Camões lírico

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Camões líricoPortuguês 12ºD

Ana Pacheco, Maria Maçana, Rita Mota, Susana Rodrigues

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Introdução

Luís de Camões é considerado o maior poeta português.

Escreveu Os Lusíadas, a sua principal obra que retrata na sua maioria os descobrimentos.

Neste trabalho vamos abordar um pouco da sua vida e iremos falar sobre o lirismo camoniano:

características, o contexto histórico-cultural, temáticas, etc.

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Sumário

1) Biografia de Camões e suas obras

2) O contexto histórico-cultural

3) Lirismo antes de Camões

4) As Temáticas

5) A especificidade da poética de Camões

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1. Biografia e obras

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Informações biográficas

Na vida de Luis Vaz de Camões existe uma grande divergência de opiniões relativamente ao

seu percurso de vida. Principais aspetos da sua vida como homem e como poeta:

Incerteza quanto à data e local de nascimento: 1524? 1525? Lisboa? Constância?

Tem origem de uma família de pequena nobreza, de ascendência galega: o seu apelido

Camões foi usado pela primeira vez em Portugal pelo seu trisavô Vasco Perez de Camões.

Formação académica em Coimbra, cidade muito acarinhada pelo poeta e na qual o seu tio,

D.Bento de Camões, exerceu as funções de prior-geral e de cancelário da Universidade.

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Informações biográficas Atração pelo ambiente boémio da corte;

Instabilidade amorosa e carácter turbulento e brigão: esteve na prisão do Tronco de 1552 a 1553, devido a um incidente com Gonçalo

Borges, em tarde de procissão do Corpo de Deus;

Perda do olho direito numa expedição militar ao norte de África (1549-1551);

Embarque para a Índia em 1553, e passagem por Goa e Moçambique, onde os amigos o protegeram e onde terminou a redação de Os

Lusíadas;

Regresso a Lisboa, em Abril de 1570;

Rápida autorização para impressão e publicação de Os Lusíadas, o que aconteceu em Julho de 1572, na tipografia de António Gonçalves;

Concessão da tença de 15000 reais brancos por D. Sebastião, paga irregularmente;

Morte a 10 de Junho de 1580, sendo os seus últimos anos de vida marcados pela miséria e pelo desastre de Alcácer-Quibir.

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Obras publicadas• Os Lusíadas, 1572

• Auto dos anfitriões, Auto de Filodemo, 1587

• Rimas, 1ª edição publicada em 1585

• Cartas, duas chamadas de Ceuta e da Índia e duas de Lisboa, publicadas em 1598

• Auto de El-Rei Seleuco, 1ª edição publicada em 1645

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2. O contexto histórico-cultural

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A situação política e económico-cultural Principais aspectos da vida politica, económica e social portuguesa, na qual Camões se integrou:

Progressiva decadência e inicio da ruina económica;

Perda da independência e do domínio e comércio marítimos, devido ao custo dos transportes, aos naufrágios, e às

excessivas despesas gerais, civis e militares

Perda da influencia na politica europeia

Reforço do poder real

Crises agrícolas sucessivas, o que dificultava as condições de vida dos camponeses

Endividamento externo e aumento do défice: agravamento do desequilíbrio da balança comercial, devido ao aumento

das importações.

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Ostentação de luxo excessivo

Aumento do número de servos e escravos, nomeadamente os oriundos da India, África e Brasil.

Monopólio da coroa e inicio do exercicio do poder absoluto

Corrupção e perda de valores morais

Parasitismo da nobreza

Crescente interferência do clero em assuntos políticos e implantação da Inquisição em 1560.

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O contexto cultural

Os obstáculos que a Idade Média criara para o espírito e pensamento humanos foram

progressivamente derrubados dando origem:

Ao apogeu da literatura da expressão clássica, traduzindo ideias humanistas

A manifestações cientificas e culturais de grande valor

Ao fascínio pelo novo e exótico

À criação de um estilo arquitectónico genuinamente Português

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Humanismo

Significa a valorização de tudo o que é humano e implica a exaltação do valor do

Homem, colocando-o no centro do Universo (antropocentrismo), e a crença na sua

capacidade de entender o mundo e os outros. O humanismo visa libertar o homem

da estreiteza individual a que o espírito medieval o tinha submetido.

