Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte1

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Coari Como uma vila inteira vive sem energia ao lado da Petrobras GP 13 CHAPÉU título Subtítulo... Carauari População do município volta a sonhar com os recursos do petróleo GP 5 ´Tefé Cidade do Médio Solimões é a maior aposta da Petrobras na Amazônia GP 8 Mercado >> Companhias petrolíferas devem investir R$ 4,4 bilhões no AM nos próximos anos GP 2 Amazonas A fronteira petrolífera do Brasil está em expansão. Enquanto os holofotes se voltam para a camada pré-sal, na costa brasileira, o jornal A CRÍTICA investiga um movimento silencioso e intenso que acontece sob a copa das árvores. Depois de quase 100 anos do início das buscas por petróleo na região amazônica, gigantes do setor recomeçam uma corrida bilionária à procura do ouro negro da Amazônia.

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Caderno Especial A Crítica - Petróleo e Gás Natural Parte1

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Coari Comouma vila inteiravive sem energiaao lado daPetrobrasGP 13

CHAPÉU

títuloSubtítulo...

Carauari População domunicípio volta a sonhar comos recursos do petróleoGP 5

´Tefé Cidade doMédio Solimões éamaior aposta da Petrobras naAmazôniaGP 8

Mercado >>Companhias petrolíferas devem investir R$ 4,4 bilhões no AMnos próximos anosGP 2

Amazonas

A fronteira petrolífera do Brasil está em expansão.Enquanto os holofotes se voltampara a camada pré-sal,na costa brasileira, o jornal ACRÍTICA investiga ummovimento silencioso e intenso que acontece sob acopa das árvores. Depois de quase 100 anos do iníciodas buscas por petróleo na região amazônica, gigantesdo setor recomeçamuma corrida bilionária à procurado ouro negro daAmazônia.

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a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

FUNDADORUmberto Calderaro FilhoDIRETORA-PRESIDENTERittadeAraújoCalderaroVICE-PRESIDENTETereza Cristina Calderaro CorrêaDIRETORDEMERCADOUmbertoTomazCalderaroDIRETORAOPERACIONALTatiana Calderaro Tomaz

acríticaDIRETORDE PLANEJAMENTODissica Tomaz CalderaroDIRETORADEMARKETINGCORPORATIVOPaulaVieiraDIRETOR JURÍDICO JúlioAntônio LopesDIRETOR ADMINISTRATIVO/FINANCEIROArnóbio Frias FilhoDIRETORDE TI CORPORATIVORaphael Sant‘annaDIRETORDECIRCULAÇÃO/INDUSTRIALHerval Tapajós Folhadela

DIRETORDA SUCURSAL BRASÍLIAAntônio BragançaDIRETORADE REDAÇÃOAruana BrianeziEDITOR-EXECUTIVOCélio Jr.EDITORA: Steffanie SchmidtREPORTAGENS:Leandro PrazeresEDIÇÃODE IMAGENS:ClóvisMiranda

FOTOS:ClóvisMiranda, João PinducaRodrigues/ArquivoACríticaDIAGRAMAÇÃO:Maria LuizaINFOGRAFIA E PROJETO VISUAL:Celso PaulaTRATAMENTODE IMAGENS:Marcus CésarCOORDENAÇÃODE FECHAMENTO:AntônioMendes

GP2

Economia>>>PesquisasedescobertasaquecemomercadopetrolíferonoAmazonas

Onovo‘boom’dopetróleoedogásU

ma nova corrida do pe-tróleo está em curso naAmazônia brasileira.Vinte e cinco anos de-

pois da descoberta da provínciapetrolífera de Urucu, na Baciado Solimões, município de Coa-ri (a 363 quilômetros de Ma-naus), empresas privadas brasi-leiras e estrangeiras voltamseus investimentos para a re-gião. Somente noAmazonas, es-te mercado deverá receber in-vestimentos bilionários nospróximos três anos. A expecta-tiva é de que pelo menos oitomil novos empregos sejam cria-dos até lá. E ao contrário do queocorreu no passado, quando aPetrobras desbravava essemer-cado sozinha, agora, ela temconcorrentes.Em jogo, está um mercado

considerado estratégico pelogoverno brasileiro. De acordocom a Agência Nacional de Pe-tróleo (ANP), o Amazonas, úni-co estado a produzir gás e petró-leo na Amazônia brasileira, temreservas totais de 187,5 mi-lhões de barris de petróleo e89,7 bilhões de metros cúbicosde gás natural distribuídas nasBacias Sedimentares do Soli-mões e doAmazonas. Apesar daaltíssima qualidade do petróleoencontrado emUrucu, são as re-servas de gás que fazem da re-gião um mercado tão importan-te. O Brasil ainda importa boaparte do gás natural consumidono país da Bolívia e, hoje, oAmazonas responde por 18% detoda a produção nacional.A Petrobras é a empresa com

mais tempo de atuação na Ama-zônia brasileira. Com pesquisasque começaram ainda nos anos50,aestatal iniciouaexploraçãocomercial de petróleo e gás em1988, na região do rio Urucu.Hoje, a estatal produz 56,5 milbarris de petróleo por dia e 9,7milhões de metros cúbicos degás natural diários dos poçosqueelamantémnomunicípiode

Coari.Desde2005, retomouper-furações em regiões próximasàs reservas de Urucu e, no anopassado, descobriu poços de pe-tróleo altamente rentáveis.No entanto, pelo menos duas

empresasprivadasestãoentran-doagressivamentenessemerca-doeaprincipal delas temcapitalestrangeiro,masébrasileirapornascimento: HRT Oil & Gas. Acompanhia é operadora de 21blocos localizadosnaBaciaSedi-mentar do Solimões. Atualmen-te, a petrolífera vemprospectan-do em áreas nos municípios deCarauari, Tefé e Coari. No anopassado, a empresa vendeu 45%de suas operações na Amazôniapara a anglo-russa TNK-BP, re-sultado de uma joint venture en-tre a TNK (Rússia) e a British Pe-troleum (Reino Unido), que pro-meteu injetar US$ 1 bilhão naempreitada.Além da HRT, a Petrogal Bra-

sil também vem atuando noAmazonas. Ela é uma subsidiá-ria da companhia de energiaportuguesa Galp. A Petrogaltem a concessão de dois blocosem parceria com a Petrobras evem fazendo pesquisas na Ba-cia Sedimentar do Amazonas,entre os municípios de Rio Pre-to da Eva, Itapiranga e Silves.

INVESTIMENTOSSegundo o especialista WalterDe Vitto, da Tendências Consul-toria, o mercado de gás e petró-leo no Amazonas vai continuaraquecido nos próximos anos. “Opreço do barril de petróleo estáem alta no mercado internacio-nal e isso tende a encorajar asempresas a se lançar nessa em-preitada. Observamos que co-mo o foco da Petrobras, que é oprincipal ator desse mercado,vai estar voltadopara os investi-mentos na camada do pré-sal,empresas menores, como aHRT, poderão encontrar boasoportunidades de negócio na re-gião”, afirmaDeVitto.

