Campanha Paz no Trânsito

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CENTRO UNIVERSITRIO DE BRASLIA UniCEUB FACULDADE DE TECNOLOGIA E CINCIAS SOCIAIS APLICADAS - FATECS CURSO DE COMUNICAO SOCIAL HABILITAO EM JORNALISMO DISCIPLINA: MONOGRAFIA PROFESSORA ORIENTADORA: MNICA PRADO REA: JORNALISMO PBLICO

Placar da vida:bastidores da prtica de jornalismo pblico que mudou o trnsito do Distrito Federal

Josivnia Ferreira dos Santos RA: 2051315/0

Braslia, novembro de 2008

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Josivnia Ferreira dos Santos

Placar da vida:bastidores da prtica de jornalismo pblico que mudou o trnsito do Distrito Federal

Trabalho apresentado Faculdade de Cincias Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Comunicao Social com habilitao em Jornalismo no Centro Universitrio de Braslia UniCEUB. Prof. Ms. Mnica Prado

Braslia, novembro de 2008

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Josivnia Ferreira dos Santos

Placar da vida:bastidores da prtica de jornalismo pblico que mudou o trnsito do Distrito Federal

Trabalho apresentado Faculdade de Cincias Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Comunicao Social com habilitao em Jornalismo no Centro Universitrio de Braslia UniCEUB.

Banca Examinadora

_____________________________ Prof. Ms. Mnica Prado Orientadora

__________________________________ Prof. Renata Lu Examinadora

__________________________________ Prof. Severino Francisco Examinador

Braslia, novembro de 2008

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Dedico esta pesquisa a ELE, Jesus Cristo. A ela, Maria Jozina Ferreira dos Santos, minha me.

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AGRADECIMENTO

Agradeo especialmente orientadora Mnica Prado pelo suporte e dedicao no desenvolvimento desta pesquisa. Sem a sua audcia e atitude de mestre, ainda estaria no meio do caminho. Ao professor Severino Francisco pelos ensinamentos sobre

cidadania e a professora Renata Lu que me despertou para o conhecimento do jornalismo cidado. Expresso minha gratido tambm a Rogrio Rios Jnior, meu noivo, aos meus familiares, famlia Rios, Terceira Igreja Presbiteriana do Guar, Associao dos Oficiais da Polcia Militar do Distrito Federal e colegas de faculdade pela ajuda e estmulo que proporcionaram ao meu desenvolvimento acadmico.

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E a histria humana no se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola tambm nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subrbio, nas casas de jogos, nos prostbulos, nos colgios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiada, porque o canto no pode ser uma traio vida, e s justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que no tm voz. FERREIRA GULLAR Poeta e escritor

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RESUMO

Este trabalho explora os bastidores da campanha Paz no Trnsito a partir da cobertura do jornal Correio Braziliense e das histrias de vida dos personagens envolvidos. Por meio de referncias bibliogrficas, levantamento documental e de entrevistas em profundidade buscou-se documentar a campanha Paz no Trnsito, com o objetivo de apontar indcios da prtica de jornalismo pblico e descrever o engajamento causa dos agente-comunicadores e dos mais diversos segmentos da sociedade, que resultou em mobilizao social e na mudana de comportamento, no trnsito, da sociedade brasiliense. Alm disso, a pesquisa traz os conceitos de jornalismo pblico e mobilizao social.

Palavras-chave: Jornalismo pblico. Mobilizao social. Paz no Trnsito.

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SUMRIO

1 INTRODUO .......................................................................................................10 1.1 Justificativa ..........................................................................................................11 1.2 Contextualizao .................................................................................................12 1.3 Objetivos ..............................................................................................................14 1.3.1 Objetivo geral ..................................................................................................14 1.3.2 Objetivos especficos ........................................................................................14 2 JORNALISMO PBLICO ......................................................................................15 2.1 Agendamento, Contra agendamento e Co-agendamento.................................. 21 2.2 Critrios de noticiabilidade ou valor-notcia.........................................................26 3 MOBILIZAO SOCIAL .......................................................................................32 4 DESCRIO DA METODOLOGIA ....................................................................... 38 4.1 Seleo de fontes ............................................................................................... 38 4.2 Instrumentos ....................................................................................................... 38 4.3 Procedimentos .................................................................................................... 39 4.4 Anlise dos dados .............................................................................................. 42 4.5 Discusso dos resultados ................................................................................... 42 5 A CAMPANHA PAZ NO TRNSITO .................................................................... 43 6 BASTIDORES E HISTRIAS DE VIDAS ............................................................. 48 6.1 O acaso .............................................................................................................. 48 6.2 A caminhada pela paz ........................................................................................ 52 6.3 Tentativas arriscadas 7 CONSIDERAES FINAIS E RECOMENDAES ............................................ 60 8 REFERNCIAS ..................................................................................................... 62 9 ANEXOS ................................................................................................................66

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LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Cronologia das manchetes do jornal Correio Braziliense, em 1996 e 1997, sobre a campanha Paz no Trnsito .......................................................................... 69

Anexo B Editoriais do jornal Correio Braziliense, sobre a campanha Paz no Trnsito ................................................................................................................... 100

Anexo C Smbolos da campanha Paz no Trnsito .............................................. 105

Anexo D Ofcio sobre a passagem da coordenao da campanha Paz no Trnsito para a universidade de Braslia (UnB) .................................................................... 107

Anexo E Ata da primeira reunio do Frum Permanente pela Paz no Trnsito ..111

Anexo F Lista de presena da 10 reunio do Frum Permanente pela Paz no Trnsito, em outubro de 1997 ................................................................................ 116

Anexo G Proposta de respeito faixa de pedestre apresentada pelo Coronel Renato Azevedo, ao Frum Permanente pela Paz no Trnsito ............................. 119

Anexo H - Plano do Governo Dirio Oficial do Distrito Federal (Decretos 19.645 e 17.781) ................................................................................................................... 123

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1. INTRODUO

Na redao, uma mente inquieta. Uma jornalista no se conformava que grande parte das pessoas que tinham deficincia fsica no Distrito Federal, fosse conseqncia dos acidentes de trnsito. E para comear a mudar os rumos dessa histria, fez com que a redao de um jornal deixasse de lado o conservadorismo e se agarrasse a um novo modelo de comunicao social que fizesse diferena na vida das pessoas, da comunidade. Foi assim que os acasos da prtica de um jornalismo pblico fez surgir a campanha Paz no Trnsito e mudou os valores e a conduta de cidadania em Braslia. A campanha levou a sociedade a reconhecer o crnico problema de trnsito e as perdas dirias de vidas, existentes na cidade. A comunicao social agregada a valores e idias, moveu indivduos e instituies na idealizao de uma comunidade melhor, capaz de defender a vida humana. Jornalismo no se resume apenas em transmitir informaes. tambm tentar dar soluo aos problemas da sociedade. Nesse contexto, a pesquisa

explora de forma indita os bastidores da nica campanha pblica, Paz no Trnsito, desenvolvida pelo jornal Correio Braziliense, que incentivou a prtica de cidadania e mudou os hbitos, no trnsito, da populao do Distrito Federal. A histria da campanha j foi contada. Todos j conhecem os resultados de mudanas sociais, mas desconhecem como e onde surgiu, os sucessos e

insucessos a partir de percepes e experincias dos personagens envolvidos na realizao. Depois de leituras exaustivas de pesquisas documentais, a campanha ser narrada na tentativa de contar, dos mais simples acontecimentos at s mudanas radicais que deram certo e envolveram a populao. Se Paz no Trnsito surgiu do acaso, a pauta inicial tambm no foi planejada. As histrias de vidas se cruzavam e aumentavam cada vez mais. Sem conhecimento, os jornalistas exercitaram a prtica de um jornalismo pblico e cidado.

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O empenho da mdia na divulgao de aes sociais preponderante na construo de responsabilidades. A pesquisa de opinio diria, feita pelo jornal Correio Braziliense, na qual os entrevistadores ouvem cem assinantes do jornal, constatou que a srie de reportagens sobre o trnsito mobilizou a sociedade e alcanou o interesse de 70% dos leitores, quando o recorde anterior era cerca de 40% (AFFONSO, 2000). Os meios de comunicao, quando utilizados genuinamente, podem mudar valores e condutas da sociedade, tornam-se ferramentas de mobilizao social. Paz no Trnsito foi exemplo de transformao e de que a mdia pode e deve interferir na condio humana de sobrevivncia. Provavelmente sozinhos, o governo e a populao, no conseguiriam fazer muito coisa. Paz no Trnsito modelo de socializao e compartilhamento de problemas entre a mdia, o governo e a populao.

1.1 Justificativa

Descobri na aula de jornalismo online, por um desvio de tema, que era por meio de uma comunicao social, pblica e mobilizadora que as informaes de campanhas do governo chegavam aos interiores dos estados brasileiros. Descobri tambm que o exerccio do jornalismo pblico podia transformar o mundo em algo melhor. Podia levar comunicao com informao e um sentido de sobrevivncia aos que so esquecidos pela sociedade e pelo Estado ou que preferem ficar parte dos problemas sociais. Percebi que no muito longe de mim, a prtica do jornalismo pblico havia conscientizado cidados a darem um basta ao derramamento de sangue no asfalto da capital Federal; que idealizou o imaginrio, na sociedade, de que no era mais possvel seguir com o grave problema de ocorrncias dirias de vtimas em acidentes de trnsito. Percebi ainda que a comunicao indispensvel para a sobrevivncia humana e que o jornalismo pblico no somente para tentar

resolver os problemas da comunidade. uma proposta democrtica de mobilizar a sociedade para que ela mesma encontre as solues dos problemas.

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Me senti envolvida e convocada a conhecer os bastidores da campanha Paz no Trnsito. A conhecer e praticar um jornalismo que foi base do sucesso dos interesses pblico, cidadania, democracia e mobilizao social; defendeu um direito humano, a vida. Acredito que se as redaes tivessem um planejamento e o costume de exercitar no dia-a-dia o jornalismo pblico, com vistas mudana social, os

problemas no acabariam, mas seriam pelo menos reduzidos. Quanto vale uma vida? Jornalistas do jornal Correio Braziliense mostraram que o valor a sobrevivncia, quando se dispuseram a mobilizar a sociedade por meio do exerccio de um jornalismo cidado. Esta a verdadeira funo do jornalismo. No informar apenas, mas comunicar. Acreditar em mudanas, provocadas pelo jornalismo, justifica ainda mais a escolha do tema, principalmente, com o caso da campanha Paz no Trnsito, um exemplo que carregarei na memria por toda a minha vida.

