Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

6
a crítica MANAUS, SEGUNDA-FEIRA, 19 DE MARÇO DE 2012 Perseverança >>> População vive depressão econômica à espera de dias melhores Coari: o sonho acabou Coari: o sonho acabou Ewerton Rodrigo Alves, 25, tem uma lista de inadimplência que soma R$ 700 mil Preço tabelado: na feira que acontece aos finais de semana em uma das principais vias da cidade, todo e qualquer produto custa R$ 1, por que não há dinheiro D a cadeira de madeira onde Raimundo Ribei- ro Ramos atende aos clientes de seu restau- rante, ele consegue ver as lojas da rua XV de Novembro fechan- do, dia após dia, e torce para que sua vez não chegue. As quase 30 mesas do restaurante Dona Vanderleia -nome dado em ho- menagem à sua esposa - antes viviam lotadas. Agora, andam vazias. Raimundo é mais um dos em- presários que lutam para não sucumbir à “depressão” econô- mica vivida pelo segundo muni- cípio mais rico do Amazonas. No início dos anos 2000, empol- gado com o movimento frenéti- co de trabalhadores contratados em todo o Brasil para as obras do gasoduto Coari-Manaus, Rai- mundo decidiu que era hora de investir. O pequeno bar em que atendia “pés-inchados” da beira do Lago de Coari, virou um res- taurante. Em pouco tempo, ga- nhou dinheiro e quando se deu conta, já tinha três outras uni- dades servindo milhares de re- feições por dia e lhe rendendo mais dinheiro do que jamais pensou em ver na vida. Raimundo chegou a Coari em meados da década de 80. Apesar de a exploração comercial de pe- tróleo e gás ter começado em 1986, foi apenas na segunda metade da década de 90 que a população da cidade começou a sentir mais intensamente os efeitos da atividade. O início de um ciclo de obras de infraestru- tura necessárias à extração do ouro negro, como o gasoduto Urucu - Polo Arara - Coari e do terminal de distribuição no rio Solimões, movimentou a cida- de, gerando milhares de empre- gos e atraindo outros milhares de migrantes. No início da déca- da de 2000, com o começo das obras do gasoduto Coari-Ma- naus, a mais ambiciosa de todas na região, o “boom” ganhou di- mensões incontroláveis. Foi nesse vai e vem de pessoas e di- nheiro que Raimundo e cente- nas de outros empresários nave- garam. “A gente não tinha ideia de que aquilo ia acabar. Usei o dinheiro para investir nos negó- cios, mas uma hora o vento mu- dou”, conta Raimundo. ÀS MOSCAS Na realidade, o “vento” não mu- dou, apenas passou a soprar mais devagar. Com o final das obras do gasoduto Coari-Manaus, em 2009, as dezenas de empresas contrata- das pela Petrobras para realizar a obra foram embora, levando os empregos, milhões de reais em ar- recadação de tributos e obviamen- te, os clientes de Raimundo. De uma hora para a outra, os coarienses tiveram de voltar à realidade de que Coari é um mu- nicípio como a maioria na Ama- zônia, onde se produz muito pouco e a prefeitura é o princi- pal empregador da cidade com o agravante de que o “cobertor” não dá para todo mundo. A “calmaria” trouxe novos pro- blemas com os quais a população ainda não estava acostumada a li- dar:desemprego,falências,violên- ciaefavelas.“Otempofoipassando e os clientes sumindo. Dos três res- taurantes que eu tinha, só me res- tou um, que eu mantenho fazendo convênios com as poucas empre- sas que ainda ficaram prestando algum serviço à Petrobras”, diz. Estagnação social medida em números A crise econômica em Coari po- de ser medida em números. En- tre 2008 e 2009, o PIB do muni- cípio caiu um terço, saindo de R$ 1,5 bilhão para R$ 1 bilhão. A ge- ração de empregos formais caiu 47% entre 2007 e 2011. Mesmo com todo o peso dos números, é nas ruas que a crise se mostra mais evidente. A estagnação so- cial também é grave. Coari tem, segundo o Institu- to Brasileiro de Geografia e Esta- tística (IBGE), quatro aglomera- dos subnormais, eufemismo pa- ra favelas. Mais de oito mil pes- soas vivem nelas, o que equivale a mais de 10% dos 75 mil habi- tantes do município. “Meu antigo contador me dis- se que apenas no ano passado, fechou 18 empresas em Coari. E olha que foi só ele, imagine o resto”, comenta Ewerton Rodri- go Alves, um comerciante de 25 anos que gerencia com a mãe, uma pequena loja de ferragens a pouco mais de 40 metros do res- taurante de Raimundo. Entre um cliente e outro, Ewer- ton, que é formado em Adminis- tração de Empresas, diz que nun- ca vivenciou uma crise tão aguda quanto a que a cidade passa atualmente. A cada sábado, ele imprime um relatório com a lista dos clientes inadimplentes. A últi- ma, tinha mais de 20 páginas e um saldo de R$ 700 mil a receber. “Eu dou 10% de comissão para os cobradores, mas ninguém vol- ta com dinheiro. Nem adianta co- brar. Na época das vacas gordas, a gente investiu. Construímos três depósitos com apartamen- tos na parte de cima. Fizemos 12 apartamentos que, na época, a gente alugava por R$ 800, até R$ 1 mil. Antes, todos estavam com inquilinos. Agora, só tenho dois alugados, e por R$ 400, no máxi- mo”, lamenta Ewerton. Persistência é a ‘marca’ do negócio Pressionada por uma folha de pagamentos que consumia até 60% de todo o seu orçamento, a prefeitura de Coari começou a dispensar funcionários contra- tados sem concurso público, o que, associado ao atraso de dois meses no pagamento do funcio- nalismo, agravou ainda mais a situação. “Coari é uma cidade pobre. Ou você tem emprego na prefei- tura ou no comércio. Quando a prefeitura atrasa o pagamento ou demite o pessoal, é um ‘Deus nos acuda’ aqui”, explica Ewerton, que já estuda a possibilidade de se mudar com a família para Ma- naus. No restaurante Dona Vander- leia, Raimundo manuseia com dificuldade as co- mandas de seus clientes, mas não desiste. Desde que um jacaré-açu lhe arrancou parte do braço direito durante uma pescaria, ele aprendeu a persis- tir. Com o que sobrou do braço destruído, segura papeis e di- nheiro e faz, com resignação, o movimento do caixa. “Eu já es- capei de coisa pior. Tenho fé de que os ventos vão mudar”, diz ao fazer o balanço do dia. Coari População: 75.965 Área: 57.921,914 Km² Distância: a 363 quilômetros de Manaus em linha reta ou a 421 quilômetros por via fluvial PIB: R$ 1,1 bilhão IDH-M: 0,703 Coari GP11

