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VICTOR KRAIDE CORTE REAL CAMPOS SALLES E O POSITIVISMO UM ESTUDO SOBRE A COMUNICAÇÃO POLÍTICA DO SEGUNDO PRESIDENTE CIVIL BRASILEIRO Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2005

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VICTOR KRAIDE CORTE REAL

CAMPOS SALLES E O POSITIVISMO

UM ESTUDO SOBRE A COMUNICAÇÃO POLÍTICA

DO SEGUNDO PRESIDENTE CIVIL BRASILEIRO

Universidade Metodista de São Paulo

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2005

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VICTOR KRAIDE CORTE REAL

CAMPOS SALLES E O POSITIVISMO

UM ESTUDO SOBRE A COMUNICAÇÃO POLÍTICA

DO SEGUNDO PRESIDENTE CIVIL BRASILEIRO

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às

exigências do Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da UMESP – Universidade

Metodista de São Paulo, para a obtenção do grau de

Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Adolpho C. F. Queiroz

Universidade Metodista de São Paulo

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2005

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A Dissertação de Mestrado “Campos Salles e o Positivismo – Um estudo sobre a

comunicação política do segundo presidente civil brasileiro”, elaborada por Victor Kraide

Corte Real, foi defendida no dia ____ de ____________________ de ________, tendo sido:

( ) Reprovada

( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos as modificações

sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da

defesa

( ) Aprovada

( ) Aprovada com louvor

Banca Examinadora:

___________________________________________________

___________________________________________________

___________________________________________________

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de pesquisa: Comunicação Massiva

Projeto temático: Propaganda Política

4

Aos meus pais, José Armando e Angela

Célia, por estarem sempre ao meu lado,

fornecendo os principais subsídios para

minha formação como ser humano: amor,

carinho e fé.

5

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Adolpho C. F. Queiroz, estas páginas são tão suas quanto minhas, seja

para nossa alegria ou tristeza. Obrigado por tudo que tem feito, sendo mais que um grande

orientador, também um grande amigo e parceiro.

Ao meu avô materno, Antonio Jorge e aos meus avós paternos, Paulo (in memorian) e

Lúcia, por serem exemplos de vida e grandes incentivadores da busca pelo conhecimento.

Aos meus irmãos, Renato (in memorian) e Ronaldo, meus maiores amigos, apesar das

brigas constantes, talvez sem elas não estivéssemos hoje tão unidos.

À minha esposa, Elisângela, minha Lia, amor que só se encontra uma vez na vida,

sobretudo minha companheira e inspiradora.

Aos amigos mestrandos e companheiros de viagem, Milton Pimentel Martins e Livio

Sakai, por me ajudarem a superar as dificuldades desta pesquisa, com muito humor e

descontração, demonstrando que nem sempre o sucesso está relacionado com o fato de tentar

ser organizado e “certinho” com tudo.

Aos demais colegas do POSCOM da UMESP, pela troca de informações e

experiências, especialmente aos amigos Kleber Carrilho, Hebert Rodrigues de Souza, Patrícia

Polacow e Nahara Cristine Mackovics.

Ao amigo Mauricio Guindani Romanini, pelas palavras de incentivo, pelos livros

emprestados e por fornecer, com enorme boa vontade, preciosos detalhes sobre a propaganda

política brasileira do final do século XIX.

Ao corpo docente do POSCOM da UMESP, por facilitarem e de certa forma

coorientarem esta pesquisa, especialmente ao Prof. Dr. José Marques de Melo, à Profa. Dra.

Maria Graça Caldas, ao Prof. Dr. Jacques Vigneron e ao Prof. Dr. Joseph M. Luyten.

Aos funcionários do POSCOM da UMESP, da Cátedra UNESCO e da Secretaria

Acadêmica da UMESP, pela cooperação e paciência.

Ao pesquisador e historiador Célio Debes, por ser muito atencioso e disponibilizar rico

material sobre Campos Salles.

Ao Museu Republicano “Convenção de Itu” e ao Centro de Ciências e Letras de

Campinas, principais fontes documentais desta pesquisa.

A CAPES, por conceder uma bolsa de estudos por 24 meses, sem a qual não teria sido

possível concluir esta pesquisa.

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SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................................... 09

Capítulo 1 – Bases teóricas ........................................................................................... 12

1.1. Auguste Comte e o espírito positivo .................................................................... 16

1.2. O positivismo ortodoxo e heterodoxo .................................................................. 24

1.3. O pensamento positivista no Brasil ...................................................................... 25

1.4. Do positivismo ao funcionalismo ......................................................................... 31

Capítulo 2 – Século XIX: Cenário histórico e político brasileiro .................... 34

2.1. Situação política do país durante o reinado de D. Pedro II .................................. 34

2.2. Período da propaganda republicana (1870-1889) .................................................35

2.3. Situação política do país após a Proclamação da República ................................ 43

2.4. Sistema Eleitoral Brasileiro .................................................................................. 47

2.4.1. Constituição de 1824 ................................................................................ 47

2.4.2. Constituição de 1891 ................................................................................ 48

Capítulo 3 – Trajetória política de Campos Salles .............................................. 49

3.1. Formação acadêmica ............................................................................................ 51

3.2. Relacionamento com a imprensa ..........................................................................53

3.3. Deputado Provincial pelo Partido Liberal ............................................................ 64

3.4. Vereador em Campinas – eleição e reeleição ....................................................... 73

3.5. Deputado Provincial pelo Partido Republicano ................................................... 80

3.6. Deputado Geral .................................................................................................... 90

Capítulo 4 – Rumo à Presidência da República .................................................... 97

4.1. Momentos finais da Monarquia ......................................................................... 100

4.2. Ministro da Justiça do Governo Provisório ....................................................... 109

4.3. Senador .............................................................................................................. 116

4.4. Presidente do Estado de São Paulo .................................................................... 121

4.5. Presidente da República ..................................................................................... 124

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Capítulo 5 – Estratégias de comunicação política: Um resumo ................. 135 Conclusão ....................................................................................................................... 145 Referências Bibliográficas ........................................................................................ 147 Anexos ..............................................................................................................................152

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RESUMO

Campos Salles foi um político de grande importância para o Brasil, destacando-se

como um dos personagens mais ativos do movimento republicano. Iniciou sua carreira

política aos 26 anos, sendo eleito Deputado Provincial. Em 1898, com 57 anos, assumiu o

mais alto cargo político da Nação. Esta pesquisa pretende analisar as estratégias de

comunicação política por ele adotadas até chegar à Presidência da República, procurando

comprovar a influência do positivismo em sua trajetória.

Palavras-chaves: Comunicação Social, Propaganda Política, Campos Salles.

RESUMEN

Campos Salles fue un político de gran importancia para Brasil, destacandose como

uno de los personajes más notorios del movimiento republicano. Inició su carrera política a

los 26 años, siendo elegido Diputado Provincial. En 1898, con 57 años, asumió el más alto

cargo político de la Nación. Esta investigación pretende analizar las estrategias de

comunicación política por él adoptadas hasta llegar a la Presidencia de la República, tratando

de comprobar la influencia del positivismo en su trayectoria.

Palabras-clave: Comunicación Social, Propaganda Política, Campos Salles.

ABSTRACT

Campos Salles was a politician of great importance to Brazil, distinguing himself as

one of the most active members of the republican party. At age 26 he began his politics

career, being elected Provincial Deputy. In 1898, with 57 years old, he assumed the highest

political position of the Nation. This essay intends to analyse the political communication

estrategies adopted by him until reaching the Presidency of the Republic, looking to prove the

influence of positivism in his path.

Keywords: Social Communication, Political Broadcast, Campos Salles.

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INTRODUÇÃO

Em sua recente dissertação de mestrado, TOLEDO (1997, p.04-05) afirma, ao fazer

um levantamento sobre a visão clássica da propaganda política, com relação ao seu tratamento

como ciência através do uso de técnicas e leis específicas, que os principais autores são Jean-

Marie Domenach, Frederic C. Bartlett e Serge Tchakhotine. Anteriormente ao trabalho de

Toledo, MORAGAS SPA (1981, p.152) já havia comentado sobre a importância e a grande

divulgação de Tchakhotine e Domenach no contexto europeu. Por outro lado, diversos autores

destacam também o segmento norte-americano de estudos sobre propaganda política,

representados por Harold D. Lasswell e Paul F. Lazarsfeld. As obras dos pesquisadores

mencionados e consagrados mundialmente, são fundadoras dos estudos sobre comunicação

política no século XX. As mesmas foram utilizadas com muita propriedade e garantiram

sólida sustentação teórica para alguns dos melhores trabalhos produzidos dentro da linha de

pesquisa de comunicação política, do Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista

de São Paulo, cujo objeto central atualmente é a campanha eleitoral dos ex-presidentes

brasileiros.

No entanto, com relação a fundamentação teórica, foi feita aqui uma opção

essencialmente diferente desta que vem sendo adotada nas pesquisas similares. Pois, estes

norteadores teóricos, tidos como referenciais clássicos consolidados, assim como outras

teorias e métodos elaborados ao longo dos últimos cem anos, foram considerados aqui como

impróprios para analisar a comunicação política praticada no final do século XIX.

A solução encontrada, justamente para evitar o anacronismo de aplicar conceitos à

realidades cronologicamente anteriores ao momento de sua formulação, foi recorrer ao

positivismo de Auguste Comte. Uma corrente filosófica com fortes preocupações

sociológicas, elaborada durante o século XIX, cujas implicações encontraram eco e

influenciaram o movimento republicano (argumentos a serem discutidos e defendidos nos

próximos capítulos). Para fugir também do anacronismo, termos contemporâneos como

marketing político, por exemplo, não foram utilizados neste texto.

As expressões “movimento republicano” e “propaganda republicana” serão utilizadas

aqui para abordar, genericamente, todos os tipos de ações ideológicas realizadas contra a

monarquia e a favor da implantação do regime republicano no Brasil, a partir do lançamento

do Manifesto Republicano, em 1870, sejam elas de ordem política, militar, religiosa e/ou

comunicacional.

10

Outra importante questão de nomenclatura a ser frisada nesta introdução, diz respeito

ao uso do termo “província” para designar tanto os Municípios como os Estados brasileiros,

pois assim eles eram tratados antes da Proclamação da República. Portanto, pelo mesmo

motivo, os atuais termos Deputados Estaduais e Federais são mencionados nesta pesquisa

como Deputados Provinciais e Gerais.

O nome do ex-presidente Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, será tratado na maior

parte do trabalho de forma resumida, ou seja, simplesmente como Campos Salles. Interessante

anotar que, em algumas obras, “Campos Salles” é escrito com apenas um “L”, aqui foi feita a

opção de utilizar sempre os dois “LL”, pois foi esta a ortografia encontrada na maioria do

material pesquisado. Ao transcrever as cartas e documentos foram totalmente preservadas

ortografia, pontuação e abreviações originais.

Sobre o método de pesquisa, foi adotado o estudo exploratório. Sendo considerado no

âmbito da pesquisa social, segundo GIL (1987), como a melhor forma de desenvolver,

esclarecer e modificar conceitos e idéias. As pesquisas exploratórias têm o objetivo de

proporcionar uma visão geral sobre determinada realidade.

Esta opção metodológica possui uma grande abrangência, sendo necessário definir um

enfoque mais específico para satisfazer as características de cada estudo. Neste caso foram

estipuladas duas linhas de pesquisa: a bibliográfica e a documental.

De acordo com GIL (1987, p. 48) “boa parte dos estudos exploratórios pode ser

definida como pesquisa bibliográfica”, justamente por ela ser capaz de nos “colocar em

contato direto com tudo aquilo que foi escrito” (MARCONI & LAKATOS, 1986, p.58). Além

disso, “as pesquisas sobre ideologia, bem como aquelas que propõem a análise das diversas

posições acerca do problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente a

partir de fontes bibliográficas” (GIL, 1987, p. 48).

Entretanto, muitas informações sobre Campos Salles não encontram-se em livros,

publicações periódicas ou impressos em geral. Sendo portanto, necessária a pesquisa

documental, pois “os documentos, de modo geral, são todos os materiais escritos que podem

servir como fonte de informação para a pesquisa científica e que ainda não foram elaborados”

(MARCONI & LAKATOS, 1986, p.56). Ou ainda, aplicando o conceito de GIL (1987, p. 51),

a pesquisa documental justifica-se por explorar “materiais que não receberam ainda um

tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da

pesquisa”.

Para a coleta de material, foram consultados os acervos da Biblioteca da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); Biblioteca da Universidade

11

Metodista de São Paulo (UMESP); Biblioteca da Universidade Metodista de Piracicaba

(UNIMEP); Biblioteca da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Arquivo

Nacional, no Rio de Janeiro. Além das bibliotecas, foram visitados o Museu Republicano

“Convenção de Itu” e o Centro de Ciências e Letras de Campinas.

A análise dos dados coletados foi baseada nas técnicas metodológicas de SEVERINO

(2000), quais sejam: Análise textual – preparação do texto e seleção do material relacionado

ao objeto de pesquisa; Análise temática – compreensão do material selecionado; Análise

interpretativa – interpretação do material; Problematização – discussão sobre o conhecimento

obtido; e Síntese pessoal – reelaboração e desenvolvimento das reflexões pessoais,

confirmando ou discordando das hipóteses e questões de pesquisa.

As obras de Célio Debes sobre o ex-presidente e o movimento republicano, foram

utilizadas como base principal do presente trabalho. Ele dedicou muitos anos de sua vida

pesquisando a trajetória de Campos Salles, produzindo assim o panorama histórico/biográfico

mais completo, até hoje publicado, sobre a vida deste personagem político brasileiro. Célio

Debes percorreu diversos jornais da época e sistematizou um extenso material documental

encontrado em museus e arquivos, transcrevendo em suas obras uma grande quantidade de

cartas, documentos e notícias.

Durante o trabalho de campo empreendido por esta pesquisa, foram encontrados

materiais tanto no Museu Republicano “Convenção de Itu”, como no Centro de Ciências e

Letras de Campinas, que de alguma maneira já haviam sido apresentados nos trabalhos de

Célio Debes. Sendo assim, foi mantida a proposta metodológica original, levando-se em

conta, porém, que a extensa obra “Campos Salles – perfil de um estadista” de Debes deveria

servir como um guia natural. Considerando-se que dela seriam extraídos os pontos relativos às

estratégias de comunicação de Campos Salles, os quais foram colocados em discussão diante

dos conceitos teórico-metodológicos definidos e de outros documentos e obras existentes

sobre o ex-presidente.

Os dois primeiros capítulos que se seguem, dizem respeito à fundamentação teórico-

metodológica e ao cenário político da época. Eles são necessários para o satisfatório

desdobramento das estratégias de comunicação política de Campos Salles, aspecto central

desta pesquisa, abordado nos dois últimos capítulos.

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Capítulo 1

Bases teóricas

Grande parte deste trabalho está baseado nas manifestações políticas propagadas no

Brasil, no final do século XIX, pelo movimento republicano. O Partido Republicano Paulista,

foi um dos principais difusores da propaganda colocada em prática por aquele movimento,

entre outros fatores devido ao seu alto nível de organização e ao destacável grau de

intelectualidade de muitos de seus membros. Demais aspectos sobre sua formação, ocorrida

em 1873, e sobre as ações daquela agremiação, que teve Campos Salles como um dos

fundadores e membro da Comissão Permanente, assim como aspectos gerais do Segundo

Reinado e da Primeira República serão apresentados no segundo capítulo.

Neste momento o objetivo é apresentar as bases teóricas sobre as quais o movimento

republicano recebeu influências e se afirmou, as quais consequentemente devem refletir nas

argumentações deste trabalho.

Os republicanos brasileiros sofreram, na verdade, o impacto de três correntes

ideológicas distintas, o liberalismo, o jacobinismo e o positivismo, cada qual permeada de

aspectos utópicos e visionários próprios. Sendo que a última ainda estava dividida em duas

vertentes: ortodoxa e heterodoxa. José Murilo de CARVALHO (2003, p. 9) escreve sobre a

presença simultânea destas três ideologias políticas no Brasil, caracterizando sinteticamente

cada uma delas:

- Liberalismo: “sociedade composta por indivíduos autônomos (...) cabia ao governo

interferir o menos possível na vida dos cidadãos”;

- Jacobinismo: “idealização da democracia clássica, a utopia da democracia direta,

do governo por intermédio da participação direta de todos os cidadãos”;

- Positivismo: “postulava uma futura idade de ouro em que os seres humanos se

realizariam plenamente no seio de uma humanidade mitificada”.

Ainda segundo CARVALHO (2003, p. 9-13), houve uma disputa intensa entre as três

correntes durante os primeiros anos da República no Brasil, sendo que na virada do século o

liberalismo triunfou como modelo político. No entanto, o autor considera inegável o

entusiasmo constante, entre os propagandistas, pelos ideais franceses, representados através

do jacobinismo e do positivismo. Este entusiasmo estava relacionado com a proximidade do

centenário da Revolução Francesa, e mais do que isso, era motivado pela riqueza simbólica

13

disponível nestas correntes, as quais ao contrário do liberalismo, davam grande importância

ao uso de símbolos e mitos na batalha pela vitória de sua versão da república.

O liberalismo estabilizou-se, de fato, no Brasil, com o amadurecimento da República.

Provavelmente por ter demonstrado, diante da realidade do país, maior aplicabilidade prática,

enquanto as outras duas correntes possuíam fundamentos mais utópicos, servindo

principalmente para os interesses de propaganda e para os trabalhos acadêmicos

desenvolvidos pelos intelectuais republicanos. Não podemos negar a influência do

liberalismo no movimento republicano, principalmente em São Paulo, onde muitos

republicanos eram proprietários rurais, e alguns deles, inclusive Campos Salles, foram filiados

ao Partido Liberal, antes da criação dos Clubes Republicanos. Segundo CARVALHO (2003,

p. 24), “para esses homens, a república ideal era sem dúvida a do modelo americano.

Convinha- lhes a definição individualista do pacto social”. Mas, como já foi dito, o modelo

liberal não dedicava muita atenção à simbologia revolucionária, e apesar daquele pensamento

estar de certa forma entranhado em muitos republicanos, ele não foi utilizado, durante o

período da propaganda, com o mesmo ardor que o jacobinismo e o positivismo. Na verdade

entre os propagandistas, o liberalismo cedeu espaço para uma das outras duas ideologias.

As correntes francesas atingiram de maneiras diferentes aqueles homens que

desejavam o fim da monarquia. Alguns deles, desde a formação dos primeiros Clubes

Republicanos, defenderam uma atuação mais extremista, falavam em revolução e pediam a

morte do príncipe-consorte da herdeira do trono. Eles não manifestavam qualquer simpatia

pelos tradicionais partidos monarquistas (liberais e conservadores), e com a criação do Partido

Republicano Federal (em 1893, como será apresentado no Capítulo 2) ficaram conhecidos

como “radicais exaltados”. Evidentemente, aqueles republicanos receberam maior influência

do jacobinismo. Mas, apesar de engrossarem a luta contra a monarquia, “não tinham de fato

objetivo prático algum” (GUANABARA, 1983, p. 12).

Finalmente, segundo CARVALHO (2003, p. 26-27), havia um grupo pequeno, embora

agressivo, de partidários da liberdade à antiga. Não estavam interessados na solução

americana, e não queriam também a jacobina, para eles seria necessário outro tipo de saída. A

versão positivista da república, em suas diversas variantes, oferecia tal saída. O arsenal

teórico positivista trazia armas muito úteis.

Os membros do Partido Republicano Paulista fizeram parte do pequeno grupo

mencionado. As evidências levam a crer que alguns conceitos positivistas seriam

intensamente utilizados nos trabalhos realizados dentro daquele agrupamento localizado no

seio do movimento republicano. A força dos republicanos paulistas seria demonstrada durante

14

todo o período da propaganda republicana, e seus esforços seriam coroados com a eleição de

dois de seus membros fundadores, Prudente de Morais e Campos Salles, como os primeiros

presidentes civis brasileiros.

As impressões de José Maria dos SANTOS (1942, p. 155-156), pesquisador

contemporâneo daquele momento histórico, servem como uma das principais evidências sobre

o envolvimento dos republicanos com o positivismo:

No correr de 1879 esse concentrado e precioso movimento litterario [mencionando o

Partido Republicano Paulista, especificamente o grupo de intelectuais republicanos

situado na cidade de Campinas] começa a receber a influencia do positivismo de

Augusto Comte. Até então, o estudo das idéias do philosopho de Montpellier havia -se

circumscripto a um pequeno meio de pensadores e mathematicos do Rio de Janeiro, no

qual brilhavam por excellencia Benjamin Constant, Miguel Lemos e Teixeira Mendes.

(...) Nessa phase, com a intervenção de novos elementos como Luiz Pereira Barreto,

José Leão e Alberto Salles, as formulas do projecto de 1873 [bases para a Constituição

do Estado de São Paulo, considerado pelo próprio pesquisador como a melhor

manifestação intelectual de toda a propaganda republicana] entram a soffrer cotejos

com os moldes politicos do positivismo.

É possível perceber que o movimento republicano em São Paulo não iniciou

efetivamente suas atividades sob a influência do positivismo, somente a partir de 1879 seus

trabalhos literários passariam a basear-se nas obras de Auguste Comte e de seus discípulos.

No entanto, ainda que indiretamente, os alunos dos cursos de Direito, muitos deles futuros

republicanos, já haviam recebido alguma influência do positivismo antes daquele ano. Este

fato pode ser notado na obra de Antônio Carlos SALLES JUNIOR (1944, p. 33), ao discorrer

sobre a formação acadêmica de Campos Salles, ele apresenta a importância da sociologia

elaborada por Auguste Comte, defendendo que fora dela não seria possível compreender nem

o fundamento, nem a função das instituições jurídicas daquela época.

Ainda sobre a presença do positivismo na Faculdade de Direito de São Paulo, seria

interessante reproduzir alguns trechos da obra de Ivan LINS (1967, p. 144-145), diante dos

quais fica evidente a existência de correntes pró e contra Auguste Comte no meio acadêmico:

15

Tal a penetração da filosofia positiva, na Faculdade de Direito de São Paulo, na

década de 1880 a 1890, que o professor Dr. José Maria Correia de Sá e Benevides,

católico e tomista irredutível, quase não dava uma aula sem objetar algum aspecto da

obra de Comte, embora fosse o Direito Romano a matéria sobre a qual devia discorrer.

(...) Referindo-se ao Dr. Benevides em suas memórias para a história da academia de

São Paulo, escreve Spencer Vampré: “combater o positivismo era uma das mais

tenazes preocupações de sua inteligência e, em todas as aulas, a propósito de nada, lá

surgiam remoques a Augusto Comte, Littré e Laffitte...”.

(...) A partir de 1890, Almeida Nogueira, então fortemente imbuído da filosofia

positiva, constituiria, na faculdade de São Paulo, a contrapartida de Benevides.

