Caminhos da realização - Jean Yves Leloup

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Caminhos da realizao

Dos medos do Eu ao mergulho no Ser

Jean-Yves Leloup

Nota: este livro foi digitalizado e revisado por Suzi Belarmino em

maro

de 2002.

Orelhas do livro:

Jean-Yves Leloup participou de dois seminrios na UNIPAZ de

Braslia, que tem por reitor Pierre Weil, conhecidssimo dos

leitores da Editora Vozes, pela qual j

publicou mais de uma dzia de livros. As palestras de Leloup foram

gravadas em fita e depois traduzidas, resultando neste livro. Esta

histria pode ser vista no

Prefcio. Na Introduo, Roberto Crema, do Colgio Internacional

dos Terapeutas, apresenta o contexto e a finalidade do livro.

Para o leitor aproveitar melhor o presente livro, ele deve ler Cuidar do

Ser, livro de. Leloup

j traduzido e publicado pela Vozes. O ponto central deste livro

a obra Os Terapeutas, de Flon de Alexandria.

Terapeuta, ns sabemos, aquele que cuida do ser humano. Esse

tuidado pode estar

orientado para diversas dimenses do homem. H os que cuidam do

corpo humano. Neste

grupo Plato colocava at o cozinheiro e o tecelo. Mas o

paradigma do que cuida do corpo ainda o pessoal da sade

(mdico, enfermeiro etc.). H os que cuidam

da dimenso psquica ou anmica do ser humano (psiclogo etc.);

da dimenso notica ou

racional (o melhor exemplo o professor); os que cuidam da dimenso

pneumtica ou espiritual (os agentes religiosos, por exemplo). Mas o

ser humano ainda pode ser

considerado em sua interao social (e dele cuidam os trabalhadores

sociais ou familiar (onde um cuida do outro).

Qual a maneira ideal de se cuidar do Ser humano? aqui que entram

as obras de Leloup, aqui que entram a UNIPAZ e o Colgio dos

Terapeutas. preciso cuidar

do ser humano em sua globaldade, em sua totalidade, mesmo quando

so tratados apenas os seus dentes. E nisto que o presente livro nos

introduz.

Portanto, o leitor deste livro o terapeuta. Primeiro aqueles que

j se reuniram em

Colgio; depois todos os terapeutas, inclusive os terapeuts de

Plato e de

Flon (JC).

O autor

Jean-Yves Leloup sacerdote ortodoxo, ex-dominicano, PhD em

Psicologia. autor de vrios livros e conferencista mundialmente

conhecido. Dentre as suas muitas obras

citamos apenas Cuidar do Ser, j publicada pela Vozes.

EDITORA VOZES

Coleo UMPAZ - COLGIO INTERNACIONAL DOS TERAPEUTAS

Coordenadores: Pierre Weil e Roberto Crema

- Caminhos da realizao - Dos medos do eu ao mergulho no ser - O

esprito na sade

- Terapeutas do deserto - O Evangelho de Tom - Caminhos da cura

- O corpo e seus smbolos - O Evangelho de Maria - Deserto, desertos

-A arte de morrer - Palavras da fonte

- O Evangelho de Joo - Carncia e plenitude - Sinais de esperana

Coleo UNlPAZ-CIT

1. Reunio dos textos, pesquisas e testemunhos teis a uma

compreenso superior e vasta do homem e do universo para sua sade e

seu bem-estar. 2. Esta coleo

transdisciplinar e faz apelo a escritores, pesquisadores, mdicos,

fsicos e inspirada pela antropologia no dualista, pela tica

rigorosa e aberta, pela prtica

da meditao do Colgio Internacional dos Terapeutas, cujas

razes remontam ao 1 sculo de nossa era, atravs dos

Terapeutas de Alexandria, dos quais Flon nos

traz o Esprito, a viso e os procedimentos, prximos das

pesquisas contemporneas "de ponta".

3. Assim, esta coleo um local de dilogos, de encontros e de

alianas frutuosas entre a tradio e a contemporaneidade.

4. Ela situa-se igualmente na linha de pesquisa da psicologia

transpessoal (cf. Coleo Psicologia Transpessoal) e do paradigma

holstico, da qual ela uma das

aplicaes concretas no mundo dos Terapeutas e nos "cuidados" que

todo homem deve ter em relao ao Ser, em todas as suas dimenses:

incriada, csmica, social, consciente

e inconsciente.

Jean-Yves Leloup

CAMINHOS DA

REALIZAO

Dos medos do eu ao mergulho no Ser

Traduo de Clia Stuart Quintas

Lise Mary Alves de Lima Regina Fittipaldi

1(1 Edio

EDITORA VOZES

Petrpolis 2001

Editora Vozes Ltda. Rua Frei Lus, 100 25689-900 Petrpolis, RJ

Intemet: http:/lwww.vozes.com.br Brasil

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poder ser

reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios

(eletrnico ou mecnico, incluindo

fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de

dados sem permisso eserita da Editora.

Livro originalfmente editado pela Editora Civilizao Brasileira

S.A.

ISBN 85.326. 1729-8

Dados Intemacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara

Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Leloup, Jean-Yves Caminhos da realizao : dos medos do eu ao

mergulho no Ser / Jean-Yves Leloup ; traduo de Clia Stuaft

Quintas. Lise Mar~, Alves de Lima. Regina

Fittipaldi. - Petrpolis. RJ : Vozes. 1996. ISBN 8~.326.1729-8 1.

Bblia. A.T. ,Tonas-Crtica e interpretao 2. Holismo 3.

Psicologia transpessoal 4. Realizao

pessoal I. Ttulo. 96-3934 CDD-I 50. 193

Indices para catlogo sistemtico: Psicologia transpessoal :

Psicologia holstica 150. l93

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.

Contedo

Prefcio, 9 Introduo, 11

Uma nota sobre a traduo, 1 5

O Complexo de Jonas ou os Medos do Eu, 17

Introduo, 19

O Livro de Jonas, 22 Primeiro Captulo Quem Jonas, 27 Alguns

arqutipos, 28

A escada do desejo e do medo, 34 Morte e ressurreio, 42

Os medos de Jonas e os nossos medos, 43 O medo do sucesso, 44

O medo da diferena, 47 O medo de mudanas, 52 O medo de se

conhecer, 53

Segundo Captulo

O mergulho no inconsciente, 55 O tornar-se autntico, 58 Cuidar do

Outro, 60

A felicidade de ver os maus castigados, 62 A misso, 68

Terceiro Captulo

O medo de amar, 70

Eplogo, 79

Apndice (Perguntas e respostas), 81

Masculino, Feminino e Sntese

Introduo, 123 Arqutipos femininos, 124

A samaritana, 124

O texto evanglico, 124 As etapas do caminho, 126 Resumo das etapas,

134

Maria Madalena, 1 36 Introduo, 136

A mulher de desejos desorientados, 137 A contemplativa, 142

A intercessora, 143

A intuio que profetiza, 145

A acompanhante dos moribundos, 147 A testemunha da ressurreio, 150

A iniciadora, 152

Resumo dos arqutipos, 158 Maria, 159

A Virgem Maria, 160 A Anunciao, 163

As Bodas de Can, 167 Maria aos ps da cruz, 170

Pentecostes, 171

As aparies da Virgem, 172 Arqutipos Masculinos, 174

Introduo, 174

Judas, 174

Da expectativa ao desespero, 175 O ter e o ser, 177

A sombra, 179 Pedro, 181

A pedra, 1 8 1

A negao, I 82

As formas de amor, 183 O arqutipo da sntese, 189 Jesus, 189

O Tentropos, 1 89 A aliana, 191

A sinergia, 192 O respeito, 195

O Caminho do Meio em Psicologia, 197 O filho, 197

A comunho, 198

Apndice (Perguntas e respostas), 202

PREFCIO

Jean-Yves Leloup, Mestre do Transpessoal

Depois de ter apresentado para o pblico brasileiro a traduo do

seu livro Cuidardo Ser, que nos brinda com uma primorosa exposio

sobre os Terapeutas, do texto

de Flon de Alexandria, enriquecida dos seus prprios comentrios,

Jean-Yves Leloup nos oferece, agora, uma coletnea de suas palestras

realizadas em dois Seminrios,

na UNIPAZ de Braslia, onde vem regularmente ensinar na Formao

Holstica de Base e em Psicologia Transpessoal.

Sem dvida, Jean-Yves Leloup pode ser considerado um dos maiores

expoentes da Psicologia Transpessoal. Doutor em Filosofia, Teologia e

Psicologia Transpessoal, com

formao realizada na Frana e nos Estados Unidos, Leloup

despertou para o Cristianismo depois da adolescncia, tendo recebido

o seu batizado no Monte Athos, Grcia,

evento que foi objeto do seu primeiro livro. Sacerdote no fundo do seu

corao e da sua alma, o padre Jean-Yves Leloup foi ordenado na

Igreja Ortodoxa aps uma odissia

espiritual relatada em sua autobiografia, L'Absurde et la Grce.

Discpulo do grande terapeuta e mstico Karlfried Graf Durckheim,

Leloup muito solicitado para

dar conferncias e cursos no mundo inteiro, notvel pelo seu

carter lcido, inspirado e pelo toque transpessoal que comunica nas

suas interpretaes e exegeses.

H quatro anos, Jean-Yves Leloup fundou o Colgio Internacional dos

Terapeutas, com sede na UNIPAZ, cuja direo brasileira confiou a

Roberto Crema. uma idia

bastante frtil

j que resgata e faz reviver, no sculo XXI, o esprito original

dos Terapeutas de Alexandria, com as aquisies da terapia atual.

Este livro pode ser considerado

um excelente vade mecum para quem quer se inspirar nesse esprito.

PIERRE WEIL Reitor da UNIPAZ

10

INTRODUO

Este livro um poema de sabedoria. Extrado de dois seminrios

orientados por Jean-Yves Leloup, em 1995, para a Formao

Holstica de Base e a Formao em Psicologia

Transpessoal da UNIPAZ, tem o encantamento e a fluidez emanadas de uma

fonte rara de inteligncia hermenutica. So palavras lcidas

geradas no ventre de um profundo

silncio contemplativo, dirigidas do templo do corao ao

corao, do relicrio do Ser ao Ser.

A primeira parte dessa obra centrada no tema do Comcplexo de Jonas,

desvelando um caminho em direo ao despertar transpessoal, a partir

de um amplo mapa dos

medos do Eu, de nosso psiquismo pessoal. A leitura simblica da

trajetria de Jonas uma indicao e inspirao para a

aventura herica da realizao vocacional,

longo processo de plenificao da semente singular e da promessa

encarnada na essncia de cada ser humano.

A segunda parte focaliza o amplo horizonte do Maseulino, Feminino e

Sntese onde, como postulavam os Antigos Terapeutas, os personagens

das Eserituras Sagradas,

alm da sua dimenso histrica, so considerados arqutipos de

estados de conscincia e de estgios evolutivos da existncia.

