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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – Campus I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS MARIA ELENA VILANOVA LOIS BARRETO CAMINHOS FEITOS DE PALAVRAS: A RECEPÇÃO DA LITERATURA INFANTIL POR CRIANÇAS DE UMA ESCOLA PÚBLICA SALVADOR– BA 2009

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – Campus I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

MARIA ELENA VILANOVA LOIS BARRETO

CAMINHOS FEITOS DE PALAVRAS:

A RECEPÇÃO DA LITERATURA INFANTIL POR CRIANÇAS

DE UMA ESCOLA PÚBLICA

SALVADOR– BA 2009

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MARIA ELENA VILANOVA LOIS BARRETO

CAMINHOS FEITOS DE PALAVRAS: A RECEPÇÃO DA LITERATURA INFANTIL POR CRIANÇAS

DE UMA ESCOLA PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Letras. Orientadora: Profª. Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro

SALVADOR- BA

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaboração: Biblioteca Central da UNEB

Bibliotecária: Helena Andrade Pitangueiras– CRB: 5/536

Barreto, Maria Elena Vilanova Lois. Caminhos feitos de palavras: a recepção da literatura infantil por crianças de uma Escola Pública / Maria Elena Vilanova Lois Barreto – Salvador, 2009. 166 f. Orientadora: Profª. Drª. Verbena Maria Rocha Cordeiro Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. Campus I. Contém referências e anexos.

1. Leitura. 2. Literatura infantil. 3. Leitura mediada. 4. Escola Pública. I. Barreto, Maria Elena Vilanova Lois. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 028.55

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MARIA ELENA VILANOVA LOIS BARRETO

CAMINHOS FEITOS DE PALAVRAS

A RECEPÇÃO DA LITERATURA INFANTIL POR CRIANÇAS

DE UMA ESCOLA PÚBLICA

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE COMISSÃO JULGADORA

Aprovada em 2009

Profª. Dra.Vera Teixeira de Aguiar Doutorado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUC

Profª. Dra. Márcia Rios da Silva Doutorado em Letras e Lingüística pela Universidade Federal da Bahia

Prof. Dr.Verbena Maria Rocha Cordeiro Doutorado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUC

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Para três pessoas especiais em minha vida:

Meu pai, Jesus Vilanova, que partiu no meio dessa

escrita, deixando um enorme vazio e um grande exemplo de

generosidade. Mesmo sem compreender muito bem o meu

trabalho, sei o quanto ele torcia por mim.

Meu esposo e companheiro, Ricardo, por sua

presença, amor, apoio e muita paciência.

Meu filho, Arthur, por me ensinar como se cuida de

alguém todos os dias.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Com toda certeza, esse trabalho não seria o mesmo, sem o apoio, as contribuições teóricas, a

confiança no tema da pesquisa e na minha capacidade de desenvolvê-la, as palavras de incentivo,

o carinho e a amizade da minha querida orientadora Profa. Dra. Verbena Maria Rocha

Cordeiro. Esse convívio foi, para mim, um privilégio e um enorme aprendizado.

TAMBÉM AGRADEÇO

À Coordenação do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, PPGEL, em especial

à Profa. Dra. Márcia Rios da Silva pelo cuidado, competência e firmeza demonstrados. Gostaria

também de mencionar a amiga que descobri nesse percurso. Obrigada Márcia por tantas

gentilezas.

À FAPESB, pelo financiamento do Projeto de Mestrado em Letras.

Às Profas. Dra. Márcia Rios da Silva e Dra. Vera Teixeira de Aguiar pelas indispensáveis

contribuições e observações na qualificação e pela leitura cuidadosa do produto final dessa

pesquisa que, com certeza, ainda me trará maiores aprendizados.

A Camila e Danilo, peças fundamentais no dia-a-dia do PPGEL.

À Escola Municipal Tomás Gonzaga, em especial a Andréia e a Claudia pelo acolhimento e

confiança.

DURANTE A ESCRITA DE UM TRABALHO DESSE TIPO, O RITM O DA VIDA E A

ROTINA MUDAM MUITO E TERMINAMOS POR ENVOLVER MUITA GENTE NO

PROCESSO. POR ISSO É NECESSÁRIO TAMBÉM AGRADECER

Ao meu esposo, companheiro e amigo Ricardo José Batista Barreto pelo seu amor e

compreensão nos momentos em que precisei ficar “isolada do mundo” para dar conta da tarefa.

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Ao meu filho Arthur que no “alto” dos seus 3 anos de vida nem imagina o quanto já me inspira e

me ensina.

À minha mãe, Elena Lois Moreira pelo apoio e presença.

À minha enteada Mariana Barreto por fazer parte de minha vida de forma tão bonita e me

ajudar tanto nos momentos de sufoco.

À minha prima e amiga Loly Martinez por compreender minhas ausências e me dar muito apoio.

À minha querida amiga de tantos anos, Patrícia Teixeira por admirar e acreditar no meu

trabalho, respeitar minhas ausências e ser tão presente em minha vida.

A Alzira Gondim Tude de Sá que em tão pouco tempo de convívio me revelou uma amizade

especial e grandes ensinamentos da vida. Obrigada também por sua infinita paciência na correção

do trabalho.

Aos meus colegas de turma, em especial a Tereza Carvalho, Manuel Barreto e Marcos Vilela,

com quem partilhei momentos tão agradáveis. Não posso deixar de mencionar a paciência de

Marcos com o meu Currículo Lattes.

A Candu Tavares pelas agradáveis conversas e a ajuda no resgate de alguns conceitos da

psicanálise e do meu lugar de psicóloga.

A Graça Maskell, minha eterna professora de inglês, sempre paciente com os meus “rompantes”

na aproximação com essa língua.

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RESUMO

Esta dissertação analisa uma prática de leitura, proposta através de oficinas literárias, realizada

em uma sala de aula de 3ª série da Escola Municipal Tomás Gonzaga, na cidade de Salvador, no

formato de uma pesquisa-ação. A investigação elege como referencial teórico as contribuições

das teorias da Estética da Recepção e da Sociologia da Leitura, com vistas à criação das oficinas

literárias e a uma reflexão acerca da mediação de leitura. Nesta pesquisa-ação, parte-se do

entendimento de que o ato de ler demanda a interação texto e leitor para a constituição de uma

sensibilidade estética e de que o mediador tem um papel significativo nesse processo.

Palavras-chaves: Recepção; Leitura; Literatura infantil; Escola Pública; Mediação.

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ABSTRACT

This dissertation analyses a reading practice, proposed through literary workshops, in a 3 rd grade

class at Escola Municipal Tomás Gonzaga, in the city of Salvador, in the format of action-

research. The investigation has as a theoretical reference the contributions of the Reception

Aesthetics Theory and the Sociology of Reading, aiming at creating the literary workshops and

some reflection concerning the mediation of reading. This action-research is based on the fact

that the reading act demands an intereaction between the text and the reading subject- for the

constitution of a asesthetic sensibilization – and that the mediator has an important role in this

process.

Key-words: Reception; Reading, Children Literature; Public School; Mediation.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Foto do Jogo de percurso do leitor, no centro de uma roda de esteiras ................ 49

FIGURA 2 – Foto do Jogo de percurso do leitor ........................................................................ 49

FIGURA 3 – Foto da mala utilizada nas Oficinas Literárias Embarcando para uma viagem e

Retornando de uma viagem ........................................................................................................... 56

FIGURA 4 – Foto da mala utilizada nas Oficinas Literárias Embarcando para uma viagem e

Retornando de uma viagem .......................................................................................................... 56

FIGURA 5 – Foto da capa do livro Cinderela na edição da Editora Moderna ........................... 59

FIGURA 6 – Foto da Oficina Literária O menino e o livro......................................................... 63

FIGURA 7 - Foto da caixa utilizada na Oficina Literária Minha caixa de memórias................. 71

FIGURA 8 – Foto da Oficina Literária Só quero se for aquela flor ........................................... 77

FIGURA 9 – Foto da Oficina Literária Os nós da vida ............................................................... 84

FIGURA 10 – Foto da Oficina Literária Os nós da vida .............................................................. 84

FIGURA 11 – Foto da Oficina Literária Retornando de uma viagem ......................................... 90

FIGURA 12 – Foto da Oficina Literária Retornando de uma viagem ......................................... 90

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11

2 A LITERATURA NA SALA DE AULA: ENTRE O QUE SE ESCR EVE E O QUE SE

FAZ ............................................................................................................................................... 27

2.1 A literatura e a escola .............................................................................................................. 27

2.2 O professor como mediador .................................................................................................... 36

3 A PRÁTICA DA LITERATURA NA SALA DE AULA: UM ATO POSSÍVEL .............. 43

3.1 O jogo de percurso do leitor: caminho feito de palavras ......................................................... 49

3.2 Embarcando para uma viagem ................................................................................................ 56

3.3 O menino e o livro ................................................................................................................... 63

3.4 Minha caixa de memórias ........................................................................................................ 71

3.5 Só quero se for aquela flor ....................................................................................................... 77

3.6 Os nós da vida ......................................................................................................................... 84

3.7 Retornando de uma viagem: o que trago na bagagem? ........................................................... 90

4 SÓ NO DEPOIS: O EFEITO DO TEXTO SOBRE O LEITOR ......................................... 96

4.1 A importância da mediação ..................................................................................................... 96

4.2 Do jogo de percurso ao jogo da leitura: arriscando conjecturas ............................................ 100

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 106

LISTA DOS ANEXOS .............................................................................................................. 113

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INTRODUÇÃO

Não sei identificar, precisamente, quando começou meu envolvimento e minhas perguntas

sobre a literatura na escola. Talvez essa inquietação tenha se instalado desde o Ensino

Fundamental, quando tive na adolescência uma professora muito especial, que, percebendo a

resistência de seus jovens estudantes para “mergulharem” na literatura, recorreu a estratégias

simples para promover o encontro do texto com o leitor.

A jornada começou com Uma aprendizagem, ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector. O

texto, quase um enigma na percepção dos estudantes, com suas metáforas e vazios, soava

estranho e dissonante, e a aula pouco rendia. E a professora, diante desse quadro, apenas sorria e

“pedia” – como se isso não fizesse parte do cumprimento do conteúdo programático do ano – que

insistíssemos mais um pouco, afirmando, convicta, de que nos “apaixonaríamos” por Ulisses, um

dos personagens do livro.

À medida que a leitura avançava, as palavras aos poucos se abriam, indo ao meu encontro, e

indagações até então despercebidas, que nem sabia que pudesse formulá-las, começaram a

aflorar. Aquele casal da narrativa de Lispector (Lori e Ulisses), inicialmente apenas dois

personagens de uma história, adquiriu outro significado: não era mais uma história que acontecia

fora de mim, era uma história que dialogava comigo. Não sei quanto às minhas colegas de classe,

mas nunca esqueci essa experiência de leitura. E, possivelmente, ela tenha sido determinante em

minhas escolhas futuras.

Hoje, ressignificando esses fatos, fica claro que, mais além de uma professora, que nos

instigava a pensar e a dialogar com o texto literário, estava ali uma leitora que acompanhava o

processo de construção de sentido de seus estudantes, respeitava seus impasses, suas dúvidas,

suas perguntas e até mesmo suas ausências de desejo frente ao texto. Não por acaso, os estudos

que se desenvolvem nesta pesquisa dizem respeito à leitura, ao leitor e ao professor como

mediador cultural.

O caminho até aqui

Muitas vezes perguntada se havia algum arrependimento sobre a minha escolha pelo curso de

Psicologia e não pelo de Letras, respondia de modo negativo. Inegavelmente, escolhera bem o

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caminho da Psicologia, que me deu alguns subsídios e suportes teóricos para pensar a linguagem

e o sujeito. Além disso, estava muito claro que o meu interesse pela literatura nunca foi da ordem

da literatura escolarizada (pelo menos, não o ensino convencional e congelado numa

interpretação única e na compreensão de estilos e épocas de escolas literárias). Meu interesse

extrapolava o que estava posto pela história ou pelo autor. Antes, habitava nas histórias dos

sujeitos leitores, suas reações diante das palavras, suas escolhas literárias e os motivos que

conduziam às suas interpretações.

Ainda cursando Psicologia, participei de uma seleção para professora de Educação Infantil da

Escola Lua Nova e, a partir daí, passei a observar cuidadosamente os efeitos que o momento da

leitura e a contação de histórias provocavam nos estudantes1. Essa experiência com a educação

formal reforçou bastante meu interesse em aprofundar o tema da leitura e do leitor. As crianças

de dois, três e quatro anos, com tão pouca bagagem de vida, já manifestavam algumas angústias

provocadas pelo texto literário. Cadê o pai dele? Quando a mãe vai chegar? Por que a mãe dela

morreu? Tais perguntas, nascidas (ou projetadas) da provocação de alguma história lida ou

contada, deflagravam um sentimento de identificação e de medo que não poderia ficar sem

respostas ou, no mínimo, merecia ser escutado.

A experiência nessa escola me trouxe alguns questionamentos a respeito dos efeitos da

literatura sobre o leitor: O que faz com que alguns indivíduos se mobilizem mais diante de um

texto literário? Será que existe alguma pré-disposição ou pré-requisito subjetivo para gostar e

buscar um diálogo com a literatura? Ou a ausência desse contato deve-se à falta de

oportunidades, de recursos e de professores/mediadores ao longo de suas vidas?

Na minha prática clínica, dessa vez já formada e atuando com crianças, vivenciei outra

experiência reveladora. Uma criança de doze anos, portadora de uma síndrome rara e de

conseqüências exponenciais no tocante ao seu comprometimento neurológico, revelou sua saída

da escola aos seis anos (período em que a doença a comprometeu muito fisicamente e a impediu

de freqüentar uma rotina escolar) e que, naquele momento, sabia menos que seu irmão mais

novo: “Antes eu sabia mais”, afirmou. Indagada sobre o que mais recordava do tempo da escola,

respondeu sem titubear: “Das histórias... de Chapeuzinho Vermelho”. Mais uma vez a literatura

entrou em cena, deixando rastros no imaginário das crianças.

1 Escola da rede privada de ensino, situada em Salvador, atende a crianças da Educação Infantil até a 4ª série do Ensino Fundamental.

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Tanto no universo escolar quanto no clínico, ela emprestava sua voz ao leitor e se fazia

presente no lugar daquilo que não conseguia ser dito. Percebi, então, o quanto estava me

enlaçando pelo tema e o quanto isso definiu minha escolha futura: não desejava mais trabalhar

com clínica ou com sala de aula. Minha opção foi estudar, conhecer, pesquisar e atuar na

constituição do leitor, contribuindo para que a literatura chegasse até ele como um texto que

valoriza sua história, aguarda suas produções de sentido e se faz vivo a cada leitura. E assim

formulei uma proposta de incentivo à leitura, estruturada em práticas de leitura, como opção de

atividade de extensão em três escolas de Salvador: Escola Lua Nova, Colégio Módulo Criarte e

Colégio Miró2.

Apresentei à Direção dessas escolas uma proposta de atividade de extensão, para trabalhar a

leitura literária em grupos de crianças de 1ª. à 4ª. séries do Ensino Fundamental. As Oficinas

Literárias – como eram chamados os encontros semanais com uma hora e meia de duração –

tinham como principais objetivos contribuir para sensibilizar as crianças em relação ao texto

literário, respeitando as diferentes interpretações e sentidos produzidos pelo grupo, e

compreender como esses leitores iam se constituindo, estimulando a relação dialógica entre texto

e leitor. No primeiro ano dessa proposta de trabalho, foram contabilizados noventa e cinco

estudantes, o que me fez pensar que havia uma insatisfação, por parte das famílias, em relação

aos resultados de leitura obtidos por seus filhos, ao tempo em que me fez constatar que havia

também um interesse pela leitura, desde que apresentada aos leitores de modo menos

pedagogizado.

Tal experiência rendeu comentários interessantes, por parte de pais e professores, sobre o

desenvolvimento da oralidade e o considerável avanço na escrita das crianças. Embora os

“resultados” se apresentassem de maneira aleatória, sem sistematização nem rigor acadêmico,

aumentavam, para mim, as perguntas em torno do significado do ato de ler: Por que essas

crianças possuem tanta resistência à leitura? O que ocorre nas Oficinas Literárias que faz diluir a

resistência em torno do texto escrito e desvelar crianças mais receptivas ao texto literário?

Cada vez mais inquieta, debruçava-me sobre a leitura e uma suposta especificidade da

literatura. Nesse processo, algumas dessas questões foram respondidas, embora outras

continuassem sem respostas. A primeira pergunta dizia respeito à especificidade da literatura

2Essas três escolas da rede privada de ensino, situadas nos bairros da Pituba, Caminho das Árvores e Ondina, respectivamente, sempre foram referências em Salvador de escolas inovadoras, cujo público é formado por crianças de classe média e média/alta.

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infantil (o público das Oficinas Literárias sempre foi de crianças da 1ª. à 4ª. séries do Ensino

Fundamental). Numa primeira mirada, a literatura infantil faz parte do universo estético e isso

bastaria para defini-la e tê-la desobrigada de uma abordagem pedagógica em sala de aula. Mas a

história tem outra versão para esse fato, no qual se descortina uma produção da literatura infantil

a serviço de uma nova realidade sociocultural e pouco ou nada vinculada ao mundo das artes.

Recorro a Regina Zilberman (2003) para o entendimento dessa questão. Segundo a autora, a

Idade Moderna revelou a importância de desenhar um novo modelo de família em que os papéis

ficassem definidos e a relação afetiva entre os membros desse núcleo, desconsiderada e

desconhecida pela Idade Média, fosse alimentada e valorizada. Ora, se o modelo de uma família

burguesa pressupunha um centramento num núcleo familiar (pai, mãe e filhos), então era

necessário que a infância fosse vista de outra forma. Em outros termos, era importante que a

infância fosse percebida como uma fase com suas particularidades, para que pudesse haver

“meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação de suas emoções”

(ZILBERMAN, 2003, p. 15).

A escola entra nesse processo como elemento-chave para organizar e garantir o controle da

criança e uma produção literária destinada ao público infantil aparece, por sua vez, nesse

cenário, para contribuir com o projeto de (re)organização social e de (re)colocação dos infantes

no seio da família como um ser que precisa ser conduzido, educado e ensinado, sem, contudo,

considerar suas bagagens ou experiências de vida. Os textos produzidos para os pequenos eram,

declaradamente, utilitários, pedagógicos e francamente voltados para os interesses da família e da

ideologia dominante. Para Zilberman:

A aproximação entre instituição e gênero literário não é fortuita. Sintoma disso é que os primeiros textos para crianças são escritos por pedagogos e professoras com marcante intuito educativo. E, até hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança. Esses fatos tornam problemáticas as relações entre a literatura e o ensino. De um lado, o vínculo de ordem prática prejudica a recepção das obras; o jovem pode não querer ser instruído por meio da arte literária; e a crítica desprestigia globalmente a produção destinada aos pequenos, antecipando a intenção pedagógica, sem avaliar os casos específicos. De outro, a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo importante para intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada, muito menos desmentida sua utilidade. Revela-se imprescindível e vital um redimensionamento de tais relações, de modo que eventualmente transforme a literatura infantil no ponto de partida para um novo e saudável diálogo entre o livro e seu destinatário mirim. (ZILBERMAN, 2003, p. 15-16)

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A utilização da expressão “literatura” se justifica nesse contexto em virtude de o texto utilizar

recursos estilísticos próprios a tal escrita, evocando uma linguagem mais lúdica e próxima da

infância, para favorecer a aproximação com o tema e com a leitura, porém sem qualquer

referência ao seu estatuto de arte ou de texto estético, mesmo porque não era considerado assim.

A emergência da literatura infantil encontra raízes na tradição oral e, segundo Glória Pimentel

S. B. de Souza (2008), está ligada a quatro fatores que colaboraram para sua difusão, mas

“dificultaram sua valorização como gênero”. Trata-se do surgimento da burguesia, da valorização

da infância, da necessidade de orientar as crianças e da escola. Segundo essa autora:

A estreita vinculação dessa literatura (infantil) com a instituição escolar, desde o seu nascimento, em todos os países do Ocidente, corrobora para seu caráter ‘autoritário, moralista e pedagógico’. Por isso, durante um certo tempo, essa literatura foi denominada literatura escolar. (SOUZA, 2008, p. 55)

Só a partir do século XVII ocorrem as primeiras produções textuais voltadas para o público

infantil, a partir, sobretudo, das fábulas de La Fontaine (1668), das narrativas de Charles Perrault

(1691/1698) e da publicação dos Contos da Mãe Gansa. Tais textos, de natureza didática e

moralizante, vêm atender à expectativa de uma educação para as crianças, porquanto “precisavam

ser salvas pelo rigor e valores morais da época”, segundo Souza (2006, p. 64). No Brasil, esse

século foi marcado pela leitura de temas religiosos, num universo quase absoluto de analfabetos e

um controle cultural feito pela Corte portuguesa sobre a produção e a circulação de livros.

No século XVIII, outras produções entram em cena, a exemplo de As mil e uma noites,

publicada pela primeira vez na Europa por Antoine Galland, Robinson Crusoé, de Daniel Deföe,

e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Entretanto, tais obras não foram inicialmente escritas

para crianças. Seu público alvo era o leitor adulto, mas terminaram por cair no “gosto” das

crianças e a partir daí se notabilizaram entre uma produção que vem a ser designada de literatura

infantil.

Somente a partir do século XIX, com as transcrições dos Irmãos Grimm (João e Maria,

Cinderela, Os músicos de Bremen, entre outros), as adaptações do folclore e as criações de novos

textos com Andersen (O Patinho Feio, A pequena vendedora de fósforos), e o surgimento de

Lewis Carrol com Alice no país das maravilhas, James Barrie com Peter Pan e Collodi com

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Pinóquio, elabora-se o estatuto de uma literatura infantil, que avança como elemento estimulador,

atravessando os muros da escola para ser material de entretenimento e lazer para as crianças.

Nesse século, o Brasil conta ainda com uma produção escassa do que vem a ser literatura

infantil e alimenta-se quase que exclusivamente da literatura importada. Embora escritores como

Antonio M. Rodrigues (1861), Julia Lopes de Almeida (1886), Figueiredo Pimentel (1896),

dentre outros, já escrevessem para crianças, só no século XX, com a publicação de A menina do

narizinho arrebitado, em 1921, da autoria de Monteiro Lobato e Poesias infantis (1929) de Olavo

Bilac a literatura destinada às crianças começa a desenhar um novo percurso para sua história e

caminha em direção a significativas mudanças, tanto do ponto de vista de sua estrutura textual,

quanto do ponto de vista de valorização da figura do leitor.

Vale lembrar que se chega ao século XX e a herança de uma literatura infantil formativa,

moralizante e educativa resiste e permanece ainda a serviço de algum “objetivo maior”,

pedagógico, sobrevivendo até hoje no modo pelo qual a literatura é transmitida nas escolas.

Embora o discurso vigente entre os educadores seja o de reconhecimento do papel da literatura

como texto de fruição, na prática persistem usos equivocados dessa produção. O depoimento de

uma professora, por ocasião de um projeto realizado no ano de 2004, em uma escola municipal

de Salvador, vem confirmar essa hipótese: “parece que a gente não está trabalhando, quando não

cobramos de nossos estudantes algum conteúdo gramatical dentro do texto literário. É como se

estivesse faltando alguma coisa”3.

Depoimentos como esse revelam uma prática cristalizada e apontam para um caminho ainda

por se construir num panorama que abrigue novas práticas leitoras. Embora no discurso sejam

inegáveis as novas perspectivas teóricas incorporadas sobre a literatura infantil na sala de aula, a

prática, no entanto, ainda se revela muitas vezes uma herança do século XVIII, que insiste em

torná-la apenas utilitária, a despeito de sua riqueza e possibilidades de um trabalho que estimule e

favoreça a sensibilidade estética e a imaginação da criança.

3 O Projeto em questão foi o Programa de Incentivo à Leitura na Sala de Aula, realizado pelo então Instituto Newton Rique – braço social do Grupo Nacional Iguatemi – entre os anos de 2001 e 2006, sob a coordenação da Asa da Palavra.

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Asa da Palavra: a terceira margem ou o caminho do meio

A repercussão do trabalho de Oficinas Literárias que vinha sendo implementado, desde a

década de 1990, no âmbito das escolas da rede privada de Salvador, rendeu um convite e um

desafio: escrever e executar um Projeto de incentivo à leitura no município de Camaçari4, no

estado da Bahia, com início em 1998.

O desafio desse Projeto, intitulado “Vamos ler Camaçari”, era mobilizar o desejo das pessoas

para o ato de ler, ou melhor, abrir novos espaços públicos de leitura na cidade e mediá-los

culturalmente, a fim de aumentar o número de usuários da biblioteca municipal. Para atender a tal

demanda, foram implantadas duas bibliotecas e duas unidades móveis de leitura abertas à

população. Além disso, ações de leitura, sempre ancoradas na mesma proposta das Oficinas

Literárias, foram desenvolvidas em praças e escolas, obedecendo a um calendário de atividades.

Ao longo desses setes anos, passaram pelas bibliotecas mais de quinze mil crianças e jovens

em busca de leitura. E, para ilustrar os resultados desse trabalho, relato uma história do efeito da

leitura sobre o leitor: por diversas vezes, quando a Biblioteca Móvel visitava as comunidades

carentes dos arredores da sede do município, crianças encontravam no caminhão-baú um refúgio

para se afastar de casa, onde conviviam, por exemplo, com pais alcoolizados. Lá dentro, um

acervo literário as aguardava com outra vida para ser vivida, uma vida inventada e capaz de tirá-

las do seu pequeno inferno pessoal, ainda que por poucas horas. Tal situação leva-nos a repensar

sobre as palavras de Vargas Llosa (2004, p. 22), quando, ao discutir sobre literatura e vida,

sabiamente afirma: “o reduto asfixiante que é nossa vida real abre-se e saímos para ser outros,

para viver vicariamente experiências que a ficção transforma como nossas”. Talvez esse público

buscasse também tal reduto. Quem sabe?

Para dar encaminhamento ao projeto no município de Camaçari, foi necessário, por razões

burocráticas, formalizá-lo, constituindo-o numa instituição jurídica, com caráter de consultoria.

Dessa forma nasceu a Asa da Palavra Ltda. Os resultados positivos de tal trabalho abriram portas

a outros convites e projetos. Menciono aqui o Programa de Incentivo à Leitura na Sala de Aula,

4 O município de Camaçari dista 45 km de Salvador e possui, aproximadamente, cento e cinqüenta mil habitantes. Sua disposição geográfica apresenta-se um tanto complicada porque possui uma orla de 42 km, muito distante da sede do município, o que acarreta uma pulverização de pequenas comunidades com dificuldade de acesso aos acontecimentos culturais que, embora pouco significativos, aconteciam no centro da cidade e não em seu entorno. Ao iniciar o projeto, o município possuía apenas uma biblioteca pública que não recebia acervo novo há mais de dez anos.

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de escolas públicas, para aproximá-lo do objeto de estudo desta pesquisa. Tal Programa,

financiado por uma organização não-governamental (ONG), ficou a cargo da Asa da Palavra,

cuja principal missão era desenvolver um trabalho com a literatura mais liberto das amarras da

rotina da sala de aula, por se acreditar que assim repercute mais positivamente na constituição de

leitores5.

O público atendido foi de estudantes da 1ª. à 4ª. séries do Ensino Fundamental de algumas

escolas da rede municipal de ensino da cidade de Salvador. As atividades continuavam sendo as

Oficinas Literárias, com a mesma tônica daquelas desenvolvidas nas escolas particulares,

diferenciando-se apenas em relação ao momento em que eram realizadas: não se tratava mais de

um trabalho de extensão, em horários extra-classe. Aconteciam durante a semana, em horário

regular de sala de aula, o que permitiu acompanhar, com a professora da classe, a recepção do

grupo a esse tipo de atividade.

Para um acompanhamento mais dinâmico e sistemático, foram criados dois instrumentos de

trabalho: o “Registro diário” e o “Acompanhamento individual bimestral”.6 No primeiro,

preenchido após cada Oficina, eram descritas algumas respostas do grupo em relação à atividade

apresentada no dia. Dessa forma, contávamos com uma memória dos fatos e retomávamos esses

escritos cada vez que se fazia necessário repensar os rumos das práticas de leituras oferecidas aos

estudantes. É importante ressaltar o respeito aos desejos, interesses e motivações do grupo sobre

uma determinada leitura. Por inúmeras vezes, o planejamento foi refeito ou alterado, quando se

percebia que aquele livro, aquela história, não estava em sintonia com os interesses da turma.

O segundo instrumento visava acompanhar individualmente cada aluno, considerando a sua

atenção, participação, colaboração, compreensão da atividade, receptividade ao trabalho e

aspectos relacionados à produção escrita (extensão da escrita, narrativa e conteúdo). Tal

instrumento funcionava como uma avaliação individual, sem ranços pedagógicos nem notas,

permitindo observar o modo pelo qual o aluno-leitor transitava pelo ato de ler e escrever e como

se dava a sua aproximação com o texto literário.

Ao final de cada semestre, fazíamos gráficos comparativos dos dois bimestres, analisando os

efeitos do trabalho em relação à escrita e à receptividade dos estudantes à leitura dos textos

5 O Programa de Incentivo à Leitura na Sala de Aula foi promovido pelo Instituto Newton Rique, mais tarde chamado de Instituto Iris, e tinha por objetivo investir no trabalho com a literatura na sala de aula. A Asa da Palavra foi a responsável técnica por esse programa de 2001 a 2006. 6 Esses e outros instrumentos foram registrados na Biblioteca Nacional, no ano de 2003, e fazem parte do acervo da Asa da Palavra para Programas de acompanhamento de leitura na sala de aula.

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apresentados. Ao final do ano, comparávamos os dois semestres do ano letivo. De maneira geral,

sempre nos surpreendíamos com os resultados. Os estudantes apresentavam uma mudança

positiva na forma como recebiam a leitura, o que era ratificado pelos seus comentários de

corredor: “Eu, agora, gosto de ler”; “No dia que tem Oficina literária, eu não falto”. Tais

depoimentos reverberavam sobre nós como uma luz a animar nossa caminhada.

Nesse sentido, pensamos como Ivete Walty (2001), para a qual a escola não “mata” a

literatura, mas a empanturra de uma carga didática tão exacerbada, que deforma o texto literário e

distorce os protocolos de leitura solicitados aos leitores. Os gráficos e os depoimentos desse

projeto, que acompanhei, ratificam a suposição da autora.

Tanto o projeto desenvolvido em Camaçari quanto o realizado com escolas municipais

através da ONG duraram sete anos e foi um tempo intenso de estudos e constatações sobre as

políticas e ideologias que permeiam os programas de incentivo à leitura. No primeiro caso, as

eleições municipais no ano de 2004 definiram o fim de um programa que, além de atingir

resultados importantíssimos, como o aumento vertiginoso da sessão de empréstimos dos livros de

literatura nas duas bibliotecas, foi premiado, em 2002, pela Biblioteca Nacional e pelo Programa

de Incentivo à Leitura/PROLER7, como o terceiro melhor Programa de Incentivo à Leitura no

País, no VII Concurso promovido por essa instituição.8 No segundo, o projeto, cujo atendimento

ultrapassou a casa dos mil e quinhentos estudantes, foi interrompido por uma mudança nas

diretrizes de trabalho da ONG que o encampava.

É curioso observar que, enquanto resultados nada animadores revelam o Brasil com elevado

índice de analfabetismo funcional, a exemplo das pesquisas realizadas pelo Instituto Paulo

Montenegro9, os leitores manifestam-se desejosos pela experiência com a leitura, sobretudo

quando esta se pretende próxima à sua posição no mundo, a seus desejos e à sua bagagem de

vida.

Tais constatações fazem parte, até aqui, de minha trajetória profissional, como já sinalizei,

sem grandes reflexões teóricas, mas que me asseguraram um diálogo mais profundo no campo da

7 Programa nacional de incentivo à leitura, promovido pela Fundação Biblioteca Nacional, desde 1992, o qual pretende, através de ações regionalizadas de promoção de leitura, contribuir para a formação de profissionais dessa área e promover uma troca de experiência com os comitês existentes nos diversos municípios do país. 8 Talvez até por esse destaque o novo prefeito da cidade de Camaçari não tivesse interesse em continuar com um programa que fazia referências explícitas ao seu oponente político. 9 O Instituto Paulo Montenegro é o braço social do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) e tem por missão pesquisar a alfabetização em seu sentido amplo de reconhecimento do código escrito e sua representação social.

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leitura e dos leitores. A prática se punha à minha frente com a urgência do agir. E muitas vezes

me flagrava guiada pela intuição e por uma convicção, vinda apenas do meu apaixonamento pela

literatura e, apropriando-me das palavras de Henry James (1985, p. 5), “Trabalhamos no escuro –

fazemos o que podemos – damos o que temos. Nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão é

nosso dever.” Assim parto para nova etapa: uma pesquisa, no âmbito acadêmico, que me permita

confirmar, ampliar ou refutar as minhas considerações em torno da constituição do sujeito leitor,

tendo como ponto de partida a literatura infantil na sala de aula.

O caminho a partir daqui

Para pensar numa linguagem que se aproxime bem da criança e da infância, é inevitável

atravessar os bosques da fantasia. Lá estão reunidos todos os seres fantásticos que povoam a

imaginação das crianças, com os quais elas dialogam por um bom tempo e através dos quais

começam a dar significado e explicar o mundo ao seu redor.

Possibilitar a fantasia e a imaginação é contribuir com o desenvolvimento emocional e

simbólico do sujeito. A imaginação que se constrói na representação da realidade – como na

literatura – possibilita ao leitor, simbolicamente, desatar seus nós, poder se ver saindo de algum

conflito, além de compreender o mundo na voz do outro.

Desde os primeiros anos de vida, a criança já vivencia uma experiência com a arte. Seja

através das cantigas de ninar, das cantigas de roda ou dos contos de fadas, esse é o primeiro canal

que conduzirá a criança ao universo estético, além de ser também um meio significativo e

atraente de aproximação com as palavras e com o texto impresso. Todavia, ao entrar no universo

escolar a criança corre o risco de ter essa relação prazerosa comprometida quando a literatura fica

subordinada ao ensino da língua ao ser utilizada como pretexto à compreensão de regras

gramaticais e ortográficas ou circunscrita a uma interpretação única, porquanto autorizada pelo

professor. Nesse caso, a preocupação do educador inclina-se, na maior parte das vezes, para

verificar os níveis de leitura dos estudantes, com base na capacidade de decodificar o texto,

considerando essa atividade prioritária ao bom desempenho. Tal postura fragiliza o trabalho com

a literatura e descontextualiza a leitura de sua função social e cultural. Como bem assinala Regina

Zilberman (1991, p. 80), “a leitura tende então a confundir-se com decodificação de palavras

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escritas, não implicando interpretação ou agenciamento de um patrimônio cultural transmitido

pelo livro (...)”.