A obra de Comte sofreu sensíveis mudanças ao longo dos anos, dividindo seus adeptos

em dois principais grupos: os heterodoxos, fiéis apenas à primeira fase, de cunho científico e

filosófico; e os ortodoxos, mais alinhados à doutrina religiosa. O espírito positivo chegou ao

Brasil em suas diferentes versões, atingindo assim, setores distintos da sociedade brasileira.

Devido a sua formação técnica, os militares, de acordo com CARVALHO (2003, p.

28), sentiram-se fortemente atraídos pela ênfase dada pelo positivismo à ciência e ao

desenvolvimento industrial.

O modelo positivista seduziu também os republicanos do Rio Grande do Sul e do Rio

de Janeiro. Júlio de Castilhos assumiu o controle do Estado gaúcho em 1893 e fez um governo

altamente autoritário durante 30 anos, ele elaborou a constituição do Rio Grande do Sul com

base nos fundamentos da política positivista. Os ortodoxos, liderados por Miguel Lemos e

Teixeira Mendes, reunidos na Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, apesar de estarem mais

preocupados com aspectos religiosos, foram grandes defensores da República.

Devido a sua relevância e evidência durante o século XIX, o positivismo, da maneira

como foi utilizado pelo movimento republicano, bem como seu impacto na comunicação

política de Campos Salles, representa o eixo teórico sobre o qual este trabalho tecerá seus

argumentos. Portanto, a pretensão deste primeiro capítulo é tentar resgatar os principais

conceitos do pensamento de Auguste Comte, assim como suas diferentes acepções e suas

aplicações no Brasil.

16

1.1. Auguste Comte e o espírito positivo

As raízes ideológicas do positivismo, assim como a idéia de teorizar o progresso

histórico da Humanidade, foram influenciadas por importantes movimentos filosóficos do

século XVIII, principalmente pelo Iluminismo, representado por pensadores como Immanuel

Kant e David Hume. O conhecimento positivo foi baseado na crença do progresso da

Humanidade por meio da razão; e no empirismo radical, ou Utilitarismo, cujo foco estava

voltado para a experiência como processo do conhecimento.

O princípio teórico do positivismo, apresentado no “Discurso sobre o Espírito

Positivo” de Auguste Comte, afirma que os fenômenos sociais poderiam ser reduzidos a leis,

assim como, por exemplo, a teoria gravitacional havia sido criada para estudar as órbitas dos

corpos celestes.

Para defender aquilo que Auguste Comte chamava de “superioridade mental do

espírito positivo ou sistema de filosofia positiva”, ele criou a Lei da Evolução Intelectual da

Humanidade, mais conhecida como a Lei dos Três Estados. O autor definiu três estados

teóricos, diferentes e sucessivos para qualificar o desenvolvimento evolutivo dos homens:

1) Estado Teológico: Considerado como puramente provisório e preparatório.

Momento no qual o espírito humano ainda se encontra abaixo dos mais simples problemas

científicos. Comte subdivide está fase em três etapas sucessivas:

a) Fetichismo: Atribuição a todos os corpos exteriores uma vida essencialmente

análoga à nossa. A adoração dos astros caracteriza o grau mais elevado desta

primeira fase teológica. Ela já não está tão presente nas sociedades de hoje;

b) Politeísmo: Livre predomínio especulativo da imaginação. O foco passa

misteriosamente dos objetos materiais para diversos seres fictícios. A maioria de

nossa espécie não saiu ainda de semelhante estado;

c) Monoteísmo: Inevitável declínio da filosofia inicial. A simplificação, caracterizada

pelo uso da razão, unifica os deuses, restringindo cada vez mais o domínio anterior

da imaginação. Persiste, com muita energia, na imensa maioria da raça branca.

17

De acordo com COMTE (2002, p. 10):

Esta filosofia inicial não foi menos indispensável ao desenvolvimento preliminar de

nossa sociabilidade do que ao de nossa inteligência, quer para constituir

primitivamente algumas doutrinas comuns, sem as quais o laço social não teria podido

adquirir nem extensão, nem consistência quer para suscitar espontaneamente a única

autoridade espiritual que poderia então surgir.

2) Estado Metafísico ou Abstrato: Considerado como uma filosofia intermediária,

limitado ao aspecto transitório, entre o regime teológico e o positivo. Tenta explicar a

natureza íntima dos seres, a origem e o destino de todas as coisas, substituindo os agentes

sobrenaturais por entidades ou abstrações personificadas. Por analisar os fenômenos dessa

forma, foi permitido designar- lhe também a denominação de Ontologia.

A Metafísica foi considerada por COMTE (2002, p. 11) como:

Uma espécie de teologia enervada pouco e pouco por simplificações dissolventes, que

lhe tiram espontaneamente o poder direto de impedir o desenvolvimento das

concepções positivas, conservando-lhe, contudo, a aptidão provisória para entreter um

certo exercido indispensável do espírito de generalização, até que possa enfim receber

melhor alimento.

3) Estado Positivo: Chegamos enfim ao Estado, definido por Auguste Comte, como

sendo ideal. Após ter passado pelas duas etapas anteriores, a inteligência humana,

gradualmente emancipada, chegaria ao seu estado definitivo de positividade racional. As

concepções positivistas sobre os fenômenos humanos não seriam apenas individuais, mas

também e sobretudo, sociais, por resultarem de uma evolução coletiva e contínua, cujos

elementos e fases essencialmente estariam entrelaçados. Partindo destes argumentos, Auguste

Comte utilizou pela primeira vez o termo “Sociologia”, dando nome a esta nova ciência.

Vivendo neste estágio, imaginado por Comte, a Humanidade não limitar-se- ia a

apreciação sistemática dos fatos existentes, simplesmente preocupada em descobrir sua

primeira origem e seu destino final. Segundo COMTE (2002, p. 13-14):

18

O genuíno espírito positivo se acha tão afastado no fundo, do empirismo como do

misticismo; é entre estas duas aberrações, igualmente funestas, que ele deve caminhar.

(...) a verdadeira ciência, muito longe de ser formada por simples observações, tende

sempre a dispensar, tanto quanto possível, a exploração direta, substituindo-a pela

previsão racional, que constitui, a todos os respeitos, o principal caráter do espírito

positivo. (...) Assim, o genuíno espírito positivo consiste em ver para prever, em

estudar o que é, a fim de concluir o que será, segundo o dogma geral da

invariabilidade das leis naturais”.

A Lei dos Três Estados não teve de fato utilidade prática nas campanhas eleitorais de

Campos Salles, e nem mesmo foi aplicada diretamente pelo movimento republicano. A única

relação que pode ser feita sobre este ponto da teoria de Auguste Comte, é a respeito da

proposta evolutiva de superação do Estado Positivo sobre o Teológico e o Metafísico, assim

como a implantação do Estado Republicano no Brasil foi defendida como a melhor alternativa

para superar o Estado Monárquico. Entretanto, neste momento, a Lei dos Três Estados foi

abordada superficialmente aqui apenas com o intuito de apresentar a lógica evolutiva do

positivismo, ou seja, a idéia de que uma nova maneira de pensar estava surgindo para

solucionar as dúvidas humanas.

Logo após definir as bases lógicas de sua teoria, Comte, em sua obra “Discurso

Preliminar sobre o Espírito Positivo”, dá início a um processo de aprofundamento dos

principais aspectos do positivismo, alguns dos quais serão aplicados com maior evidência

pelo movimento republicano brasileiro, e consequentemente também estarão presentes na

comunicação política de Campos Salles.

Partindo deste ponto, parece mais propício tratar primeiramente dos argumentos de

Comte sobre as diversas acepções do termo “positivo”, os quais facilitam a compreensão de

sua idéia como um todo. O autor considera os vários significados desta palavra nas línguas

ocidentais, como sendo convenientes à nova filosofia. Em sua opinião, o aspecto de

ambigüidade é apenas aparente, pois ao contrário disso, o fato de uma única expressão usual

reunir vários atributos distintos, serve, na verdade, como um feliz exemplo da possibilidade

de condensação de fórmulas pelas populações avançadas.

A mais antiga e também mais comum interpretação da palavra “positivo” designa o

real em oposição ao fictício, neste sentido, o positivismo fica caracterizado pela “consagração

às indagações verdadeiramente acessíveis à nossa inteligência, com a exclusão efetiva dos

19

impenetráveis mistérios com que se ocupava sobretudo a sua infância” (COMTE, 2002, p.

25).

Muito próximo do significado anterior, “positivo” indica o contraste entre útil e

ocioso. Assim, a filosofia de Comte lembra que “o destino necessário de todas as nossas sãs

especulações é o melhoramento contínuo de nossa verdadeira condição individual e coletiva, e

não a vã satisfação de uma curiosidade estéril” (COMTE, 2002, p. 25).

A terceira acepção deste termo é utilizada para qualificar a oposição entre a certeza e a

indecisão. Um quarto uso, confundido com o precedente, consiste em opor o preciso ao vago.

Em ambos os casos, existe a tendência do espírito positivo apontar para um “grau de precisão

compatível com a natureza dos fenômenos e conforme à exigência de nossas reais

necessidades” (COMTE, 2002, p. 25). Outras maneiras de filosofar são apontadas por Comte

como sendo vagas, por comportarem uma disciplina apoiada na autoridade sobrenatural.

Uma quinta aplicação é apresentada por Comte como sendo menos utilizada que as

anteriores, neste caso o vocábulo “positivo” é empregado como o antônimo de negativo.

Mesmo tendo um uso reduzido, este aspecto indica “uma das mais eminentes propriedades da

genuína filosofia moderna, mostrando-a destinada, sobretudo por sua natureza, não a destruir,

mas a organizar” (COMTE, 2002, p. 25).

Finalmente, Auguste Comte defende uma sexta acepção, ainda não indicada pela

palavra “positivo”, mas considerada pelo autor como tendo um caráter essencial ao novo

espírito filosófico, ou seja, sua tendência de substituir por toda parte o absoluto pelo relativo.

Após apresentar brevemente alguns pontos básicos sobre o positivismo, caracterizados

pela Lei dos Três Estados e pelos diversos significados do termo “positivo”, chega o momento

de relacionar os tópicos da obra de Auguste Comte que tiveram um papel de maior

importância sobre a comunicação política no final do século XIX no Brasil:

1) Ordem e Progresso: conceitos intensamente defendidos por Comte como sendo

peças chaves para a evolução social, defendidos como necessidades simultâneas resultantes da

combinação entre estabilidade e atividade.

Para a nova filosofia, a ordem constitui sempre a condição fundamental do progresso;

e, reciprocamente, o progresso é o objetivo necessário da ordem: como na mecânica

animal, são mutuamente indispensáveis o equilíbrio e a progressão, um como

fundamento e a outra como destino (COMTE, 2002, p. 31).

20

Neste sentido, o espírito positivo seria uma alternativa filosófica capaz de solucionar a

anarquia intelectual e moral, que na opinião de Comte, refletiria como um sintoma da grande

crise moderna. Através da sua teoria, seria possível estabelecer uma harmonia elementar entre

as idéias de existência e as de movimento.

Do ponto-de-vista político, relacionado às questões dominantes, o sentido primário da

palavra ordem é apontado como sendo inseparável de todas as especulações positivas. Ou

seja, ao tentar extinguir uma atividade perturbadora, a agitação política transformar-se-ia em

movimento filosófico. Este argumento positivista baseia-se no fato das dificuldades sociais

não serem tratadas como sendo essencialmente políticas, mas sobretudo morais, portanto sua

solução dependeria muito mais das opiniões e dos costumes do que das instituições.

A noção de progresso, visto como dogma fundamental da sabedoria humana, surge

como conseqüência direta da ordem. Representando a idéia de aperfeiçoamento contínuo, o

progresso deveria favorecer cada vez mais o distanciamento entre os atributos que distinguem

a humanidade da simples animalidade, tanto pela inteligência como pela sociabilidade. Assim,

o progresso positivo não definiria um ponto final, pois:

Esta ideal preponderância de nossa humanidade sobre nossa animalidade preenche

naturalmente as condições essenciais de um verdadeiro tipo filosófico, caracterizando

determinado limite, do qual todos os nossos esforços devem aproximar-se

constantemente sem, todavia, conseguirem jamais atingi-lo (COMTE, 2002, p. 33).

A modernização conservadora de Comte tinha como um de seus principais lemas a

frase: “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”.

2) Desenvolvimento coletivo: Ao defender a idéia de que o homem não se desenvolve

isoladamente, mas sim coletivamente, o espírito positivo é caracterizado como tendo uma

aptidão espontânea para promover a extensão do entendimento do indivíduo à espécie. Na

opinião de Auguste Comte, os filósofos modernos ainda não tinham conseguido analisar o

ponto-de-vista social por não conseguirem libertar-se do estado metafísico.

Assim, o positivismo estaria surgindo para

21

Conceber todas as nossas especulações como produtos de nossa inteligência,

destinados a satisfazer às nossas diversas necessidades essenciais, sem se afastarem

nunca do homem senão para melhor voltarem a ele, depois de haver sido feito o estudo

dos outros fenômenos na medida em que o seu conhecimento se torna indispensável,

quer para desenvolver nossas forças, quer para apreciar nossa natureza e nossa

condição (COMTE, 2002, p. 17-18).

3) Incompatibilidade entre positivo e teológico: Praticamente em toda extensão da

obra “Discurso Preliminar sobre o Espírito Positivo”, Auguste Comte aborda direta ou

indiretamente a “impossibilidade de qualquer conciliação duradoura entre as duas filosofias,

seja quanto ao método ou quanto à doutrina” (COMTE, 2002, p. 21). As concepções

positivas, assim como qualquer ciência, seriam incompatíveis com as questões teológicas.

Ao abordar aspectos da realeza constitucional, originada no último período da Idade

Média através da doutrina escolástica, o filósofo afirma que “o tipo teológico de fato forneceu

a base racional do tipo político” (COMTE, 2002, p. 23). Como será discutido nos capítulos

seguintes, este ponto ecoa com muita evidência diante dos ideais dos homens do movimento

republicano brasileiro, os quais defendiam a dissociação entre Igreja e Estado.

4) Escola positiva: A valorização do ensino através da teoria positivista foi uma

grande preocupação para Comte, assim como também afetou a estrutura das escolas no Brasil

no final do século XIX, principalmente as militares, onde o positivismo teve maior impacto.

As universidades, a princípio emanadas da filosofia teológica, tornavam-se rivais do

poder sacerdotal. “Apesar de sua tendência antianárquica, a escola teológica mostrou-se, em

nossos dias, radicalmente impotente para impedir o surto das opiniões subversivas” (COMTE,

2002, p. 30). Paralelamente, na opinião de Comte, o espírito metafísico presidia uma

decomposição não menos radical. Diante disso, o positivismo concorreria para:

Facilitar a verdadeira solução, incitando a transformar estéril agitação política em

ativa progressão filosófica, de modo a seguir enfim a marcha prescrita pela natureza

própria da reorganização final, que se deve operar primeiro nas idéias, para passar em

seguida aos costumes e, por fim, às instituições (COMTE, 2002, p. 30-31).

22

Uma das condições necessárias do advento da escola positiva seria a aliança entre

proletários e filósofos, para tanto seria necessária a instituição de um “Ensino Popular

Superior” (COMTE, 2002, p. 40), afim de propagar as noções positivas.

A nova filosofia exigiria um espírito de conjunto, fazendo prevalecer a ciência

nascente do desenvolvimento social sobre todos os estudos constituídos até então. A escola

positiva tenderia, “por um lado, a consolidar todos os poderes atuais nas mãos de seus

possuidores, quaisquer que sejam, e, por outro, a impor- lhes obrigações morais cada vez mais

conformes às verdadeiras necessidades dos povos” (COMTE, 2002, p. 41).

A renovação filosófica promovida pela escola positiva, encontraria naturalmente,

segundo Comte, um acesso mais fácil e uma simpatia mais viva entre os proletários do que

entre os empresários. A justificativa era “porque seus trabalhos próprios oferecem um caráter

mais simples, um fim, mais nitidamente determinado, resultados mais próximos e condições

mais imperiosas” (COMTE, 2002, p. 45). A universal propagação do ensino positivo realizar-

se-ia, com maior eficácia, logo que as tendências mentais e morais tivessem atuado

convenientemente entre os proletários, proporcionando a gradual renovação filosófica.

5) Política popular: Intimamente ligada com o tópico abordado anteriormente, a

proposta política de Auguste Comte posiciona os operários, proletários e as demais classes

subalternas como não tendo efetivamente o desejo de participar diretamente do poder político.

De acordo com a filosofia positiva, “o povo não pode interessar-se essencialmente senão pelo

emprego efetivo do poder, quaisquer que sejam as mãos em que resida, e não pela sua

conquista especial” (COMTE, 2002, p. 47).

Seguindo a mesma linha, a proposta positivista indica a disposição do povo em

substituir a vã discussão dos direitos pela fecunda apreciação dos deveres essenciais, levando

a valorização de uma ativa moral universal:

Se o povo é hoje e deve, de ora avante, permanecer indiferente à posse direta do poder

político, não pode nunca renunciar à sua indispensável participação contínua no poder

moral, que, único verdadeiramente acessível a todos, sem nenhum perigo para a ordem

universal, antes de grande vantagem quotidiana para ela, autoriza cada um a lembrar

convenientemente aos mais altos poderes o cumprimento de seus diversos deveres

essenciais, em nome de uma doutrina fundamental comum (COMTE, 2002, p. 47).

23

Os desdobramentos políticos da teoria positivista e suas conseqüentes relações com as

estratégias de comunicação eleitoral de Campos Salles representam uma das principais partes

deste trabalho, portanto são pontos que serão discutidos conveniente e em profundidade nos

capítulos 3 e 4. Neste momento, para finalizar esta apresentação resumida sobre os tópicos da

obra de Auguste Comte, considerados pertinentes para esta pesquisa, seria importante

mencionar a análise de Arthur Virmond de LACERDA NETO (2003), pesquisador positivista

brasileiro, sobre o conceito de ditador republicano:

De larga aceitação nos meios castrense e civil nos fins do século XIX e até meados do

seguinte, o Posit ivismo, em sua vertente política, formula o conceito de “ditadura

republicana”, que a bibliografia brasileira, com certa freqüência, associa a

totalitarismo, a despotismo, a tirania. (...)

Ora, nos meados do século XIX, quando Comte produziu a sua obra, o termo

“ditadura” não apresentava o cariz depreciativo e odioso de que passou a revestir-se

depois. (...)

Ao contrário, ele achava-se vinculado sobretudo à ditadura romana, regime em que

alguém ascendia a uma magistratura poderosa pela qual enfrentasse uma situação

socialmente excepcional, que requeria uma excepcional e transitória concentração de

autoridade em quem a exercia. Longe de encarnar um déspota, o ditador romano

correspondia a uma autoridade consentida e legítima.

Comte não adotou o vocábulo ditadura como equivalente de totalitarismo porque não

foi este o seu intuito e porque, se o tivesse feito, não teria sido entendido assim, não o

poderia ter sido, dado que então a sua acepção não era esta. É claro que ele não

poderia ter adivinhado que, com o andar dos tempos, o significado desta palavra

cambiaria para o atual. Com efeito, segundo Pedro Laffitte, sucessor de Comte, ele

“não dá de modo nenhum à palavra ditadura o sentido de poder pessoal absoluto que

se lhe atribui”.

24

O “dictare” latino (ato de enunciar palavras que alguém escreve), empregado em

sentido figurado, originou o verbo ditar, ato de prescrever, ordenar, impor algum

mandamento. Ditador é quem dita e ditadura é a ação de ditar, independentemente do

regime político e da forma governativa correspondentes: são igualmente ditaduras os

governos presidencialistas, parlamentaristas, republicanos, monárquicos, despóticos,

fascistas, democráticos e quaisquer outros.

Entretanto, como será apresentado nos próximos capítulos, estes argumentos foram

utilizados com outra ênfase pelos republicanos.

1.2. O positivismo ortodoxo e heterodoxo

Num determinado momento da vida de Auguste Comte, sua obra e seus estudos

sociais e filosóficos sofreram uma ruptura muito marcante, dividindo seus seguidores em dois

eixos: ortodoxos e heterodoxos. Cada um desses eixos foi responsável por implicações

próprias junto ao movimento republicano brasileiro, portanto, afim de facilitar a exposição

das informações, foi criado o presente tópico dedicado à uma curta abordagem sobre esta

divisão na teoria positivista.

Os principais estudos sobre as teorias de Auguste Comte indicam o ano de 1844 como

sendo o momento no qual seu foco de pesquisa começou a sofrer um desvio definitivo. Neste

ano, ele conheceu Clotilde de Vaux, por quem se apaixonou profundamente. Clotilde adoeceu

de tuberculose e faleceu em 1846. A paixão de Comte por sua amada foi tão intensa que

acabou sendo caracterizada como a justificativa para o início da segunda etapa de seus

estudos. O resto de sua vida e obra foram devotados à Clotilde, Comte entrou numa fase

altamente sentimental e feminista, passando a considerar a mulher como sendo o símbolo da

própria Humanidade. Seus trabalhos assumiram um caráter ainda mais evidente de renovação

social e moral, “os elementos religiosos passaram a predominar sobre os aspectos científicos,

o sentimento foi colocado acima da razão, a comunidade foi sobreposta ao indivíduo”

(CARVALHO, 2003, p. 21). O “Sistema de Política Positiva”, que a princípio deveria ser sua

principal obra sobre o positivismo, acabou servindo como instrumento de divulgação da

Religião da Humanidade, da qual Comte se proclamaria sumo sacerdote, demonstrando uma

contradição dentro de sua própria lógica por estar regredindo ao estágio teológico.

25

De acordo com a Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. (disponível no

site: <http://geocities.yahoo.com.br/mcrost07/positivismo.htm> acessado em: 06.dez.2004),

os adeptos do positivismo dividiram-se em dois grupos antagônicos:

- Os heterodoxos, liderados por Émile Littré, autor de Fragments de philosophie

positive et de sociologie contemporaine (1876; Fragmentos de filosofia positiva e

sociologia contemporânea). Mantiveram-se fiéis somente à primeira fase, de cunho

científico e filosófico, consideraram a segunda fase como um retrocesso, que

entrava em conflito com a primeira e a renegava; e

- Os ortodoxos, que acompanharam Comte em sua fase religiosa, sendo liderados

por Pierre Laffitte que foi o continuador da pregação e sacerdote máximo da

religião da humanidade.

Os detalhes sobre a Religião da Humanidade, assim como a vertente ortodoxa e a

segunda fase da obra de Auguste Comte como um todo, não interessam diretamente aos

objetivos desta pesquisa. Alguns aspectos, principalmente relacionados com a idéia de

“ditadura republicana” foram desenvolvidos e defendidos com maior intensidade pelo grupo

de Laffitte e vieram a ter grande influência no movimento republicano brasileiro, portanto

determinados pontos deste segundo momento do positivismo serão abordados nos capítulos

adiante. Entretanto, é importante salientar que a base teórica deste trabalho repousa sobre os

conceitos heterodoxos positivistas.

