Caderno setorial de recursos hídricos-geração de energia hidrelétrica

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GERAO DE ENERGIA HIDRELTRICA

CADERNO SETORIAL DE RECURSOS HDRICOS

MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE

SECRETARIA DE RECURSOS HDRICOS

CADERNO SETORIAL DE RECURSOS HDRICOS: GERAO DE ENERGIA HIDRELTRICA

BRASLIA DF

CADERNO SETORIAL DE RECURSOS HDRICOS: GERAO DE ENERGIA HIDRELTRICA

NOVEMBRO | 2006

Ficha tcnica

Projeto Grco / Programao Visual Projects Brasil Multimdia Capa Arte: Projects Brasil Multimdia Imagens: Banco de imagens (SRH/MMA) Reviso Projects Brasil Multimdia Edio Projects Brasil Multimdia Myrian Luiz Alves (SRH/MMA) Priscila Maria Wanderley Pereira (SRH/MMA) Impresso Dupligrca

C122

Catalogao na Fonte Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis Caderno setorial de recursos hdricos: gerao de energia hidreltrica / Ministrio do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hdricos. Braslia: MMA, 2006. 112 p. : il. color. ; 27cm Bibliograa ISBN 1. Brasil - Recursos hdricos. 2. Energia eltrica. 3. Energia hidreltrica. I. Ministrio do Meio Ambiente. II. Secretaria de Recursos Hdricos. III. Ttulo. CDU(2.ed.)556.18

ISBN 85-7738-055-6

Repblica Federativa do Brasil Presidente: Luiz Incio Lula da Silva Vice-Presidente: Jos Alencar Gomes da Silva Ministrio do Meio Ambiente Ministra: Marina Silva Secretrio-Executivo: Cludio Roberto Bertoldo Langone Secretaria de Recursos Hdricos Secretrio: Joo Bosco Senra Chefe de Gabinete: Moacir Moreira da Assuno Diretoria de Programa de Estruturao Diretor: Mrley Caetano de Mendona Diretoria de Programa de Implementao Diretor: Jlio Thadeu Silva Kettelhut Gerncia de Apoio Formulao da Poltica Gerente: Luiz Augusto Bronzatto Gerncia de Apoio Estruturao do Sistema Gerente: Rogrio Soares Bigio Gerncia de Planejamento e Coordenao Gerente: Gilberto Duarte Xavier Gerncia de Apoio ao Conselho Nacional de Recursos Hdricos Gerente: Franklin de Paula Jnior Gerncia de Gesto de Projetos de gua Gerente: Renato Saraiva Ferreira Coordenao Tcnica de Combate Deserticao Coordenador: Jos Roberto de Lima

Coordenao da Elaborao do Plano Nacional de Recursos Hdricos (SRH/MMA) Diretor de Programa de Estruturao Mrley Caetano de Mendona Gerente de Apoio Formulao da Poltica Luiz Augusto Bronzatto Equipe Tcnica Adelmo de O.T. Marinho Andr do Vale Abreu Andr Pol Adriana Lustosa da Costa Daniella Azevdo de A. Costa Danielle Bastos S. de Alencar Ramos Flvio Soares do Nascimento Gustavo Henrique de Araujo Eccard Gustavo Meyer Hugo do Vale Christodis Jaciara Aparecida Rezende Marco Alexandro Silva Andr Marco Jos Melo Neves Percy Baptista Soares Neto Roberto Moreira Coimbra Rodrigo Laborne Mattioli Roseli dos Santos Souza Simone Vendruscolo Valdemir de Macedo Vieira Viviani Pineli Alves Equipe de Apoio Lucimar Cantanhede Verano Marcus Vincios Teixeira Mendona Rosngela de Souza Santos Elaborao do Estudo Setorial Saneamento Fundao do Desenvolvimento da Pesquisa-FUNDEP Projetos de Apoio Projeto BID/MMA (Coordenador: Rodrigo Speziali de Carvalho) Projeto TAL AMBIENTAL (Coordenador: Fabrcio Barreto)

Instituies Parceiras na Consolidao do Estudo Setorial de Gerao Hidreltrica: Agncia Nacional de guas-ANA, Ministrio de Minas e Energia-MME e Empresa de Pesquisa Energtica-EPE Equipe de elaborao Aproveitamento do potencial hidrulico para gerao de energia da ANA Agncia Nacional de guas-ANA Diretoria Colegiada Jos Machado - Diretor-Presidente Benedito Braga Oscar de Moraes Cordeiro Netto Bruno Pagnoccheschi Dalvino Troccoli Franca Superintendncia de Planejamento de Recursos Hdricos Joo Gilberto Lotufo Conejo Superintendncia de Usos Mltiplos Joaquim Guedes Corra Gondim Filho Superintendncia de Outorga e Fiscalizao Francisco Lopes Viana Superintendncia de Apoio Gesto de Recursos Hdricos Rodrigo Flecha Ferreira Alves Superintendncia de Administrao da Rede Hidrometeorolgica Valdemar Santos Guimares Superintendncia de Gesto da Informao Srgio Barbosa Superintendncia de Implementao de Programas e Projetos Paulo Varella Superintendncia de Administrao, Finanas e Gesto de Pessoas Luis Andr Muniz Coordenao Joaquim Guedes Corra Gondim Filho Superintendente de Usos Mltiplos Martha Regina von Borstel Sugai Elaborao Carlos Eduardo Cabral Carvalho

Colaborao Rafael Carneiro Di Bello Marina Tedesco e Silva Ministrio de Minas e Energia Ministro Silas Rondeau Cavalcante Silva Secretrio de Planejamento e Desenvolvimento Energtico Mrcio Pereira Zimmermann Presidente Maurcio Tiomno Tolmasquim Diretor de Estudos Econmicos e Energticos Amilcar Guerreiro Diretor de Estudos de Energia Eltrica Jos Carlos de Miranda Farias Diretor de Estudos de Petrleo, Gs e Bioenergia Maurcio Tiomno Tolmasquim (interino) Diretor de Gesto Corporativa Ibans Csar Cssel Coordenao Geral Maurcio Tiomno Tolmasquim Jos Carlos de Miranda Farias Coodenao Executiva Ricardo Cavalcantei Furtado James Bolvar Luna de Azevedo Equipe Tcnica Silvia Helena Pires Srgio Henrique Ferreira da Cunha Juliana Marreco rika Breyer

Prefcio

A gua um recurso natural essencial existncia e manuteno da vida, ao bem-estar social e ao desenvolvimento socioeconmico. No Brasil, a promoo de seu uso sustentvel vem sendo pautada por discusses nos mbitos local, regional e nacional, na perspectiva de se estabelecerem aes articuladas e integradas que garantam a manuteno de sua disponibilidade em condies adequadas para a presente e as futuras geraes. O Brasil, detentor de cerca de 12% das reservas de gua doce do planeta, apresenta avanos signicativos na gesto de suas guas, sendo uma das principais referncias a Lei n. 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que institui a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hdricos (SINGREH). Essa Lei estabelece pressupostos fundamentais para a gesto democrtica das guas, ao contemplar, dentre outros, os princpios da participao e descentralizao na tomada de decises. Ademais, a Lei incorpora o princpio constitucional de que a gua um bem pblico e elege os planos de recursos hdricos como um dos instrumentos para a implementao da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, prevendo sua elaborao para as bacias hidrogrcas, para os estados e para o Pas. A construo do Plano Nacional de Recursos Hdricos (PNRH), foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Recursos Hdricos em 30 de janeiro de 2006, e representa, acima de tudo, o estabelecimento de um amplo pacto em torno do fortalecimento do SINGREH e da gesto sustentvel de nossas guas, ao estabelecer diretrizes e programas desenvolvidos a partir de um processo que contou com a participao de cerca de sete mil pessoas, entre especialistas, usurios, representantes de rgos pblicos, da academia e de segmentos sociais organizados. O processo de construo do PNRH teve como alicerce o estabelecimento de uma base tcnica consistente. Neste sentido, foram desenvolvidos cinco estudos denominados Cadernos Setoriais, insumos para a construo do PNRH, que analisam os principais setores usurios de recursos hdricos do Pas, quais sejam: saneamento; indstria e turismo; agropecuria; gerao de energia hidreltrica; e transporte aquavirio. Tendo em vista a riqueza de seu contedo, estamos disponibilizando sociedade brasileira, por meio desta publicao, o Caderno Setorial de Recursos Hdricos: Gerao de Energia Hidreltrica, esperando contribuir para a socializao destas informaes, bem como para o aperfeioamento do PNRH, cujo processo contnuo, dinmico e participativo. Marina Silva Ministra do Meio Ambiente

Sumrio

Apresentao ........................................

15

1 | gua: Desaos do Setor de Energia Eltrica ...........................................................................................................................17 1.1 As hidreltricas e a expanso da demanda por energia eltrica ..............................................................................................18 1.2 As hidreltricas e a sustentabilidade ambiental ..................................................................................................................19 2 | Caracterizao e Anlise Histrica do Setor Eltrico ................................................................................................................23 2.1 Breve Histrico do Setor Eltrico Brasileiro ........................................................................................................................23 2.2 Caractersticas e objetivos do novo MISE ...........................................................................................................................25 2.3 Desaos para o novo modelo relacionados s questes ambientais e aos usos dos recursos hdricos ............................................26 3 | Base Legal ....................................... 3.1 Cdigo de guas............................ 3.2 Constituio Federal ...................... 3.4 Legislao ambiental pertinente ...... 3.5 Legislao setorial especca .......... 4 | Planejamento do Setor Eltrico ............ 4.1 Sistemas Isolados .......................... 4.2 Sistema Interligado ....................... 29 29 30 33 36 43 44 44

3.3 Legislao federal de recursos hdricos pertinente ..............................................................................................................31

4.3 Perspectivas de expanso para os prximos anos ................................................................................................................46 4.4 Planejamento da operao e expanso do Setor Eltrico ......................................................................................................47 4.5 Planejamento da Expanso do Setor Eltrico ......................................................................................................................48 5 | Potencial no Pas e nas Regies Hidrogrcas ........................................................................................................................57 5.1 Regio Hidrogrca Amaznica ........ 62 5.2 Regio Hidrogrca do Tocantins-Araguaia ........................................................................................................................66 5.3 Regio Hidrogrca Atlntico Nordeste Ocidental ................................................................................................................71 5.4 Regio Hidrogrca do Parnaba....... 5.6 Regio Hidrogrca do So Francisco 5.7 Regio Hidrogrca Atlntico Leste .. 5.9 Regio Hidrogrca Atlntico Sul ..... 5.10 Regio Hidrogrca do Uruguai ...... 5.11 Regio Hidrogrca do Paran........ 5.12 Regio Hidrogrca do Paraguai ..... 71 73 77 81 85 87 93 5.5 Regio Hidrogrca Atlntico Nordeste Oriental ..................................................................................................................73

