Caimari Lugares Da Desordem

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    RESUMO

    O artigo trata do processo de crescimento da cidade de Buenos Aires entre as dcadas de 1920 e 1930,detendo-se na relao entre a expanso suburbana e as maneiras de descrever e imaginar as ameaas ordem e segurana da cidade. Apoiando-se em fontes jornalsticas e policiais, o trabalho argumentaque nesse perodo emerge a noo de uma ordem portenha contraposta a uma difusa desordem, situadafora dos limites da cidade-capital. Finalmente, analisa este fenmeno em zonas especficas, como o con-

    junto da zona norte, e a localidade fabril de Avellaneda, situada ao sul da cidade.Palavras-chave:delito, espao urbano, polcia, circulao.

    ABSTRACT

    Tis paper analyzes the urban development of Buenos Aires during the 1920s and 1930s. It focuses on the

    consequences of suburban expansion in the ways the threats to urban order are described. Using journalisticand police sources, it argues that during this period a new notion of a portenho order is born, opposing the

    regulated city to a diffuse sense of disorder located outside its limits. Finally, the article studies this process as it

    reflects on representations of specific areas of the suburbs, such as the northern towns, as well as the industrialsouthern city of Avellaneda.

    Keywords:crime, urban space, police, circulation.

    Os lugares da desordem. Uma geografia legalpara a Buenos Aires dos anos 1930

    Lila Caimari

    T, v. 12, n. 23, jul.-dez. 2011, p. 179-192.

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    Informa La Razn, em maio de 1929: Buenos Aires convive com um far west legal em suasprprias portas. Informa La Libertad, em junho de 1932: A polcia busca em Lans os autores dotiroteio ocorrido no Once. Informa El Mundo, em janeiro de 1933: Haviam escondido as armas emum casebre do distrito de Avellaneda. Afirma um informe policial: Logo os agitadores notaram que

    j nada podiam fazer dentro da jurisdio da Capital e por isso instalaram-se nos povoados vizinhos, deonde dirigiram seus contnuos ataques.

    Este ensaio detm-se em uma mutao da imaginao territorial na cidade de Buenos Aires. Propeque a sequncia urbano-suburbano constitui o suporte de uma estrutura emergente que, a partir do fi-nal dos anos 1920, organiza a localizao simblica dos polos do comtinuumda legalidade ilegalidade,do seguro ao inseguro, da ordem desordem. Nascida como o prprio subrbio, de mudanas de-mogrficas e urbansticas de grande escala, essa expresso da sequncia espacial emana de fontes muitodiversas, de um imenso agregado de relatos e ocorrncias, de discursos de especialistas e de narrativasficcionais, de textos secretos e de informes pblicos. Desse corpusdocumental, este trabalho ocupa-seprincipalmente das formulaes de maior potencial multiplicador, em particular, do discurso policial

    sobre a segurana da cidade de Buenos Aires, fonte mais importante sobre as variaes desse tema naimprensa sria e na popular.

    Como agente estatal de uma ordem que se define territorialmente, a polcia produz imagens edescries que configuram simbolicamente os lugares de sua interveno. Seu discurso supe umespao. Segundo as exigncias, possibilidades e agendas institucionais, o mapa que o informa vaivariando em seus limites e suas nfases. Juntamente com o acmulo de informaes cotidianas trans-mitidas ao jornalismo, so filtradas maneiras de pensar a segurana da cidade, suas zonas de risco, aorigem desse risco. Nos anos 1930, quando se insinua uma mutao de longo prazo na imaginaoespacial, essa operao aparece com nitidez.

    A mudana que aqui nos ocupa poderia ser assim resumida: insinuada ao final da dcada de 1920

    e cristalizada em meados da dcada de 1930, estrutura-se uma sequncia entre o legal e o ilegal oumelhor, entre alta e baixa legalidade, maior ou menor ordem etc. que ope a cidade ao seu entorno.Dependendo de que zonas se trate, ou de que formas se olhe, esta configurao territorial reconheceduas inflexes entrelaadas. A que os jornais portenhos denunciam precisa e defensiva. Ela concebeo subrbio como ameaa segurana: um fora que aloja os focos da delinquncia comum e poltica,latncia cujo sentido norteador emana de seu potencial para transformar-se em ato na cidade maisprspera. Marco geral desta concepo, mais difusa e ampliada, a segunda inflexo sugere permis-sividade, oportunidadede transgresso apenas ocasionalmente realizada. Em muitos sentidos, ambasexpressam a oposio entre presena e ausncia do Estado, e aludem conotao vagamente anmicade um subrbio regido por outro Estado, o da provncia de Buenos Aires, sem dvida mais precrio eheterogneo em relao salvaguarda das regras que regem a cidade.

    No que a cidade de Buenos Aires merea ser narrada como um espao da ordem em sentidoliteral. Alta e baixa legalidade operam como polos simblicos: disposio de relatividades mais doque distribuio. Em meados dos anos 1930, as autoridades policiais portenhas julgam que suaspiores crises de credibilidade tenham passado, graas expanso normativa que as dotou de novosinstrumentos de represso, e ao equipamento que, nesses anos, havia incrementado o efeito de pre-sena e a presso sobre certos setores da sociedade1. Nada disso equivale ao controle absoluto doespao (um princpio sempre relativo que, em todo caso, guarda uma quota de iluso), mas sim reverso de uma imagem perdurvel de atraso e impotncia. Essa reverso tambm se alimenta docontraste com o (des)controle do extramuros, espao de possibilidadede prticas que se tornaramlegal, ou moralmente, problemticas na cidade.

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    Submundo e subrbio

    A oposio Buenos Aires/Grande Buenos Aires emerge em uma geografia legal/moral da cidade quej tem marcas enraizadas. A mais persistente o par bairro miservel/cidade moderna, nascido nas lti-

    mas dcadas do sculo XIX, que remete, por sua vez, a outras oposies: ilegalidade/legalidade, sujeira/limpeza, opacidade/legibilidade, escurido/luz etc. Buenos Aires aquela cidade porturia modernizadato rapidamente tinha um submundo de extraordinria densidade, embora a localizao imaginriadesta noo sempre tenha sido difusa. Sabemos de seus referenciais mais ou menos especficos: as zonasprximas ao porto (como em tantas cidades porturias, o porto o irradiador profuso de submundo);os bairros de prostbulos e de sales de bailes2, que incluam ruas do Bajo e da Boca, mas tambmzonas centrais, como a pracinha do Temple (na esquina de Suipacha com Viamonte); cafs de notriafrequncia suspeita, como o Cassoulet, com sua sala de bilhar, seus quartos onde se comerciava sexo esua porta traseira para fugir das razzias; certas zonas fronteirias entre cidade e pampa, onde os homenstomavam tragos e se desafiavam em duelos a faca... Sabemos, tambm, que as ruas das zonas prximas

    ao limite sul concentravam, antes e depois de 1900, o grosso da vigilncia policial3