Percorreremos itinerrios de metamorfoses

de grandes imagens estruturantes da condio humana. Sentaremos, com

a Samaritana, no poo de Jac; ascenderemos os degraus

iniciticos da via apaixonada de Maria

Madalena; contemplaremos o manto de

11

silncio inocente e imaculado de Maria e caminharemos com as

sandlias de Pedro, Judas e Joo Batista. Sempre luz de uma

sabedoria crstica apontando para o resgate

do Esprito.

Para Jean-Yves Leloup, o Terapeuta um suposto escutar. Trata-se aqui

de uma escuta inclusiva que no divide o que a prpria Vida uniu: o

corpo, a psique e o esprito.

Uma grande tragdia contempornea, fruto do reducionismo cienticista

que, moda clssica do diabolos - aquele que semeia a desunio -

tudo divide e separa, a

modelagem alienada da especializao, determinante de uma viso e

escuta dissociadas e minimizadas. Uma pessoa com o corpo ferido procura

um psiclogo que s escuta

a psique; outra, com a psique sangrando, procura um sacerdote que s

escuta o Esprito; ainda outra, sofrendo com a desvinculao da

essncia espiritual, procura

um mdico que s escuta o corpo... Onde seremos escutados como o

todo indissocivel que somos?

Gosto de contiar que, num futuro breve e mais saudvel, sem regredir

ao ideal ingnuo do generalista, evoluiremos do enfoque fragmentado da

especializao para o

enfoque da vocao. Na abordagem vocacional a pessoa, como uma

planta, convidada a fincar as suas razes no solo fecundo de seus

talentos particulares e a remeter

o seu caule e copa em direo ao firmamento. Assim, o

desenvolvimento de uma habilidade singular no nos cegar a viso

do todo, seguindo o sbio preceito taosta:

o alto descansa no profundo.

Para que haja um espao de Eseuta da inteireza humana que foi

criado, em 1992, o Colgio Internacional dos Terapeutas (CIT), sob a

orientao de Leloup e com sede

na UNIPAZ. Inspirado na tradio dos Terapeutas de Alexandria que no

incio da era crist deixou-nos o surpreendente e precioso legado de

uma abordagem holstica

aplicada sade integral, o CIT realiza as dimenses

interconectadas de uma clnica, de uma escola e de um templo.

Destinado a congregar terapeutas de diversas

formaes e competncias que comungam uma

12

antropologia, tica e prtica holsticas, tendo como centro a

inteireza do Ser, a tarefa comum postulada pela CIT resume-se em dez

Orientaes Maiores centradas

em: plenitude, tica, silncio, estudo, generosidade, reciclagem,

reconhecimento, anamnese essencial, despertar da Presena e

fratemidade.

Este o grande resgate para o qual nos convoca Jean-Yves Leloup,

sacerdote, filsofo, psiclogo e, sobretudo, poeta da sabedoria de

Cristo, o Cristo que o arqutipo

soberano do Terapeuta em sua plenitude. " Uma floresta cresce

silenciosamente", afirma Leloup. Que floresam em abundncia e

virtude estes novos e antigos terapeutas,

aliados na conspirao premente pelo reino do Ser.

Para que o leitor pudesse saborear esta Cano de Amor que tem nas

mos, muito temos a agradecer s tradutoras e colaboradoras da

UNIPAZ: Regina Fittipaldi (Pr-reitora

da UNIPAZ), Clia Stuart Quintas e Lise Mary Alves de Lima. Alguns dos

presentes gravaram os dois seminrios e, gentilmente, apressaram-se em

nos ceder as fitas

cassetes.

Estas foram decodificadas para a eserita, em uma dedicada obra

artesanal, por Lise Mary Alves de Lima. A Rede Holos agradece.

ROBERTO CREMA do Colgio Internacional dos Terapeutas

13

UMA NOTA SOBRE A TRADUO

com muito carinho que passamos s mos de vocs este texto.

Ele nasceu do nosso desejo em compartilhar a graa e a alegria de

escutar Jean-Yves Leloup. Uma Eseuta

que passou por muitas fases.

De ns trs, apenas Regina tem experincia em traduo. Uma

traduo "sucessiva", no simultnea, para um auditrio

pequeno e cheio de gente. Pessoas em p, sentadas

em cadeiras e no cho. E muito calor dentro e fora da gente. Regina

traduziu todo o seminrio sobre Jonas. Cla e Lise se revezaram

no segundo texto.

Como Lise no lembrava uma palavra do que tinha traduzido, procurou

pessoas que tinham gravado. Conseguiu dois lotes de fitas e comeou a

decodific-las. Cada vez

que terminava uma fita, um grande "buraco negro" aparecia no texto. Era

preciso procurar no outro lote as frases que faltavam. Alm disso, as

pessoas no auditrio

faziam as perguntas sem microfone e muitas delas, como vocs podem

notar, se perderam.

Aos poucos os textos tomaram forma. E foram ficando com o aspecto de

Boa-Nova, de Evangelho. Por isso, num primeiro momento, demos a ele o

nome de "Evangelho segundo

Jean-Yves", e ele foi o nosso presente de Natal.

Algumas vezes foi preciso colocar uma observao nossa, para que as

pessoas que no assistiram aos seminrios pudessem entender. Vocs

vo encontrar estas observaes

entre

15

parnteses, precedidos de N.T. (Nota de Traduo). Algumas

perguntas, tambm, geraram respostas semelhantes em ambos os

seminrios. Como elas se complementavam,

ns as conservamos.

Esperamos que vocs aproveitem, como ns, estas palavras de

sabedoria. E, fazendo nossas as palavras de Jean-Yves, desejamo-lhes boa

viagem!

Clia Fittipaldi Lisc Mary Alves de Lima

Regina Fittipaldi

16

O COMPLEXO DE JONAS

ou Os Medos do Eu

INTRODUO

Neste Seminrio estudaremos o Livro de Jonas, que uma passagem do

Antigo Testamento.

Jonas aquele que prefere ficar deitado e quando a Voz Viva vem

visit-lo em seu ntimo, ele resiste. Deste modo, Jonas tem muito a

nos ensinar sobre os nossos

medos, as nossas resistncias, sobretudo sobre o que pode ser, para

ns, um obstculo descoberta do nosso ser essencial verdadeiro e

da misso que dela decorre.

Ns entramos no esprito dos Terapeutas de Alexandria, para os quais

cada personagem bblico um arqutipo, isto , uma imagem

estruturante, uma imagem interior,

a encarnao de um estado de conscincia no espao e no tempo.

Estudar estes personagens e estes estados de conscincia um modo

de iluminar o nosso prprio caminho

e nosso "vir-a-ser" (nosso tornar-se).

Jonas, neste esprito, cada um de ns. cada um de ns em

seu contato com o transpessoal, com as dificuldades que este contato

pode trazer, com as esperanas

que ele pode despertar e tambm com o medo que ele pode nos trazer.

Estudaremos, portanto, os diferentes medos que nos habitam, os medos que

se situam no nvcl pessoal, ligados nossa estria de infncia

e nossa estria de jovens,

adultos, assim como o medo que se situa no nvel do transpessoal.

19

Estas formas de medo foram bem estudadas gor Abraham Maslow e por outros

psiclogos humanistas quando fazem referncia ao Complexo

de Jonas, que o medo da nossa

prpria grandeza e das exigncias que dela decorrem. Porque no

suficiente reconhecer o que h de grande em ns, o que temos de

bom e de divno em ns mesmos.

Trata-se de questionar o que esta divindade quer manifestar atravs de

ns. Quando a pressentimos, s vezes preferiramos no saber,

recusando, neste caso, o nosso

ser essencial.

Conhecemos a recusa da sexualidade, a recusa da criatividade e sabemos

dos problemas e sintomas que estas recusas podem causar. Conhecemos

menos as conseqncias

da recusa ao nosso ser essencial. O desequilbrio e o estado de

infelicidade que esta recusa pode introduzir em ns.

Tambm, neste seminrio, nos perguntaremos sobre o que nos faz medo,

o que nos faz mais medo, sobre o que nos impede de sermos

verdaderamente humanos, o que impede

vda de se realizar atravs de ns, o que impede que o

desgnio de Deus se realize atravs de ns.

O Livro de Jonas ser tambm para ns uma oportunidade de nos

interrogarmos sobre nossa misso, sobre nossa vocao. O que cada

um de ns tem de particular e nico.

O que que eu tenho a fazer nesta vida, que pessoa alguma pode fazer

em meu lugar.

Eu acredito que cada um de ns tem uma maneira nica e

insubstituvel de

encarar a vida. De ser inteligente- a maneira de uma pessoa ser

inteligente no a mesma

maneira da outra. O modo de amar de um no o modo de amar do

outro. Trata-se, ento, de nos interrogarmos sobre o nosso modo,

nico, de sermos inteligentes, de

sermos humanos, de estarmos vivos. o que se pode chamar de nossa

vocao ou de nossa misso. Isto no to simples porque,

s vezes, ns assumimos como sendo

nosso desejo aquilo que o desejo de nossos pais

20

ou o desejo da sociedade, ou o desejo de tudo o que nos influenciou.

O Livro de Jonas nos convida a escutar em ns mesmos um desejo mais

profundo do que todos estes desejos que foram projetados em ns.

Reencontrar o nosso desejo essencial: esta uma boa definio de

sade que ns encontramos descrita no mundo psicanaltico, e que

se manter o mais prximo possvel

do seu desejo essencial. Podemos sofrer, ter dificuldades, mas quando

estamos prximos do nosso desejo essencial, do nosso ser essencial e

verdadeiro, estas provas

e estas dificuldades podem ser superadas.

Mas a questo : o que, verdadeiramente, ns queremos? 0 que

desejamos verdadeiramente? O que que quer e o que que deseja, em

ns?

Alm do desejo do Eu (e do Ego), trata-se de sermos capazes de escutar

o desejo do Self, quaisquer que sejam as suas exigncias. Porque se

no escutamos este desejo,

vamos ter problemas no somente em ns mesmos mas tambm no

exterior. Em Jonas, isto vai provocar tempestades.

Ento, num primeiro momento, leremos o Livro de Jonas. Em seguida nos

interrogaremos sobre os smbolos deste texto. Vamos imaginar que

estamos junto lareira, escutando

uma estria...

Esta estria de Jonas preciso conceb-la com nossos sonhos, pois

vocs sabem que os textos sagrados so textos do inconsciente.

Trata-se de escut-los como se

fossem um sonho ou um testemunho do inconsciente. Eles no falam

somente nossa razo, ao mundo das explicaes, mas falam ao

mundo dos sentidos, atravs de imagens

e smbolos. um livro que nos faz pensar e tambm um livro

que nos faz sonhar. E a chave deste sentido, desta palavra que

atribuda fonte divina, pode nos

ser dada, tambm, atravs dos sonhos.

Finalmente perguntaremos o que que, no livro de Jonas, nos fez

sonhar...

21

O LIVRO DE JONAS

Era uma vez...

- A Palavra dAquele que chega at Jonas. E lhe diz: "Levanta-te,

desperta, vai a Nnive, a grande cidade, prega nela que eu tenho

conscincia de sua maldade.