1.2 Contextualizao

Em 1995, Braslia era uma das cidades brasileiras mais violentas no trnsito, no s pelo grande nmero de acidentes e vtimas fatais, mas tambm, pela violncia dos desastres e pelo ndice de pedestres atropelados. A campanha Paz no Trnsito, lentamente implantada pelo Governo do Distrito Federal, ainda em 1995, buscava diminuir a violncia no trnsito da cidade. Braslia era referncia negativa de violncia no trnsito, cujos ndices eram inadmissveis para os padres nacionais e internacionais. Trs ou quatro pessoas morriam todos os dias, vtimas de acidentes de trnsito. Os feridos ocupavam dois teros dos leitos das UTIs da cidade (AFFONSO, 2000). Em 1995 predominava a figura do pedestre como o tipo de vitima nos acidentes fatais no DF, cujo ndice representava 46,62%, o condutor representava 29,29% e passageiro 23,31% (RODRIGUES, 2007). O antigo Cdigo Nacional de Trnsito (Lei n 5.108;66) promulgado em 21/09/66, garantia ao pedestre a preferncia de passagem nas vias, mas a populao do

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Distrito Federal no cumpria a lei. Em 23/12/97 foi promulgado o Novo Cdigo de Trnsito Brasileiro (Lei n 9.503.97) o qual instituiu a faixa de pedestre e a obrigatoriedade de parar na faixa. Acrescentou ainda a punio, com multas e advertncias aos motoristas que desrespeitassem a lei. Na tentativa de reduzir os altos ndices de acidentes, a principal preocupao demonstrada pelos rgos governamentais, BPtran e Detran, foi a reduo do excesso de velocidade na conduo de veculos. Para tanto, optou por efetuar o controle de velocidade utilizando equipamentos eletrnicos os pardais, como eram conhecidos poca. A partir desse momento exigiu-se, no Distrito Federal, o cumprimento do art. 175, inciso XI, do regulamento do Cdigo Nacional de Trnsito para que os veculos dessem preferncia aos pedestres nas faixas de travessia. (RODRIGUES, 2007). O cumprimento da lei foi possvel a partir da mobilizao social entre imprensa local, governo e entidades da sociedade civil que produziram uma experincia brasileira de respeito vida e cidadania que continua at hoje. Com o apoio do jornal Correio Braziliense, em agosto de 1996, a campanha Paz no Trnsito, pelo respeito faixa de pedestre, conquistou a admirao da populao e despertou a sociedade para enxergar a gravidade dos acidentes de trnsito no Distrito Federal. Segundo MARTINS (2003, p.64).

[...] H jornalistas e empresas jornalsticas, no entanto, que no se contentam em noticiar os fatos. Eles querem tambm se envolver com a busca de solues, para isso, criam laos diretos com os cidados, com as comunidades e com as suas mobilizaes.

Braslia fechou o ano de 1998 com 5,6 mortos por 10 mil veculos. Em janeiro de 1995, esse mesmo ndice era de 11,6 mortos por 10 mil veculos. Quatro anos de Paz no Trnsito reduziram a mortalidade em 48,3%. A velocidade mdia da cidade, em 36 meses, baixou de 90 km/h para 55 km/h (AFFONSO, 2000). Segundo Affonso (2000):

O Correio Braziliense, por meio da campanha Paz no Trnsito ensinou ao Distrito Federal que possvel enfrentar seus problemas

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sociais, se houver compromisso e disposio. Nessa tarefa estavam juntos o Governo, mdia, sindicatos, igrejas, partidos polticos, escolas etc. Paz no Trnsito tornou-se referncia na elaborao de programas de segurana no trnsito e foi divulgado por todo Brasil atravs das principais entidades nacionais de trnsito.

As informaes surgiram na aproximao dos interesses da comunidade e na criao de mecanismos comunicativos que propiciaram a participao cidad nos debates sobre a violncia no trnsito do Distrito Federal.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral

Documentar a campanha Paz no Trnsito a partir dos bastidores da cobertura do jornal Correio Braziliense e das histrias de vida dos personagens envolvidos.

1.3.2 Objetivos Especficos

Apontar os indcios do exerccio de jornalismo pblico realizado pelo jornal Correio Braziliense na campanha Paz no Trnsito; Identificar valores que tornaram a campanha Paz no Trnsito notcia num processo de co-agendamento para mudana social; Descrever e analisar o engajamento dos agente-comunicadores da campanha Paz no Trnsito que resultou em mobilizao social;

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2 JORNALISMO PBLICO

Acostumados

a utilizar os veculos de comunicao apenas para se

informar, de repente os leitores so surpreendidos com coberturas jornalsticas que convocavam-nos a agir e a seguir juntamente com o jornal em prol de solues para os problemas sociais. assim que surge nas redaes uma forma eficaz de informar e comunicar o interesse pblico: o jornalismo cvico. Na busca de sadas para o jornal dirio impresso, iniciou-se nos EUA, em 1990, um movimento intitulado jornalismo pblico ou jornalismo cvico. O criador do conceito se chama David Merritt, editor-chefe do Wichita Eagle nico dirio impresso na cidade de Wichita - Kansas (IMPRENSA, 1997). Escolher candidatos comprometidos com as comunidades e suas lutas contra a pobreza, droga e a violncia era uma das doutrinaes originrias. Merrit e outros pioneiros dessa militncia acreditavam que os leitores estavam desencantados com a imprensa pela forma com que s vezes ela passava ao largo de suas aflies (MARTINS, 2006, p.6). Porm, o conceito que melhor define jornalismo pblico de Glasser e Craft quando afirmam que o jornalismo cvico se funda numa premissa simples: "o

propsito da mdia promover e implementar a cidadania e no apenas descrev-la ou critic-la". Num texto mais antigo, eles afirmam que esta modalidade de jornalismo (que no invalida outras formas da atividade: servio, entretenimento, esportes etc.) espera que a mdia reconhea seu papel de fortalecer a participao do pblico no debate dos temas importantes para a cidadania. Mas ao submeter-se a essa busca de participao e transformao social, a imprensa carece de uma aproximao com o leitor para que a informao seja tambm uma comunicao e promoo de cidadania. O jornalismo cvico necessita de um elo entre os cidados, as redaes e os problemas da comunidade para ajudar as pessoas a superarem sua sensaes de impotncia e alienao, desafiando-as a envolver-se e tomar para si a responsabilidade sobre problemas comunitrios. So caractersticas como essas que florescem o jornalismo pblico ou jornalismo de utilidade pblica e por isso que Jan Schanffer, diretor-executivo do

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Centro Pew de jornalismo cvico, uma entidade ligada pesquisa, filantropia e promoo de cidadania analisa o dever do jornalismo pblico da seguinte forma:

- Deve produzir notcias de que os cidados precisam para se informar sobre os eventos correntes, tomar decises cvicas e exercer suas responsabilidades na democracia; - Deve criar coberturas que motivem os cidados a pensar e agir, no simplesmente ver ou assistir; - As coberturas devem disparar aes cvicas, da participao em votaes ao voluntariado; - Deve construir conhecimentos. Pessoas motivadas pelos projetos de jornalismo cvico devem ser mensuravelmente mais informadas sobre os eventos que as no engajadas; - Deve construir credibilidade e conexes com a comunidade. As pessoas acreditam mais nos jornais depois de uma campanha cvica; - Devem criar na comunidade a capacidade de resolver problemas e no esperar pelas solues vindas de cima; - Devem ser persistentes at atingir objetivos mensurveis e no serem engavetados em detrimento de uma novidade ou furo irrelevante (MUARREK, 2006).

O professor e pesquisador de processos comunicativos, Edmund B. Lambeth, tambm cita alguns pontos fundamentais do Public Journalism, para atender a cidadania. As caractersticas so relativamente parecidas com as de Jan Schanffer, sendo que o diferencial que o jornal tem de escolher as histrias dos cidados, para se envolver, quando Jan Schanffer, diz que todos os problemas da comunidade so importantes. A saber:

1- Escutar sistematicamente as histrias e idias dos cidados mantendo, ao mesmo tempo, a liberdade para escolher qual dessas histrias prestar ateno. 2- Examinar maneiras alternativas de moldar as histrias a partir dos temas que resultam importantes para a comunidade. 3- Escolher aqueles enfoques, na apresentao dos temas, e que ofeream a melhor oportunidade, a deliberao cidad e compresso dos temas por parte do pblico. 4- Tomar a iniciativa na hora de informar sobre os problemas pblicos pendentes de modo que aumente o conhecimento do pblico sobre as possveis solues e sobre os valores envolvidos nos cursos de ao alternativa. 5- Prestar ateno sistemtica, assim a relao comunicativa com o pblico credvel e de boa qualidade.

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J Friedland e Nichols (2002) concordam com Jan Schanffer quanto a abrangncia dos temas do Civic Journalism e dividem da seguinte forma: 1 Eleies; 2 Comunidade; 3 Governo; 4 Interatividade, sobre como as novas tecnologias podem auxiliar na busca de solues de questes coletivas; 5 Miscelnea, principalmente com casos de colunistas da imprensa que incentivam o Civic Journalism por meio de seus espaos miditicos. O segundo item, Comunidade, foi subdivido em 13 partes:

Diversidade, aborda temas como relaes tnicas e desigualdades sociais; Comunidade, envolve pesquisas sobre futuros problemas coletivos; Civismo, com promoo de programas filantrpicos e identificao de futuros lderes cvicos nas comunidades; Juventude, sobre violncia escolar, preveno a entorpecentes, noes de educao sexual e orientaes sobre como os prprios jovens podem buscar solues; Educao, em especial debatendo por quais motivos crescente o nmero de estudantes com baixo rendimento escolar; Desenvolvimento econmico, principalmente para regies perifricas das cidades; Sade, incluindo preveno de sade de grupos minoritrios; Vida familiar, sobre desintegrao familiar, abusos contra crianas, desentendimentos entre parentes etc; Criminalidade e segurana, com debates sobre como parar a violncia, sobre promoo de projetos de segurana e diminuio do casos de uso de armas de fogo, entre outros; Pobreza, com a busca de como oferecer mais escolas para comunidades pobres, alm de desenvolvimento de aes de seguridade social e oferta de moradias para pessoas sem-teto; Meio ambiente, para diminuio, por exemplo, dos ndices de poluio; Indstria, para incremento das atividades desse setor em determinadas regies geogrficas; tica/Moralidade, para discutir limites de tolerncia na vida coletiva (Friedland e Nichols, 2002 apud FERNANDES).

Foi interessado no problema social da comunidade, nesse caso, a perda de vidas no trnsito, que surgiu a campanha Paz no Trnsito, promovida pelo jornal Correio Braziliense, no Distrito Federal. Os jornalistas perceberam ainda que com a tradicional forma de se fazer jornalismo, em tempos modernos, no conseguiriam mais do que s informar. O problema de trnsito era crnico, com isso era preciso haver mudanas e o Correio Braziliense convocou a sociedade a mudar os problemas de mortes no trnsito do Distrito Federal. No se tratou apenas de uma srie de reportagens sobre um problema social. Teve incio, meio e fim (MARTINS, 2006).

