Caderno Estado Governo e Mercado

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ESTADO, GOVERNO E MERCADO Ricardo Corrêa Coelho Ministério da Educação – MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Diretoria de Educação a Distância – DED Universidade Aberta do Brasil – UAB Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP Especialização em Gestão Pública 2012 2ª edição Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:01 1

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Disciplina estado governo e mercado.

Transcript of Caderno Estado Governo e Mercado

  • ESTADO, GOVERNO E MERCADO

    Ricardo Corra Coelho

    Ministrio da Educao MEC

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    Diretoria de Educao a Distncia DED

    Universidade Aberta do Brasil UAB

    Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP

    Especializao em Gesto Pblica

    2012

    2 edio

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  • 2012. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.

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    1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

    1 edio 2009

    C672e Coelho, Ricardo Corra Estado, governo e mercado / Ricardo Corra Coelho. 2. ed. reimp. Florianpolis :

    Departamento de Cincias da Administrao / UFSC, 2012.114p. : il.

    Especializao Mdulo BsicoInclui bibliografiaISBN: 978-85-61608-81-1

    1. Administrao pblica. 2. Poltica e governo Histria. 3. Gesto pblica. 4. Educaoa distncia. I. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Brasil). II.Universidade Aberta do Brasil. III. Ttulo.

    CDU: 35

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

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  • DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOSUniversidade Federal de Santa Catarina

    METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIAUniversidade Federal de Mato Grosso

    AUTOR DO CONTEDORicardo Corra Coelho

    PRESIDNCIA DA REPBLICA

    MINISTRIO DA EDUCAO

    COORDENAO DE APERFEIOAMENTO DE PESSOAL DE NVEL SUPERIOR CAPES

    DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    EQUIPE TCNICA

    Coordenador do Projeto Alexandre Marino Costa

    Coordenao de Produo de Recursos Didticos Denise Aparecida Bunn

    Capa Alexandre Noronha

    Ilustrao Igor Baranenko

    Projeto Grfico e Editorao Annye Cristiny Tessaro

    Reviso Textual Sergio Luiz Meira

    Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

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  • SUMRIO

    Apresentao.................................................................................................... 7

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado,Governo e Mercado

    Introduo.............................................................................................................. 11

    Conceitos Bsicos.................................................................................................. 13

    A Dinmica Pendular das Relaes entre Estado e Mercado................................. 22

    Duas Matrizes Tericas para a Interpretao das Relaes entre Estado e Mercado:

    a liberal e a marxista............................................................................................ 26

    A Formao da Matriz do Pensamento Liberal..................................................... 29

    A Matriz Marxista................................................................................................. 38

    As Mudanas nas Sociedades Capitalistas no Final do Sculo XIX e seus Impactos

    sobre as Matrizes Marxista e Liberal..................................................................... 50

    Unidade 2 As Relaes entre Estado, Governo e Mercado Durante o Sculo XX

    Introduo............................................................................................................ 71

    O Estado Liberal................................................................................................... 73

    O Estado Socialista............................................................................................... 81

    O Estado de Bem-Estar Social.............................................................................. 86

    O Estado Neoliberal.............................................................................................. 98

    Referncias.......................................................................................................... 109

    Minicurrculo........................................................................................................ 112

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  • 7Mdulo Bsico

    Apresentao

    APRESENTAO

    Caro Estudante!

    A disciplina que d incio a este curso aborda uma dasquestes mais controversas do mundo contemporneo: a da relaoentre Estado, governo e mercado. Essa questo no apenas seapresenta no dia a dia do gestor pblico, como debatida em todasas disputas eleitorais sejam elas nacionais, estaduais oumunicipais , alm de figurar diariamente nas pginas dos jornais.Para ela no h uma resposta conclusiva.

    Por mais que se tenha buscado e ainda se continuebuscando encontrar o ponto de equilbrio entre a intervenoestatal e a liberdade de mercado, esse equilbrio no poder sermais que temporrio.

    Por essa razo, por meio desta disciplina pretendemos quevoc, gestor pblico, que j se encontra no exerccio da funo ouque almeja exercer uma funo pblica, compreenda algunsconceitos, teorias e informaes histricas que lhes possibilitarono s acompanhar e participar dessa discusso, mas, sobretudo,desempenhar as funes do gestor pblico com mais segurana emaior conhecimento do terreno em que atua.

    Com esse objetivo e preocupao, organizamos os temas aserem tratados nesta disciplina em duas Unidades. Na Unidade 1vamos tratar das teorias que explicam as relaes entre Estado,governo e mercado; e na Unidade 2 estudaremos as mudanas nasrelaes entre Estado, governo e mercado durante o sculo XX.

    O domnio de conceitos-chave envolvidos na discusso dasrelaes entre Estado, governo e mercado essencial para quematua ou pretende atuar na esfera pblica, mas no suficiente.

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    Estado, Governo e Mercado

    Alm dele, necessrio ao gestor pblico conhecer e identificar asmatrizes tericas que animam esse debate e que se encontram conscientemente ou no presentes no raciocnio e no discurso detodos aqueles que trabalham no Estado, prestam-lhe servios ou aele se opem e apresentam suas reivindicaes.

    Assim, ao dominar conceitos e conhecer as teoriassubjacentes ao debate e s posies e reivindicaes de uns e outros,o gestor pblico ter melhores condies de entender o raciocniodos seus inmeros interlocutores e tomar decises esclarecidas eorientadas pelo seu prprio discernimento.

    Mas para que as suas decises e aes sejam, de fato,conscientes e bem informadas, como desejam todos dos governanteseleitos e partidos polticos que os acolheram em suas legendas paradisputar as eleies e se eleger, aos cidados e eleitores que lhessufragaram nas urnas , o gestor pblico precisa ainda estar beminformado sobre como as relaes entre Estado, governo e mercadoestabeleceram-se e modificaram-se ao longo do tempo.

    Sem o conhecimento da experincia acumulada, seria difcilao gestor pblico compreender por que o setor pblico brasileiro como , entender os lentos, mas contnuos, processos de mudanaque se operam nas relaes entre Estado, governo e mercado quetm impacto direto no funcionamento da Administrao Pblica e posicionar-se frente a questes que envolvem conflito tomandodecises esclarecidas conforme o interesse pblico.

    Esperamos que os temas tratados nesta disciplina lhepropiciem elementos para melhor conhecer o espao em que atua eidentificar os seus interlocutores, as demandas que lhe so feitas,os desafios que lhe so propostos para enfim poder, conscientee livremente, tomar as suas decises em um campo que se encontramuito sujeito a influncias ideolgicas, as quais nem sempre soas melhores conselheiras para as aes mais sensatas, mas quefrequentemente orientam as aes dos agentes pblicos.

    Comecemos, ento, nosso estudo.

    Professor Ricardo Corra Coelho

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  • 9Mdulo Bsico

    Apresentao

    UNIDADE 1

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Definir os conceitos de Estado, governo e mercado; Compreender a lgica interna de cada matriz terica, distinguindo os

    seus principais conceitos; Identificar a influncia dessas matrizes no pensamento e discurso

    dos atores polticos; e Avaliar comparativamente as potencialidades e limites explicativos

    de cada matriz.

    PERSPECTIVA TERICA PARA AANLISE DAS RELAES ENTRE

    ESTADO, GOVERNO E MERCADO

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    Estado, Governo e Mercado

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  • 11Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    INTRODUO

    A extenso dos poderes do Estado sobre a sociedade umtema que suscita grandes controvrsias, em torno das quais no sepode, rigorosamente, falar de consenso ou da existncia de umaposio dominante. Por se tratar de questo que emana do magoda reflexo e da prtica poltica, as formulaes, que venham a serproduzidas a respeito carregaro, sempre, um forte vis ideolgico,alimentadas por diferentes vises de mundo, concepes e valores dosquais todos os indivduos das sociedades contemporneas, semexceo, so portadores, conscientemente ou no.

    O reconhecimento desses vieses no nos deve desencorajara enfrentar o desafio, nem tampouco nos autoriza a fazer qualquertipo de formulao, numa espcie de vale-tudo. Ao longo de sculos,a civilizao ocidental vem recorrentemente colocando-se questesrelativas ao Estado, ao exerccio do poder e s relaes entre Estadoe sociedade. Ser essa reflexo socialmente acumulada que nosservir de base para refletirmos sobre as complexas relaes entreEstado, governo e mercado no mundo contemporneo.

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  • 12Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    H duas matrizes principais no pensamento polticocontemporneo que procuram explicar essas relaes:

    a liberal, que tem razes no pensamento dos filsofosiluministas, do sculo XVII, e dos economistas daescola clssica, do sculo XVIII; e

    a marxista, que se inspira no pensamento do filsofoalemo Karl Marx, que foi o mais contundentecrtico do pensamento poltico, filosfico eeconmico vigente sua poca.

    Mas antes de estudarmos as teorias queexplicam essas relaes e analisarmos acontribuio de uma e de outra para acompreenso da dinmica do mundocontemporneo, convm precisarmos algunsconceitos bsicos que sero utilizados nestadisciplina e que sero recorrentes durante todoo curso: os de Estado, governo e mercado.

    Karl Marx (1818-1883)

    Filsofo alemo e terico

    do social ismo. Em 1848,

    Marx e Engels publicaram o

    Manifesto do Partido Comunis-

    ta, o primeiro esboo da te-

    oria revolucionria que, anos mais tar-

    de, foi denominada marxista. Embora

    praticamente ignorado pelos estudiosos

    acadmicos de sua poca, Karl Marx

    um dos pensadores que mais influenci-

    aram a histria da humanidade. Suas

    ideias sociais, econmicas e polt icas

    tiveram grande influncia sobre o mun-

    do do sculo XX. Fonte: . Acesso em: 2 jul. 2009.

    Saiba mais

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  • 13Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    CONCEITOS BSICOS

    Quando nos referimos ao Estado, grafado com inicialmaiscula, estamos tratando da organizao que exerce o podersupremo sobre o conjunto de indivduos que ocupam umdeterminado territrio. E quando falamos de exerccio do poder,estamos nos referindo capacidade de influenciar decisivamente aao e o comportamento das pessoas.