É inquestionável que, uma vez fazendo parte da realidade escolar, a literatura é apropriada

por esse universo, submetida, quase sempre, às regras escolares, tais como seleção de conteúdos,

organização do tempo e do currículo etc, enfim, torna-se escolarizada. Como tão bem aponta

Magda Soares (2001), a questão se coloca como problema quando a relação escolarização x

literatura é construída em bases equivocadas. Por isso, é necessário questionar suportes e

estratégias dessa escolarização, os quais podem se resumir a objetivos pedagógicos e formativos,

ao se usar o texto como pretexto para o ensino da língua, por exemplo, o que pode empobrecê-lo

e ainda inviabilizar a aproximação da criança do universo da literatura.

Outro aspecto que chama atenção do uso equivocado da literatura pela escola diz respeito à

fragmentação do texto10, procedimento recorrente nos livros didáticos para orientar um estudo,

muitas vezes, sem se fazer referência à sua fonte bibliográfica ou autoria. A relação que o

estudante, possível leitor em formação, estabelece com esses fragmentos constitui-se precária e,

acima de tudo, sem atrativo algum, visto que os textos literários se apresentam aos pedaços, num

diálogo projetivo inacabado.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, produzidos e divulgados pelo MEC em 1997,

ratificam e continuam a orientar esse acontecimento escolar, quando veiculam a literatura fora do

contexto das Artes e incluída em uma página do volume de Língua Portuguesa, intitulada “A

especificidade do texto literário”11. Nesse tópico, os autores tratam da literatura como mais um

item de aprendizado e escolarização da língua. Isso revela o lugar da literatura nos currículos

escolares e uma concepção de práticas leitoras equivocadas.

Há um objetivo pragmático com tal atitude. Parece urgente criar conteúdos e estratégias de

ensino eficazes para um país tão diverso e tão grande. Entretanto, essa boa intenção, pode-se

dizer, veicula uma informação incompleta, quando retira da literatura seu estatuto de arte, assim

como evita uma discussão instigante sobre o uso do texto literário na escola. Se escolarizar é

inevitável – é o papel da escola, como argumenta Magda Soares (2001) –, torna-se importante 10 O fragmento de um texto não deve ser visto necessariamente como elemento negativo. Muitas vezes ele pode funcionar como o detonador do interesse pela leitura da obra literária. Entretanto, é importante salientar que numa realidade onde o livro não se apresenta como objeto cultural constante e vasto, como é o caso da maioria das escolas públicas, o fato de o estudante estar em constante contato apenas com fragmentos de textos poderá restringir o seu acesso à leitura. 11 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: 1997. p. 36.

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repensar o trabalho com a literatura, a fim de se evitar que o artístico tenha um caráter

pedagogizante e rarefeito.

O que se constata é uma repetição no modo pelo qual a literatura é tratada, trazendo para o

leitor em formação, reafirmo, alguns equívocos quanto ao papel social e estético da leitura. “Para

que ler” e “por que ler” são duas colocações constantes para quem descobre o mundo letrado. Se

a escola deixa explícita para o estudante a função social da leitura e o ajuda a escolher, entre

tantas razões para se ler, aquela que mais se aproxime de seus desejos, interesses e motivações, a

importância da leitura terá um sentido e um lugar. Nessa perspectiva, o estético pode ter um lugar

que albergue muitos leitores (ou não).

A literatura tem como matéria-prima a língua falada e escrita e cabe à escola o papel de

formalizar o contato com a arte. É muito importante que haja espaços para experiências estéticas,

a fim de que o leitor em constituição – e não apenas o estudante, na condição de aprendiz de

conhecimentos – encontre brechas para manifestar sua subjetividade e compreender que

sensibilidades estéticas e papéis sociais e históricos a literatura lhe provoca.

A constituição do leitor vem sendo fragilizada pelo caráter obrigatório e avaliativo que se

atribui ao texto. Em lugar de assumir a posição de estranhamento, prazer, beleza e deleite –

valores que dizem respeito ao universo artístico –, a literatura, quando trabalhada na escola,

percorre um caminho às avessas – o da obrigatoriedade e do desprazer. Dela são solicitadas

leituras equivocadamente escolarizadas, circunscritas a um único caminho interpretativo. Não

duvido aqui da importância de organizar o trabalho com a literatura no espaço escolar – desde o

aprendizado da decodificação do signo escrito, até os aspectos voltados às etapas de compreensão

do texto –, mas são questionáveis as conseqüências de um planejamento alijado do repertório

cultural e da bagagem pessoal que o leitor traz, ao entrar em contato com o texto, sobretudo o

literário.

Quando o planejamento de atividades com a literatura é compreendido nessa perspectiva,

desconsidera-se a presença de um sujeito-leitor, ou seja, limita-se o leitor em formação no

exercício de sua subjetividade, entendido aqui como possibilidade de externalizar seus desejos,

particularidades e caminhos próprios para desvelar os vários sentidos que um texto literário

permite, porquanto lacunar e polissêmico. É nos vazios deixados pelo texto que o leitor, com sua

história de vida, seus conhecimentos prévios da língua, de si, do outro, de outros textos e do

mundo, produz, a partir daí, os diferentes e múltiplos sentidos que esse texto comporta.

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As teorias da Estética da Recepção e do Efeito Estético, formuladas nos anos 1970 por Hans-

Robert Jauss e Wolfgang Iser, respectivamente, constituem-se referências para se compreender a

leitura de um texto ficcional e o ensino da literatura, a partir da perspectiva da interação

texto/leitor12. Comenta Jauss:

El lector solo puede convertir en habla un texto – es decir, convertir en significado actual el sentido potencial de la obra – en la medida en que introduce de referencia de los antecedentes literarios de la recepción su comprensión previa del mundo. Ésta incluye sus expectativas concretas procedentes del horizonte de sus intereses, deseos, necesidades y experiencias, condicionado por las circunstancias sociales y también las biográficas. (JAUSS, 1987, p. 77)13

A Estética da Recepção reabilita a figura do leitor, quando destaca o ato de leitura como

experiência singular, individual e capaz de ser perpetuada por meio de renovadas leituras de um

mesmo texto, influenciadas pelos aspectos históricos e sociais a que o leitor está submetido. A

Estética da Recepção põe, portanto, o leitor no centro da discussão, porquanto a recepção e o

impacto de uma obra literária só ocorrem com a presença ativa do leitor. Para dar sentido ao

texto, o leitor conta com uma estrutura antecipativa de compreensão, desenhada a partir dos

diálogos que trava com seu meio social.

Segundo Jauss (1993, p. 105), o ato da leitura acontece “quando a experiência literária do

leitor intervém no horizonte de expectativa da sua vida quotidiana, orienta ou modifica a sua

visão de mundo e age conseqüentemente sobre seu comportamento social”. Antes dessas idéias,

os estudos dos formalistas e dos estruturalistas eram centrados no texto e na sua estrutura,

ignorando a participação ativa do leitor no ato da leitura.

12 Em sua aula inaugural na Escola de Constança (1967), Jauss apresenta uma proposta teórica contrária às principais teorias da literatura – estruturalismo e formalismo. A estética da recepção se contrapõe aos paradigmas tradicionais do ensino da literatura na Alemanha, que a formatavam dentro de conceitos estéticos pré-estabelecidos para que ascendessem ao status de arte. A ruptura desse ponto de vista, pela estética da recepção, aponta para o leitor como o referencial histórico fundamental para dar a dimensão estética do texto e mantê-lo vivo neste lugar. Em outras palavras, em lugar de estabelecer rigidamente o que é literatura, Jauss transfere para o leitor a responsabilidade de designar quando é literatura. Wolfgang Iser, por sua vez, abre a discussão para o efeito estético e as reações potenciais que tal efeito pode suscitar no leitor, destacando o papel da imaginação e da identificação como fundamentais ao ato de ler. Para Iser, o ato de ler é um ato de recriação na medida em que o leitor preenche os vazios textuais com sua bagagem leitora e suas experiências de vida. 13 “O leitor só pode converter em fala um texto – quer dizer, converter em significado atual o sentido potencial da obra – na medida em que introduz de referência os antecedentes literários da recepção sua compreensão prévia do mundo. Esta inclui suas expectativas concretas procedentes do horizonte de seus interesses, desejos, necessidades e experiências, condicionado por circunstâncias sociais e também biográficas” Tradução livre.

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A Teoria do Efeito Estético soma-se às idéias de Jauss e amplia a discussão na medida em

que busca fundamentar o diálogo intersubjetivo e os processos individuais de sentido da leitura.

Segundo Iser (1996, p.16), “o efeito estético deve ser analisado [...], na relação dialética entre

texto, leitor e sua interação” e que é assim chamado (efeito estético) em virtude de solicitar do

leitor atitude imaginativa e perceptiva. Para esse autor:

Na leitura acontece uma elaboração do texto, que se realiza através de um certo uso das faculdades humanas. Desse modo, não podemos captar exclusivamente o efeito nem no texto, nem na conduta do leitor; o texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo da leitura. [...] O texto literário é considerado, por conseguinte, sob a premissa de ser comunicação. Através dele, acontecem intervenções no mundo, nas estruturas sociais dominantes e na literatura existente. (ISER,1996, p.15)

Tomando como referência categorias teóricas tais como atitude receptiva do leitor, horizonte

de expectativas (Jauss, 1993), leitor implícito, interação texto/leitor, pontos de indeterminação do

texto e vazios textuais (Iser, 1996), presentes na Teoria da Recepção e na concepção de leitura

abordada pela Sociologia da Leitura14, que discute as variações sociais e culturais como

elementos que desencadeiam as escolhas de leitura, a proposta dessa pesquisa é analisar se o

trabalho com a leitura de textos literários, quando tratado em sua dimensão lúdica e estética,

produz impactos na sensibilidade e na formação do “gosto” literário dos estudantes-leitores,

abrindo-lhes outras possibilidades de aproximação com o texto literário.

Nesta pesquisa, particularmente, o recorte incide sobre as práticas de leitura com o texto

literário infantil, no formato de Oficinas Literárias15, com estudantes de uma escola pública.

Nesse sentido, importa também entender se a concepção dessas Oficinas, com base na Estética da

Recepção, e considerando a relação projetiva entre sujeito-leitor/obra e as questões sociais que

recobrem a realidade sociocultural desses estudantes, favorece a possibilidade de contribuir na

14 Esse campo propõe uma reflexão sobre o livro em sua dimensão social, considerando que a história do leitor e a do meio social ao qual faz parte influenciam em seus modos de ler e suas escolhas de leitura. Isso traz à tona um novo olhar sobre os efeitos da leitura numa sociedade. Seus precursores foram: Nicolas Roubakine (Rússia, 1911-1917); Walter Hoffman (Alemanha, 1931); Douglas Waples (Estados Unidos, década de 30); Jofre Dumazedier e Jean. Hassenfonder (França, 1950-1959); Robert Scarpit (França, 1958). Num segundo momento essas idéias difundiram-se sobretudo na França, a partir da década de 1980, com Roger Chartier, Martine Poulin, Roubine, Joelle Bahloul,, Claude Lafarge, Bernard Lahire, Olivier Donnat, entre outros. No Brasil, a Sociologia da Leitura começa a ser difundidas na década de 1960, com a publicação do livro Literatura e sociedade de Antonio Cândido, e vem se constituindo como objeto de estudo e pesquisa em diversos espaços acadêmicos, a exemplo da UNICAMP, PUCRS, UNEB, UNIJUÍ, UFPF, UFMG, dentre outros. 15 Doravante chamarei as Oficinas Literárias de OL

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constituição leitora do sujeito. Para tanto, parte-se de uma noção de leitor como um sujeito que

estabelece com o texto literário uma relação de diálogo e de produção de sentidos.

Sabe-se que o leitor fala de um determinado lugar social, definido por suas experiências

leitoras anteriores, suas redes de sociabilidade, suas possibilidades de acesso ao livro e pelos

mediadores de leitura que fizeram parte de sua história. Assim, as OL foram desenhadas

pensando num leitor que pode e deve se colocar como sujeito que interage, no ato da leitura, com

sua bagagem pessoal, elemento-chave definidor da diversidade na forma de ler.

Para uma compreensão alargada das relações entre leitura, leitor e literatura infantil, recorro

aos estudos de Edmir Perrotti, Eliana Yunes, Ivete Walty, Glória Pondé, Lígia Cademartori,

Maria do Rosário Magnani, Maria Zaira Turchi, Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Verbena

Cordeiro, Vera Aguiar, dentre outros pesquisadores.

Para a efetivação do objetivo pretendido nesta dissertação, o percurso metodológico foi

pensado a partir de uma pesquisa-ação. Para tanto, organizei o estudo a partir de quatro etapas

preliminares: a seleção da escola e dos estudantes, a seleção dos livros, o planejamento de dez

encontros com os estudantes e a execução de dez diferentes práticas de leitura.

O público desta investigação constitui-se de crianças da 3ª série da Escola Municipal Tomás

Gonzaga, localizada no bairro periférico da cidade de Salvador, Pernambués. A escolha por essa

escola justifica-se pela receptividade que a Direção, a professora e os estudantes tiveram para

fazer parte dessa pesquisa. Optei pela 3ª série por ser um período em que os estudantes,

supostamente, já ultrapassaram a fase de aproximação com o código escrito e possuem maior

intimidade com o processamento da leitura. Vale lembrar que a 1ª e 2ª séries do Ensino

Fundamental de escolas públicas revelam significativos problemas relacionados à decodificação e

compreensão de um texto e não estava previsto nesta pesquisa administrar variáveis dessa

natureza.

O pensamento de uma criança de 8 a 9 anos – faixa etária da 3ª série – apresenta-se lógico,

questionador, arguto, diferente das faixas etárias anteriores, cuja manifestação do pensamento

ainda é muito mágica, voltada para a literatura fantástica e para os contos de fadas. A 4ª série, por

sua vez, em momento algum foi cogitada, por contar com um número grande de estudantes fora

de seu fluxo regular, em virtude de muitas crianças repetentes e pré-adolescentes, o que

demandaria um estudo da literatura juvenil, desviando o foco de interesse da pesquisa. O

percurso metodológico e a escolha do público-alvo foram investidos na tentativa de responder à

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seguinte questão: Como a mediação pode contribuir para a constituição do leitor da literatura

infantil mesmo em situações adversas como a de escolas públicas? Essa questão, inevitavelmente,

se desdobrará em outras, como categorias que se implicam umas nas outras.

Para tratar desta questão, no capítulo A literatura na escola: entre o que se escreve e o que

se faz, discorro sobre a distância entre as produções teóricas acerca de um ideal de trabalho com

a literatura – as especificidades do texto literário, a reflexão sobre sua forma de escolarização e a

compreensão da importância do lugar do leitor – e as práticas de leitura nas escolas públicas, as

quais se sustentam quase sempre em condições precárias: ausência de bibliotecas e de livros,

limitada formação de professores quanto ao uso da literatura na sala de aula, estudantes com

históricos familiares e culturais que comprometem seu envolvimento com a leitura e o trabalho

com os livros didáticos que, muitas vezes, mutilam a literatura e impedem o leitor de uma

aproximação com o texto em seu suporte original.

Ainda nesse capítulo, discuto sobre a importância da mediação do professor, condição

necessária ao desenvolvimento da leitura de textos literários. Se o discurso estético remete a

bagagens pessoais do leitor, então é muito importante que haja uma escuta de tais histórias e que

estas possam dialogar com os textos propostos e com outros leitores. Nessa mediação, o professor

deve se despir de objetivos pedagógicos e abrir espaços à fantasia, à ficcionalização e à

imaginação das crianças. Também situo o cenário de leitura da escola em questão: o acervo

literário, a relação dos professores com a literatura e sua inserção no currículo escolar.

No capítulo intitulado A literatura na sala de aula: um ato possível, apresento o trabalho

das Oficinas Literárias com a turma de 3ª série da Escola Municipal Tomás Gonzaga16, propostas

como uma alternativa para o uso da literatura na sala de aula, valorizando a recepção dos

estudantes aos textos literários. Tais oficinas, designadas de sessões neste capítulo, estão

apresentadas na seguinte seqüência: O jogo de percurso do leitor: o caminho feito de palavras;

Embarcando para uma viagem; O menino e o livro; Minha caixa das memórias; Porque

aquela flor era especial; Porque todo mundo tem seus nós e Retornando de uma viagem: o

que trago na bagagem17. Procedo ainda neste capítulo a uma análise dos sentidos produzidos

16 Doravante, a Escola Municipal Tomás Gonzaga será denominada EMTG. 17 Tais sessões estão mais detalhadas nos Anexos, organizados em oito partes, os quais apresentam a metodologia dessas atividades, assim como as respostas dadas pelos leitores participantes da pesquisa.

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pelos leitores, a partir de uma perspectiva de prática leitora, entendida como um diálogo entre o

texto e o leitor.

Dito isso, esta Dissertação apresenta os resultados de uma prática leitora com os estudantes da

3ª série da Escola Municipal Tomás Gonzaga, a partir de uma concepção de literatura liberta de

um viés pedagogizado e destaca os ganhos que podem existir quando uma forma de mediação,

como da oficina literária, abre espaço para que os leitores travem um diálogo com o texto literário

a partir de suas próprias experiências de vida.

2 A LITERATURA NA SALA DE AULA: ENTRE O QUE SE ESCR EVE E O QUE SE

FAZ

2.1 A literatura e a escola

No século XVIII, o ideário iluminista, que pregava a valorização da ciência e a difusão da

leitura como uma ponte para o conhecimento e a razão, favoreceu, ao mesmo tempo, a produção

literária para crianças. Nessa época já se constata um crescimento considerável nas publicações

de livros de aventuras e de viagens, atraindo jovens leitores.

O Brasil também revela algumas mudanças, sobretudo na esfera educacional, quando o

Marquês de Pombal expulsa os jesuítas portugueses do país em 1759, fazendo o Estado assumir a

educação da população e, muito embora isso tenha iniciado de forma desordenada, foi um

período rico na formação de intelectuais, segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli: “Eles [os

intelectuais] continuaram, como antes, a concluir seus estudos na Europa, mas agora sob

influência do Iluminismo. Uma vez de volta ao Brasil, exerceram papéis que colaboraram na

diferenciação de pensamentos em nossa sociedade”. (GHIRALDELLI, 2008, p. 27)

A educação no século XIX se caracteriza por voltar-se mais aos jovens que para crianças e,

segundo Ghiraldelli (2008), não havia, nesse período, uma preocupação dirigida à importância do

ato da leitura da literatura para a formação do cidadão crítico ou sensível. Sua função social

estava voltada para suas possibilidades práticas e educativas. Também a literatura infantil, como

fonte de reflexão, produção de sentido e diálogo intersubjetivo, aparecia timidamente nesse

panorama e não poderia ser valorizada, a menos que evidenciasse seu papel utilitário em

comunhão com os objetivos da escola, atrelada a uma visão iluminista na formação dos

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professores e no aprendizado das crianças. Portanto, falar dessa literatura nesse período é falar de

literatura escolar, pois era seu único propósito.

A década de 1920 foi marcada por movimentos voltados para uma reforma no ensino.18 Isso

fez acender o interesse pela literatura infantil como texto utilitário e de natureza moralizante, que

poderia colaborar com os objetivos da escola. Monteiro Lobato pertence a esse momento e,

mesmo estando à frente de seu tempo, ao defender uma linguagem próxima do público infantil e

o caráter literário nos textos infantis, ao lançar seu livro A menina do narizinho arrebitado

(1921), teve que incluir uma observação que indicasse ser “para fins de ensino”. Souza traça um

rápido panorama histórico dessa década e ressalta os motivos pedagógicos que conformaram a

literatura infantil brasileira:

Nesse período, o governo impõe uma reforma no ensino que facilita o acesso da população urbana de baixa renda à escola. A preocupação com a educação nacional permitia a incorporação de novas práticas pela pedagogia nova e Rui Barbosa assumiu papel importante nessa pedagogia chamada moderna. Assim também os educadores Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Francisco Campos e Cecília Meireles, que se destacaram por sua ação em prol da educação nacional, a partir da década de 20. Não só participaram das reformas educacionais inspiradas na pedagogia nova como se mantiveram coesos no ideal de democratização do ensino e na política cultural de difusão da leitura até o início da ditadura militar, na década de 30. (SOUZA, 2006, p. 84)

As políticas educacionais foram sempre acompanhadas por sucessivas ondas de expansão do

mercado editorial, complementadas com reformas no ensino, que garantiram, através das Leis de

Diretrizes e Bases de 1971, a obrigatoriedade do uso de textos literários na escola.19 Entretanto, é

importante destacar que, mais uma vez, a escola se apropria de uma visão utilitarista da literatura,

o que não permite uma relação estética dos leitores com esse gênero textual. Ao contrário, o

sistema de ensino reafirma uma escolarização equivocada e forçada, que não considera o leitor

um protagonista do ato de ler e um produtor de sentidos frente a um texto polissêmico.

Como ressalta Souza (2006), a partir de 1960 aparecem novos escritores e editoras dedicadas

ao público infantil. Entretanto, fica patente que, enquanto as editoras inserem recursos modernos

18 O que impulsionou essa reforma foi “a idéia de modernidade que exigia uma reformulação pedagógica” e a elevada taxa de analfabetismo, “que beirava a casa dos 75% da população”. Cf. Glória Pimentel Correia Botelho de SOUZA. A literatura infanto-juvenil brasileira vai muito bem, obrigada! São Paulo: DCL, 2006, p.17. 19 A Lei de Diretrizes e Bases (LDB. 5692/71) fez parte de uma política cultural que recomendava a leitura de autores nacionais em sala de aula, aquecendo e motivando a produção de livros no Brasil.

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na estrutura do livro, o texto ainda aparece como moralista e exemplar. Segundo o pensamento de

Eliana Yunes:

No caso de obras literárias (ou com pretensões a), dá-se um agravante, oriundo da própria perspectiva de autores equivocados: o teor do texto e a forma literária de sua abordagem abandonam o ficcional em benefício de lições educativas e/ou informativas, reforçando a obrigação e o dever, em detrimento da espontaneidade e do prazer; por outro lado, o tratamento alienado da ficção, em estudos dirigidos inconseqüentes, afasta a possibilidade de qualquer relação pessoal do leitor com a obra. (YUNES, 1984, p. 20)

Nos anos 1970, a literatura infantil inicia nova fase, quando se aspira levar esse texto com a

mesma seriedade pretendida para a literatura produzida para adultos. Em tal década, as editoras

mostram-se interessadas numa produção gráfica de maior qualidade, e novos escritores emergem,

a exemplo de Sylvia Orthof, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Ziraldo, Joel Rufino dos Santos,

Lygia Bojunga e Bartolomeu Campos Queiróz. A partir de então, as produções destinadas à

criança focalizam enredos e temas que possam atrair os leitores para a leitura fruição, destituída

de ranços pedagogizantes ou moralizantes, e é potencializada a ilustração como força

comunicativa para a infância. Entretanto, a perspectiva de quem criava e produzia literatura ainda

não caminhava lado a lado com a recepção de tais textos. Ao mesmo tempo em que havia

promessas de um aumento considerável na qualidade desse material, constatava-se que o leitor

ainda não se manifestava em igual medida. Mais produção cultural, menor número de leitores. O

que acontecia, então? Um paradoxo?

Uma resposta plausível a essa contradição pode ser encontrada nos elevados índices de

analfabetismo que assolam ainda o país, revelados pelas pesquisas do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE. Anuário Estatístico de 1995). Parece óbvio, portanto, que, se não

havia condições favoráveis para a leitura acontecer, que se produz no ato de codificar/decodificar,

então ficava mais difícil que o interesse pelo livro e pelo texto se manifestasse. Nesse sentido,

essa população ficava excluída do mundo das letras, a qual, segundo dados do IBGE, era uma

maioria esmagadora de brasileiros. O que não parece inequívoco é que, enquanto isso se

constatava, a produção continuava sua marcha para o crescimento e a visão do mercado para o

futuro não perdia sua meta: produzir para crianças.

Na década seguinte, nos anos 1980, pesquisadoras como Regina Zilberman, Maria Antonieta

Cunha, Eliana Yunes, Maria do Rosário Magnani, Ligia Cademartori, Ana Maria Machado,

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Marisa Lajolo, dentre tantos, debruçaram-se sobre estudos em torno da literatura infantil e

fizeram instigantes reflexões sobre o lugar social desses textos, sua relação com a escola e sobre

o leitor em formação.

No ano de 1979, Vera Aguiar publicou os resultados de sua pesquisa, intitulada Que livro

indicar?, realizada em Porto Alegre com estudantes de escolas públicas estaduais, de 4ª à 8ª série

do 1º grau. A autora levanta a hipótese de que as relações de interesses de leitura variam de

acordo com a série/idade, sexo e nível sócio-econômico. Em suas conclusões, constata diferenças

significativas nas escolhas de leituras desses grupos. Tais informações chamam atenção, segundo

a autora, para a necessidade de se considerar, em qualquer investigação sobre leitura, o lugar de

fala do leitor. Isso evita afirmações generalizadas sobre o suposto perfil do “verdadeiro” leitor

como aquele que obedece a determinado padrão de texto, autor ou gênero. Em relação a essa

questão, Regina Zilberman assinala o seguinte:

Ao final dos anos 70, foi diagnosticada, às vezes de modo tão-somente intuitivo, uma crise de leitura, caracterizada pela constatação de que jovens, sobretudo estudantes, não freqüentavam com a desejada assiduidade os livros postos à sua disposição. Desde então, o tema assumiu contundência crescente, passando a ser discutido em encontros científicos, debates e comissões, com o fito de tentar corrigir o quadro. (ZILBERMAN, 1988, p. 15)

Podem-se constatar assim diversos pontos de vista a respeito da situação da leitura no Brasil.

Contudo, enquanto os pesquisadores e acadêmicos produziam uma reflexão sobre a questão, a

escola procurava recuperar o tempo perdido e ensinar o estudante a ler. Como as taxas de

analfabetismo no país nesse período continuavam altas (75%, segundo Anuário Estatístico de

1995 do IBGE), a urgência para reduzir esse índice terminou por promover um equívoco na

prática escolar sobre o “ensinar a ler”, e suas conseqüências podem ser assistidas ainda hoje. A

escola se ocupou de ensinar a ler limitando esse ato a um trabalho de decodificação e

reconhecimento de palavras, considerando pouco ou nada a função social da leitura.

Em tal percurso e com essa tarefa, a escola seguiu seu caminho, imbuída da melhor das

intenções, porém, mantendo os estudantes alheios às perguntas que inserem a leitura numa função

social: por que ler? para que ler? o que ler? Longe de fazer qualquer leviana generalização, até

porque há muitas exceções, é importante contextualizar a herança que a literatura infantil carrega

em sua relação com a escola e entender que a multiplicação desse discurso parece ainda estar

entranhada no discurso pedagógico.

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O boom dos livros didáticos nos anos 1980 veio contribuir para um entendimento de leitura

que ignora a sua função social. Segundo Maria do Rosário Magnani (1989, p. 38), “dos 1.000

títulos publicados em 1985, 60% estão na categoria dos didáticos”. A entrada massiva do livro

didático traz consigo um entendimento do lugar do professor, na perspectiva tecnicista, ao lhe

oferecer respostas prontas e fechadas, ignorando seu papel de mediador que provoca perguntas e

respostas aos estudantes.

Magda Soares reforça essa reflexão quando aponta para dois momentos do livro didático. O

primeiro, em que o professor ainda é responsável pela metodologia de trabalho, embora receba os

textos já escolhidos; o segundo, quando o livro didático apresenta ao professor o passo-a-passo de

suas aulas, supondo um profissional pouco preparado para fazer isso:

[...] nas primeiras décadas do século, uma concepção de professor a quem bastava que o manual didático oferecesse os textos, numa antologia austera, um professor que, considerado bom leitor, e conhecedor da língua e literatura, seria capaz de autonomamente, definir uma metodologia de trabalho com seus textos, na sala de aula; progressivamente, e sobretudo a partir dos anos 70, uma concepção de professor a quem o livro didático deve oferecer não só os textos, mas também a orientação metodológica para sua leitura e interpretação, as atividades didáticas a serem realizadas e até mesmo as respostas às questões de compreensão e interpretação dos textos, um professor talvez não considerado propriamente um mau leitor, ou incapaz de definir por si mesmo uma metodologia de estudo de textos na sala de aula, mas reconhecido como sem formação e sem tempo suficientes para a preparação de suas aulas. (SOARES, 2001, p. 73)

Fica claro, então, que a finalidade do livro didático era buscar a eficiência do ensino e da

leitura por meio de um suporte que desse subsídios ao professor em suas aulas. Contudo, o

resultado desse objetivo desembocou na constituição de leitores cuja referência textual foi

limitando-se, cada vez mais, a um único livro. Tal livro, em virtude da falta de recursos

econômicos, passou a representar a única referência de leitura tanto para os professores, quanto

para os estudantes.

No caso da literatura infantil, as conseqüências desse fato histórico tiveram repercussões

exponenciais, ecoantes até os dias de hoje. Segundo depoimento de alguns estudantes da EMTG,

durante as práticas de leitura realizadas para essa pesquisa, esse é um dos poucos livros que a

maioria possui. E é dessa forma que o objeto livro aparece na vida do leitor iniciante por volta de

finais de 1970 e início de 1980.

Embora, também, desde os anos 1980, houvesse um volume de produção acadêmica e

pesquisas que propunham formas adequadas para o ensino da literatura, considerando a liberdade

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e a polissemia dos textos literários, para atender e atingir de maneira satisfatória o envolvimento

do leitor, a prática com a literatura, no modo como pode ser vista em algumas escolas,

evidenciava a repetição de um padrão utilitário, completamente distante das possibilidades de

experiências menos pedagogizadas do texto.

Para Edmir Perroti (1986), um dos pesquisadores que nos anos 1980 publicou trabalhos em

defesa de uma maior reflexão sobre o uso da literatura, a busca por maior liberdade na

apresentação desse texto não desconsidera sua feição instrumental. Não se trata, segundo Perroti,

de uma visão ingênua e despretensiosa do discurso estético:

Todavia, é preciso que se faça uma distinção entre o “utilitário”, tal como o tomamos aqui neste trabalho, e o inevitável caráter instrumental que, em maior ou menor medida, está sempre presente no discurso literário. Com isso, evita-se que se tome o discurso estético como um discurso puro, onde a instância ideológica e a busca de adesão não estariam presentes. Ocorre que, como se tentará ver, essas instâncias são acidentais no discurso estético, enquanto que no discurso utilitário são sua própria essência. Por isso, estudiosos diversos fazem sempre distinção entre o discurso de feições nitidamente utilitárias, voltado para a doutrinação do leitor, e o discurso estético, fiel a si mesmo, ainda que marcado, muitas vezes, por doses generosas de instrumentalidade. (PERROTI: 1986, p. 29-30)

Um exemplo de discurso estético a que se refere Edmir Perroti é a produção de Ana Maria

Machado dessa época. Marcada pela ditadura e seu cerceamento à liberdade de expressão, a

autora encontra em seus personagens a possibilidade de falar sobre a repressão e, de certa forma,

convocar o leitor a se manifestar contra tal cerceamento. Ana Maria Machado publica livros

como Era uma vez um tirano (1982), Praga de unicórnio (1983), os quais empregam recursos

estilísticos da literatura, exploram a fantasia, buscam a linguagem mais próxima do universo

infantil, ao mesmo tempo em que comunicam sua intenção: reivindicar a liberdade, entorpecida

pelo momento histórico em que a autora vivia. Mesmo que os leitores contemporâneos a essa

obra não se apercebam do protesto e da denúncia veiculados na trama, ainda assim vai ser

possível sentir e falar do absurdo da proibição, alegorizada na figura do síndico de um

condomínio – como em Praga de unicórnio – ao determinar o fim da presença dos bichos no

prédio:

Não pode correr pelos corredores, não pode transitar de patins pelas áreas comuns (todo mundo ficou pensando o que seria isso), não pode pendurar roupas nas janelas, não pode pendurar vasos perto das janelas, não pode ter vista depois de dez horas, não pode ter bicho hora nenhuma.

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– Como? – estranharam as crianças quando souberam. – Isso mesmo. Não pode, porque não pode. Bicho transmite doença, faz barulho, cheira mal, suja tudo. Não adiantou argumentar. O jeito foi cumprir ordem. (MACHADO, 1983. Sp.)

Também na história Era uma vez um tirano, a autora explora a situação provocada por um

tirano, que chega a “um reino” sem ser eleito pela maioria:

No começo, houve até quem ficasse satisfeito com ele, pensando que estava dando um jeito na tal bagunça e que agora as pessoas iam ter ordem para trabalhar em paz. Mas como ele não ouvia palpite dos outros, foi começando a fazer besteira. Primeiro, implicou com isso de cada um ter uma idéia diferente. (...) - A partir de hoje, só podem ter as minhas idéias! É claro que teve gente que protestou: - Não estou de acordo... isso é um absurdo! - Quem que esse cara pensa que é? Será que ele acha que tem o rei na barriga? Nem faltou um mais curioso sugerindo: - Podemos abrir a barriga dele e ver... Não adiantou nada. Agora não tinha mais aquela velha bagunça. Quem não concordou, foi preso. Ou foi expulso do reino. Ou tratou de ir embora antes de ser expulso. Ou ficou bem quietinho, guardou suas idéias bem guardadas no canto mais fundo e escondido da cabeça, e saiu assobiando, disfarçando, fazendo de conta que não tinha nada lá dentro. (MACHADO, 1982. p. 7-8)

Tais passagens de tais narrativas contribuem para ilustrar a idéia de que a literatura não se

pretende absolutamente livre de qualquer interferência externa. Portanto, sua apresentação ao

leitor não deve ser impositiva, com verdades fechadas e respostas prontas. Ao contrário, suscita

perguntas e inquietações, enfim, indagações que o indivíduo faz sobre si, sobre o outro e sobre o

mundo. E são as respostas singulares de cada um que vão garantir a polissemia do texto literário e

o respeito às diferentes formas de ler e de pensar.

Nos resultados da pesquisa de Mestrado realizada por Lilian Lopes Martins da Silva (1983),

intitulada A escolarização do leitor: a didática da destruição da leitura, fica caracterizado o papel

que a escola representa, para o estudante, como o de disseminadora, divulgadora e promotora da

leitura. Segundo a autora, é reconhecido para a instituição escolar o papel de ensinar a ler e de

formar leitores. Em meio a 302 entrevistados, a pesquisadora identifica 80 respostas que fazem

referências à escola e ao professor como responsáveis pelo pouco ou muito volume de leitura que

faz parte de suas vidas. Longe de apontar culpados, a pesquisa faz menção ao lugar de modelo da

escola, representado fortemente pela figura do professor, o que deveria ser contabilizado a favor

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de um potencial para mudanças significativas nos modos de ver e desenvolver práticas com a

leitura.

Tal constatação não pode ser lida desvinculada do contexto em que a escola está inserida.