POLOPara o economista e secretáriode Estado da Fazenda, IsperAbrahim, o aquecimento domercadodeverácontinuarpelospróximos anos e ele já vislum-bra a criação de um novo poloeconômico que poderá ser tãoimportante para o Amazonasquando é hoje o Polo Industrialde Manaus (PIM): o gás-quími-co. “No curto prazo, nós teremostodos os insumos para implan-tarmosumpolo gás-químico im-portante no Estado. Teremos ogásnatural, energiaelétricavin-da do linhão de Tucuruí e a silvi-nita. Poderemos entrar fortes nomercado de fertilizantes, onde oBrasil ainda é um dos maioresimportadores desse tipo de pro-duto”, afirmaAbrahim.WalterDeVitto,daTendências

Consultoria, diz que até mesmopelasdimensõesdas reservasen-contradasnopré-sal, seránormalque os investimentos na explora-ção na costa brasileira sejammaiores que os destinados para aAmazônia, mas ele ressalta queosmontantesprevistossãoconsi-deráveis.“Estamosfalandodeummercadodebilhõesdedólaresembusca de umamatéria prima queomundotodoestáprocurando.Asperspectivas são extremamentespositivas, ainda que este seja ummercado altamente desafiador”,afirmaDeVitto.O consultor diz ainda que as

empresas do setor estão atentasàs sinalizações do governo bra-sileiro, que havia prometido, noano passado, realizar um leilãode novos blocos exploratóriosnas regiões Norte e Nordeste.Calcula-se que serão licitadosalgo em torno de 174 blocos nasduas regiões. “Os leilões sãofundamentais para medir atemperatura do mercado. Acre-ditamos que um novo leilão de-verá ser feito ainda neste ano eque o interesse das empresas fi-cará evidente nas ofertas queelas farão”, afirmaDeVitto.

Apartilha dos blocos exploratórios concedidos pela Agên-cia Nacional de Petróleo indica quais são as empresas queestão atuando no Estado do Amazonas. A companhia quedetémomaior número de blocos é aHRTOil & Gas, com21concessões.

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Bilionário >>> Busca pelo “ouro negro” vai movimentar economia no Amazonas

InvestimentosdasgigantesserãodeR$6,9biaté2015

Para o quinquênio 2011-2015, a Petrobras prevê investimentos de R$ 5,7 bilhões, segundo plano de negócios

Petróleo não é um merca-do para amadores. Nempara quem tem pouco di-nheiro no banco. Por isso

as cifras envolvidas estão sem-pre nas casas dos bilhões dereais. Mas como as principaiscompanhias do setor com atua-ção no Amazonas vão investir?De acordo com levantamentofeito junto às principais opera-doras do segmento, até 2015,pelomenosR$6,9 bilhões serãoinjetados no Estado.Segundo o plano de negócios

da Petrobras para o quinquênio2011-2015, a empresa prevê in-vestimentos de US$ 3,2 bilhões(R$ 5,7 bilhões). Desse total, US$900 milhões serão destinados àpesquisa de novos campos explo-ratórios, US$ 1,6 bilhão para de-senvolvimento e produção e US$700 milhões para infra-estruturae suporte. As atividades se con-centramnaBaciadoSolimões,on-de a companhia tem quatro con-cessões exploratórias e sete con-tratos de áreas em desenvolvi-mento da produção nos municí-pios de Coari, Tefé e Carauari,além das obras de modernizaçãodaRefinariadeManaus(Remam).Na Bacia Sedimentar do Ama-

zonas,aPetrobrastemtrêsconces-sõesexploratóriasedoiscontratosde áreas em desenvolvimento daprodução. Essas atividades estãosendo desenvolvidas nos municí-piosdeRioPretodaEva, Itacoatia-ra, Silves, São Sebastião do Uatu-mã,ItapirangaeUrucurituba.Entre dezembro de 2011 e

março de 2012, a Petrobrasanunciou a descoberta de doispoçosqueestãosendoencaradoscomo os precursores de um polode exploração petrolífero noAmazonas. O poço Igarapé Chi-

bata I e Leste de Chibata, locali-zados na região de Tefé (a 523quilômetros de Manaus), apre-sentaramvazõesacimadamédia(2,5 mil e 1,4 mil barris diários)dos poços encontrados em Uru-cu.Opetróleoextraído tambéméconsiderado pelos especialistascomodealtíssimaqualidade.

ESTRATÉGIAApesar dos investimentos, umadas obras mais aguardadas daregião vai ter de esperar. O ga-soduto Juruá-Urucu, que inteli-garia o campo Juruá (Carauari eTefé) ao polo de Coari, e de lá atéManaus, está com suas obrassuspensas, apesar de o licencia-mento ambiental já ter sido li-berado desde o ano passado.Questionada sobre a obra, a

companhia informou que “os es-tudos para desenvolvimento docampo de Juruá estão em estágioavançado, porém ainda não hámercado consumidor para o gásprovenientedessecampo.Porou-tro lado, o campo de Araracanga,que era parte integrante do de-senvolvimentodeJuruá,terásuasobrasiniciadasaindaem2012”.Além dos investimentos em

exploração e produção, a Petro-bras tambémavalia apossibilida-de de implantar um complexogás-químico no Amazonas, masesses investimentos não deverãoser feitos no curto prazo. Os estu-dos, porém, deverão ser finaliza-dosaindaesteano.Deacordocomaassessoria de imprensada com-panhia, “A Petrobras vem condu-zindoestudosdealgumasoportu-nidades de negócios em gás-quí-micaobjetivandoavaliaraviabili-dade técnica, econômica e am-biental do aproveitamento do gásnaturalproduzidonoAmazonas”.

De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP),o valor de royalties pagos pela Petrobras aoGoverno doEstado entre os anos 2001 e 2011 foi de R$ 1,3 bilhão.O valor pago é referente a uma alíquota determinadapelo Governo Federal a título de compensação.

O município de Coari, onde está con-centrada a produção de gás e petróleodo Amazonas, é o que mais receberoyalties. Entre 2001 e 2011, Coari re-cebeuR$432milhões daPetrobras. Es-se valor ajuda Coari a ser o segundomunicípiomais rico do Amazonas.

Adversidadesnocaminho

Os resultados tímidos colocaramaHRTemumasituaçãocomplica-da, mas o CEO da companhia,Márcio Mello, tranquiliza os in-vestidores. “Companhiaspré-operacionaissãoinvestimen-tosdealto riscoeestãosujeitasàvolatilidade do mercado. No en-tanto,aHRTtemsólidaposiçãofi-nanceiraparaexecutaroseupro-gramanaBaciadoSolimões”.Para os próximos dois anos, a

companhia pretende investir atéR$ 923 milhões na campanhaexploratória do Solimões. A esti-mativa é de que a companhia ge-re 2.450 empregos diretos e in-diretos nos municípios de Ca-rauari, Coari e Tefé.O acordo com a TNK-BP im-

pôs ainda mais pressão sobre aempresa. Para receber o dinhei-ro, a companhia terá de cumprircinco metas, entre elas, “mone-tizar” (fechar contratos de com-pra e venda) o gás que sequer foiencontrado. Para complicar ain-da mais a situação da empresa,ainda não está claro para os in-vestidores qual será a estratégiade escoamento do óleo e do gásque, espera-se, a companhia ve-nha a encontrar. Entre as alter-nativas apresentadas pela com-panhia estão a construção deum gasoduto até o rio Solimõese posterior transporte por bal-sas ou a construção de umgaso-duto direto para Porto Velho, emRondônia.

Caçula no mercado de gás e pe-tróleo na Amazônia, a HRT Oil &Gas foi buscar na europa o capi-tal necessário para continuarsua campanha exploratória naBacia Sedimentar do Solimões.A HRT é uma companhia funda-da pelo geólogo Márcio RochaMello, ex-funcionário da Petro-bras. Aliás, é da Petrobras e da

HRT mostrasuas armas

Agência Nacional de Petróleo(ANP) que vem a maior parte docorpo executivo da companhia.A empresa foi fundada em 2008e em 2009, adquiriu 51% dos di-reitos de exploração de 21 blo-cos do Amazonas. Além deles, acompanhia também tem blocosna Namíbia, na costa africana.Em 2011, a HRT iniciou sua

campanha exploratória na Baciado Solimões. Todos os poços fo-ram perfurados nos municípiosde Carauari, Coari e Tefé, atéagora, as mais propensas a pro-duzirem óleo e gás.No final do ano passado, a

companhia vendeu 45% de sua

participação nos blocos do Soli-mões para a empresa anglo-rus-sa TNK-BP por US$ 1 bilhão.Atualmente, setepoços já foram

perfuradosouestãoemprocessodeperfuração. Os resultados, porém,nãoforamexatamenteoqueosexe-cutivos da companhia esperavam.Dois poçosperfuradospela compa-nhiaencontraramgásnatural,masavazãonãofoi revelada.Emoutropo-ço, a companhia encontrou óleo egás,masavazãotambémnãofoi in-formada. Em janeiro deste ano, acompanhia anunciou a descobertadeumpoçocomvazãode300barrisdiários,muito abaixo dos 2,5mil dopoçoIgarapéChibataI,daPetrobras.

