Caderno "Vamos Desenrolar - devolutiva 2013"

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Durante todo o ano de 2013, o Instituto Raízes em Movimento junto com pesquisadores e moradores do Conjunto de Favelas do Alemão, realizaram encontros nas ruas da favela originando o projeto Vamos Desenrolar. Este arquivo é o caderno de devolutiva que reúne cada discussão promovida, detalhando cada assunto, cada abordagem sobre os trabalhos apresentados.

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Para achar o desenrolo

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................. 3

Vamos Desenrolar – Produção do Conhecimento e Memórias .................................................................... 3

ENCONTROS: ............................................................................................................................................................... 3

HISTÓRIA e URBANIZAÇÃO no COMPLEXO do ALEMÃO ................................................................................... 5

RELATORIA ...................................................................................................................................................................... 6

ARTIGO por Rute Imanishi Rodrigues¹ ................................................................................................................ 10

NOVAS TECNOLOGIAS e JOVENS de TERRITÓRIOS POPULARES.................................................................. 14

RELATORIA .................................................................................................................................................................... 15

ARTIGO Por Raull Santiago ...................................................................................................................................... 19

SEGURANÇA PÚBLICA e DIREITOS HUMANOS ..................................................................................................... 20

RELATORIA .................................................................................................................................................................... 21

ARTIGO Por Raul Santiago ........................................................................................................................................ 30

CRIAÇÃO, CRIMINALIZAÇÃO e RESISTÊNCIA: CULTURA na FAVELA ......................................................... 32

RELATORIA .................................................................................................................................................................... 33

ARTIGO por Adriana Facina .................................................................................................................................... 38

HOMOFOBIA nos ESPAÇOS de FAVELAS ................................................................................................................. 40

RELATORIA .................................................................................................................................................................... 41

ARTIGO por Gilmar Santos ........................................................................................................................................ 44

MIGRANTES: ENRAIZAMENTO e DESENRAIZAMENTO .................................................................................... 46

RELATORIA .................................................................................................................................................................... 47

ARTIGO por Marize Cunha ........................................................................................................................................ 50

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APRESENTAÇÃO

Vamos Desenrolar – Produção do Conhecimento e Memórias

Em fins de 2011, o Instituto Raízes em Movimento, acompanhando vários trabalhos desenvolvidos por pesquisadores no Complexo do Alemão e da Penha, começou a reunir estas pessoas, e estabelecer uma troca entre elas, e delas com vários atores que atuam no território. A ideia, então, era que esta interação pudesse contribuir para a divulgação das pesquisas nos Complexos, e entre os pesquisadores e, ainda, a construção de ações mais consistentes para o desenvolvimento das Favelas, de forma a influenciar futuras políticas públicas para estas localidades. Havia também a perspectiva de construir um centro de documentação e memória do Complexo do Alemão e Penha e um portal, que reunisse a produção do conhecimento na região. Daí surgiu o primeiro nome do grupo que unia pesquisadores e atores locais dos Complexos: Seminário de Produção do Conhecimento. Em 2012, o grupo começou a se reunir quase todo o mês, discutindo como levar a frente a ideia inicial do Instituto Raízes em Movimento de estabelecer trocas, produzir e divulgar material e envolver os moradores em tudo isso. Em cada encontro, chegava uma nova pessoa – pesquisador ou ator local. A cada encontro, novas discussões até que o grupo, resolveu parar de se reunir no Instituto Raízes em Movimento e levar as discussões para a rua, levar o diálogo entre pesquisadores e os atores locais para diferentes lugares das favelas, aproximar-se mais da experiência e do conhecimento dos moradores. Fazer rodas de conversas que incluíssem cada vez mais moradores, e juntar os saberes: da universidade e dos moradores. Ou seja, “desenrolar” em vários cantos das Favelas. O Vamos Desenrolar surgiu assim. Da necessidade de estar mais junto, circulando por várias localidades, de forma que as rodas de conversa, incluam pesquisadores, ativistas do Complexo e moradores, de forma geral. De forma que as rodas não fiquem em um só lugar. E que sejam realizadas preferencialmente ao ar livre. Além disso, a ideia é que o projeto mantenha uma parceria com outras iniciativas, como o Pensa Alemão, o Ocupa Alemão e o Verdejar. A palavra de ordem é fazer os saberes circularem, procurando sempre inserir mais e mais a favela na cidade, e lutar por transformar a favela em um lugar cada vez melhor para se morar e trabalhar. Nosso lema é a gente trabalha, discute, mas com afeto e diversão. De lá para cá, foram seis encontros, do Vamos Desenrolar, sempre sábado a tarde. Cada um deles foi comandado por moradores e atores locais, e um pesquisador, que conversaram com os participantes sobre um tema escolhido e votado pelo pessoal que vem participando do projeto.

ENCONTROS: Abril: o tema foi a “História e Urbanização do Complexo do Alemão”, com Zé Mineiro, uma liderança histórica do Alemão, o Wagner Souza, Agente comunitário de saúde e um dos articuladores do coletivo Pensa Alemão, e Rute Iamanishi, pesquisadora do IPEA. Maio: tivemos mais palestrantes discutindo, na Estação do Teleférico do Morro do Alemão, um tema bem importante nas favelas: “Novas Tecnologias e jovens de territórios populares”. A

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conversa foi com a Patrícia Lanes, que fez uma pesquisa sobre juventude e novas tecnologias no IBASE e faz doutorado em Antropologia na Universidade Federal Fluminense. Do Alemão, vieram para comandar o Vamos Desenrolar: o Mc Calazans, jovem ativista do Complexo do Alemão e integrante da APAFUNK, Raízes em Movimento e Fórum de Juventudes; o Raul Santiago, jovem ativista do Complexo do Alemão e integrante do Fórum de Juventudes; a Thamyra Thâmara: jovem ativista do Ocupa Alemão e mestranda da Universidade Federal Fluminense. Julho: discutimos, na praça ao lado da estação do teleférico do Alemão, outro tema fundamental, “Segurança Pública e Direitos Humanos”, comandados pela Renata Trajano moradora da Matinha e a Priscila, da Alvorada, ambas do Complexo, e com a participação da Juliana Correa da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública)/Fiocruz. Agosto:conversamos sobre “Criação, Criminalização e resistência: cultura nas favelas”; o encontro no Largo do Bulufa, na Grota e quem comandou a conversa foi: Veríssimo Junior, professor da rede municipal de ensino e diretor teatral, coordenador Grupo Teatro da Laje e o Edimar, morador da Nova Brasília e produtor cultural; o encontro teve ainda novidades pois trouxe a arte para a rua, com o sarau de poesias do MC Calazans e ArtDancy (Mulekes do Passinho) e a oficina de artesanato ONG Amigos do Complexo. Setembro: aconteceu no Campo dos Sargentos, na Rua Canitar e teve como tema a “Homofobia nos espaços de favela”, uma conversa bem importante para ser ampliada, e que foi comandada pelo Gilmar Cunha, da Conexão G, o Mayke Machado, morador do Complexo da Penha e ativista do movimento LGBT, e o Guinha, morador do Complexo do Alemão e ativista do movimento LGBT, além do Paulo Victor Leite Lopes, pesquisador do ISER – Instituto de Estudos da Religião. Outubro: o tema foi “Migrantes - enraizamentos e desenraizamentos” e foi realizado aonde vivem muitos migrantes do Complexo do Alemão, no Morro dos Mineiros; foi dinamizado por Marize Bastos da Cunha, da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública)/ Fiocruz e por Dona Benedita e Dona Ana, do Morro dos Mineiros, e a Marta, ex moradora do Morro do Alemão que foi removida por conta das obras do PAC e atualmente vive no conjunto de apartamento em Nova Brasília. Ano que vem tem mais! Participem aí... Quem quiser saber mais informações pode procurar o Instituto Raízes em Movimento, e também entrar na página do grupo no Facebook, procurando por: VAMOS DESENROLAR – Produção do Conhecimento e Memórias https://www.facebook.com/groups/472436739484414/

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HISTÓRIA e URBANIZAÇÃO no COMPLEXO do ALEMÃO

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RELATORIA

História e Urbanização do Complexo do Alemão

Nova Brasília/Praça do Conhecimento – 24 de Abril de 2013.

Dinamizadores:

Rute Imanishi – Pesquisadora do IPEA

Seu Zé Mineiro – Liderança comunitária

Wagner Souza (Wagão) – Agente Comunitário de Saúde, membro do Pensa Alemão

Com 31 pessoas, entre moradores, instituições locais, militantes, jornalistas e pesquisadores iniciou-se o primeiro seminário da produção de conhecimento, cujo tema foi a história e urbanização do complexo do alemão. Como dinamizadores do encontro foram convidados Zé Mineiro, uma liderança histórica do Alemão, Wagner Souza, Agente comunitário de saúde e um dos articuladores do coletivo Pensa Alemão e Rute Iamanishi pesquisadora do IPEA. ABERTURA Alan Brum agradece a vinda de todos e diz que este é apenas o primeiro, de uma série de seminários em processo, que terá a sua culminância em Outubro, num grande evento. Lembra que o objetivo é reunir pessoas da comunidade, universitários e ativistas com o intuito de compartilhar ideias sem caráter hierárquico, com dinamizadores que tragam elementos e conhecimentos do complexo do alemão. Agradece a presença dos dinamizadores em seguida inicia-se uma rodada de apresentação do grupo. Zé Mineiro Começa sua fala, narrando a sua história e da sua família, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro em 1958 aos 16 anos: ‘’Éramos 5 irmãos em Minas e vivíamos de colheitas que mal dava para sobreviver. Viemos para o Rio a fim de obter uma vida melhor e encontramos mais dificuldades do que na vida anterior. Servi ao exército e posteriormente trabalhei em uma fábrica de balas, com o dinheiro construiu um barraco e trouxe meus pais e meus irmãos . Logo após, casei e tive 3 filhos.” Contou. Ele lembra que na sua chegada apenas havia barracos do meio do morro pra cima, e tudo era repleto de árvores. Com as construções irregulares esse verde foi sendo substituído por casas. Não havia luz na favela até que Eurico Pintino da Silva criou uma comissão de luz, o que originou a criação das associações de moradores, pois o povo achava que com mais associações teriam mais forças para exigir do governo direitos e melhorias para a comunidade. Em torno da energia elétrica, aponta o morador, ocorreram as primeiras mobilizações no morro do alemão. Os postes que hoje fornecem iluminação foram carregados em mutirões morro acima pelos moradores. Houve uma grande obra feita com dinheiro público, porém, com a mão de obra dos moradores a fim de cimentar toda a terra que havia na comunidade, pois a mesma impedia a subida de carros. Comenta, com tom de saudade e indignação, a importância que teve as associações de moradores nas conquistas das comunidades e lamenta a desarticulação e o distanciamento que essas instituições foram tendo da própria comunidade ao longo do tempo, Passando a seguir interesse

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outros. Recorda a época em que as associações de moradores eram respeitadas pelo governo e estavam sempre de portas abertas. Sua atual esposa, na época foi eleita 3 vezes consecutivas presidente de associação de moradores da Grota. Odete era muito querida por todos e representava a comunidade nas reuniões de representantes de diversas favelas do Estado, chegando inclusive a receber ameaças de morte durante seus 21 anos de presidência por parte de outros presidentes de associações de moradores. Em relação ao reflorestamento da Serra da Misericórdia, ele afirma que sua esposa junto ao governo Marcelo Alencar começou com o trabalho ecológico há muito tempo e fizeram caminhadas com o objetivo de criar uma percepção ambiental nos moradores. Houve campeonatos de futebol no campo durante 26 anos consecutivos, com direito de Troféu aos vencedores. A ACM teve importante papel na vida de pelo menos duas gerações de moradores do alemão, com cursos e inserindo os jovens no mercado de trabalho. Por uma decisão de outras lideranças, essa parceria fora dissolvida. . Havia auto falantes que tanto para mobilizar a comunidade para ações, quanto para avisar a chegada de um parente e de correspondências. Em função do abandono por parte de outras lideranças, esse importante veículo de comunicação também ficou no tempo. Finalizando, aponta que o grande problema das políticas habitacionais é a corrupção, pois fiscais do governo recebem propina para liberar a construção de casas em áreas de risco. ‘O resultado disso foram diversos desastres em decorrências das chuvas. Por isso penso que hoje devemos fazer um trabalho no coletivo alemão longe da associação de moradores, nesse formato .Quando a tropa de choque chegou para efetuar as desocupações não havia nenhum representante do povo para fazer negociações, o povo ficou desamparado. “Acrescentou que havia planos da CEDAE para a instalação de recursos hídricos na comunidade que ficaram apenas no papel. Wagner de Souza Começa sua fala dizendo que foi no trabalho no posto de saúde, há 10 anos, onde passou a conhecer melhor a sua comunidade. Teve um choque com a realidade da situação real da favela, pois afirma que os problemas não são apenas sobre marcações de consultas e lotações nos serviços de saúde. Imaginava que a fome, condições precárias de moradia eram apenas no nordeste do país e se enganou Ficou sem orientação a quem recorrer para resolver tais problemas, pois afirma que o saber médico por si não pode resolver os problemas de saúde, pois, na verdade, eles eram resultado de “questões sociais” mais amplas. Há problemas crônicos de baixa escolaridade e baixa renda, falta de saneamento básico e pobreza extrema. Em sua percepção os moradores vivem de uma baixa perspectiva de vida por conta de sua situação de vida precária. Logo, a busca por melhores condições de saúde não podem ser procuradas somente no âmbito restrito do posto e dos serviços de saúde. Relata também que com a chegada do PAC os moradores acreditaram em uma grande mudança de vida. Lembrou que procurou Alan a fim de construírem e iniciar um diálogo sobre PAC e em um desses encontros desenharam o Complexo do Alemão como eles queriam a partir do canteiro social. Com o passar do tempo, concluiu que essas discursões no canteiro apenas faziam os moradores de fantoches, pois suas reivindicações não foram atendidas e o projeto ruiu. A partir disso, junto com Alan e outros atores criaram coletivos alternativos a fim de possibilitar participação da comunidade no monitoramento e nas propostas para as obras. Apontou que governo não deu ouvidos a população e impôs sua vontade de forma autoritária e verticalizada. Wagner afirma que diversos problemas se originaram dessa questão como dissolução de laços familiares, mortes, suicídios e problemas de sáude, como pressão alta e AVC’s. Os coletivos foram enfraquecendo pois os moradores desacreditaram na luta contra o governo. Em 31 de Janeiro de 2013 uma nova proposta foi retomada em uma reunião no Raízes em