    Estado e poder so, portanto, dois termos indissociveis. Masa capacidade de uma organizao exercer o poder sobre o conjuntode indivduos que ocupa um territrio no suficiente para definiro Estado. Se isso bastasse, teramos por exemplo de reconhecercomo Estado as organizaes criminosas que controlam algumasfavelas do Rio de Janeiro e outros bairros das periferias de grandescidades brasileiras, uma vez que so a fora dominante que dita asregras de comportamento a serem seguidas por todos os seushabitantes. Ou ento teramos de reconhecer como Estado asorganizaes guerrilheiras que ocupam e controlam parte doterritrio da Colmbia.

    Para diferenciar o poder exercido pelo Estado do poder de

    outros grupos que controlam territrios e indivduos com base

    no uso da fora fsica, necessrio introduzir a noo

    fundamental da legitimidade.

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  • 14Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    De acordo com o socilogoalemo Max Weber, o que caracterizao Estado o monoplio do exercciolegtimo da fora em uma sociedade.Enquanto mfias e outras organizaesarmadas disputam entre si o controlesobre territrios e indivduos pelosimples uso da fora, o Estado sediferencia dessas pela legitimidadecom que se encontra investido paraexercer, em ltima instncia, a forafsica sobre os indivduos.

    Isso significa que apenas as organizaes estatais e nenhumaoutra tm o reconhecimento da populao para estabelecer regrasa serem obedecidas por todos, administrar a justia, cobrar impostos,julgar e punir os infratores das regras comuns.

    Em todas as sociedades, h ainda outras formas de poder,que so exercidas por outros meios, que no a fora fsica, e poroutros tipos de organizaes. Por exemplo: grandes empresasinfluenciaram o comportamento das pessoas por meio dos bensque possuem e dispem; as igrejas e os grandes meios decomunicao de massa influenciam o comportamento dosindivduos por meio das ideias e princpios que pregam e sustentam.As primeiras exercem poder econmico, as segundas, poderideolgico e ambas influenciaram o comportamento dos indivduosde forma concomitante e concorrencial.

    O Estado no admite concorrncia e exerce de formamonopolista o poder poltico, que o poder supremonas sociedades contemporneas.

    Maximillian Carl Emil Weber (18641920)

    Socilogo, historiador e polt ico alemo

    que, junto com Karl Marx e mile Durkheim,

    considerado um dos fundadores da soci-

    ologia e dos estudos comparados sobre

    cultura e religio. Para Weber, o ncleo da

    anlise social consistia na interdependncia entre

    rel igio, economia e sociedade. Fonte: . Acesso em: 2 jul. 2009.

    Saiba mais

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  • 15Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    Alm do carter monopolista do poder do Estado, ressaltadopor Weber, o pensador italiano Norberto Bobbio iria ainda pr emdestaque duas caractersticas distintivas do poder estatal:

    Universalidade: o Estado toma decises em nome detoda a coletividade que ele representa, e no apenas daparte que exerce o poder.

    Inclusividade: em princpio, nenhuma esfera da vidasocial encontra-se fora do alcance da interveno doEstado. Isso, no entanto, no significa que o Estadotenha de intervir ou regular tudo apenas os Estadostotal i trios tm essa pretenso , mas que prerrogativa do Estado definir as reas em que ir ouno ir intervir, conforme o tempo, as circunstnciase o interesse pblico.

    Mas o carter inclusivo emonopolista do poder do Estado noo impede de exercer suas diferentesfunes por meio de diferentesinst i tuies. De acordo comMontesquieu, o Estado possui trsfunes fundamentais, sendo todas assuas aes decorrentes de uma, oumais, dessas funes:

    Legislativa: produzir as leis e o ordenamento jurdiconecessrios vida em sociedade.

    Executiva: assegurar o cumprimento das leis. Judiciria: julgar a adequao, ou inadequao, dos

    atos particulares s leis existentes.

    Tendo em vista evitar que o Estado abusasse do seu poder,tornando-se tirnico com os seus sditos, Montesquieu formulou a

    Baro de Montesquieu (16891755)

    Charles-Louis de Secondat, conheci-

    do como baro de Montesquieu, foi

    um dos grandes filsofos polticos do

    Iluminismo. Autor de O esprito das leis,

    livro fundamental da filosofia poltica

    contempornea. Fonte: . Acesso em: 2 jul. 2009.

    Saiba mais

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  • 16Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    teoria da separao funcional dos poderes, que deu origem separao entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, talcomo os conhecemos hoje.

    Da mesma forma que o poder do Estado pode serfuncionalmente distribudo entre diferentes instituies sem perderas suas caractersticas monopolistas, ele tambm passvel de serexercido por diferentes esferas.

    Diferentemente dos Estados unitrios como a Frana, oChile e Israel , onde o poder do Estado exercido por instnciaspoltico-administrativas nacionais e as autoridades locais no tmautonomia normativa, nos Estados federativos esse poder encontra-se ainda subdividido entre a instncia nacional e as instnciassubnacionais.

    No Brasil, como nos Estados Unidos, na Rssia, no Canad,na ndia e em outras federaes existentes no mundo, o poder doEstado (grafado com inicial maiscula) e suas funes executiva,legislativa e judiciria so exercidos de forma compartilhada pelaUnio e pelos estados federados (grafados com inicial minscula).No Brasil, em particular, a Constituio de 1988 chegou a elevaros municpios e o Distrito Federal categoria de membros daFederao antes circunscrita Unio e aos estados criandoassim uma federao sui generis composta por trs entes federativos:o federal, o estadual e o municipal. Na ndia, o poder do Estadochega ainda a ser distribudo em at cinco esferas administrativasdistintas.

    Essas variaes na organizao formal dos Estadoscontemporneos devem-se antes histria e s conveninciaspoltico-administrativas de cada pas, em nada alterando as suascaractersticas fundamentais, funes, poderes e prerrogativas.

    Qualquer que seja a forma assumida pelo Estado unitriaou federativa , em todas elas o Poder Executivo (ou maisprecisamente o governo e o conjunto de instituies que exercemas funes executivas) ter papel preponderante. Essa importnciae ascendncia do Executivo sobre os demais Poderes nada tem aver com a relevncia das suas funes.

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  • 17Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    Segundo Rousseau, o PoderLegislativo , indubitavelmente, opoder central e fundamental doEstado, j que lhe cabe aelaborao das leis a seremseguidas por toda a coletividade.

    Para Montesquieu, as trsfunes do poder do Estadodevem ser distribudas por trscorpos distintos para evitar que oPoder Executivo desde sempreo predominante exorbitasse dassuas funes e exercesse o poderde forma t irnica sobre oscidados. Na arquiteturainst i tucional pensada porMontesquieu, o Poder Judicirioque desempenha o papelfundamental de mediar a relao entre aquele que manda (ogovernante) e aqueles que legislam (a assembleia).

    O que explicaria, ento, a preponderncia do Executivo sobre

    os demais poderes do Estado?

    Uma resposta simples a essa questo a de que o PoderExecutivo que a partir de agora passaremos a chamar de governo que dispe dos meios coercitivos do Estado. Embora no crieas regras gerais que balizam a vida dos cidados (funo legislativa),nem decida sobre a adequao dessas regras aos casos particulares(funo judiciria), o governo que, por meio do seu aparatocoercitivo, garante o cumprimento das decises dos outros poderese executa as polticas do Estado.

    ao governo que compete recolher os impostos quesustentam o funcionamento de todos os poderes do Estado

    Jean-Jacques Rousseau (17121778)

    Nasceu em Genebra, na Sua. Es-

    creveu o Discurso Sobre as Cincias e

    as Artes, tratando j da maioria dos

    temas importantes em sua filoso-

    fia. Em 1755, publicou o Discurso

    Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens.

    Em 1761, veio luz A Nova Helosa, romance

    epistolar que obteve grande sucesso. No ano

    seguinte, saram duas de suas obras mais im-

    portantes: o ensaio Do Contrato Social e o trata-

    do pedaggico Emlio, ou da Educao. Em 1762,

    foi perseguido por conta de suas obras, consi-

    deradas ofensivas moral e religio, e obriga-

    do a exilar-se em Neuchtel (Sua). Fonte: . Acesso em: 1 jul. 2009.

    Saiba mais

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  • 18Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    v

    Esse tema ser

    examinado e tratado

    detalhadamente na

    disciplina O Pblico e o

    Privado na Gesto

    Pblica.

    recolhimento que sempre compulsrio e respaldado pelo uso dafora se necessrio for.

    So as instituies do governo que garantem a seguranainterna dos cidados entendida como a proteo da suaintegridade fsica, liberdade e bens e os protegem das agressesexternas; tambm o governo que exerce o poder de polcia doEstado, que vai da fiscalizao do cumprimento das normas punio dos infratores.

    Enfim, o governo que transforma em atos a vontade doEstado, o que suficiente para fazer dele o poder preponderantesobre todos os demais e exigir dos legisladores um contnuoaperfeioamento das normas que regem o funcionamento do Estadoe regulam as suas relaes com a sociedade, e dos tribunais aconstante vigilncia da adequao dos atos de governo legislao,sem o que o poder do governo se tornaria tirnico.

    Da mesma maneira que as diferentes formas assumidas peloEstado no alteram a sua essncia, as diferentes formas de governotampouco alteram substantivamente o seu poder no conjunto doEstado. Assim, as diferenas entre parlamentarismo e presidencialismodizem respeito forma como Legislativo e Executivo se relacionam,mas nada indicam sobre a maior ou menor fora do governo sobum ou outro regime.

    No presidencialismo, h uma rgida separao entreExecutivo e Legislativo no que diz respeito durao dos mandatosdo presidente e dos parlamentares. Sob o presidencialismo, nem opresidente tem o poder de dissolver o parlamento e convocar novaseleies, nem o parlamento pode destituir o presidente do seu cargo,exceto no caso extremo de impeachment* por crime deresponsabilidade.