    .A noo de submundo resistente; nunca desaparece completamente. Ainda hoje h submun-do, em alguns rinces de Buenos Aires, e nostalgia de submundo em sua cultura musical e literria.E, sobretudo, uma elaborada explorao comercial dessa nostalgia em seus circuitos tursticos,procedimento que o tango (msica do submundo mundializada) levou ao exterior4. O indcioevocativo do arrabalde sombrio no desaparece nunca, mas a evoluo das condies iniciais de suagnese (a exploso porturia, a imigrao em massa, o desequilbrio entre os sexos, a condio bab-lica e provisria das identidades) debilita seu poder ameaador. O desenvolvimento dos bairros e amodernizao do equipamento urbano, que se aceleram nos anos 1920, apagam um pouco, a cadadia, o referencial objetivo dessa confusa contracidade das zonas baixas, lugar de malfeitores,

    prostitutas e lunfardos5. A expanso da iluminao eltrica, por exemplo, empurra gradualmenteo limite entre os espaos iluminados e os bolses escuros para zonas cada vez mais distantes do cen-tro. Entre 1910 e 1930, Buenos Aires passou, de seis mil, para 38 mil postes de iluminao comlmpadas eltricas6. Os significados do avano da fronteira da luz relacionavam-se (e continuamrelacionando-se) ao grande tema do triunfo sobre a escurido: trata-se de um captulo-chave da sagaancestral da luta entre a ordem e o caos, ou entre o medo e a segurana. Nas zonas fronteirias dacidade, aquele simples dispositivo introduzia a luz branca da legalidade na rua. Seu brilho, que des-locava os frgeis lampies a querosene, permitia o reconhecimento dos traos nicos e identificveisde cada indivduo. O poste na esquina desagregava aglomeraes incertas e anunciava outros instru-mentos de saneamento e controle do territrio. Nos bairros operrios, a iluminao pblica indicava

    a crescente capacidade estatal para a localizao da desordem. Ningum entende melhor este sentidodo que aquele que objeto desse controle. Durante a Semana Trgica de 1919, a rede de iluminaoeltrica atacada assim que comeam os distrbios. Os enfrentamentos da noite de vero de 9 de

    janeiro transcorrem na penumbra, e no falta quem arrisque a vida e se lance ao cho, rastejandopelo calamento para eliminar a ltima lmpada que cair de uma fiao, em uma sada de La Boca7.Em contextos menos conflituosos, o poste de luz bem vindo, porque traz garantias consideradasimportantes na era do progresso; a promessa de segurana pessoal atribuda luz eltrica um deseus atributos mais poderosos e duradouros8.

    Assentados na febre dos loteamentos, na expanso do transporte pblico e dos equipamentos e naurbanizao das fronteiras, os anos 1920 assistem ao nascimento de um novo imaginrio para Buenos

    Aires, organizado pela oposio centro/bairros. Seus significados subjacentes so morais e esto me-nos relacionados questo da ordem, da legalidade, ou da violncia. O tango, as fices folhetinescase o cinema retrataram muitas vezes esta oposio: o centro brilhantemente extravagante, tentador e

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    eventualmente perigoso para as mulheres inexperientes; o bairro, cenrio da ascenso social, familiar,acolhedor, discretamente trabalhador, um tanto pacato, crtico dos excessos da modernizao, maisseguro em suas premissas pequeno-burguesas. Se h um discurso de segurana associado a esse bairro,ele provm da sociedade gregria que o vai construindo, a qual, atravs de peties e abaixo-assinados,

    demanda maior vigilncia nos novos espaos de assentamento.O submundo portenho no desaparece, como no desaparecem o porto, o Retiro, nem os pros-

    tbulos incrustados no centro da cidade, nem a trama densa da vida noturna. O jogo clandestino demenor escala no desaparece, nem o trfico de drogas9se reduz. Mas seu sentido vai ganhando um tomnostlgico, ao mesmo tempo em que se enfraquece um de seus significados originais: o de reverso sim-trico da cidade legal, de locusdas prticas e das redes delituosas mais ameaadoras e intrigantes. Estas setransferiram para locais extramuros.

    possvel observar essa transformao atravs dos censos municipais e provinciais de 1936 e 1938 queindicam uma reverso nos padres de crescimento. O grosso da expanso demogrfica da dcada anterior,que acusa para toda a rea metropolitana uns quatro milhes de habitantes, ocorreu nas localidades exteriores,

    no nos bairros internos da Capital. O que at ento tinha sido um rosrio de ncleos prximos a BuenosAires como Quilmes-Bernal, Berazategui-Ezpeleta, San Fernando-Las Conchas comea a se aglutinar.

    Nem todas as localidades da rea chegam a fazer parte da zona edificada do subrbio buenairense,mas as descontinuidades so cada vez mais curtas e so elas, cada vez mais, as que integram o que osdemgrafos chamam de Aglomerao da Grande Buenos Aires10. Com este dado, outra novidade daplanificao urbana: a cidade deve estender seu olhar e autoridade administrativa sobre este espao.Como parte de sua tese de ps-graduao, Carlos Mara della Paolera (figura-chave na consolidaoda disciplina urbanstica na Argentina) formula um Plano Regulador da Aglomerao Buenairense11.Inspirado em cidades europeias, prope formas de incorporao das regies urbanizadas situadas forados limites do permetro histrico da cidade. As nfases vo do paisagstico ao funcional, sem de-

    masiada ateno s singularidades dos agrupamentos em questo. Nessas formulaes, as conotaessanitrias prevalecem sobre as legais, ou de segurana, uma vez que sobre o pensamento urbansticopesa a herana higienista que considera os espaos opacos da cidade como focos de misria, patologiae contgio, necessitados, portanto, de saneamento (material e moral).

    O apagamento da noo de submundo origina-se, neste sentido, nas transformaes do conceito dearrabalde, subrbio interno, nessa Buenos Aires cujo enorme permetro abriga, at a dcada de 1940,muitas zonas no efetivamente urbanizadas. Quando esses bolses escuros vo sendo incorporados malha urbana quando os servios sanitrios, de eletricidade e virios integram-nos trama urbana;quando uma sociabilidade caracterstica floresce em cada um , persiste o sedimento da noo de sub-mundo, porm deslocado. Seu referencial est agora fora do permetro da cidade, nessa aglomeraobatizada pelos urbanistas dos anos 1930 de Grande Buenos Aires.