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movimento com a pauta sobre o abandono das obras do PAC na comunidade. Foi criado, assim, o coletivo Pensa Alemão. Wagner afirma que a cima do posto, em meio as casas derrubadas, há um viveiro de ratos, baratas e esgoto a céu aberto. “O número de doenças relacionadas ao convívio nessa situação aumentou significativamente:” Antigamente havia 3 pontos de coleta da lixo na central e hoje a comunidade como um todo se tornou único lixão.” O coletivo Pensa Alemão tenta desde então correr atrás do prejuízo do legado das obras do PAC, pois após duas audiências públicas nada foi resolvido. Rute Começou sua fala dizendo que sua pesquisa é sobre a história do complexo do alemão e mostra que o fundamento da pesquisa é sobre a relação entre o governo e a comunidade desde o passado, pois as políticas de urbanização sempre existiram e os erros também. Ela trabalha afim de recuperar essa memória e fazer associações entre o passado e o presente das políticas públicas. Ela puxa a questão sobre as ocupações do complexo e sinaliza que no passado havia loteamento de terras pelos antigos proprietários do morro e uma verdadeira ocupação aconteceu realmente em alguns terrenos do IAPC (Nova Brasília), mas afirma que já havia um plano de habitação por parte do governo no IAPC e a invasão apenas aconteceu antes do planejado. Ela afirma que há uma papelada de posse de uma família no complexo no passado que era acusada de grilagem em outros estados, e houve loteamento de terras com a intermediação de associações de moradores fictícias. Ela acredita que exista a invasão, porém, é uma invasão de um terreno que tinha posse ilegal, então seria preciso verificar a legalidade do terreno e as políticas do governo naquela área no passado. Zé Mineiro, intervém, acrescentando que havia um homem na fazendinha chamado Zé da Borracha que foi um dos maiores loteadores de terra da região, com práticas ilegais. O que foi corroborado por Maria Ilza, moradora há 34 anos anos do complexo, que foi uma das ‘vítimas’ de seu “Zé Borracha”. Rute coloca uma questão a ser discutida que, realmente, para possibilitar a mobilidade algumas casas deveriam ser retiradas, dado que em muitos casos algumas ruas deixam de existir em função da construção desordenada dos imóveis. O grande nó, no entanto, é a retirada das pessoas e a ausência de uma política habitacional consistente para as favelas. DEBATE Alan coloca que, para ele a dificuldade foi a falta de diálogo com a comunidade. Uma vez que hoje é claro que muitas casas foram removidas sem uma real necessidade causando transtornos permanentes para um grande número de famílias que tiveram suas casas desapropriadas. Zé Mineiro Quando indagado se tinha alguma questão a dizer a partir da pesquisa de Rute, coloca que, na verdade, a condução das ocupações foi pautada em práticas de corrupções por parte de algumas pessoas e numa trama complexa de relações duvidosas que envolvia tanto atores formais, governamentais quanto outros locais, informais. Lembra, mais uma vez, a história de seu “Zé Borracha” ou seu “Zé da Alvorada”. Síntese do debate Após isto, foi aberto o momento para que o grupo colocasse questões a serem discutidas. Nesse sentido, foi posto em debate a relação do processo urbanístico atual junto com a elitização do espaço promovidos pela pacificação e a exposição da comunidade na grande mídia comercial e,

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decorrente disso, a expulsão silenciosa de parte dos moradores; problemas relacionados a saúde que se agravaram após o PAC; reflexões e avaliações sobre quadro atual das mobilizações dos moradores e a desestruturação das associações; A favela como espaço coletivo e solidário desde do princípio; e a importância de solidificar movimentos coletivos, verdadeiramente representativos, para exigir direitos o protagonismo comunitárias nas futuras intervenções do PAC. ENCERRAMENTO Ao término do encontro, os dinamizadores agradeceram o convite e a oportunidade e, consensualmente, foi avaliado como positivo o encontro onde foi superado o habitual formato de seminários em que é dado maior peso as pesquisas e pesquisadores em detrimento das falas dos moradores. A troca, polêmicas e interação de todos proporcionaram não só o compartilhamento de conhecimentos como também a produção de novos a partir do diálogo linear, conforme avaliação feita por um participante que, pela primeira vez, teve contato com o grupo.

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ARTIGO por Rute Imanishi Rodrigues¹

Notas sobre o histórico fundiário e da urbanização do Complexo do Alemão 1

A formação histórica das favelas no Brasil pode ser explicada como resultado dos processos mais gerais de urbanização, industrialização, e êxodo rural. Estes processos podem ser entendidos como fatores macroeconômicos e sociais que condicionaram o desenvolvimento das favelas, pelo menos até a década de 1970. Com efeito, a urbanização encareceu o preço da moradia e o êxodo rural trouxe milhares de pessoas pobres para as cidades em busca de emprego, mas sem recursos para acessar o mercado imobiliário “formal”. Embora a formação das favelas seja um resultado da forma como se deu o desenvolvimento urbano do país, vista mais de perto, a gênese das favelas só pode ser explicada pela forma como originalmente ocorreu seu povoamento. A explicação comum para este processo, entretanto, é simplista, pois se baseia apenas na noção de “invasão”. De acordo com esta explicação, para resolver o problema da moradia da cidade, a população de baixa renda teria invadido terrenos públicos e privados “sem valor de mercado” devido à sua má localização, ou baixa qualidade, como terrenos em morros, várzeas, áreas inundáveis e etc., formando as favelas. No entanto, a historiografia sobre as favelas do Rio de Janeiro tem mostrado que a relação direta entre a formação de favelas e a invasão de terrenos nem sempre é verdadeira. O histórico fundiário e da urbanização do Complexo do Alemão é um exemplo de como o Estado e o setor privado influenciaram o surgimento das favelas, e revela que a invasão, embora tenha ocorrido, não foi a primeira forma de povoamento da região. Este aspecto é importante, pois aponta outros atores ativos no processo de formação de favelas, o Estado e o setor privado, além das ações dos próprios favelados. Além disso, a história revela elementos que constituíram as relações do Estado com as favelas, que sempre atuou de forma “indireta” nesta área da cidade, traço que se mantém até hoje na relação do governo com as favelas, através das associações de moradores. A área hoje ocupada pelas favelas do Complexo do Alemão faz parte da Serra da Misericórdia, e apresenta um relevo acidentado, formado por morros e vales. Estas terras permaneceram como uma área rural até o início do século XX, quando pertenciam a fazendas de propriedade privada. Neste período, na atual favela da Grota – que se desenvolveu no vale entre dois morros, o do Alemão e o da Alvorada – pequenos arrendatários mantinham roças e criavam animais na fazenda Camarinha, de Martinho Correia da Veiga, e na fazenda de Joaquim Leandro da Motta. As narrativas dos moradores mais antigos da área afirmam que ‘ali se produzia de tudo’, era uma área de pequenos agricultores. Estes arrendatários, entretanto, não tinham vínculos formais com os proprietários das terras, apesar de pagarem ‘aluguel de chão’ aos mesmos, ou seja, eram arrendatários sem contratos formalizados. Neste período, entretanto, a área do entorno do Complexo do Alemão começou a ser urbanizada. Joaquim Leandro da Motta, um dos proprietários das fazendas da região, era agente do mercado imobiliário e atuou na urbanização do bairro de Olaria. Na parte plana de sua fazenda, no atual bairro de Olaria, fez um loteamento “regular” que foi nomeado como “Vila Motta”. Mas, no morro que pertencia à fazenda, e no vale que hoje corresponde à favela da Grota, Leandro da Motta não fez um plano de urbanização, deixando a área arrendada para os pequenos produtores rurais

1 Técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA.

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citados acima. Apenas uma parte deste morro foi vendida a um imigrante polonês, chamado Leonard Kacksmarkiewcz, e localmente conhecido por “Alemão”. Este último fez um loteamento urbano no morro, ou seja, abriu ruas e dividiu o terreno em lotes individuais, e passou a alugar os pequenos lotes sem infraestrutura urbana onde os próprios inquilinos construíam seus casebres, muitas vezes com material improvisado, ou de pau-a-pique. Assim, a gênese das favelas do atual complexo do Alemão foi incentivada pelos proprietários privados dos terrenos, que cobravam o “aluguel do chão” dos moradores, e que marcaram a transição de um meio rural para urbano, no início do século XX, momento em que os bairros do entorno estavam sendo urbanizados. Antes dessa transição, pode-se dizer que a pequena população que ali vivia era uma população rural “tradicional”, provavelmente formada por posseiros, como atestam as escrituras de terras das fazendas compradas em fins do século XIX, que registram a existência de “casebres” nos caminhos e ruas das propriedades, e também a existência de uma senzala em uma delas. A partir dos anos 1940, o Estado passou a ter papel relevante no povoamento da região, pois parte da antiga fazenda Camarinha (que pertencia ao espólio de Martinho José Correia da Veiga), foi vendia a uma autarquia estatal, o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários, IAPC.Neste período os Institutos de Aposentadorias e Pensões, IAPs, eram os principais agentes da política habitacional do governo e realizaram parcerias com a prefeitura da cidade com vistas a apoiar os programas voltados para a “solução dos problemas das favelas”. A participação dos IAPs era prevista através da cessão de terrenos para um plano de construção de “Vilas Proletárias” nos subúrbios da cidade, que deveriam substituir as favelas. No Complexo do Alemão, embora os terrenos do IAPC não tenham sido utilizados explicitamente para a criação de uma “Vila Proletária”, os terrenos passaram a alojar pessoas que ali se estabeleceram através de “ocupações consentidas” por funcionários do Instituto, ou mesmo obtiveram “cartas de autorização” do IAPC para fixar residência naqueles terrenos. As narrativas dos moradores comprovam que, entre meados dos anos 1940 e início dos anos 1950,um número razoável de moradores foi autorizado a construir barracos nos morros e nas grotas dos terrenos do IAPC, por funcionários do órgão. Assim, um segundo momento importante do processo de gênese das favelas do Complexo do Alemão foi marcado pela atuação do Estado, que através da utilização de terrenos do IAPC permitia a construção de moradias por pessoas pobres, ou mesmo removidas de outras favelas da cidade. Este “consentimento”, entretanto, ocorreu através de acordos informais, que não geraram títulos ou documentos que pudessem regularizar os direitos fundiários dos moradores ali estabelecidos. Nos anos 1950, a indústria passou a se instalar na região do Complexo do Alemão e partes das antigas fazendas foram vendidas a empresas industriais. O aumento da oferta de empregos passou a atuar como chamariz para novos moradores, que através de relações de compadrio e parentesco, migraram para a área. Em meados dos anos 1950, em consonância com os movimentos populares por moradia que ganhavam espaço no cenário político da cidade, houve um processo de invasão dos terrenos do IAPC no Complexo. Deste movimento coletivo surgiu a favela de Nova Brasília, em alusão à nova capital do país que estava sendo construída. Note-se que o nome Nova Brasília fazia uma analogia entre a ocupação dos terrenos do Estado e o arranjo fundiário da nova capital, uma vez que, para promover o deslocamento dos funcionários públicos do Rio de Janeiro para Brasília, o governo federal doava terrenos no Planalto Central. Esta invasão, nas narrativas dos moradores, foi em parte realizada por pessoas que já habitavam a área, mas até então estavam nas áreas menos visíveis, aos quais se juntaram moradores de outras favelas que “ficaram sabendo da invasão” e foram para o Complexo na expectativa de conseguir um pedaço de “chão”. No mesmo período, os terrenos do IAPC nas favelas da Grota e no Morro do Alemão também foram invadidos.

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A partir do processo de invasão, os moradores e o governo passaram a nomear a área como favela. É nesse momento, portanto, que “nasce” a favela. Os proprietários dos terrenos, isto é, o IAPC e os proprietários privados, não comandavam mais a ocupação do território, ou o faziam apenas parcialmente. O grupo de moradores que participou da invasão passou a representar um novo ator ativo no processo de ocupação e uso do solo. Este processo passou a se dar de maneira mais complexa,com uma tentativa de regulação através de acordos entre representantes dos moradores e do governo, mas com grupos diversos atuando de forma autônoma. A mobilização popular no processo de invasão engendrou a criação das primeiras associações de moradores do Complexo, que foram registradas em cartório no início da década de 1960: a Associação de Moradores de Nova Brasília, a União em Defesa dos Moradores do Morro do Alemão, e o Centro Social Joaquim de Queiróz. As associações de moradores constituíram o elo através do qual o governo local passou a se relacionar com as favelas do Complexo. O caso da associação de Nova Brasília exemplifica esta relação, pois a associação já nasceu de uma articulação entre representantes dos moradores com o governo da Guanabara que, através do SERFHA – Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas - firmou acordos, primeiro com uma “comissão de melhoramentos” da favela, em 1958, e posteriormente com a associação, fundada em 1961. O acordo assinado era um modelo padrão usado em várias favelas, e previa que o governo apoiaria a associação em ações de “urbanização” e construção de casas, e por outro lado, a associação se comprometia a “regular” a ocupação e submeter ao governo qualquer obra ou construção de moradia na favela. A associação se comprometia ainda a receber moradores de outras favelas que porventura fossem removidas. Note-se que o acordo do governo com as associações sugeria que estas passassem a “regular” a ocupação do solo, o que significa que o governo abria mão da regularização fundiária daqueles terrenos, deixando a cargo das associações “registrar” os moradores do local, embora exigisse que as associações pedissem autorização ao governo para qualquer uma de suas ações. As associações de moradores passaram então a comandar, ainda que parcialmente, o processo de fixação de novas moradias, tentando impedir a construção de casas nas áreas destinadas às ruas, ou seja, mantendo certo arruamento na favela. Por outro lado, a exemplo do Centro Social Joaquim de Queiróz, nos anos 1960, as associações agiram de forma autônoma e comandaram um processo de fixação de moradias nas encostas dos morros, através da venda de “cavas de terras”, ou seja, terrenos cavados nos morros. Assim, já em fins dos anos 1950, o aparato institucional do governo para lidar com as favelas passou a atuar no Complexo. Este aparato era comandado pelo governo local através do SERFHA, mas era composto por instituições religiosas, de caridade e de assistência social. Com efeito, a associação de moradores de Nova Brasília contava com o apoio da igreja católica, através da fundação Leão XIII, assim como ações conjuntas com entidades de caridade, filantropia e assistência social, como a Legião Brasileira de Assistência, as Pioneiras Sociais, e outras entidades dirigidas pelas primeiras-damas dos governos federal ou municipal (estadual).As associações de moradores também se articularam com outros setores da sociedade, sobretudo políticos locais, vereadores ou deputados, ou candidatos a cargos eletivos. Estas articulações podem ser entendidas dentro do quadro clássico de “clientelismo”, onde o político se compromete a apoiar melhoramentos na favela em troca de apoio eleitoral. Na década de 1960 tiveram inicio as primeiras obras governamentais de “melhorias” urbanas nas favelas do Complexo. Tais obras faziam parte do programa do governador Carlos Lacerda para as favelas, e introduziram as bases do sistema de adução de água formado por bicas de água, cisternas, bombas de recalque e torres de água, que, uma vez instalado, passou a ser gerido pelas associações de moradores. No mesmo sentido organizou-se um sistema de distribuição de energia elétrica, através de comissões de luz, também vinculadas às associações. Assim, a introdução dos serviços urbanos dentro do Complexo engendrou uma forma de gestão diferente do resto da

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cidade, pois a gestão da água e da luz ficou a cargo das associações de moradores que se fortaleceram como principais instituições das favelas. Essas melhorias urbanas, por outro lado, aceleraram o processo de ocupação do território. Durante os anos 1960, houve uma nova fase de povoamento da região, provocando o retalhamento e venda das demais áreas das antigas fazendas e loteamentos, por “atores difusos”. Entre estes atores figuraram os chamados “faveleiros”, ou seja, pessoas que entraram na invasão para “marcar um terreno” e posteriormente vender, e os grileiros de terras, que também venderam lotes ou realizaram cobranças de aluguéis dos moradores de determinadas áreas. Além disso, os proprietários legais dos imóveis, como as famílias Veiga e Kacsmarkiewcz, passaram a vender seus terrenos, seja com registro em cartório, seja informalmente. Antigos posseiros de pequenas chácaras também passaram a lotear suas posses e vendê-las aos recém-chegados na área, ou cedê-las a parentes. Ao mesmo tempo, em determinadas áreas ocorreram invasões não controladas pelas associações de moradores. O resultado destas diversas frentes de expansão de moradias no Complexo sem planejamento e regulação, ou seja, sem um conjunto de normas e regras de loteamento e construção, foi um padrão de ocupação do solo profundamente retalhado em lotes exíguos, com pouco espaço para áreas de uso comum, e com alto grau de ocupação de encostas e áreas íngremes. Restaram apenas algumas ruas mais largas, pois a construção de moradias reduziu paulatinamente os espaços das vias, conformando um sistema de pedestres, como um labirinto de becos e vielas. Este período inicial é crucial para a compreensão da forma como se deu o desenvolvimento posterior das favelas da região, pois revela alguns elementos ‘constitutivos’ do processo de ocupação e uso do solo e da relação do governo com as favelas. Com relação á terra, se por um lado o governo abriu mão da regulação da ocupação, por outro lado a “liberdade” construtiva dos moradores teve que conviver com a existência de diversos “donos do pedaço”, ou seja, pessoas que se apropriaram de terrenos e, com isso, conquistaram poder econômico e, às vezes, político na localidade. Assim, a situação fundiária das favelas não é caracterizada por uma terra de uso comum, mas pelo contrário, como uma área predominantemente privada, ainda que informal. A atuação das agências do Estado nas favelas, ao mesmo tempo em que deixou a cargo das associações de moradores o enfrentamento de todos os problemas cotidianos do território, induziu o crescimento das favelas com obras de melhorias urbanas, cuja gestão também deixou a cargo das associações. Por analogia com a questão da terra, os serviços urbanos básicos no Complexo também passaram a ser alvo de disputas privadas, com objetivos diversos de atingir sua função pública. Eis alguns pontos da história das favelas do Complexo do Alemão que podem ajudar a compreender os problemas fundiários e urbanos atuais desta área da cidade.