    J sob o parlamentarismo, nem o governo, nem osparlamentares tm mandatos rigidamente definidos. Na verdade, ogoverno do primeiro-ministro no tem mandato temporalmentedefinido, durando o seu governo enquanto a maioria do parlamentolhe der sustentao. Os parlamentares, por sua vez, tm um mandatocom durao mxima estipulada, mas no rigidamente estabelecidacomo sob o presidencialismo, pois facultado ao governo dissolver

    *Impeachment Proces-

    so poltico-criminal ins-

    taurado por denncia no

    Congresso para apurar a

    responsabilidade, por

    grave delito ou m condu-

    ta no exerccio de suas

    funes, do presidente

    da Repblica, ministros

    do Supremo Tribunal ou

    de qualquer outro funci-

    onrio de alta categoria.

    Cabe ao Senado, se pro-

    cedente a acusao, apli-

    car ao infrator a pena de

    destituio do cargo.

    Fonte: Houaiss (2007).

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  • 19Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    o parlamento e convocar novas eleies quando o plenrio no forcapaz de formar uma maioria capaz de eleger um novo primeiro-ministro e dar sustentao ao seu governo. Essa separaoclaramente mais flexvel entre os poderes Executivo e Legislativosob o regime parlamentar no significa de forma alguma que asfunes executivas e legislativas do Estado encontram-se misturadase sob o mesmo comando. Uma vez escolhido o primeiro-ministropela maioria parlamentar, este monta o seu gabinete ministerial eexerce as funes executivas de forma completamente independentedo parlamento. Ao governo, caber governar e sua maioria noparlamento, lhe dar sustentao e aprovar as leis do seu interesse,exatamente como ocorre sob o presidencialismo. Portanto, a forade um governo no pode ser derivada da sua forma. Outros fatoresmerecem destaque.

    Em um regime democrtico em que os governantes soeleitos e tm seus atos constantemente submetidos ao escrutnio*da opinio pblica e dos formadores de opinio a fora de umgoverno depende, em grande parte, do apoio que suas propostaspolticas e proposies legislativas encontrarem no parlamento; dasintonia entre suas aes e as expectativas dos eleitores; e da relaomantida com os diferentes grupos organizados da sociedade meiosde comunicao, sindicatos e associaes, empresas e ONGs etc.

    Importante!Democrtico ou no, um regime se legitima pelasrespostas que d sociedade.

    Em todos os regimes, democrticos ou no, a fora dogoverno depender tambm da sua capacidade de identificarnecessidades e anseios sociais e transform-los em polticaspblicas que produzam resultados na sociedade, dando respostasefetivas aos problemas que pretende enfrentar. Para isso, o governodepende tambm de um aparato administrativo capaz detransformar as suas diretrizes em atos e da capacidade de alocar

    *Escrutnio Processo de

    votao que utiliza urna.

    Fonte: Houaiss (2007).

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  • 20Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    recursos sociais para realiz-los. Todo esse complexo conjunto deexigncias foi denominado de requisitos, ou elementos, dagovernabilidade.

    Mais recentemente, surgiu um novo termo governana* que procura dar conta de outros elementos envolvidos nacapacidade de interveno do Estado na sociedade e que pareciamno estar adequadamente recobertos pelo termo governabilidade.Ainda que no suficientemente definido e consolidado, o novo termope em destaque as interaes entre o Estado e os vrios agentesno governamentais para se atingir resultados de interesse pblico.O foco deixa de ser a capacidade interventora e indutora do Estadoe passa a se concentrar no seu papel de coordenador dos diversosesforos pblicos e privados para produzir benefcios coletivos.Independentemente de quo frgil ou promissor seja esse novoconceito, ele tem a virtude de voltar a ateno para as relaesdesejveis entre Estado e sociedade.

    Repensar as relaes entre Estado e sociedade foi a questocentral dos filsofos iluministas, qual a teoria econmica clssicaintroduziu um novo conceito que veio para ficar: o de mercado.A partir de ento, as relaes entre Estado e sociedade passaram aser pensadas e analisadas sempre mas no exclusivamente comouma relao entre Estado e mercado.

    O mercado pode ser definido como um sistema de trocas doqual participam agentes e instituies interessados em vender oucomprar um bem ou prestar ou receber um servio. Todos osmercados seja o imobilirio, de capitais, de trabalho, de gros,de energia etc. esto sempre sujeitos a alguma forma de regulao.Os mercados no existem na natureza, sendo resultado da interaohumana que requer sempre regras e princpios para funcionar. Maspor mais variados que sejam os mercados e os princpios e regrasque os regem, existem algumas regularidades comuns a todos.

    *Governana um ter-

    mo de origem recente

    que surgiu procurando

    explicar as complexas re-

    laes entre Estado e so-

    ciedade nas sociedades

    contemporneas. Fonte:

    Elaborado pelo autor.

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  • 21Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    De acordo com o f i lsofo eeconomista escocs Adam Smith, o mercado regido por determinadas leis que estodiretamente associadas ao carter egosta doser humano.

    Guiados pelos seus interesses egostas que no plano econmico se traduzem nodesejo de maximizar os ganhos individuaisao realizar uma troca , os indivduosentrariam em concorrncia uns com osoutros, e da competio generalizada resultaria o equilbrioeconmico e o bem coletivo, com a produo e oferta de bens eservios requeridos pela sociedade em quantidade e preosadequados. O mercado seria ento um mecanismo autorregulvel,que dispensaria a interveno estatal, pois a lei da oferta e dademanda seria suficiente para regular as quantidades e preos debens e servios em uma sociedade. Assim, ao Estado caberia apenasassegurar a concorrncia para o bom funcionamento do mercado,impedindo que os produtores movidos pela avidez se organizemem cartis, distorcendo os preos e beneficiando apenas a si mesmosem detrimento da coletividade.

    A existncia da concorrncia , portanto, condioindispensvel para o funcionamento do mercado.

    Mercado autorregulvel e concorrncia so a pedra de toquedo liberalismo econmico*. Da adequada relao entre Estadoe mercado dependeriam o crescimento econmico e o bem-estarsocial. No entanto, esse ponto de equilbrio entre liberdadeeconmica e interveno do Estado nunca foi encontrado, fazendocom que a histria das sociedades capitalistas sobretudo a partirdo sculo XX fosse marcada por um movimento pendular: oramais liberdade de mercado, ora mais interveno do Estado.

    Adam Smith (17231790)

    Economista escocs, com formao

    filosfica, lecionou em Glasgow e

    publicou duas obras importantes:

    A Teoria dos Sentimentos Morais e

    A Riqueza das Naes. Fonte:

    Acesso em: 29 jun. 2009.

    Saiba mais

    *Liberalismo econmico

    Doutrina que advoga o

    uso maior possvel das

    foras do mercado para

    determinar as decises

    dos agentes econmicos.

    Fonte: Lacombe (2004).

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0121

  • 22Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    A DINMICA PENDULAR DAS RELAESENTRE ESTADO E MERCADO

    Embora a histria seja um movimento constante detransformao mais lento em determinados momentos, maisacelerado em outros , as mudanas e os avanos produzidos aolongo do tempo fazem-se, aparentemente, em zigue-zague, mascertamente no em linha reta. No que se refere especificamente srelaes entre Estado e mercado nas sociedades capitalistas,observa-se um movimento pendular, em que figuram como as duasprincipais referncias ordenadoras da vida social:

    Estado, situado esquerda; e Mercado, direita quando a sociedade o prprio

    pndulo a oscilar entre os princpios opostos. Veja aFigura 1:

    Figura 1: Movimento pendular das sociedades capitalistasFonte: Elaborada pelo autor

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0122

  • 23Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    A partir de um determinado momento em que o pndulochega ao seu ponto mximo direita, e os mecanismos de mercadomostram-se insuficientes para estimular o investimento privado, odesenvolvimento econmico e o bem-estar social, a sociedadecomea a inclinar-se esquerda, buscando cada vez mais ainterveno do Estado como forma de corrigir as falhas de mercado,sanar as suas insuficincias e recriar as bases para a retomada dosinvestimentos, a expanso da economia e o aumento do bem-estar.

    No momento em que o pndulo chega ao seu ponto mximo esquerda e a interveno do Estado na regulao da vida social eeconmica no se mostra mais capaz de promover o crescimentoeconmico e o bem-estar dos indivduos passando a ser percebidocomo um empecilho ao investimento privado, que a condionecessria para a expanso econmica nas sociedades capitalistas, tem incio o movimento oposto da sociedade em direo direita,com a retrao do Estado em favor dos mecanismos de regulaode mercado.

    A imagem metafrica do pndulo social, oscilando entredireita e esquerda, pode bem ilustrar a alternncia entre osprincpios dominantes de organizao das relaes sociais, mas insuficiente para explicar como, em cada momento especfico, asrelaes entre o Estado e o mercado, de fato, estabelecem-se. Paraesse movimento, a figura mais adequada a da espiral, que agregauma outra dimenso nesse movimento.

    Alm de oscilar entre os princpios opostos direita e esquerda, as relaes entre Estado e mercado assumemconformaes distintas no espao ao longo tempo, de forma queno se possa, rigorosamente, falar de retorno a um ponto de partida,como seria o caso do pndulo de um relgio. Dito de outra forma,as relaes entre Estado e mercado nunca se repetem no tempo,renovando-se constantemente.

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0123

  • 24Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    A alternncia contnua entre os princpios opostosexplica-se pela impossibilidade de se encontrar oponto de equilbrio entre ambos e pelas virtudes evcios de cada um, alm das transformaes dopensamento sociopoltico de cada sociedade emdeterminada poca.

    A histria tem mostrado que os mecanismos de mercadoso bastante favorveis ao aumento da produo, dodesenvolvimento tecnolgico e da riqueza em uma sociedade. Noentanto, a experincia histrica mostra tambm que o notvelaumento da riqueza social ensejado pelo livre curso das leis domercado acaba concentrado-a nas mos de uns poucos.

    A lgica do mercado no s permite como estimula os indivduosa arriscarem os seus recursos privados em empreendimentoseconmicos diversos na procura de satisfao econmica. Por meioda competio, que a regra bsica do mercado, e da busca dolucro, que a sua mola propulsora, o mercado acaba selecionandoos melhores isto , aqueles que so economicamente maisfortes, mais produtivos, que fabricam produtos e prestam serviosde melhor qualidade e que oferecem preos mais baixos, eliminandoassim os mais fracos e menos produtivos e competitivos.

