CÁLCULO DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DE REFÊRENCIA USANDO DADOS...

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CÁLCULO DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DE REFÊRENCIA USANDO DADOS CLIMÁTICOS DE REANÁLISE * Diogo S. Martins 1,2 , Paula Paredes ,2 , Jorge Cadima 3 , Carlos A.L. Pires 1 , Luis S. Pereira 2 Resumo Neste estudo avaliou-se a possibilidade de utilizar dados de reanálise para estimar a evapotranspiração de referência (PM-ETo) com passo de tempo mensal. O cálculo requer dados de temperatura máxima e mínima, radiação solar, humidade relativa e velocidade do vento. Como dados climáticos de reanálise usou-se um conjunto de dados NCEP/NCAR que combina reanálise com dados observados de modo a corrigir viés nas variáveis de superfície. Comparou-se a ETo estimada com os dados de reanálise e com a PM-ETo estimada para 130 estações meteorológicas na Península Ibérica. Compararam-se igualmente as variáveis climáticas obtidas da reanálise com as observadas para as mesmas localizações. Como os dados de reanálise são fornecidos em malha recorreu-se ao kriging ordinário para a sua estimativa nas localidades com dados de observação. A PM-ETo é ligeiramente sobrestimada quando calculada com dados de reanálise mas os resultados sugerem que os dados de reanálise são uma boa alternativa para o cálculo da ETo quando não estão disponíveis dados in situ. Abstract In this study, reference evapotranspiration (PM-ETo) was estimated with blended reanalysis datasets based on NCEP/NCAR reanalysis products using maximum and minimum temperature, solar radiation, relative humidity and wind speed. Reanalysis based PM-ETo was compared with PM-ETo estimated with in situ data relative to 130 weather stations in the Iberian Peninsula. All weather variables were also compared with the ground measured variables. Gridded reanalysis data were interpolated to observation locations using ordinary kriging. There is a slight trend for reanalysis to overestimate PM-ETo, but overall results suggest that reanalysis products are appropriate to estimate PM-ETo when in situ data are not available. 1 Instituto Dom Luiz (Laboratório Associado), DEGGE, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal. Email: [email protected]; [email protected] 2 LEAF, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal, Tel.: +351213653339; Fax: +35121365 3283; Email: [email protected]; [email protected] 3 Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa (CEAUL) e Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal. Email: [email protected] * Este artigo baseia-se em estudo anterior (Martins et al. 2016)

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CÁLCULO DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DE REFÊRENCIA

USANDO DADOS CLIMÁTICOS DE REANÁLISE *

Diogo S. Martins1,2, Paula Paredes,2, Jorge Cadima3, Carlos A.L. Pires1,

Luis S. Pereira2

Resumo

Neste estudo avaliou-se a possibilidade de utilizar dados de reanálise para estimar

a evapotranspiração de referência (PM-ETo) com passo de tempo mensal. O cálculo

requer dados de temperatura máxima e mínima, radiação solar, humidade relativa e

velocidade do vento. Como dados climáticos de reanálise usou-se um conjunto de

dados NCEP/NCAR que combina reanálise com dados observados de modo a

corrigir viés nas variáveis de superfície. Comparou-se a ETo estimada com os dados

de reanálise e com a PM-ETo estimada para 130 estações meteorológicas na

Península Ibérica. Compararam-se igualmente as variáveis climáticas obtidas da

reanálise com as observadas para as mesmas localizações. Como os dados de

reanálise são fornecidos em malha recorreu-se ao kriging ordinário para a sua

estimativa nas localidades com dados de observação. A PM-ETo é ligeiramente

sobrestimada quando calculada com dados de reanálise mas os resultados sugerem

que os dados de reanálise são uma boa alternativa para o cálculo da ETo quando não

estão disponíveis dados in situ.

Abstract

In this study, reference evapotranspiration (PM-ETo) was estimated with blended

reanalysis datasets based on NCEP/NCAR reanalysis products using maximum and

minimum temperature, solar radiation, relative humidity and wind speed. Reanalysis

based PM-ETo was compared with PM-ETo estimated with in situ data relative to 130

weather stations in the Iberian Peninsula. All weather variables were also compared

with the ground measured variables. Gridded reanalysis data were interpolated to

observation locations using ordinary kriging. There is a slight trend for reanalysis to

overestimate PM-ETo, but overall results suggest that reanalysis products are

appropriate to estimate PM-ETo when in situ data are not available.

1 Instituto Dom Luiz (Laboratório Associado), DEGGE, Faculdade de Ciências da Universidade de

Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal. Email: [email protected]; [email protected] 2 LEAF, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017

Lisboa, Portugal, Tel.: +351213653339; Fax: +35121365 3283; Email: [email protected];

[email protected] 3 Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa (CEAUL) e Instituto Superior de

Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal. Email: [email protected]

* Este artigo baseia-se em estudo anterior (Martins et al. 2016)

Predictabilidade Sazonal de Secas

1. Introdução

A evapotranspiração (ET) é uma variável fundamental tanto para o ramo terrestre

como atmosférico do ciclo hidrológico. O seu conhecimento é essencial para a

gestão dos recursos hídricos nos ecossistemas naturais e agrícolas, particularmente

em regadio (Allen et al., 1998). São diversas as aproximações usadas para medir e

estimar a ET a várias escalas, dependendo dos dados disponíveis e dos objetivos

dos cálculos (Pereira et al., 1999; Farahani et al., 2007; Allen et al., 2011; Glenn et

al., 2011; Liou e Kar, 2014).

