Cadernos Do Dialogo Volume 1 Agua e Silvicultura

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    CADERNOS DO DIÁLOGO

    Volume 1 - 2010

    A silvicultura e a água:

    ciência, dogmas, desafios

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    DIÁLOGO FLORESTAL

    A SILVICULTURA E A ÁGUACiência, Dogmas, Desafios

    Cadernos do Diálogo - Volume 01

     Walter de Paula Lima

    Instituto BioAtlântica

    Rio de Janeiro (RJ)

    2010

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    Ficha Técnica

    Agradecimentos

    Os resultados acumulados das microbacias experimentais do PROMAB discutidos no presente docu-mento foram frutos da participação de várias pessoas, alunos de graduação, pós-graduandos e recém-doutores que fizeram ou fazem parte da equipe técnica, assim como técnicos e engenheiros das empre-sas participantes do programa. O PROMAB também resultou da evolução de projeto de pesquisa apoiadopelo CNPq, na forma de bolsa de produtividade em pesquisa do autor, assim como teve apoio financeirodo CNPq/CT-Hidro, Processo No 550270/02-7.

    Realização

    Diálogo Florestal

    Coordenação

    Miriam Prochnow

    Texto

    Walter de Paula LimaProfessor Titular PermissionárioDepartamento de Ciências Florestais, ESALQ/USPMembro do Diálogo Florestal

    Revisão: Eliana Jorge Leite

    Fotos: Carolina C. Schaffer, Edegold Schaffer, Edilaine Dick, Jean François,Miriam Prochnow, Walter de Paula Lima, Wigold B. Schaffer

    Foto da Capa: Miriam Prochnow

    Projeto gráfico e diagramação: Fábio Pili

    L732s

    CDD – 634.9280981

    Lima, Walter de Paula.A silvicultura e a água : ciência, dogmas, desafios / Walter de Paula

    Lima; [coordenação: Miriam Prochnow]. – Rio de Janeiro :Instituto BioAtlântica, 2010.

    64 p. : il. color. ; 27 cm. – (Cadernos do Diálogo ; v. 01).

    Acima do título: Diálogo Florestal.Bibliografia: p. 58-61.

    ISBN 978-85-60840-03-8

    1. Florestas – Conservação – Brasil. 2. Bacias hidrográficas – Brasil.3. Mata Atlântica. I. Prochnow, Miriam. II. Instituto BioAtlântica. III.Título. IV. Série.

    Catalogação elaborada pela Bibliotecária Roberta Maria de Oliveira Vieira – CRB-7 5587

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    Sumário

    Apresentação

    Perspectiva histórica

    O Mito em torno do eucalipto

    Fundamentos científicos da relação

    entre plantações florestais e água

    Incorporando o objetivo de conservação

    da água nas práticas de manejo

    Conclusão

    Bibliografia

    O diálogo florestal

    Os fóruns regionais

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    Apresentação

    Esta publicação organizada pelo Diálogo Florestal, de autoria do Professor Walter de PaulaLima, é uma valiosa análise e reflexão sobre dois temas atuais e extremamente importantespara a Mata Atlântica e outros biomas brasileiros: o manejo florestal e suas implicações nouso e conservação da água doce; e a ocupação e manejo integrado do território. O autor apre-senta de forma didática as bases científicas sobre esses temas, nos proporcionando maiorclareza dos desafios que essa abordagem necessita.

    No contexto das estratégias para o uso e conservação da biodiversidade no Brasil, especial-mente na Mata Atlântica, um dos temas integradores de maior destaque refere-se à conser-vação da água doce ou águas interiores. Inegavelmente, em diversas regiões do país, masespecialmente na Mata Atlântica, onde vivem cerca de 70% da população brasileira, já semanifestam limitações e demandas conflitantes no abastecimento de água doce para con-

    sumo doméstico, industrial e agrícola, fato que suscita discussões e ações para a proteção,recuperação e uso racional dos recursos hídricos.

    Dado o papel das florestas e outras formações naturais na conservação dos recursos hídricosque, em diferentes graus, influencia a quantidade, qualidade e constância do suprimento deágua doce, evidencia-se ainda mais a importância de um Forum como o Diálogo Florestal, aosomar forças e propósitos para inovar e buscar novos padrões de desenvolvimento. As análi-ses aqui apresentadas certamente serão incorporadas nas discussões estratégias do DiálogoFlorestal e dos seus Foruns Regionais que têm enfatizado a importância de embasar as açõese compromissos assumidos por seus membros, através de uma sólida contribuição da ciênciae do aprendizado e da vivência no campo.

    A geração e sistematização de informações dessa natureza são essenciais para avançarmosem mecanismos e abordagens tão necessários para expandir os esforços de conservação ea sustentabilidade de áreas estratégicas para manutenção dos ecossistemas naturais alia-dos as atividades econômicas e ao bem estar humano. Nossa expectativa, portanto, é queessa publicação venha contribuir para a melhoria da qualidade e quantidade de ações nãosó do Diálogo Florestal, mas de todos aqueles interessados no desenvolvimento sustentávelno Brasil. Boa leitura!

    Luiz Paulo PintoDiretor do Programa Mata Atlântica

    Conservação Internacional

    José Luciano Duarte PenidoPresidente do Conselho de administração

    Fibria

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    Perspectiva Histórica

    A água é essencial à vida. Todavia, devido à sua distribuição universal e sua

    aparente inesgotabilidade, nunca o homem se preocupou apropriadamen-

    te com a necessidade de conservação desse importante recurso natural.

    Para o cidadão comum, água não é problema dele, mas deve estar constan-

    temente disponível na torneira.

    Nos dias atuais, no entanto, é cada vez maiora preocupação de técnicos e leigos para com

    a conservação da água. A escassez de águapotável já é um problema levado muito a sé-rio em diversos países, sendo hoje reconhe-cido como a crise da água, fazendo com quea preocupação para com a manutenção dosrecursos hídricos adquira um caráter priori-tário e vital. A crise da água veio para ficar,não no sentido de que a água vai acabar, massim devido ao fato de que já se atingiu o li-miar de conflitos, onde quem mais sofre sãoos pobres e, agora reconhecidamente, o pró-prio meio ambiente.

    Mas as características peculiares do recur-so natural água tornam sua conservação umproblema complicado. A conservação da águanão pode ser conseguida independentementeda conservação dos outros recursos naturais.O comportamento da água na terra, ou seja, ocomportamento da fase terrestre do ciclo hi-drológico, é um reflexo direto das condições edos usos da terra de onde ela emana.

    Na natureza, a conservação dos recursos hí-dricos, em termos de quantidade de água, re-gime de vazão dos córregos, ribeirões e rios,permanência de vazões mínimas, qualidadeda água e qualidade do ecossistema aquático,decorre de mecanismos naturais de controledesenvolvidos ao longo dos processos evolu-tivos da paisagem, que constituem os chama-dos “serviços ambientais”. Um desses meca-nismos depende justamente da relação entreas florestas e a água, que estão intimamente

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    ligadas, havendo mesmo quem tenha afirmado que po-dem ser vistas como as duas faces de uma moeda. Ouseja, a ocorrência de florestas está sempre associada acondições naturais de abundância de água, em termos dobalanço hídrico climático caracterizado por precipitaçãomédia anual maior do que a evapotranspiração potencial,que define os chamados climas úmidos. Por essa mesmarazão, não foi à toa que surgiu, no passado, o mito de quea floresta faz chover, que gerou muita controvérsia e che-gou mesmo a ser avaliado em trabalhos experimentais.

    Por outro lado, essa mesma relação íntima entre a flo-

    resta e a água pode ser observada na regularidade e naqualidade da vazão em bacias hidrográficas cobertas comflorestas naturais, tanto em bacias de grande e de médioporte, mas principalmente em bacias menores, as chama-das microbacias hidrográficas. Esse fato também gerou acrença de que as florestas aumentam a vazão dos rios. Eesse mito gerou, no passado, controvérsia ainda maior,tendo dado margem ao surgimento de grupos defensoresdessa ideia assim como seus opositores, cada um procu-rando encontrar argumentos para justificar sua posição,mas nenhum deles com evidências e provas suficientes.

    A crise da água veio para ficar. Cerca de 40% da população

    mundial convive com a falta crônica de água.

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    A relação entre floresta e água de boa qualidade também pode ser verificada na escala de bacias maiores dos rios.

    Esses dois aspectos históricos podem ser

    considerados como embriões da HidrologiaFlorestal, a ciência que estuda as relaçõesentre a floresta e a água, que se desenvol-veu a partir do início do século 19 e produ-ziu resultados experimentais consistentes evaliosos, que esclareceram mitos e oferece-ram ferramentas poderosas para o manejoadequado dos recursos naturais. Mas o quese observa é que o tema é ainda polêmico nomundo todo, no que diz respeito ao estabele-cimento de políticas públicas de conservação

    da água e de incentivo ao uso sustentável dos

    recursos naturais. A proteção dos remanes-centes florestais e a restauração florestalcontinuam sendo a base de políticas públicasvoltadas para a melhoria ambiental e a con-servação da água. Em alguns países, inclu-sive no Brasil, essa percepção também deuorigem a programas de pagamento por ser-viços ambientais, frequentemente vinculadosà manutenção ou ao aumento da coberturaflorestal nas propriedades rurais.

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    Essa opinião pública generalizada de que as florestas na-turais, em todas as circunstâncias e em qualquer situa-ção, são sempre benéficas para os recursos hídricos, nosentido de que elas fazem chover, aumentam a vazão dosrios, reduzem enchentes e mantêm a qualidade da águaé questionável e deve dar lugar à percepção moderna,baseada na experimentação científica, de que se trata deuma relação muito mais complexa, cujos resultados vãodepender da interação de vários fatores e não apenas da

    presença ou ausência da floresta.