5.8 Regio Hidrogrca Atlntico Sudeste ...............................................................................................................................78

Sumrio

6 | Integrao das Etapas de Planejamento do Setor Eltrico com os Instrumentos das Polticas de Recursos Hdricos e Ambiental .............95 6.1 Instrumentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos .......................................................................................................95 6.2 Instrumentos da Poltica Nacional de Meio Ambiente...........................................................................................................97 6.3 Implantao de aproveitamentos hidreltricos ...................................................................................................................97 6.4 Avaliao Ambiental Estratgica AAE .............................................................................................................................99 7 | Concluses e Recomendaes ............ Referncias ......................................... 103 107

Lista de Tabelas

Tabela 1 - Capacidade Instalada em dezembro de 2003 ................................................................................................................43 Tabela 2 - Evoluo do Potencial Hidreltrico Brasileiro ................................................................................................................57 Tabela 3 - Potencial por Regio Hidrogrca (MW).......................................................................................................................60 Tabela 4 - Potencial na Regio Hidrogrca Amaznica (MW) ........................................................................................................62 Tabela 5 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca Amaznica ..................................................................................................63 Tabela 6 - Usinas com concesso na Regio Hidrogrca Amaznica ...............................................................................................64 Tabela 7 - Usina Hidreltrica na Regio Hidrogrca Amaznica que poder ser indicada para os prximos leiles..................................64 Tabela 8 - Usinas hidreltricas estratgicas para o Governo Federal na Regio Hidrogrca Amaznica .................................................65 Figura 7 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca Amaznica ..................................................................66 Tabela 9 - Potencial na Regio Hidrogrca Tocantins/Araguaia (MW) .............................................................................................67 Tabela 10 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca do Tocantins-Araguaialeiles ........................................................................67 Tabela 11 - Usinas hidreltricas com concesso na Regio Hidrogrca do Tocantins-Araguaia ............................................................68 Tabela 12 - Usinas hidreltricas na Regio Hidrogrca do Tocantins-Araguaia que podero ser indicadas para os prximos leiles ...........69 Tabela 13 - Usinas hidreltricas indicativas na Regio Hidrogrca do Tocantins-Araguaia .................................................................69 Tabela 14 - Potencial na Regio Hidrogrca Atlntico Nordeste Ocidental (MW) ..............................................................................71 Tabela 15 - Potencial na Regio Hidrogrca do Parnaba (MW) .....................................................................................................71 Tabela 16 - Usinas hidreltricas na Regio Hidrogrca do Parnaba que podero ser indicadas para os prximos leiles .........................72 Tabela 17 - Potencial na Regio Hidrogrca Atlntico Nordeste Oriental (MW) ................................................................................73 Tabela 18 - Potencial na Regio Hidrogrca do So Francisco (MW) ..............................................................................................73 Tabela 19 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca do So Francisco ........................................................................................74 Tabela 20 - Usinas hidreltricas localizadas na Regio Hidrogrca do So Francisco que podero ser indicadas para os prximos leiles...75 Tabela 21 - Usinas hidreltricas indicativas na Regio Hidrogrca do So Francisco .........................................................................75 Tabela 22 - Potencial na Regio Hidrogrca Atlntico Leste (MW) .................................................................................................77 Tabela 23 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca Atlntico Leste ..........................................................................................77 Tabela 24 - Usinas hidreltricas com concesso na Regio Hidrogrca Atlntico Leste .....................................................................78 Tabela 25 - Potencial na Regio Hidrogrca Atlntico Sudeste (MW) ............................................................................................78 Tabela 26 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca Atlntico Sudeste .......................................................................................79 Tabela 27 - Usinas hidreltricas com concesso na Regio Hidrogrca Atlntico Sudeste ..................................................................79 Tabela 28 - Usinas hidreltricas localizadas na Regio Hidrogrca Atlntico Sudeste que podero ser indicadas para os prximos leiles ..... 80 Tabela 29 - Potencial na Regio Hidrogrca Atlntico Sul (MW) ....................................................................................................82 Tabela 30 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca Atlntico Sul .............................................................................................82 Tabela 31 - Usinas hidreltricas com concesso na Regio Hidrogrca Atlntico Sul ........................................................................83 Tabela 32 - Potencial na Regio Hidrogrca do Uruguai (MW) ......................................................................................................85 Tabela 33 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca do Uruguai ................................................................................................85

Lista de Tabelas

Tabela 34 - Usinas hidreltricas com concesso na Regio Hidrogrca do Uruguai ...........................................................................86 Tabela 35 - Usinas hidreltricas localizadas na Regio Hidrogrca do Uruguai que podero ser indicadas para os prximos leiles .........86 Tabela 36 - Potencial na Regio Hidrogrca do Paran (MW) ........................................................................................................88 Tabela 37 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca do Paran .................................................................................................89 Tabela 38 - Usinas hidreltricas com concesso na Regio Hidrogrca do Paran .............................................................................90 Tabela 39 - Usinas hidreltricas localizadas na Regio Hidrogrca do Paran que podero ser indicadas para os prximos leiles ...........91 Tabela 40 - Usinas hidreltricas indicativas na Regio Hidrogrca do Paran .................................................................................91 Tabela 41 - Potencial na Regio Hidrogrca do Paran (MW) .......................................................................................................93 Tabela 42 - Usinas em operao na Regio Hidrogrca do Paraguai ...............................................................................................93 Tabela 43 - Usina hidreltrica com concesso na Regio Hidrogrca do Paraguai .............................................................................93

Lista de Figuras

Figura 1 - Evoluo do consumo de eletricidade TWh e da potncia instalada GW ........................................................................19 Figura 2 - Subsistemas do SIN .................. 45 Figura 3 - Planejamento do Setor Eltrico e as etapas de desenvolvimento de novos aproveitamentos .................................................52 Figura 4 - Regies Hidrogrcas do Brasil diviso aprovada pelo CNRH .........................................................................................58 Figura 5 - Regies Hidrogrcas do Brasil diviso aprovada pelo CNRH e diviso DNAEE ..................................................................59 Figura 6 - Usinas hidreltricas por ano de instalao ...................................................................................................................61 Figura 7 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca Amaznica ..................................................................66 Figura 8 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca do Tocantins-Araguaia. .................................................70 Figura 9 - Usinas hidreltricas em operao e planejadas na Regio Hidrogrca rio Parnaba .............................................................72 Figura 10 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca do So Francisco ........................................................76 Figura 11 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca Atlntico Sudeste .......................................................81 Figura 12 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca Atlntico Sul .............................................................84 Figura 13 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca do Uruguai ................................................................87 Figura 14 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca do Paran..................................................................92 Figura 15 - Usinas hidreltricas existentes e planejadas na Regio Hidrogrca do Paraguai ...............................................................94 Figura 16 - Procedimentos para implantao de aproveitamentos hidreltricos com potncia entre 1 e 30 MW PCHs ............................98 Figura 17 - Procedimentos para implantao de aproveitamentos hidreltricos com potncia acima de 30 MW UHEs ............................99 Figura 18 - Expanso da gerao por Regio Hidrogrca............................................................................................................ 104

Foto: Companhia Energtica de Minas Gerais

Apresentao1

O grande potencial hidreltrico brasileiro representa uma indiscutvel vantagem comparativa em relao s matrizes eltricas adotadas por outros pases, que utilizam principalmente os combustveis fsseis ou centrais nucleares para gerao de energia eltrica. Alm de tratar-se de uma fonte abundante, limpa e renovvel, a utilizao da alternativa hidreltrica de pleno domnio da tecnologia nacional, servindo de referncia para outros pases. Essa caracterstica de nossa matriz eltrica acaba se reetindo em um conjunto de importantes condicionantes para o setor eltrico brasileiro. Alm da prpria lgica interna do sistema, que envolve polticas e aes voltadas regulao e controle do uso dos recursos hdricos em uma clara interface com os outros usurios da gua, existe a necessidade de articulao e adequao com outras instituies envolvidas no processo de aprovao dos aproveitamentos. Tendo em vista os longos prazos de maturao dos aproveitamentos hidreltricos, tanto em termos de estudos envolvidos (inventrio, viabilidade, projeto bsico e executivo) como tambm para a sua construo, a utilizao desta forma de energia para atender o crescimento da demanda de energia eltrica impe ao planejamento da expanso da oferta de energia, previses bastante antecipadas. Com relao s implicaes de ordem tcnica, devem ser considerados os fatores estruturais relacionados s vantagens e necessidades de interligaes nos sistemas de transmisso,

para se usufruir a diversidade regional dos regimes hidrolgicos e ao porte dos aproveitamentos, em funo dos ganhos do fator de escala dos aproveitamentos e da magnitude dos nossos principais rios. Ainda nesse contexto tcnico, preciso destacar, tambm, os fatores operacionais, que podem tornar as usinas fortemente dependentes do regime de vazes do rio e da maior ou menor regulao promovida pelo conjunto de barramentos situados numa mesma bacia, alm das conseqentes condies de operao reservatrios, tendo em vista tambm a questo dos usos mltiplos da gua. Finalmente, destacam-se os impactos das usinas hidreltricas, com especial destaque para a rea inundada pelos reservatrios e suas conseqncias sobre o meio fsico-bitico e sobre as populaes atingidas. As preocupaes com essas questes so agravadas pelo fato da maior parte do potencial hidreltrico hoje remanescente estar localizado em reas de condies socioambientais delicadas, por suas interferncias sobre territrios indgenas, sobretudo na Amaznia, nas reas de preservao e nos recursos orestais, ou em reas bastante inuenciadas por ocupaes antrpicas. So tambm fundamentais os estudos e equacionamentos associados aos usos mltiplos e, eventualmente, concorrenciais desses recursos hdricos, em suas feies socioeconmicas, ambientais e estratgicas, relativas pesca, abastecimento urbano, saneamento bsico, irrigao, transporte, uso industrial, lazer, etc.

1 Este captulo foi desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Energtica EPE, vinculada ao Ministrio de Minas e Energia MME, e sofreu algumas contribuies para se adequar edio deste Caderno Setorial de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos do PNRH. Foi extrado da publicao Aproveitamento do Potencial para Gerao de Energia (EPE. 2005).

