Camões sonetos

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Luís de Camões: Sonetos, Amor, Platonismo, Representação da mulher Burghard Baltrusch http://uvigo.academia.edu/BurghardBaltrusch

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Introdução ao estudo do soneto camoniano

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Page 1: Camões sonetos

Luís de Camões:Sonetos,

Amor,Platonismo,

Representação da mulher

Burghard Baltrusch http://uvigo.academia.edu/BurghardBaltrusch

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Contexto histórico do surgimento do soneto na corte

de Frederico II, Barbarossa (1208-1250) na Sicilia

• Santo Império Romano: 1º estado moderno da Europa.• Contexto multicultural em Sicília: culturas árabe, grego-

bizantina, clássica-latina, occitana, galego-portuguesa.• Administração complexa.• Produção de textos destinados à persuasão, ao controlo

e à estabilização do poder e da autoridade (cf. gíria do serviço público).

• Requeria uma noção e prática da eloquentia (capacidade do Eu de deleitar e convencer por meio da palavra).

• Artes eloquentiae: ensino da retórica (vocabulário elevado, sintaxe complexa, figuras de estilo.

• Fiori di rettorica: máximos, giros epigramáticos de autores de referência.

• Soneto pensado para expor, argumentar e assertar numa voz com experiência de vida.

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Soneto < it. ‘sonetto’, pequeno som

• Surge no século XIII (1230/40) na Sicília, talvez pela mão de Petrus de Vinea, chanceler do imperador Frederico II.

• Origem incerta, talvez influências provençais ou árabes. Em occitano ‘sonet’ significa ‘um poema’.

• Descende provavelmente de uma forma lírica provençal, a canso ou canzone, um poema longo com estrutura musical em 7-19 linhas. As estrofes eram divididas em duas partes (frases musicais), as quais podiam ser subdivididas outra vez em duas; as duas partes principais, a fronte e a sirma, eram separadas por uma volta.

• Da corte de Frederico II sobreviveram 125 poemas, 35 dos quais são sonetos, sendo 25 destes escritos por um advogado, Giacomo da Lentini.

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• Os sonetos de Giacomo da Lentini (1210-1260) eram de 14 versos de 11 sílabas e com uma oitava que sempre rimava abababab, com 2 rimas novas na volta ao sexteto.

• Guittone d'Arezzo (1230-1294), escreveu 246 sonetos sobre temáticas muito diversas, transmitindo esta forma lírica ao círculo dos stilnovisti:

• Dante Alighieri (1265-1321): Vita Nova (1293, publ. 1576), encontro imaginado de Dante com a sua amada Beatrice, ‘dolce stil nuovo’, influência da mística cristã.

• Guido Cavalcanti (1255-1300): Introduziu nos seus Rime as "rimas cruzadas" tipo ABBAABBA na oitava, que frequentemente se usava para descrição ou apresentação do tema, enquanto o sexteto se reservava para o comentário.

• Francesco Petrarca (1304-1374): Canzioniere ou Rime (publ. 1470); os seus "Sonetos a Laura" iniciam o 2.º grande sistema amoroso da literatura europeia depois do amor cortês da Idade Média. Laura foi uma pessoa real ao contrário de Beatrice. Petrarca preferiu a oitava com rima cruzada e os seus sextetos rimavam frequentemente CDECDE ou CDCDCD.

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Soneto: inovações poéticas

• Influência provençal: Dona amada converte-se numa convenção (cf. O contraste com a Cantiga d’amigo).

• Divórcio da poesia e da música: Trovador transforma-se em escritor.

• Individualização: Petrarca apresenta a sua própria ideia do amor (elevado).

• Criação de modelos: Com Laura, a amada que conhece em 1327, Petrarca impõe um modelo feminino: loiro, sereno, abstracto, inacessível, símbolo de harmonia e perfeição.

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Leão Hebreu, i.e. Judá Abravanel (1460-1535)

Médico, filósofo e poeta português que foge em 1483 primeiro para Espanha e depois para Itália. Um dos mais importantes representantes do neoplatonismo no Renascimento.

Nos Dialoghi d'amore (1502), trata o amor como o princípio universal e procura realizar uma harmonização das ideias aristotélica e platónica do amor, como também a Bíblia com a Cabala:

"[O objecto do desejo sobe das coisas às almas, destas até Deus, em cuja] união e copulação o nosso entendimento se conhece como sendo antes razão e parte divina do que entendimento humano."