    Da mesma forma, a crença geral de que as plantaçõesflorestais, em todas as circunstâncias e em qualquer si-tuação, são sempre deletérias para os recursos hídricosnão passa pelo escrutínio da experimentação científica. Épreciso analisar todo o contexto. No caso da percepção dese estabelecer plantios florestais para a recuperação deáreas degradadas, por exemplo, em algumas situações osresultados são realmente bastante promissores, inclusiveno que diz respeito ao retorno de serviços ambientais. To-

    Os benefícios ambientais das plantações florestais não ocorrem por si só, mas dependem de

    nossas estratégias de manejo.

    davia, dependendo da extensão da degradação, ou quan-do os solos já perderam sua resiliência ou capacidade deauto-renovação, os resultados vão ser nulos. Por outrolado, no caso de plantações florestais para abastecimentoindustrial, a percepção popular é frequentemente enfren-tada por aqueles que são responsáveis pelo seu manejo,com a alegação de que as florestas plantadas, em todasas circunstâncias e em qualquer situação, são benéficaspara o meio ambiente, como se a mera existência destas

    plantações já fosse, por si mesma, condição suficientepara garantir a melhoria ambiental. Na realidade, por seconstituírem produto da engenharia humana, em termosde tecnologia silvicultural de formação e manejo de ta-lhões homogêneos visando a maximizar a produtividade,os benefícios ambientais vão depender crucialmente doplano de manejo, em termos da interação dos plantiosflorestais com os demais elementos da paisagem, desdea sua formação até a sua colheita.

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    Perspectiva Histórica

    Mas os recursos hídricos, afinal de contas, podem serafetados também por inúmeras outras ações humanas epor eventos naturais, e não apenas pela presença ou au-sência das florestas e do manejo das plantações flores-tais. Todavia, a despeito de algumas dessas outras cau-sas de degradação dos recursos hídricos serem inclusivemais impactantes, não se observa a mesma preocupaçãoque normalmente é dada ao fator florestal. Nesse senti-do, não será difícil, por exemplo, acontecer de um dadoproprietário rural ser contemplado com o pagamento porserviços ambientais se ele plantou algumas árvores emsua propriedade, mas continuar impactando os recursoshídricos pelo manejo inadequado do solo.

    Assim, para uma avaliação mais consistente das condi-ções prevalecentes dos nossos recursos hídricos, das

    causas de sua degradação e de políticas públicas queefetivamente concorram para a conservação da água, énecessário que se leve em conta os resultados, as infor-mações e alguns princípios já estabelecidos na ciênciaHidrologia Florestal. Portanto, resumidamente, pode-seaceitar os seguintes princípios (CALDER, 2007):

    • O consumo de água pelas florestas, é emgeral, maior do que o consumo de vegetaçãode menor porte e de culturas agrícolas nãoirrigadas.

    • Plantações florestais com espécies derápido crescimento apresentam, também,maior consumo de água em comparaçãocom vegetação de menor porte, bem comocom floresta natural ou plantações com es-pécies de crescimento lento. Como resulta-do, em algumas situações pode-se observarredução significativa do deflúvio na escalade microbacias.

    • Da mesma forma, tem sido observado que o

    percentual de ocupação da área da microbaciapelas plantações florestais é um fator muitoimportante para a ocorrência ou não dessesefeitos. De fato, com base em alguns traba-lhos em microbacias experimentais, os resul-tados mostram que não há alteração no deflú-

    A água que emana de microbacias cobertas com florestas geralmente é de boa qualidade.

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    O Mito em Torno do Eucalipto

    Parece claro que a grande maioria das res-postas a essa afirmação se resume num re-tumbante “não”, e é fácil entender o porquê.Do ponto de vista da ciência, por exemplo,os inúmeros resultados experimentais acu-mulados sobre o consumo de água por plan-tações de eucalipto, tanto no país como noexterior, estão disponíveis para esclareceresta preocupação. Mas ela ainda continuaexistindo, ressurgindo aqui e acolá sempreque o assunto está sendo discutido e, por quenão dizer, sempre que alguns segmentos dasociedade manifestam suas inquietudes arespeito de algum tema que às vezes não temnada a ver com o assunto.

    De duas, uma: ou a ciência não está conse-guindo eliminar essa inquietude, por umarazão ou outra, ou o problema não é apenas

    técnico, ou físico, ou biológico, o que apa-rentemente é o caso. De fato, a solução dosproblemas ambientais não se consegue so-mente com a ciência convencional, ou seja,apenas com base nos resultados obtidos emtrabalhos experimentais, mas sim a partir daanálise de toda a complexidade dos aspectosecológicos, sociais e culturais envolvidos emcada um deles. De sorte que, a despeito dese continuar produzindo mais informaçõescientíficas, a pergunta ainda permanecerá

    por muito tempo, ou pelo menos enquantoa ciência procurar apenas demonstrar queo consumo de água pelo eucalipto não diferemuito do consumo de outras espécies flores-tais. Essa evidência já se encontra bastanteconsistente na literatura.

    Entretanto, a pergunta não cala porque taisevidências experimentais são apenas par-te de um problema maior (LIMA, 2004). Porque, então, o solo seca? Por que riachos,córregos e arroios desaparecem? Por quemicrobacias inteiras se degradam? Por quenossos rios agonizam? Por que toda essapreocupação para com a água, que parecemesmo estar acabando?

    Talvez parte desse problema possa ser atri-buída a mudanças climáticas, evidenciadas

    a partir dos resultados de simulações pormodelos complexos que foram desenvolvidosdesde a constatação do gradativo aumentoda concentração de dióxido de carbono na at-mosfera, o chamado efeito estufa, decorrenteprincipalmente da queima de combustíveisfósseis. Reflorestar pode ajudar a sequestraresse excesso de carbono da atmosfera, dizemuns. Contudo, isto vai agravar ainda mais aescassez de água, dizem outros. Pior é que,em tese, ambos estão certos.

    Uma opinião popular clássica que envolve as relações en-

    tre as plantações florestais e a água se resume na afirma-

    ção de que o eucalipto seca o solo, razão pela qual é inte-

    ressante comentar pontual e conceitualmente a respeito

    dela, já que tem sido frequentemente usada para o esta-

    belecimento de políticas públicas e de legislação restriti-

    va, assim como para acirrar discussões acaloradas, porém

    inócuas, eis que frequentemente elas são caracterizadaspor forte apelo emocional e ideológico.

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    Mas o problema não decorre apenas de coi-sas que estão acontecendo nessa escala domacro clima. Há várias outras coisas, en-volvidas numa escala menor, que também

    podem estar afetando. Na escala do meso-clima, por exemplo, esta escala com a qualconvivemos no dia a dia – e por isso mesmomais compreensível para a maioria das pes-soas – deve-se considerar que as condiçõesclimáticas que governam a disponibilidadeou o suprimento natural de água para osmais diversos usos variam de região pararegião. Há a região do semi-árido, por exem-plo, onde o calor é elevado, a evapotranspi-ração (conjunto de todas as perdas de água

    por evaporação, incluindo a transpiração pe-las plantas) é sempre alta e o total anual dechuvas é normalmente baixo. Portanto, nãosobra quase nada de água das chuvas para

    recarregar o solo e os aquíferos. Só há vazãonos riachos e nos rios quando chove.

    Por outro lado, há regiões em que chove bas-tante e durante praticamente todos os me-ses do ano, num total bem maior do que asperdas por evaporação, em termos médiosanuais. Portanto, nesses casos há sempreexcedente de água, que recarrega o solo e osaquíferos e alimenta a vazão perene dos ria-chos e dos rios.

    Há muitas ações não sustentáveis que afetam os recursos hídricos. Na foto, estradas atravessam áreas ripárias,

    cuja mata ciliar desapareceu para dar lugar à produção agrícola.

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    Entre esses dois extremos há toda uma varia-ção de condições do chamado balanço hídri-co climático. Em todos eles existe, também,muita variação ano a ano, às vezes passandoanos seguidos com chuva menor que a médiahistórica, causando diminuição sentida no vo-lume de água superficial. E, imediatamente,alguns procuram atribuir esse secamento aoeucalipto. Em outras ocasiões, a região passapor anos a fio com chuva maior que a média,inclusive causando problemas de enchentes,e logo alguém atribui isso ao desmatamento.

    De qualquer maneira, um aspecto muito importante naanálise de mesoescala é que em condições ou em regiõesonde o suprimento natural de água já é pouco, qualqueralteração não planejada da paisagem, como a substitui-ção de vegetação rasteira por florestas, pode resultarnum aumento do consumo de água e gerar conflitos. Épor isso que deve existir um zoneamento ecológico, queleva em conta essas variações regionais de disponibilida-de de água, visando a disciplinar o uso da terra.

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    A ocupação desordenada de áreas hidrologicamente sen-

    síveis, como cabeceiras de drenagem e áreas ripárias, em

    locais de manejo florestal, bem como o desmatamento ea desfiguração da paisagem, são fatores negativos para a

    manutenção dos recursos hídricos.

