Caldo Berde

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1 CALDO BERDE Furnandes de Albaralhão (heterônimo de Horácio Campos) Segunda edição, 1931

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CALDO BERDEFurnandes de Albaralhão

(heterônimo de Horácio Campos)

Segunda edição, 1931

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JUSTIFICATIBIA DA TIRAGEM DESTA IPUPÉADesta sigunda indição foram imprimidos binte e sâis izimplares em papéle menos bagavundo,

numirados d'A a Z p'ra as pissoas do pâito du autôre; e mais tres mille, numirados aravicamente, cujopruducto ribirtirá todinho, em v'nifício dus suvribibentes da vatalha nabále d'Aljuv'arrota.

Todos us izimplares tirão a cump'tente firmia du autore.

F U R N A N D E S __A L B A R A L H Ã O

Quibaleiro da Ordem 3ª da P'nitencia2º Sicritário da Guarda Nucturna de Vraga

P'risidente rimido da Rial Suciedade dos Phutographos de LisvôaSócio du Basco

Cundicurado com as siguintes incumendas:Istrella de Seis Vicos du Alemtejo

Midalha doirada da Ixpusição Nacionále de 1908Grã-cruz de páo inbirnisado do Porto e

muitas Minções Hunrosas

CALDO BERDE2ª indição (Carrigada nu intulho)

EDIÇÃO DA REAL ACADEMIA LUZITANALargo do Calhariz, 44 (Rez do Chão)

Lisbôa

DUDICATORIAA' inlustre e imminente pissoa do grande vrazilâiro ANTONIO TORRES, u anjo prutitôre

da culónia, uff'reço esta ipupéa em que bivra u meu pâito de bate!!...U AUTÔRE

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OVRAS DO MÂSMO AUTOIRE

HISTORIAHistoria da flusufia em Macau - 18 b'lumes

Influencia du sixtante nu discruvimento du Vrazil - 6 tuminhosHistoria da varatinha - Milhurada, com capa dura.

PUISIATrumentos de um iálma em fangalhos- Puema urtuphónico

HYDRAULICAInfluencia du Juão Grabe na óvra du Bultére - 2 b'lumesU tirrimoto de Lisvôa i u Canal du Panamá – Isgutado

Manual du favricante de savão i accissorios - Inda não sâi si dou a luz a isso.

M'DICINAPrufilaxia e laparotomia da indumentaria lusa-1 b'lume grosso e pisado

U estambago, u cutubelo i as suvrancelhas - Istudo cumparatibioTrilugia du arroto - in-fólio

CUNF'RENCIASSáim a criolla, u que siria de nós!... (1896)Chulé não é duença! É da p'ssoa! (1904)

Pulsibâijo só châira dispois de amassado! (Em priparo)

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PRULOGO

Todo isforço litt'rario é a cunsiquancia logica de umdisduvravramento anachronico e transatlantico.

Affonso Costa

Eu, Furnandes Albaralhão, d'urigem minhota, curneta du infantaria dizessete e sigundosicritário da Garda Nucturna de Vraga, dou á luz a este libro!

A' primâira bista essa diclaração catigórica e dugmatica puderá pristar-se a intripitaçõesde queracter pirnicioso, mas só um ispirito intribado, quer dizêre, que bibe nas trebas, nãosavirá u qui é que significa uma pissoa que se trata de uma mulhere, etc., mas não!Visulutamente, não!

Toda pissoa que escrebe e puvlica uma nova ovra, seja ella qual fôre, também dá a luz!(1) A diff ' rença que ha entre nós, us autores, e as mulheres, é que ellas, cando acunteceesse accidente, ficam arriculhidas ao lâito e passam a canja de guellinha. Nós, os autores, nãovuvemos canja, náim nus arriculhemos ao lâito. P'lu cuntrario! Bamos para as abinidas dacidade ixpôre as nossas quericaturas e ruçuvemos os cumprimentos das pissoas que nusconhecem:

- Paravens!.. Li u teu libro i gustâi muito...A gente fica logo inchada... Oitra pissoa apparece, logo a siguire, e prinuncia ixactamente

a mesma euphrasia:- Paravens!...Li u teu libro i gustâi muito!...E assim o dia todo. Para us ispiritos indipindentes, dimucraticos ou finianos, isso é a

milhóre ricumpensa que uma pissoa pode quirêre.