Bibliografia: IPEA, 2013. Histórico Fundiário e da Urbanização do Complexo do Alemão. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro, pdf.

Rodrigues, Rute Imanishi. Os Parques Proletários e os subúrbios do Rio de Janeiro: aspectos da política governamental para as favelas entre 1930~1960. IPEA, Texto para Discussão, no prelo.

Couto, Patricia Brandão & Rodrigues, Rute Imanishi. A gramática da moradia no Complexo do Alemão: história, documentos e narrativas. IPEA, Texto para Discussão, no prelo.

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NOVAS TECNOLOGIAS e JOVENS de TERRITÓRIOS POPULARES

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RELATORIA

Novas tecnologias e jovens de territórios populares

Estação de Teleférico do Alemão – 25 de Maio de 2013

Dinamizadores:

Mc Calazans - Jovem Ativista do Complexo do Alemão e integrante da APAFUNK,

Patrícia Lanes - Doutoranda em Antropologia da UFF

Raízes em Movimento e Forum de Juventudes

Raul Santiago - Jovem Ativista do Complexo do Alemão e integrante do Fórum de Juventudes

Thamyra Thâmara- Jovem ativista do OcupaAlemão

ABERTURA

Alan

Patrícia Lanes

Após a abertura do seminário, com uma apresentação feita por Alan Brum sobre os que são os objetivos do seminário, Patricia Lanes tomou a palavra iniciando um preâmbulo sobre os motivos e os objetivos de sua pesquisa, citando movimentos como a “Primavera Árabe” e algumas manifestações recentes no Brasil, que foram atribuídos ao potencial de mobilização das novas tecnologias.

A pergunta central dentro de sua pesquisa é: “Quem está usando as novas tecnologias para mobilização?” Para responder a essa pergunta, foi feito um estudo de caso na Baixada Fluminense com um movimento de mulheres, a Marcha das Vadias, e também o que ela chamou de Identidade Favelada, com jovens do Alemão, Borel, Cidade de Deus, Maré e santa Marta, num trabalho que durou aproximadamente 4 meses com a realização entrevistas.

Segundo ela, um dado constatado foi que os jovens usam mais as novas tecnologias do que os mais velhos e no grupo Identidade Favelada os jovens demonstraram maior interesse por comunicação e cultura. Neste caso, também foi constatada uma diversidade socioeconômica, “alguns ganham vários salários mínimos e outros ganham menos que um salário mínimo”.

Outra constatação foi que “nesse estudo de caso os blogs continuaram tendo uma centralidade, era uma galera que tinha perfis nas redes, mas que continuavam alimentando blogs”. Além dos perfis e blogs pessoais, ainda registrou-se a permanência de blogs e sites institucionais.

Sobre o universo de correspondentes comunitários, foi constatado que há sites mais amplos que “tem pessoas de mais territórios que contribuem para o site. Principalmente jovens. Depois isso foi incorporado também por outras dinâmicas como o RJTV.”

Além dos correspondentes, foram mapeadas as mídias comunitárias, como o “O Cidadão”, um jornal comunitário da Maré. Patricia relatou que a rádio comunitária do santa Marta está fechada. E completou trazendo uma reflexão: “Nessa questão da comunicação comunitária, pode parecer que está tudo resolvido pela internet, mas a pessoa que ouve a rádio comunitária na internet não necessariamente é a mesma pessoa que ouve a rádio poste”.

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Como forma de acompanhamento sobre a maneira como as mídias sociais estão sendo utilizadas na prática, Patricia apontou os eventos, como nos casos do “Ocupa Borel às Nove” e do “Ocupa Alemão”. A pesquisadora ainda ressaltou a importância de acompanhamento do posicionamento dos jovens quanto à questão da segurança pública, levantando uma pergunta: “Como eles estão se colocando?”.

Um fator fundamental apontado por ela é que atualmente, as formas de produzir informação são mais variadas e estão mais acessíveis do que há uma década: “Há dez anos, não se tinha acesso a celulares com internet”. Como exemplo citou o caso do menino Mateus que, baleado por policiais quando ia comprar pão, foi fotografado morto com uma moeda na mão.

Outro exemplo citado foi o caso do bonde no Santa Marta, quando foi registrada uma ampla discussão num blog sobre o porque de o bonde ter parado no carnaval.

Patrícia relatou ainda a constatação da existência de mediadores que possibilitam o acesso às novas tecnologias por parte dos jovens. Segundo ela, comumente esses mediadores são organizações locais ou o próprio investimento familiar.

Um fato que chamou sua atenção foi que os jovens circulavam entre as organizações e movimentos. Não restringiam o diálogo junto a somente uma instituição ou movimento. Para ela, esses jovens buscam “colocar sua visão na rede, como contraponto ao discurso hegemônico sobre a favela”. Porém, ela relata a existência de diálogo com a mídia hegemônica na medida em que essa mídia expresse a visão desses jovens.

Todavia, diante do papel que as novas tecnologias têm assumido, Patricia ressalta que elas continuam sendo ainda simplesmente ferramentas, não devendo lhes ser atribuído o protagonismo.

Ainda sobre os jovens, ela afirma que “dentro desse grupo, a favela é uma questão central na produção de conteúdo, são pessoas também que circulam bastante entre as favelas. Há uma circulação de informações entre os jovens de diferentes favelas”.

Sobre o compartilhamento de informações nas redes sociais, ela relata que é feito comumente pelas mesmas pessoas, dentro de um círculo, circuito. E levanta o seguinte questionamento: “Qual a possibilidade extrapolar esse circuito?”

Finalizando sua apresentação, relatou que a questão da identidade juvenil se mostrou pouco relevante, enquanto a identidade de morador mais se mostrou mais relevante para os jovens. Afirmou que a popularização das novas tecnologias assim como o perfil de trajetória da pessoa influencia na utilização das novas tecnologias com fins de mobilização. E completou: “É impossível pensar nessa questão das novas tecnologias sem considerar o que acontece na cidade como um todo”.

A pesquisadora apontou, ainda, a questão da diferença entre indivíduo e coletivo. Segundo ela, os perfis pessoais são uma possibilidade de se colocar pessoalmente sobre os assuntos.

Encerrando, ela afirmou que o grupo Identidade Favelada se mostrou como um “lugar de produção que olha pra favela a partir de dentro, importante pra entender a questão da auto-representação”.

Calazans

Após encerrar sua apresentação, foi a vez de Raphael Calazans, ou Mc Calazans, apresentar sua discussão. De inicio, ele colocou a importância de pensar os que não estão associados ainda no circuito das novas tecnologias e nem vinculados á instituições e movimentos formais ou não, de representação e de lutas. De acordo com ele, grande parte da juventude não está nesses veículos

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formais, habitando os becos e as ruas e, de forma mais dramática, é sobre ela que o peso da criminalização e violações dos direitos é mais forte.

Para isso, começou contando a sua história como morador e militante no complexo do Alemão, indicando o ano de 2007 e de 2010 como determinantes. Em 2007 uma grande chacina pratica pela Polícia e 2010 com a invasão do exército e a subsequente instalação da UPP. Pelas contas do Mc, cerca de 40% da sua geração, foi morta em decorrência da violência nesse período. Marca que, conforme ele mesmo disse, o marca para sempre e a partir dela é que sua militância parte e se baseia, pelo viés da cultura, especialmente pelo movimento Funk.

Ele cita a existência de uma “cultura da sobrevivência” comum nas favelas que é o que garante ao mesmo tempo a sua continuidade e o que possibilita às inovações no campo da cultura. Pela necessidade de sobreviver em meio muitas vezes ao caos, é que a favela cria alternativas. Como exemplo, cita os “Gatonets’ enquanto forma de universalizar o acesso a televisão, ‘gatovelox’ a internet e assim por diante... O próprio baile, foi uma criação alternativa, de forma a aquecer o comércio de produto e serviços locais, além de possibilitar uma geração quase ininterrupta de artistas.

Portanto, a juventude que circula por locais outros e que não ‘aparecem’ muito nas mídias e em espaços formais, na verdade, são as que produzem conhecimento, cultura e até mesmo ações políticas, a parti dessa “cultura de sobrevivência’’. Por isso, cabe um esforço de reconhecer essas práticas e montar ações que tornem esses jovens protagonistas.

Uma delas, para ele, é o uso da linguagem e da cultura mais próxima desses jovens que é o funk. A onda crescente de conflitos entre a juventude e a polícia, o extermínio cada vez mais violento dos jovens, e a ampliação em larga escala da exclusão, aceleram cada vez mais a necessidade de ações que envolvam essa juventude de modo a construir resistências.

Para finalizar, colocou que o funk, para ele, foi o determinante não só pelo lado artístico mas por possibilitar também o ativismo. E, enquanto funkeiro, pauta a militância no uso do funk para mobilizar os jovens que estão pelas ruas, becos e que são colocados como “herdeiros malditos do tráfico’’, pois...”Primeiro porque funk, é o que mais eu sei e gosto de fazer...e segundo, porque isso é a razão da minha vida.O cara que fez um cursinho, tá numa instituição tá instrumentalizado, mas o cara que tá no beco esse não. Esses caras que estão dinamizando e fazendo construir o Conhecimento o tempo inteiro, mas não tem acesso pra tá no ocupa alemão... nem aqui no seminário.

Nós somos uma ponta e consegue se mostrar porque tá mais organizada, mas tem esses moleques aí que constroem dia a dia a continuidade do Complexo do Alemão.” Finalizou.

Thamira

Após o Mc, foi a vez de Thamira falar um pouco sobre o tema e a sua trajetória até aqui. Natural de Gama, uma cidade satélite de Brasília, ela começou a sua militância a parti do movimento estudantil, no ensino médio da sua escola. Já lá, escrevia textos para publicar nos jornais do movimento. Após se formar, mudou-se para o Rio e foi morar, primeiramente, no loteamento da Nova Brasília no complexo do Alemão; hoje reside na Rua Sebastião carvalho, localizado no mesmo bairro.

Para ela, as Novas Tecnologias são importantes para dar força e visibilidade às ações da juventude. Disse que o uso das novas tecnologias, nos grupos que ela integra, servem para fazer contrapontos ao que se coloca como regras na sociedade.

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Contudo ela adverte que não é suficiente apenas postar, fomentar redes virtuais, criar ‘fanpages’, e sites. Lembra que esse movimento deve está atrelado á ações práticas do cotidiano. Ou seja, deve ser criada uma base de legitimação para a exploração das novas tecnologias, que não é outra senão, a militância real com continuidade no tempo e nos espaços.

Raull

Emocionado, Raull contou um pouco da sua história no Complexo do Alemão. Lembrando a sua chegada na comunidade com 2 anos idade, os amigos, e o trabalho de carregador na feira da Grota para ganhar dinheiro e complementar a renda em casa.

Lembrou dos tempos difíceis e criticou os que acusam o envolvimento dos jovens com o comércio varejista de drogas, sem antes conhecer a realidade tal como ela é da vida deles. Contou também que, quando esteve próximo de se envolver com o crime, a presença e a orientações dos amigos foram fundamentais. Especialmente de Helcimar Lopes e Nathália Menezes, também moradores do Complexo do Alemão.

Raull cita Helcimar como o pioneiro em trazer a Internet para a favela, organizando o ‘’Infogrota’’ uma das primeiras Lan Houses do complexo, localizada no Beco da Coruja na Grota. Graças ao InfoGrota, ele teve o primeiro contato coma internet, e o espaço era um importante encontro e convivência entre os jovens da comunidade, e que sua militância, inclusive, começou por ali: “Aquele lugar perdeu patrocínio, ia fechar e a gente precisava ganhar dinheiro. Fizemos eventos, através do Orkut, Orkut fest, lotou, com mais mil pessoas, conseguimos dinheiro pra manter o local.” Contou..

Nesse sentido, foi através das Novas Tecnologias que ele, mais o grupo que se formou em volta do Infogrota, começou a pensar formas de questionar a construção midiática, de um Complexo do Alemão puramente portador da violência, sobretudo a partir de divulgar as potencialidades do território.

Com um computador e uma câmera emprestada pela Associação de Moradores da Grota, o grupo começou a fazer ações e, mais tarde, fundou o Descolando Ideias- grupo de jovens que divulgam ações, pessoas e instituições e atividades culturais que apresentam positivamente o complexo do alemão.

A partir disso, circulou por diversas instituições, como o Observatório de Favelas, Escola Popular de comunicação crítica, que aumentaram o seu repertório. Disse que o mais importante que as organizações e pessoas podem dar as outras é o conhecimento e esse conhecimento deve ser compartilhado.

Explorar as Novas Tecnologias de mídia é fundamental para reverberar as lutas, violações de direitos e potencialidades locais. Mas, o mais importante, segundo ele, é o de fazer com que os favelados sejam ouvidos e respeitados:

ENCERRAMENTO

Ao fim, alguns participantes fizeram elogios e agradeceram o momento, reconhecendo que, enquanto uma metodologia aberta onde o próprio seminário é um processo da construção do conhecimento, parece que o caminho está indicando que essa é a direção correta. Que venha os próximos.

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ARTIGO Por Raull Santiago

Sobre Midialivrismo

Todos nós somos multimídia, somos capazes de construir informações e compartilhar conhecimentos.

A mídia independente surge como forma alternativa de pessoas e coletivos exporem ideias sobre realidades de diferentes lugares, cumprindo um papel que a mídia tradicional normalmente não cumpre. Uma das ferramentas de base é a “internet”, que tem aparato de fácil acesso e que em áreas urbanas tem grande penetração.

Normalmente as mídias tradicionais (àquelas hegemônicas) vivem da superficialidade, afirmam constantemente questões irreais, descaracterizam as construções coletivas e a vida e a experiência popular, principalmente das camadas pobres. Essas mídias noticiam o que é de interesse de governos/governantes, determinados grupos políticos e conglomerados econômicos. Além disso, deixam de exercer o papel democrático e de participação popular, mesmo atuando a partir de concessões públicas.

No meio desta questão surge o MIDIALIVRISMO, um trabalho sério que discute e influencia diretamente nas políticas públicas a partir do contato P2P, discutindo questões de interesse coletivo e tornado visível situações graves e propositalmente ignoradas pelas mídias convencionais.

Em nosso país muitos ativistas, principalmente os jovens, têm se apropriado das mídias alternativas como forma de ampliação das vozes, por encontrarem no midialivrismo uma forma de colocar seu ponto de vista popular/pessoal ou coletivo sobre ações que os envolvem na maioria das vezes, como: discutir sobre políticas públicas – UPP e PAC.