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A campanha Paz no Trnsito realizada em 1997, tornou-se uma das campanhas mais envolventes e agregadas a mudanas sociais, no Distrito Federal. Com os princpios do jornalismo cidado, a campanha conseguiu reduzir o nmero de mortes em acidentes de trnsito de Braslia, de 11 mortos por 10 mil veculos, para 6,5 mortos por 10 mil veculos, at o final de 1998 (MUARREK, 2006). A imprensa colocou-se ao lado da sociedade para buscar melhorias e foi preciso desafiar as regras do jornalismo tradicional. A seguir, algumas das atividades, desenvolvidas pelo Correio Braziliense, que deram certo no desencadeamento da campanha: levantamento de estatstico, nos rgos de trnsito e hospitais da cidade, sobre as mortes de trnsito no Distrito Federal; acompanhamento sistemtico do trnsito na capital, at mesmo os acidentes sem vtimas de morte eram manchetes no jornal; insistncia para obter resultados concretos na reduo do nmero de vtimas em acidentes de trnsito, alm de uma cobrana ao Governo do Distrito Federal para que tomasse medidas, da engenharia de trnsito campanha de educao no trnsito, e a adoo do tema para que fosse algo cotidiano e consciente na vida dos cidado, seguido de um recrutamento para

mobilizao. A campanha Paz no Trnsito foi tambm uma mudana radical na redao do Correio Braziliense, principalmente porque traz, ao longo dos anos o conservadorismo do seu criador, Hiplito da Costa. Alm disso, o Correio Braziliense sempre ocupou parte de suas pginas para denncias e furos polticos. Sobretudo, a campanha foi um desafio para os leitores, mas tambm para o jornal. Aumentou o nmero de leitores e, principalmente, a credibilidade, como mdia. Para o Pew Center, no entanto, que alimenta um caloroso debate sobre o tema, os cidados tm um tremendo apetite por esse tipo de engajamento e por novos meios de obter informaes relevantes para as suas vidas (MUARREK, 2006). Seguindo a linha de pensamento dos autores citados nesta pesquisa, o jornalismo pblico um meio eficaz para soluo de problemas da sociedade. Podese acrescentar ainda que tambm uma soluo para os problemas dos jornais, quando diz respeito a credibilidade e ao pblico leitor. Porm, so raros os exemplos desse jornalismo, praticado pelos veculos de comunicao no Brasil. Martins (2006, p. 15) comenta que geralmente h desconhecimento dos jornalistas sobre o tema

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jornalismo cidado, como um campo especfico ou talvez seja a inexistncia de algo programtico, que faa parte de suas polticas editoriais.

Falta, teoricamente, caracterizar-se o lugar do jornalismo pblico, possivelmente, porque este ainda se encontra em fase emergente. Faltam projetos e parcerias entre organizaes sociais e organizaes de mdia, de forma a empresariar e dar sustentabilidade a um mercado jornalstico que, [...] tem um potencial muito promissor. Falta a contribuio do meio acadmico, no s na pesquisa do assunto, quanto na preparao tcnica de profissionais para esse mercado. Muito se tem discutido acerca da pertinncia do diploma de jornalismo para o exerccio da profisso. Pouco se tem debatido sobre as possibilidades interdisciplinares, neste caso, entre a rea social e o jornalismo e vice-versa.

Talvez essa seja a explicao pela escassez da prtica do jornalismo pblico no pas. Aos veculos de comunicao interessa mais o denuncismo. No h um programa especfico para jornalismo pblico com viabilidade, sustentabilidade e replicabilidade. Muita gente acha que jornalismo pblico o que feito nas reparties pblicas, dentro do governo e do Estado. Pode at ser, mas jornalismo pblico sobretudo parceria. a prtica de um jornalismo associado ao enfrentamento de problemas e a promoo de condutas, mudanas de valores e atitudes. um incentivo para a sociedade, por isso tem de ser um jornalismo permanente, apontar caminhos, solues e resultados. Falta no Brasil planejamento e gesto de uma comunicao pblica. Por meio de entrevistas com os jornalistas do Correio Braziliense ficou evidente a falta de conhecimento sobre o tema, mesmo tendo praticado o jornalismo cidado com a campanha Paz no Trnsito. Faculdades de comunicao, espalhadas pelo pas, tambm formam inmeros jornalistas sem o mnimo conhecimento sobre o tema.

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Apreciao crtica

Como outrora disse Lavoisier, nada se cria, tudo se copia. s vezes se transforma. A teoria do civic journalism, ou jornalismo pblico, como conhecido, mais uma obra que reafirma essa declamao. Na tentativa de entender o conceito de jornalismo pblico, me debrucei sobre algumas bibliografias existentes para preencher a falta de conhecimento que tenho sobre o assunto. Todas as informaes encontradas sobre o jornalismo pblico, dos diversos autores, me remetem ao americano David Merrit, criador do conceito de jornalismo cvico, em 1990. Os autores brasileiros traduziram as principais caractersticas americanas da prtica do jornalismo pblico e divulgaram em suas bibliografias como premissas para a prtica no Brasil, mas esqueceram que as realidades sociais dos dois pases so completamente diferentes. Se nos Estados Unidos surgiu civic journalism para conscientizar o cidado da importncia do voto, pelo fato de ser facultativo, no Brasil, o voto obrigatrio, porm a conscientizao para a escolha de um candidato honesto, o que raridade, e comprometido com os interesses pblicos. Os estudos e as prticas do jornalismo cidado so limitados. Os livros mudam apenas de capas e autores, pois os contedos encontrados so meras tradues de uma nica fonte. Em cada lanamento de uma bibliografia motivo de comemorao para leitores em geral. Acreditamos ser mais uma construo indita de conhecimento, estudos e pesquisas. Mas nesta pesquisa, a cada passo dado regressava-o imediatamente, por falta de novidade. Dessa forma, lano as minhas dvidas. Qual o motivo das repeties? Falta de fontes? Faltas de estudos? Falta de prticas? Mas tambm lano desafios para redaes e faculdades de comunicao reverem seus valores e incitarem os estudos e as prticas de um jornalismo que pode transformar a cidadania, a exemplo da campanha Paz no Trnsito, mesmo que seja um processo lento.

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2.1 Agendamento, Contra-agendamento e Co-agendamento

Os jornais contribuem de forma relevante para que as pessoas entrem em contato e percebam o mundo que os cercam. Mas a agenda diria de cobertura dos fatos pelos veculos de comunicao muitas vezes se confunde com a agenda pblica. So as conseqncias do agendamento da notcia feito pelos noticirios, que no s nos propem o que devemos pensar, mas tambm nos propem como pensar. Esse agendamento ou agenda-setting, formulada pelos pesquisadores norteamericanos Maxwell McCombs e Donald Shaw, na dcada de 70, analisa como, por que e de que forma determinados assuntos entram em pauta na mdia e, consequentemente, so levados discusso pblica. Quanto mais um tema exibe valores-notcia, maiores so as chances de ser includo na pauta jornalstica. As pessoas direcionam os assuntos de suas conversas em funo do que a mdia veicula. Como j dizia um dos precursores dos estudos comunicacionais, Gabriel Tarde , a mdia pauta e continua pautando as conversas do homem. Ela tem o poder de chamar a ateno para determinado acontecimento de tal modo que instiga a sociedade a discuti-lo:

(...) os meios de comunicao "impem aos discursos e s conversas a maior parte dos seus temas quotidianos". Lang e Lang (1955) e Cohen (1963), (...) tambm postularam que a comunicao social pode influenciar diretamente o pensamento do pblico. Este ltimo autor deu, alis, o perfil da teoria emergente, ao destacar que a comunicao social "(...) pode no ter frequentemente xito em dizer s pessoas o que tm de pensar, mas surpreendentemente tem xito ao dizer s pessoas sobre o que devem pensar (Cohen, 1963 apud SOUSA, 2006).

Segundo Jorge Pedro Sousa, o aparecimento da Teoria do Agenda-Setting representa uma ruptura com o paradigma funcionalista sobre os efeitos dos meios de comunicao. At ento, e sobretudo nos EUA, prevalecia a idia de que a comunicao social no operava diretamente sobre a sociedade e as pessoas, j que a influncia pessoal (por exemplo, a influncia dos lderes de opinio) relativizaria, limitaria e mediatizaria esses efeitos. A Teoria do Agenda-Setting

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mostra, pelo contrrio, que existem efeitos cognitivos diretos, pelo menos quando determinados assuntos so abordados e quando esto reunidas certas

circunstncias (SOUSA, 2066, p.501). Sousa tambm afirma que perceptvel que no agendamento ao selecionarem determinados fatos excluindo outros, os jornais organizam,

sistematizam, classificam e hierarquizam a realidade, emoldurando o cotidiano. extremamente complexo e envolve, desde a pauta, redao e edio, uma audincia interativa. Envolve momentos de contextualizao e descontextualizao dos fatos. Agendar uma notcia resultado da cultura profissional do jornalista e do veculo de comunicao, dos processos produtivos, das regras da redao, da enunciao jornalstica e das prticas jornalsticas. Estudos realizados sobre a teoria do agenda-setting mostraram que quanto maior a nfase dos veculos sobre um tema e quanto mais continuada a abordagem desse tema, maior a importncia que o pblico lhe atribui. (McCombs e Shaw, 1972 apud SOUSA 2006). Vizeu (2007) concorda com McCombs e Shaw quando diz que a imagem que a mdia constri da realidade resultado de uma atividade profissional de mediao vinculada a uma organizao que se dedica basicamente a interpretar a realidade social e mediar os que fazem parte do espetculo mundano e o pblico. Mesmo nas primeiras veiculaes dos acontecimentos, em sculos passados, a notcia parece sempre tender ao subjetivismo do profissional ou veculo que a escolhe para ser noticiada, mesmo com os critrios de noticiabilidade. Essa tendncia j aparenta ser natural no jornalismo dirio. E quanto ao jornalismo cvico, que tem suas peculiaridades? Sempre que a notcia de interesse pblico deveria ser agendada, mas ainda sim dentre as notcias que interessam ao pblico h um agendamento pela que maior mobilizar a sociedade, seja em aes ou discusses. A dificuldade do terceiro setor em agendar notcias, uma vez que so de interesse pblico, demonstra que o interesse das redaes limita-se em fatos que contribuam diretamente nas vendas: informao ou publicidade. Alm do agendamento, que pode moldar a realidade, Wolf tambm aborda o agendamento por omisso, a no cobertura de certos temas, a cobertura internacional modesta ou marginalizada que alguns assuntos recebem:

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Este tipo de agenda-setting funciona, certamente, para todos os mass media, para l das diferenas tcnicas, jornalsticas, de linguagem, pelo simples fato de o acesso a fontes alternativas quelas que garantem o fornecimento constante de notcias, ser bastante difcil e oneroso. Entre os diferentes mass media podem existir modos diversos de provocar o efeito da agenda-setting por omisso,mas todos, em certa medida, incorrem nele e com certeza tambm o sistema informativo no seu conjunto (WOLF, 1999, p. 151).