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    Mas há ainda outra escala onde ocorremações que também afetam os recursos hídri-cos, que é inclusive a escala principal dessaanálise. Vamos chamá-la de escala micro, nosentido de ser a escala onde ocorrem as prá-ticas de manejo, onde o homem planta, colhe,destrói, desmata, compacta o solo, constróiestradas ruins que atravessam áreas ripá-rias, pavimenta, impermeabiliza, sistematizao terreno, soterra nascentes, põe fogo, ara,gradeia, faz monoculturas extensas, plantaaté na beira do riacho, às vezes até dentroda água, queima a mata ciliar, não cuida daspastagens, confina o gado em cima de áreasripárias, constrói açudes, instala pivô central,

    irriga, aduba e vai por aí afora. Essas açõesocorrem na escala das propriedades rurais,onde estão também as microbacias hidrográ-ficas, que podem ser muito afetadas por es-sas ações. E é na escala das microbacias hi-drográficas que o foco principal das práticasde manejo sustentável dos recursos hídricostem que estar centrado, pois as microbaciassão as grandes alimentadoras dos rios e dosgrandes sistemas fluviais. Infelizmente, po-rém, não existem ainda em nosso país polí-ticas públicas mais fortes que incentivem efortaleçam essa escala de atuação. E é bempor isso que pagar por serviços ambientaisapenas pelo plantio de árvores na proprieda-de rural, mas sem levar em conta todas es-sas outras coisas, não vai necessariamentetornar o proprietário rural um “produtor deágua”. As microbacias são diferentes das ba-cias hidrográficas maiores no que diz respeitoa vários aspectos ecológicos e hidrológicos –e uma destas diferenças é que elas são alta-mente sensíveis às ações de manejo, ou seja,

    nelas é possível observar uma relação diretaentre práticas de manejo e os impactos am-bientais decorrentes. Assim, o conceito-cha-ve é o que se encontra embutido na expressãomanejo integrado de microbacias, que signifi-ca o planejamento das ações de manejo (flo-restal, agrícola etc.), resguardando os valoresda microbacia hidrográfica, isto é, os proces-sos hidrológicos, a ciclagem geoquímica denutrientes, a biodiversidade, a proteção desuas partes hidrologicamente sensíveis e, no

    conjunto, sua resiliência, isto é,sua capacidade de resistir a alte-rações sem se degradar de formairreversível. Um dos fatores maisimportantes, mas não suficiente,para a permanência dessa capa-cidade é a integridade do ecossis-tema ripário – traduzido pela pu-

     jança da mata ciliar protegendoadequadamente todas as áreasripárias das microbacias – quenão se limita aos 30 metros emambas as margens dos cursosd´água, incluindo principalmenteas cabeceiras de drenagem dosriachos, assim como outras par-tes da microbacia, às vezes situa-das até mesmo na meia encosta,cuja característica é permanece-

    rem em condições saturadas deágua na maior parte do tempo. Épor isso que essas áreas são con-sideradas de “preservação per-manente”, no sentido de que suapreservação em boas condiçõesproporciona serviços ambientaisimportantes, sendo a água, sem

    dúvida, o mais importante des-tes serviços ambientais, que sãoserviços que o ecossistema nosproporciona de graça, como são,no caso, a quantidade de água,a qualidade da água e a per-manência da vazão que emanadas microbacias hidrográficas.Quando as microbacias perdemessas características naturais,tornam-se vulneráveis a pertur-

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    Foi a perda gradativa do ecossistema ripário, devido ao manejo inadequa-

    do do solo em incontáveis microbacias, a causa principal da degradação

    dos recursos hídricos.

    bações que, de outra forma, se-

    riam normalmente absorvidas.Assim, pode-se dizer, sem medode errar, que foi a perda gradativada resiliência do ecossistema ri-pário de incontáveis microbacias,e toda a degradação hidrológicadela decorrente, o fator principalda diminuição e degradação dosrecursos hídricos superficiais, dosecamento do solo e da morte decórregos e riachos.

    Fica claro, desta maneira, que o

    eucalipto, afinal de contas, é tam-bém apenas parte do problema desecamento do solo, que realmen-te pode ocorrer quando as açõesde manejo que o cultivam não le-vam em conta o conceito de ma-nejo integrado das microbacias.Mas o problema é muito maiscomplexo e passa pelo resgateimprescindível de todos essesvalores ambientais e hidrológicos

    acima discutidos, principalmente aqueles

    relacionados com o planejamento adequa-do da ocupação dos espaços produtivos dapaisagem para fins de produção agrícola ouflorestal. Ao longo da paisagem há espaçosde produção (de grãos, de fibras, de madei-ra, de carne, de leite etc.) que a sociedadeprecisa, mas há também espaços que têmnítida vocação de proteção ambiental, cujapreservação é necessária para proporcionaros serviços ambientais, de que também pre-cisamos para continuar crescendo de forma

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    As pastagens consomem menos água, mas o seu manejo inadequado pode

    colocar em risco a integridade das microbacias hidrográficas.

    sustentável. O manejo das plantações de eucalipto temque levar em conta essas particularidades e limitaçõesecológicas e hidrológicas. Pela mesma razão, tambémtem a mesma responsabilidade social e ambiental o ma-nejo da soja, da cana, da laranja, do boi. De nada adiantatransformar essa necessidade crucial para a sobrevivên-cia de todos em disputas insólitas entre ruralistas, de umlado, e ambientalistas, de outro.

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    Cabeceira de drenagem de uma microbacia, uma área hidrologicamen-

    te sensível que deveria estar protegida. O gado parece bonito e saudável,

    mas a microbacia mostra sinais claros de que está perdendo a briga.

    Pela mesma razão, o planejamento da ocu-pação imobiliária da paisagem necessitarever suas ações no que diz respeito aosobjetivos de conservação da água, já que aurbanização tem também parte da culpa. Ascidades são os espaços onde vive a maioriada população, mas não devem, por isso, fi-car à parte das necessidades de conservaçãodas microbacias. A urbanização é o segundofator de degradação hidrológica, depois daagricultura. E já existe mesmo no mundo um

    movimento de resgate desses valores hidro-lógicos nas áreas urbanas, com ações quevisam a, por exemplo, “desenterrar” os cór-regos canalizados e integrá-los na paisagemurbana com seus atributos inerentes –comoa mata ciliar, que além da importância hidro-lógica agrega, também, valor estético ao am-biente urbano – e deve contribuir, também,para a mudança de percepção dos cidadãospara com a necessidade da conservação dosriachos e de suas microbacias.

    A urbanização é sem dúvida um forte fator de degrada-

    ção hidrológica das microbacias.

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    Fundamentos Científicos da Relação entreas Plantações Florestais e a Água

    No mundo todo, as plantações florestais sempre esti-veram na mira de discussões acaloradas, relacionadasprincipalmente com seus possíveis impactos sobre os re-cursos hídricos, como resultado da percepção genéricade um consumo exagerado de água. Tais discussões, lon-ge de terminar, atingiram presentemente uma dimensãonova e muito significativa (JACKSON et al., 2005; FARLEYet al., 2005; VAN DIJK & KEENAN, 2007). Em primeirolugar, devido ao total de área plantada, que atinge apro-ximadamente 50 milhões de hectares nas regiões tropi-cais do mundo, com uma taxa de novos plantios da ordem

    de 3 milhões de hectares por ano (FAO, 2005). Por outrolado, torna-se cada vez mais evidente o fato de que a dis-ponibilidade natural de água constitui hoje um dos maisimportantes temas relacionados ao manejo dos recursosnaturais em todo o planeta (ZALEWSKI, 2000; WAGNER etal., 2002). Desta forma, essas evidências estão exigindoque o manejo das plantações florestais incorpore defini-tivamente em seu plano a análise dos possíveis impactoshidrológicos de forma mais sistêmica (LIMA, 2005; CAL-DER, 2007; VANCLAY, 2009).

    O eucalipto é uma espécie florestal absolutamente normal do ponto de vista fisiológico do consumo de água.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    A literatura mostra que as relações entre plantações flo-restais e água vêm sendo estudadas em muitos países,com o uso de diferentes modalidades e perspectivas depesquisa, tanto no nível de árvores isoladas quanto detalhões e principalmente na escala de microbacias expe-rimentais (LIMA, 2006). E há, nesse sentido, excelentestrabalhos de revisão publicados, voltados para a análi-se criteriosa das informações disponíveis na literaturasobre um determinado aspecto do problema. O trabalhode ANDREASSIAN (2004), por exemplo, proporciona umaperspectiva histórica muito consistente e interessante so-bre a controvérsia relacionada aos impactos hidrológicosda floresta e do manejo florestal, desde o início folclórico– e até mesmo romântico – desses debates, quando aindanão havia evidência científica alguma, até a fase atual.

    Por outro lado, o trabalho relativamente recente deWHITEHEAD & BEADLE (2004) constitui uma revisãomuito interessante sobre todos os aspectos fisiológicosdo consumo de água pelo eucalipto. Dentro do referidomito sobre o eucalipto, não é difícil encontrar alegaçõesde que se trata de uma espécie florestal peculiar no quediz respeito à água, capaz de proezas jamais atribuídas aqualquer outra espécie florestal. Analisando resultadosdisponíveis sobre aspectos fisiológicos em termos de taxade transpiração, dinâmica dos estômatos, índice de áreafoliar, eficiência do uso da água, perdas por interceptaçãoe balanço hídrico, esses autores são categóricos quandoconcluem que o eucalipto é uma espécie florestal absolu-tamente normal, que não consome mais água por unida-de de biomassa produzida do que qualquer outra espécieflorestal, apresentando, inclusive, uma melhor eficiênciado uso da água.