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Peso >>> Receita tributária do Amazonas sofre forte influência da atuação da Petrobras

Petrolíferaspagam22%detodooICMS

Abrahimdizquetendênciaédequeobolotributáriogeradopelosegmentoaumente

No Estado conhecido pe-los eletroeletrônicosproduzidos no Polo In-dustrial de Manaus

(PIM), às vezes é difícil dimen-sionar a importância da riquezagerada pelo petróleo, mas o ou-ro negro é responsável, sozi-nho, por quase um quarto de tu-do o que o Amazonas arrecadaem tributos. O aumento dos in-vestimentos na área deverão fa-zer crescer, ainda mais, a parti-cipação do petróleo no “bolo”tributário, mas, também, na ge-ração de riqueza no Estado quevive, há 45 anos, a dependênciado modelo da Zona Franca. Umdinheiro que desperta a cobiçanão apenas dos Estados, masprincipalmente, dos municí-pios do interior.De acordo com dados da Se-

cretaria de Estado da Fazenda,em2009 (ano basemais recentedisponível), a Petrobras e a BRDistribuidora foram responsá-veis, sozinhas, por 22,88% daarrecadação de ICMS (Impostosobre Circulação de Mercado-rias e Serviços) do Amazonas.Emdinheiro, as empresas paga-ram juntas algo em torno de R$924 milhões, de um total acu-mulado de R$ 4,2 bilhões. ASamsung, segunda maior con-tribuinte individual do Estado,ficou bem atrás, com apenas4,75% do total.Todo esse volume de recur-

sos faz com que praticamentetodos os municípios do Amazo-nasdesejemaexploraçãodegáse petróleo em seus territórios,um privilégio que poucos terão.“A gente está muito ansioso pa-ra que os investimentos da HRTdêem certo aqui no nossomuni-cípio. Nossa economia é muitofraca e a pouca arrecadação quea gente têm vem do comércio,quegira emtornoda folhadepa-gamentos da prefeitura”, dizChico Costa, prefeito de Caraua-ri, município a 788 quilômetrosde Manaus onde a HRT O&G jáencontrou gás natural.A expectativa é a mesma de

Juscimar Veloso, prefeito de Te-fé. “A gente espera que o núme-ro de empresas no municípioaumente.Nãosão tantoaspetro-líferas que geram os impostosnessa primeira fase, mas as em-presas que elas contratam paratrabalhar aqui”, afirmaVeloso.

RIQUEZADiante de um modelo econômi-co tão concentrado na capital, opetróleo tem sido a única fontede riqueza capaz de diminuir,ainda que de forma virtual, adiscrepância entre a capital e ointerior do Estado. O caso deCoari, onde a Petrobras extraipetróleo e gás há 25 anos, é aprova disso.Enquanto o Produto Interno

Bruto (PIB) per capita de Ca-rauari edeTeféoscilamentreR$4,5 mil e R$ 4,61 mil, o de Coariestá em R$ 16,4 mil, uma quan-tia quase quatro vezesmaior.“O efeito que o petróleo vem

tendo no interior do Amazonasé omesmo que teve no Rio de Ja-neiro, quando a exploração di-minuiu o abismo que havia en-tre municípios como CamposdosGoytacazes e a capital. Hoje,essas cidades têmmuitos recur-sos e é isso que faz comque todoprefeito deseje que se descubrapetróleo nos seus territórios”,diz o professor Cláudio Paiva,da Unesp de Araquara, que es-tuda os efeitos da exploração depetróleo nos municípios flumi-nenses.

O infográficomostra a diferença entre o PIB per capitadosmunicípios deCoari, Carauari e Tefé. EmCoari, ondeocorre a exploração de petróleo e gás, o PIB per capitaé, em média, quatro vezes maior que o de Carauari e ode Tefé. Toda essa diferença é resultado do peso que aindústria petrolífera tem na economia coariense.

Petrobraslideratributos

Dados divulgados pela Sefaz noinício do ano reforçaram o pesoque o petróleo têm na economiado Estado. Dos 100 maiorescontribuintes do Amazonas, trêspertencem à Petrobras. A HRTO&G, que iniciou suas atividadesno final de 2010, já está em108º. no ranking da arrecada-ção. Isso sem ter comercializa-do nenhum barri de petróleodesde que começou as suaspesquisas nos campos de Ca-

rauari, Coari e e Tefé.Na avaliação do secretário de

Estado da Fazenda, IsperAbrahim, a tendência é de que aparticipação das empresas doramodepetróleonobolo tributá-rio doEstadoaumentenospróxi-mos anos. Na sua avaliação, osinvestimentos diretos de com-panhias como aHRTO&G e a Pe-trobrasnosetordepesquisa têmimpacto direto nas economiasdo interior. “Eles contratam gen-te do município, compram insu-mos, eessamão-de-obra gastaodinheiro lá. Se as pesquisas fo-rambem-sucedidas, a tendênciaé de que o aumento da produçãode petróleo e gás também sejaacompanhado de um aumentonanossaarrecadação.Éumabo-la de neve”, afirma.

ParaWalterDeVitto,daTendên-ciasConsultoria,noAmazonas,as-simcomono restantedoBrasil, háum processo em curso que farácomque, deuma formageral, a in-dústria petrolífera passe a ganharcadavezmais importância sobreaeconomia brasileira. Entretanto,elenãoacreditaemuma“petrode-pendência”sistemática.“O Brasil tem uma economia

muito diversificada. É difícil ima-ginar que fiquemos refém do pe-tróleo como acontece com ospaíses doOrienteMédio oumes-mocomaVenezuela.OBrasil temummercado interno muito signi-ficativo e que vai continuar cres-cendo. Mas esta é uma oportuni-dade importantequeoBrasilestáaproveitando”, afirma o especia-listadaTendênciasConsultoria.

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agricultura de subsistência e dofuncionalismo público.Em 1978, porém, a história

domunicípiosofreuumavirada.Depois de quase uma décadasem pesquisas de petróleo naAmazônia, a Petrobras voltou aatuar na região, onde encontroureservas de gás natural e petró-leo. Centenas de pessoas passa-ram a trabalhar na abertura depicadas e na perfuração de po-ços. Carauari ficou conhecidacomo a “capital do gás”, mas em1986,quandoaPetrobrasdesco-briu os campos na região do rioUrucu, emCoari (a414quilôme-tros de distância), os investi-mentos emCarauari cessaram eo sonho da riqueza advinda doouronegro foi interrompido.Em 2011, a cidade passou a

viver o sonho do petróleo nova-mente. A HRT O&G chegou aomunicípiopara iniciarumacam-panha exploratória em algunsdos 21 blocos que a companhiadetém na Bacia Sedimentar doSolimões. Era o retorno, trinta etrêsanosdepois, dapesquisaemáreas abandonadas pela Petro-brasnadécadade70e80.Oalvo-roço causado pela chegada daHRTedassuasempresascontra-tadas movimentou o pacato co-mércio de Carauari. Dona Chi-quinha,porexemplo, seviuobri-gada a ampliar o antigo restau-rante para acomodar os funcio-nários da companhia. “Eu tiveque dobrar a minha capacidadeparadarconta.Achegadadessasempresas deu um novo ânimopra gente”, afirma Chiquinha,que contratou três cozinheiraspara lheajudar.Ademandaé tãogrande que, muitas vezes, fal-tamingredientesnomercado.

