constituição da linguagem

poética, podem se constituir em recursos relevantes para apreender as características

de sua escrita. Ao analisar o detalhamento de uma obra temos uma maior facilidade

de acesso à totalidade dos escritos. Deste modo, esta pesquisa tem como base a

interpretação filosófica fundamentada nos estudos do trágico, do cômico e do

tragicômico, na abordagem teórica de Ricoeur (1997) sobre a interpretação do texto

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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literário de Hilda Hilst. Utilizaremos essas bases conceituais com a proposta de

desvendar a tessitura teatral que a dramaturga compôs, e elucidar a “mistura de

gêneros” através do emprego de elementos recorrentes da tragédia e da comédia na

peça A Empresa (também chamada de A Possessa). Reflexões críticas precedentes

sobre a dramaturgia hilstiana nos parecem ainda pouco difundida nos meios

acadêmicos, em termos de uma crítica acadêmica regular, sendo que essa constatação

deve-se em parte a quantidade de textos produzidos em torno da singularidade de sua

obra teatral, assim como sua linguagem de difícil acesso e ao legado reconhecimento

do valor artístico dos textos aos encenadores. Levando em consideração a

complexidade de sua obra, o presente trabalho limita-se a discutir alguns grandes

eixos de reflexão que continuam a sustentar debates, uma vez que não formularemos

definições normativas do texto teatral. Apresentaremos questões para facilitar a

compreensão de um mundo dramático fecundo como o de Hilda e propor que sejam

considerados os aspectos tragicômicos apontados por esta proposta de trabalho. Com

a intenção de elucidar o trabalho a ser feito na interpretação dos princípios

tragicômicos na peça A Empresa, examinaremos o problema interpretativo do texto

teatral a partir da hermenêutica de Paul Ricouer, já que consideramos as reflexões de

Ricoeur pertinentes para a descrição do texto em seus elementos estruturais, para

então lançarmos um pouco mais de luz sobre alguns aspectos ainda mal delineados no

terreno comum entre o que o texto fala e como o texto se organiza na sua

composição. Trataremos das reflexões sobre a interpretação de uma obra artística

pelo viés filosófico, pois compartilhamos a ideia que este tipo de interpretação permite

a apreensão e a exposição dos termos e sentidos da linguagem poética da autora,

possibilitando a compreensão do mundo apresentado pela obra. Falaremos da

organização da estrutura textual, recorrendo à análise do texto teatral proposta por

Ryngaert (1996); na sequência, faremos uma reflexão sobre os termos, os sentidos e os

elementos pertencentes ao gênero tragicômico na peça A Empresa. Seguindo este

método teremos condições de compreender o mundo contido na obra teatral. O

objetivo central deste trabalho consiste em interpretar, a partir da perspectiva

hermenêutica de Ricouer a peça A Empresa de Hilda Hilst. Para tanto, algumas

questões são aqui levantadas: a - Como a filosofia interpreta uma obra literária, já que,

esta apresenta ao leitor os sentimentos e afetos humanos, e traz em suas entranhas

uma forma de conhecimento do mundo por meio da representação artística? b - De

que maneira é possível a leitura filosófica abordar o significado do enunciado e da

enunciação nos textos teatrais? c - Como a interpretação filosófica compreende a

dimensão poética da linguagem e a carga simbólica valorativa de um texto teatral?

Estas questões são motivadoras para a proposta deste trabalho, pois o diálogo com

hermenêutica permite a aproximação do texto teatral com a filosofia. Não se trata de

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Teoria e História Literária

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uma identificação mecânica do pensamento que guia uma determinada obra artística,

pelo contrário, busca-se no reconhecimento filosófico da hermenêutica a dimensão

poética da linguagem, que serve de instrumento para a apresentação do mundo

contido na obra. A Hermenêutica é vista como uma Teoria ou Filosofia interpretativa –

capaz de tornar compreensível o objeto analisado, mais do que sua simples aparência

ou superficialidade. Deste modo, é função da prática interpretativa filosófica

demonstrar os termos apresentados na linguagem poética construída pelo autor, para

então levantar hipóteses sobre o mundo representado na obra artística. Neste sentido,

sugerimos neste trabalho a compreensão da linguagem poética presente no texto

teatral de Hilda Hilst, através de um aprofundamento do pensamento sobre os termos,

os sentidos, as formas e os processos teatrais vigentes em seu texto, para que

possamos levantar proposições sobre o mundo apresentado na obra. As condições da

existência humana e a expressão do mundo podem ser concebidas através da forma

estrutural do texto teatral - nas partes do texto, na fala, no caráter e no pensamento

das personagens, nas indicações cênicas, na organização e na composição - como um

organismo vivo pronto para ser desvendado pelo leitor.

Juliana Cristina Bonilha

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

A REVISTA FEMININA (1915-1936) E A LITERATURA

Ainda no início do século XX, a partir de 1915, publica-se em São Paulo uma revista

endereçada às mulheres de todo o país: a Revista Feminina. Apoiada pela família, mas

principalmente por Cláudio de Souza, médico, teatrólogo e personalidade bastante

influente em São Paulo e no Rio de Janeiro, cuja roda de amigos compunha-se por

literatos ilustres como Coelho Neto e Olavo Bilac, Virgilina de Souza Salles, senhora

bem apessoada, educada nos melhores colégios baseados nos modelos europeus, cria

a Revista Feminina. O objetivo do periódico é o de criar uma revista que leve ao

mesmo tempo uma leitura baseada nos preceitos morais e que contribua para a

educação feminina, fornecendo, ao lado de artigos de entretenimento, páginas de

Literatura e Cultura. É desta forma que estrutura-se um periódico de mais ou menos

40 páginas, colorido - inovação possibilitada através do desenvolvimento das técnicas

de impressão e diagramação da imprensa. Pleno de propagandas e artigos o periódico

cumpria a função almejada por Dona Virgilina: instruir e entreter a mulher brasileira.

Apesar de a publicação da Revista Feminina se efetivar em São Paulo, era transportada

para todo o país, o que facilitou uma difusão geral e uma fidelização de suas leitoras.

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Teoria e História Literária

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Em outras palavras, a revista se populariza dentre as senhoras da elite brasileira. Dado

curioso era que quem assinava a Revista tinha o direito de colaborar numa seção do

periódico, intitulada "Jardim Fechado". Assim, as leitoras de diversas partes do país,

podiam dialogar através de cartas ou publicar seus escritos - como poesia e contos -

além de mostrarem seu talento. Porém, em 1918, a morte da diretora do periódico por

motivos de saúde, surpreende a família Salles. A partir de então, assume a direção da

Revista João Salles, o marido de dona Virgilina. O perfil da Revista sofre poucas

variações, mas significativas: se antes as páginas continham bastantes textos de ficção,

agora mantinha um enfoque maior nas atividades domésticas, o que mostra a visão

ainda conservadora dos homens da época. È só após alguns anos que outra mulher

assume a direção do periódico: Dona Avelina de Souza - filha do casal - recém formada

colégio interno de renome na sociedade – o Colégio de Sion. Com sua entrada, a

Revista ganha novas nuances: notam-se muitos textos que traduzem uma mulher que

começa a lutar por direitos e muitos textos direcionados à educação dos filhos, como

contos e peças teatrais infantis. Surge também um novo foco: a luta por direitos

igualitários, como por exemplo o caso do direito ao voto. Mas se a Revista passa por

momentos de transição, seu conteúdo, que traz uma mistura de tradição (dada o foco

da revista ser o de publicar conteúdos para uma mulher voltada à instituição familiar)

e ao mesmo tempo de modernidade (com a entrada de Dona Avelina, buscas por

direitos são incorporadas ao periódico) também revela uma sociedade e uma literatura

transitória. Outras questões desta transitoriedade também são perceptíveis na

publicação. Ao lado da preservação dos costumes tradicionais de São Paulo,

freqüentemente a Revista expõe, em suas páginas, textos de autoria estrangeira e

portanto, uma visão moderna que vinha do exterior. Isso reflete o que ocorria na

sociedade brasileira do período: havia uma impressão de que o continente europeu

era mais moderno em relação ao Brasil e esta suposta disparidade provocava uma

necessidade de buscar se atualizar. A convivência entre o local (o que é nativo e

portanto brasileiro) e o cosmopolita (aquilo que considerava-se moderno, relacionado

ao ambiente europeu) é tão intensa que se faz perceber através da leitura do

periódico: de um lado, existem textos que informam sobre a sociedade paulista e

brasileira; de outro, textos que trazem a Europa como assunto principal. Dentro deste

contexto, propõe-se, na tese em andamento em questão, a observação dos aspectos

de tradição e de modernidade do periódico, atentando-se para o fato de que seu

período de permanência na imprensa brasileira abrange 15 anos e que portanto,

antecede e depois ultrapassa o marco do Modernismo brasileiro. Propõe-se a análise

do corpus, mas especialmente um maior foco na Literatura nele presente, com o

intuito de confirmar que apesar de existirem toques de modernidade num âmbito

ideológico, há na verdade um grande apego à tradição, entendendo-se como

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Teoria e História Literária

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significado para o termo não só a manutenção de valores culturais, mas também a não

antecipação de tendências na Literatura que seriam ponto de coincidência com o

Modernismo brasileiro. Constatando-se que a mulher (da elite) da época em questão

já tinha acesso à educação - que podia ser obtida em colégios e internatos - e

observando-se o panorama literário do período, caracterizado pela crítica literária

como um período de "literatura de permanência" (CANDIDO, 2000, p. 104) ou um

momento que antecede o Modernismo, decidiu-se analisar os textos presentes na

Revista a fim de perceber se tais textos confirmavam uma transitoriedade ou se

traziam nuances de um novo momento para a literatura, que viria a ser o Modernismo.

Para realizar esta análise, percorreu-se obras de historiografia literária, de história

geral, dentre outras tantas a fim de perceber a relação da Revista Feminina com a

Literatura.

Leandro Thomaz de Almeida

Universidade Estadual de Campinas

A LITERATURA NATURALISTA E SUA RECEPÇÃO CRÍTICA: DA MORAL AO IDEAL

CIVILIZADOR

A literatura naturalista não cansou de ver críticos que reprovaram seus romances,

pelas descrições minuciosas de ambientes considerados degradantes, pela insistência

deles em retratar elementos considerados indignos da arte ou por conta da ausência

de juízos críticos do narrador, que deveriam ser lançados a ações reprováveis dos

personagens envolvidos em ações consideradas menos nobres. Contudo, não obstante

esse permanente conflito entre autores e críticos do naturalismo, um dado se mostrou

comum no arcabouço teórico que sustentou suas posições: a preocupação com o

aspecto moralizante da literatura. A moral se constituiu um termo estruturante dos

discursos pró e contra a literatura naturalista. Estruturante, nesse caso, quer dizer que

muito da elaboração teórica do naturalismo e do fundamento para sua crítica seria

diferente caso a moralidade fosse elemento ausente das discussões. Quando

pensamos no maior teórico do naturalismo, Émile Zola, vemos que ele não poupou

esforços para procurar mostrar que seus romances não eram imorais. Antes, eles não

negariam a moral na medida em que eram verdadeiros e a verdade seria o fator

decisivo para o estabelecimento da moralidade. Diferentemente dos idealistas, que

segundo o escritor “crêem serem tão mais nobres, que se perdem ainda mais nas

mentiras da imaginação” (ZOLA, Oeuvres complètes, p. 824), “os naturalistas afirmam

que não se poderia ser moral fora da verdade” (ZOLA, O romance experimental e o

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naturalismo no teatro, p. 106). A exposição das chagas da sociedade, os caminhos para

superar a condição degradante dos trabalhadores, o retrato das condições de vida das

meretrizes, todos esses elementos, ao estarem presentes nos romances naturalistas,

contribuiriam com a atitude moral, objeto de disputa com os críticos. Segundo Halina

Suwala, a aposta zolaniana de retratar essas situações seria uma espécie de

“moralização indireta pela exposição lógica e poderosa da verdade” (SUWALA, Autour

de Zola et du naturalisme, p. 137). Quando passamos aos críticos, vemos a

impossibilidade de dissociar a questão moral dos condicionamentos que determinaram

sua apropriação do naturalismo. Ferdinand Brunetière, que criticou o que acreditava

ser uma degenerescência da arte sob o naturalismo, afirmou que essa literatura

achava mais fácil “dar a arte em pasto aos instintos mais grosseiros das massas que

elevar sua inteligência até a altura da arte” (BRUNETIÈRE, Le roman naturaliste, p.3).