description

Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

Transcript of Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

Page 1: Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

Perseverança>>>Populaçãovivedepressãoeconômicaàesperadediasmelhores

Coari:osonhoacabouCoari:osonhoacabou

EwertonRodrigoAlves,25, temumalistade inadimplênciaquesomaR$700mil

Preço tabelado: na feira que acontece aos finais de semana em uma das principais vias da cidade, todo e qualquer produto custa R$ 1, por que não há dinheiro

Da cadeira de madeiraonde Raimundo Ribei-ro Ramos atende aosclientes de seu restau-

rante, ele consegue ver as lojasda rua XV de Novembro fechan-do, dia após dia, e torce para quesua vez não chegue. As quase30 mesas do restaurante DonaVanderleia -nome dado em ho-menagem à sua esposa - antesviviam lotadas. Agora, andamvazias.Raimundoémaisumdosem-

presários que lutam para nãosucumbir à “depressão” econô-mica vivida pelo segundomuni-cípio mais rico do Amazonas.No início dos anos 2000, empol-gado com o movimento frenéti-co de trabalhadores contratadosem todo o Brasil para as obrasdo gasoduto Coari-Manaus, Rai-mundo decidiu que era hora deinvestir. O pequeno bar em queatendia “pés-inchados” da beirado Lago de Coari, virou um res-taurante. Em pouco tempo, ga-nhou dinheiro e quando se deuconta, já tinha três outras uni-dades servindo milhares de re-feições por dia e lhe rendendomais dinheiro do que jamaispensou emver na vida.RaimundochegouaCoari em

meadosdadécadade80.Apesarde aexploração comercial depe-tróleo e gás ter começado em1986, foi apenas na segundametade da década de 90 que a

população da cidade começou asentir mais intensamente osefeitos da atividade. O início deum ciclo de obras de infraestru-tura necessárias à extração doouro negro, como o gasodutoUrucu - Polo Arara - Coari e doterminal de distribuição no rioSolimões, movimentou a cida-de, gerando milhares de empre-gos e atraindo outros milharesdemigrantes. No início da déca-da de 2000, com o começo dasobras do gasoduto Coari-Ma-naus, amais ambiciosa de todasna região, o “boom” ganhou di-mensões incontroláveis. Foinesse vai e vem de pessoas e di-nheiro que Raimundo e cente-

nasdeoutrosempresáriosnave-garam. “A gente não tinha ideiade que aquilo ia acabar. Usei odinheiro para investir nos negó-cios, mas uma hora o vento mu-dou”, contaRaimundo.

ÀSMOSCASNa realidade, o “vento” não mu-dou, apenas passou a soprarmaisdevagar. Com o final das obras dogasodutoCoari-Manaus,em2009,as dezenas de empresas contrata-das pela Petrobras para realizar aobra foram embora, levando osempregos,milhõesdereaisemar-recadaçãodetributoseobviamen-te,osclientesdeRaimundo.De uma hora para a outra, os

coarienses tiveram de voltar àrealidadedequeCoari é ummu-nicípio como a maioria na Ama-zônia, onde se produz muitopouco e a prefeitura é o princi-pal empregador da cidade comoagravante de que o “cobertor”não dá para todomundo.A “calmaria” trouxenovospro-

blemas com os quais a populaçãoainda não estava acostumada a li-dar:desemprego,falências,violên-ciaefavelas.“Otempofoipassandoeosclientessumindo.Dostrêsres-taurantes que eu tinha, sóme res-touum,que eumantenho fazendoconvênios com as poucas empre-sas que ainda ficaram prestandoalgumserviçoàPetrobras”,diz.

Estagnaçãosocial medidaem números

A crise econômica em Coari po-de ser medida em números. En-tre 2008 e 2009, o PIB do muni-cípio caiuumterço, saindodeR$1,5 bilhão para R$ 1 bilhão. A ge-ração de empregos formais caiu47% entre 2007 e 2011. Mesmocom todo o peso dos números, énas ruas que a crise se mostramais evidente. A estagnação so-cial tambémé grave.Coari tem, segundo o Institu-

to Brasileiro deGeografia e Esta-tística (IBGE), quatro aglomera-dos subnormais, eufemismo pa-ra favelas. Mais de oito mil pes-soas vivem nelas, o que equivalea mais de 10% dos 75 mil habi-tantes domunicípio.“Meu antigo contadorme dis-

