CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS · mação pré-negociação; c) apenas aos mercados...

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NÚMERO 42 * AGOSTO DE 2012 ARTIGOS * OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL * FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO * O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

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1 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

NÚMERO 42 * AGOSTO DE 2012

ARTIGOS

* OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL:

UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL

* FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES:

ESTUDO DE DIREITO COMPARADO

* O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES

INDIVIDUAIS PORTUGUESES

CADERNOS

DO MERCADO

DE VALORES

MOBILIÁRIOS

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

N.º 42

AGOSTO DE 2012

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EDITORIAL 05

ARTIGOS:

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL:

UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL 08

André Santos

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES:

ESTUDO DE DIREITO COMPARADO 40

Paula Redondo Pereira

O EFEITO DISPOSIÇÃO

NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES 94

Teresa Simões e Margarida Abreu

ÍNDICE

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EDITORIAL

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5 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

EDITORIAL

A edição n.º 42 dos Cadernos do Mercado de

Valores Mobiliários contém três artigos, dois de

natureza jurídica e um de cariz económico.

O primeiro texto analisa o funcionamento dos

sistemas de negociação multilateral (SNM) nos

termos da legislação comunitária e nacional em

vigor. São apontadas algumas características

diferenciadoras dos SNM relativamente aos

mercados regulamentados: a) a constituição e

gestão de SNM é encarada como um serviço e

actividade de investimento; b) os SNM podem

ser constituídos como “dark pools” desde que

verifiquem as condições de dispensa de infor-

mação pré-negociação; c) apenas aos mercados

regulamentados é exigido um prospecto aprova-

do, prévio à admissão à negociação, existindo

um espaço de livre discricionariedade que pode

ser aproveitado pelos SNM relativamente à

selecção, para negociação, de instrumentos

financeiros nas suas plataformas sem as forma-

lidades e as exigências previstas no Código dos

Valores Mobiliários para os mercados regula-

mentados. Não se aplica igualmente a Directiva

do Prospecto nem a Directiva da Transparência.

Por último, os preços podem ser formados de

forma livre, de acordo com as regras de negoci-

ação aprovadas para os respectivos sistemas, na

situação de não serem negociados instrumentos

financeiros admitidos à negociação em merca-

dos regulamentados, mas somente selecciona-

dos para negociação em SNM.

Tendo por base uma regulamentação menos

exigente e com maior grau de discricionarieda-

de, o autor conclui que os SNM encontraram o

seu espaço como plataformas alternativas de

negociação. Porém, sugere que a importância

dos SNM poderá vir a cair, opinião que é sus-

tentada na existência de diferentes e mais vanta-

josas alternativas concorrenciais de negociação

a estas plataformas, na forte concorrência entre

os vários SNM entretanto criados e no surgi-

mento integrado de mercados regulamentados e

SNM. O autor conclui por fim que é urgente e

indispensável uma reformulação do conceito de

SNM e das disposições normativas que regulam

estas estruturas de negociação, situação a que a

Comissão Europeia não é alheia.

No segundo artigo é efetuada uma análise de

direito comparado do regime jurídico dos con-

tratos de futuros sobre ações nos ordenamentos

jurídicos português e espanhol, tanto em sede

de fontes normativas, como também no que

respeita às regras operacionais dos respetivos

mercados. A criação dos mercados de futuros

em Portugal e em Espanha ocorreu na década

de 90, partilhando o mesmo sistema de negocia-

ção no momento da sua criação, facto que terá

contribuído para que as características dos dois

mercados fossem idênticas. Atualmente, e ape-

sar de tal partilha já não se verificar (na sequên-

cia da incorporação do mercado bolsista portu-

guês no Grupo Euronext), continuam a inexistir

diferenças funcionais significativas entre os

dois mercados.

A autora conclui que são mais as semelhanças

do que as diferenças encontradas nos respetivos

ordenamentos jurídicos. No essencial, as seme-

lhanças entre os dois regimes verificam-se

quanto à estrutura e à negociação dos contratos,

nomeadamente através de intervenção obrigató-

ria da contraparte central e quanto ao mecanis-

mo de ajuste diário de ganhos e perdas e da

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EDITORIAL

prestação de garantias. Ademais, a noção legal

de futuros é inexistente, tanto em Portugal, co-

mo em Espanha. Em ambos os casos, os futuros

reconduzem-se aos instrumentos financeiros

elencados nas leis fundamentais dos Valores

Mobiliários de cada mercado. Este elenco refle-

te as diretrizes da DMIF, pelo que é homogéneo

em ambos os países.

As diferenças devem-se, sobretudo, à diferente

natureza das fontes utilizadas pelos ordenamen-

tos jurídicos para enquadrar os respetivos regi-

mes. No caso português, os princípios gerais

estão definidos no Código dos Valores Mobiliá-

rios, sendo desenvolvidos por via de regula-

mentos da CMVM; no ordenamento jurídico

espanhol, o regime dos futuros encontra-se fun-

damentalmente plasmado na Lei do Mercado de

Valores e num Real-Decreto (de certo modo

equivalente a um Decreto-Lei no ordenamento

nacional), sendo escassos os regulamentos da

CNMV. As diferenças advêm ainda da estrutura

e das regras de funcionamento dos próprios

mercados. Assim, a interposição de contraparte

central é um requisito obrigatório na negocia-

ção dos contratos de futuros em ambos os mer-

cados, mas em Espanha a entidade gestora do

mercado acumula as funções de contraparte

central, o que não sucede na Euronext NYSE

LIFFE em que as funções de contraparte central

são assumidas pela LCH.Clearnet, S.A.

O último texto aborda o designado efeito

disposição (disposition effect), um comporta-

mento não racional que se concretiza na tendên-

cia para os investidores venderem demasiado

cedo títulos cujo preço está a aumentar

(winners) e manterem demasiado tempo em

carteira títulos cujo preço está a diminuir

(losers). As autoras procuram identificar as ca-

racterísticas que definem o perfil do investidor

individual português com maior probabilidade

de manifestar efeito disposição, através do re-

curso a um inquérito online aos investidores

individuais portugueses efetuado pela CMVM,

sendo a proxy para o efeito disposição construí-

da com base nas respostas dos investidores a

questões comportamentais no mercado finan-

ceiro.

Os resultados obtidos revelam a presença de

efeito disposição entre os investidores portu-

gueses, particularmente os solteiros, separados

ou divorciados, a residir na região Sul do País

ou nas Ilhas (Açores e Madeira). Os investido-

res com menor probabilidade de exibir efeito

disposição são os que movimentam a carteira

com mais frequência (pelo menos uma vez por

semana), os que detêm os investimentos em

carteira durante curtos períodos de tempo (day

traders ou detentores de títulos no máximo até

1 mês), e aqueles que têm maior propensão para

a tomada de risco e avaliam o mercado de títu-

los como sendo de fácil acesso.

Em suma, a qualidade dos três artigos e a diver-

sidade dos temas neles abordados aconselham

uma leitura atenta desta edição dos Cadernos.

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7 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

ARTIGOS

* OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL:

UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL

* FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES:

ESTUDO DE DIREITO COMPARADO

* O EFEITO DISPOSIÇÃO

NOS INVESTIDORES PORTUGUESES

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I. INTRODUÇÃO

1.1 Os mercados financeiros internacionais têm

sofrido nos mais recentes anos profundas modi-

ficações no seu modo de funcionamento. A rea-

lidade normativa presente neste domínio tem

vindo a ser adaptada conforme as permanentes

mudanças ocorridas no mercado1. O surgimento

de novas estruturas de negociação de instru-

mentos financeiros, conjugado com a cada vez

maior utilização de métodos e estratégias de

negociação electrónicos2, têm ditado constantes

aperfeiçoamentos destas mesmas estruturas.

Juntamente com a participação mais alargada e

diversificada de investidores, a realidade finan-

ceira mundial alterou-se.

1.2 As instituições comunitárias não ficaram

alheias a estas alterações. Foram desta forma

desenvolvidos esforços normativos que permi-

tissem uma maior integração e harmonização

dos mercados financeiros europeus, coadunada

com uma eficaz protecção dos investidores que

abarcasse a totalidade dos Estados-Membros.

1.3 A ausência de legislação europeia significa-

tiva que providenciasse uma resposta aos pro-

gressos ocorridos nos mercados financeiros re-

presentava certamente uma forte desvantagem

relativamente a uma sua integração transnacio-

nal. Até então, o sistema regulador europeu era

considerado como demasiado desadequado e

rígido face às evoluções no mercado, o que difi-

cultava o factor concorrencial dos mercados

financeiros europeus. Por essas mesmas razões

e através de um processo legislativo evolutivo,

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL:

UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL*

ANDRÉ SANTOS **

* Este artigo é uma súmula da tese de mestrado “Modalidades de Negociação de Instrumentos Financeiros: os Sistemas de Negociação Multilateral em especial”, defendida pelo autor na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa em 30 de Maio de 2012.

Convém antes de mais ressalvar que este artigo não abarca as alterações em curso na DMIF nem na MIFIR.

** Advogado-Estagiário.

1- Nesta acepção, mercado deve ser entendido não só como um “espaço” ou “organização” que se destina a facilitar o encontro entre a oferta e a procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros” (cfr. CMVM, Guia do Investidor, p. 37), mas igualmente

englobando o conjunto de serviços financeiros disponibilizados no mesmo (v. art. 290.º do CVM, relativamente a serviços e actividades de

investimento presentes no mercado).

2- As vantagens em operar através destes mecanismos podem manifestar-se através de uma considerável redução nos custos de negociação,

uma repartição do risco aquando da mesma negociação - são desta forma mais rapidamente ponderadas as hipóteses de escolha face a diversas plataformas de negociação - e numa redução no impacto no mercado, possibilitando uma mais eficiente formação de preços, o que

se revela de todo favorável para o possível investidor.

Alguns processos automatizados de negociação podem ser identificados, tais como como o DMA (“Direct Market Access”) - a negociação efectuada por DMA refere-se à capacidade de os investidores transmitirem ordens directamente nas estruturas de negociação do mercado

através de sistemas electrónicos controlados por empresas de investimento, de maneira a proceder à execução de ordens o mais rapidamen-

te possível, possibilitando a redução da latency da ordem introduzida - e a negociação por algoritmos como a “high-frequency-trading” (HFT) - a HFT consiste num método e estratégia de negociação em que as ordens de compra e venda introduzidas no mercado são

efectuadas de uma maneira automatizada que permitem uma melhor convergência da sua actividade nos mercados e instrumentos financei-

ros que possuem maior liquidez, e a possibilidade de repartição das respectivas ordens de execução em menor dimensão, negociando-as

simultaneamente nas várias estruturas negociação (cfr. JAVIER GONZÁLEZ PUEYO, Proceso de consolidación de las infraestructuras

de mercado, Boletín de la CNMV Trimestre 4 2009, p. 121) - assim como o “Smart Order Routing” - a negociação efectuada através de

“Smart Order Routing” direcciona de uma forma automatizada e sofisticada para o mercado ordens, atendendo à conectividade entre plata-formas, escolhendo a que providencia melhor liquidez e a que disponibilize o acesso ao melhor preço, assegurando uma melhor eficiência

na execução de ordens - correspondem a algumas destas mudanças de comportamentos na negociação de instrumentos financeiros.

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9 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

foi implementado no espaço comunitário a Di-

rectiva de Mercados de Instrumentos Financei-

ros (DMIF)3. A DMIF representou, após a sua

implementação, uma das mais profundas refor-

mas normativas no espaço europeu. Em traços

largos, destinou-se a harmonizar e consolidar a

legislação comunitária na área dos valores mo-

biliários. Foi com base nesta Directiva que sur-

giu a consagração normativa dos MTFs4/5, enca-

rados como plataforma alternativa de negocia-

ção aos mercados de Bolsa (actuais mercados

regulamentados)6. Num quadro legal e numa

atmosfera financeira que tinha sido sistemática

e unicamente elaborada atendendo a uma única

estrutura de negociação – os mercados regula-

mentados – o surgimento de plataformas alter-

nativas de negociação no mercado como os

MTFs originam uma série de implicâncias jurí-

dicas relativamente à análise do seu próprio

regime e características. Convém destacar no-

vamente que um MTF é somente uma estrutura

de negociação presente num diversificado pano-

rama de modalidades de negociação de instru-

mentos financeiros.

1.4 É com base neste contexto que iremos anali-

sar seguidamente a figura do MTF nos termos

da legislação comunitária e nacional em vigor,

essencialmente observando a sua evolução, pre-

sente regime através de uma comparação com o

regime dos mercados regulamentados, e especi-

ficidades próprias, atendendo à necessidade de

fornecer um enquadramento desta estrutura de

negociação num panorama financeiro caracteri-

zado por uma diversificação estrutural do mer-

cado. As implicações jurídicas para o ordena-

mento jurídico português de uma realidade no-

va, conjugada com a cada vez maior consolida-

ção e importância desta estrutura de negociação

nos mercados financeiros, ditam este mesmo

esclarecimento.

II. DOS SISTEMAS ALTERNATIVOS

DE NEGOCIAÇÃO AOS SISTEMAS

MULTILATERAIS DE NEGOCIAÇÃO

1.1 A partir do momento em que o espaço euro-

peu de mercados financeiros não se pode cir-

cunscrever a um único espaço físico - neste sen-

tido entendido como espaço de negociação de

instrumentos financeiros - conjugado com os

avanços na automatização da negociação, e a

intervenção de diferentes participantes de mer-

cado, foram criadas as propícias condições de

alteração daqueles. Surgiram assim paralela-

mente aos mercados de Bolsa, estruturas con-

correnciais de negociação a que se deram o no-

me de Sistemas Alternativos de Negociação7.

No entendimento do FESCO (“Forum of Euro-

pean Securities Regulators”), “um sistema al-

ternativo de negociação é uma entidade que,

não sendo regulada enquanto bolsa, ”gere” um

sistema electrónico que promove o encontro

entre compradores e vendedores de acordo com

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 09

3- Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004 relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Directivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Directiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revo-

ga a Directiva 93/22/CEE do Conselho.

4- “Multilateral Trading Facilities”, na terminologia inglesa.

5- Os MTFs encontram-se listados na base de dados DMIF disponível no “website” da ESMA em http://mifiddatabase.esma.europa.eu/Index.aspx?sectionlinks_id=22&language=0&pageName=MTF_Display&subsection_id=0.

Em Portugal, encontram-se registados junto da CMVM os MTFs NYSE Alternext Lisbon e o Easynext Lisbon, geridos pela Euronext

Lisbon – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S.A., e o PEX, gerido pela OPEX – SGSNM, S.A. As regras sobre o registo para mercados regulamentados e MTFs encontram-se previstas no art. 202.º, n.º 1 do CVM e nos arts. 9.º e 10.º do Regulamento da

CMVM n.º 3/2007 (dispõe sobre mercados regulamentados e sistemas de negociação multilateral).

6- Art. 199.º do CVM.

7- “Alternative Trading Systems” (ATSs), na terminologia inglesa.

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10 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

as regras aprovadas pelo operador do sistema

as quais permitem a formação de um contrato

irrevogável”8.

Com a introdução destes sistemas no mercado

acentuou-se a desintermediação financeira liga-

da à relação entre o próprio intermediário finan-

ceiro e o investidor ou potencial investidor (o

cliente), no que dizia respeito à prestação de

serviços relacionados com os mercados finan-

ceiros. Sendo assim, “os intermediários finan-

ceiros passam a oferecer-se para prestar servi-

ços relacionados com a ligação directa entre os

investidores e os emitentes de valores mobiliá-

rios, passando a verificar-se um acesso directo

aos mercados por parte dos aforradores”9. Os

investidores passam desta maneira a poder in-

vestir directamente nas empresas, o que deixa

uma larga margem de apreciação sobre a efecti-

vidade do próprio investimento, não inibindo os

intermediários financeiros de deter um conjunto

de deveres gerais de protecção e comportamen-

tos face ao investidor (nomeadamente de infor-

mação), de modo a que possam ser logrados

possíveis conflitos de interesse.

Estes sistemas ofereciam essencialmente o mes-

mo tipo de serviços prestados pelos mercados

de Bolsa, conferindo uma negociação mais ba-

rata e eficiente, sendo que os serviços eram me-

lhor adaptados às necessidades específicas de

grupos usuários, possibilitando um aumento de

oportunidades para a negociação10.

1.2 Após a implementação da DMIF que

reformulou o conceito de ATS para MTF,

ocorreram importantes mudanças na regulação

daqueles. A alteração terminológica do nome

de ATS para MTF foi justificada pela necessi-

dade de operar uma clara distinção entre estes

dois sistemas de negociação de instrumentos

financeiros, embora o termo ATS tenha tido já

alguma sedimentação no cerne de entidades

de supervisão como a SEC (“Securities and

Exchange Commission”)11 e mesmo em alguns

textos elaborados pelo CESR, nomeadamente

no que respeita à definição de certos padrões12.

1.3 Como denotaram os autores da nova pro-

posta de Directiva do Parlamento Europeu e do

Conselho relativa aos Serviços de Investimento

e aos Mercados Regulamentados e outras

Directivas Comunitárias13, “[a] expressão

"sistemas de negociação alternativos" (SNA) -

(ATS – alternative trading system) entrou no

léxico comum como termo abrangente para um

vasto leque de novos sistemas de apoio à nego-

ciação que tinham em comum a característica

de não serem autorizados como Bolsas. Algu-

mas das respostas à consulta referiram que

esta terminologia não convém para um texto

jurídico e não capta a funcionalidade específi-

ca das entidades que se propõem que sejam

autorizadas a exercer essa actividade como

8- Cfr. RITA DUARTE DE SOUSA, ISABEL VIDAL, SOFIA NASCIMENTO RODRIGUES, Aspectos Jurídicos dos Sistemas Alternati-vos de Negociação, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, N.º 12, Dezembro 2001, p. 189.

9- Cfr. ibidem, p. 198.

10- Cfr. FESCO, The Regulation of Alternative Trading Systems in Europe. A paper for the EU Commission, 11 June 2001, p. 11.

11- A SEC é a entidade de regulação e de supervisão de valores mobiliários dos Estados Unidos.

12- Cfr. CHARLES GOLDFINGER, ISD II Directive Debate about the Trading Venue Diversity: The Tree and the Forest, ECMI Research Report #, July 2003, p. 28; v. CESR, Proposed Standards for Alternative Trading Systems - Paper for final consultation,

14 January 2002.

13- Cfr. Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos Serviços de Investimento e aos Mercados Regulamenta-

dos e que altera as Directivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Directiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.

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11 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

novo serviço principal. Sendo assim, a expres-

são "alternative" foi substituída por "multilateral".

A expressão "system" foi substituída por "facility" –

para evitar qualquer confusão com um sistema

de negociação de obrigações já estabelecido.”.

Muitas vezes ambos os termos são usados alter-

nadamente para significar a mesma funcionali-

dade em termos de negociação de instrumentos

financeiros. No entanto, enquanto os ATSs se

referem primacialmente a estruturas de negocia-

ção de instrumentos financeiros direccionados

para a negociação de acções, os MTFs encon-

tram a sua origem no mundo dos derivados,

sendo o seu foco principal o mercado OTC14

para profissionais da área financeira15, ou seja,

a captação da negociação de operações realiza-

das naquele mercado. Por outro lado, estes ob-

jectivos iniciais têm vindo a alterar-se. Dada a

nova esquematização e os objectivos implanta-

dos na DMIF que substituiu a anterior DSI, com

denotada distinção em relação à cessação da

regra da concentração na negociação de instru-

mentos financeiros16, foi facultado aos MTFs

não só a possibilidade de negociar acções, mas

alargada a permissão de negociação de outros

instrumentos financeiros como derivados, e ain-

da outros que se venham eventualmente a

desenvolver no mercado. Deste modo, foi esta-

belecida uma atmosfera de concorrência relati-

vamente às estruturas de negociação tradicio-

nais, nomeadamente os mercados regulamenta-

dos, tentando captar algumas das negociações

efectuadas em OTC, já que o regime menos

rígido em relação à selecção e negociação de

instrumentos financeiros face aos mercados

regulamentados constitui certamente um factor

aliciante de negociação para os investidores,

como demonstraremos.

1.4 Enquanto os ATSs podem ser definidos co-

mo uma “entidade que, não sendo regulada

enquanto bolsa, ”gere” um sistema electrónico

que promove o encontro entre compradores e

vendedores de acordo com as regras aprovadas

pelo operador do sistema as quais permitem a

formação de um contrato irrevogável”17, um

MTF é um “sistema multilateral, operado por

uma empresa de investimento ou um operador

de mercado, que permite o confronto de múlti-

plos interesses de compra e venda de instru-

mentos financeiros manifestados por terceiros

– dentro desse sistema e de acordo com regras

não discricionárias – por forma a que tal resul-

te num contrato em conformidade com o dis-

posto no Título II.”18.

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 11

14- A negociação OTC ou negociação fora de mercado organizado (anteriormente conhecida como negociação no mercado de balcão) assenta essencialmente em contratos bilaterais, ou seja, são somente celebrados entre duas partes ou com intervenção do mesmo interme-

diário financeiro tanto na compra como na venda de instrumentos financeiros, não necessitando da intervenção de qualquer estrutura de

negociação organizada ou qualquer tipo de intermediação no acesso a estas estruturas, contrariamente ao que sucede, por exemplo, em MTFs e mercados regulamentados.

15- Cfr. CHARLES GOLDFINGER, ISD II Directive Debate about the Trading Venue Diversity: The Tree and the Forest, cit., pp. 5-6.

16- A regra da concentração na negociação de instrumentos financeiros, embora não obrigasse, permitia a negociação de instrumentos

financeiros a uma singular estrutura – os mercados regulamentados (anteriores mercados de Bolsa) – prevista na DSI (art. 14.º, n.º 3 da

DSI. A excepção a esta regra encontrava-se identicamente prevista no art. 14.º, n.º 4 da DSI). Apesar disso, existia um contra-senso relati-

vamente a esta previsibilidade presente no ordenamento jurídico português. Embora este consagrasse no Cód.MVM que “[a] transmissão

de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa ou em qualquer dos mercados especiais previstos na alínea c) do n.º 1 do arti-go 174.º só poderá realizar-se nesses mercados ou, sem prejuízo do disposto no artigo 180.º-A, no mercado de balcão, sendo nulas as

transacções que se efectuem por outra forma.” (art. 180.º, n.º 1 do Cód.MVM), com as excepções previstas no n.º 2 do mencionado artigo,

Paulo Câmara salienta que “era estabelecida uma taxa de operações fora de bolsa (art. 407.º Cód.MVM e Portaria do Ministro das Finan-ças n.º 904/95, de 18 de Julho), que induzia à realização de transacções em bolsa, tornando estas fiscalmente mais atractivas.” (cfr. PAU-

LO CÂMARA, Manual de Direito de Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2009, p. 495). Desta forma, existia um favorecimento à

negociação nestas estruturas. O mercado ainda não se encontrava em condições de acolher estruturas alternativas de negociação suficiente-mente consolidadas, bem como não previa um alargamento de actividade da parte de uma diversidade de investidores com idiossincráticas

opções de investimento.

17- Cfr. esta definição com FESCO, Proposed Standards for Alternative Trading Systems, cit., p. 6.

18- Art. 4. º, n. º 1 (15) da DMIF.

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12 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1.5 As principais diferenças entre a definição de

ATS e de MTF a serem observadas são a carac-

terização de um MTF como um sistema multila-

teral, sujeita ao regime de uma empresa de in-

vestimento, que caracteriza de forma mais con-

creta qual o tipo de entidade que estamos a en-

quadrar. Existe igualmente uma subordinação

dos MTFs às “[c]ondições de autorização e de

exercício da actividade aplicáveis às empresas

de investimento” (Título II da DMIF) que não

era ressalvado pela definição de ATS, sujeitan-

do-os somente às regras que eram aprovadas

pelo respectivo operador de sistema. O espaço

de discricionariedade de actuação destas empre-

sas de investimento passa a ser normativamente

condicionado, quer pelas empresas de investi-

mento, quer pela DMIF, o que assegura uma

protecção mais eficaz para os investidores pre-

sentes no mercado. Todavia, são notórias as

influências jurídicas no que diz respeito às fina-

lidades das próprias estruturas, ao modo de fun-

cionamento e relativamente ao objectivo de for-

mação de um contrato sobre determinada opera-

ção desencadeada num MTF. Outra diferença a

ser salientada é a não circunscrição imediata a

um sistema electrónico, o que em todo o caso

acaba por generalizar muito mais esta definição

relativamente à sua aplicação a uma maior vari-

edade de plataformas de negociação.

A designação de MTF, presente na DMIF, apli-

ca-se a entidades que têm a responsabilidade de

gerir ATSs de forma praticamente imediata e a

empresas de investimento que pretendam gerir

elas próprias um MTF. A caracterização como

operador de MTF aplica-se independentemente

de estes desenvolverem quaisquer outros servi-

ços de investimento, ou de actividade previstos

na DMIF. Por outro lado, as entidades que

gerem um ATS, mas que não queiram obter

essa qualificação, terão de notificar as respecti-

vas entidades que supervisionam os mercados

financeiros sobre tal intenção, devendo então

fornecer informações que designem um novo

modelo de negócios para a sua futura activida-

de.

Parece então que podemos admitir que todos os

ATSs podem ser considerados como MTF, mas

que nem todos os MTFs podem ser encarados

como ATS19. A circunscrição legislativa consa-

grada nas DMIF para os MTFs e o planeamento

de adaptação a uma nova realidade ditaram esta

prescrição.

III. OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO

MULTILATERAL PROPRIO SENSU

1. Definição

1.1 No ordenamento jurídico português “[s]ão

sistemas de negociação multilateral os sistemas

que têm essa qualidade e possibilitam o encon-

tro de interesses relativos a instrumentos finan-

ceiros com vista à celebração de contratos so-

bre tais instrumentos” (art. 200.º, n.º 1 do

CVM).

A caracterização desta estrutura de negociação

peca por uma certa imprecisão, sobretudo quan-

do a contrapomos com a definição fornecida

pela DMIF. Para a Directiva, um sistema de

negociação multilateral é “um sistema multila-

teral, operado por uma empresa de investimen-

to ou um operador de mercado, que permite o

confronto de múltiplos interesses de compra e

venda de instrumentos financeiros manifestados

por terceiros – dentro desse sistema e de acor-

do com regras não discricionárias – por forma

a que tal resulte num contrato em conformida-

de com o disposto no Título II” (art. 4.º, n.º 1

(15) da DMIF). Só quando comparamos ambas

as definições é que conseguimos aferir com

melhor precisão qual o intuito da definição

19- Cfr. CHARLES GOLDFINGER, ISD II Directive Debate about the Trading Venue Diversity: The Tree and the Forest, cit., p. 29.

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13 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

apresentada pelo CVM.

Assim, de maneira a melhor esclarecer o senti-

do atribuído pelo CVM à figura do MTF, quan-

do aquele atesta que “[s]ão sistemas de negoci-

ação multilateral os sistemas que têm essa qua-

lidade (...)”, demonstra que, como sistemas, os

MTFs, tal como os mercados regulamentados,

são disciplinados por um conjunto não discrici-

onário de regras que ditam o seu funcionamento

e que detêm uma plataforma de negociação de

instrumentos financeiros.

Também pela circunstância de serem multilate-

rais caracterizam-se por uma diversificada in-

tervenção de participantes e/ou investidores nos

seus sistemas.

Os MTFs quando “possibilitam o encontro de

interesses relativos a instrumentos financeiros”

pretendem agregar diversificados interesses de

compra e venda de instrumentos financeiros,

seja sobre a forma de ordens ou segundo inten-

ções de investimento nesse sentido.

Por último, quando se dispõe normativamente o

intuito de virem a ser celebrados contratos so-

bre os instrumentos negociados, esses mesmos

contratos devem ser celebrados dentro das re-

gras e de acordo com os procedimentos previs-

tos para as respectivas estruturas de negociação,

observando como é óbvio os requisitos previs-

tos no CVM, como mais adiante explicaremos.

1.2 Relativamente ao art. 200.º, n.os 2 e 3 do

CVM, o Código remete para artigos que estão

previstos para os mercados regulamentados,

mas que se aplicam directamente aos MTFs. Os

artigos relacionam-se com questões de funcio-

namento daquelas estruturas de negociação

referindo-se a “[i]nformação sobre ofertas e

operações em mercado regulamentado” (art.

221.º n.os 1 a 9 ex vi do art. 200.º, n.º 2 do

CVM), “[a]cesso remoto a mercados autoriza-

dos em Portugal” e “[a]cesso remoto a merca-

dos autorizados no estrangeiro” (arts. 224.º,

n.os 1 a 4 e 225.º, n.os 1 e 2 ex vi do art. 200.º, n.º

3 do CVM respectivamente). A razão pela qual

o CVM estabelece esta remissão justifica-se

pela proximidade funcional que existe entre

mercados regulamentados e MTFs adveniente

já da DMIF. Nesta perspectiva o CVM prevê

disposições comuns para os mercados regula-

mentados e MTFs (arts. 202.º a 216.º do CVM),

exceptuando as que se aplicam por remissão

para estas últimas estruturas de negociação.

Logo, “[a]larga-se o regime jurídico anterior-

mente previsto para mercados regulamentados

aos sistemas de negociação multilateral, de

forma a não criar arbitragens de regime regu-

lamentar entre uma e outra forma organizada

de negociação. Nesta óptica, uniformizam-se,

por exemplo, os deveres de informação a pres-

tar pela entidade gestora, estenderam-se os

deveres de informação pré e pós negociação a

outros instrumentos financeiros que não acções

admitidas à negociação em mercado regula-

mentado, em concreto warrants autónomos e

certificados”20.

1.3 Uma das problemáticas mais recentes relati-

vamente ao conceito de MTF e de negociação

organizada através das estruturas de negociação

consagradas na DMIF tem sido a do surgimento

de novas plataformas de negociação no merca-

do, que apesar de fornecer a ideia de estruturas

organizadas de negociação, se organizam de

uma maneira que lhes permita desnortear al-

guns dos deveres previstos na Directiva, nome-

adamente os sistemas de cruzamento de ordens

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 13

20- Cfr. Regulamento da CMVM n.º 3/2007, p. 1.

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14 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

(“crossing systems”) sob o formato de “dark

pools”21. Convém lembrar que a DMIF não é

prescritiva sobre onde as transacções devem ser

executadas, conferindo flexibilidade e escolha

aos investidores sobre onde e como eles preten-

dem executar as transacções22. Nem todos os

participantes de mercado pretendem acautelar a

total publicitação das suas intenções de investi-

mento, preferindo igualmente actuar em plata-

formas de negociação desenquadradas da

DMIF. A sua estrutura organizativa criou indi-

rectamente pela sua imprevisibilidade normati-

va (intencional ou não?) as condições legais

para que tais comportamentos se verifiquem.

Tal facto foi tardiamente percepcionado pela

Comissão Europeia. Refere a Comissão que tais

sistemas de cruzamentos de ordens são híbri-

dos, entre uma plataforma que assiste as ordens

de execução dos clientes e um sistema multila-

teral que reúne ordens. Considera então apropri-

ado criar uma subcategoria deste tipo de siste-

mas dentro da família de estruturas organizadas

de negociação, cobrindo não somente acções

admitidas à negociação em mercados regula-

mentados mas também outros instrumentos fi-

nanceiros. Demonstram os serviços da Comis-

são que, se as ordens são inseridas num sistema

de cruzamento, não só pelo operador mas por

um terceiro, os sistemas seriam transformados

num MTF aplicando-se a estes os requisitos de

pré-transparência. Se um corretor executasse

as ordens dos clientes contra o seu próprio

capital, seria aplicável o regime do internaliza-

dor sistemático23. Um caso que podemos parti-

cularizar será o de mercados de PMEs (“SME

markets”)24 que se têm vindo a constituir como

mercados MTF25, mas cuja importância justifi-

caria por si só uma consagração individualizada

das suas especificidades em Directivas comuni-

tárias.

Nestas situações que se têm verificado com

cada vez mais frequência, urge implementar

regulação de maneira a que determinadas

“reivindicações” relativas à quota de mercado

21- As “dark pools” são estruturas de negociação através das quais existe a dispensa das regras de transparência de informação pré-negociação quer para os mercados regulamentados, quer para os MTFs, ou seja, as ofertas de compra e venda de instrumentos financeiros

acabam por não ser disponibilizadas ao público nestas plataformas. Nos termos dos arts. 29.º e 44.º da DMIF, dos arts. 17.º a 20.º do Regu-

lamento n.º 1287/2006 e do art. 221.º, n.os 2, 4 e 6 do CVM, encontram-se previstas as condições para a constituição de uma estrutura de negociação parte de um mercado regulamentado ou com o formato de MTF, de maneira a englobar uma “dark pool” no seu modo de fun-

cionamento. Tal circunstância assenta num sistema de derrogações previstas no art. 18.º a 20.º do Regulamento de execução baseando-se

no preço de referência gerado por um outro sistema (art. 18.º, n.º 1, al. a)), num sistema que formalize transacções negociadas (art. 18.º, n.º 1, al. b) e art. 19.º), num sistema de gestão de ordens (art. 18.º, n.º 2) ou a ordens superiores ao volume normal de mercado (art. 20.º). Toda

a estrutura de negociação que extravase estas disposições terá de ser necessariamente proibida em Portugal, a não ser que a CMVM deter-

mine por regulamento a sua criação (art. 198.º, n.º 1 do CVM). Em Portugal, os intermediários financeiros estão autorizados a gerir este tipo de estruturas se as gerirem como um MTF, tal como se encontra previsto nos arts. 289.º, n.º 1, al. a) e 290.º, n.º 1, al. g) do CVM. A

problemática reside na circunstância de poderem ser operadas “dark pools” através de um sistema de cruzamento de ordens que não se

encontram reguladas, e por isso não precisam de estar sujeitos aos critérios de dispensa de informação pré-negociação, nem às obrigações

de tratar os investidores de forma igual, promover um acesso justo à plataforma de negociação e à vigilância de mercado e em operar um

sistema de execução não discricionário (cfr. WORLD BANK, Comparing European and U.S. Securities Regulations, MiFID versus Cor-

responding U.S. Regulations, World Bank Working Paper no. 184, December 2009, pp. 8-9). Neste sentido a própria Comissão Europeia assinala esta duplicidade existencial de “dark pools” (cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consulta-

tion on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), 8 December 2010, p. 9, nota 19) dado que não se encontram

registados como um MTF ou fazem parte de um mercado regulamentado, o que não deixa de ser preocupante. Em todo o caso, se forem transaccionadas acções admitidas num mercado regulamentado em “dark pools”, as empresas de investimento deverão estar sujeitas a

deveres de informação pós-negociação se essas transacções ocorrerem fora de um mercado regulamentado ou MTF (cfr. ibidem, p. 10). O

principal problema assenta na circunstância de a DMIF não prever estruturas de negociação com aquele formato, mas também não as proí-be, não as enquadra numa estrutura já prevista ou tem qualquer configuração normativa definida para aquelas estruturas, o que revela um

enorme lapso regulador.

22- Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive, 8 December 2010, p. 9.

23- Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., p. 11.

24- Pequenas e Médias Empresas (“Small and Medium Enterprises”).

25- É o caso do NYSE Alternext Lisbon gerido pela Euronext Lisbon.

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15 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

no domínio da negociação, não sejam mantidas

por estruturas que actuam num vazio legal,

perturbando a eficaz integração dos mercados

financeiros. Neste sentido, concordamos com a

opinião delineada pela Comissão Europeia

relativamente a esta questão.

2. REGIME DOS MTFS: COMPARAÇÃO COM O

REGIME DOS MERCADOS REGULAMENTADOS

2.1 Gestão

2.1.1 No que concerne à gestão dos mercados

regulamentados e dos MTFs, estes últimos de-

verão ser geridos por uma entidade gestora que

preencha os requisitos que são fixados em lei

especial. No Direito português, tal lei encontra-

se demarcada no Decreto-Lei n.º 357-C/2007,

de 31 de Outubro, dispondo sobre sociedades

gestoras de mercado regulamentado e socieda-

des gestoras de sistemas de negociação multila-

teral. No que respeita apenas a sistemas de ne-

gociação, o intermediário financeiro também

deverá igualmente respeitar este enquadramento

legal, de acordo com o seu respectivo regime,

previsto no art. 203.º, n.º 1 do CVM. Deve ser

igualmente considerado o Regulamento da

CMVM n.º 4/2007 que dispõe sobre Entidades

Gestoras de Mercados, Sistemas e Serviços,

relativamente a deveres da entidade gestora pa-

ra com a CMVM, de organização e funciona-

mento daquelas.

2.1.2 As entidades gestoras, para além de geri-

rem estas estruturas de negociação, poderão

expandir ou conferir uma variedade de serviços

financeiros, tais como serviços de compensação

(através do apuramento de saldos líquidos), co-

mo igualmente prestar serviços conexos

(procederem a um apuramento de intenções de

investimento, por exemplo), elaborar, distribuir

e comercializar informação e inclusive, desen-

volver, gerir e comercializar programas infor-

máticos. Porém, a margem de actividade das

entidades gestoras não pode ser objecto de uma

actuação totalmente arbitrária. Aquelas estão

sempre obrigadas a disponibilizar ao público

“[u]m boletim nos dias em que tenham lugar

sessões normais”, “[i]nformação estatística

relativa aos mercados ou sistemas por si geri-

dos, sem prejuízo do disposto em matéria de

segredo” e “[o] texto actualizado das regras

por que se regem a entidade gestora, os merca-

dos ou sistemas por si geridos e as operações

nestes realizadas” (art. 212.º, n.º 5, als. a), b) e

c) do CVM), em jeito de tornar mais transpa-

rente a sua actividade e regras pelas quais se

regem26.

2.1.3 No que respeita à gestão de um MTF (art.

203.º do CVM e Decreto-Lei n.º 357-C/2007),

esta é encarada como um serviço e actividade

de investimento, prestando uma actividade de

intermediação financeira (art. 290.º, n.º 1, al. g)

do CVM) que logra ser gerida por várias entida-

des, entre as quais figuram as (i) Entidades Ges-

toras de mercado regulamentado, (ii) as Entida-

des Gestoras de MTF, (iii) as Instituições de

Crédito e (iv) as Sociedades Financeiras de

Corretagem.

A partir do momento em que o art. 203.º, n.º 1

do CVM prevê que “(…) os sistemas de negoci-

ação multilateral são geridos por entidade ges-

tora que preencha os requisitos fixados em lei

especial e, no que respeita apenas a sistemas

de negociação multilateral, também por inter-

mediário financeiro, de acordo com o seu regi-

me”, os MTFs devem proceder a uma adequa-

ção normativa diferenciada conforme as idios-

sincrasias dos próprios intermediários financei-

ros. Tal é o oposto da formação de uma entida-

de gestora de mercado regulamentado, sujeita a

critérios mais rígidos de entrada em actividade

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 15

26- V. arts. 2.º a 4.º e art. 11.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007.

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16 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

em Portugal, o que leva a crer novamente que

seja uma opção legislativa para incentivar a

criação de MTFs.

2.2 Admissão e selecção para negociação

2.2.1 Nos termos do art. 205.º, n.º 1 do CVM,

“[a] admissão à negociação em mercado regu-

lamentado e a selecção para negociação em

sistema de negociação multilateral depende de

decisão da respectiva entidade gestora”. Con-

forme este preceito, para os mercados regula-

mentados existe uma admissão à negociação,

enquanto quando se trata de um MTF fala-se de

uma selecção para negociação. A regra que as-

siste a selecção para negociação assenta num

princípio de liberdade de escolha para a negoci-

ação de instrumentos financeiros por parte da

entidade gestora de um MTF, estabelecendo a

listagem daqueles na sua estrutura, sem a obser-

vância dos requisitos normativos previstos para

os mercados regulamentados no que se refere à

admissão à negociação (arts. 227.º e ss. do

CVM), independentemente de estarem ou não

admitidos à negociação num outro mercado.

Não obstante, este princípio de liberdade de

escolha na selecção encontra-se limitado pelo

objecto de negociação organizada previsto no

art. 204.º do CVM27, comum quer aos mercados

regulamentados, quer aos MTFs, ou seja, está

estritamente definido o que pode ser efectiva-

mente negociado em ambas as plataformas de

negociação. Para além desta obrigação, deve

a respectiva entidade gestora “(...) aprovar

regras transparentes e não discriminatórias,

baseadas em critérios objectivos, que assegu-

rem o bom funcionamento daquele (...)” (art.

209.º, n.º 1 do CVM) no que toca à admissão ou

selecção para negociação e o respectivo proces-

so no qual assenta (art. 209.º, n.º 1, al. a) do

CVM)28, disponibilizando ao público informa-

ção sobre os instrumentos financeiros admitidos

ou seleccionados para negociação (art. 212.º, n.º

1, al. a) do CVM), bem como sobre o elenco de

operações a serem realizadas nas respectivas

estruturas de negociação (art. 207.º, n.º 1 do

CVM). Exceptuando o art. 204.º do CVM, com-

pete à entidade gestora aprovar as restantes re-

gras mencionadas, podendo estas serem distin-

tas de acordo com a elaboração que lhes é dada

por aquela.

2.2.3 Cabe-nos, no entanto, salientar uma parti-

cularidade relativamente ao art. 205.º do CVM.

O art. 205.º, n.º 2 do CVM ao dispor que “[o]s

valores mobiliários admitidos à negociação em

mercado regulamentado podem ser subsequen-

temente negociados noutros mercados regula-

mentados e em sistemas de negociação multila-

teral sem o consentimento do emitente”, sendo

que “(...) o emitente não é obrigado a prestar

qualquer informação adicional por virtude da

negociação nesses outros mercados ou sistemas

de negociação multilateral” (art. 205.º, n.º 3 do

CVM), facilita bastante a negociação nos MTFs

como meio de fomentar a concorrência entre as

várias estruturas de negociação.

27- Dispõe o art. 204.º, n.º 1, al. a) do CVM, que “[p]odem ser objecto de negociação organizada”, os “valores mobiliários fungíveis, livremente transmissíveis, integralmente liberados e que não estejam sujeitos a penhor ou a qualquer outra situação jurídica que os onere,

salvo se respeitados os requisitos previstos nos artigos 35.º e 36.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto” e

na sua alínea b), “outros instrumentos financeiros, nomeadamente instrumentos financeiros derivados, cuja configuração permita a forma-ção ordenada de preços.”.

28- Para o OPEX, “[a] Selecção de valores prevista no artigo 205.º do CódVM obedecerá a análise e decisão da Comissão Executiva da Sociedade Gestora (...)” (cfr. PEX, Regras de Mercado, Junho 2011, art. 6.º, n.º 8).

Para a Euronext Lisbon, a selecção para a negociação de instrumentos financeiros na Easynext Lisbon obedece a critérios muito mais rigo-

rosos (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento II: Regras de Mercado Não Harmonizadas, 28 Setembro 2009, regra LI 4.3). Neste sentido v. NYSE EURONEXT, Instrução da EURONEXT N.º 6-01, Procedimento de Admissão de Valores

Mobiliários à Negociação nos mercados EURONEXT e Função do Agente de Admissão, 13 Maio 2011; v. NYSE EURONEXT, NYSE

Alternext Lisboa, Regras Alternext, 21 Março 2011, regra 3.

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17 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Só os mercados regulamentados têm a exigibili-

dade de um prospecto aprovado, prévio à ad-

missão à negociação (art. 237.º do CVM), pas-

sando posteriormente por uma fase de admissão

à negociação de instrumentos financeiros (arts.

227.º e ss. do CVM) e posteriormente à negoci-

ação. Existe assim um espaço de relativa discri-

cionariedade que pode ser aproveitado pelos

MTFs quando pretendam seleccionar para ne-

gociação instrumentos financeiros nas suas pla-

taformas sem as formalidades e exigências pre-

vistas no CVM para os mercados regulamenta-

dos29.

Igualmente relacionado com a selecção, no que

se refere ao dever de prestar informação relativa

a instrumentos financeiros admitidos à negocia-

ção em mercado regulamentado, salienta o

CVM que para este dever, um MTF cumpre

esta regra se a entidade gestora se certificar de

que existe acesso à informação disponível no

mercado em que o instrumento financeiro se

encontra admitido (art. 212.º, n.º 2 do CVM).

Em todo o caso, se tal não suceder deve ser in-

trinsecamente respeitado o art. 212.º do CVM

relativamente a deveres de informação ao públi-

co.

