CAMPOS Helena Campos - Da inclusão à exclusão social

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    HELENA GUIMARES CAMPOS

    DA INCLUSO EXCLUSO SOCIAL:

    A TRAJETRIA DOS TRENS DE SUBRBIO DA REGIO

    METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE (1976 - 1996)

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS

    BELO HORIZONTE

    2002

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS

    MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS - Gesto de Cidades

    Helena Guimares Campos

    DA INCLUSO EXCLUSO SOCIAL: A TRAJETRIA DOS TRENS DE SUBRBIO DA REGIO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE (1976 - 1996)

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais - Gesto de Cidades. Linha de Pesquisa: Cultura Urbana e Modos de Vida Orientadora: Professora Doutora Luclia de Almeida Neves Delgado

    BELO HORIZONTE 2002

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    Aos meus pais, cara bno nesta minha existncia.

    AGRADECIMENTOS

    Minha gratido maior aos meus pais, Nominato e Maria Auxiliadora, sempre

    confiantes, disponveis e pacientes. Ele, fonte de inspirao para a pesquisa e

    documento vivo dessa histria ferroviria; ela, sbia conselheira e revisora do texto.

    Carinhosos agradecimentos ao Eduardo, companheiro e colaborador em todos os

    momentos. Agradecimentos especiais Luclia de Almeida Neves Delgado, pelo

    respeito e pela tica com que reveste e enobrece suas relaes pessoais e acadmicas.

    Meus agradecimentos a Jos Miguel Ferreira que habituado a guiar trens, auxiliou-me

    a conduzir este estudo, com interesse e bom humor, pelos trilhos das incertezas e das

    descobertas. Meu muito obrigada ao Flvio Francesconi, pela consultoria

    especializada e pelas imagens que melhor dimensionam as consideraes

    apresentadas. Meus reconhecimentos aos fotgrafos Marcelo Machado, Euler Pereira

    Bernardes, Realino Quintino e dson Gonalves, s Prefeituras de Sabar e de Betim

    e instituio Memria do Trem, pelas fotografias fornecidas. Minha gratido a

    Alexandre Magalhes, pelo acesso privilegiado aos antigos peridicos e fotografias

    sabarenses e ao ferrovirio Antnio Paulo Melo, sempre pronto para um bate-papo

    agradvel e elucidativo, comumente acompanhado da devida documentao histrica.

    Notveis agradecimentos Rede Ferroviria Federal S. A. - RFFSA e Companhia

    Brasileira de Trens Urbanos - CBTU pelo acesso s fontes necessrias e Pr-

    Reitoria e Ps-Graduao da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais e ao

    Tribunal de Contas de Minas Gerais pela concesso de bolsa parcial. E muito

    obrigada a todos aqueles que contriburam para a realizao desta pesquisa:

    coordenao, professores, funcionrios e colegas do Mestrado, ferrovirios, amantes

    da ferrovia, funcionrios das instituies consultadas e amigos. Guardo-os, todos, no

    meu corao.

  • 5

    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................ 1 1 CIDADANIA, TRANSPORTE E FERROVIA ............................................. 20 1.1 Direitos de cidadania e transporte .............................................................. 21 1.2 Cidadania e custo social dos transportes .................................................... 28

    2 SNTESE HISTRICA DAS FERROVIAS BRASILEIRAS ........................ 35 3 FERROVIAS DA REGIO DE BELO HORIZONTE .................................. 45 3.1 Estrada de Ferro Central do Brasil .............................................................. 46 3.2 Rede Mineira de Viao ............................................................................. 79

    4 REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A. ...................................................... 97 4.1 Rede Ferroviria Federal S.A. ..................................................................... 98 4.2 Superintendncia Regional Belo Horizonte ................................................. 109

    5 TRANSPORTE FERROVIRIO NA REGIO METROPOLITANA

    DE BELO HORIZONTE .............................................................................. 123 5.1 Breve histrico da Regio Metropolitana de Belo Horizonte ....................... 124 5.2 Transporte ferrovirio na Regio Metropolitana de Belo Horizonte ............ 128 6 TRANSPORTE FERROVIRIO SUBURBANO DE PASSAGEIROS

    NA REGIO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE ...................... 155 6.1 Uma nova concepo de transporte suburbano de passageiros. ................... 156 6.2 Novo sistema, velhos problemas ................................................................. 171 6.3 Usurios de trens de subrbio ..................................................................... 192 6.4 Trens de subrbio x Trem Metropolitano .................................................... 203 7 TRENS DE SUBRBIO DA SUPERINTENDNCIA REGIONAL

    BELO HORIZONTE DA REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A. NA REGIO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE ...................... 211

    7.1 Trens de subrbio Horto Florestal - Barreiro .............................................. 213 7.2 Trens de subrbio exclusivos para a Fbrica de Motores do Brasil............... 223 7.3 Trens de subrbio Belo Horizonte - Betim .................................................. 232 7.4 Trens de subrbio Belo Horizonte - Rio Acima ........................................... 256 8 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................ 284 9 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................... 291 10 ANEXOS .................................................................................................... 318 10.1 Apresentao dos entrevistados ................................................................. 319 10.1.1 Nominato Magalhes Guimares ............................................................. 319 10.1.2 Jos Miguel Ferreira .............................................................................. 320 10.2 Glossrio de termos ferrovirios ................................................................. 321

  • 6

    10.3. Conhecendo a programao de um trem de subrbio da Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. ............................................................................................. 325

    10.4 Modelos de bilhetes de viagem dos suburbanos da Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. na Regio Metropolitana de Belo Horizonte ......................... 333

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Momentos distintos da Histria Ferroviria do Brasil ..................... 43

    Figura 2 - Ponte na Linha do Centro da EFCB, sobre o Rio das

    Velhas, no municpio de Raposos ...................................................

    52

    Figura 3 - Estao de Rio Acima na Linha do Centro da EFCB ...................... 53

    Figura 4 - Ptio da estao de Raposos na Linha do Centro da EFCB ............ 54

    Figura 5 - Ptio da estao de Sabar na Linha do Centro da EFCB ............... 55

  • 7

    Figura 6 - Casa do agente da estao de General Carneiro no

    Ramal Frreo de Belo Horizonte ....................................................

    59

    Figura 7 - Estao de General Carneiro no entroncamento do

    Ramal Frreo de Belo Horizonte com a EFCB ...............................

    63

    Figura 8 - Esquema das linhas da EFCB em 31 de dezembro de 1958

    .............

    65

    Figura 9 - Estao de Minas, ponto inicial do Ramal Frreo

    de Belo Horizonte ..........................................................................

    67

    Figura 10 - Descarregamento de vages da FCA no ptio da Belgo-Mineira,

    em Sabar, no antigo Ramal de Santa Brbara da EFCB ................

    72

    Figura 11 - Anncios de estabelecimentos comerciais publicados em

    peridicos de Sabar ......................................................................

    74

    Figura 12 - Reclamao sobre a superlotao dos trens de passageiros

    da EFCB ........................................................................................

    75

    Figura 13 - Elogio EFCB .............................................................................. 77

    Figura 14 - Coluna Subrbio das 10 de peridico sabarense da

    dcada de 1940 ..............................................................................

    78

    Figura 15 - Esquema das linhas da RMV em 31 de dezembro de 1955 ............. 87

    Figura 16 - Esquema das linhas da Estrada de Ferro Bahia e Minas - 1954 ....... 88

    Figura 17 - Esquema das linhas da Estrada de Ferro Gois - 1954 .................... 89

    Figura 18 - Esquema da malha da Viao Frrea Centro Oeste - 1971 .............. 90

    Figura 19 - Trenzinho turstico da bitolinha em Tiradentes ............................... 91

    Figura 20 - Hospital Sanatrio Dom Bosco, da Sociedade Ferroviria .............. 95

    Figura 21 - Esquema das malhas ferrovirias das Superintendncias

    Regionais da RFFSA 1976 ...........................................................

    102

    Figura 22 - Esquema das linhas do Sistema Regional Centro

    da RFFSA - 1975 ...........................................................................

    110

    Figura 23 - Formao da RFFSA/SR-2 ............................................................ 112

    Figura 24 - Esquema das linhas da RFFSA/SR-2 .............................................. 113

    Figura 25 - Polgono Sete Lagoas-Costa Lacerda-Esperana-Barreiro

    -Betim, regio de trechos ferrovirios mais congestionados

    da RFFSA/SR-2 .............................................................................

    116

    Figura 26 - Organograma da gesto dos transportes na RMBH - 1984 ............. 127

  • 8

    Figura 27 - Vages de combustvel da Distribuidora ESSO Brasileira

    Petrleo S.A., no bairro So Paulo ................................................

    130

    Figura 28 - Desenho esquemtico das solues para a travessia da RMBH

    .......

    133

    Figura 29 - Soluo conjunta para o trfego de cargas e de massas na RMBH

    ..

    135

    Figura 30 - Proteo precria de passagem de nvel na RMBH ......................... 141

    Figura 31 - Passagens de nvel de Belo Horizonte protegidas por

    cancelas mecnicas e vigias ............................................................

    142

    Figura 32 - Viaduto construdo em Bernardo Monteiro para eliminar

    passagem de nvel no ptio da estao ............................................

    143

    Figura 33 - Passagem de nvel do Barreiro ....................................................... 144

    Figura 34 - Reclamao dirigida EFCB sobre acidente ocorrido em

    passagem de nvel ..........................................................................

    145

    Figura 35 - Campanha educativa promovida pela FCA para reduo

    de acidentes em passagens de nvel ................................................

    147

    Figura 36 - Carros de madeira do subrbio de Rio Acima na estao de

    Belo Horizonte ..............................................................................

    161

    Figura 37 - Composio suburbana do sistema de Rio Acima, com carros

    de ao carbono, na estao de Belo Horizonte ...............................

    162

    Figura 38

    -

    Desenho esquemtico do interior de carro de ao carbono

    usado nos subrbios Belo Horizonte - Betim, at a dcada

    de 1970 .........................................................................................

    167

    Figura 39 - Parada Marimbondo no trecho de circulao dos suburbanos

    Belo Horizonte - Rio Acima ...........................................................

    176

    Figura 40 - Parada de Caetano Furquim, no trecho de circulao

    dos -suburbanos Belo Horizonte - Rio Acima .................................

    177

    Figura 41 - Estao de Sabar da EFCB ......................................................... 178

    Figura 42 - Inaugurao da estao de Sabar da RFFSA/SR-2 ........................ 179

    Figura 43 - Estao de Sabar, da RFFSA/SR-2, com suas

    plataformas adequadas aos carros de ao carbono ..........................