Como revisto por Pereira et al. (2015), o uso da combinação “coeficiente cultural

(Kc) – evapotranspiração de referência” (ETo) continua a ser a mais importante

approximação à ET da vegetação, particularmente em agricultura, sendo que a

aproximação dual aos Kc vai ganhando adeptos devido à elevada precisão

conseguida (Allen et al., 2005; Allen e Pereira, 2009; Rosa et al., 2012; Paredes et

al., 2015). Consequentemente, é necessário que o cálculo da ETo seja realizado com

precisão. Entretanto, é interessante notar que a ETo é igualmente importante na

definição de índices de seca que combinam a precipitação com a ET (Paulo et al.,

2012; Martins et al., 2015; Vicente-Serrano et al., 2015).

O cálculo da equação PM-ETo (secção 2, abaixo) requere várias variáveis

climáticas, porém nem sempre disponíveis: radiação solar (Rs), temperaturas

máxima e mínima (Tmax e Tmin), humidade relativa (RH), e velocidade do vento a 2

m (u2). Porém, enquanto existem observações frequentes e de boa qualidade de Tmax

e Tmin as restantes variáveis são mais raramente observadas, os dados são

frequentemente de inferior qualidade e, também frequentemente, as series de dados

contêm numerosas falhas. Além disso, são de aquisição dispendiosa quando os

dados meteorológicos não são gratuitos ou de fácil aquisição para o público e para

a investigação. As dificuldades de aceder a dados de tais variáveis meteorológicas

levaram os investigadores a desenvolver métodos alternativos para estimar a ETo,

em particular usando apenas Tmax e Tmin, casos da equação de Hargreaves-Samani

(Hargreaves e Samani, 1985) e da adoção de estimadores dos parâmetros da

equação PM-ETo recorrendo apenas a dados de temperatura (Allen et al., 1998;

Pereira, 2004), o chamado método PMT. Inúmeras aproximações foram testadas

como revisto em Raziei e Pereira (2013) e Todorovic et al. (2013) onde ambos os

métodos são analisados com detalhe. Algumas aplicações à Península Ibérica são

apresentadas adiante ao discutir os resultados. A revisão por Pereira et al. (2015)

refere uma grande variedade de alternativas mas conclui pela necessidade de tais

alternativas respeitarem as bases físicas da equação PM-ETo.

Entre as possíveis alternativas para o cálculo da equação PM-ETo em condições de

carência de dados observados consta a utilização de dados de reanálise. Ishak et al.

(2010) usaram dados de reanálise ECMWF ERA-40 para calcular a ETo e a ET real

na bacia de Brue; posteriormente, para a mesma bacia, Srivastava et al. (2013;

2015) usaram dados ECMWF ERA Interim e NCEP. No entanto não há notícia de

utilização de reanálise à escala de um país ou da Península Ibérica. Assim,

pretendeu-se avaliar o desempenho de um conjunto de dados que combina produtos

de reanálise do NCEP/NCAR com observações (Sheffield et al., 2006) para estimar

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

a PM-ETo comparando-os com dados obtidos para 130 estações meteorológicas na

Península Ibérica, comparando também os dados de reanálise com as respetivas

variáveis observadas localmente.

2. Cálculo da evapotranspiração de referência e dados utilizados

Conforme apresentado por Allen et al. (1998) e Pereira et al. (1999) tomando como

base a equação de Penman-Monteith (Monteith, 1965) aplicada a um coberto de

relva, a evapotranspiração de referência (ETo) define-se como a taxa de

evapotranspiração de uma cultura de referência hipotética, para a qual se assume

uma altura de 0.12 m, uma resistência de superfície constante de 70 s m-1 e um

albedo de 0.23, semelhante à evapotranspiração de um extenso coberto de relva

verde de altura uniforme, em crescimento ativo, cobrindo totalmente o solo e bem

abastecido de água.

Para períodos diários ou superiores, a ETo é calculada pela equação PM-ETo

ETo = 0.408Δ(Rn−G)+ γ

900

T+273u2(es−ea)

Δ+γ(1+0.34u2) (1)

onde:

ETo evapotranspiração de referência [mm d-1]

Rn radiação líquida à superfície da cultura [MJ m-2 d-1]

G densidade do fluxo de calor do solo [MJ m-2 d-1]

T média da temperatura do ar a 2 m de altura [ºC]

U2 velocidade do vento a 2 m de altura [m s-1]

es pressão de vapor de saturação à temperatura T, a 2 m de altura

[kPa]

ea pressão de vapor real média medida a 2 m de altura [kPa]

(es – ea) défice da pressão de vapor medido a 2 m de altura [kPa]

declive da curva de pressão de vapor [kPa ºC-1]

constante psicrométrica [kPaºC-1]

900 coeficiente para a cultura de referência [kJ-1 kg K] resultante da

conversão de segundos para dias e de coeficientes devidos à

substituição das variáveis relativas às características do ar húmido

que condicionam o transporte de vapor.