Este documento busca apresentar informaes sobre o planejamento da expanso do Setor Eltrico, buscando mostrar mais especicamente, a evoluo do seu comportamento, com foco especco na expanso do aproveitamento do potencial hidrulico para gerao de energia eltrica, em relao sua demanda pelos recursos hdricos e sua distribuio espacial, para que os principais conitos pelo uso da gua, os atuais e os potencias, possam ser identicados e compatibilizados. Alm desta breve introduo, este Caderno contm mais seis captulos. O Captulo 1 faz uma breve explanao sobre os desaos do Setor de Energia Eltrica, abordando tpicos relativos a interao das hidreltricas com a expanso da demanda por energia eltrica e a sustentabilidade ambiental. O Captulo 2 caracteriza e faz uma anlise histrica do Setor Eltrico brasileiro, como tambm apresenta os desaos do setor correlacionados com o novo modelo de gesto integrada dos recursos hdricos. O Captulo 3 descreve a base legal e institucional pertinente ao processo de planejamento e implantao de usinas hidreltricas, relacionada a recursos hdricos, ambiental e setorial. O Captulo 4 descreve todo o processo de planejamento do Setor Eltrico, da operao e da expanso, neste caso com foco no planejamento para o aproveitamento do potencial hidrulico para gerao de energia, e como ocorre sua interao com os setores de recursos hdricos e ambiental. O Captulo 5 apresenta o potencial hidrulico para gerao de energia e sua distribuio nas regies hidrogrcas do pas. Para cada regio detalhado este potencial, enfocando as principais usinas hidreltricas j instaladas, mais especicamente aquelas integrantes do Sistema Interliga-

do Nacional, alm das principais que atendem a sistemas isolados. Com respeito a futuros aproveitamentos hidreltricos, so relacionadas as principais usinas includas no Plano Decenal do Setor Eltrico 2003-2012 e as que fazem parte da relao de usinas que o Governo Federal pretende incluir nos prximos leiles de energia nova. O Captulo 6 descreve como se d a interao formal do processo de planejamento do Setor Eltrico com os instrumentos das polticas de recursos hdricos e de meio ambiente no Pas. O Captulo 7 destaca algumas concluses e recomendaes a respeito do aproveitamento do potencial de energia hidrulica ressaltando a necessidade de articulao no planejamento do uso de recursos hdricos entre os diversos setores.

1 | gua: Desaos do Setor de Energia Eltrica2

O desenvolvimento da humanidade est diretamente associado aos usos da gua e durante milnios a consideramos como um recurso innito. Apenas h algumas dcadas o mundo despertou para a realidade de que os recursos naturais esto se tornando escassos e, em particular, que preciso acabar com a falsa idia de que a gua inesgotvel. A questo ambiental passou a ser discutida em vrios pases, o que levou a realizao da primeira Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, no ano de 1972. Apesar de ser considerada uma fonte estratgica, esgotvel e propulsora do desenvolvimento, as primeiras discusses internacionais que enfocaram a necessidade global de um plano de ao para a um novo modelo de gesto da gua aconteceram na Conferncia das Naes Unidas sobre gua, em Mar Del Plata, em 1977. No Brasil, a inteno de reformar o modelo de gesto das guas comeou a se consolidar a partir da dcada de 1980, em virtude de alguns fatores histricos e poltico-institucionais. Desde o descobrimento, os rios orientaram a trajetria de ocupao do pas. Toda nossa histria est ligada ao curso dos rios que serviram de caminho para os ndios, depois para os desbravadores, Mones e Bandeirantes. No perodo chamado de Colonizao Moderna, os rios serviam como canais de integrao entre as regies e principalmente para o escoamento de nossas riquezas naturais at o oceano, para a exportao do ouro e das pedras do interior de Minas Gerais, Gois e Mato Grosso. Essa poltica permaneceu em vigor at o nal do sculo XVIII. No incio do sculo XX, quando o pas apresentava uma caracterstica preponderantemente agrcola, a gua era administrada pelo Governo Federal por meio de uma Secretaria Nacional de Agricultura. A construo das usinas hidreltricas mudou o perl e a

dinmica dos rios. Em 1883 entrou em operao a primeira usina hidreltrica no pas, localizada no Ribeiro do Inferno, auente do rio Jequitinhonha, na cidade de Diamantina. Nos anos seguintes, vrias outras usinas foram implantadas com o objetivo de impulsionar a industrializao do pas. Essa viso setorial dispensada gua acontecia com todos os recursos naturais, no havendo um conceito ecossistmico. Na dcada de 1930, o pas editou vrios Cdigos para os recursos naturais: O Cdigo do Minrio, da Pesca, da Flora e, em 1934, o Cdigo de guas, que passou a ser o marco disciplinador do uso das guas, dispondo sobre a classicao e utilizao dos recursos hdricos, com nfase ao aproveitamento do potencial hidrulico, mas com princpios para o uso mltiplo da gua, com preocupao com a sua qualidade e valor econmico. Com a Constituio de 1988, a participao da sociedade civil na gesto dos recursos naturais e, especialmente na gesto das guas, passa a ser um preceito fundamental que deve nortear todas as polticas pblicas para o setor. Em janeiro de 1997, foi sancionada a Lei n. 9.433, que institui a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos. Esta Poltica traz como fundamento o conceito da gua como um bem de domnio pblico, dotado de valor econmico, tendo como usos prioritrios o abastecimento humano e a dessedentao de animais em situao de escassez. Determina ainda que a gesto dos recursos hdricos deve sempre proporcionar o uso mltiplo das guas, com igual direito de acesso ao uso dos recursos hdricos por todos os setores usurios, respeitando as determinaes legais cabveis. Estabelece a bacia hidrogrca como unidade territorial para sua implementao e para atuao dos agentes do17

2 Esta apresentao foi desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Energtica EPE, vinculada ao Ministrio de Minas e Energia MME, e sofreu algumas contribuies para se adequar edio deste Caderno Setorial de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos do PNRH. Foi extrado da publicao Aproveitamento do Potencial para Gerao de Energia (EPE. 2005).

Caderno de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos

sistema de gerenciamento. O setor eltrico historicamente tem se destacado no processo de explorao dos recursos hdricos nacionais, em funo da implantao e operao de usinas hidreltricas, que tm contribudo para o desenvolvimento do pas. A Poltica Nacional de Recursos Hdricos estabelece uma relao de igualdade entre os usurios e critrios para a priorizao de usos que trazem rebatimentos para o planejamento e para a operao desse setor. O aproveitamento dos potenciais hidreltricos est sujeito outorga de direitos de uso dos recursos hdricos pelo Poder Pblico (inciso IV, Art. 12 da Lei n. 9.433/1997), estando essa outorga subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hdricos ( 2, Art. 12 da Lei n. 9.433/1997) aprovado em 30 de janeiro de 2006 pelo Conselho Nacional de Recursos Hdricos (Resoluo CNRH n. 58). Assim, um dos desaos para a expanso da oferta de energia eltrica, baseada na hidroeletricidade nos prximos anos, a incorporao, no seu processo de planejamento, dos princpios da Poltica das guas e a articu18

energia eltrica apresenta forte correlao com o nmero de pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia. A elasticidade da capacidade de gerao eltrica em relao ao PIB nos pases em desenvolvimento est em torno de 1,4. Aproximadamente 150 pases possuem recursos hdricos passveis de aproveitamentos para gerao de energia. De acordo com o World Energy Council, dois teros de todo o potencial economicamente vivel no mundo ainda no foi desenvolvido. A maior parte desse potencial concentra-se em pases em desenvolvimento, onde tambm se verica a maior demanda de expanso da capacidade. O Brasil aproveita atualmente apenas 23% de seu potencial hidrulico identicado e inventariado, enquanto outros pases j esgotaram os seus prprios potenciais. Atualmente em torno de um quinto da eletricidade consumida em todo mundo gerada a partir de usinas hidroeltricas. A hidroeletricidade representa mais de 92% de toda energia renovvel gerada no mundo. responsvel por mais de 50% do suprimento de eletricidade em 65 pases, mais de 80% em 32 pases e quase todo suprimento de energia eltrica em 13 pases. Vrios pases tais como China, ndia, Ir e Turquia esto desenvolvendo programas para construo de grandes hidroeltricas. De acordo com recentes publicaes do Hydropower & Dams World Atlas & Industry Guide muitos pases enxergam a hidroeletricidade como a chave para seu desenvolvimento econmico futuro. Promover o desenvolvimento socioeconmico e erradicar a pobreza, de forma sustentvel, evitando a degradao do meio ambiente, hoje um dos principais desaos do Brasil. Energia e gua para o desenvolvimento sustentvel dependem no apenas das opes de suprimento, mas principalmente das escolhas que sero implementadas. Nos ltimos 30 anos, o ndice de atendimento da populao por energia eltrica no pas tem crescido signicativamente, podendo ser observada na Figura 1 a evoluo do consumo de eletricidade nesse perodo, baseado no Balano Energtico Nacional BEN (MME, 2005).

lao com o planejamento dos demais setores usurios dos recursos hdricos, contribuindo para a gesto equilibrada e integrada dos recursos naturais na bacia hidrogrca. 1.1 As hidreltricas e a expanso da demanda por energia eltrica O desenvolvimento socioeconmico est cada vez mais baseado no uso intensivo de energia. Constata-se uma crescente demanda por energia eltrica no mundo, bem como a importncia dessa expanso para o desenvolvimento das naes e para a melhoria dos padres de vida. De acordo com o Departamento de Energia DOE dos EUA, o consumo de eletricidade praticamente ir dobrar at o ano de 2025. A hidroeletricidade e outras fontes renovveis devero aumentar a uma taxa de 1,9% ao ano at 2025. O crescimento ser maior nas economias emergentes onde esperado um aumento do consumo em torno de 4% ao ano. Diversos estudos comprovam o papel essencial da eletricao no desenvolvimento econmico social no mundo todo. Existem evidncias estatsticas que comprovam que o consumo de eletricidade est fortemente correlacionado com a riqueza, ao mesmo tempo em que a diculdade de acesso

1 | gua: Desaos do Setor de Energia Eltrica

500 450 400

100 90 80 70 60 50 40 30Consumo Outros Setores [TWh] Consumo Comercial e Pblico [TWh] Consumo Residencial [TWh] Consumo Industrial [TWh] 1975 1987 1988 1989 1990 1979 1983 1984 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 1973 1974 1976 1978 1980 1985 1991 1992 1977 1981 1982 1986

Consumo Setorial[TWh]