    Essa maior eficiência do uso da água pode ser melhorentendida observando-se os resultados experimentaismostrados na Figura 1, os quais foram obtidos durantea medição comparativa dos componentes do balanço hí-

    drico do solo no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais,em parcelas dentro de talhões florestais de Eucalyptus grandis e de Pinus caribaea, ambos à idade de 5 anos, etambém em parcela representativa da vegetação de cer-radinho da região (LIMA et al., 1990). A profundidade es-tudada do perfil do solo foi de 2 metros, o que significadizer que o balanço hídrico deste perfil de 2 metros desolo envolveu a entrada de água pela chuva (seta verticalpara baixo na parte superior do perfil do solo), a retira-da líquida pela transpiração (número do bloco branco nocentro do perfil) e a movimentação da umidade do solo

    para cima (ascensão por capilaridade) ou abaixo (perco-lação profunda) do limite inferior do perfil estudado. Emoutras palavras, ilustrando para o caso da parcela comeucalipto: a precipitação que efetivamente chegou à su-perfície do solo foi de 986,5 mm por ano, que é o resultadoda perda, devido ao processo de interceptação pelo dos-sel, de parte da chuva incidente, que em termos médiosanuais foi de 1.121 mm. O valor de 784 mm foi o resultadode absorção média anual de água do solo pela transpira-ção do eucalipto, que permitiu o acúmulo de 366 m 3 demadeira por hectare. Comparativamente, para o caso doPinus essa relação foi de 617 mm de água transpiradapara 210 m3 de madeira, enquanto que a estimativa parao cerradinho indica uma relação muito menor, de 569 mmde transpiração para cerca de 36 m3 por hectare.

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    Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água

    Figura 1: Resultados do estudo do balanço hídrico do solo compa-

    rativo entre o cerrado, plantação de Pinus caribaea e plantação de

    Eucalyptus grandis, realizado no Vale do Jequitinhonha, MG. Os nú-

    meros mostrados representam média de dois anos consecutivos de

    medições. Ver texto para os esclarecimentos. (LIMA et al., 1990).

    Esquema dos componentes do balanço hídrico do solo em plantações de eucalipto e pinus

    (idade de 5 anos) e de parcela adjacente contendo cerrado (Lima et al. 1990).

    Precipitação média anual (mm)

    Precipitação efetiva (mm)

    Total de perda do perfil (mm)

    (Transpiração)

    Ascensão capilar (mm)

    Percolação (mm)

    Interceptação da chuva (mm)

    Estimativa de produção

    de biomassa

    210m3 ha

    1121

    1047

    617

    19,6

    450

    74,0

    Pinus Caribaea

    366m3 ha

    134,5

    1121

    986,5

    784

    124,4

    326

    Eucaliptus Grandis

    1121

    1121

    32m3 ha

    569

    4,3

    556

    Cerrado

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    Na escala de microbacias experimentais, queé sem dúvida a escala consistente para a aná-lise dos possíveis impactos hidrológicos domanejo florestal, o primeiro trabalho clássi-co de revisão foi escrito por HIBBERT (1967),apresentado no Simpósio Internacional deHidrologia Florestal, realizado nos EstadosUnidos, em 1965. Nesse trabalho o autor jáafirmava claramente, com base nas evidên-cias que ele havia encontrado, que o corte dafloresta aumenta o deflúvio anual da micro-bacia, assim como o reflorestamento causauma diminuição do deflúvio.

    Seria interessante, a título de esclarecimen-

    to, explicar o termo ‘deflúvio’, muitas vezesconfundido com vazão. O efeito do corte oudo reflorestamento comentado acima diz res-peito ao balanço hídrico anual da microbaciahidrográfica, ou seja, a contabilização entrea entrada anual de água na microbacia pelaschuvas menos as perdas anuais por evapora-ção, restando, então, a água superficial, quealimenta a vazão.

    Voltando a comentar o trabalho de HIBBERT(1967), desde essa primeira revisão, o autorfoi muito cuidadoso ao alertar que a análisepor ele realizada permitiu também concluirclaramente que esses efeitos eram altamen-te variáveis de lugar para lugar e, em muitassituações, até imprevisíveis. Hoje se sabe,nesse sentido, que esses efeitos hidrológicosocorrem por força de interação com outrosfatores do meio, a hidrologia do solo sendoum dos mais importantes destes fatores. Emcondições de solo raso, onde o armazena-mento de água é pequeno, as diferenças no

    consumo de água entre a floresta e uma ve-getação de menor porte, como a pastagem,seriam devido apenas à perda de parte dachuva por interceptação, que é normalmentemaior no dossel florestal. Outro fator seria oclima, principalmente em termos do regimede chuvas. Em regiões onde a precipitaçãoanual é elevada e as chuvas são regularmen-te distribuídas ao longo do ano, a evapotrans-piração ocorre sempre à taxa potencial parauma dada condição climática. Nessas con-

    dições, a maior rugosidade aerodinâmica do dossel florestal, aliadaa uma maior quantidade de energia advectiva disponível (ganho decalor sensível devido à interação de massas de ar com temperaturamais quente do que a floresta), pode aumentar o consumo de águapelas florestas, comparativamente à vegetação de menor porte.

    Neste sentido, ZHANG et al. (2001), em trabalho de análise dos dadosde cerca de 250 microbacias experimentais no mundo todo, estabe-leceram uma relação muito simples, porém muito consistente, entrea evapotranspiração na escala da microbacia hidrográfica, ou seja,da diferença entre a precipitação anual e o deflúvio medidos nas mi-crobacias, e a precipitação anual, sintetizada na Figura 2. Conformepode ser observado nessa figura, em regiões de precipitação anualabaixo de 700 mm os resultados mostram que não há muita diferençaentre microbacias com floresta e microbacias com pastagem. Em ou-

    tras palavras, nessas condições o balanço hídrico é mais governadopelo clima, independentemente do tipo de cobertura vegetal. Todavia,quando, ou em regiões de maior precipitação anual, a cobertura flo-restal tende a apresentar maior consumo de água do que vegetaçãode menor porte, de qualquer maneira sendo o valor máximo desteconsumo limitado pelas restrições climáticas de disponibilidade deenergia solar. Ou seja, não é uma relação linear, como mostra a figu-ra. O modelo proposto pelos autores vem sendo referido na literaturacomo “as curvas de Zhang”.

    A realização de pesquisas científicas é fundamental para orientar

    metodologias de manejo de florestas plantadas com vistas à conser-

    vação dos recursos hídricos.

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    Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água

    Figura 2: Gráfico que sintetiza o modelo de ZHANG et al. (2001), mostrando a relação que existe entre a evapotrans-

    piração anual (eixo das ordenadas) e a precipitação anual (eixo das abcissas). A linha cheia superior corresponde

    a resultados medidos em microbacias com florestas, enquanto que a linha pontilhada inferior corresponde a resul-

    tados de microbacias com pastagens.

    Mais ou menos na mesma época da, hojeclássica, revisão de HIBBERT (1967), o tra-balho de SWANK & MINER (1968) constitui oque poderia ser considerado o primeiro re-

    sultado comparativo da substituição de flo-resta natural, no caso a floresta natural delatifoliadas mistas de clima temperado, poruma plantação florestal, no caso Pinus stro-bus, na escala de uma microbacia hidrográ-fica experimental. A região do experimento écaracterizada por precipitação média anualem torno de 1.900 mm e por uma taxa po-tencial de evapotranspiração de 1.120 mm, oque a confere como dotada de um excedentehídrico da ordem de 775 mm anuais. Os au-

    0

    400

    800

    1200

    1600

    1000500 1500   2000 2500 3000 3500

        E   v   o   t   r   a   n   s   p    i   r   a   ç    ã   o   a   n

       u   a    l    (   m   m    )

    Precipitação anual (mm)

    Floresta

    Vegetação Mista

    Pastagem

    Floresta

    Pastagem

    tores mostraram que quando a plantação dePinus estava com a idade de 10 anos, o def-lúvio anual da microbacia havia diminuido 94mm, relativamente às condições originais de

    floresta natural.

    Outros trabalhos que ilustram essa compa-ração entre florestas naturais e plantaçõesflorestais foram produzidos na Austrália, emmicrobacias experimentais do manancial queabastece a cidade de Melbourne. A região secaracteriza por precipitação média anual emtorno de 1.600 mm bem distribuídos ao longodo ano e excedente hídrico da ordem de 650mm anuais. A primeira evidência foi verifi-

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    cada de maneira fortuita, em consequênciade um incêndio florestal que dizimou a flo-resta natural de Eucalyptus regnans de maisde 200 anos de idade. A regeneração naturalocorreu de forma vigorosa após esse episó-dio, com uma densidade de mais de 3.000árvores novas por hectare crescendo de for-ma uniforme, semelhante ao que acontecenuma plantação florestal com espécies derápido crescimento. Na escala da microba-cia experimental, quando essa nova florestaestava com altura média de 10 metros e àidade de 38 anos, o deflúvio anual havia di-minuído em 200 mm, relativamente ao nívelde antes do incêndio. LANGFORD (1976). KU-

    CZERA (1987) analisou a série histórica dosdados dessa microbacia experimental e pro-duziu um modelo teórico do comportamentodo deflúvio em relação ao crescimento e ao

    avanço da idade da nova floresta, o qual estáresumido na Figura 3. Tendo em conta que aescala temporal evidentemente não é direta-mente aplicada às nossas condições, o queimporta observar na Figura 3 é o fato, já afir-mado neste documento, de que existe a ten-dência do deflúvio anual da microbacia voltaràs condições de equilíbrio original à medidaque a plantação florestal avança em idade.Guardadas as devidas proporções, isso podesignificar, em termos práticos, que um perí-odo de rotação (idade do corte da plantaçãoflorestal) maior do que o que se pratica atu-almente no manejo de plantações florestaispara fins de abastecimento industrial nas

    nossas condições poderia, eventualmente,permitir tempo suficiente para que o balan-ço hídrico da microbacia restabelecesse seuequilíbrio original.

    O manejo correto das plantações florestais e das outras atividades numa propriedade rural é indispensável para a

    manutenção da quantidade e qualidade da água.

       M   i   r   i   a   m    P

       r   o   c   h   n   o  w

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    Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água

    Figura 3: Gráfico que sintetiza o modelo desenvolvido por

    KUCZERA (1987), que mostra a relação entre a dinâmica do

    deflúvio anual na microbacia (eixo das ordenadas) e o avan-

    ço em idade da floresta (eixo das abcissas). Em outras pa-

    lavras, o gráfico mostra que na fase inicial do crescimento

    da nova floresta o deflúvio anual da microbacia tende a di-

    minuir, alcançando redução máxima por volta dos 12 anos

    (para as condições australianas onde os resultados foram

    observados), tendendo então a retornar às condições origi-

    nais de antes do plantio (no caso, por volta dos 50 anos).