EsperançavoltaajorrarnovaledoJuruá

Francisca Varela Mar-ques, 56, trata os clientesde seu restaurante comofilhos. Chama a todos de

“meu amor”, “coração”, “meubem” e por mais que pareça es-tranho, quandoela o faz, não soafalso. O entra-e-sai frenético dorestaurante de Dona Chiquinha- como é conhecida - é o melhortermômetro do atual momentoeconômico vivido em Carauari:o novo “boom” do petróleo naAmazônia. A chegada da HRTO&G aomunicípio reacendeu asesperanças de que, desta vez, apromessa de riqueza dos anos70 e 80, finalmente possa seconcretizar.A Carauari em que Dona Chi-

quinha é uma das cozinheirasmais famosas é uma pequenacidade localizada a 788quilômetros de Manauscom pouco mais de 25mil habitantes. No fi-nal do século XIX eaté meados dosanos 40, o muni-cípio era um en-treposto para osseringueirosque atuavamnovale do Juruá,mas com adecadênciada culturada borra-cha, agra-vada nosanos 70,passou asobrevi-ver da

Futuro >>> “Ouro negro” desperta sonhos emCarauari

Aprimeira fase das pesquisas daHRT em Carauari consistiu naabertura de picadas na mata pa-ra ter acesso aos locais onde osespecialistas acreditam haverpetróleo e gás. Essa foi a fase emque mais houve contratação demoradores da região. O “boom”,aparentemente, veio em boa ho-ra. De acordo com o Ministériode Desenvolvimento Social eCombate a Fome, emCarauari, acada quatro famílias, três sãoconsideradas pobres. Com umaatividade econômica extrema-mente limitada, a dependênciados recursos públicos é enorme.Um sexto do Produto InternoBruto (PIB) deCarauari é oriundo

Confiantesno futuro

de repassesdoGovernoFederal.Um dos segmentos mais

aquecidos é o da construção ci-vil. Tonys Magno Menezes daRocha tem uma das maiores lo-jas de material de construção ediz que a vinda da petrolífera en-cheu a população de esperan-ças. “A gente vinha de um mo-mento de estagnação econômi-ca muito grande. Eu, por exem-plo, estou vendendo muito ma-terial para as contratadas daempresa. Antes, só quem com-prava aqui era a prefeitura ou al-guma obra particular. O movi-mento aumentou bastante”,afirma TonysMagno.Eliseu Cláudio de Souza, 59,

viveu o primeiro “boom” do pe-tróleo em Carauari e torce paraque agora, a indústria do petró-leo chegue para valer. “Se issoacontecer, vai ser uma bençãopara o povo daqui. Toda a cidadeestá esperando por esse petró-leo”, disse.

Construção civil: empresário TonysMagno já sente impacto nas vendas

População espera que Carauari retome o título de “capital do gás”

População: 25.774

Área: 25.767,709 Km²

Distância: a 788quilômetros deManausem linha reta ou a 1.411quilômetros por via fluvial

PIB: R$ 120,9milhões

IDH-M: 0,575

Carauari

Chegada da Petrobrás aoMunicípio,pela segunda vez, despertouansiedade na população

Proprietária derestaurante, donaChiquinha diz que chegaa faltar ingredientes nacidade

Carauari GP5

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Divididos>>>Medodocaoseexpectativademelhorias convivem juntosemCarauari

Entreotraumaeaesperança

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Onovo “boom” do petró-leo não despertou ape-nas esperanças no po-vo deCarauari,mas fez

ressuscitar lembranças amar-gas que caminhavam para o es-quecimento. Após a partida daPetrobras, que na década de 80mudou o foco de atuação para aregião do rioUrucu, a cidade en-trou em uma profunda criseeconômica. Para trás, ficaramequipamentos velhos, filhossem pai, um caos social profun-do e um trauma difícil de esque-cer.As recordações dos tempos

turbulentos estão por toda par-te, mas sobretudo na memóriados mais velhos. A professoraaposentada Maria Inês CorreiaPereira Nascimento, 62, lembraque a chegada da companhia sedeu gradualmente, mas que empouco tempo a notícia de quehavia petróleo se espalhou pelaregião. Os soldados da borra-cha, que atenderam ao chama-do da Guerra na década de 40,

agora cediam seus filhos para ochamado do petróleo, em umfluxo migratório sem preceden-tes no Vale do Juruá.“O interior ficou esvaziado.

Todomundoqueriaummacacãoalaranjado, como os que davampara os funcionários das empre-sas. Aquilo dava status na cida-de. Muitos homens saíram dascomunidades e vieramprocurar

empregonacidade, que ficou in-chada. A produção local acaboue tudo ficou caro”, conta.A professora lembra que en-

tre 1978, quando as atividadesda Petrobras começaram emCa-rauari, até meados da década de80, basicamente toda a econo-mia domunicípio girava em tor-nonãoapenasdaPetrobras,masdas empreiteiras contratadas

O padre João Derickx, que atuoujuntoaomovimentoseringueirodeCarauari, descreveu a depressãovivida pelo município em seu livro“Juruá: o rio que chora”. “É tristeverque,depoisdaborracha,oouronegro,outrariquezaeconômicadoPaís, venha a marginalizar o ho-memjuraense”,escreveuDerickx.Um dos efeitos mais visíveis

dessa “marginalização” é a expan-são desordenada da cidade. Entre1985 e 1988, a população de Ca-rauari saltou de 2 para 8 mil habi-tantes.Oaeroporto,queantesfica-vaafastado,foipraticamenteengo-lido por casas construídas semqualquertipodeplanejamento.JoãodosDeusCoelho,ex-chefe

do Ibama emCarauari, morava há

Frustraçãofoi prevista

saibamais

‘Torcida’Oprefeito deCarauari, Chico Cos-ta, diz saber que as expectativasem torno do petróleo são propor-cionaisàfrustraçãoqueumfracas-so pode causar. “Nós estamosvendoas coisas se repetindo,masnão temosmuitooque fazer. Esta-mos tentandoarticularalgunspro-jetos comaHRT,mas nossa capa-cidade de fazer frente a isso é pe-quena.Estamostorcendoparaqueopetróleojorredessavez”,disse.

Moradores, autoridadeslocais e cientistas sãounânimes: história está serepetindo

Maria Inês:memória viva

CanoadeEliandrodeFrançaFerreira,24,usagásdecozinhacomocombustível

Gasolinaéartigodeluxo6 A proximidade de Ca-

rauari com os campos depetróleo e gás tão procuradospela Petrobras e pela HRT O&Gcontrasta com a realidade dosmoradores do município. Na ci-dade que um dia já foi a “capitaldo gás”, o preço da gasolina épraticamente proibitivo para amaior parte dapopulação e obri-ga os ribeirinhos a realizaremum improviso: emvez de gasoli-na, eles usam gás de cozinhanosmotores tipo rabeta que uti-lizam em suas canoas.

ro durante o período de vazante,quando o sinuoso rio Juruá - úni-co meio de acesso aomunicípio -seca e a navegação fica pratica-mente impossível. Em linha reta,Carauari fica a 788 quilômetrosdeManaus,mas por via fluvial, adistância quase dobra, chegandoa1.411quilômetros.Comoaúni-carefinariadepetróleodoEstadofica emManaus, não há outra al-ternativaanãoseresperar.Eliandro de França Ferreira,