se que apenas no ano passado,

fechou 18 empresas emCoari. Eolha que foi só ele, imagine oresto”, comenta Ewerton Rodri-go Alves, um comerciante de 25anos que gerencia com a mãe,uma pequena loja de ferragens apoucomais de40metros do res-taurante de Raimundo.Entreumclienteeoutro,Ewer-

ton, que é formado em Adminis-tração de Empresas, diz que nun-ca vivenciou uma crise tão agudaquanto a que a cidade passaatualmente. A cada sábado, eleimprime um relatório com a listadosclientes inadimplentes.Aúlti-ma, tinha mais de 20 páginas eumsaldodeR$700mila receber.“Eudou10%decomissãopara

oscobradores,masninguémvol-tacomdinheiro.Nemadiantaco-brar.Naépocadas vacas gordas,a gente investiu. Construímostrês depósitos com apartamen-tos na parte de cima. Fizemos 12apartamentos que, na época, agente alugavaporR$800, atéR$1mil. Antes, todos estavam cominquilinos. Agora, só tenho doisalugados, e por R$ 400, nomáxi-mo”, lamentaEwerton.

Persistência éa ‘marca’ donegócio

Pressionada por uma folha depagamentos que consumia até60% de todo o seu orçamento, aprefeitura de Coari começou adispensar funcionários contra-tados sem concurso público, oque, associado ao atraso de doismeses no pagamento do funcio-nalismo, agravou ainda mais asituação.“Coari é uma cidade pobre.

Ou você tem emprego na prefei-tura ou no comércio. Quando aprefeituraatrasaopagamentooudemiteopessoal, éum ‘Deusnosacuda’ aqui”, explica Ewerton,que já estuda a possibilidade dese mudar com a família para Ma-naus.No restaurante Dona Vander-

leia, Raimundo manuseiacom dificuldade as co-mandas de seusclientes, masnão desiste.Desde que umjacaré-açu lhearrancou parte

do braço direito durante umapescaria, ele aprendeu a persis-tir. Com o que sobrou do braçodestruído, segura papeis e di-nheiro e faz, com resignação, omovimento do caixa. “Eu já es-capei de coisa pior. Tenho fé dequeos ventos vãomudar”, diz aofazer o balanço do dia.

Coari

População: 75.965

Área: 57.921,914 Km²

Distância: a 363quilômetros deManausem linha reta ou a 421quilômetros por via fluvial

PIB: R$ 1,1 bilhão

IDH-M: 0,703

Coari GP11

Page 2: Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

AE12

a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

GP12

Legado>>>Para amaioria dos coarienses, o eldoradodo “ouronegro” nãoé realidade

Geraçãoperdida

Às 12h58 de uma ter-ça-feira, uma fila demulheres e criançasextrapolava o saguão

da lotérica VidaNova, emCoari,chegando até a calçada. PaulaCavalcante de Freitas já estavana fila havia meia hora quandoa operadora de um dos caixas,visivelmente irritada com omo-vimento e o calor úmido, anun-ciou: “O dinheiro acabou. Se al-guém tiver conta para pagar, ve-nham logo para que eu tenha di-nheiro em caixa. Senão, eu nãovou ter como pagar vocês”. Nãohouve resposta porque ali nin-guém estava na fila para pagar,mas para receber, deixando evi-dente que na cidade a “geração”do gás e do petróleo também é a“geração” do Bolsa Família.Os petrodólares que jorra-

ram ao longo dos últimos 25anos levaram o município a ter

um PIB per capta de R$ 16,4mil, mas não conseguiram mu-dar uma realidade paradoxal:Coari é umdosmunicípiosmaispobres do Brasil. Segundo o Ins-tituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), o analfabe-tismo atinge 22% da populaçãoenquanto a média nacional é de9,3% e, de acordo comoMinisté-rio doDesenvolvimento Social eCombate a Fome (MDS),metadedas famílias é tão carente queprecisa receber o Bolsa Famíliapara complementar a renda.Paula tem o corpo magro e

longilíneo, apesar de não medirmais que 1,60 m. Com a mão,enxuga o suor que desce da tes-ta, procurando mais paciênciapara enfrentar a fila. Há pelomenos três anos, desde que in-gressou no Bolsa Família, o ri-tual de espera na lotérica se re-petemensalmente.

Ela nasceu em 1986, mesmoano em que a Petrobras desco-briu petróleo na região do rioUrucu. Sua história se entrelaçacom a do ouro negro da Amazô-nia. “Meu pai era ribeirinho edeixou o interior do municípiopara buscar um emprego numadas firmas que vieram a Coaripara trabalhar na construçãodas bases da Petrobras. Ele tra-balhava como braçal, abrindopicada no mato. Foi o primeiroemprego com carteira assinadada vida dele”, conta.O emprego de seu Francisco,

pai de Paula, hoje com 72 anos,não durou para sempre e assimque as obras iniciais termina-ram, ele ficou sem trabalho.Analfabeto, restou-lhe voltar àagricultura. Da riqueza do pe-tróleo, Paula diz não ter apro-veitado muito. “As escolas emque eu estudei deixaram muito

A‘primeira-dama’dainvasãoNazaréPinheiro

InvasãoNazaréPinheirotemmaisde600pessoasecresceacadadia.PrefeituradeCoarinãoconseguecombaterafavelização

6 Josiane de Araújo Rodri-gues, 26, é a “primeira da-

ma” da invasão Nazaré Pinhei-ro, em Coari. Seu marido, Char-les Vanderlei Marinho Almei-da, é o presidente do que elechama de “comunidade”, mas éclaro que, ser primeira damapor ali, não representa muitosprivilégios.A invasão Nazaré Pinheiro é

uma das quatro favelas de Coa-ri, segundo dados divulgadospelo IBGE em 2011. A maioriasurgiu no final dos anos 90 e emmeados dos anos 2000, quandoa cidade viveuduas fases distin-tas: o “boom” causado pelasobras do Gasoduto Coari-Ma-naus e a depressão que sobre-veio ao final da obra.No local, vivem em torno de

600pessoas,morandoembarra-cões de madeira ou alvenaria,com telhas de amianto e semabastecimento de água, esgotoou energia elétrica. As ruas nãotêm asfalto e após as chuvas doinverno amazônico, o lamaçal éinevitável.Nofinaldoanopassa-do, a comunidadeseuniuecriouuma associação de moradores.Após eleição, Charles, o maridodeJosiane, foieleitoopresidenteda entidade que agora cobraobrasde infraestrutura.