    Essa lgica levaria inexoravelmente concentrao crescenteda riqueza nas mos de um grupo cada vez menor, se no houvessequalquer interveno do Estado no funcionamento do mercado.E essa contnua concentrao da riqueza levaria situao demonoplio que, por sua vez, levaria ao fim da concorrncia e,consequentemente, do prprio mercado.

    Assim podemos afirmar que o mercado , portanto, ummecanismo bastante eficiente para acumular riquezas, mas requersempre algum grau de interveno do Estado para evitar a suaautodestruio. Como mecanismo que enseja o crescimentoconcentrado da riqueza, o mercado engendra e agudiza asdesigualdades sociais, requerendo tambm a interveno do Estado

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  • 25Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    para criar um mnimo de igualdade entre os indivduos, sem o quea vida em sociedade estaria comprometida.

    O Estado figura como o contraponto indispensvel aomercado nas sociedades capitalistas.

    A histria tambm tem mostrado que,se por um lado, o Estado apresenta grandecapacidade distributiva, por outro, tem semostrado bem menos eficiente que o mercadopara produzir e ofertar bens e servios, e que,a part ir de um determinado grau deinterveno no mercado, ele passa a inibir aatividade produtiva. Podemos dizer ainda queo mercado assemelha-se galinha dos ovosde ouro, da fbula de La Fontaine (16211695): se viva, produz constantementeriqueza, mas uma vez morta lega apenas umpequeno estoque de valor que ao serdistribudo rapidamente se consome.

    Jean de La Fontaine (162195)

    Nasceu na Frana. Seu pai

    queria que ele fosse ad-

    vogado, mas alguns

    mecenas (homens ricos e

    nobres que patrocinavam

    os artistas) se interessaram por ele. As-

    sim, pde se dedicar carreira l iterria.

    Suas fbulas escritas em versos elegantes

    deram-lhe enorme popularidade. Sirvo-me

    dos animais para instruir os homens, di-

    zia ele. Os animais simbolizavam os ho-

    mens, suas manias e seus defeitos. Ele

    reeditou muitas das fbulas clssicas de

    Esopo, o pai do gnero. As mais famosas

    so: A gansa dos ovos de ouro (e no a gali-

    nha) e A lebre e a tartaruga . Fonte:

    . Acesso

    em: 1 jul. 2009.

    Saiba mais

    ,

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0125

  • 26Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    DUAS MATRIZES TERICASPARA A INTERPRETAO DAS

    RELAES ENTRE ESTADO E MERCADO:A LIBERAL E A MARXISTA

    No mundo contemporneo, existem diferentes correntestericas que procuram explicar as relaes entre Estado e mercadonas sociedades capitalistas e orientar a ao coletiva. Contudo,para efeito de anlise, podemos identificar duas posies principaisque aglutinam essas diferentes vises: a liberal e a marxista.

    As correntes l iberal e marxista se formaramcombatendo as ideias e a ordem vigentes sua pocae propondo novas e mais justas formas de organizaoda sociedade.

    Com base no pensamento de filsofos ingleses e francesesdos sculos XVII e XVIII, o liberalismo iria se estruturar em oposioao poder absoluto exercido pelas monarquias hereditrias daEuropa, que invocavam o direito divino como fonte de sualegitimidade. O marxismo se estruturaria como crtica e alternativa sociedade burguesa e ordem liberal vigentes no sculo XIX,tomando por base o pensamento do filsofo alemo Karl Marx.

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0126

  • 27Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    Mas diferentemente do liberalismo, que ao longo do sculoXIX se imps completamente ao pensamento conservador, varrendo-o do cenrio poltico e reorganizando as sociedades europeiasconforme os seus princpios, o marxismo no conseguiu derrotar oliberalismo e a ordem burguesa durante o sculo XX, estabelecendo-se como forte concorrente, mas no substituto, do pensamento e daordem social aos quais se opunha. Nessa disputa, as duas correntestiveram de oferecer respostas a, no mnimo, duas questesfundamentais que envolvem a ordem poltica. So elas:

    Qual a natureza do domnio exercido pelo Estadosobre a sociedade e do uso da coero fsica sobre osindivduos?

    Como so as relaes entre maioria e minorias nasociedade e como essas se relacionam com o Estado?

    Caro estudante: essas duas questes devem orientar a sua

    leitura do texto a seguir.

    As respostas primeira pergunta constituram o ncleo durode cada matriz, permanecendo praticamente inalteradas ao longodo tempo. J as respostas oferecidas para a segunda pergunta iriamvariar consideravelmente, conforme as provas e contraprovas dahistria.

    Em mais de um sculo de coexistncia e competio, ospensamentos liberal e marxista tiveram de rever alguns de seuspressupostos para continuarem explicando um mundo em constantee acelerada transformao e assim poderem nele seguir disputandoa conduo da ao coletiva.

    Por essa razo, parece que a melhor forma de se compreendero significado e a contribuio de cada matriz para explicar adinmica do mundo em que vivemos e o comportamento polticodos diferentes agentes sociais seja o seu estudo comparado econtextualizado no tempo.

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0127

  • 28Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    Para tanto, comearemos analisando o surgimento do

    pensamento liberal como crtica aos fundamentos da ordem

    vigente nos sculos XVII e XVIII e como proposta alternativa

    de organizao da sociedade. Depois, estudaremos a formao

    da matriz marxista a partir da crtica formulada por Marx

    teoria da economia poltica e sociedade capitalista do sculo

    XIX, para a qual ele tambm formularia uma nova proposta

    de organizao social. Por fim, examinaremos como as

    mudanas polticas, econmicas e tecnolgicas ocorridas entre

    os sculos XIX e XX impactaram cada matriz, promovendo a

    reviso de determinados princpios e prognsticos, levando

    renovao do seu quadro conceitual.

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0128

  • 29Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    A FORMAO DA MATRIZ DOPENSAMENTO LIBERAL

    O pensamento liberal funda-senuma corrente f i losfica que foipredominante na Europa durante ossculos XVII e XVIII: o Jusnaturalismo.Contrariamente a toda tradio filosficaque lhe antecedeu e que viria a lhesuceder que tem o grupo como pontode partida , o Jusnaturalismo buscou noindivduo a origem do Direito e da ordempoltica legtima.

    Entre os vrios e diferentespensadores dessa corrente filosfica, quatrotiveram influncia decisiva na formao dopensamento liberal: Thomas Hobbes, JohnLocke, Charles Louis de Secondat, barode Montesquieu (16891755), e Jean-Jacques Rousseau (17121778).

    Tomados separadamente, opensamento de cada um desses autores bastante singular e, em muitos pontos,at oposto um ao do outro. Com exceode Locke, o pensamento dos outros trsno pode ser considerado propriamenteliberal. Mas tomados em conjunto, elesformam o alicerce sobre o qual se fundou o liberalismo, cuja

    Thomas Hobbes (15881679)

    Nasceu na Inglaterra. Descobriu os

    Elementos, de Euclides, e a geome-

    tria, que o ajudaram a clarear suas

    ideias sobre a Filosofia. Com a ideia

    de que a causa de tudo est na di-

    versidade do movimento, escreveu seu primeiro li-

    vro filosfico, Uma Curta Abordagem a Respeito dos Pri-

    meiros Princpios. Em 1651, publicou sua obra-prima,

    o Leviat. Fonte: . Acesso em: 2 jul 2009.

    John Locke (16321704)

    Nascido na Inglaterra, caracterizou

    a maior parte de sua obra pela opo-

    sio ao autoritarismo. Para ele, o

    que dava direito propriedade o

    trabalho que se dedica a ela. E,

    desde que isso no prejudique algum, fica as-

    segurado o direito ao fruto do trabalho. Foram

    esses um dos princpios bsicos do capitalismo

    liberal. Disponvel em: . Acesso em: 1 jul. 2009.

    Saiba mais

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0129

  • 30Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    influncia seria decisiva na dinmica poltica das sociedadesocidentais, do final do sculo XVIII at os dias de hoje.

    Apesar das muitas diferenas, h elementos fundamentaisem comum no pensamento dos quatro autores:

    a ideia de que a vida em sociedade no o ambientenatural do homem, mas um artifcio fundado em umcontrato;

    o contrato social que funda a sociedade civil foiprecedido por um estado de guerra (exceto para Locke)e um estado de natureza, no qual as relaes humanaseram regidas pelo Direito Natural*;

    que o Direito Natural constitui a nica base legtimado Direito Civil; e

    que somente por meio da razo seria possvel conheceros direitos naturais para, com base neles, estabeleceros fundamentos de uma ordem poltica legtima.

    A partir desses pressupostos e utilizando o mtodo racional,as obras de Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau trataramextensamente do Direito Pblico e dos fundamentos e natureza dopoder do Estado, estabelecendo, pela primeira vez na histria, umaclara separao entre Estado e sociedade civil, entre esfera pblicae esfera privada, que at hoje se constitui na referncia bsica doEstado de Direito.

    De acordo com o pensamento liberal, todos osindivduos so iguais por natureza e igualmenteportadores de direitos naturais aos quais eles nopodem, em hiptese alguma, abdicar: os direitos liberdade e propriedade.

    No estado de natureza, isto , naquele em que no houvesseum poder estatal constitudo regendo a relao entre os homens, os

    *Direito Natural Conjun-

    to de regras inatas natu-

    reza humana, s quais to-

    das as pessoas devem

    obedecer. Fonte: Lacombe

    (2004).

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0130

  • 31Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    indivduos gozariam da mais plena liberdade e usufruiriam de tudoaquilo que pudessem possuir. Naquelas condies, no haveria nembem, nem mal, nem a noo de justo ou injusto, pois nenhumaconveno havia ainda sido estabelecida entre os homens,determinando e diferenciando o certo do errado, assim comotampouco haveria qualquer lei alm das da prpria natureza aregular as suas relaes.

    Se a condio humana no estado de natureza era a de plena

    liberdade e independncia, o que, ento perguntaria voc ,

    teria levado a humanidade a abandon-la para viver em

    sociedade e sob o domnio do Estado?

    Apesar de conceberem a passagem do estado de naturezapara o estado civil de formas distintas, todos os quatro autoresderam uma nica resposta a essa pergunta: por segurana e paraproteo dos bens e da vida de cada um.