_____(1) É priciso não confundire maternidade com puvlicidade

* *Passando a oitro assumpto, antes que u prisado lâitore cuméce a principiare a lêre u que

pur ahi bae, debo diclarar-lhe que este libro, incarando váim, é de uma nicissidadephysiulogica bultuósa! Nas letras naciunaes habia um bácuo! Não ha mais bácuo!

Eu sou um cuntinuadôre das ovras du Quemões, du Questilho, Hirculano e d' oitrosiscripturarios. Uma pissoa de certo rilebo affirmou-o e eu, mudestamente, cuncurdâi!

Primâiro eu disse que não! (Não ficava vem cuncurdáre immidiatamente). Mas, dispois,insistiram... eu fui cidendo... cidendo...cidendo debagarinho... D'hai a vucadinho, foi sopa!Acavei dizendo que sim, que era mâsmo, e caim dissére, agóra, que não, eu faço umaistrallada que náim câiram savêre. Que diavo! Isto é p'ra cáim póde! Talento é talento! Cáimnão tâim cumpitência não se istavulece!(1)

E sinão, bejam. As parodias do meu libro são bisibelmente sup'riores ás cumpusiçãesurigianaes. Sáim eu quirêre, milhurâi puisias cél'vres com a minha bérbia sidintaria eincurruptibel! U laitôre berá de bizu' a biracidade inbulnerabel das minhas affirmatibações! Quediavo! Isso de uma pissoa sêre intullugente, bem de nascencia. Eu nasci assim, está acavado!

Não prussigo, nem ha nucissidade!Este prulógo, já bae attingindo as culminancias de um birdadâira himurrhagia litt'raria. U

laitôre que mi relébe a franqueza.Inzamine a minha óvra á buntade do corpo e pirdoe-me alguma má palabra. É naturale!

Em trabalhos de fôl'ego assim como este, escampam sempre algumas vistâiras... Si se déreeste caso, póde ficare savendo desde já que a culpa é toda du iditôre! Isto é uma corja!...

_____(1) Frai Luiz de Soiza

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Prulógo da sigunda indição

Inda ié sôve a imprissão birdadâiramente incuncivibel e calusora que tomo cá a pennapara cumpôre este prulógo que báim a sêre u sigundo, adibido e há habêre um primâiro antesdeste, isto é, u antiriôre.

U mô pâito de bate istá incandiscente e tripidante. insplica-se: uns gajos mitteram-se praahi a chimáre u Caldo de uma uvrinha átoa... Bejam!

Pois inguenaram-se, us baldibinos! Prubâi pur y-d que fui biturioso. Náim era d'isprareoitra cousa. A intullugencia é uma força cirivrale, latente e impulsiba, cuja qual, cáim apussúe, só sirá vurro se não a possuire(1).

Dibersos equedemicos instaram cummigo pra eu intrare na Equedemia Vrazileira edentre elles o F'linto, meu petrício, que me diclarou quetigóricamente nas vuxexas da cara: -Furnandes! Já pirtences á Equedemia Xientifica d'Além Mare! A tua prisença, agora, nu PetiteTrianão bae prubucáre um birdadâiro acunticimento de queracter litt'rario! Bamos!Quendidata-te e dâixa-te de vistâiras!

- Não, F'linto! Não! arrispundi-lhe curando. Eu sou mudesto! Não cunbáim!...Dispois du F'linto bâiu o Jão Rivâiro que táim prum mim uma prufunda edimiração- E antão, Furnandes? Qu'remos ber-te ao nosso lado. É uma honra pra nós. Bem dahi,

hómem!- Agradadeço-lhe cummubido, prufissôre, mas não acçâito. Já diclarâi mais d'uma bez

que sou mudesto...Isto para não falare em oitros cunbites arricividos e arricusados com arrugancia! Cá as

glórias eu rijeito-as! É uma quistão toda iella de principio. U que bál é u sucego du indibido, jádizia Currâia d'Ulibâira.

Cumo beem, qu'ridos lâitores, eu pudia istáre, agora, tamváim nu Petite Trianão, co'aminha fardia vurdada, a ispadita e aquelle chapéle de duas pontas... Mas, não! Cumiçabamdispois a me chemare de baidoso, de lamvão, de vesta...

Assim cumo istou, istou milhóre.Cáim é, é mesmo, e eu cá, sou!!E sendo assim, tânho dito!

Furnandes Albaralhão

¯¯¯¯¯(1) Macedo Papança

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CrioilasU gato sáim u ravo, é gato.