Eu, o Ser que , sinto a loucura desta cidade e a sua doena. Vai a

Nnive ". Jonas levanta-se,

mas para fugir. Fugir da presena d'Aquele que . E, ao invs

de ir para Nnive, ele se dirige a Trsis. Ele desce a Jope, onde

encontra um barco partindo para Trsis. Ele paga o seu bilhete e desce

ao interior do barco para

ir com os outros passageiros a Trsis, fugindo da presena d'Aquele

que . Seus ouvidos se fecham a esta palavra que o convida a ir a

Ninive.

Ento, o Ser que Aquele que lanou um grande vento sobre

o mar. E houve uma tempestade to grande que todos pensaram que o

barco ia naufragar. Os

marinheiros

tiveram medo e rezaram, cada um a seu deus. Eles jogaram ao mar toda a

carga que traziam no navio para que este ficasse mais leve.

Entretanto, Jonas tinha descido ao poro do navio e ali se deitou,

dorrnindo um profundo

sono. O capito foi procur-lo e lhe disse: "Como podes dormir to

profundamente?

Como podes dormir no meio deste desespero que nos faz sucumbir?

Levanta-te, desperta, invoca teu Deus.

Talvez este teu Deus possa nos ouvir, talvez que, com este

teu Deus, no pereamos ".

22

O tempo passou. E ento se disseram uns aos outros: "Ns no vemos

uma soluo.

Joguemos os dados para sabermos por que este mal nos acontece ". Eles

lanaram

os dados e caiu a sorte sobre Jonas. E eles disseram: "Diz-nos agora, de

quem a culpa deste mal que se abate sobre ns? Qual a causa

desta infelicidade que

nos acontece? Quem o culpado? E tu, quem s tu? Qual a tua

profisso? De onde vens? Qual o teu pas? Qual o teu povo?"

Jonas respondeu: "Eu sou um hebreu

(a palavra "hebreu" quer dizer algum que est de passagemJ. Eu temo

Aquele que E, o Deus do cu que fez o mar e a terra. Aquele que fez o

ser, as coisas e que

contm todas as coisas ".

Os marinheiros tiveram medo e lhe perguntaram: "O que tu fizeste? Por

que tu fugiste?" Porque estes homens compreenderam, pelo que dizia

Jonas, que ele era um

homem que fugia presena do Ser. E lhe disseram: "O que devemos

fazer contigo para que o mar cesse de se levantar contra ns?" Porque

o mar estava mais e mais

agitado. Jonas lhes disse: "Peguem-me e lancem-me ao mar". Ele

reconheceu que ele era a causa do que lhes acontecia. Que sua

perturbao interior projetava perturbao

ao exterior. "Eu .sei que a causa desta grande tempestade a minha

culpa".

Os homens puseram-se a remar, energicamente, em direo costa, e

no conseguiam chegar porque o mar se agitava cada vez mais contra

eles. Ento clamaram quele

que , dizendo: "Por favor, Senhor, no nos faas perecer por

causa deste homem. No nos acuses pelo sangue inocente, porque tu s

Aquele que e tu fazes o que

bem te apetece ". Ento eles pegaram Jonas e o lanaram ao mar. E o

mar acalrnou a sua fria. Estes homens sentiram um grande temor,

realizaram atos sagrados e

se inclinaram na presena d'Aquele que .

Neste momento, Aquele que preparou um grande peixe para engolir

Jonas. E Jonas esteve nas entranhas do peixe durante trs dias e

trs noites. Nas entranhas do

peixe, Jonas

23

rezou a seu Deus, rezou quele de quem fugiu e de onde no mais

podia fugir: E disse: "Eu te chamo, Tu que s, em minha

tribulao. Do ventre do inferno

eu grito porajuda. Eu sei que Tu escutas a minha voz, Tu o silencioso, o

alm de tudo. Tu me precipitastes

no mais profundo do mar, ao sabor das ondas a corrente

das guas me cercou, as vagas passaram por cima de mim. Ento eu

pensei que fui rejeitado para longe dos teus olhos e, contudo, eu

continuo a olhar para o teu

templo santo. As guas me asfixiaram at a morte, o abismo me

arrodeou, as vagas envolveram minha

cabea. base das montanhas eu desci. Eu estou no inferno.

Mas eu sei que Tu podes reverter minha vida, perdoar meus erros, Tu que

s a fonte do meu ser. Minha

salvao a minha lemhrana de Ti. Minha salvao est

na lembrana do Ser. Os que se entregam s vaidades esquecem a

graa do teu Ser. Do fundo do inferno, eu quero agora cumprir o que Tu

me mandaste fzer".

E, neste momento em que Jonas aceitou o desejo que habitava nele, quando

ele escutou a voz que estava nele, o peixe o vomitou sobre a terra

firme.

Assim, aconteceu que a palavra d'Aquele que chegou de novo at

Jonas. A mesma palavra de antes e de depois das provaes. Esta

palavra lhe dizia: "Levanta-te,

Jonas, desperta. Vai! Anda! Vai a Nnive, a grande cidade e faze-lhes

escutar a pregao que Eu te digo ". Desta vez, Jonas levantou-se e

foi a Nnive, seguindo

as ordens d'Aquele que .

Ora, Nnive era uma cidade de dimenses enormes, sendo necessrio

trs dias para atravess-la. E desde o

primeiro dia em que entrou na cidade, Jonas comeou

a pregar: "Se vs continuais a viver assim, se vs continuais a

viver na

violncia e no erro, em quarenta dias Nrzive ser destruda.

Vs pagareis pelas conseqncias

de vossos atos. Isto no vai durar, no pode durar!... '

O povo de Nnive, escutando estas palavras, creu no que Jonas

anunciava, e ordenaram um jejum, vestiram-se de sacos,

24

desde o maior at o menor E neste dia eles ficaram todos iguais, no

havia ricos nem pobres. Todos se vestiram de acos de aniagem.

Quando esta nova chegou aos ouvidos do Rei de Nnive, ele levantou-se

do seu

trono, despojou-se de suas roupas reais. E todos viram que, sob a coroa,

o rei estava

nu. Ele estava da cor da pele, como todos os outros. Ele se cobriu

apenas

com um saco e sentou-se sobre as cimas. E fez proclamar a Nrzive:

"Por

ordens do

Rei e de sua corte nem homem nem animal, de pequeno ou de grande porte,

comer nada,

provar ou beber nada, nem mesmo gua. Homens e animais cubram-se

de sacos e voltem-se para o Ser que os fez ser, com todo o fervor. Cada

um se arrependa do seu mau caminho e da violncia em suas aes.

Quem sabe, talvez

Deus se arrependa, se detenha em sua clera e ns no sofreremos

mais as conseqncias negativas dos

nossos atos ". Aquele que viu o que se passava, viu que

o povo se convertia e o razal, que devia acontecer, no acontececr.

Mas Jonas ficou muito irritado e se encolerizou, porque o mau deve

perecer, a justia deve ser feita ao injusto, e

dirigiu-se ao Senhor: "Senhor, no era isto

que eu tinha previsto, que Tu s um Deus injusto, que no punes os

macrs. por isto que eu fugi para Trsis, porque eu sabia que Tu

s um Deus cheio de graa

e de misericrdia, que no arazas a clera e s rico em bondade.

Agora, Senhor, eu estou farto. Tira a

minha vida, porque eu prefiro morrer a viver assim

". Aquele que , disselhe: "Ser que tu tens razo de ficar

irritado?" Jonas no quis escutar mais nada. E foi embora, novamente,

para longe do seu

Deus.

Ele foi sentar-se ao leste da cidade, construiu para si uma cabana e

l ficou para observar o que aconteceria. E Aquele que fez nascer

uma planta, que cresceu

por sobre a cabea de Jonas, a fim de dar-lhe sombra e proteg-lo do

calor. Jonas

ficou cheio de uma grande alegria por causa dessa planta. Mas

25

ento, de madrugada, Deus enviou um verme que roeu as razes da

planta e ela secou. Porque as coisas da vida nunca acontecem como ns

queremos que

aconteam. Aquilo

que gostaramos que durasse, no dura muito tempo; e aquilo que

gostaramos que desaparecesse, permanece.

Equando o sol se levantou, Deus enviou, do leste, um vento abrasador: O

sol batia na cabea de Jonas e ele pensou que ia desmaiar. Jonas pediu

a morte, dizendo:

"Eu prefiro morrer a viver assim ". E Deus disse a Jonas: "Ser que

fazes bem em ficar irado por causa desta planta?"Jonas respondeu: "Eu

sei bem da minha vida.

Eu tenho razo em ficar irado ". Ento, Aquele que lhe diz: "Tu

tiveste piedade de uma planta que no te custou esforo algum,

que

nasceu e morreu entre uma noite

e outra. E por que eu no terei piedade de Nnive, a grande cidade,

onde

h mais de cento e vinte mil pessoas que no distinguem sua mo

direita da sua mo esquerda,

que no distinguem o bem do mal e onde h, tambm, muitos animais?

"

E assim termina o Livro de Jonas.

26

27

PRIMEIRO CAPTULO

preciso agora que meditemos sobre o Livro de Jonas e cada um,

segundo o seu nvel de conscincia, poder compreender o seu

sentido. O que eu lhes proponho so

as interpretaes da Tradio, da tradio judaica e da

tradio crist antiga, juntamente com as interpretaes dadas

pela psicologia da profundeza. Desta maneira

ns chegaremos nossa dimenso pessoal e, ao mesmo tempo,

nossa dimenso transpessoal.

Quem Jonas

O nome Jonas, Iona em hebreu, quer dizer a pomba. Uma pomba que tem as

asas aparadas. Assim Jonas o smbolo do homem que tem as asas do

homem alado, como nos

fala Plato. Do homem material, que tem nele uma dimenso espiritual

mas que renegou essa dimenso espiritual e que cortou as suas asas.

Jonas o homem que, em

cada um de ns, deseja voar sem deixar de ter os seus ps na terra.

o homem, no espao-tempo, que pode abrir-se transcendncia

mas que se fecha a esta transcendncia

e corta suas prprias asas. Talvez no seja ele mesmo que corte suas

asas. Algumas vezes a sociedade, algumas vezes o meio em que ele

vive.

Observamos, a propsito de Jonas, que existe dentro dele um medo muito

particular. Se ele se pe escuta desta voz interior, vem o medo de

ser diferente dos outros.

Este medo muito profundo, e ns o estudaremos no decorrer do

seminrio.

27

o medo da diferena, o medo de ser nico, que implica numa

adeso sua vocao profunda.

Alguns arqutipos

A palavra que dirigida a Jonas, inicialmente, : "Levanta-te,

despertal " Mas Jonas um homem que quer permanecer deitado,

adormecido, que no quer ouvir falar

em transcendncia, que no quer ouvir falar do transpessoal. Sua

vidinha lhe basta. O que ele pode compreender com sua razo, lhe

suficiente. O que

ele pode sentir

com os seus cinco sentidos, lhe basta. No existe nada alm disso.