HISTÓRIAQUESEREPETEJosiane conheceuCharles quan-do ainda era adolescente. Elesaiu de Manaus para trabalharnas obras do gasoduto, emmea-dos dos anos 2000. Quando aobra terminou, ficou sem em-

prego, mas em vez de voltar pa-ra a capital amazonense, resol-veu fincar raízes emCoari.No final de 2011, o casal de-

cidiu que era hora de sair da ca-sa da mãe de Josiane. Ouviramfalar de uma área de terra emque a Prefeitura iria abrir umnovo bairro e decidiram cons-truir o próprio barraco.“Aqui a gente não tem luxo

de nada. Nossa esperança é quea prefeitura passe o asfalto aquie traga água. Eu tenho que to-mar banho usando lata”, contaJosiane, que, assim como Paula,também engravidou na adoles-cência, também não passou doEnsino Médio e também temque enfrentar, todos osmeses, afila da lotérica Vida Nova parareceber o Bolsa Família.

a desejar. O ensino não era bom.Quando a gente ouvia que Coaritinha petróleo, a gente imagina-va que a cidade ia mudar, que aeducação ia melhorar. Mas ho-je, não consigo entender porquenuma cidade tão ricavive um povo tãopobre. Na filado Bolsa Famí-lia fico meperguntan-do isso”, dis-se a jovemquando falta-vam apenas

duas pessoas para chegar a suavez.

SEGUNDAGERAÇÃOAos 16 anos, pouco antes deconcluir o Ensino Médio, Paulaengravidou do primeiro de seustrês filhos (dois meninos e umamenina). Ela passa todas as tar-des no Instituto Federal de Edu-cação Tecnológica (Ifam) deCoari. Não como aluna, já quenunca cursou o Ensino Supe-rior, mas como balconista dalanchonete. O namorado, tam-

bém adolescente quandoela engravidou, encon-trou seu primeiroemprego em umafirma que pres-ta serviçopara a Pe-trobras.Hoje, elevive de

empresa em empresa, terceiri-zadas da companhia petrolífe-ra, ganhando poucomais de umsalário mínimo, dinheiro que,para sustentar a casa, não é su-ficiente.Uma nova remessa de di-

nheiro chega à lotérica e a filavolta a andar. Chega a vez dePaula. Ela tira o cartão magnéti-co amarelo do bolso de trás, quesai acompanhado de um papelbranco, amassado, com algunsnúmeros escritos à caneta. Ésua senha. Como não lida bemcom computadores, é o opera-dor do caixa que faz toda a tran-sação. Em menos de dois minu-tos, a espera de quase uma horae meia termina. Paula sai da lo-térica com os R$ 166 com osquais vai comprar material es-colar para o início do ano letivodos filhos, a segunda geração dogás e do petróleo de Coari.

Page 3: Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

Escuridão >>> Vila Lira, vizinha da Petrobras, sonha com eletrecidade há dois anos

Luzparaquasetodos

Terminal Fluvial de Solimões (TESOL) foi construído nos anos 90 e é responsável pelo escoamento da produção deGLP e óleo

Formigassãoasúnicasqueusamgeladeirado lídercomunitárioErivandro

Quando os postes doprograma Luz para To-dos começaram a serinstalados em Vila Li-

ra, os moradores da comunida-de localizada a pouco mais deuma hora de lancha da cidadede Coari pensaram que, final-mente, o futuro estava chegan-do. Infelizmente, eles se enga-naram. Dois anos depois da ins-talação dos postes e da fiação, aeletricidade ainda não chegou.O problema de Vila Lira não é adistância em relação à sede domunicípio, mas um vizinho in-cômodo, grande, e, sobretudo,poderoso: a Petrobras. A “luz”do Luz Para Todos não chegaporque, para isso, precisa pas-sar por dentro da área do termi-nal de distribuição da estatal,no Rio Solimões. Como a Petro-bras não autoriza, os ribeiri-nhos vivemcondenados ao atra-so, sob a luz do lampião.Em meados dos anos 90,

quando a exploração comercialdepetróleo egásna regiãodo rioUrucu já estava consolidada, aPetrobras construiu um termi-nal para escoar a produção degás liquefeito de petróleo (GLP)e do petróleo bruto. O TerminalFluvialdeSolimões (TESOL) ficaapoucomaisdequatroquilôme-tros de Vila Lira e abriga tan-ques gigantescos, onde todo oóleo extraído dos poços emUru-cuéarmazenado.Posteriormen-te, ele é embarcado em naviospetroleiros que o leva para refi-narias em diversos pontos doBrasil, mas, principalmente, naRefinaria deManaus (Reman). Élá que o óleo é processado etransformado, entre outras coi-sas,nodieselqueabasteceosge-radores espalhados em boa par-

te do Amazonas, inclusive emCoari. À noite, lâmpadas amare-las iluminamo terminal deixan-do-o visível a quase cinco quilô-metros de distância. Uma lumi-nescência que contrasta com aescuridãoemVilaLira.“Essa energia é o sonhode to-