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Humanismo na arte

Na arte, principalmente na pintura, as figuras humanas adquirem

monumentalidade, movimento e vida.

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Humanismo na literatura

Na literatura, é Petrarca quem cria uma nova teoria da história que concebe a ideia

de unidade histórica: reconhecendo a idade romana como uma época de esplendor e

de luz, por oposição à idade cristã marcada pela obscuridade e pelas trevas.

Petrarca procuras nos clássicos, provas para fundamentar a verdade cristã- início de

uma nova idade que restaurava a luz.

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O Humanismo propõe, assim, o homem como o centro de interesse exaltando-o e

apresentando-o como a obra mais perfeita da natureza.

A confiança nas possibilidades do homem, conduz ao desenvolvimento de um

fenómeno artístico, nas suas mais diversas vertentes, o Renascimento.

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Classicismo

Tendência estética que considera valores clássicos greco-latinos, nas artes plásticas

e na literatura como modelos a imitar; preconiza a noção das proporções, o gosto das

composições equilibradas, a busca da harmonia das formas e a idealização da

realidade.

Na literatura, estabelece-se um rigoroso sistema de regras próprio dos vários

géneros literários: o épico, o lírico e o dramático.

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Renascimento

O Renascimento em Portugal é tardio em relação ao resto da Europa, vislumbrando-

se os primeiros indícios na primeira metade do séc. XV.

É apenas no séc. XVI que o movimento ganha forma e se afirma no nosso país.

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Renascimento

Resumindo, o Renascimento caracteriza-se por um ser um amplo movimento cultural que abrange o

domínio da língua e das artes, manifestando-se por:

• “retorno apaixonado no mundo clássico” – recuperação de valores e modelos da Antiguidade greco-

romana, opondo-os à Idade Média, ou a ela os adaptando.

• Imitação criativa do mundo greco-latino, uma vez que o mundo contemporâneo se afastou das suas

verdadeiras origens e orientação.

• Renovação das artes plásticas, arquitectura e letras, cujos artistas buscaram inspiração nos mestres

clássicos, através de uma pesquisa árdua.

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Renascimento

Estabelecimento de uma nova organização política e económica da sociedade

baseada, sobretudo, no modelo romano;

Forte espírito de curiosidade diante da vida e do homem ( espírito desse

profundamente espelhado, por exemplo, na obra de camões, grande estudioso e

erudito em ciências humanas).

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3. Lirismo antes de Camões

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Escrita por trovadores e divulgada, de região em região, por jograis, a poesia

trovadoresca é constituída por poemas líricos e satíricos, distinguindo-se no conjunto

destes últimos as cantigas de escárnio (sátira velada) e de maldizer (sátira aberta).

As composições de carácter lírico versam

maioritariamente o tema do amor, apresentando, no

entanto, duas vertentes com designação e

características diferentes: cantigas de amigo e cantigas de

amor.

Poesia Trovadoresca

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Cantigas de amigo

Têm como sujeito de enunciação a rapariga (donzela) do meio rural, com os seguintes

atributos:

É uma jovem solteira;

É formosa;

Vive em contacto permanente com a Natureza, a qual é investida, inúmeras vezes, do

papel de confidente das suas mágoas, preocupações, da saudade do amigo (namorado)

frequentemente ausente.

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Ondas do mar de Vigo,

se vistes meu amigo?

E ai Deus, se verra cedo!

(...)

Se vistes meu amado,

por que ei gram coitado?

E ai Deus, se verra cedo!

Martim Codax

In A Lírica Galego-Portuguesa (2ª ed.), Elsa Gonçalves e Maria Ana

Ramos, Lisboa, Comunicação, 1985, p.261

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A natureza é o espaço que serve de cenário a estas cantigas, principalmente as que recriam ambientes de festas e bailes primaveris:

Bailemos nós já todas tres, ai amigas

so aquestas avelaneiras frolidas;

e quem for velida, como nós, velidas,

se amigo amar,

so aquestas avelaneiras frolidas

verra bailar.