Ele não está distante do que já dissera, em terras tropicais, o Visconde de Taunay,

quando este afirmou que os romances naturalistas “generalisam factos destacados e,

de um typo quase sempre mau e odiento collocado em circunstâncias especiaes,

inferem a feição, a expressão ultima e completa de uma classe, de uma sociedade

inteira e até de uma nação (TAUNAY, Estudos críticos II – Litteratura e philologia, p. 8).

Perceba-se a tônica do discurso crítico condenatório das páginas escritas por Émile

Zola ou Aluísio Azevedo, para falarmos de dois escritores emblemáticos do naturalismo

em seus países: tais romances alimentam “os instintos mais grosseiros das massas” de

um lado, ou enfatizam o “tipo mau e odiento” de outro. O fundo moral do julgamento

se evidencia. Assim, pelos discursos de Zola e dos críticos, malgrado as disparidades

entre eles, percebemos que se movem ainda em um terreno que não prescinde da

preocupação com o elemento moral. É a partir desse cenário que invoco alguns

exemplos, dois mais precisamente, que parecem sugerir o início de uma mudança no

discurso da crítica, uma mudança que parece querer realizar uma transição entre essa

preocupação com a moral e uma outra, mais afeita às mudanças sociais que

alcançaram a sociedade brasileira de finais do XIX. O primeiro desses exemplos é Silvio

Romero. Ao tratar da prosa de Émile Zola, ele fez uma crítica direta àqueles que

insistiram em apontar seu caráter supostamente imoral: “A mais importante objeção

opposta ao romancista de Médan é a velha lamuria da immoralidade de seus quadros”

(ROMERO, O naturalismo em litteratura, p. 11). Em sentido contrário aos dos

“lamurientos”, Romero parece mais interessado em tomar a literatura como veículo de

transmissão das recentes lufadas de ar trazidas pelos novos ventos científicos: “O

homem é um forçado que se liberta e sua arma de combate é a sciencia e é a

litteratura” (Ibid, p. 28). Literatura unida à ciência, com vistas a algum ideal de

emancipação humana e não como elemento de debate sobre a moral. Um segundo

exemplo pode ser Adolfo Caminha, capaz de elaborar de maneira bastante explícita

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em seus exercícios críticos o papel civilizador que esperava ver encampado pela

literatura. Ao comentar o que acreditava ser um cenário de minguada produção

literária no Brasil, Caminha reclamou também da qualidade das produções brasileiras,

em contraste com a realidade francesa: “A nova geração continua a fazer literatura por

simples diletantismo, sem ideal definido e civilizador” (CAMINHA, Cartas literárias,

p.21). O que traria à literatura brasileira um salto de qualidade seria uma mudança na

compreensão de seu papel por parte dos escritores por vir: “se a mocidade brasileira

compreendesse nitidamente o papel civilizador da literatura, a importância absoluta

da obra de arte, com certeza os seus esforços duplicavam” (Ibidem). Na pesquisa de

que este resumo procura ser síntese, intento flagrar o momento em que essa mudança

aqui ventilada passa a ser predominante, ainda que, com isso, não pretenda afirmar

que a moral tenha deixado de ocupar um espaço ainda significativo na avaliação da

prosa ficcional naturalista. Contudo, na boa síntese de Orna Levin, a partir da entrada

em cena do naturalismo, “o romance, gênero favorito da burguesia em formação,

ganha uma segunda finalidade, prática e utilitária, distinta do papel que até então

vinha desempenhando como fonte de educação moral e de entretenimento

doméstico” (LEVIN, Aluísio Azevedo: ficção completa em dois volumes, p. 22). Como

parecem apontar os críticos, essa finalidade prática e utilitária se ligaria a um ideal

civilizador, a partir do momento em que movimentos na sociedade brasileira

procuraram pensar a realidade local a partir da produção teórica e científica de países

estrangeiros. A confirmação dessa relação e um detalhamento maior dela é o próximo

passo que minha pesquisa pretende dar.

Leonardo Dela Coleta Baldi

Universidade Estadual de Campinas

A FIGURA FEMININA EM MOCIDADE MORTA

O final do século XIX brasileiro, em suas manifestações literárias, foi extremamente

rico e diversificado, e a contribuição do Simbolismo para tal panorama é inconteste.

Sem esconder suas raízes gaulesas, poetas e prosadores brasileiros partiram do que

nomes de peso da literatura francesa produziam naquele momento para, com

resultados os mais diversos, fundar e solidificar o movimento simbolista em seu país

natal. J.-K Huysmans, Villiers de l’Isle-Adam e outros baluartes do Decadismo e do

Simbolismo – além de autores não propriamente ligados a essas estéticas, como

Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé e Émile Zola – foram influências

decisivas para as criações de um Cruz e Sousa, um Alphonsus de Guimaraens, um

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Gonzaga Duque – este, autor de Mocidade Morta, considerado um importante marco

da prosa simbolista brasileira [PESSANHA, 2008], mas cujo valor documental e/ou

estético nem sempre tem sido percebido ou devidamente estudado. A figura de

Gonzaga Duque é indissociável do desenvolvimento da escola simbolista no Brasil,

dada sua participação na criação de revistas e sua atividade enquanto crítico de arte e

escritor. Fez parte do grupo organizado em torno da Folha Popular, ativo por volta de

1890 e 1892, considerado “o grupo simbolista mais antigo e o que lançou o movimento

e os manifestos iniciais”, do qual também fazia parte Cruz e Sousa [BROCA, 2005].

Gonzaga Duque também integrava o grupo que fundaria a revista Fon-Fon,

considerado o derradeiro grupo simbolista atuante no Rio de Janeiro [BROCA, 2005].

Como crítico de arte, além do balanço feito em A Arte Brasileira, fez comentários

acerca de importantes artistas seus contemporâneos, como Pierre Puvis de Chavannes

e Félicien Rops [DUQUE, 1997]. Como ficcionista, além do romance citado, também

deixou o volume de contos Horto de Mágoas, editado postumamente, “vasto painel

intimista de sensações orquestradas em sinestesia”, no dizer de Alexandre Eulálio

[EULÁLIO, 1989]. Em Gonzaga Duque, o ficcionista não se separava do crítico de arte.

Desse olhar experimentado é que talvez venham muitas das cenas empastadas de cor,

além de muitas relações entre elas e telas de pintores como Pissarro, Caillebotte,

Monet e outros [EULÁLIO, 1989]. O “pintar com palavras”, expressão simplificadora do

Realismo em literatura, é levado a outro patamar pela escrita de Gonzaga Duque. E é

como crítico de arte que vai comentar, em artigos inseridos em Graves e Frívolos, a

pintura de Rops e Puvis de Chavanne, evidenciando as características da figura

feminina pelo pincel de um e de outro. Foram escolhidas cinco personagens femininas

de Mocidade Morta: Henriette, a francesa cuja presença perpassa a narrativa; a mãe

de Camilo Prado; a Afrodite cuja chegada ele narra aos membros dos Insubmissos

reunidos na brasserie Havanesa (capítulo IV); a anônima que entra no bonde e provoca

no protagonista o “cruel exame da existência” (capítulo X); a virgem dilacerada da

narrativa de Camilo, que lê dela trechos para os sonolentos Agrário e Henriette

(capítulo XIV). O objetivo do projeto é comentar em que possível medida Gonzaga

Duque se valeu do imaginário decadista-simbolista com relação às mulheres para

compor essas personagens de alto valor simbólico para Mocidade Morta. Em DOTTIN-

ORSINI (1996), trabalha-se a ideia da mulher fatal segundo, entre outras fontes, a

literatura decadista-simbolista. O material recolhido pela autora é, em sua totalidade,

francês – incluindo Huysmans e Villiers de l’Isle-Adam, leituras constantes de Gonzaga

Duque. Entre suas constatações, encontra-se a de que a mulher-vampiro destrói o

poder criador do companheiro. O quanto Henriette – francesa de origem, mas

morando no Rio de Janeiro – encarna, de maneira diluída que seja, a mulher perigosa

para a inteligência, a honra e a alma do artista, aproximando-se assim, a despeito de

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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sua linda fisionomia, da mulher à Rops, comentada por Gonzaga Duque? A presença de

Henriette é maciça ao longo de Mocidade Morta. As demais personagens femininas

anteriormente citadas, porém, como já mencionado, não podem ser ignoradas, uma

vez que se relacionam, inclusive, ao pensamento estético de Camilo Prado e à sua tão

sonhada reação ao estagnado panorama das artes nacionais – reação essa que leva em

consideração inclusive o Impressionismo francês. No entanto, a influência das

personagens femininas no ânimo e nas ações de Camilo, a quem a hiperestesia

huysmaniana não é estranha, o que elas poderiam representar para além de qualquer

“rasa literalidade naturalista” e possíveis fontes para sua composição não foram ainda

encontradas na fortuna crítica sobre Gonzaga Duque. A relação do autor com os

modelos literários que ele utilizava e transformava, como um precursor da

antropofagia oswaldiana, poderia ganhar subsídios com tais análises [DUQUE, 1995]. A

obra ficcional de Gonzaga Duque é pouco comentada, seja em suas relações com sua

própria época, seja com a modernidade artística que se segue ao período ainda hoje

chamado Pré-Modernismo. Cronologicamente, o romance de Gonzaga Duque não se

encaixa nesse período, pois sua publicação se deu dois anos antes que Canaã e Os

Sertões viessem à luz. Porém, considerada a inexatidão da expressão, não seria

exagero incluir Mocidade Morta nesse panorama de heterogeneidade estilística. As

análises pretendidas neste projeto têm por base a comparação entre temas e figuras

contemporâneas a Gonzaga Duque encontradas nas literaturas ficcional e crítica.

Procurar-se-ão, também, subsídios na área em que Gonzaga Duque atuou como

crítico, as artes plásticas, já que, no caso de Gonzaga Duque, é essencial o auxílio

trazido por elas, já que, para esse autor, como dito anteriormente, o crítico de artes e

o ficcionista andam lado a lado.

Luiz Maurício Azevedo da Silva

Universidade Estadual de Campinas

NO SECRETS TO CONCEAL: MARXISMO ÉTNICO EM HOMEM INVISÍVEL.

Em um célebre artigo, intitulado The future is black, o ensaísta norte-americano Mark

Dery evoca uma histórica afirmação de Greg Tate, muito familiar para os indivíduos

negros, segundo a qual “pessoas negras vivem a ostracização que os escritores de

ficção científica imaginam.” De fato, há um sistema social através do qual forças

simbólicas da ideologia dominante compelem os afro-americanos, enquanto a história

oficial procura defini-los como personagens inanimados, carentes de consciência

social, irremediavelmente conformistas e sempre dependentes de uma libertação que

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não virá senão através da ação benevolente dos homens brancos. Na tradição da

literatura norte-americana, não há demonstração mais nítida e expressiva da distância

entre o que se pensa que os indivíduos negros são e aquilo que eles, de fato, pensam

ser do que a descrita por Ralph Ellison, no romance Homem Invisível. Publicado em

1952, o livro aborda as agonias de um indivíduo negro em uma sociedade branca da

primeira metade do século XX. Utilizando-se de uma releitura do mito de Gyges, Ellison

construiu uma obra baseada no insight identitário do protagonista que percebe ser

invisível para os demais indivíduos. Essa metáfora da invisibilidade atravessa

inteiramente a obra como um tema universal encravado em uma realidade particular.