Ainda, deve ser analisada à luz de algumas condições fundamentais para acontecer a leitura,

como presença de livros, espaços físicos adequados e professores atuantes em sua condição de

mediadores. Avançando um pouco mais, teríamos também que analisar em que situação social os

estudantes se encontram para se constituírem em receptores mais críticos da leitura: estão

alimentados? Vivem condições minimamente humanas para preservar suas estruturas

emocionais? Têm uma circunstância familiar favorável a uma organização emocional que os faça

se abrir ao conhecimento?

Outra pesquisa no campo da leitura, desenvolvida por Lilian Soares Ferreira em 2001, na

UNIJUÍ (RS), e intitulada Produção de leitura na escola: a interpretação do texto literário nas

séries iniciais, tem como objeto de estudo a prática com textos literários em sala de aula. A autora

parte do entendimento de que o trabalho com a literatura apresenta-se ainda muito formalizador,

impedindo uma participação mais efetiva do leitor. Diferente da pesquisa de Lilian Lopes Martins

da Silva, que estabeleceu um contato direto com o leitor, para conhecer a influência da escola

sobre ele, Ferreira trabalhou com a formação de professores para que repensassem, alterassem a

abordagem do texto literário e socializassem seus resultados com o grupo em encontros semanais.

Em uma de suas observações, Ferreira comenta a repetição das práticas escolares com a

leitura literária voltada a uma seqüencia de perguntas e respostas preparadas pelo professor,

ignorando as múltiplas e polissêmicas respostas dos estudantes, característica desse texto.

Da mesma forma, gera-se uma relação simbólica de superposição de leituras (a supostamente autoritária, feita pelo leitor-professor, e a supostamente ingênua e carecida de explicitação, feita pelo aluno-leitor). Ao aluno, nesta situação, cabe apenas a postura passiva de responder às questões propostas, contribuindo para seu assujeitamento: o aluno perde o direito de sua leitura em favorecimento da leitura do professor. (FERREIRA. 2001, p. 58)

É curioso observar as aproximações entre essas diferentes pesquisas realizadas em tempos

distintos. Na pesquisa de Silva, fica patente o papel da escola no posicionamento do sujeito frente

à leitura. Em algumas das entrevistas, os estudantes deram depoimentos negativos, ao

considerarem que seus professores não liam ou não conseguiam despertar seu interesse pela

leitura. Dezoito anos depois, Ferreira conta sua experiência de pesquisa, apresentando um quadro

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de docentes que desconhecia um conceito intersubjetivo para leitura que viesse a permitir uma

escuta individualizada em sala de aula e agia com o autoritarismo (supostamente) deixado para

trás em uma educação ultrapassada do início do século XX. De acordo com Ferreira,

[...] concluiu-se que temos, rotineiramente, estimulado a leitura parafrástica em aulas, conduzindo o leitor a uma única significação do que se lê. Se ele não o consegue, diz-se que não houve leitura ou que ele não sabe ler. Na verdade, há insegurança quanto às possibilidades de leitura, há o temor de que o leia o que não foi lido pelo professor, evidenciando-se, assim, uma postura nitidamente autoritária (2001: p. 80-81).

Não deve ser por acaso que se continua a discutir o mesmo tema, sem que pareça

desatualizado ou ultrapassado. Pergunto: o que há de tão instigante no universo do livro e dos

leitores para que seja um assunto tão recorrente e sempre tão atual? Ou mais: o que há de tão

irresoluto no encontro do leitor com o texto? Por que as escolas sinalizam como uma questão

nevrálgica a aproximação do leitor com o texto escrito? Que relações há entre a escola e o leitor

que a coloca como componente fundamental, quase determinante nas futuras escolhas pela

leitura? Reitero que essas questões representam desdobramentos da minha questão central. Por

mais que se fale dele, o incansável tema da leitura e da constituição do leitor será infinito porque

também é infinita a condição do homem de Ser da linguagem.

Como se pode constatar, mesmo com as mudanças ocorridas nos anos 1990 na literatura

infantil – novas abordagens, destituídas de feições moralizantes e exemplares, menos didatizadas,

mais valorizada como experiência estética, configurada em novos lugares e práticas culturais de

leitura –, os passos para uma mudança significativa na escola ainda são tímidos. Isso porque a

mudança do paradigma da leitura e da constituição do leitor está impregnada por razões culturais,

sociais, econômicas, políticas e existenciais, e não se constitui tarefa fácil refletir criticamente

sobre as práticas que estão sendo apresentadas aos leitores em formação.

A EMTG, onde realizei a minha pesquisa, por exemplo, não possui biblioteca, nem sala de

leitura; conta com pouquíssimos livros de literatura, que ficam guardados na sala da Direção da

escola; as salas de aula não têm acervo próprio e os professores não fazem leituras de textos

literários em momento algum da rotina da sala de aula.

A professora da 3ª. série dessa escola, na qual foi desenvolvida a pesquisa, durante uma

entrevista explicitou que a ausência de acervo literário na escola faz com que a leitura aconteça

apenas através do livro didático e confessa que não tem iniciativa nem idéias para aproximar os

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estudantes de livros de literatura. Segundo a professora, a escola “não compra muitos livros para

leitura pessoal porque é caro e não possui livros de literatura infantil”. É importante ressaltar que,

durante o período em que estive com as crianças, essa professora se mostrou paciente, atenta às

dificuldades individuais de sua turma e preocupada com o desempenho de cada um. No entanto,

no tocante à literatura, sua prática é limitada, seja por alguma carência na formação profissional,

seja pela incompreensão sobre a importância de uma atualização, ou pela falta de acervo literário

da escola.

Bernard Lahire, teórico da Sociologia da Leitura, destaca que a análise de uma situação de

leitura a partir de dados estatísticos não pode ser interpretada sem que sejam formuladas algumas

perguntas acerca do sujeito em questão, porque o ato de ler não é uma prática homogênea,

independente de interferências sociais. Segundo ele, “Es um error considerar que um lector

obrero, que lee menos de cinco libros por año, vive ‘em versión limitada’ o ‘com menos

intensidad’ la misma experiencia que el lector universitário que lee más de 25 por año.”

(LAHIRE, 2004, p. 179)

Partindo das reflexões de Lahire, não se pode considerar a professora em questão alguém

desinteressado ou negligente com o ato de ler, mas como um sujeito cuja realidade social

condiciona sua história de leitura. Não se trata apenas de uma escolha por ler ou por não ler, ou

mesmo por ler determinado texto e negar qualquer identificação com outros. Nesse caso, estamos

falando de professores, multiplicadores e supostos modelos e mediadores de leitura, que não têm

contato com o bem cultural em sua diversidade de textos e suportes, nem têm condições

econômicas para adquiri-lo. Isso extrapola uma decisão por ler ou não ler e flagra a fragilidade de

um ensino que ainda desconhece a importância determinante da leitura para a formação de seus

sujeitos.

2.2 O professor como mediador

O homem é um Ser de linguagem e de cultura, como defende a psicanálise. Nada que o

constitui como sujeito, do ponto de vista dessa teoria, parte de um traço essencialmente natural,

haja vista sua condição de gregário e a organização simbólica de sua linguagem, que se impõe

mais forte que os aspectos relacionados à sua natureza, aqui entendida como algo totalmente

espontâneo ou inato. Há um elemento constante na infância, que é o motor de partida para a

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descoberta do mundo. Trata-se da curiosidade, que promove um encontro, primeiro físico, depois

simbólico, do sujeito com o mundo.

A curiosidade faz acender as primeiras perguntas, as primeiras dúvidas, e move o indivíduo

na direção do conhecimento. Mas, como filhote imaturo que é, o ser humano precisa do Outro

desde suas primeiras horas de vida para intermediar suas relações, suas descobertas, seu encontro

com o mundo. Assim, a demanda em descobrir o mundo através dos olhos e das mãos do Outro

faz parte do traço do sujeito humano.

É imperativo considerar esse aspecto ou realidade, para compreender que, na leitura, a

necessidade de um mediador que cumpra o papel de estimular para o significado do ato de ler não

é diferente. O livro, como objeto cultural, não chega às mãos das crianças espontaneamente, algo

já previsto e programado no seu processo de desenvolvimento. O livro e a leitura são

reconhecidos gradativamente pelas crianças e assumem um papel social na medida em que lhes

são apresentados. É possível que esse não seja o único e determinante ponto de partida para a

constituição do leitor. Entretanto, pode-se afirmar que ele funciona como uma primeira chamada.

Uma criança acalantada com músicas de ninar está sendo posta em contato com a literatura

oral; uma criança que brinca de cantigas de roda também está em contato com um texto secular,

passado de geração a geração. De certa forma, ela já adentrou nesse universo quando alguém –

um mediador – cumpriu o papel de lhe apresentar esses materiais, sem perceber que função social

ocupava naquele momento. Tal ato, inicialmente sem nome, provavelmente ficará guardado na

memória afetiva dessa criança, a ponto de, algum dia, ela vir a passar para outras crianças,

perpetuando músicas, cantigas e contos.

Ao entrar na escola, considerando agora a realidade da rede privada de ensino, as crianças

passam por algumas etapas de aproximação com a leitura. A educação infantil – para aquelas que

têm o privilégio de realizar essa etapa – permite uma aproximação lúdica e despretensiosa com a

literatura. As sessões de leitura de histórias fazem parte da rotina escolar como uma brincadeira

para encerrar o turno de atividades, quando a professora não possui outra intenção além do ato de

ler.

Mas, curiosamente, essa primeira mediação pode trazer algumas ameaças à liberdade de

contato com a arte quando, ao término da história, a professora sente-se obrigada a fazer

perguntas, tais como “o que você achou da história?”; “o que Chapeuzinho Vermelho fez, ao

desobedecer sua mãe, foi certo?”; “a madrasta faz bobagens, não é?” ou “conte qual foi a parte de

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que você mais gostou”. Atitudes como essas sinalizam para a criança, recém-chegada ao espaço

de educação formal, que o protocolo para a leitura não é tão livre quanto parece, ou quanto ela

vivia até então com as experiências familiares.

Ao final da Educação Infantil, o pequeno leitor já começa a sentir o aumento da pressão sobre

o significado da leitura, quando percebe uma cobrança em relação a sua atitude de um ser em

processo de alfabetização – demandas por fluência e compreensão de textos – na mesma

proporção em que vê reduzidos os momentos de fruição ou de escuta livre dos textos literários.

Mais uma vez, a mediação de leitura da literatura na escola não consegue se desprender da

necessidade de ter como fim uma função pedagógica.

O Ensino Fundamental chega com tantos projetos pedagógicos e com uma carga curricular

tão extensa, que o papel do professor como mediador das leituras literárias se perde para dar

espaço definitivo a outras demandas sobre o ato de ler, consideradas prioritárias na função

escolar: saber decodificar bem, ter boa fluência e compreender satisfatoriamente o conteúdo do

texto.

Transpondo a referida situação para o objeto de estudo da pesquisa – uma prática de leitura

com as crianças de 3ª série da EMTG –, o quadro de mediação de leitura vivido pelo grupo se

agrava bastante e aparecem algumas diferenças em relação aos exemplos das escolas particulares.

De saída, a primeira diferença: essas crianças não entraram na escola aos três anos de idade, mas

aos seis ou sete. Isso significa que a sua entrada se deu no período da alfabetização, eliminando-

se a etapa em que a leitura fruição ainda é de certa forma contemplada. Segunda diferença: o

livro como objeto cultural a que essas crianças tiveram acesso na escola, desde seu primeiro

contato com a instituição, foi o livro didático, desconhecendo outro livro, sobretudo, o de

literatura. Isso “desobriga” o professor de promover qualquer experiência lúdica com a leitura,

uma vez que ele precisa dar conta dos conteúdos presentes em seu material didático.

Ser mediador de leitura é, antes de tudo, ser leitor. E quando se é leitor, há a permissão para

fazer parte do jogo simbólico que o autor propõe e poder participar da brincadeira sem as amarras

pedagógicas, as quais limitam muitas vezes o trabalho com a literatura, quando, por exemplo,

simplesmente se pergunta “o que o autor quis dizer com isso?”, freando os leitores em suas

possibilidades interpretativas e de produção de sentido.

Em uma das práticas de leitura realizadas nesta pesquisa, numa roda de diálogo sobre as

histórias de vida de cada um dos participantes, um leitor interferia constantemente na minha

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leitura, dizendo que tinha uma irmã.20 De imediato, a professora perguntou: “você tem o quê?”. O

garoto repetiu, desconcertado: “Eu tenho uma irmã”. Ela o contestou algumas vezes, sinalizando

que ele estava “mentindo” e, não percebendo que estava desmontando a ficcionalização desse

garoto, olhou para mim e disse: “Eu conheço a família dele e sei que ele não tem irmã”.

O que mais importava naquele momento? O envolvimento do menino na atividade que estava

sendo desenvolvida e que, diferente de outras experiências de sala de aula, conforme a própria

professora relatou, ele demonstrava estar gostando e desejando dar sua contribuição? Ou

reafirmar que ele estava mentindo, inventando uma família que não possuía? E, afinal, o que é a

mentira e a invenção no universo da literatura?

Uma das impressões que passa é a de que, naquele momento, a professora exercitava seu

poder e seu saber completamente agarrados a uma noção de verdade positivista e racionalista. A

outra é de que ignorava um conhecimento do significado amplo, projetivo e simbólico da leitura e

do papel do mediador, como aquele que está ali para escutar essas criações, porquanto elas sejam

formas de representações de suas realidades e de seus desejos.

Faço minhas as palavras de Bartolomeu Campos de Queirós, quando diz que “cada um lê no

texto a sua experiência, daí a vantagem da literatura, a de criar divergências de sentimentos,

entendimentos e emoções. A palavra é para abrir portas e não para pintar uma única paisagem”.

(QUEIRÓS, 1997, p. 43)

Retomo a questão da interferência da professora no posicionamento dessa criança e me

pergunto que efeitos isso pode ter em suas leituras. Algo estava dito nas entrelinhas de sua

“mentira” que precisava ser acolhido como um diálogo com sua experiência de vida. Ao papel do

mediador não é dado o direito de intervir sobre as razões do leitor. Elas são próprias, individuais,

singulares e fazem parte da sua bagagem de vida.

O mediador, além de traduzir sua afinidade pessoal com a leitura e com a literatura, precisa

encontrar um espaço para fazer acontecer o jogo e promover o interesse de seus leitores para dele

participar. Uma vez que esse jogo esteja acontecendo, cabe ao mediador valorizar e favorecer a

escuta dos comentários dos leitores. Sim, porque é através da fala individual de cada um que se

dá o reconhecimento da diversidade e da polissemia do texto literário. O mediador deve escutar o

que o leitor tem a dizer, ainda que lhe pareça estapafúrdio. É necessário acreditar que é com esse

20 Episódio acontecido por ocasião da OL “Minha caixa de memórias”.

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exercício de fala e de escuta dos outros colegas que o leitor começa a se constituir e compreender

a função social da leitura.

É ainda Vera Aguiar (2001, p. 251) quem prossegue em sua reflexão, apontando para as

atividades lúdicas com a leitura como forma de recuperar “a espontaneidade e o

comprometimento dos jogos, que provoquem desafios a partir dos sentidos dos textos e,

sobretudo, que estimulem a participação do leitor”. Esse aspecto deveria estar em primeiro plano

na mediação, considerando que a produção de livros, desde o autor até o editor, vem fazendo sua

parte, ocupando-se de assegurar desde a linguagem estética até o projeto gráfico dos livros,

recursos atraentes ao leitor em formação.

Para que a mediação aconteça a contento nas escolas e sejam compreendidas sua importância

e a função na constituição dos leitores, é importante analisar de que modo os professores assistem

e compreendem a edificação da fantasia e do imaginário infantil, motor responsável pelas

interferências e inferências que os pequenos leitores farão no ato da leitura.

Marcel Postic (1993, p. 13) afirma que “imaginar é uma atividade de reconstrução e

transformação do real, em função dos significados que damos aos acontecimentos ou das

repercussões interiores que eles têm em nós”. Relacionando essa definição ao ato de ler ou

mediar um texto literário, pode-se inferir a extrema relevância da escuta das construções

imaginárias do leitor, considerando tratar-se, nesse ato, de um diálogo intersubjetivo. Não se trata

de um encontro técnico entre um autor, com intenções sobre o texto, e um leitor, com tentativas

de respostas que se aproximem daquilo que o professor entende como intenção do autor.

A lógica do trabalho desenvolvido com a literatura que espera uma atitude homogênea,

uniforme e sem divergências ou multiplicidade de idéias é a mesma que apresenta conteúdos e

áreas de conhecimento como verdades inquestionáveis, sem perceber que as mudanças sociais e a

velocidade do mundo são mais rápidas do que as propostas de ensino e que tudo ao redor do

leitor irá interferir em seus modos de ler um texto.

O que pode ser visto na EMTG é uma rotina sem ambiente para o desenvolvimento do

imaginário e da criatividade. As salas de aula são apertadas e mal há espaço físico para que as

crianças se disponham em roda ou alguma outra forma menos convencional de disposição de

cadeiras. Ombro a ombro, elas assistem às aulas ditadas pelos livros didáticos, sem mobilidade

física nem espaço para a imaginação.

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Os estudos na área da psicologia defendem a importância do brincar para o desenvolvimento

infantil e para a entrada da criança no universo simbólico. Através do jogo simbólico a criança

vai se apropriando e compreendendo o universo dos adultos e construindo suas próprias idéias

sobre esse mundo. A literatura infantil, como os jogos, expõe seu potencial simbólico para a

constituição do sujeito. Também é uma forma necessária de jogar simbolicamente com os

elementos da realidade, para que, através de outras vozes, o mundo fique mais compreensível e

solúvel.

Praticamente sem área externa, a EMTG não dá muitas possibilidades de brincadeiras para os

estudantes. Eles lancham e retornam para suas salas de aulas, pequenas e apertadas. Durante o

período em que desenvolvi as Oficinas Literárias, não vi jogos de memória, quebra-cabeças, ou

outro que possibilitasse a sociabilidade entre colegas e professores. Também não foram vistas

leituras livres em nenhum desses dias e, pelos depoimentos da professora e da diretora, parece

que não existem, porque não há livros disponíveis para isso.

Até o término desse trabalho com as práticas leitoras, não havia biblioteca ou sala de leitura.

Foi iniciada uma obra no espaço físico da escola, que reduziu ainda mais a área externa, mas que

trazia a promessa de um espaço para leitura. Esperava-se que em janeiro de 2008 as professoras a

construção tivesse sido finalizada e a escola recebesse um pequeno acervo literário. “Já é um

começo”, comentavam, quando conversávamos informalmente sobre esse espaço, reconhecendo

não ser ideal para a leitura por ser “pequeno e quente”. Até setembro de 2008, a obra não foi

concluída. Para ser mais precisa, foi abortada por “falta de recursos”, segundo a Secretaria de

Educação informou à Direção da escola.

Tal cenário apresenta um terreno árido para a imaginação, improlífico para a literatura, a qual

demanda, de modo mais efetivo, o papel do mediador de leitura. Mas quem são as professoras

que fazem parte dessa escola e que idéias têm sobre mediação? A professora da classe que

pesquisei se apresentava à sua turma sempre de modo cordial e afetiva, demonstrando conhecer a

história de cada um deles. Francamente preocupada com as dificuldades de cada um, C. não

alimentava muitas esperanças em relação a uma mudança do quadro de ensino e à evolução no

aprendizado da maioria de sua turma. Seu desassossego em relação à leitura estava mais voltado

para as questões de compreensão de texto. Para ela, o fato de as crianças chegarem à 3ª série com

tão pouca capacidade de decodificação era o motivo para que não compreendessem o texto. Não

há como tirar sua razão.

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A criança que não alcançou o domínio do código escrito provavelmente terá maior

dificuldade para compreender o que está posto em um determinado texto. Entretanto, o que C.

parece não ter percebido é que, primeiro, o acesso ao código não garante plenamente a

compreensão que ela tanto desejaria ver revelada na leitura dessas crianças. Segundo, o fato de

sua turma estar nessa condição defasada em relação à leitura é exatamente o que reforçaria a

importância e a necessidade de uma mediação de leitura capaz de fazer as crianças quererem mais

de si e do texto e com isso, talvez, se promover maior motivação para mudarem seus quadros de

leitores.

Mediar significa, como a palavra sugere, estar no meio, entre dois pólos. No caso da

mediação de leitura, representa estar entre um texto e dois leitores (aquele que produziu o texto e

aquele que irá ressignificá-lo). Mas significa ainda ter passado antes pela experiência da recepção

desse texto, de reconhecê-lo e ter preenchido seus possíveis vazios. Significa ter se permitido ser

leitor, antes de ser professor. Só assim o mediador poderá transitar pelo texto e saber apresentá-lo

a outros leitores, não como quem tem as respostas, mas como quem sabe escutar as perguntas que

ele é capaz de suscitar.

Todo trabalho de leitura em sala de aula é uma forma de mediação. Cabe avaliar a qualidade

das mediações, distinguindo aquela que simplesmente busca identificar em um texto literário

objetivos pedagógicos exigidos pelo currículo, e que o professor deve cumprir, daquela que

pretende, efetivamente, um diálogo.

Ao mediar essas práticas de leitura com os estudantes da EMTG, fiz com os textos o que

acredito ser a tônica de uma boa mediação de leitura: apropriei-me cuidadosamente de cada livro,

li repetidas vezes, desenvolvi alguns jogos simbólicos para auxiliar a motivação do grupo, previ

algumas reações, considerando que os silêncios também representam modos de recepção. Ainda

provoquei o grupo com perguntas, pensadas a partir daquilo que me pareceu ser a trama do texto,

sem perder de vista que os leitores poderiam trazer outras perspectivas de leitura. Também estive

aberta a escutar, individualmente, comentários e inferências, como respeitei cada um deles com

toda importância que merece.

A animação leitora, efetivada aqui pelas práticas de Oficinas Literárias, não tem a pretensão

de formar leitores, até porque não imagino a constituição de leitores como um processo com

início, meio e fim, nem sequer com uma intervenção pontual de apenas dez sessões ou dez

práticas leitoras. Tal tarefa se faz contínua e sucessivamente em diferentes lugares e espaços.

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Entretanto, em realidades sociais de pouco acesso a bens culturais, sobretudo de pouca

oportunidade de contato com o livro, lançar mão de uma aproximação que apele à fantasia, ao

lúdico, à imaginação, e sobretudo à reunião de tudo isso somado à bagagem de vida dos leitores,

contribui significativamente para acionar um desejo antes desconhecido.

As dez Oficinas Literárias pretendem dar conta de uma experiência no campo da literatura

infanto-juvenil, diferente das práticas leitoras habituais em sala de aula. Em cada uma delas,

busco analisar as respostas dos leitores à luz da Estética da Recepção e da Sociologia da Leitura,

destacando em minhas observações a importância de se considerar os diferentes modos de

recepção, o repertório leitor e o lugar social de onde esses sujeitos falam.

3. A PRÁTICA DA LITERATURA NA SALA DE AULA: UM ATO POS SÍVEL

O meu contato direto com os estudantes da EMTG, na condição de mediadora de uma prática

literária, pode levantar dúvidas e questionamentos sobre a fidedignidade da análise dos dados, se

conduzida pelo próprio pesquisador. Entretanto, como seria possível propor práticas de leitura,

ancoradas no diálogo texto/leitor, sem propor um modelo de mediação diferente daquele

conhecido e concebido pela escola? O fato de estar envolvida subjetivamente no processo,

voltado para a constituição de estudantes leitores, ao invés de se apresentar como entrave na

análise dos resultados da pesquisa, passa a ser um caminho produtivo para se rever o trabalho

com a literatura infantil.

Antes de se iniciar as práticas de leitura de textos da literatura infantil em sala de aula, foi

necessário cumprir cinco etapas: definição da rede estadual (pública ou privada); definição da

série, definição do lócus da pesquisa (a escola), seleção do acervo literário e elaboração de uma

proposta das práticas leitoras.

Partindo do princípio de que estão na rede pública as maiores queixas e defasagens no

trabalho com a leitura e a literatura e que o acervo escasso ou até mesmo inexistente é um aspecto

limitador para aproximar os estudantes do livro, entendido aqui como objeto cultural, decidi que

a escola pública seria o meu campo empírico de pesquisa, em Salvador.

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A escolha por uma escola municipal foi feita em virtude de duas fortes razões: ter já

desenvolvido durante sete anos um Programa de incentivo à leitura, através de uma ONG21, o que

me permitiu um maior trânsito na Secretaria Municipal de Ensino, facilitando meu acesso à

escola, e a decisão de fazer a pesquisa nos anos equivalentes à primeira etapa do Ensino

Fundamental – 1ª à 4ª séries. Vale lembrar que as escolas estaduais não atendem a esse público.

A segunda etapa foi a escolha da escola. No ano de 2007, a Asa da Palavra desenvolveu, com

o patrocínio do Shopping Center Iguatemi, um projeto de incentivo à leitura22 na EMTG, cuja

metodologia também consistia no desenvolvimento de Oficinas Literárias coordenadas por mim.

Devido a um conhecimento prévio da escola e da Direção, decidi conversar com seus gestores

sobre a pesquisa e pedir-lhes o consentimento para a sua realização na instituição. A

receptividade da Direção foi imediata. Ficou decidido, então, que as práticas literárias planejadas

para essa pesquisa seriam aplicadas na Escola Municipal Tomás Gonzaga (EMTG), localizada no

bairro periférico de Pernambués em Salvador-Ba.

Tomei o cuidado para que a metodologia da pesquisa fosse aplicada com crianças que ainda

não tinham tido a oportunidade de vivenciar as Oficinas Literárias, no formato aplicado pela Asa

da Palavra, já que o propósito era evidenciar a recepção do grupo a um trabalho com a literatura

infantil inexistente em sua prática de sala de aula. Daí a opção de trabalhar no turno oposto ao

dos estudantes que faziam parte do Projeto do Iguatemi.

O bairro de Pernambués, considerado um dos mais populosos de Salvador, com cerca de 100

mil habitantes, conta com uma infra-estrutura de transporte coletivo, clínicas, hospitais,

supermercados, farmácias, casas lotéricas, shoppings e conjuntos habitacionais23. Em seu

entorno, estão os bairros de Saramandaia, Cabula, Pituba, Brotas e Jardim Brasília, que, apesar de

serem bairros heterogêneos em suas populações e classes sociais, revelam predominância da

classe sócio-econômica mais carente.

Segundo informações do site Cultura todo dia24:

O nome Pernambués tem origem indígena e significa mar feito à parte ou tanque de água. O local é composto basicamente por moradias populares e pequenos comércios. A

21 A ONG em questão é, como já foi citada, o Instituto Iris. 22 O projeto patrocinado pelo Iguatemi para comemorar 30 anos de inaugurado, intitulado Iguatemi transforma a vida com arte, desenvolveu atividades de literatura e artes visuais em duas escolas municipais de Salvador. Durante o ano de 2007, a Asa da Palavra foi responsável por desenvolver as atividades relacionadas à literatura. 23 Cultura todo dia. Disponível em: <www.culturatododia.salvador.gov.ba.br> Acesso em: 07 set. 2008. 24 Ibid; 2008.

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área, por possuir uma densa aglomeração humana, enfrenta muitos problemas de estrutura que as associações de moradores tentam solucionar, junto ao poder público, a exemplo do Grupo Alerta Pernambués e da Sociedade Beneficente 10 de Julho. (2008)

A EMTG possui uma estrutura física muito simples. Uma caixa d’água fica localizada bem no

centro do que poderia ser um pequeno espaço aberto à circulação dos estudantes. Não há espaço

físico para brincadeiras que envolvam o corpo, e as crianças ficam confinadas entre a sala de aula

e esse espaço exíguo de “recreio”, quando fazem o lanches no intervalo das aulas e retornam às

suas salas. Estas salas são pequenas, com mesas organizadas por duplas e entre uma fila e outra

de carteiras. O espaço é tão pequeno, que a professora mal se esgueira por entre as carteiras para

interagir com a turma. O ambiente é quente e a acústica é péssima – escutam-se os ruídos da sala

ao lado, o que confunde a professora quanto à sua procedência. Ela pede silêncio, enfaticamente,

quando a sala já está em silêncio e o barulho está vindo de fora.

Diante das condições tão adversas dessa escola, refleti sobre a importância de se ter um

espaço físico bem aparelhado, como condição para o processo ensino-aprendizagem, assim como

fui tomada por muitas dúvidas quanto à recepção dos estudantes às OL, já que as condições ali

encontradas eram tão desfavoráveis.

A terceira etapa ficou por conta da escolha da faixa etária e série das crianças que

vivenciariam essa experiência. Sabe-se que a 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental das escolas

públicas – em Salvador denominado de Ciclo de Estudos Básicos (CEB) 1 e 2, justamente pela

tentativa de unir a alfabetização aos currículos das duas séries iniciais – revelam sérios problemas

relacionados à decodificação e compreensão de um texto.

O fato de o ensino público não se responsabilizar pela educação infantil ou pela alfabetização

faz com que a criança, muitas vezes, tenha seu primeiro contato com a escola aos sete anos de

idade. Isso retarda sua habilidade com o código escrito, seja a da codificação/decodificação, seja

a da compreensão leitora.

Constata-se nos dois primeiros anos do ensino público um movimento constante dos

professores em garantir que os estudantes saibam ler, no sentido restrito da decifração, ficando

em segundo plano outras habilidades relacionadas à leitura, particularmente a de produzir sentido

sobre aquilo que se está lendo. Ao término dos dois primeiros anos da criança na escola, os

depoimentos de professores expõem certo constrangimento por não terem conseguido assegurar

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uma fluência na leitura dos estudantes. “Eles não lêem nada”, afirmam desanimados com a

pungente evidência dos fatos.

Como o propósito da pesquisa não pode contar com variáveis relacionadas a um nível de

decodificação precário dos estudantes, e pretende avançar para uma análise sobre a produção de

sentidos diante das práticas leitoras, foi descartada a possibilidade de se tomar como público os

estudantes do CEB 1 ou CEB 2. Portanto, tive que fazer uma escolha entre a 3ª e 4ª séries.

Considerando que as turmas de 4ª. série de escolas públicas, ressalte-se que se trata de uma

realidade de Salvador, constituem-se de grupos muito heterogêneos em relação às suas faixas

etárias – há uma variação de idade, dos 9 anos (idade esperada para essa série) até 16 anos e tal

diferença traz discrepâncias nos gostos, nas demandas e nos desejos dos sujeitos – a escolha por

esse grupo não me pareceu conveniente. Apesar de reconhecer que todo grupo é heterogêneo,

sobretudo quando se considera o contato dos estudantes com a temática e o enredo de um texto

literário, era necessário evitar interferências previstas, como as relacionadas à idade, que

poderiam comprometer a escolha dos livros e a atitude receptiva dos leitores.

Restou-me, então, a turma da 3ª série. Uma vez que esses estudantes já passaram pelas duas

séries iniciais e considerando que nessas turmas conta-se com um número menor de adolescentes,

pressupus que tal turma seria adequada à proposta da pesquisa.

Ao iniciar as negociações sobre as datas de minha ida à escola, mais um item se interpôs

antes do início da pesquisa: constatei que havia três turmas de 3ª. série e que teria que estabelecer

alguns critérios para escolher em qual das três eu iria interferir.

Numa primeira conversa com a diretora sobre os ajustes de horários, conversamos acerca do

perfil das turmas, segundo a qual uma delas era de “repetentes”, outra, com sérios problemas de

comportamento e a última, “o que se poderia considerar um grupo sem problemas”. Coincidência

ou não, estava neste último grupo uma professora, considerada também pela diretora a mais

receptiva e tranqüila das três.

Nessa reunião foi sinalizado pela diretora seu desejo em contemplar a turma de crianças com

problemas de comportamento, por considerar que “são meninos sem oportunidades”25.

25 Quando a diretora sinalizou seu desejo de que essa turma participasse da pesquisa “porque eles não têm oportunidade alguma”, pensei, questionando, na rotulação (nos critérios que guiaram tal classificação), como também em uma proposta de trabalho mais envolvente, mesmo para crianças com dificuldades acentuadas. Embora não pudesse contar com essa variável na pesquisa, penso ser inadiável, por parte das instituições reguladoras de ensino, a apresentação de alternativas de práticas de leitura que não se reduzam a tomar como critérios de

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Entretanto, optei por desenvolver a pesquisa na turma que não carregava qualquer estigma (ao

menos, não de forma tão explícita), por não estar previsto para essa pesquisa atuar em um grupo

que já apresentasse questões emocionais ou de “comportamento” acentuados. Ademais, iniciar

uma pesquisa num grupo já visto e rotulado pela escola como “problema” poderia interferir no

encaminhamento desta investigação, desde a criação das Oficinas Literárias, a recepção dos

textos entre os estudantes até chegar à análise dos dados

Explicados os motivos, a diretora compreendeu e o cronograma de encontros foi montado. O

percurso metodológico aconteceu entre os meses de setembro e novembro de 2007, em uma

turma de 3ª série da EMTG, que contava com vinte e dois estudantes em sua classe.

Tendo definido que a turma contemplada seria a 3ª série, procedi a um levantamento

bibliográfico de produções textuais da literatura infantil para uma seleção do acervo mais

próximo e mais interessante para essa faixa etária. Considerando que tive a intenção de abordar a

recepção dos textos da literatura infantil a partir de conteúdos que tratam de questões subjetivas e

existenciais, foi inevitável a escolha de temas como sentimento de frustração e de perda, exclusão

social e identidades.

Após a leitura de um diversificado acervo literário, algumas reflexões e discussões acerca do

tema e do tempo disponível com a orientadora da pesquisa, ficou decidido que seriam realizadas

dez OL (cada, com uma hora de duração e uma vez por semana). Assim, dois encontros se

voltaram para o mapeamento da bagagem leitora do grupo e seus horizontes de expectativas; sete,

à recepção de textos literários; um, a uma análise da ampliação do “horizonte de expectativas”

desses leitores. Os livros escolhidos foram os seguintes26: No olho da rua: historinhas quase

tristes, de Georgina Martins, (desse livro, foi selecionado o conto “O menino e o livro”);

Guilherme Augusto Araújo Fernandes, de Mem Fox; A flor do lado de lá, de Roger Mello, e Nós,

de Eva Furnari. O enredo desses livros será apresentado mais adiante e o modo como foram

trabalhados encontra-se nos Anexos27.

A concepção dessas Oficinas, a partir dos livros selecionados, tem como suporte três pilares

que a sustentam: emprego de uma linguagem lúdica; montagem de uma estratégia que possibilita

a fala e a escuta de todos; envolvimento do estudante como sujeito implicado no ato da leitura.

organização das turmas indicadores de comportamento e de capacidade cognitiva dessa ordem, a pretexto de buscar homogeneidade de trabalho para o professor, pressuposto que anula o desafio e a motivação aos estudantes. 26 Esses livros estão citados no item Referências dos Livros de Literatura Infantil Utilizados nas Atividades da Pesquisa. 27 Cf. Anexo A – Práticas leitoras.