Entende o universo inteiro como animado de uma líbido cósmica.

Eduardo Lourenço, "Camões e a visão neoplatónica do Mundo":

“Como outros tratamentos de Amor dos Quinhentos, os célebres Diálogos de Amor, de Leão Hebreu, são, sobretudo, uma obra de metafísica cosmológica ou, se se prefere, de cosmologia metafísica. O amor não é aí outra coisa que a realidade primeira, Deus, de que se busca apreender a pura manifestação e efeitos. [...] A genealogia do Amor é uma cosmogonia, uma explicação racional da génese do Universo.“ (in Poesia e Metafísica, Lisboa: Sá da Costa 1983:54)

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Petrarquismoem Camões

António José Saraiva: Talvez nenhuma literatura tivesse petrarquizado tanto como as da Península Ibérica, onde não houve nenhum Ronsard [1524-1585, “o Petrarca francês“]. E talvez na Península Ibérica ninguém fosse mais petrarquista que Camões. Frequentemente, o nosso Poeta repete, numa forma talvez menos voluptuosa, mas com maior intensidade de luz e recorte mais nítido, o ideal que o italiano apurara sobre a herança provençal. É um mover de olhos brando, piedoso e abstracto, um gesto sereno, um à-vontade encolhido, um «repouso gravíssimo e modesto»; uma fala rara e suave que suspende as vidas, uma «presença moderada e graciosa». Como Laura, esta imagem aparece associada às manifestações da natureza primaveril, que lhe servem de cortejo.

(Luís de Camões - Estudo e Antologia, Lisboa: Bertrand 1980: 56s)

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Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?

ABBA

ABBA

CDC

DCD

Chave de ouro:Adversativa «mas» introduz paradoxo final.

APAPEAAP

JPAPJPEA

APJPAP

Soneto 43, publ. 1598

11 definições lapidares com frases afirmativas.

Cada definição contém 1 oposição de carácter variável:

AP – Afirmações paradoxais

EA – Expressões antónimas

JP – Jogos de palavras da mesma família

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Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Def. do amor através de metáforas antiteticamente dispostas em paralelismo anafórico e de iterações/repetições.

Efeito circular: amor abre e fecha o soneto.

JP: Metáforas in praesentia = afirmação de equivalência a partir de núcleos sémicos comuns.

Única afirmação concreta na forma de oração condicional / interrogação: “Como pode o amor harmonizar duas pessoas, sendo tão contraditório?”

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Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Amor como fonte de contradições:

Vida vs. MorteEsperança vs. Desengano etc.

Conflito com a vivência sensual desse mesmo amor.

Amor é inefável, mas, assim mesmo, fundamental à vida humana.

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Método antinómico na literatura

Fernando Pessoa (1889-1935):

“Não há critério da verdade senão não concordar consigo próprio. O universo não concorda consigo próprio porque passa. A vida não concorda consigo própria, porque morre. O paradoxo é a fórmula típica da Natureza. Por isso toda a verdade tem uma forma paradoxal.”

(Páginas Íntimas e de Auto-interpretação, 217s)

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Triângulo semiótico (Ogden/Richards 1923, com precisões)

DenotadoSignoExpressão

, sentido, conceito ou

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semiótica do amor

renascentista

aisthesis p.ex. de sentimentos

estética / ideologia / utopia /

ideia do amor, p.ex. Do amor «elevado»

anestética / heterotopia deste modelo do amor, p. ex. através de

metáforas antitéticas ou do próprio soneto

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Transforma se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia, que, como um acidente em seu sujeito, assim com a alma minha se conforma,

está no pensamento como ideia: [e] o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma.

ABBA

ABBA

CDE

CDE

Soneto n.º 64, considerado a mais alta expressão do platonismo em Camões.

• Carácter discursivo da linguagem.

• Rico em ligações lógicas: reflexão filosófica.

• Léxico do domínio abstracto: conceptismo.

• Oposições tradicionais da filosofia: matéria vs. forma.

• Jogos de palavras característicos de Camões: amador/amada, desejar/desejada, semideia/ideia.

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Transforma se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia, que, como um acidente em seu sujeito, assim com a alma minha se conforma,

está no pensamento como ideia: [e] o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma.