Ayras Nunez

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Neste universo natural de que são cenários mais frequentes as ondas do mar, os pinheiros, as avelaneiras,as aves, integra-se o sujeito poético das cantigas de amigo. São várias as composições em que a ida à fonteé referida, sendo, por exemplo, o local de eleição para os encontros com o amigo, longe dos olharesindiscretos e da vigilância materna:

-Digades, filha, mia filha velida:porque tardastes na fontana fria?(...)-Tardei, mia madre, na fontana fria,Cervos do monte a augua volvian:(...)-Mentir, mia filha, mentir por amigo;Nunca vi cervo que volvess’ o rio:(...)

Pêro Meogo

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A mãe, compreensiva ou intransigente, confidente ou vigilante, é uma outra presença feminina relevante nascantigas de amigo, uma vez que a rapariga vive na sua dependência, sendo mãe e filha, frequentemente,companheiras de romarias e festas religiosas:

Pois nossas madres vam a San Simon

de Val de Prados candeas queimar,

nós, as meninhas, punhemos d’andar

con nossas madres, e elas enton

queimen candeas por nós e por si

e nós, meninhas, bailaremos i.

(...)

Pêro de Viviãez

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As cantigas de amigo dão-nos, pois, no seu conjunto, uma imagem da vida sentimental da raparigado povo, resumida nos seguintes quadros nos quais a donzela:

• Chora pelo amigo ausente;• Tem ciúmes e inseguranças;• Gosta de se divertir ;• Gosta de exibir a sua beleza, seduzindo os “amigos”;• Quer amar e ser amada;• Expressa o seu desejo de vingança.

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Cantigas de amor

A cantiga de amor não radica na tradição galaico-portuguesa, como acontece com as cantigas de amigo,

apresentando as seguintes particularidades:

• é originária nas cortes do sul de França, nomeadamente da região de Provença;

• não reflete uma relação amorosa ingénua ou uma experiencia amorosa vivida a dois;

• canta um amor idealizado, assente na teoria do “amor cortês” – segundo esta teoria que rege as leis do

verdadeiro amor (o único digno de ser cantado poeticamente), o homem (sujeito poético) deve prestar

vassalagem amorosa à sua “senhora”. Tal como um vassalo ao seu suserano, o amador deve à dama lealdade e

fidelidade até à morte. A mulher, o objeto do seu amor, é perfeita e o homem deverá cultivar e desenvolver as

suas próprias virtudes, purificar-se de todo o mal para ser digno de a “servir”, sem esperar qualquer

recompensa.

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A poesia provençal teve larga divulgação e grande influência em toda a poesia trovadoresca das cortes ocidentais.

Entre nós, é o próprio rei D.Dinis, um dos melhores trovadores, que nos dá testemunho desse ideal de amor:

Quer’eu en maneira de proençal

fazer agora um cantar d’amor,

e querrei muit’ i loar mia senhor

a que prez nem fremosura nom fal,

nem bondade; e mais vos direi ém:

tanto a fez Deus comprida de bem

que mais que todas las do mundo val.

D.Dinis

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No entanto, as cantigas de amor galaico-portuguesas adaptam esse código poético amoroso ao

sentimentalismo local, não ignorando, porém, o essencial da teoria do amor cortês provençal. A

maior parte das cantigas de amor galaico-portuguesas apresenta-se sob a forma de uma súplica

apaixonadamente triste

A dona que eu am’e tenho por senhor

amostrade-mh-a, Deus, se vos en prazer for,

se non dade-mh-a morte.

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(...)

Essa que Vós fezestes melhor parecer

de quantas sei, ay Deus, fazede-mh-a veer,

se non dade-mh-a morte.

Bernal de Bonaval

A dama, indiferente ao sentimento do sujeito poético, mantém-se distante einacessível no sei pedestal; os poemas expressam, assim, um lamento por um amornão correspondido e, por isso mesmo, fonte inesgotável de sofrimento.

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Poesia Palaciana

Por meados do século XIV, os trovadores portugueses começam a escassear, em muito devido a

razões de ordem social: a vida do país começa a tomar um rumo diferente e as preocupações tornam-

se mais burguesas e utilitárias. Aparecem, assim, os tratados que ensinam a ser um bom cortesão- O

Leal Conselheiro, do rei D.Duarte – ou a arte de montar e caçar- A Arte de Bem Cavalgar a Toda a Sela,

também do rei D.Duarte.

Devido ao desenvolvimento do espírito das navegações e da conquista ultramarina, a produção

poética começa a ganhar novos contornos.