2.2.4 A vantagem dos MTFs neste domínio é a

de que dispõem de uma vantagem no estabele-

cimento dos seus critérios de selecção à negoci-

ação de instrumentos financeiros, desde que

estes sejam transparentes, atendendo ao art.

14.º, n.º 2, segundo parágrafo da DMIF. O ad-

vento da introdução de uma multiplicidade de

instrumentos financeiros no mercado permitem

aos MTFs seleccionar para negociação de modo

mais simples estes novos instrumentos financei-

ros, favorecida por uma dirimida ausência nor-

mativa.

Ainda no âmbito da admissão, no que respeita à

possibilidade de negociação de acções que este-

jam admitidas noutro mercado regulamentado

existe uma particularidade que convém eviden-

ciar em relação aos MTFs. Neste campo, os

mercados regulamentados só poderão efectuar

aquela negociação passados 18 meses aquando

da admissão original, após a publicação de uma

nota sumária do prospecto do emitente (art.

236.º n.º 2, al. f) (i) do CVM). Contrariamente,

os MTFs não terão de respeitar estes lentos e

apertados procedimentos, pelo que este factor

confere um maior benefício àquelas platafor-

mas, comparativamente com os próprios merca-

dos regulamentados. Apesar desta situação, esta

mesma rapidez de disponibilidade de acções no

mercado constitui mais um factor de delicada

monitorização pelas autoridades de supervisão,

na medida em que, a sustentação informativa

relativamente a este tipo de acções é atenuada,

circunstância que deveria ser melhor salvaguar-

dada.

2.3 Membros

2.3.1 Para ambas estas plataformas de negocia-

ção, estabelece-se o princípio da intermediação

obrigatória no acesso a estas estruturas, ou seja,

um investidor para ter acesso directo, necessita-

rá impreterivelmente de um intermediário fi-

nanceiro que estabeleça a respectiva conectivi-

dade. Como dispõe o art. 206.º, n.º 1 do CVM,

“[a] negociação dos instrumentos financeiros

efectua-se em mercado regulamentado e em

sistema de negociação multilateral através dos

respectivos membros”.

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 17

29- Todavia, o PEX ao permitir a admissão à negociação de valores nas suas regras (cfr. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 6.º, n.os 1 a 6), referindo-se posteriormente à selecção para negociação (cfr. ibidem, art. 6.º, n.os 8 e 9) adopta uma terminologia que não se nos afigura a

mais adequada. Como já salientámos, tratando-se de um MTF a estes só lhes compete seleccionar para a negociação, não admitir à negocia-

ção quaisquer tipos de instrumentos financeiros.

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18 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

2.3.2 Apesar de a legitimidade de acesso estar

reservada a intermediários financeiros, poderão

ser admitidos outras pessoas que preencham os

requisitos previstos no art. 206.º, n.º 2 do CVM,

ou seja que:

a) Sejam idóneas e profissionalmente

aptas;

b) Tenham um nível suficiente de capaci-

dade e competência de negociação;

c) Tenham, quando aplicável, mecanis-

mos organizativos adequados; e

d) Tenham recursos suficientes para as

funções a exercer.

Normalmente, o tipo de instituições financeiras

que eventualmente caberão nesta correspondên-

cia legal serão as que regularmente gerem car-

teiras próprias, cabendo à própria entidade ges-

tora da estrutura de negociação, a competência

para aferir da admissão como membro, “de

acordo com princípios de legalidade, igualdade

e de respeito pelas regras de sã e leal concor-

rência” (art. 206.º, n.º 3 do CVM). O risco que

ocorrerá na admissão destas entidades será o de

que se poderão criar mecanismos concorrenci-

ais a tal ponto que sejam privilegiadas estas

pessoas em detrimento dos intermediários fi-

nanceiros, mas esta ponderação caberá somente

à devida entidade gestora.

2.3.3 Tal como noutras estruturas de negocia-

ção, um MTF ou mercado regulamentado terão

de possuir regras que disciplinam as condições

para aceder à qualidade de membro onde estão

incorporadas e parametrizadas de forma não

discricionária as remanescentes regras que um

eventual membro se compromete para com a

entidade gestora, através da assinatura de um

contrato de adesão àquela qualidade30 ou medi-

ante uma prévia aprovação por escrito da enti-

dade gestora após a solicitação ao acesso a

membro31. Normalmente é caracterizada por

uma inflexibilidade na negociação destas mes-

mas regras, sendo que de modo geral é atribuída

à entidade gestora a possibilidade de cancelar

ordens de execução, suspender a negociação,

bem como a capacidade de proceder a uma re-

visão dessas mesmas regras e mesmo a atribui-

ção de uma protecção relativamente a indemni-

zações face aos seus membros. O estabeleci-

mento da obrigatoriedade destas regras vai de

encontro ao que se encontra disposto no CVM,

quando o Código prevê que “[p]ara cada mer-

cado regulamentado ou sistema de negociação

multilateral, a entidade gestora deve aprovar

regras transparentes e não discriminatórias,

baseadas em critérios objectivos, que assegu-

rem o bom funcionamento daquele, designada-

mente relativas a” (art. 209.º, n. 1 do

CVM)“[a]cesso à qualidade de membro” (art.

209.º, n.º 1, al. b) do CVM) e às “[o]brigações

aplicáveis aos respectivos membros” (art.

209.º, n.º 1, al. e) do CVM)32. Também o Regu-

lamento da CMVM n.º 3/2007 rege os contratos

a celebrar pelos membros de um mercado regu-

lamentado ou MTF antes de iniciarem a sua

actividade (art. 12.º do Regulamento da CMVM

n.º 3/2007), devendo ser comunicado à CMVM

este facto, com as devidas especificidades que

constam do contrato (art. 13.º do Regulamento

30- Caso do PEX (cfr. PEX, Regras de Mercado, cit., Anexo 2).

31- Como sucede com a Euronext Lisbon (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado

Harmonizadas, 13 Maio 2011, regra 2101/1).

32- Cfr. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 4.º, n.º 2, al. b) em relação à qualidade de membro e especificamente os arts 8.º a 12.º sobre os

participantes e membros deste MTF. No caso da Easynext Lisbon, o regulamento que disciplina as regras de mercado não harmonizadas remete para as regras de mercado har-

monizadas da Euronext (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento II: Regras de Mercado Não Harmoniza-

das, cit., Secção 2 do Capítulo IV), encontrando-se neste último regulamento a qualidade e os requisitos de acesso à qualidade de membro

de um mercado da Euronext, bem como as remanescentes regras que os disciplinam, desde os procedimentos de admissão, obrigações dos

membros, acordos de compensação, extensão da qualidade de membro, o seu registo e a renúncia, suspensão e cessação a esta qualidade

(cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., Capítulo 2); v. NYSE EURONEXT, NYSE Alternext Lisboa, Regras Alternext, cit., regras 1.1 e 6.1.

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19 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

da CMVM n.º 3/2007) ou mesmo o “[c]

ancelamento da qualidade ou limitação de

exercício” (art. 14.º do Regulamento da

CMVM n.º 3/2007).

2.4 Transparência de informação

2.4.1 A importância de um alto nível de trans-

parência nos mercados financeiros é essencial

na promoção da concorrência entre estruturas e

instituições financeiras, na protecção do investi-

dor e, na possibilidade informada deste na esco-

lha de um vasto leque de serviços financeiros.

Assenta essencialmente na possibilidade de de-

ter um maior nível de conhecimento que permi-

te uma melhor análise comparativa das diversas

estruturas de negociação, atribuindo ao investi-

dor a possibilidade de aceder a um tipo de in-

formação que irá determinar a escolha onde

poderá ser efectuada a negociação. Torna ainda

mais fácil uma eficaz formação e descoberta de

preços (garantindo um preço mais estável e pre-

ciso) a um nível comunitário, minorando os

eventuais efeitos assimétricos de equilíbrio na

descoberta (uma vez que contribui para baixar

os custos da procura de preço, aumentando a

liquidez33 através de uma maior disponibiliza-

ção de informação) e formação de um preço

mais eficiente.

Um dos aspectos mais determinantes sobre a

importância da transparência de mercado e dos

seus objectivos liga-se intrinsecamente com o

critério definido na DMIF do dever de melhor

execução34, na medida em que o acesso a efica-

zes e transparentes estruturas de informação

(com a disponibilização de custos dessa mesma

informação), permitem garantir que este critério

seja cumprido de um modo mais seguro. Deste

modo, aquele dever poderá vir a assumir uma

verdadeira projecção equitativa entre a grande

maioria das instituições financeiras e de corre-

tagem e, entre os diversos participantes no mer-

cado, uma vez que determinadas práticas abusi-

vas de mercado poderão mais facilmente vir a

ser atempadamente detectadas pelas autoridades

de supervisão. O controlo do processo de moni-

torização do dever de melhor execução e a res-

pectiva interligação com esta mesma transpa-

rência podem, no entanto, vir a ser dificultados,

o que originará algumas incongruências aquan-

do da necessária protecção do investidor35.

2.4.2. A DMIF, no que concerne a critérios de

transparência e da subjacente informação a ser

disponibilizada, estabelece uma diferenciação

entre requisitos de informação pré-negociação e

de informação pós-negociação de instrumentos

financeiros a serem publicados.

Não obstante, deixa em aberto uma questão im-

portante em relação à consolidação da informa-

ção, uma vez que, não está previsto qualquer

critério que a harmonize, relegando tal sistema-

tização para as forças de mercado. A informa-

ção pode, desta forma, ser recolhida quer pelos

próprios investidores ou, através de uma conso-

lidação e concentração de informação num de-

terminado lugar. Questão importante que se

poderá levantar será a de que, se o controlo da

transparência é um dos objectivos essenciais da

DMIF, não se estará a descurar este aspecto ao

relegar tal facto para as forças de mercado? Não

seria razoável existirem requisitos uniformes de

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 19

33- Mais informação sobre a aferição de liquidez nos mercados financeiros pode ser encontrada em ABDOURAHMANE SARR, TONNY LYBEK, Measuring Liquidity in Financial Markets, IMF Working Paper, December 2002.

34- O dever de melhor execução (“best execution”) encontra-se previsto no art. 21.º da DMIF e arts. 44.º a 46.º da Directiva 2006/73/CE da Comissão, de 10 de Agosto de 2006, tendo sido transposto para o ordenamento jurídico português nos arts. 330.º a 333.º do CVM.

35- Uma das dificuldades neste aspecto, constata-se também na possibilidade de a empresa de investimento que negoceia OTC ter a capaci-dade de escolha de onde pretende publicar a sua informação de transparência pré e pós negociação, o que face a uma forte ausência norma-

tiva dificulta ainda mais a supervisão de operações.

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20 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

consolidação da informação em relação à trans-

parência, de forma a proteger qualquer tipo de

investidor?

Desta maneira, uma série de assinaláveis preo-

cupações ainda subsistem no que concerne à

agregação de dados informativos em relação a

todos os aspectos arrolados às transacções de-

sencadeadas nos mercados financeiros. Com a

introdução da DMIF cresceram as condições

para a abertura de um nicho de competitividade

relacionado com o fornecimento de dados de

mercado. As regras consagradas na DMIF rela-

cionadas com os deveres dos intermediários

financeiros para com os seus clientes, e a garan-

tia de uma melhor execução das suas ordens,

conceberam as circunstâncias adequadas para

que a necessidade de uma fiável e transparente

informação fosse considerada como de exímia e

fulcral importância para os participantes no

mercado.

No entanto, os custos relativos ao fornecimento

dos dados de mercado continuam dispendiosos

e segmentados, o que continua a beneficiar os

operadores e fornecedores de dados pela falta

de estandardização nos formatos a serem apre-

sentados. A constituição de um quadro que har-

monize o mercado de dados torna-se essencial

para que seja estimulado um verdadeiro merca-

do competitivo neste domínio36. O prossegui-

mento de um autêntico monopólio no forneci-

mento destes serviços e a concentração compe-

lida a que determinadas entidades financeiras

poderão proceder neste âmbito, são seguramen-

te factores que desnecessariamente perturbam

um bom funcionamento do mercado e a interli-

gação com os seus participantes. A informação

transmitida deveria assim ser assegurada por

criteriosos sistemas que contribuíssem ainda

mais com um sofisticado nível de transparência.

2.4.3 Conforme o tipo de investidor em causa, a

possibilidade de obter acesso a serviços que

fornecem informação pode variar conforme o

grau de actividade e capacidade financeira des-

tes em mercado. O problema que poderá surgir

na obtenção de uma informação substancial-

mente mais consolidada será em relação aos

custos de acesso a esse tipo de informação. O

risco que advirá de tais circunstâncias certa-

mente originará circunscrições em relação aos

participantes de mercado que possuam uma

maior capacidade financeira para aceder a tais

mecanismos informativos, parametrizando e

favorecendo em mercado os sujeitos que possu-

am essa mesma idoneidade económica. Surge

assim inevitavelmente a questão da possível

limitação de acesso à informação que a DMIF

indirectamente insere na sua estrutura normati-

va.

2.4.4 Tanto para os mercados regulamentados

como para os MTFs, existem regras sobre a

publicação de informação pré e pós-

negociação37. Existindo uma proximidade fun-

cional entre mercados regulamentados e MTFs

que se encontra patente na DMIF, seria facil-

mente expectável que esta paridade se manifes-

tasse nos deveres de transparência de informa-

ção. Este tipo de informação cobre preços de

compra e venda, o volume de ordens verificado

nestas estruturas de negociação, o preço e o

tempo de transacções completas, somente a

36- Cfr. KAREL LANNOO, DIEGO VALIANTE, The MiFID Metamorphosis, ECMI Policy Brief No. 16, April 2010, pp. 2-3.

37- Relativamente ao PEX, as regras sobre informação pré e pós negociação encontram-se previstas nos arts. 27.º a 31.º do regulamento

sobre regras de mercado (cfr. PEX, Regras de Mercado, cit.). O Easynext Lisbon estabelece que “(...) à negociação, suspensão e exclusão da negociação de Instrumentos Financeiros seleccionados

para a negociação em Sistema de Negociação Multilateral aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras aplicáveis aos Mercados

de Valores Mobiliários geridos pela Euronext Lisbon.” (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento II: Regras de Mercado Não Harmonizadas, cit., regra LI 4.4.1). Deste modo, para a negociação de valores mobiliários v. NYSE EURONEXT, Regu-

lamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., pp. 48-50, e em relação a derivados v. ibidem, p. 57.

V. NYSE Alternext Lisboa, Regras Alternext, cit., regras 6.3. a 6.5.

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21 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

título meramente exemplificativo. Porém, o

regime de transparência pré e pós-negociação

na DMIF aplica-se somente no que concerne a

acções admitidas a serem negociadas em mer-

cado regulamentado, quer sejam negociadas

num mercado regulamentado, MTF ou mesmo

OTC.

Pensamos que a lógica por detrás deste entendi-

mento assentou na atenção, aquando da elabora-

ção da DMIF, relativamente a uma maior inte-

gração e competitividade do mercado accionista

europeu. Por enquanto, podemos assinalar que

tal situação poderá ser aproveitada por outras

estruturas de negociação, nomeadamente os

MTFs, pelo facto de estas estruturas poderem

seleccionar acções que não se encontram admi-

tidas em mercado regulamentado por exemplo,

mas que tem vindo a ser ponderada pela própria

Comissão Europeia38.

2.4.5 No entanto, os Estados-Membros podem

determinar a extensão do âmbito dos deveres de

informação previstos para acções a quaisquer

outros instrumentos financeiros39/ 40.

Convém em todo o caso questionar este carácter

parametrizado de aplicação. Assim, de maneira

a garantir um mercado mais harmonizado, não

deveria a aplicação destes deveres ser estendida

a outros instrumentos financeiros independente-

mente da vontade dos Estados-Membros, não

relegando esta apreciação a uma livre vontade

da parte dos Estados, mas sim garantir de ime-

diato uma aplicação unitária?

Sendo assim, a Comissão propõe no contexto

de revisão da DMIF que os princípios de trans-

parência existentes para o regime de acções

admitidas em mercado regulamentado, possam

ser adoptados para diferentes classes de activos

não accionistas (“non-equity”), mas que requi-

sitos particularizados sejam adequados às espe-

cificidades destes mesmos activos (convém não

esquecer que, tal como a Comissão Europeia

salienta, existem dificuldades relativas a estes

activos na conciliação entre transparência e li-

quidez, considerando muitos que demasiada

transparência tem um efeito prejudicial na liqui-

dez)41, devendo seguir os mesmos canais para

as acções no que concerne à consolidação de

dados de negociação e de publicação de dados

de transparência pós-negociação.42/ 43

2.5 Transparência pré-negociação

2.5.1 A transparência pré-negociação caracteri-

za-se por uma disponibilização pública em

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 21

38- Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., pp. 26-27. Na Consulta perspectiva-se esta mesma situação, na medida em que MTFs e outras estruturas organizadas de negociação poderão vir a

admitir nas suas estruturas acções que não sejam admitidas a negociação em mais nenhum lugar. Para previsivelmente contrariar esta situa-

ção, a Comissão considera que se deveria rever a DMIF de modo a ser igualmente aplicável o regime de transparência para acções admiti-

das a negociação em mercado regulamentado, a acções que sejam somente seleccionadas à negociação em MTF (o legislador português,

como já explicámos previamente, reparte entre admissão à negociação que é efectuada em mercado regulamentado e em selecção à negoci-

ação, que se aplica a MTFs. Ressalvamos novamente este facto, porque a Comissão Europeia ao referir “admitted to trading” adopta uma designação genérica e não estabelece uma diferenciação como o legislador nacional faz) ou admitidas noutras estruturas organizadas de

negociação, mas de modo proporcionado, atendendo aos custos de tal extensão normativa. Destaca a Comissão a particular situação de

MTFs ou outras estruturas organizadas de negociação que gerem mercados de PMEs. A perspectiva europeia de uma maior integração normativamente consolidada dos mercados financeiros dita este mesmo aditamento.

39- V. Considerando 46 da DMIF.

40- Dado que os instrumentos financeiros negociados nas diversas estruturas de negociação vão para além das acções, este reconhecimento

foi atendido no art. 65.º, n.º 1 da DMIF.

41- Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., p. 27.

42- Cfr. ibidem, pp. 27-28.

43- Estes novos requisitos de adequação aplicar-se-iam aos instrumentos financeiros escrutinados em COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., pp. 27-28.

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22 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

tempo real de informação concernente a preços

e à execução de ordens no mercado44.

2.5.2 Em relação à transparência pré-

negociação para os mercados regulamentados e

para os sistemas de negociação multilateral,

aplicam-se respectivamente os artigos 29.º e

44.º da DMIF em relação a requisitos a serem

observados por estas estruturas de negociação,

estando também os deveres de transparência

dependentes do tipo de sistemas e de informa-

ção a serem disponibilizados nos termos do art.

17.º do Regulamento n.º 1287/2006/CE45.

Estes artigos foram transpostos para o art. 221.º

do CVM relativamente aos mercados regula-

mentados, aplicando-se respectivamente o art.

221.º, n.os 1 a 9 do CVM para os MTFs, ex vi do

art. 200.º, n.º 2 do CVM. Pensamos que através

do art. 221.º do CVM, o Código tem igualmente

em vista uma maior protecção do mercado acci-

onista, ao dedicar um acréscimo normativo rela-

tivamente à transparência de informação sobre

acções que sejam negociadas de forma contínua

durante o horário normal de negociação.

Salvaguarda ainda o CVM que a entidade ges-

tora de um mercado regulamentado ou de um

MTF deverá prestar informação ao público no

que respeita a operações realizadas e respecti-

vos preços (art. 212.º, n.º 1, al. b) do CVM), de

modo genérico para os instrumentos financeiros

negociados, sendo que “[o] conteúdo, os meios

e a periodicidade da informação a prestar

ao público devem ser os adequados às caracte-

rísticas de cada sistema, ao nível de conheci-

mentos e à natureza dos investidores e à

composição dos vários interesses envolvi-

dos” (art. 212.º, n.º 3 do CVM).

2.5.3 Contudo, existem excepções aos critérios

de transparência pré-negociação que se comple-

mentam em derrogações (“waivers”), uma vez

que em virtude da existência de uma multiplici-

dade de investidores presentes no mercado, com

diversificados interesses de investimento, mui-

tos deles não querem revelar tais intenções, pre-

tendendo provocar um menor impacto no mer-

cado, de modo a eventualmente poder rentabili-

zar os seus próprios investimentos. Considera-

mos que estamos perante um tipo de resguardo

normativo que alia a destreza técnico-jurídica

com questões político-económicas uma vez

que, desta forma, as derrogações contemplam

variados investidores no mercado, adequando-

os a distintos juízos de investimentos que pre-

tendam efectuar. Tal afigura-se-nos adequado

dado que uma total equiparação de deveres de

divulgação de informação pré-negociação pode-

ria eventualmente afastar determinadas transac-

ções dos mercados financeiros transparentes,

em virtude das diferenciadas decisões de inves-

timento para outras estruturas de negociação

não organizadas, o que iria certamente dificultar

a supervisão do mercado em geral.

A DMIF salvaguarda assim este tipo de especi-

ficidades, ao atribuir a possibilidade de as auto-

ridades competentes concederem dispensas do

cumprimento do dever de divulgação de infor-

mação pré-negociação através de derrogações,

em virtude do risco de ao serem publicadas,

inibirem de certo modo a liquidez do mercado,

44- Para visão geral sobre os benefícios, custos e riscos de exposição aos critérios de transparência pré-negociação v. PIERRE

FRANCOTTE, DIEGO VALIANTE, KAREL LANNOO, MiFID 2.0 Casting New Light on Europe’s Capital Markets, Report of the

ECMI-CEPS Task Force on the MIFID Review, Centre for European Policy Studies, Brussels, 18 February 2011, pp. 49-55.

45- Doravante Regulamento de execução.

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23 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

no que respeita quer a mercados regulamenta-

dos, quer a sistemas de negociação multilateral,

nos termos dos arts. 29.º, n.º 2 e 44.º, n.º 2 da

DMIF e arts. 17.º a 20.º, 27.º a 30.º e 32.º do

Regulamento de execução46/ 47, transpostas para

o ordenamento jurídico nacional no art. 221.º,

n.os 2, 4 e 6 do CVM. Convém salientar neste

contexto que o tipo de derrogações previsto no

Regulamento de execução pode ser determina-

do pela própria entidade gestora de um mercado

regulamentado ou de um MTF, ou seja, existe

uma relativa discricionariedade na concessão

deste tipo de derrogações. Embora a dispensa

da obrigação de divulgar informações sejam

baseadas no modelo de mercado ou no tipo e

volume das ordens (arts. 29.º, n.º 2 e 44.º, n.º 2

da DMIF), o art. 18.º, n.º 1 do Regulamento de

execução, por exemplo, prevê que as derroga-

ções sejam concedidas “caso esses sistemas

satisfaçam um dos seguintes critérios (…)”.

Nesta situação, basta somente que preencha

uma das condições previstas neste último artigo

mencionado para ser concedida a respectiva

derrogação. Não existe, deste modo, uma obri-

gatoriedade para cada estrutura de negociação

com a configuração de mercado regulamentado

ou de MTF de incluírem todas as derrogações

incluídas no Regulamento de execução. Tal

circunstância deixa alguma margem de mano-

bra aquando da configuração de uma estrutura

de negociação com aqueles formatos.

Aproveitando estas derrogações consagradas na

DMIF e no CVM, uma das particularidades que

poderão ser apontadas relativamente aos MTFs

é a possibilidade destes se constituírem e opera-

rem sem aqueles critérios de pré-transparência,

funcionando como uma “dark pool”. Assenta

neste pormenor a diferenciação entre o que se

pode designar por “lit MTF” e “dark MTF”.

2.5.4 Em síntese, um “lit MTF” é uma estrutura

de negociação que respeita pela sua natureza os

requisitos de transparência tal como estão pa-

tenteados na DMIF, enquanto os “dark MTFs”

não. Assim, tem-se vindo a assistir cada vez

mais, quer nos mercados regulamentados, quer

nos próprios MTFs a junção díptica destas es-

truturas com a mesma funcionalidade de nego-

ciação de instrumentos financeiros. As vanta-

gens de o mesmo gestor de plataformas de ne-

gociação operar estas duas funcionalidades rela-

tivamente à transparência pode ser facilmente

percepcionada. A concentração numa só estru-

tura desta dupla funcionalidade pode eventual-

mente garantir uma maior consolidação e

abrangência de quota de mercado no que con-

cerne ao respectivo volume de negociação, se-

guramente favorecendo um aumento da liquidez

na respectiva plataforma.

2.5.5 Uma das tendências que se têm vindo a

revelar nos mercados financeiros relativamente

às “dark pools” e aos MTFs consiste no pedido

de algumas daquelas estruturas de negociação

para reiniciarem a actividade como MTFs48.

Embora circunscrevendo-se desta forma a al-

guns dos requisitos plasmados na DMIF para

estas estruturas de negociação, estas platafor-

mas, no entanto, ganham vantagens relativa-

mente às suas competidoras a partir do momen-

to em que determinam uma legitimação norma-

tivamente consagrada face aos distintos interve-

nientes no mercado, conquistando assim a

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 23

46- A própria Comissão Europeia sugere algumas alterações à DMIF de modo a que as derrogações sejam aplicadas de modo mais consis-tente e coerente, facilitando igualmente o papel da ESMA na sua monitorização (v. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review

of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., pp. 23-24).

47- Sobre as derrogações previstas no Regulamento de execução v. nota de rodapé 21.

48- E.g. o banco de investimento Nomura relançou a sua NX “dark pool” como um “dark MTF”, tendo começado a negociar em acções no dia 25 de Janeiro de 2010 (v. http://www.automatedtrader.net/headlines/30903/nomuras-nx-mtf-goes-live), tendo igualmente o banco

UBS lançado o seu “dark MTF” no mercado (v. http://www.efinancialnews.com/story/2010-11-09/ubs-mtf-goes-live).

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24 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

possibilidade de atraírem cada vez mais investi-

dores para as suas estruturas de negociação.

2.6 Transparência pós-negociação49

2.6.1 Finalizada a transacção de uma acção ad-

mitida em mercado regulamentado, as empresas

de investimento, os mercados regulamentados

e, os intermediários financeiros e operadores de

mercado que gerem um MTF, estão obrigados a

publicar um conjunto de informações relaciona-

das com a informação pós-negociação de ins-

trumentos financeiros, tal como se encontra

previsto nos artigos 28º, 30º e 45º da DMIF e

art. 27º do Regulamento de execução, indepen-

dentemente da estrutura de negociação ou mes-

mo fora dela, onde são negociadas. No ordena-

mento jurídico português tal informação encon-

tra-se prevista no art. 323.º, n.º 5 do CVM.

Em relação aos MTFs, a diferença está em que

não existe aplicação de alguns dos elementos

previstos no art. 45.º, n.º 1 da DMIF, quando as

transacções efectuadas num MTF sejam divul-

gadas ao público através dos sistemas de um

mercado regulamentado (art. 30.º, n.º 1 in fine

DMIF).

2.6.2. De acordo com os preceitos referidos, as

informações a serem reportadas no que concer-

ne a cada transacção ou então, sendo efectuada

uma agregação de volume e de preço serão:

a) Dia de negociação

b) Hora de negociação

c) Identificação de instrumento (negociados)

d) Preço unitário

e) Notação do preço (moeda)

f) Quantidade

g) Identificação do espaço ou organização

de negociação50

h) A indicação de que a troca de acções é

determinada por factores que não o valor

corrente de mercado da acção, caso apli-

cável, o exercício de uma opção

i) A indicação de que se tratou de uma ope-

ração negociada, caso aplicável (e.g.

Cross)

j) Quaisquer alterações introduzidas nas

informações anteriormente divulgadas,

caso aplicável

k) Estas informações serão tornadas públi-

cas quer em relação a cada operação quer

agregando o volume e o preço de todas

as operações realizadas sobre a mesma

acção ao mesmo preço e em simultâ-

neo51.

2.6.3 Pode, em todo o caso, ocorrer um deferi-

mento na publicação das informações de pós-

negociação no que respeita a transacções em

bloco (“block trades”)52, o que constitui uma

excepção a esta obrigatoriedade de publicação.

Nos termos previstos nos arts. 28.º, 30.º e 45.º

da DMIF e art. 28.º e Anexo II, quadro 4, do

Regulamento de execução, as autoridades com-

petentes poderão proceder a uma autorização

que possibilite esse mesmo diferimento da in-

formação, tendo em atenção o tipo ou então o

volume médio da transacção entre 60 minutos e

terceiro dia útil seguinte ao da operação53.

49- De forma geral, sobre o regime de pós-negociação e sua problematização v. PIERRE FRANCOTTE, DIEGO VALIANTE, KAREL LANNOO, MiFID 2.0 Casting New Light on Europe’s Capital Markets, cit., pp. 70-99.

50- No caso de internalizador sistemático será a sigla IS por exemplo e, no caso de OTC será x-off.

51- Cfr. CMVM, Acção de Formação - As Novas Formas Organizadas de Negociação e os Deveres de Transparência, pp. 51-53.

52- Ordem submetida em mercado para a compra ou venda de instrumentos financeiros em grande quantidade.

53- A Comissão Europeia sugere algumas alterações relativas à publicação em tempo real e ao deferimento na publicação que nos parecem

adequadas para estabelecer uma maior consolidação de informação pós-negociação, na medida em que tenta implementar uma cada vez

mais rápida disponibilização de informação aos investidores, o que certamente contribui para um melhor ajuizamento de quais as estruturas

que poderão oferecer o melhor preço (cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., p. 25).

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25 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

2.7 Negociação

2.7.1 Nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CVM,

“[a]s operações de mercado regulamentado e

de sistemas de negociação multilateral reali-

zam-se através de sistemas de negociação ade-

quados à correcta formação dos preços dos

instrumentos financeiros neles negociados e à

liquidez do mercado, assegurando designada-

mente a transparência das operações”. Estes

sistemas de negociação podem ser repartidos

em:

a) Sistema de negociação por leilão contí-

nuo com base numa carteira de ordens –

o número agregado de ordens e das ac-

ções abrangidas, relativamente a cada

nível de preço, para, pelo menos, as cinco

melhores ofertas de compra e de preços

de venda.

b) Sistema de negociação baseado nas ofer-

tas de preços – a melhor oferta de preços

de compra e de venda por cada criador de

mercado nessa acção, juntamente com os

volumes correspondentes a esses preços.

c) Sistema de negociação por leilão periódi-

co – o preço em que o sistema de negoci-

ação por leilão satisfaz da melhor forma

o seu algoritmo de negociação e o volu-

me que será potencialmente transaccioná-

vel a esse preço.

d) Sistema de negociação não coberto pelas

três primeiras alíneas – informações ade-

quadas relativamente ao nível de ordens

ou de ofertas de preços e do interesse de

negociação nessa acção, em especial os

cinco melhores níveis de preços de com-

pra e de venda e/ou ofertas de preços bi-

laterais de cada criador de mercado nessa

acção, caso as características do mecanis-

mo de formação dos preços o permita.54

2.7.2 Desta forma,“[p]ara boa execução das

ordens por si aceites, os membros de mercado

regulamentado ou de sistema de negociação

multilateral introduzem ofertas no sistema de

negociação, segundo a modalidade mais ade-

quada e no tempo mais oportuno” (art. 208.º,

n.º 2 do CVM). No entanto, devemos ressalvar

o facto de que embora “[o] elenco das opera-

ções a realizar em cada mercado regulamenta-

do e sistema de negociação multilateral é o de-

finido pela respectiva entidade gestora” (art.

207.º, n.º 1 do CVM), as operações a serem rea-

lizadas nos instrumentos financeiros referidos

nas alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 2.º do CVM,

dependem de uma “[c]omunicação prévia

à CMVM” e da “[a]provação do Banco de

Portugal, se tiverem como activo subjacente

instrumentos do mercado monetário e cambi-

al” (art. 207.º, n.º 2, als. a) e b) do CVM)55.

Especial atenção é ainda conferida aos instru-

mentos financeiros previstos nas subalíneas ii) e

iii) da alínea e) e na alínea f) do n.º 1 do art. 2.º

do CVM que “depende de autorização nos ter-

mos a fixar em portaria conjunta do Ministro

responsável pela área das finanças e do minis-

tro responsável pela área do respectivo sector,

precedendo parecer da CMVM e do Banco de

Portugal” (art. 207.º, n.º 3 do CVM).

Face à especial complexidade de alguns tipos

de instrumentos financeiros que podem ser ob-

jecto de negociação, pensamos que o CVM ma-

nifesta prudência em sujeitar a um controlo pré-

vio a possível incidência daqueles no mercado.

Facilita assim a supervisão e previne eventuais

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 25

54- Cfr. CMVM, Acção de Formação - As Novas Formas Organizadas de Negociação e os Deveres de Transparência, p. 42.

55- V. Secção III do Regulamento da CMVM n.º 3/2007 sobre as operações em mercado a prazo. Dispõe sobre as cláusulas contratuais

gerais dos contratos a prazo referidas no n.º 2 do art. 207.º do CVM (art. 17.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007), da ficha técnica e de estudos sobre as mesmas (art. 18.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007) e do início, suspensão e exclusão da negociação dos contratos a

prazo (arts. 19.º, 20.º e 21.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007 respectivamente).

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26 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

riscos para a estabilidade dos mercados finan-

ceiros que a entrada daqueles instrumentos fi-

nanceiros poderiam contingentemente provocar.

2.7.3 Para além deste controlo prévio efectuado

pela CMVM, o CVM indica expressamente que

a entidade gestora de um mercado regulamenta-

do ou de um MTF deve aprovar regras transpa-

rentes e não discriminatórias relativas a opera-

ções e ofertas que ocorram nos seus sistemas

(art. 209.º, n.º 1, al. c) do CVM)56 e que as ope-

rações realizadas e respectivos preços devem

ser disponibilizados ao público (art. 212.º, n.º 1,

al. b) do CVM).

Para além de assegurar a transparência destas

estruturas de negociação, fica assegurado o bom

funcionamento no que respeita à negociação,

até como salvaguarda dos próprios intervenien-

tes que participam naquelas estruturas, uma vez

que possuem uma informação de regras discri-

minadas, permitindo um melhor conhecimento

e mesmo protecção relativamente ao mercado

onde actuam. Como sustentáculo a esta preven-

ção o CVM dispõe ainda regras que se destinam

a dirimir o risco de negociação de certos instru-

mentos financeiros no mercado.

2.7.4 Uma dessas disposições fundamentais

refere-se à possibilidade de suspensão e exclu-

são da negociação em mercado regulamentado

(art. 213.º do CVM), mas que deve ser identica-

mente aplicada aos MTFs ex vi do CVM ao dis-

por conjuntamente sobre aquelas duas estrutu-

ras de negociação57. No entanto, esta suspensão

e exclusão estão dependentes de não causar sus-

ceptíveis prejuízos aos interesses dos investido-

res ou de perturbar o funcionamento regular do

mercado (art. 213.º, n.º 1 do CVM). Salvaguar-

da-se desta forma os possíveis danos reflexos

para o mercado em geral, que a adopção desta

medida possa provocar. Estando na presença de

uma cada vez maior interligação entre merca-

dos financeiros e investidores, o julgamento

precipitado da execução de uma medida desta

natureza pode certamente afectar a liquidez de

determinado mercado financeiro, fazendo com

que a descoberta e a formação de um preço efi-

ciente sejam dificultados, razão pela qual o

CVM sujeita estas decisões a rigorosos critérios

de cumprimento para que sejam efectivados,

como é bem demonstrado no art. 213.º, n.os 2 e

3 do CVM.

Convém ressalvar que a descoberta de um preço

eficiente é fundamental para decisões de inves-

timento de questões de gestão do risco, poden-

do este mesmo preço ser considerado como um

bem público58. Igualmente importante é o facto

de o Código salientar que “[a] exclusão de ins-

trumentos financeiros cuja negociação seja

condição para a admissão de outros implica a

56- Neste sentido podemos destacar os dias e o horário em que ocorre a negociação. Prevê ainda o Regulamento da CMVM n.º 3/2007, regras de negociação efectuadas em operações em mercado a contado (art. 15.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007), bem como um

registo da sessão e sessões especiais (art. 16.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007) por parte da entidade gestora.

No que respeita a ofertas, por exemplo, o tipo de ofertas (e.g. ordens ao mercado, ordens limitadas e as ordens ao mercado limitadas e ordens «stop») (v. CMVM, Guia do Investidor, pp. 39-40; PEX, Regras de Mercado, cit., art. 17.º, n.º 2 e Anexo 6; NYSE EURONEXT,

Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regras 4203 a 4203/4) e em certos casos os ele-

mentos que as devem compor (v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmoniza-das, cit., regra 4202/1); v. NYSE EURONEXT, Euronext Instruction N.º 4-01, Trading Manual for the Universal Trading Platform, 14

February 2011, regra 2). Neste último caso devemos salientar que na hiperligação da Euronext que abre este documento em português,

remete-nos para a Instrução Euronext N.º 4-02 (Modelo de Mercado baseado nas ofertas de compra e de venda dos Criadores de Mercado: Manual de Negociação) não correspondendo à Instrução Euronext N.º 4-01, Manual de Negociação do Mercado a Contado – Universal

Trading Platform, com entrada em vigor em 21 Setembro 2009. No entanto, passaremos a citar esta última referência, na medida em que as

suas disposições forem iguais à primeira referência mencionada em inglês. Sendo assim, v. NYSE EURONEXT, Instrução da Euronext N.º 4-01, Manual de Negociação do Mercado a Contado – Universal Trading Platform, cit., regra 2.

57- V. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 7.º, n.os 2 a 8, art. 13.º, n.º3, als. e) e h), art. 27.º, n.º 2; v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regras 4403, 5402, 5404, 6905; v. Regulamentos da EURONEXT -

Regulamento II: Regras de Mercado Não Harmonizadas, cit., Secção 3.

58- Cfr. RYAN RIORDAN, ANDREAS STORKENMAIER, MARTIN WAGENER, Fragmentation, Competition and Market Quality:

A Post-MiFID Analysis, 18 June 2010, p. 3, 1.º parágrafo.

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27 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

exclusão destes” (art. 213.º, n.º 4 do CVM), o

que é plenamente justificado face à formatação

de instrumentos financeiros cuja dependência e

sustentabilidade assenta num outro instrumento

financeiro negociado (nomeadamente activos

subjacentes de instrumentos financeiros deriva-

dos), com especiais precauções para aqueles

que estejam contemplados no art. 207.º, n.º 2 do

CVM. Dada a relevância desta medida, deve o

Banco de Portugal ser igualmente informado

(art. 213.º, n.º 7 do CVM) de qualquer tipo de

procedimento daquela natureza. Seguidamente,

após esta decisão ser tomada, “[a] entidade

gestora de mercado regulamentado torna públi-

ca a decisão final de suspensão ou de exclusão

da negociação e comunica à CMVM a informa-

ção relevante, sem prejuízo da possibilidade de

comunicar directamente ao emitente e à entida-

de gestora de outros mercados onde os instru-

mentos financeiros são negociados ou constitu-

am o activo subjacente de instrumentos finan-

ceiros derivados” (art. 213.º, n.º 5 do CVM),

devendo a CMVM informar as autoridades

competentes de outros Estados-Membros após a

decisão da entidade gestora ter sido tomada (art.

213.º, n.º 6 do CVM).

Este facto, para além de salientar a propensa

integração que os mercados financeiros têm

vindo a tomar através de uma legislação comu-

nitária mais harmonizada, destaca o papel de

supervisão da CMVM sobre os mercados finan-

ceiros, como autoridade competente informada

e responsável pela comunicação de circunstân-

cias advenientes do funcionamento do mercado

perante autoridades competentes similares. No

entanto, as funções da CMVM neste ponto não

se circunscrevem a uma função meramente in-

formativa e comunicacional. Face à relevância e

implicações que a decisão de suspensão e ex-

clusão poderão ter, a CMVM pode nomeada-

mente ordenar a suspensão e exclusão à respec-

tiva entidade gestora, ou mesmo extensão des-

tes efeitos a outros instrumentos financeiros,

informando posteriormente as autoridades com-

petentes de outros Estados-Membros (art. 214.º

do CVM). Esta situação reforça ainda mais o

controlo dos mercados a eventuais comporta-

mentos desviantes ou perniciosos das entidades

gestoras a possíveis influências externas, garan-

tindo uma maior eficácia da regulação que dis-

ciplina as estruturas de negociação.

2.7.5 Contudo, o CVM dispõe regras não só em

relação à negociação, mas também em relação

às regras das estruturas de negociação que de-

vem ser cumpridas. Por este motivo, “[a] enti-

dade gestora deve adoptar mecanismos e pro-

cedimentos eficazes para fiscalizar o cumpri-

mento, pelos respectivos membros, das regras

daqueles sistemas e para o controlo das opera-

ções efectuadas nos mesmos, por forma a iden-

tificar violações a essas regras, condições

anormais de negociação ou comportamentos

susceptíveis de pôr em risco a regularidade de

funcionamento, a transparência e a credibilida-

de do mercado” (art. 211.º, n.º 1 do CVM), de-

vendo comunicar à CMVM a ocorrência destas

irregularidades (art. 211.º, n.º 2 do CVM), dis-

pondo a entidade gestora de sanções a essas

eventuais violações59.

2.8 Formação do Contrato

2.8.1 Mediante um encontro de propostas

(qualificação jurídica das ofertas) de compra e

de venda de instrumentos financeiros numa

estrutura de negociação, celebra-se um contrato

que irá permitir aferir a titularidade desse

mesmo instrumento financeiro. Esse contrato é

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 27

59- V. PEX, Regras de Mercado, art. 1.º, n.º 3, art. 11.º, art. 11.º, n.º1, al. a) e h); v. PEX, Código Deontológico e Regulamento Disciplinar, Agosto 2009.

V. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, Capítulo 8 e 9; NYSE

Alternext Lisboa, Regras Alternext, cit., regra 7.

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28 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

efectuado nos sistemas de negociação da res-

pectiva estrutura de negociação e em relação a

esta, conforme o tipo de negociação que esteja

em causa. Convém salientar que, no âmbito da

negociação, a grande maioria das estruturas de

negociação obedece a um princípio de priorida-

de na execução das ofertas assente na priorida-

de-preço, ou seja, este princípio estabelece a

prioridade nas ordens destinadas à execução,

sendo em primeiro lugar ordenadas pelo seu

preço e no momento da equivalência deste, a

sua prioridade é atribuída de acordo com o

momento pelo qual a execução das ordens é

inserida60

Costumam distinguir-se essencialmente dois

tipos de negociação que passarão a afectar os

valores mobiliários ou os remanescentes instru-

mentos financeiros, definindo a respectiva

entidade gestora os critérios pelos quais este

tipo de negociação é efectuado: a negociação

em contínuo e a negociação por chamada61.

A negociação em contínuo caracteriza-se pelas

ofertas de compra e de venda interferirem entre

si de modo contínuo até que exista a respectiva

execução entre elas.

Na negociação por chamada existe uma agrega-

ção das ofertas de compra e de venda, ocorren-

do a execução destas num período pré-

determinado62.

2.8.2 Conforme o tipo de negociação, existe a

formação de um contrato entre a parte compra-

dora e a parte vendedora em períodos de tempo

diferenciados, dependentes do tipo de negocia-

ção a ser utilizado quando esteja em causa a

negociação de valores mobiliários. No caso dos

derivados, normalmente a sua admissão à nego-

ciação e posterior negociação, para além de

depender de uma decisão da respectiva

60- V. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 17.º, n.º 3. No caso da Euronext Lisbon, as ofertas também obedecem a um princípio de priorida-de-preço no Livro de Ofertas Central, embora “[o]fertas introduzidas para o mesmo preço serão hierarquizadas e executadas de acordo

com um princípio estrito de prioridade-tempo, com a seguinte excepção: durante a fase de negociação em contínuo, as ofertas introduzi-

das para o melhor limite por um Membro que participe na Internal Matching Facility serão executadas contra as ofertas introduzidas por esse mesmo Membro no Livro de Ofertas Central” (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de

Mercado Harmonizadas, cit., regra 4401/1).