    Hobbes conceberia dramaticamente o estado de naturezacomo um estado de guerra de todos contra todos:

    [...] tudo aquilo que vlido para um tempo de guerra, emque todo homem inimigo de todo homem, o mesmo vlido para o tempo durante o qual os homens vivem semoutra segurana seno a que lhes poder ser oferecida porsua prpria fora e sua prpria inveno. Numa tal situa-o, no h lugar para a indstria, pois o seu fruto incer-to; consequentemente, no h cultivo da terra, nem nave-gao, nem uso das mercadorias que podem ser importa-das pelo mar; no h construes confortveis, nem ins-trumentos para mover e remover as coisas que precisamde grande fora; no h conhecimento da face da Terra,nem cmputo do tempo, nem artes, nem letras; no hsociedade; e o que pior de tudo, um constante temor eperigo de morte violenta. E a vida do homem solitria,pobre, srdida, embrutecida e curta. (HOBBES, 1979, p.76).

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0131

  • 32Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    Seria, portanto, essa condio miservelda humanidade no estado de natureza que a terialevado a celebrar um pacto, dando origem aoEstado. Ao transferirem o direito natural deutilizar a prpria fora para se defender esatisfazer os seus desejos para um ser artificiale coletivo o Leviat , os homens estariamtrocando a liberdade natural pela liberdade civile a independncia pela segurana, obrigando-se mutuamente a se submeter ao poder doEstado.

    Montesquieu e Rousseau discordariam deHobbes, pois consideravam o estado denatureza distinto do estado de guerra. ParaMontesquieu,

    [...] logo que os homens esto em sociedade, per-dem o sentimento de suas fraquezas; a igualdadeque existia [no estado de natureza] desaparece e oestado de guerra comea. (1979, p. 27).

    J para Rousseau,

    [...] a guerra no representa, de modo algum, umarelao de homem para homem, mas uma relaode Estado para Estado, na qual os particulares sacidentalmente se tornam inimigos, no o sendocomo homens, nem como cidados, mas como sol-dados. (ROUSSEAU, 1987, p. 28).

    O estado de guerra seria, portanto, um estgio degenerado eposterior ao estado de natureza, que, por ser nocivo sobrevivnciae felicidade humanas, teria levado os homens a celebrar um pactosocial a fim de restituir a paz.

    Locke, por sua vez, discordaria de todos os trs, pois sequerconsideraria a existncia de um estado de guerra na origem dopacto que criaria o estado civil:

    Leviat

    um monstro bbli-

    co que servir ia de

    inspirao para o

    ttulo da obra de

    Hobbes sobre a na-

    tureza e funes do

    Estado moderno. A

    diferena entre o

    monstro da bblia e

    o Leviat moderno que este seria cria-

    do e composto pela unio e fora de to-

    dos os homens que pactuaram em for-

    mar o Estado para lhes proteger. Na ilus-

    trao de capa da primeira edio da

    obra de Hobbes, publicada em 1651, o

    Leviat moderno representado pela

    figura de um rei gigantesco que protege

    a cidade, portando a coroa sobre a ca-

    bea e empunhando a espada na direi-

    ta, cujo corpo e armadura so formados

    por todos os homens que compem a

    sociedade e se encontram submetidos ao

    seu poder. Fonte: Elaborado pelo autor.

    Saiba mais

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0132

  • 33Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    A maneira nica em virtude da qual uma pessoa qualquerrenuncia liberdade natural e se reveste dos laos da soci-edade civil consiste em concordar com as outras pessoasem juntar-se e unir-se em comunidade para viverem comsegurana, conforto e paz umas com as outras, gozandogarantidamente das propriedades que tiverem e desfrutan-do da maior proteo contra quem quer que no faa partedela. Qualquer nmero de homens pode faz-lo, porque noprejudica a liberdade dos demais; ficam como estavam naliberdade do estado de natureza. (LOCKE, 1983, p. 71).

    Quaisquer que tenham sido as motivaes que levaram ahumanidade a deixar o estado de natureza para ingressar no estadocivil, a questo fundamental para todos que sob a ordem civil osdireitos naturais dos indivduos tm necessariamente de serpreservados. A renncia a qualquer desses direitos ainda quevoluntria seria sempre ilegtima, pois equivaleria abdicaoda prpria humanidade.

    Por se tratar de direitos humanos inalienveis, apreservao da liberdade e da propriedade dosindivduos seria considerada pelos liberais comoclusula ptrea de qualquer contrato social. Todaameaa ou tentativa de usurpao desses direitosseria sempre espria, pois contrria razo daexistncia do prprio Estado.

    Afinal, os homens teriam abdicado de utilizar a sua prpriafora fsica em favor do Estado justamente para que este garantissea sua liberdade e propriedade, e no contra elas atentasse. Assimsendo, a ao do Estado que se opuser a esses direitos bsicos sersempre ilegtima, e a um poder ilegtimo nenhum indivduo seencontra moralmente obrigado a se submeter.

    Essa gnese do Estado, descrita pelos liberais, no encontraqualquer comprovao histrica. A Arqueologia e a Antropologia

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  • 34Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    nunca apresentaram qualquer indcio de que o homem tenha, emalgum momento, vivido isolado, e no em grupos. Tampouco hprova da existncia de um estado de guerra generalizado anterior formao do Estado, nem de pacto fundador da unio poltica.

    No entanto, a ausncia de uma base factual para essa teoriano apresentaria qualquer constrangimento para os filsofosjusnaturalistas, pois o seu mtodo de trabalho inteiramenteracional e dedutivo, dispensando comprovaes empricas.

    Hobbes rejeita a objeo que poderiam lhe formular osadeptos do mtodo histrico da seguinte forma:

    Poder porventura pensar-se que nunca existiu um tal tem-po, nem uma condio de guerra como esta [de todos con-tra todos], e acredito que jamais tenha sido assim, no mundointeiro. [...] Seja como for, fcil conceber qual seria ognero de vida quando no havia poder comum a recear,atravs do gnero de vida em que os homens que anterior-mente viveram sob um governo pacfico costumam deixar-se cair, numa guerra civil (HOBBES, 1979, p. 76).

    Rousseau desdenharia da comprovao histrica com aspalavras as quais inicia o primeiro captulo do l ivroO Contrato Social:

    O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se aferros. O que se cr senhor dos demais, no deixa de sermais escravo do que eles. Como adveio tal mudana? Ig-noro-o. Que poder legitim-la? Creio poder resolver estaquesto. (ROUSSEAU, 1987, p. 22).

    Ao rejeitarem a histria como fonte do conhecimento danatureza e dos fundamentos de uma ordem poltica legtima eaterem-se estritamente razo, os pensadores liberais romperiamfrontalmente com a tradio como fonte de legitimao do poder,que ento se constitua na base de justificao da dominao dosreis e prncipes da Europa at o sculo XVIII.

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0134

  • 35Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    vPara conhecer maissobre a DeclaraoUniversal dos Direitos

    Humanos, acesse .

    Ao imaginar como seria, viveria e agiria o homem fora doconvvio social e cultural, a teoria jusnaturalista buscaria encontrara fonte original do poder poltico aplicvel a toda a humanidade,independentemente das circunstncias temporais e dos costumesdos diferentes povos.

    Essa pretenso que animaria inicialmente a elaboraoda Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado pelosrevolucionrios franceses de 1879, e que culminaria com a adoopela Assembleia Geral das Naes Unidas, em 1948, da DeclaraoUniversal dos Direitos Humanos.

    Ao universalismo intrnseco dos valores liberais estaria aindaassociado um radical humanismo, que romperia com o princpiodo fundamento divino da lei e do poder dos governantes, tambmvigentes at o sculo XVIII. A ideia de que a unio poltica surge deum pacto de submisso, por meio do qual cada indivduo abre modo uso legtimo da sua fora fsica, transferindo-o ao Estado,repousa sobre a noo, at ento desconhecida, de representaopopular como fundamento do exerccio do poder poltico.

    Essa inovao faria com que o poder exercido por todo equalquer governante mesmo o das monarquias hereditrias passasse a ser concebido como poder delegado pelos governados,e no mais por uno de Deus, como sustentavam os adeptos doDireito divino.

    Essa inverso do princpio da representao abriria ocaminho para o surgimento da democracia nos Estados liberais navirada do sculo XIX para o XX, entendida essa como o governodo povo, consagrando o princpio da soberania popular.

    Mas at que a democracia fosse admitida pelos liberaishaveria um longo percurso. Inicialmente, liberalismo e democraciaeram vistos como princpios inconciliveis. Como vimos, de acordocom o liberalismo todo indivduo portador de direitos irrevogveis,que devem ser respeitados por qualquer governo: seja o governo deum s, de poucos ou de muitos. J a democracia, desde a Antiguidade,repousa, pura e simplesmente, no princpio do governo da maioria,que desconhece qualquer limite alm da vontade desta.

    Estado Governo Mercado Grafica.pmd 27/07/2012, 16:0135

  • 36Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    Ora, se para o liberalismo o poder doEstado deve ser sempre limitado pelos direitosnaturais, ento existiria uma incompatibilidadefundamental entre os seus princpios e a prticademocrtica. Sobre esse ponto, o julgamento dofilsofo e economista liberal ingls John StuartMill seria peremptrio:

    A democracia no ser jamais a melhor forma de gover-no [...] a no ser que possa ser organizada de maneira ano permitir, que nenhuma classe, nem mesmo a maisnumerosa, possa reduzir todo o resto insignificnciapoltica (MILL, 1980, p. 87).

    O temor da tirania da maioria no eraexclusivo dos liberais, mas compartilhado pormuitos outros pensadores havia muitos sculos.Aristteles considerava a democracia atenienseuma forma degenerada de governo, pois nela amaioria governaria de acordo com o seu prpriointeresse, e no para o interesse de todos, comodeveria fazer o bom governo.

    Para evitar esse r isco, os l iberaisrecomendariam no s a restrio do direito departicipao poltica s classes educadas eproprietrias, como tambm a garantia de direitode expresso para as minorias na assembleia derepresentantes.

    A primeira recomendao iria cair porterra com o advento da democracia, comoexaminaremos mais adiante na Unidade 2; asegunda, no entanto, iria se tornar em uma dasclusulas ptreas das democracias liberais.