    179

    Figura 44 - Parada Novo Eldorado no trecho de circulao dos

  • 9

    suburbanos Belo Horizonte - Betim ............................................... 180

    Figura 45 - Parada da Beatriz no trecho de circulao dos suburbanos

    Belo Horizonte - Betim ..................................................................

    181

    Figura 46 - Parada Fazenda Embiruu ou Parada do Ona no trecho

    de circulao dos suburbanos Belo Horizonte - Betim ....................

    181

    Figura 47 - Plataforma coberta da estao de Ferrugem, no trecho

    de circulao dos suburbanos Horto Florestal - Barreiro ................

    182

    Figura 48 - Roleta instalada na estao de General Carneiro ............................. 185

    Figura 49 - Projeto do metr subterrneo de Belo Horizonte proposto

    pelo prefeito Sousa Lima ...............................................................

    204

    Figura 50 - Projeto original do metr de superfcie da RMBH .......................... 208

    Figura 51 - Sistema Ferrovirio da RMBH ....................................................... 209

    Figura 52 - Esquema do trajeto dos suburbanos Horto Florestal - Barreiro ....... 213

    Figura 53 - Passagem subterrnea para passageiros localizada no ptio

    da estao de Ferrugem .................................................................

    218

    Figura 54 - Parada da Mannesmann no trecho de circulao dos

    subrbios Horto Florestal - Barreiro ..............................................

    219

    Figura 55

    -

    Carregamento de veculos rodovirios no ptio de Embiruu

    da RFFSA/SR-2 .............................................................................

    223

    Figura 56 - TEKSID, antiga Fbrica de Motores do Brasil ............................... 225

    Figura 57 - Parada Terespolis, local de embarque/desembarque dos

    operrios dos suburbanos exclusivos para a FMB ...........................

    228

    Figura 58 - Esquema do trajeto dos suburbanos da RFFSA/SR-2

    exclusivos para a FMB ...................................................................

    229

    Figura 59 - Estao de Betim da RMV ............................................................. 233

    Figura 60 - Vista area de Betim ...................................................................... 234

    Figura 61 - Composio suburbana de Betim da RFFSA/SR-2 tracionada

    por locomotiva eltrica ..................................................................

    237

    Figura 62 - Trem de subrbio de Betim, da RFFSA/SR-2, tracionado

    por locomotiva eltrica, em Bernardo Monteiro .............................

    237

    Figura 63 - Carro motor do subrbio de Betim da RFFSA/SR-2 ...................... 238

    Figura 64 - Esquema do trajeto dos suburbanos do sistema Belo

  • 10

    Horizonte - Betim .......................................................................... 239

    Figura 65 - Parada do SESI, no trecho de circulao dos suburbanos

    Belo Horizonte - Betim ..................................................................

    243

    Figura 66 - Bondinho da Ferrovia Morro Velho na estao de Raposos

    da EFCB ........................................................................................

    257

    Figura 67 - Bondinho da Ferrovia Morro Velho sobre o crrego

    Cardoso, antigo crrego Congonhas ..............................................

    258

    Figura 68 - Remodelao do ptio da estao de Raposos da RFFSA/SR-2 ...... 259

    Figura 69 - Trem de subrbio da RFFSA/SR-2, com carros de madeira,

    na estao de Rio Acima ................................................................

    260

    Figura 70 - Trem de subrbio da RFFSA/SR-2, com carros de ao, na estao

    de Rio Acima .................................................................................

    261

    Figura 71 - Esquema do trajeto dos suburbanos Belo Horizonte - Rio Acima ... 262

    Figura 72

    -

    Ferrovirio Jos Miguel Ferreira no local do acidente ocorrido

    em 3 de maro de 1981, com uma composio suburbana

    do sistema Belo Horizonte - Rio Acima .........................................

    266

    Figura 73 - Parada de Castro Brando, em Roas Grandes ............................... 267

    Figura 74 - Estao de Honrio Bicalho na primeira dcada do sculo XX

    .......

    268

    Figura 75 - Estao de Honrio Bicalho em 1994 ............................................ 269

    Figura 76 - Plataforma e escombros da estao de Honrio Bicalho ................. 269

    Figura 77 - Parada das Flores no trecho de circulao dos suburbanos

    Belo Horizonte - rio Acima ............................................................

    270

    Figura 78 - Charge alusiva superlotao dos nibus e ausncia dos

    trens de subrbio ...........................................................................

    281

    Figura 79 - Programao do Trem UEB-22 para 1984 ..................................... 326

    Figura 80 - Linha de Circulao do UEB-22, da RFFSA/SR-2 ......................... 327

    Figura 81 - Trecho de circulao do UEB-22, da RFFSA/SR-2 ........................ 328

    Figura 82 - Esquema das Regies da RFFSA/SR-2 - 1980 ............................... 329

    Figura 83 - Trens de passageiros da RFFSA/SR-2 planejados para 1991 .......... 330

    Figura 84 - Bilhetes de viagem usados nos suburbanos da RFFSA/SR-2

  • 11

    na RMBH ...................................................................................... 333

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Vantagens do modal ferrovirio sobre o rodovirio no

    atendimento demanda por deslocamentos coletivos .......................

    31

    Quadro 2 - Evoluo da primitiva Linha do Centro da EFCB ............................. 56

    Quadro 3 - Inaugurao das estaes da Linha do Paraopeba da EFCB ............. 66

    Quadro 4 - Ferrovias incorporadas RFFSA em 30 de setembro de 1957 .......... 99

    Quadro 5 - Sistemas Regionais e respectivas Divises da RFFSA em 15

    de novembro de 1969 ......................................................................

    101

    Quadro 6 - Superintendncias Regionais da RFFSA - 1976 ................................ 101

    Quadro 7 - Composio dos transportes da RFFSA em 1989 ............................. 106

    Quadro 8 - Extenso das linhas da RFFSA (1958-1981) .................................... 108

    Quadro 9 - Passagens de nvel da RMBH em trechos contemplados pelo

    projeto original do trem metropolitana de Belo Horizonte ................

    140

    Quadro 10 - Trens de passageiros regulares ou facultativos ................................. 158

    Quadro 11 - Evoluo do transporte de subrbio na RMBH (1964-1984) ............ 172

    Quadro 12 - Movimento dirio total de passageiros das estaes/paradas

    dos suburbanos Belo Horizonte - Rio Acima em dia til -

    Nov. 1988 .......................................................................................

    273

    Quadro 13 - Regies da RFFSA/SR-2 servidas por trens suburbanos - 1980 ........ 329

  • 12

    Quadro 14 - Orientaes para a condio de formao e ordem de partida

    dos trens da RFFSA/SR-2 ...............................................................

    329

    Quadro 15 - Prefixos das estaes da RFFSA/SR-2 que atenderam aos trens

    de subrbio ......................................................................................

    332

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Condies scio-econmicas dos usurios dos trens de subrbio

    da RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ...............................

    195

    Tabela 2 - Avaliao das condies dos servios dos trens de subrbio

    da RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ...............................

    197

    Tabela 3 - Avaliao das condies dos servios das estaes

    compreendidas nos trechos de percursos dos trens de subrbio da

    RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ....................................

    198

    Tabela 4 - Tempo mdio de espera nas estaes/paradas dos subrbios da

    RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ....................................

    199

    Tabela 5 - Estimativa de preos de passagens dos trens de subrbio da

    RFFSA/SR-2, na RMBH, feita pelos usurios em junho de 1986

    ......

    200

    Tabela 6 - Meios de transporte utilizados pelos usurios de trens de

    subrbio para os deslocamentos at as estaes e paradas de

    origem e aps as estaes e paradas de destino, em junho

    de 1986 ...........................................................................................

    201

    Tabela 7 - Comparao entre os custos das viagens de subrbio e de nibus

    para o trecho compreendido entre Belo Horizonte e Rio Acima

    - Set. 1996 ......................................................................................

    282

  • 13

    LISTA DE SIGLAS

    AMBEL - Assemblia Metropolitana

    ANTT - Agncia Nacional de Transporte Terrestre

    BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais

    CBTU - Companhia Brasileira de Trens Urbanos

    CBTU/STU-BH - Superintendncia de Trens Urbanos de Belo Horizonte da

    CBTU

    CBTU/STU-

    BH/DEMETR

    Diviso Especial de Transporte Ferrovirio Metropolitano

    de Belo Horizonte da CBTU/STU-BH

    CEFOM - Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas

    CVRD - Companhia Vale do Rio Doce

    DEMETR - Diviso Especial de Transporte Ferrovirio Metropolitano

    de Belo Horizonte

    DNEF - Departamento Nacional de Estradas de Ferro

    DNER - Departamento Nacional de Estradas e Rodagem

    EBTU - Empresa Brasileira de Transportes Urbanos

    EFCB - Estrada de Ferro Central do Brasil

    EFDPII - Estrada de Ferro Dom Pedro II

    EFOM - Estrada de Ferro Oeste de Minas

    EFVM - Estrada de Ferro Vitria e Minas

    ENFER - 1 Encontro Nacional Ferrovirio

    ENGEFER - Empresa de Engenharia Ferroviria

    FCA - Ferrovia Centro-Atlntica

    FEPASA - Ferrovia Paulista Sociedade Annima

    FJP - Fundao Joo Pinheiro

  • 14

    FMB - Fbrica de Motores do Brasil, atual TEKSID

    GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    MBR - Mineraes Brasileiras Reunidas

    Metrobel Companhia de Transportes Urbanos da Regio

    Metropolitana de Belo Horizonte

    METROREC - Consrcio do Trem Metropolitano do Recife

    Momti - Modelo Metropolitano de Transporte Integrado

    MOREL - Movimento para a Retirada das Linhas do Centro de Belo

    Horizonte

    PAI - Plano de Ao Imediata

    PDIES - Plano de Desenvolvimento Integrado Econmico e Social

    Petrobrs - Petrleo Brasileiro Sociedade Annima

    Plambel - Superintendncia de Desenvolvimento da Regio

    Metropolitana de Belo Horizonte

    PND - Plano Nacional de Desestatizao

    Preserve - Setor de Preservao da Histria Ferroviria

    RAE - Revista da Associao de Engenheiros da Estrada de Ferro

    Central do Brasil

    Regap - Refinaria Gabriel Passos

    RMBH - Regio Metropolitana de Belo Horizonte

    RMV - Rede Mineira de Viao

    RFFSA - Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima

    RFFSA/SR-1 - Superintendncia Regional Recife da RFFSA

    RFFSA/SR-2 - Superintendncia Regional Belo Horizonte da RFFSA

    RFFSA/SR-3 - Superintendncia Regional Rio de Janeiro transformada em

    S. R. Juiz de Fora da RFFSA

    RFFSA/SR-7 - Superintendncia Regional Salvador da RFFSA

    RFFSA/SR-8 - Superintendncia Regional Campos da RFFSA

    SENAI - Servio Nacional de Aprendizagem Industrial

    SLU - Superintendncia de Limpeza Urbana

    SRBH ou SR-2 - Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede

    Ferroviria Federal S. A.