    Naturalmente, a Grande Buenos Aires no um lugar. Sua coerncia emana exclusivamenteda oposio cidade, e, inversamente, une, numa nica entidade portenha, bairros muito diferen-tes em antiguidade e perfil. E nem tudo o que se associa a esse amplssimo anel suburbano malsoou ameaador. De fato, poder-se-ia dizer o contrrio. Quando o arquiportenho jornalista e escritorRoberto Arlt passeia pelos lugarejos dos arredores, v refgios ednicos, blsamos de sossego ondedescansar da dana catica de Buenos Aires. Essas ruas arborizadas to calmas, que de cada folhacai um silncio, so uma sbia negao, povoados para sonhar, povoados de serenidade. Ningumempurra ningum, no h crculos de crdulos nem vigilantes nas esquinas (mas, o quadro no po-dia ficar assim: na fico de Arlt, a latncia disruptiva desses lugarejos aprazveis contguos aparecerna localizao do centro de operaes da sociedade secreta de Los siete locos, projeto de conquista deviolncia delirante e supermoderna, concebido no corao de uma quinta frondosa de Temperley,coberta de madressilvas em flor)12.

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    O verde, o silncio, o ar puro. Como em outras metrpoles, as imagens positivas do subrbio mol-dam-se em resposta s imagens mais degradadas da cidade, dessa utopia de unio do melhor do rural edo urbano13. Prolongando a lgica de expanso para os bairros, que segue as linhas ferrovirias em umprocesso de povoamento tradicional, desenvolvem-se comunidades prsperas e dinmicas para o sul, o

    oeste e o norte. Sua existncia depende das irradiaes econmicas e culturais da cidade e, por sua vez,resulta vital para seu funcionamento. A cada dia, milhares de passageiros industriosos chegam a Buenos

    Aires de trem e so despejados das estaes irradiadoras de Once, Retiro e Constitucin no formigueirodo centro histrico ou nas zonas comerciais em pleno desenvolvimento. Essa circulao alimenta a vidaeconmica e profissional do centro urbano, que alimenta as localidades residenciais dos arredores. ,de acordo com a terminologia de Michel Foucault, circulao positiva economicamente produtiva,socialmente ordenada, conduzida, mas nunca entorpecida, pelo Estado14.

    O enorme processo de crescimento da zona metropolitana (que no far mais do que se acelerarnas dcadas seguintes) estabelece as condies para o deslocamento de algumas noes de transgresso,da cidade para esse subrbio de difcil gesto estatal. Entre os anos 1920 e 1930, uma praga de assaltos

    organizados, ocorridos nas ruas mais respeitveis da cidade-capital, deu muito que falar em dirios e ca-fs, no rdio e na polcia. Deve-se insistir em um detalhe: nessas operaes delituosas, Buenos Aires nopassa de um cenrio efmero. Entra-se a partir de fora. E sai-se poucos minutos depois, como se entrou:nesse automvel que acelera o tempodo delito e que, diferentemente do trem (de deslocamento pautadoe previsvel), outorga plena autonomia a seus condutores. A figura do novo delinquente ingressa emuma tipologia que implica espacialidade ampliada, sustentada na facilidade para entrar e sair da cidadeem ritmos imprevisveis. Buenos Aires to somente o marco de uma breve cena (assalto-tiroteio-fuga)planejada longe, em uma territorialidade cada vez mais descentralizada e ampliada15.

    Para onde escapam to instantaneamente os delinquentes motorizados? Para essa Grande BuenosAires, salpicada de gangues, diz o chefe de Investigaes da Polcia da Capital, Miguel Viancarlos.

    Escondidos nas vibrantes localidades que se multiplicam e nos migrantes e imigrantes que iniciam seuprprio sonho da ascenso social, alojam-se os protagonistas do novo delito. Os assaltantes maisbem organizados decidiram acampar em localidades vizinhas, assegurando-se assim de uma maior im-punidade para o desenvolvimento de suas aes malvolas e de uma liberdade mais ampla para suastramadas maquinaes criminosas. A maior proximidade, continua em outro informe, estimulamuitos sujeitos sobejamente conhecidos por seus atos anti-sociais a se internarem com propsitos malintencionados nesta metrpole, desaparecendo em seguida, o que faz com que nossa ao seja travadapela falta de jurisdio sobre esse tipo de interveno ()16. Como a Polcia da Provncia de Buenos

    Aires [cuja jurisdio comea nos limites da cidade-capital] no est em condies (nem tem a inten-o) de controlar as ilegalidades que cercam a cidade, os ladres motorizados no necessitam escaparpara muito longe para evitar transtornos, continua Viancarlos. De uma constelao de falsos cafs, fal-sos comrcios e casas de jogo dissimuladas, escolhidos por sua proximidade da cidade mais rica, saramos delinquentes que operam ultimamente na Capital Buenos Aires. Trata-se, ento, da transformaode toda uma geografia da transgresso. E de uma novidade do imaginrio urbano destinada a ter longavida: a associao entre o delito, a desordem e a Grande Buenos Aires. A circulao automotora in-troduz na cidade a legalidade imprecisa dos subrbios (um velho ncleo do pensamento urbanstico).

    A governabilidade dos povoados circunvizinhos passa a ser um problema de Buenos Aires.O mais distrado leitor de dirios portenhos conhece o mapa da desordem que vai se sedimentando

    na imprensa comercial. As ruas deste ou daquele bairro, que durante dcadas teceram a trama espacialda nota policial, mesclam-se com nomes de distritos e localidades cada vez mais distantes. Avellaneda,Lans, Valentn Alsina, Morn, Lomas de Zamora, Matanza, Vicente Lpez, San Fernando A no-menclatura estabelece-se mediante histrias de baixa intensidade. Um tiroteio aqui, outro ali. Umabatida policial, um assalto intempestivo, um enfrentamento armado entre faces, uma disputa que se

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    transforma em homicdio, dois sujeitos que trocam tiros em uma avenida descampada e poeirentaDe vez em quando, as implicaes da ilegalidade endmica e contgua passam ao primeiro plano, como titular do grande assalto no centro, perpetrado por bandos provenientes dos povoados vizinhos.

    Ali, nesses cenrios incertos, esto seus esconderijos. O termo que evoca covis de animais, disfara-

    dos em uma paisagem sem cultura , cujo significado exatamente oposto artificialidade da ordemurbana, muitas vezes mencionado na crnica policial (dos jornais e da polcia).