Em todo o caso, a negociação na Euronext Lisbon também poderá ser efectuada fora do Livro de Ofertas Central “(...) nos termos dos artigos 18 a 20 do Regulamento da Comissão n.º 1287/2006, sem que hajam sido processadas num sistema de Livro de Ofertas Central,

para além da negociação fora do horário de negociação referida na Regra 4305 (...)” (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURO-

NEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regra 4404/1. Sobre a negociação fora do Livro de Ofertas Central, v. ibidem, regra 4404). V. NYSE EURONEXT, Instrução da Euronext N.º 4-01, cit., regra 3.2; v. NYSE Alternext Lisboa, Regras Alternext,

cit., regra 6.3, para o caso de negociação no Livro de Ofertas Central, enquanto nos restantes casos, seguirão já regras específicas (v. ibi-

dem, regras 6.4 e 6.5).

61- V. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 15.º, n.os 4 a 6; no caso da Easynext Lisbon, as regras que regulam esta estrutura de negociação

remetem para regras aplicáveis aos Mercados de Valores Mobiliários geridos pela Euronext Lisbon (cfr. Regulamentos da EURONEXT - Regulamento II: Regras de Mercado Não Harmonizadas, cit., regra LI 4.4.1; v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT -

Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regras 4.3 e 4.4).

62- No caso da Euronext Lisbon, este tipo de negociação é chamado de negociação por leilão, dispondo de um período de chamada durante

o qual ocorre esta negociação (v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmoniza-

das, cit., regras 4301, 4303, 4401/3).

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29 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

entidade gestora, processa-se conforme estejam

definidas as condições nas cláusulas contratuais

gerais63 /64.

Assim, quando se dá o encontro de propostas

em sentido contrário, o contrato está formado,

desde que haja aceitação das partes intervenien-

tes na execução de ordens. Como salienta o

CVM, “[o]s direitos patrimoniais inerentes aos

valores mobiliários vendidos pertencem ao

comprador desde a data da operação” (art.

210.º, n.º 1 do CVM). No entanto, para que esta

situação tenha realmente efeitos, quer para a

estrutura de negociação em causa, quer para os

participantes na negociação, e efeitos externos

que efectivamente indiquem a propriedade de

determinado instrumento financeiro, será neces-

sária a confirmação e o registo de tal operação

nos sistemas da estrutura de negociação onde a

transacção foi efectuada. De modo a que não

sejam suscitadas dúvidas relativamente à pro-

priedade de certo instrumento financeiro, de-

vem ser confirmadas e registadas o momento

em que essa transmissão foi realizada, a

quantidade, o preço e mesmo a aceitação da

operação65.

2.9 Formação do Preço

2.9.1 A formação do preço irá depender igual-

mente do tipo de negociação pelo qual o respec-

tivo encontro de ofertas foi ocasionado. No

caso de a negociação ser contínua, o preço será

formado através de uma contínua execução de

ofertas de compra e venda que interferem entre

si, gerando uma multiplicidade de preços

conforme ocorra esta execução. Normalmente

são executadas conforme o princípio prioridade

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 29

63- Em relação ao PEX, “[a] negociação de instrumentos financeiros derivados far-se-á com base em cláusulas contratuais gerais, ou condições gerais de negociação, consoante revistam ou não a forma contratual, definidas e aprovadas pela Sociedade Gestora, sendo

obrigatória, independentemente de os instrumentos financeiros assumirem ou não a forma contratual, a existência de uma entidade que

assuma a posição de contraparte central, ou de intermediário financeiro que exerça as funções de criador de mercado, sempre que a ne-gociação destes instrumentos abranja investidores não qualificados” (cfr. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 6.º, n.º 7; em relação aos

poderes da entidade gestora v. ibidem, art. 13.º, nº1, al. h)).

No que concerne à negociação de derivados na Euronext Lisbon, “[p]reviamente à designação de um Derivado como um Instrumento Financeiro Admitido, a Entidade Gestora de Mercados da Euronext Competente deve confirmar que a estrutura desse Derivado permite a

sua cotação de forma ordenada e que existem condições efectivas para a liquidação, bem como que o mesmo cumpre as disposições do

artigo 37 do Regulamento da Comissão n.º 1287/2006/EC de 10 de Agosto” (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regra 5103/1; v. ibidem, regras 5103/2 e 5103/3). Desta maneira, “[o]s Derivados

são negociados no LIFFE CONNECT® através do cruzamento contínuo de ofertas de sentidos opostos que se encontrem no Livro de

Ofertas Central de acordo com as regras de prioridade estabelecidas pela Entidade Gestora de Mercados da Euronext Competente e publicadas no Regulamento II ou nos Procedimentos de Negociação, conforme o caso” (cfr. ibidem, regra 5301/1).

64- V. CMVM, Instrução N.º 12/2011, Informação sobre instrumentos financeiros e operações em instrumentos financeiros admitidos à negociação em mercado regulamentado ou cujo activo subjacente se encontre admitido à negociação em mercado regulamentado (revoga

a Instrução n.º 2/2007).

65- Para o PEX, “[t]odas as operações realizadas no sistema de negociação deverão ser registadas num ficheiro informático específico

(...)” (cfr. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 17.º, n.º 9; v. ibidem, art. 18.º relativamente ao registo de operações).

Para a Euronext Lisbon, em relação a valores mobiliários, “[a]s Entidades Gestoras de Mercados da Euronext devem reconhecer as ofer-tas introduzidas no Livro de Ofertas Central e atribuir-lhes um número sequencial por Valor Mobiliário, o qual será comunicado ao Mem-

bro do Mercado de Valores Mobiliários da Euronext relevante”.“[a]s Entidades Gestoras de Mercados da Euronext devem enviar a con-

firmação da execução às contrapartes relevantes após a execução total ou parcial de qualquer oferta, devendo a confirmação referir a quantidade não executada da oferta, se existir” (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de

Mercado Harmonizadas, cit., regra 4501/1; no que respeita à confirmação, comunicação e publicação, v. ibidem, regra 4.5). Relativamente a derivados, “[a]s Operações realizadas no Livro de Ofertas Central consideram-se automática e imediatamente efectuadas, e comunica-

das, no mercado da Euronext gerido pela Entidade Gestora de Mercados da Euronext Competente” (cfr. ibidem, regra 5701/2). Fora do

Livro de Ofertas Central, “(...) [t]ais Operações apenas se consideram efectuadas no mercado da Euronext gerido pela Entidade Gestora de Mercados da Euronext Competente após terem sido recebidas ou validadas, conforme o caso, por tal Entidade Gestora de Mercados da

Euronext” (cfr. ibidem, regra 5701/3). No que concerne ao registo das ordens por parte dos Membros da Euronext, v. ibidem, regra 8.3.

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30 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

-preço66.

Se o preço a ser determinado tiver origem na

negociação por chamada, as várias ofertas são

agrupadas, ocorrendo a execução daquelas num

período pré-determinado, normalmente tendo

inicialmente por base o preço que execute a

maior quantidade de instrumentos financeiros

transaccionáveis. Dispõe ainda a entidade ges-

tora da respectiva estrutura de negociação, ou-

tros critérios que determinarão o preço através

deste tipo de negociação.67/ 68

2.9.2 São os mercados regulamentados que es-

tabelecem a cotação dos instrumentos financei-

ros admitidos à negociação nas suas estruturas

(art. 222.º do CVM), independentemente de

ocorrer uma execução de ordens simultânea

daqueles instrumentos em várias estruturas de

negociação. O único problema consiste em afe-

rir qual o mercado regulamentado que irá esta-

belecer esta cotação. Porém, o CVM é sucinto

nesta questão ao dispor que “[s]e os instrumen-

tos financeiros estiverem admitidos à negocia-

ção em mais de um mercado regulamentado

situado ou a funcionar em Portugal, é tido em

conta, para os efeitos do n.º 1, o preço efectua-

do no mercado regulamentado situado ou a

funcionar em Portugal que, nos termos a fixar

em regulamento da CMVM, seja considerado

mais representativo”69.

No caso de não forem negociados instrumentos

financeiros admitidos à negociação em merca-

dos regulamentados, mas seleccionados em

MTFs por exemplo, os preços são formados de

forma livre, de acordo com as regras de negoci-

ação aprovadas para os respectivos sistemas,

respeitando os arts. 207.º, 208.º e 209.º do

CVM.

2.9.3 Apesar de assistirmos a uma fragmenta-

ção cada vez mais generalizada dos mercados

financeiros, o que importa essencialmente aferir

é se esta dispersão de liquidez no mercado, em

muito devida ao florescimento de MTFs, irá

eventualmente prejudicar a qualidade do merca-

do e/ou frustrar a descoberta do preço mais

66- V. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 15.º, n.º 5 e art. 17.º, n.º 3. V. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamen-to I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regras 4401/1 e 4401/2. No entanto, a Instrução da Euronext N.º 4-01 ressalva algumas espe-

cificidades relativamente à determinação do preço dos valores mobiliários durante a sessão de negociação em contínuo, sendo determinado

por algumas regras para além da prioridade de execução (é o princípio da prioridade-preço) (cfr. NYSE EURONEXT, Instrução da Euro-next N.º 4-01, cit., regra 3.2). No caso de derivados estes também são negociados de forma contínua (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamen-

tos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regra 5301/1), sendo o preço estabelecido de acordo com os

procedimentos previstos de negociação que regem a LIFFE CONNECT (plataforma de negociação da Euronext para derivados) (v. NYSE EURONEXT, NYSE Liffe Trading Procedures, 2 December 2011, regra 3.3).

67- V. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 15.º, n.º 6 e art. 17.º, n.º 3. Para a Euronext Lisbon “[o] preço do leilão é fixado com base na situação do Livro de Ofertas Central no fecho do período de chamada e é o preço que permita executar a maior quantidade”, sendo que,

“[a]s ofertas ao mercado têm prioridade sobre as ofertas limitadas. Se existirem vários preços que permitam a execução da mesma quan-

tidade, o preço será determinado, considerando o preço do último negócio realizado no sistema (ajustado por forma a acomodar qualquer evento societário que entretanto tenha ocorrido) ou, se tal preço não estiver disponível, considerando outro preço de referência determi-

nado através de um ou mais Avisos, até que um único preço de leilão seja alcançado” (cfr. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURO-

NEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regra 4401/3). Desta forma, para a determinação dos preços e atribuição dos valores mobiliários durante um leilão “[o] preço de leilão é o preço com o

volume executável máximo. Adicionalmente, se necessário, o preço de referência é tido em conta aquando da determinação do preço de

leilão” (cfr. NYSE EURONEXT, Instrução da Euronext N.º 4-01, cit., regra 3.1. As restantes regras para o cálculo estão determinadas nas regras 3.1.1 e 3.1.2. do mesmo documento).

68- Se a negociação ocorrer fora do Livro de Ofertas Central (v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regras de Mercado Harmonizadas, cit., regra 4404/1), relativamente a Operações de Grandes Lotes para acções ou valores mobiliários

equivalentes, seguirão os termos do regido para operações em Livro de Ofertas Central, embora “(...) [a]s Operações de Grandes Lotes

sobre ETFs, ETNs e ETVs deverão ser efectuadas a um preço que respeite os limites de preço que podem determinar um procedimento de reserva” (cfr. ibidem, regra 4404/2A). No que respeita a obrigações, a negociação será próxima do, ou ao, preço médio ponderado pelo

volume (cfr. ibidem, regra 4404/3). Neste caso, “[a]penas a Euronext é competente para definir os métodos de cálculo dos preços médios ponderados que poderão ser usados como preços de referência sempre que sejam registadas Operações deste tipo num Mercado de Valo-

res Mobiliários da Euronext” (cfr. ibidem, regra 4404/3B). Para outras operações negociadas o preço será aferido de acordo com a regra

4404/5 do Regulamento sobre regras de Mercado Harmonizadas.

69- Em relação a qual é o mercado regulamentado mais representativo, v. art. 7.º do Regulamento da CMVM n.º 3/2007.

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31 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

eficiente70. Tais dificuldades tornam-se acresci-

das, na medida em que sobre o regime da

DMIF, os mercados não estão formalmente li-

gados e a prioridade no preço não é imposta nas

estruturas de negociação, sendo que não existe

nenhum sistema consolidado de dados

(“consolidated tape”) dos volumes de venda e

de preços dos instrumentos financeiros negocia-

dos que estabeleça um EBBO (“European Best

Bid and Offer”)71, ao contrário do NBBO

(“National Best Bid and Offer”) americano, o

que faz com que as forças concorrenciais pre-

sentes no mercado resolvam os problemas de

integração na Europa72.

Esta circunstância tem vindo a ser ponderada

essencialmente pela ESMA e, num contexto de

revisão da DMIF, a introdução de uma

“consolidated tape” é prevista, existindo inclu-

sivamente várias hipóteses relativamente à sua

formatação73. O que interessa relevar neste con-

texto é essencialmente a maior facilidade, ou

não, de visibilidade do melhor preço disponível

de determinado instrumento financeiro por par-

te dos investidores. O problema dos mercados

financeiros europeus, contrariamente ao que

sucede no mercado americano, passa sobretudo

pela ausência de uma ligação entre as várias

estruturas de negociação que permitem aferir

esta mesma circunstância. Existe uma falta de

legislação comunitária harmonizada neste do-

mínio relativa a dados de mercado. Não nos

podemos esquecer que no caso dos Estados

Unidos falamos somente de um país, enquanto

no caso da UE temos 27 países com os seus

correspondentes mercados financeiros.

2.10 Compensação e Liquidação

2.10.1 Os aspectos relativos à compensação e

liquidação de instrumentos financeiros estão

previstos no art. 34.º da DMIF, encontrando-se

no art. 35.º da Directiva, “[d]isposições relati-

vas aos acordos de contraparte central, com-

pensação e liquidação no que respeita aos

MTF”. No ordenamento jurídico português dis-

põe o art. 207.º, n.º 4 do CVM que “[a] entida-

de gestora adopta procedimentos eficazes para

permitir a compensação e a liquidação eficien-

tes e atempadas das operações efectuadas atra-

vés dos seus sistemas e informa claramente os

membros dos mesmos sobre as respectivas res-

ponsabilidades pela liquidação das opera-

ções”. No entanto, “[o]s membros de mercado

regulamentado e sistema de negociação multi-

lateral podem designar o sistema de liquidação

de operações por si realizadas nesse mercado

ou sistema se” (art. 207.º, n.º 5 do CVM) “[e]

xistirem ligações e acordos entre o sistema de

liquidação designado e todos os sistemas ou

infra-estruturas necessários para assegurar a

liquidação eficiente e económica da operação

em causa; e” (art. 207.º, n.º 5, al. a) do CVM)

“[a] CMVM não se opuser por considerar que

as condições técnicas para a liquidação de ope-

rações realizadas no mercado ou sistema,

através de um sistema de liquidação diferente

do designado pela entidade gestora desse

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 31

70- Cfr. RYAN RIORDAN, ANDREAS STORKENMAIER, MARTIN WAGENER, Do Multilateral Trading Facilities contribute to Market Quality?, 25 May 2011, p. 21. Os autores confirmam, apesar deste parcelar mas conclusivo estudo, que os MTFs contribuem signif-

icativamente para a qualidade do mercado accionista.

71- Correspondem aos melhores preços de compra e de venda de um instrumento financeiro disponíveis numa estrutura de negociação.

72- Cfr. RYAN RIORDAN, ANDREAS STORKENMAIER, MARTIN WAGENER, Do Multilateral Trading Facilities contribute to Market Quality?, cit., p.1.

73- Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., pp. 34-37.

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32 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

mercado ou sistema, permitem o funcionamento

harmonioso e ordenado do mercado de instru-

mentos financeiros” (art. 207.º, n.º 5, al. b) do

CVM)74.

Igualmente terá de ser aplicado em consonância

com as normas do CVM, o Regulamento da

CMVM n.º 5/2007, aplicado aos “(...) aos

sistemas de compensação, à assunção de

contraparte central e aos sistemas de liquida-

ção de instrumentos financeiros, registados na

CMVM” (art. 1.º, n.º 1 do Regulamento da

CMVM n.º 5/2007).

2.10.2 Como meio de incrementar a concorrên-

cia no que concerne aos serviços de pós-

negociação, a DMIF atribui às diversas estrutu-

ras de negociação a discricionariedade na selec-

ção das respectivas contrapartes centrais, câma-

ras de compensação e sistemas de liquidação.

Compete assim às entidades gestoras a faculda-

de no estabelecimento das condições de pós-

negociação mais propícias aos diversos investi-

dores, essencialmente como meio competitivo

de atrair uma cada vez maior negociação nas

suas plataformas.

2.11 Reporte de transacções

2.11.1. Actualmente, todas as operações sobre

instrumentos financeiros que estejam admitidos

em mercado regulamentado, quer sejam efectu-

adas nesses mesmos mercados regulamentados,

quer em MTF, internalizadores sistemáticos ou

OTC, estão sujeitos a um dever de reporte, ou

esclarecendo de melhor forma, a um relatório

de transacções, embora a terminologia aplicável

na legislação nacional se refira a reporte. Por

via desta obrigação, é conferido aos superviso-

res um controlo muito mais eficaz e seguro so-

bre os riscos, eventualidades e consolidação em

mercado deste tipo de operações75, devendo as

empresas de investimento reportar às autorida-

des competentes todas as operações relativas a

instrumentos financeiros admitidos à negocia-

ção em mercado regulamentado, independente-

mente de essas operações sucederem nesse mer-

cado ou não (mesmo em MTF ou OTC)76. O

dever de reporte de operações está presente nos

arts. 315.º e 316.º do CVM, bem como no art.

25.º da DMIF e no art. 9.º a 14.º do Regulamen-

to de execução.

74- V. PEX, Regras de Mercado, cit., arts. 19.º a 26.º. Para o Easynext Lisbon, v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento II: Regras de Mercado Não Harmonizadas, cit., Secção 6 e NYSE Alternext Lisboa, Regras Alternext, cit., regra 6.6.

75- Devem ser tomadas em consideração o cumprimento das disposições previstas na DMIF e que se destinam a evitar abusos nos termos da Directiva de Abuso de Mercado (Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, doravante

DAM).

Tal como a Comissão Europeia salienta, certas alterações terão de ser efectuadas na mencionada Directiva de forma a melhor acomodar um reporte mais eficaz relativamente a instrumentos financeiros seleccionados para negociação em MTFs, ou somente negociados numa estru-

tura organizada de negociação, bem como as que sendo efectuadas nestas estruturas são realizadas em OTC.

Actualmente os MTFs têm uma vantagem comparativa relativamente aos mercados regulamentados ao não estarem sujeitos às disposições da DAM, no que respeita a instrumentos financeiros seleccionados para negociação ou somente negociados em MTFs (embora, como o

CESR bem ressalva, a extensão da DAM, em alguns Estados-Membros já foi implementada em relação a certos MTFs ou mesmo não

aplicada (cfr. CESR, Review Panel report. MAD. Options and Discretions. 2009, 29 March 2010, pp. 6-9) A lógica por detrás da possível extensão normativa a esta situação e a outras previstas na Consulta Pública de Revisão da DMIF, efectuando emendas no art. 25.º, n.º 3 da

DMIF, acentuam o subjacente desiderato de uma mais progressiva consolidação e harmonização dos mecanismos de supervisão e protec-

ção do investidor de modo a fomentar uma maior integração dos mercados financeiros europeus (cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Consulta-tion on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., pp. 44-46).

A Comissão Europeia faz igualmente alusão às dificuldades inerentes ao conteúdo do próprio reporte (tendo o CESR proposto várias hipó-

teses na resolução desta situação (v. CESR, Consultation Paper, CESR Technical Advice to the European Commission in the context of the MiFID Review – Transaction Reporting, 13 April 2010) e relativamente aos canais de transmissão desse mesmo reporte às autoridades

competentes para efeitos de supervisão (o CESR teve igualmente oportunidade de se debruçar sobre esta problemática (v. CESR, CESR

Level 3 Guidelines on MiFID Transaction reporting, May 2007), propondo emendas quer à DMIF, quer ao Regulamento de execução neste

sentido (v. COMISSÃO EUROPEIA, Consultation on the review of the Markets in Financial Instruments Directive (MiFID), cit., pp. 46-

49).

76- V. PEX, Regras de Mercado, cit., art. 30.º; v. NYSE EURONEXT, Regulamentos da EURONEXT - Regulamento I: Regra de Mercado

Harmonizadas, cit., regra 4502/1.

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33 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

2.12 Acesso Remoto

2.12.1. O direito de acesso remoto a mercados

autorizados em Portugal está previsto tanto para

os mercados regulamentados, como para os

MTFs, nos termos do art. 224.º do CVM. De

acordo com o art. 224.º n.º 1 do CVM, “[a]s

regras relativas à qualidade de membro de

mercado regulamentado possibilitam o acesso

remoto ao mesmo por empresas de investimento

e instituições de crédito autorizadas em outros

Estados membros da União Europeia, salvo se

os procedimentos e sistemas de negociação do

mercado em causa exigirem uma presença físi-

ca para a conclusão das operações no mes-

mo.”. O acesso e a negociação aos mercados

regulamentados ou MTFs geridos pela respecti-

va entidade gestora, deve ser facilitado através

de mecanismos que possibilitem este mesmo

acesso, estando dependentes de comunicação à

CMVM dessa mesma intenção, identificando o

Estado-Membro junto do qual esses mesmos

mecanismos serão colocados.

2.12.2. No que concerne a acesso remoto a mer-

cados autorizados no estrangeiro, esta capacida-

de encontra-se prevista no art. 225.º do CVM,

sendo que tal intenção dentro da UE “(…) de-

pende de comunicação à CMVM, pela autori-

dade competente onde o mercado regulamenta-

do ou MTF foi autorizado”, “da intenção da

entidade gestora disponibilizar esses mecanis-

mos em Portugal, e”, “da identidade dos mem-

bros desse mercado que se encontrem estabele-

cidos em Portugal, a pedido da CMVM.” (art.

225.º, n.º 1, als. a) e b) do CVM). Para situa-

ções fora da UE, tal propósito depende de auto-

rização da CMVM nesse sentido (art. 225.º, n.º

2 do CVM).

Apesar dos artigos referidos, que transpuseram

o art. 33.º da DMIF, regularem o acesso remoto

para os mercados regulamentados, por força do

art. 200.º, n.º 3 do CVM, existe igual aplicação

destas disposições para os MTFs.

2.13 Regulação mínima

2.13.1. No que respeita à legislação que regula

os MTFs, constatamos que comparativamente

com os mercados regulamentados, tal como se

encontra no CVM, aqueles, ao contrário dos

mercados regulamentados, não possuem uma

regulação suficientemente extensa77. O regime

comum que tutela ambas as plataformas (art.

202.º a 216.º do CVM), cinge-se essencialmen-

te a aspectos relacionados com a funcionalidade

destes, no que respeita à sua gestão, negocia-

ção, membros e informação ao público. De fora

ficam importantes deveres relacionados com a

prestação de informações adstritas especifica-

mente para os mercados regulamentados, dis-

pondo por exemplo o CVM, toda a Secção II do

Capítulo II do Título IV somente para estes,

com as excepções previstas no art. 200.º, n.os 2

e 3 do CVM para MTFs. Em todo o caso, deve-

mos ressalvar o facto de a CMVM ter o poder

de elaborar regulamentos como completude

daquele regime comum (art. 216.º, n.º 1, als. a)

a e) do CVM).

Desta maneira, muitas das regras que regem

estas estruturas de negociação, embora consis-

tentes com a DMIF e com o CVM, são relega-

das para os próprios participantes de mercado

que os criam, contrariamente à extensão norma-

tiva que rege os mercados regulamentados, o

que manifesta uma propensa discricionariedade

na criação de regras quanto à sua configuração

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 33

77- Tal circunstância reflecte-se na extensão do conjunto de regras que regem a Euronext Lisbon, contrariamente às disposições que disciplinam o PEX.

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34 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

e funcionalidade para plataformas como os

MTFs. Esta foi a lógica na criação destas estru-

turas.

Não obstante, as incongruências legislativas

atinentes a estes sistemas de negociação são

susceptíveis de gerar dúvidas aquando do seu

efectivo funcionamento, mas acima de tudo

pela influência que estas estruturas têm no mer-

cado.

Provavelmente o juízo que esteve na base desta

conceptualização deveu-se ao facto de o legisla-

dor não ter tido a capacidade de prever o impac-

to que estas estruturas teriam no mercado. No

entanto, como acabámos por constatar e assina-

lar, certos aspectos deveriam ser necessaria-

mente revistos e regulados.

III. ENQUADRAMENTO DOS MTFS

NO MERCADO

1.1 De acordo com os objectivos delineados

pela Comissão Europeia, uma das mais impor-

tantes metas a serem alcançadas com a reestru-

turação dos mercados e dos serviços financeiros

foi o esforço na promoção da concorrência en-

tre os tradicionais mercados regulamentados e

outras estruturas de negociação. Tal ocorreu

essencialmente em relação à negociação de ac-

ções desses mesmos mercados regulamentados.

Em princípio, tal reorganização levaria a me-

lhores resultados para os investidores em ter-

mos de preços a serem cobrados naquelas estru-

turas, ou seja, a tendência que se esperaria seria

a ad que aqueles fossem reduzidos.

1.2 Em virtude desta mesma concorrência, mui-

tos dos tradicionais mercados regulamentados

modificaram algumas das suas estruturas orga-

nizativas, promovendo em certos casos fusões e

aquisições entre eles e com outras instituições

financeiras. A globalização financeira, a inova-

ção em métodos e estratégias tecnológicas de

negociação e técnicas de diversificação do risco

através da execução simultânea de ordens em

várias plataformas de negociação impulsiona-

ram esta evolução. Tal circunstância foi igual-

mente favorecida por um ambiente regulador ao

nível comunitário através de directivas e regula-

mentos que repartiram os mercados financeiros

em diversas estruturas de negociação, o que fez

com que se criassem algumas das condições

ideais para o constante crescimento de novas e

variadas estruturas de negociação em diversifi-

cadas categorias legais.

1.3 Foi com base neste contexto que foram sur-

gindo cada vez mais MTFs como plataformas

alternativas de negociação, sobretudo aos mer-

cados regulamentados. A criação destas estrutu-

ras de negociação foi, acima de tudo, estimula-

da por grandes grupos bancários e outras insti-

tuições financeiras, tendo em vista a possibili-

dade de os operadores dos mercados regula-

mentados baixarem as suas comissões em rela-

ção ao acesso e utilização dos seus serviços. Tal

finalidade assentava essencialmente no facto de

que agora existiriam outras estruturas que pode-

riam ser utilizadas para a execução de ordens

no mercado e cujos principais impulsionadores

seriam os grandes investidores nos mercados

financeiros. A fuga de execução de ordens para

outras plataformas de negociação alternativas

seria o grande risco que os mercados regula-

mentados teriam de arcar se não modificassem

o modo da sua actuação e funcionalidade.

Embora o tradicionalismo na negociação de

instrumentos financeiros nos típicos mercados

regulamentados continue a imperar, esta é uma

tendência que se tem vindo a mitigar cada vez

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35 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

mais. De facto, os MTFs têm sistematicamente

vindo a ganhar quota de mercado em relação

aos mercados regulamentados, no que concerne

à negociação de instrumentos financeiros, des-

viando-a destes e igualmente atraindo nova li-

quidez do que é negociado em OTC78. Com o

incremento de novos MTFs, não tardou a con-

solidação de alguns deles no mercado como o

Chi-X Europe79.

1.4 A possibilidade de negociação de acções a

um nível pan-europeu tem sido uma das mani-

festas vantagens dos MTFs em relação aos mer-

cados regulamentados. A resposta necessária

destas estruturas tardou em aparecer e a que

apareceu em muitos casos cingiu-se a imitar o

modelo de negócios pertencentes à classe de

MTF, o que demonstra que a introdução deste

novo formato funcionou.

Ironicamente, face à pressão que tem vindo a

ser exercida por estas plataformas, os próprios

mercados regulamentados têm vindo a integrar

MTFs nos seus modelos de negociação. Tais

adaptações revelam não só a importância da

diversificação das estruturas de negociação,

como também uma sistemática convergência de

estruturas e diversidade de oferta oferecida aos

próprios investidores consoante os seus pró-

prios interesses. Tal circunstância advém da

pressão concorrencial não só perante os MTFs,

como também perante outros mercados regula-

mentados80.

Têm-se verificado, desta forma, incrementos

relativamente à consolidação dos mercados, por

exemplo como a fusão de instituições ou siste-

mas que providenciam os mesmos serviços em

negociação, ou pós-negociação em diferentes

mercados e/ou jurisdições (consolidação hori-

zontal), e a consolidação ao nível da criação dos

denominados “silos” que integram todos os pro-

cessos da cadeia de valor da negociação

(negociação e pós-negociação) (consolidação

vertical)81.

Neste campo, a capacidade de ajuste a uma

competitividade atinente à captação de investi-

dores, passa essencialmente pela cobrança de

preços efectuada pelas estruturas de negociação

pelos seus serviços82, pela maior ou menor

capacidade de liquidez dos mercados, pela qua-

lidade e velocidade de execução de ordens e

pelo custo presente nas estruturas que fazem a

respectiva compensação e liquidação.

1.5 Um exemplo desta competitividade no mer-

cado é salientado pelo CESR. Para este organis-

mo, os MTFs que fornecem estruturas de

negociação para acções admitidas à negociação

em mercados regulamentados têm adoptado

uma estratégia similar em relação às estratégias

de captação de ordens, de modo a ganhar quota

de mercado no universo de negociação de

instrumentos financeiros, quer às estruturas

organizadas de negociação, quer a empresas

de investimento que negoceiam fora destas

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 35

78- Cfr. CESR, Impact of MiFID on equity secondary markets functioning, 10 June 2009, p. 5 ponto 8.

79- Tal facto é bem evidenciado na página oficial do Chi-X Europe, disponível em http://www.chi-xeurope.com/home/home.asp.

80- Cfr. CESR, Impact of MiFID on equity secondary markets functioning, cit., p.5, ponto 9.

81- Cfr. JAVIER GONZÁLEZ PUEYO, Proceso de consolidación de las infraestructuras de mercado, cit., p. 110.

82- Muitas vezes, como factor acrescido de competitividade com o objectivo de captar cada vez mais quota de mercado, alguns MTFs têm

vindo a prestar o serviço de informação a tempo real de dados de mercado relativos a acções que são negociadas nos seus próprios sistemas (cfr. PIERRE FRANCOTTE, DIEGO VALIANTE, KAREL LANNOO, MiFID 2.0 Casting New Light on Europe’s Capital Markets, cit.,

p. 77).

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36 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

plataformas organizadas83. Podemos destacar

neste sentido, (i) a adopção de uma negociação

de acções a um nível pan-europeu através de

uma única localização (fazendo uso do passa-

porte europeu para entidades que gerem MTFs

ao abrigo da DMIF84), (ii) a tentativa de estabe-

lecer concorrência com os mercados onde

as acções foram admitidas à negociação

originariamente ao nível de uma negociação de

instrumentos financeiros pertencentes a esses

mercados (“domestic securities”), (iii) um in-

vestimento no que respeita a novas tecnologias

de negociação, (iv) a diversificação na negocia-

ção com a inserção de novas funcionalidades

nesta (a existência de “lit MTFs” e de “dark

MTFs”), (v) a possibilidade de direccionar or-

dens para outros mercados, (vi) uma diminuição

nos custos de negociação, (vii) a adopção de um

quadro uniforme relativamente à simbologia de

dados de mercado, e (viii) novas escolhas relati-

vamente aos serviços de pós-negociação, diver-

sificando-se das tradicionais estruturas de com-

pensação e liquidação85.

1.6 Com o surgimento dos MTFs, sobretudo no

que respeita aos que se destacam por possuir

um garantido apoio de grandes bancos de inves-

timento e instituições financeiras, dever-se-á

igualmente questionar a neutralidade destas

estruturas aquando da negociação de instrumen-

tos financeiros. De uma realidade negocial ante-

riormente concentrada em poucas plataformas

de negociação, a transfiguração dos mercados

financeiros numa sintomática repartição estru-

tural com consequentes diferenças normativas,

leva a que a gestão destas estruturas se possa

adequar mais facilmente a critérios de concor-

rência na captação de ordens de determinados

investidores. O jogo de interesses na relação

entre as estruturas de negociação e os seus par-

ticipantes altera-se de forma fundamental. Estas

circunstâncias não neutrais podem originar seg-

mentações no mercado, na medida em que, pela

actuação dos grandes investidores, muitos deles

gerindo estas novas estruturas, preferem direc-

cionar as suas ordens para as suas próprias pla-

taformas de negociação, como forma de aumen-

tar a sua liquidez86. Isto pode naturalmente ori-

ginar efeitos adversos relativamente a outros

participantes de mercado, pelo simples facto de

criar um desincentivo na negociação nestas

mesmas plataformas. O aumento da liquidez

numa estrutura que é gerida por concorrentes

participantes de mercado pode ser considerado

como prejudicial, dado que, a sua posição no

mercado, numa perspectiva puramente comerci-

al, é dirimida. O risco de fragmentação nos

mercados financeiros é desta forma aumentado

exponencialmente, assim como a durabilidade

de certas estruturas no mercado.

1.7 As reacções dos mercados regulamentados

têm, no entanto, demorado a surgir, acima de

tudo porque talvez inicialmente não tiveram a

consciência necessária para prever o impacto

que os MTFs iriam ter no mercado. Para além

desta evidência, têm vindo a surgir queixas da

parte dos mercados regulamentados de que a

DMIF introduziu um plano de desigualdade em

relação à competitividade entre estruturas de

negociação, sendo grande parte destas queixas

assente sobre a disparidade de valores no que se

83- Esta circunstância é bem evidenciada pelo CESR (v. CESR, Impact of MiFID on equity secondary markets functioning, cit.).

84- A DMIF permite às empresas de investimento e aos operadores de mercado que gerem um MTF a possibilidade de desenvolver

actividades transfronteiriças assentes num princípio de reconhecimento mútuo, prescindindo da autorização do Estado acolhedor, a partir do momento em que se cumpram os requisitos previstos no art. 31.º da DMIF. O art. 31.º, n.os 5 e 6 da DMIF referem-se especificamente

aos MTFs, tendo o CESR emitido recomendações sobre questões de interpretação e funcionamento deste artigo (cfr. CESR, The Passport

under MIFID, May 2007, pp. 11-12).

85- Cfr. CESR, Impact of MiFID on equity secondary markets functioning, cit., pp. 12-13.

86- Cfr. MARCO LUTAT, The Effect of Maker-Taker Pricing on Market Liquidity in Electronic Trading Systems – Empirical Evidence

from European Equity Trading , 1 January 2010, p.1.

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37 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

relaciona com o pagamento aos reguladores que

existe entre ambas as plataformas de negocia-

ção. São consideravelmente mais baixas as one-

rosidades impostas aos MTFs.

Acerca destas discrepâncias, os mercados regu-

lamentados defendem que os critérios previstos

na DMIF para os mercados regulamentados e os

MTFs caracterizam-se por apresentarem requi-

sitos reguladores mais dispendiosos e rigorosos

para os primeiros, facto que o CESR não deixou

de atender87.

Ainda assim, não nos podemos esquecer que a

estrutura organizativa dos MTF continua a ser

consideravelmente menor da que as dos merca-

dos regulamentados, que é muito mais repartida

e, acima de tudo, que apesar de os MTFs dete-

rem uma parte de quota de mercado, essencial-

mente como alternativa de eleição para determi-

nado tipo de investidores88, os mercados regula-

mentados continuam ainda em larga medida a

monopolizar a negociação de instrumentos fi-

nanceiros. O cerne da discussão continuará a

assentar sobretudo nos aspectos comerciais do

funcionamento das diversas estruturas de nego-

ciação no mercado e, na respectiva captação de

liquidez nestas plataformas e de ordens concer-

nentes a instrumentos financeiros.

IV CONCLUSÕES

1.1 Os MTFs como plataforma alternativa de

negociação de instrumentos financeiros encon-

traram a sua sedimentação no mercado. Porém,

num momento de fulgor inicial em que aquelas

estruturas ganharam determinadas quotas de

mercado face às tradicionais estruturas de nego-

ciação, pensamos que eventualmente poderão

vir a esmorecer. Pelas circunstâncias da existên-

cia de diferentes e mais vantajosas alternativas

concorrenciais de negociação a estas platafor-

mas, pela concorrência entre elas mesmas e,

pelo surgimento integrado de mercado regula-

mentado e MTF, fornecido pelas mais variadas

entidades gestoras, a inevitabilidade de desinte-

gração de algumas destas plataformas, a neces-

sidade de fusão, ou mesmo de adaptabilidade

concorrencial em termos de prestação de servi-

ços financeiros, custos e mesmo tecnologia, são

ocorrências que se têm vindo a verificar cada

vez mais nos mercados financeiros.

Uma urgente reformulação do conceito de MTF

e disposições normativas que regulam aquelas

estruturas de negociação é indispensável, situa-

ção a que a Comissão Europeia não é alheia.

Neste âmbito, está actualmente em discussão o

projecto de reformulação da DMIF, tendo já

sido elaborado um Regulamento do Parlamento

Europeu e do Conselho relativo aos mercados

financeiros, que altera o Regulamento (EMIR)

relativo aos derivados OTC, às contrapartes

centrais e aos repositórios de transacção, e mes-

mo uma proposta que visa reformular a própria

DMIF. Estas propostas são imprescindíveis pa-

ra uma modernização e ainda maior harmoniza-

ção e integração dos mercados financeiros euro-

peus.

1.2 Contudo, até ocorrer esta reformulação que

incide igualmente sobre os MTFs, estes têm as

suas próprias especificidades que os diferenci-

am e destacam relativamente às demais estrutu-

ras de negociação presentes no mercado.

Assim, algumas das especificidades dos MTFs

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 37

87- CESR, Consultation Paper CESR Technical Advice to the European Commission in the Context of the MiFID Review - Equity Markets,

April 2010, pp. 25-26.

88- Preferência que advém especialmente pelo critério de boa execução que as empresas de investimento estão obrigadas a assegurar aquando da relação com os seus clientes, procurando inevitavelmente as estruturas de negociação com maior liquidez.

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38 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

passam por:

i. Diferenciações relativamente à sua cons-

tituição e gestão (encarada como um ser-

viço e actividade de investimento, pres-

tando uma actividade de intermediação

financeira nos termos do art. 290.º, n.º 1,

al. g) do CVM);

ii. Possibilidade de se constituírem como

“dark pools” através do preenchimento

das condições de dispensa de informação

pré-negociação;

iii. Só aos mercados regulamentados se exi-

ge um prospecto aprovado, prévio à ad-

missão à negociação (art. 237.º do CVM)

existindo um espaço de livre discriciona-

riedade que pode ser aproveitado pelos

MTFs relativamente à selecção à negoci-

ação de instrumentos financeiros nas suas

plataformas sem as formalidades e exi-

gências previstas no CVM para os merca-

dos regulamentados. Não se aplica igual-

mente a Directiva do Prospecto nem a da

Transparência. Embora a DAM somente

se refira aos instrumentos financeiros que

são admitidos à negociação em mercado

regulamentado para que suceda a sua

aplicação, o CVM é muito mais abran-

gente do que a DAM na medida em que

os crimes contra o mercado (Secção I,

Capítulo II, Título VIII do CVM) podem

abranger qualquer tipo de instrumento

financeiro negociado de forma organiza-

da ou sem ser de forma organizada;

iv. Se estabelecer o princípio da intermedia-

ção obrigatória no acesso a estas estrutu-

ras a não ser que outras pessoas que pre-

encham os requisitos previstos no art.

206.º, n.º 2 do CVM;

v. As operações “(...) de sistemas de nego-

ciação multilateral realizam-se através

de sistemas de negociação adequados à

correcta formação dos preços dos instru-

mentos financeiros neles negociados e à

liquidez do mercado, assegurando desig-

nadamente a transparência das opera-

ções” (art. 208.º, n.º 1 do CVM);

vi. A formação do contrato e do preço de um

instrumento financeiro transaccionado é

processado de acordo com o tipo de ne-

gociação em causa (contínua ou por cha-

mada) e pelas regras aprovadas pela enti-

dade gestora relativamente à negociação;

vii.Não estabelecerem cotação, pois “[s]

empre que na lei ou em contrato se refira

a cotação numa certa data, considera-se

como tal o preço de referência definido

pela entidade gestora do mercado regu-

lamentado a contado” (art. 222.º, n.º 1 do

CVM). Contudo, os preços são formados

de forma livre, de acordo com as regras

de negociação aprovadas para os respec-

tivos sistemas, respeitando os arts. 207.º,

208.º e 209.º do CVM, na situação de não

serem negociados instrumentos financei-

ros admitidos à negociação em mercados

regulamentados, mas somente selecciona-

dos para negociação em MTFs;

viii.Possuir regras que se destinam à com-

pensação e liquidação das operações,

bem como do reporte de transacções;

ix. Disporem de uma regulação reduzida

quando comparadas com os mercados

regulamentados, o que garante mais dis-

cricionariedade na criação das regras que

irá reger os MTFs.

1.3 Numa altura em que nos defrontamos com

um quadro diversificado de estruturas de nego-

ciação, esta nova situação concorrencial deu

origem a novas problemáticas normativas que

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39 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

urgem ser colmatadas. De forma a garantir um

sistema financeiro europeu mais coeso, integra-

do e seguro, uma série de alterações terão de ser

implementadas, sendo este o objectivo em vista

por parte das instituições europeias com a refor-

mulação da DMIF. O problema recai sobre a

específica situação do ordenamento jurídico

português, nomeadamente o CVM, que terá de

ver algumas das suas disposições legais profun-

damente alteradas, de maneira a abarcar o novo

quadro institucional em vista para os mercados

financeiros europeus. Esperemos que a futura

reforma do CVM vá igualmente no sentido de

fomentar uma ainda maior integração de merca-

dos e dos novos métodos de negociação aí pra-

ticados.

OS SISTEMAS DE NEGOCIAÇÃO MULTILATERAL: UMA PERSPECTIVA JURÍDICA ACTUAL : 39

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40 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1. ENQUADRAMENTO DO TEMA, DELIMITAÇÃO

DO OBJETO E NOÇÕES PRELIMINARES.

METODOLOGIA

I. O presente estudo pretende analisar, através

do método comparativo, o regime jurídico dos

contratos de futuros sobre ações nos ordena-

mentos jurídicos português e espanhol, bem

como nos respetivos mercados onde os mesmos

são operados.

II. O princípio básico de contratação, no presen-

te, do preço e da quantidade de um determinado

bem a trocar, no futuro, permitindo aos agentes

económicos mitigar os efeitos decorrentes de

uma eventual evolução negativa de variáveis

económicas, cuja previsão é difícil e inevitavel-

mente sujeita a erro, não é uma realidade recen-

te. A realização destas operações remonta à an-

tiga Mesopotâmia, como demonstra Edward

Swan1. A configuração destas operações nos

moldes atuais apenas terá iniciado, contudo,

com maior arrimo, a partir do século XIX, com

a criação, nos Estados Unidos, da Chicago

Board of Trade, associação destinada a organi-

zar os mercados de futuros sobre mercadorias,

nomeadamente sobre produtos agrícolas, como

o milho ou o trigo2.

A instabilidade das taxas de juro que se verifi-

cou nos Estados Unidos na década de 70 do

século XX aliada ao anúncio da inconvertibili-

dade do dólar americano e, consequentemente,

ao colapso do sistema de Bretton Woods forçou

o mercado a explorar instrumentos financeiros

que permitissem cobrir os agentes económicos

dos riscos decorrentes da variação das taxas de

juro e de câmbio. Neste contexto, a Chicago

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES:

ESTUDO COMPARATIVO

(DIREITO PORTUGUÊS E DIREITO ESPANHOL) *

PAULA REDONDO PEREIRA **

* O estudo corresponde ao Relatório final apresentado no âmbito do seminário de Direito Privado Comparado, sob o tema “Tempo, espaço e condição”, do Curso de Doutoramento (3.º Ciclo) da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL), que

decorreu durante o 2.º semestre do ano letivo 2011-2012, sob a coordenação do Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida e do

Professor Doutor Pedro Caetano Nunes.

** Doutoranda da FDUNL e jurista na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). As opiniões expressas no presente trabalho são pessoais, não vinculando a CMVM.

1- Edward J. Swan, Building the Global Market – A 4000 Year of History of Derivatives, Londres: Kluwer Law International, 2000, pp. 28, 31-50. Para perspetivas históricas pormenorizadas (e geograficamente alargadas) sobre operações de futuros e respetivos mercados, Sheila

Bair, “United States Regulation of Derivatives Instruments: Reflections from a Crucial Crossroads”, Derivative Instruments, London:

Graham & Trotman/Martinus Nijhoff, 1994, p. 13.