Durante a campanha Paz no Trnsito, em 1996, o Jornal de Braslia fez agendamento por omisso da campanha. A cobertura foi omissa. Em nenhum momento o Jornal de Braslia citou o nome da campanha Paz no Trnsito. As coberturas eram simplesmente sobre os acidentes e no que a populao estava mobilizada em pela Paz no Trnsito. Os interesses do jornal, em no apoiar o concorrente, ficaram acima do propsito da campanha, que era a reduo da velocidade e dos acidentes de trnsitos no Distrito Federal. Mesmo tendo nascido no jornal Correio Braziliense, concorrente do jornal de Braslia no DF, a campanha no tinha dono. Esperava-se o apoio, se no a prtica de um jornlaismo cidado, de todas as mdias por uma causa urgente, que beneficiava toda a sociedade. Inmeras pesquisas utilizam ainda a teoria do agendamento para elucidar as relaes entre comunicao, poltica e sociedade. Entre as pesquisas est Oliveira (2008, p.117). Ele afirma que possvel destacar trs vertentes do agendamento: Public agenda-setting (estabelecimento da agenda do pblico), que inclui os estudos baseados na formulaes originais de McCombs e Shaw e se funda na relao causal entre os assuntos pautados pela mdia e as questes priorizadas pelo pblico; Policy agenda-setting (estabelecimento da agenda da poltica

governamental), referente s pesquisas do campo da poltica e comunicao que investigam como os meios influenciam nas percepes dos prprios polticos e Media agenda-setting ou agenda-building (estabelecimento ou construo da

agenda pela mdia), que corresponde s analises sobre o processo de construo da agenda oferecida pelos veculos de comunicao. Porm, Martins enfatiza que, depois de mais de trs dcadas da formulao da teoria do agendamento, seria importante repensar a sua validade e a sua atualidade. Mesmo compreendendo que a teoria ainda continua vlida e atual, ele

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afirma que h algumas intervenes a fazer. Uma delas um fenmeno, denominado e criado pelo pesquisador de Contra-gendamento. Segue o conceito:

(...) existe uma hiptese de trabalho de que a sociedade tambm tem a sua pauta ou, no plural, as suas pautas, e as deseja ver atendidas pela mdia e tenta, diariamente, e sob as mais variadas maneiras, incluir temas nesse espao pblico que a mdia; na esfera pblica que se constitui da tematizao polmica das questes de uma atualidade (MARTINS apud SILVA, 2006)

Tal conceito questiona inmeros estudos sobre comunicao de massa que consideram os receptores como meros consumidores passivos, com capacidade limitada, pouca ou quase nula de reagir em relao s mensagens recebidas. Muito desses receptores realizaram o papel inverso: o de questionar e at mesmo influenciar os prprios meios de comunicao, como explica Martins:

Esse intento [em definir o contra-agendamento] procura fundamentar minimamente a possibilidade de transmutar o pblico de uma condio de reles massa de manobra de sujeito capaz de produzir sentidos miditicos sob um novo primado, o de que numa sociedade democrtica a plural, onde h tambm uma constelao de sujeitos coletivos e de respectivos lugares de fala, mas, no isolados ou encastelados em nichos corporativos, mas, intersujeitos argumentativos, promotores e advogados de direitos e causas (MARTINS apud SILVA, 2006).

Nesse sentido, o contra-agendamento seria um conjunto de aes que passariam, estrategicamente, pela publicao de conceitos na mdia e dependeria da forma como o tema seria tratado pela mdia, tanto em termos de espao, quanto em termos de sentido produzido. Ou seja, a tentativa, da sociedade ou organizaes, de colocar na mdia as suas pautas. Dessa forma, so selecionados e divulgados para a imprensa apenas os acontecimentos que respondam simultaneamente tanto aos interesses da sociedade ou da organizaes com vistas ao interesse pblico.

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Para ganhar visibilidade, no contra-agendamento, a notcia tem de estar agregada a valores-notcias e valores-sociais. Sendo que o valor-social todo o contedo de um texto que traga a possibilidade de esclarecimento e entendimento sobre temas considerados estratgicos para uma determinada organizao. Com isso, as chances de sugestes de pautas se transformarem em matrias jornalsticas, so maiores. Martins explica que o contra-agendamento de um tema pode ser parte de uma mobilizao social; parte de um enfrentamento de problema, corporativo ou coletivo. Dessa forma o autor identifica trs distintas formas de agendamento miditico: a) aquela que feita por iniciativa da prpria mdia, e que chamada de agendamento autnomo; b) aquela que vem de fora para dentro das redaes, no importando a motivao e obedecendo, sobretudo, ao imprio dos acontecimentos e dos fatos de natureza miditica, motivo pelo qual se denomina agendamento heternomo; c) aquela que atua, de forma permanente e sustentvel, na elaborao de esforos e execuo de estratgias de agendamento. Atua no apenas de fora para dentro das redaes, mas sobretudo, na busca de receptividade de propostas bem definidas, mudanas sociais e causas coletivas, de modo que tanto as organizaes por trs dos temas advogados tornem-se fontes confiveis da mdia, quanto a mdia abrigue profissionais dispostos a serem intermedirios. Esse modelo de

agendamento compatvel para a noticiabilidade de causas sociais, pois agendar o social mais complexo do que o fato corriqueiro agregado a valor-notcia. Ainda inserido no contexto de agendamento de prticas sociais, Martins chama a ateno tambm para o conceito e prtica de co-agendamento. De acordo com o autor, se trata da possibilidade de uma combinao/parceria entre mdia e sociedade. quando a redao e uma organizao combinam de trabalhar juntos para o melhor proveito de um assunto, que consequentemente pode ser a iniciativa da prtica do jornalismo pblico. O co-agendamento tambm pode ser a evoluo do agendamento. o caso da campanha Paz no Trnsito, no Distrito Federal. No incio foi agendada pelo jornal Correio Braziliense, mas logo em seguida tornou-se uma parceria do jornal, organizaes e sociedade. A campanha Paz no Trnsito foi agendada e co-agendada pela mdia no somente porque surgiu de uma mobilizao social, que uma das caractersticas do agendamento, mas tambm pelos dados de mortes que impactavam a sociedade, dentre outros fatores.

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Se todos os jornalistas e veculos de comunicao tivessem conhecimento do co-agendamento, seria muito mais fcil praticar o jornalismo pblico e consequentemente dar visibilidade aos problemas sociais. O co-agendamento, talvez, pudesse anular a grande lacuna que existe na cobertura jornalstica sobre inmeras temticas sociais. Sobretudo, preciso separar o joio do trigo. Os profissionais de comunicao no podem atender aos interesses pessoais e das organizaes nessa parceria de co-agendamento, e sim agendar o que for plenamente de interesse pblico.

2.1 Critrios de noticiabilidade ou valor-notcia

A notcia no uma cpia ou um espelho da realidade e sim o resultado de uma atividade altamente complexa que envolve e aciona diversos grupos humanos, recursos materiais, tecnolgicos e tcnicos, comenta Oliveira (1996, p.19). Ou seja, ele defende que a articulao de selecionar o que notcia, a noticiabilidade, se faz de acordo com a cultura profissional do jornalista e a organizao do processo produtivo nos veculos de comunicao. Dessa forma, a notcia torna-se um produto cultural e os jornalistas necessitam de um conhecimento para selecionar o que notcia ou no. Isto , um potencial cognitivo de reconhecerem um determinado acontecimento como noticivel ou mesmo a capacidade de discernimento daquilo que exibem ou no valores-notcias. Entre os principais fatores que influenciam a produo jornalstica tambm esto por exemplo: os constrangimentos organizacionais, a tirania do fator tempo, as rotinas e as culturas profissionais, as presses dos empresrios e dos governos, as relaes entre as fontes e os jornalistas, a natureza opaca e esquiva dos critrios de noticiabilidade, entre outros (TRAQUINA, 2001 )

A noticiabilidade constituda pelo complexo de requisitos que se exigem para eventos do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas para adquirir a existncia pblica de notcia (WOLF, 2003, p. 195).

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Wolf chama de noticiabilidade o conjunto de elementos com os quais o veculo de comunicao controla e gera a quantidade e o tipo de acontecimentos para selecionar as notcias. Segundo o autor, os valores dados s notcias, denominados valores-notcia, so componentes dessa noticiabilidade, que tem o objetivo de permitir a definio de que fatos sero noticiados pelo veculo de comunicao (WOLF, 1995, p.202).

O mundo da vida cotidiana a fonte das notcias constitudo por uma superabundncia de acontecimentos [...]. So esses acontecimentos que o rgo de informao deve selecionar. A seleo implica, pelo menos, o reconhecimento de que um acontecimento um acontecimento e no uma casual sucesso de coisas cuja forma e cujo tipo se subtraem ao registro (Tuchman apud Wolf, 1999, p. 188). [...] Os valores notcias constituem a resposta pergunta seguinte: quais os acontecimentos que so considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notcias? (WOLF, 1999)

Resumidamente, os valores-notcia so as caractersticas que devem possuir um determinado acontecimento para ser noticivel. A notcia tem de ser vendvel, ter audincia, atualidade, novidade e sensacionalismo. Nas categorias de interesse pblico, torna-se interesse do pblico. Tem audincia por si prprio no ponto de vista de cultura e entretenimento de massa. Se na investigao do fato, as perguntas so no sentido de saber o que se passa, com o valor notcia as perguntas so no sentido de aferir atributos que o colocam potencialmente como notcia. Wolf tambm cita quatro critrios que designam os valores-notcias, considerados mais importantes pelos meios de comunicao: a) O grau e o nvel hierrquico dos envolvidos no acontecimento noticivel. Est relacionado com toda a sociedade, desde dirigentes governamentais at a sociedade comum, cobrindo assim todos os nichos da sociedade. Por exemplo, quanto mais o acontecimento disser respeito aos pases de elite, tanto mais provavelmente se transformar em notcia; b) O impacto sobre a nao e sobre o interesse nacional, as tcnicas jornalsticas consideram significativo um fato que diz respeito aos interesses do Pas;

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c) Quantidade de pessoas que o acontecimento, de fato ou potencialmente envolve. A visibilidade destacada como principal valor ao noticiar um acidente que envolve muitas pessoas. Como por, por exemplo, um acidente ocorrido nas proximidades, envolvendo um limitado nmero de vtimas, que se torna mais noticivel que outro acidente envolvendo um nmero maior de vtimas, mas que ocorreu em um lugar mais longe; d) Relevncia e significatividade do acontecimento quanto evoluo futura de uma determinada situao, so as notcias que tm continuidade, como o caso das coberturas de campanhas polticas. Os valores-notcias tambm podem variar de veculo para veculo e de tempos em tempos e, principalmente, a acessibilidade ao acontecimento tambm influncia segundo GOLDING e ELLIOT, apud WOLF, 1999, p. 184):

No que se refere disponibilidade, trata-se de saber quo acessvel o acontecimento para jornalistas, quo tratvel , tecnicamente, nas formas jornalsticas habituais; se j esto estruturado de modo a ser facilmente coberto; se requer grande dispndio de meios para o cobrir