U ravo só, sáim u gato, num é gato.F'linto Ilysio

Cando as bejo a passare num jerdim,todas de vranco, num rivulamento,chego a pirdêre, muita bez, o tento,fico imbucado, sáim saver de mim...

Chego-me a iéllas, toda carmizim,e é juramento sovre juramento!Primetto-lhes a mão em quesamentoe cunbido-as pra ire ao vutiquim...

Gósto dellas de facto! Na biólacanto-lhes fados, fados, sáim quensáre,cum bóz de vaixo, triste, nu armazáim...

Digo-lhes tudo que me báim á vóla,sáim deixar, já se bê, d'ilugiáreu vudum siffucante que ellas táim...

As Discuvertas PurtuguezasA Jugraphia é um estudo prufeitamente bersátil

Paiba CuçâiroIPurtugal, terra d’hiróesé um peiz di balôreFigura cumo inbentôrenunca bisto, unibersal!Não é só a Nort’Américaqui discóvre merabilhasPurtugal, com as suas ilhasé, nu assumpto, culussal!

IIEntre as coisas impurtantesque essa nação discuvriu,fugira o grande Vrazilterra basta, avinçuada!Um anno após a esse fâitoqui u mundo biu com querinho,um inginhâiro do Minhoinbenta a róda quadrada.

IIIBinacio de Billarinho,uma ixeillente criatura,que é filho de Extremadura,purtanto, petricio nosso,suando fâito uma vesta,a vuver cirbeja, um dia,dentro da surbejaria,vum! discuvriu u trimóço!

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IVNum páram nisso us inbentos!Nu Distino istaba iscritoFoi discuverto U palitopor um petricio, em Macao.Não passaram cátro mezes,e um tal de Zé Castillare,piscando em dia num mare,discovriu u vacalhao!

VGrigorio d’Alvirgaria,nascido em Famalicãosujâito d’inducação,mas um grande laparôto,dispois de cumêre um pratode custilletas assadasdeu na pança tres pancadasi discuvriu u arrôto.

VIFurnão d’Almâida Gudinho,de Bizeu, prospira zonainbenta logo a azâitonaque guenhou apoio francoAtraz, purem, não lhe ficaVurnadino AlcufuradoAlintijano succadoqui discuvriu u tamanco!

VIIPassam tempos i um minhoto,nas bindimas e lutare,pensa i dispois de pinsáre,faz o binho Albaralhão!Lógo após báim u sistanteque o Gago fâiz, u Coutinho,p’ra lhe insináre, u queminhocanda andasse nu valão!

VIIIVartulumeu Bascuncéllosde Carrazédo Papança,naturale di Vragança,nuguciante de quâijo,discansando certa noute,di travalho dimasiado,na sua cama isticado,discuvriu u pulsibâijo!

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IXE tal cumo esses inbentos,citar oitros, pud’ria!Pur izemplo: a mulancia!Isto p’ra não dizer mais.Fique, pois, aqui, patenteque a ruspâito d’inbenções,das oitras todas naçõesPurtugal num fica atraz!

Nu SitôreU musquito, adibido á tromva, é um discindente diginirado du aliphante.

Tanto que él num morde. Trumvica. - Pinhâiro ChagasBuciferam quenhões! Tanto us quenhões de cácumo os quenhões de lá!

A suldadesca toda apérra as queravinase lá bae tirutâio. Arriventam as minassupultando us hiróes du fâito lusitano!Malditos allamões! Cá pôbo dishumano!Uma grinada báim plus ares fâito douda.u fogo da insplusão suja-me a roupa toda.

Dum patrício que táim a cara chimuscada,sinto, de cando em báiz, um châiro a carne assada...e um disâijo infirnal não me dá por um triz,d'um naco lhe cumer da ponta du neriz.

Buciferam está preta. Us allamões abançam.Assim eu nunca bi. Us vrutus não se cansam.Nus olhos trazem luz, uma fugâira accesa,e perto da trinchâira, estão, da purtugueza!

Di ripente isso foi. Cumiçou-se a sintireum châirinho insquisito... Eu cá não sâi mintire.Era châiro tal qual de pol'bra... Uns soldadosulharam-se entre si muito discunfiados...Um delles que se achaba um pouco mais atraz,disse, alías cum rezão: - "Mas isso não se faz!"Um furriel mureno, ao culléga atrivúeo facto. Este, puráim, diz logo: - "Eu cá não fui!"Curria, nu intritanto, ali mais adianteque plu jâito, quáim foi, foi mâsmo u commandante...