Sua voz interior, esta voz que vem de fora, de um lugar mais profundo

que ele mesmo, ele no quer

escutar.

Mas a Palavra o persegue. uma palavra que pede que nos ponhamos de

p, que pede para no sermos mais homens e mulheres deitados e

adormecidos, a fim de reencontrarmos

nossa retido. E estas so, para ns, boas questes. O que

que nos pode colocar de p? O que que pode fazer de nossa vida uma

nspirao? O que que pode fazer

com que nossa vida valha a pena ser vivida? Por que no ficarmos

deitados? Em que ns trabalhamos? Para quem ns trabalhamos? Para

que nos levantamos a cada manh?

Ser que no era prefervel ficar na cama? E no fazermos nada?

Este o estado de esprito de Jonas e este o nosso estado de

eprito, em algum momento de nossas vidas. Sobretudo quando esta

voz interior nos pede para ir a

Nnive.

Nnive uma palavra hebraica, que em assrio tem outro nome.

Nnive foi a ltma capital da Assria, situando-se margem

direita do Tigre. At hoje podem-se ver

suas runas. Pode-se imaginar que era uma metrpole imensa. Ela foi

destruda em 620 dC pelo exrcito dos persas, aliados da

Babilnia.

28

Para Jonas, Nnive era a cidade dos inmigos. Era a cidade daqueles

que destruam o seu povo e ele se interroga como que Deus pode

mand-lo aos inimigos do seu

povo, aos perseguidores do seu povo. Assim, ele prefere ir para

Trsis. Trsis fica beira-mar e na poca era uma colnia

fencia. Ir a Trsis, para um judeu, era

como ir a um pas maravilhoso, para passar suas frias.

Quando Deus lhe pede para ir aos seus inimigos, Jonas fecha os ouvidos e

vai exalamente em sentido contrrio. Ele foge. Esta exigncia

foi-lhe inspirada em seu interior.

Ele vai a Jope (cidade que at hoje existe em Israel), onde ele

tomar um barco para Trsis.

Portanto Jonas, num primeiro momento, o arqutipo do homem

deitado, adormecido, do homem que no quer se levantar e no quer

cumprir misso alguma. o arqutipo

do homem que foge, que foge de sua identidade, que foge de sua palavra

interior, que foge desta presena do Self no interior do Eu. Esta fuga

de sua voz interior

vai provocar um certo nmero de problemas no exterior dele mesmo.

Este um tema de reflexo interessante para ns. Quando mentimos

a ns mesmos, quando fugimos de nossa vocao, quando renegamos o

nosso ser essencial, ocorrem

conseqncias nefastas, no somente para ns mesmos, mas

tambm para nosso ambiente.

E este o smbolo da tempestade que vem agitar a barca. Os

redemoinhos que ns no aceitamos em nosso inconsciente, projetam-se

ao exterior. A nossa culpa, de uma

certa maneira, ns a projetamos nos outros. No ser voc mesmo,

no escutar o seu desejo mais profundo, acarretar conseqncias

sobre o outro - bom que o saibamos.

Estar em harmonia consigo mesmo, escutar a sua voz interior, mesmo se

esta voz tem exigncias que nos fazem medo, bom para ns mesmos

e no acarretar conseqncias

nefastas para o nosso prximo.

29

Mas Jonas dorrne. Ele est deitado, profundamente adormecido, no

interior do barco. Esta uma prtica sempre contempornea. H

um certo nmero de remdios, que

no apenas nos aliviam a dor, mas que nos aliviam, tambm, a nossa

conscincia.

Esta uma outra questo: Como aliviar a dor sem adormecer a

conscincia? Sem destruir a conscincia? Esta uma pergunta que

eu me fao, freqentemente, cabeceira

dos agonizantes. Na Frana, este mtodo chama-se "tratamento

paliativo", que permite aliviar e tirar a dor sem destruir a

conscincia. Sem retirar de algum a sua

morte. E, neste caso, Jonas representa o homem que adormece a sua

conscincia, que no quer saber, que no quer conhecer e que desce

ao fundo da rejeio sua conscincia,

na profundidade dele mesmo.

Mas o capito vem procur-lo. E, algumas vezes, o capito pode ser

o grito de uma criana (N.T.: No auditrio h um beb que

chora), alguma coisa que nos impede

de dormir noite, algumas vezes uma m conscincia. E uma

conscincia m no sempre to m. s vezes, um

estado de lucidez, de que ns no podemos ser completamente

felizes, se todos os outros no o so.

esta conscincia que vai despertar Jonas, simbolizada pelo

capito. A palavra capito vem do latim caput, que quer dizer a

cabea. Representa o raciocnio que

nos faz tomar conscincia de que a nossa prpria sorte no

separada da sorte dos outros. Como ento compreender, quando isto nos

acontece?

Os marinheiros vo chamar pelos seus deuses, isto , chamar as

foras s quais eles se confiam, as energias das quais esperam o

socorro e essas energias, essas

foras no respondem s suas preces. Eles no compreendem o que

se passa e ento vo jogar dados.

Este um ensinamento para ns, quando um certo nmero de

fenmenos no pode ser explicado pela razo, necessrio que

faamos apelo ao irracional. o que conhecemos

por

30

adivinhao. Temos as cartas, a interrogao dos astros e todas

as espcies de mtodos de adivinhao. interessante observar

que nesta passagem da Bblia, numa

situao de infortnio, possvel apelar para este gnero

de recurso e pedir aos dados uma explicao, uma indicao, para

o que est acontecendo.

Os dados apontam para Jonas. Perguntam-lhe: "De onde vens? Qual o

teu pas? Qual a tua profisso? Quem s tu?" Despertam-no para

sua identidade. Algumas vezes

atravs de exerccios irracionais que somos levados a nos

colocarmos questes essenciais da vida.

Jonas lhes responde: "Eu sou um hebreu". E vocs sabem que o som da

palavra hebreu na lngua semita significa: eu estou de passagem, eu

sou um peregrino sobre a

terra, eu estou de passagem neste espao-tempo- Portanto Jonas toma

conscincia de seu ser de passagem, da impermanncia do seu viver. E

no fundo desta impermanncia,

ele cr no Ser que o faz ser. No um deus entre os deuses. mas o

Criador dos deuses. o Criador das imagens, dos poderes, dos

intermedirios, atravs do qual

nos reunimos fonte do nosso ser. E neste sentido tambm que

ele um hebreu.

preciso reconhecer que Jonas lcido em seu comportamento.

Quando os marinheiros o interrogam, ele reconhece o que ele faz. Ele

reconhece que ele foge desta palavra.

Eu creio que esta uma grande etapa num caminho transpessoal. O

reconhecimento das nossas resistncias, nossos medos, nossas

dvidas, nosso cansao, o desejo de

ser simplesmente humano, de viver simplesmente sua vida em sociedade,

sem falar de Deus, sem falar do Absoluto, sem falar do transpessoal. E,

infelizmente, no conseguimos

dormir bem. A inconscincia no a Paz, e no corao da nossa

inconscincia existe uma voz interior que nos convida a levantar, a

nos tornarmos ns mesmos. Para

nos tornarmos ns mesmos preciso sermos capazes de ir ao outro. O

outro o diferente. Algumas vezes o inimigo, Nnive.

31

Assim ns preferimos, sem cessar, ir ao igual, ao que semelhante a

ns, ao que nos tranqiliza, e que Trsis. Se ns vamos

somente a Trsis, ns no cresceremos

nunca. Ficaremos no mesmo, continuaremos na repetio. indo em

direo ao outro, ao diferente, ultrapassando nossos medos, que

chegaremos a uma conscincia verdadeira.

O desejo do Ser pode, ento, se completar em ns.

Jonas toma conscincia deste fato dizendo, ento: "Peguem-me e

largem-me ao

mar". o momento em que Jonas compreende que no pode mais recuar,

que ele deve

jogar-se na gua. Do ponto de vista analtico, o momento em que,

na nossa vida, dizemos a ns mesmos: "Isto no pode continuar como

est. Porque provoca uma tempestade

tanto em mim, quanto fora de mim".

Trata-se, pois, de se jogar na gua, de se jogar ao mar. E vocs

sabem que o mar e a gua so simbolos do inconsciente, smbolos da

sombra. Neste momento, Jonas

no pode mais recuar. A situao to difcil e conflitante

que ele foi como que obrigado, pela vida, a mergulhar em seu

inconsciente. A mergulhar em tudo o que

ele tinha recusado, a escutar aquela voz. Ento ele foi jogado ao mar.

E vocs observem que, neste momento, os marinheiros tm medo de

jogar Jonas ao mar. A razo

em ns, as justificativas em ns, as explicaes em ns, tm

medo deste salto para o desconhecido.

Jonas torna-se para ns o arqutipo daquele que se torna

responsvel pelo que lhe acontece e pelo que acontece

aos outros e que aceita saltar para o desconhecido,

mergulhando no seu inconsciente. Porque talvez seja mergulhando em seu

inconsciente, atravessando a sua sombra, que a luz poder vir a ele e

aos outros.

Ele mergulha e o mar se acalma. Isto pode acontecer em nossa vida, no

dia em que tomamos a deciso de no nos mentirmos mais, de no

mais nos contarmos estrias,

de conhecermos a ns mesmos, de nos perguntarmos o que a vida

32

quer de ns. No dia em que tomamos esta deciso, uma calma

misteriosa se faz em ns.

Logo em seguida, falaremos do grande peixe que engoliu Jonas. No texto

bblico no h referncia baleia, a sugesto de que

seja um monstro marinho. E mergulhar

no inconsciente no ter medo do monstro.

Vamos encontrar, neste caso, um certo nmero de mitos: o heri que

enfrenta o monstro uma estria que encontramos em muitas

tradies (Nota de Traduo [N.T.]:

Num lapso de traduo, a palavra heri foi substituda pela

palavra Eros e que Eros enfrentava o monstro). Este lapso no foi mau,

uma vez que o Eros a fora do

amor, que vai nos permitir atravessar a sombra, no ter medo do

desconhecido que est em ns, a no ter medo deste desejo de ir

mais longe.

Resumindo, podemos dizer que Jonas arqutipo do homem que quer

permanecer deitado, que resiste a esta experincia numinosa que ecoou

dentro dele. O numinoso, vocs

sabem, aquilo que, ao mesmo tempo, nos atrai e nos faz medo.

Enquanto nos fascina porque sabemos que

l est a verdade, nos faz medo porque recoloca em questo

a nossa maneira habitual de viver.

Jonas um homem que tem medo de mudanas, o homem que quer

continuar no leito de sua me, o homem que no quer ficar de p,

ou seja, que no quer tornar-se adulto,

diferenciarse. Diferenciar-se das palavras e dos desejos do seu meio

para ter acesso sua prpria palavra e ao seu prprio desejo.

Mais profundamente, aderir

palavra do Ser dentro dele e ao desejo do Ser nele mesmo.