1.3. O pensamento positivista no Brasil

Como já foi comentado no início deste capítulo, o positivismo entrou no Brasil com

muita força, atingindo diferentes segmentos da sociedade justamente pelo próprio fato deste

pensamento apresentar diversas possibilidades de abordagens.

Na verdade, a obra de Auguste Comte, tanto com relação aos aspectos científicos

como aos religiosos, teve grande receptividade nos países com pequena tradição cultural e

carentes de alguma ideologia para orientar seus anseios em direção ao desenvolvimento. A

difusão do positivismo no Brasil, assim como em outros países latino-americanos, ocorreu

26

através dos escritos de Auguste Comte e de seus seguidores: Littré, Laffitte, Robinet,

Audiffrent e outros.

Segundo VITA (1965, p. 3):

A perfeita compreensão do legado positivista pelos escóis latino-americanos dos fins

do século XIX é de grande relevância para o entendimento da ação e contemplação

dos ideólogos dessa parte do Nôvo Mundo. Isto porque o positivismo se adequava

singularmente tanto às necessidades das nascentes nações como a sua incipiente

atividade intelectual.

Ainda na opinião do mesmo autor (VITA, 1965, p. 6-7):

(...) a projeção do interêsse coletivo para o social, o político e o econômico coincidia

com o espírito do movimento positivista.

Esta influência positivista se estendeu a todos os países da América Latina, mesmo

quando foram as características locais, não só de tipo intelectual, mas – sobretudo –

políticas e sociais, as que condicionaram as particulares formas e a orientação

assumidas pelo positivismo em cada caso.

Os estudos de Auguste Comte foram realizados em meados do século XIX, portanto

receberam de certa forma, ainda que indiretamente, a influência do surgimento da imprensa e

dos novos meios de comunicação, capazes de unir homens separados pela distância. Desta

forma podem ser englobados na fase, caracterizada por MARQUES DE MELO (1998, p. 22),

como sendo dos filósofos sociais:

É um período caracterizado por uma série de estudos sobre os meios de comunicação

coletiva e seus efeitos. Os jornais, os livros e os volantes circulavam intensamente em

todo o mundo, e passavam a desempenhar um papel fundamental nos destinos da

civilização. Em função disso, suscitaram o interesse de alguns filósofos sociais pela

análise da sua importância e dos seus efeitos.

No Brasil, o movimento republicano encontrou em Alberto Salles, irmão de Campos

Salles, um de seus maiores teóricos. Intelectual de grande prestígio, “teve no positivismo seu

principal fundamento. São inumeráveis as citações de Augusto Comte em sua obra” (VITA,

27

1965, p. 49). Produziu muitos textos e participou ativamente dos principais manifestos,

publicações e jornais emitidos pelos republicanos. “Política republicana”, “A vitória

republicana”, “A pátria paulista” e “Ciência política” são algumas de suas obras. Entretanto, a

mais aclamada entre elas, a qual o Partido Republicano Paulista patrocinou e distribuiu

gratuitamente 10.000 cópias, foi o “Catecismo republicano”, de 1885. Desta forma, o

positivismo social, eminentemente heterodoxo, teve em Alberto Salles um difusor de grande

impacto junto aos líderes políticos republicanos, influenciando inclusive as bases positivistas

das estratégias de comunicação política de Campos Salles.

Luis Washington VITA (1965, p. 14) comenta de que forma o positivismo arraigou-se

naquela geração de futuros políticos brasileiros formados pelas Escolas de Direito:

A principal virtude do bacharel no evolver do nosso pensamento filosófico,

conspicuamente afirmada pela geração de Alberto Sales, resultante do próprio

“bacharelismo” em constante antagonismo às posições dogmáticas, encontra-se na sua

maneira de aceitar e assimilar as doutrinas especulativas, de modo especial no que diz

respeito ao positivismo, pois enquanto os “ortodoxos” (em geral promanados de

escolas de matemática ou de medicina) assumiram posições fechadas, os

“heterodoxos” (em geral saídos de escolas de Direito) assumiam posições abertas.

Diversos estudos importantes e referenciais foram realizados, a partir do final do

século XIX e durante o século XX, com o intuito de registrar a presença do positivismo no

Brasil e as marcas deixadas por este pensamento na história do país. Entre eles podem ser

mencionados:

- História do positivismo no Brasil, de Ivan Lins;

- O positivismo no Brasil, de João Camilo de Oliveira Torres;

- O positivismo na república, de João Cruz Costa;

- La filosofia en el Brasil, de António Gomez Robledo.

A partir da análise destas obras, o grupo de pesquisadores Alexsandro Silva, Ana

Gilda Benvenutti e Fabio M. Said, sob a tutela da Profa. Dra. Dinorah d’Araújo Berbert de

Castro, do curso de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, realizou em 2001, uma

compilação bastante resumida e objetiva, abordando a passagem do positivismo pelo Brasil e

as marcas aqui deixadas, apresentada na forma de uma monografia intitulada “Visões do

28

Positivismo no Brasil”, disponível no site <http://www.geocities.com/positivismonobrasil>,

acessado em 24.jun.2004.

Será feita a seguir a reprodução de alguns trechos deste trabalho, afim de ilustrar e

complementar as informações fornecidas até o momento sobre o pensamento positivista.

O nosso Positivismo era, ao mesmo tempo, radicalmente fiel às palavras de Comte -

sobretudo do Comte do Sistema de Filosofia Positiva - e também fortemente mesclado

à tradição política e à intuição religiosa do brasileiro. Tão mesclado, aliás, que

António Gomez Robledo, estudioso da filosofia do Brasil no México, afirma, em seu

La Filosofía em el Brasil, que muitos de nossos intelectuais e políticos aproximaram-

se do Positivismo exclusivamente como se este fosse a fonte mesma de sua inspiração

republicana, como se a doutrina científica, filosófica e religiosa interessasse menos

por seus valores intrínsecos do que por sua aplicação e pertinência em relação à

realidade do Brasil.

Em 1857, ano do falecimento de Auguste Comte, já havia no Brasil um grupo de

seguidores não coeso, porém firmemente defensor das idéias do mestre. Esse grupo

era composto de intelectuais oriundos das classes abastadas do país, jovens que

retornavam de seus estudos na Europa, estudiosos que preparavam teses nas nossas

melhores escolas superiores. Ivan Lins dá como certo que 1844 marca a entrada do

Positivismo no Brasil. Nesse ano, o dr. Justiniano da Silva Gomes apresentou, na

Faculdade de Medicina da Bahia, uma tese com nítida influência do Positivismo,

numa referência à Lei dos Três Estados.

Por volta da mesma época, alguns brasileiros eram alunos de Comte em cursos por ele

oferecidos em Paris, e entre esses alunos estava outro baiano, Felipe Ferreira de

Araújo Pinho (1815-1901), bacharel em Ciências Matemáticas pela Universidade de

Paris e pai de João Ferreira de Araújo Pinho, que mais tarde seria Presidente da

Província de Sergipe e Governador do Estado da Bahia.

O paulista Luís Pereira Barreto (1840-1923) foi um dos responsáveis pelo aumento do

prestígio do Positivismo no Brasil na segunda metade do século XIX. Ao retornar de

seus estudos de medicina em Bruxelas - onde teve seu primeiro contato com as

doutrina positivista com Marie de Ribbentrop, educadora e freqüentadora de círculos

intelectuais em Bruxelas - estava imbuído das idéias de Comte e dedicou-se a intensa

propaganda ideológica em favor da doutrina.

29

Para isso, fez uso pertinente de sua posição de grande proprietário rural e cientista de

reconhecidos dotes. Pode-se dizer que Pereira Barreto foi o primeiro caso, no Brasil,

de um modelo moral típico do Positivismo, qual seja, o de um homem de ilibada

moral e muito respeitado na sociedade que angaria devotos ao Positivismo por sua

extrema facilidade de comunicação. (...) Nesse espírito, escreveu sua obra-prima, As

Três Filosofias, originalmente planejada em três tomos, dos quais somente o primeiro

e o segundo foram efetivamente publicados: A Filosofia Teológica (1874) e A

Filosofia Metafísica (1880).

Analisando a Questão Religiosa [conflito entre as forças da Igreja Católica e o Estado

brasileiro (monarquia)], percebe-se que ela indica um claro enfraquecimento da

instituição religiosa no Brasil, completamente subordinada ao Estado. Não raro,

muitos padres eram políticos e até maçons, o que, para alguns, era uma verdadeira

heresia. Na prática, quando um padre era também homem de vida política, sobressaía

o político. A Questão Religiosa expôs essa fragilidade da Igreja Católica no Brasil e

abriu caminho para a entrada do Positivismo religioso em nosso país.

Outra tensão existente no país no último quartel do século XIX foi a Questão Militar,

desta vez um conflito entre o Imperador e os militares. Com o fim da Guerra do

Paraguai, os militares perderam seu prestígio e passaram a receber incumbências que,

em sua opinião, denegriam a imagem da corporação, como caçar escravos fugitivos,

tarefa normalmente entregue a capitães do mato. Na prática, isso levou os jovens

militares em formação a afastarem-se do ideal bélico e guerreiro e a aproximaram-se

do estudo das ciências exatas. A Escola Politécnica e a Escola Militar eram as

responsáveis pela formação dos militares.

Nesse mesmo momento, os professores da Escola Militar estavam entrando em

contato com a doutrina de Comte. No últimos anos do Império, essa instituição era

plenamente positivista. Nela, os futuros soldados eram ensinados a não seguir a

religião do Estado e a combater a autoridade da qual eles deveriam ser defensores,

idéias conformes ao espírito da doutrina de Comte.

A Escola Militar formava não homens para a guerra e sim engenheiros. Isso foi

criticado como uma espécie de paisanização ou "bacharelarização" dos militares

brasileiros. Os oficiais egressos eram matemáticos e não militares. O tenente-coronel

Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um dos mais acirrados defensores do

Positivismo no Brasil, foi um dos professores da Escola.

30

O Positivismo de Comte já tinha dissidência na França. Littré, um dos primeiros

discípulos de Comte, tornou-se dissidente quando passou a considerar secundária a

segunda parte da obra do mestre, incluindo o Sistema de Política Positiva e a Religião

da Humanidade, por acreditar que o estado de saúde mental de Comte após o incidente

com Clotilde de Vaux teria inspirado suas idéias nesse período.

O sucessor oficial de Comte foi Pierre Lafitte. Sob seu patrocínio, foi fundada, em

1878, a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, com o objetivo de divulgar o

Positivismo na imprensa. Entre os intelectuais envolvidos na Sociedade estavam

Benjamin Constant e os jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Esse foi o embrião

do Apostolado Positivista do Brasil, que tanta influência teria mais tarde, durante a

República.

Muito embora Miguel Lemos não admita, já antes de 1874 havia ecos positivistas em

quase todos os Estados da Federação sendo que no Rio Grande do Sul o principal

defensor do comtismo foi Júlio de Castilhos, nascido numa estância dos pampas em

1860, Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de São Paulo.

Segundo Ivan Lins, o Positivismo era para os gaúchos: amor as ciências exatas, a

matemática, a história natural, a física, e principalmente, um forte sentimento

republicano. Com Júlio de Castilhos, ordem e progresso, positivismo e republica se

confundem. Dono de um perfil autoritário, inteligente, polemista e persuasivo.

colocou-se a serviço da República. Interpretou e aplicou os ensinamentos positivistas

de Comte, segundo as necessidades determinadas pelas conveniências partidárias que

o momento exigia.

Com base nas informações reproduzidas acima, Alexsandro Silva, Ana Gilda

Benvenutti e Fabio M. Said concluem em sua monografia que o positivismo brasileiro teve

como principais causas deflagradoras:

- a influência exercida por Comte em estudantes brasileiros que foram seus alunos

ou que aprenderam a doutrina com seus discípulos;

- a Questão Religiosa e a demonstração de fragilidade da monarquia e da Igreja;

- a Questão Militar e o aparecimento de uma classe de indivíduos (os militares

inconformados pela degradação imposta pelo monarca) prontos a serem

influenciados pela nova doutrina;

31

- a tradição política e a intuição religiosa no Brasil, que possibilitaram o surgimento

de líderes morais, apóstolos do Grão Ser e demais personalidades de grande apelo.

1.4. Do positivismo ao funcionalismo

Alguns dos principais conceitos teórico-metodológicos do positivismo foram

resgatados nas páginas anteriores com o objetivo de contextualizar os argumentos defendidos

pelos republicanos brasileiros do final do século XIX, os mesmos serão evidenciados e

discutidos nos Capítulos 3 e 4. Entretanto, foi considerado necessário incluir um quarto e

resumido sub- item neste primeiro capítulo. Pois, algumas questões, a serem respondidas sobre

a comunicação política de Campos Salles, estão relacionadas com as questões formuladas

pelo modelo funcionalista de análise comunicacional de Harold Lasswell, cujas raízes estão

fundamentadas no modelo positivista de análise social de Auguste Comte.

Segundo WOLF (2002, p. 29), o estudo científico do processo comunicativo, proposto

em 1948 por Lasswell, representa uma adaptação de um paradigma da análise sociopolítica

(Quem obtém o quê? Quando? De que forma?). O modelo funcionalista de pesquisa

comunicacional estava baseado nas respostas para as perguntas: quem, diz o quê, através de

que canal e com que efeito.

Qualquer uma destas variáveis define e organiza um sector específico da pesquisa: a

primeira caracteriza o estudo dos emissores , ou seja, a análise do controlo sobre o que

é difundido. Quem, por sua vez, estudar a segunda variável, elabora a análise do

conteúdo das mensagens, enquanto o estudo da terceira variável dá lugar à análise dos

meios. Análises da audiência e dos efeitos definem os restantes sectores de

investigação sobre os processos comunicativos de massas (WOLF, 2002, p. 29-30).

Esta fórmula de Lasswell, responsável por torná- lo célebre e utilizada como modelo

dominante durante muito tempo nas pesquisas comunicacionais, na visão de MATTELART

(2003, p. 40) dotou a sociologia funcionalista da mídia de um quadro conceitual que, até

então, alinhava apenas uma série de estudos de caráter monográfico. Na prática, dois pontos

desse programa foram privilegiados: a análise dos efeitos e a análise do conteúdo.

Argumentos similares às conclusões feitas por WOLF (2002, p. 31):

32

O esquema de Lasswell organizou a communication research, que começava a

aparecer, em torno de dois dos seus temas centrais e de maior duração - a análise dos

efeitos e a análise dos conteúdos - e, ao mesmo tempo, individualizou os outros

sectores de desenvolvimento da matéria, sobretudo a control analysis.

O modelo teórico de Lasswell, assim como outras teorias formuladas no século XX,

não será utilizado diretamente nas próximas páginas, devido aos motivos de anacronismo

anteriormente discutidos. No entanto, as questões elaboradas por Lasswell, não podiam deixar

de ser mencionadas sinteticamente aqui, pois devem ser respondidas indiretamente nas

entrelinhas deste trabalho, assim como Peter BURKE (1994) também o fez em sua obra sobre

a construção da imagem pública de Luís XIV:

A finalidade deste estudo poderia ser resumida, numa fórmula tomada dos analistas da

comunicação de nosso tempo, como a tentativa de descobrir quem dizia o quê sobre

Luís a quem, por meio de que canais e códigos, em que cenários, com que intenções e

com que efeitos (p. 25).

Devemos estudar agora não apenas ‘quem diz o quê’, mas também ‘para quem’ e

‘com que efeitos’, refinando esta fórmula para levar em conta os processos de

interpretação de mensagens e adequando-os para fins a que não foram originalmente

destinados. No caso de Luís XIV, pelo menos a documentação referente às audiências

pretendidas é relativamente rica, e os registros nos permitem ter também alguns

vislumbres fascinantes de reações individuais (p. 163).

A comunicação de Luís XIV e sua incessante preocupação com a imagem pública

também foram estudados por Jean-Marie Apostolidès, na obra “O rei-máquina: espetáculo e

política no tempo de Luís XIV”, de 1993. Segundo Wilson GOMES (2004, p. 364), os

trabalhos de Peter Burke e de Apostolidès “mostram meios, modos, agentes e propósitos

envolvidos no fenomenal empreendimento histórico” de construção da imagem de Luís XIV.

De maneira semelhante, na presente pesquisa, o modelo de Lasswell estará presente na

tentativa de responder às questões:

33

1) Quem, junto do próprio Campos Salles, foram os responsáveis pelo planejamento e

execução de suas campanhas eleitorais;

2) Dizendo o quê, ou seja, qual era o conteúdo das mensagens de comunicação

política;

3) Através de que canal, de que forma e como estas mensagens chegaram aos

receptores/eleitores; e finalmente

4) Com que efeito as mesmas os impactaram, resultando nas vitórias eleitorais de

Campos Salles até a presidência da República.

34

Capítulo 2

Século XIX: Cenário histórico e político brasileiro

Determinados aspectos sobre o cenário histórico da segunda metade do século XIX,

período no qual Campos Salles desenvolveu sua trajetória política, são importantes para a

contextualização desta pesquisa. Diante disso, serão apresentadas a seguir algumas

informações sobre o ambiente político vivido pelo ex-presidente. Não será feita uma extensa

abordagem histórica sobre a época, justamente por este não ser um trabalho relacionado

diretamente com História do Brasil, serão apresentados apenas alguns dados considerados

pré-requisitos para o estudo das estratégias comunicacionais adotadas por Campos Salles em

suas campanhas eleitorais rumo a presidência do país.

2.1. Situação política do país durante o reinado de D. Pedro II

O Segundo Reinado foi iniciado em 1840, com a subida de D. Pedro II ao trono, aos

14 anos de idade, mediante a antecipação de sua maioridade. Porém, o regime monárquico

somente começou a estabilizar-se depois de dez anos.

Campos Salles iniciou seu envolvimento com a política, em 1865 (como será abordado

no Capítulo 3), num momento em que o governo central já encontrava-se bastante fortalecido

pelo Poder Moderador. A Monarquia, representada pela figura onipotente do Imperador,

centralizava e administrava a disputa do poder nos Ministérios, nas Câmaras Municipais e nas

Assembléias Legislativas Provinciais e Gerais. Vereadores e Deputados eram escolhidos

através do sufrágio indireto (vide item 2.4), passando por um processo eleitoral mantido sob o

controle do Imperador e da Igreja. As eleições eram travadas entre os dois partidos

constitucionais, o Conservador e o Liberal, os quais recebiam a influência do próprio monarca

e funcionavam de acordo com sua vontade, servindo como instrumentos de legitimação do

regime em vigor.

35

Segundo GUANABARA (1983, p. 9):

As lutas políticas eram travadas então entre os dois partidos com o objetivo exclusivo

da conquista das boas graças do monarca, de quem dependia a obtenção do poder. O

monarca era, pois, um centro de equilíbrio para os dois poderosos partidos, cuja

existência por si só bastava para mantê-los dentro de uma esfera de paz e de ordem,

pois que se estava no interesse dos partidos não levar o combate ao adversário no

poder a extremos que o incompatibilizassem com o monarca, estava também no

interesse deste não dar ao partido no poder tal soma de autoridade, que esmagasse o

adversário, ou lhe tirasse toda a esperança de vida normal.

O acordo mantido entre os dois partidos, visando o equilíbrio na distribuição de cargos

públicos durante o reinado de D. Pedro II, recebeu o nome de política de Conciliação. A partir

da década de 1860, aquele sistema começou a sofrer mudanças. Alguns membros do Partido

Conservador tornaram-se dissidentes, ficando conhecidos como Moderados. Por estarem mais

alinhados com os Liberais, propuseram junto a eles uma união, constituindo assim o Partido

Progressista. A aliança progressista não durou muito, e na verdade foi considerada apenas

como uma Liga, pois não surgiu um pensamento comum entre as duas facções. Seus membros

promovem mais uma divisão, criando duas agremiações distintas: o Partido Radical,

organizado pelos liberais históricos; e o novo Partido Liberal.

No limiar da década de 1870, de acordo com DEBES (1975, p. 3), o quadro partidário

do Império encontrava-se assim estruturado:

O Partido Conservador, despojado de parte de seus antigos integrantes, se mantém

como força política; o Liberal, desfalcado, igualmente, de ponderável parcela de seus

adeptos, mas reforçado por antigos conservadores, se renova. Em plano secundário, se

movimenta o Partido Radical.

2.2. Período da propaganda republicana (1870-1889)

Os radicais consideravam seu partido como sendo independente das outras duas

grandes agremiações (conservadores e liberais), por isso CAMPOS SALLES (1998, p. 12)

defendia que o Partido Radical não tinha “a preocupação de servir a política imperial no

revezamento do governo do país”. Apesar de não terem intuitos propriamente revolucionários,

36

os radicais pretendiam levar adiante, através de perseverante propaganda, as teses

democráticas de seu programa.

Ainda segundo CAMPOS SALLES (1998, p. 7), a agitação no seio daquele partido era

um reflexo da atmosfera saturada de idéias ultrademocráticas que convulcionava o mundo

inteiro ao declinar do século XVIII, representada pela guerra da independência da América do

Norte e pela grande Revolução na França.

Diante deste contexto, os radicais caminharam naturalmente em direção a idéia

republicana, lançando no dia 3 de dezembro de 1870, o celebrado Manifesto Republicano,

estampado com destaque na edição inaugural do jornal A República. Considerado por DEBES

(1978a, p. 86) como “um documento de valor eminentemente simbólico, no conjunto dos

fatos que culminaram com a queda do Império. Na verdade, é ele um marco no processo que

conduziu ao novo regime”.

O Manifesto de 1870 também foi lançado como sendo uma resposta à dissolução da

Câmara dos Deputados, ocorrida em 1868, e tida pelos liberais formadores do Clube Radical

como “um ato despótico do monarca, um excesso do Poder Moderador” (DEBES, 1978a, p.

82). Mais do que seguir a tendência revolucionária dos movimentos de outros países, foi

especificamente este fato o estopim que deu início propriamente a propaganda republicana,

simbolizada através do Manifesto.

A dissolução da Câmara foi uma decisão tomada pelo Imperador D. Pedro II para

conter a desconfiança parlamentar depositada pela maioria liberal ao novo Ministério,

entregue pelo governo aos conservadores. Eleições subsequentes foram realizadas e a vitória

foi totalmente dos conservadores, consolidando a decisão imperial. De acordo com Célio

DEBES (1978a, p. 81), do ponto de vista do soberano foram defendidas as razões de Estado, a

fim de não colocar em risco os rumos da guerra com o Paraguai. Mas a reação dos liberais não

tardou, bradavam a atitude do imperador como: “Estelionato político”.