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Tive o primeiro contato com o grupo uma semana antes de iniciar a atividade. A professora já

havia antecipado algo acerca da minha pesquisa. Chegando à sala, me apresentei, falei um pouco

sobre nossas sessões e o tempo de duração e abri espaço de escuta a respeito de cada um dos

estudantes, de suas dúvidas ou curiosidades. Como esperado num primeiro encontro entre

pessoas desconhecidas, não houve muitas manifestações. Os olhares estavam atentos a tudo que

eu dizia, mas sem perguntas nem comentários. Apenas uma garota se manifestou, com a seguinte

indagação, já no momento em que eu saía da sala: “Que dia você vem?”. Entendi isso como:

“Seja bem-vinda”.

Como passo inicial da pesquisa, precisávamos conhecer a história de leitura dos estudantes

dessa 3ª série. Que livros já teriam lido? Tiveram contato com livros fora do ambiente escolar? Já

receberam algum livro de presente? Seus pais são alfabetizados? Alguém da família lhes conta

histórias? Tais perguntas são formuladas de um determinado lugar social, o meu, que convivo e

sou presenteada com livros, recebo-os de editoras, leio bastante, valorizo e reconheço o espaço da

contação de histórias na constituição do leitor. Isso deflagrou uma expectativa que precisou ser

contornada para dar espaços a escutar outros universos leitores: sem livros, sem constância nos

modelos de leitores nem recursos financeiros para adquiri-los, além de muita dificuldade de

acesso a bens culturais prestigiados.

É muito importante lembrar que o caráter de pesquisa-ação desse trabalho requer uma

interferência e uma implicação direta do pesquisador com o grupo. Considerando que atuaria

como mediadora de leitura do grupo durante dez encontros, fiz algumas solicitações à escola, as

quais julgava necessárias ao bom andamento do trabalho.

Por entender que o primeiro ponto convergente para uma boa interação com a leitura é a

disposição da sala em círculo, solicitei que as oficinas fossem desenvolvidas, preferencialmente,

no auditório28. Em algumas situações, fiz na própria sala de aula, mas isso aconteceu por uma

conveniência da prática desenvolvida. Solicitei ainda que evitássemos aplicar as práticas em

horário de aula seguinte ao intervalo das aulas, depois do qual as crianças chegam muito agitadas,

o que consome parte do nosso tempo.

Embora essa realidade construída não represente o quadro daquilo que eles vivem na rotina

da sala de aula – invadida por barulhos externos e com salas apertadas e desconfortáveis –, para o

28 O que eles denominam de auditório é uma sala ampla, onde ficam a TV e o aparelho de DVD na qual acontecem reuniões com os pais.

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propósito desta pesquisa foi imprescindível a criação de um ambiente dentro dos referenciais que

acredito serem produtivos a uma boa mediação. Aliás, se verificarmos detidamente, tais

“condições” estão ao alcance de qualquer professor que queira sair da sua rotina de trabalho.

A proposta das práticas leitoras desenhadas para este estudo parte do pressuposto de que o

trabalho com a literatura na sala de aula prescinde de objetivos curriculares para sua realização.

Antes, encontra sua verdadeira função e motivação quando evoca do leitor aquilo que o faz dar

sentido ao texto, justificando por esse caminho as razões ou demandas que nos conduzem à

leitura de textos ficcionais.

3.1 Jogo de percurso do leitor: caminho feito de palavras (1ª OL: uma sessão)

FIGURA 1 FIGURA 2

Nessa primeira sessão, considerei prudente criar uma estratégia na qual o livro não

aparecesse. Em seu lugar, seria um jogo, que, de certa forma, o representasse. Foi então que

nasceu o Jogo de percurso do leitor, norteado pela pergunta “Adivinhe o quanto eu já sou

leitor?”. Esse foi um modo de conhecer um pouco a bagagem leitora do grupo.

Jogo de percurso ou trilha é aquele em que há um caminho recortado em vários espaços

físicos (chamados de “casas”, Figuras 1 e 2), com ponto de partida e de chegada. Entre esses

pontos, alguns obstáculos que devem ser vencidos para se alcançar o final. Cada criança joga um

dado que, pela pontuação, determinará o número de “casas” a serem percorridas com um objeto

de marcação. Os obstáculos podem fazer recuar ou avançar as casas, a depender do desempenho

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do jogador para responder à pergunta – se ele acerta, avança; se erra, recua. Ganha o primeiro

jogador que concluir o percurso.

O objetivo dessa primeira experiência foi mapear o repertório desses estudantes: a que tipo de

textos têm acesso, o que conhecem de leitura, desde os clássicos aos contemporâneos. O jogo

dessa primeira sessão considerou a estrutura física e as referidas regras básicas dessa antiga

brincadeira, adaptando, contudo, alguns pontos29.

A primeira adaptação foi a seguinte: não havia obstáculos salteados em algumas casas

aleatoriamente, como acontece tradicionalmente nos jogos. Nesse jogo (Figuras 1 e 2), todas as

casas apresentavam um obstáculo, definido por uma pergunta referente a algum texto literário.

No total, o jogo continha quarenta e duas casas e quarenta e dois obstáculos/perguntas30.

Outra adaptação diz respeito à forma de agrupamento dos jogadores. Como não haveria

tempo para a participação individual de vinte jogadores (dois estudantes faltaram nesse dia),

dividi a turma em quatro equipes com cinco estudantes; cada equipe tinha a sua vez de jogar, e

em cada rodada haveria um determinado participante. Assim, todos tiveram sua vez de jogar e

responder às perguntas.

Mais uma diferença entre esse jogo e o tradicional: o objetivo final do jogo não foi chegar

primeiro ao fim do percurso, mas responder ao maior número de perguntas possível, pois, para

cada pergunta respondida, o jogador ganhava um livro31. Caso o jogador não conseguisse

responder à pergunta do desafio do jogo, alguém do seu grupo poderia tentar.

As perguntas contemplaram uma diversidade de textos: contos ditos clássicos, contos de

fadas, parlendas, cantigas de ninar e de roda, histórias em quadrinhos, adivinhas e histórias de

autores contemporâneos. Isso contribuiu bastante para verificar bagagem do grupo em relação à

produção literária. Tomei o cuidado de recorrer a escritores supostamente mais conhecidos e

contemporâneos, como Vinicius de Moraes, Ana Maria Machado e Ligia Bojunga Nunes, já

consagrados, e selecionando apenas um escritor mais jovem, Leo Cunha. Desse modo, pôde-se

evitar uma possível dificuldade da turma no acesso a nomes de autores mais recentes,

considerando um universo, o desses estudantes, de tanta carência de acervo literário.

29 Cf. Anexo B – Jogo de percurso do leitor: o caminho feito de palavras. 30 Cf. Anexo B – Jogo de percurso do leitor: o caminho feito de palavras – Perguntas/desafios 31 Os livros presenteados são da Coleção Mini-clássicos infantis e Fábulas de Ouro, da Editora Girassol. Com esse intuito, tinha-se a pretensão de dinamizar a brincadeira e verificar se o grupo conhecia tais histórias.

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As respostas apresentadas pelo grupo no Jogo do percurso permitiram agrupar por gêneros os

diferentes textos mais familiares ao grupo: contos clássicos e contemporâneos, adivinhas,

cantigas de ninar e de roda, histórias em quadrinhos, lendas e parlendas.

Em relação aos contos clássicos, quatro histórias se revelaram desconhecidas da maioria da

turma, pela ausência de referências a tais narrativas: A pequena vendedora de fósforos apenas

uma criança conhecia; O Barba-Azul, A moura torta e A formiguinha e a neve eram

desconhecidas de todo grupo. O pouco conhecimento encontra explicação de uma ausência

desses contos nas escolas. Em conversas informais com professoras de escolas da rede pública e

do ensino privado, constatou-se certo preconceito em torno das tramas dessas histórias,

consideradas tristes e impróprias às crianças por fazerem explícita menção à morte.

Esse pré-julgamento, que determina aquilo que a criança “pode” escutar ou ler, relaciona-se,

intimamente, com aquilo que o professor elege, segundo seus critérios, como menos ofensivo ou

mais educativo para os leitores, o que pode inviabilizar o acesso a algumas histórias. Constata-se,

portanto, que as crianças estão vulneráveis às escolhas dos adultos com quem convivem e que

tais escolhas estão carregadas dos valores subjetivos dos mediadores de leitura. E, embora isso

seja previsível, aceitável e inevitável, não impede que haja, por parte da escola e dos professores,

uma constante (re)avaliação crítica do acervo selecionado para os estudantes.

Ainda em relação aos chamados clássicos da literatura, algumas dados curiosos merecem

atenção. Quando pensei na questão “Dê o nome de três histórias que possuem a personagem

bruxa”, imaginei que a turma fizesse uma relação com Branca de Neve. Ao contrário,

imediatamente, uma criança se lembrou da Bruxa Keka, personagem do quadro do programa da

Xuxa da TV Globo, o que aponta para a força dessa mídia no imaginário das crianças.

Em seguida, essa criança se lembrou de duas histórias atuais, apresentadas, segundo ela, pela

professora: Maçã do amor e Sopa da bruxa. Perguntei-lhe onde a professora havia lido essa

história e obtive a resposta: “No livro da escola, ora!”, referindo-se ao livro didático, familiar a

um número considerável de estudantes. Isso ratifica o importante papel desse material no

cotidiano escolar, mas adverte para a necessidade de projetos pedagógicos e políticas públicas

que garantam o acesso a um maior número de livros e de tipologias textuais.

As perguntas acerca das histórias João e Maria, Branca de neve e os sete anões, João e o pé

de feijão e A festa no céu não foram respondidas integralmente, mas indicaram fazer parte do

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repertório do grupo, visto que as crianças demonstraram conhecer suas tramas, através dos

comentários feitos ou da contação de trechos dessas narrativas.

As histórias em quadrinhos também se revelaram bem familiares à turma, especialmente as da

Turma da Mônica. As crianças conhecem os nomes das personagens e as marcas que lhe são

peculiares, como é o caso de Cebolinha, sobre o qual foi feita a seguinte pergunta: “Quem é o

personagem que troca o r pelo l das histórias em quadrinhos?”. Já a pergunta referente ao Tio

Patinhas levou duas rodadas para ser respondida. Apenas uma criança deu uma resposta, o que

me leva a pensar em duas possibilidades: ou se trata de preferência – a Turma da Mônica é quase

unanimidade de gosto e maior popularidade entre os leitores em formação – ou sinaliza ausência

de oportunidade de acesso a essas revistas.

Das seis adivinhas presentes nos desafios do jogo, três ficaram sem respostas32. Uma adivinha

que merece um comentário interessante é a do galo33. Apenas uma criança soube responder e

sinalizou prontamente: – “Eu sei porque eu tenho o livro com essa adivinha”. Essa resposta e a

referência ao livro fizeram com que o grupo tivesse uma reação imediata de valorização do

colega, batendo palmas para ele. Em seguida, vi seus vizinhos de roda lhe perguntarem sobre tal

livro e se o garoto poderia levá-lo para a escola.

Com esta pergunta, pode-se inferir que o livro, mesmo num universo onde o contato e acesso

a ele é limitado e precário, apresenta uma representação social de prestígio e a sua ausência de

uma rotina de leituras não impede o reconhecimento do status do ato de ler. Acredito que “saber

ler” e “ter livros”, ao contrário do que é comentado nos bastidores da escola, é objeto de desejo

desses meninos e eles sabem da existência do “mundo da leitura” e da sua reverberação na vida

daqueles que têm acesso a esse bem cultural.

Outra situação que exemplifica essa percepção social da leitura se encontra na resposta de

uma das adivinhas. Quando decidi colocar nas perguntas do jogo a adivinha “O que é o que é que

é: é surdo e mudo, mas conta tudo?”, cuja resposta é “o livro”, imaginei não haver acertadores,

por se tratar de uma resposta que fazia alusão ao significado da leitura. Uma criança respondeu

imediatamente, sem titubear. Ficou claro que essa minha expectativa, carregada de preconceitos,

se relacionava a uma concepção equivocada acerca de grupos sociais menos favorecidos: corre

32 As adivinhas e suas respectivas respostas são: “O que é o que é que sempre se quebra quando se fala?” Resposta: Silêncio; “Ele é magro pra chuchu, tem dentes, mas nunca come e mesmo sem ter dinheiro, dá comida a quem tem fome?” Resposta: Garfo; “O que é que passa a vida na janela e mesmo dentro de casa, está sempre fora dela?” Resposta: Botão. 33“Por que o galo quando canta fecha os olhos?”Resposta: Porque sabe a música de cor.

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livremente, no saber do senso comum, que tais grupos apresentam, quase sempre, respostas

limitadas a um texto por não fazerem parte de uma suposta “elite” de leitores mais bem

preparados.

Reconheço, me flagrei descrente de que alguma criança respondesse a adivinha, por tratar-se

de um lugar subjetivo dado à leitura e por considerar que tal reconhecimento por um grupo cujo

acesso ao livro é tão limitado. Como muitos, confesso, caí no ardil do preconceito. É inevitável

que o mediador de leitura manifeste expectativas sobre os desdobramentos de seu trabalho e faça

suas escolhas de textos a partir disso. Porém, justamente por esse motivo, torna-se imprescindível

uma constante revisão da seleção dos textos e uma franca escuta das produções de sentido dos

leitores.

Uma pequena parte do grupo “afirmou” conhecer A arca de Noé, de Vinicius de Moraes,

embora não conseguisse se lembrar de qualquer de seus poemas. Quanto às perguntas

relacionadas aos livros de literatura contemporânea, não foram respondidas. As crianças

desconheciam as histórias de Ana Maria Machado e de Ligia Bojunga Nunes. Suas respostas

flagraram um equívoco no modo pelo qual foram formuladas as perguntas acerca de textos da

atual produção da literatura infantil. Nas questões referentes aos clássicos, limitei-me a perguntar

sobre as histórias, evitando fazer menção aos nomes de Grimm ou Andersen.

Em relação à literatura infantil contemporânea, foquei as perguntas no nome do autor,

considerando que o nome de Ana Maria Machado, por exemplo, se sobreporia à sua obra. Tal

situação não só trouxe uma seqüência de respostas negativas, como revelou que a seleção feita

pelos mediadores de leitura pode determinar o rumo das respostas dos leitores, o que se torna

mais um ponto a ser considerado pela escola quando da seleção de textos para os estudantes.

Perguntei-me o que teria acontecido se, ao invés de fazer perguntas sobre um autor, como as que

foram feitas34, levantasse questões acerca de publicações mais conhecidas. Talvez constatasse

que alguma criança as conhecesse.

Monteiro Lobato, por sua vez, aparece como exceção nesse contexto. Nas perguntas feitas

acerca de suas narrativas – “Qual o nome da boneca falante do Sítio do Pica-pau-amarelo?” e “Dê

o nome de dois personagens inventados por Monteiro Lobato?” –, constatou-se ser de grande

conhecimento da turma, pelas reações efusivas, que queria atravessar a garota sorteada para

responder à pergunta. Embora a estudante que respondeu às perguntas tenha afirmado conhecer

34 Cf. Anexo A – Jogo de percurso do leitor: O caminho feito de palavras.

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as histórias do Sítio também pelo livro, fica marcada a presença e interferência da mídia no

imaginário dessas crianças.

No livro Retratos da leitura no Brasil, organizado por Galeno Amorim (2008, p. 178-179) e

originado de pesquisa homônima, aparece um dado muito interessante: Monteiro Lobato é o

nome citado em primeiro lugar como “o mais admirado pelos leitores”35, assim como O sítio do

Pica-pau-amarelo, apesar de não haver livro com tal título, surge na lista como o segundo livro

“mais importante na vida dos leitores.” Isso revela que a série da TV e a obra de Lobato se

misturam de tal forma no imaginário do leitor, que sequer é necessário haver aproximação real

com a obra em seu formato de livro para que seja reconhecido, ao tempo em que abre uma

reflexão sobre as respostas dadas no Jogo de percurso do leitor pelos estudantes da 3ª série da

EMTG. Talvez, nem eles percebam a dimensão da interferência dos programas de televisão em

suas vidas.

As cantigas de ninar, as de roda e as parlendas foram de reconhecimento geral. Toda a turma

conhecia e completava as estrofes colocadas no desafio. Essa bagagem leitora, de base

eminentemente oral, revelou-se muito forte no grupo ao tempo em que expôs uma

desqualificação por parte de uma cultura hegemônica, letrada, que endossa uma concepção

equivocada de literatura, como uma prática artística somente veiculada no suporte livro. Nesse

processo, no qual não se pode identificar a ponta do novelo, a escola é participante na medida em

que ratifica tal pressuposto, o que inviabiliza práticas leitoras que tragam à tona as histórias orais

guardadas na comunidade dos estudantes. Acredito que esse seja um dos caminhos para favorecer

a constituição dos leitores.

Durante o jogo, uma criança me disse: “esse jogo não vale porque é um jogo para quem lê

muito.” Perguntei-lhe se gostava de ler e respondeu-me que “não, não gostava muito”. Tentei

prosseguir o diálogo, mas ela não rendeu comentário. Tal resposta pode ser escutada por

diferentes ângulos: o primeiro, e mais imediato, deflagra uma questão pontual: estamos diante de

um “não leitor”36 – pelo menos de texto literário. Contudo, outra face dessa resposta pode ecoar

35 Vale notar que a pergunta não se refere ao autor mais lido, mas ao “mais admirado” pelos leitores. 36 A falsa idéia do “não leitor” é apresentada pela Sociologia da Leitura ao questionar os critérios que definem o que é ser leitor. Márcia Abreu, Bernard Lahire, Olivier Donnat, dentre outros, exploram bem essa questão e afirmam, a uma só voz, que aquilo que dizemos sobre o que lemos repercute em nossa imagem social e que os dados estatísticos de pesquisas sobre tal assunto devem ser vistos com certa reserva, pois anunciam que os premiados ao lugar de leitores são aqueles que respondem sim a um determinado tipo de texto, livro ou autor. Alguns estudos vindos do campo da Sociologia da Leitura avaliam que os resultados de uma pesquisa sobre leitura não podem ser interpretados sem que sejam formuladas questões a respeito das condições sociais e culturais em que foram produzidas. Pode-se

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em algumas perguntas anteriores: essas crianças tiveram acesso ao livro e a uma escolarização

não equivocada da literatura? Foi-lhes permitida uma aproximação a esse gênero textual, mais

subjetivo e artístico, de modo a terem seu espaço de leitor e receptor preservado e valorizado em

suas contribuições? Essas perguntas geram certo desconforto porque justificam um “não gostar”

de ler na medida em que só se gosta daquilo que se conhece. Aquilo que é novo e ausente da

vivência do sujeito não pode lhe ser objeto de prazer sem que haja uma mediação para isso.

Ao final do jogo, pedi que cada um respondesse às seguintes perguntas: “Você gosta de ler?

Qual foi o último livro que você leu que não foi apresentado pela escola?” As respostas foram

interessantes. Apenas três crianças disseram nunca terem recebido livros de ninguém da família e

só os conheciam livros através da escola. O restante do grupo tinha alguma experiência para

contar sobre algum livro que recebera do pai, da mãe, da tia ou avó. Isso revela que, em meio às

suas famílias, bem cultural não é desconhecido nem completamente ausente. Tal dado contraria a

afirmação de o brasileiro não lê nem se interessa por livros. Bernard Lahire apresenta outra

perspectiva para essa questão, ao ressaltar a importância de se avaliar se os textos selecionados

para um julgamento dessa ordem são de interesse e identificação do leitor. Argumenta esse

pesquisador:

Cuando mis lectores de extracción popular insistían en rechazar lo “ficticio”, las historias “sin pies ni cabeza”, señalaban a menudo temas demasiado alejados de ellos (de sus experiencias sociales) como para interesarlos verdaderamente. ¿Cómo apreciar escenas de adultos en perpetua búsqueda de sí mismos, formulándose mil preguntas metafísicas sobre la existencia, experimentando el sentimiento del absurdo de la vida, etc., cuando se pertenece a un medio social en el que estas escenas de la vida cotidiana no tienen lugar, o, al menos, no se presentan de manera tan intelectualizada? ¿Cómo soportar la narración de los interminables vaivenes de la vida amorosa de burgueses y pequeñoburgueses cuando no si tiene la misma visión ni la misma practica de vida amorosa e conyugal? (LAHIRE, 2004, p. 184) 37

dizer, então, que, uma vez fazendo parte de uma sociedade letrada, o “não leitor”, entendido como o indivíduo sem acesso a leituras, não existe. Ao contrário, há leitores de diferentes textos, estes, por vezes, não chancelados por instituições de ensino ou pesquisa. Cf. Bernard LAHIRE (Org). Sociología de la lectura. Barcelona: Gedisa, 2004, p.11. 37 Quando meus leitores de uma camada popular insistiam em rejeitar o fictício, as histórias “sem pé nem cabeça”, sinalizavam serem temas muito distantes deles (de suas experiências sociais) para que pudessem lhes interessar verdadeiramente. Como apreciar cenas de adultos em eterna busca de si mesmo, formulando-se mil perguntas metafísicas sobre a existência, experimentando o sentimento do absurdo da vida, etc. quando se pertence a um meio social em que essas cenas da vida cotidiana não têm lugar, ou, ao menos, não se apresentam de maneira intelectualizada? Como suportar a narrativa de intermináveis vai-e-vem da vida amorosa de burgueses e pequeno burgueses quando não se tem a mesma visão, nem a mesma prática de vida amorosa e conjugal. Tradução livre.

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A saída para se ter uma visão alargada sobre o quadro de leitura de um determinado local,

seja em uma sala de aula, seja em um país, é circular pela diversidade textual e traçar as escolhas

e preferências do grupo observado ou pesquisado. A partir daí será possível identificar os leitores

que se tem à frente.

Sobre essa questão, Vera Aguiar defende a idéia de que o ato de leitura requer que os leitores

se coloquem como quem penetra num jogo. A autora considera que, para isso, os participantes

precisam reconhecer as regras e fazer parte delas.

A leitura é um jogo em que o autor escolhe as peças, dá as regras, monta o texto e deixa ao leitor a possibilidade de fazer combinações. Quando ela faz sentido, está ganha a aposta. Mas isso só acontece porque o leitor aceita as regras e se transporta para o mundo imaginário criado. Se ele resiste, fica fora da partida. Ao mergulhar na leitura, entra em outra esfera, mas não perde o sentido real e aí está, a nosso ver, a função mágica da literatura: através dela vivemos uma outra realidade, com suas emoções e perigos, sem sofrer as conseqüências daquilo que fazemos e sentimos enquanto lemos. Essa consciência do brinquedo que é a arte é que leva-nos a experimentar o prazer de entrar em seu jogo (AGUIAR, 2001, p. 254).

Se posso pensar no texto literário como jogo de palavras, a perspectiva de inserir essa

linguagem lúdica em atividades com a literatura parece ser uma alternativa interessante e

favorável para aproximar o estudante do texto. As respostas dadas nessa primeira prática indicam

um caminho fértil e de muitos diálogos intersubjetivos.

A primeira OL se apresentou altamente dinâmica e atendeu às minhas expectativas de

recolher informações sobre o universo leitor do grupo, como me aproximou, na condição de

mediadora de leitura, mais da turma, pelo meu interesse em escutar gostos, desejos e

pensamentos sobre alguma história. Ao terminar a atividade, as crianças comentavam sobre o

quanto tinham gostado e já perguntavam quando eu voltaria e o que faria no próximo encontro.

Ao me despedir do grupo, levantei o suspense para nosso próximo encontro. Disse-lhe que

embarcaríamos em uma viagem.

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3. 2 Embarcando para uma viagem (2ª O.L: uma sessão)

FIGURA 3 FIGURA 4

Ainda desejando conhecer as crianças e as escolhas leitoras que fazem ou podem vir a fazer,

desenvolvi a atividade do 2º. Encontro. Em uma mala38 – recoberta externamente com ilustrações

de livros e cenas de leitura (Figuras 3 e 4) – coloquei diversos livros e revistas em quadrinhos e

apresentei a idéia da viagem, como uma metáfora39 do ato ler, por sua possibilidade de

transportar os leitores para realidades distintas ou representar uma mesma realidade de modos

diversos.

Cheguei à escola com a mala e me dirigi à sala onde a atividade seria desenvolvida. No

caminho, uma criança da turma da 3ª série me abordou, sorriu e disse: -“vou avisar a todo mundo

38 Cf. Anexo B – Embarcando para uma viagem. 39 Segundo Vitor Moreno, professor espanhol de literatura, é um grande engano relacionar a leitura a uma viagem. Para ele: “Leer no será nunca un viaje. Leer es más reducido, más ensimismado que viajar; leer moviliza lo que está o se tiene en reserva. Leer es acoplarse a la dinámica del tiempo. En el viaje, el tiempo se vive como don. En la lectura hay, sobre todo, elaboración mental. En el viaje, mirada sensitiva. Leer es, antes que nada, una experiencia intelectual, mientras que viajar lo es de la sensibilidad total del individuo, o, mejor dicho: puede serlo o no, en ambos casos”. Entretanto, a viagem como metáfora da leitura, que me proponho a considerar aqui, diz respeito às possibilidades efetivas que a leitura possui de retirar o leitor de uma situação cotidiana e permitir-lhe conhecer outros espaços, sejam simbólicos sejam reais, através de outras formas de ver e pensar o mundo e, a partir daí, ressignificar sua realidade. Cf. Vítor MORENO. Metáforas de la lectura. Madrid: Lengua de trapo, 2005, p. 63.

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que você chegou!” e saiu correndo. Enquanto esperava, coloquei a mala no centro da sala e pedi

aos estudantes, à medida que voltavam da aula de informática, para se acomodarem ao redor da

mala. As inquietações não demoraram a aparecer e o silêncio foi interrompido por muitas

perguntas: - “O que tem aí dentro?”, “A gente vai viajar?”, “É livro?”. A última pergunta fez-me

pensar que eles já estavam me associando a livros e leituras e que isso favorecia o meu lugar de

mediadora.

Quando todos já estavam presentes, iniciei a atividade, declarando que, a partir desse dia,

iniciaríamos uma viagem diferente e pedi-lhes que elencassem o que se coloca em uma mala

quando se vai viajar. Como respostas, mencionaram roupas, guarda-chuva, máquinas

fotográficas, brinquedos e livros. Ao esgotar o assunto, depois de terem dado opinião ou

sugestão, comuniquei-lhes que nossa viagem seria um pouco diferente das viagens para as quais

se levam roupas e objetos. Disse tratar-se de uma viagem pela imaginação e abri a mala no meio

da roda. Dentro dela havia trinta e cinco itens, entre livros e revistas, uma diversidade que

passava pelos quadrinhos, contos clássicos e literatura contemporânea40. As crianças, antes

quietas, começaram a espichar seus pescoços para alcançar mais detalhes do que havia na mala.

Mais uma vez, o burburinho e as exclamações revelaram satisfação e curiosidade, dois pontos

favoráveis à leitura.

O aspecto gráfico-visual dos livros, com formas e cores diferentes, antecipava uma primeira

possibilidade de provocação e de leitura. Espalhei-os pelo centro da roda em que estávamos

sentados e pedi que cada criança, cautelosamente, escolhesse um livro sem o abrir. A escolha se

daria pela capa ou pelo título. Depois disso, cada uma deveria voltar ao seu lugar, com o livro em

mãos, mas deveriam ainda mantê-lo fechado. Caso duas crianças gostassem do mesmo livro, se

sentariam lado-a-lado. Eram essas as regras da prática, ou novo jogo, se preferirmos considerar

assim.

O passeio em torno dos livros foi marcado por olhares que desejavam tocar, abrir e mexer nos

objetos. O extenso tempo que alguns estudantes levavam para se decidir por um único livro

sinalizava a dificuldade de seleção diante do novo e do desconhecido. Os colegas que

aguardavam, por sua vez, demonstravam impaciência na espera. Ouviam-se murmurinhos,

enquanto dedos apontavam para algum livro que, possivelmente, seria sua escolha: “Acho que

vou pegar aquele”. “Olhe aquele ali!”, dentre tantas exclamações.

40 Cf. Anexo B – Embarcando para uma viagem.

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A reação dos estudantes à liberdade de escolha daquele momento já possibilitaria muito

material para análise. O objetivo dessa atividade consiste em verificar por onde passam as

escolhas de leitura desses leitores (de que modo a capa e o título de histórias conhecidas

influenciam nessa seleção) e valorizar as eleições de cada um, respeitando a individualidade.

Ainda que mais de uma criança tenha optado pelo mesmo livro, e isso ocorreu, as razões dessa

escolha continuam sendo singulares.

Outro elemento interessante nessa atividade diz respeito à consigna que determinou que o

estudante só poderia fazer a leitura da capa e do título antes de optar pelo livro. Tal contingência

aciona o imaginário do leitor para se aproximar do livro a partir dos elementos paratextuais41,

títulos e ilustração, por exemplo, os quais estimulam a antecipação ou predição de sentidos,

possibilitando, assim, em paralelo à seleção do livro, a construção de um texto que prevê a

história por trás de uma capa ou ilustração. Nessa primeira experiência estética seria possível

conhecer as imagens que chamam a atenção de cada criança e entender o que a motivou até elas.

Numa primeira análise das escolhas e comentários dos estudantes, ficou evidente que são

representantes de um horizonte de expectativa restrito ao já familiar, destacando-se os

quadrinhos42 como o primeiro gênero a ser escolhido, seguidos dos chamados clássicos da

literatura. Apenas um livro foi escolhido da literatura contemporânea: O macacão espantado, de

Leo Cunha.

41 Configura-se como paratexto tudo “aquilo que rodeia ou acompanha marginalmente um texto e que tanto pode ser determinado pelo autor como pelo editor do texto original. O elemento paratextual mais antigo é a ilustração. Outros elementos paratextuais comuns são o índice, o prefácio, o posfácio, a dedicatória ou a bibliografia. O título de um texto é o seu elemento paratextual mais importante e mais visível, constituindo, como observou Roland Barthes, uma espécie de marca comercial do texto”. Cf. Carlos CEIA. E-Dicionário de termos literários. Disponível em: <http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/P/paratexto.htm>. Acesso em: 11/12/2008.

42 A história em quadrinhos sempre foi rotulada como um gênero típico da cultura de massa e ainda hoje sofre discriminações por parte de algumas escolas, por ser considerada um texto “menor”, que pouco contribui para a constituição do leitor. Como comenta Mário Feijó: “Na verdade, quase todas as formas de entretenimento para consumo popular costumam sofrer esse tipo de preconceito: são julgadas e condenadas antes mesmo de se avaliar o seu potencial artístico. Há grupos de pessoas, mesmo numa sociedade de massa como a nossa, que hostilizam a produção cultural voltada para o grande público, ou mesmo para gerações mais jovens.” Cf. Mário FEIJÓ. Quadrinhos em ação: um século de história. São Paulo: Moderna, 1997, p. 21.

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Em relação aos chamados contos clássicos, mais uma vez se repetiu a experiência do primeiro

encontro: foram ignorados pelo grupo aqueles menos prestigiados pela escola e menos difundidos

pela tradição oral: Os músicos de Bremen, O macaco e a velha, O sapateiro e os anõezinhos, O

bem com o bem se paga e A formiguinha e a neve.

Cinderela, apesar de ser uma narrativa bem conhecida em razão da exploração do seu enredo

em filmes, também não se constituiu objeto de escolha por qualquer estudante do grupo.

Especulando mais sobre o porquê da exclusão de uma história tão referendada, sobretudo pelas

meninas, infiro a partir da ilustração da capa que, como se pode observar na Figura 5, não remete

aos padrões encontrados em edições mais difundidas, como as de Walt Disney. Isso pode indicar

um imaginário atrelado a um padrão estético pré-determinado e ainda aponta para a possibilidade

de os leitores serem fortemente influenciados pelo mercado editorial.

Figura 5

Após terem feito suas escolhas, todos os estudantes foram fotografados com o “seu” livro ou

revista e se acomodaram em algum lugar para responder a duas questões: “Por que você escolheu

esse livro?” e “Escreva a história que você gostaria de encontrar nesse livro”. Declarar o “Por

quê” da escolha não foi tarefa fácil. Inicialmente, as crianças resistiram, disseram não saber

escrever, sendo necessário afirmar, repetidas vezes, que poderiam escrever a resposta na extensão

de texto que quisessem. A falta de atividades como essa na rotina escolar leva os estudantes a se

acomodarem com a idéia de que o outro, geralmente o professor, sempre define as leituras a

serem feitas pelo grupo, o que impede uma troca de leituras advindas de outras realidades sociais.

Além disso, a ausência de livros de literatura nessa escola e o reconhecimento, por parte da

professora, de que não encontra motivação pessoal para buscar livros, terminam por restringir a

leitura, quando ela se efetiva exclusivamente com os textos dos livros didáticos.

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A quase totalidade das respostas se manteve no limite de um simples comentário: “porque

gostei”, “porque achei legal”, “porque achei bonita”, “porque achei colorida”. Apenas três

crianças relacionaram a capa a situações que lhes dão prazer: “porque gosto de surfar”, “porque

eu gosto de ler a história de Cebolinha”, “porque eu gosto de praia”.

A resposta de uma criança me chamou atenção: “porque ele é muito feio”, ao se referir a um

macaco na capa do livro de Leo Cunha, O macacão espantado. Nas entrelinhas de sua resposta

era como se tivesse dito: “eu sei que essa capa não corresponde a um padrão geral de beleza, mas

a escolho justamente por isso”. Tal impressão se confirma no último encontro, quando esse

garoto volta a escolher o mesmo livro para o encerramento das atividades. Esse vôo,

aparentemente superficial, das respostas a essa pergunta expõe o pouco contato de algumas

crianças com experiências estéticas. A aproximação com o texto estético é também um ato que

precisa ser praticado.

A segunda questão – “Escreva a história que você gostaria de encontrar nesse livro” –, por

sua vez, pôde revelar as possibilidades de imaginação de cada um. Wolfgang Iser estabelece uma

interdependência entre ficção e imaginário, como entende também que o imaginário necessita de

algo para ser impulsionado. Em relação à ficção, faz a seguinte afirmação:

O fictício depende do imaginário para realizar plenamente aquilo que tem em mira, pois o que tem em mira só aponta para alguma coisa, alguma coisa que não se configura em decorrência de se estar apontado para ela: é preciso imaginá-la. O fictício compele o imaginário a assumir forma, ao mesmo tempo que serve como meio para manifestação deste. (ISER,1999, p.70)

A esses estudantes é vetado o exercício com a polissemia do texto literário, porque são, de

certo modo, treinados na busca de uma única resposta sobre aquilo que lhes é perguntado, além

de não verem valorizadas suas produções de sentido. Tal inferência pode se justificar porque, nas

respostas dadas pelos leitores, ficou exposta a brevidade de seus comentários, o que pode

ratificar, mais uma vez, a falta de exercício para soltar as amarras da imaginação. Em meio às

respostas ou textos criados, houve casos que se limitaram a uma descrição literal da figura, não

havendo acréscimos nem inferências. Eis algumas respostas:

“Praia e muita onda, muitas manobras”.