350 300 250 200 150 100 50 0

Capacidade Instalada Total [GW]

20 10 0

2001

2000

2002

Fonte: Balano Energtico Nacional BEN 2005 (MME, 2005)

Figura 1 - Evoluo do consumo de eletricidade TWh e da potncia instalada GW19

At 2016, est previsto um crescimento do consumo de energia eltrica no setor residencial em mdia de 5,5% ao ano, levando o consumo de 78.469 GWh, em 2004, para 152.705 GWh em 2016. Alm do aumento do alcance da eletricao atravs de programas como o Luz para Todos do Governo Federal, o consumo mdio por unidade consumidora dever aumentar de 140 kWh/ms em 2004 para 191 kWh/ms em 2016. Nesse processo, a possibilidade de contar com a participao signicativa de fonte hdrica na gerao de energia tem sido fator importante para a modicidade tarifria, fundamental para a parcela mais pobre da populao. Assim, inegvel que a eletricidade produzida pelas grandes hidreltricas brasileiras tem desenvolvido o pas e contribudo para a reduo da pobreza. Os benefcios da gerao hidreltrica abrangem boa parte do territrio brasileiro. A energia fornecida por esta fonte constitui importante alavanca do desenvolvimento do pas, proporcionada pela auto-sucincia para a produo de energia eltrica e os custos baixos de gerao, traduzindo-se em tarifas competitivas e em economia de divisas. Outro aspecto

a ser destacado a quase ilimitada longevidade das grandes usinas hidreltricas, ao contrrio das usinas termeltricas que esgotam sua vida til em cerca de trinta anos. Grandes usinas hidrulicas podem durar, talvez, mais de um sculo, sendo cerca de trs quartos de seus custos de investimento representados por estruturas fsicas de durao ilimitada (at mesmo seus equipamentos eletro-mecnicos tm vida relativamente longa, em torno de setenta anos, exigindo apenas eventuais recapacitaes). Deste modo, esgotado o perodo inicial de amortizao dos investimentos, estas usinas podem continuar a produzir a mesma energia a custos quase nulos, o que proporciona uma reduo nas tarifas, resultando nos dias de hoje em importante vantagem competitiva para o pas. 1.2 As hidreltricas e a sustentabilidade ambiental Se por um lado os projetos hidreltricos contribuem positivamente para a eqidade entre as geraes atuais e futuras, por usarem uma fonte renovvel e limpa mas, por outro lado, tambm contribuem negativamente para a eqidade entre diferentes grupos e indivduos e entre comunidades locais e regionais, pois estes so afetados distintamente por tais projetos.

2003

2004

Capacidade Instalada [GW]

Caderno de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos

No se pode ignorar os impactos bastante signicativos causados por alguns empreendimentos hidreltricos, tanto em termos da sustentabilidade dos ecossistemas quanto da sustentabilidade social. Entretanto, vale lembrar que grande parte das usinas hidreltricas em operao foi planejada e construda no s sob contexto poltico-institucional como tambm sob paradigma de desenvolvimento bastante diversos dos vigentes no momento atual. Deve ser observado que, nos dias de hoje, o processo decisrio que conduz implantao dos projetos hidreltricos no pas apresenta signicativa evoluo, tanto no que tange a mecanismos de participao e transparncia, quanto preocupao com a distribuio de custos e benefcios. Alm disso, a crescente preocupao da sociedade brasileira com a questo ambiental levou criao de um arcabouo legal bastante rigoroso, com o objetivo de garantir a sustentabilidade social e ambiental, bem como a preservao dos recursos hdricos. Tal arcabouo estende-se scalizao e defesa do meio ambiente20

At meados dos anos 1980, os empreendimentos de gerao vinham sendo hierarquizados nos planos de expanso setorial em funo quase exclusivamente do custo unitrio da energia a ser produzida (em US$ / MWh), sem incorporar os custos ambientais mensurveis, e muito menos os aspectos no quanticveis das variveis ambientais. Seguindo as orientaes do II PDMA, foram tambm feitos esforos com a nalidade de incorporar aos custos das hidreltricas aqueles relacionados aos aspectos socioambientais, desde as primeiras estimativas elaboradas nos estudos de inventrio. Nas etapas subseqentes de desenvolvimento de um projeto hidreltrico, ou seja, viabilidade, projeto bsico e projeto executivo, tais custos vo sendo cada vez mais detalhados, permitindo a considerao mais precisa dos custos de compensao e mitigao ambiental. No que tange gesto ambiental dos empreendimentos hidreltricos, pode ser observada uma signicativa evoluo. Os empreendimentos implantados na ltima dcada incorporaram a mitigao dos impactos e a compensao dos danos provocados no processo de construo, levando a previses mais adequadas dos impactos e viabilizao de aes que, em tempo hbil, trouxessem o equacionamento dos efeitos previstos. Em mdia, so mais de 20 programas socioambientais efetivados para cada empreendimento implantado, alcanando, em alguns casos, percentuais signicativos do oramento do projeto. Em termos de remanejamento populacional, alm da melhoria nos critrios para o tratamento dos grupos afetados, tem sido observado um decrscimo do quantitativo de famlias remanejadas. A relao entre populao afetada e rea inundada tem melhorado, a partir da formao de reservatrios menores. Entre os anos de 1992 e 2002, considerando as hidreltricas acima de 100 MW, foram remanejadas cerca de vinte mil famlias, com a inundao de 6.990 km2 para a gerao de 15.647 MW. Na dcada anterior, apenas trs dos grandes projetos implantados (Itaparica, Tucurui e Sobradinho), totalizando 6750 MW, somaram cerca de 27.000 famlias para a inundao de 7.917 km2. Destaca-se, ainda, a evoluo no relacionamento com as populaes indgenas, seguindo as diretrizes estruturadas no II PDMA (1991). Apesar das diculdades nacionais para

e das minorias por meio de procuradoria especializada, sendo atualmente o Ministrio Pblico federal ator relevante no processo de implantao dos novos projetos. Paralelamente ao estabelecimento desses marcos legais, a anlise crtica de suas experincias socioambientais fez com que o setor eltrico brasileiro empreendesse vrias iniciativas buscando no somente a adequao ao novo contexto mas, sobretudo, adotasse uma nova postura tanto na elaborao dos estudos e projetos, quanto na implantao e operao dos empreendimentos. Assim, desde o incio da dcada de 90, foram desenvolvidas orientaes claras, organizadas em distintos nveis de regulamentao, para a incorporao das variveis socioambientais desde as primeiras etapas do processo decisrio. A apresentao no II Plano Diretor de Meio Ambiente II PDMA 1991/1993 (ELETROBRS, 1990) dos princpios de viabilidade socioambiental, insero regional e abertura do processo decisrio nortearam a explicitao de diretrizes para a implantao de usinas hidreltricas e a elaborao de manuais que detalham metodologias e procedimentos, que integram os aspectos de engenharia e meio ambiente.

1 | gua: Desaos do Setor de Energia Eltrica

com esta sensvel questo e seus rebatimentos no tratamento de interferncias setoriais com reas indgenas, o respeito legislao de proteo s minorias tnicas e o desenvolvimento de programas de compensao e apoio a estas comunidades constitui importante vertente de trabalho. Pode-se destacar o Programa Waimiri-Atroari, da ELETRONORTE, como modelar, reconhecido nacional e internacionalmente, programado para uma durao de 20 anos, j evidenciando a completa recuperao cultural, demogrca, social e econmica do grupo que, na dcada de 1980, encontrava-se na linha de extino de sua etnia. Com referncia compensao ambiental prevista em lei, ou seja a implantao de unidades de conservao e outras atividades previstas no SNUC, avanos considerveis podem ser registrados. Considerando apenas as aes promovidas pelas empresas do Grupo Eletrobrs, atualmente cerca de 98.000 km_ recebem apoio em atividades de preservao, em conjunto com os organismos governamentais. Outra compensao de carter compulsrio a compensao nanceira (percentual do valor total da energia produzida), em 2003, proporcionou pagamentos a 575 municpios afetados da ordem de US$ 220 milhes, considerando somente os empreendimentos do Grupo Eletrobrs. Registram-se, tambm, contribuies signicativas ao desenvolvimento cientco do pas atravs dos estudos de planejamento, implantao e monitoramento de reservatrios, sobre as questes de guas, fauna, com destaque para a fauna aqutica, ora e patrimnio arqueolgico, dentre outros. Vrios centros de pesquisas cientcas e sociais tiveram suas atividades alavancadas para subsidiar o equacionamento de questes socioambientais do setor eltrico.21

Foto: Eduardo Junqueira Santos

2 | Caracterizao e Anlise Histrica do Setor Eltrico3

2.1 Breve Histrico do Setor Eltrico Brasileiro O setor eltrico brasileiro apresentou um longo perodo de crescimento no perodo ps-guerra, incentivado por trs presidentes desenvolvimentistas: Getulio Vargas, Juscelino e Geisel, o que permitiu a constituio de um setor eciente e de dimenses continentais. A Eletrobrs foi criada na dcada de 1960, como empresa holding dos investimentos setoriais do governo federal, assumindo as funes de planejamento, nanciamento, e coordenao da operao do sistema eltrico brasileiro. Nas dcadas de 1960 e 1970, vericou-se uma expanso acelerada do parque gerador do setor eltrico, acompanhado do sistema de transmisso para promover interligaes em todo territrio nacional. Nos anos 1980, o setor enfrentou uma forte crise que culminou na desestruturao dos uxos nanceiros e na desorganizao da estrutura institucional. A exigncia de altos investimentos, somada ao excessivo endividamento das estatais, tornou difcil a captao de recursos para a expanso do setor eltrico. Registra-se tambm que, em meados dessa dcada, a sociedade brasileira comea a incorporar as discusses e decises mundiais sobre os princpios do desenvolvimento sustentvel, na busca de um novo padro de desenvolvimento. Os impactos ambientais causados pela implantao de grandes projetos hidroeltricos ao longo dos anos 1970 e 1980 trouxeram o setor eltrico para o centro dos debates sobre a questo ambiental no pas, apesar do reconhecimento da grande contribuio destes empreendimentos para o seu desenvolvimento. No contexto externo, surge a presso dos organismos internacionais, especialmente os de nanciamento, para a incorporao do tratamento dos aspectos ambientais desde as etapas do planejamento.