Foi assim que, logicamente, apareceu, a 3 de dezembro de 1870, o Manifesto

Republicano, documento memorável, que na história da democracia brasileira assinala

o momento inicial da ação política, que se perpetuará na memória do país como o mais

notável nos fastos das nossas lutas, tal a firmeza, a abnegação, a coragem dessa

falange de heróicos combatentes, que a empreenderam e souberam levá-la a termo. A

história deve este tributo de homenagem aos propagandistas da República (SALLES,

1998, p. 13).

37

Ainda em dezembro de 1870, o Clube Radical de São Paulo converte-se em Clube

Republicano. Assim começava a ser germinado o Partido Republicano Paulista:

O exemplo da Capital foi seguido pelos outros Clubes Radicais existentes na

Província, sendo fundadas novas entidades e lançados jornais que perfilhavam a idéia

republicana. Mas, logo, se percebeu que os elementos dispersos careciam de unir-se

em partido, de modo a que a conjugação dos esforços resultasse em uma expressão de

força (DEBES, 1975, p. 8).

Em princípios de 1872, reúnem-se em São Paulo, na casa de Américo Brasiliense,

vários republicanos para discutir as bases da organização do partido. Decidem manter a

independência e autonomia daquela agremiação, assim como dos núcleos locais da Província,

face aos grupos semelhantes formados na Côrte. Elegem uma Comissão Permanente, formada

por João Tibiriçá, Américo de Campos, Antonio Augusto da Fonseca, Américo Brasiliense,

João Tobias, Campos Salles e Martinho Prado, os quais recebem o encargo de: Coordenar os

trabalhos de organização do partido; Manter o contato com os correligionários por meio de

circulares e congressos e; Garantir a proteção da imprensa partidária.

A imprensa partidária tornou-se o principal instrumento de comunicação entre os

membros do Partido Republicano, sendo considerada mais eficiente que circulares, justamente

por levar rapidamente as notícias a todos os pontos do estado. Mais do que simplesmente

facilitar o contato, os informes e notícias publicados nos jornais serviam como um forte

instrumento de propaganda.

O primeiro Congresso Republicano da Província de São Paulo foi realizado no dia 18

de abril de 1873, na cidade de Itu, um dia depois da inauguração da linha férrea da

Companhia Ituana. Segundo DEBES (1977, p. 107), “a propaganda republicana em São Paulo

esteve desvinculada da campanha abolicionista. Desse modo, o fato de Itu ser um centro

escravista não constituía óbice algum para sua eleição para sede do conclave”. O sucesso do

evento foi noticiado pelos principais jornais republicanos, o Correio Paulistano publicou:

É acusado significar a importância desta reunião e o influxo que daí há de vir em prol

da consolidação da propaganda republicana e do grande Partido nacional que será

dentro em pouco a maioria do país – organizada e forte pela união (DEBES, 1978a, p.

106).

38

Ficou definido na Convenção de Itu, a formação oficial do Partido Republicano

Paulista e suas normas de funcionamento, transformando os clubes e núcleos dispersos, num

partido político provincial organizado. Na opinião de Célio DEBES (1977, p. 110-111), as

resoluções ali tomadas não assumiram uma importância desmesurada no conjunto dos fatos

que conduziram à Proclamação da República, mas o evento ganhou um projeção histórica

assinalável com a participação do Partido no desenrolar dos acontecimentos. “Partido esse que

seria, no Império, o único estruturado e de expressão da grei republicana” (DEBES, 1977, p.

111).

O Partido Republicano de São Paulo tinha como base o fortalecimento dos núcleos

municipais, os quais deveriam definir representantes para participar dos congressos anuais

realizados pelo Partido. Foi criada uma Comissão Permanente, de eleição anual, formada

inicialmente por sete membros, passando posteriormente para nove. Sua função era coordenar

e colocar em prática as deliberações feitas nos congressos. As convenções não foram

realizadas em todos os anos seguintes, nem tão pouco foram lançados manifestos em cada

uma delas. Apesar disso, uma doutrina republicana foi sendo esboçada e o Império sentia sua

presença.

Um dos artifícios mais evidentes e eficientes, adotados por D. Pedro II contra a

propaganda republicana, foi a intensa distribuição de títulos de nobreza durante o período de

maior atuação do Movimento Republicano. D. João VI havia sido um monarca de ampla visão

com relação aos aspectos de manutenção ideológica da opinião pública. Segundo ROMANINI

(2002, p. 50-51), ele distribuía títulos de nobreza para diminuir o descontentamento com seu

sistema de governo. Mas, entre os monarcas que governaram o Brasil, D. Pedro II foi o que

melhor soube utilizar a propaganda. QUEIROZ (1999, p. 71) afirma que este imperador foi

um exímio distribuidor de objetos que lembrassem a realeza. Assim como Luís XIV, na

França, D. Pedro II foi um cultor da estratégia de construção da imagem pública, associando

seu reinado à imagem do rei-cidadão.

De acordo com ROMANINI (2002, p. 159-160), D. Pedro II, foi o imperador

brasileiro que mais distribuiu títulos de nobreza. A partir de 1869 até a Proclamação da

República, ele cooptou pessoas dos mais diversos segmentos da sociedade, espalhando pelo

reino barões e viscondes. D. Pedro II outorgou quase mil títulos em seus mais diferentes

graus, enquanto D. João VI havia condecorado 254 pessoas e D. Pedro I concedido 150

honrarias.

Uma das questões suscitadas na Convenção de Itu, foi o fortalecimento da imprensa

partidária. Ela precisava ser colocada em prática para combater a manipulação da opinião

39

pública e o poder de comunicação da monarquia. Segundo GARCIA (1982, p. 11), através do

apoio dos jornais, seria possível favorecer determinados pontos-de-vista:

Não é mais tão fácil perceber que se trata de propaganda e que há pessoas tentando

convencer outras a se comportarem de determinada maneira. As idéias difundidas

nem sempre deixam transparecer sua origem nem os objetivos a que se destinam.

Por trás delas, contudo, existem sempre certos grupos que (...) conseguem, muitas

vezes, controlar todos os meios e formas de comunicação, manipulando o conteúdo

das mensagens, deixando passar algumas informações e censurando outras, de tal

forma que só é possível ver e ouvir aquilo que lhes interessa.

Até então o Correio Paulistano era o principal veículo de apoio ao Movimento

Republicano, mas no Congresso de 1874 foi definida a fundação de um jornal, que serviria

eminentemente, como órgão do partido em São Paulo. Segundo DEBES (1975, p. 50), “não se

sabe se esta deliberação motivou a venda do Correio Paulistano, ou se a disposição de seu

proprietário em aliená- lo é que teria levado os republicanos a pensar em sua substituição”. O

fato é que com o apoio administrativo da Gazeta de Campinas, tornou-se possível a edição

d’A Província de São Paulo (atual O Estado de São Paulo). Foi necessária a participação

financeira de muitos membros do Partido, Célio DEBES (1978a, p.128) considera que

“Campos Salles foi o grande animador da idéia, de que Américo Brasiliense foi o maior

realizador”.

Os republicanos paulistas estruturavam toda uma rede de difusão de idéias, pois

acreditavam que a implantação do novo regime deveria ocorrer dentro das regras fixadas pela

Constituição do Império. Ou seja, a República seria estabelecida pelos meios eleitorais,

através da consolidação de um Partido. O Partido Republicano defendia nesta fase uma

proposta evolucionista:

Daí vem a sua marcha calma e a propaganda pertinaz, por isso mesmo que ele (o

Partido Republicano) mede bem os obstáculos a vencer. Não procura fazer da

revolução a corrente impetuosa que lhe dê a vitória. Prefere ser uma força de grande

fator moral e esperar da evolução o advento da República (DEBES, 1975, p. 43).

A primeira mobilização do Partido, neste sentido, foi a produção do “Programa dos

Candidatos”. Um trabalho coletivo dividido em doze capítulos, assinado em 18 de agosto de

1881, pelos nove republicanos que disputariam as próximas eleições gerais e provinciais. O

40

Programa unificava a plataforma política dos candidatos e servia com um guia para as

campanhas eleitorais. Surgiu como uma grande inovação por ter sido divulgado publicamente

pela imprensa. Para garantir a visibilidade, foi sendo apresentado aos poucos, durante vários

dias nos jornais partidários.

Com essa importante inovação na arte de fazer propaganda política o Partido

Republicano inaugurava um novo paradigma nas campanhas eleitorais. Começava a

romper-se o tradicional jogo político, às vezes escuso, praticado pelos partidos

Liberal e Conservador, que se revezavam no poder.

O maior mérito da grei republicana foi tornar públicas idéias, medidas e mostrar as

novas diretrizes políticas, que seriam implantadas com sua posse nas Câmaras dos

Deputados Estadual e Federal (ROMANINI, 2002, p. 99).

Cada um dos candidatos empreendeu excursão eleitoral pelas localidades de seus

respectivos distritos. Promovendo comícios, também chamados de meetings, para apresentar

os princípios democráticos defendidos pelo Partido. Eles tinham consciência da eficácia da

propaganda desenvolvida com dedicação individual.

Mas apesar de todo empenho, nenhum republicano foi eleito para deputado da

Assembléia Geral, em 31 de outubro de 1881. “Aquilo equivale por um batismo de fogo para

os do partido. Não desanimam. Saem da batalha mais aguerridos ainda. (...) Cinco dias depois,

a 4 de novembro, realizam-se novas eleições, dessa vez para a renovação da legislatura

provincial” (MENEZES, 1974 p. 43). Dessa vez, seis candidatos saem vitoriosos, pela

primeira vez o Partido Republicano elege Deputados Estaduais, justamente no estado de São

Paulo, comprovando a força do movimento paulista.

Somente nas eleições de 1884, segundo pesquisa realizada por MENEZES (1974, p.

46), Campos Salles e Prudente de Morais, por São Paulo, e Álvaro Botelho, por Minas Gerais,

seriam os primeiros deputados republicanos eleitos à Assembléia Geral. Os republicanos

indicaram candidatos para oito dos nove distritos, utilizaram basicamente as mesmas

estratégias de propaganda política de 1881, acrescentado uma inovação visual que merece

destaque: “alguns dias antes do pleito, A Província [de São Paulo] dedica sua primeira página

à propaganda de cada qual deles, em que a biografia do postulante é acompanhada de seu

retrato em tamanho avantajado” (DEBES, 1975, p. 107). Ao imprimir plasticidade à

propaganda política, os republicanos agregaram um valor estético inovador à propaganda

escrita, rompendo as formas tradicionais e o pensamento vigente da época.

41

A partir de 1886, no intuito de arregimentar novo adeptos, o Partido Republicano

passa para uma nova fase de expansão propagandista. Reconheciam a insuficiência da

imprensa, na campanha de proselitismo, mesmo contanto com sua intensa participação. Era

necessário pensar em estratégias de comunicação mais amplas e agressivas, precisavam agir e

utilizar outros meios. Passariam a trabalhar a relação entre ideologia e política com ma ior

vigor, na tentativa de transformar conceitos particulares em universais.

Assim, deram início às conferências doutrinárias, agindo mais uma vez de maneira

inovadora, promovendo pela primeira vez no país, cursos de “Ciências Políticas”. Para

ROMANINI (2002, p. 159), “de imediato a meta era conscientizar os homens para a

necessidade de mudanças, explorar os problemas a serem resolvidos”. A idéia teve origem e

foi aplicada inicialmente pelo Clube Republicano de Campinas, sendo noticiada na Gazeta de

Campinas e reproduzida no jornal A Província de São Paulo:

A nova entidade iria pela primeira vez nesta cidade, e cremos que em todo o país,

uma propaganda verdadeiramente benéfica e salutar das doutrinas democráticas, já

por meio de cursos regulares de ciência s políticas, ao alcance de todos, já por meio

de conferências sobre diversos assuntos e questões de política prática, determinadas

pelas condições de oportunidade de momento.

(...) o Partido Republicano vai entrar num período de grande agitação política: não

de agitação revolucionária e puramente eleitoral, mas de agitação doutrinária, de

propaganda e de ensinamento (DEBES, 1978a, p. 210-211).

O Movimento Republicano atinge seu momento de mais forte atuação com as decisões

tomadas no Congresso Provincial do Partido em 1888. A proposta evolucionista defendida na

Convenção de Itu é trocada, por muitos membros do partido, pela idéia de revolução. De

acordo com DEBES (1975, p. 75), “a índole conservadora dos homens da propaganda

republicana jamais denotaria que seriam eles capazes de se envolver em movimentos de rua”.

De fato eram homens de gabinete, engajados em suas campanhas políticas, trabalhos de

imprensa e reuniões. Porém, após o Manifesto de 1888, “os republicanos paulistas alteraram

sua tática, passando a ação perturbadora da ordem pública”. Não foram muitos os casos em

que adotaram este procedimento, mas foi suficiente para mostrar que poderiam persistir neste

rumo.

42

O pronunciamento mais expressivo dos republicanos paulistas ocorreu em 1888. No

combate ao terceiro reinado, que se prenunciava, se dispõem a recorrer a todos os

meios, inclusive a revolução. Abandonam, assim, a pregação evolucionista do

Manifesto de 70, ao qual se mantiveram fiéis até então. Ousavam pregar a violência

para coartar a sucessão dinástica de Pedro II, contra quem aguardavam a evolução

natural dos fatos (DEBES, 1975, p. 133).

A possibilidade de perpetuação da monarquia, caso a Princesa Isabel subisse ao trono,

instigou a ser pregada abertamente a proposta revolucionária. A eliminação física do consorte

da herdeira presuntiva da Coroa foi discutida, segundo DEBES (1975, p. 135), como recurso

extremo para impedir o advento do terceiro reinado.

Silva Jardim foi considerado o “pró-homem da revolução”, na parte final da

propaganda. Em 1888, durante uma conferência em Santos, ele proferiu uma fala sob o título

“A Pátria em Perigo”, soando como “um libelo contra a casa reinante de Bragança e contra a

de Orleans que, segundo o orador, passaria a reinar, uma vez ascendesse ao trono a Princesa

Isabel” (DEBES, 1975, p. 61).

Nos últimos momentos da Monarquia, como nos revela Raimundo de MENEZES

(1974, p. 62), o Partido Republicano de São Paulo atuava como uma poderosa força política,

devido a sua vigorosa organização, e sobretudo pelo prestígio moral obtido com os sucessivos

triunfos.

Ainda segundo análise de MENEZES (1974, p. 60), os alicerces do governo imperial

estavam abalados. De uma parte, os conservadores pregavam a falência do regime. Do outro

lado, os fazendeiros, antigos donos de escravos, se rebelam contra a monarquia em razão da

abolição da escravatura, pela lei de 13 de maio de 1888. Os militares ressentidos, por sua vez,

não ficavam atrás na rebeldia. A imprensa republicana aumentava consideravelmente, sendo

composta, então, por 74 jornais.

No seio do próprio exército penetrara a propaganda republicana. A palavra sentenciosa

do inolvidável Benjamin Constant, ouvida sempre com respeitoso acatamento pela

mocidade militar, que o idolatrava, ia radicando as novas crenças no coração dos

soldados. Evidentemente as classes armadas já se haviam familiarizado com a idéia

republicana. Foi por isso, certamente, que ao glorioso mestre, tão justamente amado e

venerado por seus discípulos, coube papel dos mais conspícuos entre os fundadores da

República (SALLES, 1998, p. 19).

43

À 1 hora da tarde, do dia 15 de novembro de 1889, chega ao Correio Paulistano um

telegrama enviado pelo Jornal do Comércio: “Exército unido intimou o governo a retirar-se.

Este, reunido no Quartel do Campo da Aclamação, foi obrigado a demitir-se” (DEBES, 1977,

p. 71). Horas depois, o mesmo jornal recebe confirmação vinda de Santos: “Foi proclamada a

República, pelo Exército, Armada e pessoas do povo. Marechal Deodoro à frente do

movimento. Foi proclamado o governo provisório, que declarou garantir ordem na Corte”

(DEBES, 1977, p. 71).

O período da propaganda republicana termina com o som dos gritos populares: “Viva

a República!”. A primeira eleição presidencial ocorreria em 25 de fevereiro de 1890, os

militares são eleitos: Deodoro da Fonseca, como presidente e Floriano Peixoto, como vice.

Somente após o pleito de 1º de março de 1894, Prudente de Morais passaria a governar o país,

como o primeiro presidente civil eleito através do voto direto.

2.3. Situação política do país após a Proclamação da República

O período da Primeira República ou República Velha estende-se de 1889, com a

Proclamação da República, até 1930. O cenário político brasileiro sofreu muitas mudanças

durante aqueles anos, para a presente pesquisa são considerados relevantes alguns dos fatos

ocorridos até 1898, ano em que Campos Salles foi eleito Presidente da República.

Com a queda do Império, naturalmente foi rompido o equilíbrio existente entre os dois

poderosos partidos (Conservador e Liberal). Segundo GUANABARA (1983, p. 9-10), as

influências exercidas sobre as províncias foram eliminadas com a revolução de 1889, o

pessoal que dominava as províncias foi sobreposto por um terceiro elemento, formado sem

homogeneidade, de militares, de moços radicais e de alguns antigos filiados aos partidos

monárquicos, apressados em aderir à nova ordem de coisas. Ao invés dos dois grandes

partidos nacionais, regendo uniformemente todos os departamentos administrativos do país,

apareceram em cada um deles agremiações diversas, compostas de elementos colhidos

indiferentemente nos seus remanescentes.

O terceiro elemento, mencionado por Guanabara, era o Partido Republicano. Com o

início da República encontrava-se praticamente desagregado e sem uma direção central bem

definida. Dividido em diversas agremiações locais e regionais, simbolizadas por siglas como

PRP (Partido Republicano Paulista), PRM (Partido Republicano Mineiro) e PRB (Partido

44

Republicano Baiano), dirigiam os destinos políticos da nação através dos altos cargos

ocupados e dos representantes no Senado e na Câmara Federal.

Neste sentido, WITTER (1999, p. 29) argumenta que:

A falta de um núcleo político de sustentação do regime e a ameaça do

parlamentarismo, que de certa forma era defendido pelo monarquistas, além da

ameaça de uma volta pura e simples ao regime monárquico eram argumentos fortes

para que os republicanos pensassem num partido que tivesse por escopo a defesa da

Constituição.

Na tentativa de organizar “sob a mesma bandeira elementos de formação bastante

diversa (...). Liberais, conservadores, republicanos históricos, republicanos adventícios,

homens sem preocupação partidária até então” (WITTER, 1999, p. 50), é criado efetivamente

no dia 8 de julho 1893, sob o comando de Francisco Glycério, o novo partido nacional,

denominado PRF – Partido Republicano Federal. Considerado posteriormente como “uma

catedral aberta a todos os credos” (GUANABARA, 1983, p. 12), justamente por abrigar sob a

mesma legenda as mais diversas ideologias políticas (um dos princ ipais motivos que o levaria

a ser extinto em 1899), tinha o intuito de defender a Constituição e o princípio republicano

federativo. Para WITTER (1999, p. 48), terminado o período do Governo Provisório e com a

chegada do momento de eleger o sucessor de Flo riano Peixoto na presidência da República, a

criação de um partido nacional tinha uma finalidade mais prática e premente: a disputa do

primeiro pleito eleitoral da República através do voto direto. O PRF revelou-se de fato “como

agremiação político-partidária voltada para um fim bem definido que era o da campanha e da

eleição dos futuros presidentes e vice-presidentes da República” (WITTER, 1999, p. 63).

Segundo GUANABARA (1983, p. 11), o principal traço-de-união, capaz de calar as

divergências dentro daquele agrupamento político tão heterogêneo, não era outro senão o

interesse da conservação do poder e da influência nas Províncias. Na plenitude de seu

domínio e estando infiltrado em todo o país, o PRF pôde eleger o primeiro presidente civil da

República, Prudente de Moraes, em 1894, além de constituir um terço do Senado e a

totalidade da Câmara com partidários seus. Apesar disso, WITTER (1999, p. 66) argumenta

que durante toda a existência do Partido Republicano Federal, a agremiação esbarrou em

constantes problemas regionais, “enquanto em alguns estados houve maior entrosamento com

a direção central do partido, em outros foi muito flácido esse liame”.

45

Em 1897, como já era esperado, ocorre uma cisão no PRF. CAMPOS SALLES (1998,

p. 72) afirma ter tido a previsão segura dos fatos, pois o germe da dissolução encontrava-se na

dupla: ausência de coesão de idéias e inconformidade de sentimentos. Em sua opinião, aquele

“não era propriamente um partido político, senão apenas uma grande agregação de elementos

antagônicos. Aí estava o morbus que lhe corroeu a existência” (CAMPOS SALLES 1998, p.

119). Apesar das críticas, Campos Salles, de acordo com WITTER (1999, p. 125), “procurou

conciliar os grupos que se formaram, tentando reaproximar Prudente de Moraes e Francisco

Glycério. A conciliação teria sido possível se, ‘ao impulso das suas tendências conciliadoras

não se opusessem a resistência dos irreconciliáveis de um e de outro lado’”.

Na verdade, um conjunto de fatores motivou a confirmação da cisão, entre eles a

revolta de Canudos, a moção Seabra, o incidente da Escola Militar, o desentendimento entre

Prudente de Moraes e Francisco Glycério, além das próprias divergências ideológicas entre os

membros do partido. Mas não cabe a este trabalho discutir cada um destes aspectos, pois isto

já foi feito com excelência por alguns dos principais historiadores do país, o objetivo aqui é

tentar demonstrar como aquela cisão criou um ambiente propício para o surgimento do nome

de Campos Salles para a sucessão presidencial de 1898 (como será abordado com maior

profundidade no Capítulo 4). Por enquanto, é importante anotar como a agremiação e

praticamente todo o país ficaram divididos, após a cisão, em dois grupos políticos

majoritários:

- Os reacionários ou moderados: que naquele momento governavam o país,

representados em sua maioria pelos antigos elementos dos partidos monarquistas,

contando entretanto, também, com republicanos do período da propaganda, entre

eles o próprio Prudente de Moraes; e

- Os legalistas ou radicais exaltados: que não tinham de fato objetivo prático algum,

mas atuavam como uma forte oposição às organizações e resistências reacionárias.

46

Segundo GUANABARA (1983, p. 13):

Os moderados do partido provocaram uma cisão que subsistia, como estamos vendo,

desde a sua formação. A cisão não foi nem o produto de uma exaltação de momento,

nem uma submissão a imposição de princípios, ou de ponto de vista doutrinário: foi,

na mente dos que a resolveram e a fizeram efetuar, o coroamento de uma longa e

meditada obra política, que se caracterizaria pelo deslocamento do poder das mãos dos

republicanos históricos para os dos antigos elementos dos partidos monarquistas que

aderiam à República, pois que ela estava feita, mas que queriam governá-la, alegando

que eram, de fato, a maioria do país.