É importante ressaltar que os midialivristas não atuam somente na internet, usam-se as redes como meio para compartilhar o que está acontecendo e para startar, mobilizar para o que ainda vai acontecer. Exemplos recentes são as manifestações que tem acontecido em diversos estados do Brasil, iniciadas por alguns coletivos na internet. Tem muita gente fazendo a diferença a partir dos 140 caracteres do Twitter, das facilidades Facebook, textos em blogs e outras redes. O alternativo não é apenas poder comunicar, gerar informações, compartilhar e protestar, mas também, ter acesso e fazer transformações de fato.

A cada dia o midialivrismo vem ganhando mais força, dimensões de interferência e mobilizações. Sua presença é de grande importância no cenário atual do país, estado, cidades, todos os espaços. O midialivrista, que normalmente está no exato local onde a situação que ele divulga acontece, acaba por levantar uma discussão muito importante que é a de questionar a forma com que as camadas populares são tratadas diante das intervenções do poder público e da imprensa tradicional. Faz repensar essa mídia convencional que aliena, expõe e banaliza a violência e exploração que as camadas populares sempre foram acometidas.

Qualquer um de nós pode ser multimídia. E a potência de um simples aparelho com acesso a internet é grandiosa diante de atos de terrorismos midiáticos convencionais que antes eram comuns e que hoje são: filmados, fotografados, tuítados, postados, compartilhados, curtidos, discutidos de diferentes formas, com diferentes visões, por diferentes pessoas e coletivos.

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SEGURANÇA PÚBLICA e DIREITOS HUMANOS

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RELATORIA

Segurança Pública e Direitos Humanos no Complexo do Alemão

Estação de Teleférico do Alemão – 06 de Julho de 2013

Dinamizadores:

Juilana – Fiocruz

MC Calazans – Morador e ativista do Complexo do Alemão

Renta – Moradora e ativistado Complexo do Alemão

Raull – Morador e ativista do Complexo do Alemão

Vinícius Esperança – Pesquisador do ISER

O terceiro encontro do Seminário de Produção do Conhecimento ocorreu no dia 06 de julho de 2013 na praça pública localizada junto à estação Morro do Alemão do teleférico, contando com as presenças dos pesquisadores Vinícius Esperança, ISER, e Juliana, Fiocruz, e ainda Raphael Calazans, Renata e Raull Santiago, moradores e atores sociais do Complexo do Alemão, na condição de dinamizadores.

ABERTURA

Alan

Por ocasião da abertura, Alan Brum, um dos organizadores do Seminário, agradece a presença de todos ressaltando a participação de novas pessoas a cada encontro do Seminário. Explica a ideia e o formato dos encontros, adotado na intenção de ser um contraponto ao seminário tradicional ao colocar pesquisadores não em uma mesa, mas junto a dinamizadores da própria comunidade em uma roda, de forma que tenham um diálogo mais direto sobre a temática, desconstruindo a ideia de uma hierarquia de saberes e propiciando uma troca de conhecimentos entre os presentes.

A temática escolhida para este terceiro encontro é Segurança Pública. Tal escolha deveu-se ao “momento por qual passa o Brasil todo, e o Rio de Janeiro também, de eclosão de manifestações e também porque estamos às vésperas da realização do ENPOP, o Encontro Popular sobre Segurança Pública”, conta Alan.

Vinícius

Ao final de sua fala, Alan Brum cede a palavra a Vinícius Esperança, que se apresenta como pesquisador do ISER, pós-graduando em Ciências Sociais na UFRRJ e professor da Universidade Candido Mendes. “Eu estou pesquisando no Complexo do Alemão há cerca de dois anos e meio e antes de iniciar minha pesquisa, eu trabalhava com a área de religião, eu era um pesquisador da religião e um processo que estava acontecendo aqui no Alemão na época da ocupação militar me interessou profundamente”, conta Vinícius, para logo prosseguir.

“Foi a aproximação do exército brasileiro das redes religiosas locais para a realização de eventos sociais, de eventos culturais e uma série de outros eventos assistenciais. Achei muito interessante

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uma instituição do Estado, o exército, entender que só poderia se aproximar da população local através logo da religião. Achei fascinante e comecei a frequentar essas reuniões. A frequência nessas reuniões provocou algo muito curioso, eu estava um dia numa dessas reuniões, e alguém de alta patente, acho que o coronel, chegou de uma forma bastante abrupta e disse que o general queria falar comigo. (...) Eu fui lá falar com ele, ele me solicitou que eu fizesse algum tipo de trabalho de consultoria para o exército uma espécie de mediação sobre como o exercito poderia atuar nas demandas sociais do Complexo do Alemão. E por cerca de dois meses eu acabei atuando como consultor do exército. Não estava trabalhando no ISER, estava como pesquisador free-lance. Mudou o comando e fui convidado a me retirar da base e não mais voltar, pois o novo comando não queria nenhum tipo de diálogo com pesquisadores.“

“Nesse momento me chamou a atenção esse entendimento do exercito em se aproximar das religiões locais se deu possivelmente por um momento específico de crise quando a questão das prisões por desacato foi levantada de uma forma muito veemente especialmente pelo Marcelo Freixo, entre outros militantes, o Alan também estava numa reunião no Colégio Tim Lopes, isso foi levantado de forma muito veemente e ficou algo meio sem explicação, meio escandaloso o excesso de prisões por desacato que o exército estava promovendo. Logo após isso houve uma reunião, eles resolveram que a forma de se aproximar seria via religião. E aconteceram coisas fantásticas. Quem coordenava esse... Fantásticas para um pesquisador. Chegou um momento que um padre era o coordenador, o padre capelão. Ele coordenava todo esse processo e juntava padres, pastores, outros capelães, outros militares ligados à religião para poder efetuar essa possível aproximação através do assistencialismo. Pouco tempo depois esse padre por questões pessoais saiu e assumiu um pastor que também era capelão e começou a haver um processo de protestantização desse processo. Então os católicos começaram a sair. Lembrando que, quando eu falo religião para o exército, é religião cristã. O exército não admite a possibilidade de qualquer outro tipo de expressão religiosa que não seja o cristianismo, então quando foi veiculada a possibilidade de outro tipo de religioso participar, imediatamente foi recusada. Então estávamos falando de católicos e protestantes. E no momento que esse padre saiu quem assumiu foi o próprio general, então num determinado momento estava o próprio general coordenando um projeto religioso secular pelo exército pra se aproximar das redes religiosas locais pra fazer uma ação social assistencialista religiosa. Logo depois eu fui expulso e minha pesquisa adquiriu outro viés (...) eu comecei a circular por ONGs, por pessoas que eu conheço, comecei a andar.”

“O ISER assumiu há cerca de três meses a construção de um projeto pedagógico para os policiais da UPP. Para isso, para construir essa proposta de ensino foi necessária pesquisa. E eu fui pesquisador de campo. Onde eu fui pesquisar a polícia por fora da polícia, dentro dessa aproximação do agente do Estado dessas populações locais, via população. E depois fui pesquisar a polícia por dentro da polícia. Então fui a campo em três UPPs, Nova Brasília, aqui no Alemão e depois na Vila Cruzeiro. Em relação à Nova Brasília, e até pra não demorar muito, alguns apontamentos sobre Nova Brasília e sobre o alemão. Em relação a Nova Brasília, fiquei dois meses aqui todos os dias. A ideia era essa, entender o funcionamento da UPP por dentro, mas o que mais me interessava na verdade era essa aproximação dos policiais de proximidade com a população local, que aliás é uma relação de muito pouca proximidade. Eu poderia chamar a UPP de Unidade de Policiamento de Pouca Proximidade.”

“Acompanhei as incursões policiais como observador, algumas durante a noite e outras durante dia. Eu passei algum tempo acompanhando de longe pra ver como se dava esse tipo de operação, esse tipo de abordagem. Pensando em Nova Brasília, parece que há um ritual de gato e rato. Parece que parte do dia do policial na rua é esse jogo ritual de gato e rato, os chamados esticas são aqueles traficantes que utilizam pequena quantidade de droga pra não serem presos por tráfico, mas somente por porte. Então fica o tempo inteiro essa perseguição ritual que dificilmente gera

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uma prisão ou um tiroteio, então todo o tempo, todo o investimento parece ter gerado uma espécie de jogo, um jogo ritual de gato e rato.”

“Mas são mais três situações que eu acho simbolicamente relevantes para entender essas tensões, aproximações e resistências das populações locais aos agentes policiais. O primeiro são as abordagens policiais àqueles que têm, entre aspas, “atitudes suspeitas”. Não se pode falar, está proibido falar de elemento suspeito. Ele continua existindo claramente mas agora só se pode falar de atitude suspeita. E eu perguntando para policiais circulando pelo Complexo do Alemão, pela Nova Brasília, pelo Morro do Alemão e por algumas áreas em que eles realizavam muitas abordagens, o que é afinal atitude suspeita? É uma coisa muito indefinida atitude suspeita. Na verdade continua sendo elemento suspeito, que é o jovem negro entre quinze e trinta e cinco anos, especialmente que tá usando bermuda, boné, mochila, até aí todo mundo já sabe, acho que não é novidade. Mas atitude suspeita, escutei isso umas quatro vezes e achei muito interessante: A pessoa tem atitude suspeita quando o indivíduo às vezes de um metro e noventa, com um fuzil na mão, colete à prova de balas, você tá fazendo uma curva, encontra com o cara, e o policial disse assim, atitude suspeita é quando a gente olha pro indivíduo e o indivíduo baixa a cabeça, sentiu que ele ficou nervoso é atitude suspeita, então ele merece ser abordado.”

“A maioria esmagadora das prisões por desacato se dá por algum tipo de polo de resistência à grosseria e violência desse tipo de abordagem. Eu falando com o comandante da UPP da Nova Brasília numa incursão que ele fez, eu fui atrás dele enchendo o saco dele perguntando: -Major, vem cá, se o senhor é alguém de atitude suspeita, só que o senhor não é ligado ao tráfico, trabalha vendendo salgadinho, sua mãe prepara o salgadinho e você sai várias vezes por dia pra distribuir esse salgadinho, então você tem que tá circulando diversas vezes por dia pelo território. Aí você sai de manhã, tá atrasado, tem uma encomenda boa e você é abordado daquela forma “delicada”, entre aspas, né, que todo mundo sabe como que é feito. Primeira vez, de manhã, beleza. Dez horas da manhã você sai de novo, você é abordado de novo. Duas horas da tarde de novo. Quatro horas da tarde você é abordado de novo. Major, encheu o saco, né? O Major virou pra mim e falou assim, vou ter que falar um palavrão, desculpa, mas ele falou assim: Vinícius, eu mandava tomar no cu policial. Exatamente isso, chega um momento que o desacato acaba se tornando uma resistência necessária a esse tipo de violência, a esse tipo de abordagem, a esse tipo de jovem que é considerado pela polícia como elemento suspeito.”

“A outra situação são as negociações pra liberação de eventos culturais e isso eu acompanhei de perto, como essas negociações acontecem. E a UPP que tem pretensões muito maiores que segurança, a UPP tem uma pretensão de gestão moral da vida das pessoas dentro desse território, uma gestão moral que quer determinar inclusive o que o indivíduo deve escutar, como ele deve se vestir, como ele deve falar, qual tipo de evento cultural que ele deve participar, o que é aceitável e ficou determinado, pra todo o mundo não é novidade, que o baile funk não é aceitável. O pagode é aceitável, algumas coisas são aceitáveis, o funk ele não é aceitável. E a negociação para esses eventos foi muito interessante. /e uma frase que foi cunhada por três comandantes de UPP aqui próximas, e esse é ipsis literis: se eles se comportarem, eu libero. Mas se não se comportarem, eu bloqueio tudo, não deixo fazer nada.

Então, assim, é uma ideia de tutela, né? A população tem que se comportar, tem que se comportar de acordo com aquilo que eu proponho. Então se não se comportar eu não deixo fazer nada, absolutamente nada.”

“A outra questão que me chama a atenção são as patrulhas realizadas pelas chamadas G. T. P. P. s , que são as Guarnições Táticas de Policiamento de Proximidade em busca de drogas e armas pelos becos e vielas do território. Se na Nova Brasília o que marca é essa interação virtual, jogo gato e rato, no Morro do Alemão a situação é mais tensa. No Alemão há muitos confrontos. Eu percebi

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que a quantidade de confrontos que ocorrem, também não é novidade, todo o mundo sabe disso, mas a quantidade de confrontos que ocorrem e que são registrados internamente na UPP nas chamadas T. R. O. s (Termo de Registro de Ocorrência, o que quer dizer isso, o policial quando sai pra uma incursão qualquer coisa que aconteça, se ele der um tiro ele tem que justificar porque ele gastou uma bala. Ele tem que contar tudo o que aconteceu, então ele escreve uma T. R. O. que é um documento interno da UPP e eu tive acesso a esse documento e eu vi que o número de ocorrências, o número de confrontos é muito maior do que o veiculado, principalmente pela imprensa, quem mora aqui sabe como realmente acontece. Houve meses em que houve quinze, dezesseis confrontos com tiros. E o que chamou minha atenção e eu ainda não tenho respostas, eu tô tentando entender, especialmente no Alemão acontece algo o seguinte, confrontos em que não há vítimas registradas na T. R. O. , confrontos com troca de tiros. Acredito que de cada vinte, dezenove pelo menos não tenham em princípio nenhuma vítima. Há várias possibilidade, ainda não tenho essa resposta. A primeira é que tanto traficantes quanto policiais são péssimos de pontaria, eles trocam muito tiro mas nunca acertam um no outro. A segunda possibilidade é que essa é uma troca de tiros de certa forma ritual pra marcar território, não sei se é uma possibilidade viável. A terceira possibilidade é que essa troca de tiros pode ocasionar vítimas, mas essas vítimas não são registradas.”

“Sem cair no lugar comum de vilanizar policiais, acho que não é esse o caminho, a gente que pesquisa polícia tem um cuidado muito grande em não vilanizar a ação policial, não vilanizar o trabalho do policial, porque dentro da UPP eu conheci policiais extraordinários, profissionais, pessoas e seres humanos muito interessantes, e conheci psicopatas. Especialmente no Alemão, dois indivíduos da mesma função, que não posso dizer nomes, um era uma pessoa muito interessante e o outro era um psicopata. Eram graduados, sargentos, e comandavam GTPPs. Um, eu o vi fazendo isso muitas vezes, ele insistia em dizer pros policiais assim: - Meu camarada, vocês não são donos do morro, os donos do morro são os moradores. E era uma frase que ele insistia em dizer, achei isso significativo. O outro, perguntei pra ele qual o seu papel aqui, e ele falou: - Meu papel é dar porrada em favelado. Então nos temos esses dois aspectos e eu encerro aqui. Obrigado.”

Juliana

Encerrada a fala de Vinícius, tomou a palavra Juliana, aluna da FIOCRUZ, mestre em saúde pública na subárea de violência e de saúde. Ela relata que quando ingressou no mestrado tinha ideia de fazer algo relacionado às UPPs, um projeto relacionado à juventude, visando estudar a juventude e as desigualdades sociais. Durante o trabalho de campo iniciado em 2011 conheceu jovens do morro Santa Marta, que já tinha UPP desde 2008, e do Complexo do Alemão, que começava a ser ocupado.

Nesse período, ouviu diversas críticas a abordagem feita pelas forças de ocupação no Santa Marta, relatos de situações parecidas com a do exemplo do entregador citado por Vinícius. Queixas parecidas também foram ouvidas no Alemão, onde, segundo ela, ninguém acreditava que a ocupação fosse demorar muito tempo. Por conta de tempo e folego, teve de focar sua pesquisa apenas no Complexo do Alemão, dividindo o trabalho sobre a implantação das UPPs e forças de manutenção da ordem.