Seguindo a tendncia das reformas precursoras na Inglaterra e no Chile, ao longo da dcada de 1990, o setor energtico brasileiro, em especial no que tange eletricidade e ao gs natural, passou por sucessivas reformas, motivadas principalmente pela necessidade de resolver o problema de nanciamento do setor, de aumentar a ecincia econmica, alm de reduzir a dvida do setor pblico. Buscava-se a retomada dos investimentos no setor eltrico capitaneada pela iniciativa privada, sendo implementada uma poltica de privatizaes. As reformas implementadas foram calcadas em quatro linhas de atuao: (1) novos arranjos mercantis (compra e venda de energia no atacado, acesso s redes de transmisso e distribuio e mecanismos para assegurar planejamento e expanso do setor); (2) medidas jurdicas e regulamentares (concesses, regulamentao econmica de monoplios naturais, facilitar a concorrncia e o atendimento ao cliente); (3) mudanas institucionais (novos agentes e rgos ANEEL, reviso do papel da Eletrobrs, mudanas estruturais); e (4) reestruturao do nanciamento do setor (alocao de riscos e nvel de retorno das diversas atividades). Nessa dcada foi regulamentada a produo de energia eltrica por produtor independente e por auto-produtor. Foi instituda a Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL), agncia reguladora com autonomia institucional, vinculada ao Ministrio de Minas e Energia, com a atribuio da regulao e scalizao das atividades relativas produo, transmisso, distribuio e comercializao de energia eltrica, alm da outorga de concesses, permisses e autorizaes de servios pblicos de energia eltrica. Para supervisionar e controlar a operao do sistema eltrico foi criado o Operador Nacional do Sistema Eltrico23

3 Este captulo foi desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Energtica EPE, vinculada ao Ministrio de Minas e Energia MME, e sofreu algumas contribuies para se adequar edio deste Caderno Setorial de Gerao de Energia Eltrica e Recursos Hdricos do PNRH. Foi extrado da publicao Aproveitamento do Potencial para Gerao de Energia (EPE, 2005).

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(ONS), responsvel pelo planejamento e programao da operao e despacho centralizado da gerao, visando a otimizao do sistema interligado. Foi tambm regulamentado o Mercado Atacadista de Energia Eltrica (MAE) e criado o MRE (Mecanismo de Realocao de Energia), com o objetivo de compartilhar os riscos hidrolgicos entre as usinas hidreltricas despachadas de maneira centralizada. No modelo anterior, a gerao, a transmisso e a distribuio eram consideradas monoplios naturais. O novo sistema tinha como nalidade promover a competio onde fosse possvel, ou seja, na gerao e na comercializao. Para isso era preciso garantir o livre acesso rede para permitir a venda fora do mercado de concesso. O setor eltrico brasileiro passou de um contexto de predomnio estatal, ambiente regulado e reas de concesso, onde o estado tinha propriedade dos ativos, controlava a operao, regulava os preos e servios e o planejamento era determinativo, para um contexto baseado na livre iniciativa; na competio na gerao e na comercializao e na regulao dos24

termeletricidade prxima aos principais centros de carga, para complementar a operao do parque hidreltrico, assegurando um melhor equilbrio entre conabilidade e custo de suprimento no Sistema Interligado Nacional SIN. A m de garantir a segurana, o MISE prev um conjunto integrado de medidas tais como: exigncia de que as empresas distribuidoras sejam obrigadas a contratar 100% do seu mercado previsto para os prximos cinco anos nos leiles de energia nova; clculo realista dos lastros fsicos de todos os empreendimentos de gerao (Energias Asseguradas, sendo mais recentemente denido o termo Garantias Fsicas, conforme Portaria MME n. 303 de 18 de novembro de 2004); adequao do critrio de segurana estrutural de suprimento do SIN importncia crescente da eletricidade para a economia e para a sociedade, com o estabelecimento de critrios de segurana mais severos do que os vigentes; contratao de hidreltricas e trmicas em propores que assegurem melhor equilbrio entre garantia e custo de suprimento; criao do Comit de Monitoramento do Setor Eltrico com a funo de analisar a continuidade e a qualidade de suprimento num horizonte de cinco anos e propor medidas preventivas de mnimo custo para restaurar as condies adequadas de atendimento, incluindo aes no lado da demanda, da contratao de reserva conjuntural e outras Reconhecendo a importncia do planejamento para garantia do bom desempenho do setor eltrico, o novo modelo cria tambm a Empresa de Pesquisa Energtica EPE (Lei n. 10.847, de 15 de maro de 2004 e Decreto n. 5.184, de 16 de agosto de 2004), como empresa pblica, vinculada ao Ministrio de Minas e Energia MME, com a nalidade de prestar servios ao MME na rea de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energtico, incluindo, dentre suas atribuies, a de elaborar os estudos necessrios para o desenvolvimento dos planos de expanso da gerao e da transmisso de energia eltrica de curto, mdio e longo prazos, que serviro de subsdios ao MME na elaborao do planejamento energtico nacional.

preos para a transmisso e para a distribuio. No mbito desse processo, promoveu-se a privatizao de mais de 80% das distribuidoras de energia eltrica e de parte do segmento de gerao, com o objetivo de atrair investimentos, melhorar a qualidade dos servios e reduzir a tarifa. O resultado, ao contrrio do que era esperado pelo governo, foi um aumento signicativo das tarifas e, por m, a crise de abastecimento de energia no incio do de 2001. A atratividade de novos investimentos na expanso no ocorreu como era esperado e, em conseqncia da falta de investimentos, os grandes reservatrios do sistema foram deplecionados seguidamente o que culminou no racionamento de energia eltrica do incio de 2001. Foi elaborado ento um novo Modelo Institucional do Setor Eltrico MISE (institudo pela Lei n. 10.848, de 15 de maro de 2004 e Decreto n. 5.163, de 30 de julho de 2004), com a misso de corrigir as falhas que ocasionaram a crise. Houve uma clara mudana de objetivos neste modelo em relao ao modelo que vigorava pela nfase nas questes da universalizao, na modicidade tarifria e na retomada do planejamento energtico integrando a questo ambiental. O modelo reconhece tambm a importncia da expanso da

2 | Caracterizao e Anlise Histrica do Setor Eltrico

A EPE tambm tem a incumbncia legal de habilitar tecnicamente os empreendimentos que participaro dos leiles de energia nova. Para isto a EPE deve no s desenvolver e acompanhar a elaborao dos projetos das novas usinas com vista a se obter os menores custos possveis para a energia a ser entregue, como tambm para assegurar que os mesmos atendam ao preceito de aproveitamento otimizado em termos de usos dos recursos naturais e de caractersticas tcnicas, econmicas e socioambientais. 2.2 Caractersticas e objetivos do novo MISE De acordo com o MISE so os seguintes os principais organismos institucionais do setor eltrico e suas funes bsicas: Conselho Nacional de Poltica Energtica CNPE Assessoramento Presidncia da Repblica em Polticas Energticas; Ministrio de Minas e Energia MME Formulao de Polticas Energticas; Agncia Nacional de Energia Eltrica ANEEL Regulao e Fiscalizao; Operador Nacional do Sistema Eltrico ONS Operao do Sistema Interligado; Cmara de Comercializao de Energia Eltrica CCEE Comercializao e Liquidao; Empresa de Pesquisa Energtica EPE Estudos de Planejamento; e, Comit de Monitoramento do Setor Eltrico CMSE Monitoramento do Sistema Eletro-energtico. Um dos principais objetivos do novo Modelo Institucional do Setor Eltrico (MISE) promover a modicidade tarifria por meio da contratao eciente de energia para os consumidores regulados. Dentre as principais aes para se prover esta ecincia, podemos citar: proceder compra de energia, sempre por meio de leiles, na modalidade menor tarifa; contratar energia por licitao conjunta dos distribuidores (pool), visando obter economia de escala na contratao de energia de novos empreendimentos, repartir riscos e benefcios contratuais e equalizar tarifas de suprimento a cada leilo; contratar separadamente a energia de novas usinas

(atendimento expanso da demanda) e de usinas existentes, ambas por licitao; garantir que os leiles de energia nova resultem em contratos de compra de energia eltrica a longo prazo (CCEAR), reduzindo os riscos para os empreendedores. O novo MISE criou dois ambientes de contratao: o Ambiente de Contratao Livre (ACL), que compreende a contratao de energia para o atendimento aos consumidores livres, por intermdio de contratos livremente negociados, e o Ambiente de Contratao Regulada (ACR), que compreende a contratao de energia para o atendimento aos consumidores com tarifa regulada (consumo dos distribuidores), por meio de contratos regulados, com o objetivo de assegurar a modicidade tarifria. Em termos comerciais, o ACR poderia ser entendido como uma cooperativa de compra de Energia Eltrica, que agrega as demandas de vrios agentes distribuidores (compradores) e celebra contratos com um conjunto de proponentes vendedores. Periodicamente, o MME oferecer licitao um conjunto de projetos (hidreltricos e termeltricos), estudados e habilitados tecnicamente pela Empresa de Pesquisa Energtica EPE, considerados os mais econmicos e socioambientalmente viveis para o atendimento demanda. Ademais, qualquer agente empreendedor poder, independentemente, oferecer novos projetos para as licitaes, desde que tais projetos sejam habilitados tecnicamente pela EPE e adicionados lista de empreendimentos do MME aptos a participar dos leiles. O critrio de seleo do conjunto de projetos a serem licitados o do menor custo global (custo de investimento mais custo de operao e manuteno, incluindo os custos socioambientais) que atenda a um dado critrio de segurana de suprimento e de sustentabilidade ambiental. Se justicvel, para se obter uma melhor relao entre custo e segurana do atendimento demanda, ser estimado o valor da parcela mnima de gerao termoeltrica que dever ser contratada em complementao s hidroeltricas. Com o objetivo de aumentar a ecincia do processo de licitao, o montante total de capacidade (Garantia Fsica) dos projetos oferecidos dever exceder, substancialmente, o montante de energia que se espera seja adquirido nos leiles.25

Caderno de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos

Os proponentes vendedores proporo preos de lance (R$/MWh) para a venda da energia disponvel do novo empreendimento (hidroeltrico ou termoeltrico) no ACR, conforme a modalidade de contratao de energia eltrica. Se houver mais de um empreendedor para um mesmo empreendimento, ser escolhido aquele que ofertar o menor preo de lance para a venda da energia do empreendimento. Ao vencedor de uma licitao de novo empreendimento ser outorgada a respectiva concesso ou autorizao, juntamente com um contrato bilateral de longo prazo de venda de energia para o ACR denominado Contrato de Comercializao de Energia Eltrica no Ambiente Regulado CCEAR. Este contrato pode ter as seguintes modalidades: I Quantidade de Energia Eltrica So contratos anlogos aos antigos Contratos Iniciais, ou aos anteriormente denominados Contratos Bilaterais de Energia, os quais devem prever que o ponto de entrega da energia ser o centro de gravidade do sub26