Logo no princípio da obra, o protoganista expressa sua contrariedade ao flagrar sua

condição: “Sou um homem invisível. Não, não sou um daqueles personagens de Edgar

Allan Poe; tampouco sou um ectoplasma de filme hollywoodiano. Sou um homem com

substância, um sujeito de carne, osso, fibras e líquidos e tecidos. Devo dizer: sou

portador de um cérebro. Sou invisível, entenda, simplesmente porque as pessoas se

recusam a me ver. Como esses personagens de circo, estou cercado por espelhos que

distorcem o que refletem. Quando as pessoas se aproximam de mim, veem somente

reflexos delas mesmas, fragmentos de suas imaginações. Enxergam na verdade tudo,

tudo, exceto o que eu sou.” Segundo Platão, Gyges era um pastor que encontrou

acidentalmente um cadáver portador de um anel de ouro que dava a seu dono o poder

da invisibilidade. Após roubar esse anel, Gyges percebe que pode, a qualquer

momento e em qualquer lugar, tornar-se, se quiser, invisível a todos. Dessa maneira,

ele consegue presenciar os diálogos de seus pares e pode flagrar o que se fala dele

durante sua ausência. O mito explora, portanto, as possibilidades práticas da

invisibilidade, os limites da privacidade e as máscaras sociais. Já em Ellison, essa

narrativa é utilizada no que possui de mais perturbador: o oferecimento da exploração

da impossibilidade de reversão de certas invisibilidades sociais. O narrador de Homem

Invisível, ao contrário de Gyges, é vítima de uma condição que jamais desejou e que

não pode alterar. A presente tese é um trabalho essencialmente bibliográfico, que

encontra seu sentido maior na dissecação interpretativa da obra de Ellison, à luz do

modelo de Black marxism, criado por Cedric Robinson, em 1983, no qual se diagnostica

a necessidade da ampliação do radicalismo ocidental para que este ofereça uma

resposta sociológica às questões raciais. O Black Marxism procura demonstrar que o

marxismo étnico não é uma colônia intelectual do pensamento marxista, mas uma

efetiva ferramenta que ilumina e amplia as problematizações das condições materiais

dos indivíduos negros. Robinson construiu uma espécie de marxismo étnico, onde o

radicalismo produz uma reavaliação histórica sobre o nível de consciência das massas

negras e sobre a migração da imagem de vítima da história para o de ator de suas

próprias lutas. A tradição oficial marxista pensava as minorias negras apenas como

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

reflexo das condições materiais, o que dava conta da dimensão econômica, mas

deixava escapar a questão étnica. Essa concepção teórica da realidade material possui

raízes nos estudos sociológicos de Hubert Henry Harrison, o mais relevante teórico do

marxismo radical afro-americano, além de apresentar evidentes filiações culturais ao

Harlem Renaissance, movimento cultural iniciado em 1920 e que se estendeu até o

ano de 1932, no qual personalidades como Langhston Hughes, Jessie Redmond Fussie,

Countee Cullen, Zora Hurston e W.E.B du Bois propuseram um novo pacto social para

a comunidade negra, realizando ações afirmativas e declarações públicas de orgulho

racial. Na presente tese, pretende-se evidenciar que Homem Invísivel é uma obra fruto

das relações socioeconômicas da trajetória negra norte-americana. Planeja-se, ainda

posicionar a obra de Ellison no contexto histórico das produções literárias afro-

americanas, desde seus textos seminais, publicados em 1855, até suas produções

contemporâneas, limitadas até o ano de 2010. Com isso, problematiza-se não apenas o

trabalho de Ellison, como também temas urgentes, como a explosão da literatura de

massa e das produções de gueto e suas implicações na configuração de um cânone

literário negro. O foco deste trabalho é a análise da construção de uma consciência

étnica marxista em Homem Invisível, obra de Ralph Ellison, observando que sua

publicação, em 1952, não é meramente um evento isolado da produção afro-

americana, mas um componente integrante de uma longa história de indignação, de

resistência e de denúncia.

Marcela Verônica da Silva

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E O FUNDAMENTO HISTÓRICO DO POEMA VILA RICA

Com a intenção de dar continuidade aos estudos realizados no mestrado, que

receberam o título de Constância da Retórica, Mudança de Estilo: a obra acadêmica de

Cláudio Manuel da Costa, a tese de doutorado tem por objetivo proceder à análise do

Fundamento Histórico do poema Vila Rica do poeta mineiro Cláudio Manuel da Costa,

publicado no jornal O Universal em 1773, de acordo com as regras de escrita no Brasil

Colonial, em especial, com o modus faciendi proposto pelos círculos acadêmicos, que

previam a adequação à poética e à retórica antiga e contemporânea. Assim, no que diz

respeito aos elementos ficcionais e poéticos, ou seja, à discussão da construção do

poema Vila Rica, pretende-se levar em consideração a sua estrutura não clássica,

considerada labiríntica para o teórico Hélio Lopes, e, no que tange aos elementos

históricos e retóricos, pretende-se explorar as características que aproximem o

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Fundamento Histórico de uma dissertação de molde acadêmico. Cláudio Manuel da

Costa esteve relacionado à Academia Brasílica dos Renascidos, agremiação da Bahia

instituída em 1759, e ocupou a função de sócio supranumerário, contribuinte “à

distância”, que tinha por missão desenvolver uma dissertação histórica acerca das

Minas Gerais para compor capítulo da ambicionada História da América Portuguesa, a

saber, com apontamentos, documentos buscados em arquivos públicos e cartorários

(processos de inventários, livros de notas de tabeliães, processos civis etc.). Tal

empresa não se concretizou. Não se sabe se Cláudio Manuel da Costa produziu

qualquer escrito em nome da agremiação. Porém, anos mais tarde, deu a conhecer seu

poema épico e esta dissertação que o acompanhava. O poeta teria seus escritos

publicados apenas postumamente. Destarte, a união de gêneros distintos formando

um elemento em comum suscitou algumas reflexões pertinentes, como, por exemplo,

se seria a dissertação histórica um mero elemento didático, elaborado com a

finalidade de esclarecer episódios históricos para que estes não fossem “confundidos”

com a parte ficcional expressa pelo poema ou uma indicação a fontes da sua pesquisa

para a academia, e, se a reunião da documentação necessária para a composição da

dissertação histórica seria um trabalho científico de compilação feito exclusivamente

para dar ao público uma base histórica para a compreensão do poema, ou seja, até

que ponto o papel do leitor setecentista era considerado importante neste momento

para que houvesse essa efetiva preocupação. Procurar-se-á, com base no Fundamento

Histórico, no próprio poema e em outros documentos coletados, principalmente os

encontrados por Alberto Lamego (1923) e que constituíram parte da documentação

exigida para o ingresso na Academia Brasílica dos Renascidos os argumentos para

discutir tais questionamentos. Sobre as fontes utilizadas por Cláudio Manuel da Costa

para compor seu Fundamento Histórico, o poeta refere-se ao Coronel Bento Fernandes

Furtado, que lhe teria confiado, pouco antes de morrer, alguns apontamentos que

fizera e, além dos relatos, Pedro Taques de Almeida, também teria auxiliado o poeta

com o envio de documentos de teor incontestável, como as ordens régias, cartas de

governadores e atestações de prelados eclesiásticos, e manuscritos desde a era de

1682. Cláudio Manuel da Costa no Fundamento Histórico critica abertamente a

História da América Portuguesa de Sebastião da Rocha Pita, afirmando que tal obra

não era fiel aos fatos: Autor em sua vida alguns apontamentos que fizera, e achando-

os o Autor em muita parte dissonantes do que havia lido na História de Sebastião de

Pita Rocha e outros escritores das cousas da América, procurou confirmar-se na

verdade pelos monumentos das Câmeras e Secretarias dos Governos das duas

Capitanias, São Paulo e Minas. O personagem histórico Antônio de Albuquerque

Coelho de Carvalho, considerado herói épico pacificador tanto na obra de Cláudio

Manuel da Costa quanto na História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Pita citado como Sebastião de Pita Rocha por Cláudio Manuel da Costa. Albuquerque é

colocado ao lado dos emboabas, como seu partidário, e suas ações consideradas

honrosas, pois havia estabelecido a ordem em meio à tirania dos paulistas. Rocha Pita

descreveu a passagem do governador pelas Minas como uma empresa destinada a

reduzir aquele grande número de súditos, que vagava sem firmeza, à vida urbana e

política, erigindo as seis vilas. À exaltação da figura do governador pelos emboabas,

que teriam mesmo exigido a sua intervenção em território mineiro, contrapõe-se a

detração dos paulistas, descritos como os adversários de Albuquerque. Nota-se

também que, ao mesmo tempo em que o poema se impõe como contraponto crítico à

obra de Rocha Pita, que segue sendo contestado por Cláudio Manuel da Costa, ele não

deixa de validar o seu elogio a Albuquerque. O suporte teórico para essa discussão

será constituído pelas obras de Alberto Lamego (1923), José Aderaldo Castello (1962),

Íris Kantor (2004), Yeda Dias Lima (1980), entre outros. As considerações sobre o

ambiente histórico (Fundamento Histórico) e o literário (poema Vila Rica) dar-se-á pela

própria análise do corpus, juntamente com o apoio teórico das obras de Carlos de

Assis Pereira (1971) e Vânia Pinheiro Chaves (1997). Pretende-se discorrer também

sobre a associação entre as pesquisas realizadas para a composição da obra e as

pesquisas realizadas por Cláudio Manuel da Costa enquanto acadêmico

supranumerário.

Marcella Abboud

Universidade Estadual de Campinas

OS LUGARES RELIGIOSOS NA OBRA DE JORGE LUIS BORGES: O SAGRADO E A

CONSTRUÇÃO DA REALIDADE

Esta pesquisa teve por objetivo trabalhar a obra de Jorge Luis Borges, em especial

cinco contos retirados dos livros El Aleph e Ficciones, a saber: El Aleph; La Biblioteca de

Babel; Tlön, Uqbar, Orbis Tertius; Los teólogos e La escritura del dios como textos

permeados por lugares religiosos que funcionam como mecanismos literários para o

autor, sejam eles já consagrados pela tradição judaico-cristã e reapropriados pelo

autor, sejam dotados de aura sagrada a partir da própria estrutura do texto, isto é, da

configuração dada ao tempo e ao espaço de modo a deixá-lo heterogêneo e, por

consequência, como aponta Eliade, sagrado. O conceito de lugar advém da noção de

tópica proposta por Roland Barthes, principalmente no seu terceiro sentido, ou seja,

de tópica enquanto uma “reserva de estereótipos, de temas consagrados, de trechos

completos que são colocados quase obrigatoriamente no tratamento de qualquer

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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assunto. Nesse sentido, os lugares são formas vazias que acabam sendo preenchidas

constantemente da mesma maneira, dentro de uma temática consoante. Borges,

entretanto, lança mão do sagrado para preencher tais lacunas, fazendo uso de tópicas

advindas de diferentes teologias ou místicas, como a cabala, a teologia negativa ou,

ainda, do protestantismo. Há na obra borgeana dois movimentos simultâneos: o de

reapropriação de teologias preexistentes e o de sacralização de tópicas outrora não

carregadas de conotação sagrada. É a tentativa de compreensão do funcionamento

desses dois movimentos, isto é, esse uso do sagrado como recurso literário para a

criação de uma nova realidade – fantástica, que impulsionou a presente pesquisa.