24, mora em uma comunidade apoucomais de duas horas de via-

Em Carauari, o litro da gaso-lina custa R$ 3,90, um terço amais do que custaria em Ma-naus, onde omesmo litro sai porR$ 2,90, em média. Gerente doAuto Posto Carauari, AdelsonViana, 56, explica a discrepân-cia. “Essa gasolina a gente com-pra lá emManaus e vem de bal-sa. A gente está muito longe dacapital emuitas vezes esse com-bustível demora até 20 dias pa-ra chegar aqui”, diz Viana.O preço da gasolina em Ca-

rauaritendeaficaraindamaisca-

gememummotorrabeta.Desem-pregado, trocou a gasolina pelogás de cozinha para abastecersua canoa. Ele coloca um botijãode gás na popa da embarcação eusa umamangueira de borrachafina para levar o gás até o bico in-jetordomotor.Atrocaé50%maiseconômica em relação à gasolinaeoferecemaispotênciaaomotor,mas tambémtrazumrisco.Qual-quer rachadura na mangueira,sempre exposta ao sol, pode oca-sionar uma explosão. Mesmo as-sim,Eliandronãosepreocupa.“Agente faz isso há muito tempo.Gasolina aqui é muito caro, nãotem como comprar. O jeito é ape-larparaobotijão”,dizEliandro.

pouco tempo no município quan-do a euforia deu lugar à tristeza.“Euachoquefrustraçãoéamelhorpalavraparadescreveroqueacon-teceu.Todomundoacreditavaqueo petróleo viria à tona. Acharamgás,masopetróleomesmo,aindanão veio. A população ficoumuitodecepcionada”,recorda-se.Um dos relatos mais consis-

tentes sobre o drama vivido emCarauari foi feitoporSamuelBen-chimol, cientista jurídico e eco-nômico e uma das maiores refe-rências sobre a Amazônia. Em1979, ele viajou à região e voltoucom o livro “O Petróleo na Selvado Juruá: o Rio dos Índios Maca-cos”. Em suas observações, opesquisador dividiu os impactoscausados na localidade em setecategorias. Benchimol “previu”que a prosperidade repentina e amelhoria na qualificação dosmo-radores poderia acabar em frus-traçãoseaPetrobrasabandonas-sea região, oqueacabouaconte-cendodefato,anosdepois.

por ela. Em 1986, porém, a esta-tal descobriu as reservas de gásepetroleona regiãodo rioUrucue suspendeu as atividades depesquisaemCarauari.Abase foidesmontada e milhares de pes-soasperderamseusempregos.“Foi o caos total. Era uma si-

tuação para a qual ninguém es-tava preparado. Todo mundo ti-nhacertezadequeaPetrobras iaachar petróleo, mas não foi as-sim. Aí veio omaior custo socialde todos: o desemprego.Criou-se um vício com a prefei-tura, que acabou tendo que ab-sorver muita gente sem ter con-dições para isso. Dezenas decrianças, filhas de funcionáriosdessas companhias, ficaramsempais.Aprostituição cresceumuito”, lembra a professora. Eladiz que temmedo de que o filmese repita. “O sentimento de es-perança hoje é o mesmo que agentesentianosanos70e80.Asmesmascoisas estão acontecen-do e não estamos fazendo nadapara impedir”, diz.

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um piloto que prestava servi-ços à Petrobras no final dadécada de 80. Ao contráriodo pai de Bruno, que nãocriou vínculos na cida-de, o pai de Laurianenão escondeu a novafilha da primeira fa-mília. “Ele era ca-sado, mas sem-pre vinhaaqui. Nóssomos fa-mília de-le. A mu-lher delenão gos-tava, masteve queaceitar.Agora ele viveno interior de SãoPaulo, mas ele sempre liga pragente”, conta Lauriane, que aocontrário de Bruno, conhece etem convívio com seu pai.Da sacada de madeira de sua

casa, Lauriane observa o movi-mento dos macacões alaranja-dos voltarem para Carauari e sepreocupa. “Todomundona cida-de sabe o que aconteceu quandoeles foram embora da outra vez.Ninguém quer ficar sozinha.Minha mãe teve sorte porquemeu pai sempre me ajudou,mas tevemuita gente aí queficou desamparada”, diz.Bruno, que tem uma ir-

mãadolescente, tambémte-mequeoqueaconteceucomsua mãe se repita agora,duas décadas depois. “Eufalo para ela não dar papopara esse pessoal de ma-cacão.Nãoépormaldade.Todo mundo quer se di-vertir, mas depois que otrabalho acaba, eles vãoembora e a gente fica”,afirma.

FilhosdopetróleoA

té hoje, eles são assun-to proibido na pequenacidade de Carauari. Os“filhos do petróleo”,

meninos e meninas que nasce-ramdaunião demulheres da re-gião com funcionários da Petro-bras, são o exemplo da deses-truturação social causada pelacompanhia no final da décadade 80. Em Carauari, todos co-nhecem um ou mais casos, maso preconceito os relega a umainvisibilidade quase tão grandequanto a saudade que sentemde pais que, algumas vezes, ja-mais conheceram.Não há estimativas oficiais

sobre a quantidade de filhosque nasceram sem o apoio dospais em Carauari. O que se sabeé que eles foram muitos. BrunoLiraAlves, 22, é um“filho do pe-tróleo” que nunca viu o pai, umpiloto que trabalhava para a Pe-trobras até o início dos anos 90.Seus pais se conheceram no fi-nal dos anos 80, quando a esta-tal já preparava sua partida ru-mo a Urucu. Foi nesse contextoque Bruno nasceu. “Minha mãenamorou com o meu pai, masele era casado. Quando eu nas-ci, ele teve que ir embora. Mes-mo assim, ele aindame deu aju-da. Sempre mandava dinheiro.Não tenhomágoas dele”, diz.Bruno mora na casa de alve-

naria da sogra. Ele trabalha co-mo ajudante-geral em uma em-preiteira que presta serviço àPetrobras em Urucu. De umaforma ou de outra, ele é parte dasegunda geração de petroleirosda família. O pai ainda trabalhacomopiloto,masna costa doRiode Janeiro.Desdeque as ativida-des em Carauari cessaram,nuncamais voltou.O sol de fim de tarde brilha

quente e entra pela janela da

apertada sala-de-estar ondeBruno fica com os dois filhos,um de quatro anos e outro dequatro meses de idade. Quandoestá com eles, mais parece umirmão mais velho que um pai,tão jovem sua expressão. Mes-mo assim, os “curumins” o obe-decem e Bruno fica orgulhoso.Quando fala do pai que nuncaviu, ele tenta disfarçar o cons-trangimento, ressalta qualida-des que ele jamais constatou deverdade, e se emociona quandodiz o que gostaria de fazer quan-do o encontrasse. “Eu queriadar um abraço no meu pai. Deverdade... e dizer que eu o amomuito e que eu sou um bompai”, diz, soluçando, sem contero choro.