0.34 coeficiente de vento para a cultura de referência [kJ-1 kg K],

resultante da razão entre a resistência de superfície e a resistência

aerodinâmica.

0.408 valor inverso do calor latente de vaporização ( = 2.45 MJ kg-1).

Predictabilidade Sazonal de Secas

Todos os parâmetros desta equação são normalizados, admitindo porém alternativas

conforme as observações meteorológicas disponíveis relativamente à radiação

solar, observada ou estimada pela duração da insolação, e à humidade relativa

(Allen et al., 1998; Pereira, 2004). Para assegurar a integridade dos cálculos, as

medições climáticas utilizadas nesta equação devem ser feitas sobre uma extensa

superfície relvada, que cubra totalmente o solo e sem falta de água.

A evapotranspiração de referência, expressa em valores médios diários mensais

(mm d-1), foi calculada usando a metodologia descrita por Allen et al. (1998) e

Pereira (2004), portanto usando dados de temperatura máxima e mínima (Tmax e

Tmin), de radiação solar de curto comprimento de onda (Rs), de humidade relativa

(RH) e de velocidade do vento (WS). Nos cálculos usaram-se dois conjuntos de

dados, de reanálise e observados, estes utilizados para testar os primeiros.

Os dados de reanálise eram provenientes do National Center for Environmental

Prediction – National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR) e o

conjunto utilizado combinava produtos típicos de reanálise com observações, como

descrito por Sheffield et al. (2006), de modo a corrigir alguns problemas relativos

aos produtos de reanálise, incluindo correções nos viéses da precipitação,

temperatura e radiação. As principais correções aplicadas por Sheffield et al. (2006)

aos dados climáticos de reanálise do NCEP/NCAR consistiram em aumentar a

resolução espacial com correções devidas à altitude e na remoção do viés mensal

dos dados de precipitação, radiação e temperatura. Esta correção consistiu em

ajustar a média mensal dos dados de reanálise à média dos valores observados

(Sheffield et al., 2006).

Os produtos de reanálise referem-se a 1948-2008. Os dados de Tmax e Tmin (ºK), Rs

(W m-2) e WS (m s-1) são produtos de reanálise NCEP/NCAR

(http://hydrology.princeton.edu) e foram obtidos para a resolução espacial de

0.5ºx0.5º latitude e longitude, num total de 292 pontos da malha distribuídos pela

Península Ibérica (Fig. 1). Diferentemente, a humidade relativa foi estimada a partir

dos dados de humidade específica (kg kg-1), da temperatura média (ºK) e da pressão

à superfície (Pa) na malha de 1.0ºx1.0º de resolução horizontal. Foi adotada esta

malha devido a problemas de inconsistência dos dados na malha mais fina, de que

resultam valores de humidade relativa superiores a 100%.

Os dados observados referem-se a um conjunto de 130 estações meteorológicas em

Portugal e Espanha contendo séries de dados completas. Os dados das estações

portuguesas foram disponibilizados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera

(IPMA) e pelo Centro Operativo e Tecnológico de Regadio (COTR). Os dados

referentes a Espanha foram obtidos na base de dados do “Sistema de Información

Agroclimática para el Regadío” (SiAR) acessível em

http://eportal.magrama.gob.es/websiar/Inicio.aspx. Estes dados foram usados para

avaliar a capacidade de utilização dos dados NCEP/NCAR referidos acima para o

cálculo da ETo bem como para comparar estatisticamente cada variável

meteorológica obtida como produto de reanálise com os valores observados usados

no cálculo da ETo (Fig. 1).

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

Fig. 1. Distribuição espacial do conjunto de dados de reanálise (+) e localização das

estações meteorológicas ( ) na Península Ibérica

3. Interpolação e análise do desempenho da ETo calculada com variáveis de

reanálise

Usou-se o kriging ordinário para interpolar as variáveis meteorológicas de reanálise

para cada um dos locais das estações meteorológicas e realizar a sua comparação

com os valores observados. Para tanto, ajustou-se um variograma a cada observação

da malha, e esse modelo foi depois aplicado para obter o valor de cada observação

em cada mês em todos os 130 locais com dados observados. A humidade relativa

foi estimada a partir da humidade específica, da pressão à superfície, e da

temperatura média para os pontos da malha de 1.0º de resolução horizontal, sendo

depois interpolada para a malha de 0.5ox0.5o para o cálculo da ETo. Para evitar a

propagação dos erros de interpolação, o cálculo da ETo com dados climáticos de

reanálise foi efetuado para a malha de 0.5ºx0.5º e só depois os valores assim obtidos

foram interpolados para cada local onde a ETo foi calculada com dados observados.

Avaliou-se a capacidade dos dados de reanálise reproduzirem a variabilidade

temporal e amplitude da evapotranspiração de referência, bem como de todas a

variáveis usadas na sua estimação, i.e., Tmax, Tmin, RS, RH e WS. Foram comparados

os valores dessas variáveis, observados in situ (Oi), considerando-as a realidade,

com as correspondentes variáveis e ETo obtidas pela reanálise (Pi), que foram

consideradas estimativas dos valores in situ. Esta comparação baseou-se em oito

indicadores de desempenho. Dois indicadores dizem respeito à usual reta de

regressão de mínimos quadrados (OLS) dos valores de reanálise, Pi, sobre os

correspondentes valores in situ, Oi, a saber: o coeficiente de determinação, R2, e o

declive da reta de regressão, b. Os restantes indicadores são o declive b0 da reta de

regressão forçada à origem (FTO), a raiz do erro médio quadrático (RMSE) e a sua

Predictabilidade Sazonal de Secas

normalização, NRMSE, a eficiência de modelação (EF) e a percentagem de viés,

PBIAS.