Bucifram quenhões! Tanto us quenhões de cácumo us quenhões de lá!

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Ubire As IstrellasA instrunumia é uma sciencia aerea que estuda as rilações internacionaes entre os

planetas e os similhantes.Giniral Cramona

"Ora, dirâis, ubire estrella... Passo!"Num póde sêre!" E eu bus dirâi:- "Afflicto"para ubi-las, accórdo, ólho p'ru ispaço,"tiro a cêra d'ubido com um palito,

"i cumbirsamos, digo-lhe e rupito,"até que rompe a uróra. Ahi, que eu faço?"Bou miter-me na cama, quensadito,"com uma dôre infadónha nu queichaço.

Dirâis, agora: - Isso é tapiação!"Cumo é que pódes tal cunbersa têre"cu'as istrillitas que tão longe estão?

E eu bus dirâi: - "Amâi uma quechópa"vâim nutrida, succada e habei de bêre"e ubire istrellas de pagóde! É sópa!

Soneto Crássico(Ao Quemões)

Cáin diz qu'um kilo d'algodão é a mesma coisa qu'um kilo de chumvo,nunca biu Arithmetica ou sciencias adjacentes

Varão De SaabedraSete anos de queixeiro o Zé sirbiaNa benda du Jaquim, um lusitanoMas num era u Jaquim, que ele quiria,Era u dinhâiro dele! Que magano!

Anos e anos na espr'ança de um só ano,Passaba e a vurra nunca averta biaU Jaquim, nuguciante suburvano,Do queixeiro, talvez, se precabia

Bendo u Zé que u patrão, impirtinente,Nunca lhe disse a iele: — A "vurra é bossa!"Nunca a honra lhe fez de tal cumbite,

Cuntinuou sirbindo-o vrandamenteDizendo: — "E sirbirei até que possaPingar-lhe u covre todo e dáre u suite!"

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U Amoire(Puisia drematica)

A cêra do oubido não é a avêlha cáim na faz! Tamvem era só o que faltaba!João Luzo

U amôre!... U amôre!Afinále u que é u amôre?Dulurósa inturrugaçáon!

Tánho pinsado nisso a bida intâiraChiguei á conclusáonQu'u amôre é uma vistâira!E eu que te tánho estima ruduvrada,Sou uma vesta quadrada!

Crioilas Mortas(Ao amigo Ulabo Vilaque)

A lágrirna é um líquido quente que a gente expél plu glovo bisuale cando suluça.Candido Figáiredo

Cando uma preta morre, um cumeta aparecenobo, a andáre nu céu, mustrando u ravo à gente,e a ialma da difunta, acesa, pirsistente,nu supradito ravo agarra-se e istrimece

Ó bós que andais na farra! Ubi-me, finalmente!Tudo isso que fazâis assim qu'a noite desce,bai-se ubire nu céu e S. Pedro, pareceque não gosta de bêre u qui não é dicente!

Namurados qu'andais co'a jiqueta châirandoa vudum de crioila e andais vus incustandop'lus muros, pula rua, entra mês e sai mês,

piedade! Elas beem u bósso ispalhafato!Piedade! Que diavo! Isso ufende u ricatodas que biberam sós, sem mâsmo um purtuguês!

Ipitacio(Nu tumvalo du Zé Vurnardino)

Illipisoides cintrifugas ha que desintegram cuncumitancias pirniciosas.Sarmento de Váires

Murreu u Zé Vurnardino,u mais réles dus sujâitos,indibido muito átôa!Ladrão! Pirata! Assassino!Mas tirando esses dufâitos,era ixcillente pissôa!

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Bisita à Casa du mo PaiÉ impriscindíbel que não se confunda rabulação intistina com rabulação intistinále.