2- E. Swan, Bulding…, cit., p. 218. Para uma definição de futuros no âmbito do ordenamento jurídico norte-americano, Zachary T. Knep-

per, “Examining the Merits of Dual Regulation for Single-Stock Futures: How the Divergent Insider Trading Regimes for Federal Futures and Securities Markets Demonstrate the Necessity for (and Virtual Inevitability of) Dual CFTC-SEC Regulation for Single-Stock Futures”,

Pierce Law Review, Vol. 3, No. 1, 2004, p. 34.

SUMÁRIO: 1. ENQUADRAMENTO DO TEMA, DELIMITAÇÃO DO OBJETO E NOÇÕES PRELIMINARES.

METODOLOGIA. 2. ANÁLISE COMPARATIVA; 2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA E FONTES ATUAIS;

2.2. COMPARAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS VIGENTES. 3. SÍNTESE COMPARATIVA. 4. BIBLIOGRAFIA.

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41 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Mercantile Exchange lançou em 1972 o primei-

ro contrato de futuros sobre divisas. Nas déca-

das seguintes, assistiu-se ao desenvolvimento e

à profusão dos mercados de futuros por todo o

mundo, neles se negociando contratos sobre

uma multiplicidade de ativos, com contornos

cada vez mais sofisticados3.

III. Sem prejuízo da análise pormenorizada que

nos propomos desenvolver, ensaiamos, de for-

ma preliminar, uma noção operacional de futu-

ros com o propósito de situar o objeto do nosso

estudo, conduzindo à melhor compreensão e

delimitação do seu âmbito. Futuros são contra-

tos a prazo4, padronizados, através dos quais o

comprador se obriga a pagar o preço acordado e

o vendedor a entregar o ativo subjacente numa

data previamente determinada (liquidação físi-

ca) ou através dos quais se estipula a obrigação

de pagar a diferença entre o preço acordado e o

preço de referência na data do vencimento do

contrato (liquidação financeira)5. O ativo subja-

cente destes contratos pode ser real (e.g. merca-

dorias, valores mobiliários ou outros instrumen-

tos financeiros negociados em mercado organi-

zado), como nocional (e.g. taxas de juro ou de

câmbio, divisas ou índices). O presente estudo

centrar-se-á na análise de contratos de futuros,

com liquidação física ou financeira, que tenham

como ativo subjacente ações6.

O cumprimento das obrigações que decorrem

para as partes da celebração do contrato é asse-

gurado por um sistema de prestação de garanti-

as quais, na gíria dos mercados financeiros, são

designadas margens, e por um mecanismo de

ajustes de ganhos e perdas, segundo o qual as

oscilações dos preços dos ativos subjacentes se

refletem nas posições dos contraentes, proce-

dendo-se à compensação dos ganhos e perdas

através da movimentação dos valores prestados

em garantia, as referidas margens. A celebração

de contratos de futuros permite, assim, funda-

mentalmente, a cobertura de riscos, a especula-

ção e a arbitragem7.

IV. Os contratos de futuros celebram-se em

mercados organizados (atualmente designados,

por força de diretrizes da União Europeia,

mercados regulamentados8); exclui-se, portanto,

do âmbito do presente estudo, a análise de

instrumentos financeiros negociados fora de

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 41

3- Sobre produtos (e serviços) financeiros associados ao movimento designado, na gíria dos mercados financeiros, inovação financeira ou engenharia financeira, José Manuel Gonçalves Santos Quelhas, Sobre a Evolução Recente do Sistema Financeiro (Novos “Produtos

Financeiros”), Separata do Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, 1996, pp. 54-55.

4- O tempo tem nestas operações uma relevância jurídica particular. Como salienta Amadeu J. Ferreira, “o tempo é um elemento essencial”

nos contratos de futuros assumindo-se como conteúdo do próprio negócio jurídico (e não como mero fator externo incidente ao negócio

jurídico, como ocorre noutros institutos como a prescrição ou mesmo em operações em bolsa a contado ou à vista. Note-se que, nas opera-ções a contado ou à vista pode verificar-se um lapso temporal entre a perfeição do contrato e a sua execução, mas que decorre de meros

imperativos operacionais), Amadeu José Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa: Lex, 1997,

p. 148. Neste sentido, também Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução aos Mercados de Futuros e Opções, 3.ª ed., Porto: Associação da Bolsa de Derivados do Porto, 1995, p. 35.

5- Para uma distinção entre contratos de futuros com liquidação física e com liquidação financeira no direito português, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 130; Carlos Ferreira de Almeida, “Contratos Diferenciais”, Direito dos Valores

Mobiliários, vol. X, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal – Coimbra Editora, 2011, p. 9; e, do mesmo autor, Contratos III – Contratos de

Liberalidade, de Cooperação e de Risco, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 269-273. No direito espanhol, para uma análise pormenorizada dos contratos de futuros com liquidação física e financeira, Alfonso de Contreras y Vilches, El Contrato de Futuros Financieros, Madrid:

Marcial Pons, 2006, pp. 432-437.

6- Sempre que necessário para uma melhor compreensão do contorno destes contratos, recorreremos, contudo, a futuros com um ativo

subjacente distinto.

7- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 122, 136.

8- Cf. artigos 36.º e ss. da Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, sobre os mercados de instrumentos financeiros (DMIF). Extravasa o âmbito do presente trabalho a análise dos contornos deste diploma, nomeadamente quanto às

especificidades relacionadas com os mercados regulamentados.

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42 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

mercados regulamentados ainda que possuam

contornos semelhantes ao dos futuros (e.g. con-

tratos forwards, cujos termos são definidos com

ampla margem de liberdade pelas partes)9,10.

A negociação de instrumentos financeiros nos

mercados regulamentados (incluindo-se, por-

tanto, nos mercados em que se transacionam

futuros) realiza-se através dos respetivos mem-

bros que, em regra, são intermediários financei-

ros, isto é, exige-se a intervenção de entidades

com determinadas características para a realiza-

ção das operações11. Nestes termos, o acesso

dos investidores ao mercado implica, portanto,

em regra, a celebração de um contrato – contra-

to de intermediação financeira – com um agente

autorizado a intervir no mercado a que se pre-

tende aceder. O regime jurídico da intermedia-

ção financeira, bem como os contornos dos seus

contratos, não serão tratados no âmbito do pre-

sente trabalho12.

V. A metodologia que propomos seguir desdo-

bra-se em dois momentos13. No primeiro mo-

mento (§2), situaremos o objeto do trabalho

numa perspetiva histórico-jurídica, descrevendo

a evolução do regime dos futuros nos ordena-

mentos jurídicos selecionados (§2.1)14 e proce-

deremos à descrição e enquadramento do mes-

mo com base nos eixos da grelha que construí-

mos para o efeito (§2.2). No segundo momento

(§3), sublinhar-se-ão as semelhanças e as dife-

renças entre os termos analisados, procurando-

se, de forma crítica, justificar os resultados

encontrados15.

A grelha comparativa que nos propomos seguir

foi construída, de forma dialética, em torno de

dois eixos, paradigmático e sintagmático16.

No eixo paradigmático, alinham-se os compa-

randa17, os ordenamentos jurídicos português e

espanhol, bem como os respetivos mercados

regulamentados ou mercados secundários

9- Para uma análise sobre contratos negociados em mercado de balcão ou OTC (acrónimo, na língua inglesa, de over-the-counter), Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 128-131. Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução…, cit., p.

70; José de Oliveira Ascensão, “Derivados”, Instituto dos Valores Mobiliários, Direito dos Valores Mobiliários, vol. IV, Coimbra:

Coimbra Editora, 2003, pp. 51-53; Miguel Cunha, “Os Futuros de Bolsa: Características Contratuais e de Mercado”, Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 71.

10- No âmbito da negociação em mercado regulamentado, os futuros não são os únicos instrumentos financeiros disponíveis aos investido-res. De entre estes, destacamos a título de exemplo as opções, instrumentos financeiros igualmente negociados em mercado regulamentado

que têm uma função económica de proteção de risco semelhante à dos futuros, conferindo ao seu titular um direito a adquirir um bem ou a

celebrar um contrato em data futura. A análise das especificidades do regime jurídico das opções não caberá no âmbito do presente traba-lho, ainda que lhe possamos fazer pontualmente referência. Para os contornos do regime jurídico das opções, Amadeu J. Ferreira,

“Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 122, 158-171; Ruy Ennes Ulrich, Da Bolsa e Suas Operações, 2.ª ed., Coimbra: Imprensa da

Universidade de Coimbra, 2011, p. 417; Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, p.

191.

11- Note-se, contudo, que tanto no direito português, como no direito espanhol, podem ser membros dos mercados regulamentados outras pessoas que cumpram determinados requisitos, como idoneidade e aptidão profissional (n.º 2 do artigo 206.º e artigo 224.º, ambos, do

Código dos Valores Mobiliários, na sua redação atual, e artigo 37.º da Ley del Mercado de Valores, respetivamente).

12- P. Câmara, Manual…, cit., pp. 345-440.

13- Carlos Ferreira de Almeida, Direito Comparado – Ensino e Método, Lisboa: Edições Cosmos, 2000, p. 117.

14- Sublinhando a importância dos elementos meta-jurídicos para o enquadramento dos estudos de direito comparado, Rui Pinto Duarte,

“Uma introdução ao Direito Comparado”, O Direito, Ano 138.º, IV, 2006, p. 774.

15- Para uma descrição das diferentes tonalidades do processo comparativo, nomeadamente quanto ao destaque que a doutrina juscompara-tivista confere às fases da comparação e síntese, C. Ferreira de Almeida, Direito Comparado…, cit., p. 122.

16- Ibidem, p. 153.

17- Dário Moura Vicente, Direito comparado – Introdução e parte geral, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2008, p. 45.

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43 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

oficiais18 onde as operações de futuros são

realizadas, permitindo-nos percorrer, compara-

tivamente, as características das operações a

prazo nos dois ordenamentos jurídicos selecio-

nados e seus mercados19. No eixo sintagmático,

alinham-se os elementos que nos permitirão

aferir as semelhanças ou dissemelhanças do

regime jurídico dos futuros. Para o efeito, trata-

remos da (i) noção20 de futuros e, concluindo

pela sua natureza contratual, prosseguiremos

com a análise da (ii) estrutura destes contra-

tos21, bem como das especificidades relaciona-

das com a (iii) negociação, (iv) gestão de posi-

ções e prestação de garantias e (v) liquidação.

A exposição de cada elemento do eixo sintag-

mático procurará acompanhar sistematicamente

as soluções previstas, primeiro, na legislação

dos ordenamentos jurídicos selecionados, de-

pois, nos regulamentos das respetivas autorida-

des de regulação e supervisão, e, por último,

nas práticas dos mercados onde as operações

são realizadas. Neste último plano, para além

das regras dos mercados refletidas nos respeti-

vos regulamentos, selecionámos dois contratos-

tipo de futuros sobre ações transacionados nos

mercados de futuros português (NYSE-

Euronext LIFFE22), e espanhol (MEFF23), que

serão utilizados para ilustrar o regime a que

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 43

18- No direito espanhol, a Ley del Mercado de Valores, que acolheu as soluções impostas pela DMIF, manteve a expressão “mercados secundarios oficiales” para designar os “mercados regulamentados” previstos nos termos da referida Diretiva. Diversamente foi a solução

adotada pelo direito português que, no Código dos Valores Mobiliários, acolheu a designação “mercados regulamentados”.

19- Sobre o regime dos futuros nos ordenamentos jurídicos português e espanhol, a escassa doutrina portuguesa que se debruçou sobre

operações de futuros e que remonta, fundamentalmente, à década de 90, em que se assinala a criação da primeira bolsa de futuros em Por-

tugal, apontava a influência que o regime jurídico português recebeu do ordenamento jurídico espanhol. Como refere Amadeu J. Ferreira, a aproximação dos dois regimes deveu-se sobretudo ao facto de a, então, Bolsa de Derivados do Porto utilizar as mesmas regras de negocia-

ção da bolsa espanhola onde as operações de futuros eram realizadas. Como assinala o autor, ainda que semelhante, o regime português

teria características próprias, como (i) a separação entre mercados a contado e mercados a prazo (resultante da organização específica do mercado de valores mobiliários português de então), (ii) o regime de equiparação dos futuros a valores mobiliários; e (iii) os poderes atri-

buídos à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e ao Banco de Portugal (resultante da organização institucional de regula-

ção e supervisão específica do ordenamento jurídico português), Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 125.

20- As normas que introduzem a noção de um determinado tipo contratual permitem “d[ar] a conhecer o que a lei entende por [um deter-

minado tipo contratual]”, Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 4.ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, pp. 361-362. Acompanhamos, assim, a doutrina que reconduz estas normas a proposições jurídicas aclaratórias e que, portanto, articuladas com os

preceitos legais integrados na totalidade do regime jurídico, permitem delimitar em pormenor um tipo contratual ou um determinado insti-

tuto, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, pp. 20-24; Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Coimbra: Almedina, 2000, pp. 71-79; Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos,

Coimbra: Almedina, 1995, pp. 168-179.

21- O modelo quadripartido ensaiado por C. Ferreira de Almeida Contratos II…, cit., pp. 18-19 será seguido na análise da estrutura contra-

tual dos futuros.

22- Cf. Cláusulas Contratuais Gerais do Contrato denominado Single Stock Futures (SSF), disposições relativas aos contratos de futuros

sobre as ações admitidas à negociação na NYSE-Euronext Lisbon representativas do capital social das sociedades Banco Comercial Portu-guês, S.A. (BCP), Banco Espírito Santo (BES), Banco BPI, S.A. (BPI), Brisa (Brisa), EDP – Energias de Portugal, S.A. (EDP), EDP Reno-

váveis, S.A. (EDP Renováveis), Galp Energia – SGPS, S.A. (Galp), Jerónimo Martins, SGPS, S.A. (Jerónimo Martins), Portugal Telecom,

SGPS, S.A. (Portugal Telecom), Zon Multimédia – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, SGPS, S.A. (Zon Multimédia), REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. (REN), Sonae, SGPS, S.A. (Sonae) e Sonaecom, SGPS, S.A. (Sonaecom), conforme o Anexo do

referido SSF, disponível em www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012].

23- Cf. Condiciones Generales relativas aos Contratos de Futuros sobre Acciones Cotizadas en el Sistema Bursátil gestionado por la

Sociedad de Bolsas o en otras Bolsas de Valores reconocidas por MEFF (Condiciones Generales), disponíveis em www.meff.es

[consultado em 29 de abril de 2012].

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44 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

estes estão sujeitos nos respetivos ordenamen-

tos jurídicos.

2. ANÁLISE COMPARATIVA

2.1 Evolução histórico-jurídica

e fontes atuais

A. DIREITO PORTUGUÊS

I. Na sequência da transposição de diretivas

comunitárias, nomeadamente a DMIF, o atual

Código dos Valores Mobiliários24 revogou a

maior parte das normas sobre operações a pra-

zo, maxime as normas que se referiam aos con-

tratos de futuros. Interessa, assim, revisitar os

contornos histórico-jurídicos das operações de

futuros em Portugal, “porquanto [o regime jurí-

dico pretérito] reflectia em geral as boas práti-

cas negociais”25. A presente secção descreverá

o tratamento legislativo e regulamentar do mer-

cado das operações de futuros em Portugal, pre-

tendendo reconstruir a sua evolução ao longo da

história recente26.

II. A bolsa é por excelência o local onde são

negociados os contratos financeiros de compra

e venda a prazo, tendo o seu regime sofrido

uma alteração significativa a partir dos anos 70

do século XX, na sequência do primeiro

choque petrolífero; “até aí [estes contratos]

eram sobretudo negociados como operações

firmes a prazo” 27, que a versão primitiva

do Código do Mercado dos Valores Mobiliários

(Cód.MVM)28 consagrava nos seus artigos

409.º e 413.º, distinguindo entre operações fir-

mes a prazo e operações a prazo condicionais.

Estas últimas integravam as operações a prazo

liquidáveis por compensação (operações a futu-

ro)29.

Nos termos da versão original do Cód.MVM lia

-se, no n.º 1 do artigo 409.º (Tipos de opera-

ções)30, que as operações de bolsa poderiam

realizar-se através de: (a) operações sobre valo-

res mobiliários e direitos a eles inerentes sus-

cetíveis de negociações autónoma; (b) opera-

ções sobre opções; e, por fim, (c) operações

sobre outros instrumentos financeiros equipara-

dos a valores mobiliários. No n.º 2 da referida

disposição, previa-se que as operações sobre

valores mobiliários e direitos a eles inerentes

suscetíveis de negociação autónoma poderiam

realizar-se a contado ou a prazo, sendo que

estas poderiam ser firmes a prazo ou condicio-

nais. Ainda nos termos do artigo em referência,

24- O diploma foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, tendo sofrido subsequentes alterações. A referência à versão originária do CVM, bem como às suas versões posteriores será expressamente indicada. As disposições do CVM sem referência específica

à respetiva versão pertencem ao CVM no seu texto atual.

25- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 135.

26- Para uma resenha do entorno legislativo português neste âmbito, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 125; Ana Mafalda Cardoso de Oliveira Monteiro, Os Contratos de Futuros no Direito Português – Dissertação de Mestrado em Ciências

Jurídico-Comerciais apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1997 [não publicado], pp. 11-14.

27- Amadeu José Ferreira, Títulos de crédito e instrumentos financeiros – Guia de estudo para uso exclusivo dos alunos da cadeira,

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2010-2011 [não publicado], p. 74.

28- O diploma foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de abril, e alterado, entre outros, pelos Decreto-Lei n.º 196/95, de 29 de

julho e Decreto-Lei n.º 261/95, de 3 de outubro.

29- Para uma abordagem história das operações a prazo no ordenamento jurídico português anterior à década de 90, R. Ulrich, Da Bolsa…,

cit., p. 396.

30- O artigo inseria-se, sistematicamente, na Subsecção II (Dos tipos de operações), da Secção VI (Das operações de bolsa), do Capítulo II

(Das bolsas de valores), do Título III (Dos mercados secundários). A referida subsecção foi, na alteração de 95, objeto de uma alteração

profunda, AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobiliários e Legislação Complementar – Anotado e Comentado, Instituto de Mercado de Capitais, Porto: Associação da Bolsa de Derivados do Porto, 1996, Anotação ao artigo 409.º, §1, p. 404.

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45 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

o seu n.º 4 dispunha que seriam condicionais as

operações a prazo: (a) com opção complemen-

tar de compra ou de venda; (b) com compensa-

ção de compra ou de venda; (c) com prémio; (d)

liquidáveis por compensação, sendo estas últi-

mas designadas operações a futuro. Por fim, o

n.º 5 do preceito habilitava a CMVM a desen-

volver, através de regulamentação, o regime a

que deveria ficar sujeito cada um dos tipos de

operações de bolsa, fazendo recair sobre a enti-

dade gestora da bolsa a competência para apro-

var os regulamentos de cada um dos tipos de

operações legalmente previstos.

Na revisão do Cód.MVM em 95, a redação do

artigo 409.º foi objeto de alteração, passando a

dividir-se as operações de bolsa em operações a

contado e a prazo. Enquanto as primeiras pode-

riam ter por objeto valores mobiliários e direi-

tos a eles inerentes suscetíveis de negociação

autónoma, as segundas teriam por objeto valo-

res mobiliários e direitos e instrumentos finan-

ceiros a eles equiparados, tendo a norma clarifi-

cado que, entre outras, as operações a prazo

poderiam ser futuros e opções. Caberia ao Mi-

nistro das Finanças, com audição prévia da

CMVM e do Banco de Portugal, autorizar a

realização de tipos de operações a prazo dife-

rentes dos indicados, estabelecendo as especia-

lidades do regime aplicável a cada um deles.

De entre as alterações introduzidas ao

Cód.MVM pela revisão prosseguida em 95,

salienta-se a distinção expressa entre as opera-

ções de bolsa a contado e a prazo que o seu arti-

go 409.º passou a prever. Esta opção legislativa

ocorreu na sequência da separação dos merca-

dos verificada entre a Associação da Bolsa de

Valores de Lisboa (a qual concentrou as opera-

ções de bolsa a contado) e a Associação da

Bolsa de Valores do Porto que, designando-se

subsequentemente por Associação da Bolsa de

Derivados do Porto, passou a concentrar as ope-

rações de bolsa a prazo, especializando-se no

mercado de futuros e opções31.

Para a compreensão do regime das operações de

futuros consagrado no Cód.MVM, salientamos

também o seu artigo 413.º que, na versão de 91,

referia que nas operações firmes a prazo “o

comprador e o vendedor assumem a obrigação

irrevogável, o primeiro, de pagar o preço, e o

segundo, de entregar os valores transacciona-

dos, na data estabelecida para a liquidação”.

Esta norma não sofreu alteração nas revisões

subsequentes ao Cód.MVM.

A definição de operação de futuros surgia no

artigo 418.º do Cód.MVM. Nesta sede, sublinha

-se a redação do preceito consagrada na versão

do Cód.MVM de 91 e de 95; nesta última ver-

são, a norma foi objeto de uma alteração signi-

ficativa. Na versão original, de 91, no artigo

418.º, sob a epígrafe Operações a prazo liqui-

dáveis por compensação, definia-se operações a

prazo liquidáveis por compensação ou opera-

ções a futuro como “operações a prazo que

qualquer das partes pode liquidar em qualquer

altura até à data do respectivo vencimento,

através da realização em bolsa de uma opera-

ção de sentido inverso, com a mesma data de

vencimento e que tenha por objecto valores

idênticos e na mesma quantidade, pagando e

recebendo da outra parte, ou do serviço da bol-

sa encarregado do registo, compensação e li-

quidação dessas operações, a eventual diferen-

ça entre o preço da operação inicial e o da

operação de cobertura”. Na sua versão de 95,

sob a epígrafe Operações de futuros, passou a

ler-se: “São operações de futuros os contratos a

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 45

31- Ibidem, §5. Para uma análise da evolução legislativa sobre a disposição em causa, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 132.

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46 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

prazo que têm directa ou indirectamente por

objecto, como activo subjacente, valores mobi-

liários de natureza real ou teórica, direitos a

eles equiparados por força da alínea a) do n.º 2

do artigo 3.º [equiparava os futuros a valores

mobiliários32], taxas de juro, divisas ou índices

sobre valores mobiliários, taxas de juro ou di-

visas, e através dos quais as partes se obrigam,

nos termos e de acordo com a modalidade de

liquidação estabelecidos no contrato: (a) à li-

quidação física da operação, na data do res-

pectivo vencimento, com o pagamento pelo

comprador do preço estipulado do activo sub-

jacente, contra a entrega desse activo pelo ven-

dedor; (b) ou, apenas, ao pagamento pelo com-

prador ao vendedor ou por este àquele, conso-

ante os casos, da diferença entre o preço resul-

tante do contrato e um preço de referência cal-

culado pela entidade gestora para a data da

liquidação da operação”.

Resulta da referida alteração que, a partir de 95,

passou a admitir-se a existência de operações

e contratos de futuros liquidáveis financeira-

mente, i.e., através de liquidação por diferenças.

Esta alteração justificava-se pela necessidade de

acolher juridicamente determinadas operações,

como os contratos de futuros sobre índices, os

quais não admitem liquidação física, mas ape-

nas a liquidação através do apuramento das di-

ferenças entre o valor do ativo no dia em que se

liquida o contrato e o valor do ativo contratual-

mente fixado.

Note-se que a definição consagrada no artigo

418.º em análise não é a definição de futuros,

mas outrossim das operações realizadas em que

se utiliza este instrumento financeiro; a lei pare-

ce acentuar, assim, a vertente operacional asso-

ciada a este tipo de instrumentos, bem como a

sua estreita relação com o mercado onde são

negociados33, 34.

A descrição do regime consagrado no

Cód.MVM, nomeadamente na versão de 95,

sobre as operações de futuros não ficaria com-

pleta sem a referência a outros dispositivos,

como os seus artigos 420.º e ss., os quais previ-

am a padronização dos contratos de futuros35, a

forma de suspensão da negociação dos mesmos,

a obrigatoriedade da entidade gestora assumir a

posição de contraparte (através de uma câmara

de compensação, com funções de negociação,

registo, liquidação e compensação36), as regras

prudenciais e organizacionais a que estava su-

jeita e o regime de encerramento de posições

32- Nesta sede, refira-se a alteração introduzida pela reforma de 95, a qual equipara a valores mobiliários – sujeitando-os, portanto, à disci-plina do Cód.MVM –, os instrumentos financeiros, nomeadamente futuros, “negociados em bolsa, traduzidos em contratos padronizados a

prazo que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza geral ou teórica, taxas de juro, divisas ou índi-

ces sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas”. O Preâmbulo do diploma de 95, que aprovou esta alteração, justifica a introdução deste número, bem como do regime específico sobre futuros, invocando a necessidade de “ajustar os preceitos em vigor em função das

características concretas do modelo projectado para o mercado de futuros e opções, precisando alguns conceitos e explicitando regras e

princípios fundamentais da sua organização e funcionamento”. O Preâmbulo acrescenta ainda que, “[c]om base nos ensinamentos propor-cionados pelas diferentes experiências estrangeiras neste segmento da actividade bolsista, o modelo adoptado visa assegurar, a um tempo,

condições de viabilidade e de desenvolvimento do novo mercado e elevados padrões de segurança e transparência para as operações nele

realizadas, requisito este de inquestionável importância, dada a relativa novidade, a complexidade técnica e os riscos específicos que caracterizam estas operações”, Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 196/95, cit., §§5-6. Neste sentido, AA.VV., Código do Mercado de Valores

Mobiliários, cit., Anotação à al. b), n.º 2, do artigo 3.º, p. 54.

33- AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobiliários, cit., Anotação ao artigo 418.º, §1-3, pp. 414-415. Neste sentido também, Ama-

deu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 129; M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 67.

34- Salientando a incompletude da noção contida no artigo 418.º do Cód.MVM (tanto na versão original, como na versão subsequente, de

95) e, portanto, a necessidade de recorrer a outras disposições, nomeadamente o seu artigo 420.º, para além de outras regras gerais sobre

operações de bolsa, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 146.

35- Quanto ao conteúdo das condições gerais dos contratos de futuros, no regime anterior, AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobi-

liários, cit., Anotação ao n.º 1 do artigo 420.º, §2, p. 418.

36- Ibidem, p. 419.

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47 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

decorrentes de operações de futuros37.

III. Em 1999, é aprovado o diploma que revoga

e substitui o Cód.MVM, introduzindo significa-

tivas alterações ao regime dos futuros. O novo

Código dos Valores Mobiliários (CVM) de 99

admite operações a prazo (artigo 252.º)38, po-

dendo estas consistir, (a) numa compra e venda

a prazo; (b) na transmissão de posições contra-

tuais a prazo; ou (c) na entrega, em data estipu-

lada, da diferença entre o preço fixado no con-

trato e um preço de referência futuro (artigo

253.º). As disposições seguintes da versão pri-

mitiva do CVM, ainda com enfoque nos contra-

tos de futuros, tratavam do conteúdo e das for-

malidades a que estavam sujeitas as suas cláu-

sulas gerais (artigo 257.º), da obrigatoriedade

de contraparte central e da gestão das operações

asseguradas por esta entidade (artigos 259.º e

261.º, respetivamente), da prestação de garanti-

as, nomeadamente através de penhor ou reporte

sobre valores mobiliários ou garantia bancária

(artigos 260.º e 264.º, respetivamente), do en-

cerramento de posições (artigo 262.º), da sus-

pensão e exclusão da negociação (artigo 263.º).

No que se refere ao contorno das cláusulas con-

tratuais gerais dos contratos de futuros, o n.º 1

do artigo 257.º, da versão primitiva do CVM de

99, estabelecia que estas eram elaboradas pela

entidade gestora do mercado, estando sujeitas a

aprovação e registo junto da CMVM (caso o

ativo subjacente tivesse natureza nocional ou

fosse constituído por valores mobiliários não

admitidos à negociação em mercado regula-

mentado) e parecer do Banco de Portugal (caso

o ativo subjacente fosse constituído por instru-

mentos do mercado monetário e cambial). A

disposição previa ainda a padronização destes

contratos, devendo o seu objeto incluir a quanti-

dade, o prazo da operação, a periodicidade dos

ajustes de ganhos e perdas e a modalidade de

liquidação.

O regime jurídico mobiliário de 99 especificava

ainda que os futuros, construídos nos termos

das referidas cláusulas contratuais gerais, pode-

riam ter como ativo subjacente valores mobiliá-

rios, de natureza real ou nocional, posições con-

tratuais a prazo, instrumentos do mercado mo-

netário, taxas de juro, divisas ou índices sobre

valores mobiliários, sobre taxas de juro ou so-

bre divisas (artigo 258.º). O objeto dos contra-

tos de futuros foi, assim, alargado em compara-

ção com o regime consagrado pelo Cód.MVM,

em qualquer uma das suas versões39.

O Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outu-

bro, pelo qual foi transposta para o ordenamen-

to jurídico português a DMIF, procedeu, entre

outros pontos, à alteração do regime dos futu-

ros, os quais, como se analisará, passaram a ter

apenas uma referência no elenco dos instrumen-

tos financeiros regulados pelo CVM (al. e),

do n.º 1, do artigo 2.º do CVM, na sua versão

atual)40, sendo-lhes aplicável, por extensão, as

normas do diploma sempre que neste se faça

referência a instrumentos financeiros (n.º 2, do

artigo 2.º do CVM).

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 47

37- Quanto ao encerramento das posições, o n.º 6 do artigo 420.º do Cód.MVM replica os termos do artigo 418.º do Cód.MVM, referindo que o encerramento de operações em contratos de futuros poderia ocorrer mediante compensação ou por liquidação física ou meramente

financeira.

38- Na versão do CVM de 99, o artigo 252.º, integrado na Secção de VI (Operações a prazo), do Capítulo II (Bolsas), do Título IV

(Mercados) lia: “Além de outras que sejam previstas em regulamento da CMVM, é permitida a realização em bolsa das seguintes opera-

ções a prazo: futuros, opções, reportes e empréstimos” (sublinhado nosso).

39- P. Câmara, Manual…, cit., p. 191.

40- Idem; neste sentido, também, José Engrácia Antunes, “Os Derivados”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 30, Agosto –

2008, p. 95.

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48 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

IV. O regime das operações de futuros foi de-

senvolvido pela CMVM através de regulamen-

tos e recomendações, de entre os quais se desta-

cam, o Regulamento n.º 96/9 (Normas gerais do

mercado de futuros e opções), o Regulamento

n.º 95/10 (Normas gerais dos contratos negociá-

veis nos mercados de futuros e opções), o Re-

gulamento n.º 95/11 (Normas gerais da negoci-

ação de futuros e opções) e o Regulamento n.º

95/12 (Registo, liquidação e compensação de

futuros e opções). Estes regulamentos encon-

tram-se atualmente revogados, tendo sido subs-

tituídos, na esteira das alterações legislativas

introduzidas em 2007, pelos Regulamento n.º

3/2007 (Mercados regulamentados e sistemas

de negociação multilateral), Regulamento n.º

4/2007 (Entidades gestoras de mercados, siste-

mas e serviços) e Regulamento n.º 5/2007

(Compensação, contraparte central e liquida-

ção).

Por último, referimos as Recomendações aos

Investidores em Mercados Derivados publica-

das pela CMVM, as quais refletem fundamen-

talmente as orientações da Internacional Orga-

nisation of the Securities Commissions

(IOSCO) sobre a matéria41. Apesar de carece-

rem de força vinculativa (na terminologia anglo

-saxónica, dir-se-ia estar-se perante um meca-

nismo de soft law), as Recomendações consubs-

tanciam um conjunto de orientações a observar

pelos agentes económicos para o bom funciona-

mento dos mercados.

O percurso histórico proposto não fica comple-

to sem a apresentação dos mercados regulamen-

tados onde se desenrolam as operações de futu-

ros42; neste sentido, revisitam-se as palavras de

Amadeu J. Ferreira, que, sublinhando a estreita

relação destes instrumentos financeiros com o

mercado onde operam, refere que os futuros

“são uma realidade construída pelo próprio

mercado e para o mercado, nele se esgotan-

do”43.

A hoje extinta Bolsa de Derivados do Porto

(BDP) iniciou a sua atividade no dia 20 de ju-

nho de 1996, sendo o mercado bolsista portu-

guês criado especificamente para a realização

de operações a prazo44. Na BDP foi possível a

negociação de contratos de futuros, como o

contrato de Futuros OT 10, Futuros PSI 20 e

Futuros Lisbor 3 meses45. Em 1999, a BDP

fundiu-se com a Bolsa de Valores de Lisboa,

resultando desta operação a Bolsa de Valores de

Lisboa e do Porto - Sociedade Gestora de Mer-

cados Regulamentados, S.A.. Em 2002, esta

entidade foi objeto de nova fusão, passando a

41- Recomendações da CMVM aos Investidores em Mercados Derivados, de 1996, documento disponível em www.cmvm.pt [consultado em 29 de abril de 2012].

42- Os mercados regulamentados estão sujeitos a autorização da CMVM, sendo geridos pela respetiva entidade gestora. Admitidos à nego-ciação em mercado regulamentado, estão valores mobiliários fungíveis, livremente transmissíveis, integralmente liberados e que não este-

jam sujeitos a penhor ou a qualquer outra situação jurídica que os onere, salvo se respeitados os requisitos previstos nos artigos 35.º e 36.º

do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de agosto, bem como outros instrumentos financeiros, nomeadamente instrumen-tos financeiros derivados, cuja configuração permita a formação ordenada de preços. Os derivados integram-se na categoria dos instrumen-

tos financeiros, que se encontram expressamente consagrados no CVM, na sua versão atual, incluindo-se no seu elenco os futuros (al. e),

n.º 1, do artigo 2.º, do referido diploma).

43- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 183.

44- Para uma descrição do funcionamento da BDP, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 126-128.

45- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 121; A. Monteiro, Os Contratos…, cit., p. 14.

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49 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

a integrar o Grupo Euronext, o qual atualmente

faz parte da New York Stock Exchange (NYSE)

– NYSE-Euronext. O mercado de futuros portu-

guês passou, assim, a integrar o London Inter-

national Financial Futures and Options Ex-

change (LIFFE), adquirida pela Euronext, e,

consequentemente, a LIFFE CONNECT®, pla-

taforma eletrónica de negociação de derivados,

nomeadamente contratos de futuros sobre

ações46.

Nos termos do artigo 217.º do CVM, a CMVM

autorizou como mercados regulamentados, o

Eurolist by Euronext Lisbon (Mercado de cota-

ção oficial) e o mercado de futuros47, sendo am-

bos geridos pela Euronext Lisbon (entidade

gestora). Dada a essencialidade dos mercados

para a análise das operações de futuros, recorre-

remos ao longo do presente trabalho às normas

próprias destes mercados, as quais encontramos

vertidas, nomeadamente, no regulamento NY-

SE-Euronext que define, de forma transversal,

as regras do mercado NYSE-Euronext

(aplicáveis a todas as bolsas que integram este

grupo, ou seja, as bolsas de Lisboa, Bruxelas,

Amesterdão, Londres e Paris), e as regras espe-

cíficas destinadas a cada mercado, incluindo,

portanto, o mercado português48. Sublinhamos,

ainda, as regras específicas sobre o mercado de

futuros e opções da NYSE-Euronext, bem co-

mo os procedimentos de negociação próprios e

seus anexos onde, como analisaremos, encon-

tramos elencados, entre outros elementos, os

instrumentos financeiros admitidos à negocia-

ção neste mercado49. Por último, salientamos

que serão tidas em conta as regras da entidade

que funciona como câmara de compensação do

mercado de futuros da NYSE-Euronext LIFFE,

a LCH.Clearnet S.A.50.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 49

46- Para uma resenha história sobre a criação do mercado LIFFE, bem como a sua integração no Grupo Euronext, cf. www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012].

47- A informação está disponível no sítio da Internet da CMVM, em www.cmvm.pt [consultado em 29 de abril de 2012].

48- Cf. Rule Book I - Harmonized Market Rules, de 13 maio de 2011 e Rule Book II - Non-Harmonized Market Rules, de 28 setembro de

2009, respetivamente, ambos disponíveis em www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012]. Referira-se que, em relação à aplicação

do regulamento da NYSE-Euronext, à Euronext Lisbon, entidade gestora do mercado bolsista português, de acordo com o ponto 1.7. das

Harmonized Rules, pode ler-se que “[t]odas as disposições deste Regulamento relativas a ordens e/ou a Operações executadas, ou que se

considerem executadas ou introduzidas no Mercado da Euronext respectivo e todos os assuntos relacionados com as mesmas e (…) todas as restantes disposições deste Regulamento estão sujeitas e devem ser interpretadas: (iii) relativamente à Euronext Lisbon, de acordo com

a legislação Portuguesa e, sem prejuízo de acordo arbitral, encontram-se sujeitas ao foro exclusivo dos tribunais portugueses”. O ponto

1.1. das Harmonized Rules refere que, quanto à supervisão, é competente a autoridade pública ou a entidade com poderes de autorregula-ção nos diferentes países (Bélgica, Holanda, Portugal, França e Reino Unido, conforme os casos), com competência sobre a matéria rele-

vante. Em Portugal, essa competência é atribuída à CMVM (artigo 353.º do CVM).

49- Rules of the London International Financial Futures and Options Exchange (LIFFE), de 1 de abril de 2011, igualmente disponíveis em

www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012].

50- LCH.Clearnet S.A. Clearing Rule Book, de 8 março de 2012, disponível em www.lchclearnet.com [consultado em 29 de abril de 2012].

A LCH.Clearnet é uma sociedade constituída ao abrigo da legislação francesa (subsidiária da Euronext em 80% do seu capital, sendo os

restantes 20% detidos pelo Euroclear Bank), com sucursais em Bruxelas e Amsterdão e escritório de representação em Portugal, desde 1 de

janeiro de 2005. A LCH.Clearnet S.A. está sujeita à supervisão das autoridades competentes francesas (Banque de France, Autorité du

Controle Prudenciel e Autorité des Marchés Financiers). A CMVM participa na supervisão das atividades de clearing desta entidade atra-

vés do Coordination Committee on Clearing, cf. Relatório Anual 2010 sobre a Actividade da CMVM e sobre os Mercados de Valores Mobiliários, pp. 188, 266, disponível em www.cmvm.pt [consultado em 29 de abril de 2012].

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50 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

B. DIREITO ESPANHOL

A presente secção visa perscrutar os principais

momentos legislativos e regulamentares associ-

ados ao regime das operações a prazo no orde-

namento jurídico espanhol.

A criação dos mercados de futuros no ordena-

mento jurídico espanhol ocorreu em 198951, ano

em que entrou, igualmente, em vigor a Ley

del Mercado de Valores, aprovada em 1988

(LMV)52,53. No momento da sua criação, o mer-

cado de futuros circunscrevia-se às operações

de dívida pública54.

Na redação de 1988, a LMV era omissa quanto

a uma referência expressa a futuros; o seu arti-

go 2.º referia apenas que “[q]uedan comprendi-

dos en el ámbito de la presente Ley los valores

negociables emitidos por personas o entidades

públicas o privadas, y agrupados en emisiones.

Reglamentariamente se establecerán los crite-

rios de homogeneidad en virtud de los cuales

un conjunto de valores negociables se entende-

rá integrado en una emisión”. Encontravam-se,

contudo, no artigo 38.º do diploma, os contor-

nos das operações a prazo, as quais eram carac-

terizadas por referência aos mercados onde se

realizavam; “las operaciones que se hicieran en

los mercados secundarios oficiales de valores

se cumplirán en las condiciones y en el modo y

forma que hubiesen convenido los contratantes,

pudiendo ser al contado o a plazo en sus diver-

sas modalidades”. Sobre estas operações, o arti-

go 39.º do mesmo diploma referia ainda que

“[q]uien ostente la condición de miembro de un

mercado secundario oficial vendrá obligado a

ejecutar, por cuenta de sus clientes, las órdenes

que reciba de los mismos para la negociación

de valores en el correspondiente mercado. (…)

En las operaciones a plazo, podrá subordinar

el cumplimiento de dicha obligación a la apor-

tación por el ordenante de las garantías o co-

berturas que estime convenientes, que, como

mínimo, habrán de ser las que, en su caso, se

establezcan reglamentariamente”. No seu arti-

go 31.º, a LMV reconhecia como mercados se-

cundários oficiais, as bolsas, os mercados de

dívida pública e “[a]quellos otros, de ámbito

estatal y referentes a valores representados

mediante anotaciones en cuenta, que se creen

en virtud de lo revisto en el artículo 59 [da

LMV]”55.

51- Resolución da Dirección General del Tesoro y Política Financiera de 21 de março de 1989, sobre operações a prazo, futuros e opções sobre dívida do Estado. O mercado começou a operar no dia 16 de março de 1990, em Barcelona, com a negociação de obrigações nacio-

nais a três anos, Augustín Madrid Parra, Contratos y Mercados de Futuros y Opciones, Madrid: Tecnos, 1994, pp. 36-37.

52- Ley 24/1988, de 28 de julho, del Mercado de Valores (BOE de 29 de julho de 1988), tendo entrado em vigor em 29 de janeiro de 1989.

53- Para uma resenha histórica anterior à LMV sobre a evolução dos derivados e respetivos mercados em Espanha, A. Contreras y Vilches,

El Contrato…, cit., pp. 49-50; Emílio Días Ruiz, “Nueva Normativa Reglamentaria sobre Mercados Secundarios Oficiales de Instrumentos

Derivados”, Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 28, 2011, p. 73; Juan Ignacio Sanz Caballero, Derivados Financeiros, Madrid: Marci-

al Pons, 2000, pp. 241-243; Ignacio López Domínguez, Opciones y Futuros – Conceptos, Madrid: Técnicas y Mercados, Instituto Superior de Tecnicas y Praticas Bancarias, 1993, pp. 129-133. A título de curiosidade, sublinhamos que a Ley n.º 2, de 14 de abril de 1962, de orde-

nación del Crédito y la Banca (BOE de 16 de abril de 1962), remetia para regulamento a organização, o funcionamento e as operações das

bolsas oficiais de comércio e em particular as operações a prazo, referindo que particular cuidado dever-se-ia conferir ao regime de garanti-as a prestar sobre as operações a prazo realizadas nestes mercados de forma a evitar-se que as mesmas se reconduzissem a “especulação

perigosa”, cf. Ubaldo Nieto Carol, “Operaciones al contado y a plazo. Sistemas de contratación”, AA.VV., Derecho del Mercado Finan-

ciero - Tomo II, Operaciones Bancarias de Gestión de Garantías, Operaciones Bursátiles – Volumen 2, Madrid: Civitas, 1994, p. 529. O Reglamento de Bolsas de Comercio de 1967, aprovado pelo Decreto n.º 1506/67, de 30 de junho de 1967 (BOE de 15 de julho de 1967),

desenvolvendo a referida Ley de ordenación del Crédito y la Banca de 1962, definia operações a prazo como “aquéllas en que las obliga-

ciones recíprocas de los contratantes no deben quedar satisfechas en el día de contrato, sino al vencimiento de un plazo convenido”, po-dendo ser firmes ou condicionais (artigos 79.º e 82.º, ambos, do referido Regulamento).

54- Para uma descrição pormenorizada sobre os contornos das primeiras operações sobre dívida pública, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 37-38.

55- Nos termos do artigo 59.º da LMV, na sua redação original, atribuíam-se poderes ao governo para, sob proposta da Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV), regular a organização e o funcionamento dos mercados secundários oficiais de valores em Espanha.

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51 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Alterado em 1998, o artigo 2.º da LMV alargou

o âmbito da sua aplicação, passando a incluir,

para além dos valores mobiliários negociáveis

inseridos numa mesma emissão, um vasto con-

junto de instrumentos financeiros, de entre os

quais se destacam os contratos financeiros a

prazo, “siempre que sus objetos sean valores

negociables, índices, divisas, tipos de interés, o

cualquier otro tipo de subyacente de naturaleza

financiera, con independencia de la forma en

que se liquiden y aunque no sean objeto de ne-

gociación en un mercado secundario, oficial o

no” (al. b) do artigo 2.º da LMV). Na revisão

legislativa prosseguida em 98, o artigo 31.º da

LMV foi alterado passando a considerar, a par

das bolsas de valores e do mercado de dívida

pública, os “Mercados de Futuros y Opciones,

cualquiera que sea el tipo de activo subyacente,

financiero o no financiero” (al. c), do n.º 2, do

artigo 31.º da LMV)56.