  • 15

    SUDECAP - Superintendncia de Desenvolvimento da Capital

    VFCO - Viao Frrea Centro-Oeste

  • 16

    RESUMO

    Este estudo analisa a trajetria dos trens de subrbio da Regio Metropolitana de Belo

    Horizonte operados pela Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede

    Ferroviria Federal S.A., de 1976 a 1996, qualificando tais servios de transporte

    segundo suas caractersticas operacionais e alcance social. Estes suburbanos

    constituram quatro sistemas independentes: Horto Florestal - Barreiro, Belo

    Horizonte - Betim, Belo Horizonte - Rio Acima e o exclusivo para a Fbrica de

    Motores do Brasil, experincia nica da Regional na prestao de servios de

    transportes de funcionrios para uma empresa.

    Reflexes sobre a relao do transporte com os direitos de cidadania - civis, sociais e

    ecolgicos - e sobre a primazia da ferrovia no atendimento s necessidades de

    deslocamento em regies de aglomerados urbanos orientam e precedem as

    consideraes acerca da histria social dos subrbios. Percebidos como um captulo

    da histria ferroviria brasileira, os trens de subrbio da Grande BH refletem as

    concepes e diretrizes da poltica nacional de transportes para o setor ferrovirio que

    demarcaram os limites de atuao da Rede Ferroviria Federal S. A. e de sua

    Superintendncia Belo Horizonte, obrigadas a equilibrarem-se entre interesses

    cargueiros e a compulsria e decrescente prestao de servios aos passageiros.

    A antiga malha ferroviria da Grande BH, herdada da Estrada de Ferro Central do

    Brasil e da Rede Mineira de Viao, com a expanso da metrpole e da economia

    nacional, tornou-se um dos pontos crticos da Superintendncia Belo Horizonte. A

    crise de combustveis da dcada de 1970, valorizando o papel da ferrovia no

    transporte, e a metropolizao da regio conformaram uma nova realidade para o

    transporte suburbano de passageiros que assumiu o carter de transporte de massas.

    A fim de ampliar a capacidade de transporte dos suburbanos, a Regional Belo

    Horizonte modernizou seus sistemas adotando as composies com carros de ao

    carbono. Nestes carros, smbolos dessa fase da histria dos subrbios, os usurios,

    praticamente oriundos das classes populares, tiveram seu conforto preterido em prol

  • 17

    da elevao do nmero de passageiros. Apesar da demanda crescente resultante da

    implementao dos novos veculos, a administrao ferroviria no promoveu outras

    melhorias que reduziriam o nus da prestao de tais servios e os tornariam

    satisfatrios.

    A poltica de transporte suburbano de passageiros da Superintendncia Belo

    Horizonte, nascida sob a gide da incluso, encontrou no metr de superfcie um forte

    elemento de restrio. Esse moderno sistema de transporte de massas sobre trilhos

    significou a supresso de parcela considervel dos suburbanos da Superintendncia.

    Delineavam-se os contornos da excluso, pois o trem metropolitano, praticamente

    restrito aos limites da capital, exclura antigos usurios de subrbios de Contagem e

    de Betim.

    De forma definitiva, a excluso social se imps com o arrendamento da

    Superintendncia, em setembro de 1996, visto que o licenciamento exclusivo do

    trfego cargueiro para o concessionrio que assumiu a malha resultou na completa

    extino dos subrbios. As circunstncias que marcaram o encerramento das

    atividades dos suburbanos, privando a populao carente de Sabar, Raposos e Rio

    Acima do meio de transporte mais barato ento existente, tambm atestam a

    inobservncia de direitos de cidadania, especificamente, dos direitos dos

    consumidores dos servios prestados pela Rede Ferroviria Federal S. A.

  • 18

    INTRODUO

    O estudo dos transportes evidencia possibilidade mpar para se chegar ao

    entendimento de uma sociedade, pois permite avaliar-lhe, em parte, o estgio de

    desenvolvimento tecnolgico, a dinmica poltica, econmica e social, o grau de

    comprometimento com o equilbrio ambiental, a significao que atribui ao bem-estar

    social, sutilezas de sua cultura, de sua soberania e a extenso e efetividade de sua

    cidadania. Uma vez que a opo e a conformao da poltica de transportes - traduzida

    em programas e projetos - presta-se adequadamente a tais anlises, o exame da

    poltica de transporte de passageiros, mais diretamente do que a de transporte

    cargueiro, espelha e revela a sociedade que a concebe.

    Locomover-se em um espao continuamente ampliado e conglomerado tem sido parte

    do quotidiano de populaes urbanas e metropolitanas ao longo, sobretudo, das

    ltimas dcadas. Modal de transporte coletivo hoje desativado em quase todo o Brasil,

    os trens de subrbio j chegaram a exercer, em vrios contextos espacial e

    temporalmente situados, a primazia nesses servios de transporte. No caso da regio

    de Belo Horizonte, os trens suburbanos foram os primeiros meios de transporte que

    permitiram os deslocamentos populacionais dirios entre a capital mineira e suas

    adjacncias, ainda na primeira dcada do sculo XX. Atuando nos servios de

    transporte de passageiros, os suburbanos experimentaram administraes diversas, at

    a criao da Rede Ferroviria Federal S. A. - RFFSA, em 1957, que incorporou as

    ferrovias pblicas brasileiras e passou a operar parcela majoritria do trfego

    ferrovirio nacional. Reorganizaes administrativas da RFFSA resultaram na criao

    de Superintendncias Regionais, dentre as quais a de Belo Horizonte - SR-2,

    estabelecida em 1976.

    Este estudo tomou como objeto o transporte ferrovirio de passageiros realizado pelos

    trens de subrbio da Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede Ferroviria

    Federal S.A.- RFFSA/SR-2, na Regio Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH, no

    perodo de 1976 a 1996 que corresponde ao da atuao e existncia dessa

    Superintendncia. Agrupados em sistemas, os trens de subrbio da RFFSA/SR-2 na

  • 19

    Grande BH, em operao durante o perodo parcial ou integral de sua gesto foram: a)

    Sistema Belo Horizonte - Rio Acima; b) Sistema Belo Horizonte - Betim; c) Sistema

    Horto Florestal - Barreiro; d) Sistema exclusivo para Fbrica de Motores do Brasil -

    FMB, empresa do Grupo FIAT de Turim, localizada no municpio de Betim.

    O limite terminal do corte temporal estabelecido, de 1976 a 1996 - justificado em

    funo de sua correspondncia com o perodo de existncia da Superintendncia

    Regional Belo Horizonte - estabelece o marco inicial da atuao da Ferrovia Centro

    Atlntica - FCA, empresa arrendatria da Malha Centro-Leste da RFFSA que incluiu

    a malha ferroviria sob jurisdio da SR-2. A privatizao da RFFSA/SR-2, ocorrida

    em primeiro de setembro de 1996, significou a extino dos ltimos trens de subrbio

    da RMBH, visto o contrato de arrendamento licenciar somente o trfego cargueiro.

    Justificar a eleio deste objeto de pesquisa implica na considerao de uma srie de

    fatores, de naturezas vrias. Com base na bibliografia consultada, pode-se inferir que

    os trens de subrbio que serviram Regio Metropolitana de Belo Horizonte ainda

    no foram objeto de pesquisa especfica, fato que confere a esta iniciativa o carter de

    ineditismo. As obras de cunho histrico sobre a capital mineira, gerais ou diretamente

    voltadas para o transporte coletivo no dispensam maiores atenes ao transporte

    ferrovirio suburbano de passageiros. Em geral, bondes, nibus, trlebus, metr de

    superfcie e at mesmo os controvertidos projetos para implantao dos Veculos

    Leves sobre Trilhos e dos trlebus modernos que resultaram em infrutferas

    investigaes sobre malversao do dinheiro pblico so os modais de transporte

    coletivo pesquisados.

    Explicao plausvel para a ausncia dos trens de subrbio em tais estudos ou para a

    superficialidade de sua abordagem, quando existente, reside na sua inexpressiva

    relevncia para o belo-horizontino. Apesar da capital mineira ser atravessada pelas

    linhas ferrovirias - da Estrada de Ferro Central do Brasil - EFCB e da Rede Mineira

    de Viao - RMV, posteriormente encampadas pela Rede Ferroviria Federal S. A. -

    de contar com numerosas estaes e paradas em seu permetro urbano e de sua

    populao utilizar-se de tais servios de transporte coletivo em deslocamentos

    internos, a parcela quantitativamente significativa de seus usurios sempre foi

    representada pelos moradores das cidades vizinhas capital.

  • 20

    No obstante sua insero no espao urbano belo-horizontino, os trens de subrbio

    foram desconsiderados como modalidade de transporte urbano, pela sua reduzida

    participao no total de passageiros transportados. Se em 1949 os trens suburbanos

    respondiam por 0,32% do total de viagens na capital em relao aos demais modais de

    transporte (FJP, 1996:143), sua participao no transporte de passageiros das cidades

    adjacentes a Belo Horizonte era quase absoluta, dada a precariedade da pavimentao

    das rodovias. Gradativa e concomitantemente ao incremento do transporte rodovirio

    - coletivo e particular - os muncipes mais abastados das cidades que viriam a integrar

    a Grande BH abandonaram os suburbanos para as suas viagens intermunicipais

    dirias; aos poucos, os subrbios tiveram sua utilizao restrita, exclusivamente, s

    classes populares.

    A relevncia social da pesquisa perpassa pela do tema. O prognstico de um vereador

    sabarense, nos dias seguintes supresso dos ltimos trens de subrbio da Regio

    Metropolitana de Belo Horizonte, motiva e legitima a reconstruo desta histria:

    Daqui a pouco o povo esquece que tinha essa facilidade e acostuma a passar sem

    ela. (Hoje em Dia. 3 set. 1996. Cad. Minas). Como afazer-se a uma nova e carente

    realidade no implica na privao do resgate e da anlise crtica de sua histria, a

    contraposio de sucessivos antes e depois favorece a percepo da fragilidade, da

    transitoriedade e mesmo da continuidade dos agoras.