A equação da reta de regressão OLS de valores Pi previstos (variável y) sobre

valores Oi observados (variável x), tem a forma y= a+bx, na qual o declive da reta

é dado por:

b = CovOP sO2⁄ (2)

e a interseção na origem, a, é dada por:

a = P − bO (3)

sendo CovOP a covariância entre as variáveis Pi e Oi, 𝑠𝑂2 é a variância dos Oi e P e

O são os valores médios dos Pi e Oi, respetivamente. O coeficiente de determinação

R2 mede a proporção de variância dos dados previstos que é explicada pelo modelo,

sendo um indicador usual da qualidade de ajustamento, dado por:

R2 =∑ (Pi−P)n

i=12

∑ (Pi−P)ni=1

2 (4)

onde os 𝑃�� são os valores ajustados obtidos através da recta de regressão para x=Oi.

O coeficiente R2 varia entre 0 e 1 e, numa regressão em que os Pi são muito

próximos dos correspondentes valores Oi, e a tendência de fundo é dada pela

bissectriz y=x, (b=1 e a=0), R2 está próximo de 1. Porém, valores elevados de R2

podem ser obtidos para casos em que uma reta diferente descreve bem a tendência

de fundo relacionando valores observados in situ e previstos pela reanálise (Legates

e McCabe Jr., 1999) e R2 é portanto insuficiente para descrever a qualidade de

ajustamento entre valores observados e estimados.

De igual modo a interpretação dos parâmetros a e b da reta OLS não é evidente.

Quando o declive b está próximo de 1, a>0 indica uma sobrestimação, e a < 0 uma

subestimação, dos Oi pelos Pi. Porém a interpretação do coeficiente não é clara

quando b se afasta de 1. O declive b mede o aumento médio dos Pi associado a um

aumento de uma unidade nos Oi, o que sugere que para b>1 possa haver uma

sobrestimação dos valores estimados, Pi. Porém como a reta de regressão OLS passa

sempre no centro de gravidade (O, P) da nuvem de pontos, valores de b>1 sugerem

uma subestimação dos Pi para valores baixos de Oi e sobrestimação para os valores

mais elevados de Oi.

Uma alternativa possível à reta de regressão OLS é a reta de regressão forçada à

origem (FTO, Eisenhauer, 2003) com equação y= b0x. Essencialmente, este modelo

corresponde a admitir uma proporcionalidade direta entre os valores de reanálise e

os valores in situ, sendo a constante de proporcionalidade b0 dada por:

b0 =∑ (Oi∗Pi)n

i=1

∑ Oi2n

i=1

(5)

A constante de proporcionalidade b0 é interpretada, neste estudo, como um

indicador de viés, com b0 > 1 sugerindo sobrestimação e b0 < 1 subestimação.

Contudo, a reta FTO tem limitações relevantes: (i) com apenas um parâmetro, b0, é

um modelo menos flexível que a reta OLS usual; (ii) é sensível a mudanças aditivas

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

de escala (como por exemplo mudanças de unidades de temperatura) o que significa

a obtenção de diferentes declives b0 consoante as unidades usadas; e (iii) a reta de

regressão FTO é forçada a cruzar a origem embora esta nem sempre seja um ponto

de referência absoluto.

Os outros indicadores utilizados para avaliar o desempenho das variáveis de

reanálise foram:

A raiz do erro médio quadrático (RMSE)

RMSE = √∑ (Oi−Pi)2n

i=1

n (6)

que é um indicador que mede os desvios entre valores observados e simulados, com

as mesmas unidades das variáveis em análise;

O RMSE normalizado (NRMSE, Janssen e Heuberger, 1995), definido

como a razão entre RMSE e o valor médio dos valores observados (O),

NRMSE =RMSE

O (7)

Sendo adimensional, o NRMSE é usado neste estudo para comparar o erro médio

obtido para diferentes variáveis meteorológicas.

A percentagem de viés (PBIAS, Gupta et al., 1999), que mede a tendência

média dos valores simulados (neste caso os produtos de reanálise) serem maiores

ou menores que os valores observados. O PBIAS é dado por:

PBIAS =∑ (Pi−Oi)n

i

∑ Oini=1

∗ 100 =��−��

��∗ 100 (8)

PBIAS = 0 aponta para uma simulação sem viés, valores positivos indicam um

enviesamento de sobrestimação e valores negativos identificam uma subestimação.