O varulho da mitralha é muito dif'rente!Gómes Liále

Como um pardal que bólta para u ninhodispois de andáre pur aí além,eu quis tamvém ribêre Santarém,u meu primâiro e birginal cantinho

Pinitrei. Um fantasma, com querinho,que era, talbez, a assumvração d'alguém,pigando-me p'la mão, disse: — "Meu vem!"Bem cumigo!" E lá fomos, de mansinho

Era aqui nesta alcôba, o dia intâiro,em que eu vrincaba d'iscundêre, e tantoque punha fora os vófes... Um v'rrâiro

eu fiz logo, contra u meu disâijoUna pulga churaba em cada cantoChuraba em cada canto um pulsebâijo

Monólogo de um Bêbedo

"Diante de seis garrafas esgotadasDe cerveja, o Cazuza reflectia:— "Transtornam-me a cabeça, todo dia,"Por este mundo as coisas espalhadas

"Acho do Omnipotente, bem mandadas"Mãos e pés para nós, que serventia"Têm num caso de briga ou valentia,"A espalhar ponta-pés e bofetadas

"Mas em vez de dois pés, um pé sómente"Nós deviamos ter, que um, caminhando,"Faculta-nos o andar perfeitamente

E o Cazuza falava, sem cançarMas da mesa ao erguer-se cambaleando,Desejou pés em penca para andar."

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A Cigarra e a Frumiga(Ao Lafuntêne)

Cáim é rico é rico. Cáim é povre que se damne.Antonio Novre

A cigarra libou cantarulandotodo u birãoAo bire u inberno intrando,ella poude nutárecom disispiração,que não tinha um viscouto pr'almuçare!Na casa da frumiga foi vatêre,(assim faz quáim pricisa),e disse-lhe a burdade: — "Estás a bêre!"Com licença du târmo: estou na vrisa!"

Indagou-lhe a frumiga: — "Que fazianu calôre, poisada na manguâira?..."— "Eu cantaba, cantaba noite e dia!"Sou suprana lijâira..."— "Pois olhe! Eu cá, pribendo essa friagem,"tratei, cidinho, da matulutagem"Assim eu travelhaba pulo chão,"sigunda, terça, quarta, quinta, sexta— Mas... antão...?— "Fizesse como eu fiz! Não fôsse vesta!

(Muralidade)Pur causa de cumida não se vriga!Isto é fâio e não é dilicadeza!De um purtuguês, é sempre farta a mesa!De certo, esta frumiganão era purtugueza!

As PomvasSunháre! Bibêre! Surrire! Tres prinomes indicatibos, avisulutos, priliminares!

Gil BicenteBae-se a primâira pomva já accurdadaBae-se a sigunda. Bae-se uma tirçâira,a quarta, a quinta, emfim, uma infirnâirade pomvas, mal que rompe a medrugada

Cando chega a noitinha sucigada,bolta a primâira pomva de carrâiraA sigunda, dispois. Desta manâira,bolta todo u pumval de camvulhada

Tamvém, du curação, avutuados,os sonhos todos bôam, aprissados,cumo a pumvada que u pumval istróba

Nu azul da induliscência vatem azaMas as pomvas rigréssam para casa,e elles, aos curações, bóltam? Uma óba!

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Circuito BiciadoEm cada sêre humano, se pirpétúa u cungraçamento das upourtunidades

QuemõesGuiando um vonde, gimia inquieto maturnâiro:— "Ah! Si eu fosse o fiscale aqui dessa miléca"de prazêre, nem sâi... tumaba uma quemoéca..."Mas o fiscale ulhando o vurro do dinhâiro

do chefe du iscriptorio: — "Inbéjo-te, parçâiro!Se eu fosse como tu, câ farra! Câ panquéca!"Comia tanto, que rivintaba a cuéca!"Mas o chefe a fitare a pança de bendâiro,

do supirintendente: — "Eu não ser mais maióre!"Não têre o que tu táins! Não têre o teu dinhâiro!"E o superintendente a limpáre u suóre:

— "Iscrebo como um vurro! É a noute! É o dia intâiro!"Entra sol e sáe sol! Não ha coisa pióre!"Ah! Cáim déra que eu fôsse um simples maturnâiro!"

U Amore i u Vuf'tãoO amôre é uma coisa que cando dá n'uma p'ssoa, ella fica logo vesta.

E si a p'ssoa já é vesta antão náim se fala.Ulibáira Salazáre

INa minha patria, u amôresem vuf'tão,não táim savôrenem isprissão!

IICáim táim u seu dirriço a lhe irritáre,e pulas bentas não lhe préga um murro,ou é vurroou antão num save amáre!

IIINa minha terra é bêso. Não se extranhaÉ cousa que se bê cunstantementeIncanto uma quechópa não apanha,não cunféssa que gósta cá da gente

IVCando, por uma estrada,tópo c'uma a meu jâito,incanto não lhi dou uma prigada,não fico sastifâito

VCáim, pois, de uma quechópa disijáreouvitere, todinho, u curação,não táim que bacilláre:é prigar-lhe d'intrada, um vuf`tão!