    A acentuao dos processos de pauperizao, de polarizao social, de excluso social

    e o agravamento das desigualdades regionais e sociais que se evidenciam na

    atualidade valorizam a compreenso do papel dos transportes na dinmica scio-

    econmica. A trajetria dos subrbios da RFFSA/SR-2 na RMBH interliga-se com

    um amplo leque de questes, pois transita pelos interesses - em menor ou maior grau -

    locais, regionais, nacionais e transnacionais, ora ressaltando-lhes os econmicos, os

    polticos, os sociais, os culturais e at os ambientais, sem negar-lhes a convergncia

    para o campo da cidadania. Afinal, o subrbio, meio de transporte secular da regio de

    Belo Horizonte, encarnou e refletiu as diferentes concepes de cidadania

    engendradas, compartilhadas e toleradas quer no micro scio-espao local, quer nos

    macros, nacional e transnacional.

  • 21

    Considera-se tambm que a construo da histria destes trens presta-se como ponto

    de partida para um estudo mais abrangente do transporte coletivo sobre trilhos da

    regio, visto que oferece alguns subsdios para uma anlise que os integre ao metr de

    superfcie, determinando-lhes as especificidades e divergncias e evidenciando-lhes a

    complementaridade. Consideraes iniciais neste sentido foram apresentadas, tendo

    em vista que ambos, componentes do quadro histrico, social, poltico, econmico e

    cultural da Grande BH, como modalidades de transporte coletivo que apresentam

    desempenho superior a quaisquer outros em regies de aglomerados urbanos e

    metropolitanos, com menor custo social para a sociedade e simbolizando a

    universalizao e primazia dos interesses coletivos sobre os particulares, necessitam

    entrar na pauta das discusses e reflexes acerca das urgncias do dia-a-dia da

    metrpole e das opes para o enfrentamento sustentvel de seus numerosos

    problemas, dos quais, indubitavelmente, destaca-se o do trnsito. Percebidos e

    analisados sob os pontos de vista de vrias reas do conhecimento humano, essas

    modalidades de transporte sob trilhos tendem a se valorizar e oxal, a protagonizar

    mais do que meros estudos, transcendendo os limites da abstrao para deixar o papel

    de dbeis coadjuvantes na realidade quotidiana dos deslocamentos de massa.

    Menos uma justificativa que conseqncia da pesquisa, a denncia do estado de

    degradao do patrimnio ferrovirio torna-se evidente atravs da contemplao e da

    comparao das fotografias antigas e atuais dos equipamentos ferrovirios que

    atendiam aos servios dos suburbanos em questo. Revelar o descaso das polticas

    ferrovirias e da atuao de seus respectivos rgos na preservao e na administrao

    desse patrimnio, mediante anlises objetivas, no foi proposta desta pesquisa;

    todavia, as imagens que retratam o presente e confrontam-no com o passado deixam

    entrever, inexoravelmente, tal revelao.

    Corroborando as consideraes que tm por fim demonstrar as legtimas razes dessa

    pesquisa, a urgncia em viabilizar este estudo constituiu estmulo adicional. As

    incertezas que envolvem o processo de liqidao da RFFSA, ainda em andamento,

    envolvem numa aura de mistrio o destino reservado Unidade de Documentao da

    Superintendncia Regional Belo Horizonte. A julgar pela conseqncia imediata do

    arrendamento para estes arquivos documentais - fechamento ao pblico devido

    demisso de seus funcionrios ocorrida no primeiro dia de gesto da FCA - temia-se

  • 22

    que o acesso aos documentos necessrios reconstruo da histria dos suburbanos

    fosse dificultado ou inviabilizado dada a morosidade que habitualmente caracteriza

    muitas decises sobre o patrimnio pblico. Cabe ressaltar que apesar das condies

    adversas e da ausncia de propsitos definidos para a conservao, organizao e

    controle do acervo, mediante autorizao do Setor de Patrimnio da RFFSA, foi-me

    facultado o acesso Unidade de Documentao, que visitei de 1999 a 2001.

    Finalmente, cabe apontar um interesse pessoal a motivar a realizao da pesquisa e a

    revesti-la de um prazer especial: filha do engenheiro ferrovirio Nominato Magalhes

    Guimares, responsvel durante cerca de trinta anos pela conservao da via

    permanente dos trechos em que circularam os trens de subrbio da Grande BH, residi

    durante a infncia em um ptio de estao - em Sabar - numa poca em que os trens

    de subrbio faziam-se presentes na vida de, praticamente, toda a sociedade daquele

    municpio. Recuperar e organizar parte da memria destes trens reconstruir parcela

    de uma histria que me familiar, alm de uma cara oportunidade de homenagear

    classe ferroviria, digna do apreo e de reconhecimento pelo sculo de servios

    prestados no transporte de passageiros na regio da capital mineira.

    Objetivo geral desta pesquisa foi efetuar uma sntese histrica do transporte de

    passageiros na Grande BH realizado pelos trens de subrbio da RFFSA/SR-2,

    buscando qualific-lo segundo suas especificidades operacionais e seu alcance social.

    Demonstrar a relevncia desses servios como a primeira modalidade de transporte

    coletivo a estabelecer a ligao da capital mineira com suas cidades adjacentes,

    permanecendo, por dcadas, como alternativa prioritria para os deslocamentos nesse

    scio-espao, tambm constituiu objetivo da pesquisa, visto seu carter subsidirio

    para a percepo das transformaes ocorridas nos meios ferrovirio, social e urbano,

    que imprimiram caractersticas prprias aos transporte suburbano de passageiros a

    cargo da Superintendncia Regional Belo Horizonte da RFFSA. Apreciar o contexto

    histrico da implantao da SR-2 - nacional e regional - marcado pela crise de

    combustveis, pela acentuao e confirmao do processo de metropolizao da

    capital mineira e pelo incremento do transporte rodovirio intermunicipal, tambm foi

    meta perseguida por este estudo, por favorecer a compreenso do compromisso

    assumido pela RFFSA/SR-2 na prestao dos servios de transporte suburbano.

    Traar um perfil dos usurios de subrbios da SR-2 na RMBH, dimensionar

  • 23

    qualitativamente as condies que permearam a prestao de tais servios e avaliar a

    extenso e as implicaes do decrescente compromisso social com a manuteno dos

    trens suburbanos igualmente foram propostas da pesquisa.

    A anlise, certamente parcial, da produo acadmica, histrica e literria sobre Belo

    Horizonte evidenciou o alheamento dos suburbanos como foco particular de

    pesquisas, mas permitiu o levantamento de dados que assumiram carter

    complementar face documentao considerada prioritria para a pesquisa, oriunda

    da prpria RFFSA/SR-2. O centenrio da capital, comemorado em 1997, foi ocasio

    para a publicao de vrias obras histricas sobre a cidade dedicadas a diferentes

    aspectos de sua trajetria. A Fundao Joo Pinheiro - FJP, atravs de seu Centro de

    Estudos Histricos e Culturais editou a Coleo Centenrio, com histrias setoriais do

    sculo belo-horizontino e reeditou outras obras reconhecidamente significativas sobre

    a memria desse sujeito municipal; destas, algumas tornaram-se referncias

    constantes para esta pesquisa.

    Omnibus: uma histria dos transportes coletivos em Belo Horizonte (FJP: 1996)

    descreve os processos de formao e desenvolvimento do transporte de passageiros na

    cidade, assim como a extino de algumas de suas modalidades, interligando,

    coerentemente, a histria dos transporte com a da prpria evoluo urbana. Tendo

    como delimitao espacial de seu objeto de anlise o municpio de Belo Horizonte,

    Omnibus relata a histria dos transportes coletivos segundo eixos investigativos

    determinados: a ao do Poder Pblico, a participao popular e a eleio dos bondes

    e nibus como modais principais. Em consonncia com tais propostas de enfoque,

    so abordadas tambm outras tipologias, como o trem suburbano, o trlebus e o

    metr, que apesar do inegvel significado como experincias e potencialidades que

    encerram, respondem a nmeros menos expressivos. (1996:22).

    E, dessas modalidades secundrias, a mais supercificialmente tratada a dos trens de

    subrbio, com breves e espordicas consideraes que, contudo, mostram-se

    relevantes diante do enxuto universo de estudos que abordam o tema.

    Especificamente, informaes sobre os primrdios dos trens de subrbio do sistema

    Horto Florestal - Barreiro avultam como as de maior relevncia no conjunto de

    subsdios colhidos daquela obra. Contribuio tambm proveio da bibliografia

    utilizada na pesquisa que resultou na elaborao do referido livro, que devidamente

  • 24

    indicada e parcialmente consultada, forneceu uma viso panormica do

    desenvolvimento dos transportes e da urbanizao e metropolizao da regio em

    questo.

    Notas Cronolgicas de Belo Horizonte - 1711-1930, de Otvio Penna, obra editada

    em 1950 e reeditada pela FJP em 1977, apresenta uma coletnea, cronologicamente

    ordenada, de fatos importantes da histria da cidade. Informaes sobre os primeiros

    tempos da ferrovia em Belo Horizonte - construo, primeiras estaes, paradas,

    viagens, acidentes, etc. - e, notadamente, a preciso da circulao dos primeiros

    suburbanos que serviram capital revelaram-se contribuies preciosas.

    Belo Horizonte: Memria Histrica e Descritiva - Histria Mdia, de Ablio Barreto,

    obra tambm reeditada pela Fundao Joo Pinheiro, em 1966, referncia obrigatria

    sobre o passado belo-horizontino, com riqueza de pormenores trata da construo do

    Ramal Frreo de Belo Horizonte pela Comisso Construtora da capital mineira. Nesse

    trecho ferrovirio, posteriormente adquirido pela Estrada de Ferro Central do Brasil,

    circularam, parcialmente, dois dos sistemas de subrbio tratados: Belo Horizonte -

    Rio Acima e Horto Florestal - Barreiro.

    A bibliografia acadmica voltada para a rea dos transportes urbano e metropolitano

    de Belo Horizonte, produzida para cursos de Arquitetura, Direito, Histria, Sociologia

    e Cincia Poltica, tambm elegem como foco de estudo os bondes, os nibus e o

    metr de superfcie, dada a sua maior participao no transporte coletivo. Ateno

    dispensada s formas, caractersticas e evoluo das gestes pblicas e/ou privadas

    desses modais de transporte, sendo adequadas tais abordagens s diferenas que

    conferem individualidade e identidade a cada rea de estudo.