    John Stuart Mill (18061873)

    Nasceu em Londres, Ingla-

    terra. Teve a sua educao

    orientada e dirigida, desde

    cedo, dentro do utilitarismo

    e das obras de Jeremy Bentham, para

    quem o egosmo, a ao uti l itria e a

    busca do prazer so princpios capazes

    de fundamentar uma moral e orientar

    os comportamentos humanos na dire-

    o do bem. Fonte: . Acesso em: 2 jul. 2009.

    Aristteles (384322 a.C.)

    Nasceu na Macednia. Aos

    17 anos foi enviado para a

    Academia de Plato em

    Atenas, na qual permane-

    ceu por 20 anos, inicial-

    mente como discpulo, depois como pro-

    fessor, at a morte de seu mestre, se

    tornando um grande filsofo grego. Au-

    xi l iado por Alexandre, fundou o Liceu

    (334 a.C.) no ginsio do templo de Apolo.

    Aristteles fez de sua escola um centro

    de estudos, em que os mestres se dis-

    tribuam por especialidade, inclusive em

    cincias positivas. considerado o dis-

    cpulo mais i lustre de Plato. Fonte:

    < h t t p : / / w w w. p u c s p . b r / p o s / c e s i m a /

    s c h e n b e r g / a l u n o s / p a u l o s e r g i o /

    biografia.html>. Acesso em: 1 jul. 2009.

    Saiba mais

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  • 37Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    Mas antes que o pensamento liberal tivesse de rever algunsde seus pressupostos e previses para se adaptar s circunstnciascriadas pela democratizao das sociedades liberais entre o finaldo sculo XIX e incio do sculo XX, uma outra poderosa correntede pensamento iria surgir na Europa em oposio a ele, fazendouma contundente e profunda crtica sociedade e economiacapitalistas: o marxismo.

    Atividades de aprendizagem

    Para verificarmos seu entendimento at aqui, separamos uma

    questo para voc.

    1. Aponte trs aspectos fundamentais da matriz liberal.

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  • 38Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    A MATRIZ MARXISTA

    O marxismo iria se inserir na longa tradio organicista dafilosofia poltica, posta em suspenso apenas nos dois sculosanteriores de predomnio do jusnaturalismo no pensamentoeuropeu.

    A dinmica das sociedades voltaria a ser compreendida eanalisada a partir das relaes estabelecidas entre os seus grupossociais concretos, e no mais a partir de indivduos abstratos.A histria relegada pelos jusnaturalistas a um plano secundrio passa a ser o objeto central da reflexo dos filsofos e economistasalemes do sculo XIX, entre os quais se encontraria Marx.Inspirado pela dialtica hegeliana, Marx iria fazer tanto a crtica doidealismo no pensamento de Hegel (17701831) quanto daeconomia poltica inglesa, dialogando, a um s tempo, com ambasas correntes de pensamento, at ento apartadas uma da outra.

    A histria no seria uma mera sucesso temporal defatos e de diferentes formas de organizao social daproduo, dominao e representao do mundo, masteria um motor a luta de classes que a conduziriaa uma determinada finalidade.

    De acordo com essa concepo, o movimento da histriano seria aleatrio ou indeterminado, nem tampouco contnuo, masse desenvolveria por meio de contradies, isto , dialeticamente.Na teoria de Marx, o movimento dialtico da histria no se dariano nvel das ideias, como para Hegel, mas no plano concreto das

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  • 39Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    relaes de produo da riqueza social. por isso que o mtodopor meio do qual Marx iria interpretar e explicar o movimento dahistria seria chamado por ele de materialismo dialtico. Vejaa Figura 2.

    Figura 2: Operrios em greveFonte: . Acesso em: 2 jul. 2009.

    As classes sociais so um conceito-chave do pensamentomarxista e seriam identificadas e definidas por sua insero noprocesso produtivo, resultante da diviso social do trabalho. Emcada perodo da histria, as classes fundamentais de uma sociedadeseriam aquelas diretamente ligadas ao modo de produodominante.

    O conceito de modo de produo central na periodizaomarxista da histria da humanidade iria resultar da combinaode dois fatores:

    as foras produtivas, isto , o trabalho humano, osmeios de produo tais como a terra, as mquinas eequipamentos e as tecnologias empregadas naproduo; e

    as relaes de produo, que se estabelecem entre asdiferentes classes sociais e que envolvem: a

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  • 40Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    propriedade sobre os fatores de produo e sobre oproduto do trabalho; e o mando e controle sobre oprocesso de produo.

    Embora o interesse principal de Marx fosse dissecar ecompreender a lgica e o funcionamento do modo de produocapitalista, que emergiu nas sociedades europeias, sua pretensode elaborar uma teoria geral da histria da humanidade o levoutambm a examinar os modos de produo anteriores ou estranhos civilizao ocidental.

    Antes que surgissem as primeiras civilizaes, o modo deproduo predominante teria sido o do Comunismo primitivo.Sob este, a humanidade viveria organizada em tribos, no haveriaEstado, diviso social do trabalho, classes sociais nem propriedade.A produo e o consumo seriam coletivos, no havendo excedentede riqueza. No comunismo primitivo, os homens viveriam na maisabsoluta igualdade, mas tambm na escassez e na misria.A produo de um excedente econmico s seria possvel a partirda inveno da agricultura e da diviso social do trabalho, quetraria consigo a diviso do grupo social em diferentes classes, asquais, por sua vez, iriam se apropriar de forma distinta da riquezaproduzida, ensejando assim o surgimento de uma classe dominantesobre uma ou mais classes dominadas. Seria a partir dessemomento que surgiria o Estado com a funo de garantir adominao de classe.

    Na teoria marxista, a garantia da preponderncia daclasse dominante sobre a classe dominada seria aprincipal razo do surgimento e manuteno do Estado.

    Ao sair do comunismo primitivo, caracterstico da Pr-Histria, comeariam as lutas de classe. Seria precisamente por issoque Marx definiria a histria da humanidade como a histria daslutas de classe. A histria teria conhecido quatro modos de produodominantes: o asitico, o antigo, o feudal e o capitalista.

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  • 41Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    Sob a denominao de modo de produo asitico, Marxenglobaria todos os modos de produo estranhos civilizaoocidental, sendo, por isso, o conceitualmente mais frgil econtroverso. Esse modo de produo teria predominado entre ascivilizaes surgidas nos vales do Nilo, no Egito, do Tigre e Eufrates,na Mesopotmia, e do Rio Amarelo, na China (por isso chamadode asitico). Essas civilizaes desconheciam as relaes deescravido e servido, caractersticas do Ocidente pr-capitalista,e fundavam-se na explorao de tribos e comunidades rurais poruma classe dominante que normalmente exercia funes religiosase comandava a construo das grandes obras, como as pirmidesdo Egito; os grandes templos da Mesopotmia, Prsia e ndia; e aMuralha da China.

    No Ocidente mais precisamente em torno do Mar Egeu ena bacia do Mediterrneo teria se desenvolvido o modo deproduo antigo, predominante durante a Antiguidade Clssica.Esse seria fundado na escravido e caracterizado por uma divisode classes em que a classe dominante seria proprietria de todosos fatores de produo, inclusive dos homens, mulheres e crianas seus escravos destitudos de toda propriedade e de qualquerdireito. Nas sociedades organizadas sob esse modo de produo,as classes sociais fundamentais seriam a dos proprietrios dos meiosde produo a dos patrcios, na Roma republicana e imperial ea dos escravos. A contradio fundamental dessas sociedadesresidiu na relao entre senhores e escravos, sendo as frequentesrevoltas dos cativos como a comandada por Esprtaco (109 a.C.71 a.C.) e celebrizada na literatura e no cinema um exemplo daluta de classes na Antiguidade.

    Sucedendo o modo de produo antigo viria o modo deproduo feudal, predominante durante a Idade Mdia na Europa,em que as classes fundamentais seriam, de um lado, a da nobrezasenhora de terra e, de outro, a dos servos da gleba. A dominaodos primeiros sobre os segundos dar-se-ia por meio de um complexosistema de obrigaes e direitos mtuos e desiguais, fundados nouso da terra que era um bem comum, da qual os servos eram

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  • 42Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    uma emanao e sobre a qual os senhores exerciam o seu poder e na apropriao da produo agrcola.

    Por fim, viria o modo de produo capitalista, predominantenas sociedades industriais, em que as classes fundamentais seriama burguesia proprietria de todos os meios de produo e oproletariado dono apenas da sua fora de trabalho.Diferentemente dos modos de produo anteriores, em que a classedominante dispunha de meios legais para coagir a classe dominadaa trabalhar em seu benefcio, sob o modo de produo capitalistaos trabalhadores seriam formalmente livres e venderiamvoluntariamente sua fora de trabalho para os industriais burguesesem troca de um salrio livremente contratado entre as partes nomercado. Marx iria mostrar em sua obra que a igualdade formalentre burgueses e proletrios perante o Estado e no mercado estariaa mascarar, de fato, a dominao e a explorao dos primeirossobre os segundos. Destitudos de todas as posses, aos proletrioss restaria vender a sua fora de trabalho burguesia parasobreviver, no havendo, portanto, verdadeiramente liberdade eescolha para aqueles que nada possuam.

    Portanto, sob a ordem liberal dominante na sociedadecapitalista aparentemente livre e igualitria e pretensamentefundada nas leis da natureza existiria de fato uma ordem burguesa,ou seja, que atenderia, antes de tudo, aos interesses econmicosda burguesia, assegurando o seu lugar de classe dominante nasociedade.

    A essa aparente naturalidade das relaes sociais estabelecidas

    no mercado Marx chamaria de fetichismo da mercadoria.

    Por que fetichismo, voc sabe?

    Ao transformar todos os fatores de produo em mercadoria a terra, o capital (dinheiro, fbricas, mquinas e equipamentos)e a fora de trabalho a serem livremente trocadas no mercado, ocapitalismo transformaria as relaes sociais subjacentes a essas

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  • 43Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    trocas isto , as relaes de produo, que so relaesessencialmente humanas em relaes entre coisas (mercadorias),em fetiche*.

    A essa viso de mundo, dominante nas sociedades liberaisdo sculo XIX e dominada pelo fetichismo da mercadoria, Marxchamaria de ideologia.