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Meus Oit'Annos(Ao Quesimiro D'Avreu)

U uciano é immenso mas seria muito mais immenso si si lhi pudéssebêre a iágua que lhe está p'ru vaixo da superficia. - Basco da Gamia

Ai que sodades cá tánhod'uróra da minha bida!Eu tinha casa e cumida,roupa labada e ingummada!Ai que sonhos que eu fazianaquellas tardes façâiras,á somvra das ulibâiras,divaixo de uma latada!

A gente cando é piquenotudo é vom, tudo é vunito!Eu ganhaba pirulito,chamabam-me de marotoNesses tempos tão soudosos,u mare é todo azulado,u céu, um tecto pintado,u mundo, um fado minhoto!

Qui uróras, qui sol, qui pandega,qui noutes de patuscada!era cada guitarradaqui accurdaba o sôr bigario!U céu chainho de istrellas,com mais luz qu'uma candâia,u mare vaijando a arâia,e bice-bersa au cuntrario

Ó tempos vons qui num bóltam!Ó dias de trabissura!Eu pintaba a seracura!Era máo como ningáim!Minha mãe daba-me vaijos,e a minha voa irmãzinha,mas de bez em cando eu tinhaumas taponas tamvem!

Libre como um vurro solto,pulo matto eu mi mittiaFicaba lá todo o dia,tutinegras a apanháreDe tarde cando bultaba,da vrincadâira nu matto,tinha tanto carrapato,que até chigaba a injuáre!

Naquelles tempos d'antánho,(Jasus! Como o tempo corre!)eu tumaba cada porre,qui nem mi quero alimvráre!Atão, nu dia siguinte,cum gosto á vocca, de lama,mi alibantaba da camade rissaca, a vucijare!

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Ai que sodades cá tánhod'uróra da minha bida!Eu tinha casa e cumida,roupa labada e ingummada!Ai que sonhos que eu fazianaquellas tardes façâiras,á somvra das ulibâiras,divaixo de uma latada!

Teu Ulháre...(À Madamazella Thareza, mó ultimo e dirradâiro amôre)

MotteQuando m'olhas desse jâito,sinto fogo nas intranhas!

GlozaTeu ulháre é pinitrante,mais parece um furadôrePâito a dentro, pirfuranteelle m'entra, siductôre!É um ulháre afuguiadoque me fita sempre a eitoFico todo intrepalhadoquando m'olhas desse jâito

Um trimómetro, ao subaco,intrumetto com riçâioA agulha, assim que u ataco,bae a trinta e nóbe e mâio!Teu ulháre, mal m'o fitas,mal m'o arrigálas, m'assanhas!Dão-me cousas insquisitas!Sinto fogo nas intranhas!

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Pinsamentos e Dictados

"Cáim é rico é rico. Cáim é pobre que se dane."Antônio Novre

"Cáin diz qu'um kilo d'algodão é a mesma coisa qu'um kilo de chumvo, nunca biuArithmetica ou sciencias adjacentes."

Varão de Saabedra

"Digam lá o que dissérem! Mas u arrôto é de uma nicissidade primente e insuvstituibel."Niculau Tulintino

"U gato sáim u ravo, é gato. U ravo só, sáim u gato, num é gato."Filinto Ilysio

"O amôre é uma coisa que cando dá n'uma p'ssoa, ella fica logo vesta. E si a p'ssoa já évesta antao, nám se fala."

Ulibáira Salazáre

"A mão táim cinco dedos. A que táim só quatro, falta-lhe um."Antero de Quintale

"A gente cando é, é."D. João VI

"A cera do oubido não é a avelha cáim a faz! Tamvem era só o que fáltaba!"João Luzo

"A lágrima é um líquido quente que a gente expél plu glovo bisuale cando soluça."Candido Figáiredo

"É masmo uma pena u sol nascêre de dia! O dia, de si, já é tão claro!"Adriano Ramos Pinto

"U savão é uma suvstancia iscurregadia e ispumôsa, que só serbe p'ra sujáre a iagua dovanho."

Varão de Peixoto Serra

"A lucumutiva é uma mánica que apita, faz varulho, mas que só anda impurrada p'lusbagões."

Eça de Quáiroz

"A barbuleta abôa, bê-se, mas cando bira lagarta, abôa uma óba!"Pedro Albes Cavrále

"Óhh!, Raiush...”Juaquim, ao escorregaire em uma b'nana