Quando começou a estudar, o interesse era ver, pensar, no que mudou e o que tem de novo nessa política no espaço de favela. “Pensar numa polícia que seria menos repressiva me contaminou. Frequentei espaços diversos no Complexo, no inicio em contato com jovens que apenas estudavam”.

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Juliana continuou sua fala afirmando que havia uma diferença entre os jovens que faziam parte de instituições sociais e os demais, sobretudo no fato de que os primeiros possuíam o hábito de se manifestar nas redes sociais. Ainda, segundo ela, após a ocupação algumas mudanças ocorreram no cotidiano das comunidades cujas favelas foram ocupadas pelas forças militares, havendo a partir de então, por exemplo, uma diminuição de pessoas armadas circulando pelo local, uma interação entre os jovens dessas favelas e os soldados do exército, diversas queixas sobre a regulação dos espaços públicos e sobre as abordagens policiais que causaram interferência direta nos fluxos circulatórios e de sociabilidade pré-existentes. Foram citados ainda o aumento do numero de assaltos, medo de circular à noite e medo dos embates com as forças de ocupação durante a circulação.

Ao perguntar aos jovens com alguma ligação aos movimentos sociais o que pensavam sobre a atuação do exército no processo de ocupação das favelas constituintes do conjunto de favelas do Alemão, apontaram o desvio de função do exército para fazer a segurança pública, uma situação de militarização da segurança. Demonstraram também uma forte percepção de serem o alvo principal da suspeita e, portanto, não sujeitos da proteção policial.

Em sua pesquisa, Juliana também pode constatar o que considerou uma inexperiência e despreparo dos policiais da UPP e a existência de diferentes visões da comunidade quanto aos policiais de UPP e policiais que faziam incursões. Ao encerrar sua explanação, ela demonstrou sua percepção de que a ocupação do Conjunto de Favelas do Alemão está sob um “equilíbrio que a qualquer momento pode ser rompido”.

Renata Trajano

Após a fala de Juliana, foi a vez de Renata Trajano, que iniciou sua fala se apresentando como moradora da Matinha, “uma comunidade do outro lado do Alemão”. Disse ter trabalhado no ISER, participando do balcão de direitos dentro do Alemão durante 2 anos. “O ISER descobriu o mundo que tinha dentro do Alemão e 200 pesquisadores já passaram por aqui”, disse ela.

“Hoje eu tenho 33 anos, mas em 2007, quando houve a primeira operação no Alemão eu era mais jovem. Houve muitas e muitas violações e pesquisa nenhuma mostrou até hoje o que realmente aconteceu aqui dentro.”

Retomando o relato de Vinícius, Renata questionou o tratamento tutelar que as UPPs destinam aos moradores do Complexo: “Os três comandantes que você pesquisou disseram “se eles se comportarem eu libero [a realização de eventos na favela]”. Mas quem são eles? Nós ou os “meninos”? São questões que a gente tem que colocar”.

Ela afirmou não participar de reuniões com comandantes de UPPs por ser um lugar de hipocrisia. “Ficam o tempo inteiro questionando, dizendo que a comunidade é culpada de tudo. A gente não foi conivente com o tráfico, conivente foi o Estado que formou os policiais corruptos e lá eles estão até hoje. (...) Quando o babaca do Pimentel diz na televisão que favela é lugar de AR15, ele não ofendeu a sociedade, ele ofendeu a favela. A favela não é lugar de AR15, lugar de AR15 é lugar nenhum. Se a gente vai amanhã à rua pedir paz, pedir que a galera faça a manifestação sem violência, sem quebrar patrimônio público, não é pelo AR15, é por nós. A gente cansou. E a favela, ficam dizendo o tempo inteiro que a favela não busca direito, mas eu sempre busquei. Conheço amigos que não buscaram, perderam a sua juventude, hoje estão encarcerados, outros estão mortos, mas não foi porque não tiveram oportunidade, foi porque não quiseram buscar. As pessoas tem que parar com esse negocio de que favela é bagunça. Favela não é bagunça, a bagunça quem faz é o Estado, é o Estado de Direito que a gente vive. Gastaram milhões nesse elefante branco que pra mim não tem utilidade nenhuma. Sabe como eu tive que vir pra cá? Tive que

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descer o meu morro e pegar moto-taxi pra chegar aqui, porque pra eu vir de teleférico teria que descer o meu morro e subir outro morro pra pegar o teleférico.”

“Quando você diz que não pode dar nome aos sargentos por conta da sua ética profissional, o que falou que dá porrada em favelado eu conheço pessoalmente. É uma pessoa que não tem escrúpulo nenhum. Não sei o que ele está fazendo ainda na polícia. Ele é oriundo do 22º Batalhão. Ele tem contra ele 22 autos de resistências. E como começaram, a galera das redes, a cobrar muito junto ao ministério público essa questão dos autos de resistência, jogaram ele pra UPP. Pra você ver, ele é da UPP da Nova Brasília, que não cobre a minha micro área. Ele vai na minha micro área, ele pega os meninos e bota na parede, mas ele não bota na parede educadamente não, ele joga. Ele joga. E nesse jogar ele já tá batendo.”

Renata relatou um acontecido envolvendo seu sobrinho, no qual às 04h00 da manhã um policial invadiu sua casa por ter visto um rapaz suspeito: “Meu sobrinho é negro, a gente tava numa festa e chegou em casa ele tomou banho, tirou a roupa e tava de cueca, o exército arrombou o portão da minha casa (...) e eu fali que quem entrou foi meu sobrinho, aí ele disse: - Foi esse macaco aí mesmo”.

A dinamizadora criticou o tratamento das tropas para com os moradores durante a ocupação do Exército no Complexo do Alemão. Segundo ela, a Infantaria mineira foi a que melhor portou-se neste período, ao passo que “os Pára-quedistas batiam em todo mundo, a Infantaria paulista também”. O BOPE na Serra da Misericórdia não faz nada, fica o dia inteiro tomando Sol. Questionou ainda a atual política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

“ira Nunca tive abordagem legal da policia Em 2007 os policiais o choque barbarizaram reviraram minha casa inteira, só tinha quatro mulheres em casa (...) eu tive fiz dezessete seções no psicólogo porque depois eu não tinha condições de dormir. E ainda tive que aturar o abuso do policial que disse: - Não fica preocupada não, gostosa, se vc não quiser mais morar aqui eu te levo pra morar na minha casa.”

“Eu já conheci bons policiais, conheci um que hoje tá afastado da polícia porque a polícia diz que ele é incapaz de dirigir porque ele questionou um tratamento a uma pessoa detida. Ele tá encostado e, ele me mostrou, o laudo dele diz que ele é incapaz de produção porque ele disse que a pessoa tem direito à vida e ele não vai entrar na favela se não for pra prender. Ele tá deprimido. O cara é perfeito, mas o cara não tem nada. (...) O Estado não aceita o policial do bem.”

“Os relatos de alguns policiais são deprimentes, estão sequestrando pessoas pra ganhar dinheiro. Eles não têm forma mais de extorquir, então extorquem dessa forma. E aí, porque eu sou parente de um traficante X, vou ser sequestrada porque ele vai ter que pagar.”

“Jovens estão sumindo por aí e ninguém tá dando conta, a UPP leva pra abordagem e não volta nunca mais. Quando você vai encontrar um mês depois morto e enterrado como indigente. Então coisas que tem se colocar, a galera da pesquisa tem que ir a fundo, tem que pesquisar, tem que saber a quem pesquisar, porque não é todo o mundo que faz pesquisa que vai e vê o que realmente precisa. (...) Por exemplo, essa história desse PAC que todo o mundo fica igual a um bando de maluco fotografando aí e só a gente que fotografa. Tem área que o governo nem passou mas o PAC tá como pronto. Na minha comunidade tem uma escada que tá pronta mas tem outra que não tem, mas tá constando que tá pronta. Tem morador que era pra estar morando nesses predinhos aqui embaixo mas tá morando no mesmo lugar porque o apartamento dele deve estar com alguém. Comigo não tá, mas deve tá com alguém. Mas ninguém denuncia, ninguém procura. Isso é segurança pública. Segurança publica não é só polícia, uma saúde decente é segurança pública, uma educação de primeira linha é segurança pública. A minha filha tem quatorze anos e hoje ela tá na 8ª série por mérito meu, não dela. Ela estuda muito, ela é aluna de escola pública? É, mas aluna

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de escola pública com médias acima do padrão da escola, que a média de escola pública é cinco.Só que ela não admite tirar aquele cinco porque ela quer fazer faculdade (...) e o que ela fala pra mim é mãe, eu quero hoje, amanhã, depois, ter uma favela melhor. Quando inaugurou o Colégio Tim Lopes ela falou eu espero que quando eu estiver no ensino médio essa escola ainda esteja de pé. Mas a escola tá se corroendo. De que material foi feita a escola? Quem olhou aquela obra? Quem acompanhou aquilo ali? Fomos nós? Foi a sociedade civil? Não, foi o Estado. Então foram materiais de péssima qualidade que botaram na escola. Que já vai entrar e obra, em reforma, porque a escola tá com não sei o quê caindo, a rampa, como assim? Como funciona isso? Então as pessoas dizem o tempo inteiro que a culpa é do favelado que não cuida. Eu sempre fui favelada e coloco sempre que minhas origens são daqui, da favela. E sempre tive a ideia que a escola pública não se destrói porque é patrimônio público é nosso. E o hospital às vezes você chega lá e o médico não tem um atendimento digno pra te dar é porque ele não tem um aparelho digno pra fazer aquilo ali. Quando não tá quebrado, não tem. Igual o caso dos corpos na Maré que IML, um ano depois, foi divulgar que tá com o aparelho de Raios X quebrado, um ano que tá quebrado. O IML é novo, custou milhões aos cofres públicos. Como assim? “Isso são coisas que você tem que analisar.”

Antes de concluir sua fala, Renata questionou o método de pesquisa muitas vezes adotado pelos pesquisadores. Defendeu que uma pesquisa tem que ouvir todas as comunidades, se aprofundar nas questões que envolvem a favela, fazer um trabalho de campo minucioso. E encerrou sua fala com um questionamento ao grupo: “Direitos Humanos, afinal de que se trata?”.

Raull

A seguir, foi a vez de Raull Santiago tomar a palavra. Retomando as falas dos dinamizadores anteriores, ratificou a relação tortuosa das tropas do exército com as comunidades das favelas do Complexo, excetuando-se uma. Defendeu a coletividade e horizontalidade das organizações sociais no Complexo do Alemão e qualificou a Resolução 013 como resquício da ditadura militar.

Raull criticou o fato de os policiais andarem armados pela favela relatando o caso de um amigo do Espirito Santo que estava montando seu prato no self service e, enquanto um policial montava o seu ao lado, o fuzil estava encostando-se ao seu amigo capixaba.

Segundo Raull, “a polícia não pode mediar um conflito do qual ela faz parte, a gente tem que pensar formas de mudar essa situação”. Ele conta ter sido ameaçado de morte quatro vezes e relata que muitos policiais não andam identificados pela favela. Expõe episódios, como o de um morador baleado, no qual o policial responsável por baleá-lo foi acobertado pelos outros.

Raull ainda cita os protestos ocorridos no centro do Rio de Janeiro e critica as falas dos manifestantes de classe média que desconhecem a realidade de violências das comunidades das favelas cariocas. Diz sofrer preconceito por ser tatuado e por ser fotógrafo e relata mais uma vez ter sido sou ameaçado de morte e de prisão fotografar a atuação truculenta da polícia de pacificação.

Encerra sua fala incentivando os companheiros de militância a acreditar na mudança do panorama e do sistema político vigente na sociedade contemporânea.

Raphael Calazans

Raphael Calazans inicia sua fala apresentando Priscila, que fora convidada para ser dinamizadora deste seminário, mas não pôde estar presente. Defendeu a tese de que a violência de gênero contra a mulher é a segunda mais frequente, estando atrás da violência contra negros favelados.

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Argumenta que, enquanto a classe média acaba de descobrir o quão violenta é a polícia, a favela já convive com essa violência há anos. “A minha experiência e a de todos os moradores e que a gente vai para o trabalho e não sabe se volta. Pode encontrar um caveirão no caminho. A gente carrega há muito tempo a criminalização com a gente. Imagina a contradição.”

Raphael Calazans aproveitou sua fala para criticar também as barreiras impostas pela sociedade aos moradores das favelas, que os privam de alcançar condições de vida mais favoráveis à dignidade humana: “O jovem sai da favela e vira jogador de futebol. Ah! Mas o Adriano saiu da favela, num dá certo. Vamos fazer um curso profissionalizante, mas de quê? manicure, pedicure...”.

Síntese do debate

Após a fala dos dinamizadores, seguiu-se um animado debate entre o grupo. O lugar da mulher na questão da violência nas favelas, os limites de uma política de pacificação que carrega muito forte a ausência do diálogo com a comunidade, e o histórico de dor e sangrento da segurança pública no complexo do Alemão veio à tona. Uma das pessoas que participou pela primeira vez do encontro, assim observou: Esse tema de segurança publica e direitos humanos toca tanto no cotidiano das pessoas... é uma coisa emocional e pode gerar problemas psicológicos. Eu agradeço sempre as pessoas ter coragem de partilhar essas situações. Segurança publica como abuso de direitos humanos, mas também tem segurança pública como direito de todos.

Nathalia Menezes

“Medos e receios. Em setembro de 2011, a gente estava fazendo uma atividade que era resgatar as brincadeiras de crianças. Quando a gente terminou fomos a uma praça de alimentação num shopping e nos ligaram falando que após um jogo houve um conflito num bar na rua nova na alvorada. Fomos autorizados pelo major como mídia local e um garoto totalmente despreparado vem tirando tudo da nossa mão. Se um morador faz algo é desacato e quando é o policial que faz? Como denunciar a polícia pra própria polícia? Ano passado a gente estava fazendo o arraiá da paz, mas infelizmente aconteceu um fato que me levou a desistir de uma coisa que era a paixão da minha vida... num determinado momento a polícia criou uma pequena confusão, uma situação que... a gente tinha uma segurança e a polícia estava ali pra ser mais uma segurança no evento. Esses dois eventos ajudaram a descontruir uma coisa que era sonho, desejo... por uma influencia que você vê uma situação que não sai da sua cabeça e ouvir que você podia ter sido atingida. Me afastei de muita gente, mas hoje estou retomando e vendo que é importante tá participando e... achava q esse diálogo não valia mais a pena mas não dá pra desistir, a gente tem que enfrentar.”

Robson

Eu recuo e permito ser agredido para a agressão não ser maior. Existe um funil que limita, parece que querem que a gente permaneça do outro lado.

Raquel

Cheguei ao Alemão em 2006 num contexto de operação policial. A gente passa por uma série de intervenções que se propõem a trazer segurança pública e a gente sabe que não é isso, que há violação de direitos.

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Eu estive na Maré agora no dia da operação do BOPE e fomos acompanhando a operação na tentativa de inibir.

Fernanda

Por que moradores não participaram mais de movimentos como esse?

Rute

Já trabalhei com segurança pública. Ouvidoria de polícia. Controle externo da atividade policial.

Raull

Não participação por falta de conscientização popular (informação) e medo (Raull já é do movimento e eu?). O problema não é de casa, é do sistema. Meu pai me educou pra ser um cara de bem e o sistema me mostra um tênis caro.

Síntese do debate

Em suma, a segurança pública é um corte na rotina e vida de todo o complexo. O histórico de extrema violência e de uma política que só permitiu e se permitiu até então o confronto se deu o fracasso. Esse diagnóstico parece e se confirma com as UPP'S que, nos seus 2 anos no território, não só resolveu a demanda pelo fim da violência como, ao que pareceu, a intensificou de outras formas. Não só fracassou em garantir políticas sociais e direitos sociais básicos, como também trouxe desegregações e descontinuidades para o território.