Costa Lima aponta a ficção de Borges como uma ficção controladora, isto é, que usa

das diferntes disciplinas (e entre elas a teologia) como alimento para elaboração

ficcional. É, evidente, que o nosso interesse se centra especialmente na sua relação

estética com a tópica religiosa, e todo e qualquer biografismo será meramente com

intuito de reconstruir a origem dos corpora que Borges lança mão. Para o argentino,

“la filosofia y la teología son las formas más extravagantes y más admirables de la

literatura fantástica” , além disso, Adolfo Bioy Casares, em sua introdução de

“Antologia de la Literatura Fantástica”, afirma que “las ficciones fantásticas son

anteriores a las letras. Los aparecidos pueblan todas las literaturas: están en

Zenavesta, en la Biblia, en Homero” , em outros termos, há um interesse geral dentro

da literatura, fantástico no que diz respeito ao sagrado. Para Borges, mais

especificamente, o que parece interessar dentro da teologia é menos pensar em Deus

e mais pensar na relação imaginária estabelecida entre os homens e Deus, a vivência

estabelecida pela humanidade em relação ao Sagrado. O que une todas as religiões é o

mistério e é esse mistério o que aparentemente fascina o autor e pode, assim, tornar a

religião uma tópica imprescindível dentro de sua obra poética. Essa possível fascinação

pelo mistério parece ter aproximado, também, o autor de filósofos como Spinoza, que

trazem no bojo de sua concepção divina a força do mistério e do infinito: “Dios es una

substancia infinita, es causa de si misma, y posee también infinitos atributos, y de esos

atributos nos es dado solamente percibir dos: la extensión y el pensamiento, el espacio

y el tiempo” . Spinoza, filósofo judeu, traz à tona de maneira resignificada muito da

filosofia cartesiana e dos preceitos teológicos de Maimônides, concepções caras à

Teologia Negativa, reapropriadas por Borges. O infinito atribuído a Deus pela teologia

judaico-cristã será constantemente resignificado por Borges em seus contos. Tal

aspecto teológico, supomos, funciona como embasamento para o autor lançar mão de

uma nova dimensão, em outros termos, o infinito borgiano e seus desdobramentos

(vasto, remoto, enorme, incessante, inesgotável etc.) prefiguram como a constituição

de uma nova realidade, uma vez que “Borges sabe que toda realidad se disuelve con la

presencia del infinito y lo convoca constantemente en sus obras, a veces aludiéndolo

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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en una palavra, outra las desarrollándolo en complejo argumento” . Borges aparenta

utilizar ainda o aspecto teológico na sua dimensão imprevisível e destruidora de

qualquer predeterminação e planificação. A criação dessa nova dimensão do real e

esse aspecto destruidor do imprevisível evidenciam a importância das nuances

teológicas para a construção narrativa dentro da literatura borgiana, bem como a

configuração do espaço. Aliás, no que tange o espaço, os conceitos de Sagrado e

Profano apontados por Mircea Eliade em “O Sagrado e o Profano: a essência das

religiões” são de extrema relevância para trabalhar tanto a configuração do espaço, já

mencionado anteriormente, como o conceito de homem religioso, pois em inúmeros

casos – como em La Biblioteca de Babel e La escritura del dios, o personagem principal

da trama assumo, diante do Sagrado, a postura de homem religioso. Desse modo,

diante da bibliografia selecionada, fazemos a hipótese que, de certa maneira, Borges é

devedor do sagrado e de seus desdobramentos teológicos e religiosos para a

construção da sua realidade, e que esse um dos principais fatores de sua trama

singular e habilmente tecida.

Marcelo Antonio Milaré Veronese

Universidade Estadual de Campinas

O "ARQUIVO ROBERTO PIVA" DO INSTITUTO MOREIRA SALLES-RJ

A consulta do material disponível no “Arquivo Roberto Piva”, no Instituto Moreira

Salles do Rio de Janeiro, se realizou enquanto pesquisa de documentos para o estudo

aprofundado das apropriações, criações e crítica desta poesia, para além do que já

publicou Roberto Piva em vida, bem como dos poucos textos críticos que a

acompanharam. O total de 374 documentos constitui um arquivo muito grande

(dividido entre poemas, textos em prosa, diários, entrevistas, correspondências e

fotografias) e, assim, o levantamento de material manuscrito ou inédito corrobora

muito a definição do corpus da obra a ser estudado durante o presente projeto.Este

material está disponível a qualquer pesquisador de literatura que queira lê-los no local

em que se encontra (a sede do Instituto Moreira Salles-RJ), uma vez que não é possível

fazer qualquer reprodução dos documentos ali mantidos. Estes se dividem

principalmente em: manuscritos, livros, periódicos e artigos de periódicos (produção

do autor e produção de outros autores), entrevistas e documentos diversos. No geral,

a produção do autor em “manuscritos” apresenta textos inéditos, tanto quanto

escritos já publicados em livros posteriores à data que apresentam no arquivo.

Felizmente, Piva realmente datava muitos de seus escritos, como se encontram

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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diversos poemas de seus livros.Durante os três dias de contato com o arquivo, então,

priorizei a consulta ao material textual, especialmente todos os manuscritos e poemas

inéditos, e ainda uma reprodução do livro Antologia dos novíssimos. Por opção

própria, preferi neste primeiro momento não tomar contato com os textos de outros

autores, isto é, os artigos de periódicos que, pelos títulos, parecem que nem sempre

tratam de Piva. A escolha pela exclusividade de leitura dos “Manuscritos de Roberto

Piva”, na verdade um material extenso, foi direcionada pelo conhecimento já prévio de

todas as obras publicadas pelo autor, na tentativa de concentrar o início desta

pesquisa particularmente na sua obra. Com isso, na medida em que lia os textos, pude

ter noção do material que se tratava de escritos já publicados ou inéditos. Sendo

minha única opção fazer anotações manuais do que li neste arquivo, anotei inúmeras

passagens que me pareciam interessantes (o resultado são quase cinquenta páginas de

cópia dos textos originais deste arquivo), dando preferência para os textos inéditos.

Porém, procurei selecionar também os poemas já publicados em livros posteriores, os

quais encontrei no formato “original”, pois estes continham modificações que foram

feitas no momento da composição, ou mesmo depois (as cores diferentes das tintas da

caneta comprovavam este raciocínio), quando não alterações que puderam ser

comprovadas comparativamente depois. Este é o ponto precioso no contato quase

exclusivo com os manuscritos do poeta, que tentei priorizar neste começo de estudo.

Vale lembrar que o “Arquivo Roberto Piva” está organizado em várias seções por

ordem de nome de autores, porém ainda não se encontra reorganizado pelo Instituto

Moreira Salles em uma estrutura interna de arquivo de documentos. Assim, o material

está arquivado mediante diferentes “pastas”, ao que tudo indica, organizadas por Piva

e nomeadas conforme o primeiro documento que contém – quando não por outro

motivo que não se pode definir, a não ser pelo fato de ter sido intitulada pelo próprio

autor. Não tendo a informação de como foi elaborada a divisão específica do material,

enfim, o fato é que nestas diferentes e variadas “pastas” se encontram os manuscritos

e textos datilografados de Piva, tais como: cadernos universitários (nem sempre

totalmente preenchidos), cadernos menores, agendas, e todo tipo de suporte em

papel, entre folhas soltas pequenas ou grandes (formato A4). Dessa forma, tendo

antes me concentrado na leitura e releitura dos livros publicados pelo poeta, pude

pesquisar os inúmeros textos inéditos e manuscritos como quem adentra sua obra,

agora, do interior de um laboratório de experiências poéticas, passando pela

“Etnopoesia pura & visceral” (expressão do poeta em 1986) que revela muito de um

verdadeiro work in progress de Piva. E ainda que haja uma temporalidade bem

definida nos documentos deste arquivo, uma vez que primam por textos escritos entre

1980 a 1990 (com algumas exceções), o contato com esse “período” do poeta permite

um amplo olhar sobre toda a obra, isto é, em qualquer momento dela, e mais

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

especialmente sobre o que ele viria a publicar após esse momento. Posso afirmar que

no “Arquivo Roberto Piva” se encontram núcleos poéticos desenvolvidos numa espécie

de consciência muito intensa, ainda que expressas numa linguagem poética de forte

apelo à imagem, à citação e aos experimentalismos formais, tanto quanto reflexões

críticas que, na forma de pensamentos, versam sobre seu fazer poético, e também

sobre seu modo de vida (na forma de memórias e lembranças, por exemplo). Em 20

poemas com brócoli publicado, em 1981, já se encontrava concordância com estas

características de “resgate” ou “releitura” de um passado, então, se atualizando a

partir deste momento, como afirma Piva em seu “Posfácio”: "Este livro foi escrito

repensando os amores presentes & passados (...). Repensei também os três anos de

1959 a 1961, quando participei do curso sobre a Divina Comédia dado pelo saudoso

professor Edoardo Bizzarri (...). Foi repensando Dante Alighieri & relendo o Inferno & o

Paraíso (...) que surgiram, numa síntese caligráfica & na eletricidade de uma manhã

paulista de 1979, estes 20 poemas com brócoli." (PIVA, 2006, p. 116.) De maneira

geral, a leitura deste material permite entrar em contato com sua anarquia ou seu

individualismo anárquico enquanto, respectivamente, “marca de terreiro” (poema

“Garoto Yanomami”, no IMS-RJ) e “marca de fábrica” (expressão de Davi Arrigucci Jr.).

Em termos específicos, pode-se dizer que há consonância entre os manuscritos e os

poemas publicados, por exemplo, quando se lê na obra as “realidades não-humanas /

que são a essência da Poesia” (poema “A oitava energia”, de Ciclones), tanto quanto a

própria imagem do fazer poético como “o banquete do poeta / sempre / querendo /

penetrar / no caroço / da verdade” (Primeiro poema (sem título) de 20 poemas com

Brócoli). É desse material inédito e da importância dele para o estudo da poesia de

Piva que pretendo falar um pouco.

Priscila Salvaia

Universidade Estadual de Campinas

DIÁLOGOS POSSÍVEIS: O FOLHETIM HELENA, DE MACHADO DE ASSIS, NO JORNAL O

GLOBO.

Neste projeto sugerimos uma reinterpretação do romance Helena (1876) de Machado

de Assis a partir da leitura em seu formato original de publicação, o folhetim nas

páginas do jornal fluminense O Globo no ano 1876. Dessa forma, buscamos inserir o

romance em seu contexto, a fim de reconhecermos possíveis especificidades da

produção folhetinesca, seu público e suas redes de interlocução social. Ao longo desse

processo, pretendemos investigar as relações estabelecidas entre o folhetim e o jornal,

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

tendo por fio condutor a análise da construção e da recepção da personagem Helena.

Assim como alguns estudiosos da obra, também acreditamos que Helena possa ser lida

como uma personagem ativa, que apesar do status da dependência, seria capaz de

transitar por entre os diversos espaços sociais preservando, e por vezes, cedendo

estrategicamente, os limites de sua própria autonomia. Em nossa pesquisa

pretendemos ampliar e compreender tal representação respaldando-nos nos indícios

identificados na imprensa da época. Nossa fonte principal de pesquisa será o jornal O

Globo, cujos microfilmes se encontram disponíveis para consulta no Arquivo Edgard

Leuenroth (AEL/UNICAMP). Nessa primeira etapa pretendemos verificar a existência

de possíveis relações entre o periódico e folhetim. Posteriormente nos voltaremos ao

exame de outras fontes que podem ser relacionadas ao processo de criação da

personagem Helena. Para tanto, propomos o exame de alguns exemplares do Jornal

das Famílias, onde Machado publicou suas primeiras “Helenas”. Ao longo de suas

colaborações para o Jornal das Famílias, Machado publicou quatro contos

protagonizados por personagens chamadas Helena, todos anteriores ao romance: “Frei

Simão” (1864), “Possível e impossível” (1867), “Quinhentos contos” (1868), “A menina

dos olhos pardos” (1873). Na verdade, mais que a repetição de um nome, o que chama

a atenção é a repetição de um perfil feminino. Com exceção da protagonista de

“Quinhentos contos” que desfrutava de uma condição financeira favorável, em todos

os outros três contos, as personagens têm as mesmas características: todas têm

origem pobre, são muito espertas e racionais. A personagem de “Frei Simão”, assim

como a de “Possível e impossível”, era uma prima que morava de favor e se apaixonou

pelo dono da casa. Em “A menina dos olhos pardos”, a Helena também era uma

personagem pobre que dependia dos favores da família do homem por quem se

apaixonou. Ou seja, além do perfil, até mesmo os enredos dos contos se assemelham

ao enredo do romance. Por isso, refletir sobre essa insistência de Machado em criar