O caso da campanha Paz no Trnsito no Distrito Federal, uma causa social, obteve diversos valores-notcia, entre eles, o impacto e proximidade de uma comunidade local, e foi de imediato agendado por um jornal. A campanha, em si, foi agendada apenas pelo Correio Braziliense, pois os outros jornais do Distrito Federal, apesar de tambm noticiarem a quantidade de acidentes e mortes, no DF, em momento algum citaram o nome da Campanha Paz no Trnsito. Valores-notcias no faltaram no acontecimento. Cada notcia ou acontecimento est revestido de um carter particular e dessa forma requerem uma avaliao da disponibilidade, credibilidade, abrangncia, importncia e atualidade. Porm, a realidade determinada pelo enfoque do jornalista e a manipulao do editor. Juntos realizam a notcia segundo prismas particulares e assim a informao exposta para o espectador: filtrada por interpretaes e valorizaes, muitas vezes pessoais, mas sempre somadas aos interesses mercadolgicos:

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Assim como uma roupa que se pode adquirir em uma loja, assim como uma fruta que se pode obter em uma quitanda, tambm notcias podem ser compradas. Elas no so somente produtos, como supe a acepo mais ingnua. Elas so de fato a forma elementar do capitalismo; (Marx) so mercadorias. So produzidas para um mercado real e encerram em si a dupla dimenso da mercadoria: valor de uso e valor de troca. (MEDINA, 1988, p. 25).

possvel perceber que apesar de estarem presentes em todas as fases da produo informativa, os valores-notcias, no assumem graus de relevncia iguais entre si. Ento, os valores-notcias so algo abstrato e s ganham forma quando aplicados na realidade, na produo jornalstica. Um estudo pioneiro sobre os fatores que influenciam a produo jornalstica foi pesquisado por David Manning White, em 1950, e ele partiu da analogia proposta pelo psiclogo social Kurt Lewin que representou os jornalistas como porteiros das notcias, responsveis por selecionar acontecimentos dirios que chegaro ao conhecimento dos leitores. White sugeriu que ao se analisar o funcionamento dos critrios de noticiabilidade se descobriria quais os verdadeiros gatekeepers e os fatores que condicionam suas decises. Com o objetivo de compreender como um acontecimento era selecionado para ser notcia, White valeu-se da assistncia do editor de um jornal no metropolitano. Esse jornalista tinha ento a seu cargo selecionar, a partir da grande quantidade de notcias nacionais e internacionais que chegavam das agncias as que apareceriam no limitado espao da primeira pgina e como seriam desenvolvidas nas pginas interiores. Durante uma semana, o editor anotou o motivo da sua rejeio em cada um dos textos no utilizados, o que correspondia a 90% do material recebido, medido em polegadas de coluna. Diante desses dados e com base na entrevista, David White (1993, p. 145) concluiu que o agendamento de notcia extremamente subjetivo e dependente de juzos de valor, baseados na experincia, atitudes e expectativas do profissional. Porm, pesquisas posteriores questionam essas concluses. Em 1956, Warren Breed destacou as influncias organizacionais na produo jornalstica. Mas ele tambm aponta o poder de um gatekeeper central: o proprietrio do jornal, que impunha sua linha editorial e o conformismo dos jornalistas subordinados ao chefe. O seu principal argumento para explicar esse conformismo, destacado a partir de entrevistas realizadas com 120 jornalistas, seguindo uma abordagem funcionalista,

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foi que dentre os seis principais fatores encontrados, os sentimentos de obrigao e estima para com os superiores eram determinantes. Por outro lado, apontou que a possibilidade de se desviar da linha editorial dependia do status do jornalista na redao ( WHITE, 1993 apud OLIVEIRA, 2008, p. 76). A pesquisa de Breed foi desenvolvida nos Estados Unidos, o que demonstra a diferena de realidades em relao ao Brasil. Ser que os resultados seriam os mesmos, obrigao e estima quanto aos superiores? No Brasil, o vis dos resultados da pesquisa, talvez, fosse pela escassez de empregos ou o medo de ficar desempregado. O compromisso do jornalista com a sociedade perde lugar cada vez mais para a obrigao com o proprietrio do jornal e para a possibilidade de perdas das funes. Para Breed, a soluo para influenciar a produo qualitativa de notcias, baseado na cobertura mais independente e plural, consistia em desenvolver mecanismos de presso sobre os proprietrios, seja por meio de cdigos profissionais, escolas de jornalismo, sindicatos, da crtica de leitores que deveriam exigir no apenas histrias com valor-notcia ou permeadas por vises

conservadoras de mundo, mas coberturas que abordassem temas de interesse pblico ( OLIVEIRA, 2008, p. 76). Na linha organizacional, a partir das dcadas de 1960 e 1970, predominou uma viso de que a produo das notcias determinada prioritariamente no pelas atitudes ou os preconceitos de jornalistas individuais, mas pelo seu contexto social e organizacional (TUCHMAN apud WOLF, 1999). Por outro lado, Molotoch e Lester (1993) atentam para classificar as notcias como procedimento intencional, resultante das estratgias dos jornalistas e promotores de notcia, podendo o jornalista ser influenciado pelas fontes, como polticos, pessoas comum ou de elite e inclusive organizaes da sociedade civil. No estudo Manufacturing Consent, de Herman e Chomsky, so identificados cinco filtros da cobertura jornalstica: 1) Questes relacionadas ao tamanho, grau de concentrao da propriedade, riqueza dos proprietrios e orientao para o lucro das empresas de comunicao dominantes; 2) O fato de a publicidade ser a principal fonte de recursos dessas empresas;

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3) A dependncia das redaes de informaes fornecidas pelo governo, empresrios, e especialistas, financiados e aprovados por esses agentes do poder e fontes primrias; 4) O potencial da artilharia crtica desses setores; 5) Sua capacidade de disciplinar os meios e fazer com que o anticomunismo prevalea na prtica produtiva da mdia (HERMAN e CHOMSKY, 1998). Assim, possvel expor que na seleo dos acontecimentos e na moldagem em notcia, o jornalismo articula uma srie de variveis que remetem ao campo social como um todo. A condio de notcia de um fato, para o jornalismo, ou seja a noticiabilidade jornalstica est na direo dos valores concedidos ao acontecimento pela prpria sociedade. A noticiabilidade do jornalismo , portanto, um processo consensual. Pode-se expor ainda que a seleo de notcias varia de acordo com a realidade cultural e o contexto social, poltico, econmico e em nveis geogrficos, de uma determinada cidade a um estado, regio ou pas. Da surge tambm o desafio das organizaes sociais para agendar os meios de comunicao, por geralmente no conseguirem discernir o que teria valornotcia ou no. Nesse sentido, o poder dos movimentos sociais e das organizaes do terceiro setor em influenciar a produo jornalstica dependeria do saber de reconhecimento do valor-notcia. O que explica e justifica a presena de profissionais de comunicao e jornalistas atuando nessas entidades, alm dos assessores de imprensa no setor estatal e privado. No mbito do terceiro setor, os assessores de comunicao social necessitam persuadir os jornalistas para conquistar legitimidade e credenciamento para agendar as notcias das

organizaes ou da sociedade mobilizada em torno de uma causa social, quando esta no interessa s redaes por causa dos critrios de noticiabilidade, mesmo que seja de interesse pblico.

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3 MOBILIZAO SOCIAL

Mobilizao social faz parte de um processo democrtico, por isso antes de tudo essencial entender o conceito de democracia para depois discorrer sobre os seus conceitos, prticas e caractersticas. Toro define o que e o que no pode ser a democracia:

Mas a Democracia como o Amor: no pode ser comprada, no pode ser decretada, no pode ser imposta. A Democracia s pode ser vivida e construda. Por isso ningum pode nos dar a Democracia. A Democracia uma deciso, tomada por toda uma sociedade, de construir e viver uma ordem social onde os Direitos Humanos e a vida digna sejam possveis para todos. No Brasil esta deciso foi assumida e explicitada nos primeiros artigos da Constituio Brasileira. [...] A Democracia no um partido poltico, no uma cincia, nem uma religio; a Democracia uma forma de ver o mundo, uma cosmoviso, que parte do suposto de que fazer possveis e cotidianos os Direitos Humanos o que justifica todas as atividades de uma sociedade (polticas, econmicas, culturais, financeiras, educativas, familiares, etc.) (TORO, 1996, p 3-5).

De acordo com Toro, construir a tica democrtica significa faz-la possvel e cotidiana e para isto preciso a participao e a vontade de todos os membros de uma sociedade.A criao de uma cultura e uma tica democrticas requer a mobilizao social, entendida como a convocao livre de vontades. A mobilizao social uma forma de construir na prtica o projeto tico proposto na constituio brasileira: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo poltico (TORO, 1996, p.3).

Ainda de acordo com Toro, a partir do conceito de democracia pode-se desenvolver o conceito de cidado:

No Brasil o cidado tem sido confundido com o voto. Cidado seria aquele que vota. Mas o voto um direito do cidado, no o que o define como tal. [...] Cidado a pessoa capaz de criar ou transformar, com outros, a ordem social e a quem cabe cumprir e proteger as leis que ele mesmo ajudou a criar (TORO, 1996, p.10).

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Partindo do pressuposto, de democracia e cidadania, Toro define mobilizao social como algo comum a todos sob uma interpretao e um sentido tambm compartilhado:A mobilizao social uma forma de construir na prtica o projeto tico proposto na constituio brasileira: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo poltico. (TORO, 1996, p. 3).

A mobilizao sempre feita para alcanar um objetivo pr-definido, um propsito comum para a sociedade. um sentido pblico, daquilo que convm a todos. Se o seu propsito passageiro, converte-se em um evento e no em um processo de mobilizao. A mobilizao precisa ser contnua para produzir efeitos quotidianamente. (TORO, 1996).

A mobilizao requer uma dedicao contnua e produz resultados quotidianamente. A mobilizao no se confunde com propaganda ou divulgao, mas exige aes de comunicao no seu sentido amplo, enquanto processo de compartilhamento de discurso, vises e informaes. [...] A participao, em um processo de mobilizao social, ao mesmo tempo meta e meio. Por isso, no podemos falar da participao apenas como pressuposto, como condio intrnseca e essencial de um processo de mobilizao. Ela de fato o . Mas ela cresce em abrangncia e profundidade ao longo do processo, o que faz destas duas qualidades (abrangncia e profundidade) um resultado desejado e esperado (TORO, 1996, p.5).

Para Toro a mobilizao social um ato de comunicao uma vez que h compartilhamentos. As caractersticas da mobilizao social so prximas da comunicao diria:

Toda mobilizao social requer um projeto de comunicao. A comunicao social tem contribuies importantes e fundamentais no processo de coletivizao. O projeto de comunicao de um processo de mobilizao tem como meta o compartilhamento, o mais abrangente possvel, de todas as informaes relacionadas com o movimento, o que inclui desde os objetivos, as informaes que justificam sua proposio, at as aes que esto sendo desenvolvidas em outros lugares, por outras pessoas, o que pensam

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os diversos segmentos da sociedade a respeito das idias propostas etc (TORO, 1996, p.36).