A eficiência de modelação, EF (Nash e Sutcliff,1970), dada por:

EF = 1 −∑ (𝑂𝑖−𝑃𝑖)2𝑛

𝑖=1

∑ (𝑂𝑖−��)𝑛𝑖=1

2 (9)

e é a diferença entre a unidade e a razão entre o erro médio quadrático e a variância

dos dados observados. O valor máximo EF=1 só se verifica quando existe um ajuste

perfeito do modelo aos dados observados, caso em que também se verifica

RMSE=0 e R2=1 com a reta de regressão y=x. Valores de EF próximos de 1 indicam

que os dados de reanálise refletem adequadamente os dados observados. São

possíveis valores negativos de EF quando o erro médio quadrático é maior que a

variância dos dados observados. Numa tal situação, a média dos valores

observados, O, é uma melhor alternativa do que os Pi para descrever os Oi (Legates

e McCabe Jr., 1999).

Nas secções seguintes os sufixos REAN e OBS serão usados para identificar as

variáveis e ETo relativas, respetivamente, aos dados reanálise e observações.

Predictabilidade Sazonal de Secas

4. Avaliação das variáveis meteorológicas produtos de reanálise

Os indicadores estatísticos comparando as variáveis de reanálise (REAN) com as

observadas (OBS) mostraram que as variáveis REAN que melhor se ajustam às

variáveis OBS são a radiação solar e a temperatura máxima (Figura 2).

Os resultados relativos à radiação mostram R2 muito próximo de 1.0 em todas as

estações, com R2 > 0.95 na sua grande maioria. Os valores de R2 apresentam-se

distribuídos homogeneamente em toda a região; porém, na região Nordeste de

Espanha observou-se uma maior ocorrência de valores de R2 menos elevados, entre

0.7 e 0.8. Os resultados relativos às distribuições do b, do b0 e do PBIAS são

coerentes entre si e apontam para uma tendência de subestimação por parte da

Rs REAN. Os declives b e b0 estão bastante próximos em todas as estações e refletem

sensivelmente o mesmo padrão espacial com os valores mais elevados de b e b0

observados para Portugal e Nordeste de Espanha. Porém, para a maioria das

estações, tanto o b como o b0 se encontram entre 0.85 e 1.05, revelando uma

tendência ligeira para a subestimação da Rs REAN. Esta subestimação verificou-se

também para os resultados do PBIAS tendo-se observado para Espanha uma

subestimação média da Rs REAN entre os -10.0% e os -2.5% (Figura 2). A boa

estimação observada refletiu-se em valores baixos dos erros de estimação, com

NRMSE baixos, apenas superiores a 0.20 em duas estações no Norte de Espanha.

A eficiência EF é, também, bastante próxima de 1.0, com a grande maioria das

estações tendo EF entre 0.90 e 1.00 e apenas 3 locais com EF entre 0.50 e 0.80.

Estes resultados sugerem que a RS REAN reproduz bem a variabilidade temporal da

RS OBS e não mostra variabilidade espacial de assinalar.

Para a temperatura máxima (Fig. 2) observou-se também uma boa estimação pelos

produtos de reanálise, com R2 superior a 0.95 em 126 das 130 estações e EF > 0.70 em

todas as estações espanholas e na maioria das portuguesas, embora em três destas se

tenham obtido valores de EF inferiores a 0.5. Tal como para a Rs os resultados do b e

do b0 são coerentes entre si, sem nenhum padrão espacial definido, e com a maioria das

estações tendo b e b0 entre 0.95 e 1.05 i.e., sem enviesamento relevante tanto para a

subestimação como para a sobrestimação. Os resultados do PBIAS sugerem ligeira

sobrestimação da Tmax REAN de 2.5 a 10% em Espanha. Os erros de estima RMSE foram

pequenos resultando que apenas numa estação, em Portugal, se obteve NRMSE > 0.20.

Os resultados sugerem que a Tmax REAN segue consistentemente a variabilidade temporal

e espacial da Tmax OBS.

Quanto à temperatura mínima (Fig. 2), obtiveram-se valores de R2 > 0.90 em 125 das

130 das estações. Contudo, a distribuição dos valores de b0 aponta para sobrestimações

relevantes da Tmin REAN, concentradas na região do Alentejo e na região de Castela e

Leão, com alguns b0 > 1.15. Esta sobrestimação foi evidenciada pelo PBIAS, que

mostrou enviesamentos positivos superiores a 10% na maioria das estações e

superiores a 20% no Alentejo, Castela e Leão e no Este de Espanha (Figura 2).

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

Fig. 2. Distribuição espacial dos indicadores estatísticos relativos à comparação entre as

variáveis meteorológicas de reanálise e observadas: radiação solar (RS), temperatura

máxima (Tmax) e temperatura mínima (Tmin) (adaptado de Martins et al. 2016).

Os padrões espaciais do NRMSE e do EF seguem os observados para o b0 e PBIAS,

com valores de EF < 0.5 e NRMSE > 0.30 no Alentejo e na região de Castela e Leão.

Estes resultados poderão estar relacionado com a dimensão das séries (<7 anos) usadas

para a comparação nestas regiões. Simmons et al. (2010) justificaram a

sobrestimação da Tmin REAN com o facto de a reanálise ser sensível ao aquecimento

global, com um efeito mais elevado nas temperaturas noturnas, levando a um

aumento consistente mas ligeiro da Tmin REAN quando comparada com a Tmin OBS. De

qualquer forma, os resultados obtidos sugerem que a Tmin REAN reproduz

adequadamente a variabilidade temporal das Tmin OBS, particularmente quando

Predictabilidade Sazonal de Secas

utilizada no cálculo da ETo pela equação 1. O mesmo não se passa quando utilizada

numa equação em que a ETo seja calculada apenas com temperatura, de que

resultaria então uma sobrestimação de ETo REAN.