    Dentre as produes acadmicas - mineiras ou no - duas destacam-se como

    referncias diretas para esta pesquisa: a dissertao O Trem da Opresso - Estado e

    Conflito Social na Grande So Paulo, de Ana Amlia da Silva, apresentada ao

    Departamento de Cincias Sociais da Universidade de So Paulo, em 1982, e O metr

    de Belo Horizonte: estudos e consideraes, monografia de Flvia Regina Lovalglio,

    monografia apresentada ao curso de especializao em Urbanismo da Escola de

    Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1990. A primeira, tratando

    especificamente dos trens suburbanos da Regio Metropolitana de So Paulo sob a

  • 25

    tica de sua percepo pelas classes trabalhadoras e usurias, configurou-se como

    referencial de abordagem, ainda que espacialmente diferenciada. Parmetro para a

    constatao das semelhanas e dissociaes entre os suburbanos mineiros e paulistas,

    sugeriu procedimentos metodolgicos, ainda que desconsiderados. O estudo de

    LOVAGLIO, dedicado anlise dos impactos do trem metropolitano, apresenta um

    sucinto histrico do transporte urbano, com informaes gerais e breves sobre os trens

    de subrbio da regio da capital mineira. Uma informao imprecisa e no

    fundamentada sobre a existncia de um convnio entre a RFFSA e a FIAT, para a

    prestao de servios de transporte de operrios da empresa automobilstica foi o

    ponto de partida para investigaes que resultaram na identificao do sistema de

    subrbios exclusivos para a FMB.

    Diversas obras sobre ferrovias foram consultadas para o levantamento de informaes

    sobre os subrbios da RFFSA/SR-2, todavia, nenhuma dedicada exclusivamente ao

    assunto. Estudos histricos e tcnicos sobre as trajetrias das antigas EFCB, Estrada

    de Ferro Oeste de Minas - EFOM e RMV e sobre a RFFSA, eventualmente

    disponibilizam breves dados sobre o objeto de estudo, apesar de satisfatrios no

    atendimento aos objetivos que os determinaram, tambm relevantes para esta

    pesquisa, uma vez que contextualizam a operao dos trens de subrbios. Anlises

    crticas sobre a natureza, a viabilidade, a eficincia e a poltica dos transportes

    ferrovirios igualmente colaboram na composio do quadro operacional dos

    suburbanos. Dentre as numerosas produes analisadas, avultam A Eficincia das

    Ferrovias no Transporte Metropolitano, de Klaus Jrgen Juhnke, (1968), fornecendo

    bases essenciais para o entendimento do papel da ferrovia no transporte de massas em

    aglomerados populacionais e analisando as condies timas para seu desempenho; e

    O papel da ferrovia na poltica nacional de transportes - Proposta dos ferrovirios

    para solucionar os problemas da ferrovia, documento produzido pelo Primeiro

    Encontro Nacional Ferrovirio - ENFER (1991), segundo princpios de gesto

    democrtica e de excelncia empresarial que, se anacrnico face aos rumos privatistas

    que ento anunciavam-se para a setor ferrovirio nacional, prima pela fundamentao

    da anlise do sentido social da ferrovia.

    Estudos tcnicos que subsidiaram e determinaram a implantao do metr de

    superfcie de Belo Horizonte, produzidos pela Empresa Brasileira de Planejamento de

  • 26

    Transportes - GEIPOT, subordinada ao Ministrio dos Transportes, em verses

    preliminares e definitivas, retratam o quadro operacional dos suburbanos da

    RFFSA/SR-2, ao fim da dcada de 1970 e incio da seguinte. As demandas geradas

    pela implantao do metropolitano resultaram na produo de restrita documentao

    especfica sobre os trens de subrbio pela SR-2, visando exclusiva soluo dos

    problemas inter-institucionais e operacionais causados pelas obras de vulto na malha

    ferroviria inscrita no permetro urbano da capital. Cabe mencionar que o metr de

    superfcie inicialmente foi concebido como um moderno trem de subrbio, razo pela

    qual muitos destes estudos assumem o carter de anteprojetos do metropolitano,

    desconsiderando, em boa parte, os tradicionais suburbanos.

    A metodologia utilizada na pesquisa consistiu, praticamente, na de tipo qualitativo:

    pesquisa histrica documental escrita, cartogrfica e iconogrfica e constituio de

    documentao atravs da tcnica de Histria Oral - via realizao de entrevistas

    temticas - e atravs da realizao de fotografias atualizadas sobre o tema.

    A pesquisa documental escrita, cartogrfica e iconogrfica buscou fontes primrias e

    secundrias, recorrendo s bibliotecas, arquivos e unidades de documentao dos

    rgos pblicos direta ou indiretamente relacionados ao objeto em questo: RFFSA,

    Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, Fundao Joo Pinheiro, Arquivo

    Pblico Mineiro, Arquivo da Cidade de Belo Horizonte, Museu Ablio Barreto,

    Ncleo de Comunicao da Prefeitura de Sabar, Casa de Cultura de Betim, jornais

    Estado de Minas e Hoje em Dia, principalmente. Ademais, colaborao significativa

    proveio de arquivos pessoais de ferrovirios, gentilmente disponibilizados para a

    pesquisa.

    O cerne da bibliografia utilizada provm da prpria RFFSA/SR-2, compreendendo

    seu material de uso interno, de carter tcnico, administrativo e operacional. A

    limitao temporal da pesquisa decorre, principalmente, da disponibilidade das fontes,

    uma vez que a poltica e a metodologia para a preservao e a organizao do material

    produzido pela RFFSA variou em conformidade com suas alteraes organizacionais

    e administrativas. O arquivamento e o ordenamento reservado aos relatrios, estudos,

    ofcios, memorandos, cartas, atas de reunies e toda espcie de documento produzido

    pela SR-2 propicia consultas, uma vez que o rigor e o mtodo estabeleceram padres

    no encontrados para outros perodos da administrao ferroviria. H que se

  • 27

    considerar tambm que a SR-2 foi a ltima representante da estrutura administrativa

    da RFFSA na regio, sendo sua documentao, portanto, no somente a mais recente,

    como a mais volumosa, dadas as facilidades tecnolgicas grficas no encontradas em

    perodos anteriores. As principais fontes documentais desta Superintendncia

    utilizadas na pesquisa sobre os suburbanos da RMBH foram seus Planos ou

    Programaes de Transporte e suas Cartas.

    Na Unidade de Documentao da SR-2 foram localizados os Planos de Transporte

    correspondentes aos anos de 1976 a 1986 e de 1988 a 1992, ou seja, do perodo

    proposto para anlise, apenas cinco anos no contam com o subsdio de tal

    documentao. Todavia, para praticamente todos os anos faltosos, pode-se contar com

    outras fontes que indicam, parcial ou totalmente, os trens em circulao. Assim, para

    1987, relevante por tratar-se do ano da desativao do sistema suburbano de Betim,

    disps-se de ampla documentao oriunda da CBTU, que propiciou o conhecimento

    do processo de supresso desse sistema. 1994 contemplado com um ofcio do Setor

    de Comunicao Social da RFFSA/SR-2, que informa a oferta de suburbanos1,

    mantida sem alteraes at a completa extino desta modalidade de transporte de

    passageiros, em 1996.

    Os Planos de Transporte que eventualmente apresentam-se com a denominao

    Programaes de Transporte contm, para boa parte do perodo analisado, os

    documentos Horrios de Trens de Passageiros, que por sua vez, incluem o Horrio

    de Trens do Interior. Os trens de subrbio programados eram discriminados

    juntamente com os trens de passageiros do interior. Estes Planos, previamente

    elaborados, visavam definio e organizao do trfego de trens, sendo preparados

    com antecedncia, varivel de ano para ano. Como fontes principais para identificar

    cada trem de subrbio - trecho percorrido, horrio, tempo de percurso e de parada, etc.

    - mostram-se suficientemente completos, por discriminarem detalhadamente todas as

    informaes sobre cada trem e permitirem, no seu conjunto, compor a

    evoluo/involuo (oferta) de cada sistema de trens.

    1 Para o ano de 1994, dispe-se tambm de DINIZ, 4h da manh, Z Marmita pega o trem. Estado de Minas. Belo Horizonte: 10 abr. 1994, Cidades, p. 38., matria abrangente e sensvel que contemplou o quotidiano nos subrbios de Rio Acima.

  • 28

    Todavia, dada a peculiaridade fundamental de ser o Plano uma previso dos servios,

    o recurso tcnica de cruzamento de fontes mostrou-se potencialmente rico e

    necessrio. Alteraes decorrentes de acontecimentos impossveis de serem previstos,

    mas de fato registrados ao longo do ano - enchentes do Ribeiro Arrudas ou do Rio

    das Velhas, quedas de barreira provocadas pelas chuvas que causavam obstruo na

    via permanente, a imobilizao do material rodante ocasionado por avarias ou

    acidentes, reparos nas linhas que exigissem a interrupo do trfego, obras infra-

    estruturais executadas pelos Municpios, Estados ou pela Unio em trechos de

    confluncia da ferrovia com a estrutura viria rodoviria, etc. - ou fatos j previstos

    mas ocorridos durante o correr do ano, como o fechamento temporrio ou definitivo

    de alguma estao ou o cancelamento provisrio ou irreversvel de alguma parada

    para a execuo de obras, para atender solicitaes das comunidades e mesmo para

    satisfazer s necessidades operacionais da Superintendncia Regional Belo Horizonte

    - determinaram alteraes na circulao dos trens.