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Poesia Palaciana

Esta nova poesia que emerge da vida do paço é designada por palaciana e destina-se essencialmente

ao entretenimento dos serões na corte, pelo que muitas destas composições poéticas se distinguem

pela habilidade dos seus cultores em jogar com:

• o ritmo;

a sonoridade;

as palavras;

as figuras de retórica.

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O tema do amor continua a ser preferido, não se afastando muito, porém, do modo como

os antigos trovadores o tratavam: a noção de vassalagem amorosa perde a intensidade,

mas o homem continua submisso a um ser perfeito, a sua amada, e a aspirar um amor

inatingível.

No entanto, começam a surgir alguns aspetos inovadores no desenvolvimento da

temática do amor, como por exemplo, a relação entre o “eu” poético e a natureza, ou a

mudança provocada pela passagem do tempo.

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De igual modo a oposição entre o amor espiritual e o amor sensual é tema preferido em disputas poéticas:

S’obedecera à razão,e resistira à vontade,eu vivera em liberdade,e não tivera paixão.(...)Que seguir sempre razão,e não mil vezes vontade,é negar sensualidade,cujo é o coração.

Duarte Resende

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A saudade da amada ou o sofrimento causado por um amor que domina inteiramente a vontade do sujeito poético são os

temas que na continuidade da poesia trovadoresca, predominam no Cancioneiro Geral e dão origem a algumas das

melhores composições de poesia palaciana:

Mote

Coração, já repousavas,

já não tinhas sujeição,

já vivias, já folgavas,

pois porque te sogigavas

outra vez, meu coração?

GlosaSofre, pois te não sofresteNa vida que já vivias,Sofre, pois te tu perdeste,Sofre, pois não conhecesteComo t’outra vez perdias;Sofre, pois já livre estavasE quiseste sujeição,Sofre, pois te não lembravasDas dores de qu’escapavas,Sofre, sofre, coração!

Jorge de Aguiar

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A esta métrica que utiliza o verso de cinco e sete sílabas dá-se o nomede medida velha, por oposição à medida nova que surgirá com asinovações italianizantes – soneto e canção – que utilizam o versodecassilábico. O principal representante deste novo estilo seráPetrarca.

Principais estruturas estróficas e versificatórias da poesia palaciana:

o vilancete- mote de dois ou três versos, seguido de uma volta desete versos;

a cantiga- mote de quatro ou cinco versos, seguido de voltas deoito, nove ou dez versos;

a esparsa- uma única estrofe de oito, nove ou dez versos.

Todas estas estruturas utilizam o verso de redondilha maior (setesílabas métricas) ou menor (cinco sílabas métricas)

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4. Temáticas

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Temáticas estruturantes do lirismo camoniano

1. O ideal feminino de beleza/ o retrato da amada ;

2. A conceção platónica do amor;

3. A visão da natureza (marcada por estados de alma);

4. O desencanto face ao desconcerto do mundo (numa atitude confessionalista);

5. O discurso autobiográfico – balanço de vida;

6. A mudança.

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4.1. O ideal feminino de beleza/ O retrato da amada/ O retrato feminino

O retrato feminino na lírica de Camões está indissociavelmente ligado à expressão

do sentimento amoroso, constituindo uma síntese harmoniosa entre as tradições

medieval e palaciana e aspetos reveladores das novas influências renascentistas.

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O retrato camoniano da mulher

A mulher presente nos textos líricos de Camões obedece, regra geral, às normas da beleza

petrarquista: pele e olhos claros, faces rosadas, lábio levemente ruborizados, dentes

nacarados e cabelos louros. À perfeição física, de inspiração claramente platónica,

corresponde uma dimensão espiritual irrepreensível: inteligência, bom senso, comedimento

e sociabilidade são características do retrato camoniano da mulher.

Como corolário desta imagem feminina, dever-se-á referir que esta mulher exerce um poder

mágico/transformador sobre o amado ou até sobre a própria natureza.

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"Descalça vai pera a fonte"Descalça vai pera a fonte

Lianor pela verdura;Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,O testo nas mãos de prata,

Cinta de fina escarlata,Sainho de camalote;

Traz a vasquinha da cote,Mais branca que a neve pura.