Em 2007, para acomodar o regime imposto pela

DMIF, a LMV foi objeto de uma nova e pro-

funda alteração, passando os contratos de futu-

ros a ter referência expressa no rol dos instru-

mentos financeiros regulados pelo referido di-

ploma (n.º 2, do artigo 2.º da LMV, na sua ver-

são atual), como analisaremos.

Dois anos após a entrada em vigor da LMV, e

ao abrigo do disposto nos seus artigos 31.º e

59.º, foi aprovado o Real Decreto 1814/1991

(RD 1814/1991)57, que estabelecia o regime

jurídico dos mercados oficiais de futuros e

opções.

O RD 1814/1991 conferia, por um lado, especi-

al atenção aos contornos do regulamento dos

mercados de futuros, sujeito a aprovação admi-

nistrativa, que cabia à entidade gestora elaborar

de acordo com as especificidades técnicas de

cada mercado e, por outro lado, tratava do regi-

me relativo ao funcionamento, organização e

competências conferidas à sociedade gestora do

mercado, nomeadamente quanto aos procedi-

mentos a adotar no momento de liquidação dos

contratos.

Por último, o RD 1418/1991 definia o regime

de garantias e, neste âmbito, estabelecia o prin-

cípio segundo o qual as garantias estavam sujei-

tas a uma atualização diária. Este princípio con-

sagrava o que o próprio diploma identificava

como sendo o “pilar básico sobre el que se

asienta la tradicional seguridad de la contrata-

ción en estos mercados, cuyos riesgos potencia-

les de incumplimiento quedan considerable-

mente atenuados por el estricto régimen de ga-

rantías que típicamente exigen”58.

Ao abrigo da LMV e do RD 1418/1991, a

CNMV emitiu a Orden, de 8 de julho de 1992,

que autorizou o mercado de produtos financei-

ros derivados de renta variable (MEFF renta

variable), gerido pela Sociedad Rectora de

Productos Financieros Derivados de Renta

Variable, S.A.59, e, na mesma data, a Orden que

autorizou o mercado de produtos financeiros

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 51

56- Em Espanha, fruto da organização político administrativa, prevê-se a possibilidade de criar-se mercados secundários oficiais de futuros tanto com âmbito nacional, como autonómico (artigo 59.º, n.º 1, §2, da LMV).

57- Real Decreto de 20 de dezembro de 1991 (BOE de 27 de dezembro de 1991).

58- Cf. Preâmbulo do RD 1418/1991, §7.

59- A sociedade foi constituída em 7 de dezembro de 1988, com a denominação OM Ibérica, S.A., tendo iniciado a sua atividade em 8 de

novembro do ano seguinte. O objeto da sociedade inclui a gestão do Mercado de Productos Financieros Derivados de Renta Variable e o

exercício da função de câmara de compensação e liquidação das operações realizadas neste mercado. Na sequência da entrada em vigor do RD 1282/2010, a sociedade procedeu à alteração dos seus estatutos, ampliando o seu objeto social e passando a adotar a denominação,

MEFF Sociedad Rectora de Productos Derivados, S.A. (Sociedad Unipersonal), cf. Bolsas y Mercados Españoles, Sociedad Holding de

Mercados y Sistemas Financieros, S.A. (BME), Informe anual 2011, disponível em www.bolsasymercados.es, p. 145 [consultado em 29 de abril de 2012].

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52 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

derivados de renta fija (MEFF renta fija), geri-

do pela Sociedad Rectora de Productos Finan-

cieros Derivados de Renta Fija, S.A.60, ambos

com natureza de mercados secundários oficiais,

nos termos da LMV.

Em 2010, o Real Decreto 1282/2010 (RD

1282/2010)61, que analisaremos em pormenor,

revogou o RD 1418/1991, procedendo à revisão

do regime que vigorou durante mais de 10 anos

sobre os mercados secundários oficiais de futu-

ros em Espanha62. No âmbito do RD

1282/2010, a Resolución da CNMV, de 21 de

dezembro de 2010, aprovou o novo Reglamento

del Mercado Secundario Oficial de Futuros y

Opciones (Regulamento MEFF), que, entre ou-

tras alterações que analisaremos, fundiu em

apenas um regulamento – o Regulamento

MEFF – as regras aplicáveis aos segmentos do

mercado de produtos derivados financeiros em

Espanha63, passando, portanto, a cobrir “tanto

los contratos con subyacente no financiero co-

mo los actuales con activo subyacente financie-

ro, estableciéndose diferentes grupos homogé-

neos del tipo de activo subyacente de dichos

contratos”64, 65.

2.2 Comparação dos regimes jurídicos

vigentes

A. DIREITO PORTUGUÊS

No âmbito do Direito português, analisaremos o

regime jurídico dos futuros, recortando a noção

do instituto, a estrutura do contrato e os contor-

nos em que se desenrola a sua formação, nego-

ciação e liquidação. A análise da gestão de po-

sições e o sistema de garantias, especificidades

relacionadas com as operações a prazo, serão

igualmente elementos a ter em conta na descri-

ção do regime. Para o efeito, e dada a ligação

estreita que estas operações têm com os merca-

dos, recorreremos (para além das normas espe-

cíficas do CVM e diplomas relacionados) às

regras do mercado, nomeadamente aos regula-

mentos da NYSE-Euronext e, em particular, do

LIFFE, mercado regulamentado para a transa-

ção de futuros, que, após um feixe de aquisi-

ções e fusões, sucedeu à Bolsa de Derivados do

Porto.

60- Constituída em 6 de março de 1989 com a denominação de Mercado de Futuros Financieros, S.A. (MEFFSA), a atual MEFF Sociedad Rectora de Productos Financieros Derivados de Renta Fija, S.A. tem como objeto social a gestão e a administração do Mercado de Opcio-

nes y Futuros Financieros de Renta Fija, nos termos artigo 59.º da LMV, cf. idem.

61- Real Decreto de 15 de outubro (BOE de 16 de outubro de 2010).

62- Alberto Javier Tapia Hermida, “Regulación de los Mercados Secundarios Oficiales de Futuros, Opciones y Otros Instrumentos Finan-cieros Derivados: el Real Decreto 1282/2010”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 120, Ano XXIX, Octubre – Diciembre, 2010, p.

296; E. Días Ruiz, “Nueva Normativa Reglamentaria…”, cit., p. 74.

63- Cf. Preâmbulo do RD 1282/2010.

64- Para uma descrição das principais alterações introduzidas pelo Regulamento MEFF, Ana García Rodríguez, “Nuevo Reglamento de MEFF”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 121, Ano XXX, Enero – Marzo, 2011, p. 269.

65- A MEFF Sociedad Rectora de Productos Derivados, S.A. (Sociedad Unipersonal), bem como a MEFF Sociedad Rectora de Productos Financieros Derivados de Renta Fija, S.A. (Sociedad Unipersonal) estão integradas na BME, http://www.bolsasymercados.es/asp/doc.asp?

id=esp&doc=/esp/bme/organigrama.htm [consultado em 29 de abril de 2012], sendo detidas a 100% por esta última entidade, cf. Bolsas y

Mercados Españoles, Sociedad Holding de Mercados y Sistemas Financieros, S.A. (BME), Informe anual 2011, cit., p. 139.

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53 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

(i) Noção

I. O atual CVM não oferece uma noção de futu-

ros. Com a transposição da DMIF, os futuros

passam a ser qualificados como instrumentos

financeiros, nos termos da al. e), n.º 1, do artigo

2.º do CVM66. O n.º 2 do referido preceito esta-

belece que as referências no CVM a instrumen-

tos financeiros devem ser entendidas de modo a

abranger os instrumentos financeiros menciona-

dos nas als. a) a f) do n.º 1 e, portanto, as refe-

rências no CVM a instrumentos financeiros

abrangem os futuros; é da articulação destes

preceitos que se recortará o seu regime jurídico.

A atual opção legislativa marca o desapareci-

mento do articulado do qual resultava uma no-

ção de futuros, bem como a supressão da maior

parte dos preceitos que se dedicavam especifi-

camente ao seu regime.

II. A busca da noção de futuros passa por pers-

crutar as regras legais e regulamentares, pretéri-

tas e vigentes, as práticas do mercado, bem co-

mo o recorte doutrinário conferido a este insti-

tuto67.

No Cód.MVM de 91, os futuros eram definidos

como contratos a prazo que, direta ou indireta-

mente, teriam como por objeto, nomeadamente

valores mobiliários de natureza real ou teórica,

direitos a eles equiparados, taxas de juro, divi-

sas ou índices sobre valores mobiliários68 e

através dos quais as partes se obrigariam, nos

termos do contrato – padronizados e sujeitos à

aprovação da CMVM –, à liquidação física ou

financeira do mesmo (artigos 409.º, n.º 4, 418.º

e 420.º, todos do referido diploma).

Encontramos no Regulamento da extinta BDP

uma noção expressa de contrato de futuros. Nos

termos do seu artigo 2.º, estes eram definidos

como “um contrato a prazo, padronizado, atra-

vés do qual o comprador se obriga a pagar o

preço acordado e o vendedor a entregar o acti-

vo subjacente numa data pré-determinada ou,

sendo caso disso, ambos se obrigam a pagar

uma mera diferença entre o preço do contrato e

o preço de referência no vencimento. Até essa

data, ou até que se realize uma operação de

fecho de posições, podem ter lugar ajustes diá-

rios de ganhos e perdas”.

Nos termos das regras gerais do mercado NYSE

-Euronext, futuros são instrumentos financeiros

derivados. Segundo o ponto 1.1. das Harmo-

nized Rules, derivados são qualquer instrumen-

to, que não seja um valor mobiliário, pertencen-

do, entre outras, à categoria de “contratos de

opções e de futuros sobre Valores Mobiliários

ou mercadorias, incluindo instrumentos equiva-

lentes com mera liquidação financeira (…)”.

O enfoque conferido pelo mercado quanto à

noção de futuro está, portanto, na natureza do

ativo subjacente, bem como na modalidade de

liquidação dos contratos, não sendo, contudo,

conferida uma noção expressa deste instrumen-

to financeiro.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 53

66- Para uma discussão em torno da fronteira entre valores mobiliários e instrumentos financeiros, P. Câmara, Manual…, cit., pp. 200-218 (defendendo que o CVM tende a utilizar um âmbito restritivo de valores mobiliários; esta referência é utilizada pelo autor para justificar a

opção de desenvolver a exposição do seu Manual com base no conceito de valor mobiliário, afastando portanto a utilização do conceito de

instrumento financeiro que, segundo o autor, não está ainda suficientemente desenvolvido na nossa legislação e doutrina); em sentido con-trário, Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 56 e José Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Coimbra: Almedina,

2009, p. 17.

67- A jurisprudência é ainda parca ou mesmo inexistente quanto a estas matérias, pelo que não nos podemos dela socorrer.

68- Nos termos da versão primitiva do Cód.MVM, prevê-se ainda a possibilidade de realizar operações a prazo sobre mercadorias ou servi-ços e celebrar contratos de futuros relativos a instrumentos dos mercados monetário e cambial (n.º 2 do artigo 189.º e n.º 1 do artigo 422.º,

ambos, do referido diploma).

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54 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

As regras específicas do LIFFE são, igualmen-

te, omissas quanto à noção de futuros, elencan-

do, apenas, quais as realidades jurídicas que são

transacionáveis. Nos termos do seu intrincado

regime regulamentar, define-se “Exchange con-

tract” como “a class of contract permitted to be

made by Members in the Pit, for which Con-

tract Terms and Administrative Procedures are

published by the Board from time to

time” (LIFFE Rules, ponto 2.1.). Nos termos

das referidas regras, “Contract Terms and Ad-

ministrative Procedures”, significa “(…) a con-

tract containing the terms of an Exchange Con-

tract with any one or more of such additions or

variations thereto set out below: (a) as permit-

ted by or pursuant to such terms, the LIFFE

Rules or the Regulations” (LIFFE Rules, ponto

2.1.). Nos termos do regulamento que define os

procedimentos de negociação no mercado

LIFFE, “Exchange Contract” é definido como

“a Derivative which is an Admitted Financial

Instrument” (LIFFE Trading Procedures, ponto

1.2.). Por fim, buscando o que se entende por

“Admitted Financial Instruments”, somos

remetidos para o Anexo I aos LIFFE Trading

Procedures (específico para o mercado da Eu-

ronext Lisbon) que identifica os Single Stock

Futures (SSF), como instrumentos admitidos à

negociação no LIFFE69.

III. Com base no enquadramento legislativo e

regulamentar, a doutrina define futuros como

instrumentos financeiros, os quais, como tal,

adquirem as características associadas a estes70.

Acresce que, aos futuros, são-lhes atribuídas

características específicas. Seguindo de perto

Amadeu J. Ferreira71, de entre as características

específicas a estes instrumentos financeiros,

destacam-se, por um lado, a sua natureza con-

tratual, isto é, os futuros são contratos e cons-

troem-se por referência a uma realidade subja-

cente (este aspeto é acentuado pelo CVM no

seu artigo 2.º) e, por outro lado, o elemento

tempo como característica inerente a estes con-

tratos, isto é, o contrato é a prazo (por oposição

aos contratos a contado ou à vista), sendo por-

tanto o tempo um elemento essencial na dinâ-

mica destes contratos (nomeadamente na deter-

minação do preço, no tempo do cumprimento

das prestações principais e da transmissão da

titularidade dos ativos (que apenas ocorrerá no

fim do prazo, ou em momento anterior, conso-

ante os casos, e não no momento da celebração

do contrato). Amadeu J. Ferreira sublinha,

igualmente, que caracterizam este tipo de con-

tratos a sua dependência em relação à valoriza-

ção da realidade subjacente e a cobertura de

risco como sua função principal, não estando,

contudo, alheios à função especulativa72.

Recolhidos os elementos que decorrem do en-

quadramento jurídico pretérito e atual, bem co-

mo das práticas do mercado, acompanhamos a

formulação doutrinária que define futuros como

“contratos a prazo, padronizados, negociados

em mercado organizado [rectius: mercado re-

gulamentado], que conferem posições de com-

pra e de venda sobre determinado activo subja-

cente por preço e em data futura previamente

fixados, a executar mediante liquidação física

ou financeira”73.

69- Como referido na Introdução, o SSF será utilizado para ilustrar os quadros conceptuais analisados.

70- Para uma análise pormenorizada do regime dos instrumentos financeiros, aspeto que não desenvolvermos dada a delimitação do âmbito

do presente trabalho, J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 7.

71- Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 110.

72- Idem.

73- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 152.

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55 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

(ii) Estrutura

I. Resulta da noção avançada no ponto anterior

que futuros são contratos; contratos a prazo, em

que o tempo é um elemento – circunstancial –

essencial74. Este elemento permite indicar o

modo como os efeitos jurídicos do contrato se

produzem75. Enquanto contratos a prazo, verifi-

ca-se a existência de um intervalo de tempo que

medeia entre o momento da sua celebração e o

da respetiva execução ou vencimento76.

II. A cobertura ou a redução da exposição ao

risco é a função social ou a motivação específi-

ca dos contratos de futuros77. O risco nestes

contratos consubstancia-se num “risco real”,

isto é, um risco associado a um cenário econó-

mico-financeiro específico e não um risco forja-

do para meros efeitos de obtenção de um resul-

tado financeiro78. O investidor pode, igualmen-

te, ser movido por fins especulativos, anteci-

pando um preço futuro, com base no qual nego-

ceia para obter um benefício. Na medida em

que a especulação permita assegurar a liquidez

necessária para alimentar o mercado e a realiza-

ção da referida cobertura de risco, ela desempe-

nha igualmente uma “função social útil”79.

Amadeu J. Ferreira defende, contudo, que esta

função não é autónoma em relação à função da

cobertura de risco, explicando que “[a] especu-

lação é uma técnica de negociação de quais-

quer instrumentos financeiros, incluindo os

valores mobiliários, cuja importância deriva da

sua essencialidade para se assegurar a adequa-

da liquidez nos mercados desses instrumentos e

concorrer para a eficiência dos preços aí for-

mados. Vista por um outro prisma, a especula-

ção nada mais é que o outro lado da cobertura

de risco, pois tal não será possível se ninguém

assumir esse risco. Neste sentido, ao referir a

cobertura de risco, já estamos a incluir aí a

especulação”80, 81.

III. As operações sobre futuros realizam-se nos

termos de cláusulas contratuais gerais82, padro-

nizadas, a elaborar pela entidade gestora do

mercado onde os contratos são celebrados83 e

sujeitas a comunicação prévia à CMVM (artigo

207.º, n.º 2, do CVM). Os futuros consubstanci-

am-se, assim, em “meros produtos contratuais

constituídos por profissionais especializados

(mormente, entidades gestoras e intermediários

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 55

74- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I – Conceito. Fontes. Formação, Coimbra: Almedina, 2000, p. 104, quanto ao efeito do tempo na eficácia da proposta para a formação do contrato.

75- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., pp. 19, 134.

76- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 153.

77- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., pp. 19, 134.

78- Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 111; C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 134.

79- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 135.

80- Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 111.

81- Perspetivando a especulação como uma estratégia utilizada pelos investidores e não como uma característica dos instrumentos financeiros em si, João Paulo Peixoto, Futuros e Opções, Amadora: McGraw-Hill, 1995, p. 145.

82- Para uma discussão sobre a aplicação aos contratos de futuros do regime geral das cláusulas contratuais gerais previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, J. de Oliveira Ascensão, ”Derivados”, cit., p. 59, em que o autor articula os principais argumentos sobre a

matéria sem, contudo, tomar uma posição definitiva.

83- A competência das entidades gestoras do mercado para a elaboração destas cláusulas, bem como de toda a informação que está associa-

da à distribuição e comercialização destes instrumentos financeiros é reforçada pelo Decreto-Lei n.º 357-C/2007, de 31 de outubro, que, ao

estabelecer o regime jurídico das sociedades gestoras de mercado regulamentado, das sociedades gestoras de sistemas de negociação multi-

lateral, das sociedades gestoras de câmara de compensação ou que atuem como contraparte central das sociedades gestoras de sistema de

liquidação e das sociedades gestoras de sistema centralizado de valores mobiliários, atribui às sociedades gestoras de mercado regulamen-tado, entre outras funções, a “elaboração, distribuição e comercialização de informações relativas a mercados de instrumentos financeiros

ou a instrumentos financeiros negociados” (al. e, n.º 1, do artigo 4.º, do referido diploma).

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56 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

financeiros) e contendo um conjunto de condi-

ções contratuais estandardizadas aptas a fun-

dar vinculações jurídicas por parte dos investi-

dores interessados”84.

O Regulamento da CMVM 3/2007 concretiza o

artigo 207.º, n.º 2 do CVM, elencando – de for-

ma não taxativa – os elementos que devem

constar das cláusulas contratuais gerais dos

contratos de futuros. O artigo 17.º do referido

Regulamento estabelece que das cláusulas con-

tratuais gerais dos contratos de futuros devem

constar, pelo menos, (a) a denominação do con-

trato; (b) a caracterização do ativo subjacente;

(c) o valor nominal do contrato ou a fórmula

para o obter; (d) os ciclos de vencimento de

cada categoria de contratos; (e) as condições de

admissão de novas séries de contratos; (f) os

limites mínimos de variação de preços; (g) as

formas de determinação das margens ou a iden-

tificação de como essa informação pode ser

obtida; (h) a forma de determinação do preço de

referência para efeito de ajustes de ganhos e

perdas e de liquidação financeira das operações

na data de vencimento ou no exercício; (i) o

primeiro e o último dia de negociação de cada

ciclo de vencimentos; (j) a forma de exercício;

(l) as modalidades de liquidação admitidas.

A padronização dos contratos é reiterada pelas

regras do mercado; o ponto 5103/2 das Harmo-

nized Rules refere que “[a]s condições padroni-

zadas relativas a um Derivado que seja um Ins-

trumento Financeiro Admitido [vimos que os

SSF são instrumentos financeiros admitidos no

LIFFE] são publicadas pelos Mercados de De-

rivados da Euronext sob a designação de Espe-

cificações dos Contratos”85.

A natureza contratual dos futuros e a sua padro-

nização são características essenciais para a

negociabilidade destes instrumentos em merca-

do regulamentado86; a padronização é assim um

pressuposto que assegura a fungibilidade, a li-

quidez, e a negociabilidade destes contratos87.

A padronização implica que apenas fiquem de

fora a quantidade “[d]as posições compradora

ou vendedora, ou análogas, e o preço”88.

IV. Quanto ao objeto, seguimos Manuel de An-

drade que estabelece a distinção entre o objeto

imediato e o objeto mediato89. Também nos

futuros é possível identificar estas distinção.

O objeto mediato dos contratos de futuros con-

substancia-se no ativo subjacente; “[o] objeto

dos futuros (…) é construído por referência a

84- J. Engrácia Antunes, “Os Derivados”, cit., pp. 106-107.

85- Esta regra remeteu-nos para a análise das especificações técnicas das cláusulas contratuais do SSF. O resultado do exercício (que não

se deixa exposto por limitações editoriais) evidenciou a correspondência entre as exigências impostas pelo artigo 17.º do Regulamento da CMVM 3/2007 e o clausulado do contrato.

86- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 138, salientado, contudo, que a complexidade das operações de futuros não permite reconduzi-las à mera celebração de contratos.

87- Ibidem, 179; J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., pp. 154, 157; M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 78.

88- J. de Oliveira Ascensão, ”Derivados”, cit., p. 58. Defendendo, igualmente, a total padronização e salientando que de fora apenas fica o

preço (ou o montante da prestação que cada uma das partes poderá ser chamada a realizar), M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 78.

89- Segundo este autor, no âmbito das relações obrigacionais ou direitos de crédito, o objeto imediato do direito do credor corresponde à

“prestação do devedor – entrega da coisa devida (…). O objecto mediato será a própria coisa que deve ser prestada pelo devedor. Aquele consiste num facto, numa actividade a realizar pelo obrigado; este, na coisa mesma que tal facto ou actividade deve proporcionar ao

credor”, Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I – Sujeitos e Objecto, Reimpressão, Coimbra: Livra-

ria Almedina, 2003, p. 190; em sentido diverso, defendendo que a prestação, se tiver como fonte um contrato, enquadra-se no respetivo efeito (“[a] prestação é o objecto imediato da relação jurídica (obrigacional). Se a sua fonte for um contrato, a prestação enquadra-se no

respectivo efeito”), C. Ferreira de Almeida, Contratos II..., cit., p. 58.

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57 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

determinada realidade (…). A operação é ori-

entada ao chamado activo subjacente, à reali-

dade derivante, devendo os seus resultados ter

influência no mundo real”90. Note-se, contudo

que, para efeitos de negociação, os contratos de

futuros autonomizam-se da realidade fáctico-

jurídica que têm subjacente91.

O CVM – transpondo para o ordenamento jurí-

dico português o disposto na DMIF – elenca os

ativos sobre os quais podem ser construídos os

contratos de futuros, admitindo-se futuros rela-

tivos a (i) valores mobiliários, divisas, taxas de

juro ou de rendibilidades ou relativos a outros

instrumentos derivados, índices financeiros ou

indicadores financeiros, com liquidação física

ou financeira; (ii) mercadorias, variáveis climá-

ticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, ta-

xas de inflação ou quaisquer outras estatísticas

económicas oficiais, com liquidação financeira

ainda que por opção de uma das partes; e (iii)

mercadorias, com liquidação física, desde que

sejam transacionadas em mercado regulamenta-

do ou em sistema de negociação multilateral ou,

não se destinando a finalidade comercial, te-

nham características análogas às de outros ins-

trumentos financeiros derivados nos termos do

artigo 38.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006,

da Comissão, de 10 de agosto (al. e) do n.º 2 do

artigo 2.º do CVM)92. O elenco reflete o acolhi-

mento pontual das orientações comunitárias

neste matéria.

Nos termos das Cláusulas Contratuais Gerais do

SSF, constituem ativos subjacentes destes con-

tratos as ações ordinárias representativas do

capital social das sociedades portuguesas BCP,

BES, BPI, Brisa, EDP, EDP Renováveis, Galp,

JM, PT, Zon, REN, Sonae e Sonaecom, sendo

apenas admitida a liquidação financeira destes

contratos (cláusula 1.ª e Ficha Técnica das refe-

ridas Cláusulas).

O objeto imediato do contrato consubstancia-se

nas prestações contratuais que resultam da rela-

ção contratual93; ele exprime “o verdadeiro cer-

ne substancial [dos futuros] enquanto instru-

mento gerador de direitos e obrigações”94. De

entre o feixe de direitos e obrigações que resul-

tam destes contratos salientam-se, por um lado,

os direitos e deveres recíprocos de compra do

ativo subjacente e de pagamento do preço pré-

determinado numa data futura (liquidação físi-

ca) ou de pagamento das diferenças pecuniárias

apuradas numa data futura (liquidação financei-

ra) e, por outro lado, o cumprimento de outras

obrigações perante a entidade gestora do merca-

do, contraparte central ou câmara de compensa-

ção, como a prestação de garantias, o seu refor-

ço ou substituição, ou o pagamento de comis-

sões por parte de intermediários financeiros e

seus clientes95.

V. Quanto aos sujeitos, a análise dinâmica dos

contratos de futuros e dos mercados onde

são negociados revela um feixe subjetivo

complexo; os contratos de futuros negociados

em mercado regulamentado são multilaterais,

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 57

90- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 135.

91- Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Funcionamento dos Mercados de Futuros e Opções, 2.ª ed., Porto: Associação da Bolsa

de Derivados do Porto, 1995, p. 46.

92- C. Ferreira de Almeida, Contratos II..., cit., p. 136.

93- M. Andrade, Teoria Geral…, cit., p. 190.

94- J. Engrácia Antunes, “Os Derivados”, cit., p. 112.

95- Como veremos no ponto seguinte quanto aos sujeitos, os contratos de futuros exigem intermediação financeira e a interposição de uma

contraparte central, pelo que nos contratos de futuros verifica-se a inexistência de uma relação direta entre o comprador e o vendedor; a contraparte central interpõe-se obrigatoriamente no contrato, cuja negociação é possível através das ofertas introduzidas no mercado pelos

intermediários financeiros.

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58 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

envolvendo compradores e vendedores96, bem

como a entidade gestora do mercado, contrapar-

te central (entidade que pode coincidir com a

entidade gestora do mercado), e um conjunto de

outros membros do mercado, como negociado-

res, compensadores e criadores do mercado97,98.

Como em qualquer operação em mercado regu-

lamentado, os investidores interessados em ad-

quirir ou alienar um futuro transmitem, em re-

gra, ao seu intermediário financeiro uma deter-

minada ordem (de compra ou de venda, conso-

ante os casos). Os investidores não têm, assim,

tipicamente, um contacto direto com a entidade

gestora; os investidores realizam um contrato

de comissão com um intermediário financeiro,

o qual, como membro do mercado (e mandatá-

rio), atua, em nome próprio, ainda que por con-

ta dos seus clientes99. É, portanto, o membro

negociador que, nas operações sobre futuros, se

assume como parte100 perante a entidade gestora

do mercado101.

O intermediário financeiro, na qualidade de

membro negociador, recebe ordens dos seus

clientes, introduzindo ofertas no mercado. Nos

termos das regras de admissão de membros ao

mercado da NYSE-Euronext, “[a]s pessoas físi-

cas e os empresários em nome individual não

se poderão tornar Membros dos Mercados da

Euronext” (ponto 2201/02 do Book I). Uma vez

admitidos, os membros da NYSE-Euronext te-

rão acesso à plataforma LIFFE CONNECT®,

plataforma eletrónica onde se processam as

ofertas (ponto 5201 do Book I).

Os membros compensadores têm como função

a gestão das posições abertas no mercado, asse-

gurando o bom cumprimento dos contratos102.

Membro compensador, na aceção das regras da

96- Sobre a natureza dos contratos de futuros como compra e venda, remetemos para o ponto 3.III. do presente exercício.

97- Para a análise pormenorizada deste ponto que, dado o âmbito do presente trabalho, não podemos desenvolver com profundidade, M.

Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 74.

98- Quanto à reflexibilidade e coincidência subjetiva nos contratos, C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 28.

99- Esta relação não afasta, contudo, como sublinha M. Cunha, a necessidade, no âmbito das relações internas entre o intermediário finan-

ceiro (na sua qualidade de membro negociador) e o cliente (na sua qualidade de mandante), verificar-se por este último o cumprimento do

dever de provisão, nomeadamente entregando ao intermediário financeiro os montantes necessário à constituição de garantias e margens

M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 99.

100- M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 98.

101- Impendem sobre a entidade gestora um vasto conjunto de deveres, como o dever de elaborar e submeter à CMVM para aprovação e registo de regras que assegurem o funcionamento harmonioso do mercado (artigo 209.º do CVM), o dever de definir regras para fiscalizar

as operações e de comunicar qualquer irregularidade à CMVM (artigo 211.º do CVM), o dever de informar, por um lado, o público sobre

os intermediários financeiros admitidos à negociação, as operações realizadas e os preços praticados e, por outro lado, a CMVM sobre as operações que tenham lugar em sessões normais, através do envio de um boletim, bem como de estatísticas relativas aos mercados que gere

e a atualização do respetivo regulamento caso este tenha sido objeto de alteração (artigo 212.º do CVM). Cabe, igualmente, à entidade

gestora o dever de (i) assegurar a boa gestão de operações, o que inclui o registo das posições, a gestão das garantias prestadas e a definição do tipo e dos montantes em causa (artigo 261.º, n.º 2 do CVM), e os ajustes dos ganhos e perdas resultantes das operações registadas; (ii)

minimizar os riscos e proteger o sistema de compensação, o que inclui, entre outros, a adoção de sistemas de seguros de gestão e monitori-

zação de riscos, adoção de procedimentos adequados a fazer face a falhas e incumprimentos dos seus membros e criação de fundos destina-dos à distribuição das perdas entre todos os membros compensadores. Salienta-se, igualmente, a existência de um determinado número de

regras prudenciais e comportamentais a que a entidade gestora está sujeita, que se encontram definidas no Regulamento da CMVM 4/2007. São prerrogativas da entidade gestora, quando assuma a qualidade de contraparte e sempre que o mercado exija, (i) determinar a adoção

das medidas necessárias para diminuir a exposição ao risco de um membro compensador, designadamente encerrando posições; (ii) promo-

ver a transferência de posições para outros membros compensadores; e (iii) determinar os preços de referência de forma distinta da prevista nas regras do mercado (artigo 259.º, n.º 2 do CVM).

102- Os membros compensadores são responsáveis perante a contraparte central pelo cumprimento das obrigações resultantes de operações por si assumidas, por sua conta ou por conta dos membros negociadores perante quem tenham assumido a função de compensação das

operações (artigo 259.º, n.º 4, do CVM), bem como pela constituição (reforço ou substituição) de garantias (artigo 261.º, n.º 3, do CVM).

Os membros compensadores estão sujeitos ao dever de adotar procedimentos e medidas para cobrir de forma adequada a exposição ao risco, devendo exigir aos seus clientes, ou aos membros negociadores perante os quais tenham assumido funções de compensação, a entre-

ga de margens e outras garantias, nos termos definidos por contrato com eles celebrado (artigo 261.º, n.º 3, do CVM). Quanto aos específi-

cos contornos da relação jurídica entre os membros compensadores e a entidade gestora do mercado, M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 101.

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59 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

NYSE-Euronext, consiste em “qualquer Pessoa

autorizada pela Organização Responsável pela

Compensação para compensar Operações de

acordo com as disposições relevantes do Regu-

lamento da Compensação” (ponto 1.1. das Har-

monized Rules).

A contraparte central interpõe-se obrigatoria-

mente nas operações em mercado regulamenta-

do sobre futuros; nos termos do CVM, “a reali-

zação de operações em mercado regulamenta-

do (…) sobre os instrumentos financeiros refe-

ridos nas alíneas e) [e.g. opções e futuros] e f)

do n.º 1 do artigo 2.º [do CVM] exige a inter-

posição de contraparte central” (artigo 258.º,

n.º 3, e al. e), do n.º 1, do artigo 2.º, ambos, do

CVM). A gestão do risco de incumprimento

que se verifica durante o período de tempo que

medeia entre o lançamento da oferta no sistema

e o encontro desta com outra de sinal contrário

justifica a obrigatoriedade da interposição da

contraparte central nestas operações (operações

a prazo). A posição de contraparte central pode

ser assumida quer pela entidade gestora do mer-

cado regulamentado onde as operações são rea-

lizadas, quer por outra entidade por ela aceite e

autorizada a exercer essas funções (artigo 18.º

do Regulamento da CMVM 5/2007). A função

de contraparte central é assumida, no caso do

LIFFE, pela LCH.Clearnet (que cumula esta

função com a de câmara de compensação)103.

(iii) Negociação

I. A análise da fase de negociação dos contratos

de futuros assentará no regime jurídico fixado

pelo CVM e pelos regulamentos da CMVM,

bem como – e sobretudo –, pelas regras pró-

prias do mercado da NYSE-Euronext – essenci-

ais para a compreensão da dinâmica destes con-

tratos.

II. Em relação às regras de negociação que se

prendem com o funcionamento do mercado,

sublinham-se as disposições legais sobre os sis-

temas de negociação, bem como sobre a sus-

pensão e a exclusão de instrumentos financeiros

da negociação. O n.º 1 do artigo 208.º do CVM

estabelece que as operações de mercado regula-

mentado devem realizar-se através de sistemas

de negociação adequados à correta formação

dos preços dos instrumentos financeiros neles

negociados e à liquidez do mercado, asseguran-

do designadamente a transparência das opera-

ções.

Nos termos dos artigos 213.º e 214.º do CVM,

prevê-se que a entidade gestora do mercado

regulamentado, por iniciativa própria ou por

ordem da CMVM, possa suspender ou excluir

instrumentos financeiros da negociação. A sus-

pensão da negociação justifica-se, nomeada-

mente, quando se verifique o incumprimento

das regras do mercado, desde que a falta seja

sanável e quando ocorram circunstâncias sus-

cetíveis de, com razoável grau de probabilida-

de, perturbar o regular desenvolvimento da ne-

gociação (artigo 213.º do CVM). A exclusão da

negociação justifica-se, nomeadamente, quando

se verifique o incumprimento das regras do

mercado, se a falta não for sanável e quando

não tenham sido supridas as faltas que tenham

dado lugar à suspensão (artigo 214.º do CVM).

Por fim, o artigo 215.º do CVM, sobre os

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 59

103- A LCH.Clearnet, na qualidade de câmara de compensação e contraparte central das operações realizadas nos mercados do Grupo NYSE-Euronext, incluindo a Euronext Lisbon, assegura a compensação das operações realizadas nos mercados da NYSE-Euronext (exceto

quando outra seja designada e autorizada pela NYSE-Euronext), encontrando-se sujeita à supervisão de um colégio de supervisores onde a

CMVM tem assento (ponto 2501A/3 do Book I).

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60 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

efeitos da suspensão e da exclusão, dispõe que,

produzindo a decisão de suspensão ou de exclu-

são efeitos imediatos, a suspensão mantém-se

pelo tempo estritamente necessário à regulariza-

ção da situação que lhe deu origem, não poden-

do cada período de suspensão ser superior a 10

dias úteis (n.os 1 e 2 do artigo 215.º do CVM).

O Regulamento da CMVM 3/2007, nos seus

artigos 19.º a 21.º, concretiza as disposições

legais sobre a suspensão e a exclusão da nego-

ciação e estabelece regras em relação ao início

da negociação de cada contrato. Nos termos do

artigo 19.º do referido Regulamento, estabelece

-se que o início da negociação de cada contrato

tem lugar na data a fixar pela entidade gestora

do mercado onde é transacionado, devendo es-

ta, antes do início da negociação de um contra-

to, prestar ao público e aos membros do merca-

do as informações necessárias à compreensão

dos seus termos.

Quanto à suspensão da negociação, o artigo 20.º

do mesmo Regulamento estabelece que as sé-

ries dos contratos que se vençam durante o perí-

odo de suspensão mantêm a data de vencimen-

to, sendo apenas liquidados no dia em que se

verificar o levantamento da suspensão, salvo se

outra for a decisão da entidade gestora. Quanto

à exclusão da negociação, o artigo 21.º do Re-

gulamento em referência esclarece que a exclu-

são de um contrato não extingue os direitos e

obrigações dos detentores de posições em aber-

to, impedindo, contudo, a introdução de novas

séries sobre o contrato em causa. Nestes casos,

impende sobre a entidade gestora do mercado o

dever de estabelecer as condições em que o

contrato é excluído, podendo esta determinar

que se mantenha apenas a negociação das séries

que não atingiram a sua data de vencimento,

que apenas se possam realizar transações com o

objetivo de encerrar posições nas séries que não

atingiram a sua data de vencimento ou decretar

o encerramento imediato de todas as posições

em aberto nas séries que não atingiram a data

de vencimento (artigo 21.º do referido Regula-

mento da CMVM 3/2007, em análise).

Os regulamentos da NYSE-Euronext definem,

por um lado, regras sobre a suspensão e a ex-

clusão da negociação dos derivados em geral e,

por outro lado, regras específicas sobre a sus-

pensão e a exclusão da negociação dos deriva-

dos admitidos na Euronext Lisbon. No âmbito

das primeiras regras, comuns a todos os merca-

dos da NYSE-Euronext, estabelece-se que “[a]

Entidade Gestora de Mercados da Euronext

Competente pode encerrar a sessão de negocia-

ção de um ou mais Derivados com vista a sal-

vaguardar o bom funcionamento do merca-

do” (ponto 5401/1 das Harmonized Rules). No

âmbito das regras específicas da Euronext Lis-

bon, estipula-se que “[o]s Derivados admitidos

no Mercado de Derivados podem ser objecto de

suspensão e de exclusão sempre que tal se reve-

le necessário para a salvaguarda dos interesses

do mercado, nomeadamente, sempre que não se

verifiquem Operações durante um período de

tempo significativo, conforme determinado pela

entidade gestora, ou não existam posições em

aberto” (ponto LI7.3.1 das Non-Harmonized

Rules).

Ainda quanto ao regime de suspensão e exclu-

são, as regras do mercado remetem expressa-

mente para o regime da suspensão e da exclu-

são da negociação dos derivados para os artigos

20.º e 21.º do Regulamento da CMVM 3/2007,

prevendo a sua aplicação em todos os casos em

que as regras do mercado sejam omissas (ponto

LI7.3.2 das Non-Harmonized Rules).

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61 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Por fim, as regras do mercado conferem um

conjunto de poderes à entidade gestora, que esta

poderá desencadear “[s]empre que as circuns-

tâncias do mercado o aconselhem” (ponto

LI7.3.2 das Non-Harmonized Rules) e que in-

cluem “para além dos poderes que lhe são ex-

pressamente atribuídos pela Regulamentação

Nacional e pelas Regras [rectius, Harmonized

Rules]: [a competência para] (i) determinar que

a negociação se faça apenas para fecho de po-

sições, podendo esta determinação ser genera-

lizada ou dirigida a um Membro ou Cliente em

particular; (ii) determinar o fecho de posições

de um ou mais Membros ou Clientes; (iii) proi-

bir que um ou mais Membros ou Clientes

abram posições ou realizem operações; e (iv)

fixar limites operacionais a um ou mais Mem-

bros (…)” (ponto LI7.3.2 das Non-Harmonized

Rules).

III. A negociação dos contratos de futuros está

sujeita às regras gerais de negociação em mer-

cados regulamentados104. Esta negociação, que

assenta num processo complexo, realiza-se atra-

vés de um sistema de negociação (artigo 206.º

do CVM). Neste âmbito, por facilidade de ex-

posição e seguindo os ensinamentos de A. Fer-

reira, distingamos diferentes fases: a primeira,

até à introdução das ofertas no mercado; a se-

gunda, que assenta no próprio sistema de nego-

ciação; e, por fim, a terceira, que decorre após a

celebração do contrato. Estas fases implicam a

intervenção de diferentes intervenientes.

A primeira fase ocorre quando os investidores

transmitem aos membros do mercado (membros

negociadores) ordens de compra ou de venda.

Para a boa execução das ordens por si aceites,

os membros negociadores, na segunda fase,

introduzem ofertas no sistema de negociação,

segundo a modalidade mais adequada e no tem-

po mais oportuno (n.º 2 do artigo 208.º do

CVM) e é o cruzamento destas ofertas que per-

mite a celebração do contrato. A última fase

corresponde à interposição da contraparte cen-

tral que assume o cumprimento das obrigações

que resultem do contrato.

Na fase da negociação, os investidores, em re-

gra, não têm uma participação direta no merca-

do; eles apenas transmitem aos membros nego-

ciadores ordens de compra ou de venda que, por

sua vez, serão introduzidas por estes últimos

nos sistemas eletrónicos de cada mercado. Nos

termos das regras do mercado LIFFE, “os futu-

ros são negociados no LIFFE CONNECT®

através do cruzamento contínuo de ofertas de

sentidos opostos que se encontrem no Livro de

Ofertas Central de acordo com as regras de

prioridade estabelecidas pela Entidade Gestora

de Mercados da Euronext Competente” (ponto

5301 do Book I e ponto 3.1. dos LIFFE Trading

Procedures). A execução das ofertas no LIFFE

CONNECT® ocorre através do Código Indivi-

dual de Negociação associado às entidades en-

volvidas na negociação e aceites pelo mercado

(ponto 5303/1 do Book I). Trata-se, portanto, de

uma negociação que se processa de forma ex-

clusivamente eletrónica.

Quanto à formação do contrato, as regras do

mercado estabelecem que “[a] aceitação válida

de uma oferta de compra ou de uma oferta de

venda, também válidas, origina uma Operação

entre os membros cujos operadores efetuaram

tais ofertas, de compra ou de venda, e aceita-

ção” (ponto 5304/1 do Book I). No caso do

LIFFE CONNECT®, “o cruzamento de uma

oferta de compra e de uma oferta de venda váli-

das no Processador Central de Negociação

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 61

104- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 138 (“as operações de futuros (…), tal como qualquer operação de bolsa, são realidades complexas que não se reconduzem à celebração de meros contratos”).

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62 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

constitui a aceitação válida de tais ofertas

(…)” (ponto 5304/2 do Book I). O mercado con-

sidera as “[o]perações realizadas no Livro de

Ofertas Central (…) automática e imediatamen-

te efetuadas” (ponto 5701/2 do Book I). O Livro

de Ofertas Central concentra o registo de todas

as ofertas introduzidas no mercado, bem como

as respetivas modificações, até à respetiva exe-

cução, caducidade ou cancelamento (ponto 4.2

do Book I). Este registo é, assim, condição de

validade da operação. A conclusão da operação,

bem como os seus termos, é imediata e continu-

amente divulgada; “[o]s Mercados de Deriva-

dos da Euronext disseminam imediata e conti-

nuamente a quantidade e o preço associados a

todas as ofertas de compra e de venda introdu-

zidas no Livro de Ofertas Central” (ponto

5702/1 do Book I), devendo esta informação

incluir o mês de entrega, o preço acordado, o

número de contratos de futuros e o número úni-

co de identificação para as ações ou cesto de

ações transacionadas (ponto 4.2.11 dos LIFFE

Trading Procedures).

A formação do contrato ocorre, assim, através

do cruzamento de ofertas que correspondem à

intenção, por um lado, de comprar e, por outro

lado, de vender; o contrato forma-se através do

cruzamento destas ofertas que correspondem a

posições contratuais simétricas. Este encontro é

permitido pela padronização a que os contratos

de futuros estão sujeitos, sendo, em regra, o

preço e a quantidade as únicas variáveis que

estão na disponibilidade negocial das partes.

IV. Em relação à natureza destas ofertas, cre-

mos estar perante ofertas em sentido próprio105;

são ofertas dirigidas ao público por serem reali-

zadas a pessoas indeterminadas. Contudo, con-

sideramos que estas ofertas ao público têm ca-

racterísticas específicas.

A noção de oferta ao público resulta do seu arti-

go 109.º, n.º 1, do CVM. Encontram-se, contu-

do, excluídas do âmbito de aplicação do regime

destas ofertas “as ofertas em mercado regula-

mentado ou sistema de negociação multilateral

registado na CMVM que sejam apresentadas

exclusivamente através dos meios de comunica-

ção próprios desse mercado ou sistema e que

não sejam precedidas ou acompanhadas de

prospeção ou de recolha de intenções de inves-

timento junto de destinatários indeterminados

ou de promoção publicitária” (al. d), do n.º 1,

do artigo 111.º do CVM). Às ofertas em merca-

do regulamentado não se lhes aplicam, portan-

to, as regras das ofertas públicas tal como pre-

vistas no CVM. Não cremos, contudo, que esta

regra afaste a qualificação destas ofertas como

ofertas públicas.