Descrença no mundo terrestre conduz a uma ascese dialéctica, entendida como aprendizagem e libertação.

Anulação do desejo físico.

Platão, Banquete:“E porque a alma participa mais do que o corpo, amemos a beleza espiritual mais do que a material.”

Ausência como forma de apurar o amor.

Amor = Ideia da amada vivida pelo amante, consubstanciação do amador e da amada.

Viver = Filosofar

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Page 16: Camões sonetos

Amor no Neoplatonismo

• Faculdade específica do ser humano.

• Faculdade mediadora entre sensorialidade e intelecto.

• É o princípio / ideal da harmonia.

• Confere elevação, ascenção espiritual.

• Petrarquismo: Amor como manifestação espiritual, como redenção metafísica.

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Page 17: Camões sonetos

Transforma se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia, que, como um acidente em seu sujeito, assim com a alma minha se conforma,

está no pensamento como ideia: [e] o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma.

Amador =Mundo sensível, onde se apreendem apenas as realidades captadas pelos sentidos.

MatériaCorpoSentimento

Cousa amada =Mundo inteligível, ideias puras, suprema perfeição.

Forma, IdeiaAlmaPensamento

Identificação do sujeito com o objecto do amor

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semiótica do amor

petrarquista

Aisthesis:Percepção do amor mais estática

Estética: derivada do

neoplatonismo

Anestética: soneto

petrarquista

Petrarca

Relação convencional através de

ideias, conceitos, etc.C

ria tr

adiç

ão

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Polémica sobre o Platonismo em Camões IEduardo Lourenço, "Camões-Actéon": « ... serve este soneto [64] para mostrar como uma leitura ingénua basta para tornar problemática, e esperamo lo, insustentável, a referência cliché ao platonismo ‑ ‑camoniano. [...] Ora bem, antes de nos lançarmos em novas aventuras para decidir se tal soneto é um eco do platonismo clássico ou do neoplatonismo cristão, leamo lo com ‑atenção. "Transforma se o amador na cousa amada." Este primeiro verso é, como se ‑sabe, ou se sabe pouco, do próprio Petrarca. O ser de Petrarca (como o ser de outrem que Camões mesmo) tem a sua importância: coloca imediatamente o movimento (e o ressort) do soneto na categoria da glosa, quase do jogo, como de resto a articulação conceptista do poema o mostra bem. [...]Em que horizonte se situa este jogo superior? O primeiro verso e os seguintes de sobra no lo assinalam: no do petrarquismo, e por tácita inferência no do platonismo, como a ‑crítica tradicional não deixou de asseverar, parecendo--lhe impossível não situar nesse paralelo o famigerado "estar no pensamento como ideia". Simplesmente, o que a mesma crítica obnubilada pela aparência imediata do 'vocabulário' não julgou interessante ver, foi que o petrarquismo, como o platonismo (?) é, neste soneto aquilo mesmo com que o Poeta joga. E só se joga estando de fora das pedras que se movem.Foi o que, magistralmente, compreendeu António José Saraiva interpretando o soneto e o essencial da Lírica camoniana como conflito entre Laura e Vénus. É o que nós mesmos repetiremos, mas ‘dialectizando’, e compreendendo como um só movimento, sem contradição poética, o que na sua admirável perspectiva oferece ainda como demasiado 'contraditório'».

(Poesia e Metafísica, Lisboa: Sá da Costa 1983, 17 18) ‑

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Page 20: Camões sonetos

Polémica sobre o platonismo em Camões II

Objecções à Eduardo Lourenço:

1.ª•Quer se trate de um jogo com conceitos em voga,•Quer se trate da afirmação sincera de teorias queridas ao autor:A expressão do amor nas composições camonianas continua a ser eufórica e privilegia a ideia do amor como elevação e princípio da harmonia.

2.ªE ainda que Camões possa estar a “jogar” com conceitos em voga isto não significa que se coloque “fora” do seu contexto, ou seja, numa posição neutral.