Cada gerador contratado na licitao assinar contratos bilaterais separados com cada distribuidora. A soma das energias contratadas com os distribuidores ser igual ou menor energia assegurada, ou garantia fsica, do gerador. O objetivo desse tipo de contratao propiciar economia de escala na licitao para a nova energia, repartindo-se os riscos e os benefcios dos contratos e equalizando-se as tarifas de suprimento das distribuidoras. Em sntese, o leilo de energia nova, realizado pelo critrio de menor tarifa para o consumidor, dar aos vencedores da licitao no apenas os contratos de compra e venda de energia eltrica no ambiente regulado (CCEAR), mas tambm os contratos de concesso ou autorizao, juntamente com a respectiva Licena Previa (LP) ambiental do empreendimento. A licena prvia ambiental, emitida por rgo ambiental competente para tal, trar as condicionantes que o empreendedor ter que atender e realizar, com custos, o que permitir reduzir as incertezas quanto a este item oramentrio, ponto este cada vez mais oneroso para os novos empreendimentos no pas. Isto tambm se constitui em um dos avanos do novo modelo, posto que, nos leiles anteriores, o licenciamento prvio ambiental se dava aps a obteno das concesses nos leiles. O MISE conduz, portanto, a menores incertezas e riscos para o empreendedor, proporcionando assim melhores condies para se alcanar modicidade tarifria mais adequada para os consumidores regulados. 2.3 Desaos para o novo modelo relacionados s questes ambientais e aos usos dos recursos hdricos Dado o histrico de evoluo da questo ambiental no Brasil e no setor eltrico, vivel a realizao durante o processo de atualizao dos documentos normativos do setor eltrico decorrente da instaurao de um novo modelo para o setor da reviso e adequao destes contedos considerando, adicionalmente, os avanos na legislao e na gesto ambiental no pas. necessrio tambm um esforo no sentido de regulamentar os procedimentos e estabelecer as normas para sua adequada aplicao, tendo em vista garantir sua efetividade.

mercado onde esteja localizado o empreendimento de gerao e que os custos decorrentes dos riscos hidrolgicos devem ser assumidos pelos agentes vendedores. II Disponibilidade de Energia Eltrica Trata-se de uma nova modalidade de contrato de energia eltrica (MWh) onde os custos decorrentes dos riscos hidrolgicos devem ser assumidos pelos agentes compradores, e eventuais exposies nanceiras no mercado de curto prazo da CCEE, positivas ou negativas, sero assumidas pelos agentes de distribuio, garantido o repasse ao consumidor nal, conforme mecanismo a ser estabelecido pela ANEEL. Em outras palavras, pode-se dizer que, nos contratos de quantidade, os riscos (nus e bnus) da operao energtica integrada so assumidos totalmente pelos agentes geradores, ao passo que, nos contratos de disponibilidade, os riscos decorrentes da variao da produo com relao sua garantia fsica so alocados aos agentes distribuidores e repassados aos consumidores regulados. O edital de cada leilo de energia nova, elaborado pela ANEEL, estabelece a modalidade de contratao de energia eltrica, dentre outros parmetros da licitao.

2 | Caracterizao e Anlise Histrica do Setor Eltrico

Dentre as questes emergentes que constituem grandes desaos para este novo modelo institucional do setor eltrico, destaca-se o rebatimento da questo dos usos mltiplos dos rios sobre o planejamento da operao do SIN e sobre o planejamento da implantao de novos empreendimentos considerando o compartilhamento dos usos dos recursos hdricos e dos investimentos de implantao, conforme ser visto a seguir. A operao otimizada das hidreltricas considerando os usos mltiplos dos rios De acordo com o inciso XII do art. 4 e o 3 do mesmo artigo, da Lei n. 9.984, de julho de 2000, cabe Agncia Nacional de guas ANA denir e scalizar as condies de operao de reservatrios por agentes pblicos e privados, visando a garantir o uso mltiplo dos recursos hdricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hdricos das respectivas bacias hidrogrcas, sendo que a denio das condies de operao de reservatrios de aproveitamentos hidreltricos ser efetuada em articulao com o Operador Nacional do Sistema Eltrico ONS. A crescente utilizao dos recursos hdricos brasileiros para outros ns que no a gerao de energia eltrica, de modo especial, a navegao uvial, a irrigao e o saneamento, impe cada vez maiores e mais freqentes restries sobre a operao das usinas hidreltricas que integram o Sistema Interligado Nacional. As restries operativas consideradas referem-se a vazes ou nveis mximos e mnimos em sees ou trechos de rio, limitaes de descargas mximas e mnimas em usinas hidreltricas, limites para os nveis mximos e mnimos de reservatrios, taxas de deplecionamento e de enchimento e, ainda, taxas mximas de variao de deuncias. O ONS tem a responsabilidade de atualizar, anualmente, essa base de dados de restries operativas hidrulicas a partir das informaes passadas pelos agentes de gerao. Essas restries so ento analisadas, tanto do ponto de vista do impacto especco local, quanto do impacto sistmico do conjunto de restries. Observando-se o documento Inventrio das Restries Operativas Hidrulicas dos Aproveitamentos Hidreltricos (ONS, 2002), so vericadas restries visando manuteno de navegabilidade em trechos de rios, o controle de cheias para evitar inundaes em determinados locais, denio de

deuncia mnima por razes ecolgicas e para captao para abastecimento de gua de cidades, indstrias, etc. Os valores apontados so denidos pelas empresas e devem acompanhar a evoluo das atividades existentes na regio. Para as bacias hidrogrcas onde j se encontram implementados os Comits de Bacia, tais restries operativas hidrulicas podem ser negociadas nesse frum, com a articulao da ANA e a participao do ONS, de tal forma que tais decises operativas passem a estar integradas gesto dos recursos hdricos na bacia. O compartilhamento dos custos de investimento e implantao dos aproveitamentos hidreltricos A perspectiva de um crescimento dos custos dos aproveitamentos hidreltricos em funo no apenas da maior importncia dada ao tratamento das questes ambientais, mas tambm devido a outros fatores, tais como a reduo da escala (potncia instalada) dos aproveitamentos, a diculdade de construo (principalmente na regio amaznica), altos custos de conexo rede bsica, tarifas de transporte, tornar muitos aproveitamentos hidreltricos no competitivos frente a outras opes termeltricas, mesmo levando-se em conta o progresso tecnolgico recente e a conseqente reduo vericada em diversos custos de engenharia e equipamentos. Isto aponta para a necessidade de se valorar os demais benefcios no-energticos proporcionados por muitos aproveitamentos hidreltricos, tais como, criao de hidrovias, regularizao de vazes para irrigao e saneamento, controle de cheias, valorizao de terras ribeirinhas, projetos de ecoturismo, etc. Como tais benefcios ocorrem geralmente aps a concluso do empreendimento, os agentes interessados tendem a considerar como custo apenas o investimento adicional necessrio, ou seja, sem considerar o investimento j realizado na hidreltrica, sem o que no seria possvel fazer aquele projeto. Entretanto, do ponto de vista econmico, no h razo intrnseca para que o agente investidor da hidreltrica no participe dos demais benefcios no-energticos proporcionados pelo seu investimento ou, equivalentemente, que os demais setores beneciados no compartilhem do investimento indispensvel para que possam auferir aquele benefcio no-energtico.27

Caderno de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos

Vale citar ainda a possibilidade de utilizao eventual do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MDL e dos crditos de carbono para gerar receitas para certos projetos que atendam aos critrios de sustentabilidade ambiental e que, comprovadamente, substituam uma expanso termeltrica. O desao maior consiste em se criar mecanismos que possibilitem um compartilhamento eqitativo e ecaz dos custos de investimento e implantao necessrios ao desenvolvimento otimizado de um aproveitamento de mltiplas nalidades. Para tanto, necessria uma articulao com a gesto de recursos hdricos e a gesto ambiental desde a etapa dos estudos de inventario. Vale lembrar que muitos desses condicionantes e restries operativas inuenciam o dimensionamento dos empreendimentos hidreltricos, sua relao custo/benefcio energtica e sua sustentabilidade socioambiental, podendo at mesmo alterar a seleo da melhor alternativa de diviso de queda da bacia hidrogrca nesses estudos. Este processo de viabilizao de aproveitamentos de mltiplas nalidades exigir que o MME se faa representar em28

outros fruns de planejamento setorial (transporte uvial, irrigao, planejamento regional, relaes exteriores, etc), e passe a negociar em condies eqitativas com os demais agentes interessados nestes aproveitamentos mltiplos dos recursos hdricos.

3 | Base Legal4

Neste captulo, so citados os principais instrumentos legais pertinentes aos aproveitamentos dos potenciais de energia hidrulica no que tange ao uso dos recursos hdricos. Como diretriz geral, procurou-se evitar um detalhamento excessivo da legislao trazendo tona apenas questes de maior relevncia e indicando as principais referncias, caso seja necessrio um maior aprofundamento dos temas abordados. Visou-se proporcionar aos planejadores uma viso mais ampla do setor eltrico, seu funcionamento e os principais atores envolvidos com a questo da utilizao dos recursos hdricos. 3.1 Cdigo de guas O Decreto n. 24.643, de 10 de julho de 1934, denominado Cdigo de guas, estabelecia como guas pblicas de uso comum as correntes, canais, lagos e lagoas navegveis ou utuveis5, ainda que uma corrente deixe de ser navegvel ou utuvel em algum dos seus trechos6. O domnio dessas guas fora dividido entre a Unio, os Estados e os Municpios7, posteriormente redenido, pela Constituio Federal de 1988, apenas entre a Unio e os Estados. As quedas dgua e outras fontes de energia hidrulica foram denidas no Cdigo como bens imveis no integrantes das terras em que se encontravam8. Entretanto, contraditoriamente, o Cdigo estabelecia que as quedas dgua exis-

tentes em cursos considerados particulares9 pertenciam aos proprietrios dos terrenos marginais (ou a quem o fosse por ttulo legtimo) e que as quedas dgua e outras fontes de energia hidrulica existentes em guas pblicas de uso comum ou dominicais seriam incorporadas ao patrimnio da Nao, como propriedade inalienvel e imprescritvel10. Ficou, ainda, assegurada ao proprietrio da queda dgua a preferncia na autorizao ou concesso para o aproveitamento industrial de sua energia ou co-participao nos lucros da explorao que por outrem fosse feita11. Na regulamentao de aproveitamentos de potenciais de energia hidrulica12 estabeleceu-se o regime de autorizao ou concesso para aproveitamentos de quedas dgua ou qualquer fonte de energia hidrulica de domnio pblico ou particular13 e que as concesses para explorao de aproveitamentos hidreltricos (por prazo normal de 30 anos e, excepcionalmente, de 50 anos14) seriam outorgadas por Decreto do Presidente da Repblica, referendado pelo Ministro da Agricultura15. O Cdigo deniu que os aproveitamentos de quedas dgua de potncia inferior a 50 kW independiam de autorizao ou concesso, desde que para uso exclusivo do respectivo proprietrio16, contudo deveria ser realizada uma noticao junto ao Servio de guas do Departamento Nacional de Produo Mineral do Ministrio da Agricultura para efeitos29