Helenas, considerando-se a possibilidade de que essas personagens se relacionem,

também será uma hipótese importante neste projeto. Por outro lado, conforme

afirmado anteriormente, nossa atenção se voltará principalmente ao contexto de

publicação do folhetim. Por isso, também acreditamos que seja necessário investigar

os debates presentes na imprensa da época que possam estabelecer alguma relação

com o processo de criação do perfil feminino da protagonista do romance, tendo em

vista que para os leitores, e principalmente, para as leitoras do folhetim, a questão da

emancipação feminina começava a se esboçar. Para tanto, em nossas primeiras

pesquisas identificamos o jornal O Sexo feminino. Trata-se de um importante periódico

que aborda a temática da emancipação feminina. Além disso, pretendemos abranger

nossas investigações a outras publicações do período que também contribuíram para

tal debate. Nosso objetivo nessa etapa será compreender o perfil da personagem

Page 275: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Helena entrecruzando-o aos debates sobre a condição feminina presentes na imprensa

da época. Sobre as formas de análise das fontes que destacamos cabem algumas

observações acerca das referências metodológicas que nos guiarão ao longo deste

trabalho. Inicialmente é importante enfatizar que a pesquisa se desenvolverá a partir

de uma fonte ficcional, ou seja, um texto com protocolos e acordos narrativos que

dialogam com uma determinada tradição literária relevante para o projeto que

propomos. Contudo, partimos da perspectiva de que o romance é parte integrante de

uma complexa rede de interlocução social, que somente pode ser compreendida a

partir da identificação e do estudo de seus processos de produção, circulação e

consumo; ou seja, acreditamos que o romance existe como parte de uma dinâmica

ideológica mais ampla que ele. Nesse sentido, nossa metodologia de análise respalda-

se nas proposições trilhadas por Carlo Ginzburg (GINZBURG, 2007) e que muito têm

contribuído para as investigações na área da História Literária. Em seus trabalhos,

Ginzburg, não elimina os limites entre a História e ficção, mas procura compreender as

tensões inerentes a uma relação cheia de desafios, empréstimos recíprocos e

hibridismos. Para o autor, os processos de construção e criação ficcional deixam

“rastros” que, quando decifrados, podem revelar histórias que são verdadeiras, ainda

que tenham como objeto o falso. E é à procura desses “rastros” que pretendemos

analisar nossas fontes literárias, periódicas, etc. Como sugerido pelo autor,

buscaremos nos meandros desses textos fragmentos de testemunhos históricos

voluntários - e involuntários - que possam revelar aspectos da trama social na qual o

autor e a sua obra estavam inseridos. Além das condições de produção do folhetim,

outra intenção de nosso projeto será o de compreender possíveis formas de recepção

do romance Helena entre o seu público contemporâneo. Para tanto, partimos do

pressuposto que um texto ficcional pode ser lido de diferentes formas, considerando-

se interpretações para além daqueles intencionadas por seu autor. Como afirmado por

Umberto Eco (ECO, 1994), também acreditamos que o leitor se utiliza do texto

referenciando-o às suas próprias experiências. Todavia, não podemos deixar de

considerar que tais textos se inserem em amplas “redes de comunicação” nas quais

são compartilhados códigos e experiências que também podem ser considerados

sociais e históricos, ou seja, partimos do pressuposto de que a leitura é uma prática

datada. Assim como Dorrit Cohn (COHN, 1999), pensamos que a realidade não deve

ser tomada como sentido condicional à ficção, entretanto, devemos considerar que o

objeto ficcional é composto por inter-relações que também se referem ao mundo real,

de modo que permanecemos absorvidos nele.

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Rafael Henrique Zerbetto

Universidade Estadual de Campinas

O USO DAS FONTES NA ELABORAÇÃO DE UMA BIOGRAFIA INTELECTUAL

Sérgio Buarque de Holanda teve atuação destacada na vida intelectual brasileira

durante o séc. XX. Sua erudição aliada a sua memória fotográfica e uma capacidade de

lançar um novo olhar sobre nossa literatura e nossa história tornam a elaboração de

sua biografia um desafio, vista a grande intertextualidade presente em sua obra e a

vastidão de seu trabalho, que começou com a crítica literária, logo colocada a serviço

do movimento modernista, e terminou com uma importante produção historiográfica,

passando pelo trabalho em periódicos modernistas e jornais, direção e fundação de

bibliotecas e museus, fundação do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, tradução de

livros, atividades de ensino e pesquisa em universidades e a militância política, tendo

sido fundador do Centro Brasil Democrático e de dois partidos políticos, o Partido

Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Entretanto, mesmo tendo

ocupado papel tão importante na vida intelectual de nosso país, Sérgio Buarque de

Holanda jamais teve sua vida estudada de forma exaustiva: os poucos textos de caráter

biográfico existentes sobre ele são resumidos e, quase sempre, baseados em uma

cronologia elaborada por sua esposa, D. Maria Amélia, e em depoimentos de

familiares e amigos. A investigação da trajetória intelectual deste escritor é uma forma

de se compreender quais relações, instituições e experiências mais o influenciaram no

desenvolvimento de suas obras. De fato, em muitos textos interpretativos sobre a obra

deste autor houve a preocupação de discutir primeiramente alguns aspectos de sua

formação ou militância no movimento modernista para só então discutir suas idéias.

Diversos estudiosos da obra de Sérgio Buarque de Holanda chamaram a atenção para

alguns aspectos da formação deste autor. Antonio Candido, por exemplo, costuma

atentar para a influência das cidades onde o intelectual paulista morou: sua infância e

juventude foi vivida em São Paulo, onde estudou em importantes colégios e se tornou

amigo dos modernistas que mais tarde organizariam a Semana de Arte Moderna, o

que lhe deu uma "formação paulista". Mudando-se para o Rio de Janeiro, Sérgio se

tornou um elo entre os modernistas destas duas cidades, além de ter militado com o

fervor dos modernistas de São Paulo em uma cidade cuja tradição cultural exigia maior

moderação por parte dos defensores das idéias de vanguarda. Mariana de Campos

Françozo já faz outra leitura, destacando a influência da etnologia alemã no

pensamento do autor de Monções, com o objetivo de enfatizar o interesse do

historiador pela etnologia e a influência de autores alemães em sua obra. De fato, a

influência alemâ no pensamento deste escritor é marcante em sua obra: durante os

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Teoria e História Literária

277

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

dois anos que morou em Berlim a serviço dos Diários Associados, Sérgio, além de

traduzir scripts de filmes da Universum FIlm AG para o português e escrever

regularmente para jornais brasileiros, editou a revista bilíngue (em alemão e

português) Duco, especializada em comércio exterior, assistiu, de maneira livre, aulas

de Friedrich Meinnecke na Universidade de Berlim e comprou muitos livros

inexistentes no Brasil à época, tendo grande contato com o pensamento alemão da

época, tanto no campo das ciências socias quanto no da literatura, e se tornando um

dos primeiros, muito provavelmente o primeiro, a citar Max Weber em um texto

científico brasileiro. Outro aspecto importante da vida de Sérgio Buarque é que seu

retorno definitivo a São Paulo, em 1946, para dirigir o Museu Paulista, marca uma

nova fase em sua vida, caracterizada por um trabalho mais voltado à elaboração,

criação e direção de instituições científicas: Sérgio ajuda a fundar o Instituto de

Estudos Brasileiros (IEB), bibliotecas e museus, bem como se esforça para conseguir

acervos para essas instituições, como é o caso da biblioteca brasiliana de Yan de

Almeida Prado, que Sérgio, então diretor do IEB, adquiriu para esta instituição. No

Museu Paulista, primeira instituição em que trabalhou após seu retorno à capital

paulista, o historiador deu novo rumo às pesquisas desenvolvidas ali, substituindo a

visão romântica da história paulista, forjada durante a gestão de seu antecessor,

Affonso d'Escragnole Taunay, por uma interpretação diferente da história paulista, a

partir do conhecimento do processo de colonização do interior da América Portuguesa,

destacando o papel do indígena neste processo. Duas contratações, indicadas por ele,

foram fundamentais para este processo: os etnólogos Herbert Baldus e Harald Schultz.

Por fim, também é interessante notar os motivos das viagens do historiador: ao

contrário da fase anterior, carioca, quando suas viagens ao exterior, como jornalista,

acabaram tendo uma importância decisiva para sua formação intelectual, as viagens

feitas a partir de sua mudança definitiva para São Paulo foram motivadas pelo

intercâmbio científico e pela necessidade de consultar acervos estrangeiros, além de

ter representado o Brasil em duas assembléias da UNESCO. Assim, se na primeira fase

temos um jovem que aproveita suas viagens para aperfeiçoar seus conhecimentos

através do acesso a museus, bibliotecas e personalidades estrangeiras (o trabalho

como jornalista lhe permitiu conhecer e entrevistar personalidades importantes como

o escritor alemão Thomas Mann e o pacifista francês Henri Guilbeaux), na segunda

fase temos um intelectual maduro que recebe convites para ir ao exterior ministrar

cursos e palestras ou viaja em busca de documentos inexistentes no Brasil para suas

pesquisas.

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Teoria e História Literária

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Ricardo Gessner

Universidade Estadual de Campinas

PAULO LEMINSKI E UMA POÉTICA DA DISTRAÇÃO

Paulo Leminski nasceu em 1944, em Curitiba, onde produziu a maior parte de sua obra

literária. Já aos onze anos demonstrava grande interesse pelos estudos de ciências

humanas, sendo nessa idade quando decidiu ingressar na carreira monástica. Mudou-

se para São Paulo e matriculou-se no Mosteiro de São Bento onde, dizia, teria

condições adequadas para os estudos relativos aos seus interesse. Teve acesso a uma

formação clássica: estudou grego, latim, hebraico, leu pela primeira vez as obras de

Homero e mais alguns autores gregos e romanos. Permaneceu no mosteiro durante

um ano e regressou a Curitiba, tendo concluído seus estudos e colégios públicos de lá.

Publicou seus primeiros poemas em meados da década de 1960 na revista Invenção,

mantida pelos poetas concretistas – Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

Ministrou aulas em cursos pré-vestibulares, foi redator, editor em diversos jornais, e

também trabalhou com publicidade. Transitou em diversos gêneros textuais: romance,

conto, crônica, ensaio, poesia, dentre outros. De certa forma, toda essa multiplicidade

de atividades e produções reflete a sua concepção sobre ser poeta: em carta a Régis

Bonvicino, datada de Outubro de 1977, diz que “para ser poeta tem que ser mais que

poeta” (1999, p. 52). Por questões de saúde, agravadas pelo consumo excessivo de

álcool, dentre outras ocorrências de ordem pessoal, faleceu em 7 de Junho de 1989. A

obra Distraídos Venceremos (1987), de Paulo Leminski, é o segundo livro de poemas

publicado pela editora Brasiliense; o primeiro foi Caprichos e Relaxos, em 1983. Até

então, Leminski organizava, editava e publicava seus livros de maneira independente,

muitas vezes através de pequenas editoras de Curitiba. Diferentemente de Caprichos e

Relaxos, o livro Distraídos Venceremos obteve uma repercussão menor tanto em

relação ao grande público como em relação à crítica; ainda hoje, nos meios

especializados, Distraídos Venceremos carece de estudos – vide a inexistência de livros

e escassez de teses dedicadas à obra. Este trabalho, por sua vez, tem como proposta

abordar o livro sob uma perspectiva a princípio bastante simples: estuda-lo a partir das

afirmações feitas no prefácio, escrito pelo próprio Leminski, verificando em que

medida existe a proposta de um conteúdo programático e, em seguida, de que modo

tal proposta se realiza ao longo do livro. Pode-se dizer que o núcleo central do prefácio

é a seguinte declaração: “Nas unidades de Distraídos Venceremos, (...), arrisco crer ter

atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade,

evidentemente) da referência através da rarefação” (1987, p. 07). É importante notar a

sugestão de um projeto programático: de um “horizonte longamente almejado”. Para

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

compreender essa proposta, uma chave de leitura pode ser encontrada na seção

dedicada ao sumário do livro. O título que leva essa seção é “ÍNDICE, ÍCONE E

SÍMBOLO”. De imediato é possível perceber um trocadilho entre o termo “índice”, que

pode denotar “sumário” – índice de um livro: as páginas correspondentes a cada seção

–, e aponta para uma nomenclatura específica da teoria semiótica de Charles Sanders

Peirce, que utiliza daqueles termos para nomear tipos específicos de signos. Tal

trocadilho demonstra a relação lúdica que Leminski mantém com a linguagem, assim

como a consciência acerca dos recursos provindos da Semiótica de Peirce, que podem

ser utilizados como recurso para composição poética, como o fez o Concretismo, do

qual Leminski foi afeito durante parte de sua produção, assim como sempre articulou

das conquistas daquele movimento; segundo a Semiótica peirciana, o ícone é o signo

da poesia. Em se tratando de um livro de poesia, esse aspecto pode ser fundamental.