    Localizar fontes complementares que dessem conta desse quotidiano de duas dcadas,

    mostrou-se, obviamente, invivel. Contudo, vestgios dessa documentao foram

    passveis de localizao, mostrando-se de especial relevncia a correspondncia diria

    do Superintendente Regional da SR-2, arquivada como Cartas da SR-2. Sua

    relevncia explica-se por retratar o dia-a-dia dos subrbios e das operaes

    ferrovirias em seus trechos de circulao. Informaes sobre os recorrentes pedidos

    de ampliao dos servios dos suburbanos, sobre os problemas decorrentes das

    dezenas de passagens de nvel na RMBH, sobre as iniciativas da Superintendncia

    para minimizar os problemas relativos ao transporte de passageiros, dentre outras,

    foram fartamente oferecidas pelas Cartas. Ademais, foi possvel localizar, dentre tais

    fontes, atas de reunio, contratos e/ou suas minutas que atestam as relaes da

    RFFSA/SR-2 com outras instituies, mostrando-se significativos para este estudo os

    infrutferos entendimentos com a FIAT para a prestao de servios de transporte de

    operrios e a minuta do acordo celebrado com a empresa Fbrica de Motores do

    Brasil - FMB2, que resultou na criao dos trens suburbanos para os seus

    funcionrios; igualmente pertinente, a resciso do referido contrato foi identificada

    dentre tal documentao. Enfim, as Cartas complementam os Planos: se estes

    2 A FMB subordinada ao grupo FIAT da cidade italiana de Turim e no, FIAT brasileira, de Betim.

  • 29

    informam quem eram os sujeitos histricos - os trens de subrbio - aquelas relatam

    muitos acontecimentos relacionados com a sua histria. Lamentavelmente, tais fontes

    restringem-se ao perodo de 1976 a 1985.

    O confronto de informaes mostrou-se produtivo tambm para a verificao de

    informaes constantes nos Planos de Transporte, no que se refere composio dos

    suburbanos. Os Planos atestavam a introduo dos carros de ao inoxidvel,

    primeiramente nas composies do sistema de trens de subrbio Belo Horizonte -

    Betim. O recurso a fontes complementares como as Resenhas e Noticirios

    semanais/mensais da RFFSA e da SR-2, comprovam a introduo de tais carros no

    sistema de subrbios Belo Horizonte - Rio Acima no ano de 1978 e, posteriormente,

    no ano de 1979, sua adoo nos suburbanos que cobriam o trecho de Betim. Tambm,

    neste caso, evidencia-se a supremacia e a confiabilidade da informao produzida a

    posteriori, dando conta do fato acontecido.

    No obstante tais escorreges na confiabilidade dos documentos considerados

    prioritrios para a pesquisa, h que se considerar que, elaborados anualmente, os

    Planos, ao determinarem os trens que seriam postos em circulao - estabelecendo-

    lhes horrio, percurso, paradas, etc. - levavam em conta a avaliao do trfego do ano

    imediatamente anterior. No h porque no conceder-lhes crdito uma vez que no

    so meras cpias dos Planos dos anos imediatamente anteriores. Equvocos como o

    do destino inicial dos novos carros de ao justificam-se pela dependncia da chegada

    Regional de tal material e de avaliaes processuais de sua melhor utilizao. Uma

    vez que informaes contidas nestes documentos foram passveis de confirmao pela

    tcnica de cruzamento de fontes e que o essencial sobre os diferentes sistemas e trens

    suburbanos encontra-se neles contemplado, justifica-se sua posio superior na

    hierarquia dos documentos considerados.

    O recurso aos peridicos sabarenses - dos anos finais do sculo XIX e iniciais do XX

    e da primeira metade da dcada de 1940 - para a construo de parcela significativa da

    dissertao, referente Estrada de Ferro Central do Brasil e aos trens suburbanos

    especificamente, explica-se pela acessibilidade encontrada, facilitada pelas relaes

    pessoais e familiares existentes. Sendo Sabar a primeira cidade a beneficiar-se dos

  • 30

    servios dos trens de subrbio para os deslocamentos at a capital mineira e a ltima a

    ver-se deles privada - juntamente com Raposos e Rio Acima - e o fato desta cidade ter

    acolhido uma das residncias ferrovirias mais importantes da EFCB e depois da

    RFFSA, retratar pensamentos e sentimentos de sua populao, colhidos nesses jornais,

    d em boa medida a dimenso do espao ocupado pela ferrovia e pelos trens no

    imaginrio social desses muncipes. A existncia de uma coluna intitulada Subrbio

    das Dez no peridico sabarense Kaquende, publicado nos anos quarenta,

    emblemtica para a percepo do papel destes trens no quotidiano da populao em

    pocas anteriores criao da SR-2, e mesmo, da RFFSA. Poesias, anedotas, relatos,

    reclamaes, elogios e mesmo anncios comerciais encontrados nestes jornais

    dispensam atenes ferrovia e ao transporte suburbano, colaborando na construo

    dessa histria composta por muitas memrias, quer individuais, quer coletivas.

    Grande parte das fotografias apresentadas foram produzidas para esta dissertao,

    sendo portanto, relativamente recentes. Todos os trechos em que circularam os

    suburbanos em questo tiveram seus equipamentos - estaes, paradas, residncias

    ferrovirias - registrados de 1994 a 2001 e algumas destas imagens so utilizadas para

    melhor dimensionar as consideraes tratadas. Porm, h vrias preciosidades que

    enriquecem esta histria e que, por si mesmas, transmitem mensagens que em muito

    superam as limitaes da escrita. o caso da evoluo/involuo da estao de

    Honrio Bicalho, no trecho de circulao dos suburbanos de Rio Acima; pelas

    fotografias de 1908, 1994 e 1999 infere-se a histria do transporte ferrovirio de

    passageiros na RMBH.3 Tambm, imagens de estaes j desaparecidas, substitudas

    ou no por novos edifcios - Ferrugem, Sabar, General Carneiro, Estao de Minas -

    retratam com exatido pocas passadas, permitindo o conhecimento de uma outra

    realidade, deslocada no tempo e transmutada em um espao conhecido, mas virgem

    de muitas marcas que lhe conferem reconhecimento na atualidade.

    Grata surpresa desta pesquisa foi a identificao do primeiro alicerce de casa de

    moradia levantado pela Comisso Construtura de Belo Horizonte: o da residncia do

    3 Apesar da circulao dos suburbanos da EFCB iniciar-se em 1909, compreendendo apenas o trecho entre Sabar e Belo Horizonte, a imagem que retrata a movimentao da estao de Honrio Bicalho em 1908, se no corresponde ao frenesi dos subrbios, evidencia a movimentao tpica das estaes poca, pois trens cargueiros e de passageiros de longo e mdio percursos tinham paradas programadas no local.

  • 31

    agente da Estao do Entroncamento ou Estao de General Carneiro, do Ramal

    Frreo de Belo Horizonte (PENNA, 1997: 37). Confrontando a imagem deste imvel

    que integra a obra de Ablio Barreto, Belo Horizonte: Memria Histrica e Descritiva

    - Histria Mdia (1996: 364) com fotografias recentes realizadas para esta pesquisa e

    com o referido local, foi possvel a confirmao de que trata-se do mesmo imvel,

    recentemente restaurado e em timo estado de conservao. Situado no bairro de

    General Carneiro, no municpio de Sabar, sua relevncia histrica era desconhecida

    pela Secretaria Municipal de Esporte, Lazer, Cultura e Turismo da referida cidade.

    Comunicado sobre a oportuna descoberta, aquele rgo municipal prepara-se para

    dar-lhe finalidade social diversa da que atualmente apresenta, desalojando um Posto

    da Poltica Militar ali instalado para nele abrigar uma biblioteca pblica.

    oralidade recorreu-se com vistas a suprir, complementar e confirmar dados obtidos

    por via documental escrita. A constituio de documentao oral, atravs da

    realizao de entrevistas temticas com dois ferrovirios que utilizaram-se dos

    suburbanos como usurios e que exerceram suas atividades funcionais direta ou

    indiretamente ligadas ao transporte ferrovirio suburbano na Grande BH - um

    engenheiro ferrovirio e um

    maquinista - favoreceu o afloramento de sutilezas que somente a mais viva

    humanizao confere s fontes. As memrias do engenheiro Nominato Magalhes

    Guimares, revestidas de um carter panormico e tcnico quanto ao transporte

    ferrovirio na RMBH, associadas aos depoimentos do maquinista Jos Miguel

    Ferreira,

    condutor de subrbios e ntimo de seus quotidianos - quer operacionais, quer sociais -

    aproximam-se de uma relativa completude - guardadas as devidas ressalvas,

    quantitativas e qualitativas - da vivncia profissional ferroviria na prestao desses

    servios de transporte de passageiros.

    A metodologia quantitativa assumiu maior expresso para a composio do perfil dos

    usurios dos suburbanos da SR-2, na Grande BH, e para a avaliao da qualidade dos

    servios desses trens, sendo utilizados dados provenientes de pesquisas realizadas por

    instituies gestoras do transporte coletivo na RMBH.

  • 32

    O encadeamento dos captulos da dissertao orientou-se pela eleio de um enfoque

    com caractersticas dedutivas e estruturalistas que aproxima, contnua e

    progressivamente, o objeto de estudo contextualizando-o, inicialmente, no mbito

    global das reflexes de carter filosfico para, a partir de ento, estreitar o foco scio-

    histrico, em suas dimenses temporal e espacial. Ao final, pretende-se o

    estabelecimento de elos entre o objeto tratado e o campo das idias que o precedeu e

    norteou-lhe a abordagem.

    O captulo 1, CIDADANIA, TRANSPORTE E FERROVIA, trata da pertinncia e da

    necessidade de defesa do direito ao transporte sob a tica do Direito Filosfico e da

    Filosofia das Cincias Polticas, face aos movimentos de ampliao de bens e de

    sujeitos de direito a serem assegurados por vias constitucionais no mundo

    contemporneo. Aproximando T. H. Marshall, Cidadania, classe social e status

    (1967) e Norberto Bobbio, A Era dos Direitos (1992), busca-se fundamentos para o

    tratamento da cidadania no tocante ao direito ao transporte, atualizando-se a discusso

    com o recurso atual Constituio da Repblica Federativa do Brasil (2001).

    Pondera-se as vantagens da ferrovia na satisfao das urgncias do transporte de

    massas em regies de aglomerao urbana e metropolitana, relacionando tais

    reflexes com a efetividade da cidadania. Tais consideraes tm a finalidade de

    balizar as reflexes e os relatos dos prximos captulos, propiciando a percepo das

    diversas dimenses do significado dos trens de subrbio da RFFSA/SR-2 para a

    populao da RMBH.

    O captulo 2, SNTESE HISTRICA DAS FERROVIAS BRASILEIRAS, atravs da

    periodizao proposta para essa histria favorece a identificao das permanncias e

    descontinuidades das diretrizes e das polticas ferrovirias nacionais, assim como

    permite divisar suas implicaes sobre o objeto de pesquisa eleito, os trens de

    subrbio da RFFSA/SR-2, na Grande BH, alguns to antigos que figuram como parte

    dessa histria totalizante que abarca cerca de um sculo e meio.