A configuração tradicional proposta-aceitação

não nos parece a que melhor enquadre as ofer-

tas em análise. Cremos que estas ofertas têm

uma natureza sui generis que incorpora em si

tanto a proposta como aceitação. Estas ofertas

têm sempre a dupla natureza de proposta-

aceitação dado que tanto pretendem o encontro

com ofertas que previamente foram lançadas no

sistema (e que aguardam uma oferta de sinal

contrário que com elas case, termo sugestiva-

mente utilizado na gíria dos mercados), como

as que podem ser lançadas posteriormente.

A particular natureza destas ofertas resulta, por

um lado, do facto de serem dirigidas a pessoas

indeterminadas e, por outro lado, do sistema de

negociação ser fundamentalmente caracterizado

105- Se é verdade que estas ofertas se assemelham a propostas contratuais (nomeadamente por reunirem as características exigíveis para que uma declaração possa qualificar-se como proposta contratual, i.e., que seja completa, precisa, firme e formalmente adequada,

C. Ferreira de Almeida, Contratos I…, cit., p. 57), cremos que elas assumem características próprias que permitem a sua autonomização

como ofertas em sentido próprio. Defendendo posição diversa, sublinhando que “com alguma imprecisão usa-se por vezes a palavra ‘oferta’ para designar tanto a proposta como o convite a contratar” e, neste sentido, “a omissão total de preço na proposta constitui até

traço característico de uma dada modalidade de contratar (‘ofertas ao melhor preço’, em contratos de bolsa)”, pelo que não pode deixar

de considerar-se que estamos perante uma proposta, C. Ferreira de Almeida, Contratos I…, cit., pp. 62 e 60, respetivamente.

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63 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

pela sua rigidez e formalismo. O sistema é rígi-

do no sentido em que atua por si, de forma au-

tomatizada e autónoma, baseado em mecanis-

mos que assentam em algoritmos e programas

informáticos sofisticados e que apenas ocorre

em períodos específicos (sessão de bolsa)106.

O sistema é formalista no sentido em que pres-

supõe a massificação das operações e da nego-

ciação (fruto da padronização e consequente

fungibilidade dos contratos); verifica-se, por-

tanto, uma negociação objetiva na medida em

que a formação dos preços está sujeita a regras

específicas e que não deixa espaço à negociação

em termos subjetivos, tal como tradicionalmen-

te configurada.

V. Por último, identifiquemos as entidades in-

tervenientes no processo de formação dos con-

tratos de futuros. Nestes contratos, verifica-se,

obrigatoriamente, a intervenção de uma contra-

parte central que, com vista à mitigação do ris-

co de incumprimento, assume a posição de

compradora perante o vendedor e de vendedora

perante o comprador (artigo 258.º, n.º 3, do

CVM)107. A questão que se coloca é saber como

articular e enquadrar a regra segundo a qual os

membros do mercado introduzem as ofertas de

compra ou de venda, resultando do encontro

destas a perfeição do contrato, com a regra que

exige a interposição de contraparte central.

A operação em mercado regulamentado é reali-

zada entre dois membros negociadores; estes

membros são efetivamente compradores e ven-

dedores em relação ao contrato de intermedia-

ção financeira celebrado com os ordenantes. O

membro negociador do comprador e o membro

negociador do vendedor celebram previamente

um contrato com um membro compensador

(clearing member). Nos termos deste contrato –

e no caso específico da NYSE-Euronext –, ao

membro compensador incumbe o registo da

operação na LCH.Clearnet. Esta entidade passa,

assim, a atuar como contraparte central

entre o membro compensador do comprador

e o membro compensador do vendedor; a

“LCH.Clearnet SA is a clearing house (…) and

acts as a central counterparty between the Cle-

aring Member of the buyer (…) and the Clea-

ring Member of the seller (…) in the conditions

described in the Clearing Rules” (ponto 1.3.1.1

do Clearing Rule Book).

As operações são apresentadas à LCH.Clearnet

e aí registadas em nome dos membros compen-

sadores; “[a]ll Transactions (…) that are sub-

mitted to LCH.Clearnet SA, within the clearing

hours (…) are registered in the name of the

Clearing Member” (ponto 1.3.1.1 do Clearing

Rule Book). A LCH.Clearnet, a partir deste mo-

mento, assume a posição de contraparte central.

Assim, em primeiro lugar, sublinhamos que

durante o período que ocorre entre a realização

da operação e o seu registo na LCH.Clearnet,

esta entidade não intervém; neste primeiro

momento existe apenas uma relação entre os

membros negociadores do mercado. Conse-

quentemente, salienta-se, em segundo lugar,

que o processo de negociação e formação

do contrato só é possível através da partici-

pação, de forma sucessiva, de diferentes

intervenientes no mercado, ou seja, membros

negociadores, membros compensadores e, por

fim, a LCH.Clearnet (na qualidade de contra-

parte central e câmara de compensação). Em

terceiro lugar, reitera-se que, ao adquirir a

posição de contraparte central, a LCH.Clearnet

assume-se como compradora face ao vendedor

e como vendedora fase ao comprador.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 63

106- Entre outras, cf. regras sobre encerramento, suspensão e cancelamento de sessão em bolsa (ponto 5401 do Book I).

107- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 155.

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64 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Como configurar em termos jurídicos a assun-

ção da posição de contraparte central pela

LCH.Clearnet? Sem que tenhamos a pretensão

de tratar exaustivamente a questão108, assinala-

mos que as regras do mercado referem-se à

existência de novação; “[u]pon registration,

novation occurs” (ponto 1.3.2.1 do Clearing

Rule Book)109. Consequentemente, com base

neste processo, a “LCH.Clearnet SA becomes

counterparty to the Clearing Member and be-

comes therefore subject to the rights and sub-

ject to the obligations arising from the Transac-

tion registered in the name of such Clearing

Member” (ponto 1.3.2.1 do Clearing Rule

Book). A apresentação de uma operação a regis-

to na LCH.Clearnet significa também que o

membro compensador aceita a novação, i.e.,

aceita a posição de contraparte assumida pela

LCH.Clearnet; “[s]ubmission by Clearing Mem-

bers of Transactions (…) signifies the ac-

ceptance by such Clearing Members of the no-

vation” (ponto 1.3.2.3 do Clearing Rule Book).

Note-se que a novação ocorre, não em relação a

eventuais saldos resultantes da compensação

entre as posições do membro compensador, mas

integralmente, i.e. de acordo com as transações

originais; “[n]ovation takes place on a gross

basis with respect to the original Transac-

tions” (ponto 1.3.2.4 do Clearing Rule Book).

Nestes termos, tratar-se-ia, apenas, de uma

novação subjetiva (artigo 858.º do Código Civ-

il) dado que, objetivamente, as obrigações se

mantêm inalteradas.

A novação é uma causa de extinção das obriga-

ções (artigos 857.º e ss. do Código Civil), que

consiste “na convenção pela qual as partes ex-

tinguem uma obrigação, mediante a criação de

uma nova obrigação em lugar dela”110. Segun-

do é acentuado pela doutrina, “[e]ssencial em

qualquer dos casos [i.e. quer na novação objeti-

va, quer na novação subjetiva] é que os interes-

sados queiram realmente extinguir a obrigação

primitiva por meio da contração de uma nova

obrigação”111.

A qualificação jurídica em análise parece-nos

questionável. No caso sub judice, a novação

conduziria à extinção das obrigações entre os

membros compensadores contratantes, passan-

do aquelas a existir apenas em relação à

LCH.Clearnet e desta em relação aos membros

compensadores112. Sem prejuízo de uma análise

pormenorizada sobre este ponto que o presente

estudo não comporta, cremos que é questioná-

vel falar-se do instituto jurídico da novação,

dado que não se verifica uma verdadeira extin-

ção da obrigação primitiva. Cremos ser ensaiá-

vel, outrossim, a interposição da contraparte no

âmbito do instituto da sub-rogação (artigos

108- Dado o âmbito e propósito do presente trabalho, não desenvolveremos este ponto, limitando-nos a identificar e a gizar os contornos da questão.

109- Para a análise do regime da novação no ordenamento jurídico português, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral – Vol. II, Reimpressão da 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 229; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Coimbra:

Almedina, 2001, p. 1036.

110- J. Antunes Varela, Das Obrigações…, cit., p. 230.

111- Ibidem, p. 231.

112- Para uma súmula das principais posições doutrinárias sobre o tema, nomeadamente discutindo as correntes que tratam o fenómeno

como sub-rogação, cessão da posição contratual ou mandato de interesse comum às duas partes, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futu-ros e Opções”, cit., pp. 140-141. Note-se que a posição que o autor acaba por adotar neste seu artigo (cf. p. 142) decorre do regime em

vigor à data da elaboração daquele artigo, não se encontrando atualizado face à evolução do enquadramento legal e aos desenvolvimentos

ocorridos no mercado.

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65 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

589.º e ss. do Código Civil). Entende-se por sub

-rogação, “a substituição do credor, na totali-

dade do direito a uma prestação fungível, pelo

terceiro que cumpre em lugar do devedor ou

que faculta a este os meios necessários ao cum-

primento”113. Nestes termos, parece-nos defen-

sável que a interposição da contraparte central

implique que esta, face ao vendedor, fique sub-

rogada nos direitos e deveres do comprador e

que, face a este, fique sujeita aos direitos e de-

veres do vendedor114. Em operações sobre futu-

ros, a LCH.Clearnet assume, na qualidade de

contraparte do membro compensador, a obriga-

ção de realizar a liquidação financeira ou física

dos contratos, i.e. “[the] payment of Variation

Margin and, in the case of deliverable financial

futures, delivery Financial Instruments versus

payment” (ponto 1.3.2.6 do Clearing Rule

Book).

Para garantia das posições da LCH.Clearnet

contra o incumprimento dos membros compen-

sadores, estão estes obrigados a prestar garanti-

as, designadas na gíria do mercado, margens

(pontos 1.3.1.5, 4.2.0.1 e ss. do Clearing Rule

Book), matéria de que tratará o ponto seguinte.

(iv) Gestão de posições e prestação

de garantias

I. O tempo é um elemento estruturante nos con-

tratos de futuros, implicando a adoção de meca-

nismos que permitem responder aos riscos asso-

ciados à execução destes contratos. Com efeito,

a realização de operações que envolva contratos

de futuros pressupõe a existência de um sistema

de segurança, com base no qual são geridas as

ofertas de compra e de venda lançadas no mer-

cado115. A presente secção trata dos contornos

do sistema de segurança previsto no ordena-

mento jurídico português, nomeadamente quan-

to aos mecanismos que asseguram a gestão de

posições e a prestação de garantias pelos mem-

bros do mercado e seus clientes116.

II. A gestão de posições no mercado de futuros

realiza-se através do mecanismo dos ajustes

diários de ganhos e perdas. Através deste meca-

nismo, o preço das posições abertas no mercado

está sujeito a ajustes que se calculam com base

num determinado preço, o preço de referência;

em princípio, o preço fixado no dia que antece-

de o referido cálculo (n.º 2 do artigo 207.º e al.

c), n.º 1, do artigo 259.º, ambos, do CVM)117.

Este ajuste processa-se na fase que decorre en-

tre a celebração do contrato e o seu cumprimen-

to e comporta, assim, por um lado, o cálculo de

posições líquidas, através da compensação mul-

tilateral realizada através da interposição na

operação da contraparte central e, por outro la-

do, a gestão de garantias adequadas às posições

líquidas. O mecanismo tem, portanto, como

objetivo a manutenção de condições de solvabi-

lidade no mercado que permita assegurar o

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 65

113- J. Antunes Varela, Das Obrigações…, cit., pp. 335-336; também sobre a noção e efeitos da sub-rogação no direito português, M. Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., pp. 762-767.

114- Reiteramos que o âmbito do presente estudo não nos permite desenvolver, com profundidade, este (e outros) ponto(s), sendo assim nosso ensejo identificar (algumas das) questões que o funcionamento do mercado dos futuros acarreta, atrevendo-nos, em algumas

matérias, avançar possíveis caminhos interpretativos.

115- Para uma descrição operacional pormenorizada que, dado o âmbito do presente trabalho, não podemos desenvolver, Associação da

Bolsa de Derivados do Porto, Introdução…, cit., pp. 55-56.

116- Quanto ao diálogo conceptual e operacional entre os ajustes diários de perdas e ganhos e a prestação de garantias, M. Cunha explica

que a “liquidação diária de ganhos e perdas dá origem a que diariamente as partes dos contratos sejam obrigadas a efectuar um paga-

mento ou tenham o direito de o receber”, esclarecendo que este mecanismo consubstancia “verdadeiras prestações a cuja realização as partes se obrigam e que, não integrando as margens ou garantias inicialmente prestadas, vão ter uma influência determinante nestas

últimas, na medida em que permitem a conservação do seu valor real para fazer face com sucesso a eventuais incumprimentos”,

M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., pp. 82-83.

117- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 150; J. de Oliveira Ascensão, ”Derivados”, cit., p. 66.

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66 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

cumprimento do contrato no período de tempo

que medeia entre a celebração e o vencimento

deste.

Por regulamento, a CMVM concretizou o me-

canismo de ajustes de ganhos e perdas, estabe-

lecendo a sua periodicidade e os poderes da

entidade gestora em relação ao mesmo; “[d]

iariamente tem lugar a liquidação de ajuste de

ganhos e perdas de acordo com preços de refe-

rência calculados pela entidade gestora do

mercado (…) ou entidade que assume a posição

de contraparte central, salvo distinta previsão

nas condições gerais dos contratos” (artigo

14.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM 5/2007).

As posições abertas (ou seja, as ofertas introdu-

zidas no sistema de negociação) são registadas,

devendo divulgar-se obrigatoriamente, no caso

dos contratos de futuros, o número de posições

registadas, os ajustes de ganhos e perdas, as

garantias constituídas (o seu reforço ou libera-

ção), o encerramento de posições ou a sua

transferência para outros participantes, as com-

pensações efetuadas e as comissões devidas ou

pagas à entidade gestora do mercado. Este me-

canismo comporta assim diferentes fases, per-

mitindo a introdução das ofertas no sistema e a

sua manutenção até ao encontro de ofertas de

sentido contrário que fechem a operação (artigo

15.º do Regulamento da CMVM 5/2007).

As Cláusulas Contratuais Gerais do SSF preve-

em que os contratos que não tenham sido encer-

rados até ao final do último dia de negociação

sejam objeto de “uma liquidação financeira por

diferença”, remetendo-se os procedimentos a

adotar na liquidação e nos ajustes diários de

ganhos e perdas para as regras fixadas pela

LCH.Clearnet (cláusula 9.º das Cláusulas Con-

tratuais Gerais do SSF)118. No final de cada ses-

são, a Euronext Lisbon determina os preços de

liquidação diários (cláusula 7.º das Cláusulas

Contratuais Gerais do SSF).

III. O mecanismo de ajuste diário de ganhos e

perdas é completado por um conjunto de garan-

tias prestadas a favor da contraparte central. O

CVM, bem como os regulamentos da CMVM

dedicam uma especial atenção a este aspeto. As

regras próprias do mercado, nomeadamente as

normas previstas pela LCH.Clearnet, são parti-

cularmente relevantes neste ponto para a descri-

ção do conjunto de garantias a que os membros

do mercado, e os seus clientes, estão sujeitos.

Quanto ao regime de garantias, o CVM estabe-

lece que a exposição ao risco da contraparte

central e dos seus membros deve ser coberta

por cauções, designadas margens, e outras ga-

rantias (artigo 261.º, n.º 1, do CVM). O sistema

de garantias é definido pela contraparte central

com base em parâmetros de risco, objeto de

revisão regular (artigo 261.º, n.º 2, do CVM).

Nos termos do CVM, a caução pode ser presta-

da quer através de contrato de garantia financei-

ra tal como previsto pelo Decreto-Lei n.º

105/2004, de 8 de maio, sobre instrumentos

financeiros de baixo risco e elevada liquidez,

livres de quaisquer ónus, ou sobre depósito de

dinheiro em instituição autorizada, quer através

de garantia bancária, não podendo ser constituí-

das outras garantias sobre os valores dados em

caução (artigo 261.º, n.os 4 e 5, do CVM).

118- Neste âmbito, sublinha-se que “para o cumprimento das suas obrigações de compensação, a LCH.Clearnet, no Clearing Day anterior ao Settlement Day, compensa operacionalmente todas as posições abertas que tenham o mesmo Settlement Day e envia essa

informação para os endereços de liquidação” (ponto 3.4.1.2 do Clearing Rule Book). As regras da LCH.Clearnet são particularmente

pormenorizadas em relação aos procedimentos relacionados com o registo de transações compensadas, nomeadamente quanto aos contor-nos dos procedimentos a adotar para o registo das transações nas contas dos seus membros (ponto 3.2.1 do Clearing Rule Book) e quanto

aos registos que podem ser levados a cabo pela LCH.Clearnet, e.g. transferência de posições abertas, correções de registos (ponto 3.3.1.1 e

ss. do Clearing Rule Book).

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67 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A responsabilidade pela constituição de garanti-

as impende sobre os membros compensadores

(ou seja, os clearing members que assumem

esta obrigação perante a LCH.Clearnet, na sua

qualidade de contraparte central e de câmara de

compensação), pelo que a lei impõem-lhes o

dever de adotar procedimentos e medidas para

cobrir de forma adequada a exposição ao risco.

Para o efeito, impõe-se aos membros compen-

sadores que exijam junto dos seus clientes ou

dos membros negociadores perante os quais

tenham assumido funções de compensação a

entrega de margens e outras garantias, nos ter-

mos definidos no contrato com eles celebrado

(artigo 261.º, n.os 3 e 6, do CVM).

O Regulamento da CMVM 5/2007 reforça a

obrigatoriedade de constituição de garantias a

favor da contraparte central (artigo 19.º, n.º 1,

do Regulamento da CMVM 5/2007), estipulan-

do que as regras relativas à constituição destas

garantias são aprovadas pela entidade que assu-

me a posição de contraparte central e aceites

pelos seus membros. As regras sobre a consti-

tuição de garantias devem definir, nomeada-

mente os ativos aceites como caução relativa-

mente a cada operação, o montante da caução, a

forma e o prazo de constituição, o reforço e a

substituição da caução, os procedimentos a ado-

tar em caso de incumprimento, bem como os

encargos cobrados pela contraparte central

(artigo 19.º, n.º 2, do Regulamento da CMVM

5/2007). O Regulamento da CMVM 5/2007

esclarece ainda que a contraparte central man-

tém o direito de exigir as garantias devidas du-

rante o período em que eventualmente a suspen-

são da negociação dos contratos de futuros

ocorra (artigo 19.º, n.º 3, do Regulamento da

CMVM 5/2007).

Por último, perscrutaremos as regras que o pró-

prio mercado estabelece em relação ao sistema

de garantias. Neste âmbito, o Clearing Rule

Book da LCH.Clearnet impõe aos membros

compensadores um conjunto de garantias a

prestar obrigatoriamente por todas as operações

efetuadas no mercado. Estas garantias (que na

gíria dos mercados financeiros se designam,

como referido, margens) assumem a forma de

(i) initial e variation margins, debitadas ou cre-

ditadas, diariamente, pela LCH.Clearnet nas

contas dos membros; (ii) intraday margins, im-

postas e debitadas pela LCH.Clearnet para fazer

face a situações extraordinárias que ocorram

durante o dia; e (iii) additional margins, garan-

tias adicionais que, para além das anteriores,

são constituídas para fazer face a situações em

que a LCH.Clearnet considere “adequado” e

“necessário” impor aos membros compensado-

res montantes adicionais, com base, por exem-

plo, na particular natureza do instrumento fi-

nanceiro. Paralelamente, é constituído um de-

fault fund, fundo de garantia para cobrir situa-

ções de incumprimento dos membros, para o

qual os membros compensadores contribuem

(pontos 4.3.0.1 e ss. do Clearing Rule Book)119.

O Clearing Rule Book da LCH.Clearnet estabe-

lece ainda a obrigação que impende sobre os

membros compensadores de exigir aos seus

clientes a prestação de garantias que cumpram

os parâmetros e metodologia de cálculo iguais

aos impostos pela LCH.Clearnet aos membros

compensadores; neste sentido, prevê-se que os

“[c]learing Members shall call Initial Margins

and Variation Margin from their Clients and

Trading Members having Positions on Securi-

ties or Derivatives traded on Markets Underta-

kings in an amount based on the same parame-

ters and methodology as the LCH.Clearnet SA

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 67

119- O método de cálculo e os limites, entre outros aspetos associados às garantias, são definidos mediante circular ou instruções do próprio mercado e dependem em grande parte dos riscos associados a cada instrumento.

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68 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Initial Margins and Variation Margin” (ponto

4.2.0.6 do Clearing Rule Book).

IV. A utilização do termo margem pela gíria

dos mercados não deve afastar esta realidade do

instituto das garantias, tal como previsto na lei.

No direito português, a obrigação de constitui-

ção de garantias resulta, nomeadamente, do

CVM, prevendo-se em pormenor a modalidade

que estas devem revestir. Assim, como referido,

nos termos do artigo 261.º do CVM (Margens e

outras garantias), prevê-se que a exposição ao

risco da contraparte central e dos seus membros

deva ser coberta por cauções e outras garantias,

cabendo aos membros compensadores a sua

constituição, o seu reforço ou substituição. A

caução pode ser prestada quer através de con-

trato de garantia financeira, quer através de ga-

rantia bancária.

A caução designa, de forma ampla, “as garanti-

as que, por lei, decisão judicial ou negócio jurí-

dico, são impostas ou autorizadas para assegu-

rar o cumprimento de obrigações eventuais ou

de amplitude indeterminada”120. A prestação de

caução destina-se a “prevenir o cumprimento de

obrigações que possam vir a ser assumidas por

quem exerça uma certa função ou esteja adstri-

to à entrega de bens ou valores alheios”121.

No caso sub judice, a LCH.Clearnet assume, na

qualidade de contraparte do membro compensa-

dor, a obrigação de realizar a liquidação finan-

ceira ou física dos contratos que lhe são trans-

mitidos. Para assegurar as posições da

LCH.Clearnet contra o incumprimento dos

membros compensadores, estão estes obriga-

dos, portanto, a prestar garantias (ou margens),

nos termos definidos por lei e pelos regulamen-

tos do mercado.

(v) Liquidação

I. Quanto à liquidação dos futuros, salientamos,

em primeiro lugar, o momento em que ela ocor-

re. Nos termos do CVM, a liquidação pode

ocorrer quer na data do vencimento do contrato,

pelo decurso do tempo aí previsto, quer antes da

data do vencimento, por compensação das posi-

ções representativas das ofertas lançadas no

sistema; “[a]s posições abertas [nos contratos

de futuros] podem ser encerradas, antes da da-

ta de vencimento do contrato, através da aber-

tura de posições de sentido inverso” (artigo

259.º, n.º 3, do CVM)122. O nosso regime jurídi-

co prevê, portanto, a abertura e o encerramento

de posições que se realizam através de opera-

ções de sinal contrário às posições detidas e que

assim se liquidam através de compensação; não

há uma transmissão de posições jurídicas, mas

sim uma sucessão de posições no mercado que

se abrem e fecham.

A entidade gestora do mercado é responsável

pela adoção de procedimentos eficazes para

permitir a compensação e a liquidação eficiente

e atempada das operações efetuadas através dos

seus sistemas (artigo 207.º, n.º 4, do CVM). Os

sistemas de liquidação de instrumentos finan-

ceiros são criados por acordo escrito pelo qual

se estabelecem regras comuns e procedimentos

padronizados para a execução de ordens de

transferência, entre os participantes, de instru-

mentos financeiros ou de direitos deles destaca-

dos (artigo 266.º do CVM). Podem ser partici-

pantes nos sistemas de liquidação (i) as câmaras

de compensação, que têm como função o cálcu-

lo das posições líquidas dos participantes no

sistema; e (ii) as contrapartes centrais (artigos

267.º e ss. do CVM).

120- M. Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., p. 822.

121- Idem.

122- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 157, assinalando que na maior parte dos casos os contratos de futuros

extinguem-se antes do respetivo vencimento, através do processo de compensação.

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69 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A compensação efetuada no âmbito do sistema

de liquidação tem carácter definitivo e é realiza-

da pelo próprio sistema ou por uma entidade

que assuma funções de câmara de compensação

participante deste, cabendo aos participantes

colocar à disposição do sistema de liquidação,

no prazo indicado nas regras do sistema, os ati-

vos (em numerário ou em espécie) necessários à

boa liquidação das operações (artigos 276.º e

279.º, n.º 1, ambos, do CVM).

O Regulamento da CMVM 5/2007 concretiza

as regras legais sobre o regime da liquidação,

definindo os procedimentos a adotar pela enti-

dade gestora para, por um lado, garantir a regu-

laridade e irrevogabilidade das ordens de trans-

ferência (artigos 7.º e 13.º, ambos, do Regula-

mento da CMVM 5/2007) e, por outro lado,

para assegurar a comunicação das operações de

liquidação (artigo 8.º do Regulamento da

CMVM 5/2007). A liquidação das operações no

mercado de futuros tem lugar num prazo nunca

superior a três dias úteis a contar da realização

ou do vencimento da operação (artigo 12.º do

Regulamento da CMVM 5/2007).

Nos termos das Cláusulas Contratuais Gerais do

SSF, define-se que a data de liquidação ou de

vencimento corresponde ao dia útil seguinte ao

último dia de negociação, cabendo à Euronext

Lisbon, na qualidade de entidade gestora do

mercado, fixar e publicar, para cada vencimento

dos contratos, o primeiro e o último dia de ne-

gociação e a data de liquidação ou de venci-

mento.

II. Em segundo lugar, quanto à modalidade, a

liquidação das operações de futuros pode ocor-

rer, quer através da entrega pelo vendedor ao

comprador do ativo subjacente ao contrato me-

diante o pagamento do respetivo preço

(liquidação física), quer através do pagamento

do montante pecuniário correspondente à dife-

rença entre o valor do ativo na data da celebra-

ção do contrato e na data do vencimento deste

(liquidação financeira) (artigos 2.º, n.º 1, al. e) e

279.º, n.º 1, ambos, do CVM e artigo 11.º do

Regulamento da CMVM 5/2007). A modalida-

de de liquidação depende do tipo de ativo sub-

jacente nos contratos em causa (e.g. os contra-

tos de futuros que tenham um índice como ativo

subjacente implicam necessariamente a liquida-

ção financeira)123.

No âmbito da liquidação, as regras do mercado

conferem especiais poderes à entidade gestora

em relação aos procedimentos a adotar caso se

verifiquem circunstâncias extraordinárias no

mercado; neste contexto, a Euronext Lisbon

tem a faculdade de “substituir a liquidação por

entrega dos Contratos de Futuros (no venci-

mento) (…) por uma liquidação por diferenças

(…), bem com, alterar os prazos e demais pro-

cedimentos que a Euronext Lisbon considere

necessários; e determinar ou definir os preços

de liquidação de forma distinta da que se en-

contra prevista nas Regras [leia-se, regras do

mercado da Euronext]” (Ll7.3.3 Non-

Harmonized Rules).

As Cláusulas Contratuais Gerais do SSF deter-

minam que, na data do vencimento, a liquida-

ção ocorre pela diferença entre os montantes

contratados e os verificados na data do venci-

mento, estipulando-se que, para efeitos do apu-

ramento do preço (ou seja, o valor do ativo sub-

jacente) na data de liquidação, este correspon-

derá ao preço de fecho, no mercado à vista, do

ativo subjacente; ou seja, no caso do SSF, o

montante correspondente à cotação no mercado

spot ou mercado à vista das ações ordinárias

representativas do capital social das sociedades

BCP, BES, BPI, Brisa, EDP, EDP Renováveis,

Galp, JM, PT, Zon, REN, Sonae e Sonaecom

(cláusula 8.º e Fichas Técnicas anexas às Cláu-

sulas Contratuais Gerais do SSF).

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 69

123- Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução…, cit., p. 75.

Page 70: CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS · mação pré-negociação; c) apenas aos mercados regulamentados é exigido um prospecto aprova-do, prévio à admissão à negociação,

70 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

B. DIREITO ESPANHOL

A análise dos contratos de futuros no âmbito do

direito espanhol assentará, igualmente, no re-

corte da noção do instituto, bem como na deli-

mitação da estrutura do contrato e dos contor-

nos em que se desenrola a formação, a negocia-

ção e a liquidação do mesmo. A descrição do

regime focará também as especificidades relaci-

onadas com a gestão de posições e com o siste-

ma de garantias. Para o efeito, e dada a ligação

estreita dos contratos de futuros com os merca-

dos próprios onde são celebrados, recorreremos,

para além das normas específicas contidas na

LMV e legislação relacionada com a matéria, às

regras do MEFF, o mercado de futuros em

Espanha.

(i) Noção

I. A LMV não oferece uma noção de futuros,

referindo apenas, nos n.os 2 a 8 do seu artigo 2.º,

que estes são instrumentos financeiros abrangi-

dos pelo âmbito do diploma – contratos de futu-

ros com liquidação física (liquidación en espe-

cie) ou financeira (liquidación en efectivo) – e

passíveis de incidir sobre a panóplia de ativos

subjacentes elencados. O segundo parágrafo do

n.º 8 da disposição em referência estabelece que

aos instrumentos financeiros distintos dos valo-

res mobiliários serão aplicáveis, com as adapta-

ções necessárias, as regras previstas na LMV

para os valores mobiliários.

II. O RD 1282/2010, que procedeu à revogação

do RD 1814/1991, é igualmente omisso quanto

à noção de futuros, remetendo apenas, no n.º 2

do seu artigo 2.º, para o rol de instrumentos fi-

nanceiros previsto na LMV. O revogado RD

1814/1991 oferecia, contudo, no seu artigo 1.º,

n.º 2, al. a), uma noção de futuros, definindo-os

como “los contratos a plazo que tengan por

objeto valores, préstamos o depósitos, índices u

otros instrumentos de naturaleza financiera;

que tengan normalizados su importe nominal,

objeto y fecha de vencimiento, y que se nego-

cien y transmitan en un mercado organizado

cuya Sociedad Rectora los registre, compense y

liquide, actuando como compradora ante el

miembro vendedor y como vendedora ante el

miembro comprador”124.

III. O Regulamento MEFF define contratos de

futuros como o “contrato a plazo por el cual el

comprador se obliga a comprar el Activo Sub-

yacente y el vendedor a venderlo a un precio

pactado (Precio de Futuro) en una fecha futura

(Fecha de Liquidación)”, acrescentando que,

quanto à liquidação do contrato, esta pode reali-

zar-se por meras diferenças125.

IV. Na doutrina, uma noção básica avançada

por alguns autores, reconduzindo os contratos

de futuros ao regime dos contratos de compra e

venda, considera que este é um contrato “por el

que las partes intervinientes se obligan a com-

prar o vender activos, reales o financieros, en

una fecha futura, especificada de antemano, a

un precio acordado en el momento de la firma

del contrato”126. Para outros autores, a noção

tem de incluir, necessariamente, a referência ao

mercado dada a essencialidade deste para a

existência destes contratos. Neste sentido, o

contrato de futuros é definido como aquele pelo

qual “las partes se obligan a dar o recibir de la

Cámara de Compensación del Mercado en el

que se celebra la cantidad de dinero (o, inclu-

so, en ciertas modalidades, y sólo el último día

124- Para uma crítica a esta definição, A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 120-121. Sublinhando a existência de uma definição de contratos de futuros na legislação espanhola – o que não se verificava no ordenamento jurídico português à data, Amadeu J. Ferreira,

“Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 145.

125- Artigo 1, n.º 5, do Regulamento MEFF.

126- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 18.

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71 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

de vencimiento, dinero por valores) que resulte

de la liquidación efectuada por dicha Cámara

al comprar el precio convenido por las partes

al contratar com el que alcancen ciertas magni-

tudes económicas externas (activo subyacente)

el día del vencimiento”127.

V. Os contributos recolhidos da legislação

(ainda que pretérita), da doutrina e das regras

do mercado conduzem a quatro aspectos que

nos permitem desenhar os contornos dos con-

tratos de futuros no sistema espanhol, ou seja, o

seu objeto (os contratos de futuros são aqueles

“que tengan por objeto valores, préstamos o

depósitos, índices u otros instrumentos de natu-

raleza financiera”); o seu caráter normalizado

(“que tengan normalizados su importe nominal,

objeto y fecha de vencimiento”), a negociabili-

dade em mercado organizado (“que se negocien

y transmitan en un mercado organizado”) e a

interposição da entidade gestora como contra-

parte em todos os contratos (contratos em que a

“Sociedad Rectora (…) [intervenha no merca-

do], actuando como compradora ante el mem-

bro vendedor y como vendedora ante el miem-

bro comprador”).

(ii) Estrutura

I. Os futuros são contratos a prazo, em que o

tempo é um elemento – circunstancial – essen-

cial. Este elemento permite indicar o modo co-

mo os efeitos jurídicos do contrato se produ-

zem; a existência de um intervalo de tempo que

medeia entre o momento da sua celebração e o

da respetiva execução ou vencimento “implica

que se produzca una consumación del contrato

diferida en el tiempo. Las prestaciones en que

consisten cada una de las obligaciones de las

partes se tienen que ejecutar en una fecha pos-

terior a la perfección del contrato”128.

II. No direito espanhol, a generalidade da dou-

trina reconhece aos futuros uma dupla função;

por um lado, a cobertura de risco (i.e., o investi-

dor procura cobertura para evitar o risco de que

resultem as oscilações de preços) e, por outro

lado, a especulação (i.e., o carácter aleatório das

consequências económicas que produzirá a exe-

cução do contrato faz com que este possa ser

celebrado, portanto, com um intuito meramente

especulativo)129. A utilização dos futuros para a

realização de operações de arbitragem nestes

mercados é uma terceira função sublinhada,

autonomamente, por alguns autores na doutrina

espanhola130.

III. A natureza contratual dos futuros é eviden-

ciada pelo n.º 2 do artigo 2.º da LMV. Os con-

tratos de futuros negociados em mercado orga-

nizado são normalizados, cabendo à entidade

gestora do mercado definir as condições gerais

dos mesmos131. Esta característica implica, co-

mo sublinha sugestivamente a doutrina, que

“las partes contratantes no tienen posibilidad

de entrar a discutir el contenido del contrato,

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 71

127- A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., p. 29. Para este autor, a noção avançada concentra os elementos essenciais deste contrato, i.e. “el Mercado, la relation de determinación por el activo subyacente; la intervención de la Cámara de Compensación y la función del

plazo” e afasta-o, deliberadamente, da compra e venda, dado que, segundo o autor, “el contrato de futuros financieros no se consiente en

transmitir cosa por dinero, sino en lucrarse con la diferencia entre precios de magnitudes económicas en distintos Mercados (…), de manera que la función de la compraventa en la estructura del contrato es instrumental, no esencial”, ibidem, p. 30.

128- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 77.

129- Ibidem, p. 25; sobre a função socioeconómica da gestão de riscos e a licitude da especulação financeira, J. Sanz Caballero, Derivados

Financeiros, cit., pp. 218-222 e 225-232, respetivamente.

130- Neste sentido, Emílio Días Ruiz, “Opciones y futuros financieros: contratos”, AA.VV., Derecho del Mercado Financiero - Tomo II,

Operaciones Bancarias de Gestión de Garantías, Operaciones Bursátiles – Volumen 2, Madrid: Civitas, 1994, p. 649.

131- Sobre a evolução e justificação da utilização de contratos padronizados para documentar os produtos financeiros derivados, J. Sanz

Caballero, Derivados Financieros, cit., p. 165.

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72 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

que les viene ya dado”132. O artigo 11.º do RD

1282/2010 confere poderes à CNMV para, a

pedido da entidade gestora do mercado, aprovar

as “condiciones generales de los contratos que

hayan de ser objeto de negociación, registro,

compensación, liquidación y contrapartida, así

como sus modificaciones” (n.º 1 do artigo 11.º

do RD 1282/2010).

O artigo 11.º enuncia, ainda, de forma não taxa-

tiva, o conteúdo das cláusulas gerais, devendo

estas incluir, pelo menos, “a) descripción del

tipo de subyacente de los contratos; b) catego-

ría o grupo de contratos al que pertenece, en su

caso; c) importe nominal; d) funciones que la

sociedad rectora llevará a cabo en relación con

los contratos; e) modo de determinación de los

vencimientos de contratos admitidos a efectos

de negociación y contrapartida; f) forma de

cotización para los contratos que sean objeto

de negociación; g) determinación del formato

del precio para los contratos que se registren

sólo a efectos de contrapartida; h) miembros

con acceso a la negociación o al registro a

efectos de contrapartida; (…) j) reglas de liqui-

dación al vencimiento, con indicación, en su

caso, de la forma de determinación de los valo-

res entregables o del precio de liquidación a

vencimiento; k) reglas de determinación, si pro-

cede, de las garantías exigibles” (n.º 2 do artigo

11.º do RD 1282/2010).

A padronização dos contratos de futuros é um

elemento reiterado pelas regras do mercado. O

artigo 1.º do Regulamento MEFF define

“Condiciones Generales” como as “[n]ormas

que describen las características concretas de

cada Contrato, desarrollando el presente

Reglamento y que forman parte integrante del

mismo (…)”, cabendo à MEFF, no âmbito das

suas funções, ”[d]efinir las características con-

cretas de cada Contrato admitido a negociaci-

ón en las Condiciones Generales del Contrato

de que se trate” (artigo 2.º Regulamento

MEFF)133. A MEFF, acolhendo a estipulação

legal quanto às cláusulas contratuais gerais,

elenca, no âmbito do seu Regulamento, os ele-

mentos que estas devem incluir, designadamen-

te, “A) a denominación de los Contratos; B)

Sus características y forma de liquidación; C)

El Grupo de Contratos al que pertenecen; D)

Funciones que MEFF llevará a cabo en rela-

ción con los Contratos; E) Normas particulares

que, en su caso, deben aplicar en materia de

Solicitud de Registro y procedimiento de acep-

tación de la Solicitud en el Registro Contable;

F) En el caso de Contratos cuyo Activo Subya-

cente sea un índice, se contendrá expresa refe-

rencia y remisión a las normas de composición

y cálculo del índice; G) Información que MEFF

difundirá, en relación con los Contratos”. A

norma do Regulamento MEFF reflete, portanto,

o âmbito material definido pelo referido artigo

11.º, n.º 2, do RD 1282/2010.

IV. Quanto ao objeto dos contratos de futuros,

distinguiremos entre o objeto imediato e

mediato134.

O objeto mediato dos contratos de futuro con-

substancia-se no ativo subjacente que o contrato

tem por referência; “el objeto del contrato lo

constituye el interés patrimonial existente sobre

un determinado instrumento financiero, esto es,

la relación económica que vincula al acreedor

de la deuda de valor con el citado activo subya-

cente, interés que se concreta finalmente en

dinero, pero no en sí mismo considerado, sino

132- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 57.

133- E. Días Ruiz, “Opciones y futuros…”, cit., p. 667; A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 21.

134- Para uma súmula das correntes doutrinárias civilísticas sobre o objeto dos contratos no ordenamento jurídico espanhol, nomeadamen-

te à luz do artigo 1.261 do Código Civil espanhol, J. Sanz Caballero, Derivados Financeiros, cit., p. 184.

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73 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

como medida de un valor determinado de

acuerdo con las bases y elementos externos a

las partes estipulados por éstas en el contra-

to”135. Os ativos sobre os quais os contratos de

futuros podem ser construídos estão previstos

no artigo 2.º da LMV (que reflete, pontualmen-

te, as diretrizes da DMIF). Quanto ao ativo sub-

jacente, encontramos no Regulamento MEFF, a

regra segundo a qual os contratos sobre os quais

recaia o mesmo ativo subjacente formam uma

classe de contratos (artigo 1.º, n.º 5, do Regula-

mento MEFF).

De acordo com as Condiciones Generales dos

contratos de futuros sobre ações definidos pela

MEFF, admite-se como objeto tanto “activos

subyacente español, con liquidación por entre-

ga, y fecha de vencimento”, como “acciones,

con liquidación por diferenciais con fecha de

vencimiento estándar” (cláusula 3.ª das Condi-

ciones Generales). Em qualquer dos casos, terá

de tratar-se de “acciones ya emitidas, totalmen-

te desembolsadas y que coticen en el Sistema de

Interconexión Bursátil o en otras Bolsas de Va-

lores reconocidas por MEFF” (cláusula 2.ª, §1,

das Condiciones Generales). Cabe à MEFF, por

circular, definir as ações que são admitidas co-

mo ativo subjacente aos contratos de futuros

(cláusula 2.ª, §2, das Condiciones Generales).

O objeto imediato do contrato consubstancia-se

nas prestações contratuais que resultam da ope-

ração. De entre o feixe de direitos e obrigações

que resultam destes contratos salientam-se, por

um lado, os direitos e deveres recíprocos de

compra do ativo subjacente e de pagamento do

preço pré-determinado numa data futura

(liquidação física) ou de pagamento das dife-

renças pecuniárias apuradas numa data futura

(liquidação financeira)136 e, por outro lado, o

cumprimento de outras obrigações perante a

entidade gestora do mercado, no mercado espa-

nhol, a MEFF, como a prestação de garantias, o

seu reforço ou substituição (artigos 5.º e 8.º do

Regulamento MEFF, sobre os direitos e obriga-

ções dos membros do MEFF e seus clientes)137.

V. Quanto aos sujeitos, a análise dinâmica dos

contratos de futuros e dos mercados onde são

negociados revela um feixe subjetivo comple-

xo; os contratos de futuros negociados em mer-

cado regulamentado são multilaterais, envol-

vendo os contraentes, bem como a entidade

gestora do mercado que, no ordenamento jurídi-

co espanhol, coincide com a contraparte central,

e um conjunto de outros membros do mercado

que, de acordo com o Regulamento MEFF, in-

clui membros negociadores (por conta própria

ou em representação dos seus clientes) e mem-

bros liquidadores (individuais ou gerais)138.

O investidor que pretenda celebrar um contrato

de futuros não poderá fazê-lo sem que seja

membro do mercado ou cliente de um membro

do mercado, pelo que, neste último caso, terá de

celebrar obrigatoriamente um contrato de co-

missão com um membro admitido pela

MEFF139.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 73

135- Ibidem, p. 186.

136- Idem.

137- Para uma descrição das obrigações que resultam para as partes contratantes dos contratos de futuros, A. Madrid Parra, Contratos y

Mercados…, cit., p. 29. O autor começa por tratar a questão abstraindo-se, deliberadamente, da padronização a que os contratos de futuros

negociados em mercado regulamentado estão sujeitos. Esta primeira aproximação permite ao autor sublinhar como, em relação aos contra-tos de futuros, o seu objeto “se ‘modaliza’ como consecuencia de convertirse el propio contrato em objeto de negociación en un mercado”.

138- Para a análise pormenorizada deste ponto que, dado o âmbito do presente trabalho, não podemos desenvolver, Eduardo M.ª Valpuesta Gastaminza, “Los mercados secundarios oficiales de futuros y opciones: algunos aspectos”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º

76, Ano XVIII, Octubre – Diciembre, 1999, pp. 46-55.

139- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 60.

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74 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Os membros do mercado de futuros podem ser,

entre outras entidades previstas na lei, socieda-

des de investimento autorizadas a executar or-

dens dos seus clientes ou a negociar por conta

própria, bem como instituições de crédito espa-

nholas (artigos 59.º, n.º 3, e 37.º, n.º 2, als. a) e

b), da LMV, artigo 21.º do RD 1282/2010 e

artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento MEFF).

O Regulamento MEFF define as diferentes

classes de membros, bem como os requisitos a

que estes estão sujeitos. Os membros negocia-

dores “podrán negociar o solicitar el Registro

de Contratos por cuenta propia o por cuenta de

sus Clientes, y transmitirán a sus Clientes el

efectivo o los Activos Subyacentes que MEFF

haya puesto a su disposición, a través de su

Miembro Liquidador General, en relación con

los Contratos registrados en sus Cuen-

tas” (artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento MEFF).