    A ocorrncia da desordem suburbana est demarcada por eixos, cujas conotaes so bem dife-renciadas. Para o norte: Vicente Lpez, Florida, Olivos, San Isidro e San Fernando. Os nomes, queseguem a linha ferroviria, remetem ao sentido suave da promessa suburbana: o da possibilidade derelaxamento dos controles, da proximidade da cidade sem o labirinto da cidade. Nesse corredor de arlivre, do prazer do verde e das praias ribeirinhas h uma promessa de distenso, inclusive para quemno dono de quintas. So os anos da descoberta do week-end.A revista ilustrada Caras y Caretasassimdescreve os quentes domingos de 1929: Enorme movimento de trens. Todo mundo escapa para osbalnerios populares do norte. Piqueniques, corridas, sol, calor, cerveja. Quando um pobre se diverte

    se diverte!17Milhares de portenhos acorrem para refrescar-se (literal e figuradamente) no litoral deVicente Lpez, Martnez e Olivos. E naturalmente, os excessos de fala e de comportamento nesses espa-os suscitam na imprensa arrogantes conclamaes vigilncia dos costumes daquela turba grosseiraque perde seus controles morais habituais18.

    Paralelamente, vislumbra-se naquela rea um mercado apenas dissimulado de prticas clandestinas,mas socialmente toleradas. Em 1925, o intendente de Buenos Aires, Carlos Noel, probe a construode mais prostbulos na cidade. Muitos, contudo, persistem, disfarados nos novos edifcios de aparta-mentos. Mas, ao compasso das posturas municipais e do importante avano legislativo e policial contrao trfico de mulheres, uma parte do negcio se desloca para a periferia. O eixo norte constitui um lugarconhecido de oferta sexual. E em dimenses mais escandalosas, o mesmo est acontecendo com o jogo.

    Nenhuma forma de entretenimento est mais arraigada e mais popular do que o jogo. EmBuenos Aires, todos so candidatos a milionrios, e no h um pobre coitado que no perambuleapregoando seu palpite, diz nosso cido testemunho dos costumes, Roberto Arlt19. Certamente nofaltam oportunidades, legais ou clandestinas, de canalizar esse impulso. Comecemos pelas apostasnas corridas de cavalos. Sua furtiva difuso, que tanta violncia gera nas lutas pelo controle do caixa, funo de sua legitimidade social, que prolonga em escala reduzida o magnetismo das grandes vi-trines do turfe, verdadeira obsesso de poca. Ao hipdromo de Palermo afluem figuras da poltica,personalidades da alta sociedade, celebridades do entretenimento, um e outro chefe do crime, e mui-tos milhares de apostadores annimos. Centro de atividade febril, o hipdromo assunto para seesfixas de jornais e revistas (includas as da polcia), tem analistas especializados e uma galeria de estre-las extremamente populares. O hipdromo uma encruzilhada da vida poltica, social e econmica,o polo mais brilhante de toda uma cultura do jogo de azar, grande, pequeno e minsculo, que seconfunde com as prprias formas da sociabilidade.

    Buenos Aires, cidade das quinielas20e dos radicais, afirma Arlt. Tributrio ilegal de outro jogo legal(a loteria), a quiniela o jogo de azar dos menos abastados. Por sua capacidade para filtrar-se na infini-dade de gastos domsticos, faz sucesso entre as donas de casa modestas e seus corretores no faltamnos aougues, quitandas e armazns. O comissrio Romariz recorda, em suas memrias, que as freguesasseparavam uns centavos da quantia destinada compra de mantimentos para reserv-los s apostas, e queesses mesmos vendedores anotavam os dados em um boleto que entregavam junto com o po e o leite.

    A quinielano igualmente popular em todas as partes. Arlt assegura que os bairros de peque-nos proprietrios recentes so um mau endereo para os corretores, que encontram seu paraso naszonas mais pobres e antigas Boedo e San Juan, Triunvirato e Concepcin Arenal isto , essescentros de populao onde cada famlia ocupa uma pea que no prpria, mas sim alugada ().

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    [Ali, os quinieleros] tm implantada sua banca nos mercados, contando com cmplices entre os em-pregados dos aougues, que so os mais afeitos aos jogos por palpite21.

    Nesse marco, os povoados vizinhos funcionam como uma prolongao protetora e indulgente domais notvel desses costumes do cio, frequentes na Capital, onde florescem as quinielasde bairros, en-

    quanto as casas de apostas e os prostbulos vo se tornando mais raros. O status legal desse conjunto deprticas chamadas jogo coloca dilemas permanentes legislatura provincial de Buenos Aires, que osci-la entre o proibicionismo e as permisses parciais (s corridas de cavalos e loteria, por exemplo), entrea condenao moral e o pragmatismo. O debate no interior do conservadorismo sobre a conveninciade legalizar os cassinos com a finalidade de coletar fundos para obras sociais termina se resolvendo pelanegativa, mantendo-se, assim, essas conhecidas atividades em (simulada) clandestinidade ao longo dadcada22. Com este status, o jogo cumpre uma funo fundamental de financiamento da poltica pro-vincial, o centro nevrlgico do controle territorial caudilhista da era conservadora.

    Toda iniciativa de erradicao dos perniciosos costumes dos jogos de azar est destinada ao fra-casso, denuncia La Prensa, enquanto casas de jogo continuarem sendo instaladas nas proximidades de

    Buenos Aires, que embora pertenam jurisdio da provncia, podem ser consideradas, em relaoaos bairros metropolitanos, como verdadeiras prolongaes dos mesmos, sem soluo de continui-dade. As casas de apostas, dissimuladas atrs de fachadas mais ou menos respeitveis se multiplicam,ignorando as proibies, justamente pela promessa de abundante clientela que a proximidade da rica epopulosa Capital lhes proporciona23. Como todo mundo sabe, em Tigre funciona um cassino que nemsequer se disfara como um clube social com outros fins. Suas dimenses provocam reclamaes porparte das autoridades de Mar del Plata, impossibilitadas de habilitar os prprios cassinos pela mesmaproibio legal, to escandalosamente burlada na Grande Buenos Aires. Enquanto isso, as roletas e aspartidas de naipes, que se joga nas residncias luxuosas, atraem um fluxo importante de participantes.Disso sabe bem o empregado do cassino do balnerio atlntico, que, ao final da temporada de vero,

    coloca suas habilidades a servio do jogo que (com clientela portenha e buenairense) prolifera nas man-ses das quintas privadas de Martnez, Acassuso, San Isidro...24Denunciam editoriais:

    De Baha Blanca a Lincoln, de San Nicols a Trenque-Lauquen e Pehuaj, e sobretudo nos arredores daCapital, como Avellaneda, Cidadela, Florida, Olivos, San Isidro, San Fernando e Quilmes , joga-sedesde a manh at de noite, sem que as autoridades policiais percebam, que isso pressupe sua cumplici-dade e tolerncia.25

    A questo que, alm de gerar reflexes amargas sobre a moral dos tempos, a ubiquidade do jogo emsuas expresses mais escandalosas coloca em cena a conivncia da polcia de Buenos Aires. Afirma La Prensa:

    Seria quase absurdo alegar ignorncia da existncia de uma roleta qual concorre um nmero to grandede jogadores, certamente no radicados na localidade e necessitados, em consequncia, de todos os meiospossveis de transporte, especialmente do automvel, para chegar ao local em que aquela est instalada. Serque a caravana de carros, todas as noites, no mesmo horrio, sobretudo o da volta, no sugeriu nada che-fatura de poltica de Tigre?26

    Muitas denncias apontam para a corrupo policial e para esse difuso marco de aquiescncia quepermitiu a conexo progressiva entre os povoados vizinhos e a Capital. Mas, se cassinos e prostbulosconstituem uma ameaa aos portenhos, isso ocorre apenas como parte de oportunidades de entreteni-mento que so bem vindas, e s em sentido moral. A dimenso violenta da Grande Buenos Aires apa-rece associada ao eixo sul, prolongamento do submundo histrico das zonas do porto, nas imediaesdo Retiro e do Riachuelo. O polo de medos e denncias est bem implantado s portas da cidade, napopulosa Avellaneda.

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    Do outro lado da ponte

    Do outro lado da ponte,/tudo jogo e alegria,e embora se mate gente,/a polcia nada v.

    Publicada pela primeira vez na revista portenha Caras y Caretas, a cano contrasta os dois ladosda ponte que une as margens do Riachuelo (limite sul entre a cidade e a provncia de Buenos Aires) eest acompanhada de um desenho que representa a desordem, a tolerncia grotesca, o transbordamentodos vcios e a complacncia policial de um lado; a silhueta elegante dos edifcios modernos, do outro.

    Avellaneda constitui o ncleo de uma verdadeira lenda em torno da ilegalidade do subrbio, embo-ra suas conotaes sejam muito especficas e diferentes das de outras localidades. Em primeiro lugar, onome no evoca a genrica anomia da paisagem semi-rural, mas sim a trama densa e violenta, compostapor muitos elementos combustveis. Avellaneda um centro urbano, um polo fabril, a localidade maispovoada da provncia, um impetuoso ncleo situado exatamente extramuros. Ou extra ponte, paraser mais preciso, pois a cidade est separada de Buenos Aires pela movimentadssima ponte Pueyrredn.Proximidade e volatilidade, espao do jogo proibido, de prostbulos, de violncia poltica e sindical,refgio de gangues amparadas por caudilhos e policiais amigos de caudilhos Avellaneda exibe, emescala, muitos traos do pistoleirismo do entreguerras. No se pode esquecer, sublinha La Nacin,que tais acontecimentos so produzidos exatamente nas portas da grande capital, e em um distrito que,por si s, representa a terceira concentrao do pas em populao e em interesses comerciais e indus-triais estabelecidos27. Este paraso da escria est colado a Buenos Aires.

    Pode-se dizer que os estabelecimentos comerciais das ruas centrais de Avellaneda so a fachada apenasvelada de negcios clandestinos. Sobre o jogo: No exagerado dizer que a maioria dos locais existentesna Avenida Mitre, desde a ponte Pueyrren at a praa local, est destinada a agncias disfaradas deloteria, que no so seno casas de jogo clandestinas nas quais as infraes so cometidas sem nenhumarepresso, afirma La Prensa. Sobre a prostituio: vagamente dissimulada, por detrs das fachadas desupostas barbearias, charutarias ou restaurantes, oferece-se sexo ao transeunte mais inocente em plenocentro de Avellaneda, em locais no muito distantes da primeira delegacia de polcia, afirma o jornallocal28. As casas clandestinas de jogo, quinielase roletas em clubes sociais so segredos conhecidos portodos. Um luxuoso cassino clandestino, com tapetes, lmpadas de teto e baixela de prata, funciona hmuito tempo nos fundos do Centro de Fomento Avellaneda, administrado por Juan Tink amigo docoronel Ramn Falcn e aliado de Marcelino Ugarte entre 1914 e 1917 e herdado depois pelo caudilholocal, Alberto Barcel.

    Pibe Ruggiero, o valento Ruggierito, dirige uma conhecida casa de jogo clandestina. Um car-

    taz que no d margem a dvidas Faam suas Apostas Hoje anuncia as atividades da jornada.Estrategicamente situado junto sada da cidade, o estabelecimento oferece garantias de proteocontra assaltos no caminho de volta para casa. Se o roubam na Capital, voc estferrado, mas aquiem Avellaneda, nunca assaltam um cliente meu, a estratgia comercial do patro29. Os centros de

    jogo operam com clientela local e tambm com milhares de habitusque vm do outro lado do rio:sua contiguidade cidade mais rica explica sua expanso continuada. O detalhe raramente men-cionado nas crnicas jornalsticas, nas quais as casas de jogo da cidade vizinha aparecem como umfenmeno alheio e extico.

    Mais importante que as roletas e os jogos de cartas o volume de apostas clandestinas vinculadass corridas de cavalos. Na Avenida Mitre funciona aos sbados e domingos um hipdromo completo

    em miniatura, onde se renem habitualmente cerca de 1.000 pessoas. A magnitude das infraes descomunal, continua, escandalizado, o cronista de La Prensa, e a nica diligncia policial consiste emordenar o trnsito do pblico para que todos possam chegar aos guichs e fazer suas apostas. Enquanto

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    isso, de um terrao da Avenida Vrtiz, atual Libertador, so recebidas, por telefone, as apostas para cadacorrida do Hipdromo de Palermo (a transmisso radiotelefnica dos resultados reiteradamente proi-bida, precisamente para evitar o jogo clandestino). No estabelecimento da Rua Pavn (gerenciado porPibe Ruggiero), os apostadores ouvem ao vivo, por alto-falante, o relato das corridas.

    Os jornais denunciam: a polcia de Avellaneda no cumpre suas funes falta de efetivos e falta devontade. A Polcia da Provncia, alm de permitir os jogos de azar, protege, com zelo, as casas de apostas.O aumento do jogo, percebido em algumas localidades, ganha caractersticas extremas em Avellaneda. Afrustrada reforma policial, iniciada pelo governador Manuel Fresco em 1936, mostra at que ponto o vn-culo entre caudilhismo, polcia e jogo minou o poder das autoridades da instituio. Os chefes da Polciade Buenos Aires observam, impotentes, a autonomia de seus funcionrios. A rbita imantada do cofre doscaudilhos locais, cuja origem principal o jogo clandestino e tambm a prostituio, burla cada tentativade organizar o disperso poder policial dessa enorme provncia em torno de um centro, em La Plata30.