“Magali estava com o gato e o gato estava derramando feijão no chão”.

“É a história de Cebolinha, perguntando sobre Cebolinha que ele vai para a lua”.

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“O Garfield foi a praia surfar e viu sua namorada com outro.”

Nessa OL, nove crianças escolheram contos clássicos, mas apenas quatro revelaram conhecer

a história e, dentre estas, somente duas apresentaram textos com estruturas narrativas

compreensíveis e organizadas, embora ainda incompletas:

Livro escolhido: O Pintinho Quiquiriqui

Resposta:

“Era uma vez um pintinho amarelo. Ele era muito triste. Morava em lugar sozinho, sem pai,

nem mãe e vizinho. Na verdade, sem uma família. Mas, certo dia encontrou um palácio com um

rei. Este rei quando viu o pintinho perguntou: pinto você está sozinho. Ele respondeu: sim, com

fome, sede e sem ninguém para se divertir. Aí o rei chamou ele para morar e viveram felizes para

sempre.”

Livro escolhido: Branca de Neve e os sete anões

Resposta:

“Era uma vez uma menina chamada Branca de Neve ela era rica e morava com a mãe e com o

pai certo dia a mãe dela morreu e o pai arrumou uma madrasta e Branca de Neve fugiu e

encontrou sete anões e a madrasta se vestiu de velha e deu a maçã e Branca de Neve adormeceu e

apareceu um príncipe deu um beijo nela e eles viveram felizes para sempre.”

Em outras duas respostas, os leitores elegeram elementos isolados da história e redigiram um

texto sem coerência, como pode ser constatado a seguir:

Livro escolhido: Chapeuzinho Vermelho

Resposta:

“A chapeuzinho desobedeceu a mãe e foi pela floresta e um lobo viu ela e falou: Chapeuzinho

Chapeuzinho [...]43 então vou comeu a vovó de Chapeuzinho.”

43 Foi feita uma transcrição das respostas, mantendo-se a grafia das palavras e não se fez interferência de qualquer ordem. Os espaçamentos indicam palavras ou trechos ilegíveis.

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Livro: A história da Baratinha

Resposta:

“Era uma vez a baratinha que se achava a mais linda e a mais chique das baratinhas e ela

tinha uma beleza e tinha vontade que tivesse alguma [...].”

Apenas uma criança extrapolou a imagem de uma revista em quadrinhos e construiu uma

narrativa mais coerente:

Revista em quadrinhos escolhida: A turma do Xaxado

Resposta:

“Era uma vez cinco amigos que foram navegar em um grande navio e foram navegando em

alto mar. O mar estava muito forte quando eles menos esperavam estavam perdidos em uma linda

ilha e um disse, estou morrendo de fome, vou procurar algo para comer. Passou dias e dias e eles

viam que não tem mais jeito de ir embora. Então eles resolveram morar na ilha. Eles construíram

cabanas, acharam amigos, comida e ficaram muito felizes.”

Ao terminarem de responder a essas perguntas, os estudantes puderam abrir o livro, descobrir

do que tratava a história escolhida, bem como confirmar se se aproximava daquilo que

imaginaram.

O segundo dia do percurso metodológico revelou um grupo inibido para imaginar ou criar e

com pouca intimidade com o ato de escrever. Provavelmente, a escrita à qual estão acostumados

encontra-se estreitamente relacionada a tarefas e avaliações. Não parece haver reconhecimento

social do lugar da leitura em espaços que extrapolam uma realidade escolar. Para esses meninos,

ler e escrever são tarefas que precisam ser cumpridas, mas não revelam qualquer sentido além do

didático e pedagógico.

O desafio para as próximas práticas leitoras passou a ser o de construir um novo sentido para

o ato de ler, que inclui o reconhecimento do seu lugar de leitor como protagonista dessa prática

social.

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3.3 O menino e o livro (3ª O.L: uma sessão)

Figura 6

O objetivo desse terceiro encontro foi promover um contato dos estudantes com o suporte

texto, assim como aproximá-los de um enredo, provavelmente, familiar a eles: o preconceito e a

desigualdade social. Embora nos outros dois encontros o ato de ler sempre estivesse presente, foi

a partir desse dia que iniciamos um contato com a leitura de um texto, feita em voz alta. No papel

de mediadora, seria necessário, a partir de então, acrescentar tal habilidade: identificar a melhor

forma de ler uma história para atrair a atenção do grupo.

A escuta de um texto requer um envolvimento muitas vezes difícil para quem não tem o

hábito de ouvir história. Mais uma vez, se esbarra na questão do aprendizado. Quando se

reconhece ser necessário ao grupo o conhecimento dos elementos que estão em jogo, para haver

maior entendimento do texto, considera-se também que, sem uma experiência prévia desse tipo,

os estudantes terão dificuldades para dar sentido a essa ação ou adotar comportamentos

adequados àquele momento. De fato, isso é muito recorrente na prática.

Os estudantes demonstraram um tempo curto para a escuta da leitura, o que os impelia a

iniciar uma conversa paralela, gerando “burburinho” e atrapalhando o seguimento da leitura. O

fato de ter que parar e pedir silêncio interrompia o ritmo necessário à produção de sentido do

texto. Entretanto, faz parte da mediação ter ciência dessa realidade e montar táticas de leitura para

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garantir o envolvimento dos leitores. Mudanças no tom da voz, paradas estratégicas para

despertar a curiosidade (característica bastante comum nas crianças) e ênfase nos pontos

importantes da narrativa são alguns exemplos. Para isso, o mediador deve buscar se apropriar do

texto, de modo que lhe assegure preparar as intervenções com antecedência.

Com a sala já organizada para o desenvolvimento da prática44, fui recebida pelo grupo com

muitas perguntas: “hoje é o que?”, “você não trouxe a mala?”, “você vai ler uma história?”.

Tomo essas perguntas como reveladoras de crianças que possuem o desejo pelo conhecimento,

pelo novo, pela leitura, mas não encontram estímulos e ferramentas necessárias para dar espaço à

sua curiosidade e ao seu olhar de investigador do mundo.

Pedi que ficassem atentos, pois eu faria a leitura de um texto. Entreguei uma cópia a cada um

e disse-lhes que se acomodassem como quisessem para ouvir a história. Rapidamente, o grupo foi

encontrando seu espaço, acomodando-se nas esteiras45, colocando-se de bruços, encostando-se à

parede e silenciando para escutar a história (Figura 6). Alguns acompanharam a leitura no próprio

texto, outros preferiram ouvir a história, mas não ficaram menos atentos por isso. Comecei a

leitura do texto “O menino e o livro”, de Georgina Martins, presente no livro No olho da rua:

historinhas quase tristes.

Esse conto narra a história de um menino, morador de rua, que buscava a leitura freqüentando

uma livraria quase todos os dias. Uma cliente, incomodada com sua presença, afinal era um

visitante incomum, aproxima-se do garoto e se oferece para lhe dar um livro. O garoto não aceita

e ela insiste, mas o menino recusa com veemência. Depois de um diálogo sem muitas conclusões,

um vendedor se aproxima e diz que aquele garoto já era conhecido na livraria. Segundo esse

vendedor, o garoto chegava, lavava as mãos e se sentava para ler. Diante desse fato, agora

comovida pela situação do garoto, a cliente da loja volta a insistir para que escolha um livro, até

que, finalmente, o garoto encerra a conversa, dizendo que mora na rua e não tem onde guardar os

livros e, se os levar, poderão roubá-los. Por isso, prefere ler e guardar as histórias com ele.

Ao concluir a leitura, pedi que o grupo falasse um pouco sobre a história e o personagem.

Esses são alguns de seus depoimentos:

“Ele gostava muito de ler”.

44 Cf. Anexo C: O menino e o livro. 45 Peça de artesanato feita de palha, que pode ser utilizada como tapete, muito comum no Nordeste do Brasil.

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“Ele era triste e feliz porque ele podia ler”.

“Ele pegava o livro para imaginar como era e se divertir”.

“Para ele só o que importava era ler e imaginar”.

“Ele lia para encontrar coisas legais”.

Uma criança completou: “pra encontrar coisas legais e diferentes e para tomar mais tempo de

sua vida”.

“Ele lia os livros para aprender”.

Essas frases foram seguidas de uma reflexão acerca do fato de que “a moça só tratou ele

assim porque ele era de rua e não tinha sapato” (a inferência do sapato é de um estudante. O texto

não faz referência a isso), o que desencadeou uma conversa sobre a desigualdade social e o

preconceito, sublinhando a capacidade que tem a literatura de deflagrar discussões e de propiciar

nos leitores processos de identificação com situações ou personagens. Não se pode esquecer de

que o grupo é formado por estudantes da rede pública de ensino, os quais conhecem bem as

conseqüências das diferenças sociais.

A turma conversava e debatia acerca do assunto com muita tranqüilidade, sem atropelos, cada

um revelando o respeito à fala e à escuta do colega. Quando pedi que respondessem por escrito a

algumas perguntas, houve certo desconforto: “não gosto de escrever”, “não sei”, eram as

expressões recorrentes. Disse-lhes não se tratar de saber nem de haver respostas certas ao que

estava sendo solicitado. Apenas gostaria que registrassem aquilo que pensavam sobre a história e

o menino. Isso pareceu aplacar um pouco a ansiedade da turma. Mais uma vez, tive a impressão

de que a função social da escrita, quando bem exercida – nesse caso, revelar as opiniões do grupo

sobre o garoto da história – “quebra” algumas resistências ao ato de escrever e muda os modelos

impostos pela escola acerca dessa atividade.

Em seguida, entreguei um papel com as seguintes perguntas: 1) O que significava a leitura

para esse menino da história? 2) Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

3) O que significa a leitura para você? A primeira pergunta revelou que o significado da leitura

está muito próximo do acesso ao conhecimento e dos processos de aprendizagem, o que ratifica a

discussão, nesta pesquisa, do lugar da leitura na escola, limitado ao trabalho com os conteúdos

pedagógicos:

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“Para ele significava aprender o que o livro nos ensina várias e várias coisas”.

“É porque ele gosta de ler muito para aprender a ler mais”.

“Tudo na vida dele. Ele aprendia a ler, aprendia várias coisas”.

“Descobrir coisas importantes é descobertas”.

“Saber melhor sobre o mundo de contos de fadas, sobre outros planetas e etc”.

“Significa para ele muita coisa porque ele não tem escola para poder ler e ele gosta de ler

histórias para aprender mais sobre o livro que tem conto de fada para ele é muito importante”.

Para Maria do Rosário Magnani, a escola tem “sistematizado a trivialidade” da leitura,

tornando-se um espaço que não difunde a literatura como um texto de construção de sentidos.

Argumenta a autora:

Mas a leitura não é um ato isolado de um indivíduo frente ao escrito de outro indivíduo. Implica não só a decodificação de sinais, mas também a compreensão do signo lingüístico enquanto fenômeno social. Significa o encontro do leitor com um escrito que foi oficializado (pela intervenção de instâncias normativas como a escola, por exemplo) como texto (e como literário) em determinada situação histórica e social. (MAGNANI,1989, p. 34)

Considerando que esta pesquisa aconteceu dezenove anos depois da publicação do trabalho

de Magnani, pode-se inferir que o processo de significação social do ato da leitura e escrita na

escola continua lento e, até certo ponto, congelado num conceito que remete a objetivos

imediatos, quase sempre comprometidos com notas e avaliações, também questionáveis, já que se

está diante de uma turma de 3ª série com estudantes que mal sabem decodificar o texto.

Diferente de acreditar que essas crianças são incapazes de se tornar leitoras, o que fica posto é

o lugar do livro como objeto estranho e pouco presente em seu meio. Isso, todavia, não impede

que elas identifiquem seu status social e se constranjam por não fazerem parte do “seleto” mundo

dos leitores.

Mas o que seria esse “seleto” mundo de leitores? Para Márcia Abreu, o conceito de leitor é

idealizado e determinado por grupos de intelectuais que difundem o papel redentor da leitura, ao

tempo em que coloca os brasileiros no permanente lugar daquele que não lê e não se interessa

pela leitura, divulgando-se um eterno “discurso da falta”:

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Não há nisso qualquer paradoxo: a cada ano, compram-se e – ao que tudo indica – lêem-se mais livros, entretanto as escolhas parecem inadequadas. Por detrás de afirmações corriqueiras nos dias atuais, como “ler é BM”, há uma seleção implícita de um conjunto de obras que tornam “bom” o ato de ler e que justificam outras tantas afirmações, também bastante comuns como “os jovens não têm o hábito da leitura. Na verdade, lê-se muito livro de auto-ajuda, de vulgarização científica, muita ficção científica, história em quadrinho, lê-se muito livro sobre hobby, sobre astros da música e do cinema, muitas recolhas de piadas. Mas lêem-se pouco os “bons livros”: pouca filosofia, pouca literatura erudita, pouca reflexão política séria. Em resumo, parece haver uma diminuição do interesse pelos livros positivamente avaliados pela escola, pela academia, pela crítica literária. (ABREU, 2002, p. 15)

Por tal motivo, criou-se um mito em torno da leitura, ao transformá-la em uma atividade de

poucos e aqueles que não fazem parte desse grupo se colocam distantes da possibilidade de

alcançar esse lugar. Isso está de tal modo entranhado no discurso e no imaginário dos brasileiros,

que também para esses estudantes de 3ª série não parece possível reconhecerem-se leitores.

Nas respostas que escapam ao conceito de leitura como conhecimento, há uma identificação,

ainda tímida, do ato de ler relacionado à brincadeira, à diversão e à fruição imaginativa. Vejamos

algumas respostas:

“Significa que ele gostava de ler livro e gostava de ler contos de fadas, história bacana”.

“Imaginação do mundo fantástico e sabedoria”.

“Uma imaginação e ele entra na história e imagina várias coisas”.

“A leitura para ele é muito significante e por isso ele gosta muito de ler as histórias para saber

melhor sobre os contos de fadas”.

A ausência da figura materna e da escola são fatores importantes que aparecem como

significado da leitura na vida do personagem. Considerando um olhar projetivo sobre as respostas

dadas, pode-se fazer uma leitura da bagagem de vida desses estudantes, para os quais a mãe é

uma referência familiar, muitas vezes mais forte que o pai, e a escola é um porto seguro em suas

rotinas. Em conversas posteriores com a diretora e professora, fui informada de que as crianças

dessa sala não contam com o menor apoio familiar e, quando saem da escola, passam o resto do

dia na rua. Desse modo, a leitura pode ocupar o lugar de “tudo na vida dele”: um ponto de

identificação forte entre o personagem do texto e os leitores desta pesquisa que, ainda segundo

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depoimentos da diretora e da professora, são pouco assistidos pelas famílias. Eis outras respostas

das crianças:

“Tudo na vida dele. Ele aprendia a ler, aprendia várias coisas. Porque ele queria, ele também

não tinha mamãe e morava na rua então ia ler todos os dias na livraria”.

“O menino da história gostava muito de ler porque a leitura para ele era a única diversão que

ele tinha”.

Considerando os espaços de leitura existentes em uma cidade, a referência feita por uma

criança ao fato de que o menino buscava a livraria “por não ter escola”, favorece duas

possibilidades de análise. A primeira remete ao reconhecimento de que há lugares onde a leitura

está presente, como é o caso da livraria. Entretanto, a segunda reflexão que isso suscita é a de que

aquele menino só estava naquele espaço por não ter acesso à escola.

“Significa para ele muita coisa porque ele não tem escola para poder ler e ele gosta de ler

histórias para aprender mais sobre o livro que tem conto de fada para ele é muito importante”.

A segunda pergunta, aparentemente simples, teve a finalidade de observar a noção de

quantidade considerada pelos estudantes para caracterizar um leitor assíduo e constante. Quando

lancei a questão “Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?”, estou

perguntando, indiretamente, “Quantos livros você acha que um leitor precisa ler para ser

considerado um leitor?”. As respostas demonstraram assim uma noção equivocada de leitor e do

ato de ler, compatível com aquelas divulgadas em pesquisas que relacionam o ser leitor à leitura

quantificada de alguns títulos de livros.

Nas respostas, haviam referências a “vários”, “muitos”, “dez”, este, considerado meta

razoável de leitura. Para essa classe, que sequer possui o exemplar de algum livro em sala de

aula, a leitura de dez livros, quantitativamente, é altamente significativa. Ainda como respostas,

haviam referências a “trinta”, “trinta e três”, “vinte” e até “cinqüenta” livros. O certo é que, a

despeito de pesquisas tratarem do conceito de leitor tomando por critério os números, ao invés de

considerarem diferentes realidades de leitura, esses estudantes sequer sabem quantificar o que

representa muito ou pouco livro na vida de um leitor.

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A quantificação da leitura ou do leitor significa vilipendiar sua história subjetiva e considerar

suficientes os números para separar o mundo entre quem lê e quem não lê. E isso é muito pouco

perto de tantos aspectos que cercam o ato de ler. Para Olivier Donnat:

La autoevaluación de la cantidad de libros leídos es una operación objetivamente difícil: implica un trabajo de memorización que puede llevar, independientemente de toda estrategia de distinción, a conclusiones erróneas. Las encuestas han demostrado, en efecto, que no todas las lecturas eran igualmente “recordables”: las lecturas más legítimas, que llevan más tiempo y se hacen de manera integral, son las que se recuerdan más fácilmente, mientras que las lecturas cortas y descontinuas (libros prácticos, cómics), tienden a desaparecer, salvo cuando están fuertemente ritualizadas, como la de los periódicos. Algunas personas incluirán los libros consultados o leídos parcialmente, otras no; algunas contarán los cómics, otras no; algunas mencionarán sus lecturas escolares o de trabajo; otras olvidarán sus lecturas de vacaciones, etc. Además, preguntar a alguien cuántos libros lee, sin agregar ninguna precisión, implica construir un indicador puramente cuantitativo que permite considerar como equivalentes la lectura de un libro documental, o de un cómic de 65 páginas, o de una novela de 600 páginas. (DONNAT, 2004, p. 69)46

Quando, enfim, a última pergunta se dirigiu diretamente ao estudante como sujeito-leitor – “O

que significa a leitura para você?” – surgiu o embaraço. Houve uma distância entre pergunta e

resposta. Resisto em pensar que se trata de ausência de compreensão da pergunta. Ao contrário

disso, reflito mais uma vez sobre o não-pertencimento a essa realidade social e,

conseqüentemente, uma quase impossibilidade de haver implicação subjetiva na resposta.

Assim como na primeira pergunta, algumas respostas referem-se ao aprendizado, à descoberta

de coisas novas e ao conhecimento, aspectos ainda relacionados ao papel que a escola delega à

leitura:

“Leitura para mim é descobertas que todo mundo encontra nos livros”.

“Significa um estudo de letras, conhecendo coisas fantásticas com um mundo cheio de magia,

amor, carinho e fidelidade”. 46 “A auto-evolução da quantidade de livros lidos é uma operação objetivamente difícil: implica um trabalho de memorização que pode levar, independentemente de toda estratégia de distinção, a conclusões erradas. As curvas demonstraram, de fato, que nem todas as leituras eram igualmente “recordáveis”: as leituras mais legítimas, que levam mais tempo e se fazem maneira integral, são as que se recordam mais facilmente, enquanto que as leituras curtas e descontínuas (livros técnicos quadrinhos) tendem a desaparecer, a menos quando estão fortemente ritualizadas, como a dos jornais. Algumas pessoas incluíram os livros consultados ou lidos parcialmente, outras não; algumas consideraram os quadrinhos, outras não; algumas mencionaram suas leituras escolares ou de trabalho; outras esqueceram suas leituras das férias, etc. Alem do que, perguntar a alguém quantos livros lê, sem agregar nenhuma outra informação, implica construir um indicador puramente quantitativo que permite considerar como equivalente a leitura de um livro documental ou de um gibi de 65 páginas, ou de uma novela de 600 paginas.” Tradução livre.

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“Várias coisas. É bom pra mim, para os meus colegas, para minha família, meus amigos. Para

aprender a ler e escrever. É bom até pra mim”.

“Eu gosto muito de ler a leitura é bom para aprender mais, a leitura é muito importante para a

nossa vida”.

“Significa que aquele gosta de ler que gosta de aprender saber muito mais”.

“Saber melhor sobre outros lugares, países, interior, etc.”.

Constata-se ainda que os estudantes, apesar de terem revelado a ausência de um repertório

leitor vasto e amplo, sabem o que a leitura deveria significar na vida de uma pessoa e dirigem

suas respostas para atender a tal expectativa, embora não expressem claramente as razões para

isso:

“Significa que é importante para mim que eu goste de ler”.

“Leitura para mim é uma coisa importante”.

“Significa uma coisa muito boa”.

Apenas uma criança extrapola esse universo do conhecimento e remete à imaginação:

“Ler e imaginar e entrar em outro mundo das fadas, dos monstros e etc...”

Embora os estudantes identifiquem elementos positivos da leitura, há um distanciamento em

suas respostas que os coloca como não integrantes desse universo. Quando um deles chega a

responder “é importante para mim que eu goste de ler”, fica evidente um discurso instituído, dito

por outrem, mas não apropriado. Os motivos para “dever” gostar de ler se escondem no status

estabelecido por grupos que definem o que deve ser lido para se atingir um determinado patamar

de leitor. Segundo Márcia Abreu, a escola reforça essa idéia quando seleciona e apresenta textos

aos estudantes sem apresentar-lhes seu percurso histórico ou sinalizar-lhes que toda história de

leitura pressupõe algumas escolhas e outras exclusões:

A escola – seguindo os passos da história literária – seleciona algumas obras dentre todos os textos narrativos, poéticos ou dramáticos já escritos e os apresenta aos alunos como a literatura, desqualificando todos os demais como subproduto ou como formas imperfeitas. Raramente explica-se aos alunos o processo pelo

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qual estas obras chegaram a representar o cânone literário, fazendo supor – ou mesmo dizendo explicitamente – que elas possuem uma literariedade e uma qualidade intrínsecas, portanto a-históricas e a-culturais. Ou seja, qualquer leitor deve ser capaz de reconhecê-las; os que não as apreciam são ingênuos, mal formados, despreparados. (ABREU, 2000, p. 124-125)

Quando todos me entregaram suas questões respondidas, uma criança se dirigiu a mim com

um livro na mão e disse: “viu que eu te disse que eu tinha esse livro!”, referia-se à A bela e a

fera, – comentário feito por ela na primeira prática, o Jogo de percurso do leitor. Esse era um

momento de pertencimento. Nas entrelinhas de sua frase simples e direta, declarava ser leitora,

ter contato com livros. Além disso, o desejo de fazer parte desse cobiçado universo de leitores

existia também ali, na dura realidade da escola pública onde o livro e a leitura são rarefeitos,

algumas vezes não familiares a todos.

3.4 Minha caixa de memórias (4ª O.L: duas sessões)

Figura 7

A professora já me recebeu nesse dia dizendo que a turma estava com muitas expectativas

para esse encontro e lembrou, logo no início da manhã, que aquele era o dia da minha ida à

escola. Relaciono essa expectativa com a curiosidade, a qual precisa tão somente de constantes

motivações e provocações. Os estudantes estavam se sentindo desafiados e motivados.

O livro selecionado para essa oficina foi Guilherme Augusto Araújo Fernandes, de Mem Fox.

Trata-se da história de um garoto que mora ao lado de um asilo e descobre que a senhora de quem

ele mais gostava, moradora desse local, Sra. Antonia Maria Diniz Cordeiro, havia perdido a

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memória. Mobilizado, o personagem Guilherme Augusto procura entender o que é memória,

acreditando assim que poderia ajudar sua amiga a reencontrá-la. Sua investigação o leva a

definições bastante subjetivas: “algo quente”; “algo bem antigo”; “algo que o faz chorar”; “algo

que o faz rir” e “algo que vale ouro”. Rapidamente, Guilherme Augusto vai em busca da

memória da Sra. Antônia. Numa antiga47 caixa, coloca conchas também antigas, uma marionete

que sempre fora engraçada, uma medalha dada pelo avô, e que o fazia lembrar-se dele com

tristeza, um ovo recém-saído de uma galinha, ainda quente, e sua bola de futebol, que lhe valia

ouro. Apresentando esses objetos a Sra. Antônia, Guilherme Augusto a faz recordar-se de muitas

coisas de sua infância e juventude. O garoto sai de lá feliz por tê-la ajudado a recuperar sua

memória.

Ao iniciar a sessão, provoquei o grupo com o tema da memória, presente nessa narrativa, sem

apresentar-lhe o livro. Uma vez estando todos acomodados na sala, lancei a pergunta: “O que é

memória?”. As primeiras respostas referiram-se aos estudos, ao dever de casa, ao que se guarda

na mente – “O que a professora ensina a gente deve guardar na mente”.

Impressiona o papel social e afetivo da escola na vida dessas crianças e a importância de se

cuidar de uma mediação de leitura que permita aparecer a subjetividade para que ela possa

contribuir no seu aprendizado e na sua formação leitora. Esses parecem ser elementos urgentes na

valorização do potencial dos estudantes da rede pública.

Perguntei quem tinha avós e morava ou convivia com eles, quando uma grande maioria

respondeu afirmativamente. Continuei provocando: Seus avós contam histórias para vocês? Com

essa pergunta, a turma se mostrou muito entusiasmada - todos queriam falar ao mesmo tempo - e

espontaneamente foi listando uma série de títulos de histórias que vão de lendas populares, tais

como Iara, Saci Pererê, Chupa Cabra, Cuca e Curupira, a consagrados contos de fadas, como

Chapeuzinho Vermelho e O gato de botas.

Outra criança pediu a palavra para contar que sua bisavó havia sido arranhada pelo

lobisomem. Nesse momento, uma garota se pronunciou, negando a existência do lobisomem.

Imediatamente, outras contestaram dizendo “existe sim”. Enfaticamente uma criança afirmou sua

existência e disse conhecer esse ente mitológico: “É uma reza ao contrário. Quando o homem faz

uma reza lá, ao contrário, ele vira lobisomem. Eu tenho o livro. Eu vi isso.” Outra ainda retrucou,

47 As palavras em itálico nesse parágrafo foram retiradas do livro.

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afirmando que quando uma família tem sete filhos, o sétimo pode se tornar lobisomem. Alguém

disse: “sete não, treze”. Ela aceitou a correção.

Em seguida, uma criança abriu outra discussão acerca da memória, com esse relato: “minha

vó conta histórias sobre a família dela, de como era o bairro de Pernambués, de como eram as

ladeiras, de que não tinha fogão, de que as casas eram feitas de papelão, de que não tinha ônibus

e tinha carroça, de que não existia telefone...” Pergunto-lhe se a sua avó sempre residiu no bairro

de Pernambués, e a garota me confirmou.

Ressalte-se que as respostas das crianças trazem à tona uma questão que, porventura, pode

estar se perdendo na escola, mas ainda tem força e presença entre as famílias dos estudantes da

EMTG: o ato de narrar. No célebre texto “O narrador: observações sobre a obra de Nikolai

Leskow”, Walter Benjamin defende que o ato de narrar representa uma troca de experiências

humanas, mas que, de certo modo, vem se perdendo no tempo. Para ele:

Torna-se cada vez mais raro o encontro com pessoas que sabem narrar alguma coisa direito. É cada vez mais freqüente espalhar-se em volta o embaraço quando se anuncia o desejo de ouvir uma história. É como se uma faculdade, que nos parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada. Ou seja: a de trocar experiências. (BENJAMIN, 1983, p. 57)

Imediatamente isso leva a duas reflexões. A primeira, a de que as crianças da EMTG estavam

me trazendo suas experiências com fatos ou histórias que lhes foram narrados e reproduzindo tais

experiências na posição de narradores. Considerando que é de interesse da escola promover o

desenvolvimento cognitivo das crianças, essa experiência deveria ser muito valorizada. Afinal, o

ato de narrar se configura também um exercício de organização do pensamento para que o enredo

tenha coerência. Pelo que pude perceber, não é uma prática incentivada na sala de aula.

A segunda reflexão diz respeito à origem dos relatos feitos pelas crianças. Invariavelmente, a

fonte foi a família. Ou seja, essa prática, que em parte mostrou-se pouco incentivada na escola,

ainda é conservada em famílias de origem simples, cujo acesso ao bem cultural livro é mais

limitado, o que me faz remeter mais uma vez a Benjamin:

Não há nada que de forma mais duradoura recomende histórias à memória do que aquela casta concisão que as subtrai à análise psicológica. E quanto mais natural o modo pelo qual se dá, para o narrador, a renúncia ao matizamento psicológico, tanto maior se torna sua candidatura a um lugar na memória do ouvinte, tão mais

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plenamente as histórias se conformam à experiência pessoal dele, tanto maior é sua satisfação em, mais dia menos dia, voltar afinal a contá-las. Este processo de assimilação, que se desenrola em camadas profundas precisa de um estado de descontração cada vez mais raro. [...]. Perde-se com isso o dom de escutar e desaparece a comunidade dos que escutam. Narrar histórias é sempre a arte de as continuar contando e esta se perde quando as histórias já não são mais retidas. (BENJAMIN, 1983, p. 62)

Para esse autor, o ato de narrar está intrinsecamente relacionado ao afeto que tal troca de

experiência proporciona. Partindo dessa idéia, poderia especular que a ausência freqüente da

narrativa na escola afasta o estudante de uma aproximação de troca com o professor, o que gera

um enfraquecimento do vínculo afetivo, que também interfere no processo de aprendizagem.

Talvez seja também através da oralidade que esses estudantes consigam garantir um elo

representativo de identificação com a família, uma vez que é dela que vêm as histórias contadas

por eles. O repertório desse grupo é marcadamente formado por histórias orais, sejam as

ficcionalizadas, sejam as de memórias biográficas. E é patente ainda que o texto escrito existe

nessa comunidade de leitores como um texto secundário, menos comum em suas vidas.

Assim, para construir um caminho de chegada ao enredo de Guilherme Augusto Araújo

Fernandes, pergunto o que faz com que as pessoas percam a memória. Após uma breve pausa,

uma menina responde que “A falta de memória é quando a gente deixa de prestar atenção nas

coisas”, referindo-se mais uma vez aos assuntos apresentados nas aulas. Outra criança traz

perspectiva diferente da noção de esquecimento:

- “É a idade que faz a gente esquecer das coisas”.

- “Mas não foram seus avós que contaram tantas histórias para vocês?” – pergunto para

instigar maiores reflexões.

A garota silencia por algum tempo e conclui que as tecnologias, computador, vídeo-game e

televisão, fazem com que a gente se esqueça das histórias e afirma que, como não havia nada

disso no tempo dos seus avós, eles guardam mais histórias na memória. É interessante a

percepção dessas crianças quanto às interferências da tecnologia para os leitores e contadores das

histórias orais.

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Seguindo a proposta da atividade48, solicitei ao grupo o desenho de algo que evocasse a

memória de alguma experiência vivida e que, abaixo do desenho, identificasse tal lembrança. Os

desenhos foram colocados numa caixa – que batizei de “caixa de memórias” (Figura 7) – e

guardados para serem retomados no encontro seguinte.

Um garoto mostrou-me uma cicatriz no braço e disse: “vou desenhar o cachorro que fez isso,

pois não vou esquecer”. Outra criança contou: “minha mãe disse que a gente ia se mudar e que

não podia levar o nosso cachorro. Por isso eu desenhei ele. Porque sinto saudades e lembro dele

até hoje”.

Apenas quatro participantes do grupo não se deixaram provocar ou envolver. Esses

desenharam um carro “porque gostam”, mas não fizeram qualquer relação direta com a memória.

Os desenhos mais comuns eram os de bichos de estimação, de casas de avós e de alguns

brinquedos que ganharam e os fizeram felizes. Embora alguns desenhos não viessem

acompanhados de histórias bem articuladas, coesas e coerentes, não se perdeu de vista o aspecto

emocional da memória. As crianças entenderam que falar de memória é acionar conteúdos que

não estão à mostra e que se pode recuperá-los quando são lembrados através de uma pergunta,

uma conversa ou um livro. Sobre a noção de memória, Regina Zilberman tem o seguinte

entendimento:

Memória constitui por definição, uma faculdade humana, encarregada de reter conhecimentos adquiridos previamente. Seu objeto é um “antes” experimentado pelo indivíduo, que o armazena em algum lugar do cérebro, recorrendo a ele quando necessário. Esse objeto pode ter valor sentimental, intelectual ou profissional, de modo que a memória pode remeter a uma lembrança ou recordação; mas não se limita a isso, porque compete àquela faculdade o acúmulo de um determinado saber, a que se recorre quando necessário. (ZILBERMAN, 2005, p. 165)

Ter memória sobre alguma história que foi contada na família é reconhecer o lugar de onde

vem a constituição da sua própria identidade. O fato de os estudantes perceberem possuir uma

bagagem da qual poderiam falar e que se relacionava ao que estava sendo abordado naquele dia

propiciou-lhes serem reconhecidos integrantes de um grupo social, um sujeito participante, que

tem, pode e deve fazer uso da sua palavra.

48 Cf. Anexo D: Minha caixa de memórias.

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Ao final da sessão me despedi do grupo, dizendo-lhe que no nosso próximo encontro traria

uma pessoa para relatar como descobriu o que era memória e de que modo isso pode ajudar uma

pessoa a recuperar a sua. Em seguida, guardei os desenhos numa caixa. Essa antecipação é uma

forma de mediação que aciona a curiosidade e serve como indicador quanto ao grau de

envolvimento das crianças com o trabalho, na medida em que se espera que, na próxima prática,

tragam em seus comentários pistas sobre a personagem.

Na segunda sessão dessa OL a turma aguardava a leitura, o desenho ou a surpresa que

estavam por vir. Sentados em círculo, o encontro anterior foi resgatado, oferecendo oportunidade

de rememorar, através da abertura da caixa e da retirada dos desenhos guardados, o que cada um

havia trazido como sua memória, como sua história pessoal. Durante a leitura do livro, o grupo

ficou em total silêncio. Os olhares atentos não se desviavam do livro um único instante. Parei

estrategicamente para recuperar as informações acerca do significado da memória para algumas

personagens da narrativa e verificar o acompanhamento da leitura.

Após a leitura e tendo perguntado se eles achavam que as memórias recolhidas pelo

personagem Guilherme Augusto se assemelhavam às que colocaram na caixa, uma garota pediu

imediatamente a palavra e respondeu que “não, porque memória é uma coisa que cada um tem a

sua”. Após uma profusão rápida de comentários de alguns estudantes, e de uma exploração sobre

o tema da memória, houve um esvaziamento das colocações, finalizando a atividade mais cedo

que nos encontros anteriores.