4 Este captulo foi elaborado pela Agncia Nacional de guas ANA, vinculada ao Ministrio do Meio Ambiente MMA, e sofreu algumas contribuies objetivando adequao edio deste Caderno Setorial de Gerao de Energia Hidreltrica e Recursos Hdricos do PNRH. Foi extrado da publicao Aproveitamento de potencial hidrulico para gerao de energia. (ANA, 2005). 5 Decreto n. 24.643/64 Art. 2, alnea b. 6 Decreto n. 24.643/64 Art. 4. 7 Decreto n. 24.643/64 Art. 29. 8 Decreto n. 24.643/64 Arts. 145. 9 Decreto n. 24.643/64 Arts. 8 e 146. 10 Decreto n. 24.643/64 Art. 147. 11 Decreto n. 24.643/64 Art. 148. 12 Decreto n. 24.643/64 Arts. 139 a 204. 13 Decreto n. 24.643/64 Arts. 139 a 141. 14 Decreto n. 24.643/64 Art. 157. 15 Decreto n. 24.643/64 Art. 150. 16 Decreto n. 24.643/64 Art. 139.

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estatsticos. Os aproveitamentos de quedas dgua e outras fontes de energia hidrulica de potncia superior a 150 kW e aqueles que se destinassem a servios de utilidade publica federal, estadual ou municipal ou ao comrcio de energia, independente da potncia, dependiam de concesso17. Complementando, estabeleceu que dependiam de simples autorizao os aproveitamentos de quedas de gua e outras fontes de energia at o mximo de 150 KW, quando os permissionrios forem titulares de direitos de ribeirinidades com relao totalidade ou ao menos maior parte da seo do curso de gua a ser aproveitada e que destinassem a energia ao seu uso exclusivo18. O conceito de usos mltiplos referenciado no Cdigo de guas ao se estabelecer que em todos os aproveitamentos de energia hidrulica seriam satisfeitas exigncias acauteladoras dos interesses gerais , a saber: alimentao e necessidades das populaes ribeirinhas; salubridade pblica;3019

Em relao competncia dos Estados para autorizar ou conceder o aproveitamento industrial das quedas de gua e outras fontes de energia hidrulica, o Cdigo era armativo ao indicar que as atribuies que foram conferidas aos Estados, com relao a todas as fontes de energia hidrulica, seriam exercidas dentro dos respectivos territrios, excetuadas as existentes em cursos do domnio da Unio, as de potncia superior a 10.000 (dez mil) kilowatts e as que, por sua situao geogrca, pudessem interessar a mais de um Estado (a juzo do Governo Federal) 22. Adicionalmente, o Cdigo previa a transferncia aos Estados das atribuies da Unio23, desde que o Estado interessado possusse servio tcnico-administrativo adequado, inclusive uma seo tcnica de estudos de regime de cursos de gua e avaliao do respectivo potencial hidrulico, alm de uma seo de scalizao e cadastro24. 3.2 Constituio Federal De acordo com a Constituio Federal de 1988, esto entre os bens da Unio, os lagos, rios e quaisquer correntes de gua em terrenos de seu domnio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros paises, ou se estendam territrio estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais, as praias uviais e os potenciais de energia hidrulica25. Incluem-se entre os bens dos Estados as guas superciais ou subterrneas, uentes, emergentes e em depsito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da Unio26. Unio compete explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso ou permisso, os servios e instalaes de energia eltrica e o aproveitamento energtico dos cursos de gua, em articulao com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergticos, cando isento de autorizao ou concesso o aproveitamento do potencial de energia renovvel de capacidade reduzida27.

navegao; irrigao; proteo contra as inundaes; conservao e livre circulao do peixe; escoamento e rejeio das guas. As condies de explorao do reservatrio para outros usos cavam limitadas, porm, ao se estabelecer que as reservas de gua e de energia em proveito dos servios pblicos (Unio, Estados ou Municpios) no poderiam privar a usina hidreltrica de mais de 30% da energia de que dispusesse20. O Cdigo de guas previa ainda que as concesses caducariam, obrigatoriamente, se o concessionrio reincidisse na utilizao de uma descarga superior que tivesse direito, desde que essa infrao prejudicasse as quantidades de gua reservadas a outros usos21.17 Decreto n. 24.643/64 Art. 140. 18 Decreto n. 24.643/64 Art. 141. 19 Decreto n. 24.643/64 Art. 143. 20 Decreto n. 24.643/64 Art. 153, alnea e, 154 e 155. 21 Decreto n. 24.643/64 Art. 168. 22 Decreto n. 24.643/64 Art. 193 23 Decreto n. 24.643/64 Art. 191. 24 Decreto n. 24.643/64 Art. 192. 25 Constituio Federal Art. 20 26 Constituio Federal Art. 26 27 Constituio Federal Arts. 21 e 176 (4o)

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3.3 Legislao federal de recursos hdricos pertinente A Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, institui a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos. Dentre os usos sujeitos outorga de direito de uso de recursos hdricos, enumera o aproveitamento dos potenciais hidreltricos e outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da gua existente em um corpo de gua .28

tor eltrico, vale ressaltar que a Lei n. 9.433/97 dene que competncia do Conselho Nacional de Recursos Hdricos deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hdricos cujas repercusses extrapolem o mbito dos Estados em que sero implantados33. Em relao participao da Unio nos Comits de Bacia Hidrogrca com rea de atuao restrita a bacias de rios sob domnio estadual, a lei orienta que esta se dar na forma estabelecida nos respectivos regimentos 34. Tendo em vista a relevncia deste assunto em casos onde h a existncia ou a previso de instalao de usinas hidreltricas, face prerrogativa constitucional sobre a concesso para a explorao de potenciais hidrulicos, recomenda-se atentar para necessidade de uma participao ativa da Unio quando da elaborao do regimento do Comit. A Lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000, estabelece que compete a Agncia Nacional de guas ANA, na interface com o setor eltrico, entre outras35: outorgar, por intermdio de autorizao, o direito de uso de recursos hdricos em corpos de gua de domnio da Unio; scalizar os usos de recursos hdricos nos corpos de gua de domnio da Unio; denir e scalizar as condies de operao de reservatrios por agentes pblicos e privados, visando a garantir o uso mltiplo dos recursos hdricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hdricos das respectivas bacias hidrogrcas. A denio das condies de operao de reservatrios de aproveitamentos hidreltricos ser efetuada em articulao com o Operador Nacional do Sistema Eltrico ONS; promover a coordenao das atividades desenvolvidas no mbito da rede hidrometeorolgica nacional, em articulao com rgos e entidades pblicas ou privadas que a integram, ou que dela sejam usurias; organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informaes sobre Recursos Hdricos.31

A mesma Lei n. 9.433/1997 estabelece que toda outorga estar condicionada s prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hdricos, respeitando a classe em que o corpo de gua estiver enquadrado, e manuteno de condies adequadas ao transporte aquavirio, quando for o caso, devendo sempre preservar o uso mltiplo da gua . A29

outorga efetivar-se- por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal, podendo o Poder Executivo Federal delegar aos Estados e ao Distrito Federal competncia para conceder outorga de direito de uso de recurso hdrico de domnio da Unio .30

A outorga e a utilizao de recursos hdricos para ns de gerao de energia eltrica estar subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hdricos. Enquanto no estiver aprovado e regulamentado o Plano Nacional de Recursos Hdricos, a utilizao dos potenciais hidrulicos para ns de gerao de energia eltrica continuar subordinada disciplina da legislao setorial especca .31

No tocante operao dos reservatrios integrantes do sistema eltrico, a grande interface entre este setor usurio e a legislao de Recursos Hdricos, alm da garantia de atendimento aos mltiplos usos da gua, reside no fato de que um dos objetivos da Poltica Nacional a preveno e a defesa contra eventos hidrolgicos crticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais32

. Dessa forma, os reservatrios do setor eltrico prestam,

historicamente, relevante servio sociedade ao atuar no controle de cheias naturais. Com relao expanso do se28 Lei n. 9.433/97 Art. 12. 29 Lei n. 9.433/97 Art. 13. 30 Lei n. 9.433/97 Art. 14. 31 Lei n. 9.433/97 Arts. 12 (2o) e 52. 32 Lei n. 9.433/97 Art. 2o, inciso III. 33 Lei n. 9.433/97 Art. 35, inciso III. 34 Lei n. 9.433/97 Art. 39 (4o) 35 Lei n. 9.984/00 Art. 4.