    Segundo Marx, a ideologia dominante em uma determinadasociedade seria tambm a ideologia da sua classe dominante.Portanto, nada mais natural que nas sociedades capitalistas aideologia dominante fosse a burguesa, isto , aquela quecorrespondia viso que os burgueses tinham da sociedade comoum todo a partir do ponto de vista que tinham devido sua inseroeconmica na sociedade e seu interesse de classe. Para Marx,haveria ento uma relao direta entre a representao que oshomens tm da realidade e a sua insero econmica nessarealidade. A primeira seria chamada de superestrutura e a segundade infraestrutura ou, simplesmente, estrutura.

    De acordo com a perspectiva de Marx, a estrutura seriadeterminante sobre a superestrutura, isto , a inseroconcreta dos homens no processo econmico quedeterminaria a sua forma de ver e de conceber omundo.

    Essa determinao da superestrutura pela estrutura derivarialogicamente do materialismo dialtico, mtodo de investigao einterpretao da realidade criado e utilizado por Marx em seutrabalho. Ao examinar as relaes materiais estabelecidas entre oshomens na sociedade capitalista, isto , as relaes estabelecidasentre eles no processo de produo industrial, Marx iria formular asua teoria do valor e identificar uma srie de leis que regeriam ocapitalismo.

    A teoria do valor de Marx complexa, extensa e demonstradapor meio de frmulas, assim como tambm o so as leis do

    *Fetiche de fetichismo,

    no mercado, as mercado-

    rias pareceriam ter uma

    dinmica e uma lgica

    prprias, independente

    da vontade e da ao das

    pessoas, cujo valor de

    troca seria definido pela

    lei impessoal da oferta e

    da demanda. Fonte: Ela-

    borado pelo autor.

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  • 44Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    capitalismo por ele identificadas. O seu adequado estudo ecompreenso extrapolam em muito os objetivos desta disciplina.

    No entanto, compreender em linhas gerais a concepo deMarx sobre o funcionamento do capitalismo fundamental paraentender como e por que ele chegaria concluso de que o sistemacapitalista baseado na explorao do proletariado pela burguesiae de que a revoluo proletria e as passagens, primeiramente docapitalismo para o socialismo e finalmente deste para o comunismo,no apenas seriam desejveis como necessrias para o progressoda humanidade.

    Em A riqueza das naes, publicado em 1776, Adam Smithj havia identificado o trabalho humano como fonte geradora dariqueza de uma sociedade, que independeria dos recursos naturaisdisponveis no seu territrio. Marx, em sua investigao, iria darum passo alm: identificaria na fora de trabalho a origem de todacriao de valor. Para Marx, o capital no seria outra coisa senotrabalho morto, isto , a parte do valor produzida pela fora detrabalho, ou seja, pelos trabalhadores, que no lhes foi paga sob aforma de salrios, mas acumulada pelo capitalista e reinvestida naproduo.

    Essa parte do valor criado pelo trabalho humano e noapropriada pelos trabalhadores Marx chamaria de mais-valia*.A lgica dos capitalistas seria sempre extrair mais mais-valia dosseus trabalhadores, acumulando capital para reinvestir na produoe aumentando assim constantemente a sua riqueza. Essa lgica deacumulao incessante de capital independeria da vontade doscapitalistas individualmente, mas seria inerente sua condio declasse e sua sobrevivncia no mercado. A concorrncia entrecapitalistas levaria estes a procurar aumentar constantemente aprodutividade de suas empresas, investindo cada vez mais emmquinas, equipamentos e tecnologia e, proporcionalmente, cadavez menos em trabalho humano.

    Essa lgica implacvel do capital teria diversasconsequncias, entre as quais cabe destacar duas:

    *Mais-valia conceito

    fundamental da teoria

    marxista. Criado por Karl

    Marx para caracterizar a

    explorao do proletari-

    ado pelos capitalistas.

    Na sua concepo origi-

    nal, era definido como a

    diferena entre o valor

    dos produtos que os tra-

    balhadores produzem e o

    valor pago fora de tra-

    balho vendida aos capita-

    listas. Fonte: Lacombe

    (2004).

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  • 45Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    a tendncia concentrao do capital, por meio daqual os capitalistas cujas empresas fossem maisprodutivas acabariam eliminando do mercado oscapitalistas e empresas menos produtivas o que nolongo prazo levaria a uma situao de oligoplio e,f inalmente, de monoplio, exterminando aconcorrncia; e

    a reduo proporcional do nmero de trabalhadores eo aumento crescente de desempregados, chamadospor Marx de exrcito industr ial de reserva.A combinao dessas duas tendncias, levadas sltimas consequncias, resultaria no fim do prpriocapitalismo, j que o meio para a sua sobrevivncia o mercado que desapareceria sob uma situao demonoplio e a condio para a constanteacumulao e valorizao do capital seria a mais-valiaextrada da fora de trabalho, cujo contingente seriacada vez mais reduzido.

    Frente a essas contradies inerentes ao capitalismo einsuperveis sob esse modo de produo, a humanidade iria se ver conforme a projeo de Marx frente a duas alternativas:socialismo ou barbrie. A barbrie resultaria naturalmente dacrescente acumulao da riqueza nas mos de uns poucos eextenso crescente da misria, pois o desenvolvimento docapitalismo tenderia a dissolver as demais classes sociais existentesna sociedade em apenas duas: a dos proprietrios capitalistas e ados proletrios. O socialismo, no entanto, no resultaria assimnaturalmente, mas da ao deliberada do proletariado organizadoem partido como fora poltica para tomar o poder e implantaruma ordem social conforme os seus interesses de classe, que seriamtambm o interesse da maioria.

    A mudana da ordem social por meio de uma revoluo declasse no seria uma novidade na histria, j que teria ocorridoanteriormente quando a burguesia emergente derrubou a monarquiafrancesa, pondo fim ao Antigo Regime e instituindo a ordem liberal

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  • 46Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    e burguesa, primeiro na Frana e depois em toda a Europa.A revoluo burguesa, no entanto, no se fez sem um novo projetode mundo e de organizao social, que foi construdo pelospensadores liberais como alternativa velha ordem e s velhasideias dominantes. Esse mesmo percurso deveria ser ento seguidopelo proletariado industrial.

    Tal como a burguesia construiu uma viso de mundo,conforme os seus interesses de classe, a qual foi posteriormenteassimilada pelas demais classes da sociedade, tornando-se ideologiadominante, o proletariado deveria fazer o mesmo. Mas para isso,ele deveria, antes, desenvolver a conscincia dos seus prpriosinteresses de classe para que pudesse transform-los em interessescolet ivos. A tomada de conscincia seria um processoeminentemente poltico, no derivado automaticamente da inseroeconmica de uma classe social no processo produtivo. Para explicaressa diferena, Marx subdividiria o conceito de classe social emclasse em si e classe para si.

    Uma classe em si seria constituda por aquele grupo dehomens e de mulheres que se encontravam sob condieseconmicas idnticas, mas que no havia desenvolvido aconscincia dos seus prprios interesses. Esta seria a condio dooperariado industrial e tambm dos camponeses, servos da gleba,durante a Idade Mdia, e dos escravos, na Antiguidade. A diferenaseria a de que, nem servos nem escravos dispunham no seu tempodas condies de desenvolver a conscincia dos seus prpriosinteresses, que lhes permitissem passar da condio de classe emsi para a de classe para si.

    Antes do advento da sociedade industrial, os indivduospertencentes s classes exploradas encontravam-se espalhados peloterritrio sem contato uns com os outros, o que no lhes teriapermitido desenvolver uma conscincia de classe e formular umprojeto de organizao de toda a sociedade, conforme os seusprprios interesses.

    Segundo Marx, essas condies j existiriam para osproletrios industriais no sculo XIX, na medida em que odesenvolvimento da grande indstria os havia concentrado num

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  • 47Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    mesmo local, sob condies idnticas de vida e de trabalho. O papeldo part ido comunista seria precisamente o de organizarpoliticamente a classe operria, desenvolver a sua conscincia declasse e conduzi-la na tomada do poder.

    Para Marx, a tomada do poder do Estado pelo proletariadoporia fim propriedade privada dos meios de produo e ordeme dominao burguesas, instituindo a ditadura do proletariado. Aoutilizar o termo ditadura, Marx no estaria propugnando umaforma de governo mais dura ou autoritria que a dos governosl iberais e monarquias parlamentares do seu tempo, massimplesmente indicando que aquele seria um governo de classe, eno um governo de todos.

    Para Marx todo governo em uma sociedade de classesseria sempre uma ditadura da classe dominante.Portanto, da mesma forma que sob a ordem capitalistase vivia sob a ditadura da burguesia qualquer quefosse a forma assumida pelo Estado burgus , sob osocialismo iria se viver sob a ditadura do proletariado.A diferena que, sob o capitalismo, a sociedadeviveria sob a ditadura da minoria a da burguesia ,enquanto que sob o socialismo iria se viver sob aditadura da maioria o proletariado.

    O Socialismo, no entanto, seria apenas uma fase transitriado capitalismo ao comunismo, durante a qual o proletariadoutilizaria toda a fora do Estado para acabar com a sociedade declasses. A misso histrica e libertadora do proletariado seriaprecisamente essa: acabar com as classes sociais, restabelecendoa igualdade inicial entre os homens. No entanto, diferena docomunismo primitivo, em que todos seriam iguais na pobreza, soba sociedade comunista ps-capitalista os homens iriam ser iguaisna abundncia, podendo finalmente desenvolver plenamente o seupotencial humano. Quando as classes tivessem sido finalmenteabolidas, o prprio Estado deixaria de existir, pois teria perdido

    vManifesto do PartidoComunista de Marx.Disponvel em: .

    Acesso em: 2 jul. 2009.

    Para conhecer mais

    sobre a teoria da

    revoluo de Marx, leia

    O Manifesto do Partido

    Comunista.

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  • 48Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    completamente a sua funo, que seria a de garantir a dominaode uma classe sobre as demais.