Os membros liquidadores individuais “podrán

negociar o solicitar el Registro de Contratos

por cuenta propia o por cuenta de Clientes,

responderán frente a MEFF del cumplimiento

de todas las obligaciones inherentes a los Con-

tratos y Operaciones registradas en sus Cuen-

tas y transmitirán a sus Clientes el efectivo o

los Activos Subyacentes que MEFF haya puesto

a su disposición en relación con los Contratos

registrados en sus Cuentas” (artigo 4.º, n.º 4, do

Regulamento MEFF). Sobre os membros liqui-

dadores gerais impende o ónus de “responder

frente a MEFF del cumplimiento de todas las

obligaciones inherentes a los Contratos regis-

trados en las Cuentas de los Miembros Nego-

ciadores y de los registrados en las Cuentas de

los Miembros Negociadores por Cuenta Propia

que hayan quedado identificadas, con referen-

cia al preceptivo contrato que hayan celebrado

con el Miembro Liquidador General, y transmi-

tirán a dichos Miembros Negociadores el efec-

tivo o los Activos Subyacentes que MEFF haya

puesto a su disposición en relación con los

Contratos registrados en las correspondientes

Cuentas” (artigo 4.º, n.º 5, §1, do Regulamento

MEFF). Para adquirir a qualidade de membro

liquidador geral, as entidades terão de dispor de

capital social no valor de 100 milhões de euros

(artigo 4.º, n.º 5, §2, do Regulamento MEFF).

A interposição de contraparte central é obriga-

tória em todos os contratos de futuros que se

realizem em mercado regulamentado (artigo

44.º ter., da LMV, e artigos 2.º, n.º 2 e 3, e 10.º

do RD 1282/2010)140, remetendo-se para regu-

lamento dos mercados os contornos em que a

referida interposição ocorrerá. Sobre este ponto,

o Regulamento MEFF prevê que a MEFF atue

como contraparte central em todos os contratos

negociados no seu mercado, cumulando esta

função com a de entidade gestora do mercado

(artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento MEFF)141; a

“MEFF actuará como contrapartida de los

Contratos desde el momento en que se anoten

en el Registro Central de acuerdo con lo dispu-

esto en el presente Reglamento, Circulares,

Condiciones Generales de los Contratos e

Instrucciones” (artigo 18.º, n.º 1, do Regula-

mento MEFF). Consequentemente, a MEFF

converte-se em compradora face ao vendedor e

em vendedora face ao comprador, “de tal mane-

ra que el Comprador y el Vendedor originarios

140- Sobre a interposição de contraparte central, entre outros, Rojo Álvarez-Manzaneda, Carmen, “Estado Actual del Proceso de Reforma de la Compensación y Liquidación Bursátil en España”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 119, Ano XXIX, Julio – Septiembre,

2010, p. 327.

141- A MEFF pode, contudo, em determinados casos, delegar estas funções em outras entidades. Estes casos serão objeto de acordos espe-

cíficos e os seus termos serão identificados nas Condições Gerais dos contratos (artigos 2.º, n.º 2, al. e) e 20.º, n.º 1, do Regulamento

MEFF).

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75 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

cesarán de tener derechos y obligaciones recí-

procas, pasando a tenerlos frente a MEFF

exclusivamente” (artigo 20.º, n.º 4, do Regula-

mento MEFF)142.

(iii) Negociação

I. O regime de negociação de contratos de futu-

ros encontra-se sujeito a um enquadramento

específico que define, por um lado, as regras de

negociação dos próprios contratos e a relação

entre os sujeitos envolvidos e, por outro lado, as

regras de negociação que se prendem com o

funcionamento do mercado. A análise da fase

de negociação dos contratos de futuros, cum-

prindo a sistematização proposta no início do

presente trabalho, percorrerá, em primeiro lu-

gar, o enquadramento jurídico sobre a negocia-

ção dos contratos de futuros, tal como previsto

pela LMV e pelo RD 1282/2010, passando,

subsequentemente, para a exposição das regras

definidas pelo mercado MEFF143.

Em relação às regras de negociação que se

prendem com o funcionamento do mercado,

sublinham-se as disposições legais sobre a ad-

missão à negociação, bem como sobre a sus-

pensão e a exclusão de instrumentos financeiros

admitidos à negociação. O n.º 1 do artigo 32bis

da LMV, remetendo para os regulamentos do

mercado a matéria relativa à admissão à negoci-

ação, determina, como princípio geral, que as

normas devem ser “claras y transparentes en

relación a la admisión a negociación de instru-

mentos financieros, que aseguren que éstos

puedan ser negociados de modo correcto, orde-

nado y eficiente (…)”. No caso específico dos

instrumentos financeiros derivados, a LMV

estabelece ainda que as normas devem garantir

que a formação do contrato objeto de negocia-

ção permita uma “correcta formación de preci-

os, así como la existencia de condiciones efecti-

vas de liquidación” (n.º 1 do artigo 32bis, in

fine, da LMV).

II. O artigo 33.º da LMV e o artigo 12.º do RD

1282/2010, sobre a suspensão da negociação,

conferem poderes à CNMV para a suspensão da

negociação de instrumentos financeiros preven-

do, de forma genérica, que esta ocorra sempre

que a CNMV detete situações irregulares que

possam por em causa os interesses dos investi-

dores e dos mercados. A competência para sus-

pender a negociação dos contratos é paralela-

mente conferida à entidade gestora do mercado

oficial nos termos definidos no seu próprio re-

gulamento; a lei remete, portanto, para as nor-

mas definidas pelo MEFF. Ao abrigo dos arti-

gos 34.º da LMV e 13.º do RD 1282/2010, con-

fere-se também poderes à CNMV para determi-

nar a exclusão do mercado de instrumentos fi-

nanceiros que não cumpram requisitos de difu-

são, frequência ou volume de negociação. A

competência para a exclusão de instrumentos

financeiros negociados em mercado é, igual-

mente, conferida à entidade gestora do merca-

do, a MEFF, devendo esta cumprir o estipulado

no respetivo regulamento.

Quanto à suspensão da negociação, o artigo 14.º

do Regulamento MEFF (que concretiza o

referido artigo 12.º do RD 1282/2010) estabele-

ce que a MEFF pode suspender a negociação

de contratos atendendo a razões de proteção

do mercado e dos seus membros. Quanto à

exclusão da negociação, o artigo 15.º do

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 75

142- Quanto ao momento e qualidade em que intervém a entidade gestora do mercado nos contratos de futuros, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 63. Este aspeto será explorado no ponto (iii) seguinte.

143- Para dados estatísticos sobre o volume de contratos negociados no MEFF, cf. Comisión Nacional del Mercado de Valores, Informe anual de la CNMV sobre los mercados de valores y su actuación, 2011, disponível em www.cnmv.es, pp. 91-92 [consultado em 29 de abril

de 2012].

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76 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Regulamento MEFF (que concretiza o referido

artigo 13.º do RD 1282/2010) determina que,

por razões de liquidez do mercado, a MEFF tem

poderes para excluir da negociação determina-

dos contratos. Neste último caso, contudo, a

decisão da MEFF que imponha a exclusão de

um contrato implica a não admissão à negocia-

ção de novas séries e que a negociação apenas

prossiga até ao vencimento dos contratos que

tenham posições abertas no mercado, “sin que

en ningún caso suponga la desaparición de las

obligaciones y los derechos asociados a dichos

Contratos abiertos” (artigo 15.º, in fine, do Re-

gulamento MEFF).

III. A negociação dos contratos de futuros ocor-

re, informaticamente, através da introdução pe-

los membros do mercado de ofertas no MEFF

SMART – sistema eletrónico de contratação.

Neste sistema, “la declaración contractual de

voluntad que emite el sujeto contratante se pro-

duce a traves de un medio o vehículo informáti-

co, por lo que constituye una declaración de

voluntad electrónica (…)”144. Estas ofertas co-

rrespondem às ordens que os membros do mer-

cado recebem dos seus clientes, caso estejam a

atuar em representação dos mesmos145; nos ter-

mos do artigo 39.º da LMV, quem adquire a

qualidade de membro do mercado secundário

oficial fica obrigado a executar, por conta dos

seus clientes, as ordens que receba dos mesmos

para a negociação dos valores no mercado.

O Regulamento MEFF desenvolve a forma co-

mo se processa a negociação dos contratos de

futuros, bem como o regime da sua formação.

Nos termos dos artigos 1.º, 10.º, n.º 4, e 12.º, n.º

6, todos do Regulamento MEFF, a negociação

dos contratos de futuros consubstancia-se no

momento através do qual “se da cumplimiento

a la Orden de compra o venta transmitida por

un Miembro al sistema de negociación del Mer-

cado. Para que una Orden de compra o venta

sea ejecutada, es necesario que exista otra Or-

den de compra o venta en sentido opuesto, refe-

rida a la misma Serie, que coincida en Prima

[no caso das opções] o Precio [no caso dos fu-

turos], según corresponda, o que los mejore”; a

execução de uma ordem de sinal contrário “da

lugar a una Transacción que, una vez confir-

mada por MEFF se anota en el Registro Cen-

tral dando lugar al nacimiento de las obliga-

ciones que surgen para las partes”146. Nos ter-

mos do artigo 12.º, n.º 4, do Regulamento

MEFF, vigora a regra da prioridade do registo,

sendo as ordens de compra e de venda proces-

sadas pela sua ordem de chegada. A execução

das ordens terá como critérios: (i) o melhor

preço; (ii) a antiguidade da ordem de compra ou

de venda; (iii) tipo ou volume da ordem de

compra ou de venda; e (iv) o tipo de ordem. A

MEFF define, através de circular, as caracterís-

ticas e os requisitos a que os diferentes tipos de

ordens de compra e de venda estão sujeitos147.

IV. Sobre a natureza do que encontramos no

Regulamento MEFF como orden, a doutrina

espanhola tem considerado a expressão impre-

cisa; “la ‘orden de Mercado’ (opto por esta

denominación, comprensiva de toda ‘orden’

que recoge las declaraciones negociales este-

reotipadas propias de un sistema electrónico de

contratación bursátil, como el Mercado de Fu-

turos y Opciones, sustanciado en una screen-

based multillateral negotiation) es la manifesta-

ción de la voluntad contractual del Miembro

144- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., pp. 210-211.

145- E. Días Ruiz, “Opciones y futuros…”, cit., p. 668.

146- Nos termos do artigo 1.º, n.º 5, do Regulamento MEFF, “Registro Central” consiste no “sistema de registro contable, gestionado por

MEFF, de los Contratos registrados en las Cuentas abiertas por los Miembros en MEFF”.

147- Circular da MEFF C-DF-21/2011 sobre os tipos de ordens admitidas no mercado MEFF.

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77 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

sistema de contratación del Mercado, materia-

lizada en alguno de los tipos de declaraciones

posibles”148. As ordénes a que o Regulamento

MEFF se refere têm sido enquadradas juridica-

mente como verdadeiras ofertas. Neste sentido,

A. Contreras y Vilches defende que “la trans-

cendencia de la calificación como oferta de

contrato que es posible asignar a la orden de

Mercado reside en la consiguiente atribución a

ésta del régimen jurídico de la oferta contrac-

tual (…). Las materias esenciales que aborda el

régimen de la oferta atañen (…) sobre todo a su

vigencia; a la posibilidad o imposibilidad de su

modificación y revocación; a los efectos que, en

su caso, se siguen de éstas; y su función en la

perfección del contrato, por lo que resulta obli-

gado el análisis de la orden como oferta con-

tractual”149.

Tal como assinalámos na análise perfunctória

quanto à natureza da oferta no ordenamento

jurídico português, também a doutrina espanho-

la sublinha a especificidade desta oferta150. Se,

por um lado, é possível afirmar que “los ele-

mentos que caracterizan a la oferta de contrato

se dan en la orden de Mercado: se trata de una

declaración negocial efectuada con intención

real y seria por parte del emitente de concluir

un contrato; esta declaración tiene carácter

completo, de modo que integra toda la informa-

ción necesaria para concertar el negocio sobre

la oferta realizada”151, não pode deixar de notar

-se que, por outro lado, nas ordens relativas aos

contratos de futuros, “resulta difícil distinguir

entre oferta y aceptación: en principio, una

orden de Mercado puede configurarse indistin-

tamente como oferta o como aceptación, puesto

que el contenido de la orden no distingue entre

una y outra. En consecuencia no hay diferen-

cias ni externas ni en cuanto al destinatario en

las órdenes de Mercado para poder ser califi-

cadas como oferta o como aceptación”152.

Vemos, portanto, vincada a característica de

indiferenciação dos destinatários da oferta; a

ordem [rectius: oferta] lançada no sistema pelos

membros do mercado “se ofrece a la generali-

dad de participantes en la negociación, si bien

sólo se cruzará (será aceptada) por otra orden

simétrica inversa emitida por uno de los inter-

vinientes en la contratación”153.

V. Segundo o Regulamento MEFF, todas as

ordens de compra e de venda transmitidas ao

sistema de negociação são vinculativas “desde

el momento en que hayan sido aceptadas por

MEFF” (n.º 2, do artigo 12.º, do Regulamento

MEFF). Esta aceitação é condição de validade

do negócio jurídico; “MEFF deverá expressa-

mente aceptar una Orden de compra o venta,

así como su ejecución o cancelación, para que

tal Orden de compra o venta, ejecución o can-

celación sean válidas” (n.º 4, do artigo 12.º, do

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 77

148- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 212.

149- Ibidem, p. 225 (sublinhado nosso).

150- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 61-62.

151- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 225. Neste sentido, é também curioso assinalar a formulação de A. Madrid Parra para o qual, a partir da introdução da oferta no sistema, “se establece un mecanismo peculiar de negociación y perfección del contrato, que viene

exigido por el hecho de negociarse a través de un sistema electrónico (…)”. Neste âmbito, o autor explica que “[s]i tiene que producir una

nueva oferta, de parte compradora o vendedora, que se traduce en una orden (…) que se introduce en el sistema informático del mercado. Dicha orden se puede convertir en aceptación, si se encuentra en el ordenador central con una orden-oferta previa que cuadra o casa con

la misma. O bien una vez conocida la existencia de la oferta, ésta puede ser objeto de aceptación introduciendo la orden pertinente de

signo contrario que case con ella”. O autor conclui que “la perfección del contrato tiene lugar efectivamente en el momento en que coinci-den las voluntades de oferente y aceptante”, sublinhando, contudo, que “la determinación de esa coincidencia se produce por un ordena-

dor central al constatar las existencia de órdenes coincidentes en sentido contrario, que son casadas automáticamente”, A. Madrid Parra,

Contratos y Mercados…, cit., pp. 62-63.

152- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., pp. 225-226.

153- Idem.

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78 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Regulamento MEFF).

A interposição da MEFF nos contratos de futu-

ros é explicada na doutrina espanhola através

do mecanismo da sub-rogação. Neste sentido,

A. Madrid Parra defende que “en el preciso

momento en que se perfecciona el contrato se

produce una ficción jurídica que da lugar, en

realidad, a la perfección de dos contratos com-

plementarios. En lugar de perfeccionarse un

contrato entre los dos miembros del mercado

contratantes, el negocio jurídico celebrado en-

tre ambos se formaliza o instrumenta mediante

su desglose en dos. En la relación jurídica en-

tre ambos se interpone la Sociedad Rectora del

mercado, que frente a cada parte contratante se

subroga en la posición de la otra”154; o autor

desenvolve a sua posição, referindo que “la fic-

ción consiste, pues, en substituir la relación

jurídica surgida del contrato negociado por

otros dos contratos de contenido económico

equivalente para cada una de las partes, pero

con la ventaja añadida de que la nueva contra-

parte en la relación contractual no es ya un

miembro o cliente anónimo del mercado, sino

la Sociedad Rectora de éste que garantiza el

buen fin del contrato”155. Verifica-se, assim, na

doutrina espanhola o entendimento segundo o

qual a MEFF “por subrogación resulta compra-

dora frente al vendedor y, en los mismos térmi-

nos, vendedora frente al comprador”156.

A MEFF assume, na qualidade de contraparte, a

obrigação de realizar a liquidação financeira ou

física dos contratos, verificando-se o direito dos

membros, consoante a classe a que pertençam, a

“[r]ecibir los importes en efectivo correspon-

dientes a las Operaciones registradas en sus

Cuentas (…); [r]ecibir el precio pactado a cam-

bio del Activo Subyacente, o recibir el Activo

Subyacente a cambio del precio pactado en la

forma que se determine en las Condiciones Ge-

nerales, en las Circulares y en las Instrucciones

que MEFF publique” (als. b) e c), do n.º 1, do

artigo 5.º, do Regulamento MEFF).

Para garantia das posições da MEFF contra o

incumprimento dos seus membros, estão estes

obrigados a prestar garantias (al. f), do n.º 2, do

artigo 5.º do Regulamento MEFF), matéria de

que tratará o ponto seguinte.

(iv) Gestão de posições

e prestação de garantias

I. O tempo que medeia entre a celebração do

contrato e a sua execução numa determinada

data futura implica que no mercado em que es-

tes contratos são negociados se mantenham

abertas posições que correspondem às ofertas

de compra ou de venda introduzidas pelos

membros do mercado, com vista à realização

de operações157. Para mitigar os riscos de

incumprimento inerentes ao funcionamento do

mercado, a realização de operações de futuros

pressupõe a existência de um sistema de

segurança, cujos contornos compete à entidade

gestora do mercado definir, e que se materiali-

za, entre outros mecanismos, nos ajustes de

ganhos e perdas, bem como na constituição de

garantias158.

154- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 63 (sublinhado nosso).

155- Idem.

156- Idem.

157- Sobre o “tiempo de la obligación”, A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 414.

158- Alfonso de Contreras y Vilches, “Las garantías del contrato de futuros financieros”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 89,

Ano XXII, Enero – Marzo, 2003, p. 132.

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79 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

II. O mecanismo de ajustes de ganhos e perdas

corresponde no sistema jurídico espanhol à li-

quidación diária de ganancias y perdidas que

tem, portanto, fundamentalmente, como função

“disminuir el riesgo de incumplimiento a la vez

que facilita una liquidación diaria de una in-

versión a medio o largo plazo”159. Chamando a

atenção para a utilização imprópria do termo

liquidação quando este se reporta aos ajustes

diários de ganhos e perdas, A. Contreras y

Vilches explica que, no âmbito das operações

de mercado, a liquidação, genericamente, cor-

responde à “consumación de la operación bur-

sátil; es decir, la entrega (material o fictícia) de

los valores negociados y el pago del precio”160.

Em termos genéricos, a liquidação do contrato

corresponde, portanto, à execução do mesmo. A

liquidação do contrato de futuros implica, con-

tudo, uma leitura distinta do que se entende por

liquidação. Como explica o autor, a liquidação

dos contratos futuros que se negoceiam em

mercado regulamentado é uma operação com-

plexa que se realiza através de uma sucessão de

procedimentos, implicando, designadamente, o

apuramento diário do quantum da prestação, a

identificação das partes e a consolidação dos

saldos líquidos resultantes do cruzamento das

posições abertas no mercado161.

Nos termos dos artigos 21.º e 1.º, n.º 5, do Re-

gulamento MEFF, a liquidación de pérdidas y

ganancias dos contratos registados em conta

consiste na “liquidación periódica en efectivo

de las diferencias entre el Precio del Contrato y

el Precio de Liquidación, o entre el último Pre-

cio de Liquidación y el del día del cálculo para

los Contratos que ya estuviesen abiertos al

inicio del día del cálculo. (…) Las Condiciones

Generales de los Contratos pueden establecer

que la Liquidación de Pérdidas y Ganancias se

incorpore a las Garantías por Posición. La Li-

quidación de Pérdidas y Ganancias se efectua-

rá con la periodicidad que establezcan las Con-

diciones Generales. A falta de estipulación

expresa, la Liquidación de Pérdidas y Ganan-

cias se efectuará diariamente”. O Regulamento

MEFF descreve, portanto, o procedimento dos

ajuste de ganhos e perdas a que os contratos de

futuros (ou as posições que eles representam no

mercado) ficam sujeitos quando transacciona-

dos no mercado MEFF.

Por último, referimos que as Condiciones Ge-

nerales da MEFF relativas aos contratos de fu-

turos que temos vindo a analisar estabelecem –

quer para os contratos que admitem liquidação

física, quer para os contratos que admitem li-

quidação financeira –, que a periodicidade dos

ajustes de ganhos e perdas é diária, realizando-

se em dinheiro com base na diferença calculada

por referência ao preço de liquidação diária da

sessão anterior (cláusula 8.º das Condiciones

Generales).

III. A prestação de garantias no âmbito das ope-

rações a prazo merece especial atenção na LMV

e no RD 1282/2010, bem como nas regras do

mercado MEFF. Note-se que a finalidade dos

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 79

159- E. Días Ruiz, “Opciones y futuros…”, cit., p. 672.

160- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 424.

161- A determinação do âmbito da operação de liquidação não é, portanto, linear e, para efeitos, teóricos-expositivos, a doutrina espanhola

avança diferentes formas de tratar o tema. Neste sentido, A. Contreras y Vilches sugere que, o que a lei designa por liquidação deve abarcar

“el conjunto de operaciones que compreende la ejecución [diaria] del contrato, con inclusión de aquellas que son necesárias para la determinación de sujetos y quantum de dicha prestación principal de pago de las pérdidas, así como la asignación de los resultados de esa

actividad a cada protagonista o agente del Mercado, compensándose el saldo resultante de cada contrato con el conjunto de posiciones

abiertas que mantiene en el Mercado”. A segunda fase ou, como o próprio autor refere, a “fase de pagamento” compreenderia, por seu turno, “los actos de pago de las prestaciones, una vez determinadas éstas e integrado su importe en el saldo global del sujeto”, A.

Contreras y Vilches, El contrato…, cit., pp. 427-429.

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80 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

montantes prestados a título de garantia preten-

de assegurar o cumprimento do contrato, evi-

tando riscos para o mercado. Sobre a estreita

relação entre o regime de garantias e o funcio-

namento do próprio mercado, A. Contreras y

Vilches sublinha que a prestação de garantias é

mesmo considerada por alguns autores como

uma verdadeira “condición legal” para que o

mercado possa operar162.

Quanto ao regime de garantias, o artigo 59.º da

LMV remete para o regulamento do mercado de

futuros a definição dos seus contornos (n.º 7 da

referida disposição), determinando que “[l]as

garantías que los miembros del correspondien-

te mercado y los clientes constituyan (…) sólo

responderán frente a las entidades a cuyo favor

se constituyeron y únicamente por las obligaci-

ones que de tales operaciones deriven para con

la sociedad rectora o los miembros del corres-

pondiente mercado” (n.º 8 da mesma disposi-

ção).

O artigo 23.º do RD 1282/2010 remete, igual-

mente, para o regulamento do mercado a defini-

ção dos contornos do regime de garantias, esta-

belecendo que estas devem prestar-se atenden-

do a um conjunto de fatores, como as posições

abertas que os membros mantenham no merca-

do, a categoria de membros do mercado e as

funções que cada membro desempenhe no mer-

cado. O artigo 24.º do RD 1282/2010 determina

que o regulamento do mercado pode prever a

constituição de uma garantia coletiva, obrigató-

ria para todas ou para determinadas categorias

de membros.

Perscrutaremos, então, o regime da prestação

de garantias previsto no Regulamento MEFF.

Nos termos da al. f), do n.º 2, do seu artigo 5.º

prevê-se que os membros do mercado, depen-

dendo da classe a que pertençam, estão obriga-

dos à prestação de garantias. Os artigos 22.º e

ss. do Regulamento MEFF elencam as garantias

exigidas por contas abertas no registo central da

MEFF, estabelecendo-se que a “MEFF podrá

exigir todas o algunas de las siguientes clases

de Garantías en relación con las Cuentas

abiertas en el Registro Central (…): A. Garan-

tía por Posición, cuya finalidad es cubrir el

riesgo de la Posición de cada Cuenta; B. Ga-

rantía Individual, cuya finalidad es cubrir el

riesgo de MEFF en relación con los Miembros

Liquidadores; C. Garantía Extraordinaria, cu-

ya finalidad es cubrir el riesgo de MEFF en

situaciones extraordinarias; e D. Garantía Co-

lectiva, cuya finalidad es cubrir los eventuales

saldos deudores resultantes de la adopción de

las correspondientes medidas en caso de In-

cumplimiento de un Miembro Liquidador In-

cumplidor” (artigo 22.º, nº 1, do Regulamento

MEFF)163.

O Regulamento MEFF estipula ainda, no seu

artigo 23.º, que os membros do mercado devem

exigir aos seus clientes a prestação de garantias

“con la finalidad de cubrir el riesgo propio de

la Posición correspondiente a cada una de esas

Cuentas, así como las circunstancias de riesgo

que concurran en el Cliente”. O montante des-

tas garantias, segundo o Regulamento MEFF,

deve ser definido com base nos critérios de ava-

liação de risco utilizados pela própria MEFF,

impondo-se que “en ningún caso su importe

podrá ser inferior al que exigiría el MEFF para

la misma posición” (n.º 2, in fine, do artigo 23.º

do Regulamento MEFF).

Por fim, ainda no âmbito do regime de garan-

tias, e como válvula de segurança última do

162- A. Contreras y Vilches, “Las garantias…”, cit., p. 144.

163- O anterior Regulamento MEFF previa apenas três tipos de garantias, i.e., garantias iniciais, diárias e extraordinárias. Neste sentido, A.

García Rodríguez, “Nuevo Reglamento de MEFF”, cit., p. 271 e E. Días Ruiz, “Nueva Normativa Reglamentaria…”, cit., p. 75.

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81 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

sistema, o Regulamento MEFF prevê que a

própria MEFF reserve um montante dos seus

fundos próprios para cada grupo de contratos,

com o objetivo de “en concepto de garantía”,

assegurar a cobertura de “eventuales saldos ne-

gativos (…) en caso de Incumplimiento de un

Miembro Liquidador que (…) excedan del im-

porte resultante de la suma de las Garantías

por Posición, Extraordinarias, Individual y de

la aportación a la Garantía Colectiva de dicho

Miembro Incumplidor” (artigo 25.º, n.º 1, do

Regulamento MEFF)164.

(V) Liquidação

I. O cumprimento das obrigações que decorrem

para as partes dos contratos de futuros pode

ocorrer antes da data do seu vencimento, atra-

vés do processo de liquidação diário de ganhos

e perdas, ou na data do seu vencimento165.

II. Nos termos do artigo 44bis da LMV e do

artigo 14.º do RD 1282/2010, prevê-se a criação

de uma entidade (sociedade de gestão de siste-

mas de registo, compensação e liquidação de

valores) a quem incumbe a função de gerir o

sistema de liquidação e compensação do merca-

do. Os artigos 44ter e 59.º da LMV esclarecem

que também a contraparte central no mercado

de futuros pode proceder à liquidação das obri-

gações que resultarem da execução das opera-

ções166.

III. Nos termos dos artigos 1.º, n.º 5, e 21.º do

Regulamento MEFF, a liquidação é um termo

utilizado de forma ampla que tanto compreende

a liquidação de perdas e ganhos que, como veri-

ficámos, ocorre, em regra, diariamente167, como

as diferentes modalidades através das quais

a liquidação pode ocorrer. O Regulamento

MEFF distingue, assim, entre liquidação por

diferenças (ou liquidação financeira) e a liqui-

dação através da entrega do ativo subjacente

(ou liquidação física). A liquidação financeira,

nos termos do Regulamento MEFF, consiste no

“procedimiento por el cual el cumplimiento del

Contrato en las Fechas de Liquidación se pro-

duce únicamente mediante la transmisión en

efectivo de la diferencia entre el precio o pre-

cios pactados en el Contrato y el Precio de Li-

quidación” (artigo 1.º do Regulamento MEFF).

A liquidação física consiste no “procedimiento

por el cual el cumplimiento del Contrato en las

Fechas de Liquidación se produce mediante la

entrega del Activo Subyacente por la parte que

debe vender a la parte que debe comprar, a

cambio del Precio de Entrega” (artigo 1.º do

Regulamento MEFF).

Quanto aos procedimentos a adotar para que a

liquidação ocorra, o Regulamento MEFF esti-

pula que cabe à MEFF realizar junto do mem-

bro liquidador o pagamento dos montantes em

dinheiro ou entregar o ativo subjacente que

corresponda aos contratos registados nas contas

do registo central. O Regulamento remete

para as Condiciones Generales a definição do

“momento en que se entenderá producido el

cumplimiento de las obligaciones de MEFF en

relación con la entrega del Activo Subyacente,

de acuerdo con las características propias y el

régimen aplicable en el mercado o sistema de

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 81

164- Para uma descrição e análise aprofundada do sistema de garantias no ordenamento jurídico espanhol, à luz, contudo, do anterior Regulamento MEFF, A. Contreras y Vilches, “Las garantias…”, cit., p. 137.

165- A liquidação corresponde, como sublinhámos, à execução do contrato, ou seja, ao momento em que se verifica o cumprimento das obrigações a que as partes contratualmente se obrigaram, A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 421-422.

166- Para uma descrição pormenorizada do sistema de compensação e liquidação em Espanha (ainda que à luz da LMV, na sua redação

de 94), Ubaldo Nieto Carol, “Sistema de liquidación y compensación de operaciones bursátiles”, in AA.VV., Derecho del Mercado

Financiero - Tomo II, Operaciones Bancarias de Gestión de Garantías, Operaciones Bursátiles – Volumen 2, Madrid: Civitas, 1994,

p. 573, §IV.

167- Cf. ponto (iv) anterior.

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82 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

liquidación correspondiente a las Operaciones

que deben ejecutarse sobre el Activo Subyacen-

te”. A liquidação financeira, nos termos do

Regulamento MEFF, poderá ocorrer por

“compensación multilateral de los saldos

acreedores y deudores de efectivo de cada

Miembro Liquidador, incluyendo las comisio-

nes debidas a MEFF” (artigo 21.º, n.º 3, do

Regulamento MEFF).

Quanto à relação entre os membros do mercado

e os seus clientes no âmbito da liquidação, o

Regulamento MEFF prevê a realização por

estes “[d]el pago de las liquidaciones en efecti-

vo y la entrega del Activo Subyacente corres-

pondientes a los Contratos registrados en sus

Cuentas”, estipulando que o cumprimento das

obrigações entre os membros do mercado e os

seus clientes no âmbito da liquidação financeira

“(…) se produce en el momento en que el Mi-

embro Liquidador correspondiente pone el

efectivo a disposición de MEFF” (artigo 21.º,

n.º 4, 2.ª parte, do Regulamento MEFF). No

âmbito da liquidação física, o Regulamento

MEFF prevê que o cumprimento das obrigações

que resultem para os membros do mercado e os

seus clientes “se produce cuando la operación

sobre el Activo Subyacente se ha efectuado de

acuerdo con lo establecido en las correspondi-

entes Condiciones Generales de cada Contrato

y Circulares” (artigo 21.º, n.º 4, in fine, do Re-

gulamento MEFF). Nos termos das Condicio-

nes Generales dos contratos de futuros que ad-

mitem liquidação física, a liquidação do contra-

to ocorre na data em que se realizem as com-

pras e vendas de ações que se liquidam no pra-

zo correspondente; nos contratos de futuros que

admitem apenas liquidação financeira, a liqui-

dação realiza-se com referência ao dia útil se-

guinte ao da data de vencimento (cláusula 3.ª

das Condiciones Generales).

3. SÍNTESE COMPARATIVA

I. Considerações gerais. A presente secção pre-

tende sistematizar as diferenças e as semelhan-

ças encontradas quanto ao regime jurídico dos

contratos de futuros sobre ações nos ordena-

mentos jurídicos português e espanhol, bem

como nos respetivos mercados onde os mesmos

são operados, complementando, quando perti-

nente, as posições avançadas ao longo do pre-

sente exercício.

II. Dos mercados de futuros. A título prelimi-

nar, assinala-se que a criação dos mercados de

futuros ocorreu tanto em Portugal como em

Espanha na década de 90, com o início da ativi-

dade, respetivamente, da Bolsa de Derivados do

Porto e do MEFF. No momento da sua criação,

a Bolsa de Derivados do Porto e o MEFF parti-

lhavam o mesmo sistema de negociação, facto

que naturalmente terá contribuído para aproxi-

mar os dois mercados. Atualmente, contudo,

esta coincidência não se verifica. Na sequência

da incorporação do mercado bolsista português

no Grupo Euronext, o segmento do mercado de

futuros português passou a integrar a LIFFE

CONNECT, plataforma de negociação dos con-

tratos de futuros, nomeadamente o SSF, dando

continuidade ao projeto iniciado na década de

90 com a – hoje extinta – Bolsa de Derivados

de Porto. Em Espanha, os futuros continuam a

ser negociados no MEFF.

Quanto ao âmbito territorial dos mercados, de-

notámos uma distinção que se prende com a

organização administrativa dos dois países em

análise. Em Espanha, para além dos mercados

previstos expressamente na LMV, como o mer-

cado de futuros, de âmbito estatal, prevê-se a

possibilidade de criar mercados com âmbito

territorial autonómico, sendo as respetivas

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83 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Comunidades Autonómicas as entidades com-

petentes para autorizar a criação destes merca-

dos. Os mercados regulamentados em Portugal

têm âmbito nacional, não estando prevista a

possibilidade de criar mercados regulamentados

com âmbito territorial distinto.

III. Da noção (legal) e natureza dos futuros.

Sublinhamos que, atualmente, a noção legal de

futuros é inexistente, tanto em Portugal, como

em Espanha. Em ambos os ordenamentos jurí-

dicos, os futuros reconduzem-se ao elenco dos

instrumentos financeiros plasmados, respetiva-

mente, no CVM, em Portugal, e na LMV, em

Espanha. Este elenco reflete as diretrizes da

DMIF, pelo que não existem diferenças a assi-

nalar.

Ainda em relação à noção de futuros, sublinha-

mos que em Portugal as versões anteriores ao

CVM não consagravam especificamente uma

definição de futuros, mas de operações a prazo

nas quais se elencavam os futuros como uma

modalidade; a noção de futuros era apenas con-

ferida pelo Regulamento da BDP. Em Espanha,

diferentemente, o RD 1814/1991 conferia, ex-

pressamente, uma definição de futuros. Esta

noção legal vigorou até 2010, ano em que o

referido diploma foi revogado.

Com base nos elementos identificados na legis-

lação pretérita, bem como nos atuais regula-

mentos dos mercados LIFFE e MEFF, parece-

nos possível gizar uma noção de futuros que

sublinhe os seus elementos fundamentais; nes-

tes termos, futuros são contratos a prazo, padro-

nizados, em que o comprador se obriga a pagar

o preço acordado e o vendedor a entregar o ati-

vo subjacente numa data pré-determinada

(liquidação física) ou em que ambos os contra-

entes se obrigam a pagar a diferença entre o

preço do contrato e o preço de referência no

vencimento (liquidação financeira), sendo cele-

brados em mercado regulamentado, com a in-

terposição obrigatória de uma contraparte cen-

tral.

Não encontramos na doutrina consenso em rela-

ção à natureza do contrato. Como verificámos

pelo iter histórico percorrido, os futuros têm

como antecedente os contratos de compra e

venda a prazo e, no âmbito destes, aqueles que

se transacionam em bolsas. Neste contexto, o

esquema negocial dos futuros encontra-se de-

calcado sobre o contrato de compra e venda,

encontrando-se amiúde a terminologia associa-

da a este tipo contratual (e.g. referência aos in-

tervenientes no contrato como comprador e

vendedor).

Nas suas origens, os contratos de futuros ti-

nham por objeto mercadorias, exigindo, assim,

uma liquidação física. Neste contexto, os futu-

ros assumiam-se como contratos de compra e

venda a prazo negociados em bolsa, caracteriza-

dos pela padronização dos seus termos e condi-

cionados pelas regras próprias de funcionamen-

to de cada mercado. Contudo, a possibilidade

de estes contratos terem como ativo subjacente

realidades tão diversas como taxas de juro, índi-

ces financeiros, índices económicos, que, pela

sua própria natureza, não são passíveis de liqui-

dação física, abriu o debate sobre a sua qualifi-

cação jurídica (e.g. contrato de compra e venda

independentemente da modalidade de liquida-

ção ou apenas quando esteja prevista a liquida-

ção física; aposta; contratos diferenciais)168.

Sem que tenhamos a pretensão de esgotar o te-

ma, aventamos – de forma, repita-se, preliminar

– que, quando dos contratos de futuros resulte

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 83

168- Sobre a natureza dos futuros que – dado o âmbito do presente estudo – não podemos desenvolver, na doutrina portuguesa, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 128 e ss.; M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., pp. 103 e ss.; A. Monteiro, Os

Contratos…, cit., pp. 46 e ss.; na doutrina espanhola, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 29-35, 79-80; J. Sanz Caballero,

Derivados Financeiros, cit., pp. 232 e ss.; A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 29 e ss.

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84 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

para os contraentes a obrigação de adquirir ou

de alienar numa data futura ativos que permi-

tam entrega física, cremos que estes têm a natu-

reza de contratos de compra e venda, a prazo,

dado que no seu vencimento permitem a entre-

ga dos ativos contra o pagamento do preço e a

transmissão da propriedade do ativo ou da titu-

laridade do direito (artigo 879.º do Código Ci-

vil). O mesmo não nos parece possível defender

quando do contrato resulte a obrigação de pagar

ou o direito de receber numa data futura a dife-

rença entre um valor de referência inicial e o

valor de mercado nessa data de ativos financei-

ros ou meramente nocionais como índices ou

taxas de juro. Neste caso, não será possível a

verificação da entrega do ativo (dada a natureza

financeira ou meramente nocional dos mes-

mos), nem o pagamento do preço (dado que

nestes contratos as partes obrigam-se apenas ao

pagamento da diferença entre o preço estipula-

do no contrato e o preço de referência apurado

no vencimento do mesmo). Consideramos as-

sim que, neste último caso, os futuros têm natu-

reza de contratos diferenciais169.

IV. Da estrutura dos contratos. Sublinha-se,

preliminarmente, que, em Espanha, é o RD

1282/2010 que elenca os elementos que devem

ser incluídos nas cláusulas gerais dos contratos

de futuros; em Portugal, este elenco é conferido

por via regulamentar, através do Regulamento

da CMVM 3/2007. A competência para aprovar

os termos das cláusulas gerais dos contratos de

futuros é conferida, em ambos os ordenamentos

jurídicos, às respetivas autoridades de supervi-

são, a CMVM, em Portugal, e à CNMV, em

Espanha.

A característica padronizada dos contratos futu-

ros é expressamente referida em ambos os orde-

namentos jurídicos, competindo à entidade ges-

tora dos respetivos mercados a elaboração das

suas cláusulas gerais. Quanto à elaboração do

conteúdo dos contratos, verificámos que, no

direito espanhol, o artigo 11.º do RD 1282/2010

refere expressamente que as condições gerais

dos contratos de futuros têm de redigir-se de

forma clara e precisa. No direito português, o

artigo 207.º do CVM não contém qualquer

menção específica quanto à forma clara e preci-

sa que deve ser adotada na elaboração dos con-

tratos de futuros. Contudo, chama-se a atenção

para o artigo 7.º do CVM que, quanto à qualida-

de da informação, refere que “a informação

respeitante a instrumentos financeiros (…) deve

ser completa, verdadeira, atual, clara, objecti-

va e lícita” (n.º 1, do artigo 7.º, do CVM). Inte-

grada no Título I (Disposições Gerais) do

CVM, a referida disposição é transversal ao

diploma e, por isso, aplicável às cláusulas ge-

rais dos contratos de futuros.

Em ambos os ordenamentos jurídicos, são

exemplificativas as normas que elencam o con-

teúdo que as cláusulas gerais devem prever.

Ainda que as normas quanto ao conteúdo das

cláusulas gerais dos contratos de futuros sejam

semelhantes nos dois ordenamentos jurídicos,

verificam-se algumas diferenças. Enquanto o

Regulamento da CMVM 3/2007 prevê que as

cláusulas gerais incluam os limites mínimos de

variação de preços, bem como o primeiro e o

último dia de negociação de cada ciclo de ven-

cimento (dois itens não elencados na legislação

espanhola); o RD 1282/2010 prevê que as cláu-

sulas gerais incluam as funções da sociedade

gestora, bem como a indicação dos membros

com acesso à negociação ou ao registo para

efeitos de contraparte central e as regras relaci-

onadas com as garantias exigidas (elementos

que não se encontram expressamente previstos

no Regulamento da CMVM 3/2007).

169- Neste sentido, A. Monteiro, Os Contratos…, cit., p. 73; C. Ferreira de Almeida, “Contratos Diferenciais”, cit., p. 19 e, do mesmo autor, Contratos II…, cit., p. 137; também M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 120, na parte em que afasta perentoriamente a

natureza de compra e venda quanto se trate de futuros com mera liquidação financeira.

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85 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A função dos contratos de futuros, bem como o

seu objeto e sujeitos são aspetos semelhantes

nos dois ordenamentos jurídicos. A cobertura

ou redução da exposição ao risco é a função

social ou a motivação específica dos contratos

de futuros. O objeto imediato do contrato con-

substancia-se nas prestações contratuais que

resultam da relação contratual. De entre o feixe

de direitos e obrigações que resultam destes

contratos salientam-se, por um lado, os direitos

e deveres recíprocos de compra do ativo subja-

cente e de pagamento do preço pré-determinado

numa data futura (liquidação física) ou de paga-

mento das diferenças pecuniárias apuradas nu-

ma data futura (liquidação financeira) e, por

outro lado, o cumprimento de outras obrigações

perante a entidade gestora do mercado onde

estes contratos são celebrados. O objeto media-

to dos contratos de futuros consubstancia-se no

ativo subjacente, cujo elenco, que resulta da

transposição da DMIF, é comum aos dois orde-

namentos jurídicos. Quanto aos sujeitos, os

contratos de futuros negociados em mercado

regulamentado são multilaterais, envolvendo

compradores e vendedores, bem como a entida-

de gestora do mercado, contraparte central,

membros negociadores, compensadores e cria-

dores do mercado.

V. Da negociação dos contratos. A padroniza-

ção que caracteriza os contratos de futuros pre-

tende assegurar uma maior eficiência e liquidez

do mercado, mitigando os custos de transação e

acelerando a velocidade de negociação. Esta

característica limita, contudo, a negociação dos

seus termos, restringindo-se esta ao preço e à

quantidade. Quanto à negociação dos futuros, o

CVM e a LMV limitam-se a remeter a matéria

para as regras definidas pelos mercados onde os

contratos são negociados. A negociação dos

contratos de futuros segue, assim, as regras de-

finidas pelos regulamentos dos respetivos mer-

cados onde são operados, não se encontrando

regras materialmente distintas. Cada um dos

mercados conta com uma plataforma eletrónica

de negociação (LIFFE CONNECT, no mercado

NYSE-EURONEXT, e MEFF SMART, no

mercado MEFF) onde o processo se inicia com

a introdução, pelos membros (negociadores)

dos respetivos mercados, de ofertas (segundo a

terminologia utilizado no direito português) ou

de órdenes (segundo a terminologia utilizada no

direito espanhol) que, funcionalmente, não assi-

nalam diferenças.

A formação do contrato ocorre, assim, através

do cruzamento de ofertas que correspondem à

intenção, por um lado, de comprar e, por outro

lado, de vender; o contrato forma-se através do

cruzamento destas ofertas de conteúdo, total ou

parcialmente, coincidente que correspondem a

posições contratuais simétricas.

Em relação à natureza destas ofertas, não assi-

nalamos diferenças de regime. No direito portu-

guês, cremos estar perante ofertas em sentido

próprio; são ofertas dirigidas ao público e, co-

mo ofertas dirigidas ao público, são realizadas a

pessoas indeterminadas. Contudo, têm caracte-

rísticas sui generis (cf. ponto 2.2.A.(iii), §IV,

para a análise da questão à luz do direito portu-

guês). Sobre a natureza do que o Regulamento

MEFF qualifica como órdenes, a doutrina espa-

nhola tem considerado a expressão imprecisa,

tendo, igualmente, enquadrado esta realidade,

em termos jurídicos, como verdadeiras ofertas

(cf. ponto 2.2.B.(iii), §IV, para a análise da

questão à luz do direito espanhol).