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Page 21: Camões sonetos

António José Saraiva: Luís de Camões - Estudo e Antologia, Lisboa: Bertrand 1980

Na lírica camoniana afrontam-se, sem síntese:

Laura vs. Vénus

Caso individual Caso ideal,

do amor divinizado

Mundo empírico Esfera metafísica

História Valores eternos

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Page 22: Camões sonetos

semiótica do amor

camoniano

Aisthesis:Percepção do amor mais dinâmica a partir de

sentimentos contraditórios / oscilantes

Estética: ideia do amor

«elevado»,derivada do

petrarquismo

Anestética:heterotopia deste modelo do amor, soneto camoniano

Camões

Relação convencional e individual

Tanto sensual como platónica

Cria

trad

ição

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Page 23: Camões sonetos

Um mover d'olhos, brando e piadoso, sem ver de quê; um riso brando e honesto, quase forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso; um repouso gravíssimo e modesto; üa pura bondade, manifesto indício da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; uma brandura; um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura da minha Circe, e o mágico veneno que pôde transformar meu pensamento.

ABBA

ABBA

CDE

CDE

Olhar, riso, gesto: caracterizados por atitudes, qualidades, estados.

Artigo indefinido: indica elevado nível de abtracção.

Atributos habitualmente não próprios de uma dama galante; antes do galante!

Cadência monótona e iterativa do retrato: sublinha a serenidade da amada.

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Page 24: Camões sonetos

Um mover d'olhos, brando e piadoso, sem ver de quê; um riso brando e honesto, quase forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso; um repouso gravíssimo e modesto; üa pura bondade, manifesto indício da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; uma brandura; um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura da minha Circe, e o mágico veneno que pôde transformar meu pensamento.

Poder ‘maligno’ da amada: amor como alquimia.O seu carácter sublime transforma-se em ameaça.

Beleza: aqui caracterizada pelos sentimentos e por elementos de ordem moral e psicológica.

Qualidades interiores mais importantes do que os atributos físicos.

Aspecto espiritual +

Aspecto material =

Elevação (o caminho divino)

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Page 25: Camões sonetos

Tipos de tratamento amoroso em Camões

1. Manifestações sensuais e desejos desculpabilizados.

2. Manifestações espirituais (cf. Petrarquismo)

3. Manifestações idealistas (cf. Platonismo)

2.+3. procuram o aperfeiçoamento humano.

→ O tratamento do amor gira ao redor de 2 pólos dinâmicos: narcisismo <> drama.

→ O Eu considera-se, geralmente, indigno enquanto o objecto amoroso é idealizado e convertido numa metáfora do Bem e do Belo.

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Page 26: Camões sonetos

Tratamento e vivência do amor em Camões

Camões estabelece com frequência uma ligação entre

o simbólico/imaginário/real + o outro

através das dimensões

ou eufórica ou disfórica.

Cf. a abundância de qualificações negativas do amor (fero, cruel, manhoso, vingativo, enganoso, tirânico, falso, etc.).

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Page 27: Camões sonetos

Concepção da mulher na lírica camoniana

A mulher aparece sempre ligada à temática amorosa e à natureza (classicamente vista como harmoniosa e amena):

– Como fonte de imagens e metáforas,

– Como termo comparativo de superlativação da beleza da mulher,

– à maneira das cantigas de amigo, como cenário/confidente do drama amoroso.

A representação da mulher oscila igualmente entre

– o pólo platónico (ideal de beleza física, espelho da beleza interior), segundo elementos convencionais e representado pelo modelo de Laura (cf. “Ondados fios de ouro reluzente” e “Um mover d'olhos, ...”) e

– o modelo renascentista de Vénus.

Mulheres concretas não são retratadas e resulta difícil encontrar um retrato físico claramente desenhado.

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Page 28: Camões sonetos

Alma minha gentil, que te partiste tão cedo desta vida descontente, repousa lá no Céu eternamente, e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste, memória desta vida se consente, não te esqueças daquele amor ardente que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te alguma causa a dor que me ficou da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou, que tão cedo de cá me leve a ver-te, quão cedo de meus olhos te levou.

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Na maioria dos casos, a mulher aparece como pretexto para uma reflexão sobre as reacções ou os sentimentos que ela desencadeia no amante.

Assim também acontece com a provável relação entre Dinamene e “Alma minha gentil,...”.

Amália canta “Alma minha gentil...”:

http://www.youtube.com/watch?v=FuuWi3ewCv0

http://www.youtube.com/watch?v=ma7Bhvubmvo

Page 29: Camões sonetos

Alma minha gentil, que te partiste tão cedo desta vida descontente, repousa lá no Céu eternamente, e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste, memória desta vida se consente, não te esqueças daquele amor ardente que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer te alguma causa a dor que me ficou da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou, que tão cedo de cá me leve a ver-te, quão cedo de meus olhos te levou.