    Mais ostensivamente permissiva que outros subrbios, a Avellaneda dos anos 1930 tambm a maisviolenta. Assim recorda Jorge Lus Borges em La muerte y la brjula (1944): Ao sul da cidade do meu

    conto flui um riacho cego, de guas barrentas, aviltado por curtumes e imundcies. Do outro lado, hum subrbio fabril onde, ao amparo de um caudilho barcelons, vicejam os pistoleiros. Separados deBuenos Aires por uma profuso de lama e lixo, os pistoleiros do subrbio fabril vicejam o inqui-etante verbo no pode ser casual.

    O pistoleirismo suburbano um subproduto dos mesmos conflitos polticos que estruturam aterritorialidade do jogo clandestino. Seu sucesso de pblico transforma-o em um butim que se dissolveem escndalo. A morte do conhecido explorador, Oscar Modelo, El Pibe Oscar, nas mos de seusinimigos de bandidagem, por exemplo, merece grandes manchetes da imprensa portenha31. Acerto decontas entre senhores do jogo, portanto. Mas, tambm, no mundo da poltica (que nem sempre sedistingue claramente desses espaos rentveis de lazer). A queda de Juan Ruggiero (Ruggierito), em

    outubro de 1933, emblemtica das lutas territoriais entre bandos, e da ameaa de transbordamento daviolncia perifrica na cidade. Chefe da tropa de choque do caudilho local Alberto Barcel, Ruggiero uma figura associada ao mesmo tempo s modulaes mais baixas da baixa poltica, e a seus desviospopulistas. Atua, vimos, como chefe de uma rede de prostbulos e de casas de jogo da zona. Entre 1929e 1930, seu enfrentamento com o pistoleiro Julio Valea, O Galego Julio, projeta-se para muito almdos limites do submundo suburbano. A luta no era travada nem em Avellaneda, nem em Barracas,nem sequer na Boca, mas sim chegou com o estrpito das armas automticas Rua Suipacha, nos ar-redores da estao Constitucin e na Avenida de Maio, recorda El Mundoem seu obiturio. Valea finalmente executado durante uma corrida no hipdromo de Palermo. Ruggierito sobrevive a ele eescapa de vrios atentados sua vida. Em outubro de 1933, morre assassinado nas ruas de sua cidade.Suas exquias geram macias manifestaes de pesar32.

    Outros pistoleiros respondem s ordens de lderes sindicais ou de tropas de choque de caudilhosconservadores. Outros, ainda, participam de disputas no interior dos sindicatos ou de confrontos entrefraes anarquistas essa lgica se adivinha na longa srie de incndios, tiroteios e bombas em padariasnoticiados pela imprensa local33. Alguns incidentes entre o mais bravo da polcia brava e manifesta-es de uma dissidncia enfurecida inundam a primeira pgina dos jornais. Em junho de 1931, o inter-ventor da polcia do distrito, Jos Rosasco, crivado de balas enquanto janta no tradicional restauranteCecchin, em pleno centro da cidade, a uma quadra da delegacia de investigaes e a duas da AvenidaMitre. Foi uma coisa cinematogrfica, disse uma testemunha que jantava numa mesa prxima. Dis-farados como um grupo de clientes elegantes (na cena do crime deixam atrs de si um sapato de vernize culos com armao de tartaruga), os atacantes avanam sobre a mesa em questo, descarregam cincobalaos de suas pistolas calibre 45 de ltima gerao sobre o major Rosasco, e fogem em dois automveisestacionados na porta34.

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    Por volta de meados dos anos 1930, a reputao de Avellaneda como subrbio barra pesada estestabelecida e explorada comercialmente. Os valentes so comparados aosgangsters, seus irmos maisvelhos do grande crime de Chicago que projetam um halo de profissionalismo e poder tecnolgico.O aparecimento de uma metralhadora em um tiroteio entre bandos, por exemplo, inspira os cronistas

    de Crticae da popular revistaAhora mesma analogia entre Ruggierito e o chefe mafioso Al Capone,entre os pistoleiros criollos e a mfia de Chicago35.

    O quanto h de exagero nesta imagem? H uma glamorizao estilstica, mas no muito mais doque isso. As estatsticas disponveis que unificam as distintas lgicas da violncia, mas mantendoa proporo tendem a confirmar o quadro impressionista da imprensa (embora sem os adornoshollywoodianos). Nas dcadas de 1920 e 1930, a populao de Avellaneda cresceu extraordinariamente,e mais extraordinariamente ainda cresceu sua taxa de delitos. O salto mais ntido ocorreu no perodoentre 1925 e 193936.

    Esses nmeros referem-se muito mais aos perigos que os avellanedenses correm do que queles queameaam os portenhos. Falam de uma violncia que local, de acidentes, tiroteios, assaltos Vrias

    vezes por semana (ou vrias vezes por dia) a imprensa da cidade narra as peripcias dessa histria37. Aeventual ameaa Capital mal aparece (ou no aparece em absoluto), e sim alude ao potencial estig-matizante do fenmeno delituoso, tal como apresentado em seus grandes dirios. Avellaneda, comoacredita a imprensa metropolitana, no um esconderijo de delinquentes, responde o titular de LaLibertad crnica de La Nacin. H bandos, sim afirma outro dirio local, La Opinin, mas pelo aumento do patrulhamento expulsivo da Capital, que obriga suas vizinhas a terem que lidar comcriminosos que provm de Buenos Aires e pertencem a Buenos Aires38.

    Inseridos em um contexto de sentido mais amplo e inteligvel, a violncia, a falta de vigilncia e algica corrupta da Polcia de Buenos Aires so tematizadas cotidianamente. E coexistem, sobretudo, comdemandas comunitrias, relacionadas aos pedidos de obras de higiene pblica e de desenvolvimento

    de uma infra-estrutura que acompanhe o crescimento demogrfico. O tema da precariedade legal queos grandes jornais difundem e o pacto entre poder poltico, polcia e prtica ilegal do jogo aparececonectado ao que isso representa para a vida cotidiana da populao. E mais: retiradas dos jornais deBuenos Aires e reinseridas no contexto local, essas notcias so ressignificadas e utilizadas seletivamentepara criticar as autoridades locais (conservadoras). Elas resistem ao sentido portenho que lhes atribudo:o cerco de Buenos Aires no assim; e a lenda negra de Avellaneda traduz-se em reclamos de proteopara os milhares de trabalhadores que alimentam a vida de fbricas e frigorficos e para as suas famliasque nutrem o tecido econmico, social e comercial desse centro urbano de impetuosa vitalidade39.