da a comunidade. A gente estáesperando issohádois anos. En-quanto isso, a gente se vira dojeito que dá”, diz Ercival PereiraLira, 42, agricultor, pescador eum dos descendentes dos fun-dadores da comunidade.Osmoradores só têm eletrici-

dade quando cotizam a comprado óleo diesel que abastece umgeradorvelho.Mesmoassim,elesó é ligado entre 18h e 22h. “É ohorário do jornal e das novelas.Não temos dinheiro para maisque isso. Mesmo assim, quandoa roça não está boa, como agora,nãotemdinheiro. Játemdoisme-ses que não temos diesel”, expli-ca Erivando Alves Cardoso, 34,lídercomunitáriodeVilaLira.“Eu já falei com o pessoal da

Petrobras, mas eles disseramque não vão deixar os cabos pas-saremnoterrenoporquestõesde

segurança. O problema é que ládentro eles têm instalações elé-tricas. Porqueanossaéperigosaeasdelesnão?”,dizErivando.O prefeito de Coari, Arnaldo

Mitouso, diz que já conversoucomadireção doTESOLpara ten-tarresolveroproblema.“Estamosencontrandodificuldadeemobteruma resposta deles, mas algumacoisa precisa ser feita”, diz. O cu-riosoéqueoprefeitoquedizestarempenhadonasoluçãodoproble-ma é omesmo que, há quase doisanos, suspendeu o fornecimentodeóleodieselparaacomunidade.

Uma luta deDavid contraGolias

A casa de Erivando, assim comoamaioria das 47moradias da co-munidade, foi pintada de amare-lo, verde ou vermelho há doisanos, quando um funcionário daprefeitura de Coari chegou ao lo-cal dizendo que o então presi-denteLuiz InácioLuladaSilva iriaà Vila Lira inaugurar uma escolaconstruídanumaparceriaentreaprefeituraeaPetrobras.Aescolapersiste, com algumas janelasquebradas e móveis velhos, massem energia elétrica. Os alunosmal conseguemsuportarocalor.Dentro de sua casa, Erivando

mostra todos os eletrodomésti-cos que ele não consegue utili-zar. Na sala, uma TV de LCD de32 polegadas, um carregador debaterias e um aparelho de som.No quarto principal, um ventila-dor velho e na cozinha uma gela-deira tomada por formigas, detão pouco utilizada. “É um ab-surdo que a gente viva no meiodessa riqueza toda e não tenhanem eletricidade”, diz.Apesar de ter estudado pou-

co, Erivando sabe que a batalhapela energia elétrica emVila Liraé dura, sobretudo pelo tamanhode seu oponente. O problema éque todo esse “tamanho”, deixaa luta aindamais paradoxal. Eleslutam por energia contra a ter-ceira maior empresa de energiadomundo.

R$1,5milhão

A Petrobras informou que co-municou à Eletrobras Amazo-nas Energia que seriam ne-cessários procedimentos adi-cionais de segurança paraque a fiação fosse instaladadentrodoTESOL. AEletrobrasAmazonas Energia informouqueasaídaseráaextensãodeum cabo subaquático que sódeverá ficar pronto no finaldeste anoencarecendoemR$1,5milhão o projeto inicial.

“Quando temosdinheiro para odiesel do gerador,temos energiadurante quatrohoras. Não temospara mais queisso. Mesmoassim, quando aroça não está boa,como agora, nãotem dinheiro. Játem dois mesessem diesel”ErivandoAlvesCardoso,34

frase

Coari GP13

Page 4: Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

AE14

a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

GP14

Coariéapenasumadas‘pobrescidadesricas’

Irregularidadesnaprestaçãodecontas deconvênio inviabilizou repassesdaUniãopara construçãodecasaspopulares

6 Cláudio Paiva é professordo departamento de eco-

nomia da Unesp de Araraquara,emSão Paulo. Seu estudo intitu-lado Pobres Cidades Ricas é umdos mais completos retratos so-bre como os municípios do Nor-te e Nordeste fluminense, osmais beneficiados pelos royal-ties do petróleo, vêm utilizandoesses recursos. Ele faz um para-lelo entre o histórico de corrup-ção em Coari e em Campos dosGoytacazes, o município cam-peão em royalties do Brasil.“Quando os prefeitos come-

çam a receber tantos recursos,eles passam a não ligar mais pa-ra os tribunais de contas. Cam-pos dos Goytacazes, por exem-plo, ficou um bom período sementregar as prestações de con-tas. Era uma forma de desviar osrecursos do petróleo. O aumento

da corrupção não é uma particu-laridadeapenasdeCoari,masdequase todas as cidades em que opetróleo respondeporumapartemuito grande das suas rique-zas”,dizCláudioPaiva.Como exemplo, professor ci-

ta a Operação Telhado de Vidro,feita pela Polícia Federal em2008, mesmo ano da OperaçãoVorax. À época, os federais in-vestigaram uma organizaçãocriminosa que fraudava licita-ções e desviava recursos oriun-dos dos royalties do petróleo. Aoperação no município flumi-nense resultou no afastamentodo então prefeito, AlexandroMocaiber, que depois acabouretornando ao cargo. “Não é queo petróleo faça surgir a corrup-ção nesses municípios. Infeliz-mente, nós encontramos cor-rupção emquase todos osmuni-

cípios brasileiros, independen-te de eles terem acesso ao di-nheiro dos royalties ou não,mas a abundância de dinheiroproveniente dele faz comque osprefeitos fiquem mais criativose invistam em novos esquemaspara desviar esses recursos”,explica Dieter Gawora, profes-sor da Universidade de Kassel,na Alemanha, que estudou Coa-ri no início da década de 2000.Para Cláudio Paiva, um dos

fatores que dificulta o controledos recursos provenientes dosroyalties é a confusão fiscal pra-ticada pelamaioria das prefeitu-ras que, segundo ele, emmuitoscasos,éproposital. “Essedinhei-ro não fica emumaconta especí-fica.Aprefeituraocolocaemumsó ‘bolo’ enahorade investigaroque fizeram com essas verbas,ficamuitodifícil rastrear”.