Prudente de Moraes havia incorrido no desagrado dos exaltados, e dependendo da

indicação do candidato do governo para a eleição presidencial de 1898, o país poderia cair

numa guerra civil, pois qualquer um dos grupos que saísse vitorioso naquele pleito, fatalmente

esmagaria o adversário. Na opinião de GUANABARA (1983, p. 14):

Todos esperavam que os reacionários lançassem o seu grito de guerra sem

comiseração, indicando um dos seus pró-homens para a Presidência a vagar. (...) Foi

nessa conjuntura que a direção inteligente do grupo que dominava o governo lançou a

candidatura do Sr. Campos Sales. Era um ato de submissão à opinião republicana, era

o reconhecimento de sua própria impotência, era uma capitulação formal, que,

entretanto, se fazia com o grande alarido de quem triunfava por completo. Esperava-se

da astúcia o que se não tinha podido conseguir da força.

Sobre a indicação de Campos Salles, GUANABARA (1983, p. 19) ainda argumenta

que ele “era, dos republicanos tradicionais, o que tendo maior soma de responsabilidades na

República, mais afastado se conservara do Partido Republicano Federal”. O próprio ex-

presidente comenta esse aspecto em sua autobiografia: “Sem haver tomado parte na fundação

do Partido Republicano Federal, sem ter assumido responsabilidade alguma na sua direção, e

estando na presidência do Estado de S. Paulo, achei-me eventualmente isento dos atritos que

então se produziram na política federal” (CAMPOS SALLES, 1998, p. 79). Ele mesmo

conclui: “Não me achei, portanto, entre partidos opostos, mas simplesmente entre facções

rivais, que se haviam desagregado com objetivo no governo da República” (CAMPOS

SALLES, 1998, p. 119).

47

2.4. Sistema Eleitoral Brasileiro

A estrutura jurídica do Sistema Eleitoral Brasileiro no século XIX possuía algumas

características e regras muito diversas das quais existem hoje. Para melhor analisar as

campanhas eleitorais daquele período, e consequentemente as estratégias de comunicação e

articulação política adotadas pelos então candidatos, faz-se necessário compreender o

funcionamento daquele sistema eleitoral. Não se pretende fazer a seguir uma longa exposição

jurídica das leis e práticas outorgadas pelas Constituições Brasileiras de 1824 e 1891, mas

simplesmente apresentar de maneira clara, objetiva e sucinta, como procediam legalmente os

eleitores e candidatos, com relação a seus direitos de participação, nos processos eleitorais

brasileiros durante o reinado de D. Pedro e no período da Primeira República.

2.4.1. Constituição de 1824

Em 1822, D. Pedro convocou a Assembléia Geral Constituinte, através da qual foi

lançada em 1824 a primeira Constituição Brasileira. O conjunto de leis referente ao sistema

eleitoral instituía como fundamento legitimador o sufrágio indireto, ou seja, os Deputados da

Assembléia Legislativa Provincial e da Assembléia Legislativa Geral eram eleitos em dois

graus. Na primeira etapa, também chamada de eleição primária, a massa de Votantes reunia-

se em Assembléias Paroquiais para escolherem os Eleitores da Província, os quais elegiam no

segundo escrutínio os representantes provinciais e gerais.

Como foi mencionado, o resultado das eleições era definido por dois tipos de cidadãos

ativos: os Votantes e os Eleitores. Vejamos como a Constituição de 1824 qualificava cada um

destes participantes:

- Votantes: Indivíduos do sexo masculino, maiores de 25 anos (ou que já fossem

bacharéis ou oficiais), que atingissem renda líquida anual de 100 mil réis, por bens

de raiz, indústria, comércio ou empregos;

- Eleitores: Os mesmo requisitos dos Votantes, sendo apenas diferenciados pela

elevação da renda líquida anual para o mínimo de 200 mil réis.

O voto era um ato público, oral e a descoberto. Tanto nas eleições primárias, quanto

nas secundárias, os cidadãos ativos forneciam pessoalmente, aos secretários das mesas de

48

votação, o nome das pessoas em quem queriam votar. Em seguida, a opção era transcrita para

uma célula que deveria ser assinada pelo eleitor. Este procedimento permitia que o direito do

voto fosse estendido aos analfabetos, mas também podia ser visto como uma maneira de

controlar as eleições.

2.4.2. Constituição de 1891

Em 1890, dois anos após a Proclamação da República, Marechal Deodoro da Fonseca,

como chefe do Governo Provisório, convocou a Assembléia Geral Constituinte, promulgando

no final daquele ano a nova Constituição. Com relação ao processo eleitoral, foram mantidas

algumas inovações feitas pela Lei Saraiva (ou Lei do Censo).

A lei proposta pelo gabinete ministerial presidido pelo senador José Antonio Saraiva, e

redigida por Rui Barbosa, foi colocada em prática no final do Império, em 1881, trazendo

como principais alterações: a extinção do eleitor intermediário, instituindo assim a eleição

direta; e a criação do título de eleitor, fornecido aos brasileiros, do sexo masculino, maiores

de 21 anos, mediante comprovação de renda líquida anual de 200 mil réis.

A Constituição de 1891 manteve o voto direto e o título, continuando como eleitores

os brasileiros, do sexo masculino, maiores de 21 anos. A restrição de renda foi abolida, mas

por outro lado o analfabeto perdeu o direito de voto. Também estavam excluídos as mulheres,

os mendigos, os praças de pré e os religiosos em comunidade claustral.

49

Capítulo 3

Trajetória política de Campos Salles

Seria uma tarefa praticamente impossível tentar analisar as estratégias de comunicação

política de Campos Salles independentemente de sua biografia, afinal toda a vida pública e

todos os cargos políticos ocupados pelo ex-presidente podem ser considerados como sendo o

alicerce de sua campanha política rumo à Presidência da República. Os degraus alcançados, e

conduzidos com muita responsabilidade, desde Deputado Provincial até Presidente do Estado

de São Paulo são os principais responsáveis pela conquista do cargo político mais alto da

Nação. Cada uma destas etapas e cada uma das disputas eleitorais pelas quais Campos Salles

passou estão interligadas e, portanto, deverão receber enfoque neste trabalho.

Tendo como meta a identificação e análise das estratégias de comunicação política,

adotadas por Campos Salles, durante sua trajetória política, até chegar a Presidente da

República, um aspecto em especial ressalta como sendo um problema de pesquisa. Trata-se do

comparativo inevitável entre as campanhas políticas do século XIX e as atuais, tendo em vista

que no período de Campos Salles os recursos tecnológicos eram muito escassos, portanto a

propaganda política praticada na época apresenta sensíveis diferenças quando comparada a

atual. Os candidatos não dispunham dos poderosos veículos de comunicação disponíveis

atualmente. Jornais e panfletos já eram utilizados, mas era a campanha “corpo-a-corpo” de

convencimento pessoal dos formadores de opinião a estratégia mais eficaz, também reforçada

nos comícios sustentados pelo apoio dos correligionários.

Neste sentido, os capítulos precedentes ganham ainda mais importância, pois muitos

aspectos do positivismo são utilizados com evidência em determinados momentos da

propaganda praticada por Campos Salles e pelo movimento republicano, assim eles serão

resgatados convenientemente e com maior profundidade daqui em diante, justamente por

servirem como suporte teórico-metodólogico da análise destas campanhas políticas do final

século XIX. Igualmente importante é ter em vista o panorama histórico e político da época,

abordados no segundo capítulo, eles serão necessários para garantir uma melhor compreensão

de algumas estratégias comunicacionais colocadas em prática pelo ex-presidente.

Campos Salles foi um político de grande importância para nosso país, personagem ativo

de um dos mais importantes movimentos revolucionários de nossa história - a Proclamação da

República. Através de um prévio levantamento realizado, foi possível notar a existência de

um representativo material sobre sua vida e obra. Muito deste material foi sistematizado e

50

publicado por renomados pesquisadores brasileiros. O próprio Campos Salles publicou

diversos textos, entre eles um relato autobiográfico sobre suas memórias políticas, intitulado

“Da Propaganda à Presidência”, o qual será utilizado nas próximas páginas como sendo um

dos principais materiais bibliográficos para a presente pesquisa. Paralelamente, demais traços

de sua comunicação política deverão ser detectados através da análise das publicações sobre o

ex-presidente:

- Campos Salles – perfil de um estadista, de Célio Debes;

- Vida e obra de Campos Salles, de Raimundo de Menezes;

- O idealismo republicano de Campos Salles, de Antônio Carlos Salles Júnior;

- Perfil biográfico do Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles – de Antônio Joaquim

Ribas;

- A presidência Campos Sales, de Alcindo Guanabara;

- A invenção republicana, de Renato Lessa.

Alguns materiais documentais coletados também serão reproduzidos ao longo deste

capítulo afim de comprovar ou questionar as informações presentes nas obras mencionadas, as

quais possuem originalmente caráter biográfico, histórico ou político. É importante ressaltar

que não existe ainda pesquisa alguma realizada diretamente sob a ótica da comunicação

social. Os elementos comunicacionais e as estratégias de difusão política adotadas por

Campos Salles durante sua trajetória em direção a Presidência da República, representam um

importante capítulo – ainda não escrito – sobre a propaganda política brasileira. Este é o

principal objetivo da presente pesquisa. Portanto, os trabalhos anteriores servem como fontes

biográficas muito ricas sobre a vida e obra de Campos Salles, neste sentido serão de grande

importância para as discussões das próximas páginas. Importante salientar novamente, que a

obra de Célio Debes foi utilizada como guia principal, tanto com relação aos documentos

analisados, como pela cronologia adotada.

51

3.1. Formação acadêmica

Manuel Ferraz de Campos Salles nasceu no dia 13 de fevereiro de 1841, na cidade de

Campinas (chamada Vila de São Carlos ainda naquela época, a qual foi elevada à categoria de

cidade e sofreu a mudança do nome com a lei provincial nº 181, de 5 de fevereiro de 1842).

Foi o terceiro filho do casal Francisco de Paula Salles e D. Anna Cândida Ferraz, unidos em

matrimônio no ano de 1837, em Limeira.

O tenente-coronel Francisco de Paula Salles foi o primogênito do alferes José de

Salles Leme, considerado um abastado fazendeiro da região de Campinas. Trabalhava como

tropeiro, um cargo destinado às pessoas de confiança, responsável pela compra e venda das

mercadorias, nas famílias de agricultores normalmente era uma atividade desempenhada pelo

filho mais velho. As biografias de Campos Salles caracterizam seu pai como sendo “um

homem taciturno, pelo que a prole mantinha dele distância reverencial” (DEBES, 1978a, p.

27). Tinha grande interesse pelos assuntos de política, tanto interna, quanto externa. Suas

convicções políticas eram definidas como sendo um defensor do liberalismo. “A tendência

natural do rapaz: a política. Ama-a como ninguém. O liberalismo nasce com ele. A liberdade,

a razão principal da vida” (MENEZES, 1974, p. 4).

D. Anna era filha do capitão Manuel Ferraz de Campos, inspirador do nome dado a

Campos Salles. O capitão foi vereador na vila de São Carlos em 1806 e por duas vezes Juiz

Ordinário (1810 e 1816), era um dos maiores produtores de açúcar de Campinas e possuía

grande número de escravos, foi considerado um dos precursores da indústria açucareira em

Campinas.

Campos Salles destacou-se nos estudos desde muito jovem, seus progressos eram

evidentes, revelando fortes aptidões para a vida intelectual. Partiu de Malaquias Rogério de

Salles Guerra, um primo de seu pai e vereador da Câmara Municipal de São Paulo, a sugestão

e a iniciativa de levar Campos Salles para aquela capital, a fim de conduzi- lo ao Colégio

Culto à Ciência, onde faria os estudos preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo.

Em princípios de 1859, Campos Salles foi aprovado em todos os exames preliminares.

Simultaneamente, outras futuras personalidades nacionais também ingressaram na Academia,

alguns dos quais viriam a obter “renome nas letras, no jornalismo, na política. Muitos deles

contribuíram para alterar os rumos da vida nacional. Francisco Quirino dos Santos, Francisco

52

Rangel Pestana, José Bernardino de Campos Júnior, Prudente José de Morais Barros, (...)”

(DEBES, 1978a, p. 31).

Não demorou muito para Campos Salles integrar-se aos hábito acadêmicos, deixando a

casa de seu parente Sales Guerra e indo morar numa “república” próxima da Faculdade. Logo

no 1º ano também passou a fazer parte da diretoria da Associação Culto à Ciência, a qual

tinha como presidente honorário um dos lentes da Escola do Largo do São Francisco, José

Bonifácio de Andrada e Silva, responsável pelo ensino de Economia Política. Entre outros

diversos professores ilustres da mesma época, encontrava-se Antonio Joaquim Ribas, erudito

do Direito Civil, que viria posteriormente a publicar a obra “Perfil biográfico do Dr. Manoel

Ferraz de Campos Salles”.

Durante todo o curso, Campos Salles passou por altos e baixos. “As atividades

extracurriculares não impediram que Campos Salles lograsse ser aprovado plenamente nos

exames de primeiro ano a que se submeteu” (DEBES, 1978a, p. 34), da mesma forma também

passou plenamente pelo segundo ano. Porém, quando estava no terceiro ano, acabou sendo

indicado como um dos responsáveis pelo trote violento aplicado aos alunos que ingressavam

em 1861. Seu currículo acadêmico estava marcado desfavoravelmente. Sobre isso escreve

Célio DEBES (1978a, p. 39):

Nosso moço vivia a vida acadêmica. Morava em república, integrava sociedade

estudantil, participava de trotes e desafiava a rígida disciplina do curso jurídico.

Pagaria o tributo correspondente. A vida do estudante afastado dos deveres escolares

deixava ressaibo, que lhe vincaria o currículo.

Por conta de seu espírito inquieto e já manifestando uma tendência por querer causar

alguma mudança no mundo ao seu redor, passa à militância política com o início das aulas do

quarto ano. Com fervoroso entusiasmo e muito provavelmente incentivado pela convivência

com seu pai, defende os princípios da escola liberal. Teve como veículo de manifestação, o

jornal A Razão, lançado em 21 de maio de 1862, onde, segundo DEBES (1978a, p. 41) “fez as

suas primeiras armas no jornalismo político”.

Apesar dos percalços, consegue chegar honrosamente ao quinto e último ano do curso

de Direito. Sobre esta etapa merecem ser reproduzidas as palavras de Célio DEBES (1978a, p.

43):

53

Campos Salles, embora cercado de poetas e boêmios, entregue às lides do jornalismo

político, não descurou, no quarto ano, de seus deveres de estudante. Obteve

plenamente nos atos a que se submeteu, alcançando o mais alto estágio da hierarquia

acadêmica; tornara-se bacharelando.

Finalmente, em 10 de dezembro de 1863, Campos Salles sai vitorioso da primeira

grande batalha de sua vida, torna-se bacharel em Direito e participa da colação de grau ao

lado de outros 114 acadêmicos.

3.2. Relacionamento com a imprensa

Antes de entrar propriamente na discussão e análise sobre a trajetória política e as

estratégias de comunicação de Campos Salles, seria conveniente apresentar um panorama

geral sobre o relacionamento do ex-presidente com a imprensa. Para tanto, serão utilizados

alguns pontos centrais da abordagem realizada no texto “Propaganda política e a verba secreta

destinada à imprensa no final do século XIX”, de CORTE REAL (2003).

Campos Salles foi um dos membros do movimento republicano que mais acreditou e

investiu na imprensa. Ele sabia que o jornalismo ainda tinha pouca repercussão sobre a

sociedade brasileira, e que sua capacidade de influência era limitada, mesmo assim dedicou

muita atenção e depositou intensa confiança no futuro desta atividade.

Em 1862, aos 21 anos, cursando o quarto ano de direito e envolvido com a militância

política e com os princípios da escola liberal, Campos Salles começa a contribuir com o jornal

A Razão, fazendo parte de sua fundação ao lado de Francisco Quirino dos Santos, Francisco

de Paula Belfort Duarte e outros colegas. Inicia, assim, o exercício do jornalismo político num

“órgão de coloração partidária ostensiva”, que “não trazia a indicação dos responsáveis por

sua publicação” (DEBES, 1978a, p. 41).

A Razão possuía quatro páginas com 3 colunas e logo obteve “grande aceitação nos

meios paulistanos, notadamente no ambiente estudantil” (MENEZES, 1974, p. 18). Serão

apresentadas a seguir duas imagens do jornal, através das quais é possível perceber o ardor

ideológico contido nas palavras de seus escritores.

54

A Razão – 21 de maio de 1862

Fonte: DEBES (1978b, anexos), da Coleção do IHGSP.

55

A Razão – 6 de agosto de 1862

Fonte: MENEZES (1974, anexos), da Seção de Obras Raras da Biblioteca Mário de Andrade.

56

Campos Salles também participou da fundação do semanário Gazeta de Campinas,

convidado por seu antigo colega Francisco Quirino dos Santos. A circulação do mesmo teve

início no dia 31 de outubro de 1869 e nele Campos Salles teve a oportunidade de assinalar sua

presença. Registrava suas atividades como cidadão e advogado, expondo suas idéias nos

editoriais “a partir de seu terceiro número1, de 1869, até os primeiros anos da década de 80”

(DEBES, 1978a, p. 19). Seus artigos tratavam de assuntos diversos, mas normalmente o

cunho político e as críticas às instituições vigentes eram evidentes.

Segundo DEBES (1978a, p. 77-78):

A atividade jornalística de Campos Salles nesse primeiro ano de existência da Gazeta

de Campinas não foi uma colaboração diletante, despida de interesse e de valor.

Através dela, deu expansão, com elevação e critério, a seus pontos de vista, e

exteriorizou seus sentimentos contrários ao regime monárquico, ainda antes da

divulgação do manifesto republicano. Campos Salles, ao mesmo tempo em que se

dedica ao jornalismo, exerce a advocacia e desempenha as funções de Juiz de Paz.

E de acordo com MENEZES (1974, p. 29):

Nas colunas semanais da Gazeta de Campinas, Campos Salles escreve os primeiros

artigos políticos, que logo chamam a atenção pela dialética. Veementes e incisivos.

Começa a desensarilhar armas pela República.

Será reproduzida a seguir uma imagem da Gazeta de Campinas registrada no Centro

de Ciências e Letras de Campinas, com o artigo “A republica e a monarchia”, escrito por

Campos Salles. Nos anexos deste trabalho podem ser encontrados outros textos do ex-

presidente também publicados no referido jornal.

1 Seu artigo de estréia leva o título de “Estrada de ferro de Campinas a Rio Claro” e tem como preocupação política a demonstração de uma tese viável de prolongamento da estrada de ferro da Companhia Paulista .

57

Gazeta de Campinas, 10 de abril de 1873

“A republica e a monarchia” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

58

Com menos de trinta anos, Campos Salles participa ainda do jornal A Reforma,

publicado no Rio de Janeiro pelo “Clube da Reforma”, grupo formado por liberais que lutam

por reformas, principalmente relacionadas à extinção do Poder Moderador. Campos Salles

fazia parte na verdade do Partido Radical, sendo também de oposição à política imperial, mas

apesar do nome, era menos revolucionário que o Partido Liberal. O órgão de imprensa do

“Clube Radical”, fundado em São Paulo, era o jornal Radical Paulistano. Em dezembro de

1870, o Clube Radical de São Paulo transforma-se em Clube Republicano, e publica como

órgão oficial do Partido Republicano, na própria capital do Império, o jornal A República,

estampando em seu primeiro número o celebrado Manifesto Republicano.

Mas somente em janeiro de 1875, “graças ao incansável empenho e ao inesgotável

entusiasmo de Américo Brasiliense e Campos Salles” (DEBES, 1978a, p. 138), é fundado e

estabelecido um verdadeiro veículo de comunicação republicano, passando por cima do

fracasso e empastelamento de A República, surge A Província de São Paulo. “Campos Salles

foi o grande animador da idéia, de que Américo Brasiliense foi o maior realizador” (DEBES,

1978a, p. 128), sustentados por um sólido capital e pela participação de diversos sócios, além

do apoio da Gazeta de Campinas. Em 1884, Alberto Salles, irmão de Campos Salles, torna-se

sócio principal e gerente de A Província de São Paulo, ao lado de Rangel Pestana. Diversas

atitudes intempestivas, inclusive prejudiciais à candidatura de Campos Salles à Câmara dos

Deputados, fazem com que Alberto Salles saia do jornal em dezembro de 1885 (DEBES,

1978a, p. 206).

Durante o curso de Direito, e mesmo depois de formado, Campos Salles manteve o

envolvimento com os jornais que tinham coloração republicana e que, segundo LINS (1967,

p. 146) defendiam os ideais do positivismo:

Refletem a influência positivista na Faculdade de São Paulo no último quartel do

século passado, os jornais A República, O Federalista, A Evolução e A Luta (...) tão

longe levava A Luta a sua feição positivista que usava tanto o calendário gregoriano

quanto o de A. Comte. O seu número de 19 de novembro de 1882 traz a data: 15 de

frederico de 94. Seus colaboradores mais destacados eram Alberto Salles, Rangel

Pestana, Argemiro Galvão, Pedro Lessa, Assis Brasil, Campos Salles, Alcides

Mendonça Lima, Martinho Prado Júnior e Américo de Campos.

59

O sucesso da propaganda republicana, tendo Campos Salles como um de seus

principais articuladores2, resultou na Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

O Marechal Deodoro da Fonseca assume o Governo Provisório e entrega o Ministério da

Justiça a Campos Salles, fazendo-o passar por diversas situações delicadas em relação à

imprensa, devido ao fato dos militares não aceitarem algumas liberdades de expressão,

promovendo inclusive o empastelamento do jornal monarquista A Tribuna, do Rio de Janeiro,

ocasionando no pedido de renúncia de Campos Salles, através da carta transcrita por DEBES

(1978a, p. 324):

Generalíssimo.

Não tendo conseguido obstar o lamentável sucesso da noite de hontem com relação a

“Tribuna”, apezar dos esforços que para isso empreguei e dos quaes foi testemunha V.

Exa., venho apresentar a V. Exa., a minha demissão do cargo de Ministro da Justiça.

Protestando o mais sincero reconhecimento pelas provas de honrosa e alta confiança

que de V. Exa. Recebi, escusado será dizer que, fora do governo, continuo entretanto a

pôr os meus fracos serviços à disposição da República.

Saúde e fraternidade.

Rio – 30 – 9Bro. – 1890.

M. Ferraz de Campos Salles.

A exoneração solicitada foi negada pelo Marechal, e somente seria concedida dias

depois, com o término da votação da primeira Constituição republicana. Rangel Pestana,

assim como outros de seus antigos companheiros do movimento republicano, sente-se

desprestigiado e em 1891, como redator-político de O Estado de São Paulo (antigo A

Província de São Paulo), publica artigos com fortes críticas ao desempenho de Campos

Salles, o qual defende-se nas colunas do Correio Paulistano3. Em 1894, Prudente de Morais

2 Além da habilidade política, também produzia textos polêmicos como, por exemplo, o panfleto intitulado Pedro II e Isabel I, lançado em junho de 1888, sob o pseudônimo de “Desmoulins”, no qual ele faz fortes críticas à monarquia. 3 Mesmo assim, Campos Salles não guardou mágoa deste duelo jornalístico, em seu livro Da Propaganda à Presidência (SALLES, 1998) faz diversas vezes referência elogiosa a Rangel Pestana, demonstrando uma grande admiração pelo antigo companheiro.