Vai fermosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,Cabelos de ouro entraçado,

Fita de cor encarnado,Tão linda que o mundo espanta.

Chove nela graça tanta,Que dá graça à fermosura.Vai fermosa, e não segura.

cabelos louros

pele branca

poder que inspira amores arrebatadores

beleza fora do comum

metáfora

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AnáliseEste vilancete apresenta um retrato feminino que se enquadra, apesar de a forma poética ser palaciana, no ideal de

beleza renascentista/petrarquista.

Assim, Lianor é apresentada como possuidora de:

- pele branca

- cabelos louros

- beleza fora do comum

- poder que inspira amores arrebatadores

Lianor é herdeira das pastoras medievais, visto que o sujeito poético a apresenta como uma simples camponesa que vai

à fonte ("Leva na cabeça o pote, / o testo nas mãos de prata" - enquanto fascina todos os que a contemplam.

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"Verdes são os campos" - análiseNesta cantiga, retoma-se o motivo do poder transformador da mulher amada, introduzindo-se, também, o

tópico da saudade ("...lembranças/ do meu coração").

Assim, o sujeito poético interpela vários elementos da natureza no sentido de assinalar a importância e a

beleza da amada:

- o campo - "Campo, que te estendes";

- as ovelhas - "ovelhas, que nela/ vosso pasto tendes";

- o gado - "Gado, que paceis".

Após esta interpelação, o sujeito poético remata a composição, mostrando-lhes que tudo o que têm ou são

o devem às "graças dos olhos/ do meu coração", ou seja, toda a beleza da natureza se deve à presença da

mulher amada. Sem ela, a natureza perderia os seus contornos idílicos.

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Outros poemas desta temática:

"Edechas a Bárbara Escrava"

"Um mover d'olhos branco e piadoso"

"Ondados fios de ouro reluzente"

"Dizei, Senhora, da Beleza ideia"

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4.2. A conceção platónica do amor/ O amor

"O conjunto dos seus poemas líricos constitui, por assim dizer, um diário, uma longa

série de confidências, queixas e meditações. Mas, como a própria vida que flui, como

o próprio amor que nos domina, esse é contraditório, vário e paradoxal."

- Jacinto do Prado Coelho

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"Amor é um fogo que arde sem se ver"

Amor é um fogo que arde sem se ver;É ferida que dói, e não se sente;

É um contentamento descontente;É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;É um andar solitário entre a gente;É nunca contentar-se e contente;

É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

1ª parte do soneto

2ª parte do soneto

antítese

hipérbato

jogo de palavras

paradoxo

anáfora

Page 48: Camões lírico

AnáliseTrata-se de um soneto que ilustra a complexidade do sentimento amoroso, visível na série de definições

paradoxais que o sujeito poético tenta atribuir-lhe e que constituem a primeira parte do poema.

Esta tentativa de definição do amor através de uma enumeração exaustiva de manifestações

comportamentais do sujeito que ama é corroborada pela construção do poema, a nível semântico e

morfossintático:

- circularidade do soneto - inicia-se e termina com o vocábulo "Amor";

- uso da maiúscula no vocábulo "Amor" - universalidade do sentimento;

- uso de antítese, anáfora, paradoxo, jogo de palavras, hipérbato...

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Análise

Na segunda parte do poema, o sujeito poético remata a composição com uma

interrogação retórica que evidencia, quer o carácter contraditório do Amor ("se tão

contrário a si é o mesmo Amor"), quer a perplexidade do sujeito poético face à

aceitação desse sentimento, que apenas provoca sofrimento, por parte do homem

("como causar pode seu favor/ Nos corações humanos amizade (...)?")

Page 50: Camões lírico

Outros poemas desta temática:

"Tanto de meu estado me acho incerto"

"Sete anos de pastor Jacob servia"

"O céu, a terra, o vento sossegado"

"Busque Amor novas artes, novo engenho"

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4.3. A natureza

• Na lírica camoniana, a natureza aparece geralmente associada à expressão do sentimento amoroso,

característica, aliás, que percorre a lírica nacional desde as cantigas trovadorescas até à poesia palaciana.

• Os quadros da natureza camoniana seguem predominantemente as regras do "locus amoenus" clássico:

cenários bucólicos, diurnos, verdejantes, suaves, por onde cantam águas frescas e cristalinas.