    Tempo (anos) do crescimento da nova floresta

        R   e    d   u   ç    ã   o

        d   o

        d   e    fl   u   v    i   o

       a   n   u

       a    l 0 10 20 30 40 50

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    Com a finalidade de obter resultados experimentais queexplicassem o modelo teórico que descreve a dinâmicatemporal da relação crescimento florestal em relação aodeflúvio anual proposto por KUCZERA (1987), da Figura 3,VERTESSY et al. (2001) realizaram um estudo detalhadodos componentes do balanço hídrico em florestas naturaisde Eucalyptus regnans de diferentes idades, na Austrália,cujos resultados estão resumidos na Figura 4. Confor-me mostra a figura, ao longo dos anos os componentesdo balanço hídrico vão se modificando, não apenas devi-do a mudanças fisiológicas que governam a transpiraçãomas também devido a mudanças na própria arquitetura

    Figura 4: Síntese dos resultados das medições dos componentes do balanço hídrico em florestas de Eucalyptus

    regnans de diferentes idades (eixo das abcissas) na Austrália. A legenda na parte superior da figura corresponde

    a: Tash = transpiração da floresta; Tund = transpiração do sub-bosque; Es = evaporação direta do solo; I = intercep-

    tação da chuva pelo dossel; Q = deflúvio na microbacia. Assim, a modificação quantitativa desses componentes ao

    longo do avanço de idade da floresta resulta no aumento gradativo do deflúvio da microbacia, conforme simulado

    pelo modelo da Figura 11 (VERTESSY et al., 2001).

    do dossel. Assim, referindo-se ao esquema ilustrativo daFigura 4, na fase inicial do crescimento, tanto a transpira-ção quanto as perdas pela interceptação da água da chuvapelo dossel são elevadas, fazendo com que a maior parteda chuva incidente na microbacia seja perdida por estesprocessos evaporativos, sobrando muito pouco para ali-mentar o deflúvio. Com o tempo, esses componentes vãodiminuindo, resultando em maior excedente hídrico, queaumenta gradativamente o deflúvio anual. De certa forma,isso explica, também, a reconhecida estabilidade hidroló-gica de microbacias protegidas com florestas naturais nãoperturbadas.

    Idade da floresta (anos)

        m    m

    0

    300

    15 30 60 120 240

    600

    900

    1200

    1500

    Tash   Tund   Es   I Q

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    Mais recentemente, outros dois trabalhos de revisão se-melhantes foram publicados por BOSCH & HEWLETT(1982) e BROWN et al. (2005), que analisaram uma quan-tidade maior de informações disponíveis e chegaram àsmesmas conclusões do trabalho pioneiro de HIBBERT(1967). O segundo autor, por exemplo, conseguiu esclare-cer mais detalhes dessas relações válidas para condiçõestropicais, que resumidamente estabelecem o seguinte:

    • a infiltração do solo e a evapotranspiração representati-va de diferentes tipos de vegetação desempenham papelfundamental na hidrologia da microbacia que sofreu alte-ração de sua cobertura florestal;

    • por exemplo, se a taxa de infiltração diminui após o des-matamento, ou após a colheita florestal, a ponto de fazercom que o aumento do escoamento direto provocado poressa diminuição da infiltração exceda o eventual ganhode recarga do aquífero resultante da diminuição da eva-potranspiração, então é lógico esperar uma diminuiçãogradativa da vazão na estação seca;

    • por outro lado, se a colheita florestal ou o corte da flo-resta for realizado de forma a não causar perturbação nasuperfície do solo e na taxa de infiltração, então a dimi-

    nuição da evapotranspiração após o corte deve resultarno aumento da recarga do aquífero e, consequentemente,da vazão durante a estação seca;

    • todavia, estes efeitos interativos entre a alteração da in-filtração e da evapotranspiração decorrentes do manejoda cobertura florestal dependem, também, da hidrologiado solo, principalmente em termos de sua capacidade dearmazenamento de água.

    Essas informações se revestem de um caráter práticode extrema valia para a conservação da água. Quantosexemplos de manejo irresponsável existem por aí aforade ausência da preocupação para com a proteção da su-

    perfície do solo, que se degrada pela erosão, diminuindoa infiltração e conduzindo para a degradação da microba-cia? Em outras palavras, frequentemente não é o ato decortar a floresta ou o ato da colheita florestal que impactaos recursos hídricos, mas sim a maneira como esta prá-tica é conduzida e as alterações da superfície do solo quedela resultam.

    O trabalho de BROWN et al. (2007), por outro lado, é tam-bém muito interessante do ponto de vista prático, poisconstitui uma revisão de resultados experimentais obti-

    Nas condições tropicais é fundamental que as ações de manejo protejam as

    áreas hidrologicamente sensíveis e a superfície do solo.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

       M   i   r   i   a   m    P

       r   o   c   h   n   o  w

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    dos em microbacias experimentais contendo plantaçõesflorestais, e também pelo fato de que procurou conseguirinformações sobre a extrapolação dos resultados obtidosem microbacias para bacias de maior porte. Essa expec-tativa da propagação dos efeitos é, sem dúvida, relevantee muito questionada, apesar de não ter ainda sido com-provada em trabalhos experimentais, pelas dificuldadesóbvias inerentes à enorme quantidade de fatores que ope-ram simultaneamente numa bacia hidrográfica de gran-de porte, principalmente o efeito da diluição dos possíveisefeitos relativamente ao volume de água dos grandes sis-temas hidrográficos. Os autores fizeram o estudo numabacia hidrográfica de cerca de 84.000 km2 na Austrália,na qual, através de simulação por modelos hidrológicos,procuraram verificar o que aconteceria no canal principal

    da macrobacia em decorrência da introdução, na bacia,de 30.000 hectares de plantações florestais, o que equiva-le a apenas 0,4% da área total. Obviamente não foi notadoefeito algum no rio principal. Neste sentido, outros traba-lhos similares mostram que não ocorre mesmo efeito al-gum se a proporção da área com plantações florestais formenor do que 20% da área da bacia hidrográfica. Todavia,se esses 30.000 hectares ficassem localizados em apenasuma das sub-bacias menores, os resultados da simula-ção mostraram uma redução no deflúvio desta sub-bacia,como de pronto vem sendo observado em microbaciasexperimentais. Ainda mais: observaram também queessa diminuição do deflúvio seria menos significativa seos plantios ficassem localizados o mais longe possível darede de drenagem, ou seja, longe das áreas onde o lençolfreático é mais superficial.

    O trabalho de revisão de FARLEY et al. (2005), por outrolado, é muito esclarecedor no que diz respeito ao enten-dimento de como as interações entre o manejo florestalcom outros fatores do meio podem resultar em impactoshidrológicos maiores ou menores. Analisando resultadosde 26 conjuntos de microbacias experimentais de várias

    partes do mundo, totalizando 504 observações, esses au-tores concluíram que:

    • em regiões onde o deflúvio médio anual é menor do que10% da precipitação anual, o riacho da microbacia pode se-car como resultado do reflorestamento. Por outro lado, ondeo deflúvio médio anual é em torno de 30% da precipitaçãoanual, a redução do deflúvio esperada é de cerca de 50%;

    • a redução do deflúvio aumenta com o crescimento daplantação florestal, mas o balanço hídrico da microba-

    cia tende a voltar ao equilíbrio pré-existentequando a plantação atinge idades mais avan-çadas.

    Até a algum tempo atrás não havia aindaqualquer resultado de microbacias expe-rimentais no nosso país, de modo que eranecessário valer-se apenas desses resul-tados obtidos em outros países e em outrascondições, o que frequentemente era moti-vo para algum questionamento em torno desua validade para as nossas condições. Maso Programa de Monitoramento Ambiental emMicrobacias (PROMAB), do IPEF – Institutode Pesquisas e Estudos Florestais, em par-

    ceria com empresas florestais do país, vemacumulando resultados do balanço hídrico demicrobacias experimentais em várias locali-dades, algumas delas com mais de 10 anosconsecutivos de mediçõess. Nesse programahá áreas com apenas uma microbacia experi-mental contendo plantação florestal, mas emalguns casos o trabalho consiste de um parde microbacias, no qual uma delas contémplantação florestal e a outra contém florestanatural, funcionando como microbacia de re-ferência para comparação dos resultados. Aanálise global desses resultados acumuladostem permitido observar que os resultados daliteratura mundial, assim como as inferênciasque eles permitem tirar, como as de FARLEYet al. (2005) acima citadas, parecem ocorrertambém nas nossas condições.

    A robusta relação entre a evapotranspira-ção e a precipitação anual evidenciada porZHANG et al. (2001), conforme mostrado naFigura 2, também mostra consistência com

    os dados monitorados de precipitação e deevapotranspiração anual das microbaciasexperimentais do PROMAB, tanto quando seusam os valores anuais individuais medidos,conforme ilustra a Figura 5, quanto quandose usam os valores médios anuais para o pe-ríodo monitorado, conforme ilustra a Figura 6(LIMA & FONTANA, 2008).

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

        E   v   o   t   r   a   n   s   p    i   r   a   ç    ã   o   a   n   u   a    l    (   m   m    )

    Precipitação anual (mm)

    150010005000

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1200

    1400

    1600

    25002000

    Zhang Alagoinhas-BA Santa Branca-SP Aguaí-SPItatinga_pós Luís Antônio-SPItatinga-SP

    Figura 5: Correspondência entre os valores

    anuais da evapotranspiração nas micro-

    bacias experimentais do PROMAB (pontos

    coloridos) com o modelo desenvolvido por

    ZHANG et al., (2001) (linha cheia).