60

torna-se o primeiro presidente civil brasileiro, no ano seguinte Campos Sales é eleito

presidente do Estado de São Paulo, conquistando mais um degrau em sua ascendente carreira

política. O governo de Prudente foi bastante conturbado, tendo como uma de suas maiores

dificuldades controlar a Revolta de Canudos. Em 1897, o oficial paulista Coronel Moreira

César é morto e toda sua expedição é destroçada, movimentos patrióticos populares acusam o

apoio dos monarquistas aos revoltosos de Canudos, e logo em seguida a notícia da morte

daquele oficial, sob gritos de “morram os monarquistas!”, atacam e empastelam as oficinas de

O Comércio de São Paulo4, atirando à rua caixas de tipos, móveis, livros, etc., a polícia chega

ao local, mas não impede a manifestação (DEBES, 1978b, p. 419). Campos Salles, entre

outros políticos e a imprensa em geral, atribuíam o sucesso militar do povo de Canudos a

cumplicidade dos monarquistas. Outros jornais monarquistas, que ressaltavam as derrotas das

tropas regulares, como a Gazeta da Tarde e o Liberdade do Rio de Janeiro, também sofrem a

ira das massas, resultando até mesmo no linchamento de Gentil de Castro, diretor de ambos

(DEBES, 1978b, p. 421).

Manoel Ferraz de Campos Salles foi um dos principais políticos relacionados à

imprensa brasileira. Ao contrário, por exemplo, de Prudente de Morais, que segundo

ROMANINI (2002, p. 46), cometeu um de seus maiores equívocos não acreditando e não

contribuindo financeiramente com a imprensa, acreditando que acabaria perdendo dinheiro

neste investimento. Campos Salles, por outro lado, dedicou especial atenção ao jornalismo,

tanto financeira quanto intelectualmente. Ele acompanhava a ascensão burguesa, o avanço das

relações capitalistas e a transformação do jornal numa empresa capitalista (SODRÉ, p. 317).

Em abril de 1898, antes de tomar posse como Presidente da República, Campos Salles

embarca em um navio chamado “Tames”, rumo a Europa, a fim de negociar a caótica situação

financeira que o país encontrava-se. Antes de sua viagem foi- lhe oferecido um almoço no Rio

de Janeiro

ao cabo do qual, José Carlos Rodrigues, diretor do Jornal do Comércio consulta-o

sobre seu interesse em ser acompanhado por um dos redatores daquele conceituado

órgão de imprensa. Indica para a empresa Tobias Monteiro. Aceita a sugestão, o futuro

Presidente adita-lhe a condição de secretário particular, valorizando o papel do

jornalista e facilitando-lhe o acesso às fontes de informações (DEBES, 1978b, p. 446-

447).

4 Ainda naquele momento existiam manifestações pró-monarquia no Brasil, em 1893 o Partido Monarquista de São Paulo funda um jornal diário chamado O Comércio de São Paulo, sob a direção de Eduardo Prado (DEBES, 1978b, p. 414).

61

Após a viagem, o jornalista Tobias MONTEIRO (1983) publica um livro onde relata

com riqueza de detalhes a conduta e as negociações do Presidente. A estreita relação existente

entre Campos Salles e o Jornal do Comércio é demonstrada diversas vezes por José Carlos

Rodrigues, através do seu diário ele defende constantemente o Presidente dos ataques de Rui

Barbosa publicados em seu jornal A Imprensa (DEBES, 1978b, p. 489, 495 e 496).

José do Patrocínio, diretor do periódico a Cidade do Rio, também exerce forte

oposição ao governo de Campos Salles até 1901, quando passa a apoiá- lo depois de discutir,

através da imprensa, com Rui Barbosa. Ao mesmo tempo, em junho de 1901, surge na cidade

do Rio de Janeiro, um novo órgão de oposição a Campos Salles, O Correio da Manhã

(DEBES, 1978b, p. 519-520).

Campos Salles recebeu muito apoio e muitas críticas através do jornalismo, além dos

ataques diretos através dos textos, foi também bastante ironizado através de apelidos, charges

e caricaturas, demons trando o grau de liberdade de expressão que esta atividade podia

desfrutar naquele momento.

De certa forma, Campos SALLES (1998, p. 174-175) possibilitava essa liberdade,

porque possuía seus próprios artifícios:

Era inevitável e fatal o recurso à imprensa industrial. (...) Não corrompi a imprensa.

Acatei sempre a que merecia o respeito do público. Tive, porém, a mágoa profunda

de encontrar jornais e jornalistas desviados da sua grandiosa missão e que pareciam

menos dispostos a ser instrumentos benéficos da opinião, do que a exercitar a ignóbil

indústria das opiniões.

Em relação a pequena imprensa, o então presidente comprava a opinião diretamente

do indivíduo responsável pelo jornal; e no caso da grande imprensa, com estrutura de

empresa, era necessário comprar o próprio jornal de forma estável e institucional. O jornalista

autônomo recebia dinheiro; enquanto a empresa jornalística recebia negócios que

proporcionavam dinheiro, negócios de Estado (SODRÉ, 1966, p. 318).

Em seu livro “Da Propaganda à Presidência”, Campos SALLES (1998) expressa de

maneira relativamente clara, que como Presidente da Republica dedicou a manutenção de uma

verba secreta governamental para “compra” de jornalistas. Para SODRÉ (1966, p. 316-317),

Campos Salles não tinha

62

nenhum escrúpulo em comprar a opinião da imprensa e de confessar nuamente essa

conduta. Ela lhe parece honesta, justa e necessária. Essa compra da opinião da

imprensa pelo governo torna-se rotina.

O ex-presidente faz, abertamente, diversas referências sobre o uso da verba secreta do

governo, defendendo-se e demonstrando sua opinião sobre o assunto em seu livro Da

Propaganda à Presidência. Primeiro ele justifica suas ações, dizendo que faltava

ao governo um órgão de vasta circulação, em que pudesse apoiar a sua política,

descortinar os seus intuitos, preparar a opinião e defender os seus atos. (...) Nestas

condições, só restava recorrer às colunas das gazetas industriais abertas à concorrência

(SALLES, 1998, p. 174).

Ele acreditava que ninguém podia condenar a industrialização do jornal, pois este era o

desenvolvimento natural desta atividade em toda parte do mundo civilizado, não prejudicando

sua legitimidade, pelo contrário, “captando o favor público e prestando eficaz concurso ao

progresso humano” (SALLES, 1998, p. 174). Sobre a aplicação de dinheiro e a criação de

falsas correntes de opinião, Campos Salles cita o positivista ortodoxo Pierre Laffitte5 e

argumenta a respeito da existência de

Uma combinação do capital com o talento, o jornal representa necessariamente e

fatalmente uma grande operação industrial, qualquer que seja o fim moral ou social

que se proponha atingir. Há, pois, no jornalismo uma combinação inevitável do

industrialismo com a ação sobre a opinião pública. É uma combinação honesta. Mas,

no desempenho de sua missão de preparar a opinião pública para a aceitação de certas

medidas, ou de encaminhar certos acontecimentos, a sua ação pode ser

prodigiosamente funesta, criando falsas correntes de opinião, em desacordo com as

tendências naturais e com as necessidades de uma situação. Esta conduta, segundo o

sábio professor do Colégio de França, não é a que têm os homens cultos e de honra,

que a indústria honesta do jornalismo atrai; mas é reservada aos parasitas perniciosos,

mercadores sem escrúpulos da inteligência e da própria honra (SALLES, 1998, p.

174).

5 Campos Salles cita Pierre Laffitte como sendo um “sábio professor do Colégio de França” e autor de “Conférence sur la liberte de la presse”, não apresentando maiores informações do que estas.

63

Campos Salles argumenta que desde a monarquia eram usados os “fundos secretos” do

Tesouro para o serviço da imprensa; e durante o Governo Provisório, período de “ditadura

popular” que inaugurou o regime republicano, a imprensa não foi subvencionada mas era

exercido sobre a opinião uma “indiscutível autoridade moral” (SALLES, 1998, p. 177).

Seu antecessor, Prudente de Morais, não possuía a mesma habilidade e astúcia com

relação ao uso da verba secreta. Durante o episódio de Canudos e a destruição de alguns

jornais monarquistas, Célio DEBES (1978b, p. 425) reproduz alguns trechos das cartas

daquele Presidente6, nos quais fica explícito que

o Governo optava pela violência, repudiando a força corruptora da tradicional verba

secreta. Não enlameava as mãos, tingia -as de sangue ... As alternativas encontradas,

para uma situação enraizada nos hábitos políticos da nação, eram, todas, divorciadas

da lei.

Num das cartas de Prudente de Morais, ele relata:

Essa canalha é instigada pelo Paiz – que não pode resignar-se com a privação da

pingue subvenção – que recebia pela verba secreta – e pelo Diario de Noticias – á

quem recusei essa subvenção. A policia está preparada – para dar uma sóva em regra –

na primeira opportunidade que essa canalha offerecer (DEBES 1978b, p. 425).

Os jornais citados por Prudente de Morais não eram necessariamente monarquistas, o

Paiz, por exemplo, pertencia a Quintino Bocaiúva, membro do movimento republicano e

amigo do governo, mas as alfinetadas dadas por eles eram consideradas de má fé pelo

Presidente.

6 Correspondências mantidas entre Prudente de Morais e seu irmão Manuel (Manduca), de 6 e 27 de janeiro de 1895.

64

Campos Salles declara sobre o uso da verba secreta:

Os adversários do meu governo fizeram constar que as despesas com a imprensa

montavam a uma soma avultadíssima que calculavam em seis a oito mil contos. No

Banco da República encontra-se a Conta Corrente do movimento do Tesouro, onde

eram escrituradas estas despesas, que não excedem a Rs. 1.000:000$000. (...) A soma

acima indicada foi a única que no meu governo apliquei fora das autorizações

explícitas do Congresso. Se isso constitui um crime, eu o confesso, sem declinar de

mim a responsabilidade inteira. Não há, é certo, um ato meu direto, nenhum

documento subscrito por mim: mas, tudo foi feito sob as minhas vistas e com a minha

imediata superintendência (SALLES, 1998, p. 179).

Mesmo demonstrando muita preocupação com a imprensa, Campos Salles não pode

evitar ser alvo de vaias e manifestações hostis da população ao entregar seu cargo de

Presidente da República a Rodrigues Alves no dia 15 de novembro de 1902, no Rio de

Janeiro, representando o forte impacto social das duras medidas que teve de tomar para

garantir a estabilidade do país 7. Os jornais adversários relataram com detalhes as

manifestações, enquanto a imprensa que o apoiou silenciara (DEBES, 1978b, p. 545).

3.3. Deputado Provincial pelo Partido Liberal

A partir da compreensão do estreito relacionamento de Campos Salles com a

imprensa, apresentado no panorama geral acima, é possível entrar com mais subsídios na

discussão e análise da trajetória política e das estratégias de comunicação do ex-presidente.

Logo após receber o diploma de bacharel em Direito, em 1863, Campos Salles deixa

São Paulo e dirige-se para Rio Claro, juntando-se a seu pais que haviam partido de Campinas

para lá fazia pouco tempo. Seu pai, o tenente-coronel Paula Salles, tinha feito esta opção

devido aos comentários sobre o fato de Rio Claro ser uma terra promissora, sendo uma cidade

onde o café poderia ser cultivado com relativo lucro.

Mesmo não tendo passado muito tempo ali, Campos Salles lembrou da importância de

sua passagem por Rio Claro num discurso proferido em 18 de dezembro de 1902, naquele

7 Sodré, citando Laurita Pessoa Raja Gabaglia, escreve sobre Campos Salles: “Se não houvesse feito calar a grita dos jornais, não teria levado a termo a obra de salvação financeira do país” (SODRÉ, 1966, p. 317).

65

mesmo município, praticamente quando já estava deixando o cargo de Presidente da

República:

Agradeço à generosa população do Rio Claro o carinho com que me acolheu.

Há cerca de quarenta anos dei aqui o meu primeiro passo na vida pública; aqui

encontrei outrora uma poderosa agremiação de forças em luta sem trégua contra a

monarquia; aqui encontro agora, forte pela tradição de suas glórias, imponente pela

sua vigorosa organização e irresistível pelo seu ardor de combater, uma falange dos

mais devotados servidores da República. (CAMPOS SALLES, 1998, p. 206)

Voltou para Campinas em meados de 1865, casando-se no mesmo ano com D. Anna

Gabriela de Campos Salles, sua prima-irmã, filha de José de Campos Salles, irmão do tenente-

coronel.

Instala seu escritório de advocacia logo em seguida, e inicia seus trabalhos como

profissional liberal. Sobre isso, Raimundo de MENEZES (1974, p. 29) escreve:

A advocacia abre-lhe a entrada na “vida pública”. O renome vem fácil. Na labuta

diária nos cartórios, e principalmente no tribunal de júri, alcança os primeiros triunfos

da palavra. “Fixam-se-lhe, desde logo, as qualidades de orador, no tom, na sonoridade

da voz, sobretudo na clareza das idéias”. Da advocacia para a política não há mais que

um passo. Logo se decidirá por essa. O terreno lhe agrada e satisfaz.

As informações contidas nas obras biográficas sobre Campos Salles não são unânimes

sobre o início de sua vida pública. De acordo com DEBES (1978a, p. 50), “ao que tudo

indica, Campos Salles não foi Juiz Municipal, mas apenas, suplente”, em sua opinião não é

possível afirmar se de fato, em 1865, o ex-presidente assumiu a cargo de Juiz Municipal em

Campinas. Mas com certeza, como consta no Correio Paulistano de 15 de outubro de 1865,

apresentado por DEBES (1978a, p. 51), ele foi nomeado pelo Presidente da Província como 1º

suplente daquele cargo.

No ano seguinte, Campos Salles assume o cargo de Delegado de Polícia de Campinas.

Porém não permanece muito tempo, poucos dias antes de fazer seu pedido de exoneração do

cargo, nasce- lhe a primeira filha, Adélia, em 5 de junho de 1866.

66

Pedido de exoneração feito por Campos Salles.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Estado de São Paulo .

67

Naquele mesmo ano de 1866, Campos Salles iniciaria seu engajamento na vida

política, começando efetivamente a trabalhar sua imagem pública e definindo uma linha de

conduta para seus esforços de comunicação política. “Além da advocacia e das atividades

correlatas, a militância política o atrai. Participa das lutas partidárias, integrando as hostes

liberais” (DEBES, 1978a, p. 53).

O Partido Liberal encontrava-se bem estruturado naquela época e disputava, de

maneira acirrada, as posições nas pugnas eleitorais contra o Partido Conservador. Entre os

liberais encontravam-se os políticos partidários do capitalismo comercial e também aqueles

ligados às chamadas profissões liberais.

Dentro da agremiação Liberal existiam algumas facções (vide Capítulo 2), entre elas

estavam os Históricos, os quais viriam posteriormente a constituir o embrião do Partido

Republicano. Campos Salles estava alinhado aos ideais daquela facção, a qual tinha como

órgão de expressão o jornal Opinião Liberal e se declarava:

Pela extinção do Poder Moderador; pelo sufrágio direto e generalizado; pelo ensino

livre, quer quanto à escola, quer no tocante ao professorado; pela abolição da guarda

nacional; pela polícia eletiva; pela temporariedade do Senado; pela substituição

gradual do trabalho escravo pelo livre; “pelas franquesas provinciais sobre o princípio

electivo” e pela emancipação da lavoura por meios de instituições de crédito que se

adaptassem às suas condições de existência” (DEBES, 1978a, p. 57).

Em 1867, ocorreriam as eleições para a Assembléia Legislativa da Província de São

Paulo. Campos Salles, quatro anos após sua formatura em Direito e contando então com 26

anos, decide participar pela primeira vez de uma disputa eleitoral. Inicia sua campanha ao

lado de Jorge Miranda.

De acordo com MENEZES (1974, p. 41), “em 1867, (...) Campos Salles entra em luta

por uma cadeira na Assembléia Provincial pelo 7º distrito eleitoral da Província de São

Paulo”. Nas próximas eleições, que serão apresentadas ao longo desta pesquisa, o 7º distrito

aparece como correspondente da região de Campinas, e será a arena na qual o ex-presidente

solidificará todo o início de sua carreira política. Entretanto, na carta encontrada no acervo do

Museu Republicano “Convenção de Itu”, também reproduzida por Célio DEBES (1978a, p.

58) como sendo um manifesto de 1867, elaborado por Campos Salles e Jorge Miranda, é

dirigida aos eleitores do 3º distrito e não do 7º. Naquela peça são apresentados os propósitos

de seus signatários:

68

Aspiramos a honra de representar o 3º districto eleitoral na Assembléia Provincial de

São Paulo; e para o bom êxito deste intento – declaram – solicitamos o vosso muito

valioso apoio na eleição prévia, a que tendes de proceder para o fim de organizar-se a

chapa definitiva que será oferecida ao corpo eleitoral do 3º districto na eleição de

outubro próximo.

Não foi possível encontrar outros documentos capazes de sanar esta dúvida com

relação ao número do distrito pelo qual Campos Salles concorreria àquela vaga de Deputado

Provincial. Fica aqui a informação registrada como sendo 7º distrito para Raimundo de

Menezes e 3º distrito para Célio Debes.

Ainda naquela época, as eleições eram realizadas nas igrejas, em duas etapas, e

baseadas no número de paróquias de cada Província, como foi apresentado no segundo

capítulo deste trabalho. Segundo afirmação de DEBES (1978a, p. 58), “a Província estava,

para fins eleitorais, dividida em três distritos. (...) a representação de São Paulo na Câmara

dos Deputados era constituída de nove membros e a Assembléia Legislativa Provincial

compunha-se de trinta e seis deputados”. Neste sentido, parece mais coerente considerar que

Campos Salles só poderia estar representando mesmo o 3º distrito, provavelmente a Província

de São Paulo seria dividida em maior número de distritos somente a partir de 1881, com a Lei

Saraiva.

No entanto, considera-se como sendo mais importante, neste momento, relembrar o

mecanismo da chamada eleição prévia e, em seguida, reproduzir o restante daquele manifesto,

independentemente do exato número do distrito eleitoral de Campos Salles.

A prévia era a primeira etapa da eleição total, nela a massa de eleitores definiam os

votantes que reunidos em assembléia provincial escolheriam os representantes de cada distrito

para assumir as cadeiras da Câmara dos Deputados e da Assembléia Legislativa. O manifesto

de Campos Salles e Jorge Miranda era direcionado aos eleitores daquela primeira etapa,

outros trechos do mesmo serão reproduzidos a seguir de acordo como foram registrados por

DEBES (1978a, p. 59-60):

Em nossa pretensão – afirmam – não levamos outro incentivo que não o mais decidido

desejo de juntar os nossos esforços aos daqueles que trabalham pela prosperidade e

engrandecimento de nossa Província.

69

Na ordem dos melhoramentos, merecerão nossa especial atenção a lavoura, a mais

fecunda origem de nossa riqueza e conseguintemente o principal degrau da escala que

há de levar o país à sua maior altura; e bem assim a instrução pública, que na ordem

moral é a grande riqueza do espírito humano e a condição base da civilização

moderna. E, pois, o que for em geral para o bem da Província, e em particular da

lavoura e instrução, atualmente peadas e desfavorecidas de meios eficazes para seu

regular desenvolvimento, serão os estímulos de nossos constantes esforços.

No que toca propriamente à política, declaramos leal e francamente que tomamos por

guia a bandeira sob a qual militam os denominados hoje “liberais históricos”, porque é

nela que se acha inscrita a bela legenda que sempre guiou o velho Partido Liberal nas

lutas heróicas de outros tempos.

Alimentando, como idéias capitais, as que ficam resumidamente expostas e firmes no

dever de nunca transigir com elas, solicitamos como fica dito, o vosso valiosíssimo

favor de nossa pretensão, assegurando que à nossa gratidão será sempre presente o

bom serviço, que, para esse fim, vos dignardes de prestar-nos.

A seguir será apresentada a imagem obtida no Museu Republicano “Convenção de

Itu” com a carta original de Campos Salles e Jorge Miranda transcrita acima.

70

Manifesto político de Campos Salles e Jorge Miranda.

Fonte: Acervo do Museu Republicano “Convenção de Itu”.

71

A comunicação política de Campos Salles, em parceria com seu colega Jorge Miranda,

foi muito eficaz naquele momento. Pois, mesmo não contando com o apoio efetivo dos

dirigentes da agremiação liberal e dos chefes locais, que inclusive chegaram a preteri- los

“substituindo-os por outros nomes não sufragados pelo eleitorado” (DEBES, 1978a, p. 60),

conseguiram ser eleitos pelos votantes na segunda etapa daquela disputa eleitoral.

Já naquela época, Campos Salles demonstrava intensa preocupação com a opinião

pública, aspecto que caracteriza os mais célebres políticos. Este traço, seria marcante em suas

estratégias de comunicação. Segundo POYARES (1998, p. 16), conseguir uma boa imagem

pública é o objetivo de todo político, pois, desse modo, é possível deixar sua marca: “Em

qualquer das faces do cenário, verifica-se a mesma preocupação, aliás compreensível: a busca

de imagem pública. Importa aparecer, se possível no proscênio, para ser reconhecido,

avaliado, apreciado”.

É possível supor, que as estratégias de comunicação de Campos Salles, apesar de

eficazes, ainda eram intuitivas. Somente alguns anos depois, com a sua entrada no movimento

republicano e o contato com as obras de seu irmão, Alberto Salles, e outras de fundamentação

positivista, é que sua propaganda política iria ganhar maior consistência teórica.

Mesmo assim, na campanha de 1867, os eleitores foram sensibilizados e convencidos

pelas propostas apresentadas, nomeando votantes favoráveis a Campos Salles e Jorge

Miranda. Dos dezoitos votantes da paróquia de Campinas, quinze escolheram entre aqueles

candidatos. Entre os doze Deputados Provinciais eleitos no distrito da região de Campinas,

representando um terço do total da Província, Campos Salles recebeu 183 votos, ficando em

4º lugar, a frente de Jorge Miranda e Prudente de Morais.

De acordo com DEBES (1978a, p. 63), Campos Salles fez sua estréia na tribuna da

Assembléia Legislativa em 29 de fevereiro de 1868, justificando um projeto de lei de sua

autoria, no qual fixava as divisas entre os municípios de Brotas e Rio Claro. Sua primeira

passagem como Deputado Provincial foi marcante, garantindo um início de carreira política

bastante sólido. Esse aspecto está registrado nos Anais da Assembléia Legislativa Provincial

de São Paulo, nas impressões do deputado Leite de Moraes, reproduzidas na obra de Célio

DEBES (1978a, p. 64):

Discurso brilhante e eloqüente que acabamos de ouvir de uma das mais belas

esperanças da geração que passa. (...) o 3º distrito, honrando-o com seus sufrágios, não

fez mais do que colocar no seio da representação provincial uma das nossas mais

brilhantes inteligências, um dos nossos mais robustos talentos.