Fica evidente, ainda mais após mais um desenrolar, que o lugar de protagonismo dos moradores e participação popular plena, não apenas restrita ao controle, mas também na gestão dos projetos e ações no território é fundamental. Viver sob o fogo cruzado é o signo de Segurança pública para os moradores do complexo, romper com essa lógica na perspectiva da exigibilidade do direito exige, de fato, muitos “desenrolos”, organização e atuação. A luta segue...

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ARTIGO Por Raul Santiago

Sobre a Política de Pacificação nas Favelas Não me respeitas como cidadão pleno de direitos. Não respeito suas iniciativas, e leis das quais não participei da criação. As favelas são a maior prova que podemos caminhar sem aquilo que hoje se tornou “alguém”, o organismo imenso e todo poderoso, síntese da centralização, da autoridade, dominador do poder político, econômico e social: o Estado. Do qual através de leis que não participamos da criação, sequer fomos consultados em sua criação e nem incentivados a conhecê-las, somos domados dentro do discurso alucinógeno de que estão nos representando e pensando no bem social.

O Estado nunca se fez presente de forma efetivamente positiva nas favelas, nunca teve interesse na evolução das mesmas. Esgoto a céu aberto, falta de moradia, dificuldades em geral somado a uma educação deveras péssima, sempre foram garantia de voto. Nesta dita democracia, o que se propagandeia como “a arma do povo”, o voto, este quando não violado, é dado “de bom grado” mediante o “sanar” de alguma demanda aparentemente pontual (compra de votos). Democracia esta onde votar é uma obrigação. Guiados unicamente pelo capitalismo, os políticos partidários, usam o dinheiro público como se fosse propriedade do Estado, esquecendo propositalmente que o Estado não é alguém para ter alguma posse e sim, divisões administrativas do que é de todos. A partir do entendimento irreal de Estado como sendo um alguém, criam “políticas públicas” vindas de cima para baixo, sem ligações profundas com a realidade, como nas favelas, onde no planejamento das ações propostas, não há participação popular no pré-desenvolvimento daquilo que irá impactar diretamente o seu dia a dia, como por exemplo: as políticas de segurança – as UPPs. Como é comum quando se fala contra a UPP, nos questionam como defensores de traficante e daí para pior… A questão real é bem simples: Como o tráfico passou a existir e se tornou tão forte financeiramente? Como as drogas e armas chegam as favelas? Tem muita gente engravatada ganhando com isso! Importante, para além de acabar com o tráfico (sabendo-se que este é muito lucrativo para grupos específicos políticos partidários e oligopólios) é trabalhar nas bases, melhorando a educação, fazendo-se valer os artigos dos direitos humanos, cuidando de nossas crianças, para que o tráfico seja quebrado em sua raiz. Porém, ser representado pelo Estado, na “democracia” que vivemos, é exatamente fortalecer o ciclo da dependência e sobrevivência que levam nossos jovens a escolher o caminho muitas vezes sem volta da vida do crime. UPP é nada! Não é essa política marqueteira de “Pacificação” que irá selar os diversos caminhos que levam um jovem sonhador a entrar nessa arriscada vida. Ninguém sonha em ser traficante! Nenhuma mãe quer enterrar o filho! Não dá mais para aceitar discursos vazios que circundam a superficialidade. Temos cadeias que fomentam a animalidade, a desumanidade, o não-sentimento. Locais que deveriam ser de recuperação, mas que em suma fazem o oposto. Temos uma sociedade que usa a palavra miscigenação somente por achar interessante, pois, o preconceito é forte e presente, em toda parte. Principalmente com os egressos. UPP não passa de política partidária de reeleição, criada sem nenhum interesse no bem estar da população moradora de favelas. É apenas o braço do Estado que tem a função de Manter a Ordem, o que é bem diferente do discurso de “trazer a paz”.

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Paz sem voz não é paz, é MEDO. Marcelo Yuka

UPP é como George Orwell - 1984, com o “grande irmão” cercando por todos os lados. Policiais são defensores do “Estado como alguém”, cumprem ordens para defendê-lo mesmo quando este viola totalmente os direitos do cidadão. Não só nas favelas, como também nos protestos. Historicamente assim! A UPP quando chega às Favelas se torna referência, o exemplo de monopólio, atropelo e real intenção do tipo de intervenção que propõe o “estado como alguém” no local: o controle autoritário geral do território. Exemplo disso é uma instituição de segurança passar a ser o principal canal de mediação entre estado e demandas da favela, mais que isso, incumbida de tomar decisões sobre arte, cultura. Isso é verdadeiramente surreal! Derrubar a resolução 013 “de boca” é fácil. Pacificar em comercial, mais ainda. Difícil é fazer esquecer o que está tatuado na retina: o ódio exercido por policiais para com as populações faveladas através de abusos, arbitrariedades, desrespeito, violações, agressões e assassinatos. Pacificação de UPP e só, é contenção da camada pobre, autoritarismo armado! Política Inaceitável. Interessante mesmo é a interpretação de Proudhon: governo do homem pelo homem é servidão. – É ser inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, parqueado, doutrinado, predicado, controlado, calculado, censurado, comandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude… Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido. É, sob o pretexto da utilidade pública e em nome do interesse geral, ser submetido à contribuição, utilizado, resgatado, explorado, monopolizado, extorquido, pressionado, mistificado, roubado; e depois, à menor resistência, a primeira palavra de queixa, reprimido, multado, vilipendiado, vexado, acossado, maltratado, espancado, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, no máximo grau, jogado, ridicularizado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral!” Pela desmilitarização da PM.

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CRIAÇÃO, CRIMINALIZAÇÃO e RESISTÊNCIA: CULTURA na FAVELA

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RELATORIA

Criação, Criminalização e resistência: cultura nas favelas

Largo do Bulufa – Complexo do Alemão - 24 de Agosto de 2013.

Dinamizadores:

Veríssimo Júnior – Ator, diretor e professor

Raphael Calazans – ativista morador

ABERTURA

Alan Brum

O “Vamos Desenrolar”- Seminário de Produção do Conhecimento é um espaço de integração e troca de saberes, englobando discussões políticas, culturais e sociais no âmbito das favelas e especificamente do Complexo do Alemão.

No último encontro, foi sugerido aos participantes que escrevessem um artigo sobre os encontros (acadêmicos ou não-acadêmicos) para que tivéssemos uma memória dos mesmos.

Nesse encontro foi convidado o Veríssimo e o Edmar, que é um produtor cultural da Favela. Edmar voltou recentemente a realizar os bailes funk no complexo do alemão.

Veríssimo

Veríssimo é ator, diretor e professor de Teatro.

Eu ficaria muito honrado se o pessoal do ArtDancy viesse aqui pois eu queria contar uma história para vocês.

Viveu na Grécia há muito tempo atrás, milênios, um povo muito criativo e inteligente e que deixou para nós mais coisas do que imaginamos. Alguns exemplos são os nomes dos planetas (Mercúrio, Vênus), e a novela das 18h (Globo) na qual o enredo é um homem que viaja e retorna em meio a várias dificuldades, baseado no romance Odisséia.

Haviam diversos Deuses na mitologia Grega, dentre eles, Apollo, o Deus mais perfeito, o Deus da beleza e Dionísio que era exatamente o contrário de Apollo. Um dia Dionísio foi em Atenas, na Grécia, ele era o Deus das orgias, do vinho, das festas. Todas as cidades fecharam as portas para Dionísio. O Rei Penteu disse que era proibida a entrada de Deus em sua cidade. Dionísio sentiu-se ofendido pelo povo e pegou todas as mulheres da cidade, inclusive a mãe de Penteu e transformou-as em mulheres que pregavam pelo cortejo dele e levou todas elas para uma montanha. Os homens da cidade olhavam para a montanha a noite e ficavam loucos e irritados com as festas que ocorriam.

Os atenienses decidiram fazer um acordo com Dionísio. Trouxeram seus rituais para a cidade com uma condição: Tudo era de mentira. As festas não tinham mais selvagerias, o vinho não era mais vinho e nem todos podiam participar.

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Qualquer semelhança com a história do funk não é mera coincidência. As pessoas, ao mesmo tempo em que condenam, desejam participar. O que antes ocorriam nos atenienses, hoje ocorre com os jovens de classe média que vão ao morro, para os bailes. Criminalizar é um recurso antigo que os poderosos usam. Aquilo que eles não entendem, reprimem. O funk tem algo mais milenar do que podemos imaginar.

Veríssimo gostaria de trazer essa história do funk para os palcos do teatro e faz o convite aos membros do ArtDancy.

O Gigolô Moderno

O gigolô moderno faz sua vítima se sentir um lixo, para assim legitimar sua exploração. O passinho é uma nova linguagem, e o verdadeiro artista cria sua linguagem e não segue regras. O mercado tem uma relação de gigolagem com as comunidades. Pega a ideia, mastiga, digere e transforma em um produto novo que os seus criadores não o reconhecem mais.

Veríssimo cita um caso de que durante os desfiles de escola de samba, o exército apontou seus tanques para o morro da coroa para impedir a perturbação da ordem. O samba, que é uma música que nasceu do popular.

Ele cita o caso de Seu Osmar, o homem que formou grandes jogadores como Adriano, na Vila Cruzeiro. Pegaram Adriano e o transformam em um mito, enquanto o Campo do Ordem e Progresso não tem gramado e vive com poças d’água. Seu Osmar ainda continua formando bons jogadores na sua escolinha. O capitalismo é predatório, pois ele só arranca e não planta.

A diferença entre ética e moral

Moral é quando você vê em uma pessoa um ser para ser bombardeado de sermões e valores.

Ética é quando você reconhece a outra pessoa como um ser de respeito, que tem sua autonomia.

DEBATE

Adriana Facina

Mostra-se surpresa com a continuidade das criações culturais na favela mesmo com a criminalização. Um arte nova como o Passinho que surgiu no meio de tanta repressão a cultura popular.

Conheci o Calazans em um seminário: estética da periferia. Uma das coisas que sempre me incomoda é que a arte das comunidades é forçada a se adequar ao social. Resgatar a arte enquanto arte, não importa se vem da favela ou de qualquer outro lugar.

Veríssimo

Pergunta aos meninos do ArtDancy como eles se preparam.

ArtDancy

Diz que eles ensaiam para sempre ter novos passos, para não ficar repetidos. Mas o passinho é algo de improviso quase sempre.

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Veríssimo

Uma das coisas que mais irritam quem é do teatro é que as pessoas apenas vêem o produto final da arte e não toda a dificuldade para ela ser realizada. Eu nasci em uma favela em Recife, hoje habito em um ambiente de classe média e reparo que todos aonde moro apenas vêem o produto final da arte. Não observam o centro de produção das artes (praças, lajes, interior das escolas). Se a cidade fosse democrática, além da UPP para segurança, os centros de produção sofreriam investimentos para melhorias.

Dizem que o funk é machista, porém, Marcelo Nova (rockeiro e parceiro de Raul Seixas) tinha composições machistas e ninguém nunca o criminalizou.

Artista é bom quando ensina outros a fazer artes.

O sexo é um tabu na sociedade, na qual os jovens apenas aprendem que o sexo engravida ou transmite doenças e quando o funk fala do ato em si, da alegria que ele proporciona, é criminalizado e chamado de imoral.

Alan Brum

Como funciona o processo de desconstrução da cultura nas favelas ditas pacificadas: O Processo de negação e proibição das culturas apenas força surgir novas formas de culturas. A opressão da cultura é a opressão de um modo de vida. Hoje os moradores têm receio de ficar na rua, nos espaços abertos. Querem colocar shoppings no modelo de consumismo dentro das comunidades, urbanizando e oprimindo as formas de sociabilização tradicionais. A arte não precisa ser sociabilizada, não precisa ser uma fala política.

Alexsandra Silva

Falando em cima do que Alan falou sobre comportamento das comunidades. Um dia eu observei de cima da laje observando os meninos soltando pipa e ela observou uma pipa “avoada” e que não havia mais crianças atrás da pipa. Eu fiquei surpresa com essa mudança de comportamento da juventude.

Juliane

A Favela é vista como lugar errado, sempre foi marginalizada. A favela não é vista como algo construtivo.

Calazans

Vendo a Joaquim de Queiroz, e ontem ele estava na barra da tijuca, aonde é tudo plastificado e comparou a vivencia da favela e a vivencia dos bairros de classe média. O salão de beleza, o bar, a igreja e o próprio seminário, todos num só ambiente, isso só acontece na favela. A criminalização dos bailes nas favelas pacificadas destrói a produção da juventude, a vivencia de amores, amizades e a formação do jovem favelado como homem. O baile gera renda, desde o moto táxi até o salão de beleza. O passinho é o modo de vivencia do jovem, a rua e os bailes o completam.

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Luan

Uma coisa que o tem preocupado é a propaganda da UPP na sociedade. Quando ela se propõe a fazer segurança e mostrar algum resultado público para uma sociedade que não vive ali. O que efetivamente mudou com a chegada da UPP? Grandes produtores chegaram, ONGs e “exemplos a serem seguidos” da população pobre e a imagem foi vendida da melhor forma possível para a sociedade.

Veríssimo

Citando um verso de Bertolt Bretch: “as vezes vejo meu filho rindo do jornal quando fala que é proibido ricos e pobres dormirem embaixo da ponte”. Uma das formas mais cínicas de perpetuar as desigualdades é fingir que elas não existem é tratar os desiguais como se fossem iguais. A UPP usa de um artifício calhorda: o diabo ou o coisa ruim? A escolha do pobre entre apanhar da polícia ou do tráfico. o pobre não quer apanhar. Aqui a polícia é a primeira a mediar problemas, no asfalto é a secretaria municipal e afins. Quando foi criado o teatrinho do grupo teatro da laje na rua A, era uma coisa bem careta e na gambiarra. Quem nunca teve tem que improvisar. Aqui a Cultura é caso de polícia e não caso da Secretaria de Cultura. O Estado Policial Militar é glamourizado em forma de príncipe de baile de debutante e etc. Não se cria glamour em estado de vigilância. Quando se fala em cultura as pessoas enxergam como as grandes obras literárias, grandes artistas e não como a cultura marginal das favelas. O favelado tem sempre que negociar para sobreviver. Sentar no fundo do ônibus para não ser confundido com ladrão, mudar o endereço na hora de procurar emprego e etc.

Alan Brum

O pobre vive de estratégias, como o pagode que surgiu aos poucos na favela pacificada. Primeiro começa com um pagode de mesa, sem palco ou faixas, chegando aos poucos, sem pedir autorização, até constranger o comandante da UPP e os órgãos governamentais ao ponto deles não terem como negar autorização.

Argentina

Não deveria haver briga para investimentos em projetos. Quanto custa manter o Teatro Municipal? Quanto custa uma virada cultural?

Não deveria ser necessário brigar por coisas óbvias. Os equipamentos culturais deveriam existir sempre, e não ser algo esporádico como a Praça do Conhecimento (que no projeto original, constava que deveriam ser construídas sete).

Veríssimo

Se você divide o orçamento da cultura por áreas torna-se algo desleal. Como se MC Calazans disputasse edital com Mc Naldo, ou um ator da favela disputasse com um global.

Citando uma frase de Baquiti: A fala tem o valor social que tem o falante. O problema não é a música mas é o falante. Não é a música e sim da onde ela veio.

Alexsandra

O samba na década de 20 era criminalizado. Era algo visto como algo de negros marginais. Lutou pra conquistar espaço e ser respeitado.

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Calazans

A criminalização do funk é a vontade de tornar a favela numa barra da tijuca.

ENCERRAMENTO

Alan Brum

Agradece a todos e fala sobre os próximos encontros, no dia 14 de setembro e 5 de outubro e o seminário final em 07 de dezembro.