O signo icônico se caracteriza por ser parcialmente motivado, por manter algum

aspecto em comum com seu referente. Se o que Leminski almeja é a “abolição da

referência”, podemos concluir que seja a abolição daquilo que estabelece a ligação

entre signo e objeto. Referência é um conceito linguístico, pode ser compreendida

como sendo a ligação que existe entre signo e objeto (referente). No caso do ícone

essa abolição é possível, visto que esse tipo de signo tende a se organizar por analogia,

tende a ser o próprio objeto e não substituir ou representá-lo. O ícone como afirmado

anteriormente, é um signo parcialmente motivado, ou seja, é um signo cuja relação

com o objeto não é uma convenção ou lei, como se dá com o símbolo, e ao mesmo

tempo não tem com seu objeto uma relação física ou direta, como se dá com o índice.

Essa motivação se estabelece pela analogia entre signo-objeto. A valorização do signo

icônico pode ter como implicação fundamental o privilégio da matéria significante, e

não primordialmente do significado. Nesse sentido é importante lembrar o título do

prefácio: “Transmatéria Contrasenso” – algo que não é palpável (trans) e ao mesmo

tempo material (matéria), ou seja, a materialidade lingüística (ritmo, musicalidade),

em direção contrária (contra) aosentido, o sensorial, o significado (senso). Por outro

lado é importante não cair na armadilha de pensar que a forma seria separada do

conteúdo. No caso de Distraídos Venceremos, o conteúdo pode se constituir através

da forma; é pelo privilégio do significante, do embate dos componentes formais, que

se constitui o significado. Também nesse ponto se justifica, em partes, a abolição da

referência, visto que a referência é o extralingüístico (a realidade empírica), o que

mantém uma relação íntima com a instância do significado; ao “abolir a referência”,

permite-se maior liberdade no trabalho com o significante.

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Teoria e História Literária

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Rodrigo do Nascimento

Universidade Estadual de Campinas

DA RELEVÂNCIA DE SE PENSAR A QUESTÃO DO DISCURSO CRÍTICO PARA O

CONSUMO DA LITERATURA

A crítica literária é responsável para que a literatura se realize como prática social. Pois

emite juízos que incutem na sociedade determinados valores que definem o que é ou

não literatura e sobre sua importância. Esse fato aponta para a relevância do discurso

crítico, que indica e dissemina um valor ideológico. Há que se diferenciar o discurso

literário produzido nas universidades, a princípio, pautado num sistema canônico e

racional, e o colunismo literário disseminado pelos jornais e suplementos literários,

que não necessariamente estão ligados aos interesses da academia. Todavia, por mais

que a mídia se defenda com a máxima da “liberdade de expressão e de imprensa”, não

participaria ela de uma espécie de imposição ideológica de determinados valores

culturais? O discurso dos suplementos literários, pretendidos como críticos, não seriam

instrumentos de uma estratégia de marketing e propaganda das obras literárias? Que

implicações teóricas isso pode apresentar para a crítica literária, a estética e a relação

entre a literatura e a sociedade? É preciso, a partir desses questionamentos, traçar

pistas sobre a complexa relação existente sob o jogo de interesses presentes a partir

do ponto em que a literatura adentra a lógica do capital e passa a fazer parte do

discurso ideológico e autoafirmativo do mercado, que se constrói potencialmente por

meio da propaganda. Para isso, esta pesquisa baseia-se na proposta teórica de Adorno

e Horkheimer, principalmente de seus estudos sobre a indústria cultural. O

crescimento do espaço da literatura na mídia, ou ao menos do objeto-livro, se

relaciona ao crescimento do mercado editorial. Mesmo que, para alguns, se

comparado a outros mercados, a produção e consumo de livros seja irrelevante. Com

base nessa relação, é possível levantar a hipótese de que há uma ligação entre o

discurso produzido pela imprensa ou mídia e o desenvolvimento do mercado editorial

nacional, ou, de maneira mais ampla, da indústria cultural. A partir da década de 1990,

no Brasil, o que se vê é um fortalecimento do mercado editorial. Isso se dá

principalmente pela internacionalização das editoras, pela consolidação dos grandes

conglomerados editoriais iniciados na década de 1980 e a formação de novos grupos

editoriais que passaram a dominar o mercado nacional. Isso resulta também na

formação de uma demanda de mercado consumidor e no fortalecimento do livro e da

literatura como objeto de consumo, que passa pela formação de um discurso que faça

um juízo de valor da literatura (e do objeto livro). Nessa mesma lógica afirmativa do

produto literário, na década posterior, surgem os primeiros eventos literários de

Page 281: Caderno de Resumos - XVIII SETA

Teoria e História Literária

281

XVIII Seminário de Teses em Andamento

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

alcance nacional, como a Feira Literária de Parati (FLIP) em 2001, e que são indícios de

que, de certa maneira, o objeto livro e a literatura consolidam sua importância

comercial do que antes possuía. Proliferam diversos prêmios literários em relação à

literatura brasileira, dentre eles dois adquirem grande importância, o Prêmio Portugal

Telecom de Literatura Brasileira (2003, e que depois abre à premiação de livros de

todos os países de Língua Portuguesa) e, mais recentemente, o Prêmio São Paulo de

Literatura (criado em 2007 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo). Esses

dois prêmios são citados como relevantes pelo ponto de vista econômico, pois a

premiação do primeiro é de 150 mil reais e do segundo 200 mil reais. Esse fato é

destacado para revelar que há uma valorização do produto literário no Brasil, ou ao

menos, um crescente desenvolvimento do mercado literário. A literatura, nos moldes

descritos, passa a possuir status de acontecimento social, pois não se trata mais da

obra e do leitor, mas se fortalece cada vez mais uma cadeia de atores sociais que

atribuem e representam o valor literário da sociedade. Assim, o que se percebe é um

foco cada vez mais centrado na figura do autor – que disputa espaço entre outros

ídolos do momento – e do livro como objeto, de modo que a literatura adquire um

tom performático, cercada de palestras, noites de autógrafos, booktrailers, hotsites,

entre outros. E todo esse sistema trabalha na lógica da manutenção e da consolidação

desse complexo literário. Os produtos culturais, como a literatura, dentro de uma

lógica industrial, passam a reproduzir em sua forma o ideário da lógica do capital –

industrializada, produzida exponencialmente, em larga escala –, o que cria uma tensão

entre a autonomia da arte e a pretensa clareza lógica, exigência de normatividade,

presente nos produtos da indústria cultural. Essa tendência universalizante expropria o

indivíduo, agora somente consumidor, de seu direito de individualidade, pois é sempre

tensionado à socialização e à clareza do discurso do progresso científico. Dessa forma,

a possibilidade presente na obra de arte de transcender a falácia da lógica do

capitalismo é extirpada. Como afirma Duarte (2007): “[...] a cultura é especialmente

atingida por esse processo, já que o modelo de autonomia da arte é nele declarado

como obsoleto, tendo em vista a organização fabril pela qual são confeccionados os

produtos da indústria cultural” (p. 51).

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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Rosecler Aparecida da Silva

Universidade Estadual de Campinas

O MANIFESTO POR UMA ARTE REVOLUCIONÁRIA INDEPENDENTE: UM DEBATE

ENTRE ESTÉTICAS VANGUARDISTAS NO ENTRE-GUERRAS

O objeto de investigação desta pesquisa é o Manifesto “Por uma Arte Revolucionária

Independente” (doravante PARI), criado por Leon Trotsky, André Breton e Diego

Rivera, publicado em 1938. O recorte é restrito ao apontamento de algumas

aproximações da estética vanguardista, baseado na hipótese de que a criação da

Fundação Internacional Por Uma Arte Revolucionária Independente (doravante FIARI)

seja mais um movimento vanguardista do início do século XX. Procederemos à análise

do objeto sob o conceito estética de vanguarda em: Giulio Argan, Georg Lukács, Peter

Burger e Renato Poggioli. Depois de obtido uma tábua de critérios desta primeira

etapa e abordados os aspectos e características relevantes no que toca o conceito da

vanguarda em um denominador comum, abordamos a estética do Manifesto a partir

de uma análise imanente do texto. Não é o objetivo de esse trabalho proceder ao

enquadramento político do Manifesto, mas cabe tecer algumas considerações acerca

do contexto histórico, a fim de identificar as influências que se deram sobre o

documento. A noção de Vanguarda fornece um suporte teórico para a compreensão

da natureza do objeto, de forma que os elementos que compõem o manifesto podem

ser aproximados da poética de vanguarda tanto pela forma quanto pelo conteúdo.

Embora a FIARI não tenha se declarado como vanguarda em sentido próprio,

acreditamos ser possível visualizar em toda a proposta da Fundação e, em especial, no

Manifesto, não só por sua forma, mas também por seu conteúdo, elementos literários

que denunciam seus fortes vínculos com a estética puramente vanguardista. No

contexto entre-guerras, as acirradas tensões políticas e ideológicas invadiram

intensamente o campo da cultura, influenciando fortemente os rumos e o tom dos

debates sobre a relação entre estética e política. Os movimentos artísticos que

surgiram nesse contexto – as vanguardas – criavam Manifestos na tentativa de definir

suas posições estéticas frente a tais disputas ideológicas. No caso deste Manifesto, nos

parece pertinente dizer que houve uma tentativa de criação de um movimento que

fornecesse suporte a todos os outros movimentos artísticos revolucionários da época,

que, possivelmente, viriam a culminar em uma espécie de vanguarda “sui generis”, por

aspirar constituir em si (para além da natureza subversiva e de “levante” das demais

vanguardas), elementos conceituais e ideológicos que pudessem formar uma matriz

referencial, que intencionalmente nortearia as demais correntes em voga. Parece ser a

situação mundial vigente naquele momento que leva André Breton, o mentor do

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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movimento surrealista, a interrogar-se mais profundamente sobre as causas da

degenerescência da União Soviética e suas repercussões no campo artístico; para tanto

se aproxima de Trotsky, que por sua vez também era avesso às degenerescências

burocráticas do governo soviético sob o comando de Joséf Stálin. Segundo o sociólogo

José Paulo Netto, “no domínio da arte de da literatura, a política cultural da autocracia

stalinista conduziu a efeitos catastróficos” (Netto: 1985: 64). Zhdanov, o “teórico”

stalinista para as “questões culturais”, instituiu estruturas institucionais cerceadoras

da liberdade artística, com o intuito de tornar a arte totalmente subserviente aos

interesses políticos do Estado soviético. Com isso relegou-se a subjetividade artística a

um plano secundário. O Manifesto PARI é constituído de dezesseis tópicos em que

expõe seus levantes. A forma em que foi composto e exposto nos remete à estética de

vanguarda. No item treze, há a explícita pretensão de uma reunião dos defensores

revolucionários da arte no combate à burocracia stalinista. O levante visaria uma luta

em defesa de uma arte livre das pressões da política. Vejamos um trecho do

Manifesto: “A arte, como a ciência, não só precisam ordens, mas não pode, por sua

natureza, suportá-las. A criação artística tem suas leis, mesmo quando está

conscientemente a serviço do movimento social. A criação intelectual é incompatível

com a mentira, a falsificação e o oportunismo”. (in Facioli: 1985:99). Os autores

acusam e citam explicitamente os nomes de Stalin e Garcia Oliver como “reacionários,

deturpadores da revolução e da cultura”. Dentro do espaço de ideias do manifesto, os

marxistas podem caminhar de mãos dadas com os anarquistas, com a condição de que

uns e outros rompam implacavelmente com o espírito policial reacionário

representado por Josef Stalin. No último tópico do texto, o teor de vanguarda fica

latente com a expressão do desejo de sucesso, ao planejarem, depois de

procedimentos como reuniões locais e nacionais com grupos de intelectuais e artistas,

a culminação de um Congresso mundial contra a opressão da cultura, uma vez que

naquele momento histórico, segundo os autores, a arte fora “tolhida pela política”.

Trotsky, Breton e Rivera finalizam o texto com a insígnia: “A independência da Arte -

para a Revolução. A Revolução - para a liberação definitiva da Arte”. A análise deste

objeto torna-se relevante pelo que ele contém no tocante à esfera artística, à

literatura e à cultura em geral. Os elementos que o compõe podem ser explorados e

analisados enquanto crítica alusiva à estética vanguardista, sobretudo em favor da

importância deste tema para história da arte, motivo qual o torna de grande relevância

no debate cultural contemporâneo. Nosso objetivo é levantar problemáticas presentes

no documento do Manifesto e destacar alguns aspectos que tocam para ao debate

contemporâneo sobre Vanguardismo.