72

É interessante também expor neste momento o relacionamento existente entre Campos

Salles e Prudente de Morais. Ambos ingressaram e se formaram na mesma época no curso de

Direito do Largo São Francisco, ocuparam o cargo de Deputado Provincial pela primeira vez

também no mesmo ano e fariam parte do movimento republicano. Prudente seria eleito

Presidente da República em 1894 e Campos Salles em 1898. Entretanto, divergiam em muitos

pontos com relação as questões políticas.

Retratando Prudente de Morais e Campos Salles, o historiador Aureliano Leite

confronta os dois temperamentos. Do primeiro se pode acrescentar que cultiva a

paixão da glória, enquanto o segundo se entrega à escravidão do dever. Ambos

vingam mais ou menos a mesma meta por veredas diferentes. Campos Salles está para

Prudente como um espanhol para um inglês: impulsivo, amante da vida, brilhante,

barulhento, violento (MENEZES, 1974, p. 27).

Embora, estando muitas vezes em lados opostos, como foi o caso daquele primeiro

discurso feito por Campos Salles, Prudente de Morais reconheceu que estavam além de suas

próprias capacidades “fazer um eloqüente discurso como aquele que acaba de ser proferido

pelo honrado deputado pelo 3º distrito” (DEBES, 1978a, p. 65).

Em seus primeiros anos como parlamentar, Campos Salles marcou presença,

participou de debates e teve uma atuação brilhante. Ao lado de Jorge Miranda e Benedito

Ferreira Coelho apresentou um projeto de lei com inovações para o ensino na Província,

cumprindo uma importante proposta de sua campanha eleitoral. Infelizmente, aquele projeto

foi considerado muito avançado para a época. Promovia o ensino particular ao lado do oficial,

era uma tentativa de implantar o ensino livre. Uma emenda substitutiva foi oferecida pela

própria bancada Liberal, acabando por descaracterizar essencialmente o projeto inicial.

A reforma no ensino foi uma preocupação constante de Campos Salles, sendo

freqüentemente abordada em sua comunicação. Muito provavelmente, neste ponto, ele

recebeu uma forte influência de Auguste Comte, pois a idéia do ensino livre encontra raízes

no positivismo e, segundo VITA (1965, p. 147), foi defendida na “Política republicana”, de

Alberto Salles:

73

Para êle [Alberto Salles], “a intervenção do Estado, em relação ao ensino superior, não

deve ser senão indireta. A ciência é uma idéia fundamental, corresponde a uma das

esferas da atividade social, e como tal necessita de certas condições que assegurem,

não somente a sua completa independência ao lado de outras esferas da atividade

humana, mas também a livre expansão de tôda a sua energia progressiva. (...) A

ciência deve permanecer sempre na mais completa independência, girando

constantemente em uma esfera distinta da atividade religiosa ou política, e nunca

subordinada à influência exclusiva de qualquer outra esfera da atividade social. A

liberdade de ensino deve ser um corolário da liberdade de aprender”.

Muitos fatos marcaram a vida de Campos Salles no ano de 1869. Em julho perdeu seu

filho Vítor, que não contava ainda com dois anos de idade. Por outro lado, amenizando a

tristeza, nasce José Maria em setembro. No final do mesmo ano é fundada a Gazeta de

Campinas, jornal onde teve grande participação. Através daquele veículo, passou a fazer

efetivamente suas primeiras manifestações anti-monárquicas, em boa parte motivadas e

baseadas em textos de intelectuais revolucionários franceses. Em sua própria autobiografia,

ele mesmo afirma ter encontrado em Auguste Comte o estímulo para defender o movimento

contrário a monarquia, iniciado no Brasil com a Conjuração Mineira:

É um fenômeno incontestável, pois que a história o atesta, o contágio das idéias entre

os povos, nas épocas em que se operam os grandes abalos sociais. Já A. Comte havia

observado que, em cada momento da história, o povo, cuja evolução é mais adiantada,

representa a humanidade inteira (CAMPOS SALLES, 1998, p. 13).

Em 1870, Campos Salles participa do lançamento do Manifesto Republicano, o qual

dá início propriamente ao período da propaganda republicana, abordado com maiores detalhes

no segundo capítulo deste trabalho.

3.4. Vereador em Campinas – eleição e reeleição

Além de Deputado Provincial e advogado, Campos Salles também exercia, na mesma

época, a função de Juiz de Paz, em Campinas. Paralelamente, participava do movimento

republicano e publicava artigos com freqüência. Suas principais preocupações expostas

naqueles textos eram a escravidão e os meios de transporte, além dos constantes ataques à

74

monarquia. Ele defendia a substituição gradativa da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre

assalariado, apresentando como justificativa as possibilidades de maior rendimento da lavoura

no Brasil através do segundo modelo.

Quanto aos transportes, Campos Salles também estava contaminado pela febre

ferroviária que atingia a província de São Paulo. Neste sentido, manifestava-se através da

imprensa, aproveitando principalmente a inauguração das linhas da Companhia Paulista, cujo

prolongamento chegaria em Campinas, no ano de 1872. Naquele ano ocorreriam eleições

municipais em todo Império, portanto a chegada do trem de ferro ao município transformou-

se num grande evento político.

Campos Salles soube aproveitar muito bem aquele momento, realizando discursos

durante o evento e participando das reuniões e jantares comemorativos. “Cessadas as

vibrações decorrentes da realização de um dos maiores sonhos dos campineiros, (...) os

republicanos locais passam a dedicar-se a seus objetivos políticos” (DEBES, 1978a, p. 102).

Os republicanos organizaram uma chapa e lançaram o nome de Campos Salles, tanto

para vereador como para Juiz de Paz, no pleito de Campinas. De acordo com o Correio

Paulistano, de 15 de setembro de 1872, apresentado por (DEBES, 1978a, p. 102-103):

Na luta que se travaria, liberais e conservadores, coligados, se apresentam para

enfrentar os republicanos. (...) A liga lançou mão de todos os recursos para não

entrada na Câmara de nenhum republicano, e os republicanos, por seu turno não

pouparam esforços para o triunfo de seu candidato que era o Dr. Campos Salles.

A Câmara de Vereadores de Campinas era composta por apenas nove membros, e

Campos Salles ficou em décimo lugar na eleição. Para sua sorte, Cândido Alvaro de S.

Camargo, um dos candidatos com maior número de votos que ele, não estava qualificado,

liberando assim, aquela vaga de vereador para Campos Salles. Seu colega, Francisco Quirino

dos Santos foi eleito Juiz de Paz.

Resultara, assim, auspicioso o embate para os republicanos. Lograram, ao que tudo

indica, eleger, pela primeira vez no país, um vereador lançado sob sua legenda.

Promissora seria a participação de Campinas no programado Congresso Provincial do

Partido (DEBES, 1978a, p. 103).

75

Na verdade, os republicanos ainda não estavam reunidos sob uma agremiação própria,

o lançamento oficial do Partido Republicano Paulista ocorreria somente no ano seguinte.

Naquele momento, eles ainda faziam parte de uma facção liberal prestes a tornar-se

independente. Constituíam, sim, uma chapa republicana, mas na visão daqueles homens, já se

consideravam como um verdadeiro partido político. E, como tal, preocupavam-se com os

conceitos de “Ordem e Progresso” de Auguste Comte. Neste sentido, VITA (1965, p. 133)

apresenta a influência pioneira das palavras de Alberto Salles:

Debaixo dêste ponto de vista que eu considero os partidos políticos como poderosos

instrumentos de progresso. Centro de convergência de uma soma extraordinária de

esforços, que de outra forma se inutilizariam numa dispersão inevitável, êles não

somente evitam a anarquia , como favorecem a vitória das mais nobres aspirações

populares.

Pela segunda vez, naquele mesmo ano de 1872, Campos Salles tinha motivos para

comemorar, pois no dia 1º de julho sua filha Helena havia nascido.

A sessão de posse dos vereadores de Campinas ocorreu no dia 13 de janeiro de 1873,

“Campos Salles é escolhido para integrar as comissões de ofícios e redação e a de contas”

(DEBES, 1978a, p. 114). Ele teria um difícil caminho a seguir, a cobrança seria grande por ter

sido eleito mediante a desqualificação de outro candidato que obtivera maior número de

votos.

Pensando nisso, Campos Salles não se deixa abater e trabalha com seriedade e muita

dedicação. Sua passagem pela Câmara é marcante, obtém reconhecimento popular ao

defender uma causa da qual não consegue sair vencedor. Na sessão de 3 de novembro de

1874, ele lutou em favor dos integrantes do Diretório responsável pelas obras de edificação da

Matriz Nova de Campinas, demitidos, em sua opinião, injustamente pela Câmara Municipal.

Mesmo não sendo capaz de reverter a situação, seus esforços foram reconhecidos e com isso

confirmou o cargo de que fora investido. A respeito disso, DEBES (1978a, p. 115) analisa os

comentários da Gazeta de Campinas, de 5 de novembro de 1874:

A imprensa registrou o fato, afirmando que “a tribuna da Câmara Municipal encheu-se

de luz” quando Campos Salles a assomou e que ele foi, “depois que encerraram-se os

trabalhos, geralmente aplaudido e cumprimentado”.

76

O entusiasmo da Gazeta, ao consignar o acontecimento poderá parecer um mero

elogio a um seu colaborador. No entanto, o jornal assinala a ocorrência de

manifestação pública em homenagem a Campos Salles, levada a efeito na noite do

mesmo dia 3 de novembro.

Em 1873 foi realizado o Congresso Republicano de Itu (vide Capítulo 2), no qual

foram tomadas importantes decisões sobre os rumos do movimento republicano em São

Paulo, entre elas o lançamento das bases do Partido Republicano Paulista – também

conhecido pela sigla PRP.

Como membro da Comissão Permanente, “verdadeiro órgão dirigente do Partido

Republicano em São Paulo” (DEBES, 1975, p. 18), Campos Salles assume o cargo de

secretário, ficando responsável por manter o contato entre os correligionários através das

circulares publicadas na imprensa. Segue abaixo a transcrição de um daqueles anúncios,

estampado na Gazeta de Campinas de 25 de maio de 1873, (DEBES, 1978a, p. 117-118):

REUNIÃO REPUBLICANA

A comissão municipal do Partido Republicano convida a todos os correligionários

deste município para uma reunião no dia 1º do p. futuro mês de junho, às 4 horas da

tarde na casa do Sr. José de Campos Salles, à rua do Rosário nº 16, a fim de eleger-se

um representante à assembléia que terá de funcionar na capital da Província no dia 1º

de julho p. futuro, conforme as deliberações constantes da circular expedida pelo clube

ituano com data de 13 de abril do corrente ano.

Campinas, Maio – 1873

O secretário da comissão,

M. F. de Campos Salles

Aproveitando o fato do Sr. José de Campos Salles, sogro de Manuel Ferraz de Campos

Salles, ter sido mencionado na circular acima, seria conveniente anotar neste momento, seu

apoio ao movimento republicano. Nas palavras de Raimundo de MENEZES (1974, p. 37):

77

Campos Salles e os amigos contam com o irrestrito apoio do sogro e tio José de

Campos Salles, homem de ação e sisudez nas atitudes, grande agricultor, chefe de

numerosa família, com real prestígio social e político. O fato destrói a balela de que ao

republicanismo seguem a mocidade inexperiente e os que nada têm a perder. Dotado

de extraordinária atividade e energia, arregaça as mangas e luta com destemor. Não

vacila em reunir na própria casa, (...) dezenas de políticos.

A Comissão Permanente, ainda em 1873, recebe a missão de organizar e redigir as

“Bases Constitucionais do Estado de São Paulo”. Aquele documento previa a forma de

governo e as normas legislativas de um futuro Estado de São Paulo, dentro de uma futura

Federação dos Estados Unidos Brasileiros. Na opinião de José Maria dos SANTOS (1942, p.

154-155):

É certamente a melhor manifestação intelectual de toda a propaganda republicana.

Conciso, claro e extremamente objetivo, é elle sem a menor duvida um excellente

trabalho de publicistas, podendo alli admirar-se tanto a perfeita segurança doutrinaria

como a propriedade e a absoluta justeza das expressões.

(...) Infelizmente, sem merecer outra divulgação além da sua posterior inserção nos

Programmas dos Partidos, de Americo Brasiliense, elle ficou sendo um trabalho

puramente academico, sem nenhuma acção real de propaganda, nem mesmo sobre os

varios meios republicanos fóra da provincia de São Paulo.

Entre os dias 5 e 8 de abril de 1874 foi realizado o segundo Congresso Republicano,

no qual o número de municípios com representantes aumenta. Naquela reunião são

apresentadas as “Bases Constitucionais”, discutem a fundação de um jornal órgão do partido

na província (que viria a ser O Província de São Paulo – vide Capítulo 2) e também

encarregam a Comissão Permanente de redigir um Manifesto sobre a Questão Religiosa.

O Manifesto de 1874 atacava uma súmula emitida por ordem do Papa Pio IX, a qual

criticava o relacionamento existente entre os partidários do clero e os partidos políticos,

principalmente os republicanos. Os pontos básicos do documento republicano eram:

78

Liberdade plena dos cultos e sua igualdade perante a “sociedade temporal e política”;

abolição do caráter oficial da religião católica e a desvinculação da Igreja do Estado;

separação entre o ensino secular e o religioso; instituição do casamento civil, sem

prejuízo do religioso, “conforme o rito particular dos cônjuges”; secularização dos

cemitérios e sua administração pelos municípios; “instituição do registro civil de

nascimentos e óbitos” (DEBES, 1978a, p. 126).

Com o avanço do movimento republicano, a influência dos conceitos positivistas

tornava-se cada vez mais evidente na comunicação propagada por seus membros. Em seu

“Catecismo Republicano”, Alberto Sales argumenta (VITA, 1965, p. 179): “A ciência política

exige que o Estado seja completamente separado e independente da Igreja”. Esse ponto seria

defendido também constantemente nas estratégias comunicacionais de Campos Salles.

O jornal A Província de São Paulo é fundado em 1875, no compromisso firmado em

seu primeiro editorial são expressados muitos pontos similares àqueles do Manifesto de 1874.

O novo meio de comunicação também posiciona-se como defensor dos princípios

democráticos e das eleições diretas. Apesar disso, procura disfarçar sua origem republicana,

definindo-se como “órgão de partido algum” e de “se abster completamente de questões

políticas” (DEBES, 1978a, p. 134).

No mesmo ano do nascimento d’A Província, Campinas transformar-se- ia num

importante entroncamento ferroviário. Por ocasião disso, receberia a visita do Imperador. Na

condição de vereador, Campos Salles participa da recepção oficial e do programa de festejos

organizados para D. Pedro II. Ainda naquele ano, no dia 30 de outubro, Campos Salles

sofreria com a morte de seus filhos Manuel e Sofia, vítimas da epidemia de varíola.

Contudo, chegava ao fim o mandato dos vereadores eleitos em 1872, era preciso

seguir a diante. Novas eleições seriam travadas em 1876, com isso o Partido Republicano

define uma linha mais agressiva e convoca seus membros para participarem daquela luta.

Recorrem a imprensa, através de anúncios como o que segue abaixo, publicado na Gazeta de

Campinas de 2 de setembro de 1876 (DEBES, 1978a, p. 141-142):

79

REUNIÃO REPUBLICANA

Os abaixo assinados, membros da Comissão Permanente do Partido Republicano

neste município, convidam a todos os seus correligionários para uma reunião geral,

que terá lugar no dia 17 do corrente, a 1 hora da tarde, na rua do Rosário nº 28.

Devendo-se tratar nessa reunião de adotar medidas tendentes a regularizar a conduta

do Partido no pleito eleitoral de outubro próximo futuro, esperam os abaixo assinados

que os seus amigos políticos não deixarão em caso algum de prestar o seu valioso

concurso e o auxílio de seus conselhos, não só para que a maioria real do Partido seja

aí representada, como também para que as deliberações tomadas possam adquirir o

cunho de maior acerto e critério.

Campinas, 1º de setembro de 1876.

Antônio Pompeu de Camargo

Elias Augusto de Amaral Souza

Jorge Miranda

F. Quirino dos Santos

M. F. de Campos Salles

A reunião republicana é realizada antes das eleições. Novamente, naquela ocasião, os

republicanos paulistas mostram-se muito organizados, definindo um plano estratégico de

conduta partidária para todos seus candidatos. Concorrem com chapa própria em Campinas,

Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, advogado, aparece na lista dos nove candidatos

republicanos a vereador.

A anunciada aliança entre liberais e conservadores leva os republicanos à imprensa,

buscando neutralizar os efeitos da união ao mesmo tempo em que rebatem as

imputações que os adversários lhes assacavam de inimigos da religião, por

propugnarem pela liberdade de culto, pela instituição do casamento civil (DEBES,

1978a, p. 144).

Três candidatos republicanos foram eleitos para a Câmara de Campinas, obtendo

assim um terço das cadeiras, tirando a possibilidade de qualquer partido assumir o caráter de

majoritário. Outros três republicanos ficaram na seqüência como suplentes, a apuração geral

segue abaixo (DEBES, 1978a, p. 146):

80

1º Dr. José Bonifácio (liberal-ligueiro) 814

2º Capitão José Bento (conservador-ligueiro) 811

3º Dr. Gustavo (liberal-ligueiro) 807

4º Antônio Firmino (conservador-ligueiro) 802

5º Joaquim Teixeira (liberal-ligueiro) 792

6º Rafael Sampaio (conservador-ligueiro) 790

7º Antônio Pompeo (republicano) 588

8º Dr. Campos Salles (republicano) 585

9º Dr. Jorge Miranda (republicano) 584

Antônio Quirino (republicano) 582

Cândido Álvaro (republicano) 575

Elias do Amaral Souza (republicano) 570

Foi uma grande vitória para o Partido Republicano em Campinas, nem mesmo na

capital eles estavam tão bem organizados, não conseguindo obter o mesmo êxito. Para

Campos Salles era o momento de sua afirmação política.

Em outubro do mesmo ano, ele seria escolhido para dirigir a loja maçônica

Regeneração, que estava sendo fundada. Na festa de inauguração, registrada pela Gazeta de

Campinas, de 27 de outubro de 1876, Campos Salles afirma “unir os seus esforços aos da

Loja Independência, para trabalharem ambas nesta cidade pela causa do progresso e do

engrandecimento da humanidade” (DEBES, 1978a, p. 147). A loja Independência era dirigida

por seu colega, Francisco Quirino dos Santos.

3.5. Deputado Provincial pelo Partido Republicano

Novo conclave eleitoral estava marcado para 1877, naquele momento seriam

disputadas as vagas para deputados. Os republicanos indicaram seis candidatos para a

Assembléia Legislativa de São Paulo, Campos Salles estava entre eles. Entretanto, “a vitória

só iria sorrir àqueles de seus correligionários que se aliaram aos liberais. (...) Prudente de

Morais e Cesário Mota” (DEBES, 1978a, p. 155).

Apesar da Comissão Permanente do Partido Republicano permitir esse tipo de aliança,

Campos Salles e outros de seus companheiros não aceitavam o fato de unir fo rças com aliados

para poder participar de uma embate eleitoral. O ex-presidente desenvolvia suas estratégias de

81

comunicação política respeitando os preceitos originais do Partido Republicano, como fica

evidente na correspondência endereçada a seus eleitores, transcrita abaixo e reproduzida na

seqüência:

Ilmo. Senhor

Campinas, 28 de julho – 1877

Por indicação dos meus amigos políticos, sou candidato, na eleição de 15 de agosto

próximo, a um assento na Assembléia Provincial.

A parcialidade política que se lembrou do meu obscuro nome, e a qual lealmente

tenho dedicado todos os meus esforços, dispensa-me de detalhar um programma,

principalmente quando me dirijo aos meus comprovincianos para quem não é

desconhecida a marcha do partido a que pertenço.

O pensamento predominante no Partido Republicano da Província de S. Paulo acha-se

desenvolvido de modo bastante claro e explícito nas deliberações tomadas à luz da

publicidade pelo seu Congresso, na capital, para que não seja necessário affixar ainda

uma vez os princípios que me conduzem às luctas políticas.

Já tive a honra de fazer parte da representação provincial no biennio de 1868 e 1869.

Invoco esse passado, não porque elle possa trazer-me merecimentos que não possuo,

mas tão somente para assegurar que a minha conducta de então poderá servir de base

para ser por ella aquilatada a minha attitude em frente dos interesses da actualidade.

Filiado a um partido de futuro, e portanto livre das pêas communs aos partidos de

Governo, que por sua natural tendência combatem pela posse immediata do poder,

julgo-me com forças para nesse posto prestar à minha província os serviços que

couberem na alçada dos meus migoados recursos, dedicando-me com justiça e

imparcialidade ao severo e escrupuloso exame da administração pública.

Acceitarei com franquesa e lealdade as medidas úteis que forem propostas, e cobaterei

com energia e tenacidade tudo quanto possa de algum modo contrariar as nobres e

generosas aspirações da província, sem que de leve deva preocupar-me, em um como

em outro caso, a côr política da situação dominante, qualquer que ella seja.

82

É debaixo d’estes princípios que submetto-me ao pronunciamento das urnas, tendo

como certo desde já que o eleitorado paulista saberá meditar bem nos grandes destinos

desta província no momento solemne em que vai proferir a expressão da sua escolha.

De V. S.

Am. Vnr e Obg.

M. F. de C. S.

83

Correspondência emitida por Campos Salles em 28 de julho de 1877.

Fonte: Acervo do Museu Republicano “Convenção de Itu”.

84

Ocupando o cargo de vereador, investido no dia 7 de janeiro de 1877, Campos Salles

segue suas atividades normalmente. Em fins de agosto, para sua tristeza e depois de longos

sofrimentos, seu pai falece. No dia 11 de agosto de 1879 nasce sua filha Sofia, ela recebe o

mesmo nome de sua irmã falecida em 1875.

Em suas atividades, tanto como vereador como colaborador da imprensa, Campos

Salles continuava manifestando-se intensamente sobre os destinos da agricultura e a

reformulação da mão-de-obra, defendendo a introdução paulatina do trabalho livre e

assalariado. No Manifesto lançado pela Comissão Permanente em 1880, ele deixava claro seu

posicionamento, discutindo que a classe agrária deveria pensar melhor nas possibilidades de

utilização da imigração estrangeira.