O R2 relativo à comparação entre a RHREAN e a RHOBS (Fig. 3) denota uma pior

explicação da variância das observações por parte da RHREAN no Noroeste da

Península e nas zonas costeiras do Sudeste de Espanha, onde se observaram R2 <

0.6 na generalidade das estações. Valores mais elevados, apontando para uma

melhor explicação da variabilidade dos dados observados, verificaram-se para a

região do Alentejo e Andaluzia, com R2 > 0.90; para a maioria das estações

espanholas obtive-se R2 > 0.70. A analise do coeficiente de b da regressão OLS e

do coeficiente b0 da regressão FTO mostrou diferenças relevantes nos valores

identificados por ambos. Enquanto para b se observou uma tendência para a valores

inferiores a 1, para a grande parte das estações obteve-se b0 > 1.0. Os valores de

PBIAS estão de acordo com os observados para b0 sugerindo também a tendência

para a sobrestimação pela RHREAN, particularmente nas regiões costeiras do Sudeste

de Espanha, onde se obtiveram valores baixos para EF. No entanto a sobrestimação

por RH REAN foi geralmente pequena permitindo assumir que RHREAN reproduz

adequadamente a variabilidade temporal de RHOBS, nomeadamente para efeitos de

cálculo da ETo.

Os indicadores representados na Figura 3 mostram ocorrer uma grande

sobrestimação da velocidade do vento produzida pela reanálise NCEP/NCAR para

a Península Ibérica. Os valores de R2 são geralmente baixos, R2 < 0.5, e tanto os

valores altos de b0, mais frequentemente b0 > 1.15, como de PBIAS > 20%, indicam

sobrestimações consideráveis. Os erros são elevados, com NRMSE > 1.0 e a EF é

geralmente baixa, sendo EF < 0.0. Outros estudos têm evidenciado a dificuldade dos

dados de reanálise em representar a variabilidade da velocidade do vento, apresentando

sempre uma tendência para sobrestimações elevadas da WS quando comparadas com

observações in situ (McVicar et al., 2008; Ishak et al., 2010; You et al,. 2010; Decker

et al., 2012; Lorente-Plazas et al., 2015). Assim, considerando que EF < 0.0 indica que

a utilização da média dos valores observados pode ser melhor do que os valores

simulados, neste caso os valores de WSREAN, a solução alternativa seria utilizar valores

regionais da velocidade do vento. Porém, como a velocidade do vento é

particularmente dependente de processos de nível local os testes realizados usando

valores regionais de WS no cálculo da ETo não mostraram benefícios relativamente ao

uso da WSREAN. De qualquer modo, reconhece-se que a sobrestimação WSREAN

contribui para sobrestimar ETo REAN, nomeadamente em condições de aridez.

Concluindo, os resultados obtidos para as variáveis meteorológicas são coerentes

com outros estudos anteriores, e.g., Sillmann et al. (2014) observaram bons

resultados para a Tmax mas sobrestimação da Tmin também usando produtos de

reanálise NCEP/NCAR, enquanto Zhao et al. (2006) referiram subestimação do défice

de pressão de vapor com dados da NCEP/NCAR.

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

Fig. 3. Distribuição espacial dos indicadores de desempenho usados na comparação estatística

entre as variáveis meteorológicas de reanálise e as variáveis observadas relativas à humidade

relativa (RH) e velocidade do vento (WS) (adaptado de Martins et al., 2016).

5. Avaliação da evapotranspiração de referência calculada com produtos de

reanálise

Comparou-se a ETo estimada a partir de dados de reanálise (ETo REAN) com a ETo

estimada com os dados observados (ETo OBS) utilizando os indicadores de

desempenho descritos atrás. Os resultados mostraram que, em geral, a estimação da

Predictabilidade Sazonal de Secas

ETo REAN é boa quando comparada com a ETo OBS, i.e., é capaz de descrever tanto a

amplitude dos dados observados como a sua variabilidade.

R2 é em todos os casos superior a 0.90 e maior do que 0.95 em 95% dos casos (Fig.

4a). Os coeficientes de regressão, tanto usando OLS como FTO, b e o b0

apresentaram distribuições semelhantes (Fig. 4b e c), com b > 1.0 e em 75% dos

casos e b0 > 1.0 em 59% dos casos, assim indicando uma ligeira tendência da ETo

REAN para sobrestimar a ETo OBS.

Fig. 4. Distribuição de frequência dos indicadores estatísticos de desempenho relativos à

evapotranspiração de referência (adaptado de Martins et al., 2016).

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

As mesmas conclusões se podem retirar observando os exemplos apresentados na

Fig. 5, relativa a várias estações meteorológicas escolhidas pela sua distribuição

espacial para mostrar as regressões entre ETo REAN e ETo OBS. Com cada nuvem de

pontos representaram-se as retas de regressão linear OLS e forçada à origem (FTO).