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Teoria e História Literária

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Tatiana Sena dos Santos

Universidade Federal de Minas Gerais

AS TRAMAS DA REPÚBLICA: NEXOS ENTRE LITERATURA, NAÇÃO E GOVERNO

O projeto de pesquisa, em fase inicial, investiga a memória cultural republicana no

Brasil, através da análise do seu imaginário instituinte, plasmado em produções

literárias representativas, objetivando analisar as redefinições imaginárias da nação

instauradas pelo projeto modernizador republicano, no tocante à produção do povo

brasileiro e ao governo da memória como política pública relevante. O recorte

temporal e comparativo abrange os anos entre 1889 e 1945, período comumente

subdividido nas historiografias oficiais como República Velha, República Nova e Estado

Novo. Do ponto de vista comparativo, focalizarei as relações entre a literatura e outros

discursos artísticos e sociais, notadamente a interface entre produções literárias e

interpretações sociológicas. Nas quatro primeiras décadas do século XX, destacaram-se

importantes nomes, que seriam posteriormente enquadrados como precursores da

sociologia brasileira, como Manuel Bomfim, Oliveira Viana, Paulo Prado, Gilberto

Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Tendo como corpus literário os romances Numa e

a Ninfa (1915), de Lima Barreto, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928), de

Mário de Andrade, O país do Carnaval (1931) e Terras do sem-fim (1943), ambos de

Jorge Amado, entrecruzarei as imagens literárias com as interpretações sociológicas

mais difundidas do período em questão acerca do povo brasileiro, a fim de

compreender a construção do povo e as diretrizes de governamento da memória

cultural brasileira. Como as formas literárias, proto-saberes das ciências humanas no

Brasil, contribuíram para a ancoragem do ideário republicano, que instituiu uma nova

maneira de governar, articulando identificação nacional e racionalidade política? Meu

interesse é visibilizar alguns encaixes entre nação e forma republicana de governo, por

estes serem uma espécie de encruzilhada teórica para vários assuntos na

contemporaneidade, que colocaram em tensão a narrativa nacional brasileira. Essa

temática torna-se especialmente instigante, tendo em vista a equação complexa entre

república, democracia, autoritarismo, povo, população e racismo no Brasil. Como esta

proposta de pesquisa se interessa pelas conexões entre o discurso da nação e a forma

republicana de governo, os artigos – “A ‘governamentalidade’”, de Foucault (2008) e

“A política dos governados”, de Chaterjee (2004) – serão fundamentais para que o

tópico da república seja explorado conceitualmente em suas múltiplas dimensões e

não apenas como um mero “período” da história do Brasil. As questões de nação e

imaginário nacional serão abordadas a partir da obra de Anderson (2008), Balibar

(1991), Bhabha (2005). O interesse é explorar as múltiplas dimensões semânticas e

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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políticas do conceito de república, discutindo sua emergência, difusão e consolidação

como forma de governo e cultura política no Brasil, a partir da segunda metade do

século XIX e primeiras décadas do século XX. Os diálogos transatlânticos foram

fundamentais na constituição da república no Brasil, perceptíveis pela importação de

ideias oriundas de matrizes intelectuais diversas, notadamente francesa,

estadunidense e inglesa. Esse ecletismo é indicativo das recomposições que os

letrados brasileiros tiveram que proceder, a fim de readequá-las, reinventando-as, à

realidade local. Os literatos lutaram com afinco pela “modernização” da sociedade

brasileira e a forma republicana esteve associada à modernidade. As ideias liberais

operaram uma articulação entre política e mercado no mesmo período, construindo

uma nova forma de viver, numa sociedade ainda marcada pelas instituições

escravocratas, assim como uma nova forma de gerenciar a economia e o governo. Os

intricados encaixes entre saber-poder no Brasil não podem ser discutidos sem levar em

conta como as formas literárias ajudaram a produzir normas sociais que atendiam aos

interesses da “governamentalidade” (FOUCAULT, 2008). A produção literária do

período coloca um feixe de questões nodais que precisa ser encarado, buscando

delinear e analisar a articulação entre ficção e política. Este projeto se pauta pela

perspectiva multidisciplinar, explorando as articulações entre eixos de poder e de

saber. A teoria da governamentalidade ajuda tornar perceptíveis algumas das

dobradiças que articulam nação e forma de governo. O Estado moderno surgiu dessa

prática política da governamentalidade, tendo como princípio fundamental a

obediência dos indivíduos, a sujeição total, por intermédio de condutas que modelam

um estado de “normalidade”, muitas vezes vivenciada como “natural”. É de encontro a

essa “verdade” instituída que as contracondutas populares investem, explicitando os

regimes discursivos que tornaram possíveis a formação das normas e dos saberes

modernos. Revisitar criticamente algumas construções discursivas dos “homens das

letras” que ajudaram a inventar e consolidar a nação republicana, entre os fins do

século XIX e as primeiras décadas do XX, mostra-se necessário, a fim de que possamos

compreender os dilemas inscritos na memória nacional, especialmente numa época

em que o Brasil se apresenta como uma democracia consolidada, mas repete

diferencialmente muitos modos de imaginação política do século XIX. A maneira pela

qual o campo literário participou do processo de governamentalização do país, seja

pelo empenho direto dos escritores ou pelo conflito com as diretrizes governativas,

contribuiu na produção de certos efeitos de saber, através dos quais podemos

perceber o “legado misto” (SOMMER, 2004, p. 21) do romance, simultaneamente

estético e político. No momento de instauração e consolidação da forma republicana

no Brasil, com o processo de autonomização dos campos do saber que se realizava, a

literatura estava sendo deslocada de “viga mestra” da cultura e do pensamento

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Teoria e História Literária

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brasileiro, como a caracterizou Antonio Candido (1996), mas não podemos deixar de

reconhecer que o campo literário foi uma das escoras do poder que se constituía.

Thiago Maerki de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas

O "SERMO HUMILIS" E A TRADIÇÃO HAGIOGRÁFICA: ASPECTOS RETÓRICOS DA

LEGENDA MAIOR

O presente resumo é fruto de pesquisa de mestrado em andamento que objetiva

avaliar os recursos retóricos e de construção textual empregados na composição da

Legenda Maior Sancti Francisci, uma hagiografia de Francisco de Assis escrita no século

XIII por Boaventura de Bagnoregio. A hagiografia não pode ser enquadrada

exatamente no gênero biográfico, pois seu ideal não é narrar os fatos da vida de uma

personagem como aconteceram na realidade. O objetivo dessas “biografias sagradas”,

para utilizar a denominação empregada por Thomas Heffernan em “Sacred biography:

Saints and their biographers in the Middle Age”, também é distinto daquele da

biografia, pois seu fim se encontra além do próprio texto. A principal finalidade de uma

obra deste tipo é servir de "exemplum" para levar o leitor, ou o ouvinte, à conversão

dos costumes a fim de chegar também, como o protagonista da hagiografia, à

perfeição evangélica. O texto da vida dos santos pode variar tanto na forma, quanto no

conteúdo, “compreendendo tanto composições muito simples, quanto de grande

sofisticação” (KLEINBERG, 1992, p. 40). O processo hagiográfico começa já com o santo

em vida, quando seus companheiros devem memorizar seus atos e ensinamentos para

depois transportá-los ao texto. Hippolyte Delehaye afirma que a literatura hagiográfica

é criada a partir de dois elementos distintos. Segundo ele, “há primeiramente o criador

anônimo chamado povo, ou, se preferirmos tomar o efeito pela causa, a lenda [...] e o

homem das letras, o editor, que está diante de nós como um condenado a uma tarefa

ingrata” (DELEHAYE, 2011, p. 10) que é transformar o conteúdo desse criador anônimo

em literatura. A hagiografia deve também ser entendida como um discurso que

objetiva convencer o leitor de que a vida que narra deve ser levada em consideração,

pois o santo que apresenta conseguiu a "imitatio Christi". No primeiro capítulo de sua

tese de doutorado (“Retórica religiosa e cívica na Itália do século XIII: a composição e

os usos das hagiografias mendicantes nas políticas de paz”), André Miatello apresenta

a estreita ligação entre discurso hagiográfico e retórica, demonstrando o modo com

que os hagiógrafos antigos se apropriaram da retórica greco-latina e a empregaram

como método de construção do texto hagiográfico. Miatello salienta que o uso da arte

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Teoria e História Literária

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XVIII Seminário de Teses em Andamento

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retórica para a composição da vida dos santos se confronta com a própria matéria que

é discutida, pois as técnicas composicionais do texto antigo, ou seja, a forma, devem

subserviência ao conteúdo, sendo mais importante o que se narra do que a forma com

que se narra. O que está em jogo nas hagiografias não são a letra pela letra, a beleza

da poética, a arte ou a eloquência das palavras e sim a exaltação daquele que através

de suas virtudes soube perfeitamente imitar a Cristo, ou seja, a valoração da "res"

diante do "verbum" . Os hagiógrafos utilizam-se das técnicas literárias antigas tão

somente como método de construção textual, adaptando-as, obviamente, a seus

objetivos. “Dessa forma, Agostinho propunha que a retórica fosse serva da verdade,

para ilustrar, com arte, aquilo que o verbo de Deus havia dado a conhecer pelas

palavras da Escritura” (MIATELLO, 2010, p. 41). Boaventura conhecia profundamente a

retórica clássica, principalmente através da obra de Agostinho, e a empregou na

construção da Legenda Maior. Porém, ele afirma, no prólogo da hagiografia, que

deixará de lado um "stili ornatum" [estilo ornamentado] (LM Pról. 4) e se utilizará de

um estilo simples, que seja inteligível para todos. Apesar da linguagem simples, a

matéria da qual trata o texto é grandiosa, tendo em vista que narra a vida de um

santo. Nossa hipótese é que o hagiógrafo, nesse momento, emprega o "sermo humilis"

[discurso humilde], recurso que também aparece na Sagrada Escritura, nos textos dos

Pais da Igreja e na Comédia de Dante, como consistentemente apresenta Erich

Auerbach em “Ensaios de Literatura Ocidental”. Essa temática parece ser

essencialmente cristã, tendo em vista que, para a retórica clássica, a mistura entre o

sublime e o humilde não era bem vista, pois para tratar de assuntos elevados, o poeta

devia utilizar-se, necessariamente, de um estilo sublime. Auerbach diz ser “ridículo e

monstruoso tratar de temas elevados e sublimes em termos cotidianos, baixos ou

realistas, bem como tratar de coisas cotidianas em estilo sublime” (AUERBACH, 2007,

p. 42). Trata-se de adequar o modo de expressão ao tema, construindo harmonia entre

eles. Para os clássicos, a humilhação física do herói, à maneira que aconteceu com

Jesus, era inconcebível. Agostinho percebe que as Escrituras defendem uma nova

forma de sublime que se encontra, do ponto de vista cristão, acima do sublime

clássico. É tornando-se humilde, a exemplo do próprio Jesus, que o homem pode

elevar-se, pois “foi por essa mesma humildade que ele próprio atingiu o ápice de sua

majestade” (AUERBACH, 2007, p. 24). Boaventura, claramente influenciado pelo sermo

humilis, cria uma interessante antítese ao afirmar que a "gratia Dei" [graça de Deus] se

manifestou, através de Francisco, aos homens "vere humilibus et sanctae paupertatis

amicis" [verdadeiramente humildes e amigos da santa pobreza]. A própria seleção

vocabular ("gratia Dei" X "humilibus" e "paupertatis") parece sugerir que está em jogo

a “antítese cristã” do "sermo humilis" amplamente discutida por Auerbach, o que

pretendemos demonstrar através de vários excertos da Legenda Maior.

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Tomaz Amorim Fernandes Izabel

Universidade Estadual de Campinas

ORIGEM NEGATIVA NA OBRA DE FRANZ KAFKA

Nossa pesquisa intenta analisar a obra do escritor tcheco Franz Kafka, em especial seu

último romance-fragmento “O castelo”, a partir do conceito de origem negativa.