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ARTIGO por Adriana Facina Sobreviver e sonhar: reflexões sobre a cultura no Complexo do Alemão (antropóloga, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ) Numa entrevista concedida por Raphael Calazans para a equipe de pesquisa Mapeamento da Produção Cultural e das Práticas de Letramento no Complexo do Alemão, coordenada por mim, o MC fala em cultura de sobrevivência para explicar o que é a cultura no Alemão. Assim, mais do que expressões artísticas específicas, a cultura envolveria modos de vida permeados de solidariedade e de estratégias para garantir direitos e acessos aos benefícios da modernidade, como luz elétrica, água encanada, internet e TV a cabo. A criação artística não pode ser separada disso, pois ela é criada pelos mesmos valores e elabora simbolicamente práticas cotidianas do chão dos becos que se tornam matéria-prima da criatividade. Segundo o MC, é desse ponto de partida que se pode compreender o grafite, o samba, o funk etc. Sua formulação é muito próxima a de Homi Bhabha, intelectual indiano que se dedicou a pensar cultura e pós-colonialismo. Vejam o que diz Bhabha: “Nesse sentido salutar, toda uma gama de teorias críticas contemporâneas sugere que é com aqueles que sofreram o sentenciamento da história – subjugação, dominação, diáspora, deslocamento – que aprendemos nossas lições mais duradouras de vida e pensamento. Há mesmo uma convicção crescente de que a experiência afetiva da marginalidade social – como ela emerge em formas culturais não-canônicas – transforma nossas estratégias críticas. Ela nos força a encarar o conceito de cultura exteriormente aos objets d’art ou para além da canonização da “ideia” de estética, a lidar com a cultura como produção irregular e incompleta de sentido e valor, frequentemente composta de demandas e práticas incomensuráveis, produzidas no ato da sobrevivência social. A cultura se adianta para criar uma textualidade simbólica, para dar ao cotidiano alienante uma aura de individualidade, uma promessa de prazer. A transmissão de culturas de sobrevivência não ocorre no organizado musée imaginaire das culturas nacionais com seus apelos pela continuidade de um “passado” autêntico e um “presente” vivo – seja essa escala de valor preservada nas tradições “nacionais” organicistas do romantismo ou dentro das proporções mais universais do classicismo.” (O local da cultura, p.240-241). O que existe de comum entre as experiências culturais produzidas e vividas nas favelas cariocas e as dos povos que foram subjugados mais diretamente ao colonialismo imperialista? Responder a essa questão significa refletirmos sobre os sentidos da cultura. O processo de subalternização de povos, classes sociais, etnias, gêneros sempre envolve elaborações culturais que permitem hierarquizar simbolicamente formas de vida, produções estéticas e valores éticos. O Outro é constituído por ausência: selvagens, bárbaros, incivilizados, sem cultura ou portadores de culturas inferiores. Caberia aos civilizados disseminarem seus modelos de interação social e de produção de cultural para o resto da humanidade, num processo de enquadramento permeado de violência simbólica. Nessa lógica, as crianças argelinas, no período da dominação francesa, liam nos livros de História frases como “nossos antepassados, os gauleses...”. Proibidas de falar a sua língua, o árabe, e com sua história apagada nos bancos escolares, elas eram preparadas para aceitar a superioridade francesa e a buscar um lugar subalterno no arranjo imperialista. Felizmente, por mais avassaladores e violentos (simbolicamente e de fato) que sejam esses processos, as resistências são múltiplas e impedem que a subordinação seja absoluta. Do mesmo

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modo que a cultura serve para submeter e exercer a violência simbólica, para marcar distinções sociais, como diria o sociólogo Pierre Bourdieu, ela também permite a construção de memórias e identidades outras, demarcando diferenças como afirmações positivas de dissidências políticas, subjetivas, existenciais, culturais. A cultura surge como recurso acionado para produção de contra-hegemonias emancipatórias, permitindo colocar em perspectiva, relativizar e se contrapor ao discurso hegemônico, com seus valores cristalizados e suas naturalizações. As favelas cariocas sempre foram palcos de múltiplas intervenções do Estado que buscavam, seja pelo meio explícito das remoções, seja por mecanismos mais sutis de aculturação, desfavelizar a cidade. Como os povos colonizados, a favela também era e é vista como lugar da barbárie, da ausência de tudo, incluindo cultura, como incivilidade. Seja nas representações midiáticas criminalizantes que equacionam favela = lugar do crime, lugares onde não se deve ir. Seja nos discurso de ONGs e afins que buscam “levar a cultura para a favela”, geralmente relacionando cultura a formas artísticas canônicas e tratadas de maneira desterritorializadas. É o balé na favela domando os corpos produzidos nas infinitas belezas da diáspora negra. É o violino na favela enquadrando musicalidades deslegitimadas. É o tambor na favela como promessa de acesso a uma vida de artista entendida no sentido mais burguês e conformista do termo. O que falta aí é a percepção da favela como produtora de culturas. Culturas essas expropriadas pelas elites sem que se dê nada em troca, como diz Veríssimo Júnior. Esprema-se até o bagaço, jogue-se fora e colham-se novos frutos que não foram plantados por quem colhe. A lógica é essa. É nessa lógica que podemos entender porque o mesmo PAC que destrói uma das maiores galerias de grafite a céu aberto, a da Avenida Central no Morro do Alemão, constrói uma escola chamada Tim Lopes, como a alertar a todos: “educação para evitar que essas sementes do mal se tornem marginais”. É essa a lógica que orienta uma ocupação territorial armada, as UPPs, a colocar policiais para agirem como árbitros culturais, definindo o que pode e o que não pode ser manifestado. Quase sempre o que pode não tem relação com as culturas próprias das favelas, aquelas que articulam resistência e reexistência. Mas essas culturas sobrevivem. Sobrevivem porque, enquanto culturas de sobrevivência, aprenderam a fazer da dificuldade e do sofrimento as matérias da criação. Sobrevivem porque ressignificam a vida, dão a força e a energia para se continuar. Sobrevivem porque portam vozes imemoriais tornadas contemporâneas que produzem outras versões sobre o que é o mundo e sobre o que ele deveria ser. É o grafite que volta, é baile funk que volta, é o rap desafinando o coro dos contentes ao cantar “Polícia passa e fica a dor”, é o passinho na quebradeira desafiando no corpo as iniciativas de domesticação e instituindo o orgulho dance (“eu sei, você não sabe”, “quero ver fazer igual”, vai?). Herança da diáspora africana, as culturas das favelas são narrativas que portam a memória de lutas, de experiências compartilhadas que se perpetuam na história por meio das poesias, das músicas, das formas de interação social, da arquitetura e em tantos outros lugares onde a criatividade enfrenta o mundo tal como ele é e ensaia o mundo como vir-a-ser.

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HOMOFOBIA nos ESPAÇOS de FAVELAS

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RELATORIA Homofobia nos espaços de Favelas

Campo do Sargento – Complexo do Alemão – 21 de setembro de 2013

Dinamizadores: Guinha – ativista LGBT Complexo do Alemão

Mayque – ativista LGBT Penha

Gilmar Santos – Presidente da Ong Conexão G – Maré

Paulo Vítor – Pesquisador ISER

ABERTURA

Guinha

Guinha inicia a conversa do encontro contando de sua participação em um time de futebol no qual somente ele e mais uma amigo eram “gays”. Fala um pouco da desunião entre o público gay. Disse que fez vários convites para o encontro, porém não houve adesão do público.

Mayque

Mayque conta que trabalha com moda e com o movimento LGBT no Educap, que conversa muito com jovens héteros sobre a questão da saúde.

Gilmar

Ele relata que o movimento, Conexão Maré, surge na Maré em 2005 por ocasião de certo grau de preconceito no território. O movimento começa com distribuição de preservativos na comunidade. Sua formação teve inicio no Cedaps e Pró Mundo.

Reafirma a desmobilização do público GBT. Diz que sofreu preconceito de outro Gays,“O que esse gay favelado tá fazendo aqui” escutou em outros espaço da cidade. Gilmar começa a pensar em falar para além da favela,“em falar para o mundo”.

O ativista conseguiu financiamento internacional para expandir suas ações, acha que hoje não pode mais falar somente com o movimento LGBT. Fala com o semblante triste que as paradas gays viram uma festa,perderam o cunho político,e da dificuldade de falar e homofobia em espaços favelados.

O Conexão G (Maré) está pensando em outras intervenções que ultrapassem a temática das paradas.

Em um outro momento fala novamente da falta de união entre os diversos movimentos LGBTs. Termina sua fala com uma frase de efeito: “Igual a você eu quero respeito”.

Paulo.

Paulo fez uma pesquisa na Maré com homossexuais,e ressalta que existem apenas dois estudos do gênero em favelas. Fala uma pouco de sua pesquisa e põem em dúvida o porque do silêncio sobre

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estudos LGBTs em favelas. Conta uma declaração bizarra que escutou de uma liderança na Bahia: “Em favelas virou esporte caçar gays”.

Fala da importância da inclusão dos LGBTs em outras temáticas, e das violações dos direitos desse público por parte dos traficantes, dos moradores e da própria polícia.

Como outros dinamizadores do encontro, ressalta a importância do diálogo com outros grupos para além dos grupos LGBTs. Diz que vem tentando “confortar uma força de grupos e pensamentos”, fala da formação de grupos LGBTs em outras favelas e parabeniza o pioneirismo do grupo Conexão G.

Paulo toca na ferida aberta que é a importância de conquistar à Academia para temática Gay, igualdade racial, questão de gênero, violência, etc.E que espaços que discutem LGBT passem a discutir essas temáticas.

DEBATE

RESPOSTAS ÀS COLOCAÇÕES

Gilmar

Responde a uma questão sobre o assistencialismo por parte de igrejas evangélicas e questões bíblicas na sua catequese, novamente, fala da violência com os gays por parte dos traficantes. Discorre um pouco sobre a dificuldade de aceitação e repressão dentro no âmbito familiar.

Ele acha que os gays “fazem e dizem coisas para agradar os outros. Ainda fala da dificuldade de aceitação da homossexualidade nos dias atuais.

Reconhece a importância do Conexão G e de sua liderança dentro da comunidade,pois “as lideranças estão vendidas ou compradas”. E, mais uma vez fala da falta de união dentro dos diversos movimentos LGBTs.

O militante fala da surreal possibilidade de uma “caça aos gays” e, novamente, surge a questão da violência dos traficantes.

Paulo

Fala da dificuldade na discussão com teólogos, acha que não disputa com Feliciano e Malafaia.

Fala da importância da formação de Agentes de Saúde para agregar valores no diálogo com o público LBGTs nas favelas e da importância de criar espaços de discussão com pastores, grupos espíritas em ONGs locais. O antropólogo também fala da rejeição e não aceitação dos gays, da desmobilização do culto afro e da desconstrução da cultura negra.

Gilmar

Toma a palavra para falar do preconceito no atendimento público de saúde.

Guinha

Acha que, nas escolas, deveria ser criado um núcleo para falar de sexualidade e outros assuntos ligados ao tema.

Paulo

Diz que naquele espaço “estamos falando muito além do LGBT, estamos falando de saúde, segurança e trabalho”,espaços de troca como esse é um desafio”. O pesquisador fala da limitação das escolas em formar alunos quanto a sexualidade e da limitação dos profissionais.

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ENCERRAMENTO DA ATIVIDADE

Gilmar

Ressalta a responsabilidade de dar continuidade a essa temática à partir do seminário de hoje.

Alan

Fala da intenção coletiva de levar temas relevantes para pensar dentro do Complexo do Alemão e encerra a atividade agradecendo todos os participantes.

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ARTIGO por Gilmar Santos

Muito Prazer eu Existo

Este artigo é relacionado às violações de direitos e a vivência de uma população como população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais ) de Favelas. Para que possamos entrar no conhecimento sobre essa realidade nestes territórios é preciso conhecer como se da e o porquê da homofobia. Podemos entender que a violência homofóbica é cometida contra indivíduos cuja orientação sexual e/ou identidade de gênero presumidas não se conformam à heteronormatividade. Ou seja, são também recorrentes episódios contra sujeitos que, apesar de se autoidentificarem como heterossexuais, têm a eles atribuídas características que fazem com que os perpetradores das violências os classifiquem como LGBT. Violências contra a população LGBT estão presentes nas diversas esferas de convívio social. Suas ramificações se fazem notar no universo familiar, nas escolas, nos ambientes de trabalho, nas forças armadas, na justiça, na polícia, em esferas do poder público e nas favelas. Entre os tipos de homofobia, podem‐se apontar a homofobia institucional (formas pelas quais instituições discriminam pessoas em função de sua orientação sexual, identidade de gênero e local de moradia) e os crimes de ódio de caráter homofóbico, ou seja, violências, cometidas em função da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. A homofobia estruturante da sociedade brasileira vitima não apenas a população LGBT – cujas possibilidades de existência em sociedade são mediadas pelo estigma que carregam, limitações especialmente visíveis quando se trata de travestis e transexuais, mas qualquer indivíduo cuja identidade de gênero ou orientação sexual seja percebida como diferente da heterossexual ou cisgênero.

As persistentes violações de Direitos Humanos de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTs) são exemplos de práticas de homofobia no país. As violações são várias: vão desde agressões físicas a ameaças, humilhações, discriminações, negligências, abusos sexuais, negação de direitos, entre outras.

Ao mesmo tempo, o Brasil vive atualmente um movimento paradigmático em relação aos direitos humanos da população de transexuais, travestis, lésbicas, bissexuais e gays. Se, por um lado, conquistamos direitos historicamente resguardados por uma elite heteronormativa e aprofundamos o debate público sobre a existência de outras formas de ser e se relacionar, por outro assistimos a aterradora reação dessa mesma elite em sua pretensão de perpetuar o alijamento desses sujeitos e seus afetos.

Em 2012, pela primeira vez no Brasil, foram lançados dados oficiais sobre as violações de Direitos Humanos da população LGBT reportadas ao poder público federal por meio do “Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, o ano de 2011”. Esses dados foram coletados em paradas LGBT e em outras atividades para essa população e mostram do número de violações noticiadas ao poder público federal. Hoje, segundo o GGB - Grupo Gay da Bahia, a cada dois dias um homossexual é assassinado. A violência nesses espaços e preocupante exige uma postura firme e comprometida, não só do governo federal, como também dos governos estaduais e municipais, dos demais poderes da

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República, da sociedade civil e de cada cidadão e cidadã individualmente. Se quisermos nos aprofundar sobre esses dados e, por exemplo, olharmos no interior das favelas, veremos que essa realidade pode ser pior, já que nestes territórios a população LGBT vive submissa a uma cartilha construída pelo poder paralelo. Ser homossexual em favela é viver sob regras criadas por diversos setores. A cultura da religiosidade no território é muito forte e faz com que gays, lésbicas, travestis e transexuais não vivam conforme seus desejos e sua liberdade de expressão, como previsto em nossa lei. Quero chamar a atenção para um público que mais sofre homofobia na comunidade que é o das travestis e transexuais. Pela minha vivência nessa comunidade e por anos de trabalho com essa população, posso perceber que o respeito a elas não existe. A trans nesses espaços ainda é marginalizada e reprimida, indicando que é preciso se pensar em uma cultura de paz e acolhimento para essa população nas favelas. Por falta de dados, consideramos que as violências nesses territórios podem ser maiores e queremos, desde já, começar a trabalhar e construir uma política verdadeiramente inclusiva para toda população.

Quando olharmos para o interior da comunidade, podemos ver uma população esquecida e não inclusa nas políticas criadas e pensadas para os territórios. A ausência de política pública no território contribui para o avanço da homofobia.

É preciso coragem para encaramos os desafios de frente, para expressarmos que a violência não deveria fazer parte do Estado Democrático de Direito que construímos dia após dia. O Brasil é um país plural com um povo diverso, cujas riquezas principais deveriam ser a diversidade e o respeito humano. A população LGBT, assim como todos os demais brasileiros e brasileiras, merece respeito aos seus direitos para desfrutar de um país com um patamar de desenvolvimento capaz de incluir a todos e todas.