Jonas , pois, um homem que quer continuar na repetio. Como diz

Krishnamurti, ele prefere permanecer no conhecido, tem medo do

desconhecido. Ele no quer arriscar

a sua vida escutando esta palavra que o convida a ir para o outro. Para

o outro que se chama Nnive e que ele considera como inimigo.

33

Ele prefere ir a Trsis, ir ao igual, ir ao que se identifica com ele.

L, narcisicamente, ele no tem nada a temer. Ele encontra sua

consolao narcisista.

Mas a recusa da palavra interior, a recusa do desejo do Ser essencial,

vai desencadear ondas de mal-estar, no somente para ele como para o

seu meio. Isto vai conduzi-lo

a uma situao da qual ele no pode fugir. H momentos em nossa

vida em que no podemos mais fugir. No temos mais sada.

preciso encarar as nossas responsabilidades

e no responsabilizar os outros pelas conseqncias dos nossos

atos. o que Jung chama "o retorno da projeo". Nesse momento,

preciso olhar de frente o nosso

medo e mergulhar no mar, enfrentar o inconsciente e o monstro que ele

contm. Este o combate do heri. Ele deve encarar os seus medos.

A escada do desejo e do medo

bom lembrar que o homem evolui atravs do desejo e do medo. No

h medo sem um desejo escondido e no h desejo que no traga

consigo um medo. O desejo e o medo

esto ligados. Temos medo do que desejamos e desejamos o que nos faz

medo.

Na evoluo de um ser humano, o medo no superado, o desejo

bloqueado, vo gerar patologias. O medo superado, o desejo no

bloqueado, vo permitir a evoluo.

o que Freud chama o jogo de Eros e Tanatos, do amor e da morte, o

impulso de vida e o impulso de morte. Poderamos dizer, em outra

linguagem, que h em ns um desejo

de plenitude, de Pleroma e o medo da destroio. E nossa vida evolui

assim, atravs do nosso desejo de plenitude e o nosso medo de

destruio.

Proponbo a vocs uma escala, uma representao, uma imagem, e

ns vamos tentar identificar as diferentes etapas do nosso medo e do

nosso desejo, a fim de situar

o medo de Jonas

34

e situar o que, na psicologia humanista, chamamos o Complexo de Jonas.

Na primeira etapa, a partir do momento em que nascemos, temos um impulso

de vida, o desejo de viver, ao mesmo tempo em que h o medo de morrer.

O desejo e o medo

nascem juntos e, desde que o homem nasce, ele bastante velho para

morrer. Portanto a vida e a morte esto juntas.

Se este medo de morrer superado, a criana vai procurar um lugar

de identificao, um lugar de plenitude. E vem o desejo da me. De

se fazer uno com a me. A me

o seu mundo, o seu corpo. Ao mesmo tempo em que nasce o desejo

de unidade com a me, este desejo de plenitude, nasce o medo da

separao da me.

Mas para crescer, a criana deve se separar de sua me. Se ela no

se separar de sua me, ficar sempre uma criana, no se

diferenciar. E todo o papel de uma boa

me no apenas fazer sair da criana de seu ventre, mas

faz-la ir alm de seu desejo. Faz-la sair deste mundo que lhe

prprio, a fim de que ela possa atingir

um outro mundo, particular a ela.

Ocorre ento o medo da separao. E este medo da separao se

somatiza no adulto, algumas vezes, por regresses, atravs do

lcool e da droga. Como uma maneira de

se dissolver, uma maneira de reabsorver a dualidade atravs da bebida

e da droga. uma regresso. Veremos que preciso superar a

dualidade, mas a superao desta

dualidade no a sua dissoluo, a sua integrao, uma

passagem para ir mais longe.

Certas vezes, alguns dentre ns tm medo de evoluir, tm medo da

solido, tm medo da separao da me e do seu meio. Utilizam

produtos ou tcnicas para regredirem

me e no irem mais longe.

A criana, que supera o medo da separao de sua me, vai

procurar um novo lugar de identificao. Ela vai descobrir o seu

prprio corpo como sendo diferente do

corpo de sua me. uma etapa importante. Mas ao mesmo tempo em que

descobre seu corpo com prazer, ao mesmo tempo em que brinca com

35

todos os seus membros, em que sente o desejo do corpo, a criana sente

medo da decomposio. Este medo situa-se na fase anal. No momento em

que, atravs do seu coc,

a criana tem a impresso de que seu corpo se decompe. Nessa

fase, toda a educao faz-la ter conscincia de que ela

o seu corpo, mas no somente este corpo.

freqente a observao de crianas que gritam noite,

quando fazem coc, necessitando serem tranqilizadas. Se a criana

superar este medo da decomposio, ela

vai descobrir que maior que seu prprio corpo.

Na idade adulta podem persistir um certo nmero de fixaes. Da

mesma forma em que, no estgio precedente, a criana buscava a

unidade atravs da fase oral, nesta

fase ela vai buscar a unidade atravs da posse, do poder. Possuir a

matria. A palavra possedere, em latim, quer dizer "sentar-se em

cima", possuir. Corresponde,

em Freud, ao estgio sdicoanal, um modo de tratar o outro como uma

coisa, como uma matria. Nessas pessoas que buscam, freqentemente,

a posse e o poder, esconde-se

um grande medo da decomposio, um medo da doena, um medo de tudo

o que desfigure o corpo.

Se a criana capaz de assumir este medo e de ultrapass-lo, ela

vai procurar um outro lugar de identificao. Ela vai entrar no

desejo de unidade com o outro sexo.

a fase edipiana. O homem e a mulher descobrem suas diferenas

sexuais e, ao mesmo tempo em que h esta busca de unidade atravs da

sexualidade, vem o medo da castrao.

O medo de perder este poder, dentro de uma relao com um outro que

diferente dele.

E alguns podem ficar fixados nesta etapa de evoluo. Aqueles que

buscam, por exemplo, a unidade, a felicidade, unicamente atravs da

sua genitlia. Ou ainda, aqueles

que tm medo de viver essa relao, o que pode levar s

situaes de impotncia e de frigidez.

Se o homem e a mulher se descobrem sexuados, mas no sendo apenas

isso, de novo vo poder crescer. Ocorrer o desejo de corresponderem

imagem que seus pais tm

deles.

36

Na psicologia freudiana, este desejo chamado de Imago parental ou

Persona. E, ao mesmo tempo em que aparece o desejo de corresponder a

esta imagem, surge o medo

de no corresponder a ela.

Existem adultos que vivem ainda com este medo de no corresponder

imagem que seus pais tiveram deles. Eles no vivem seus prprios

desejos, mas o desejo de suas

mes ou o desejo de seus pais. A entra o trabalho da anlise -

descobrir qual o meu prprio desejo e diferenci-lo daquele do

meu pai ou da minha me. Isto no

quer dizer rejeit-los, mesmo que d margem a alguns conflitos.

por esta razo que o conflito entre adolescentes e seus pais

to importante. o momento em que o filho adolescente experimenta

diferenciar o seu desejo do desejo

de seus pais. Quando ele procura descobrir sua prpria palavra,

diferente da palavra dos seus pais. E se ele capaz de superar este

medo, o medo de no agradar

a seus pais, o medo de ser rejeitado ou julgado por eles, ele ento

vai crescer no sentido de sua autonomia.

Surge o despertar para um novo desejo de unidade, o da identidade nele

mesmo. nesta fase que aparece o desejo de corresponder imagem do

"homem de bem" e da "mulher

de bem", tal como considerado em nossa sociedade. No mais somente

a

imago parental, mas sim a Imago social. Ao mesmo tempo em que ele tem o

desejo de corresponder

a esta imagem social, nasce o medo de ser rejeitado pela sociedade. O

medo de no ser como os outros, o medo de no parecer conforme ao

que considerado "bem"

dentro dos padres sociais esperados.

O medo de no parecer semelhante um medo muito profundo, que ns

vamos estudar com mais detalhes em Jonas.

O medo do ostracismo, o medo de ser rejeitado pelo seu

grupo, o medo de ser rejeitado pela sociedade. A o homem se encontra

num conflito interior difcil, porque o seu desejo interior impele-o

ao, a dizer palavras

que so s vezes consideradas

37

como loucas pela sociedade. Ele tem medo de estar louco. Ele tem medo de

ser anormal.

Mas se ele capaz de superar este medo, se capaz de aceitar que

os outros no o compreendam, se capaz de assumir a rejeio do

seu meio, ele vai crescer no

sentido da sua autonomia. O que motiva a sua ao no o que

pensam os seus pais, no so os seus impulsos anais ou genitais,

no so as suas imagens sociais, mas

a sua prpria voz interior.

E ele chega a um nvel de evoluo bem elevado, que uma

liberdade em relao ao mundo do Id (na tipologia freudiana do

termo) e livre, tambm, em relao ao mundo

do Superego. Livre das expectativas geradas pelos pais, no que concerne

sua vontade, seus desejos e suas palavras

Mas, ao mesmo tempo em que nasce este desejo de autonomia, esta

experincia de liberdade, h tambm o medo de perder esta

autonomia, de perder o Ego, o Eu que est

em sua pele, o Eu bem diferenciado do seu meio, dos seus pais e de seus

impulsos. o momento em que o Eu se sente ameaado pelo Self-

preciso um grande trabalho

para atingirmos o Eu autnomo, para se diferenciar da me, da

sociedade e do meio.

Neste momento, uma voz interior recoloca tudo isso em questo.

Entra-se no desejo do Self e no medo de perder o Ego. O ego ou eu

uma abertura do ser humano a toda

a sua potencialidade e o Self esta realidade transcendental, que

relativiza a beleza desta autonomia e que nos revela que h um Eu

maior que o eu, que h um Eu

mais inteligente que o eu, que h um Eu mais amoroso que o eu.

Mas para ter acesso a este Eu mais elevado deve-se soltar as rdeas

deste Eu- E passamos a uma etapa superior, que a de entrarmos no

desejo de nos fzermos um,

com aquele que chamamos Deus. Deus que a fonte do Self, a fonte do

Ser- E, ao mesmo tempo, penetra em ns o medo de perdermos esta

representao de Deus. Esta

magem de um Deus bom, de um Deus justo, que a projeo, no

Absoluto, das mais elevadas qualidades humanas. Diante de determinadas

situaes, Deus

38

no se mostrajusto como a idia que ns temos dajustia. Ele

no se mostra bom como a idia que temos da bondade. Ele no

amor como a idia que temos do amor.

Ele no luz como a idia que temos da luz.

Surge, ento, um medo que os msticos conhecem bem, o medo de perder

Deus. Sua imagem de Absoluto, sua representao de Absoluto.

Passa-se pela experincia do vazio

e esta experincia do vazio a condio para ir a este pas

onde no h desejo

nem medo. No o desejo de alguma coisa em particular nem o medo de

alguma coisa

em particular.

Nossa vida passa sobre esta escada. No paramos de subir e descer.

Seria interessante verificar quais so as fixaes, quais so os

ns, porque o terapeuta, na escuta

daquele a quem acompanha, dever voltar ao ponto onde houve um

bloqueio. E, para reconhecer o ponto onde houve esta parada, este

bloqueio, suficiente interrogar

onde est o medo.