Martins ressalta que o fenmeno da comunicao est presente em todas as manifestaes, no apenas as humanas, mas as de toda a natureza:

Quando se diz que as pedras falam, no se est cometendo apenas uma figura potica de personificao, mas se est admitindo que tudo que est plasmado no Universo est cumprindo uma funo informativa e interativa. pouco pensarmos apenas os seres humanos como entes relacionais. Mesmo partculas subatmicas ento em movimento e, portanto, em mobilizao. Todo este conjunto a que chamam Universo j se inferiu est se dirigindo velozmente para algum lugar, embora no se saiba para onde (MARTINS, 1997, p.10).

Montoro (1997) afirma que a comunicao para mobilizao social tem como desafio colocar em pauta e agendar, nestes tempos ps - tudo, a necessidade de se fundar um imaginrio que contemple um projeto de Nao capaz de inscrever (...) as grandes questes que se apresentam como desafios globais neste fim de sculo O processo de mobilizao se inicia quando uma pessoa, grupo ou instituio decide desencadear um movimento no sentido de compartilhar um imaginrio e o esforo para alcan-lo (TORO, 1996). O autor cita Chico Whitaker para explicar a espontaneidade e o compromisso da participao da comunidade na mobilizao social: A participao ser mais assumida, livre e consciente, na medida em que (...) perceberem (...) que o objetivo perseguido vital para quem participa da ao e que o objetivo s pode ser alcanado se houver efetiva participao.A participao deixa de ser uma estratgia para converter-se em ao rotineira, essencial. Neste sentido, a participao o modo de vida da democracia.Considerar a abrangncia desta participao como valor e sinal democrtico: No possvel desenhar, nem saber como ser a ordem de convivncia democrtica e de produtividade sem a participao ativa de toda a sociedade. No se trata de ser construda uma ordem social por quem acha que sabe faz-lo para que os outros se integrem a ela. Para uma dinmica de mobilizao social preciso acreditar que existe sempre alguma coisa que uma pessoa pode fazer para que os objetivos sejam alcanados, que todos tm como e porque participar (TORO, 1996, p.15).

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Segundo Toro toda mobilizao uma convocao de vontades, a comunicao que lhe prpria deve ser de natureza convocatria. [...] Ela uma comunicao pblica (que convm a todos). Toro separa o processo de mobilizao em dois momentos: O primeiro o do despertar do desejo e da conscincia da necessidade de uma atitude ou mudana. O segundo o da transformao desse desejo e dessa conscincia em disposio para a ao e na prpria ao. Ele diz que a convocao no pode ser incisiva. A partir da informao recebida, [...] a populao vai decidir o que pensar e o que fazer. preciso muito cuidado para no assumir nessa hora uma atitude de cobrana, de querer que o outro pense exatamente como ns. Toro relata que a mobilizao social no uma atitude nica de mudar o mundo. preciso ter cautela e acima de tudo democracia.

No se faz mobilizao social com herosmo. As mudanas so construdas no cotidiano por pessoas comuns, que se dispem a atuar coletivamente, visando alcanar propsitos compartilhados. Toda ordem social criada por ns. O agir ou no agir de cada um contribui para a formao e consolidao da ordem em que vivemos. Em outras palavras, o caos que estamos atravessando na atualidade no surgiu espontaneamente. Esta desordem que tanto criticamos tambm foi criada por ns. Portanto e antes de converter a discusso em um juzo de culpabilidades se fomos capazes de criar o caos, tambm podemos sair dele. (Toro, 1996, p. 26).

A campanha Paz no Trnsito realizada no Distrito Federal, em 1995 foi um exemplo claro de mobilizao social. Ele afirma que a campanha tem caractersticas prprias de mobilizao. Uma delas a coletivizao. A campanha surgiu do jornal Correio Braziliense para a comunidade e da comunidade para o jornal. Foi coletivizada e por isso no pode ter um dono. A durabilidade da campanha outra caracterstica de mobilizao social: Mobilizao a adoo permanente de uma ou mais causas pblicas por um veculo de comunicao. Para Martins campanhas passageiras e movimentos sociais no so mobilizaes, pois visam apenas a mudana de valores. Mudar de valores no a mesma coisa que mudar de conduta. Primeiro muda-se de valores e atitudes para depois mudar de conduta.

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A mobilizao social existente na campanha foi em decorrncia do exerccio de jornalismo pblico, que informou e convocou diariamente a sociedade a resolver o problema de trnsito. Ismar Cardona, jornalista e protagonista da campanha Paz no Trnsito, falecido em 2007, escreveu no editorial do jornal Correio Braziliense, em 1997, que paz no trnsito promovida pelo Correio Braziliense, em comparao com as aes do governo, embora tenha sido iniciativa de uma empresa privada, acabou extrapolando o mbito do jornal e tornou-se um trabalho de mobilizao social. Ana Maria de Castro Mesquita, professora da UnB e participante da campanha, tambm ressalta que (...) partiu da sociedade uma necessidade de trabalhar no trnsito para reduzir os acidentes de trnsito (RODRIGUES, 2007). A campanha Paz no Trnsito foi um movimento permanente, coletivo, democrtico e cidado. Consequentemente um sinnimo de mobilizao social. O jornal Correio Braziliense conseguiu convocar e mobilizar, alm da sociedade, diversas instituies em prol de uma atitude de valorizao da vida. Porm, a

campanha Paz no Trnsito no do jornal Correio Braziliense. da sociedade em geral. Caso contrrio, ela perde todas as caractersticas de mobilizao social, pois para que a campanha fosse uma mobilizao ela precisou ser coletivizada. Mobilizao igual a coletivizao. A campanha importante para mobilizao e para aquecimento da sociedade, mas a campanha por si prpria no mobiliza, apenas uma forma de macro agendamento. Exemplo: toda a populao vai saber que no dia x tem alguma coisa para a populao, mas se no tiver um composto de marketing social, a campanha no funcionar. A mobilizao o enfrentamento de um problema. Enquanto o problema existir h que se ter mobilizao para enfrent-lo. A mobilizao mista, porque rene energia do cidado, da comunidade, da sociedade, da economia, das empresas e do Estado, executivo, legislativo e judicirio. A mobilizao resulta em um produto social, se estabelece e alcana um imaginrio (MARTINS, 2008, em entrevista). O imaginrio em um programa de mobilizao social, modelo terico proposto por Toro, parte da identificao de um sentido, um propsito consistente, motivador, que possa gerar um imaginrio que seja capaz de introduzir prticas transformadoras na rotina individual das pessoas para atender a um determinado

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consenso social. Para produzir esse imaginrio necessria a criao de contedos que tenham fora para levar a sociedade mudana.

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4 DESCRIO DA METODOLOGIA

4.1 Seleo de fontes

1- Mdia Escrita: Jornal Correio Braziliense 2- Frum Permanente Pela Paz no Trnsito (UnB) 3-Detran 3- Entrevistas 4- Outras Fontes

4.2 Instrumentos

Primeiramente foi realizada uma exaustiva pesquisa bibliogrfica sobre jornalismo pblico, que faz parte do captulo 2 desta monografia e resultou no captulo 2 do livro Coletnea Pblica Prticas de Comunicao Pblica em Braslia, organizado pela pesquisadora Mnica Prado. Os demais captulos foram resultado tambm de pesquisas exaustivas, com base em referncias bibliogrficas, pesquisa documental e entrevistas abertas em profundidade. De acordo com Gil (2002, p.88) o material utilizado para o fornecimento de dados na pesquisa bibliogrfica constitudo por livros e revistas impressos em papel ou veiculados por meio eletrnico. A pesquisa documental pode ser feita por meio de fichas, mapas, formulrios, cadernetas, documentos pessoais, cartas, bilhetes, jornais, fotografias, fitas de vdeo e discos. A entrevista aberta em profundidade, flexvel e permissiva, segundo Duarte (2005, p. 65) [...] flui levemente, sendo aprofundada em determinado rumo de acordo com aspetos significativos identificados pelo entrevistador. O entrevistado define a resposta segundo seus prprios termos utilizando como referncia conhecimento, percepo, linguagem, realidade e experincia. Assim, a capacidade de aprofundar

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as questes a partir das respostas torna este tipo de entrevista muito rica em descobertas. Os mtodos de narrativas e histrias de vidas foram utilizados para desenvolver o captulo 5 desta monografia. Muniz Sodr e Maria Helena Ferrari definem histria de vida como um recurso que aparece de forma clssica de entrevista com a reproduo do dilogo entre o entrevistado e o entrevistador, ou como depoimento direto, a anda numa escala em que se combinem essas modalidades de apresentao com a narrativa em 1 ou 3 pessoas. J a narrativa eles conceituam como a ordenao de fatos, de natureza diversa, externos ao relator 9mesmo quando o narrador parte dos fatos, isto participa da ao que est sendo narrada (LIMA, 1995).

4.3 Procedimentos

1- Jornal Correio Braziliense

Foram selecionados e registrados em uma planilha as manchetes, as datas e o caderno de divulgao de todas as notcias veiculadas no jornal Correio Braziliense sobre a campanha Paz no Trnsito no anos de 1996 a 1997. Todas as edies do jornal Correio Braziliense que continham manchetes sobre Paz no Trnsito foram consultadas, pgina por pgina. Esse levantamento foi possvel por meio de acesso ao Centro de Documentaes (CEDOC) do jornal (ANEXO A). Foram consultados tambm todos os editoriais, alguns deles escrito pelo jornalista Ismar Cardona que esteve ligado diretamente campanha Paz no Trnsito (ANEXO B).

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2- Detran

Foi obtido o smbolo da campanha Paz no Trnsito e pelo Respeito Faixa de Pedestres. Foi consultada a Pesquisa Vox Populi sobre o trnsito, feita em 1999 (ANEXO C)

3- Frum Permanente pela Paz no Trnsito

Por meio de acesso a um arquivo permanente que pertence ao Decanato de Extenso da UnB foram obtidos documentos que continham projetos, datas, listas de presena, pautas e atas de vrias reunies realizados pelo Frum Permanente, na UnB (ANEXO D).

4- Entrevistas

A seleo dos entrevistados foi realizada pelo critrio de relao e envolvimento direto das fontes com a veiculao da campanha Paz no Trnsito. Todos os entrevistados foram informados por telefone a respeito do objetivo da entrevista, que era o de documentar e narrar os bastidores e as histrias de vidas da campanha Paz no Trnsito, iniciada em 1996 no Distrito Federal, pelo Jornal Correio Braziliense.

Entrevistados:

1- Ana Jlia Pinheiro, reprter do jornal Correio Braziliense, do caderno de cidades, autora da srie de reportagens sobre a campanha Paz no Trnsito, no perodo de 1996 at 1997.

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2- Renato Riella, jornalista representante da Fecomrcio, poca, designado pela empresa para fazer parte da coordenao da campanha Paz no Trnsito.

3- Jorge Leite, publicitrio e diretor de Marketing do jornal Correio Braziliense, responsvel pela distribuio do smbolo da campanha Paz no Trnsito, em todas as escolas pblicas e particulares do Distrito Federal.