Podemos perceber que política nacional não é inclusiva, entender que a homofobia dentro da favela ainda não é pauta para o movimento LGBT nem para a sociedade. Desde o início do Grupo Conexão G, percebemos isso, o que sempre nos preocupou bastante. Por isso, queremos garantir que essa temática seja posta em discussão em várias frentes. Nossa proposta é criar um programa de prevenção e combate à homofobia nas Favelas, com o desenvolvimento de ações pensadas para os territórios.

É preciso pensar em um território onde haja respeito com todos e todas, sem discriminação de cor, orientação sexual etc.

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MIGRANTES: ENRAIZAMENTO e DESENRAIZAMENTO

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RELATORIA

Migrantes:

Enraizamentos e Desenraizamentos

Morro dos Mineiros – Complexo do Alemão – 19 de Outubro de 2013.

Dinamizadores (A confirmar):

Marize Cunha – Pesquisadora FioCruz

Dona Benedita – Moradora do Complexo do Alemão.

Dona Ana – Moradora do Complexo do Alemão.

Numa tarde quente de sábado, num dos locais com menos investimentos em infraestrutura urbana do Complexo do Alemão - O morro dos Mineiros - aconteceu o 6º encontro Vamos desenrolar!

ABERTURA / APRESENTAÇÃO

O tema exigia um lugar que não poderia ser outro que não aquele, reduto de migrantes, sobretudo mineiros, que resistem, significam e constroem não só o morro dos mineiros mas todo o complexo. E quem capitaneou o “desenrolou'' foi quem, como a mesma diz “manda na área”: Dona Benedita, 85 anos, dos quais 38 anos de complexo do alemão. A sua companhia estava Dona Ana, também moradora local, com 40 anos de morro dos Mineiros. E marta, mais jovem, nascida e criada...e, recentemente, arrancada do seu local- a avenida central no morro do alemão- pelas Obras do PAC. Tudo estava posto para um “desenrolo quente”, aberto e cheio de vida.

DEBATE

Após a abertura feita pela professora Adriana Facina, deu início a uma legítima roda em conversa. Onde todos se sentam ao redor da pessoa mais velha para ouvi-la.

Marize

Na roda, a professora Marize iniciou com algumas perguntas básicas a dona Benedita: “De onde a senhora veio, onde nasceu, como era? As resposta iniciaram um diálogo aconchegante onde a biografia da simpática senhora era narrada ao mesmo tempo que ia costurando o seu passado com o seu presente no morro dos mineiros: As memórias da Dona Benedita, geravam no presente conhecimentos que brotaram no morro dos mineiros. Já que por aqui, ela não conseguiu emplacar com a sua horta.

Dona Benedita

Mineira, “prá lá de Valadares”, dona Benedita foi a primeira a vir. Logo em seguida sendo acompanhada pelo marido e filhos. Ao chegar por aqui, tentou dar continuidade a vida de agricultora como era na sua terra natal. Sem sucesso, ficou com algumas plantações de ervas

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medicinais e com o papel de “fundadora” do Morro dos Mineiros, que, como o próprio nome indica, é um local habitado massivamente por moradores de Minas Gerais.

Ela conta que de forma muito rápida o local se transformou, muita gente migrou e complexo cresceu. Porém o Morro dos Mineiros ainda conserva a cultura, unidade e companheirismo entre os moradores, pois foi isso que os garantiram e ainda os garantem lá. Ela também conta que circula por todo complexo e é bem-recebida demonstrando profunda afetividade pelo complexo: “daqui, não saio por nada!”

A roda de conversa segue reproduzindo uma sala da casa onde os mais velhos contam estórias e aconselham os mais novos: Dona Benedita fala sobre receita de remédios, ervas medicinais e algo que ela reforça: nada teme! Seja nos tempos antes da UPP e com a UPP, ela se coloca como dona do território.

Marta

Já Marta, teve um movimento oposto ao das duas senhoras. Ela nasceu e cresceu no complexo. Porém, teve de sair pois sua casa foi destruída pelo PAC. Ela conta que, assim que conseguiu comprar sua casa própria onde nasceu -um sonho- teve de sair. Sem dar tempo, nem mesmo, para perceber o quanto real o sonho tinha se tornado.

Mas antes da demolição da sua casa o Complexo do Alemão já não era mais o mesmo daquele das boas recordações da sua infância. Em tom saudoso, ela narra com carinho os momentos de alegria quando criança na Avenida central. As obras trouxeram consigo os problemas que ela prometeu solucionar: “Do nada, apareceu no meu quarto um esgoto”.

A surpresa maior e mais desagradável viria depois quando a mesma for a notificada que a sua casa seria derrubada e ela deveria sair. O sonho de Marta, ela mesma diz, aos poucos ia esvaindo-se sob o aviso da casa tremendo por conta dos tratores, rachaduras nas paredes esgotos brotando em locais que não tinham. Antes da despedida oficial e formal, ela conta que viveu uma espécie de expulsão pelo terror. Aliás, da sua casa ela guardou como recordação um pedaço da parede. O que sobrou...

E não terminou aí. Após dois anos de luta, ela conseguiu o direito ao apartamento para morar. No entanto, o “curso de como se portar e morar em apartamentos” lhe causou indignação e humilhação. Após mas essa superação, não houve muito tempo para comemorar e curtir a nova casa-enfim, um pedaço do que sobrou do sonho. Pois, conta marta, o domícilio não demorou a apresentar problemas estruturais nas paredes, pinturas... etc.

Tantos processos de desencorajamento e desenraizamento aos quais Marta e sua Família passou longe estão de a desmotivarem. A mesma força que teve Dona Benedita e Dona Ana de construírem e reconstruírem um local, ela também demonstrou engajamento e vontade suficiente para encará-los.

ENCERRAMENTO

Voltando a roda de conversa, ela foi, de fato, especial. O objetivo de construir conhecimento compartilhado, nos quais moradores, pesquisadores, ativistas se igualam na condição de pensadores e realizadores, com o Complexo do Alemão como Referência, se não o atingimos chegamos muito próximo dele, uma vez que alguns códigos tradicionais de encontros de debates- que mesmo o “Vamos desenrolar” ainda não havia conseguido superar até então- foi deixado para trás por um papo reto com três mulheres, de diferentes gerações e localidades mas todas com pelo

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menos duas unidades: Senhoras de si mesmas e das suas histórias e donas de um amor incondicional ao complexo.

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ARTIGO por Marize Cunha

Uma História de Amor: construindo tesouros e pressentimentos de futuro no Complexo do Alemão

Dona Benedita, 85 de idade, moradora há 38 anos no Morro dos Mineiros no Complexo do Alemão conta que depois que migrou da roça em Minas, “prá lá de Valadares”, muita gente veio de lá, do mesmo lugar. Dona Ana também saiu de lá. Primeiro veio a irmã, depois marido, e em seguida, ela veio com os filhos. Trabalhava muito na roça, como Dona Benedita, capinando, plantando e colhendo. Para criar suas crianças, colocava os filhos entre as plantações. “Aqui tudo é mineiro mesmo”, conta Dona Benedita. No Morro dos Mineiros, onde “é tudo muito embolado, tudo muito junto”, não deu para fazer roça. Mas, ali, Dona Benedita conseguiu fazer “plantação de comida e remédio”, criou os filhos com mato, sem precisar de vacina e remédio. Quando andava mais e podia catar, cuidava de muita gente do morro, com suas ervas. Dona Benedita declara com firmeza que não sai do morro nem “arrastada”. Ali, “sou amiga de todo mundo, todo mundo é meu amigo”, diz ela.

Observando a paisagem do Morro dos Mineiros, em uma tarde de sábado, Marta, moradora de um dos conjuntos novos de apartamentos no Complexo do Alemão, recorda os seus bons tempos de infância: havia então, muitas árvores no terreno de sua família, umas das primeiras a se instalar na Avenida Central, no Morro do Alemão. As crianças brincando livremente nos Mineiros a fazem pensar no filho que, criado em um espaço aberto, estranha viver no apartamento onde eles vivem hoje.

Marta foi uma das pessoas atingidas pelas remoções vindas com o PAC. De sua família, bastante unida, foi a única a ser removida, pois sua casa ficava no caminho por onde as obras do PAC passavam. Na época, ela havia comprado sua primeira pequena casa há pouco tempo. Fazia planos e obras de melhorias, decorara as paredes da cozinha cuidadosamente com detalhes de biscuit nas paredes, comprara móveis novos. Contava então, com o apoio do pai e do irmão, que a ajudavam a tomar conta do único filho que ela tinha na época. A notícia de que seria removida veio de uma hora para outra, sem um maior diálogo, e com a justificativa de que sua casa estava atrapalhando a obra. “Pela primeira vez, me senti desamparada dentro da comunidade”, recorda Marta. Por duas vezes, ela e o filho acordaram de noite com o barulho do trator “agarrado na parede da cozinha”, e com a casa estremecendo. A partir de então, grávida pela segunda vez, ela passou dois anos e meio sem saber onde ia morar com o filho adolescente, até chegar ao apartamento onde vive hoje. Só recebeu a chave da nova casa, depois de fazer o curso de três semanas, em que os novos moradores deviam aprender a morar em apartamento. “Eu ia revoltada”, recorda ela. “Se não fizesse o curso, não recebia a chave”, conta. Quando sua casa foi demolida, a avisaram: “sua casa vai ser demolida, quer pegar mais alguma coisa?”. Marta então pegou um pedaço de parede, como lembrança do lugar que construiu cuidadosamente. Uma situação que encontra semelhança com o que aconteceu do outro lado do mundo, depois da segunda guerra mundial, segundo recordou Adriana Facina: expulsos de suas casas pelos israelenses, os palestinos pegavam pedaços de paredes, de móveis como recordação.

Dona Benedita e Dona Ana, e Marta, com histórias tão diferentes – as duas primeiras vieram para a

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favela enquanto Marta a deixou - possuem em comum a experiência de amor pelo morro, lugar onde encontram amparo, prazer, os laços de família e amizade.

Migrantes, deixando suas terras de nascimento e criação, Dona Benedita e Dona Ana, refizeram suas vidas no morro. Ali, criaram filhos, pequenas plantações no quintal, viram nascer netos e bisnetos, viram chegar parentes e amigos, todos de Minas Gerais. Ao refazer suas vidas no novo lugar, ajudaram a constituir a favela, tal como ela é hoje. Por isso, não saem de lá nem arrastadas, como diz Dona Benedita.

Marta também não sairia de sua casa arrastada. Mas foi obrigada a deixá-la por conta das remoções do PAC. Ao sair, viu-se longe da rede de relações que sustentava seu cotidiano, especialmente familiares. A distância limita, diz ela lamentando o fato de não estar perto do pai e do irmão, e não poder também ajuda-los quando eles precisam. Ao mesmo tempo, fala da dor de quem vê alguém querido partir, para usar uma expressão de Veríssimo Junior: relata que distância retirou a satisfação do pai de levar pão, queijo e mortadela, todos os domingos para que ela acordasse com o café já na mesa.

A história das duas nos leva ao encontro das ideias de enraizamento e desenraizamento de Simone Weil, uma filósofa francesa que viveu de 1909 a 1943. No livro “A Condição operária e outros estudos sobre a opressão”, em sua crítica ao capitalismo e seu estudo sobre a condição operária, dentre outros temas, ela fala do desenraizamento a partir das conquistas militares e do capitalismo, que arranca o camponês de sua terra. E nos diz:

“O enraízamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro".

Desenrolando esta idéia de Simone Weil, podemos pensar a história das favelas, e certamente das periferias, do Rio de Janeiro e outras grandes cidades, como uma história de desenraizamentos e enraizamentos. Desde que as primeiras favelas se formaram no Rio de Janeiro, até nos dias de hoje, quando se expandem, encontramos experiências de pessoas que foram arrancadas de seus lugares de origem - seja das próprias áreas centrais da cidade, seja de regiões rurais por todo o país- para dar lugar a um progresso que beneficiava a poucos. São desenraizados. Um processo que nos faz lembrar as palavras de Eclea Bosi, ao discutir o trabalho da Simone Weil:

“...os loteamentos populares, a terra é rasgada pelo trator que condena o solo à esterilidade. Roubando-se a camada de terra-mãe, fértil, escura, o morador fica impedido de plantar no torrão árido e vermelho sobre o qual se assenta a casa. E a palavra homem deriva de húmus, chão fértil, cultivável. Assim, começam os bairros de periferia, despojando os homens da terra de sua própria humanidade”.

Porém, são desenraizados em movimento que, uma vez instalados em novos lugares, buscam esta participação ativa na coletividade, de que nos fala a filósofa francesa. Ao buscarem isso, constroem juntos o espaço da favela, abrindo caminhos, erguendo casas, e sistemas de água e esgoto. Constroem vias de circulação, com lembra Raphael Calazans quando fala dos becos criados, que permitem a mobilidade na favela. Vivenciam a experiência comum de sobreviver em uma cidade que tenta excluí-los e limitar seu deslocamento. Compartilham modos de vida e estratégias de

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sobrevivência, que tornam possível a vida na cidade, como o cuidado dos filhos, os serviços de infra estrutura urbana, os equipamentos domésticos. Sim, enraízam-se. E ao fazer isso, humanizam aquele espaço que um dia esteve abandonado, ou foi mato. Tornam aquele lugar um lugar que não pode ser arrastado.

É por isso que a experiência do desenraizamento, é uma das mais violentas para a humanidade. O desenraízamento vivido por Marta, e outros que foram removidos pela voracidade do PAC, não traz apenas o desalojamento dos moradores de uma casa ( o que por si só já seria uma violência). Junto disso, os arranca do lugar que construíram suas obras, suas relações e modos de vida. E tenta apagar os sinais e marcas de suas histórias coletivas na favela. Tenta destruir “seus tesouros do passado” e “seus pressentimentos do futuro”.

É um processo sombrio e cruel que traz a desumanização. Mas testemunhos, como os de Dona Bernadete e Dona Ana, que um dia também foram arrancadas de suas terras na roça, nos indicam caminhos. Seus testemunhos de vida são potenciais para a construção de pressentimentos do futuro. Assim como o próprio relato de Marta que, ao falar sobre a nova vida nos apartamentos, conta que quando quebrou um vidro no prédio, os moradores se reuniram e resolveram tudo. Juntos, os moradores ajudam uma família que vive no prédio, e que tem muitas dificuldades. A vida antiga do morro desabrocha, e adquire um novo sentido no conjunto de apartamentos, de uma forma que certamente o curso que os moradores foram obrigados a fazer para receber a chave, não ensinou.

Por isso, é preciso lembrar que há tesouros do passado que não ficam no passado, porque nascem novamente e encharcam nosso presente de novos sentidos. E indicam os pressentimentos do futuro. Seguindo o que disse Eclea Bosi, é necessário “não buscar o que se perdeu: as raízes já foram arrancadas, mas procurar o que se pode renascer nessa terra de erosão”. Neste movimento, a ampliação de contatos e o diálogo com o que vem de fora é importante. Mas para potencializar e humanizar ainda mais o espaço, e não para desumanizá-lo, como vem fazendo o PAC. Segundo alerta Simone Weil: “um determinado meio deve receber uma influência exterior, não como uma importação, mas como um estimulante que torne sua própria vida mais intensa”.

Fazer renascer a terra da erosão foi o que Dona Benedita e Dona Ana fizeram nos Mineiros. O que Marta procura fazer no novo prédio onde mora. É o que sempre se fez no dia a dia das favelas, numa história de amor, que escapa aos olhos daqueles que só conseguem enxergar vazio e erosão.