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    Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água

    Assim, as Figuras 5 e 6 mostram que o consu-mo de água pelas plantações florestais tendea ser maior em regiões de maior precipitaçãoanual, relação esta que não ocorre de formalinear, evidentemente.

    Por outro lado, o modelo proposto por KUCZE-RA (1987), que mostra que o consumo de águatende a diminuir com o avanço da idade dasplantações (Figura 3), parece também estarevidenciado nos resultados do monitoramen-

    to da microbacia da Estação Experimentalde Itatinga, da ESALQ/USP, que também fazparte do PROMAB. Nas condições do planaltopaulista, os dados de monitoramento hidroló-gico coletados durante 12 anos consecutivosna microbacia de Itatinga mostraram resulta-dos similares, conforme pode ser observadona Figura 7. Nesse estudo, durante o períodode antes do corte raso mostrado na figura, amicrobacia estava coberta com a rebrota demais de 50 anos de idade, oriunda de uma

    Figura 6: Correspondência entre os valores

    médios anuais da evapotranspiração nas

    microbacias experimentais do PROMAB (tri-

    ângulos cheios) com o modelo proposto por

    ZHANG et al. (2001) (linha cheia para flores-

    ta e linha pontilhada para pastagem).

        E   v   o   t   r   a   n   s   p    i   r   a   ç    ã   o   a   n   u   a    l    (   m   m    )

    Precipitação anual (mm)

    5000

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1200

    1400

    1600

    15001000 2500 3000 35002000

    Floresta Pastagem PinusPastagem Floresta nativaEucalipto

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    Figura 7: Série histórica da relação entre o deflúvio anual (Q) e a precipitação anual (P) observada na microbacia

    experimental de Itatinga, da ESALQ/USP. No período antes do corte raso, a microbacia continha uma floresta for-

    mada pela rebrota antiga de Eucalyptus saligna, de mais de 50 anos de idade. Logo após o corte raso a microbacia

    foi reflorestada de novo com E. saligna, observando-se então a relação precipitação e deflúvio durante esta fase

    inicial do crescimento da nova floresta.

    plantação antiga de Eucalyptus saligna. No-ta-se que o deflúvio anual durante essa fasemostrava-se equilibrado e em sintonia com avariação da precipitação anual. O corte rasodessa floresta antiga produziu um aumento decerca de 100 mm no deflúvio do primeiro anoapós o corte raso (CÂMARA & LIMA, 1999), emcomparação ao deflúvio anual médio de todo o

    período antes do corte. Imediatamente após ocorte, a microbacia foi de novo plantada comE. saligna, e pode-se observar na figura a ten-dência de diminuição gradativa do deflúvio aolongo do período inicial de crescimento rápidoda nova plantação, numa forma que guardamuita semelhança com a curva do modelo deKUCZERA (1987).

    Ano Hídrico

        m    m      /    a    n    o

         9     1   -     9     2

         9     2   -     9     3

         9     3   -     9     4

         9     4   -     9     5

         9     5   -     9     6

         9     6   -     9     7

         9     7   -     9     8

         9     8   -     9     9

         9     9   -     0     0

         0     0   -     0     1

         0     1   -     0     2

         0     2   -     0     3

    400

    P (mm)

    Q (mm)

    0

    800

    1200

    1600

    2000

    Corte Raso

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    Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água

    A análise global dos resultados acumuladosdas microbacias experimentais do PROMAB,por outro lado, permitiu também a elabora-ção da Tabela 1, na qual se procurou agruparos resultados do monitoramento em funçãodas diferenças entre o excedente hídrico cli-mático das regiões onde elas se inserem,conforme mostrado na coluna da esquerdada tabela. A coluna da direita, por outro lado,mostra os resultados obtidos nas microba-cias de monitoramento, em termos dos va-lores médios anuais da precipitação, do de-flúvio e a diferença entre a precipitação e odeflúvio (P-Q), que corresponde à estimativada evapotranspiração na escala da microba-

    cia experimental.

    Clima regional Microbacia Experimental

    Local P ETR EXC P Q (P-Q) Sp N ∆AV

    Eunápolis - BA 1252 1132 120 1379 90 1289 E 3 157

    Alagoinhas - BA 1233 1081 151 1104 32 1072 E 11 0

    Santa Branca - SP 1239 986 252 1329 145 1184 E 7 198

    Capão Bonito - SP 1210 938 271 1237 145 1092 E 2 154

    Aguaí – SP 1346 946 399 1317 224 1093 E 5 147

    Luis Antonio - SP 1348 949 399 1226 235 991 E 3 42

    Itatinga – SP 1308 918 389 1485 476 1009 E 12 91

    Arapoti – PR 1500 1000 500 1475 170 1305 P 2 305

    Telêmaco Borba – PR 1500 1000 500 1386 76 1310 P 3 310

    Telêmaco Borba – PR 1500 1000 500 1300 145 1155 Na 3 155

    P= precipitação;

    ETR = evapotranspiração real climática;

    EXC = excedente hídrico climático(P_Q) = evapotranspiração na escala da microbacia experimental

    Sp = Cobertura florestal: E = Eucalipto / P = Pinus / Na = nativa

    N = Número de anos do monitoramento

    ∆AV: Aumento do fluxo de água verde = [(P_Q) - ETR]

    Média do ∆AV: Bahia : 78 / São Paulo :126 / Paraná: 257

    Observação: os dados do clima regional foram obtidos do balanço hídrico climático das respectivas regiões onde

    se inserem as microbacias, e representam média de 30 anos. Para as microbacias do Paraná, os dados do clima

    regional foram interpolados dos Mapas Climatológicos do IAPAR, 2008

    Tabela 1: Comparação dos resultados médios anuais do balanço hí-

    drico das microbacias experimentais do PROMAB com os valores

    médios do balanço hídrico climático das respectivas regiões onde

    elas se inserem, agrupados em relação ao valor médio do excedente

    hídrico de cada região.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    A análise desta Tabela 1 permite observar,em primeiro lugar, que o impacto das plan-tações florestais sobre o consumo de água(evapotranspiração) não ocorre de forma si-milar em todas as situações, fato este quevem sendo enfatizado em vários trabalhos derevisão da literatura mundial sobre o tema.De fato, conforme mostra a tabela, o aumentoda evapotranspiração das microbacias con-tendo plantações florestais de eucalipto e dePinus, relativamente à taxa climática regionalda evapotranspiração real, é bastante vari-ável, desde microbacias onde praticamentenão há diferença alguma, até microbaciasonde esta diferença pode chegar a cerca de

    300 mm anuais. Essas diferenças, por suavez, parecem guardar relação com as con-dições climáticas de disponibilidade natural

    Figura 8: A essência do manejo integrado de microbacias hidrográficas, conforme elaborado por FALKENMARK &

    FOLKE (2002). Numa dada microbacia hidrográfica, a distribuição da água que chega à microbacia pelas chuvas pode se

    dar pela evapotranspiração (fluxo de água verde) e pelo deflúvio (fluxo de água azul). Dependendo da estratégia de ma-

    nejo, o fluxo de água verde pode aumentar muito, em detrimento do fluxo de água azul. Planejar o uso da terra de forma

    a manter equilibrados esses dois fluxos representa a estratégia sustentável de conservação dos recursos hídricos.

    de água. Onde essas condiçõessão tais que a precipitação anu-al é praticamente igual à taxa daevapotranspiração, há normal-mente pouco excedente hídrico,que restringe a possibilidade daplantação florestal resultar numacréscimo significativo da eva-potranspiração, relativamente àtaxa climática média da região,pois não há normalmente abun-dância de água disponível.

    Por outro lado, em condiçõesclimáticas de precipitação bem

    maior do que a taxa média daevapotranspiração e também dedistribuição uniforme ao longo do

    ano, o excedente hídrico climáticoé também bem maior, resultan-do num maior diferencial entre aevapotranspiração da microbaciae a taxa média climática da eva-potranspiração real. E há o casodas microbacias situadas entreesses dois extremos climáticos.

    A expressão usada na Tabela1, ou seja, “∆AV = incrementodo fluxo de água verde”, foi ela-borada a partir do trabalho deFALKENMARK & FOLKE (2002),cuja síntese encontra-se ilustra-

    da na Figura 8.

    Divisor Topográfico

    Chuva Fluxo de água verde

    Montante Jusante

    Fluxo deágua azul

     

     

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    Fundamentos Científicos da Relação entre as Plantações Florestais e a Água

    Considerando a microbacia hidrográfica como unidadeestratégica de planejamento do manejo florestal que in-corpora a conservação da água, o objetivo é sempre fazercom que haja água azul, pois esta é a água superficial que

    atende não apenas as demais demandas do homem bemcomo as demandas do próprio meio ambiente, principal-mente em termos da preservação da vazão ecológica, quegarante a manutenção da qualidade do ecossistema aquá-tico. Desta forma, estabelecer estratégias de manejo sus-tentável das plantações florestais inclui, entre outras coi-sas, encontrar um balanço sustentável entre os fluxos deágua verde (consumo de água pelo crescimento florestal)e água azul (manter o deflúvio nas microbacias). Voltandoà Tabela 1, como já afirmado, o incremento do fluxo deágua verde (aumento da evapotranspiração causada pelas

    plantações florestais) varia de região para região. É impe-rativo, portanto, que a análise preliminar das condiçõesclimáticas prevalecentes seja levada em conta na elabora-ção do plano de manejo florestal, a fim de estabelecer es-

    tratégias consistentes em cada situação, visando a mantero equilíbrio na redistribuição da precipitação incidente. Poroutro lado, a mesma Tabela 1 mostra que esse acréscimodo fluxo de água verde causada pelas plantações florestaiscorresponde a uma diminuição no fluxo de água azul, ouseja, no deflúvio anual das microbacias. Essa diminuição,por sua vez, parece ocorrer de forma variada, de acordocom o que foi inferido por FARLEY et al. (2005), ou seja:varia em função da relação percentual prevalecente entrea precipitação e o deflúvio. Todavia, levando em conta osresultados até agora disponíveis, conforme mostrado na

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    Levando em conta a microbacia, a estratégia sustentável de manejo devesempre buscar o equilíbrio entre os fluxos de “água verde” e “água azul”,

    na busca da hidrossolidariedade.