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 85

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86 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A interposição de contraparte central é um re-

quisito obrigatório na negociação dos contratos

de futuros, em ambos os mercados da NYSE-

Euronext LIFFE e MEFF. Uma diferença a sub-

linhar em relação a este ponto prende-se com a

entidade que assume a função de contraparte

central. No mercado de futuros da NYSE-

Euronext LIFFE, a função de contraparte cen-

tral é assumida pela LCH.Clearnet, S.A., enti-

dade distinta da entidade gestora do mercado;

no mercado de futuros espanhol, é a própria

MEFF que desempenha a função de contraparte

central em todos os contratos negociados no seu

mercado. Em Espanha, a MEFF cumula, por-

tanto, as funções de entidade gestora do merca-

do com as de contraparte central.

Em relação à assunção da posição de contrapar-

te central, fomos levados a configurar o seu

enquadramento jurídico, nomeadamente por

vislumbrarmos nas regras da LCH.Clearnet a

sua configuração como novação. A doutrina,

em ambos os ordenamos jurídicos, não é unâni-

me quanto à qualificação desta realidade, falan-

do alguns autores em novação, outros em sub-

rogação, outros ainda em cessão da posição

contratual. Face ao regime em vigor nos dois

ordenamentos jurídicos, aventamos defensável

que a interposição da contraparte central impli-

ca que esta, face ao vendedor, fique sub-rogada

nos direitos e deveres do comprador e que, face

a este, fique sujeita aos direitos e deveres do

vendedor, afastando-se, assim, o instituto da

novação (cf. 2.2.A.(iii), §VI e 2.2.B.(iii), §V,

para a análise da questão à luz do direito portu-

guês e espanhol, respetivamente).

Ambos os ordenamentos jurídicos preveem re-

gras semelhantes sobre as situações suscetíveis

de desencadear a suspensão da negociação de

instrumentos financeiros e a exclusão dos mes-

mos à negociação, bem como as entidades com

poderes para intervir em tais situações (a

CMVM, em Portugal; a CNMV, em Espanha).

Em Portugal, estas regras estão previstas no

CVM e desenvolvidas por via regulamentar.

Em Espanha, o regime da suspensão e da exclu-

são está apenas previsto no RD 1218/2010. Os

regulamentos da NYSE-Euronext LIFFE e da

MEFF incluem, igualmente, regras sobre sus-

pensão e exclusão, conferindo às respetivas en-

tidades gestoras do mercado poderes de inter-

venção dentro dos limites definidos por via le-

gal.

VI. Do ajuste de ganhos e perdas e sistema de

garantias. Em ambos os ordenamentos jurídi-

cos, estão previstos mecanismos que pretendem

mitigar os riscos associados à operação dos

contratos de futuros. De entre estes mecanis-

mos, sublinham-se o ajuste de ganhos e perdas

e o sistema de garantias.

O ajuste de ganhos e perdas encontra-se previs-

to em ambos os ordenamentos jurídicos, estan-

do consagrado, em Portugal, no CVM e desen-

volvido, regulamentarmente, através do Regula-

mento da CMVM 5/2007, e, em Espanha, na

LMV e no RD 1218/2010. Os regulamentos dos

mercados contêm, igualmente, regras sobre o

funcionamento deste mecanismo. O Regula-

mento MEFF refere-se ao mecanismo como

“liquidación de pérdidas y ganancias”. Em

Portugal, o CVM refere-se a este mecanismo

apenas como “ajuste de ganhos e perdas”. O

termo “liquidação” é introduzido pelo Regula-

mento 5/2007, quando, no seu artigo 14.º, sob a

epígrafe “liquidação diária e liquidação no

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87 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

vencimento”, prevê que “diariamente te[nha]

lugar a liquidação de ajuste de ganhos e perdas

de acordo com preços de referência calculados

pela entidade gestora do mercado regulamenta-

do, sistema de negociação multilateral ou enti-

dade que assume a posição de contraparte cen-

tral, salvo distinta previsão nas condições ge-

rais dos contratos”. A terminologia utilizada

pelo ordenamento jurídico português e espanhol

não é, assim, totalmente coincidente; cremos,

porém, que, funcionalmente, o mecanismo

cumpre o mesmo objetivo.

Em ambos os ordenamentos jurídicos, está,

igualmente, prevista a prestação de garantias

pelos membros do mercado e seus clientes a

favor da contraparte central, que se interpõe em

todos os contratos realizados nos respetivos

mercados. Em Espanha, o regime encontra-se

consagrado por via legal; em Portugal, o regime

está previsto tanto no CVM, como no Regula-

mento da CMVM 5/2007. Ambos os ordena-

mentos jurídicos remetem os contornos do regi-

me de garantias para as regras definidas pelos

próprios mercados.

Note-se que, diferentemente do regime espa-

nhol, a lei portuguesa indica que “[a] exposição

ao risco da contraparte central e dos seus

membros deve ser coberta por cauções, desig-

nadas margens, e outras garantias” (n.º 1 do

artigo 261.º do CVM). Também os regulamen-

tos do mercado (e.g. LCH.Clearnet Clearing

Book) utilizam o termo margens. Tal como

identificámos (cf. ponto 2.2.A.(iv), §IV), a

prestação de caução a título de garantia tem

como objetivo prevenir o cumprimento de obri-

gações assumidas pela LCH.Clearnet que, na

qualidade de contraparte do membro compensa-

dor, assume a obrigação de realizar a liquidação

financeira ou física dos contratos. Para assegu-

rar as posições da LCH.Clearnet contra o in-

cumprimento dos membros compensadores,

estão estes obrigados a prestar garantias, nos

termos definidos por lei e pelos regulamentos

do mercado. Consideramos, assim, que a refe-

rência ao termo margem pela lei portuguesa não

é mais do que a aproximação da sua letra aos

termos utilizados pela gíria dos mercados, o que

não deve afastar esta realidade do instituto jurí-

dico das garantias (cf. pontos 2.2.A.(iv), §IV e

2.2.B.(iv) para o enquadramento da questão à

luz do direito português e espanhol, respetiva-

mente).

Os regulamentos da LCH.Clearnet e da MEFF

definem os tipos de garantias exigidos aos seus

membros, bem como aos clientes destes. A

LCH.Clearnet exige aos seus membros uma

margem inicial e por variações, ambas debita-

das ou creditadas pela LCH.Clearnet numa base

diária nas contas dos seus membros, consoante

os ganhos e perdas verificados no mercado. Es-

tá, igualmente, prevista uma margem intradiá-

ria, imposta e debitada pela LCH.Clearnet para

fazer face a situações extraordinárias, e uma

margem adicional, que, para além das anterio-

res, será exigida sempre que a LCH.Clearnet

considere “adequado” e “necessário” tendo em

conta a situação particular ou a natureza do ins-

trumento financeiro. Está, igualmente, previsto

um “default fund”, fundo para cobrir situações

de incumprimento dos membros do mercado

(pontos 4.3.0.1 e ss. do Clearing Rule Book). A

MEFF exige garantias por posição, individual,

extraordinária e colectiva. A garantia por posi-

ção pretende cobrir o risco associado à posição

aberta nas contas registadas no sistema central

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 87

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88 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

da MEFF; a garantia individual pretende cobrir

o risco da MEFF em relação aos membros li-

quidadores; a garantia extraordinária tem co-

mo finalidade a cobertura do risco da MEFF em

situações extraordinárias; por fim, com a garan-

tia coletiva pretende-se cobrir os eventuais sal-

dos negativos que resultarem do incumprimento

das obrigações dos membros liquidadores

(artigo 21.º do Regulamento da MEFF).

O método de cálculo e os limites, entre outros

aspetos associados às garantias, são definidos

mediante circulares ou instruções e dependem

em grande parte dos riscos associados às espe-

cificidades dos instrumentos financeiros.

Sublinha-se que ambos os mercados preveem

que os seus membros exijam dos seus clientes a

prestação de garantias idênticas às exigidas pela

LCH.Clearnet e MEFF (ponto 4.2.0.6 do Clea-

ring Rule Book e artigo 23.º, n.º 2, do Regula-

mento MEFF, respetivamente).

Ainda que se verifique uma diferente categori-

zação e qualificação terminológica do sistema

de garantias previsto pelos dois mercados, pare-

ce-nos possível concluir que existe uma corres-

pondência funcional quanto aos requisitos im-

postos aos membros do mercado, nomeadamen-

te quanto ao âmbito das garantias e à obrigatori-

edade dos clientes dos membros do mercado

prestarem garantias idênticas às exigidas pelos

próprios mercados.

Em síntese, o sistema de garantias estabelecido

pelos dois mercados de futuros, tanto quanto ao

ajuste de ganhos e perdas, como quanto às ga-

rantias cuja prestação é exigida aos membros do

mercado, é, funcionalmente, semelhante, visan-

do assegurar o pagamento diário do saldo dos

ganhos e prejuízos dos investidores verificados

por referência à cotação diária do ativo subja-

cente no mercado, bem como a solvabilidade do

mesmo.

VII. Da liquidação. Ambos os ordenamentos

jurídicos preveem a possibilidade da liquidação

dos futuros ocorrer tanto na data do seu venci-

mento (liquidação no vencimento), como ante-

cipadamente (liquidação diária) e, em qualquer

das situações, mediante liquidação física ou

financeira.

Tanto no ordenamento jurídico português,

como no ordenamento jurídico espanhol, o

cumprimento do contrato pode ocorrer quer

através da modalidade de liquidação física

(“liquidación por entrega del activo subyacen-

te”), que consiste na entrega do ativo subjacente

(e.g. ações) contra o pagamento do preço respe-

tivo, quer da modalidade de liquidação pura-

mente financeira (“liquidación por diferenci-

as”), que se consubstancia no mero desembolso

do saldo ou diferencial pecuniário entre o preço

do ativo fixado no momento da celebração do

contrato e o montante apurado no vencimento

do mesmo, segundo a sua cotação no mercado à

vista.

Nas cláusulas gerais dos contratos de futuros

que analisámos, notámos que, enquanto as cláu-

sulas gerais do SSF, negociado na NYSE-

Euronext LIFFE, estipulam apenas a possibili-

dade de liquidação financeira, as Condiciones

Generales dos futuros sobre ações negociados

no MEFF preveem a possibilidade de liquida-

ção física, quanto aos contratos que tiverem

activo subyacente español e que se liquidem na

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89 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

data em que se realizem as compras e vendas no

mercado à vista, e por diferenças, com base no

preço da liquidação à data de vencimento. Nes-

te último caso, a liquidação realiza-se com refe-

rência ao dia útil seguinte ao da data de venci-

mento.

VIII. Notas finais. Chegados aqui, concluímos

que são mais as semelhanças do que as diferen-

ças encontradas em relação ao regime dos futu-

ros no ordenamento jurídico português e espa-

nhol. As semelhanças não decorrem da proxi-

midade geográfica dos dois países ibéricos ou

de uma potencial partilha de infraestruturas;

neste ponto, sublinha-se o facto de o mercado

de futuros em Portugal estar atualmente integra-

do no Grupo NYSE-Euronext, processando-se

através do LIFFE.

As diferenças decorrem, sobretudo, a dois ní-

veis. Por um lado, da natureza das fontes utili-

zadas pelos ordenamentos jurídicos selecciona-

dos para enquadrar os respetivos regimes (e.g.

no ordenamento jurídico português verifica-se

que os princípios gerais estão definidos no

CVM, sendo desenvolvidos por via de regula-

mentos da CMVM; no ordenamento jurídico

espanhol, verifica-se que o regime dos futuros

encontra-se fundamentalmente plasmado na

LMV e no RD 1218/2012, sendo escassos os

regulamentos da CNMV) e, por outro lado, do

funcionamento dos próprios mercados (e.g. na

NYSE-Euronext LIFFE, a entidade que procede

à compensação das operações é diferente da

entidade gestora do mercado, sendo estas fun-

ções assumidas no mercado MEFF por uma

única entidade).

As semelhanças entre os dois regimes verificam

-se, fundamentalmente, quanto à estrutura e

negociação dos contratos, nomeadamente atra-

vés de intervenção obrigatória da contraparte

central, e quanto ao mecanismo de ajuste diário

de ganhos e perdas e prestação de garantias.

A internacionalização dos mercados financeiros

exige que as potenciais diferenças entre os or-

denamentos jurídicos sejam mitigadas; os in-

vestidores, por um lado, e os intermediários

financeiros, por outro lado, bem como os de-

mais agentes do mercado atuam de forma glo-

bal o que permite caminhar para regimes ten-

dencialmente uniformes. A intervenção legisla-

tiva ao nível europeu na área dos serviços fi-

nanceiros proporciona, igualmente, este nível

de harmonização, em que, portanto, são mais as

semelhanças do que as diferenças a assinalar170.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 89

170- Sobre os efeitos da globalização e a tendente harmonização jurídica, Jarrod Wiener, Globalization and the Harmonization of Law, Londres: Cassel, 1999, p. 186; Anthony G. McGrew, “Global Legal Interaction and Present-day Patterns of Globalization”, Gessner,

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FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 91

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1. INTRODUÇÃO

Durante muitos anos pensou-se que os agentes

económicos eram dotados de plena racionalida-

de, o que lhes permitia interpretar de forma

correcta toda a nova informação chegada ao

mercado. Partindo deste princípio, os mercados

diziam-se eficientes, uma vez que os preços dos

activos neles transaccionados reflectiam, a todo

o momento, a informação disponível e incorpo-

ravam rapidamente qualquer nova informação,

não existindo possibilidade de se registarem

lucros anormais. A Teoria dos Mercados Efici-

entes foi celebrizada por Eugene Fama, em

1970, fazendo parte dos pressupostos da Teoria

das Finanças Tradicionais.

Porém, em 1979 um trabalho de investigação de

Kahneman & Tversky (1979) que aliava a psi-

cologia cognitiva à economia veio contrariar

esta ideia, demonstrando que os agentes econó-

micos nem sempre agem de forma racional.

Segundo estes autores, os indivíduos cometem

erros sistemáticos, erros esses que podem ser

interpretados como desvios dos comportamen-

tos que teriam se fossem plenamente racionais.

Assim surgem as Finanças Comportamentais,

considerando que os agentes cometem erros ao

tomar determinadas decisões baseadas em

heurísticas, sendo estes erros de três tipos: erros

de representatividade, ancoragem e disponibili-

dade.

Um dos erros que maior relevância assume no

estudo dos mercados financeiros é o denomina-

do efeito disposição. Segundo Shefrin &

Statman(1985), consiste na tendência que os

investidores têm para vender títulos cujo preço

está a aumentar, os chamados winners, e manter

em carteira títulos cujo preço está a diminuir, os

losers.

O presente trabalho estuda a manifestação do

efeito disposição nos investidores individuais

portugueses, procurando identificar as caracte-

rísticas que definem o perfil do investidor com

maior probabilidade de manifestar efeito

disposição. Para o efeito é utilizado um inquéri-

to online aos investidores individuais portugue-

ses, realizado pela Comissão do Mercado de

Valores Mobiliários (CMVM).

Os resultados sugerem que em Portugal o in-

vestidor tipo que mais manifesta Efeito disposi-

ção é solteiro, separado ou divorciado, e reside

na região Sul do País ou Ilhas (Açores e Madei-

ra). Os investidores com menor probabilidade

de exibir o efeito são os que movimentam a

carteira com mais frequência (pelo menos uma

vez por semana), investem durante um curto

período de tempo (day traders ou detentores de

títulos no máximo até 1 mês), têm maior

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES

INDIVIDUAIS PORTUGUESES

TERESA SIMÕES E MARGARIDA ABREU

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propensão para a tomada de risco e avaliam o

mercado de títulos como sendo de fácil acesso.

Este trabalho contribui para a literatura do

efeito disposição em diferentes dimensões. Em

primeiro lugar por ser o primeiro estudo (por

nós conhecido) do efeito disposição desenvolvi-

do com base num survey aos investidores indi-

viduais, sendo a proxy para o efeito disposição

construída com base nas respostas dos investi-

dores a questões comportamentais no mercado

financeiro. Conhecendo as características socio-

económicas dos investidores, bem como a sua

avaliação do mercado do financeiro e a sua pró-

pria auto-avaliação, foi possível definir um per-

fil mais completo dos investidores com mais

propensão a manifestar este desvio comporta-

mental do que aquele obtido pela maioria dos

estudos empíricos precedentes assentes em in-

formação de carteira de investidores. O estudo

contribui igualmente para um melhor conheci-

mento dos investidores individuais portugueses,

sobre os quais existem ainda poucos trabalhos

com resultados econométricos relevantes.

O artigo encontra-se dividido em 6 secções. Na

secção seguinte discute-se o conceito de efeito

disposição e é feita a recensão dos principais

trabalhos já realizados sobre o mesmo. Na ter-

ceira secção apresenta-se a base de dados, a

proxy para o efeito disposição, as variáveis ex-

plicativas e o modelo a estimar, fazendo-se

igualmente uma análise estatística da base de

dados. Na quarta secção discute-se os resulta-

dos e na quinta são apresentadas as conclusões.

2. O EFEITO DISPOSIÇÃO NA LITERATURA

Para tentar entender aquilo que está por trás do

efeito disposição devemos ter em conta a im-

portância que a Psicologia tem neste campo. Os

indivíduos tomam as suas decisões com base

em aspectos psicológicos que, inevitavelmente,

acabam por influenciá-los e os podem conduzir

à tomada de decisões irracionais. A Psicologia

assume um papel muito importante no processo

de tomada de decisão dos investidores. Todo o

comportamento por eles exibido encontra por

trás uma explicação de origem psicológica.

Existem várias teorias que tentam explicar o

surgimento do efeito disposição. O excesso de

confiança dos investidores pode ser uma expli-

cação para este fenómeno. Investidores que

possuam esta característica normalmente tran-

saccionam com muita frequência, detêm cartei-

ras pouco diversificadas e acabam por tomar

más decisões financeiras, que contrariam os

modelos racionais de investimento.

Shefrin & Statman (1985) foram pioneiros no

estudo deste desvio incluindo quatro elementos

psicológicos que consideram fundamentais,

uma vez que contribuem de forma distinta para

a análise. São eles a teoria prospectiva, conta-

bilidade mental, aversão ao arrependimento e

autocontrolo.

A Teoria Prospectiva, apresentada por

Kahneman & Tversky (1979), fornece três

elementos que contribuem para uma compreen-

são teórica da propensão dos indivíduos para o

efeito disposição.

O primeiro é que os indivíduos avaliam um títu-

lo como ganho ou perda de acordo com um

ponto de referência estabelecido, normalmente

o preço de compra do activo. O preço de com-

pra constituí o “ponto de referência” para essa

avaliação. A partir desse momento, quando são

realizadas transacções no mercado financeiro,

os agentes vão avaliar a sua carteira e saber se

os activos que possuem representam um ganho

ou uma perda, relativamente a esse ponto de

referência.

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES : 95

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96 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Em segundo lugar, o impacto de uma perda so-

bre a utilidade (ou a função valor) dos indiví-

duos é estimada em cerca de duas vezes superi-

or ao impacto de um ganho equivalente. Quer

isto dizer que os investidores manifestam aquilo

a que se convencionou chamar “uma aversão a

perdas”, valorizando cerca de duas vezes mais

um ganho do que uma perda do mesmo mon-

tante. Assim, os indivíduos tendem a evitar com

muito mais empenho a realização de perdas do

que era suposto segundo a teoria da utilidade

esperada.

Finalmente os teoria prospectiva considera que

os investidores só são avessos ao risco quando a

decisão/escolha é realizada no domínio dos ga-

nhos, mas que pelo contrário manifestam prefe-

rência pelo risco no domínio das perdas. A fun-

ção valor tem assim a forma de um S, sendo

apenas côncava no domínio dos ganhos (aqui

portanto semelhante à tradicional função de

utilidade esperada), mas convexa no domínio

das perdas (cf. Weber and Camerer, 1998).

Acresce ainda que os veículos do valor não são

os níveis de riqueza (ou o retorno final), mas a

variação da mesma, relativamente ao ponto de

referência.

Conjugando a análise do ponto de referência

com as preferências opostas dos agentes relati-

vamente ao risco, nos ganhos e nas perdas,

torna-se fácil perceber que, caso o preço do

activo caia e seja inferior a esse ponto de refe-

rência, os investidores, que valorizam muito

mais uma perda do que um ganho equivalente,

serão avessos à venda desse activo em perda,

fazendo diminuir a oferta de potenciais vende-

dores.

Diversos outros autores contribuíram igualmen-

te para uma melhor compreensão deste compor-

tamento. Barberis et al. (2001) concluem que o

comportamento dos investidores face aos acti-

vos depende de investimentos passados. Assim,

se tiver realizado investimentos que se tenham

traduzido em ganhos, o agente vai ser, tendenci-

almente, menos avesso ao risco. Este tipo de

comportamento por parte dos investidores é

conhecido como efeito reflexo.

Richard Thaler (1980) introduz o conceito de

contabilidade mental. Os agentes económicos

tendem a separar os diferentes tipos de títulos

em contas diferentes, passando depois a aplicar

as regras da Teoria Prospectiva para cada conta,

supondo que não existe interacção entre elas.

Segundo Leal, C. et al (2006), o facto de os in-

vestidores segregarem a sua riqueza em diferen-

tes contas faz com que o seu comportamento

perante cada uma delas seja, também, diferenci-

ado. Em termos do efeito disposição, a contabi-

lidade mental faz com que sejam considerados

os activos individualmente e não como um todo

constituinte de uma carteira, sendo aberta uma

nova conta cada vez que o investidor adquire

um novo título, estabelecendo diferentes pontos

de referência que irão influenciar as decisões

futuras.

De acordo com o estudo de Shefrin & Statman

(1985), os investidores manifestam aversão ao

arrependimento, a qual se traduz na relutância

em vender títulos cujo valor se depreciou. A

venda de títulos desvalorizados, implica o reco-

nhecimento de que a primeira escolha que fize-

ram, a de comprar o activo, estava errada uma

vez que este se desvalorizou. O ter de assumir

este erro para consigo mesmo e perante os

outros, implica demonstrar o seu arrependimen-

to face à escolha que fizera. Pelo contrário,

quando o activo se valoriza, a sua venda é uma

forma de expressar o orgulho do investidor por

ter, anteriormente, adquirido um activo que

mais tarde se revelou um winner.

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Apesar desta aversão ao reconhecimento de

uma perda, que se traduz na manutenção em

carteira de títulos que se desvalorizaram, a

evidência parece demonstrar que no mês de

Dezembro esta tendência se altera. Muitos

investidores decidem vender os seus losers

durante este mês, como medida de autocontro-

lo. Apesar da relutância dos investidores em

vender os títulos loser, é reconhecido o benefí-

cio fiscal de fazê-lo. O problema do autocontro-

lo é considerado secundário uma vez que não

causa directamente o efeito disposição, apesar

de ter um papel importante na sua manutenção.

Terrance Odean (1998) propõe uma Teoria

Comportamental alternativa na qual é apresen-

tada outra razão, para além da já referida relu-

tância em realizar perdas, justificativa da ape-

tência dos investidores para venderem mais ra-

pidamente os activos winners. O motivo que

leva os investidores a tomar este tipo de decisão

está relacionado com a sua crença no desempe-

nho dos activos loser. Os seus desejos e convic-

ções são de que no futuro, os títulos cujo valor

se encontra subestimado se superem e venham a

ser até mais rentáveis que os winners do presen-

te. De facto, se a rendibilidade futura esperada

do loser for maior do que a do winner, então a

crença do investidor seria justificada e racional.

De acordo com Duxbury & Summers (2012),

apesar da Teoria Prospectiva ser a explicação

seminal para a existência do Efeito disposição,

esta por si só não é causa suficiente para o

surgimento deste tipo de desvio. Aliada a ela

estão as emoções. É possível que existam outras

anomalias de comportamento que sejam expli-

cadas pelas emoções, daí a importância dada ao

sentimento do investidor.

O estudo do efeito disposição, que inicialmente

se centrava apenas no trabalho pioneiro de

Shefrin & Statman (1985), difundiu-se rapida-

mente, motivando o aparecimento de um con-

junto de trabalhos que, através de diferentes

metodologias, testam a hipótese da existência

deste desvio comportamental.

Na tabela 1 apresentam-se as diferentes

perspectivas abordadas pelos diversos autores,

o tipo de dados utilizado, a metodologia

seguida e os principais resultados obtidos nos

principais trabalhos realizados sobre o efeito

disposição dos Investidores.

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES : 97

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98 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

TABELA 1 – Trabalhos empíricos sobre o efeito disposição

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99 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Entre estes diferentes trabalhos empíricos dife-

renciam-se três tipos de medidas para o efeito

disposição, sendo a sua diferenciação determi-

nada pelo tipo de informação em que o estudo

assenta: dados agregados de mercado, dados

com informação de carteira de investidores e

dados resultantes de trabalhos experimentais.

Quando o estudo tem como base dados agrega-

dos de mercado, o efeito disposição é retirado

das mudanças no volume e preços de mercado,

com o objectivo de tentar perceber se as mu-

danças no volume são motivadas pelos winners

ou losers. Trabalhos como os de Ferris, Gaugen

e Makhija (1988) utilizam este método.

Quando a base de dados é composta por cartei-

ras de investidores, o efeito disposição é avalia-

do comparando os preços de venda e compra de

cada activo para cada investidor. Contruindo

hipóteses do tipo first-in first-out, este tipo de

dados permite saber directamente se os títulos

vendidos são os winners ou losers. O artigo de

Odean (1998) usa esta metodologia.

Quando o estudo é realizado na base de dados

experimentais, analisa-se, na base de um merca-

do financeiro ficcional, a disponibilidade dos

indivíduos para a transacção de activos de for-

ma a captar a preferência dos investidores pela

detenção de investimentos perdedores face à

venda de investimentos ganhadores. É o caso

do estudo de Weber and Camerer (1998).

3. EFEITO DISPOSIÇÃO

NOS INVESTIDORES PORTUGUESES

3.1. Dados

Com o objectivo de testar se o efeito disposição

se manifesta nos Investidores Individuais

Portugueses foi utilizado o Inquérito Online

realizado pela Comissão do Mercado de Valo-

res Mobiliários (CMVM) aos Investidores Por-

tugueses durante os dias 10 de Outubro de 2005

e 12 de Dezembro de 2005, disponibilizada no

seu website.

A amostra era inicialmente composta por 2299

inquiridos validados pela própria CMVM. Con-

tudo, a nossa amostra passou a ter 1841 investi-

dores depois de eliminados todos os inquéritos

cujas respostas às perguntas fundamentais para

este teste foram deixadas em branco.

A amostra é extraída da população portuguesa

com idade igual ou superior a 18 anos residente

em Portugal Continental e nas Regiões Autóno-

mas dos Açores e da Madeira. Os inquiridos

considerados foram os indivíduos decisores ou

co-decisores dos investimentos realizados em

aplicações financeiras pelo seu agregado famili-

ar detentores, à data do inquérito, de pelo me-

nos um dos seguintes investimentos financei-

ros: acções, obrigações, unidades de participa-

ção em fundos de investimento, títulos de parti-

cipação, derivados ou produtos estruturados.

O inquérito encontra-se dividido em duas par-

tes: uma primeira em que são fornecidos dados

de identificação dos investidores e uma segunda

assente nas práticas dos indivíduos enquanto

investidores particulares. As respostas obtidas

permitiram criar as variáveis socioeconómicas e

financeiras necessárias para a construção da

regressão econométrica que testará o impacto

que têm as características de cada investidor na

existência do Efeito disposição.

3.2. Modelo

O estudo do efeito disposição nos investidores

individuais portugueses baseia-se na estimação

de um modelo econométrico de escolha binária-

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES : 99

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100 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

- Probit- em que a variável dependente é uma

proxy para o efeito disposição que assume o

valor 1 no caso em que os investidores decidam

não vender um instrumento financeiro quando

este sofre uma queda acentuada, considerando-

se, portanto, que exibem um comportamento

compatível com o efeito disposição.

A estimativa dos coeficientes, obtida através do

método da máxima verosimilhança fornece de

imediato informação sobre o sentido do impac-

to das diversas variáveis independentes sobre a

variável dependente.

O modelo a ser estimado será do tipo:

Efeito Disposição = f {Var.Socioeconomicas,

Var. Comportamentais}

Proxy para o Efeito Disposição

Para estudar o Efeito disposição foi criada uma

proxy a partir de uma das questões do inquérito

da CMVM. A questão “ O que faria no caso de

uma forte descida do valor do instrumento fi-

nanceiro que detivesse” foi a escolhida para

proxy. A variável dummy assume o valor 1 nos

casos em que o investidor decidisse não vender

de imediato o instrumento financeiro e 0 caso

vendesse.

Para explicar o comportamento do efeito dispo-

sição dos investidores foram considerados dois

vectores de variáveis explicativas: as variáveis

socioeconómicas e as variáveis financeiras.

Como variáveis independentes (ou explicativas)

usadas para caracterizar os investidores indivi-

duais portugueses, foram escolhidas variáveis

socioeconómicas e financeiras.

Variáveis Socioeconómicas

Género (Masc) – variável dummy que assu-

me o valor 1 quando o investidor é do sexo

masculino e 0 se é do sexo feminino.

Estado Civil (Soz) – variável dummy que

assume o valor 1 quando o indivíduo é sol-

teiro, divorciado ou separado e 0 nos restan-

tes casos (a viver em união de facto, casado

ou viúvo).

Idade- variável indicativa da idade de cada

um dos investidores.

Nível Formação- A variável de referência é

uma dummy que corresponde ao nível de

formação mais baixo, representando os indi-

víduos que têm no máximo o 9º ano

(FORM1). Variável FORM 2 que contem-

pla os investidores que concluíram o 11º ou

o 12º ano; FORM 3 para os indivíduos com

formação académica superior. É de esperar

que investidores com maior nível de forma-

ção apresentem menores sinais do efeito dis-

posição, dada a sua maior capacidade de

aprendizagem daquilo que são os fundamen-

tos da economia.

Residência-Os indivíduos residentes no Nor-

te e Grande Porto (ResNorte). As restantes

são ResCentro da qual fazem parte os resi-

dentes no Centro e Grande Lisboa e Res-

Sul_Arq que compreende as regiões do Sul

e as ilhas dos Açores e Madeira. Foram ex-

cluídos os não residentes em Portugal.

Actividade Profissional- variável dummy

Trab_conta_propria que representa os in-

vestidores que trabalham por conta própria;

Trab_conta_outrem é a dummy que assume

o valor 1 para indivíduos que trabalham por

conta de outrem, e não_trabalha uma

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101 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

dummy que assume o valor 1 para aqueles

que não trabalham (sem actividade profissio-

nal, desempregado, reformado ou estudante).

Rendimento Líquido Mensal- variável

RendBaixo que representa rendimentos até

1000 € mensais. RendMedio é uma dummy

que assume valor 1 para rendimentos entre

1001€ e 4000€ e RendAlto igual a 1 para

rendimentos superiores a 4000€ mensais. Os

indivíduos que não responderam a esta ques-

tão foram excluídos.

Espera-se que variáveis como a formação aca-

démica, o nível de rendimento e a ocupação

profissional de um investidor permitam uma

melhor caracterização do investidor português

com maior de probabilidade de manifestar efei-

to disposição. De facto, trabalhos empíricos

realizados noutros mercados financeiros pare-

cem indicar que ter um nível de formação mais

elevado, um rendimento mais alto e uma ocupa-

ção profissional com maior relevância fazem

com que a probabilidade de um investidor exi-

bir o Efeito disposição seja menor ( Dhar e Zhu,

2006).

Variáveis relativas ao Comportamento

Financeiro dos Investidores:

Periodicidade de movimento da carteira-

variável dummy (MoviCart) que toma o va-

lor 1 nos casos em que a carteira é movimen-

tada pelo menos uma vez por semana e 0 nos

restantes casos.

Avaliação do mercado de títulos quanto à

facilidade de acesso- variável contínua

(Acesso) que assume valores entre 1 e 7,

correspondentes a uma escala em que o nível

1 representa os investidores que consideram

o mercado de títulos de difícil acesso e o

nível 7 é escolhido por aqueles que conside-

ram ser fácil o acesso.

Avaliação do mercado de títulos quanto ao

nível de liquidez- variável contínua

(Liquidez) que assume valores entre 1 e 7,

correspondentes a uma escala em que o nível

1 representa os investidores que consideram

que a liquidez do mercado de títulos é baixa

e o nível 7 os que a consideram elevada.

Avaliação do mercado de títulos quanto ao

grau de desenvolvimento- variável contínua

(Desenv) que assume valores entre 1 e 7,

correspondentes a uma escala. Quando os

investidores consideram que o grau de de-

senvolvimento do mercado é baixo escolhem

1 e quando o consideram alto optam pelo 7.

Actuação do investidor no mercado de títu-

los- variável dummy (InvestCP) que assume

o valor 1 quando o indivíduo é investidor

day trade ou de curto prazo, e 0 para os res-

tantes casos ( investidor médio e/ou longo

prazo). Os investidores que transaccionam

com mais regularidade estão constantemente

a comprar e vender títulos, sendo que apro-

veitam para vender mal o valor de um activo

aumente. É expectável que esses investido-

res tenham menor tendência para exibir o

efeito disposição.

Experiência do investidor no mercado de

títulos- variável dummy (InvestRec) que

toma o valor 1 quando a experiência do in-

vestidor no mercado de títulos tem no máxi-

mo 2 anos. Para indivíduos com mais de 2

anos de experiência, a variável assume o

valor 0. Espera-se que investidores com

mais anos de experiência cometam menos

erros, e por esse motivo tenham menos ten-

dência para cometer desvios como o efeito

disposição. De acordo com autores como

Barberis et al (2001) e Duxbury et al (2007)

esta encontra-se relacionada com a experiên-

cia dos investidores com ganhos e perdas,

sendo estes mais propensos a realizar uma

perda se tiverem experienciado um ganho

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES : 101

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102 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

antes. De acordo com a Teoria Prospectiva,

se um agente viveu uma situação de ganho

vai ter maior tendência para vender mais

activos.

Auto-avaliação do investidor relativamente

ao grau de risco dos investimentos que reali-

za no mercado de títulos- variável contínua

(Avesso) que assume valores entre 1 e 7,

correspondentes a uma escala sobre o grau

de risco de investimento no mercado de títu-

los em que o nível 1 representa os investido-

res que se consideram muito avessos risco e

7 quando são muito propensos ao risco.

Avaliação do risco relativo do mercado de

títulos português- variável contínua (Risco)

que assume valores entre 1 e 7, em que o

nível 1 representa os investidores que se

consideram muito avessos ao risco e 7 quan-

do são muito propensos ao risco.

Expectativa para a rendibilidade da carteira

no ano seguinte- variável contínua

(RendibCarteira) que assume valores

entre 1 e 7, em que 1 corresponde aos

investidores que estão muito pessimistas

e 7 àqueles que estão muito optimistas.

É de supor que quanto mais positiva for a

expectativa, maior a probabilidade do inves-

tidor exibir o Efeito disposição, uma vez que

tendo losers na sua carteira não irá vendê-los

com a convicção de que a sua rendibilidade

aumentará no futuro.

Percentagem do rendimento líquido anual

que é afecta á carteira de investimentos- va-

riável dummy (PercRendLiq) que assume o

valor 1 quando essa percentagem é até 25%

e 0 nos restantes casos (mais de 25%). Quan-

to maior a percentagem, maior o peso da

decisão de compra, venda ou manutenção de

títulos.

3.3. Caracterização estatística das variáveis

A definição do investidor que comete erros co-

mo o Efeito disposição, atribuída a partir de

uma das questões do inquérito ao investidor

realizado pela CMVM, permite concluir que a

maior parte dos investidores opta por não ven-

der os instrumentos financeiros desvalorizados

(79,4%), o que significa que a percentagem de

indivíduos que não comete este tipo de erro e

que decide vender os títulos é bastante reduzi-

da, representando 20,6% do total da amostra. A

esmagadora maioria da amostra (91,9%) é com-

posta por homens, não solteiros (casado, viven-

do em união de facto ou viúvo) com uma idade

média de 38 anos. Em relação ao nível de esco-

laridade o investidor português tem, em média,

formação de nível médio ou superior, represen-

tando 79,6% da população estudada, reside na

região centro (Centro e Grande Lisboa) e está

empregado, trabalhando por conta de outrém

(71,6%). O rendimento líquido mensal do agre-

gado familiar é de nível médio, encontrando-se

no intervalo de valores entre 1.001 € e 4.000 €.

Em média, o investidor individual português

movimenta ocasionalmente a sua carteira. O

investidor considera que o mercado de títulos

tem uma facilidade de acesso média/boa , liqui-

dez relativamente baixa e grau médio de desen-

volvimento. O investidor português é um inves-

tidor de médio/longo prazo com mais de dois

anos de experiência no mercado de títulos (80,6

%), que se considera num nível médio de pro-

pensão ao risco. Quanto ao risco relativo do

mercado de títulos português, o investidor con-

sidera que este é médio com tendência para ser

alto Quanto à rendibilidade da sua carteira no

ano seguinte àquele em que foi realizado o in-

quérito, o investidor português é neutro. A per-

centagem do rendimento líquido anual do in-

vestidor que está afecta à carteira de investi-

mentos é, em média, inferior ou igual a 25%.

(ver Tabela 2)

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103 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

TABELA 2 – Caracterização estatística das variáveis

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES : 103

Média Máximo Mínimo Desvio-Padrão Observações

ED 0,794 1,00 0,00 0,404 1462

MASC 0,919 1,00 0,00 0,274 1691

SOZ 0,371 1,00 0,00 0,483 683

IDADE

37,50

0 80,00 18,00 10,993 -

FORM1 0,044 1,00 0,00 0,205 81

FORM2 0,160 1,00 0,00 0,366 294

FORM3 0,796 1,00 0,00 0,403 1466

RESNORTE 0,265 1,00 0,00 0,441 488

RESCENTRO 0,653 1,00 0,00 0,476 1202

RESSUL_ARQ 0,082 1,00 0,00 0,274 151

TRAB_CONTA_PROPRIA 0,166 1,00 0,00 0,372 306

TRAB_CONTA_OUTREM 0,716 1,00 0,00 0,451 1318

NAO_TRABALHA 0,118 1,00 0,00 0,323 217

RENDBAIXO 0,086 1,00 0,00 0,281 159

RENDMEDIO 0,725 1,00 0,00 0,447 1334

RENDALTO 0,189 1,00 0,00 0,392 348

MOVICART 0,260 1,00 0,00 0,439 478

ACESSO 4,936 7,00 1,00 14,037 1841

LIQUIDEZ 3,150 7,00 1,00 12,504 1841

DESENV 3,476 7,00 1,00 12,660 1841

INVESTCP 0,141 1,00 0,00 0,348 259

INVESTREC 0,194 1,00 0,00 0,395 357

AVERSAO 4,526 7,00 1,00 12,483 1841

RISCO 4,516 7,00 1,00 12,353 1841

RENDIBCARTEIRA 4,417 7,00 1,00 12,519 1841

PERCRENDLIQ 0,555 1,00 0,00 0,497 1022

4. RESULTADOS

Na sequência do exposto nas secções anteriores

estimou-se o seguinte modelo probit:

EDi = β0 + β1 Masci + β2 Soli + β3 Idadei

+ β4 Idadei2 + β5 Form2i + β6 Form3i

+ β7 Form4i + β8 ResCentroi + β9 ResSuli

+ β10 ResArqi + β11 Trabi + β12 RendMedioi

+ β13 RendAltoi + β14 MoviCarti

+ β15 BaixoAcessoi + β16 BaixaLiquidezi

+ β17 BaixoDesenvi + β18 InvestCPi

+ β19 InvestReci + β20 MtoAvessoi

+ β21 RiscoMtBaixoi + β22 RendMtPessi

+ β23 PercRenLiqi + ui, i = 1,2, …, n

Analisando os resultados da estimação pelo

Método da Máxima Verosimilhança, apresenta-

dos no Quadro 3, é possível notar que a

probabilidade de exibir Efeito disposição é me-

nor para o investidor que movimenta a sua car-

teira pelo menos uma vez por semana, transac-

ciona no curto prazo (day trade ou detentor de

títulos no máximo até 1 mês), revela especial

propensão para a tomada de risco e considera

que o acesso ao mercado de títulos é fácil.

Contrariamente, o investidor solteiro/separado/

divorciado que reside na região Sul do País ou

Ilhas (Açores e Madeira) tem uma maior

probabilidade de exibir Efeito disposição.

No que diz respeito à qualidade do modelo

estimado, através do valor da estatística LR, de

128,2, é possível dizer que este é globalmente

significativo.

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104 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

TABELA 3 – Resultados da Estimação do Modelo Probit

Variável Dependente: ED

Método de Estimação: ML - Binary Probit

Número de observações: 1841

Variable Coefficient Std. Error z-Statistic Prob.

C 1.430 0.647 2.208 0.027

MASC -0.243 0.151 -1.600 0.109

SOZ 0.174 0.084 2.061 0.039

IDADE -0.010 0.025 -0.394 0.693

IDADE^2 0.000 0.000 0.548 0.583

FORM2 -0.027 0.185 -0.145 0.884

FORM3 -0.010 0.168 -0.057 0.954

RESCENTRO 0.120 0.077 1.544 0.122

RESSUL_ARQ 0.240 0.141 1.700 0.089

TRAB_CONTA_OUTRE

M 0.020 0.092 0.215 0.829

NAO_TRABALHA 0.225 0.151 1.490 0.136

RENDMEDIO 0.170 0.128 1.319 0.186

RENDALTO 0.119 0.151 0.789 0.429

MOVICART -0.234 0.088 -2.662 0.007

ACESSO -0.102 0.028 -3.627 0.000

LIQUIDEZ 0.050 0.034 1.473 0.140

DESENV 0.050 0.034 1.486 0.137

INVESTCP -0.466 0.103 -4.502 0.000

INVESTREC -0.069 0.093 -0.736 0.461

AVERSAO -0.091 0.031 -2.893 0.003

RISCO 0.027 0.029 0.930 0.351

RENDIBCARTEIRA 0.015 0.030 0.502 0.615

PERCRENDLIQ -0.009 0.072 -0.127 0.898

McFadden R-squared 0.068488

LR statistic 128.2114

Prob(LR statistic) 0.000000

Obs. com ED=0 379

Obs. Com ED=1 1462

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105 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Para avaliar a relação entre as diferentes variá-

veis explicativas procedeu-se ao cálculo dos

coeficientes de correlação entre as variáveis

explicativas. A matriz de correlações obtida

mostra que a correlação mais elevada (em valor

absoluto) e entre variáveis explicativas que não

são do mesmo grupo é a obtida para as variá-

veis “idade” e “viver sozinho”. Sendo este coe-

ficiente de apenas -0,38, os resultados indiciam

a inexistência de problemas de multicoleneari-

dade.

5. CONCLUSÃO

O modelo Probit estimado permite concluir que

também em Portugal os investidores são afecta-

dos pelo efeito disposição. Os resultados obti-

dos revelam a presença deste tipo de erro heu-

rístico, quando os investidores são confrontados

com a hipótese de reconhecer que da sua cartei-

ra fazem parte títulos desvalorizados.

O investidor individual português com maior

probabilidade de exibir o efeito disposição é um

investidor de médio/longo prazo, avesso ao ris-

co e que movimenta ocasionalmente a sua car-

teira de títulos.

O estudo realizado por Shefrin & Statman

(1985) que pretende saber se pelo facto de um

título em carteira estar a desvalorizar num dado

momento, o período entre a sua compra e a res-

pectiva venda aumenta, ganha sentido quando

analisamos o modelo estimado. Claramente, o

facto da maioria dos investidores preferir não

vender o título desvalorizado faz aumentar o

período entre a compra e a venda de títulos.

Na maioria dos trabalhos de investigação reali-

zados anteriormente encontram-se explicações

para factos como a aversão dos investidores ao

risco no campo dos ganhos e a sua propensão

ao risco no campo das perdas (Weber & Came-

rer 1998). Caso o preço do título sofra uma que-

da, passando a ser inferior ao ponto de referên-

cia (normalmente o preço de compra), o investi-

dor manifestará aversão à venda desse activo. O

facto de o indivíduo ser um investidor de mé-

dio/longo prazo explica a tendência para manter

losers tempo excessivo e vender winners dema-

siado depressa. Os investidores de curto prazo

são os que mais transaccionam, comprando e

vendendo títulos constantemente. Assim, pode-

mos interpretar os resultados obtidos como tra-

duzindo que o horizonte de investimento anula

a aversão a perdas, para os investidores de curto

prazo. Investidores com menos actividade de

transacção têm maior tendência para cometer

este erro.

O EFEITO DISPOSIÇÃO NOS INVESTIDORES INDIVIDUAIS PORTUGUESES : 105

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106 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

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