Ser o nosso medo, simplesmente, o medo de viver, o medo de existir?

Quando nos sentimentos demais na existncia? Ento podemos encontrar

em ns mesmos o no-desejo

de nossos pais. Descobrirmos que no fomos queridos na nossa

existncia. preciso passar pela aceitao deste no-desejo

para descobrir, alm do no-desejo de nossos

pais, o desejo da vida que, em certo momento, nos fez existir.

Nosso medo poder ser o medo da separao. interessante

observar o modo como as pessoas morrem. O medo da morte diferente

para cada um. Para alguns realmente

o medo da decomposio, do sofrimento, da doena. Para outros

o medo da separao, de serem cortados daqueles que lhes so mais

caros.

Assim nosso medo se enraza em momentos muito particulares da nossa

existncia, e escutar o nosso medo nos permite entrar em contato com

esse momento. O terapeuta

est ali para nos ensinar a no termos medo do medo. A fazer dele um

instrumento para nossa evoluo, descobrindo o desejo de viver que

se esconde atrs deste medo.

E que vai nos permitir ir mais longe.

39

Nosso medo pode estar, tambm, ao nvel da sexualidade. O medo do

outro sexo. Este medo foi bem estudado por Freud. No suficiente

superarmos o medo a este nvel

para atingirmos o nvel seguinte.

Ter uma sexualidade normal, estar bem adaptado sociedade, o que ,

na maioria das vezes, um critrio de sade, em outra antropologia

no , obrigatoriamente, um

critrio de sade. Estar bem adaptado a uma sociedade doente no

, necessariamente, um sinal de sade. isto que eu chamo de

"normose", ao lado da neurose e da

psicose.

E neste ponto que nos reunimos a Jonas. Jonas algum que sente

nele asas para voar, um desejo de espao, um desejo de infinito, mas

no tem coragem. Ele apara

suas asas, para continuar adaptado sociedade na qual ele se encontra

e que o probe de ir ao outro, de ir ao inimigo, de ir ao diferente.

Aqui comea o Complexo de Jonas. Este desejo de irmos alm da imagem

que nossos pais tm de ns. Este desejo de irmos alm das imagens

que a sociedade nos prope,

da que o "homem de bem" ou uma "mulher de bem ". Este desejo de

irmos alm do Eu, alm do

que o Ego considera como sendo o bem. E irmos, tambm, alm da

imagem qere temos de Deus.

Vocs se lembram do relato, que lamos no incio, do quanto Jonas

ficou descontente quando Deus perdoou os habitantes de Nnive quando

ele v que Deus no corresponde

sua imagem de Deus; que Deus no corresponde imagem do

justiceiro que ele pensa que seja. Jonas tem medo de perder a sua

representao de Deus. Ser preciso

passar pelo vazio, ser preciso superar este medo de se enganar, para

descobrir nele um Deus que misericrdia. fcil de entender e

difcil de viver.

A finalidade desta escada, deste esquema, a de nos ajudar a entrar

em contato com nossos desejos e nossos medos. E de sentir os degraus da

escada, onde algumas

vezes ns paramos e voltamos sem cessar. E descobrir que, em nossa

evoluo,

40

existem vrios nveis do ser. E que em cada nvel ns sentiremos

desejo e medo.

41

A escada do desejo e do medo

Morte e ressurreio

Ns teremos medo da morte e atravs da travessia deste medo da morte

pode surgir uma ressurreio. O que est indicado aqui um

processo de morte e de ressurreio.

Eu morro para o apego minha me, para minha dependncia, a fim

de ressuscitar na minha relao com ela. Eu morro para o apego ao

meu corpo, para a identificao

minha forma transitria, a fim de poder ressuscitar em relao

a meu corpo. um estado diferente da idolatria, mas que considero

como um espao de manifestao

de alguma coisa que infinitamente maior que ele.

Eu me torno capaz de relativizar a minha sexualidade para renascer em

uma capacidade de relao amorosa, que contm o sexo mas no

exclusivamente sexual. Eu posso

morrer para a imagem de meus pais, reconhecendo tudo o que h de belo

e de positivo nesta relao, mas sem me tornar dependente. o

renascimento ou o nascimento

ao meu ser verdadeiro.

Eu posso observar os valores da sociedade, mas se obedeo a eles,

sinto que minto a mim mesmo. Chegamos a uma etapa da nossa evoluo

onde podemos nos enganar e

permanecer enganados at o fim. Mas h um momento da nossa vida em

que no podemos mais nos mentir. Podemos nos enganar, mas no

podemos nos mentir. Esta uma etapa

importante.

o momento em que nos tornamos livres dos jarges: preciso

fazer isto, preciso fazer aquilo. Tornamo-nos livres em relao

aos ensinamentos que recebemos. Neste

momento, no poderemos mais nos emparedarmos numa instituio,

numa seita. E se participarmos de uma igreja, de uma seita ou de uma

instituio (o que normal),

seremos livres em relao a elas. Ns no somos papagaio que

repete as palavras do dono ou que repete a doutrina que lhe foi

ensinada, mas gozamos de uma liberdade

interior, que a liberdade de entrar e de sair.

42

Chega o momento de morrermos para o Eu, de morrermos para os nossos

limites. Mas para morrermos ao Eu preciso que tenhamos um Eu. Muitos

se dizem alm do Ego,

quando no esto seno a seu lado. Donde a importncia, antes de

entrar num caminho mstico, de ter um Eu bem estruturado.

O Eu de Jonas bem cstruturado, porque ele sabe dizer no. Antes de

dizer sim, preciso saber dizer no. Cristo, antes de dizer: "Sim,

que seja feita a tua vontade",

disse: "Se possvel, afasta de mim este clice". Este um

sinal de que Cristo tinha uma boa sade. Seu Ego resistia a esta

manifestao total de amor.

Portanto, para irmos alm do Eu, importante, inicialmente, aceitar

o Eu. Na educao das crianas, importante darlhes uma boa

estrutura, uma boa formao que

as torne capazes de dizer no no aos seus pais, no s suas

mes, no ao que elas consideram injusto na sociedade. De

dizer no at mesmo aoque elas consideram

como Deus, para que o seu sim seja um sim verdadeiro. O sim do abandono

e da confiana, de uma confiana lcida, de uma confiana

madura. No a confiana de um

brinquedo que manipulado pelos acontecimentos da existncia.

neste nvel que se situa o Complexo de Jonas.

Os medos de Jonas e os nossos medos

Maslow e a psicologia humanista fazem de Jonas o arqutipo do homem

que tem medo da realizao. O homem que foge da sua vocao, da

sua palavra exterior ou dos acontecimentos

numinosos. Alguns de ns encontramos esta outra dimenso em

detenninadas circunstncias, no somente por uma palavra, mas na

natureza, durante uma doena, aps um

acidente, atravs de uma experincia amorosa ou admirando um obra de

arte. Cada um sabe em que momento o numinoso o tocou, o questionou, o

inquietou, para convid-lo

a se tornar um ser mais autntico.

43

Antes de falar deste medo do numinoso e desta recusa provocada pelo

convite profundidade, a esta realizao do Self por meio da

superao do Eu, preciso observar

os diferentes medos que precedem este medo da transcendncia. Eu

gostaria de lhes falar sobre o medo do sucesso e, em seguida, sobre o

medo de ser diferente, o medo

do ostracismo.

O medo do sucesso

Em 1915, Freud observou, tratando as neuroses, um fenmeno inesperado

em alguns de seus pacientes. O sucesso profissional provocava neles uma

grande ansiedade.

Freud explicou este fato por um postulado: "Para algumas pessoas, o

sucesso equivale a uma morte simblica do genitor do mesmo sexo".

Ns temos medo, quando conseguimos

alguma coisa, de humilhar os nossos pais.

Uma tal idia vai criar, ao lado da ansiedade, um sentimento de culpa,

produzindo um estado de melancolia que pode durar vrios anos. Freud

deserevia estas pessoas

como aquelas a quem o sucesso destri. Pelo medo de fazer melhor que

os seus pais, de vencer onde eles no conseguiram, seja a nvel

profissional, seja a nvel afetivo.

Este medo existe em crianas mas, mais freqentemente, em adultos.

Adultos que no se permitem ser felizes como casais, porque na unio

de seus pais havia muito

sofrimento. Ou se sentirem culpados por ganhar dinheiro, se em sua

famlia no se ganha dinheiro.

Isto pode parecer curioso, porque ns sempre desejamos que nossos

filhos sejam melhores do que ns fomos. o que os pais geralmente

dizem. Eles dizem. Mas nem sempre

dizem de todo o corao. Porque se um filho se torna mais rico ou

mais feliz, ele lhes escapa, sai da famlia. E inconscientemente (e

claro, ns estamos na esfera

do inconsciente) eles seguram

44

seus filhos no mesmo estado social em que eles pararam e no mesmo estado

de dificuldade afetiva em que eles pararam.

Enquanto o sucesso fica ao nvel do sonho, do desejo, a neurose do

sucesso no se manifesta necessariamente. Mas desde que este sucesso

se torna uma realidade, por

exemplo, aps uma promoo, pode ser que aquele que foi

beneficiado no o suporte. Talvez vocs conheam pessoas com este

tipo de problema - que obtiveram uma promoo

e, curiosamente, em vez de se alegrarem, adoeceram.

Freud dir que as pessoas adoecem, porque um de seus sonhos, o mais

profundo e duradouro, se realiza. No raro que o Ego tolere um

sonho como inofensivo, enquanto

sua existncia for apenas uma projeo e que parea nunca se

realizar. como quando sonhamos ter um homem ou uma mulher, e, quando

ele ou ela esto l, ns achamos

nosso sonho improvvel e os ignoramos.

O Self pode, entretanto, defender-se arduamente desta situao,

desde que a realizao se aproxime e a concretizao seja uma

ameaa. Eu creio que este estudo

muito interessante porque existem entre ns muitas pessoas que sonham,

que idealizam o sucesso, a plenitude. No entanto, por que estes sonhos

jamais se realizam?

Eu conheo homens e mulheres muito inteligentes que se organizam

sempre e de tal maneira que fracassam em seus exames quando tm

capacidade de venc-los. Por qu?

o que ns chamamos de neurose do fracasso. No momento em que vamos

vencer, no momento em que nosso sonho vai se realizar, inconscientemente

nos arranjamos para

falharmos. Podemos observar este mecanismo em algumas pessoas como um

processo muito doloroso e incompreensvel.

Neste contexto, poderamos dizer que Jonas recusa a voz interior do

Ser que o chama, que o chama para que se supere, porque desta maneira

ele superar seu pai. Esta

uma explicao edipiana da neurose do fracasso. Tememos ter

sucesso e

45

suas repercusses, pelo medo de ultrapassarmos nossos pais, seja em

felicidade, em educao, em fortuna ou em status. Podemos, assim,

nos tornarmos uma ameaa para

nossos pais e sermos rejeitados por eles. Vocs percebem que

sempre a presena desta criana em ns que tem medo de no ser

amada, que tem medo de no ser reconhecida.