    Tabela 1, pode ocorrer diminuição do deflúviomas não seu desaparecimento, o que, no en-tanto, não elimina a possibilidade de que istopossa acontecer, dependendo da conjunçãode estratégias inadequadas de manejo e decondições de clima e solo, o que reforça a ne-cessidade da análise prévia das condições dobalanço hídrico climático no estabelecimentodo plano de manejo.

    Essa busca de uma estratégia de manejo deplantações florestais visando à manutençãode fluxos equilibrados de água verde e águaazul, na escala das microbacias hidrográfi-

    cas, foi magnificamente sinteti-zada no próprio título do traba-lho de FALKENMARK & FOLKE(2002), que diz o seguinte: “Aética do manejo sócio-hidroló-gico de microbacias: na direçãoda hidrossolidariedade”. Esta éa palavra-chave que a crise daágua vai cada vez mais exigir detodos nós: a hidrossolidarieda-de, ou seja, não eliminar nuncao fluxo de água azul, procuran-do estratégias de manejo quenão apenas mantenha esse fluxo

    equilibrado, mas também queprocure aumentar a oferta deágua à jusante.

    Essas informações têm, sem dú-vida, um caráter prático de valorinquestionável, no sentido de nosalertar que, no final das contas, ocontrole dos possíveis impactoshidrológicos depende da aplica-ção de uma estratégia sustentá-vel de manejo que leve em contaas interações verificadas em tra-balhos experimentais.

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    Incorporando o Objetivo de Conservaçãoda Água nas Práticas de Manejo

    O que parece claro, atualmente, principalmente em fun-ção do volume acumulado de informações e de resulta-

    dos de pesquisas realizadas sobre o assunto no mundotodo, é que se trata de uma polêmica que envolve inúme-ros outros aspectos, que não somente o de se saber se asplantações florestais secam ou não o solo. Na realidade,trata-se de um problema ambiental, cuja solução, ou ad-ministração, deve passar sim pelo crivo da experimenta-ção científica, mas deve necessariamente levar em contatoda a complexidade envolvida nos problemas ambien-tais, incluindo as incertezas inerentes nas relações entreo uso dos recursos naturais e os impactos ambientais,os aspectos sociais e culturais envolvidos na transfor-mação da paisagem e na expansão da área de florestasplantadas, no planejamento adequado desta expansão,principalmente em termos de salvaguardar os remanes-centes da vegetação natural, as áreas hidrologicamentesensíveis das microbacias, a biodiversidade estrutural efuncional ao longo da paisagem, a saúde do solo e a quan-tidade e qualidade da água.

    O que essa polêmica reivindica, na realidade, não é a ne-cessidade de se fazer mais pesquisas para demonstrarque o consumo de água pelas plantações florestais nãodifere muito, ou quase nada, do consumo de florestas

    naturais. Essa informação já existe, embora não tenhaaplacado a inquietude. O que a polêmica reivindica é a ne-cessidade de uma mudança do enfoque nos estudos dasrelações entre a silvicultura e a água. Conforme mostra-do na Figura 8, o consumo de água (fluxo de água verde)é apenas parte de um problema maior: o que realmenteestá acontecendo com a nossa água azul? Avançar em di-reção ao estudo deste problema, por exemplo, seria des-dobrar a questão do consumo de água em dois aspectos:o do QUANTO e o do COMO. Quanto é o consumo de águapelas plantações florestais? Já vimos que a resposta para

    Como discutido no presente trabalho, a relação entre a silvicultura e a

    água é um tema polêmico e recorrente, que vem merecendo a preocupa-

    ção por parte de todos: de quem planta, de quem maneja, dos pesquisado-

    res, dos técnicos, dos ambientalistas e da sociedade em geral.

    esta pergunta já existe – que não difere muito do consu-mo de florestas naturais – mas não é satisfatória. Agora,quando tentamos achar a resposta para o COMO, entãoa pergunta poderia ser formulada assim:“esse consumode água pelas plantações florestais está dentro das pos-sibilidades do meio?” Quer dizer, existe água para aten-der esse consumo e ainda garantir as demais demandasdesse precioso líquido? Em outras palavras, existe águapara atender ao incremento do fluxo de água verde e ain-da manter o fluxo de água azul? Então aí avançamos, nãoapenas no sentido de incluir os aspectos sociais e cul-turais envolvidos na demanda de água mas também osaspectos ecológicos, ao se levar em conta inclusive a ne-cessidade de água para atender aos processos naturais, achamada demanda ambiental de água. Quando um riachoseca, não é apenas o fluxo de água azul que desaparece,mas toda uma série de processos naturais e serviços am-bientais, que não sabemos se voltam a existir ou não.

    O trabalho de FALKENMARK & FOLKE (2002) aponta

    para um ótimo termo para definir qual é essa mudançade enfoque necessária nas relações entre a silvicultura ea água: hidrossolidariedade. Não há nada de errado emse fazer plantações florestais, nem tampouco no fato deque elas necessitam de bastante água. O que devemosverificar, todavia, é se esse consumo de água para aten-der a produção florestal está sendo hidrossolidário comas outras demandas de água. As duas outras expres-sões lançadas por esses autores representam concei-tos muito instrutivos para o melhor entendimento destaquestão, que são os conceitos de “água verde” e “água

    A conservação da água é um problema ambiental com-

    plexo, que engloba inclusive os aspectos sociais e cultu-

    rais da transformação da paisagem.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

       W   i   g   o   l   d   B .   S   c   h   a   f   f   e   r

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    Incorporando o Objetivo de Conservação da Água nas Práticas de Manejo

    azul”, conforme ilustrado na Figura 8. Essa figura mostraclaramente, em primeiro lugar, a microbacia hidrográfi-ca como a escala natural para a avaliação adequada dasrelações entre a silvicultura e a água. E, como mostra afigura, na microbacia as chuvas constituem o processonatural de entrada de água para o atendimento das de-mandas da sociedade. Por outro lado, a água que che-

    ga pelas chuvas pode ter dois destinos: o fluxo de “águaverde”, representando todas as perdas por evaporação epela transpiração vegetal, e o fluxo de “água azul”, re-presentando a água superficial. Os autores até definem,neste sentido, que a expressão “manejo de microbaciashidrográficas”, no final das contas, significa o manejodas chuvas, não no sentido de controle deste processonatural, evidentemente, mas sim no controle de comomanejamos essa entrada natural de água na microbacia.Podemos, por exemplo, direcioná-la apenas para o fluxode água verde, pelo aumento do consumo de água pelas

    plantações florestais, em detrimento da águaazul. Ou, por outro lado, podemos planejaro manejo de forma que a demanda da águaverde (que atende ao crescimento e à produ-ção florestal) não elimine o fluxo de água azul(que atende a todas as demais demandas deágua, inclusive a do homem). Esse é o gran-

    de desafio da sustentabilidade hidrológica domanejo de plantações florestais.

    Não está aí uma magnífica explicação para oaparente paradoxo da polêmica em torno doconsumo de água pelas plantações flores-tais? Continuar a fazer pesquisa para apenasdeterminar quanto é o consumo de água peloeucalipto, ou pelas plantações florestais, sig-nifica se preocupar apenas com a “água ver-de”. Mas, como já comentado, isso é apenas

    O planejamento do manejo de plantações florestais deve prover que a demanda de água necessária

    para o crescimento florestal não elimine o fluxo de “água azul”, que é o fluxo que atende as demais de-

    mandas por água, inclusive a do homem.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    parte do problema. É necessário, também,levar em conta a água azul, ou seja, é impe-rativo determinar também os impactos sobrea “água azul”, pois é dela que a sociedade e opróprio meio ambiente dependem. É por issoque a polêmica não acaba, apesar do acúmu-lo de resultados experimentais. O indicadormais adequado, portanto, é o balanço hídricoda microbacia hidrográfica, e não apenas aevapotranspiração.

    No fundo, essa preocupação está embutidano conceito do manejo florestal sustentável,principalmente após a reunião da UNCED, noRio de Janeiro, em 1992, conceito este que se

    caracteriza por alguns aspectos muito im-portantes para o equacionamento desta po-lêmica: a) trata-se de um metaconceito, ouseja, envolve necessariamente uma mudançade enfoque, de paradigma; b) como concei-to, parece algo inútil, nebuloso e desprovidode praticidade; c) deve ser necessariamenteavaliado em todas as suas dimensões: eco-nômica, ecológica, social, cultural, políticaetc.; d) deve também necessariamente en-volver diferentes escalas de avaliação; e)deve, finalmente, ser considerado não comoum critério, ou um conjunto de critérios quedefinam o que vem a ser manejo sustentável,mas sim como uma meta, um alvo. Esse alvo,por sua vez, não é um alvo fixo mas móvel,no sentido de que o conceito de sustentabi-lidade é também dinâmico, pois ele neces-sariamente reflete o conhecimento que hojese dispõe a respeito do funcionamento dossistemas biológicos. O interessante, porém,é que, analisado sob esse prisma, o conceitoacaba se tornando absolutamente cristalino,

    pois aponta uma direção a seguir, ou seja,aponta uma meta, um objetivo. Pode-se dizerentão que o manejo florestal sustentável serásempre um eterno aprendizado, uma busca,um processo de melhoria contínua das práti-cas de manejo, tanto no sentido de aumentara produtividade florestal – que é afinal o obje-tivo maior das plantações florestais de largaescala –, mas principalmente no sentido degarantir, concomitantemente, a permanênciade valores da paisagem, que são fundamen-

    tais para a conservação da água e de outroscomponentes do meio ambiente. Enfim, omanejo florestal, visto sob esse novo pris-ma de sustentabilidade, tornou-se complexo,o que requer que devemos aprender a vivercom alterações inevitáveis que o manejo cau-sa e evitar que estas alterações conduzam àdegradação da microbacia.