Fig. 5. Exemplos de regressões lineares entre a ETo REAN e a ETo OBS obtidas para 15

estações meteorológicas identificadas a vermelho no mapa (adaptado de Martins et al.,

2016).

Montalegre Pozuelo de Tábara Lerma Monte Julia

ETo R

EAN

(mm

d-1

)

ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) y=0.96x -0.05; R2=0.97 y=0.98x+0.04; R2=0.99 y=1.03x+0.17; R2=0.98 y=0.82x+0.49; R2=0.98 y = 0.95x y= 0.99x y= 1.08x y= 0.83x Coimbra Aldehuela del Jerte Barajas de Melo Puig

ETo R

EAN

(mm

d-1

)

ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) y=1.27x-0.17; R2=0.96 y=1.08x-0.28; R2=0.98 y=0.84x+0.37; R2=0.98 y=1.13x+0.38; R2=0.97

y= 1.21x y= 1.08x y=0.91x y=1.13x Setúbal Bélmez Chiclana de Segura Altea

ETo R

EAN

(mm

d-1

)

ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) y=0.99x+0.44;R2=0.97 y= 0.98x+0.26; R2=0.99 y= 0.98x+0.44;R2=0.99 Y=1.05x+0.41; R2=0.96 y= 1.10x y=1.03x y= 1.08x Y=1.16x Praia da Rocha Las Cabezas de S. Juan Tabernas

ETo R

EAN

(mm

d-1

)

ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) ETo OBS (mm d-1) y= 1.00x+0.30;R2=0.98 y= 1.07x+0.03;R2=0.98 y= 1.02x+0.13;R2=0.98 y= 1.08x y= 1.08x y= 1.06x

Predictabilidade Sazonal de Secas

Observou-se que para a maioria dos casos as regressões OLS e FTO são muito

semelhantes (Fig. 5). A maioria dos valores de b0 estão entre 0.95 e 1.15, mas com

uma elevada frequência de valores entre 1.05 e 1.15 (Fig. 4c), o que significa que

na maioria dos casos ocorre sobrestimação da ETo OBS pela ETo REAN, que é em

média de apenas 7%.

O indicador de viés de estima, PBIAS, mostra também a tendência de

sobrestimação da ETo REAN, com valores positivos de PBIAS em 78% dos casos

(Figura 4d). Os erros de estimação, quantificados pelo RMSE (Fig. 4e) são, em

geral, pequenos; RMSE < 0.5 mm d-1 em 60% das estações meteorológicas e,

apenas, em 20% dos casos se observaram RMSE > 0.70 mm d-1. Os valores de EF

são em geral elevados, com EF > 0.8 em 80% das estações meteorológicas o que

indica que os erros de estima são bem menores do que a variância das observações.

Tal aponta para a adequabilidade do uso da ETo REAN como alternativa ao uso de

dados observados.

A variabilidade espacial dos indicadores de desempenho é mostrada na Fig. 6. Os

resultados revelam uma distribuição homogénea dos valores de R2 em toda a

Península Ibérica, porém com valores tendencialmente mais baixos no Nordeste de

Espanha onde se observaram valores de R2 variando entre 0.70 a 0.90. As

distribuições espaciais dos coeficientes de regressão b e b0 são semelhantes e

denotam tendência para a sobrestimação da ETo nas estações próximas da costa,

principalmente na costa Sul e Sudeste de Espanha. A distribuição dos valores de

PBIAS mostra valores mais elevados nas mesmas regiões costeiras.

Os valores mais baixos de RMSE foram identificados no Norte da Península

Ibérica, particularmente no Norte de Espanha, onde os valores da ETo OBS são

menores, e que correspondem às estações meteorológicas em que a sobrestimação

da ETo REAN é também menor. Os valores mais elevados de RMSE foram

identificados na região costeira do Sul de Espanha onde a ETo OBS é maior. A

distribuição espacial da EF segue de perto a distribuição dos erros de estima,

RMSE.

Comparando os resultados obtidos neste estudo com os de outros estudos pode

perceber-se melhor o interesse da aproximação aqui proposta para o cálculo da ETo.

Gavilán et al. (2006) compararam a ETo diária calculada com a equação de

Hargreaves-Samani, HS (Hargreaves e Samani, 1985), com a PM-ETo tendo obtido

RMSE entre 0.39 e 1.22 mm d-1 para a Andaluzia. López-Urrea et al. (2006), para

a mesma região e novamente com a equação HS, observaram RMSE entre 0.65 e

1.14 mm d-1, com tendência para a sobrestimação. Usando dados de radiação solar

obtidos através de satélite geoestacionário (Land Surface Analysis - Satellite

Applications Facility, LSA-SAF) combinados com dados in situ, Cruz-Blanco et al.

(2014) obtiveram RMSE > 0.5 mm d-1 na Andaluzia. Combinando dados de satélite

LSA-SAF com dados de reanálise do ECMWF, Cruz-Blanco et al. (2015)

obtiveram RMSE variando entre 0.34 e 1.04 mm d-1. Para a mesma região da

Andaluzia, no presente trabalho, RMSE variou entre 0.22 e 1.00 mm d-1, o que

mostra que o cálculo da ETo com produtos de reanálise constitui uma boa alternativa

quando os dados observados não estão disponíveis.