SEGUNDAFAMÍLIALauriane Martin do Nascimen-to, 25, teve mais “sorte” queBruno. Ela também é filha de

Conselhotutelaremalerta

Herança >>> Fruto do envolvimento de “forasteiros”, eles são assunto proibido

Lauriane: “minhamãe teve sorte”

“Minhamãenamoroucomomeupai,maseleeracasado.Quandoeunasci,eletevequeirembora.Queriadarumabraçonele.”BrunoLiraAlves,22

frase

6Oaumento do fluxo de homensem Carauari está deixando as

conselheiras tutelares domunicípiopreocupadas. Elas mantêm viva namemória o que aconteceu no passa-do e sabem que a missão de manteras “meninas” longe dos operários éuma tarefa bemdifícil.Natividade Aguiar, 45, conhece

bem os efeitos que o envolvimentoentre os operários e as garotas deCa-rauari pode causar. Ela é sogra deBruno Lira. Atualmente, Natividadecomemora o fato de que o número deocorrências envolvendo assédio amenores de idade não tenha tido umgrande salto entre 2010 e 2011, mas

ela sabe que esse é um movimentomuito mais silencioso do que podesupor oPoderPúblico. “Até agora, asdenúncias não aumentaram, mas agente ouve falar sobre o aumento daprostituição. O problema é que agente não vê isso na rua. Se aconte-ce, é escondido”, dia Natividade.Carauari é uma cidade tão peque-

naqueamaiorpartedaspessoas ain-da se conhece pelo nome, ou ao me-nos, pelo nome dos seus pais. Essaproximidadecomunitária,aomesmotempo em que facilita o trabalho dasconselheiras, aumenta ainda mais oestigma sobre asmeninas que são ví-timasdo assédio por parte dos operá-

rios. “Aqui, todo mundo se conhece.Seumameninaépeganumasituaçãoembaraçosa, é difícil esconder e opreconceitoémuitogrande”,afirma.Natividade afirma que apesar de

os casos de assédio ainda estaremsob relativo controle (foram quatronos dois primeiros meses de 2012),o Ministério Público Estadual estáinvestigando a situação de envolvi-mento de funcionários de uma em-presa que presta serviço na regiãocom menores de idade. A reporta-gem tentou contato com os promoto-res de Carauari para apurar o caso,mas até o encerramento desta edi-ção, não obteve sucesso.

Carauari GP7

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‘Boom’ >>> Ansiedade da população é perceptível no comércio e nos planos pessoais

Descobertadeóleosentidanasruas

Depois de contrato comcompanhia petrolífera, Josué daSilva jámarcou o casamentoU

ma certa ansiedade po-de ser sentida nas es-quinasmovimentadas eesburacadas de Tefé,

município localizado na regiãodoMédio Solimões, a poucomaisde 575 quilômetros de Manaus.Desde que a Petrobras e a HRTO&G iniciaram as buscas porcampos de petróleo e gás nas ter-ras da região, população se alvo-roçou. Ao que tudo indica, Tefé éa “bola da vez” da indústria pe-trolífera naAmazônia e todos es-tão de olho nessa riqueza. Todos.A “boa nova” do petróleo pe-

gouTefédesurpresa.Aeconomiado município de pouco mais de61 mil habitantes vivia um mo-mento de estagnação econômicaminimizada apenas pelos pro-gramas sociais do Governo Fede-ral. Apesar de ser uma cidadeconsiderada polo para os demaislocalizadas na região do MédioSolimões, o que sempre lhe ren-deu um comércio vibrante, Tefénão difere muito do padrão dosdemais municípios amazônicos:população majoritariamente po-bre e economiabaseadano extra-tivismo e nos recursos prove-nientes das folhas de pagamentoda prefeitura e doGoverno do Es-tado.Por isso, anotíciadequepo-deria haver petróleo em Teféme-xeu tanto comacidade.No final de 2010, a HRT O&G

aportouna cidade levando consi-go toneladas de equipamentos euma quantidade intangível deesperança. Concessionária de 21blocosdeexploraçãonaBaciaSe-dimentar do Solimões, ela ini-ciou em 2011 sua campanha depesquisa e contratou centenasde trabalhadores da região, dan-do umnovo gás para a combalidaeconomia domunicípio. Omaiorhotel da cidade foi inteiramentealugado para a empresa por tem-po indeterminado. Os demaispassaram a ficar constantemen-te lotados.Oaeroporto deTefé re-

Poçoencontradoéum‘elefante’naprodução

AHRTO&G criou uma companhia aérea para atender suas necessidades

6 As perspectivas para a in-dústria petrolífera em Te-

fé são, realmente, promissoras.A HRT O&G já perfurou sete po-ços e encontrou acúmulos degás e petróleo em pelo menosquatro deles. A Petrobras, quehá alguns anos vinhamantendoseus investimentos apenas naregião do rio Urucu, recente-mente aumentou suas ativida-des nomunicípio.Apesar de concentrar boa

parte de suas operações em Te-

fé, os resultados obtidos pelaHRT O&G ainda inspiram des-confiança tanto em seus inves-tidores quanto na população lo-cal. Isso porque as jazidas en-contradas não foram considera-das rentáveis. Por outro lado, aprospecção da Petrobras já cau-sa furor nomercado petrolífero.Emnovembrode2011,aesta-

tal anunciou a descoberta de umpoço conhecido como IgarapéChibata com produçãomédia de2,2mil a 2,5mil barris de petró-

Um fórum comunitário foi criado para discutir aplicação dos royalties

cebeu uma base da Air Amazô-nia, companhiaaéreacriadapelaHRTParticipações (controladoradaholding) exclusivamenteparasuprir as necessidades de trans-porte e logística dapetrolífera.

APOSTAEMPRESARIALImpressionadospelamovimenta-ção, empresários locais decidi-ram aproveitar o momento. Aconstrução civil tomou impulso edezenas de apartamentos foramconstruídos na esperança de queumdiaseriamalugadospelosfun-cionários da companhia ou dasprestadoras de serviço. Placas de“aluga-se” estãopor todosos luga-res. De repente, a terra da casta-nha se transformou na terra dopetróleo. “A gente percebeu umgrande número de empresáriosinvestindo em imóveis para aco-modar o pessoal das empresas eem embarcações para aluguel. Écomoagentevêemgarimpo.A‘fo-foca’émuitogrande”,dizPaulodeOliveiraLima,41,vice-presidentedaAssociaçãoComercialdeTefé.

APOSTAPESSOALJosué Souza da Silva, 29, é umdos que apostou todas as suas fi-chas no ouro negro da Amazô-nia.Desdeque foi dispensadope-lo Exército, em 2008, ele usousuas economias para comprarum caminhão com o qual fazia otransporte de cargas. Em 2011,trocou o veículo por uma van eassinou um contrato com a HRTpara fazer o transporte dos seusfuncionários pela cidade. Há ummês e meio, pediu a namoradaem casamento e espera que a ce-rimônia ocorra ainda este ano.Empolgado, torce que a bonançatrazida pelas petrolíferas tenhalonga duração. “No municípionão temnada para fazer. Ou vocêtrabalhaparaaprefeituraounãotememprego.GraçasaDeusessaempresa chegou para movimen-tar as coisas aqui”, diz Josué.

leo diários. Emmarço de 2012, aPetrobras anunciouumnovopo-ço, batizado como Leste de Chi-bata, comproduçãomédiadiáriade1,4mil barris depetróleo e45mil metros cúbicos de gás natu-ral. Emambos os casos, a estatalafirmaqueaproduçãodospoçosésuperior àmédianacional obti-daempoços terrestres.Os executivos da companhia

não semanifestam publicamen-te sobre as novas descobertas,entretanto, uma analogia é co-

mumente utilizada entre os en-volvidos na campanha explora-tóriadoSolimõesparadescreverasnovasdescobertas: seUrucuéo“rabo”,Chibataéoelefante.

ROYALTIESNAMIRAA perspectiva de riqueza nocurto e médio prazos mexeucom a sociedade local. Um fó-rum comunitário, com partici-pação da sociedade civil e dasautoridades locais já foi criadopara discutir o que será feito

com o dinheiro dos royaltiesque o petróleo deverá gerar pa-ra o município. “Sem dúvida, adescoberta de que existe petró-leo na região é uma boa notíciapara a população que há muitotempo vinha vivendo sem espe-rança. A questão é como o essariqueza será percebida pelo po-vo”, diz o bispo da Prelazia deTefé, Sérgio Eduardo Castriani.O prefeito, Juscimar Veloso

(PMDB), que assumiu o cargo de-pois que o ex-prefeito Sidônio

Gonçalves foi cassado, já come-çou a administrar os primeirosmilhões de reais gerados pelaprodução de petróleo do IgarapéChibata. Ele sabequeasperspec-tivas são otimistas e que omuni-cípioterádesepreparar,sobretu-do, institucionalmente, para ad-ministrarbemanova riqueza. “Anossa ideia é usar esses recursospara melhorar a educação e esti-mular o setor primário, mas ain-daécedoparacomemorar,embo-raavontadesejagrande”,afirma.