Isso traz algumas reflexões: a chegada do objeto livro como novidade parece se sobrepor às

experiências contadas pelos estudantes, como se o seu mergulho subjetivo a respeito do tema

fosse menor que o enredo da história. Esse entendimento me faz pensar que a subjetividade

também requer uma mediação e um exercício contínuos. Ainda por essa compreensão, as práticas

leitoras em vigência nas escolas, sobretudo nas públicas, não contemplam, ou contemplam com

muita escassez, um dialogo que extrapole o campo pedagógico, restrito aos currículos escolares.

Outro aspecto: a literatura, entendida como texto polissêmico, lacunar e subjetivo, que

demanda produção de sentidos, deve se tornar mais presente na rotina escolar para que a criança

leitora se aproxime pouco a pouco e estabeleça laços estreitos com o universo ficcional. Trata-se

de uma representação artística da realidade, com referentes próprios e polissêmicos para os

leitores e que, para ser lida, precisa compactuar com o olhar do imaginário. Esse pacto e processo

imaginativo acontecem com e na prática.

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Um terceiro elemento, que não pode ser ignorado, foi a observação feita sobre o tempo de

duração do diálogo intersubjetivo sustentado pelo grupo. Percebi que a segunda sessão da prática

com esse livro não contou com o mesmo preenchimento de vazios que a primeira. Apesar das

minhas incessantes provocações em torno do tema da narrativa, o diálogo intersubjetivo parecia

já ter se esgotado e os estudantes se mantiveram em silêncio, interrompido apenas por breves e

repetitivos comentários.

Retirei da caixa, um por um, os desenhos feitos pela turma no encontro anterior e pedi aos

estudantes que contassem a história daquela memória. Todos se lembraram de suas memórias: a

maioria fez referências às suas histórias do passado, sobretudo, aspecto curioso, histórias de

bichos de estimação que morreram, que lhes foram retirados ou fugiram. Uma criança, entretanto,

desenhou um caminhão de transporte de biscoito. Segundo ela, era o que pretendia ser no futuro:

motorista de caminhão.

Concluímos nossa prática com conversas acerca de pessoas da família que tiveram perda de

memória. Uma estudante relatou um episódio ocorrido com sua mãe, que ingeriu um

medicamento que a fez perder a memória por algum tempo. Outra trouxe um relato sobre um avô,

de oitenta e quatro anos, que mora na zona rural, mas não perdeu a memória “como os velhinhos

do livro”. São histórias de vida para contar que dialogam com a história do livro e com as

diversas noções de memória.

Despeço-me de todos, declarando que nossa quinta prática reservava uma surpresa. Curiosos,

perguntam do que se trata. Respondo-lhes: “não faltem para não perder”.

3.5 Só quero se for aquela flor (5ª O.L: duas sessões)

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Figura 8

O livro A flor do lado de lá, de Roger Mello, apresentado nos 5º e 6º encontros, traz uma

narrativa estruturada exclusivamente com ilustrações. Trata-se da história de uma pequena anta

que desejava muito uma flor, que se encontrava em cima de uma “ilha”, no meio do mar, como

sugerem as primeiras cenas. Temerosa, esse animal coloca sua pequena pata na água, mas uma

onda a assusta e ela recua. Recobrando a coragem, mergulha mais uma vez em direção ao seu

desejo, mas um golfinho a espanta. Sem conseguir chegar à flor desejada, resta-lhe contemplá-la,

triste e desolada. De repente, a “ilha” começa a se mover e a anta percebe não se tratar de uma

ilha, mas de uma baleia que, ao mergulhar, levou consigo a sua flor. Na última cena da narrativa,

tem-se a imagem da anta chorando, desesperada, sem notar que atrás de si há uma vegetação com

inúmeras flores, iguais àquela levada pela baleia. Para facilitar a visualização do enredo de A flor

do lado de lá. no dia dessa sessão as imagens foram colocadas em slides e projetadas numa tela

improvisada em papel fixado na parede.

Cheguei à escola com datashow e laptop – dois suportes de leitura para a realização da quinta

OL, em nossas quintas e sextas sessões. A novidade tecnológica desorganizou um pouco o grupo.

As crianças queriam colocar a mão na frente da lâmpada do datashow para ver sua sombra

projetada (Figura 8), entender a mágica da engenhoca, querendo se apropriar do seu

funcionamento. Foi com esse comportamento, já previsto por mim, que se iniciou o sexto

encontro com as crianças da EMTG. A prática ocorreu na própria sala de aula em virtude da

excessiva claridade da sala onde, até então, desenvolvíamos as atividades. Como a sala é muito

pequena, não pude mudar a disposição das carteiras.

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A atividade começou com a seguinte pergunta49: “Vocês já desejaram muito alguma coisa e

conseguiram obtê-la? Vocês já desejaram alguma coisa, que quisessem muito, mas não tenham

conseguido? Como vocês se sentiram nessas situações?”. Num primeiro momento, poucos me

responderam. O olhar estava lançado sobre aquele objeto novo – o datashow –, recém-chegado a

uma sala de aula desprovida de qualquer recurso tecnológico.

Pedi-lhes muita atenção às imagens que iriam assistir porque contavam uma história sobre a

qual iríamos conversar. Durante a apresentação, tive que interromper a projeção algumas vezes,

em virtude da excitação de três meninos em torno do equipamento. Tal euforia, tão forte frente ao

novo, sinalizou uma dificuldade de respeitar limites, quando já havia lhes sido dito que não

poderiam tocar na máquina. Todavia, a situação não comprometeu a atenção do resto da turma.

A idéia de trabalhar A flor do lado de lá estava apoiada em dois pontos: o primeiro, o tema e

enredo. Como a pesquisa se propôs a investigar aspectos que envolvessem um diálogo

intersubjetivo com questões existenciais, considerei a frustração e o sentimento de perda

(palavras-chave para essa história) emoções importantes de serem discutidas. No caso dos

estudantes inseridos numa realidade social árida, o acesso restrito aos bens culturais e de

consumo, o sentimento de perda – marcado pelo abandono dos pais, de forma concreta, com a

saída de algum deles, ou simbólica, representada, muitas vezes, pela postura de descaso em

relação aos cuidados básicos do dia-a-dia – são vivenciados como episódios habituais.

Durante a pesquisa, assisti a situações de crianças que se ausentam de casa por três dias, sem

que a família saiba do seu paradeiro ou busque informações sobre tal. Houve casos de crianças

que passaram o dia inteiro na escola, sendo encaminhadas ao juizado de menores ao final do dia,

“porque se esqueceram de buscá-la”, segundo a professora. Isso escancarou uma realidade

estranha à minha compreensão de infância e dos cuidados que ela requer, como deflagrou outras

perguntas: como seria representado o sentimento de perda (enredo do livro) para esses alunos?

Que produção de sentidos esses leitores atribuiriam ao relato do sofrimento da anta, personagem

da história?

A literatura, quando trabalhada como texto estético e voltada para seus efeitos sobre o leitor,

proposta dessa pesquisa, apresenta-se como mais uma aliada para abrir espaços de fala a respeito

de questões que acompanham as histórias de vida desses estudantes, muitas vezes esquecidas pela

49 Cf. Anexo E – Só quero se for aquela flor.

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escola. A tênue fronteira entre realidade e ficção abre espaços para que o leitor se inscreva como

sujeito, fale de si e assegure outro nível de envolvimento e compreensão do texto.

O segundo ponto que determinou essa escolha foi a estrutura da narrativa. Ilustrado, o livro,

uma história narrada por imagens, solicita dos leitores um protocolo de leitura diferente, outra

forma de experiência leitora: devem ver as imagens, página a página, acompanhar sua seqüência,

uma vez que não há a mediação de um contador de histórias, e elaborar mentalmente sua própria

história.

As ilustrações nos livros infantis foram ampliando espaços e revelando um papel fundamental

no contexto dos livros escritos para criança. Luis Camargo ressalta que há diferentes funções para

a imagem e que não são estanques, ou seja, é possível identificar mais de uma função para uma

imagem em uma mesma situação:

A imagem tem função representativa quando imita a aparência do ser ao qual se refere; função descritiva, quando detalha essa aparência; função narrativa, quando situa o ser representado em devir, através de transformações (no estado do ser representado) ou ações (por ele realizadas); função simbólica, quando sugere significados sobrepostos ao seu referente, mesmo que arbitrariamente, como é o caso das bandeiras nacionais; função expressiva, quando revela sentimentos e valores do produtor da imagem, bem como quando ressalta as emoções e sentimentos do ser representado; função estética, quando enfatiza a forma da mensagem visual, ou seja, sua configuração visual; função lúdica, quando orientada para o jogo, incluindo-se o humor como modalidade de jogo; função conativa, quando orientada para o destinatário, visando influenciar seu comportamento, através de procedimentos persuasivos ou normativos; função metalingüística, quando o referente da imagem é a linguagem visual ou a ela diretamente relacionado, como citação de imagens etc.; função fática, quando a imagem enfatiza o papel de seu próprio suporte; função de pontuação, quando orientada para o texto junto ao qual está inserida, sinalizando seu início, seu fim ou suas partes, nele criando pausas ou destacando alguns de seus elementos. (CAMARGO, 2008)

No caso de uma narrativa por imagens – o livro sem texto verbal –, apesar de a função

narrativa ser a mais significativa, as demais se entrecruzam. O leitor precisa lançar mão de todas

as possibilidades oferecidas pela imagem para dar conta de produzir sentidos na leitura. Percebi,

por exemplo, que a forma de atenção se modificou nessa OL Durante a leitura de Guilherme

Augusto Araujo Fernandes, o grupo estava muito diligente na escuta da leitura que fiz em voz

alta (a expectativa por ver as ilustrações veio depois). Já durante a exibição das imagens de A flor

do lado de lá, a reação do grupo foi de quem percebeu que, se não se mantivesse atento a todas as

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imagens, perderia sua seqüência, não compreenderia bem a história e nem poderia discorrer

acerca dela.

Ao concluir a exibição, algumas crianças me perguntaram se eu poderia projetar os slides

mais uma vez. Concordando, passei todas as páginas da história, bem lentamente, para que

pudessem saborear as partes da aventura da pequena anta e a flor tão desejada. Abro um

parêntese aqui com o fim de tratar da relevância de se escutar as demandas do grupo e rever

planejamentos. O planejamento de uma atividade envolve dois pontos básicos: o conteúdo e a

metodologia. Para que o primeiro seja trabalhado a contento, é importante se apropriar do tema,

pesquisar, organizar idéias e fazer apontamentos que auxiliem a exposição. O segundo ponto fará

com que se apresente da maneira mais envolvente possível aquilo que se pretende ensinar.

Entretanto, há um terceiro ponto, a expectativa de retorno dos estudantes, que regula os

resultados do trabalho com o conteúdo e a metodologia aplicada. Muitas vezes, o grupo aponta

outros caminhos, solicitando do professor mudança de planejamento, de roteiro de trabalho e do

método. Seja na área da literatura, seja em outra área de conhecimento, estar atento a isso é

ampliar o diálogo com os estudantes e permitir-lhes ser escutado em seus desejos.

Essa OL foi criada visando, nesse dia, concluir a exibição da história e aplicar o questionário

com a turma para, no segundo dia, abrir uma discussão. Contudo, os leitores mudaram o curso do

trabalho ao sinalizarem que precisariam rever a história e se apropriarem mais do enredo.

Queriam ler de novo, ato freqüente entre os leitores que desejam chegar mais perto, rever

passagens emocionantes para eles ou assegurar a identificação com alguma passagem da história.

E isso lhes foi garantido.

O silêncio durante as exibições foi muito grande. As interferências iniciais, por conta dos

equipamentos, cessaram e deram espaço ao acompanhamento da história. Como as duas

exibições consumiram os sessenta minutos acordados com a escola para a pesquisa, pois a

professora retomaria suas atividades, pedi que guardassem a história A flor do lado de lá, na

memória, porque voltaríamos a ela no encontro seguinte.

O silêncio aqui deve ser visto como aliado de um tempo subjetivo que contribui para

processar e produzir sentidos ou preencher lacunas da narrativa. Enquanto calados, os leitores

organizam saberes, resgatam bagagens leitoras e se estruturam para penetrar na narrativa e

produzir sentidos. Assim, não era um silêncio de quem não tinha o que dizer, mas de quem

edificava suas histórias interiores para, em seguida, socializá-las com o grupo.

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Segundo Verbena Cordeiro:

A tradição da leitura literária na escola tem, historicamente, aprisionado o escritor e o leitor. Aparentemente, é a voz do escritor que impera, na medida em que o leitor se orienta exclusivamente pelo que o texto aporta. Esta tem sido ainda a prática em muitas escolas. Isto significa dizer que os silêncios e vazios deixados nos textos para serem preenchidos pelo leitor não são potencializados, frustrando de alguma forma a intenção do autor de provocar o leitor a interagir com seu texto. (CORDEIRO, 2006, p.70)

Respeitar o espaço do silêncio como produção de sentido é possibilitar que cada leitor interaja

com o texto no seu tempo de produção de sentido e não no tempo das respostas preestabelecidas

por fichas de leitura que ignoram brechas das entrelinhas de um texto. Estava segura de que

aquele silêncio era de quem estava envolvido na narrativa e isso foi confirmado no encontro

seguinte.

Iniciei o segundo dia da prática recordando a história da anta e pôde-se perceber que o grupo

se lembrou das imagens e do enredo. Perguntei, então, aos estudantes se, como a personagem da

história, já haviam desejado muito alguma coisa. Na maioria, os desejos expressos foram de

ordem material ou concreta: tênis, CD, cachorro, computador, celular etc. De certo modo, previa

respostas desse tipo, uma vez que vivemos numa sociedade de muitos apelos de consumo e esta

pesquisa foi feita com um público que não dispõe de recursos para bens que extrapolem a

sobrevivência básica. Todavia, me surpreendi com uma estudante que falava pouco e, nesse dia,

pediu a palavra para dizer “que a flor que a anta queria é como eu me sinto quando meu pai

viaja”.

O texto literário, lacunar e polissêmico, segundo Iser (1999, p. 28)., solicita do leitor “uma

interação entre o que está expresso e o que não está” Em sua materialidade, o texto – no caso, um

livro com ilustrações – conduz a uma possível leitura. No entanto, cabe a cada leitor, no diálogo

que se estabelece entre o dito e o não-dito, produzir outros sentidos a partir de seus

conhecimentos prévios, de sua experiência de vida, de mundo, sua relação mais ou menos densa

com os sentimentos de perda e de dor. Enfim, nesse emaranhado de relações tão complexas, os

leitores vão afinando hábitos, posturas e habilidades os mais variados diante do ato de ler. Assim,

o desenrolar da leitura apresenta-se como um jogo. Nesse jogo instaura-se uma relação dialógica

entre o texto e o leitor, capaz de produzir uma experiência estética, fundadora de sentidos que

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ampliam seus horizontes de expectativas. A cada encontro com a leitura literária, novas formas se

desvelam para o leitor, ainda que iniciante.

Prosseguindo com a atividade, solicitei ao grupo que respondesse a questões sobre a história e

distribuí folhas de papel com as seguintes perguntas: 1) Como a anta se sentiu, perdendo a flor

que tanto desejou? 2) A última imagem da história mostrou que por trás da anta havia outras

flores iguais, ou parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a

anta deveria chorar tanto, já que tinha tantas flores atrás dela?

Embora com algumas variações, em relação à primeira pergunta, as respostas foram

praticamente unânimes: “a anta se sentiu triste”. Ficou evidente que, para essa pergunta, não

houve respostas que extrapolassem o já dito no texto:

“Eu acho que ela sentiu muito triste porque a flor que tanto desejou foi embora e ficou muito

triste por isso.”

“Bem triste porque não tinha a flor que ele queria tanto.”

“Ela sentiu triste, ficou chorando.”

“Triste porque a anta desejava aquela flor.”

“Ela se sentiu muito triste ao perder a flor que ela tanto amava e desejava.”

Não descarto a possibilidade de tal pergunta ter se apresentado pouco provocativa ou óbvia.

Todos assistiram às imagens, viram a anta triste e chorosa pela perda de seu objeto de desejo.

Nada mais previsível que traduzir tais imagens em sentimento que elas evocam. Talvez, por esse

motivo, o modo pelo qual o grupo tenha preenchido os vazios textuais, limitando suas respostas a

uma percepção imediata da imagem, dê a impressão de um envolvimento mais limitado.

A segunda pergunta trouxe um resultado semelhante. Na sua maioria, o grupo afirmou que

não era necessário tanto choro, uma vez que havia muitas flores atrás da anta, iguais àquela que

havia perdido. Entretanto, alguns leitores conseguiram evidenciar elementos relacionados aos

desejos que não se manifestam de modo tão previsível ou racional. Os sujeitos participantes desta

pesquisa falam do lugar de quem quer ser escutado em seus desejos mais óbvios ou mais

distantes, mas, acima de tudo, únicos, porque pertencentes a um universo pessoal que prescinde

de justificativas:

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“Sim porque aquela flor poderia ser especial”.

“Sim ela tinha que chorar porque ela queria aquela flor quando eu quero uma coisa eu não

desisto”.

“Porque ele só queria aquela flor, porque ela pra ele é a mais bela”.

Nesse momento, mais perguntas surgem: será que a escola está preparada para escutar aquilo

que é trazido do universo subjetivo de cada estudante? Ou, antes ainda, será que a escola entende

que tal escuta também faz parte da tarefa de educar e de formar? Quando, para finalizar, abri a

discussão com o grupo, uma criança contestou a opinião da colega que dizia entender os motivos

do choro da anta:

“Eu não choraria por não ter conseguido a flor, a anta foi boba e perdeu muito tempo porque

não viu a quantidade de flores iguais que tinha atrás dela”.

A outra respondeu:

“Iguais não, parecidas. Aquela podia ser especial para ela”.

Jamais haverá uma flor igual à outra, pelo entendimento de que as respostas aos textos

literários são multifacetadas, como bem coloca Wolfgang Iser ao afirmar o seguinte:

poderíamos sustentar – pelo menos em caráter experimental – que os significados em textos literários são, principalmente, gerados no ato da leitura; são o produto de uma difícil interação entre o texto e o leitor e não qualidades ocultas no texto, cuja descoberta permanece reservada àquele tipo de interpretação tradicional que descrevi. Se o leitor individual gera o significado de um texto, resulta que esses significados sempre aparecerão com um leve toque individualizado. (ISER, 1999, p. 4)

Por isso, a percepção da anta e suas frustrações, o preenchimento das lacunas dessa narrativa

por imagem, as expectativas e emoções em torno do enredo e as produções de sentido sobre a

história jamais poderiam ser iguais. Caso contrário, estaria reforçando uma prática com leitura da

literatura que homogeneíza respostas e acredita na interpretação regulada por uma resposta única

advinda de um escritor.

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3.6 Os nós da vida (6ª OL: duas sessões)

Figura 9 Figura 10

O livro Nós, de Eva Furnari, trabalhado nas duas sessões dessa prática, conta a história de

Mel, uma garota considerada esquisita porque várias borboletas a acompanhavam. As outras

crianças a ofendiam com apelidos, toda vez que ela passava. Mel não conseguia reagir às

brincadeiras de mau gosto. Voltava para casa correndo para não chorar. De tanto prender o choro

e os sentimentos, o corpo de Mel começa a se dar nós. Cada vez que alguém surgia e começava a

lhe ofender, ela segurava o choro e um nó aparecia. Quando o sétimo nó apareceu, Mel decidiu

sair da sua cidade. Ao chegar a uma outra, um garoto se aproximou dela. Na defensiva, Mel

tentou fugir, mas acabou caindo. Foi quando descobriu que esse garoto também possuía um nó no

dedo. Os dois ficaram amigos e Mel pôde perceber que as pessoas possuem seus nós e aprendem

a desatá-los ou conviver com eles.

Na primeira sessão desses dois encontros, a sala estava mais vazia: apenas dezessete

estudantes – cinco faltaram. Dirigimo-nos à sala onde foram desenvolvidas as práticas e nos

acomodamos nas esteiras. Quando todos estavam sentados, perguntei-lhes se estava tudo bem.

Conversamos um pouco sobre amenidades e disse-lhes que gostaria de fazer uma pergunta: quem

poderia me contar sobre alguma coisa que os deixava de fato muito chateados?

A cada episódio, problema ou relato contado pelos participantes da oficina eu fazia um nó em

uma corda50, simbolizando o problema contado. Os problemas narrados foram os seguintes:

50 Cf. Anexo F: Os nós da vida.

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“Eu fico chateada quando meu pai briga com minha mãe. (a criança que disse isso não tem os

pais convivendo juntos e, segundo a professora, vem revelando situações de conflito na escola)”.

“Eu durmo sempre com minha mãe. Mas quando meu pai vai lá em casa, ele não deixa eu

dormir no meio deles e eu choro”.

“Eu fico triste quando eu peço alguma coisa para minha mãe e ela não me dá.”

“Eu me chateei com meu pai porque ele não me deixou assistir filmes.”

“Eu me chateio com minha mãe quando eu estou fazendo alguma coisa que eu gosto muito e

ela me pede para eu ajudar nas coisas de casa.”

“Ontem eu pedi a minha mãe para dormir na casa de minha avó e ela não deixou. Eu fiquei

muito triste com isso.”

“Eu fiquei chateado quando meu gato matou meu peixe. Aí eu joguei meu gato no esgoto e

ele morreu também.”

O último relato me deixou surpresa e chocada. Essa criança, um garoto que falta muito às

aulas e quase não fala em sala, já apresentou episódios de agressividade, segundo a professora.

Nesse dia, estava participando da OL e com uma história tão chocante e inesperada. Não apenas

deu sua contribuição nessa prática, como sorriu e comentou com os colegas situações

relacionadas à brincadeira da corda.

Na primeira vez que esse garoto participou da atividade, os comentários feitos sobre ele

denotavam “pena” e “indignação”: “A família não cuida”; “Ele é terrível; não participa de nada,

briga muito e falta muito”. Mas não escutei dos dirigentes da escola qualquer ação específica para

encaminhá-lo a algum atendimento profissional ou para um diálogo com sua família.

O fato é que ele manifestou, durante os encontros de que participou, dois comportamentos

bem demarcados. Na primeira vez que o vi, tentei fazer com que participasse e respondesse às

provocações da atividade que estava sendo realizada, mas se mostrou arredio e acuado.51 Aos

poucos, apesar de continuar sem sustentar o olhar ou dialogar comigo, percebia uma maior troca

entre os colegas, que se traduzia por risos e conversas paralelas. E eis que, nessa OL, ele decide

contar sua história, pouco importando, nesse momento, se a história não foi esperada para um

garoto da sua idade, se chocou ou feriu alguma fantasia de infância idealizada. O fato é que J.

51 Lembro-me de que foi na atividade da caixa de memórias. Perguntei-lhe se se lembrava de alguma história que houvesse escutado em casa ou com os vizinhos. Ele nada respondeu.

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estava mais comunicativo, disposto a participar, e as OL, com suas aproximações graduais do

sujeito-leitor, havia contribuído para isso.

Quando os estudantes terminaram de narrar seus problemas, e eu de fazer os nós na corda,

pedi ajuda para desatá-los, imaginando como resolveriam os problemas relatados. Cada criança

que havia falado tentou desfazer o seu nó, dizendo como resolveria tal questão, sem deixar com

que ele se transformasse num problema insolúvel dentro dela, assim como toda a turma

colaborou, dando sugestões também. Cada vez que alguém “solucionava” o problema, eu

desatava um dos nós da corda.

A interação que essa atividade gerou foi impressionante. A possibilidade de escuta se

ampliou. Todos escutavam os “nós” e as soluções encontradas pelos colegas, bem como

opinavam, e o jogo foi vivido por todos do grupo, numa experiência de trocas subjetivas.

Introduzi o enredo de Nós, colocando para o grupo que, quando não se consegue resolver os

problemas, eles se transformam em nós na nossa vida. Após esse comentário, disse às crianças

que iriam conhecer Mel, uma garota que tinha muitas dificuldades para resolver seus problemas.

Apresentei o livro e comecei a leitura.

Parar para escutar uma história requer um exercício que não fazia parte da rotina desse grupo

no início dessas OL. Contudo, pude perceber que a atenção e o envolvimento da turma

manifestavam-se completamente diferentes da primeira leitura feita, há seis encontros atrás. Os

leitores estavam acompanhando o texto e produzindo sentidos sobre ele.

Solicitei ao grupo que respondesse, por escrito, a duas perguntas: 1) Esse livro lhe ajudou a

pensar como desatar os nós da sua vida? 2) Como você pretende agir quando aparecerem os nós

na sua vida? Havia nessa folha de resposta o decalque de Mel, a garota da história. Algumas

crianças me pediram para colorir o desenho (Figuras 9 e 10).

A primeira pergunta trouxe muitas respostas afirmativas, embora restritas à resposta “sim”.

Algumas crianças acrescentaram alguma observação, como as abaixo destacadas:

“Sim. Porque não ficar triste”.

“Sim porque ajuda a pensar porque estamos chateados”.

“Sim porque esse livro ajudou a aprender”.

“Sim porque esse livro ajudou muito a pensar”.

“Sim porque eu me senti muito aliviada”.

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“Sim. Porque o meu motivo desapareceu”.

“Sim. Porque esse livro emociona muito a gente”.

Wolfgang Iser (1999) trata dos efeitos da leitura da literatura no sujeito, partindo do

pressuposto da “importância de nossa própria experiência, na concretização de um texto” (1999,

p.8). As respostas dadas pelo grupo, tanto nessa quanto nas outras práticas, confirmam isso,

quando, por exemplo, uma criança sinalizou para suas dificuldades de processar as ausências do

pai, afirmando que isso é um nó em sua vida.

A adequada escolarização da literatura é um meio eficaz de incentivo à leitura, justamente por

não exigir do leitor respostas prontas. Ela se oferece incompleta, permitindo a todos os leitores,

independente da escolaridade, ter o que dizer a respeito do texto. Tal liberdade garante espaços de

fala e de escuta, além de estimular a imaginação criadora. Na fala do grupo, o que chamou muita

atenção, ao longo dessa caminhada com a leitura, foi a conquista da confiança naquilo que os

estudantes tinham a dizer. Visivelmente, saiu de cena o “certo e errado” para dar lugar às diversas

formas de ler um texto. As crianças passaram a falar mais, expor suas opiniões e arriscar a

verbalizar sua produções de sentidos sobre a história.

A segunda questão mobilizou respostas também subjetivas. Entretanto, uma em particular

chama a atenção por ter sido a única que agregou o ato de desatar nós à mediação de um amigo:

“Quando aparecer um nó na minha vida eu vou desaparecer com um amigo até a hora para ele

sumir”.

No segundo encontro para a discussão dessa mesma história, pude confirmar que não estava

diante dos mesmos leitores de antes, em virtude de um episódio que ocorreu na turma.

Uma estudante permanecia fora da sala e resistia entrar. Diga-se de passagem, uma garota que

sempre contribuía com comentários interessantes nas OL. Ela havia agredido verbalmente a

professora e estava acuada porque esta havia feito uma queixa à sua mãe que, por sua vez, a havia

constrangido publicamente, batendo-lhe.

Uma estudante me perguntou:

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- “Você não está sentindo falta de ninguém? Alguém que participa muito das leituras e

sempre fala alguma coisa”?

Já estava a par do ocorrido e entendi a intenção da provocação, mas quis ver até onde iria o

diálogo, por isso perguntei:

- É R.?

A aluna confirmou. Dirigi-me a R. e perguntei:

- Por que você está no corredor?

O grupo se antecipou:

- É que ela xingou a professora.

Um aluno, A., disse: - Esse é um nó para ela resolver.

Concordei com ele e perguntei:

- Como será que ele poderia desatar esse nó?

O mesmo garoto respondeu:

- No mínimo, pedindo desculpas.

Fui ao corredor perguntei a R. o que achava disso. Ela respondeu-me que já havia pedido

desculpas.

Após esse rápido diálogo, a garota decidiu entrar na sala para participar, mas não pôde passar

despercebido o comentário de A. e a imediata relação que fez com a história de Eva Furnari.

Percebi que ele compreendeu a dimensão subjetiva do significado dos nós da história de Mel e de

como enfrentá-los. A aquisição de conhecimento promovida pela literatura manifestou-se, nesse

momento, não através de perguntas de compreensão ou interpretação de textos, mas por sua

aplicabilidade na vida. Um franco reconhecimento da função social e humana da literatura.

Outro aspecto que merece destaque nesse dia foi o pedido incessante para que eu lesse a

história mais uma vez. Uma criança disse: “nós contamos a história para quem não veio, mas

seria bom se eles ouvissem a história”. O efeito multiplicador do texto, mais uma vez reflexo de

projeções sobre sua trama, havia saído de um efeito individual e chegado à sua socialização,

como na adivinha feita no Jogo de percurso do leitor – o que é o que é, que é calado, mas conta

tudo? A leitura, feita de produções de sentido individuais e coletivas, repercutia no grupo.

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Após essa segunda leitura, as crianças começaram a expor sua preferência por esse livro.

Espontaneamente, o grupo começou a votar naquele de que mais gostou e Nós ganhou

“disparado”. Em segundo lugar, ficou Guilherme Augusto Araújo Fernandes. Dois livros, dois

personagens que provocaram as maiores identificações e efeitos mais visíveis na turma.

Posso inferir uma série de questões para justificar tais escolhas. Mel se apresentou frágil e

medrosa para enfrentar a tirania das pessoas; Guilherme Augusto, apenas uma criança, revelou a

sensibilidade de escutar e ter como amiga uma pessoa mais velha. Realidades próximas às deles?

Terá sido esse o motivo da eleição? Nunca saberei ao certo, talvez, nem eles, contudo, o livro

cumpriu seu papel de gerar perguntas e respostas sobre nós, o mundo e o outro que contribuem

para dar novos sentidos à vida.

Antes da minha saída, lembrei-me de que o próximo encontro seria o último. A turma

perguntou se haveria outros no próximo ano e por que não havia esses encontros todos os dias.

Desapontada, sem respostas para dar, me despedi do grupo.

3.7 Retornando de uma viagem: o que trago na bagagem? (7ª. OL – uma sessão)

Figura 11 Figura 12

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Para o último encontro, recebi o grupo com a mesma organização do espaço estabelecida na

segunda sessão52: esteiras arrumadas em círculo e a mesma mala colocada no centro da sala.

Quando todos estavam sentados, pedi que dissessem o que fizemos nessa viagem e que coisas

podemos guardar dessa experiência. Os comentários revelaram um grupo que entrou no jogo da

literatura:

“Fizemos muitas coisas, lemos muitos livros, demos muita risada”.

“Ouvimos muitas histórias”.

“Tiramos fotos”.

“Falamos de muitas coisas”.

“Assistimos ao filme”. – fazendo referência ao livro projetado.

Repetindo a atitude do segundo encontro, espalhei os livros no chão e, nesse momento, ouvi

os comentários paralelos: “Olha Mel ali”; “Olha o Guilherme Augusto”, “Olha aquele outro”,

apontando para algum que chamara sua atenção.

Perguntei se eles se lembravam de que livros tinham escolhido na vez anterior e se se

recordavam de suas escolhas. Pedi que, mais uma vez, escolhessem algum livro – poderia ser

outro ou o mesmo da vez anterior – e que retornassem aos seus lugares com o livro em mãos, mas

ainda não o abrissem.

Enquanto “passeavam” entre os livros (Figuras 11 e 12), observei uma intenção mais

exploratória no momento da escolha. Diferente da primeira experiência, similar a essa, o ir ao

encontro do livro revelou ser um ato mais familiar o que, de certo modo, ficou confirmado

quando perguntei se foi mais fácil escolher o livro dessa vez ou da outra. Uma criança se

antecipou: “dessa vez a gente já conhecia mais livros. Foi melhor”.

O conhecimento e reconhecimento do objeto livro trouxeram para esse grupo uma intimidade

maior com a leitura. De dezenove crianças presentes, quinze escolheram livros que foram

trabalhados em nossos encontros - seis crianças escolheram Nós; sete, Guilherme Augusto Araújo

Fernandes; uma criança escolheu No olho da rua (de onde foi retirado o texto “O menino e o

livro”). Vale ressaltar que a única criança a escolher este livro faltou a muitos encontros e que o

52 Cf. Anexo B: Embarcando para uma viagem: o que levo na bagagem?

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primeiro dia em que teve contato com as práticas foi justamente no dia desse texto. Apenas uma

criança escolheu A flor do lado de lá.

As outras quatro crianças se dividiram da seguinte forma: uma criança escolheu o mesmo

livro; uma criança, outro clássico, O sapateiro e os anõezinhos. Esta, com problema sério de

visão e não usa óculos, participou pouquíssimo das atividades; duas crianças, histórias em

quadrinhos, como no outro encontro.

A criança que elegeu o mesmo livro foi o garoto que justificou sua seleção tendo como

critério a capa “muito feia”. Disse que gostou tanto do livro “que quis pegar de novo” e riu muito.

Esse exercício de escolha da leitura, movido por uma identificação, antes também desconhecido,

representava agora a possibilidade de se perceber diferente do colega. Quando questionado por

um coro de colegas, “Você vai escolher o mesmo?”. Ele respondeu: “É o que eu quero ler.”

Ao final desse primeiro momento, pedi que o grupo se dirigisse à sala de aula para responder

a algumas questões, enquanto eu arrumaria a sala de forma a deixar todos os livros disponíveis

para leitura.

As questões foram as seguintes53: 1) Essa viagem que fizemos de dez dias pelo mundo da

leitura mudou alguma coisa em vocês? O quê? 2) Você acha que a leitura pode ajudá-lo a

compreender as coisas que acontecem com você? Como? 3) Esses nossos encontros com a leitura

foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos os dias? Se você respondeu Não, diga o

que teve de diferente.

Dessa vez, todas as perguntas foram dirigidas sem rodeios ao sujeito/leitor, que deveria se

implicar na forma como leu os textos e participou dos jogos propostos.

A primeira pergunta revelou respostas de envolvimento com o que foi feito. Algumas, de

forma mais reflexiva, outras, mais superficiais, porém ambas manifestando alguma mudança no

modo pelo qual passaram a ver o lugar da leitura. Destaco algumas delas:

“Sim. Porque mudou a minha vida e interessante e legal”.

“Sim. Mudou o jeito de ler o mundo e muitas coisas”.

“Sim. Mudou minha vida que eu agora gosto de ler o livro e a leitura é importante para nós.

Eu gostei da leitura”.

53 Cf. Anexo F: Retornando de uma viagem: o que trago na bagagem?.

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Durante essa trajetória, uma representação se fez muito forte nas falas dos leitores e até

mesmo em algumas práticas de OL, a saber, a viagem como metáfora da leitura, como pode ser

visto em alguns exemplos:

“Mudou muitas coisas. A gente brincou, escreveu, leu, desenhou e viajou no mundo do livro.

É muito legal a gente aprendeu, leu, escreveu e tudo isso é muito bom”.

“Sim. Porque descobrimos muitas coisas e que a leitura faz nós viajarmos no mundo da

fantasia, lemos muitas histórias interessantes e viajamos no mundo de leitura”.