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Nas outorgas de direito de uso de recursos hdricos de domnio da Unio, incluindo os aproveitamentos hidreltricos, sero respeitados os seguintes limites de prazos, contados da data de publicao dos respectivos atos administrativos de autorizao 36: at dois anos, para incio da implantao do empreendimento objeto da outorga; at seis anos, para concluso da implantao do empreendimento projetado; at trinta e cinco anos, para vigncia da outorga de direito de uso. As outorgas de direito de uso de recursos hdricos para concessionrias e autorizadas de servios pblicos e de gerao de energia hidreltrica vigoraro por prazos coincidentes com os dos correspondentes contratos de concesso ou atos administrativos de autorizao. Os prazos para incio e para concluso da implantao do empreendimento projetado podero ser ampliados quando o porte e a importncia social e econmica do empreendimento o justicar,32

De acordo com a Lei n. 10.847, de 15 de maro de 2005, EPE compete, dentre outras atribuies estabelecidas na citada lei, a obteno da licena prvia ambiental e da declarao de disponibilidade hdrica, necessrias s licitaes envolvendo empreendimentos de gerao hidreltrica e de transmisso de energia eltrica, selecionados pela empresa. Aps a publicao da Portaria MME n. 328, de 29 de julho de 2005, resta claro que, dentre as funes da EPE, est o cadastramento e a habilitao tcnica de empreendimentos de gerao para participao nos leiles de energia, sendo esses, empreendimentos hidreltricos, incluindo PCHs, usinas termeltricas, fontes alternativas, parte de empreendimento existente, objeto de ampliao, ou aqueles habilitados pela ANEEL, conforme art. 22 do Decreto n. 5.163, de 30 de julho de 2004. Caso o empreendimento hidreltrico tenha sido selecionado pela EPE, esta gurar como agente interessado e ser responsvel por obter junto aos rgos competentes a declarao de reserva de disponibilidade hdrica. A Resoluo n. 16 do Conselho Nacional de Recursos Hdricos CNRH, de 8 de maio de 2001, que estabelece diretrizes gerais para outorga de direito de uso de recursos hdricos, tambm dene que a ANEEL dever obter a declarao de reserva de disponibilidade hdrica para licitar a concesso ou autorizar o uso do potencial de energia hidrulica, e que esta declarao ser transformada em outorga de direito de uso de recursos hdricos39. Adicionalmente, a Resoluo n. 37 do CNRH, de 26 de maro de 2004, estabelece diretrizes mais especcas para a outorga de recursos hdricos para a implantao de barragens em corpos de gua de domnio dos Estados, do Distrito Federal ou da Unio. Para efeito de aplicao da resoluo, dene: vazo de restrio: vazo que expressa os limites estabelecidos para que haja o atendimento satisfatrio aos mltiplos usos dos recursos hdricos e que orienta a operao do reservatrio; plano de contingncia: conjunto de aes e procedimentos que dene as medidas que visam a continui-

ouvido o Conselho Nacional de Recursos Hdricos. O prazo de vigncia a outorga poder ser prorrogado pela ANA, respeitando-se as prioridades estabelecidas nos Planos de Recursos Hdricos. A Lei n. 9.984/2000 determina que, para licitar a concesso ou autorizar o uso de potencial de energia hidrulica em corpo de gua de domnio da Unio, a Agncia Nacional de Energia Eltrica ANEEL dever promover, junto ANA, a prvia obteno de declarao de reserva de disponibilidade hdrica37. Quando o potencial hidrulico localizar-se em corpo de gua de domnio dos Estados ou do Distrito Federal, a declarao de reserva de disponibilidade hdrica ser obtida em articulao com a respectiva entidade gestora de recursos hdricos. A declarao de reserva de disponibilidade hdrica ser transformada, automaticamente, pelo respectivo poder outorgante, em outorga de direito de uso de recursos hdricos instituio ou empresa que receber da ANEEL a concesso ou a autorizao de uso do potencial de energia hidrulica38.36 Lei n. 9.984/00 Art. 5. 37 Lei n. 9.984/00 Art. 7. 38 Lei n. 9.984/00 Art. 7. 39 Resoluo CNRH n. 16 Art. 11.

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dade do atendimento aos usos mltiplos outorgados, observando as vazes de restrio; plano de ao de emergncia: documento que contm os procedimentos para atuao em situaes de emergncia, bem como os mapas de inundao com indicao do alcance de ondas de cheia e respectivos tempos de chegada, resultantes da ruptura da barragem; manifestao setorial: ato administrativo emitido pelo setor governamental competente. A Resoluo n. 37 do CNRH destaca ainda que o interessado, na fase inicial de planejamento do empreendimento, dever solicitar respectiva autoridade outorgante a relao de documentos e o contedo dos estudos tcnicos exigveis para anlise do correspondente requerimento de outorga de recursos hdricos e que a autoridade outorgante denir o contedo dos estudos tcnicos, considerando as fases de planejamento, projeto, construo e operao do empreendimento, formulando termo de referncia que considere as caractersticas hidrolgicas da bacia hidrogrca, porte da barragem, a nalidade da obra e do uso do recurso hdrico. A autoridade outorgante indicar ao interessado a necessidade e o momento da apresentao de documentos como, por exemplo, licenas ambientais, manifestaes setoriais e planos de ao de emergncia do empreendimento40. Ressalta-se que a ausncia da manifestao setorial, devidamente justicada, no poder constituir impeditivo para o encaminhamento do requerimento e anlise de outorga de recursos hdricos, cabendo autoridade outorgante adotar medidas que forem adequadas para a continuidade da tramitao do processo41. As regras de operao dos reservatrios, o plano de ao de emergncia e o plano de contingncia podero ser reavaliados pela autoridade outorgante, e mais especicamente pela ANA no que lhe couber, considerando-se os usos mltiplos, os riscos decorrentes de acidentes e os eventos hidrolgicos crticos42. Alm disso, a resoluo dispe que o usurio dever implantar e manter monitoramento do re40 Resoluo CNRH n. 37 Art. 3. 41 Resoluo CNRH n. 37 Art. 4. 42 Resoluo CNRH n. 37 Art. 6. 43 Resoluo CNRH n. 37 Art. 7. 44 Resoluo ANA n. 131 Art. 1. 45 Resoluo ANA n. 131 Art. 5. 46 Resoluo ANA n. 131 Art. 7. 47 Decreto n. 4.895 Art. 3, inciso III.

servatrio (montante e jusante), encaminhando autoridade outorgante os dados observados ou medidos, na forma denida no ato de outorga43. A Resoluo ANA n. 131, de 11 de maro de 2003, dispe sobre procedimentos referentes emisso de declarao de reserva de disponibilidade hdrica e de outorga de direito de uso de recursos hdricos, para uso de potencial de energia hidrulica superior a 1 MW em corpo de gua de domnio da Unio. Esta Resoluo lista os documentos que a ANEEL dever encaminhar ANA para obteno da referida declarao44, limita o seu prazo de validade em at trs anos, o qual pode ser renovado por igual perodo45 e dispensa os detentores de concesso e de autorizao de uso de potencial de energia hidrulica, expedidas at 11 de maro de 2003, da solicitao de outorga de direito de uso de recursos hdricos46. Finalizando, no tocante regulamentao do uso mltiplo dos reservatrios do setor eltrico, vale a pena citar o Decreto n. 4.895, de 25 de novembro de 2003, que dispe sobre a autorizao de uso de espaos fsicos de corpos de gua de domnio da Unio para ns de aqicultura, incluindo os reservatrios de companhias hidroeltricas47. 3.4 Legislao ambiental pertinente A legislao ambiental brasileira composta por instrumentos repressivos/corretivos, preventivos e de promoo, incentivo e fomento, apresentando importantes avanos, mesmo se considerado o mbito internacional, j que tem caminhado na direo de incentivo s aes voluntrias e s aes de planejamento ambiental e preveno, rompendo o limite das aes corretivas e mitigadoras. A Lei n. 6.938/81 instituiu a Poltica Nacional de Meio Ambiente seus ns e mecanismos de formulao e aplicao. Esta lei constituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA e instituiu o Cadastro Tcnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental. Estabeleceu, dentre os instrumentos da Poltica48:33

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o estabelecimento de padres de qualidade ambiental; o zoneamento ambiental; a avaliao de impactos ambientais; o licenciamento e a reviso de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Esta Lei estabelece que a construo, instalao, ampliao e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradao ambiental, dependero de prvio licenciamento de rgo estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBAMA, em carter supletivo, sem prejuzo de outras licenas exigveis. J no caso de atividades e obras com signicativo impacto ambiental, de mbito nacional ou regional, o licenciamento compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBAMA.4934

o sobre o projeto e seus impactos ambientais, sempre que julgado necessrio. Essas audincias foram disciplinadas pela Resoluo CONAMA n. 009/87, e constituem o primeiro canal formal de participao da sociedade nas decises sobre projetos sejam eles governamentais ou privados, funcionando como instrumento favorvel para a discusso de projetos importantes e para o conhecimento/divulgao prvio de suas conseqncias no meio ambiente. A Resoluo CONAMA n. 006, de 16 de setembro de 1987, edita regras gerais para o licenciamento ambiental de obras de grande porte, especialmente aquelas nas quais a Unio tenha interesse relevante como a gerao de energia eltrica, com o intuito de harmonizar conceitos e linguagem entre os diversos intervenientes no processo. Assim, desde a anlise de sua viabilidade na fase inicial de estudos at sua implantao e operao, os empreendimentos hidreltricos esto condicionados a uma seqncia de estudos e procedimentos, tendo em vista a concepo de projetos mais adequados ambientalmente. O processo de licenciamento ambiental requer as seguintes licenas ambientais nas vrias etapas de implantao de novos empreendimentos hidreltricos51: Licena Prvia (LP) concedida na fase de planejamento do empreendimento, aprovando sua localizao e concepo, atestando a sua viabilidade ambiental e estabelecendo requisitos e condicionantes a serem atendidos nas fases de localizao, instalao e operao, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo; Licena de Instalao (LI) visa autorizar o incio da construo de acordo com as especicaes constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental, e demais condicionantes; Licena de Operao (LO) autoriza a operao do empreendimento, aps a vericao do efetivo cumprimento do que consta das licenas anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes

O licenciamento ambiental e a avaliao de impacto ambiental destacam-se como instrumentos de planejamento ambiental e de preveno, sendo o processo de licenciamento ambiental das atividades que afetam o meio ambiente regulamentado, a partir de 1986, atravs da Resoluo CONAMA-001, de 23 de janeiro de 1986. Esta resoluo estabelece as responsabilidades, os critrios bsicos e as diretrizes gerais para uso e implementao da Avaliao de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Poltica Nacional do Meio Ambiente. Esta resoluo dene que o licenciamento de atividades modicadoras do meio ambiente, tais como usinas de gerao de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primria, acima de 10 MW50, depender de elaborao de estudo de impacto ambiental EIA e respectivo relatrio de impacto ambiental RIMA, a serem submetidos aprovao do rgo competente. Estabelece, ainda, que os relatrios dos estudos ambientais (RIMA) devero ser acessveis ao pblico e prev a realizao de audincias pblicas para sua discusso e informa48 Lei n. 6938/81 Art. 9, incisos I a IV. 49 Lei n. 6938/81 Art. 10. 50 Resoluo CONAMA 001/86 Art. 2 51 Resoluo CONAMA 006/87 Art. 4

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determinadas para a operao. Desta forma, a concesso da LO vai depender do cumprimento daquilo que foi examinado e deferido nas fases de LP e LI. As licenas ambientais podero ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, as caractersticas e fase do empreendimento ou atividade. O EIA e o RIMA so o suporte para a concesso da Licena Prvia e devem ser elaborados na fase preliminar do planejamento do empreendimento, contendo os requisitos bsicos ou essenciais, or