Comércio local já sente os efeitos da notícia de descoberta de petróleo

Tefé

População: 61.453

Área: 23.704,488 Km²

Distância: a 523quilômetros deManausem linha reta ou a 631quilômetros por via fluvial

PIB: R$ 293milhões

IDH-M: 0,663

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Impactos>>>Consequênciasnegativasdapresençapetrolífera jápodemsermedidas

Efeitosdolorosos

Casos deLeishmanioseaumentaram quase300% emumano

Míriam da Costa Fer-nandes Leite nuncatinha visto nada pa-recido. Uma a uma,

as caixas de Glucantime, medi-camento utilizado no tratamen-to da Leishmaniose, estão desa-parecendo do estoque daUnida-de Mista de Saúde de Tefé, dei-xando a técnica de enfermagempreocupada. “Desde que essasempresas chegaram aqui, o nú-mero de doentes explodiu. Pedi-

mos 3 mil ampolas para passaros próximos dois meses, masantes das companhias chega-rem, essa quantidade era sufi-ciente para um ano”, diz.A preocupação de Míriam é

um dos reflexos de como a po-pulação de Tefé começa a sentiros primeiros efeitos da expan-são da fronteira petrolíferaamazônica. Na esteira da gera-ção de empregos e da perspecti-va dos recursos provenientes

dos royalties, um conjunto deefeitos negativos já mostramsuas “garras” na região.De acordo com a Secretaria

Municipal de Saúde, desde queas empresas iniciaram suascampanhas exploratórias, noinício de 2011, o número de ca-sos de doenças como a Leishma-niose subiram 287% naqueleano em relação a 2010, sobre-carregando a precária rede desaúde básica do município, que

entre outras deficiências, se-quer tem leitos de UTI.O aumento no número de

doentes é apenas uma das facesdo “efeito petróleo”. Desde oano passado, Tefé está tendoque conviver com o aumento doêxodo rural, especulação imobi-liária e crescimento urbano de-sordenado. A explosão de Leish-maniose é emblemática paraexplicar como as coisas aconte-cemna floresta amazônica.

Quando uma empresa arre-mata um bloco exploratório, elaprecisa fazer uma série de pro-cedimentos até localizar asáreas em que pode haver petró-leo. Uma das primeiras etapaschama-se sísmica, que consisteem um conjunto de processosque permite mapear o subsolopor meio de sensores e explo-sões controladas.Para que ela seja realizada, é

preciso que “mateiros” expe-

rientes ingressem na florestaabrindo as “picadas” (trilhas)por onde os técnicos e geólogosirão passar antes de iniciar oserviço. Esses mateiros são,quase sempre, ribeirinhos quevivem nas comunidades ou nasperiferias de Tefé que, sem em-prego, muitas vezes encontramsuas primeiras ocupações for-mais nas petrolíferas.O problema é que amata não

perdoa descuidos e muitos vol-tam infectados pela doençatransmitida por mosquitos quevivememregiões isoladas e queatingem, principalmente, osmembros inferiores, causandolacerações doloridas e de difícilrecuperação.“Nós já conversamos com as

empresas que contratam essesmateiros e alertamos sobre osperigos da doença. Os gerentesdizem que fornecem os equipa-mentos de prevenção, mas arealidade é que o número dedoentes não para de crescer”,explica a subsecretária munici-pal de Saúde de Tefé, NayaraMaksoud.

Mudançasedesafio

Bispo alerta para desestruturação familiar por conta do trabalho namata

Na favela São José, amaior deTefé, crianças brincam combarro depois da chuva

6 SãoJosééonomedamaior favelade Tefé. Nela vivem 3,5 mil pes-

soasdividas em652casas, algumasdealvenaria, sem reboco, mas a grandemaioria, construída em madeira as-sentadas em um terreno irregular on-de as ruas são quase todas amais puralama durante o período chuvoso.Quandoaenxurradatermina,dezenasde crianças, carinhosamente chama-das de “curumins”, saem às ruas parabrincardebolae “manja”.Énumades-sas casasqueManoelRodriguesMota,44,desempregadohátrêsmeses,espe-ra que a riqueza do petróleo chegue àsuafamília.Manoel trabalhou como marítimo

durante 20 anos, um termo que naAmazônia não faz muito sentido, masque na prática designa as pessoas quetrabalhamnasembarcaçõesdaregião.Ele já prestou serviço para empresascontratadaspelaPetrobrasnoentornode Coari e do rio Urucu. Agora, torceparaqueosmesmosempregosqueviusurgirnomunicípiovizinhoapareçamemTefé. Desde que ficou desemprega-do, é o salário da esposa, professora,que sustenta os quatro filhos do casal.“Aqui, tudo subiu de preço. A comidaestá mais cara, mas os salários aindanão subiram no mesmo ritmo. Minhamulher é funcionária pública. O salá-rio dela não aumenta assim.Me disse-ramquedepoisdoCarnaval,ascompa-nhiasvãocomeçarachamarmaisgen-te. Tomara que eu seja escolhido”, dizManoel.O prefeito de Tefé, Juscimar Veloso,

admite que omunicípio não está prepa-rado para os impactos da indústria dogásedopetróleo.“Nãosepreparaumaci-dadedodiaparaanoite.Seopetróleovierpravaler,seráumacoisamuitoboaparaanossacomunidadeeaívamosusaressedinheiroparanospreparar,porque,porenquanto,apenasumpoçofoiencontra-do.Elesestãoprocurandomaise, senãovier, vamos ficar decepcionados, masdepois, vamos seguir nossa vidinha co-mosemprefizemos”,afirma.

saibamais

Aleishmanioseéumadoençacrônicacausadaporumparasitatransmitidopormosquitosouporanimaisdomésticos.EmTefé,osmateiros,contratadosparaabrirastrilhasnafloresta,vemsendoatingidospeladoençatransmitidapormosquitos.ElaécomumnasáreasondetemhavidoaumentodaatividadedepesquisasporpetróleonaAmazônia.

Êxodo ruraljá começou

Sérgio Eduardo Castriani, bispoda prelazia de Tefé, afirma que achegada das petrolíferas e, so-bretudo, das suas subcontrata-das, tem causado efeitos ambí-guos na cidade. “Se por um ladovocê permite que muitos ribeiri-nhos tenham seus primeirosempregos com carteira assina-da, dentro de uma relação detrabalho mais moderna, por ou-tro, esses empregos, sobretudoo que obrigam o trabalhador a fi-car na mata durante muito tem-po, acabam causando a deses-truturação familiar. Muitas famí-

lias já estão vivendo isso e eu ve-jo esse fenômeno durante aspregações. E quando todo essemovimento acabar? Como é queelas vão ficar? Eu moro no Cen-tro da cidade e já percebo umaumento da prostituição, porexemplo”, diz o bispo.O bispo Castriani teme que

seja tarde demais para iniciarqualquer planejamento. “O êxo-do rural já começou e os impac-tos já podem ser sentidos agora.A tendência é que, se nada forfeito, o cenário pode piorar. Seacharem mais petróleo comoestão apostando, a quantidadede pessoas que irão migrar paracá será muito grande. Se nãoacharem, vai ser pior ainda, por-que as pessoas já vão estar aquie dificilmente vão abrir mão davida na cidade para voltarem àssuas comunidades”, analisa.