“Sim. A gente lendo a gente faz a gente viajar mais, uma viagem diferente. Nessa viagem não

levamos roupas, remédios, nós só levamos a imaginação e os livros”.

Parece-me que a noção de “viagem” a que os leitores fazem referência é aquela já saturada de

jargões e discursos alheios, produtores de modelos engessados sobre o lugar do leitor e da leitura,

tão discutidos e questionados pela Sociologia da Leitura. No entanto, vejo também como sendo

uma possibilidade de abstração. Nas experiências que tive com esses leitores nos dez encontros,

os olhos parados e as bocas abertas, durante a leitura de uma história, denunciavam um grupo que

participava do espetáculo da projeção e da identificação com o texto e que “viajava” para além

daquela sala de aula, daquela biblioteca que não se conclui e daqueles prometidos livros que não

chegam.

Vitor Moreno (2005) se empenha em apresentar dados que revelam equívocos em metáforas

que minimizam os esforços e os elementos que estão próximos ao que seja o ato de ler. Contudo,

o que fica manifesto em experiências como essas é que a leitura ainda representa uma forma de

viajar e deslocar-se para outros universos. Isso não quer dizer que seja fácil, difícil, com esforços

ou flutuante. Apenas quer dizer que retira o leitor de uma situação e o coloca em contato com

outra. Melhor? Pior? Isso dependerá da subjetividade, da busca e das produções de sentido de

cada um.

A segunda pergunta fez referências aos efeitos da leitura sobre os estudantes e teve por

pretensão identificar emoções, aprendizados e projeções sobre uma compreensão de sua

existência. Guardadas as devidas proporções – o público foi de 3ª série –, as respostas apontaram

para sujeitos/leitores que se posicionaram na leitura e encontraram nela um diálogo subjetivo:

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“Sim com sabedoria, com a imaginação e com muito mais, com o pensamento e a alegria ou

com a tristeza”.

“Sim porque pela leitura que aprendemos muitas coisas legais. Exemplos como desatar o nó

da nossa vida e é muito importante saber como desatar o nó que está na nossa vida.”

“Sim porque ela ensina. Ajuda a ler melhor então ela ajuda a compreender as coisas que

acontecem com a gente”.

Assim, como diria Iser (1999, p.42), “a cada novo texto, aprendemos não apenas sobre o que

estamos lendo, mas também sobre nós mesmos.”

Uma criança revelou aquilo que mais esperava: o desdobramento dessa experiência na busca

de outros livros:

“Sim. Me ajudou a ler mais livros em casa. Eu tô lendo livros em casa”.

O que esses leitores retrataram foi que nunca deixaram de estar presentes, desde o primeiro

dia. Guardados no receio de se exporem ou na falta de autoconfiança sobre suas opiniões, eles

sempre produziram sentidos, belos sentidos. E a literatura representou um canal de acesso a um

caminho não muito visitado pela escola, mas, por isso mesmo, mais livre, menos comprometido

com respostas prontas e seus possíveis erros.

A última pergunta foi uma tentativa de verificar que grau de compreensão eles tinham das

diferenças entre o dia-a-dia das aulas e aquela experiência leitora. Por alguns momentos tive a

impressão de que a pergunta não fora bem compreendida.

Apesar de saber que todas as práticas foram totalmente diferentes daquelas vivenciadas por

eles na sala de aula, essa pergunta pretendia identificar se eles percebiam o que é diferente ou por

que é diferente. As respostas, infelizmente, foram insatisfatórias/aligeiradas.

Praticamente metade da sala respondeu que o trabalho realizado foi semelhante ao que é feito

diariamente na sala de aula. Entretanto, o que respondiam, em seguida, contradizia suas respostas

ou evidenciavam não terem compreendido a pergunta feita. Identifico apenas cinco crianças que

compreenderam a pergunta e deram respostas mais coerentes com seu posicionamento:

“Não. Não porque isso não acontece na minha sala. Foi engraçado e importante para a gente”.

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“Não. Os livros são diferentes. A gente é diferente e os bichos são diferentes”.

“Não. As coisas que a gente aprende são bem diferentes do que a gente já aprendeu”.

“Não. Porque a leitura que nós fazemos não é igual porque as leituras são diferentes”.

“Não. Porque as aulas que a gente tem não são iguais”.

Mais uma vez, fico na dúvida sobre o que aconteceria caso fizesse entrevista com as crianças,

em lugar de pedir que se posicionassem por escrito. Ficou latente durante todos os encontros, e

isso pode ser confirmado pelas lacunas nas respostas das crianças, a inabilidade desses estudantes

de 3ª série para a produção escrita. Há crianças cujas respostas escritas foram absolutamente

indecifráveis e, quando conversava com a professora a esse respeito, ela demonstrava indignação

por terem conseguido atravessar dois anos de ensino sem terem repetido as séries anteriores.

Embora esse ponto não diga respeito diretamente ao objeto desta pesquisa, já que a

experiência estética, o envolvimento com a leitura e a manifestação de produção de sentidos não

necessariamente se relaciona com o alto grau de escolarização, não há como negar que a falta de

habilidade e de compreensão das perguntas talvez reduza o alcance daquilo que poderia ser visto,

caso esses leitores possuíssem uma habilidade maior na produção escrita.

Ao retornarem para a o auditório da escola, não só os estudantes encontraram os livros

arrumados e disponibilizados para manuseio e leitura, como também um lanche para a nossa

despedida. Curiosamente, pouco se mobilizaram com o lanche. Cada criança que voltava de sua

sala de aula manifestava o desejo de buscar o livro de sua escolha, encontrar um lugar para se

acomodar e ler. E assim, um por um, o grupo repetiu esse comportamento: entrar, escolher, sentar

e ler. Por alguns minutos, a sala ficou num grande silêncio, preenchido pelo desejo de leitura dos

alunos da EMTG.

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4 SÓ NO DEPOIS: O EFEITO DO TEXTO SOBRE O LEITOR

4.1 A importância da mediação

A expressão “só no depois” é empregada pela psicanálise para designar que os efeitos, ou os

resultados, do processo de análise em nossas vidas só poderão ser vistos além do momento do

discurso. A fala materializa a fantasia e abre espaços para uma revisão de sua imagem. Quando

colocada em palavras, a fantasia vai assumindo diferentes formas cada vez que é revisitada e

preenchida com outros elementos, até que venha a adquirir outros significados, às vezes muito

distantes daqueles pronunciados inicialmente. Há traços de ficcionalização no processo de

análise, porquanto personagens, fantasias e enredos se implicam em um texto e em leituras, a

partir da livre associação dos fatos da vida, que tornam os acontecimentos vivos e

ressignificados.

Também é “só no depois” que se descortina a possibilidade de rever o meu caminho de

pesquisadora, ponderar algumas análises, introduzir outras e verificar minhas representações

sobre leitura, literatura, mediação e suas práticas de sala de aula. É na tentativa de olhar de fora as

cenas das quais participei vivamente que me arrisco a tirar algumas conclusões entre o que se diz

e o que efetivamente acontece na escola em relação às práticas de leitura com a literatura, mais

precisamente na rotina de uma sala de aula de 3ª série de uma escola pública municipal de

Salvador.

Ler um texto literário é projetar-se nele e vivenciar uma experiência, simultaneamente, fora e

dentro de nossas vidas. A participação nesse jogo envolve ficção, identificação e imaginação e o

resultado ou efeito dessa leitura só poderá ser visto adiante, num tempo e num espaço não

previstos ou mensuráveis.

Seguramente, a pergunta “de que forma a literatura deve ser lida ou apresentada nas

escolas?”ainda insiste como aquela que mais me inquietou ao longo desse trabalho. Entretanto,

tal questão, como já mencionei, desdobra-se em outras: “por que ler literatura deve ser de

interesse das pessoas?”, “o que há de tão especial no texto ficcional que mereça uma atenção

específica na sala de aula?” ou “qual o papel do ensino da literatura na escola?” e “o que, de fato,

se pretende ensinar nas apresentações dos textos literários?”

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No percurso desta pesquisa procurei analisar e entender alguns aspectos que se fizeram

presentes a todo instante: a mediação da leitura da literatura, os usos da literatura na sala de

aula e, em meio a esses dois pontos, a recepção dos leitores aos textos e às práticas de OL.

A mediação de leitura se apresenta como ponto fundamental para assegurar a chegada dos

leitores ao livro. Para que os estudantes se coloquem na condição de leitores, a escola deve se

ocupar de um propósito que os leve até os textos literários, explorando seu matiz estético, que o

distingue dos textos informativos e pragmáticos, bem como valorizando os efeitos sobre os

leitores. Só assim o estudante se verá implicado na sua constituição leitora e perceberá que o ato

da leitura demanda um envolvimento com sua bagagem de vida.

Em conversas informais sobre o grupo, a professora da turma sempre reforçou a suposta

“deficiência” da leitura e da escrita como aspectos que a preocupam no desempenho escolar das

crianças. Em contrapartida, a literatura jamais apareceu nessas conversas como um texto

significativo, que precisa ser mantido na rotina das suas aulas por ter o potencial de despertar o

interesse do estudante para a leitura, por prescindir de conhecimentos técnicos ou teóricos prévios

do leitor, mas abre a reflexões existenciais e subjetivas que podem se iniciar com exposições

orais e rodas de conversas sobre algum enredo.

O fato de o currículo escolar do ensino fundamental ser estruturado de modo a existir um

único professor para todas as disciplinas e não haver um espaço específico para o trabalho com a

literatura faz com que a apresentação desta aos estudantes fique vulnerável a uma iniciativa

espontânea e episódica do mediador do grupo. Considerando que a escola pública, destaco aqui a

EMTG, carece de biblioteca, livros de literatura e planejamentos que prevejam a constituição do

leitor pela via da literatura, a circunstância do incentivo à leitura desses textos fica,

inevitavelmente, atrelada à relação que o professor ou a professora tenha com o ato de ler que,

por sua vez, está vinculado à história de vida, à bagagem leitora, bem como às oportunidades de

acesso aos bens culturais e à formação desse profissional. Se, pelos motivos explicitados, a leitura

não fizer parte de suas escolhas pessoais, o professor não se sentirá obrigado a fazê-lo em sala de

aula, uma vez que o currículo atua basicamente com o livro didático. Mais do que saber criar OL.

ou qualquer prática de leitura, para ser mediador a principal condição é ter um envolvimento com

a leitura que ultrapasse as obrigações pedagógicas.

Lev S. Vygostsky (1984) sinaliza para a importância da mediação no desenvolvimento

humano como um processo sócio-histórico, em que cabe à escola importante papel, pelo

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entendimento de que é nesse espaço que as crianças organizam saberes e conhecimentos, nas

trocas que podem fazer com o professor e os colegas. Com a leitura da literatura não é diferente.

Há um equívoco em se pensar que o trabalho de mediação com a literatura significa apenas a

promoção de um encontro com o prazer estético. Para quem planeja ações de mediação, o esforço

é grande: selecionar o livro, refletir sobre os possíveis interesses do grupo, buscar estratégias de

apresentação do texto, pensar que linguagens podem se somar à literária para tornar o jogo da

interação texto/leitor mais interessante, reconhecer os conhecimentos que a literatura pode

promover e escutar o grupo, acolhendo a sua diversidade. Para quem irá participar do jogo

ficcional, o esforço também é grande: abrir-se a um texto que, inicialmente, não foi escolhido por

ele, projetar-se no texto, produzir sentidos no percurso da leitura, ouvir e respeitar as produções

de sentido do outro, reconsiderar as suas (ou não) e fazer associações com outras leituras de

mundo. São movimentos que demandam esforço, energia psíquica e cognitiva antes de se chegar

ao prazer.

Mediar não é escolher uma “brincadeira” para fazer com o texto e dali extrair atividades

interessantes. Muito mais que isso, o ato de mediar significa assumir a responsabilidade pelo

outro naquele momento de apresentação de um texto literário e perceber o leitor como sujeito

ativo no seu processo de leitura, mesmo que sua capacidade para decodificar esteja abaixo das

expectativas da escola, aspecto importante a destacar nessa caminhada.

A excessiva preocupação com o ensinar a ler, no que pude observar, contribui para confundir

o lugar da literatura na escola e manter um conceito restrito sobre o ato de ler. Constata-se uma

prioridade (não infundado) em assegurar que os estudantes concluam a 4ª série lendo melhor,

considerando como leitura aqui o ato de decodificação. Quando vai se decidir, por exemplo,

sobre alguma reprovação, um dos critérios relevantes trazidos pelos professores é a situação

leitora em que os estudantes se encontram. No final do ano em que realizei os encontros com a

turma da 3ª. série, perguntei à professora se algum estudante seria reprovado. Sua avaliação sobre

tal possibilidade trazia as seguintes observações: “não lê nada” ou “melhorou um pouquinho na

leitura, mas continua muito fraco”. Ora, se o critério da reprovação é esse, então a meta da 3ª.

série (ou da escola) era ensinar a ler? E se a meta da escola era ensinar a ler, por que motivo não

houve um investimento, ao longo do ano, em formas de leitura que extrapolassem a

decodificação e enveredassem pela função social da leitura e pela literatura como texto

provocativo, de diálogos intersubjetivos que tanto auxiliariam na sedução do leitor em formação?

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A questão, então, se volta para a dicotomia formar/informar. O lugar da escola na sociedade

sempre foi voltado para o conhecimento, o que é plenamente justificável, pois a escola é um local

de formalização de saberes e informações e as disciplinas ou áreas de conhecimento se organizam

para oferecer sistematicamente esses conteúdos. Todavia, o que procurei averiguar nessa pesquisa

foi o lugar, o uso e a mediação da literatura infantil na sala de aula em meio a tantas prioridades

conteudísticas.

Do que pude perceber, a literatura continua atrelada a objetivos pedagógicos, uma vez que há

pouca ou nenhuma experimentação do seu potencial formativo por motivos diversos: ausência de

livros de literatura infantil, falta de políticas públicas que assegurem a existência de bibliotecas

ou salas de leitura nas escolas e um envolvimento pouco satisfatório dos professores por razões já

destacadas. A ausência rarefeita de um trabalho de mediação que apresente o texto literário em

seu caráter estético impede que o estudante tenha outra dimensão do que é ser leitor de literatura.

Ou seja, de que existe uma forma de leitura que não há respostas prontas, mas produções de

sentidos que significam e resignificam cada leitura em sua relação dialógica com o

leitor.Comungo com a idéia de Paulo Becker, ao afirmar que:

Libertar a literatura infantil das pretensões da antiga pedagogia (de formação moral e cívica) não implica, certamente, negar a existência de quaisquer finalidades a essa literatura e incluí-la na vala comum do divertimento. Ela de fato possui um caráter formador, mas muito menos específico e imediatista do que pretendiam os antigos pedagogos. (BECKER, 2002, p. 148)

Seguindo ainda com o pensamento do mesmo autor:

Outra função precípua da literatura infantil diz respeito à educação da sensibilidade estética da criança. Apreendendo o mundo a partir de suas sensações e de sua imaginação criadora, e não a partir de conceitos e relações lógicas, o sentido do mundo encontra-se, para a criança, cifrado no sensível. [...]. Ao ler histórias, a criança penetra em universos imaginários fundados em distintas visões de mundo e escalas de valores. Voluntária ou involuntariamente, ela acaba contrapondo esses mundos imaginários à realidade em que vive, desenvolvendo uma perspectiva crítica. A partir daí, a criança pode se sentir inquieta, querendo saber mais ou percebendo que pode mudar sua opinião. (BECKER, 2002, p. 149)

Os resultados obtidos com a realização dessa pesquisa foram observados por mim através das

respostas às perguntas dos questionários, da verbalização dos estudantes sobre o que estava sendo

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exposto e solicitado deles, bem como através de outras reações, a exemplo do silêncio quando

uma leitura está sendo feita ou da escuta dos comentários dos colegas. Tais dados coletados

sinalizaram uma boa recepção aos textos escolhidos, um envolvimento nas atividades e uma

participação ativa na produção de sentido dos textos, o que indica um caminho para o trabalho

com a literatura – diferente daquelas que priorizam aspectos ortográficos e gramaticais em

detrimento de um envolvimento pessoal e subjetivo – porque provoca o pensamento crítico e

favorece a compreensão de si e do outro.

4.2 Do jogo de percurso ao jogo da leitura: arriscando conjecturas

O jogo de percurso do leitor revelou um grupo fortemente influenciado pelo universo oral,

mas sem interesse pelo que o livro pode oferecer. Constatou-se ainda que a literatura oral, tão

familiar a esses estudantes, não tem o devido prestígio na escola, o que sinaliza possivelmente um

preconceito ou ausência de reconhecimento da importância de tais narrativas na constituição dos

sujeitos. Que movimentações aconteceriam com a leitura se a escola convidasse os parentes

desses estudantes para contar histórias num grande sarau? Certamente seriam constatadas várias

interseções entre aquilo que já é conhecido na bagagem leitora dos estudantes e aquilo que está

nos livros. Tal iniciativa elevaria esses leitores ao lugar de quem possui suas próprias leituras,

válidas, importantes e por vezes desconhecidas de outros leitores. Ainda, além de atuar na auto-

estima dos leitores, traria à tona um diálogo entre o livro, as heranças de leitura e a memória

traduzida pela oralidade.

Essas observações se confirmam quando apresentei o livro Guilherme Augusto Araújo

Fernandes. A caixa de memórias feita pelos desenhos do grupo revelou leitores com histórias

para contar e essas histórias precisam ser escutadas para que eles percebam que isso já os

constitui leitores e narradores. Como evidencia Judith Langer:

Cada aluno vivenciou uma série de experiências literárias antes de passar pela porta da escola; está familiarizado com a questão subjacente a ela (a experiência humana) e conhece formas de organizar uma narrativa a esse respeito e de efetuá-la. (LANGER, 2005, p. 148)

A importância da leitura da literatura converge com a importância da história do leitor, e a

escola, como instituição que convive diariamente com sujeitos, não pode negligenciar esse dado,

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sob o risco de tornar a leitura um ato sem sentido para o leitor, alheio ao seu contexto social e

cultural.

A atividade Embarcando para uma viagem, como experiência, traduziu as discussões que

vem sendo promovidas pelo campo da Sociologia da Leitura. Recheada por escolhas minhas, os

leitores foram se situando naquele acervo carregado de significados, ideologias e intenções de

pesquisa. Dentro da diversidade de textos escolhidos por esse outro que penetrou em parte na

rotina do grupo, os sujeitos leitores foram encontrando seu universo de identificação já na capa,

um primeiro estímulo dado. A imagem da capa serviu de provocação, como uma primeira leitura

para se chegar ao conteúdo de um livro. Possibilitar aos leitores essa aproximação com o objeto

livro, sobretudo em sua diversidade, resultou em um exercício de leitura e o respeito às

diferenças, prática não muito comum nessa escola pública em virtude da própria carência de

livros.

A dura constatação é de que, de modo geral, ou nessa escola em questão, não há diversidade

de oferta de gêneros textuais. As opções de títulos são restritas e escolhidas por critérios de

outros, o que limita o acesso dos estudantes a uma variedade de livros que lhes assegure

alternativas para escolher aqueles com os quais mais se identifica.

Em conversa com uma criança da turma, quase um ano após as práticas das OL, perguntei-lhe

se as professoras haviam feito mais atividades ou jogos com os livros de literatura. A estranheza

foi imediata. Primeiro, a garota não conseguia compreender a expressão “livros de literatura”.

Tentei traduzir, dizendo-lhe, “livros de histórias, contos”. A estranheza continuou e ela, dando de

ombros, respondeu “aqui não tem livro”. Insisti, perguntando pelo livro didático:

- No livro que vocês trazem para escola todos os dias também tem histórias?

- Tem. Mas é para a professora fazer perguntas e a gente responder.

Depoimentos assim confirmam que o livro de literatura infantil não é identificado como

fazendo parte da escola e das aulas e que o livro didático não consegue transitar entre os espaços

de ensino e apresentação de textos literários. Seu papel é primordialmente o de “fazer perguntas”,

como bem sinalizou a estudante entrevistada. Mais uma vez isso aponta para a ausência de

políticas públicas que valorizem e coloquem esse bem cultural em contato com os estudantes.

Sem a presença de livros de literatura na escola, dificilmente os professores poderão ampliar suas

discussões sobre as práticas de sala de aula voltadas para a constituição de leitores.

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O livro A flor do lado de lá trouxe um dado bastante curioso no tocante à leitura e a utilização

de outro recurso, no caso, a da tecnologia. O conceito de leitura se expandiu quando o grupo se

viu diante de uma provocação demandando-lhes acompanhar ou até criar o enredo da narrativa

através das imagens, bem como se ampliou com um recurso tecnológico que promovia a

expansão das ilustrações na parede. Isto, para essas crianças, veio a ser grande novidade, “um

cinema”, como colocou uma garota.

O fato de haver um equipamento que cumpriu o papel do livro, e observando a reação dos

estudantes, como se estivessem diante de um ser absolutamente inusitado e raro (o que é em suas

vidas), me fez pensar no quanto a leitura, até mesmo a da literatura, já ultrapassou os limites do

papel e adentrou territórios tecnológicos. Sem dúvida, isso aumenta o abismo entre aqueles que

possuem acesso a bens culturais e os que vivem limitados ao que a escola, sobretudo a pública,

pode oferecer. Retomando a questão da ausência de uma política pública efetiva, penso que o

problema se adensa com a falta de conhecimento, por parte dos dirigentes e gestores públicos, da

distância entre as propostas de melhoria no ensino da leitura e a realidade dos leitores e das

escolas. Afinal, o governo ainda combate a falta de bibliotecas nas escolas, enquanto o mundo da

leitura galopa por diferentes suportes ou linguagens.

O enredo de A flor do lado de lá e seu tema central – a frustração e o sentimento de perda –

não parecem ter surpreendido o grupo, para mobilizá-los a produções de sentido significativas.

Constatei que os leitores pouco se envolveram com o sofrimento da pequena anta ao perder sua

tão desejada flor. A imagem era explícita – a anta ficou triste e chorosa –, e a pergunta que fiz,

“Como a anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?”, exigia apenas uma compreensão

denotativa, muitas vezes comum aos exercícios elaborados pelos livros didáticos.

Tal equívoco na construção da pergunta trouxe uma clara dimensão da diferença entre a busca

da interpretação de um texto e a possibilidade de abertura de espaços à produção de sentidos. No

primeiro caso, espera-se, apesar das possíveis distinções, que as respostas dadas revelem um elo

explícito com o texto, enquanto no segundo se opera além do plano do enunciado, ao englobar

questões sociais e culturais do sujeito leitor.

A pergunta feita certamente dificultou a profusão de comentários, vindos de sentidos

produzidos pelo grupo. Entretanto, não posso deixar de acentuar o dito de uma participante da

atividade: “que a flor que a anta queria é como eu me sinto quando meu pai viaja”. Declarações

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dessa ordem ratificam a importância de um trabalho com a literatura de modo humanizado, por

favorecer experiências individuais, histórias subjetivas, como considera Langer:

Vivenciar uma experiência literária, tanto no sentido cognitivo quanto no humanitário, requer que a observemos da maneira mais ampla e completa que a nossa consciência permite. [...], a imaginação torna-se uma maneira de observar as coisas para além do estado em que elas se encontram, buscando perspectivas novas e potencialmente enriquecedoras. [...]. Essas experiências se tornam uma parte essencial de como raciocinamos e vivemos. (LANGER, 2005, p. 21)

Na leitura do livro Nós, de Eva Furnari, ficou exposto o potencial da literatura como

possibilidade de leitura e representação de acontecimentos da vida, muitas vezes turvos e

incompreendidos. A literatura permite ao sujeito uma mudança de lugar, de protagonista a

espectador, por lhe permitir ver à distância e processar as experiências. Em Nós, especificamente,

foi com a personagem Mel que os leitores conseguiram verbalizar aquilo que consideram seus

“nós”, bem como terem a dimensão de seu significado. Ressalto que tal atividade não teve o

propósito de fazê-los solucionar seus problemas (não foi o objetivo desta pesquisa, tampouco é a

função da literatura), mas de promover um espaço onde a literatura possibilitasse ver suas

próprias vidas sob outro ângulo, a fim de reconhecerem suas questões como parte da condição

humana, independente da posição sócio-econômica.

Do primeiro ao último dia de nossos encontros, a “viagem” – metáfora tão forte e recorrente

durante a pesquisa – possibilitou um crescimento do grupo nas produções de sentido. Em apenas

dez encontros pude transitar por vinte e duas histórias de vida e verificar que, para cada uma

delas, o significado do ato de ler literatura será sempre único, e justamente aí se encontra o maior

desafio para o mediador. Não se pode esperar que o significado desse ato seja semelhante para

todos. Contudo, é necessário que a literatura seja oferecida a todos, para que cada um encontre o

seu diálogo com esse texto estético e vivencie os efeitos que pode provocar em seu cotidiano

escolar e extrapole os muros da escola.

Os deslizes de algumas perguntas pouco provocativas ou tendenciosas mostraram-me a força

dos estudos da Sociologia da Leitura ao postularem o quanto nossas escolhas atravessam a vida

do outro. Isso provoca em mim, inevitavelmente, uma pergunta: será que, ao planejar alguma

aula ou mesmo ao escolher e mediar um texto literário, os professores se dão conta disso?

Arrisco uma resposta negativa, não por considerá-los incapazes desse intento, mas por

constatar a ausência de políticas públicas e de uma formação qualificada que os movimentem na

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direção de uma mudança efetiva no quadro de apresentação da literatura na sala de aula. A

biblioteca foi paralisada por “falta de verba”, segundo a diretora; os livros de literatura chegam

de maneira absolutamente tímida e ficam guardados “a sete chaves”, por não haver espaços

adequados para eles. Esse cenário é propício ao não exercício da leitura e menos ainda à

aproximação com o livro como bem cultural.

Não poderia ingenuamente pensar que o retrato da realidade dos estudantes irá mudar com o

trabalho da literatura na perspectiva do que foi realizado nesta pesquisa, tampouco será possível

comprovar em tão pouco tempo qualquer alteração no seu desenvolvimento leitor. Entretanto,

ficou estampada na recepção e reação das crianças uma demanda por espaços que valorizem o

sujeito que se esconde na abstração “estudante”, não com o intuito de qualquer interferência

psicológica, mas como possibilidade de uma compreensão ampla do processo de reconhecimento

de suas histórias de vida e sua bagagem leitora em suas escolhas e modos de ver o mundo. Além

disso, um trabalho com a literatura que considere e valorize a subjetividade do leitor minimiza os

riscos de a escola priorizar a informação de conhecimentos, ao tempo em que pode favorecer uma

rica formação de seres humanos. Penso ainda que a escola não pode perder de vista esse papel

social.

O trabalho com literatura deve sempre incitar exploração e provocar inquietações e perguntas,

que se movem num circuito espiralar de tantas outras perguntas e insuspeitadas respostas. Tal

exploração percorre caminhos que vão desde a simples e inicial compreensão do texto até uma

experiência com os sentimentos mais íntimos do leitor. Este se experimenta a cada leitura e se

acrescenta com um pedaço do outro. Por isso, não se pode falar em formação do leitor como algo

estanque e concluído.

É importante considerar que o leitor se constitui a cada leitura e a cada pergunta que faz sobre

si e sobre o outro, e como esse movimento de descobertas faz parte da condição humana e nunca

cessa, seu processo é contínuo e infinito, formando-se uma cadeia de constantes perguntas e

(re)significados para sua existência. Cabe à escola, ou a qualquer instituição que se proponha a

trabalhar com a literatura, perceber que o desejo de ler convive com esse movimento pessoal,

variável e diverso.

O foco dessa pesquisa foi a recepção dos estudantes aos textos literários no sentido de se

entender a possibilidade desses textos potencializarem a sensibilidade estética de crianças de

escolas públicas que vivem numa situação desfavorável à leitura. As respostas obtidas revelaram

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um grupo aberto ao novo e desejoso de leituras, livres de formatos engessados, os quais ignoram

suas experiências ou realidades sociais. O desejo é por uma leitura que abra espaços à escuta,

reflexão e transformação e que, sobretudo, dialogue com as experiências de vida do leitor, para

que ele compreenda o lugar da leitura em sua vida.

A conclusão desse trabalho ratificou em mim a certeza de que a literatura possui uma grande

capacidade para despertar a sensibilidade estética por mobilizar sentimentos e emoções. Isso

independe das condições sócio-econômicas do leitor porque as páginas de um texto literário são

feitas de sentimentos humanos, de situações que, de algum modo, lhes soam como familiares, por

mais absurdos que pareçam. Comungo da idéia de Vargas Llosa (2004) quando diz que “a

literatura, não a ciência, foi a primeira a investigar os abismos do fenômeno humano”. Entretanto,

justo por tratar de e lidar com seres humanos, tais abismos variam de profundidade e

complexidade. Por isso a leitura da literatura não surte efeito semelhante em todos os leitores.

A escola, instituição investigada nessa pesquisa, não deve perder de vista que um texto

literário é construído apenas de verbos, substantivos e pronomes, aguardando por uma decifração.

Mais do que isso, constitui-se em um entrelaçado de fios de emoções advindas de um sujeito, o

escritor, que irá se encontrar com os fios de um leitor e com o qual formará nova trama. A

variedade dos enredos, singulares como as digitais dos leitores, revelará o lugar que a leitura da

literatura tem na vida de cada um.

Revendo os passos iniciais desse trabalho, percebo o quanto a minha intenção, a de analisar a

importância da mediação na constituição do leitor da literatura infantil, esbarrou na necessidade

da escuta dos estudantes dentro dos espaços escolares. Durante o período em que estive com as

crianças da 3ª séria da EMTG não só lhes foi garantido o espaço da palavra, como lhes foi

apresentada a relação entre o ato de ler e ato de falar de si.

A questão inicial da mediação tocou na formação leitora dos professores, que por sua vez

tocou na questão da falta de livros dentro das escolas, que, por sua vez, tocou na literatura como

elo para potencializar a sensibilidade estética dos leitores. E tudo isso reunido, desenhou na

constituição do leitor uma teia de muitos fios vindos de lugares e situações diferentes. Mediar o

contato dos estudantes com a literatura infantil descortinou um óbvio não praticado: essas

crianças têm uma história para contar, um caminho feito de palavras. E essa história precisa

interessar às pessoas que estão ao seu redor para que o ato de ler faça sentido.

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LISTA DOS ANEXOS

ANEXO A: O jogo de percurso do leitor: o caminho feito de palavras

ANEXO B: Embarcando para uma viagem

ANEXO C: O menino e o livro

ANEXO D: Minha caixa de memórias

ANEXO E: Porque aquela flor era especial

ANEXO F: Porque todo mundo tem seus nós

ANEXO G: Retornando de uma viagem – o que trago na bagagem

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ANEXO A: O jogo de percurso do leitor: o caminho feito de palavras

Metodologia

Materiais necessários:

• 1 jogo de percurso feito em papel chumbo e envelopes tamanho cartão para colocar as

perguntas;

• Livros para dar de brindes.

• Máquina fotográfica.

Regras do jogo:

1. Em cada casa/envelope haverá um desafio/pergunta sobre livros ou histórias.

2. O dado será utilizado para que as perguntas sejam sorteadas aleatoriamente.

3. A turma será dividida em quatro equipes por uma questão de economia de tempo, mas a

cada rodada uma criança diferente da equipe jogará o dado e responderá a pergunta.

4. A criança jogará o dado e avançará nas casas o equivalente ao número que tirou.

5. Lerá a pergunta contida no envelope. Caso responda será “premiada” com um pequeno

livro. Caso não, outra criança da mesma equipe poderá responder.

6. Todas as crianças terão oportunidade para responder.

7. Ao final do jogo, uma por uma, a criança deverá responder a duas perguntas: Você gosta

de ler? Qual foi o último livro que você leu que não foi apresentado pela sua escola?

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116

Perguntas/desafios utilizadas no jogo de percurso do leitor:

1. Quais são os personagens da turma da Mônica?

2. Quem é o personagem que troca o “r” pelo “l” das histórias em quadrinhos?

3. O que aconteceu a João e Maria quando se perderam na floresta pela primeira vez?

4. Dê exemplo de dois personagens inventados por Monteiro Lobato?

5. Qual o nome da boneca falante do Sítio do Pica-pau-amarelo?

6. Qual é o personagem que é muito rico e ao mesmo tempo tão pão-duro das histórias em

quadrinhos?

7. Dê o nome de três histórias que possui a personagem bruxa?

8. Qual o nome da personagem que possui os cabelos tão grandes que até pode subir uma

pessoa por eles?

9. Qual o nome da história cujo personagem principal é uma formiguinha que fica com o seu

pezinho preso na neve?

10. De que eram feitas as casas dos três porquinhos?

11. Quem perdeu seu sapatinho durante uma festa?

12. Complete o título da história: “O__________ e os sete cabritinhos”? Você conhece essa

história?

13. Qual a história que possui um gênio que realiza desejos? Onde você viu essa história?

14. Você acha que o que aconteceu a Chapeuzinho Vermelho foi porque ela desobedeceu à

mãe?

15. O que aconteceu a João depois que ele trocou a vaca por uns grãos de feijão?

16. Qual o nome da velha torta que ficou em cima de uma árvore se fingindo de bela moça

para enganar o príncipe?

17. Qual o nome do boneco que se transformou em menino?

18. Qual é o gato mais esperto das histórias infantis?

19. Como é a música cantada pela Dona Baratinha em sua história?

20. Você já leu alguma história de Ana Maria Machado? Qual?

21. Que bicho que foi para “A festa no céu” sem ser convidado?

22. Você sabe quem é Andersen?

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23. O que acontece com a personagem à “Pequena vendedora de fósforos” no final da

história?

24. Que bicho se transforma num belo cisne?

25. O que “Barba-Azul” entregou para sua esposa para que ela guardasse com muito cuidado?

26. Quais os nomes dos 7 anões?

27. Qual a função do Curupira na floresta?

28. Segundo a lenda, qual o formato de Iara?

29. Você já leu alguma história de Ligia Bojunga Nunes? Qual?

30. Você conhece o livro de poesia de Vinicius de Moraes chamado “A arca de Noé”?

Lembra de alguma de suas poesias ?

31. Complete a parlenda: “Um, dois, __________________

Três, quatro, feijão ___________

Cinco, seis, __________________

Sete, oito,___________________

Nove, dez, __________________”

32. Complete a parlenda: “Dedo mindinho

Seu____________

Maior de ________

Fura-bolo

Cata-___________”

33. Complete a parlenda: “Amanhã é domingo

Pé de _______________

O ________ é de ouro

Bate no ______________

O _________ é valente

Bate na gente

A gente é ____________

Cai no _______________

O__________ é fundo

Acabou-se o __________.”

34. Complete a parlenda: “Batatinha ______________

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se esparrama __________.

Menininha _____________

põe a mão _____________”

35. - O que é que é surdo e mudo, mas conta tudo?

36. - O que é o que é que sempre se quebra quando se fala?