    O captulo 3, FERROVIAS DA REGIO DE BELO HORIZONTE resgata a histria

    das ferrovias que serviram capital mineira e adjacncias e participaram de seu

    desenvolvimento. Acompanhando as transformaes institucionais e operacionais

    pelas quais passaram a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Rede Mineira de Viao

    e valorizando a trajetria de tais ferrovias no contexto histrico, espacial e social

  • 33

    proposto para anlise, chega-se a um panorama das condies dos servios prestados

    pela RFFSA/SR-2 no transporte suburbano de passageiros na RMBH, visto serem trs

    dos quatro sistemas de subrbios enfocados herdados destas antigas ferrovias.

    A REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A. merece um captulo a parte por ser o

    marco macro-institucional que abrigou a Superintendncia Regional Belo Horizonte,

    rgo gestor dos trens de subrbio em questo. Suas diretrizes para a poltica de

    transportes ferrovirios, suas competncias, seus projetos e problemas estabeleceram

    os limites de ao da SR-2, nos quais circunscreveu-se a operao dos trens

    suburbanos.

    O captulo 5, O TRANSPORTE FERROVIRIO NA REGIO METROPOLITANA

    DE BELO HORIZONTE, apresenta um breve histrico da institucionalizao da

    Grande BH, como resposta s necessidades polticas e administrativas de uma

    realidade que transpunha os contornos urbanos. Situa-se rapidamente a relao do

    transporte coletivo - rodovirio e ferrovirio - no mbito da gesto metropolitana e

    trata-se da inter-relao ferrovia/metrpole, em seus processos de expanso, dando-se

    nfase s especificidades da ferrovia e de seu trfego - cargueiro e de passageiros -

    nesse espao metropolitano.

    A contextualizao dos trens de subrbio da RFFSA/SR-2 adensa-se no captulo 6,

    TRANSPORTE FERROVIRIO SUBURBANO DE PASSAGEIROS NA REGIO

    METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE, no qual busca-se identificar

    particularidades desses servios. Alm da aproximao de uma definio de trem de

    subrbio, trabalha-se a idia de que os suburbanos da RFFSA/SR-2 simbolizaram,

    inicialmente, uma nova concepo de transporte de massas por ferrovia, necessria e

    adequada aos imperativos da realidade scio-histrica da segunda metade da dcada

    de 1970, momento de enfrentamento das conseqncias da exploso populacional da

    metrpole e da crise mundial de combustveis.

    Esclarecimento metodolgico faz-se mister para os procedimentos que

    fundamentaram a abordagem dada caracterstica do perodo de instalao da

    RFFSA/SR-2, que engendrou uma nova concepo de transportes de passageiros: o de

    massas. Privilegiou-se a institucionalizao da RMBH como evidncia para o

  • 34

    processo de metropolizao que acompanhou o de industrializao iniciado e

    intensificado a partir da dcada de 1950 e que encontrou na formao de um

    aglomerado metropolitano a sua maior expresso. O crescimento demogrfico,

    econmico e fsico-espacial desse espao conurbado foi, efetivamente, confirmado

    pela institucionalizao da Grande BH que no s veio a corrobor-lo como,

    teoricamente, oportunizar meios para o enfrentamento dos problemas dele

    decorrentes. Este pressuposto de anlise, acredita-se, encontra sustentao nos estudos

    promovidos pela Superintendncia de Desenvolvimento da Regio Metropolitana de

    Belo Horizonte - PLAMBEL, Planejamento da Regio Metropolitana de Belo

    Horizonte. A estrutura urbana da RMBH (1986); e pela Empresa Brasileira dos

    Transportes Urbanos - EBTU , Apreciao dos Projetos da Regio Metropolitana de

    Belo Horizonte (1979).

    Nesse captulo elege-se como smbolos dos trens de subrbio da RFFSA/SR-2 os

    carros de passageiros de ao carbono, adotados em funo de sua maior capacidade de

    transporte. Melhorias dos servios de trens de subrbio e histricos e novos problemas

    operacionais enfrentados pela Superintendncia Regional Belo Horizonte, da RFFSA,

    so mencionados, antecipando aspectos prprios da histria de cada sistema de trens

    de subrbio analisado. Um perfil dos usurios de subrbios traado com base,

    principalmente, em pesquisas realizadas por rgos gestores do transporte na RMBH,

    corroborando a hiptese da especificidade do transporte dos subrbios da SR-2,

    tambm em funo da clientela, prioritariamente, de baixa renda. Avaliaes

    qualitativas sobre esses servios de transporte tambm so analisadas e corroboram as

    consideraes sobre os usurios e sobre o alcance social dos subrbios. Encerrando o

    captulo, so estabelecidas associaes entre os dois tipos de transporte sobre trilhos

    do perodo - trens de subrbio e metr de superfcie - para a inferncia da

    ambigidade de suas naturezas, simultaneamente, complementares e opostas.

    O captulo 7, TRENS DE SUBRBIO DA SUPERINTENDNCIA REGIONAL

    BELO HORIZONTE DA REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A., aborda

    especificamente cada um dos quatro sistemas de suburbanos analisados. Inicialmente

    so apresentados os Trens de Subrbio Horto Florestal - Barreiro, os nicos da

    RFFSA/SR-2 de carter eminentemente urbano, pois limitados ao permetro urbano da

    capital. Em seguida, trata-se do sistema de Trens de subrbio exclusivos para a

  • 35

    empresa do Grupo FIAT, a Fbrica de Motores do Brasil. Experincia nica na SR-2,

    estes suburbanos atenderam ao transporte de operrios da indstria, fruto de um

    contrato historicamente justificado e rescindido, respectivamente, pela aproximao e

    posterior distanciamento dos interesses ferrovirios e industriais.

    A ordem de apresentao dos sistemas suburbanos reservou aos dois ltimos - Trens

    de subrbio para Betim e para Rio Acima - o fechamento do captulo, por serem os

    trens mais expressivos em relao ao tempo de circulao, ao nmero de passageiros

    transportados, de comunidades atendidas e distncia percorrida. Estes dois sistemas

    de suburbanos, indubitavelmente, encarnaram mais nitidamente a concepo de

    transporte de massas da SR-2. Ademais, dada a disponibilidade de ampla

    documentao, o impacto da supresso destes dois sistemas pode ser melhor

    analisado, estando parte destas ponderaes no item 8, CONSIDERAES FINAIS.

    Nesta seo, alm do sinttico resgate de aspectos relevantes tratados em cada

    captulo, busca-se a retomada da histria social dos trens de subrbio da RFFSA/SR-

    2, na Grande BH, segundo a perspectiva da extenso e da efetividade da cidadania.

    Dado o no reconhecimento constitucional do direito ao transporte, parte-se para uma

    apreciao da relao da trajetria dos trens com o direito - de fato, pois

    constitucionalizado e regulamentado em lei - dos consumidores dos servios da

    RFFSA/SR-2, no caso, dos ex-usurios de trens de subrbio.

    A seo 10, ANEXOS, divide-se em: Apresentao dos entrevistados (10.1) que traz

    um sntese biogrfica desses ferrovirios - relevante para a apreciao de suas

    qualificaes e pertinncia como testemunhas da histria dos suburbanos da SR-2 na

    RMBH - e breves informaes sobre a realizao das entrevistas; Glossrio de termos

    ferrovirios (10.2), que faculta o esclarecimento relativo a alguma palavra ou

    expresso do jargo ferrovirio que suscite dvidas para o entendimento do texto;

    Conhecendo a programao de um trem de subrbio da Superintendncia Regional

    Belo Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. (10.3), no qual apresenta-se e

    explica-se um documento programtico de trem suburbano, encontrado em um dos

    Planos de Transporte da referida instituio; e Modelos de bilhetes de viagem dos

    trens de subrbio da RFFSA-SR-2 (10.4).

  • 36

    CAPTULO 1

    CIDADANIA, TRANSPORTE E FERROVIA

    El hombre no tiene derechos, sino necesidades; el derecho es un concepto filosfico, la necessidad un concepto cientfico (CARREL, Alexis)4

    Ponderar sobre a efetividade dos direitos sociais, no Brasil, exige a considerao da

    relao entre o papel desempenhado pelo transporte e as urgncias prprias da

    sociedade no tocante satisfao de seus direitos sociais - constitucionalmente

    reconhecidos - ao trabalho, educao, sade, proteo maternidade e infncia

    e outros.

    4 Citado por MANERO, 1958; 662.

  • 37

    Considerando-se que a complexidade da vida hodierna torna imperativos os

    deslocamentos populacionais em espaos crescentemente ampliados, o direito ao

    transporte - no constitucionalizado, portanto uma mera aspirao - percebido e

    tratado como condio para se assegurar a cidadania plena. Historicizar os direitos de

    cidadania, perpassando pelos seus processos de universalizao e de multiplicao,

    faculta a fundamentao de que novos direitos e novos sujeitos de direito surgem

    medida em que as transformaes tecnolgicas e scio-culturais geram a emergncia e

    a iminncia de novas precises, como a do transporte coletivo. Elev-lo de simples

    servio essencial categoria dos direitos sociais permite a ampliao dos recursos ao

    alcance dos cidados para o atendimento ao largo leque de suas necessidades, quer de

    natureza social, quer civil ou poltica.

    Situar adequadamente a ferrovia como meio de transporte terrestre de baixo custo

    social, atravs da percepo de suas conseqncias face a externalidades como

    impacto sobre meio ambiente, ocupao viria, capacidade de transporte, consumo de

    combustvel e outras, o ponto de partida para o reconhecimento de sua supremacia

    sobre o modal rodovirio no atendimento s necessidades de servios de transporte

    coletivo nas regies urbanas e metropolitanas.

    Tais reflexes tm por finalidade oferecer um parmetro em relao ao qual buscar-

    se- construir a histria dos trens de subrbio da Superintendncia Regional Belo

    Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. que circularam na Grande BH, no

    perodo de 1976 a 1996. Dada a especificidade desses trens suburbanos, no referido

    limite temporal, caracterizado pelo atendimento predominantemente s classes

    populares, este estudo vincula tais servios de transporte coletivo idia da dimenso

    social da cidadania.