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

Fig. 6. Distribuição espacial dos indicadores de desempenho usados na comparação entre

a ETo REAN e a ETo OBS. (adaptado de Martins et al., 2016)

Outros estudos aplicando a equação HS e a aproximação PMT a condições

mediterrâneas identificaram RMSE na mesma ordem de grandeza: Paredes e

Rodrigues (2010) encontraram RMSE de 0.47 a 0.87 mm d-1 e Todorovic et al.

(2013) obtiveram valores médios de 0.36 mm d-1 para clima húmido e 0.49 mm d-1

Predictabilidade Sazonal de Secas

para clima sub-húmido seco. Neste estudo, para Portugal, encontraram-se valores

entre 0.27 e 0.70 mm d-1. O uso de Redes Neurais Artificiais (ANN) foi testado para

estimar a PM-ETo no Norte de Espanha utilizando apenas Tmax e Tmin (Landeras et

al., 2008; Shiri et al., 2012) resultando valores de RMSE entre 0.49 e 0.78 mm d-1

usando diferentes tipos de ANN, valores estes superiores aos obtidos neste estudo.

Os resultados obtidos neste estudo permitem concluir que o uso de dados de

reanálise parece ser uma boa opção para o cálculo da ETo, já que os RMSE obtidos

mostraram ser inferiores ou semelhantes aos referidos para a Península usando

diferentes metodologias para a estimação da ETo.

6. Conclusões

A dificuldade em obter conjuntos completos de dados meteorológicos necessários

calcular a ETo (equação 1) motivou a avaliação de produtos de reanálise para o

cálculo da evapotranspiração de referência. Para tanto avaliou-se o desempenho de

cada variável meteorológica usada para estimar a ETo REAN comparando-as com as

correspondentes variáveis observadas em 130 estações meteorológicas. Os resultados

revelaram muito bom desempenho tanto da radiação solar como da temperatura

máxima, com erros médios para a Península Ibérica de 1.72 MJ m-2 d-1 2.49 ºC

respetivamente, e sem viés relevante. Por outro lado observou-se desempenho aceitável

da Tmin REAN devido ao facto de a reanálise incorporar efeitos do aquecimento global na

temperatura noturna; concluiu-se, porém, pela sua capacidade para representar a

variabilidade das observações já que a Tmin REAN sobrestima as observações com uma

percentagem de enviesamento de 10.6%. A RH REAN conseguiu representar bem a

amplitude dos dados observados, com pequena sobrestimação. Os piores resultados

referem-se a WS REAN, para a qual se observou uma sobrestimação muito elevada;

porém, resultados similares forma obtidos noutros estudos uma vez que a velocidade

do vento depende largamente de processos locais que não são possíveis de captar

através da reanálise. No entanto, WS não tem um papel determinante no cálculo da ETo

à escala diária ou mensal.

Os resultados relativos à avaliação da ETo REAN quando comparados com a ETo OBS

revelaram-se, de modo geral, muito bons para todas a estações meteorológicas na

Península Ibérica, observando-se erros de estimação baixos (RMSE < 0.8 mm d-1

em 95% dos casos). Observou-se uma tendência ligeira para sobrestimação mais

pronunciada nas regiões Sul e Sudeste da Península onde o clima é mais seco. Os

erros de estimação da ETo observados neste estudo são menores ou similares aos

erros resultantes da utilização de métodos alternativos para estimar a PM-ETo. Os

bons resultados obtidos relacionam-se com a qualidade dos produtos de reanálise

relativos a radiação, temperatura e humidade relativa do ar. A tendência ligeira para

sobrestimação dever-se-á principalmente à sobrestimação da velocidade do vento

sendo principalmente observável nas estações situadas em áreas marcadas por

aridez.

Este estudo permitiu concluir que os produtos de reanálise podem ser uma boa

alternativa para o cálculo da ETo quando não estão disponíveis dados observados,

nomeadamente visando estudos do clima, particularmente o estudo das secas usando

índices de seca que incorporam a ETo no seu cálculo. O próximo passo deverá ser o de

Cálculo da evapotranspiração de referência com dados de reanálise

analisar a qualidade da estimação diária da ETo, nomeadamente recorrendo a dados de

reanálise do ECMWF visando cálculos de balanço hídrico das culturas (e.g., Paredes

et al., 2015) com passo de tempo diário.

Agradecimentos

O desenvolvimento deste trabalho foi financiado pela FCT através do projeto

PTDC/GEO-MET/3476/2012. Agradece-se à FCT pela atribuição da bolsa de

doutoramento SFRH/BD/92880/2013 ao primeiro autor, e pela atribuição da bolsa

de pos-doc SFRH/BPD/102478/2014 ao segundo autor. O trabalho do terceiro autor

foi suportado pelo projeto Pest-OE/MAT/UI0006/2014. O conjunto de dados de

reanálise foram desenvolvidos pelo Terrestrial Hydrology Group da Universidade

de Princeton e estão disponíveis em http://hydrology.princeton.edu. Os conjuntos

de dados observados foram facultados pelo Instituto Português do Mar e da

atmosfera (IPMA), Centro Operacional e de Tecnologia de Regadio, COTR, e pelo

Sistema de Información Agroclimática para el Regadío (SiAR).

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