Royalties >>>Principal legado da riqueza que jorra da terra têmsido desvio de verbas

Opreçodacorrupção

Um dos impactos maissignificativos causa-dos pelas duas décadase meia do ciclo do pe-

tróleo e do gás emCoari é, certa-mente, a corrupção. Dos seisprefeitos que o município tevedesde 1986, três já foram con-denados pelo Tribunal de Con-tas da União (TCU), e dos trêsque restaram, um foi assassina-do no meio do mandato, outrofoi cassado e o outro está no car-go hámenos de dois anos. Espe-cialistas afirmamque o ouro ne-gro por si só não faz surgir a cor-rupção, mas fornece os meiospara que ela se potencialize,comprometendo o destino detanta riqueza.O caso que melhor ilustra o

quantoacorrupçãoseentranhounas engrenagens da administra-ção pública em Coari é a organi-zação criminosa investigada pe-laPolíciaFederal (PF)demeadosde2007até2008.Ainvestigaçãoresultou na Operação Vorax. Naépoca, 33 pessoas foram presas,entre funcionários públicos eempresários. A quadrilha, deacordo comaPF, era comandadapelo então prefeito de Coari,Adail Pinheiro. À época, esti-mou-sequeo rombocausadoaos

cofres públicos tenha alcançadoamarcadeR$25milhões.Adail governou a cidade entre

2001e2009.Deacordocomasin-vestigações, o esquema fraudavalicitações públicas e parte do di-nheiroerarepassadoparaos inte-grantes da quadrilha. Agentes daPF encontraram R$ 6,8 milhõesescondidos no forro de uma casaque pertenceriam a membros daorganização.Aindadeacordocoma PF, parte do dinheiro desviadopeloesquemaeraprovenientedosroyaltiespagospelaPetrobras.

PEDOFILIAO caso Adail Pinheiro ganhouainda mais destaque depois queas investigações apuraram quealém de desviar recursos públi-cos, a quadrilha também finan-ciava um esquema de prostitui-çãoinfantilutilizadopeloex-pre-feito. Adail foi preso,mas depoisliberado. Em julho de 2009, an-tes da prisão, ele chegou a pres-tar depoimento na ComissãoParlamentar de Inquérito (CPI)doSenado, sobrepedofilia.Apesar das condenações pe-

lo TCU, ele ainda não foi julgadopelos crimes que a PF e oMinis-tério Público Federal o acusam.Outro caso que chama aten-

ção em Coari é o do ex-prefeitoRoberval Rodrigues da Silva.Prefeito de Coari duas vezes,em 2010 ele foi condenado peloTCU a devolver R$ 400 mil que,segundo os ministros, foramdesviados de um convênio fir-mado pela prefeitura e o Gover-no Federal para a melhoria dainfraestrutura do município. Oproblema é que quando a sen-tença saiu, Roberval já estavamorto e agora a dívida está sen-do cobrada do seu espólio.Emesmoestandoapoucome-

nos de umano emeio no cargo, oatual prefeito de Coari, ArnaldoMitouso, já responde a pelo me-nos dois inquéritos civis instau-radospeloMinistérioPúblicoEs-tadual (MPE). Ele é investigadopor supostas fraudes e dispen-sas em licitações que somariampelomenosR$11milhões.Alémdisso, responde a um inquéritopor nepotismo. Seu irmão, Alte-mir Mitouso, é secretário muni-cipaldeEconomiaeFinanças.“Nomeei, sim,meu irmão, por

entenderqueeleécapacitado.Emrelaçãoàssupostasfraudes,essasdenúncias são fruto de persegui-çãopolítica”eascontasdaprefei-tura estão abertas para qualquertipodeinvestigação”,declarou.

Adail Pinheiro5 condenações no TCU e res-ponde a processos nas justi-ças estadual e federal, entreeles por improbidade admi-nistrativa e pedofilia.

Odair CarlosGeraldoNenhuma condenação noTCU. Foi assassinadoantesdecompletar o mandato pelo

Prefeitos deCoari têmhistórico deproblemas coma Justiça

atual prefeito de Coari, Arnal-doMitouso.

RobervalRodriguesdaSilvaFoi condenado cinco vezespelo TCU.

Evandro Francisco AquinodeOliveiraTem três condenações noTCU.

RodrigoAlvesNenhuma condenação noTCU, mas teve o mandatocassado por compra de vo-tos. Foi preso durante Opera-ção Vorax.

ArnaldoMitousoCondenado por homicídio,responde a inquéritos por im-probidade administrativa.