    1.1 Direitos de cidadania e transporte

    No hay ventaja alguna em que las leyes escritas sean inmutables; es imposible que todos los detalles tengan una exacta precisin (ARISTTELES)5

    5 Citado por MANERO, 1958; 528.

  • 38

    Em sua clssica tipologia dos direitos de cidadania, T. H. Marshall define, identifica e

    classifica os direitos de cidadania - direitos civis, polticos e sociais - contextualizando

    suas respectivas conquistas no mundo ocidental moderno. Ao identificar e classificar

    tais direitos, aponta como civis aqueles que asseguram a liberdade individual, dentre

    os quais destaca, primeiramente, o direito de ir e vir (1967:63). No parece casual tal

    ordenamento, visto que, muitas vezes, da liberdade de deslocar-se pode depender a

    garantia dos demais direitos por ele apontados, sejam civis, polticos ou sociais. Dessa

    forma, o transporte coletivo, potencialmente ligado natureza civil da cidadania ou

    das liberdades do indivduo, insere-se, de forma intrnseca, no contexto social dos

    elementos que integram esta noo de status conferidora de igualdade de direitos e de

    obrigaes para os membros da sociedade que dela gozam.

    A universalizao dos direitos humanos verificada a partir da Segunda Grande Guerra

    - criticamente aceita mais como terica do que prtica - fez-se acompanhar de outra

    tendncia que marca a evoluo dos direitos de cidadania: a da sua proliferao.

    Tecendo tais reflexes, Norberto Bobbio esclarece que em trplice sentido deu-se a

    multiplicao dos direitos do homem: a) novos bens passaram a ser tutelados; b) a

    titularidade dos direitos estendeu-se a sujeitos diversos do homem; c) o detentor dos

    direitos passou a no ser mais considerado de forma abstrata e genrica - o homem-

    mas segundo as especificidades de seu ser social - criana, velho, doente, etc. (1992:

    68). O reconhecimento de novos direitos e de novos titulares de direitos

    intimamente marcado pela historicidade, pois so os mesmos decorrentes das

    exigncias afloradas diante de novas carncias, em contextos histricos e sociais

    definidos; ou seja, novos direitos e sujeitos de direito so determinados pelas

    expectativas de satisfao de novas exigncias - definidas, reconhecidas,

    constitucionalizadas - oriundas de mudanas sociais e tecnolgicas historicamente

    determinadas.

    A atual Constituio Brasileira, ao tratar Dos Direitos e Garantias Fundamentais

    (Ttulo II), determina, no Artigo 6 do Captulo II, Dos Direitos Sociais: Art. 6 So

    direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a

    previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos

    desamparados, na forma desta Constituio (BRASIL. Constituio. 2001: 12). A

  • 39

    pretenso de proteo relativa necessidade individual e social de transporte no

    direito reconhecido pela Carta Constitucional; todavia, inegvel que da garantia

    dessa necessidade decorre a efetiva realizao de outros direitos. Ainda que no um

    direito de fato, a admisso parcial da necessidade de proteo ao transporte para o

    exerccio da cidadania pode ser exemplificada pelas polticas - de mbito nacional,

    estadual, regional ou local - de subsdio ao transporte - quer dos combustveis, quer

    atravs dos vales-transporte - e pela gratuidade dos transportes coletivos para alguns

    sujeitos sociais eleitos como merecedores de proteo por suas especificidades: idosos

    e deficientes fsicos e, eventualmente, menores estudantes e doentes crnicos.

    Entendendo os direitos sociais como aqueles que visam ao "mnimo de bem-estar

    econmico e segurana, ao direito de participar, por completo na herana social e

    levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padres que prevalecem na

    sociedade" (MARSHALL: 1967, 63), o direito ao transporte - entendido apenas como

    exigncia ou pretenso de legtimas garantias futuras, uma vez que tal direito, no

    sendo reconhecido, no estando em vigncia, e no tendo obrigaes correlatas, no

    pode ser garantido com o respaldo de legislao e do recurso s autoridades - assume

    o papel de ponte ou meio para a efetivao dos direitos sociais, principalmente, para

    dois sabidamente fundamentais para o indivduo e para a sociedade: o direito ao

    trabalho e o direito educao. Em conformidade com a prevalncia destes direitos e

    com a relevncia de tais necessidades sociais, as pesquisas indicativas das motivaes

    para o uso dos diferentes modais de transporte coletivo apenas corroboram as certezas

    generalizadas pelo senso comum: as causas prioritrias para os deslocamentos

    populacionais hodiernos residem no trabalho e na educao.

    Historicamente construdos como sustentculos para a formao das naes modernas

    e para a reproduo do capitalismo, os direitos educao e ao trabalho, pela primazia

    ocupada na sobrevivncia e na possibilidade de prosperidade e de dignidade do

    cidado, assumiram papis-chaves na pauta de reivindicaes das sociedades

    contemporneas. O direito ao trabalho, nascido do aspecto civil da cidadania, pois da

    liberdade de escolha6 e da liberdade de firmar contratos de trabalho de irrefutvel

    validade (BENDIX: 1996; 115), no hoje discutido apenas sob este prisma. Em 6 Assegurado como direito fundamental individual e coletivo pela atual Constituio, em seus Artigo 5, inciso XIII (BRASIL. Constituio. 2001: 6).

  • 40

    pauta, hoje, j assegurada a liberdade e mesmo a supremacia do mercado, esto seus

    aspectos qualitativos - mediante a crescente exigncia quanto especializao e

    qualificao - e sobretudo os quantitativos, visto os elevados nveis de desemprego

    que forjaram a idia de desemprego estrutural. Sua eleio a direito social

    assegurado em carta constitucional justifica-se, portanto, pela imperativa

    obrigatoriedade de uma ao positiva do Estado em defesa dos trabalhadores.

    Parte desse contexto, o direito social educao o caminho efetivo para o dever de

    auto-aperfeioamento e de autocivilizao (MARSHALL: 1967, 74), sendo

    portanto, uma obrigao individual e social, o que confere relao educao -

    cidadania uma ambigidade mpar, pois que direito e dever sociais, simultaneamente,

    a primeira da segunda7.

    Atentando-se para a relao de interdependncia inerente aos direitos sociais,

    evidente a percepo de que enquanto um grande contingente da populao

    desprovido de educao bsica, o acesso s facilidades educacionais aparece como

    uma precondio sem a qual outros direitos legais permanecem inacessveis ao

    analfabeto (BENDIX: 1996: 122). Anloga relao de dependncia, e mesmo de

    causalidade, entre os dois direitos sociais de cidadania aqui considerados - educao e

    trabalho - claramente apontada por Marshall quando conclui que por intermdio da

    educao em suas relaes com a estrutura ocupacional, a cidadania opera como um

    instrumento de estratificao social (1967:102). Sobre esta estratificao e

    conseqente desigualdade social podem os transportes coletivos atuar pois devido

    presena ou ausncia de meios de deslocamentos acessveis e adequados, parcelas da

    populao tendem a gozar ou a privarem-se da possibilidade de se educarem e de

    obter uma ocupao que lhes assegure o bem-estar scio-econmico.

    Importa, por conseguinte, ressaltar que no estabelecimento de uma relao de

    causalidade, de anterioridade, de dependncia entre os direitos sociais, aquele que

    nem

    7 No caso brasileiro, compulsria e gratuita a educao em nvel fundamental, sendo progressiva sua universalizao em nvel mdio. Artigos 205 e 208 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil (2001: 124).

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    mesmo goza de tal estatuto, no passando sequer de uma aspirao a direito, em

    muitos contextos pode assumir a primazia nesta cadeia determinista, pois o acesso ou

    no aos meios de transporte - dicotomia tambm relativa qualidade dos mesmos -

    pode configurar uma condio constante para o acesso ou no educao e ao

    trabalho. Relativizando-se a colocao de Heisenberg - a fim de minimizar a tica do

    debate sobre a natureza e a aproximao possvel entre cincias naturais e cincias

    sociais/humanas - em prol da profundidade da percepo, h que se ter em conta que

    h leis [naturais] fixas que determinam rigorosamente o estado futuro de um

    sistema segundo o estado atual.8 Tendo-se em conta as potencialidades da educao

    quanto s possibilidades futuras de trabalho e a relao entre o trabalho e o bem-estar

    scio-econmico, percebe-se o papel do transporte como interveniente na

    transformao das estruturas sociais.

    Valoriza-se, pois, o papel de agente transformador dos transportes no efetivo exerccio

    da cidadania social, tendo em vista sua centralidade no mundo de espaos e de

    relaes sociais continuamente ampliados dos aglomerados urbanos e metropolitanos.

    Responsvel pela mobilizao da fora de trabalho, essencial no processo de

    preparao dessa mo-de-obra e no desenvolvimento do indivduo e da sociedade em

    suas mais diversas reas, pode ser o transporte, reconhecido de fato como direito e

    observadas suas correlatas obrigaes, o ponto inicial para as mudanas necessrias

    remoo de alguns obstculos que impedem os movimentos de universalizao e de

    multiplicao dos direitos de cidadania.

    Retoma-se o princpio da mutabilidade histrica da cidadania que lhe confere

    caractersticas de amplitude, abertura, plasticidade e multiplicidade, ao absorver e

    espelhar o movimento espacial e temporal das sociedades. Das liberdades

    fundamentais aos direitos sociais e ambientais, da considerao do homem abstrato s

    variantes especficas do sujeito humano enquanto ser social, dos sujeitos coletivos at

    mesmo aos no humanos a cidadania filha do tempo, ainda que seus fundamentos

    transcendam a cronologia histrica, pois perenes, j que inerentes natureza humana

    e social, ambas vivazes da dicotomia direitos/obrigaes. E esse dinamismo que

    8 HEISENBERG. A Natureza na Fsica Contempornea. Ides, Galimard. p. 41., citado por RUSS, Jacqueline. Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Scipione,1994. p.33.

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    autoriza reflexes impostas pelas mudanas sociais que imprimem novos ritmos s

    urgncias quotidianas.

    Logo, pensar a aspirao de proteo necessidade vital de transporte para a

    sociedade atual - e nesse contexto, privilegiar o modal ferrovirio na satisfao de tal

    preciso com base na anlise de desempenho de seu custo social, apresentada na

    seqncia destas reflexes - no meramente pleitear reconhecimento para um novo

    direito ou um direito futuro; repensar a possibilidade de assegurar a efetividade de

    direitos consensualmente j reconhecidos, dada a primazia dos transportes como

    condio para afian-los. O problema fundamental dos direitos do homem, hoje,

    no tanto o de justific-los, mas o de proteg-los (BOBBIO:1992; 24). Portanto,

    justificar esta relevncia e forjar a conscincia do transporte (coletivo) como

    desdobramento necessrio da liberdade fundamental de ir e vir e de uma gama de

    direitos sociais e ambientais pode implicar na sua correlata admisso como justa

    exigncia a ser respaldada pela via constitucional e por cdigos jurdicos e na

    observncia das