    Conseqüentemente, uma peça-chave da bus-ca do manejo florestal sustentável é o moni-toramento, que deve ser entendido aqui comoprocesso de obtenção de informações sobreos resultados das ações de manejo sobre omeio ambiente, a fim de possibilitar as cor-

    reções necessárias no plano de manejo, vi-sando à sua contínua melhoria. Em outraspalavras, o monitoramento tem que ser en-tendido como parte integrante do próprio ma-nejo florestal sustentável, como ferramentapara a melhoria contínua das práticas de ma-nejo, assim como para avaliar se as práticasde manejo estão, gradativamente e no longoprazo, degradando o solo, alterando o ciclo denutrientes e, portanto, o potencial produtivodo solo, ou ainda degradando o funcionamen-to hidrológico das microbacias hidrográficas.Entretanto, há ainda outro aspecto, que re-sulta da própria diversidade natural da paisa-gem, em termos de clima, solo, geologia, ge-omorfologia, vegetação etc. Em cada região,todas essas manifestações e as especificida-des locais vão ser diferentes, o que implicareconhecer que nunca haverá um receituárioque seja de aplicação universal.

    Um princípio basilar embutido no conceitode manejo florestal sustentável, levando em

    conta a preocupação para com a conserva-ção do solo e da água, é a necessidade de seconsiderar a microbacia hidrográfica comobase física para o plano de manejo, visandoà implementação de práticas sustentáveis demanejo. Tais práticas, nesse sentido, devemnecessariamente considerar a integração,as inter-relações e os efeitos das práticas demanejo sobre o solo, em termos da manuten-ção de seu potencial produtivo, e a água, tantoem termos de quantidade, qualidade, regime

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    Incorporando o Objetivo de Conservação da Água nas Práticas de Manejo

    A proteção da superfície do solo é um fator físico chave para a manutenção dos serviços

    ambientais que conservam a água, como demonstra esta imagem eloqüente de um simples

    raminho sendo capaz de proteger o solo contra a erosão hídrica.

    de vazão, como em termos da manutenção daqualidade do ecossistema aquático, ou seja, aágua azul. Esse objetivo de incorporar os va-lores da água e do solo no plano de manejodepende do estabelecimento de critérios paraa proteção dos serviços ambientais na escaladas microbacias hidrográficas. Esses servi-ços ambientais classificam-se, como resumi-do por FALKENMARK & FOLKE (2002) em: a)físicos: proteção da superfície e da infiltração

    do solo. Parecem simples, mas são, na rea-lidade, cruciais para a conservação da água;b) químicos: processos de denitrificação,produção de oxigênio, absorção de CO2 etc.;c) biológicos: dispersão de sementes, polini-zação, controle biológico de pragas e doen-ças etc. Esses serviços ambientais são fun-damentais para a permanência de processose de condições que garantem a estabilidadee a qualidade da água azul.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    Aliado a esses critérios de proteção dos servi-ços ambientais, o plano deve, também, esta-belecer estratégia de proteção de elementose de espaços da paisagem que são importan-tes para a manutenção da resiliência das mi-crobacias, entendida aqui como sua capaci-dade de absorver perturbações sem perder aestabilidade, tais como: biodiversidade, áreas

    ripárias, integridade do ecossistema ripário.E esses elementos e espaços da paisagemnão servem apenas ao propósito estético eético, mas principalmente ao propósito fun-cional. Ou seja, sua perda compromete a pró-pria funcionalidade da microbacia e da paisa-gem (FALKENMARK & FOLKE, 2002).

    Uma prática comum, mas que deve ser abolida, é o carreador que margeia a Área de Preservação Permanente (à

    direita da foto). Além de representar um fator negativo para a conservação da APP, pois não se conserva um ecos-sistema pela sua separação física do entorno, frequentemente é também fonte de assoreamento do riacho.

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    Incorporando o Objetivo de Conservação da Água nas Práticas de Manejo

    Outro princípio importante, que deriva naturalmentequando o plano de manejo florestal tem como base a mi-crobacia hidrográfica, é a questão das diferentes escalasda sustentabilidade hidrológica, conforme ilustrado naFigura 9. Como esquematizado nessa figura, as opera-ções de manejo florestal ocorrem, normalmente, na Uni-dade de Manejo Florestal. Um bom manejador florestalprocura colocar todo o seu conhecimento e sua compe-tência profissional no estabelecimento de uma “silvicul-tura Nota 10” em cada unidade de manejo, tanto visandoao aumento da produtividade florestal quanto a diminuirimpactos ambientais. Isso faz parte da busca do manejo

    Figura 9: Esquema ilustrativo das diferentes escalas da sustentabilidade hidrológica. A implementação das práti-

    cas de manejo na unidade de manejo florestal representa a escala das ações antrópicas visando à produção flores-

    tal. Essas ações podem, eventualmente, impactar os recursos hídricos. No entanto, como mostra a figura, existem

    também as imposições naturais e legais que sinalizam as limitações do meio, principalmente em termos da dispo-

    nibilidade climática natural da água. A escala do meio, por sua vez, é a escala das microbacias, cujas condições, por

    um lado, são o reflexo das mesmas imposições climáticas naturais. Por outro lado, elas também são o reflexo das

    alterações da paisagem causadas pelo homem.

    Escalas da sustentabilidade

    Nacional

    Disponibilidade de águaPrecipitação

    Evapotranspiração potencial

    Balanço hídrico climáticoLegislação ambientalProdutividade do solo

    Saúde da Microbacia

    Demanda de águaBalanço hídrico

    Regime de vazãoAssoreamento

    Ecossistema aquático

    Planejamento de uso

    Desenho das estradasÁreas ripárias (mata ciliar)

    Hidrologia do solo

    Práticas de manejoadaptativo de florestas

    plantadas

    Espécies

    EspaçamentoCiclo de rotaçãoProteção da superfície do solo

    Colheita florestal

    Regional UMF

    sustentável. Todavia, conforme mostra a figura, impactosambientais podem estar ocorrendo nas outras escalas, equem vai levar a culpa é a “silvicultura Nota 10”. Portanto,essa mudança de enfoque passa, também, pela necessi-dade de visão sistêmica do manejo, evoluindo de uma “vi-são de túnel”, que só foca o talhão, para uma “visão de ra-dar”, mais abrangente, mais sistêmica, que analisa e levaem conta os fatores da escala meso, que dizem respeitoprincipalmente à conservação da estabilidade das micro-bacias, assim como a escala maior, que informa sobre aspotencialidades e as limitações naturais do meio, princi-palmente em termos da disponibilidade natural de água.

    Uma forma integrada para a análise das diferentes escalas envolvidas na conservaçãodo solo e da água para orientar a busca do manejo sustentável de florestas plantadas.

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    Cadernos do Diálogo - Volume 1 - Água e Silvicultura

    CALDER (2007), em seu trabalho intitulado“Fazendo com que os benefícios da flores-ta suplantem os custos do maior consumode água”, usou o conceito de “água verde”e “água azul” criado por FALKENMARK &FOLKE (2002), e resume muito bem a ne-cessidade de se analisar consistentementea escala macro de disponibilidade natural deágua, conforme mostrado na Figura 10.

    Figura 10: Quadrantes sugeridos por CALDER (2007) para a análise consistente das disponibilidades e limitações

    naturais de água, que identificam quatro condições para estas limitações e potencialidades hídricas do meio, em

    função da relação entre a precipitação e a evapotranspiração, assim como entre o fluxo superficial (vazão média) e

    a vazão mínima permitida. Dependendo da interação dessas duas relações, a região pode ser mais ou menos restri-

    tiva para o desenvolvimento florestal ou para qualquer atividade que demanda muita água.

    P>E = “+água verde“; Qs>Qm = “+água azul“Qs = fluxo superficial; Qm = vazão mínima permitida

    P < E, Qs > Qm

    Verde: reduzir área com floresta plantadaAzul: melhoria das condições de conservação do soloe de estruturas de retenção de ágia beneficia apenaslocalmente, às expensas de usuários a jusante

    P < E, Qs < Qm

    Verde: restrições para a formação de florestasplantadas e irrigaçãoAzul: Poucos benefícios com medidas adicionais deconservação do solo e estruturas de retenção de água

    P > E, Qs > Qm

    Verde: > área com florestas plantadas;> área com irrigaçãoAzul: benefícios ainda maiores com medidas demelhoria da conservação do solo e de estruturas deretenção de água

    P > E, Qs < Qm

    Verde: Ok para florestas plantadas; Ok para irrigaçãoAzul: nenhum ganho adicional com medidas demelhoria das condições de conservação do solo e deestruturas de retenção de água

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    Incorporando o Objetivo de Conservação da Água nas Práticas de Manejo

    Com o intuito de imprimir um caráter essencialmente aplicado a esseconceito de monitoramento nas diferentes escalas da sustentabilida-de hidrológica, a Tabela 2 procura exemplificar algumas relações járeconhecidas entre as práticas de manejo e impactos sobre a água,relações estas baseadas em resultados e informações disponíveis naliteratura, principalmente em função de algumas características bá-sicas de um bom indicador, em especial no que diz respeito