• Associado a estes espaços idílicos e perfeitos está, muitas vezes, presente o sentimento da natureza, outra

das influências petrarquistas: o sujeito poético só é sensível à beleza da natureza se a sua amada estiver

presente ou se o seu amor for correspondido. Há, pois, uma relação de correspondência entre o "eu" lírico e

a natureza.

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"A fermosura desta fresca serra"A fermosura desta fresca serra

E a sombra dos verdes castanheiros,O manso caminhar destes ribeiros,Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,O esconder do sol pelos outeiros,O recolher dos gados derradeiros,

Das nuvens pelo ar a branda guerra;

Enfim, tudo o que a rara naturezaCom tanta variedade nos of’rece,

Me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;Sem ti, perpetuamente estou passando,

Nas mores alegrias, mor tristeza.

1ª parte do sonetodescreve o quadro da

natureza onde se encontra

corresponde ao "locus amenus"

2ª parte do soneto

Revela a sua incapacidade de fruir a beleza da

natureza na ausência da amada

aliteração das nasais

antítese

Page 53: Camões lírico

Análise

O soneto apresenta uma estrutura bipartida que corresponde a dois momentos diferentes

da vivência interior do sujeito poético.

Na primeira parte, o sujeito poético descreve o quadro da natureza em que se encontra, e

que corresponde, genericamente, ao "locus amoenus". Resumidamente, trata-se de uma

natureza harmoniosa e, por conseguinte, propícia ao amor.

Na segunda parte (resto do soneto), o sujeito poético refere a irrelevância da natureza para

ele na ausência da mulher amada. Note-se o tom dramático que o "eu" lírico imprime ao

discurso, ao introduzir um novo elemento nesta relação eu/natureza: o "tu" ("Sem ti", "sem

ti").

Page 54: Camões lírico

Análise

Existem diferenças relevantes em termos de construção frásica e de linguagem entre a

primeira e segunda partes:

Na primeira parte, de pendor claramente descritivo, predominam as estruturas nominais,

as enumerações, os adjetivos e o uso exclusivo da terceira pessoa.

Na segunda parte, revelando a dinâmica interior do sujeito poético, predominam as formas

verbais "está", "vejo", "magoando", "enoja", "avorrece", "estou passando"; o jogo entre a

primeira e segunda pessoa ("ti"/"me"); as anáforas ("sem ti"); as enumerações, a aliteração

das nasais; a antítese.

Page 55: Camões lírico

Outros poemas desta temática:

"Alegres campos, verdes arvoredos"

"Aquela triste e leda madrugada"

Page 56: Camões lírico

4.4. O desconcerto do mundo

A temática do desconcerto do mundo foi cara a Camões, não só por ter vivido numa

época de grandes transformações sociais, mas também pela riqueza e variedade das

suas experiências de vida.

Page 57: Camões lírico

“Os bons sempre vi passar”Os bons vi sempre passar

No Mundo grandes tormentos;E pera mais me espantar,Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.Cuidando alcançar assimO bem tão mal ordenado,

Fui mau, mas fui castigado:Assim que, só pera mim,

Anda o Mundo concertado.

Page 58: Camões lírico

AnáliseEste poema estrutura-se em torno:

da identificação da oposição “bons”/”maus” e do paradoxo a ela ligado – os bons sofrem “graves

tormentos” os maus vivem em “mar de contentamentos” – o que conduz à ideia do desconcerto do mundo;

da constatação de que os castigos e as recompensas são atribuídos, no mundo, de forma arbitrária e

injusta, o que lhe causa perplexidade: “fui mau; mas fui castigado. / Assim que só para mim, /anda o mundo

concertado”.

Neste poema revela-se, assim, a consciência de um mundo em mudança quer a nível social quer a nível

moral.

Page 59: Camões lírico

Outros poemas desta temática: “Cá nesta Babilónia, donde mana”

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4.5. O discurso autobiográfico – balanço de vida

Algumas composições poéticas camonianas revelam um pendor autobiográfico,

em que o poeta aparece, quase sempre, como vítima de um destino inexorável e

injusto (o que se enquadra no cenário mais abrangente do desconcerto do

mundo).