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Page 30: Camões sonetos

Outros temas tratados nos poemas

Erros meus, má fortuna, amor ardente em minha perdição se conjuraram; os erros e a fortuna sobejaram, que para mim bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente a grande dor das cousas que passaram, que as magoadas iras me ensinaram a nao querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos; dei causa que a Fortuna castigasse as minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos. Oh! quem tanto pudesse que fartasse este meu duro génio de vinganças!

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Considerações de ordem biográfica.

Drama autobiográfico.

Concepção desesperançada e pessimista da vida própria.

Versão cantada por Amália Rodrigues:

http://www.youtube.com/watch?v=xLGLsPbh8M0

Page 31: Camões sonetos

Outros temas tratados nos poemas

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria, e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar se cada dia, outra mudança faz de mor espanto, que não se muda já como soía.

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Passagem inexorável do tempo com todas as mudanças implicadas, sempre negativas do ponto de vista pessoal.

Cf. Menina e moça: “mudança possui tudo”.

Versão dos “Nó”:

http://www.youtube.com/watch?v=AcIf9cRRm44

Page 32: Camões sonetos

Outros temas tratados nos poemas

Verdade, Amor, Razão, Merecimento, qualquer alma farão segura e forte; porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte, têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento e nao sa ~e a que causa se reporte; mas sabe que o que é mais que vida e morte, que não o alcança humano entendimento.

Doctos varões darão razões subidas, mas são experiências mais provadas, e por isso é melhor ter muito visto.

Cousas há i que passam sem ser cridas e cousas cridas há sem ser passadas, mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

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Desconcerto do mundo.

Page 33: Camões sonetos

Outros temas tratados nos poemas

Com que voz, chorarei meu triste fadoque em tão dura paixão me sepultou.Que mor não seja a dor que me deixouo Tempo, de meu bem desenganado. Mas chorar não se estima neste estadoaonde suspirar nunca aproveitou,triste quero viver pois se mudouem tristeza, a alegria do passado. Assim a vida passo, descontenteao som - nesta prisão do grilhão duro -que lastimo ao pé que a sofre e sente. De tanto mal a causa é amor puro devido a quem de mim tenho ausentepor quem a vida e bens dele aventuro.

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http://www.youtube.com/watch?v=yWUBuwn33QY

Autoria de Camões duvidosa.

Page 34: Camões sonetos

O soneto de amor na música

Não é fácil o amor melhor seriaArrancar um braço fazê-lo voarDar a volta ao mundo abraçarTodo o mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiarOs gestos do amor matar a melancoliaQue há no amor querer a vontade friaSer cego surdo mudo não sujeitar

O amor o destino de cada um não terDestino nenhum ser a própria imagemDo amor pôr o coração ao largo não sofrer

Os males do amor não vacilar ter a coragemDe enfrentar a razão de ser da própria dorPorque o amor é triste não é fácil o amor

Janita Salomé: Cantar ao Sol (1983)Letra de Luís AndradeMúsica de Janita Salomé

http://janitasalome.blogspot.com/2006/03/no-fcil-o-amor-cantar-ao-sol-1983.html

http://il.youtube.com/watch?v=FWA2yHvxRKU

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Page 35: Camões sonetos

Não é fácil o amor melhor seriaArrancar um braço fazê-lo voarDar a volta ao mundo abraçarTodo o mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiarOs gestos do amor matar a melancoliaQue há no amor querer a vontade friaSer cego surdo mudo não sujeitar

O amor o destino de cada um não terDestino nenhum ser a própria imagemDo amor pôr o coração ao largo não sofrer

Os males do amor não vacilar ter a coragemDe enfrentar a razão de ser da própria dorPorque o amor é triste não é fácil o amor

Estrutura circular: cf. Soneto 43 de Camões.

Cf. ideia, abstracção.

“longe de, a distância, sem dar intimidade”

Cf. Soneto 64 de Camões.

Distanciamento do mundo sensível, projecçãoIdeia da dor/do amor ajuda a aguentar os “males do amor”.

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Page 36: Camões sonetos

Luís de Camões:Sonetos,

Amor,Platonismo,

Representação da mulher

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