    Essa queixa por mais polcia comum a muitas outras localidades bonaerenses, e se aproxima doque ecoa nos bairros da prpria Capital. Mais ampla, muito mais urgente, a demanda recorta uma expec-tativa que define a polcia ideal, em oposio a essa fora policial, cuja lgica da violncia no se distinguebem da que penetra a prpria sociedade, que se confunde com seus vcios, com a dinmica insurgente desua poltica. A dbil polcia dos abaixo-assinados de moradores e dos editoriais da imprensa comunitriadeve ser uma fora civilizatria. Como nos bairros portenhos, clama-se por uma fora policial capaz degarantir uma ordem (social, territorial) que permita o desenvolvimento do projeto daqueles que chega-ram a essas localidades em plena expanso, de suas comunidades europias, ou das provncias do interior.Que lhes permita, enfim, realizar algumas das amplas promessas de ascenso social 40.

    raduo: Srgio Lamaro

    Reviso tcnica e edio: Maria Aparecida Rezende Mota

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    Notas

    1CAIMARI, Lila. En guerra contra el hampa. Polciay modernizacin tecnolgica en el Buenos Aires de los aos trinta. In:BOHOSLAVSKY, E., CAIMARI, L. e SCHETTINI, C. (eds.). La polcia en perspectiva historica. Argentina y Brasil (desdeel siglo XIX a la actualidad. Disponvel em: 2No original, peringundines. Nota do Editor.3Para a distribuio dos cafs portenhos do final do sculo XIX, ver GAYOL, Sandra. Sociabilidad en Buenos Aires. Buenos Aires:Ediciones del Signo, 2000, p. 36 e 42. Para a localizao dos prostbulos, ver GUY, Donna. El sexo peligroso. La prostitucin legalen Buenos Aires, 1875-1955. Buenos Aires: Sudamericana, 1994, cap. 3; CARIDE, Horacio. Una aproximacin a la historiaprostibularia de Buenos Aires en tiempos de la legalidad. Trabalho apresentado em Fuera de la ley. Jornadas de discusin sobredelito, polcia e justicia en perspectiva historica (siglos XIX e XX), Buenos Aires, Universidad de San Andrs, 17 e 18 de junhode 2010. Sobre a distribuio da vigilncia policial em finais do sculo XIX, ver GALEANO, Diego. La polica en la ciudad deBuenos Aires, 1867-1880. Dissertao de Mestrado em Investigao Histrica, Universidad de San Andrs, 2010, p. 132-137.4Conta o bandoneonista Jos Libertella que para divulgar seu show em Paris, em 1981, Le Mondeo descrevia como umespetculo de trinta e trs artistas do submundode Buenos Aires. FONDEBRIDER, Jorge (comp.). La Pars de losargentinos. Buenos Aires: Bajo la Luna, 2010, p. 426.5

    Lunfardo, de acordo com a definio do Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, a gria argentina, originada da variaodialectolgica dos imigrantes italianos, que se fixa nas classes baixas (frequentemente usada em letras de tangos).6LIERNUR, Jorge F. Arquitectura en la Argentina del siglo XX. La construccin de la modernidad. Buenos Aires: FondoNacional de las Artes, 2001, p. 104.7ROMARIZ, Jos R. La Semana rgica. Buenos Aires: Editorial Hemisferio, 1952, p. 88.8Dominique Kalifa examina esta associao em Lattaque nocturne, une frayeur. Ver Crime et culture au XIXe sicle. Paris:Perrin, 2005, p. 249. Sobre a trama de associaes culturais que evoca a irupo da iluminao da rua, ver SCHIVELBUSCH,

    Wolfgang. Disenchanted Night: Te Industrialization of Light in the Nineteenth Century.Berkeley, Califrnia: University ofCalifornia Press, 1995. Sobre a expanso da iluminao em Buenos Aires, ver El torbellino de la electrificacin. Buenos Aires,1880-1930, em LIERNUR, Juan F.; SILVESTRI, Graciela. El umbral de la metrpolis. Transformaciones tcnicas y cultura enla modernizacin de Buenos Aires, 1870-1930. Buenos Aires: Sudamericana, 1993.9No original, alcaloides. O Diccionario de la lengua espaola de la Real Academia Espaola, define alcaloide como cadauno de los compuestos orgnicos nitrogenados de carcter bsico producidos casi exclusivamente por vegetales. En sumayora producen acciones fisiolgicas caractersticas, en que se basa la accin de ciertas drogas, como la morfina, la cocanay la nicotina. Muchos se obtienen por sntesis qumica. Nota do Editor.10VAPARSKY, Csar. La Aglomeracin Gran Buenos Aires. Expansin espacial y crescimento demogrfico entre 1869 y1991. Buenos Aires: EUDEBA, 2000, cap. .11 Sobre o desenvolvimento da noo do conjunto urbano bonaerense, ver CARIDE, Horacio. La idea del conurbanobonaerense, 1925-1947. Documento de Trabajo N 14, San Miguel: Instituto del Conurbano, UNGS, 1999; NOVICK,

    Alicia; CARIDE, Horacio. La construction de la banlieue Buenos Aires. In: RIVIERE DARC, H. (dir.). Nommer lesnouveaux territoires urbains. Paris: UNESCO/ Editions de la Maison des Sciences de lHomme, 2001, p. 105-130.12ARLT, Roberto. Pueblos de los alrededores. El Mundo, 31 de marzo de 1929; Idem.Los siete locos. In: ARLT, Roberto.Novelas. Buenos Aires: Losada, 1997 [1929].13

    TUAN, Yi-Fu. Topophilia.A Study of Environmental Perception, Attitudes, and Values. Nova York: Columbia UniversityPress, 1990 [1974], cap. 14.14FOUCAULT, Michel. Aula de 18 de janeiro de 1978. In: FOUCAULT, Michel. Seguranza, territorio, poblacin. Cursono Collge de France (1977-1978). Buenos Aires: FCE, 2006, p. 45.15Ocupei-me dessa onda de assaltos em CAIMARI, Lila. Modernidades delictivas. Buenos Aires en la era del pistolerismo.Desenvolvimento Econmico. Revista de Ciencias Sociales, n. 195, out-dez. 2009, p. 389-419.16Polcia de la Capital.Memoria de Iinvestigaciones, 1935, p. 230.17Caras y Caretas. 16 de maro de 1929, s/p.18Desbordes de incultura. El Mundo, 3 de dezembro de 1933.19Candidatos a milionrios. El Mundo, 21 de dezembro de 1929.20Jogo que consiste em apostar na ltima ou nas ltimas cifras dos prmios maiores da loteria. Nota do Tradutor.21ARLT, Roberto. La mujer que juega a la quiniela. In: Idem. Obras. Tomo II. Buenos Aires: Losada, 1998, p. 192.22BJAR, Mara Dolores. El rgimen fraudulento. La poltica en la provincia de Buenos Aires, 1930-1943. Buenos Aires:Siglo Veintiuno, 2005, p. 161. Para uma anlise das sucessivas propostas reguladoras, ver PEDETTA, Marcelo. Cara y cruz.