Page 61: Camões lírico

O balanço de vidaEste pendor pessoal que preside a praticamente todo o lirismo de Camões confere grande autenticidade às suas

composições poéticas e revela, ao mesmo tempo, um ser profundamente marcado por uma série de vivências e

experiências pessoais:

• amores;

• saudades;

• desenganos;

• frustações;

• pessimismo existencial;

• revolta contra um destino adverso;

• desejo de fuga...

Page 62: Camões lírico

“Erros meus, má fortuna, amor ardente”Erros meus, má Fortuna, Amor ardente

Em minha perdição se conjuraram;Os erros e a Fortuna sobejaram,

Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presenteA grande dor das cousas que passaram,

Que já as frequências suas me ensinaramA desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;Dei causa a que a Fortuna castigasseAs minhas mal fundadas esperanças.

De Amor não vi senão breves enganos.Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse

Este meu duro Génio de vinganças!

destino

Culpabiliza-se a si próprio daquilo por que passou, reforçando a 1ª pessoa

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Análise

Este soneto é talvez um dos mais pessoais e sofridos de toda a lírica camoniana, uma vez

que o sujeito poético culpa não só o mundo e os amores infelizes, mas também a sua própria

conduta pelo percurso desencantado da sua vida.

Reforça, na 2ª quadra, a importância da vivência do passado como condicionante da

atitude presente do “eu”.

Nos dois últimos versos do poema é expressado um sentimento de revolta e de vingança.

Page 64: Camões lírico

Outros poemas desta temática:

“O dia em que eu nasci, moura e pereça”

“Canção IX – Junto de um seco, fero, estéril monte”

“Canção X – Vinde cá, meu tão certo secretário”

Page 65: Camões lírico

4.6. A mudança

O tema da mudança, um dos protótipos literários mais universais, é habitualmente

verdado pelos poetas renascentistas. Camões, poeta do Renascimento, foi sensível

ao tema e desenvolveu-o em algumas das suas composições, associando-o ao

desencanto face à sua existência e ao mundo.

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“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,Diferentes em tudo da esperança:

Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,Outra mudança faz de mor espanto,

Que não se muda já como soía.

1ª parte do soneto

2ª parte do soneto

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Análise Na primeira parte, o sujeito poético refere a mudança:

• no mundo – “tempos”, “vontades”, “ser”, “confiança”;

• nos sentimentos – “diferentes em tudo na esperança”; “ficam as mágoas (...) / as saudades”;

• na natureza – “O tempo cobre o chão de verde manto, /que já coberto foi de neve fria”;

• no “eu” – “(...) converte em choro o doce canto”.

A mudança aparece, assim, como uma característica universal.

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Análise

Na segunda parte, assistimos à mudança da própria mudança – “outra mudança faz

de mór espanto: / que não se muda já como soía”.

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Outros poemas desta temática:

“Eu cantei já, e agora vou chorando”

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5. A especificidade da poética de Camões

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Características da poética de Camões

Camões concilia dois modelos: o estilo engenhoso e o estilo clássico.

• o estilo engenhoso, herdado do Cancioneiro Geral, manifesta-se sobretudo nas composições

compostas por mote e voltas, mas também se encontra em alguns sonetos.

• o estilo clássico, inspirado na literatura greco-latina e no renascimento italiano, caracteriza-

se, fundamentalmente, por entender a palavra como instrumento de expressão de realidades

do mudno exterior e do mundo interior.

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Estilo engenhoso• Camões revela-se exímio nesta arte de jogar com as palavras, quer a nível fonético, quer semântico, e

as suas composições exibem algumas virtualidades, entre as quais:

Aliterações – "perdigão perdeu a pena"

Jogos de palavras – "Vós dizeis que vos eu mato,/ E vós matais-me"

Metáforas associadas às características da mulher amada, tomadas como objetos em si, essência, e

não como atributos, qualidades.

Paradoxos – "abrasa entre a neve"

Trocadilhos

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Estilo clássico

Camões soube, como ninguém, tirar partido da herança clássica, subordinando-se a determinados

modelos sintáticos, mas também libertando-se dessa rigidez e arriscando uma construção frásica mais solta,

menos espartilhada, e consequentemente muito própria de que são exemplo os seguintes recursos

expressivos:

- Frases exclamativas

- Interjeições

- Enumerações assindéticas

- Frases reticentes

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