Ex-prefeito Adail Pinheiro liderou esquemaque se tornou-se sinônimode corrupção noAmazonas

Prejuízo de apenas umdosesquemas investigados emCoari foi de R$ 25milhões

Page 5: Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

Ética >>> Ex-diretor do Ipaam é “homem forte” de petrolífera

LicençasdaHRTsobsuspeita

Graco Diniz com secretária demeio ambiente Nádia Ferreira, em 2010

Uma relação estreita eperigosa coloca em xe-que a lisura do licen-ciamento ambiental da

HRT O&G no Amazonas. Das 31licenças expedidas pelo Institu-to de Proteção Ambiental doAmazonas (Ipaam) entre 2010 a2011, 19 foram liberadas peloex-diretor do órgão, Graco DinizFregapani. O problema é que

desde o início de 2011, Gracopassou a trabalhar emcargos dechefia da petrolífera. Para re-presentantes do movimentoambientalista, as relações entreGraco e a HRT O&G levantamsuspeitas quanto ao processode licenciamento.Graco Diniz Fregapani foi di-

retor-presidente do Ipaamentremeados de 2010 a fevereiro de

2011, quando pediu exonera-ção e entrou em licença por in-teresse particular. Atualmenteele é o gerente executivo da eHRTO&GnoAmazonas.Operíodocoincidiucomo iní-

cio das atividades da companhiapetrolífera no Amazonas. Paracomeçar as suas pesquisas, aempresaingressoucomdezenasdepedidosde licençaambiental,

muitas delas para poder cons-truir suas bases na floresta e ini-ciar oprocessodeprospecçãodegás e petróleo nos blocos conce-didos pela Agência Nacional ePetróleo (ANP) em Carauari, Te-fé e Coari. Desde que começou aoperar no Amazonas, a empresaobteve a concessão de 31 licen-ças ambientais, sendo 19 libera-dasporGraco.

Governorebateacusações

6 Para coordenador do Gru-po de Trabalho da Amazô-

nia (GTA), RubensGomes, a pro-ximidade entre a saída deGracoe o início de sua atividade naHRT O&G é escandalosa. “Todoesse processo está sob suspeita.As licenças precisam ser revis-tas. Em um país sério, esse tipode coisa não aconteceria. Isso éum escândalo”, afirma RubensGomes.O atual diretor-presidente do

Ipaam, Antônio Stroski, con-temporiza. “O licenciamentonão pode ser concedido à reve-lia dos estudos. Para cada licen-ça liberada, há o trabalho dostécnicos. Ele não poderia libe-rar licenças sem ter estudos erecomendações nesse sentido”,diz Stroski. Questionado sobreo conflito ético, Stroski admitecerto constrangimento e acredi-ta que, neste caso, poderia tersido feita uma espécie de qua-rentena. “É... a gente questionaisso, em outras áreas, como noMinistério da Fazenda, tem isso(quarentena)”, diz Stroski.Procurada pela reportagem,

a secretária de Estado deDesen-volvimento Sustentável (SDS),Nádia Ferreira, não se manifes-tou oficialmente. Em nota, oIpaam reiterou que “o trata-mento dispensado à HRT é omesmo dado à Petrobras e aqualquer outro empreendimen-to do ramo. Os requisitos de li-cenciamento estão definidosem leis e resoluções e neles nãoconstam tratamento diferencia-do a nenhum pleiteante de li-cenciamento”.Procurada pela reportagem,

a assessoria de imprensa daHRT O&G comunicou que “osprincípios que norteiam a con-tratação do profissional comoGerente Geral do escritório emManaus são a sua vasta expe-riência como advogado e admi-nistrador, commestrado emDe-senvolvimento Regional Sus-tentável, o que contribui forte-mente para a implantação e aconsolidação das atividades daHRTO&Gno Estado”.Na avaliação do cientista do

Instituto Nacional de Pesquisasda Amazônia (Inpa), PhilipFearnside, o curto intervalo en-tre a transferência de Graco doIpaam para a HRT O&G compro-va uma grave situação de confli-to de interesses. “Isso é muitograve. Sobre esses processos,não deveria haver nenhum tipode proximidade entre quem li-cencia e quem pede”, explicaFearnside.

AntônioStroskiadmiteconstragimento

Conflitos GP15

Page 6: Caderno Especial A Critica Petroleo e Gas Natural Parte2

AE16

a críticaMANAUS, SEGUNDA-FEIRA,

19 DEMARÇODE 2012

Brasil vai deixar de explorarum recurso dessa natureza.Acho que essa atividade,comparativamente à pecuá-ria, por exemplo, causa me-nos danos à floresta, mas éclaro que ela precisa ser vi-giada constantemente”, diz.Na opinião do gerente de

projetos de infraestrutura daOrganização Não Governa-mental(ONG)WWF,PedroBa-ra Neto, a exploração de gás epetróleo na Amazônia não fazomenor sentido. “Eu não vejológica nessemercado. Em vezdeestarmosbuscandoummo-delo econômico para substi-tuir a dependência que temosdopetróleo,estamosfazendoocontrário, buscando mais pe-tróleo, e ainda por cima numambiente tão complicadoquantoaAmazônia?Éumcon-trassensoterrível”,afirma.

PROPOSTASBara Neto acha ainda maisabsurda a ideia, em análiseno Governo do Estado, de le-galizaraexploraçãodepetró-leo emunidadesde conserva-ção estaduais. Um grupo detrabalho avalia desde julhodo ano passado os aspectoslegais para que blocos explo-ratórios dentro de unidadesde conservação possam serlicitados pela Agência Nacio-nal doPetróleo (ANP).Segundo a secretária de

Estado de DesenvolvimentoSustentável (SDS), NádiaFerreira, o grupo de estudonãovemse reunindoea ideiade liberar a exploração de pe-tróleo em áreas protegidasnão é uma prioridade do go-verno. “O simples fato de nãotermos feito mais reuniões éuma mostra do quanto isso