    Segundo Marx, a sua teoria da revoluo e da tomada dopoder pelo proletariado nada teria de utpica, mas estariacientificamente embasada. Por isso, Marx iria chamar o socialismopor ele propugnado de socialismo cientfico, diferenciando-odas demais formas de socialismo propostas por outros filsofos doseu tempo, que, por no estarem fundamentadas na avaliao dahistria conduzida pelo mtodo do materialismo dialtico, seriamutpicas. Por ser cientfico, o socialismo de Marx no poderia serinstitudo em qualquer sociedade nem sob quaisquer circunstncias,mas dependeria de determinadas condies objetivas. Essascondies seriam precisamente as do capitalismo industrialplenamente desenvolvido.

    Para Marx, o capitalismo teria desempenhado um papelprogressista na histria da humanidade ao libertar o homem dascondies de dominao existentes nas sociedades tradicionais esoltar as amarras que at ento impediam o pleno desenvolvimentodas foras produtivas nas sociedades humanas. Somente sob ocapitalismo que teriam sido criadas as condies para o aumentocrescente da riqueza social e consequente superao do quadro deescassez a que a humanidade, at ento, vivia submetida.

    Portanto, a perspectiva de Marx no pode jamais ser tomadapor anticapitalista, como a de alguns socialistas utpicos, mas simpor ps-capitalista. A partir do momento em que a burguesia tivessecumprido o seu papel histrico de promover o desenvolvimento docapitalismo, subvertendo completamente a ordem das sociedadestradicionais, e que o capitalismo no estivesse mais trazendoqualquer progresso humanidade, esse deixaria de serrevolucionrio para tornar-se reacionrio. Essa parecia ser asituao das sociedades capitalistas industrialmente desenvolvidasda Europa, como a Inglaterra e a Blgica.

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  • 49Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    Para Marx, o pleno desenvolvimento do capitalismoera uma condio necessria para a implantao dosocialismo.

    Caberia ento ao proletariado tomar o poder e conduzir ognero humano sua libertao, cumprindo a sua misso histrica.Foi com essa convico que Marx participou da fundao, em 1864,da Associao Internacional dos Trabalhadores, em Londres, queposteriormente seria mais conhecida por I Internacional. No entanto,o desenrolar dos acontecimentos polticos e econmicos na Europae nas sociedades capitalistas, em geral, iria tomar uma direodiferente da imaginada por Marx.

    Atividade de aprendizagem

    Avanamos mais um tpico em nosso estudo. Se vocrealmente entendeu o contedo, no ter dificuldades deresponder questo a seguir. Se, eventualmente, aoresponder, sentir dificuldades, volte, releia o material eprocure discutir com seu tutor.

    2. Cite trs caractersticas distintivas de cada corrente de pensamento

    at aqui analisada.

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  • 50Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    AS MUDANAS NAS SOCIEDADESCAPITALISTAS NO FINAL DO SCULO XIX

    E SEUS IMPACTOS SOBRE ASMATRIZES MARXISTA E LIBERAL

    No fim do sculo XIX, a sociedade e a economia capitalistaspassariam por profundas transformaes que iriam obrigar tantoos pensadores marxistas quanto os liberais a reverem alguns deseus prognsticos e paradigmas.

    No plano poltico, a mudana mais impor tante foi ademocratizao das sociedades liberais, com a adoo do sufrgiouniversal masculino. Contrariamente expectativa de todos, osquais acreditavam que o governo da maioria e a economia demercado fossem incompatveis, a experincia do sculo XX iriamostrar que democracia e capitalismo poderiam muito bemconviver numa mesma sociedade. Essa contraprova da histria iriadesafiar ambas as correntes a explicar os mecanismos que tornariampossvel a coexistncia de um sistema econmico com um sistemapoltico, baseados em princpios aparentemente contraditrios.

    No plano econmico, a virada do sculo traria importantestransformaes tecnolgicas e organizacionais, cujos impactossobre o conjunto das sociedades seriam enormes, causando diversasmudanas que foram sentidas ao longo das dcadas e levando reestruturao e reorganizao da produo. A Segunda RevoluoIndustrial produziria profundas mudanas na composio da fora detrabalho e seria acompanhada pelo desenvolvimento das sociedades

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  • 51Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    por aes que modificariam o padro de organizao e gestoempresarial, assim como a inter-relao das empresas no mercado.

    Essas transformaes no foram presenciadas por Marx, quemorreu em 1883, mas o surgimento das empresas de capital aberto por ele assistido seria erroneamente interpretado como indicadorde uma fase de transio do capitalismo para o socialismo, e nocomo de mudana do padro de funcionamento do prpriocapitalismo. Aos olhos de Marx [escreveria Raymond Aron (2005,p. 630), um dos maiores conhecedores da sua obra] as grandessociedades por aes [que comeavam a surgir j no seu tempo]representavam uma primeira forma de negao do capitalismo euma forma transitria entre o capitalismo e o socialismo.

    Por isso, toda a teoria de Marx encontra-se baseada no estudoda dinmica das sociedades capitalistas do sculo XIX, e seusprognsticos calcados na projeo das tendncias nelas entoobservadas.

    Em meados do sculo XIX, os Estados liberais europeus eramdirigidos por governos constitudos com base na representaopopular e escolhidos por meio do voto censitrio. Tanto nasmonarquias constitucionais, como as dos Pases Baixos e do ReinoUnido, quanto nas repblicas, como as da Sua e da Frana aps1870, o direito de voto era sempre restrito s classes proprietriase educadas. Por essa razo, Marx afirmaria sem hesitar que, qualquerque fosse a forma assumida pelo Estado, todo governo seria sempreuma ditadura da classe dominante. Ainda que a burguesia governassea si prpria democraticamente, pois todos os seus membros tinhamdireito a voto, seu governo sobre a massa trabalhadora excluda doprocesso eleitoral seria sempre uma ditadura.

    Figura 3: Locomotiva utilizada no sculo XVIIIFonte: .

    Acesso em: 2 jul. 2009.

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  • 52Especializao em Gesto Pblica

    Estado, Governo e Mercado

    Quanto ao padro tecnolgico vigente no tempo de Marx,conforme Figura 3, esse era ainda o mesmo da primeira RevoluoIndustrial, iniciada nas ltimas dcadas do sculo XVIII e baseadona mquina a vapor como motor propulsor dos engenhos fabris,navios e locomotivas, no carvo como combustvel e nas ferroviascomo principal meio de transporte terrestre. Essa tecnologiaempregava intensivamente mo de obra, o que implicava noaumento constante do contingente de trabalhadores industriais embora Marx j houvesse observado a tendncia de substituiodo trabalho humano pelo das mquinas. Em relao dinmicado mercado e gesto dos negcios, as empresas interagiam emum mercado l ivre, desregulado e competit ivo, erammajoritariamente de propriedade individual ou familiar, e dirigidasdiretamente pelos seus prprios donos.

    Seria a partir da observao dessa realidade e das tendnciasnela identificadas que Marx iria formular os seus prognsticos sobreo futuro do capitalismo. O uso intensivo de mo de obra sobre oqual se baseava a acumulao e expanso capitalista levou-o aimaginar que as demais classes sociais existentes como a pequenaburguesia e o campesinato tenderiam a desaparecer com aabsoro dos seus membros pelas classes fundamentais: a burguesia cada vez menor e mais rica; e o proletariado cada vez maisnumeroso e tendendo a se tornar majoritrio na sociedade. Nessecenrio, a polarizao e a luta de classes lhe pareceriam inevitveis.Dado o controle familiar dos meios de produo e a crescentedesigualdade de riqueza entre as classes, os membros da burguesiaseriam facilmente identificveis, no s pelo seu nome e sobrenome,mas tambm pelo seu estilo de vida, cada vez mais opulento econtrastante com o dos trabalhadores.

    Essa situao iria mudar substantivamente aps a morte deMarx. Com o surgimento da democracia, iria se abrir aos operriosindustriais a oportunidade de participar do processo poltico,elegendo seus representantes, influenciando a ao do Estado dedentro do parlamento e, eventualmente, chegando ao poder pelavia eleitoral. Assim, a escolha crucial [que se ps para asorganizaes dos trabalhadores] foi entre participar ou no [do

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  • 53Mdulo Bsico

    Unidade 1 Perspectiva Terica para a Anlise das Relaes entre Estado, Governo e Mercado

    processo eleitoral e do jogo parlamentar](PRZEWORSKI, 1985, p. 19). No sendo umaescolha nada fcil, ela iria provocar a primeiragrande ciso no seio do movimento operrio esocialista internacional. Uma parte iria aceitar asnovas regras do jogo e participar das eleies,trocando a revoluo por concesses de benefciossociais aos trabalhadores, essa mesma partetambm aceitaria a luta pela cooperao entreclasses e admitiria a propriedade privada e aeconomia de mercado. A outra rejeitaria aproposta de adeso democracia burguesa,mantendo-se f iel ao iderio da revoluosocialista e tomada do Estado sem concesses burguesia. Os primeiros iriam herdar ou fundaros partidos sociais-democratas e socialistas doOcidente, e dominar a II Internacional, fundadaem 1889 pelos marxistas aps a ciso da IInternacional; os segundos iriam organizar-se nospartidos comunistas mundo afora e promover arealizao da III Internacional, em 1919, e, comoLnin, chamar os sociais-democratas de sociais-traidores. Lnin (s/d, p. 175) assim se referiria s lideranasoperrias que haviam renunciado revoluo socialista:

    Esa capa de obreros aburguesados o de aristocraciaobrera, enteramente pequeo burgueses por su gnero devida, por sus emolumentos y por toda su concepcin delmundo, es el principal apoyo de la II Internacional, y, hoyda, el principal apoyo social (no militar) de la burguesa.Porque son verdaderos agentes de la burguesa en el senodel movimento obrero, lugartenientes obreros de la clasede los capitalistas, verdaderos vehculos del reformismo ydel chovinismo.

    As mudanas ocorridas no processo de produo e deorganizao das empresas iriam igualmente transformar o cenrio

    Lnin (18701924)

    Vladimir I l l itch Ulianov

    nasceu na Rssia, onde

    iniciou sua atividade re-

    volucionria na dcada

    de 1890, quando formou

    um grupo marxista em So Petersburgo.

    Tinha como objetivo para si provar que

    ao contrrio das teses de Marx uma

    revoluo comunista era possvel tam-

    bm num pas como a Rssia, onde o

    capitalismo