Entendemos que a origem negativa surge a partir do processo de descaracterização

dos pressupostos originais. Assim, por exemplo, enquanto se espera que uma punição

venha acompanhada antes por uma acusação, em Kafka, o desenrolar do enredo é a

própria busca pela acusação. Não apenas isto. Se entendemos a origem como ponto de

onde flui a substância que compõe de alguma maneira os integrantes daquela linha,

então a obra de Kafka – assim como outros grandes momentos do que se chama arte

moderna -, não compõe ou atualiza esta linha, mas a coloca em questão. Cada tema,

cada gênero é desmontado em seus aspectos mais essenciais. Cada frase é investigada

pela posterior. Ao invés de uma construção histórica, de mais um tijolo assentado na

construção de um edifício, de mais um passo no sentido orientado pelo ponto zero da

origem, a obra de Kafka dá a meia volta e retorna pelo próprio caminho de vinda. Este

retorno não segue nem um desejo de restauração, nem é um tipo de renascimento.

Estes modelos de retorno têm como pressuposto alguma identidade com a origem. A

obra de Kafka tem sim uma relação com a origem, mas apenas no sentido de buscar

permanentemente sua negação. “Realizar o negativo ainda nos é imposto, o positivo já

nos é dado”, escreve Kafka em um aforismo. Por origem negativa não se deve

entender apenas a ausência, a impossibilidade de retorno ou o esquecimento, mas

uma negação mais efetiva e mais criativa. A origem negativa é o espaço criado pela

negação das expectativas que fluem de todo original, sem ter se tornado com isso um

novo ponto de origem: é a sombra sob o candelabro. O espaço sempre escuro exige

que a mão movimente o candelabro e com isto apresenta novos aspectos dos objetos.

Este é o espaço que Kafka cria em suas histórias e que parece ser o principal motor de

suas narrativas. Na caminhada inversa que ele faz nas linhas tradicionais, elas causam

deturpações e ao retornar à origem já destruíram o próprio caminho. Isto não significa

perder a capacidade de contar histórias, mas expandir – livre do cinto original – este

procedimento. A fim de mostrar com mais clareza o processo de retificação, de

transformação no núcleo narrativo do original, analisamos as narrativas ‘Retorno ao

lar’ e ‘O silêncio das sereias’ em comparação com suas matrizes originais, a parábola

bíblica do retorno do filho pródigo e a passagem do canto das sereias na “Odisséia”,

respectivamente, para mostrar como Kafka se insere em diversas tradições literárias

sem pertencer, no entanto, completamente a nenhuma. Suas versões retificadas dos

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Teoria e História Literária

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originais subvertem seus conteúdos e sentidos ao ponto de torná-las irreconhecíveis.

Em seguida, buscamos apontar no romance escolhido elementos do presente

paralisado e da origem ausente, ambas características constituintes da estética

kafkiana e da origem negativa. Em “O castelo”, a estrutura temporal da narrativa segue

uma dinâmica vertiginosa. Nas centenas de páginas que constituem o romance

inacabado são narrados não mais do que alguns dias. Nesta torrente de ações e

reações, no entanto, pouco se aprende sobre a história do protagonista ou da aldeia.

Em Kafka, não é apenas a origem do viajante que é desconhecida na narrativa, senão a

da própria comunidade. A aldeia de Westwest não tem mito de origem ou história

antiga, suas estruturas aparentam estarem lá desde sempre. Surgem, no entanto, o

tempo inteiro na arquitetura e nos interiores da aldeia indícios de que ela, embora

antiga, tem elementos da mais contemporânea modernidade para a época. A

instalação desloucada por Kafka do sistema burocrático moderno em um castelo,

símbolo-fortaleza de uma sociedade arcaica, ressalta não apenas que

embrionariamente ele já se encontrava lá, mas que o moderno mesmo não é apenas

moderno como se pretende, mas tem ainda ligações profundas – no mais das vezes

inconscientes – com o passado arcaico. Kafka, ao contrário do que fez em seu primeiro

romance, “O desaparecido”, em que se apresenta a própria modernidade triunfante,

optou em seu último romance por se utilizar destes elementos arcaicos, encontrados

em um vilarejo provinciano, para representar a vida na sociedade moderna

burocratizada. Que tipo de intuição existe por trás desta apropriação? O leitor também

é pouco informado sobre K. e adquire conhecimentos apenas a partir de ditos e

memórias do personagem, não através do narrador (que parece ser tão pouco

onisciente quanto o leitor). O mistério de sua origem confere-lhe inicialmente

características literárias de diversos gêneros, de um romance de aventura, de uma

gesta medieval, de uma epopeia. Com o prosseguir da história, no entanto, K. vai

abandonando aos poucos suas características misteriosas e “heróicas”, e vai cada vez

mais mostrando-se contraditório, pouco crível e às vezes mesmo cruel. O leitor fica até

o fim do romance sem saber, salvo talvez por uma pequena reflexão biográfica de K.,

qual é na verdade o fundamento de seu desejo em adentrar o castelo. Cruzando os

caminhos de gelo junto ao braço de Barnabás, K. se lembra de sua terra natal, do

"Heimat", e de como certa tarde escalou o muro do cemitério, inalcançável até então,

e de seu sentimento advindo do feito. Trata-se de um desejo de grandeza, diferente,

no entanto, do antigo "kleos" grego. É menos uma glória do nome, a ser narrada por

gerações, do que uma birra quase infantil, uma tarefa sem utilidade, senão a de elevar-

se sobre seus contemporâneos. Talvez este sentimento não seja desimportante para a

compreensão do impulso de K. de adentrar o castelo. Não é por acaso que ele está

localizado, assim como o muro, geograficamente sobre o vilarejo. O sucesso inicial e o

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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sentimento daí advindo talvez sejam modelos originais aos quais K. se dirige. Há aqui

uma pista que talvez possa explicar a irracionalidade destaa busca: um desejo de

repetição daquela sensação, a memória daquele sentimento que funciona para o

protagonista como um tipo de obsessão original (um tipo de pecado original).

Valéria Cristina Bezerra

Universidade Estadual de Campinas

A PRESENÇA DE ROMANCES NO RIO DE JANEIRO OITOCENTISTA: A INSERÇÃO DA

OBRA DE ALENCAR EM MEIO À CIRCULAÇÃO DA LITERATURA FRANCESA

O século XIX foi o século do romance. A fixação do gênero e sua ascensão ocorreram

no XVIII, mas a sua explosão se deu mesmo no XIX. Vários fatores contribuíram para

esse movimento: a ampliação do público leitor e sua consequente diversificação de

interesses; o fim do mecenato e o desenvolvimento da imprensa e do comércio de

impressos; o crescimento de novos mercados, como as colônias do Novo Mundo. O

público se identificou com a nova forma – que abandonava as prescrições clássicas,

tornando-se, portanto, mais acessível à compreensão – e com o novo o conteúdo –

que deixava de lado a narração de feitos e de empresas, representantes da

coletividade de uma comunidade ou povo, e passava a inserir no âmbito da ficção o

cotidiano, a vulgaridade da vida comum, com um teor mais individualista. O leitor se

via nas páginas, se irmanava com os personagens, compartilhando de seus infortúnios.

Não demorou para que a fórmula se espalhasse, multiplicando-se os livros, os editores

e os escritores que se dedicavam à escrita do gênero. Em meio à imensa oferta no

século XIX, alguns nomes tiveram maior destaque devido ao volume de escritos e ao

permanente interesse que despertaram no público durante décadas. No âmbito

francês, escritores como Bernardin de Saint-Pierre, Alexandre Dumas, Eugène Sue,

Ponson Du Terrail, Paul de Kock, Xavier de Montépin tiveram bastante êxito na

produção de narrativas ao gosto do tempo, alcançando enorme difusão na Europa e no

mundo. No Rio de Janeiro, esses romances estiveram fortemente presentes,

traduzidos e publicados em livros e em folhetins, muitas vezes, com pequena diferença

em relação ao momento de publicação em Paris. Ao analisar o gosto dos leitores do

século XIX, Márcia Abreu rastreia, através de estudos sobre a presença de romances

no Rio de Janeiro de Oitocentos, os escritores e obras mais presentes. A autora

estabelece um cotejo com os dados de Martin Lyons em “Les best-sellers” (1985),

sobre os romances mais lidos na França. No que se refere ao que o autor chama de

“sucessos de média duração”, Abreu chega à conclusão de que “há semelhanças entre

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o que se verifica na França e o que ocorre no Rio de Janeiro, principalmente no meado

do século, quando Eugène Sue e Alexandre Dumas obtêm destacadas tiragens na

França” (ABREU, 2012, in mimeo). Esse era o ambiente em que começaram a atuar os

romancistas brasileiros, quando havia uma forte presença de romances estrangeiros,

com destaque para Alexandre Dumas, e quando havia um público bastante interessado

em romances. Foram esses modelos que motivaram a imaginação dos romancistas no

país e lhes fizeram ter uma compreensão de como executar o gênero para alcançarem

êxito, como testemunha José de Alencar, ao referir as suas leituras para a sua

formação enquanto romancista: "Tendo o meu companheiro concluído a leitura de

Balzac, a instâncias minhas, passou-me o volume, mas constrangido pela oposição de

meu parente que receava dessa diversão./ Encerrei-me com o livro e preparei-me para

a luta. Escolhido o mais breve dos romances, armei-me do dicionário e, tropeçando a

cada instante, buscando significados de palavra em palavra, tornando atrás para reatar

o fio da oração, arquei sem esmorecer com a ímproba tarefa. Gastei oito dias com a

Grenadière; porém, um mês depois acabei o volume de Balzac; no resto do ano li o que

então havia de Alexandre Dumas e Alfredo Vigny, além de muito de Chateaubriand e

Victor Hugo ./ A escola francesa, que eu então estudava nesses mestres da moderna

literatura, achava-me preparado para ela. O molde do romance, qual mo havia

revelado por mera casualidade aquele arrojo de criança a tecer uma novela com os fios

de uma ventura real, fui encontrá-lo fundido com a elegância que jamais poderia dar"

(ALENCAR, Como e porque sou romancista, p.p. 40-41). O volume de Balzac fazia parte

da coleção particular de Francisco Otaviano, que teria uma atuação bastante

significativa nas letras do país. O livro de Balzac parece ter sido objeto de disputa, já

que Alencar teve de esperar o colega terminar a sua leitura para lhe passar o

exemplar. Balzac estava nas estantes dos futuros homens de letras do país e fazia

parte dos seus interesses, como bem testemunha Alencar. Essas leituras dos

romancistas franceses o estimularam a escrever romances e participaram de sua forma

de pensar a literatura. Partindo dos modelos e propostas dos letrados estrangeiros e

em sintonia com o anseio dos homens de letras do país, Alencar se lançou à reflexão

sobre como deveria ser a literatura do Brasil, através das Cartas sobre a Confederação

dos Tamoios, e também à produção de romances. Alencar experimentou o espaço do

folhetim do Diário do Rio de Janeiro para a publicação de seus romances. Inicialmente

publicou Cinco Minutos, cujos capítulos foram veiculados no mês de dezembro de

1856. O romance foi publicado em livro no mesmo mês. Em 1º de janeiro de 1857,

aparecia o primeiro capítulo de O Guarani, com execução próxima às ideias expressas

pelo autor nas Cartas sobre a Confederação dos Tamoios. O romance foi inteiramente

publicado em folhetins até 20 de abril do mesmo ano e foi referido como tendo obtido

grande sucesso de público. Certamente atendendo à procura pelo romance de Alencar,

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O Guarani foi publicado em livro pela tipografia do Diário do Rio de Janeiro no mesmo

ano. Daí em diante, as obras de Alencar, romance ou teatro, passaram a integrar o

repertório de livros à disposição do público fluminense. Esta comunicação se propõe a

apresentar as condições da presença dos romances de Alencar no Rio de Janeiro do

século XIX em meio à oferta do romance estrangeiro, sobretudo francês. A análise será

empreendida a partir de catálogos de livreiros e bibliotecas e de anúncios dos

principais periódicos do período. Esta pesquisa integra o estudo de Doutorado, que

tem por fim avaliar a formação do romance brasileiro a partir da obra de Alencar e as

implicações que permearam a elaboração do romance nacional diante da forte

presença do romance francês e de sua posição enquanto modelo literário.