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    Estado, juego oficial y juego clandestino antes de 1936. Comunicao apresentada emJornadas de discusin sobre delito, pol-cia y justicia en perspectiva historica (siglos XIX y XX), Buenos Aires, Universidad de San Andrs, junho de 2010. O PartidoConservador o principal ator poltico da Provncia de Buenos Aires no perodo aqui considerado.23A represso do jogo. La Prensa, 15 de fevereiro de 1931; reproduzido em La Libertad, 16 de fevereiro de 1931, p. 3.24

    Entrevista do ex-empregado do cassino de Mar del Plata, Ricardo N. Lombardi, realizada em maio de 2008por MarceloPedetta. Archivo de Historia Oral, Departamento de Historia, Facultad de Humanidades, UNMdP. Agradeo a MarceloPedetta o acesso a essa fonte.25Editorial O desenvolvimento do jogo. La Libertad, 8 de julho de 1933, p. 3. Grifo meu.26La Prensa, 2 de maro de 1933.27Servicios policiales en Avellaneda. La Nacin, 14 de outubro de 1929.28La Prensa, 2 de maro de 1933. Com a cumplicidade da polcia sujeitos apanhados pelo oficialismo violam descarada-mente determinada lei. S falta um hipdromo, La Libertad, tera-feira, 13 de setembro de 1932, p. 1. La Prensa, 3 de abrilde 1933, reproduzido em La Libertad, 4 de abril de 1933, p. 3. Funcionam clandestinos no corao de Avellaneda. Em locaisno muito distantes da chefatura de polcia, muitas mulheres exercem a prostituio, La Libertad, 9 de agosto de 1933, p. 5.29PIGNATELLI, Adrin. Ruggierito. Poltica y negocios sucios en la Avellaneda violenta de 1920 y 1930. Buenos Aires: NuevaMayora, 2005. p. 47.30 Sobre a reforma de Fresco, ver BARRENECHE, Osvaldo. La reorganizacin de las policas en las provincias deBuenos Aires y Crdoba, 1936-1940. In: MOREYRA, B. y MALLO, Silvia. Procesos amplios, experiencia y construccin de lasidentidades sociales. Crdoba y Buenos Aires, siglos XVIII-XX. Crdoba: Centro de Estudios Prof. C. Segreti/UNC, 2007.31El Mundo. 6 de fevereiro de 1933, p. 12.32El Mundo, 22 de outubro de 1933, p. 12. Sobre as representaes jornalsticas de Ruggiero, ver Ceechi, Ana. Polifnicasimgenes delictivas: narrar a Ruggierito. Espculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid.Disponvel em 33Informaes de Avellaneda. Um empreiteiro de obras foi assassinado ontem, a tiros, por indivduos que desapareceramem seguida. La Nacin, 25 de outubro de 1929; Houve ontem um violento tiroteio em Valentn Alsina. Mais de 20 tirosforam trocados entre os dois bandos. O tipo conhecido por Gallego Lpez ficou gravemente ferido. La Libertad, 11 defevereiro de 1933, p. 5; Explodiu outra bomba em uma padaria. La Libertad, 24 de agosto de 1931, p. 1.34Foi assassinado o major Rosasco. La Libertad, 12 de junho de 1931, p. 1; Crivado de balas, foi assassinado o major

    Jos W. Rosasco (). La Opinin, 12 de junho de 1931, p. 1. Designado interventor da polcia de Avellaneda aps o golpede Estado, Rosasco levou muito a srio a tarefa de limpeza encomendada pelo presidente Jos Flix Uriburu. Sua brevegesto no subrbio industrial incluiu o fuzilamento de dois presos vinculados rede de negcios de Ruggiero, executadosna delegacia aps a sentena sumria de um Conselho de Guerra, improvisado ali mesmo. De seu posto suburbano, Rosascoliderou os ataques mais duros contra o anarquismo expropriador. No momento de sua morte, tinha acabado de prendero ativista Gino Gatti, membro do bando de Di Giovanni (j fuzilado) e Roscigna (encarcerado), e de prender mais de qua-renta suspeitos em uma batida. Embora o crime nunca tenha sido completamente esclarecido, tudo indica que o espetaculargolpe foi uma vingana das vtimas provenientes deste setor (e que os executores chegam a Avellaneda a partir da Capital).35Como osgangstersde Chicago, os pistoleiros criollos de Morn utilizaram metralhadoras. H muitos pontos de contatonos procedimentos usados por esses bandos. Crtica, 20 de fevereiro de 1935, p. 12; Em Avellaneda, os mortos matam.

    Ahora, 1 de agosto de 1935, p. 28.36Suprema Corte de Justia da Provncia de Buenos Aires. Justicia Criminal e Delincuencia del sigo XX. La Plata: 1939.Cap. Depto. de Avellaneda.37Para este panorama consultei o matutino La Libertad, editado em Avellaneda e que cobre a zona sul (Lans, Villa Domi-nico, Sarand, Valentn Alsina, Wilde). A visibilidade atribuda a esses incidentes depende dos contextos polticos. Tratando-se de um matutino radical, exibe ruidosamente os problemas vinculados gesto conservadora de Barcel, que se renova em1930. O segundo dirio local consultado, La Opinin, encarna o conservadorismo bonaerense.38La Libertad, 17 de outubro de 1929. A relao entre o endurecimento policial portenho e o aumento do delito organizado em

    Avellaneda narrada no dirio local La Opinin, no resumo que fez da obra policial do major Rosasco, 13 de junho de 1931, p. 1.39A pujante comunidade avellanedense, afirma La Libertade em editorial, vive abandonada sua sorte: () as pessoasficam entregues ao acaso e a vida e os bens dos moradores dependem da sorte. Sobre a situao da cidade ver o editorialA segurana pblica, em La Libertad, 16 de junho de 1931; Editorial Campanhas contra o jogo de azar em Avellaneda.

    La Libertad, 8 de julho de 1931; Editorial Avellaneda vive merc de sua magestade (sic) o delinquente. La Libertad, 26de setembro de 1932; Avellaneda encontra-se merc da delinquncia. La Libertad, 8 de novembro de 1932, p. 5; Acumplicidade do silncio policial. Valentn Alsina merc da delinquncia. La Libertad, 10 de setembro de 1932, p. 5; alarmante a sucesso de assaltos e roubos em Lans Oeste. La Libertad, 15 de fevereiro de 1933, p. 5.

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    40Comunicao apresentada na mesa-redonda s margens da cidade: violncia urbana, crime e pobreza, no mbito doSimpsio Internacional Histria e Margem, promovido pelo Programa de Ps-graduao em Histria Social da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre 18 e 20 de outubro de 2010.

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    Autor

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