4- Prof. Dr. David Duarte Lima, do Departamento de Estatsticas da UnB, responsvel pela coordenao do Frum Permanente pela Paz no Trnsito, no perodo de 1997 at 1998.

5- Coronel Renato Azevedo, ex-comandante do Batalho de Trnsito da Polcia Militar do Distrito Federal, que esteve no comando desse batalho no perodo de 1995 at 1999.

6- Senador da Repblica Cristovam Buarque, governador do Distrito Federal, no perodo de 1995 at 1998.

A

pesquisadora

tambm

procurou

os

seguintes

entrevistados,

que

mantiveram relao direta na coordenao da campanha:

1- Ismar Cardona, editorialista do jornal Correio Braziliense e principal representante do jornal na coordenao da campanha. Fui informada no dia 16 de agosto, pela jornalista Ana Jlia Pinheiro, que ele faleceu no ano de 2007.

2- Chico Amaral, diretor de arte do jornal Correio Braziliense e criador do smbolo da campanha Paz no Trnsito. O atendente de redao do jornal Correio Braziliense, informou o jornalista Chico Amaral pediu demisso no ano de 2000, e viajou para Barcelona, na Espanha. O contato tambm no foi possvel.

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1- Outras Fontes

Conversas informais com participantes indiretos, cidados, professores e pesquisadores que presenciaram a campanha Paz no Trnsito.

4.4 Anlise dos dados

A anlise de contedo tomada como tcnica de anlise na tentativa de apontar indcios da prtica de jornalismo pblico e mobilizao social na cobertura da campanha Paz no Trnsito pelo jornal Correio Braziliense. Todas as informaes obtidas na coleta de dados serviram para tentar reconstruir, por meio de narrativas de histrias de vida, os bastidores da campanha Paz no Trnsito, no Distrito Federal, em 1996 e 1997, que est no captulo 6 desta monografia. O levantamento de dados e a conversa informal com a orientadora Mnica Prado permitiram identificar os principais personagens envolvidos diretamente com a campanha Paz no Trnsito. A anlise de documentos do Decanato de Extenso, do Plano de Governo, do Frum permanente pela Paz no Trnsito e do Detran possibilitaram a reconstruo dos fatos em ordem cronolgica e a descoberta da gravidade do problema de trnsito no Distrito Federal. As entrevistas foram a base principal para descobrir e registrar os acontecimentos e, principalmente, os pormenores dos bastidores da campanha Paz no Trnsito.

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5 A CAMPANHA PAZ NO TRNSITO

Braslia, nos anos de 1996 e 1997, era uma das cidades mais violentas no trnsito pelo grande nmeros de acidentes, com pedestres atropelados e vtimas fatais. O nmero de atropelamento nesses anos representava respectivamente 49,8 e 47,3% do nmero total de acidentes, com morte, no Distrito Federal. Esses nmeros, assustadores, revelavam a situao grave em que se encontrava a relao pedestre veculo em Braslia, uma cidade planejada para a rpida circulao de carros. As pistas largas de Braslia favoreciam o abuso de velocidade e dificultavam a travessia dos pedestres nas ruas. Em 25 de julho de 1995, o Governo do Distrito Federal (GDF) criou o Programa de Segurana para o Trnsito (Decreto n 16.645), coordenado pelos Secretrios de Segurana Pblica, de Transportes, de Obras, e Educao, de Sade e de Comunicao Social, tendo como objetivo reduzir substancialmente os acidentes de trnsito no DF. Os princpios do programa consistiam em aes, dentre as quais se destacavam: coibir o excesso de velocidade, controlar o consumo de bebidas alcolicas, fazer cumprir as regras de trnsito, intensificar a educao no trnsito, melhorar as condies da malha viria, melhorar o atendimento mdico no trnsito, manter o veculo em condies de segurana, normalizar o acompanhamento estatstico no trnsito, priorizar a circulao de pedestres, ciclistas e do transporte coletivo nas vias urbanas.

Alm dessas medidas, o projeto tambm apoiava:

1- A aprovao do Novo Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB), que na poca ainda estava em tramitao no Senado; 2- A criao do Batalho de Trnsito da Polcia Militar, que ainda estava em tramitao no Poder Executivo Federal. Foi viabilizado no mesmo ano de 1995.

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3- Divulgao, por meio da mdia local, de campanhas Educativas que visavam a reduo da violncia no trnsito. No dia 25 de outubro de 1996, o GDF altera e amplia a Programa de Segurana para o Trnsito, transformando-o em Programa Paz no Trnsito (Decreto n 17.781). Este aumentava o nmero de medidas para 12, passando a incluir as aes de criar instrumentos de participao dos cidados no combate violncia no trnsito e de organizar campanhas de publicidade para a conscientizao da populao sobre o problema de trnsito. O programa era coordenado por um grupo executivo, que passou a incluir, alm das Secretrias de Segurana Pblica e de Transportes, representantes de outros rgos do Governo, como o Comandante do Policiamento da PMDF, o Comandante da Companhia de Polcia Rodoviria, o Comandante do Batalho de policiamento de trnsito, o Diretor Geral do DER e o Diretor Geral do Detran/DF. No intervalo de tempo entre a criao dos dois Programas lanados pelo Governo do Distrito Federal, o jornal Correio Braziliense iniciou, em agosto de 1996, a campanha Paz no Trnsito, contra a violncia no trnsito brasiliense. Havia diariamente, manchetes sobre acidentes, atropelamentos, estatsticas, normas de segurana etc. No ano de 1995, foram divulgadas 117 notcias sobre o trnsito, porm depois do incio da campanha, em 1996, o nmero de notcias dobrou. O que seria apenas um conjunto de matrias sobre o diagnstico do trnsito na cidade, passou a ser um dos principais temas do Correio Braziliense, no meses seguintes. As notcias diariamente foram essenciais para a mobilizao e envolvimento da sociedade, que resolveu reagir aos problemas. Logo em seguida, no dia 15 de setembro, o Correio organizou uma passeata que reuniu cerca de 25 mil pessoas no Eixo Rodovirio Sul (Eixo). O movimento reuniu polticos de diversos partidos, lderes e fiis das mais diversas tendncias religiosas, estudantes, empresrios, representantes de

sindicatos, jornalistas, artistas, policiais etc. A mobilizao popular tornou-se uma das causas mais memorveis da histria de Braslia. Durante a campanha, foi criado um smbolo que saia estampado junto com as notcias dirias. O smbolo ganhou simpatia da populao e virou adesivos de carros. O smbolo era uma placa de trnsito com uma mo aberta no centro, representando um pedido pelo fim da violncia no trnsito.

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A Rede Globo, por meio do jornalista Alexandre Garcia, tambm colaborou de forma fundamental com a campanha. Garcia sempre tocava nas tragdias acontecidas no trnsito no programa Tribuna da Rede Globo. Aps o perodo de articulao da campanha, pelo Correio Braziliense, o jornal decidiu, em dezembro de 1996, que passaria a continuidade do movimento Universidade de Braslia (UnB), que organizou o Frum Permanente pela Paz no Trnsito e ficou responsvel pela liderana ainda no ms de dezembro. As duas primeiras reunies do Frum, no ms de janeiro de 1997, foram coordenadas pela decana Maria Jos dos Santos Rossi. Da em diante ficou sob a coordenao do professor da Faculdade de Cincias da Sade da UnB, David Duarte Lima. Os membros do Frum tambm eram representantes dos mais diversos segmentos do governo e da sociedade: do (Grupo Executivo do Programa Paz no Trnsito do Governo (Secretria de Transportes, de Segurana Pblica e de Comunicao, do GDF); da mdia (Correio Braziliense, Rede Globo, Jornal de Braslia, Rede Bandeirantes, rdio CBN); de entidades religiosas (LBV, Federao Esprita, Comisso de Justia e Paz da Arquidiocese de Braslia, Igreja Presbiteriana do Brasil); da Polcia Militar; do Detran; do empresariado (FIBRA); da Universidade Catlica de Braslia; de vrias faculdades da UnB (Psicologia, Direito, Educao, Comunicao, Sade); do Centro de Pesquisa do Hospital Sara Kubitschek, entre outros. O grupo unia tanto tcnicos em questes de trnsito, quanto leigos interessados no assunto. O Frum promovia, entre aes, palestras informativas para a comunidade e campanhas educativas, alm de discutir vrias questes pertinentes ao trnsito em suas reunies. No mesmo ano, 1996, o Detran fez a implantao dos meios eletrnicos de controle da velocidade barreiras eletrnicas e pardais enquanto isso a faixa de pedestre tambm era implantada pelo coronel Renato Azevedo, comandante do Batalho de Trnsito da Polcia Militar do Distrito Federal. Durante os trs primeiros meses do ano de 1997, a Polcia Militar ficou encarregada de instruir a populao sobre as mudanas, no trnsito, que iriam acontecer. A primeira mudana foi a colocao de guardas nas principais faixas de pedestre do Plano Piloto. Os policiais tambm percorreram ruas e escolas para explicar sobre o uso da faixa de pedestre. Eles levavam crianas para a rua, para conversar com motoristas e pedestres. A Companhia de Polcia Rodoviria da Polcia Militar do DF tambm

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teve uma participao importante ao longo do processo educativo da Campanha Paz no Trnsito e na campanha pelo Respeito Faixa. Durante os ltimos dez dias de maro, que antecederam o incio do cumprimento da lei, o Correio Braziliense fez uma contagem regressiva publicando tirinhas, sucessivamente. No dia primeiro de abril, o Correio publicou na capa do caderno Cidades: Dia de Parar na Faixa. No dia 1 de abril, a lei entra em vigor e os policiais comearam a multar os motoristas que desrespeitavam a preferncia do pedestre na faixa. O nmero de multas logo no primeiro dia em que a lei passou a vigorar foi de 396, chegando a 650 na primeira semana de fiscalizao. Porm, na primeira semana as multas do Tipo I, propiciadas pela falta de sinalizao clara da faixa de pedestre, e consequentemente o motorista no parava, foram canceladas. Mas os motoristas recebem advertncia pela infrao. J as multas do Tipo II, se referem ao avano do motorista sobre a faixa de pedestre ao mesmo tempo em que a pessoa ainda estava atravessando a rua. O Detran tambm como membro dos executivos da campanha ficou responsvel pelas campanhas educativas e a engenharia de trnsito. At o dia primeiro de abril, data do lanamento da campanha pelo Respeito Faixa de Pedestre e implantao das faixas, Braslia tinha apenas 300 faixas de pedestres pintadas nas vias urbanas e rodovias. A partir de ento, os agentes do Detran comearam a pintar novas faixas em locais que atendessem aos critrios adequados para sua implantao. Como por exemplo: largura da via, velocidade mxima de 60km/h, ausncia de curvas e rampas, e proximidade das faixas de pontos de parada de nibus. Alm disso, foram instaladas a cada 100m de cada faixas, placas de advertncia com frases como Passagem de Pedestre, para que os motoristas fossem alertados de para antecipadamente, postes de iluminao, e mudanas de faixas que estavam em locais errados. Em paralelo as aes de engenharia de trnsito, o Detran realizou diversos trabalhos educativos como a campanha D Sinal de Vida. O objetivos dos

trabalhos educativos era propiciar segurana ao pedestre na travessia da faixa. Foi da que surgiu a sinalizao com a mo, do pedestre, ao tentar atravessar a faixa. O Grupo de Teatro Rodovia, tambm teve uma participao fundamental na campanha Paz no Trnsito. Ele realizou diversas apresentaes em escolas pblicas e

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particulares. Foram 300 encenaes em todo o Distrito Federal, atingindo um pblico de 43. 700 pessoas. A relao do nmero de vtimas fatais era registrada, ms a ms, no chamado Placar da Vida, que era um painel enorme colocado em frente ao Palcio do Buriti. O Placar funcionava para dar informaes dos nmeros da violncia no trnsito e ao mesmo tempo servia como estmulo populao para que continuasse com uma nova postura no trnsito. Aps o perodo de medidas, o Detran solicitou uma pesquisa do instituto Vox Populi, em dezembro de 1998, para avaliar a opinio da populao a respeito das mudanas no trnsito: 74% dos entrevistados afirmaram que a violncia no trnsito de Braslia diminuiu, 13% disseram que continuou a mesma, 11% disseram que aumentou e 2% que no sabiam ou no responderam.