37. - Ele é magro pra chuchu, tem dentes mas nunca come e mesmo sem ter dinheiro, dá

comida a quem tem fome?

38. - O que é que passa a vida na janela e mesmo dentro de casa, está fora dela?

39. Por que o galo quando canta fecha os olhos?

40. Qual a cabeça que não tem medo de pancada?

41. Complete a cantiga:

Capelinha de __________

É de _________________

É de cravo, é __________

É de _________________

São João _____________

Não __________________

Acordai, ________

Acordai, ________!

42. Complete a cantiga:

Escravos de ____

Jogavam __________

Tira, ______, deixa o __________ ficar.

Guerreiros ____________ fazem ________________

Guerreiros ___________ fazem _________________

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ANEXO B: Embarcando para uma viagem

Metodologia

Materiais necessários:

• 1 mala com rodinhas, enfeitada com diversos estímulos que provoquem curiosidades e

leituras.

• Livros e revistas

• Máquina fotográfica

• Papel para escrita

• Lápis

Etapas do trabalho:

6. Com a mala ainda fechada conversar com o grupo sobre o que levamos numa viagem.

7. Deixar que o grupo fale bastante sobre os objetos.

8. Dizer que eles vão embarcar numa viagem diferente.

9. Abrir a mala e colocar os livros no chão.

10. Pedir que os alunos passeiem pelos livros, olhem a capa, leiam o título e escolham aquele

que mais o atrair. Duas ou mais crianças poderão gostar do mesmo livro (nesse caso, elas

deverão sentar-se juntas).

11. Após a escolha, ela será fotografada com o livro que escolheu – isso servirá de subsídios

para a última prática.

12. Feita a foto, a criança deverá responder por escrito a duas questões: Por que você

escolheu esse livro? e Escreva a história que você gostaria de encontrar nesse livro.

13. Por último, a criança poderá ler o livro que escolheu e verificar se se parece com a

história que ele escreveu.

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Acervo literário infantil contido na mala

� Histórias em quadrinhos 1. Penadinho 2. Cebolinha 3. Magali 4. Cascão 5. Mônica 6. Garfield 7. A turma do Xaxado 8. Calvin e Haroldo

� Contos clássicos de tradição oral 9. A bela e a fera 10. O pintinho Quiquiriqui 11. Os músicos de Bremen 12. Branca de Neve e os sete anões 13. O macaco e a velha 14. O sapateiro e os anõezinhos 15. O bem com o bem se paga 16. O veado e a onça 17. O lobo e os sete cabritinhos 18. O gato de botas 19. A formiguinha e a neve 20. A galinha ruiva 21. Cinderela 22. A história da baratinha 23. Chapeuzinho Vermelho

� Literatura infantil contemporânea o Ciranda brasileira. Elias José. Ed. Paulus. o Um nó na cabeça. Rosa Amanda Strausz. Ed. Salamandra. o Festas. Marcelo Xavier. Ed. Formato. o Problemas com o cachorro?. Elvira Vigna. Ed. Miguilim. o Maria Mania. Bonifácio Vieira. Ed. Formato. o A noiva do diabo. Recontado por Celso Sisto. Ed. Grifos. o A velhinha que dava nome às coisas. Cinthia Rylant. Ed. Brinque book. o Deus me livre. Rosa Amanda Strausz. Ed. Companhia das letrinhas. o Casas. Roseana Murray. Ed. Formato. o Lúcia já ou indo. Maria Heloísa Penteado. Ed. Ática o O macacão espantado. Leo Cunha. Ed. Salamandra. o Cena de rua. Ângela Lago. Ed. RHJ.

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Respostas dos leitores

Aluno: ANS, 9 anos

Livro escolhido: O macacão espantado – Leo Cunha

Por que você escolheu esse livro?

Porque ele é muito feio

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

O espantado morre porque as meninas eram muito abusadas.

Aluno: AAS, 10 anos

FALTOU

Aluno: AVM, 10 anos

Livro escolhido: O gato de botas

Por que você escolheu esse livro?

Porque gostaria muito de conhecer a história do Gato de botas.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Eu gostaria de encontrar nesse livro se o gato de botas era super herói dos outros gatos, que ele

salvava os outros gatos em perigo lutou contra o mal. É o que eu espero neste livro.

Aluno: AGM, 11 anos

Livro escolhido: Garfield (quadrinhos)

Por que você escolheu esse livro?

Por causa do título

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Praia e muita onda, muitas manobras.

Aluno: BDS, 15 anos

Livro escolhido: O veado e a onça

Por que você escolheu esse livro?

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[...]

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

[...]

Aluno: EPF, 11 anos

Livro escolhido: Cebolinha

Por que você escolheu esse livro?

Porque é interessante.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Cebolinha tá vendo Sou o surfista [...].

Aluno: ESB, 11 anos

Livro escolhido: Magali

Por que você escolheu esse livro?

Porque é lindo e bonito e perfeito e eu gosto dessa história perfeita e elegante.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Magali estava com o gato e o gato estava derramando feijão no chão.

Aluno: EMS, 10 anos

FALTOU

Aluno: GCJ, 9 anos

Livro escolhido: A turma do Xaxado

Por que você escolheu esse livro?

Porque ele é muito lindo.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Uma história bonita.

Aluno: GSC, 12 anos

Livro escolhido: A turma do Xaxado

Por que você escolheu esse livro?

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Por causa da capa. Os personagens.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Era uma vez cinco amigos que foram navegar em um grande navio e foram navegando em alto

mar. O mar estava muito forte quando eles menos esperavam estavam perdidos em uma linda

ilha e um disse, estou morrendo de fome, vou procurar algo para comer. Passou dias e dias e

eles viam que não tem mais jeito de ir embora. Então eles resolveram morar na ilha. Eles

construíram cabanas, acharam amigos, comida e ficaram muito felizes.

Aluno: IVQ, 9 anos

Livro escolhido: O pintinho quiquiriri

Por que você escolheu esse livro?

Porque no título eu vi que esse texto nos está informando algo muito interessante. Cada um que

pegar essa história vai achar muito divertido e todos ficará contente de ler essa história.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Era uma vez um pintinho amarelo. Ele era muito triste. Morava em lugar sozinho, sem pai, nem

mãe e vizinho. Na verdade, sem uma família. Mas, certo dia encontrou um palácio com um rei.

Este rei quando viu o pintinho perguntou: pinto você está sozinho. Ele respondeu: sim, com

fome, sede e sem ninguém para se divertir. Aí o rei chamou ele para morar e viveram felizes para

sempre.

Aluno: JAS, 11 anos

Livro escolhido: A galinha ruiva

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu gostei da capa e parece que ele é importante. E eu gostei do título.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Eu gostaria de encontrar no livro a história da bela adormecida.

Aluno: JCB, 11 anos

Livro escolhido: A bela e a fera

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu já conheço e é muito interessante.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

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124

A bela e a fera, recontado por Elza fiúza, ilustrado por Rogério Borges.

Aluno: LBM, 9 anos

Livro escolhido: Branca de Neve e os sete anões

Por que você escolheu esse livro?

Porque ela me traz aventura só no nome da capa e eu amei o desenho da capa e nesse livro eu

vou viajar para bem longe daqui da escola e vou entrar na história de romance, aventura,

tristeza.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Era uma vez uma menina chamada Branca de Neve ela era rica e morava com a mãe e com o pai

certo dia a mãe dela morreu e o pai arrumou uma madrasta e Branca de Neve fugiu e encontrou

sete anões e a madrasta se vestiu de velha e deu a maçã e Branca de Neve adormeceu e apareceu

um príncipe deu um beijo nela e eles viveram felizes para sempre.

Aluno: LFV, 9 anos

Livro escolhido: Garfield

Por que você escolheu esse livro?

Porque gosto de surfar.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

A que Garfield enfrenta o cachorro.

Aluno: MPP, 13 anos

Livro escolhido: Cascão)

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu gosto de ler a história de Cebolinha.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

É a história de Cebolinha, perguntando sobre Cebolinha que ele vai para a lua.

Aluno: PSM, 9 anos

Livro escolhido: Chapeuzinho Vermelho

Por que você escolheu esse livro?

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125

Bonita.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

A chapeuzinho desobedeceu a mãe e foi pela floresta e um lobo viu ela e falou: Chapeuzinho

Chapeuzinho [...] então vou comeu a vovó de Chapeuzinho.

Aluno: RLB, 11 anos

Livro escolhido: O lobo e os sete cabritinhos

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu gosto desse livro

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

O lobo e os sete cabritinhos.

Aluno: RSJ, 9 anos

Livro escolhido: Penadinho

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu gostei dele, ele é muito interessante é muito legal é importante.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Eu gostaria de encontrar muitas histórias legais.

Aluno: RSS, 10 anos

Livro escolhido: Garfield

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu gosto de praia.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

O Grafield foi a praia surfar e viu sua namorada com outro.

Aluno: SSS, 11 anos

Livro escolhido: A história da baratinha

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu não tinha lido esse livro. É [...] a aventura e eu gostei é assim divertido.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

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Era uma vez a baratinha que se achava a mais linda e a mais chique das baratinhas e ela tinha

uma beleza e tinha vontade que tivesse alguma [...].

Aluno: VCB, 9 anos

Livro escolhido: Mônica

Por que você escolheu esse livro?

Porque eu gostei da capa do livro.

Escreva a história você gostaria de encontrar nesse livro?

Que o livro seja interessante.

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127

ANEXO C: O menino e o livro

Imagem da capa do livro

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128

Metodologia

Materiais necessários:

• Texto: O menino e o livro (cópia para todos os alunos), do livro “No olho da rua,

historinhas quase tristes”, de Georgina Martins. Editor Ática.

• Folha preparada com a pergunta da atividade

Etapas do trabalho

1. Retomar o que aconteceu no encontro anterior e deixar que o grupo fale bastante de como

se sentiu. Tentar registrar tudo.

2. Ler a história “O menino e o livro”.

3. Abrir espaços para comentários e verificar se a questão da desigualdade social aparece na

fala das crianças.

4. Entregar um papel com as seguintes perguntas:

a. O que significava a leitura para o menino da história?

b. Quantos livros você imagina que esse menino já leu?

c. O que significa a leitura para você?

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129

Respostas dos leitores

Aluno: ANS, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Oi você gosta de ler? Na .... eu não consegui pensar em nada melhor e acabei fazendo uma

pergunta meio boba. Se ele estava ali dentro é claro que ele gostava de ler, não é?

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

10 livros

O que significa a leitura para você?

Para conhecer as coisas

Aluno: AAS, 10 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

[...]

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

[...]

O que significa a leitura para você?

[...]

Aluno: AVM, 10 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Para ele significava aprender o que o livro nos ensina várias e várias cosas.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Acho que ele já leu vários livros.

O que significa a leitura para você?

Leitura para mim é descobertas que todo mundo encontra nos livros

Aluno: AGM, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Ele achara a leitura nos livros.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

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130

Vários livros

O que significa a leitura para você?

Bem legal porque nós viajamos.

Aluno: BDS, 15 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

[...]

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

[...]

O que significa a leitura para você?

[...]

Aluno: EPF, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Alegria para ele aprender novas coisas.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

5 livros ele já leu.

O que significa a leitura para você?

Leitura para mim é uma coisa importante.

Aluno: ESB, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Livro de contos de fadas.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Um livros.

O que significa a leitura para você?

Eu achei bonito e eu gostei.

Aluno: EMS, 10 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

[...]

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

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Um livro por dia.

O que significa a leitura para você?

Tudo para a vida dele.

Aluno: GCJ, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Para ele [...]

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Ele leu 50 livros porque ele gosta de ler muito.

O que significa a leitura para você?

Bom, bonito e interessante.

Aluno: GSC, 12 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

O menino da história gostava muito de ler porque a leitura para ele era a única diversão que ele

tinha.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Ele leu 20 livros de contos de fadas.

O que significa a leitura para você?

Eu gosto muito de ler a leitura é bom para aprender mais, a leitura é muito importante para a

nossa vida.

Aluno: IVQ, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Significava uma imaginação fantástica, brincadeiras legais, aprendendo um pouco de cada

historinha que ele lia, melhorava a leitura dele.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Eu imagino que ele já leu mais de 10 livros mágicos.

O que significa a leitura para você?

Significa um estudo de letras, conhecendo coisas fantásticas com um mundo cheio de magia,

amor, carinho e fidelidade.

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Aluno: JAS, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Significa que ele gostava de ler livro e gostava de ler contos de fadas, história bacana.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Eu imagino que ele já leu 25 livros.

O que significa a leitura para você?

Significa que eu gosto de ler muita história e essa eu gostei muito.

Aluno: JCB, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Imaginação do mundo fantástico e sabedoria.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Ele já leu 10 livros.

O que significa a leitura para você?

Imaginação sobre os livros.

Aluno: LBM, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Uma imaginação e ele entra na história e imagina várias coisas.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Muitos livros, mas enquanto ele estiver aí ele vai ler mais livros.

O que significa a leitura para você?

Ler e imaginar e entrar em outro mundo das fadas, dos monstros e etc...

Aluno: LFV, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

A leitura para ele é muito significante e por isso ele gosta muito de ler as histórias para saber

melhor sobre os contos de fadas.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Ele já leu 33 livros.

O que significa a leitura para você?

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Significa uma coisa muito boa.

Aluno: MPP, 13 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

É porque ele gosta de ler muito para aprender a ler mais.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

20 livros porque ele gosta de ler muito.

O que significa a leitura para você?

Significa a leitura do menino. Ele só lê para ele.

Aluno: PSM, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Um mundo fantástico.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

8 livros.

O que significa a leitura para você?

Uma coisa muito legal que todos gostam de fazer e é muito bom ler.

Aluno: RLB, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Tudo na vida dele. Ele aprendia a ler, aprendia várias coisas. Porque ele queria, ele também não

tinha mamãe e morava na rua então ia ler todos os dias na livraria.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Por dia, ele lê 15 livros.

O que significa a leitura para você?

Várias coisas. É bom pra mim, para os meus colegas, para minha família, meus amigos. Para

aprender a ler e escrever. É bom até pra mim.

Aluno: RSJ, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Descobrir coisas importantes é descobertas.

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134

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

3 livros.

O que significa a leitura para você?

Significa que aquele gosta de ler que gosta de aprender saber muito mais.

Aluno: RSS, 10 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Saber melhor sobre o mundo de contos de fadas, sobre outros planetas e etc.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Vários livros.

O que significa a leitura para você?

Saber melhor sobre outros lugares, paóses, interior, etc.

Aluno: SSS, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Por que ele [...]

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

3 livros.

O que significa a leitura para você?

Eu gosto porque é divertido é a [...].

Aluno: VCB, 9 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

Significa para ele muita coisa porque ele não tem escola para poder ler e ele gosta de ler

histórias para aprender mais sobre o livro que tem conto de fada para ele é muito importante.

Quantos livros você imagina que o menino dessa história já leu?

Ele já leu 30 livros de conto de fada.

O que significa a leitura para você?

Significa que é importante para mim que eu gosto de ler.

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ANEXO D: Minha caixa de memórias

Imagem da capa do livro

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Metodologia

Materiais necessários:

• Livro: Guilherme Augusto Araújo Fernandes, de Mem Fox. Editora Brinque Book

• Uma caixa

• Papel oficio

• Tesoura

• Lápis (para desenho e para escrever)

Etapas:

1º dia

1. Perguntar para os alunos o que é memória.

2. Provocar perguntas relacionadas à história pessoal de cada um: Quem tem avós vivos?

Quem costuma ouvir histórias dos mais velhos? As histórias que os mais velhos contam

se parecem de alguma forma com alguma história que vocês tenham visto em algum

livro? O que será que faz a gente lembrar de alguma coisa? E o que será que faz a gente

esquecer das coisas, muitas vezes de coisas importantes?

3. Listar os comentários (quadro, folha em branco).

4. Pedir que cada um desenhe alguma coisa que possa representar a memória, recorte e

escreva atrás o por que dessa escolha.

5. Feito isso colocaremos todos os desenhos numa caixa.

2º dia

1. Recuperar o que foi feito no encontro anterior e dizer que eles vão conhecer um

personagem que, na tentativa de ajudar uma pessoa a recuperar sua memória, colocou no

cesto alguns objetos. Será que os objetos coincidiram com os objetos que você colocaram

na caixa

2. Ler a história.

3. Abrir a caixa e tirar todos os desenhos e comentários para conversar com o grupo e contar

as memórias de cada um.

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4. Perguntar se eles acham que as memórias de Guilherme Augusto se parecem com as

deles.

5. Possibilitar o comentário de todos.

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139

Respostas dos leitores

Aluno: ANS, 9 anos

Desenhou um cachorro mordendo seu braço, porque isso aconteceu de fato e, segundo ele, não

consegue esquecer.

Aluno: AAS, 10 anos

Desenhou uma casa, lembrando de quando foi para a casa de sua avó.

Aluno: AVM, 10 anos

“Eu escolhi essa casa porque minha mãe me deu uma casa de boneca. Tinha mesa, cadeira e um

armário.”

Aluno: AGM, 11 anos

FALTOU

Aluno: BDS, 15 anos

Desenhou um carro, porque gosta.

Aluno: EPF, 11 anos

Desenhou um carro. “me lembro quando eu e meu colega ficamos brincando de carro lá na

minha rua”.

Aluno: EMS, 10 anos

FALTOU

Aluno: ESB, 11 anos

Desenhou um carro. Escreveu: “Porque ele é bonito e legal”

Aluno: GCJ, 9 anos

“Eu desenhei um trem porque eu lembro muito e eu gosto do trem.”

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Aluno: GSC, 12 anos

“O livro pra mim significa a leitura.”

Aluno: IVQ, 9 anos

“Eu desenhei o coração porque ele me lembra muitas coisas”

Aluno: JAS, 11 anos

Porque eu lembro de uma floresta

Aluno: JCB, 11 anos

O que significava a leitura para o menino da história?

[...]

Aluno: LBM, 9 anos

Desenhou um diário e escreveu: “o primeiro dia que minha mãe me deu um diário.”

Aluno: LFV, 9 anos

“Aqui na frente sou eu e minha cachorrinha quando eu tinha 6 anos e ela ia fazer 1 aninho”.

Aluno: MPP, 13 anos

“Eu escolhi (O CAMINHÃO) porque quero trabalhar em caminhão de entrega de biscoito”.

Aluno: PSM, 9 anos

Desenhou um carro. Escreveu: ”porque eu meninos pra brincar de carro”

Aluno: RLB, 11 anos

“meu cachorro foi embora e eu senti muita saudade”

Aluno: RSJ, 9 anos

“Eu fiz essa boneca porque minha vó fez”

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Aluno: RSS, 10 anos

“Porque eu lembro o dia que quase queimei a perna na moto”.

Aluno: SSS, 11 anos

“Daí depois o filho nasceu e eu fiquei muito feliz.”

Aluno: VCB, 9 anos

“Eu escolhi esse desenho porque significa paz, amor e compaixão”.

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ANEXO E: Porque aquela flor era especial

Imagem da capa do livro

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144

Metodologia

Materiais necessários:

• Livro: A flor do lado de lá em slides

• Folha já preparada com as perguntas da atividade

• Lápis

Etapas do trabalho:

1º dia

1. Perguntar aos alunos se eles já desejaram alguma coisa que tenham conseguido. Que

coisa foi essa e como se sentiram com isso. Registrar.

2. Perguntar se, por outro lado, já desejaram alguma coisa que quisessem muito e que

tenham sofrido por não terem conseguido. Que coisa foi essa? Registrar também.

3. Dizer que eles vão ler com bastante atenção uma história sem texto e que, ao final dela,

terão que responder a uma pergunta.

4. Apresentar todo o livro em slide e ao terminar entregar um papel com as seguintes

perguntas: “Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?” “A última

imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou parecidas,

com a que a anta tanto desejou. Que significado essa imagem teve para você”?

2º dia

1.Com o material já todo lido, abrir para uma conversa com o grupo sobre perdas frustrações e

outras questões trazidas pelo grupo.

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Respostas dos leitores

Aluno: ANS, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Apareceu um bocado.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Porque tinha tantas delas.

Aluno: AAS, 10 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

[...]

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não porque....[...].

Aluno: AVM, 10 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Eu acho que ela sentiu muito triste porque a flor que tanto desejou foi embora e ficou muito triste

por isso.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não tinha porque chorar tanto só porque a sua flor que tanto desejava foi embora tantas flores

que cresceram através dela.

Aluno: AGM, 11 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Bem triste porque não tinha a flor que ele queria tanto.

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A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não tinha que chorar pelas flores.

Aluno: BDS, 15 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Apareceu um bocado.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não. Porque não tem [...] na flor

Aluno: EPF, 11 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ela sentiu muito mal porque perdeu a flor.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não porque ela não sabia que atrás dela tinha não tinha flores.

Aluno: ESB, 11 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ela sentiu triste, ficou chorando.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não porque tinha outras flores atrás dela.

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Aluno: EMS, 10 anos

FALTOU.

Aluno: GCJ, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Triste porque a anta desejava aquela flor.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Porque a anta queria aquela flor porque era bonita.

Aluno: GSC, 12 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ela se sentiu muito triste ao perder a flor que ela tanto amava e desejava.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não porque tinha tantas flores igual a que ela queria então não há motivo para ela ficar triste,

nem chorar.

Aluno: IVQ, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

A anta se sentiu muito triste porque não conseguiu pegar a flor. E se ela olhasse para trás iria

ver mais flores do mesmo tamanho e igualzinha a flor que queria pegar.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não. Porque ele não tinha visto as outras atrás dele.

Aluno: JAS, 11 anos

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FALTOU.

Aluno: JCB, 11 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Muito triste porque não conseguiu XXXX das flores.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não porque ela tinha muitas flores.

Aluno: LBM, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Triste porque não era uma flor qualquer, era uma flor em cima de uma baleia.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não, mas ela desejou aquela porque ela gostou e ela lutou muito também.

Aluno: LFV, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Muito triste.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Sim porque aquela flor poderia ser especial.

Aluno: MPP, 13 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ele ficou muito triste em ver aquela flor indo embora. Ele ficou triste.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

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É porque ele não olhou para trás para ver as flores. Se ele visse ele ia pegar para ele e sim [...].

Aluno: PSM, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Triste.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não por trás outras flores bem atrás dele.

Aluno: RLB, 11 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Porque ela queria a flor mas ela não queria [...]..

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Porque ele só queria aquela flor, porque ela pra ele é a mais bela.

Aluno: RSJ, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ela sentiu como fosse embora para sempre como ela nunca mais que ela ia voltar.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Não porque ela sentiu muitas saudades dela e aquelas flores não eram iguais a flor que ela

tendo.

Aluno: RSS, 10 anos

FALTOU

Aluno: SSS, 11 anos

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Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ele ficou muito triste e ficou chorando.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Ela não precisaria ficar chorando porque tinha tantas e ela não tinha visto.

Aluno: VCB, 9 anos

Como essa anta se sentiu, perdendo a flor que tanto desejou?

Ela se sentiu muito mal porque ela desejava a flor, mas o destino não queria deixar ela ficar.

A última imagem da história mostrou que por trás da anta tinha outras flores iguais, ou

parecidas, com a que a anta tanto desejou. O que você achou disso? Será que a anta deveria

chorar tanto já que tinha tantas flores atrás dela?

Sim ela tinha que chorar porque ela queria aquela flor quando eu quero uma coisa eu não

desisto.

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ANEXO F: Porque todo mundo tem seus nós

Imagem da capa do livro

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Metodologia

Materiais necessários:

• Livro: Nós, de Eva Furnari. Editora Global.

• Um pedaço de corda.

• Desenho da personagem com as perguntas: Esse livro lhe ajudou a pensar com desatar os

“nós” da sua vida? e Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Etapas do trabalho:

1º dia

1. Pedir que os alunos contem alguma situação que os deixou muito aborrecido. Para cada

situação narrada, dar um nó na corda.

2. Uma vez todos tendo falado, pedir que tentem descobrir uma forma de resolver esses

problemas para que não fiquem sem solução nas suas vidas, se tornando um nó. Todos da

turma deverão ajudar ao colega a pensar numa solução.

3. Para cada solução dada, um nó será desfeito.

4. Comentar que tem gente que não consegue falar quando está muito chateada e acabam

colecionando mágoas, como é o caso de Mel, uma garota que prendia o choro cada vez

que era magoada.

5. Ler a história “Nós”,

6. Entregar um desenho da personagem para ser colorido, com a seguinte pergunta: Esse

livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

7. Recolher o material.

2º dia

1. Abrir para um diálogo em torno desse assunto.

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Respostas dos leitores

Aluno: ANS, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim. Porque não ficar triste.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu desato um nó.

Aluno: AAS, 10 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

[...]

Aluno: AVM, 10 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim porque ajuda a pensar porque estamos chateados.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Tento de um jeito resolver as nossas situações e assim desatar os nossos nós.

Aluno: AGM, 11 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Ficando alegre, feliz, muito feliz.

Aluno: BDS, 15 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim. Porque não fico triste.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu [...].

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154

Aluno: EPF, 11 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim porque esse livro ajudou a aprender.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu forço tirar os nós e pergunto a vizinha se ela consegue tirar os nós.

Aluno: ESB, 11 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim. Porque não saber desamarrar.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu desamarro eu mando alguém desamarrar meus nós.

Aluno: EMS, 10 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

[...]

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Aluno: GCJ, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Não porque ele não falou como desta o nó do nariz.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Se [...]

Aluno: GSC, 12 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Eu acho que não porque não é como nós resolvemos nossos problemas.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu preciso resolver da melhor maneira possível, contando a verdade porque mentir não adianta

nada.

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Aluno: IVQ, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim. Porque esse livro emociona muito a gente.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu IVQ pretendo agir [...] e conversando com alguém que tenha o mesmo problema.

Aluno: JAS, 11 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu ficaria triste porque eu não queria aceitar isso, mas eu não tenho que fazer nada

Aluno: JCB, 11 anos

FALTOU

Aluno: LBM, 9 anos

FALTOU

Aluno: LFV, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim. Ele ajudou muito

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu pretendo desfazer desabafando como por exemplo chorando.

Aluno: MPP, 13 anos

FALTOU

Aluno: PSM, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

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Eu pretendo desatar uns nós com muita felicidade no coração, desatando esses nós que perturba

a minha vida e quando eu sinto esse desatar esse nó, eu vou ficar feliz da vida.

Aluno: RLB, 11 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

[...].

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Quando as pessoas [...].

Aluno: RSJ, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim porque esse livro ajudou muito a pensar.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu pretendo quando aparecerem esses nós eu fico muito chateada e eu acho que ninguém gosta

de ter esse nó no corpo.

Aluno: RSS, 10 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim. Ele ajudou muito a desfazer os nós.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Eu pretendo desfazer os nós não ligando para o que os outros falam. Eu faço assim também para

desfazer o meu nó porque senão eu fico triste.

Aluno: SSS, 11 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

Sim porque eu me senti muito aliviada.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Quando aparecer algum nó na minha vida eu vou tentar desamarrar.

Aluno: VCB, 9 anos

Esse livro ajudou você a pensar como você desata os “nós” que aparecem em sua vida?

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Sim. Porque o meu motivo desapareceu.

Como você pretende agir quando aparecerem os nós na sua vida?

Quando aparecer um nó na minha vida eu vou desaparecer com um amigo até a hora para ele

sumir.

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ANEXO G: Retornando de uma viagem – o que trago na bagagem

Metodologia

Materiais necessários:

• A mesma mala do segundo encontro

• Os mesmos livros apresentados na segunda prática

• Máquina fotográfica

• Papel para escrita

• Lápis

Etapas do trabalho:

1. Com a mala ainda fechada conversar com o grupo sobre o que eles acharam dessa viagem que

foi feita.

2. Abrir a mala e colocar os livros no chão – a mala terá os mesmos livros do segundo encontro,

mais os quatro que foram trabalhados nas práticas.

3. Pedir aos alunos que passeiem pelos livros, olhem as capas, leiam os títulos e escolham aquele

que mais os atraia. Duas ou mais crianças poderão gostar do mesmo livro (nesse caso, elas

deverão sentar juntas).

4. Sinalizar que eles podem escolher o mesmo livro da vez anterior, ou um livro diferente

5. Perguntar se sua escolha mudou e o que mudou.

6. Perguntar: 1) Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa

em vocês? O que? 2) Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que

acontecem com você? Como? 3) Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as

aulas que vocês assistem todos os dias? Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

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Acervo da mala para esse último dia

• Histórias em quadrinhos a. Penadinho b. Cebolinha c. Magali d. Cascão e. Mônica f. Garfield g. A turma do Xaxado h. Calvin e Haroldo

• Contos clássicos i. A bela e a fera j. O pintinho Quiquiriqui k. Os músicos de Bremen l. Branca de Neve e os sete anões m. O macaco e a velha n. O sapateiro e os anõezinhos o. O bem com o bem se paga p. O veado e a onça q. O lobo e os sete cabritinhos r. O gato de botas s. A formiguinha e a neve t. A galinha ruiva u. Cinderela v. A história da baratinha w. Chapeuzinho Vermelho

• Literatura infantil contemporânea o Ciranda brasileira. Elias José. Ed. Paulus. o Um nó na cabeça. Rosa Amanda Strausz. Ed. Salamandra. o Festas. Marcelo Xavier. Ed. Formato. o Problemas com o cachorro?. Elvira Vigna. Ed. Miguilim. o Maria Mania. Bonifácio Vieira. Ed. Formato. o A noiva do diabo. Recontado por Celso Sisto. Ed. Grifos. o A velhinha que dava nome às coisas. Cinthia Rylant. Ed. Brinque book. o Deus me livre. Rosa Amanda Strausz. Ed. Companhia das letrinhas. o Casas. Roseana Murray. Ed. Formato. o Lúcia já ou indo. Maria Heloísa Penteado. Ed. Ática o O macacão espantado. Leo Cunha. Ed. Salamandra. o Cena de rua. Ângela Lago. Ed. RHJ. o Nós. Eva Furnari. Ed. Global. o A flor do lado de lá. Roger Mello. Ed. Global. o No olho da rua: historinhas quase tristes. Georgina Martins. Ed. Ática. o Guilherme Augusto Araújo Fernandes. Mem Fox. Ed. Brinque Book.

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Respostas dos leitores

Aluno: ANS, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Porque a gente conhece muita coisa dos livros.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Para conhecer as coisas.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Aluno: AAS, 10 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

[...]

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

[...].

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Aluno: AVM, 10 anos

FALTOU

Aluno: AGM, 11 anos

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161

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Nós viajamos muito na leitura e aprendemos muitas coisas.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

A gente fez muitas viagens.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Nós temos muitas histórias na nossa classe.

Aluno: BDS, 15 anos

FALTOU

Aluno: EPF, 11 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sempre que a leitura nos faz viajar muda alguma coisa.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Não. Porque o que acontece comigo a leitura não dá pra dizer.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Porque as aulas que a gente tem não são iguais.

Aluno: ESB, 11 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

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Sim. Porque mudou a minha vida e interessante e legal.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim porque da mudança de atenção é legal e muito bom.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Aluno: EMS, 10 anos

FALTOU

Aluno: GCJ, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim porque a leitura foi boa.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim porque a leitura mudou minha vida. [...].

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

As histórias e atividades mudaram muito minha vida.

Aluno: GSC, 12 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Mudou muitas coisas. A gente brincou, escreveu, leu, desenhou e viajou no mundo do livro. É

muito legal a gente aprendeu, leu, escreveu e tudo isso é muito bom.

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Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim porque ela ensina. Ajuda a ler melhor então ela ajuda a compreender as coisas que

acontecem com a gente.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Eu respondi sim porque na sala de aula agente lê, escreve, aprende e viaja no mundo dos contos e

no mundo das leituras, então os nossos encontros são parecidos com as aulas que tomamos.

Aluno: IVQ, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim. Porque descobrimos muitas coisas e que a leitura faz nós viajarmos no mundo da fantasia,

lemos muitas histórias interessantes e viajamos no mundo de leitura.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim porque pela leitura que aprendemos muitas coisas legais. Exemplos como desatar o nó da

nossa vida e é muito importante saber como desatar o nó que está na nossa vida.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Porque a leitura que nós fazemos não é igual porque as leituras são diferentes.

Aluno: JAS, 11 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim minha imaginação e as leituras. meu pensamento e eu gostei das histórias que a pró Lena fez

com a gente

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Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim com sabedoria, com a imaginação e com muito mais, com o pensamento e a alegria ou com

a tristeza.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

As coisas que a gente aprende são bem diferentes do que a gente já aprendeu.

Aluno: JCB, 11 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

O mundo da leitura é muito bom. Nova imaginação.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Pode porque nas leituras acontece muita coisa boa.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Porque a professora ensina a ler.

Aluno: LBM, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim. Os livros, as perguntas, as capas, os tesouros encontrados nos livros e histórias que a gente

leu.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

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Sim. A gente lendo a gente faz a gente viajar mais, uma viagem diferente. Nessa viagem nós

levamos roupas, remédios, nós só levamos a imaginação e os livros.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Livros, personagens, cores, imaginação, nós desenhos e etc.

Aluno: LFV, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim. Mudou o jeito de ler o mundo e muitas coisas.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim. A gente aprende mais sobre a leitura.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

As coisas que a gente aprendeu é bem diferente das coisas que agente está aprendendo.

Aluno: MPP, 13 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Mudou porque a gente fez muita atividade e também ouviu muitas histórias.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

A gente fez muitas coisas importantes.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

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Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Aluno: PSM, 9 anos

FALTOU

Aluno: RLB, 11 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Eu aprendi várias coisas [...].

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Aprendi mais. Nós temos que todas as vezes que quando a gente tiver com os nós na vida, temos

que desatar os nós.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Sim. A gente faz dever, uma vez na vida que a gente lê [...].

Aluno: RSJ, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Mudou porque a leitura é muito importante para todos nós. E essa leitura faz você viajar.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim porque eu gostei muito Guilherme Araújo Fernandes.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Os livros são diferentes. A gente é diferente e os bichos são diferentes.

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Aluno: RSS, 10 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim. Aprende a ler mais livros. Eu adorei viajar pelo mundo da leitura.

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Sim. Me ajudou a ler mais livros em casa. Eu to lendo livros em casa.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Aluno: SSS, 11 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Muita coisa mudou porque a gente aprendeu leitura que a gente [...].

Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

Muita coisa [...].

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Sim.

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Sim porque é legal e divertida.

Aluno: VCB, 9 anos

Essa viagem que fizemos de 10 dias pelo mundo da leitura mudou alguma coisa em vocês?

O que?

Sim. Mudou minha vida que eu agora gosto de ler o livro e a leitura é importante para nós. Eu

gostei da leitura.

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Você acha que a leitura pode lhe ajudar a compreender as coisas que acontecem com você?

Como?

O livro me ensinou o que é importante para nós.

Esses nossos encontros com a leitura foram parecidos com as aulas que vocês assistem todos

os dias?

Não

Se você respondeu Não, diga o que teve de diferente.

Não porque isso não acontece na minha sala. Foi engraçado e importante para a gente.