Freud d, igualmente, o exemplo de um professor universitrio que

durante muitos anos aspirara ctedra do seu mestre. Quando seu

sonho se realizou, pela aposentadoria

do seu mestre, ele foi invadido por uma depresso da qual s saiu

depois de longos anos.

Um psiclogo como Fenichel ver, como uma causa profunda do medo de

vencer, o sentimento de indignidade. Temos, pois, de observar em ns a

nossa relao com o sucesso.

Nosso desejo do sucesso e nosso medo do sucesso. E neste medo do sucesso

talvez esteja includo um sentimento de indignidade esta

depreciao de si mesmo que talvez

seja a herana de um certo nmero dejulgamentos que nos foram

dirigidos. Quando se repete a uma criana que ela nunca ser nada,

que ela no inteligente ou que

no sabe cantar, ela integrar esta programao. E se um dia ela

chega ao sucesso, inconscientemente ela pensa que este sucesso no

justo.

Citando Fenichel: "O sucesso pode significar a realizao de alguma

coisa imerecida, que acentua a inferioridade e a culpa. Um sucesso pode

implicar no somente

em castigo imediato mas tambm em aumento de ambio, levando ao

medo de futuros fracassos e de sua punio".

Para Karen Horner, o medo do sucesso resulta do medo de suscitar inveja

nos outros, com perda conseqente do seu afeto. Alguns tm medo de

vencer porque no querem

que os outros sintam cimes dele, o que muito arcaico. Os gregos

expressavam isso da seguinte maneira: "Os deuses tm inveja do sucesso

dos homens". Porque eles

consideravam que o sucesso dos homens retirava as suas prerrogativas.

46

A maioria dos primitivos pensa que muito sucesso atrai, para o homem, um

perigo sobrenatural.

Herdoto, em particular, v em todos os lugares da histria a obra

da inveja divina. Quando os homens e mulheres so muito ambiciosos,

atraem toda sorte de infelicidades. S est seguro o homem que

obseuro. "Para viver feliz,

viva escondido", para viver feliz, viva deitado.

O medo da diferena

Neste momento reencontramos Jonas. Talvez seja o anonimato, o impessoal

que ele busca fugindo para Trsis, mais do que afirmar sua prpria

personalidade. interessante

observar nesta passagem, que alguns podem utilizar a mstica, os

ensinamentos espirituais, no para superar sua personalidade, mas para

fugir dela. Para regredir

ao impessoal. No ao transpessoal, no alm do pessoal, mas ao

intrapessoal. Neste aspecto, a espiritualidade pode servir de pretexto

para fugir afirmao do seu

Eu.

Jonas foge para Trsis porque, indo para Nnive, ele deve se

afirmar. E afirmar-se afirmar-se diferente. Afirmar-se diferente

no quer dizer afirmar-se contra,

mas afirmar-se no que temos de prprio, na misso particular que nos

foi dada para servir a todos.

O que pedido a Jonas no que seja, apenas, um sbio que vive

no anonimato de uma cabana no fundo de um bosque, mas que seja tambm

um profeta. O silncio que

est nele no uma ausncia de palavras, mas a me da

palavra. E antes de se calar, antes de saborear a beleza do silncio,

ele dever dizer sua prpria palavra.

Antes de chegar a este estado de no-desejo e no-medo, no cimo do

nosso "vir-a-ser", do nosso tornar-se, neste estado de Paz integrada,

trata-se de viver este desejo.

E ns s pode

mos super-lo depois de o termos realizado. O que ns no

completamos, o que ns no realizamos, ns no superamos e,

alm disso, recusamos.

preciso falar para ir alm da palavra. preciso desejar para ir

alm do desejo. E, algumas vezes, ns nos servimos da

espiritualidade, nos refugiamos num falso

silncio e num no desejo, que uma ausncia de vida, que

uma falta de vitalidade e que est mais prxima da depresso do

que do estar desperto, alerta. Que est

mais prxima da despersonalizao do que da

transpersonalizao.

Jonas no teme a inveja do seu Deus, j que seu Deus quem o

envia em misso. Mas ele teme, sem dvida e principalmente, o

cime e a incompreenso dos seus irmos.

Porque esta misso de ir a Nnive obriga-o, de alguma maneira, a

compactuar com os inimigos de Israel. Ele teme ser rejeitado e morto

pelo ostracismo de seu povo.

Ele teme ser considerado um "colaborador", um inimigo do seu povo.

O complexo de Jonas no , somente, um medo do sucesso, um

sentimento de culpa diante do sucesso, um medo de suscitar inveja nos

outros. O complexo de Jonas , tambm,

o medo de ser diferente, de ser rejeitado por aqueles dos quais ele se

diferenciou.

Rollo May, Maslow, Fenichel, foram grandes psiclogos humanistas que

introduziram, na psicologia, a noo do transpessoal e cujas obras

so familiares a vocs. Rollo

May dizia: "Muitos fatores provam que a maior ameaa, a causa mais

ntida da angstia do homem ocidental contemporneo, na metade do

sculo XX, no a castrao,

mas o ostracismo". Quer dizer, a situao considerada como

terrvel e aterrorizante de ser rejeitado pelo grupo.

Muitos de nossos contemporneos passam por uma castrao

voluntria, isto , renunciam ao seu poder, sua originalidade,

sua criatividade, sua independncia,

pelo medo da

48

rejeio, pelo medo do exlio. Eles adotam a impotncia e o

conformismo (e para Rollo May o conformismo vai ser a doena mais

importante do nosso sculo) devido

ameaa eficaz e terrvel do ostracismo.

O conformismo sempre foi considerado necessrio sobrevida de um

grupo e sua harmonia interna, mas este conformismo pode se tornar

opressivo e provocar doenas.

Estes fenmenos so observados, algumas vezes, em certos grupos

espirituais. Tomam-se as mesmas atitudes, a mesma maneira de olhar mais

ou menos inspirada, repetem-se

as mesmas frases, sem verdadeiramente pensar em integr-las. Entra-se

assim em uma atitude mais ou menos esquizide.

H aqueles que representam o papel que lhes pedido, mas o Ser

verdadeiro no est neles. Neste caso, ocorre uma espcie de

mal-estar, que pode gerar uma doena.

E a este propsito, eu me lembro do que disse Santo Toms de Aquino

a um dos seus discpulos, que um dia lhe perguntou: "Se minha

conscincia me pede para fazer

tal coisa e o Papa me pede para fazer outra, a quem eu devo obedecer?"

Esta questo muito atual. No lugar do Papa voc pode colocar o

seu guru, colocar o sol ou a lua, pode colocar uma pessoa ou uma

realidade que seja para voc uma

autoridade suprema, a referncia que voc busca quando coloca uma

questo profunda. O que acontece se esta autoridade lhe diz para fazer

alguma coisa e o seu desejo

interior lhe manda fazer outra? A quem obedecer? A qual voz escutar?

Santo Toms de Aquino d uma resposta a seu discpulo que talvez

surpreenda a alguns de vocs. Porque ele no diz: "Obedea ao

Papa", mas ele diz: "Obedea sua

prpria conscincia, obedea sua conscincia procurando

esclarecla". No separe as duas partes da frase: "Obedea sua

prpria conscincia" e, ao mesmo tempo,

"procure esclarec-la". Porque, talvez, esclarecendo-a vamos descobrir

que aquilo que a

49

autoridade diz seja o certo. Mas, no ponto onde estamos, preciso

obedecer nossa prpria conscincia.

Esta frase de Toms de Aquino para mim uma boa frase de

Terapeutas. Se ele tivesse dito: " preciso obedecer ao Papa", ele

teria feito dessa pessoa uma hipcrita

ou, sobretudo, uma esquizofrnica. Esta atitude pode ser observada em

alguns catlicos ou em pessoas que pertencem a outros grupos humanos.

Obedecem autoridade,

mas uma personalidade interior se dissocia, pouco a pouco, dos seus

atos. E nesta diviso entre o que ns fazemos e o que ns pensamos

vai se introduzir um mal-estar,

ou um "estar mal" que gera a doena.

Portanto, como eu lhes dizia h pouco, podemos nos enganar mas no

podemos mais nos mentir. preciso aceitar nos enganarmos, mas ao

mesmo tempo buscar esclarecer

o nosso caminho, mantendo os dois juntos. Mas no podemos mais mentir

a ns mesmos. E, por vezes, ter a coragem de nos diferenciarmos do

nosso meio e daqueles que,

para ns, constituem uma autoridade. Porque, caso contrrio,

descobriremos que estamos nos destruindo naquilo que temos de mais

autntico.

Ento o medo de Jonas este medo de ser diferente, de ser rejeitado

por aqueles dos quais ele se diferenciou. E o conformismo pode provocar

um certo nmero de patologias.

Quantos pssaros tiveram suas asas aparadas ou cortadas para que

ficassem felizes e confortveis em suas gaiolas douradas?

Vocs se lembram do livro de Dostoiewski sobre a lenda do Grande

Inquisidor. O Grande Inquisidor diz ao Cristo, que retorna terra:

"Vai ser preciso te suprimir

novamente, porque vais tornar as pessoas muito nfelizes, tornando-as

muito livres. Ns queremos tornar os homens felizes. Ns dizemos:

faa isto e tudo correr

bem. Faa aquilo e tudo correr bem. Ao invs disso, Tu fazes dos

homens seres livres. Tu no dizes: faam isto, faam aquilo. E

no te esqueas que a maneira

de dizer,

50

faa isto ou faa aquilo, que importante. Nesta liberdade, o

homem infeliz. Ele prefere que se diga faa isto ou faa aquilo.

Ns queremos a liberdade dos homens

porque ns os libertamos do peso de sua liberdade. Tu, Tu ds a eles

a liberdade. E esta liberdade muito difcil de viver."

Este texto bem atual para ns. Porque estamos, sem cessar,

procura de algum, de um ensinamento ou de uma instituo que

nos digam o que bom e o que mau.

E que nos isente do exerccio de nossa liberdade. Um mestre verdadeiro

no nos isenta de nossa liberdade. Ele nos d elementos de

reflexo, um certo nmero de exerccios

e de prticas a viver, a fim de que nos tornemos livres por ns

mesmos. Sua palavra no substitui a nossa palavra, mas sua palavra

nutre nossa prpria palavra. Seu

desejo no substitui o nosso desejo. Ns no somos suas

marionetes, seus soldadinhos ou discpulos fanticos dos seus

ensinamentos, mas nos tornamos pessoas livres,

nutridas pelas luzes e pela riqueza que ele pode nos comunicar.

A vontade de ser como todo mundo traz um sentimento de impotncia

excepcional. Os psiclogos humanistas vo nos mostrar que a

presso social tal e to forte, que

a maior parte das pessoas tenta resolver os seus problemas pessoais

adaptando-se, cegamente, s normas e aos valores do grupo. Cortados de

sua ateno primria,

empregam o critrio de adaptao como o nico ponto de

referncia para julgar se uma atitude, individual ou coletiva,

aceitvel.