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6 BASTIDORES E HISTRIAS DE VIDA

6.1 O acaso

Braslia, 1996. Carros nacionais e importados circulam pelas estradas da cidade. Velozmente as pessoas correm para cumprir os seus compromissos. Todos os dias as cenas se repetem. Amanheceu. O dia foi diferente. Jovem de 16 anos atropelado no Eixo. Me e filha morrem em acidente de trnsito no entorno de Braslia. So as manchetes do Jornal Correio Braziliense. Duas famlias esto em luto pelas perdas de seus entes queridos. O resto da cidade leu a notcia, mas no outro dia preciso andar em alta velocidade para chegar a tempo no trabalho, na escola, no mdico ou no barzinho. Na redao do jornal Correio Braziliense, a reprter Ana Jlia Pinheiro percebe que h algo diferente no trnsito de Braslia. Quanto mais aumenta a frota de carros mais acidentes acontecem. Em So Paulo o efeito contrario: mais carros, menos espaos nas pistas para alta velocidade. Nessa mesma poca, o Correio Braziliense oferecia um espao em suas pginas para a seqncia de uma srie de reportagens. A primeira matria era divulgada no domingo e consecutivamente a ltima na quarta-feira, da mesma semana. Mas antes mesmo de divulgar a primeira no domingo, todas as matrias precisam ser concludas. Ana Jlia, no conformada com as tragdias que tomara conhecimento, procurou o seu editor, o jornalista Silvio Costa, para aproveitar o espao da srie de reportagens e divulgar algo sobre o trnsito de Braslia: - O Silvio nos permitia sugerir pautas com muita liberdade, ento sugeri que fizssemos uma srie de reportagens sobre o trnsito. Eu e a populao, precisvamos descobrir porque o trnsito de Braslia era violento. O editor de cidades, Silvio, achou a idia sensacional, mas o restante dos jornalistas da equipe do Caderno de Cidades logo falaram que as matrias no iam

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ser interessantes pelo fato de Ana Jlia questionar porque os motoristas de Braslia andavam a 90k/h: - A exceo do prprio Silvio, as pessoas acharam a idia ridcula porque Braslia era uma cidade acostumada com o trnsito em alta velocidade, as pessoas aqui tinham liberdade para isso, o Eixo era um FreeWay. Nenhuma outra cidade brasileira que eu conheo andava nessa velocidade. Primeiro porque voc no consegue e depois porque contra a lei. Ana Jlia no se importou com as crticas dos colegas de redao. Fez a sua primeira reportagem, da srie, que dizia que a cada dois dias, uma ou duas pessoas eram assassinadas no trnsito de Braslia. As estatsticas tambm comprovavam que para uma pessoa morta existiam 15 pessoas feridas, enviadas para os

hospitais. Dessas 15, um tero fica com leso permanente e os outros morrem. Na segunda matria, Ana retrata que quem morre no trnsito de Braslia muito jovem. A maioria das mortes se concentra entre as idades de 18 e 25 anos, a maioria do sexo masculino e de baixa renda. Na terceira, como ficam os sobreviventes e a quarta sobre acidentes nas estradas no entorno do Distrito Federal e a dor de quem perdeu algum. Depois de uma exaustiva pesquisa sobre dados estatsticos sobre acidentes de trnsito, pois os rgos de Braslia no possuam essas informaes, com exceo do Hospital Sara Kubtschek que contabilizava os feridos, Ana entrega todas as matrias prontas na sexta-feira. Ainda na sexta-feira o jornal deixa pronta a edio de domingo, quando seria divulgada a primeira matria. Mas coincidentemente no domingo, 18 de agosto de 1996, o ministro dos transportes Odacir Klein voltava do Clube do Congresso, na Pista do Lago Norte, e passa a direo do automvel para o seu filho, Fabrcio klein, que em seguida atropela o pedreiro Elias Barbosa Jnior. O pedreiro teve morte instantnea. Um reprter do Correio Braziliense, amigo de Fabrcio Klein, avisou a Ana imediatamente: - Eu fui atropelada pelo atropelamento do ministro porque as matrias j estavam prontas. No tinha como no estar. Ainda no domingo a gente ficou sabendo do acidente porque um reprter do Correio era amigo do Fabrcio Klein e testemunhou o acidente. Alis, testemunhou o acidente no. O Fabrcio foi para a casa dele depois do acidente. A nossa redao foi a primeira do Brasil a noticiar, na segunda-feira, o acidente que envolvia o ministro. As outras redaes s ficaram

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sabendo depois. E na matria da srie de reportagens, que j estava pronta para a segunda-feira, eu acrescentei um box dizendo que o coordenador do Programa de Reduo de Acidentes no Ministrio dos transportes, que era o prprio ministro Odacir Klein, atropela um pedreiro e vai embora sem prestar socorro vtima. A mdia de 100 cartas por dia recebidas no jornal sobre os diversos temas das reportagens, dobrou depois que a segunda matria da srie de reportagens foi divulgada. A redao comeou a receber diariamente mensagens, entre cartas e emails, que falavam apenas do trnsito. Nas mensagens da populao, o contedo era de indignao e aos mesmo tempo de sugestes. Cada um queria contar a sua histria: - As pessoas queriam denunciar, queriam contar, queriam dizer como morreram seus parentes, queriam falar o que achavam do trnsito, queriam sugerir medidas ... Nunca houve uma avalanche de cartas. Na poca a utilizao de e-mails ainda era reduzida no Brasil, o prprio Correio quase no usava. Foi uma presso violenta do povo sobre o Correio para que mantivssemos as pginas sobre o tema. s vezes, eu passava o dia inteiro ao telefone atendendo as pessoas que ligavam para falar como o pai ou a me morreu em acidente de trnsito. Foi no acaso da tragdia, que envolveu o ministro e a participao da sociedade de Braslia que surgiu na redao do Jornal Correio Braziliense, em agosto de 1996, a campanha Paz no Trnsito no Distrito Federal: - O Ricardo Noblat, editor chefe, decidiu manter a srie de reportagens para pressionar o governo a tomar uma deciso. Mas passada uma semana o governo no havia se manifestado. Algumas pessoas da equipe do governo do Cristovam falavam que o Correio havia encontrado um mote para criticar o governador, mas acontece que Braslia era uma cidade assassina no trnsito, desde que foi criada. A primeira pessoa, um cara, que saiu de bicicleta da Bahia at Braslia, foi atropelada aqui e morreu. Finalmente a srie de reportagens chega sua ltima matria da semana, na quarta-feira. O novo diretor de redao, Ricardo Noblat prope ao editorialista, o jornalista Ismar Cardona, que faa um editorial, que geralmente sai na pgina de opinio, e foi mudado para a capa do jornal. Cardona imediatamente atende ao pedido de Noblat e escreve a cada palavra com apelo: - Reage Braslia! Em seis meses 422 pessoas perderam a vida no Distrito Federal, vtimas de acidentes de trnsito. So nmeros estarrecedores que

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deveriam comover o governo e a comunidade. espantoso, mas somos obrigados a admitir que estamos falando sozinhos. Parece que as tragdias s dizem respeito s famlias das vtimas. Onde estava o Governo do Distrito Federal, que s agora, depois de um ano e oito meses de convvio dirio com essas estatsticas, decide lanar, s pressas, um pacote para combater a mortalidade? Onde esto os empresrios, to aguerridos quando se trata de lutar por taxas de juros menores? Onde est a comunidade acadmica, que no se insurge? Onde esto os estudantes , que no se rebelam? Eles que em outros tempos foram a vanguarda da luta pelos direitos humanos? Onde esto os profissionais liberais que no dizem nada? Onde esto os sindicatos, to ativos quando se trata de defender salrios e empregos? Onde esto os deputados distritais e os nossos representantes no Congresso, que nada dizem? A omisso ampla, geral e irrestrita tem o gosto amargo da convivncia. preciso dar um basta a essa situao e romper o imobilismo. A guerra contra o trnsito que mata e aleija interessa vida de todos ns, pedestres e motoristas. Basta de omisso: reage, Braslia! A comunidade no era a nica aliada do Correio Braziliense. Os empresrios tambm foram se manifestado aos poucos para fazer parte da campanha pela Paz no Trnsito. O Governo logo percebeu que o melhor era se alistar no peloto de gente que j no agentava mais tanta tragdia. No dia seguinte, Ana Jlia se surpreende com a chegada da comitiva do governo na redao: - Eles queriam se unir ao Correio para fazer parte da campanha. Mas se o governo fizesse ou deixasse de fazer, ningum ia largar o osso. Essa era a ordem na redao. No demorou muito para que o governo do DF se aliasse ao movimento. E menos ainda o presidente da Repblica, poca Fernando Henrique Cardoso. Vergonhoso das estatsticas, ele fala publicamente: - As piores calamidades so aquelas com as quais nos acostumamos. Com a inflao foi assim: estava to entranhada nos nossos hbitos que chegava a parecer normal. Inventamos at uma engenharia financeira sofisticadssima para conviver com ela. At que um dia nos convencemos, governo e sociedade juntos, de que no dava mais para suportar. Assim tambm tem sido com a corrupo: parecia uma praga to nacional e natural a sava, mas mostrou tambm que a pacincia do povo brasileiro tem limite. Acredito que assim ser com a violncia no trnsito. As estatsticas so acabrunhantes. Alis, so vergonhosas. Considerada a relao do

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nmero de automveis por vtimas do trnsito, o Brasil bate o recorde internacionais de violncia. mais que tempo de dar um basta a esse massacre. hora de dar nomes aos bois: o motorista que desrespeita as leis e deliberadamente pe em risco a prpria vida e a dos outros um criminoso. Deve ser tratado como ta