Tefé GP9

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Destino>>>Rumoaserseguidopormoradoresdependedeempresa

VilaMoura:vizinhadopetróleoVilaMoura:vizinhadopetróleo

saibamais

Entre a mata e o rioLocalizada às margens do rioTefé, Vila Moura reflete os cos-tumes ribeirinhos nos detalhesculturais que são perceptíveisdos detalhes das casas de ma-deira, construídas sob palafi-tas, aos hábitos extrativistas.As casas ficam separadas dabeira do rio por algumas árvo-res frutíferas como goiabeiras(brancas e vermelhas), man-gueiras e aceroleiras. Com orio cheio, as canoas ficamamarradas a pequenos trapi-ches feitos de madeira. Logodepois, um descampado ante-cipa a vida que se “esconde” nomeio da floresta.

Incertezasjárefletememcomunidade

Semmuitas perspectivas, o agricultor Alcimar vende o quilo de farinha que produz por noventa centavos

6 Alheios aos movimentosde mercado, os morado-

res de Vila Moura temem que aHRT O&G passe pela comunida-de e não faça os investimentosprometidos, repetindo o que aPetrobras fez na região há qua-se 15 anos. “APetrobras tirava opetróleo deUrucu pelo rio Tefé edurante muito tempo nunca feznada pela gente. Eram muitasbalsas descendo o rio, mas nãofizeram nada de bom pra nós”,lembra Alcimar Pereira.O agricultor Raimundo Lima

lembra que durante o tempo emque a Petrobras escoou a produ-çãodepetróleopelorioTefé,asco-munidades ribeirinhas da regiãosofreram com a poluição. “Tinhadia que era tanto saco plástico jo-

gado na água que a frente da co-munidade ficava branca. Você iabeber água do rio e estava puraferrugem e fezes. Pelo menos,nesse ponto, a HRT está respei-tandobastanteagente”,afirma.Mas este não é o único temor

a rondar a atividade das petrolí-feras no rio Tefé. Os blocos ondeaHRTO&G vem atuando estão apouco mais de 20 quilômetrosde distância da Floresta Nacio-nal (Flona) de Tefé, uma áreacom 1,020 milhão de hectarespraticamente inexploradospelacomunidade científica e possi-velmente rica em biodiversida-de. “A atividade petrolífera temum potencial de impacto am-biental muito grande. Nosso te-mor é de que um acidente possa

comprometer a fauna e a florada região, bem como a sobrevi-vência das comunidades ribei-rinhas que dependem direta-mente desse bioma”, diz o ana-lista ambiental Rafael Suertega-ray, do Instituto Chico Mendesde Biodiversidade (ICMBio), ór-gão do governo brasileiro res-ponsável pela proteção das uni-dades de conservação federais.Distantes das flutuações da

bolsa de valores e dos bilhões dedólares que a indústria do petró-leo envolve, osmoradores deVilaMouraanseiampelavindadoouronegro. “Oque a gentemais quer éque esse petróleo jorre logo. Achoque a gente não vai deixar de serpobre,mas pelomenos pode ficarrazoável”,dizRaimundoLima.

“Eles disseram que a gente iacrescer junto com a empresa. ”AlcimarPeireiradaCosta

Quando o agricultor Al-cimarPereira daCosta,71, deixou o rio Puruse atravessou a floresta

em busca de uma paragem boapara fazer pasto, na década de70, ele não imaginava que o lo-cal escolhido seria tão estratégi-co. Se os estudos geológicos daHRTO&G estiverem certos, VilaMoura, comunidade fundadapor Alcimar e onde ele é o maisantigo, é vizinha a um imensocampo de gás e petróleo que po-derá render milhões de dólaresnos próximos anos. O paradoxo

é que uma área potencialmentetão rica vai contrastar com a ex-trema pobreza das comunida-des ao seu redor e a vila é, pelaproximidade, a face mais repre-sentativa dessa diferença.VilaMoura é uma comunida-

de com19 famílias e93pessoas,“entre grandes emiúdos”, comogosta de explicar Alcimar. Ficaa um dia de viagem de barco dacidademais próxima, Tefé. O ce-nário parece idílico, mas escon-de uma dura realidade. VilaMoura sobrevive da agriculturada mandioca, utilizada para fa-

zer farinha, que é vendida aatravessadores antes de chegaraos mercados de Tefé, Coari ouManaus. Como a maior partedas comunidades ribeirinhasdo Amazonas produz a mesmamercadoria, o preço pago aoprodutor é irrisório. “Eu vendoumquilo de farinha por noventacentavos.Na cidade, eles vão co-brar muito mais que isso. O quea gente trabalha não paga nemosangue que os piuns (mosquito)tiram da gente na roça”, diz Al-cimar. Atualmente, a única fon-te de renda fixa da comunidade

são as aposentadorias e o BolsaFamília. Como a comunidade fi-ca longe de Tefé, algumas vezesos ribeirinhos esperamdedois atrês meses para que o acúmulodos benefícios possa pagar aviagemde ida e de volta.OdestinodeVilaMourapare-

cia que iamudar quando funcio-nários da HRT O&G chegaram,no início de 2011. Durante asreuniões,ostécnicosexplicaramque a empresa iria montar umabase que daria suporte às pes-quisas na selva e que precisariacontratar alguns ribeirinhos.

Era a primeira vez em muitosanosque se ofereciamempregosformais na região. Prometeramtambém reformar a escola pri-mária da comunidade, construirum porto, fazer a rede de esgoto,furar um poço artesiano e trocarogeradordeenergia. “Elesdisse-ramqueacomunidadeiacrescerjunto com a empresa. Se elesachassem o petróleo, a gente iaser beneficiado”, disse o agricul-torRaimundodaSouzaLima,56.Aos poucos, as benesses fo-

ram chegando: gerador novo,parquedemadeirapara as crian-

ças,material escolar, rede elétri-ca e visitas semanais de umaequipe médica. Tudo parecia es-tarcaminhandobematéqueumareunião, ocorrida há pouco maisde um mês, esfriou os ânimos.“Elesvieramaquiedisseramqueaempresa ia suspenderos inves-timentosporcontadeunsproble-mas com uma outra empresa aí.Não explicaram direito. Disse-ram que até maio nada mais iaser feito”,contouAlcimar.

TURBULÊNCIASOsproblemasaqueAlcimarsere-feriunão forambemesclarecidospelacompanhia.Quandoquestio-nada sobre o assunto, aHRTO&Gnão respondeu diretamente so-breoquelevouàmudançanocro-nograma.Recentesacontecimen-tos,porém,dãoalgumaspistas.Em outubro de 2011, a HRT

O&G vendeu por US$ 1 bilhão,45% de suas operações na Baciado Solimões para a anglo-russaTNK-BP. Em janeiro, a compa-nhia europeia anunciou que iriapagar entre US$ 90 e US$ 100milhões a menos que o acorda-do, oque repercutiumalnomer-cado financeiro. Em março des-te ano, Márcio Mello, fundadorda petrolífera brasileira, foi des-tituído da presidência da HRTO&G, ficando apenas à frente daHRTParticipações emPetróleo.Analistas afirmam que a

companhia vemenfrentando di-ficuldades no fluxo de caixa eque a demora na apresentaçãode resultados realmente positi-vos está deixando os investido-res apreensivos. No mercado,há quem afirme que a parceriacom a TNK-BP está impondouma disciplina mais rígida nosinvestimentos da companhiabrasileira, o que é negado Már-cioMello. “AHRT temgestão in-dependente e é responsável pe-lo planejamento e investimen-tos que vêm sendo feitos na Ba-cia do Solimões. Quando a ANPaprovar a transferência da con-cessão dos 45% para a TNK-Bra-sil, as decisões serão debatidasentre os parceiros”, disse.