Perspectivas>>>EspecialistasavaliamospróseoscontrasdopetróleonaAmazônia

Unidadesdeconservaçãosãoopróximoalvo

Benção ou maldição?Redenção ou proble-ma? Os dilemas quecercam a exploração

de petróleo nomundo inteironão são simples, mas naAmazônia, uma questão ga-nha contornosmais dramáti-cos: por que investir tantoem combustíveis fósseis emuma região com um ecossis-tema tão sensível e onde sedeveria procurar alternati-vas para uma economiamais“verde”?Para o co-fundador e pes-

quisador sênior do Institutodo Homem e Meio Ambienteda Amazônia (Imazon), BetoVeríssimo, a resposta é rela-tivamente simples: dinheiro.“O petróleo vai continuarsendo um ativo importantepara todos os países do mun-do. É difícil imaginar que o

Para Beto Veríssimo, do Insti-tuto do Homem eMeio AmbientedaAmazônia (Imazon), opetróleona Amazônia tem sido exploradode formadiferente do que aconte-ceu na floresta amazônica doEquador e do Peru, onde houvegrandes desastres ambientais,mas ressaltouqueos recursosge-radosporessaatividadeprecisamser investidosnatransiçãodama-triz energética e no desenvolvi-mento sustentável na Amazônia.“A região vai ser alvo de investi-mentos bilionários nessa década.Preciamos aproveitar essa opor-tunidadeeessedinheirode formainteligente”,dizopesquisador.NaRDSUacari,aHRTO&Gpretendetreinarprofessoresparaatuarna localidade

Regulamentaçãojáestásendoestudada6Os sinais que vêm do Go-

vernodoEstadosãocontra-ditórios,masalgunsprojetospon-tuaisindicamqueoAmazonaspo-deráseprepararmelhorparaessesegundomomento da exploraçãodogásedopetróleonaAmazônia.Oprimeirodelesvememformadeleieosegundo,deacordo.Tramita nos gabinetes da Se-

cretaria de Estado de Desenvolvi-mento Sustentável (SDS) umpro-jetode leipara regulamentarose-tor de serviços ambientais. Servi-ços ambientais são aqueles pres-tados por ecossistemas como aprodução de umidade na Amazô-niaquedepois vira chuvanoCen-

zar as unidades de conservação”,afirma.

BARRILVERDEA outra iniciativa em andamentoé o acordo firmado entre a HRTO&G com a Fundação AmazonasSustentável (FAS)queprevêopa-gamento deR$ 1 por barril de pe-tróleo produzido pela companhiaemterritórioamazonense.Acom-panhia também“adotou”aReser-va deDesenvolvimento Sustentá-vel (RDS) Uacari, localizada nocurso médio do rio Juruá, ondepretende construir um centro detreinamentoparaprofessoresqueatuamnacomunidade.

tro-Oeste e no Sul do Brasil ou acaptura de carbono feita pela flo-restaamazônica.DeacordocomatitulardaSDS,

NádiaFerreira,umdospontosdis-cutidosnessaleiéumaespéciedefundo (temporariamente chama-dodeFundoClima)que receberiapartedosrecursospagospelaspe-trolíferas ao governo do Estado atítulo de royalties. O dinheiro se-ria destinado a financiar projetosvoltados para a preservação domeio ambiente em unidades deconservaçãoestaduais.“Oprojetoestá praticamente finalizado. Seele for aprovado, será um instru-mento importante para capitali-

GP16

Um dos maiores desafios do Amazo-nas é reduzir suas elevadas taxas deanalfabetismo.

Apesar da riqueza dos seus subso-los, Carauari, Coari e Tefé têm altíssi-mas taxas de pobreza.

não está na nossa pauta deprioridades. Acho que temostantas áreas já concedidas àexploração que não precisa-mos disponibilizar mais”,afirmaNádia.A opinião de Nádia, po-

rém, não encontra eco na deoutro secretário, o de Mine-ração e Geodiversidade, Da-niel Nava. Ele é umdosmaio-res entusiatas do projeto.“Estamos vendo o marco le-gal para isso, mas acho quepode ser uma boa alternativaparaqueunidadesde conser-vação consigam gerar recur-sos. Comparativamente a ou-tras atividades, a exploraçãode petróleo não é uma amea-ça tão grandeassimàAmazô-nia”, avalia.Beto Veríssimo ilustra o

argumento de Daniel Navacom dados. Segundo ele, 18%

da floresta amazônica já fo-ram desmatados e 2% refe-rem-se a projetos de explora-ção de petróleo ou minera-ção, outra atividade conside-rada vilã da preservação daAmazônia. “Esses dados nãosignificam que não há pro-blema algum na exploraçãode petróleo. Apesar de cau-sar umbaixo desmatamento,os perigos são grandes. Umapreocupação que temos écom os outros projetos quevêm com o petróleo como ga-sodutos e óleodutos”, afir-ma.

IMPACTOSO cientista do Instituto

Nacional de Pesquisas daAmazônia (Inpa), PhilipFearnside, diz que os impac-tos ambientais causados pe-la construção de gasodutos

ou óleodutos podem ser se-melhantes aos causados pe-las rodovias na Amazônia.“Eles são vetores de atraçãopopulacional. Se essa expan-são da fronteira do petróleose desse apenas em regiõespouco povoadas, o impactoseria menor. Mas se queremfazer um gasoduto para Por-to Velho, por exemplo, o im-pacto poderá ser grande”,afirma.Na opinião do cientista so-

cial alemão Dieter Gawora,que estudou os efeitos da in-dustria dopetróleo emCoari,a resposta à pergunta é sim-ples: o petróleo foi uma mal-dição para o município. Obispo de Tefé, Sérgio Castria-ni, pondera. “Essa riqueza éuma benção, mas se for malutilizada, pode virar um cas-tigo”, afirma.