Cito Harlow: "Parece que a presso de se conformar (de se adaptar)

s normas do grupo irresistvel, mesmo quando esta adaptao

est claramente em conflito com

as percepes, com as atitudes e convices do indivduo".

Para ns, este um bom critrio de

discernimento.

Um grupo so, saudvel, capaz de conter pessoas muitos

diferentes, que pensam diferente e que se enriquecem com suas

51

diferenas. Porque se todos pensam a mesma coisa, se entrarmos todos

na mesma concha, ns no pensaremos mais. E a nossa relao

no mais uma relao de aliana

de uns para com os outros, mas sim uma relao de submisso a uma

doutrina comum. como a gua que, caindo num campo, gerasse flores

de uma nica cor.

O que interessante notar que, quando um ensinamento pode florir

sob diferentes formas, ele encontra aplicaes em ambientes e mundos

diferentes. o sinal de

que estamos num espao que colabora para nossa evoluo em vez de

nos destruir, em lugar de nos bloquear.

O medo de mudanas

Existem tambm muitas pessoas que tm medo de mudanas, mesmo se

esta mudana as abre para uma existncia melhor e mais feliz. O

abandono dos hbitos antigos, a

perda do conhecido, cria em algumas pessoas um clima intolervel de

insegurana. No h realmente segurana seno no previsvel,

mesmo que isto signifique infelicidade

e sofrimento.

Tem-se observado que o desejo de segurana muito pronunciado nos

psicticos. Porque em sua infncia lhes foi ensinado que toda

mudana uma ameaa para eles.

A separao da me ou do ambiente familiar foi-lhes apresentado

como o equivalente da morte e do caos. Esta noo vai criar, nestas

pessoas, um medo de toda e qualquer

mudana.

Para ns uma boa indicao de como dar aos nossos filhos a

segurana da qual eles tm necessidade, dando-lhes ao mesmo tempo

sua liberdade. Muita segurana vai

impedir a evoluo da pessoa. Mas muita liberdade vai causar

tambm muita angstia. Porque a criana no sabe mais quais

so os seus limites. Portanto, o medo de

no ser como os outros vai gerar um outro medo: o medo de conhecer-se

a si mesmo.

52

O medo de se conhecer

Jonas pode ter medo de ser diferente, porque esta diferena o que

faz dele ele mesmo. Seus desejos, esta voz no mais ntimo do seu ser,

que o faz preocupar-se

com os outros e com o seu bem-estar, so fatores que o foram a

abandonar o seu conforto. Seu conforto quer dizer sua normose, a qual

suportvel. Quanto mais o

conhecimento impessoal, mais ele d segurana. Quanto mais ele

se tornapessoal, na escuta do nosso mundo interior, mais nos tornamos

hesitantes, assaltados, s

vezes, pelas dvidas.

interessante observar que a experincia transpessoal no nos

despersonaliza mas, sobretudo, nos personaliza. E ela nos leva a nos

interrogarmos sobre o que temos

de prprio, com todas as dvidas que isto implica quanto nossa

identidade.

Bettelheim mostrou que esta ambivalncia, ante mudana,

encontra-se em muitas crianas. Ela vai se manifestar pelo medo de

aprender coisas novas, um temor de conhecer.

Ele cita o caso de uma menina que se recusava a aprender biologia porque

a hereditariedade fazia parte desta matria. E ao estudar, ela se

lembrava da origem difcil

de sua prpria existncia, pois tinha sido abandonada por sua me

e adotada por pessoas pouco generosas, que no lhe davam o sentimento

de ter sido desejada.

Assim o desejo de fracassar na escola e, mais tarde, em sua vida, ,

para Bettelheim, um mecanismo de defesa contra a descoberta de verdades

desconcertantes dentro

dela mesma. Nesta pessoa h necessidade de proteger sua auto-estima,

evitando o encontro com o conhecimento de si mesma.

Ento o medo de conhecer, o medo de se conhecer, segundo Maslow, o

prprio medo de fazer. No se quer saber para no se ter que

fazer. Ele nos d o exemplo dos

alemes que viviam nas cercanias do campo de concentrao de

Dachau. Eles

53

preferiam no saber o que se passava no campo, porque, se eles

soubessem, teriam que fazer alguma coisa.

Assim, ns entendemos um pouco mais do Complexo de Jonas. Diante desta

experincia que lhe acontece, desta voz que o convida a ir para

Nnive, ele sente todas as

exigncias a elas relacionadas. Ele sente que no suficiente

sonhar com um mundo melhor, mas preciso que ele mesmo o torne

melhor. Ele prefere no saber, ele

prefere no conhecer. E com este gesto ele passa ao largo dele mesmo,

ele passa ao largo de sua grandeza. E esta prpria grandeza, esta

imagem do homem autntico,

que iremos estudar logo mais.

54

SEGUNDO CAPTULO

O mergulho no inconsciente

Jonas foi conduzido pela vida a este momento, do qual ele no pode

mais recuar. Ele vai mergulhar na gua. Na gua que o smbolo

do inconsciente, do enfrentar

a si mesmo. Ele vai ser recolhido por um peixe. Eu lhes lembro que a

Bblia no fala em baleia. Em hebraico, a palavra peixe est mais

prxima de um monstro marinho.

Jonas vai fazer a experincia da Sombra. E ns chegamos a esse

momento onde, na profundidade delc mesmo, ele deve encontrar uma

sada. Quando no h mais sada no

exterior, quando eu me bato contra todos os muros, preciso procurar

uma sada no interior.

Ns j vivemos esta experincia algumas vezes. E eu penso nesta

palavra do Evangelho, na qual Jesus responde queles que pedem sinais,

que pedem milagres e prodgios:

"No lhes ser dado outro sinal seno o de Jonas". Assim,

queles que esto em busca do maravilhoso e do fantstico, Cristo

parece lhes dizer que o nico sinal seguro

e certo o sinal de Jonas. Isto , que o nico sinal pelo qual

nos aproximamos da verdade o da nossa prpria transformao.

Porque os milagres, as coisas maravilhosas,

esto ainda no exterior de ns mesmos. E, algumas vezes, nada mudou

dentro de ns.

O sinal de Jonas o sinal de algum que mergulhou na profundeza do

seu inconsciente e que, de sua transformao,

55

espera a salvao. O smbolo de Jonas vai ser reempregado, na

histria de Cristo, nos trs dias que ele passou dentro da terra, na

baleia-terra. Nesta baleia, na

profundidade da terra, vai operar-se a passagem da morte para a vida.

Portanto, a experincia de Jonas a experincia de descer

conscientemente para a morte, descer conscientemente em nosso ser

mortal. entrar, com conscincia, na

profundeza da condio humana. E do fundo deste inferno, do

fundo deste infortnio, que ele vai se lembrar.

Aqui ns ficamos muito prximos dos Terapeutas de Alexandria quando

eles falam da anamnese essencial, isto , desta lembrana do Ser.

No se trata de se lembrar

somente dos traumatismos de nossa primeira infncia, no se trata de

se lembrar somente dos acontecimentos felizes e infelizes da nossa

existncia, mas trata-se

de nos lembrarmos do Ser que nos faz ser. A lembrana deste Ser nos

vem, freqentemente, no momento em que temos a impresso de

perdermos nossa prpria vida, nos

momentos de grande fragilidade, onde nos damos conta de que no somos

o Criador de nossa prpria vida.

Jonas vai fazer esta experincia. E neste momento que ele vai

deixar subir nele a prece da lembrana: "Em teu ser que passa,

lembra-te do Ser que ". Esta tambm

uma palavra de bno, que dada aos terapeutas. E ele

ajudar as pessoas, que sofrem deste sofrimento que passa, a tomarem

conscincia em si mesmas, do "Ser

que ". Do ponto de vista do mtodo, consiste em levar a pessoa

at o centro inacessvel de sua origem.

Jonas diz: "No seio dos infernos eu continuo a olhar para o teu Santo

Templo". Isto quer dizer que ele no perdeu a sua orientao

interior. No deserto de nossas

vidas, os mapas de estradas no so muito teis. Ns no temos

necessidade de mapas. Estes so teis quando estamos na cidade, mas

no deserto, onde no h mais estradas,

para que servem os mapas? No deserto, no temos necessidade de mapas e

sim de bssolas.

56

Jonas perdeu todos os seus mapas, todos os seus pontos de referncia,

todas as suas escalas, mas no perdeu a bssola. Ele no perdeu a

sua orientao. A sua orientao

para o Ser. Creio que isto mportante para ns, quando estamos

sem referncias, porque neste momento temos que fazer uso da nossa

bssola, isto , do nosso corao.

Um corao que busca o Ser. Porque no suficiente ter asas,

necessrio saber voar. No suficiente ter uma bssola,

necessrio saber interpret-la.

O papel do terapeuta colocar o indivduo em contato com sua

bssola interior, que mostra o seu norte, que mostra o Ser. E quando

ns guardamos esta orientao

interior, seja o que for que faamos ou sejamos, no nos perderemos.

No fundo do sofrimento, do monstro que nos aprisi.ona, da doena que

nos asfixia, preciso

lembrar que temos um corao e simplesmente guard-lo orientado

para o Ser. simplesmente um olhar interior. No se v nada,

no se sabe mais nada e, no entanto,

segue-se, Os que fizeram esta experincia de caminhar no deserto

compreendem do que se trata. Porque com nossos olhos no vemos nada e,

no entanto, a bssola indica

a direo.

Portanto Jonas, no interior do monstro, encontra sua bssola,

reencontra o seu centro, entra em contato com o seu ser essencial. A

vida o obriga ao essencial. Ele

no pode mais se contar estrias, ele no pode mais construir,

para ele mesmo, belas representaes do mundo, porque ele fez a

experincia da morte, porque ele fez

a experincia da finitude de todas as coisas. Mas no corao desta

finitude ele fez tambm a experincia do infinito, que nada nem

ningum pode tirar.

Agora o peixe pode vomit-lo, porque ele cessou de se identifcar

com o espao-tempo. Ele tocou nele mesmo, em alguma coisa que no

morrer. Ele fez a experincia

de que era mortal, de que no tem mais nada a perder, que no h

mais razo de ter medo, pois existe dentro dele algo que nada nem

ningum poder destruir.

Ento ele pode retornar terra firme e cumprir sua misso. Esta

uma experincia comum s pessoas que estiveram em

57

coma profundo. Aps esse perodo de coma profundo, onde elas foram

declaradas clinicamente mortas, quando voltam ao mundo no tm mais

medo de servir e, algumas

vezes, todo o seu modo de vida se transforma. So testemunhos que

ns recebemos.

Mas no necessrio ter um acidente ou uma experincia de coma

profundo para compreender que h em ns um lugar que nada tem a

perder, que no tem medo e que pode

ir em direo ao outro, que pode cumprir sua misso e ir a

Nnive.

O tornar-se autntico

Chegamos, portanto, a