Numa série de artigos publicados n’A Província de São Paulo, naquela mesma época,

o positivista Luís Pereira Barreto também bradava sobre a extinção da escravidão,

argumentando porém sobre a transformação do escravo em servo da gleba. Aquela proposta

foi considerada duvidosa, devido a seu cientificismo dificilmente aplicável. Na opinião de

DEBES (1978a, p. 165), ela “não passaria de uma forma disfarçada de perpetuar a situação

reinante”, sendo inclusive criticada pelo líder do positivismo ortodoxo no Brasil, Miguel

Lemos. Assim, a proposição formulada por Campos Salles, sobre a questão servil, “era mais

racional e viável do que a preconizada pelo positivista Pereira Barreto” (DEBES, 1978a, p.

166).

As preocupações de Campos Salles seriam refletidas e aplicadas em sua próxima

campanha eleitoral, a qual pode ser considerada como sendo a melhor elaborada e com maior

planejamento de comunicação até aquele momento. Nas eleições de 1881, seu nome foi

indicado para concorrer ao cargo de Deputado Provincial e Geral, representando o 7º distrito

da província de São Paulo. Não consegue ser eleito para a Câmara dos Deputados na disputa

ocorrida no dia 1º de novembro, porém seus esforços são recompensados poucos dias depois,

garantindo uma das vagas da Assembléia Legislativa. Campos Salles torna-se Deputado

Provincial pela segunda vez, não representando os liberais, como em 1867, mas sim os

republicanos.

Durante a campanha eleitoral, a exemplo do que era feito na Inglaterra e em outros

países, Campos Salles, além de outros membros do partido, percorrem as paróquias de seus

distritos, expondo ao eleitorado suas propostas eleitorais. Fato que é acompanhado e noticiado

pelos jornais partidários. Aqueles comícios recebem na época o elegante nome de “Meetings

Eleitorais”.

85

Seria conveniente anotar algumas das visitadas feitas por Campos Salles aos núcleos

eleitorais do 7º distrito, registradas em seu caderno de notas e publicadas por DEBES (1978a,

p. 169-170):

Pleito de 31 de 8bro – 1881.

Meetings eleitorais. Realizei os seguintes:

A 28 de agosto – Penha do Rio do Peixe.

A 8 de 7bro – Mogi-Mirim

A 17 de 7bro – Itatiba

A 25 de 7bro – Pirassununga

A 2 de 8bro – Araras

A 9 de 8bro – Amparo

A 16 de 8bro – Serra Negra

A 30 de 8bro – Campinas

Aquele último meeting, proferido em Campinas na véspera da eleição, fez com que o

enorme teatro S. Carlos ficasse lotado. Sobre o evento, Raimundo de MENEZES (1974, p. 42)

reproduz a notícia assinada por Assis Brasil e publicada n’A Província de São Paulo, no dia 3

de novembro de 1881:

Foi às 7 horas em ponto da noite de 30 de outubro, que teve lugar a conferência do

ilustre candidato republicano no teatro da cidade de Campinas. Era exatamente

véspera do dia da eleição. Na platéia e camarotes do teatro aglomeravam-se mais de

mil pessoas, entre as quais muitas senhoras. Influências liberais, conservadores,

cidadãos de todas as classes compunham essa massa relativamente enorme de

espectadores, que seria reduplicada, se não contrastassem com o extraordinário

interesse da população as acanhadas proporções do edifício. À hora indicada, o

popular cidadão, visivelmente comovido, porém, grave e firme, apareceu na tribuna,

colocada à boca do palco. Larga e estrondosa salva de palmas saudou o seu

aparecimento. Depois o auditório volveu a profundíssimo silêncio, e o orador desatou

a voz pausadamente, um pouco rouca e simpaticamente trêmula, porém sem demorar

nem precipitar as palavras e dando o gesto correlativo.

86

No processo eleitoral de 1881 ocorreram algumas mudanças (vide Capítulo 2),

entravam em vigor a eleição direta e o título de eleitor. Com as novas restrições, o número de

eleitores diminuía ainda mais, representando, na época, apenas 0,6% do total da população.

O Partido Republicano Paulista introduziu, na campanha daquele ano, uma inovação

que contribuiria favoravelmente nos resultados observados nas urnas. No Congresso realizado

em 1881, foi elaborado o “Programa dos Candidatos”, aquela fórmula enriquecia as propostas

individuais de cada candidato.

O programa deixa de ser uma simples promessa pessoal para tornar-se um

compromisso solene entre o Partido e os candidatos: a unificação de opiniões relativas

às soluções dos problemas da atualidade deve trazer ao nosso Partido mais

merecimento e aos seus candidatos maior soma de adesões fora dos círculos dos seus

parciais.

O Programa dos Candidatos é um trabalho coletivo. Composto de doze capítulos,

sabe-se que três deles foram redigidos por Campos Salles: o segundo, o sexto e o

oitavo, intitulados, respectivamente “descentralização”, “locação de serviço” e

“naturalização e direitos do cidadão” (DEBES, 1978a, p. 168-169).

Segundo DEBES (1975, p. 42), através daquele procedimento o novo agrupamento

político afastava-se dos velhos partidos, pois afirmava publicamente os nobres e patrióticos

intuitos dos republicanos paulistas. Os comentários completos de DEBES (1975) sobre o

“Programa dos Candidatos” encontram-se nos anexos do presente trabalho.

Aquele Programa do PRP possuía preocupações com as questões de natureza socia l,

além das políticas e econômicas. O capítulo oitavo, por exemplo, elaborado por Campos

Salles, tratava da “naturalização e direitos do cidadão”. O próprio lançamento do Programa

era uma estratégia inovadora, e ganhava ainda mais notoriedade ao contar com um lado

social. Com certeza, as propostas sociais encontravam ascendência nas teorias de Auguste

Comte e, de fato, foram abordadas nas orientações de Alberto Salles, comentadas por VITA

(1965, p. 135-136):

87

Se a disciplina é fundamental, não menos importante é o “programa” dos partidos

políticos: “Bem sei que há quem pense que, sendo as questões sociais, por sua

natureza, diversas das questões políticas, podem e devem ser excluídas do programa,

como um patrimônio nacional cuja guarda está confiada a todos os partidos; eu,

porém, penso que semelhante distinção, além de capciosa e sofística, por isso que vai

de encontro à natureza legítima da função de um partido bem constituído, é ainda

imoral e condenável.

Na opinião de ROMANINI (2002, p. 98-100), a Comissão Permanente do Partido

Republicano Paulista era a responsável pela elaboração da estratégia de campanha de seus

membros. Neste sentido, ela contava com o apoio de determinados órgãos da imprensa, para

divulgar e propagar suas idéias. O “Programa dos Candidatos”, por exemplo, foi apresentado

aos poucos, durante dez dias no jornal A Província de São Paulo. No mesmo veículo, foi

publicado o “Boletim Republicano”, com o nome dos candidatos paulistas, durante quinze

dias ininterruptos, de 17 a 31 de agosto de 1881, sempre na primeira ou segunda página.

Segue abaixo, trecho do Boletim publicado n’A Província, do dia 17 de agosto de

1881, apresentado por ROMANINI (2002, p. 101):

BOLETIM REPUBLICANO

Candidatos do partido

À Assemblea Geral

1º districto – Dr. Americo Braziliense de Almeida Mello, (...)

2º districto – Dr. Luiz Pereira Barreto, (...)

3º districto – Dr. Lycurgo de Castro Santos, (...)

4º districto – Dr. Americo Braziliense de Almeida Mello, (...)

7º districto – Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, (...)

8º districto – Dr. Prudente José de Moraes Barros, (...)

9º districto – Dr. Martinho da Silva Prado Junior, (...)

88

À Assemblea Provincial

1º districto – Francisco Rangel Pestana, (...)

2º districto – Francisco Nogueira Cardoso, (...)

3º districto – José Fortunato da Silveira Bulcão, (...)

4º districto – Dr. Americo Braziliense de Almeida Mello, (...)

7º districto – Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, (...)

8º districto – Dr. Prudente José de Moraes Barros, (...)

9º districto – Dr. Martinho da Silva Prado Junior, (...)

Apresentação do Programa

A Commissão Permanente do Congresso Republicano, em virtude da resolução do

mesmo Congresso, em sessão de 8 de abril do corrente anno, organizou o programma

dos candidatos do partido nas proximas eleições para a assembléa geral e a provincial,

e, sendo ella aceito por estes, constitue hoje um compromisso solemne para o

desempenho do mandato, si lhes for confiado pelo eleitorado de alguns districtos da

provincia.

São Paulo, 17 de agosto de1881.

Americo Brasiliense, presidente.

F. Rangel Pestana, secretario (...)

Ao lado de Campos Salles, também foram eleitos para Assembléia Provincial de São

Paulo outros cinco republicanos: Prudente de Morais, Gabriel de Piza e Almeida, Martinho

Prado Júnior, Francisco Rangel Pestana e Antônio Gomes Pinheiro Machado. Além deles, A

Província de São Paulo publicou, em 5 de janeiro de 1882, os demais candidatos eleitos

(DEBES, 1978a, p. 172): “Os liberais elegeram 15 deputados, os conservadores 14, e os

autonomistas e católicos 1”. Aquele fato demonstra a força e evolução do bloco maciço

constituído pelo movimento republicano paulista.

A vitória nas urnas motivou a realização de uma grande comemoração em Campinas,

o Banquete Memorável. Os membros do partido foram homenageados pelo eleitorado através

da aplicação de seus nomes aos pratos que seriam servidos:

89

Ingresso para o banquete republicano de 1882, em Campinas.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Dr. Áureo de Almeida Camargo.

Cardápio do banquete republicano de 1882, em Campinas.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Dr. Áureo de Almeida Camargo.

90

3.6. Deputado Geral

O tempo passa rapidamente, logo em 1884 novas eleições provinciais e gerais

ocorreriam. Campos Salles manifesta desinteresse em concorrer novamente para uma vaga na

Assembléia Paulista, resolve direcionar todos os seus esforços para a Assembléia Geral.

Novo Congresso Republicano estava marcado para abril de 1884, naquela ocasião os

republicanos reunidos em São Paulo deveriam indicar seus candidatos para o próximo pleito

eleitoral.

Mesmo antes de serem definidas oficialmente as preferências do partido, Campos

Salles inicia sua campanha em busca de apoio para sua candidatura. Tendo seu nome como

provável candidato à deputação geral, constando como pretendente do 7º distrito de São

Paulo, ele realiza sua primeira conferência em Amparo, no dia 20 de setembro de 1884.

Naquela ocasião, assim como nas demais que ocorreriam durante a campanha de 1884,

Campos Salles vo ltaria a afirmar os princípios contidos no “Programa dos Candidatos” de

1881, além de participar de um manifesto aos eleitores produzido juntamente com Prudente

de Morais, Cesário Mota, Muniz de Souza, Martinho Prado Júnior, Francisco Glicério e

Rangel Pestana, candidatos apresentados no boletim oficial do partido, datado de 27 de

setembro de 1884 (DEBES, 1978a, p. 184).

Mais uma vez, o principal ponto da comunicação política de Campos Salles estava

centrado na questão da reformulação do trabalho escravo. Principalmente no plano nacional,

aquele era um ponto muito polêmico, podendo definir o resultado nas urnas, pois as propostas

dos candidatos estavam divididas entre as que apoiavam o projeto Dantas8 e as que o

combatiam. O ex-presidente estava obviamente entre os que a defendiam, deixando isso muito

claro em todo seu trabalho de propaganda.

Tratando-se de uma eleição com foco nacional, a estratégia de comunicação de

Campos Salles deveria ir além dos comícios e conferências, e de fato foi.

8 O senador Dantas era chefe do gabinete do Império, político liberal e experiente. Seu projeto de 1884 contava com a habilidosa colaboração de Rui Barbosa, tratava principalmente de fixar em 60 anos o limite de idade dos escravos, além de obrigar novo registro e identificação de escravos, garantindo a aplicação mais efetiva da “Lei do ventre livre” e da proibição do tráfico. Aquela proposta somente seria aprovada em 1885, com menor abrangência e contando como muito menos rigor, através da Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como dos Sexagenários.

91

Primeiramente, ele fez uma articulação, assim como outros membros do partido, que

viria a causar estranhamento e ser tachada de oportunista, inclusive pelo pesquisador José

Maria dos SANTOS (1942). O Partido Liberal encontrava-se no poder, portanto

conservadores e republicanos estavam na posição de oposicionistas, mesmo contando com

propostas e idéias eleitorais essencialmente diferentes (por exemplo, com relação ao projeto

Dantas, estavam em lados opostos) consideravam-se na mesma linha de interesse. Não é

necessário argumentar que os candidatos não fariam modificações em suas bases, mas o

objetivo de Campos Salles, assim como outros republicanos e conservadores, era compor uma

aliança para o segundo turno, “favorecendo o candidato dessas agremiações que viesse a

concorrer com o liberal. Neste caso, o partido alijado votaria no que se classificara” (DEBES,

1978a, p. 185). Em outras ocasiões, Campos Salles havia repudiado esse tipo de artimanha

política, mas tornando-se mais experiente e conhecendo melhor o “jogo” do qual fazia parte,

ele teve que ceder. Assim convencido, não mediu esforços para solidificar a coligação.

A prudência e a aceitação das regras do jogo caracterizaram, durante muito tempo, o

comportamento dos republicanos paulistas. Prudente de Morais foi eleito deputado em

1877 pelo Partido Liberal. Mais tarde, em 1884, quando foi para a Câmara dos

Deputados com seu correligionário Campos Sales, recebeu apoio dos conservadores

(LESSA, 1999, p. 59).

Sobre os aspectos que constituem o fenômeno da cooperação, parece conveniente citar

a opinião do teórico positivista republicano, Alberto Salles, contida em seu “Catecismo

Republicano” (VITA, 1965, p. 175):

Na troca, na permuta constante de esforços e aptidões, que se estabelece

necessariamente entre os indivíduos do mesmo agrupamento social, não somente

como o meio mais apropriado para obtenção do interêsse comum, mas ainda como o

mais eficaz para a consecução dos próprios interêsses particulares. Sem êste auxílio

mútuo seria impossível a satisfação dessas duas ordens de interêsses.

Aquele acordo não era suficiente para Campos Salles, em sua opinião o pleito seria

definido em torno do projeto Dantas, por conta disso, as cores partidárias assumiriam um

plano secundário. Convencido disso, sendo republicano e estando aliado abertamente aos

conservadores, recorre também a um importante chefe da facção liberal de Socorro. Na carta

92

transcrita por Célio DEBES (1978a, p. 185-187), defende sua fidelidade ao projeto de lei

executado pelo representante liberal responsável pelo Gabinete Imperial:

Campinas, 19 de novembro de 1884

Ilmo. Major Antônio do Nascimento Gonçalves

Tenho o prazer de apresentar-lhe os meus cumprimentos.

A perfeita solidariedade de idéias acerca da grande questão social predominante na

eleição que se aproxima, dá-me um certo direito de refletir por escrito o pedido que já

formulei verbalmente em sua presença. Necessito de apoio de todos aqueles que pelo

patriotismo e pelo sentimento compreendem a necessidade de fundar a riqueza

nacional sobre as bases largas e fecundas do trabalho livre.

Se é lícito aos espíritos incultos votarem pela perpetuidade da escravidão, negando

apoio a todas as medidas de emancipação não o é, nem pode sê-lo, aos homens de

coração e de inteligência esclarecida que compreendem o mal e possuem uma parcela

desta grande força – a soberania da consciência humana – que cedo ou tarde há de

contribuir para eliminá-lo.

Eis porque não lhe é permitido confundir o seu voto com o da turba inconsciente. A

sua responsabilidade é clara e palpável, porque à sua consciência repugna votar contra

o projeto Dantas, porque é essa a única medida de atualidade que tem para si a

possibilidade de ser constituída em lei.

Não é uma solução, mas é um progresso enorme comparado com o que existe.

Ora, todos os candidatos monarquistas deste Distrito negam-lhe apoio, ou antes,

combatem-no sistematicamente. Só eu emprestei-lhe inteira e completa adesão. O seu

critério esclarecido o sanciona. Como, pois, negar-me o seu apoio e assim hostilizar

diretamente essa mesma idéia que sua consciência aceita?

Peço que me desculpe, mas permita-me dizer-lhe que o candidato é que deve

acompanhar o eleitor, porque o eleitor é que representa a medida exata do sentimento

público. Não se invertem portanto os papéis acorrentando o eleitor ao candidato.

Quando, pois, o candidato acha-se em antagonismo com o eleitor, este nega-lhe o

voto.

93

Entro nestas considerações porque dirijo-me a um concidadão que medita e pensa e é

por isso que animo-me a pedir-lhe francamente o seu apoio.

Queira dar suas ordens a quem é com a maior estima e apreço,

De V. S.

Amº Obrº crº

M. Ferraz de Campos Salles

Neste sentido, Campos Salles demonstrou um grande avanço em lidar com a opinião

pública, conduzindo suas estratégias comunicacionais também nesta direção. Provavelmente,

aquela era uma postura influenciada pelos ideais revolucionários franceses. Pois, como aponta

CHAMPAGNE (1998, p. 48), além dos formadores da opinião pública conjugarem seus

próprios interesses, procuravam também diminuir o poder da monarquia francesa: “‘a opinião

pública’ é, assim, uma espécie de máquina de guerra ideológica ‘improvisada’, durante o

século XVIII, pelas elites intelectuais e pela burguesia de toga, a fim de legitimar sua próprias

reivindicações no campo político e enfraquecer o absolutismo régio”.

Segundo MARQUES DE MELO (1998, p. 206), o conceito da opinião pública

também pode ser vista a partir da evolução da imprensa: “Em termos históricos, é possível

dizer que a Opinião Pública surge após a revolução burguesa, na Europa, quando a imprensa

deixa de ser controlada rigidamente pelo Estado, e adquire o caráter de uma instituição livre,

colocada a serviço dos diversos interesses dentro da sociedade”.

Todo o empenho de Campos Salles na campanha de 1884, e sua determinação em

vencê- la, ainda seriam fortalecidos por um novo tipo de propaganda eleitoral. Os republicanos

introduziam na imprensa uma forma de comunicação inovadora. “As vésperas do pleito, A

Província estampa, na primeira página, material de propaganda individual dos candidatos,

ilustrado com enorme retrato de cada um deles” (DEBES, 1978a, p. 187). A edição de 16 de

novembro de 1884 seria dedicada a Campos Salles.

94

A Província de São Paulo – 16 de novembro de 1884.

Com retrato de Manuel Ferraz de Campos Salles feito por Jules Martin.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do IHGSP.

95

Além da apresentação de suas propostas eleitorais através da imprensa, Campos Salles

ainda contava com o apoio de correligionários em artigos e notícias favoráveis à sua

candidatura.

A Província de São Paulo divulga, no dia 10 de dezembro de 1884, o resultado do

primeiro turno das eleições (DEBES, 1978a, p. 188). Os votos no 7º distrito ficam assim

distribuídos:

Campos Salles (republicano) 603

Souza Queirós (liberal) 529

Luís Silvério (conservador) 432

Estando fora do segundo turno e respeitando o acordo firmado, os conservadores

manifestam seu apoio ao republicano através do Diário de Campinas, a notícia é comentada

através de nota na A Província de São Paulo de 20 de dezembro de 1884 (DEBES, 1978a, p.

188-189): “Consta que a União Conservadora recomendou a seus partidários neste distrito (7º)

que apoiem, na votação do 2º escrutínio, a candidatura do Sr. Dr. Manuel Ferraz de Campos

Salles”.

Apoio similar recebeu Prudente de Morais em seu distrito. Assim como, em

contrapartida, os conservadores Antônio Prado e Rodrigo Silva foram, por sua vez, indicados

pelos republicanos em outros distritos.

No dia 31 de dezembro de 1884, Campos Salles foi ele ito Deputado Geral, recebendo

875 votos, contra 670 de seu adversário. Prudente de Morais, por São Paulo, e Álvaro

Botelho, por Minas seriam os outros representantes republicanos na Corte.

A Legislatura para a qual Campos Salles havia sido investido foi das mais agitadas.

Durante o biênio 1885-1886, o problema com a emancipação dos sexagenários motivou fortes

desentendimentos dentro do Partido Liberal, o qual ocupava o poder. Os discursos proferidos

pelo representante do 7º distrito paulista sobre aquele assunto e outros, relacionados com a

disputa do poder entre os conservadores e liberais, garantiram elogios e críticas por parte da

imprensa em geral. Na opinião de Lopes Trovão, reproduzida por DEBES (1978a, p. 199), “o

discurso de Campos Salles, simples na forma e esmagador pela base, é uma análise fria,

verídica e justa, contra a qual os partidos políticos não ousam reagir”.

A atuação de Campos Salles na Câmara dos Deputados foi lembrada honrosamente

pela A Província de São Paulo de 15 de dezembro de 1885, (DEBES, 1978a, p. 203):

96

Campos Salles não sustentou somente com denodo e valentia a bandeira republicana

no Parlamento nacional; ele conseguiu mais: honrou a Província, mantendo-lhe os

créditos pelo brilho do seu talento, pelo vigor e correção com que tratou de assuntos

importantes, rodeado das simpatias e respeito de uma Câmara adversária. Hoje, em

favor de sua candidatura, milita esta consideração: representa ali na Câmara a elevação

do nível intelectual da Província de São Paulo.

Entretanto, sua passagem não garantiu automaticamente a reeleição. Além disso, as

eleições de 1886 foram travadas em condições bastante diversas das de 1884, os republicanos

não encontravam-se tão estruturados como anteriormente, segundo DEBES (1978a, p. 203),

não havia programa, não havia bandeira. Como se não bastasse, os conservadores voltavam a

se unir aos liberais, Campos Salles e o liberal Martim Francisco foram para o segundo turno.

O apoio dos conservadores foi novamente o fiel da balança, mas daquela vez pendeu para o

lado liberal (DEBES, 1978a, p. 208):

Votos Campos Salles Martim Francisco

Republicanos 667 --

Liberais 13 620

Conservadores 51 251

Total 731 871

Ao lado de Prudente de Morais, Bernardino de Campos e Martinho Prado, Campos

Salles foi eleito Deputado Provincial, em 1888, novamente em São Paulo. Não existem

muitos aspectos interessantes para serem anotados sobre aquela campanha de 1888, por isso

não foi nem mesmo criado um tópico exclusivo para ela nesta pesquisa. No entanto, após a

derrota no pleito de 1886, fatos importantes compuseram a trajetória de Campos Salles,

delineando efetivamente suas estratégias de comunicação rumo à Presidência da República.

97

Capítulo 4

Rumo à Presidência da República

Entre a derrota na tentativa de reeleição para Deputado Geral, em 1886, e a vitória pela

terceira vez como Deputado Provincial, em 1888, alguns pontos marcaram a trajetória política

de Campos Salles. Mais do que isso, o momento de instabilidade política pelo qual o Brasil

passaria naquele biênio de 1888-1889, representaria o início de sua campanha para a

Presidência da República. Somente em 1898 ele seria eleito como o segundo presidente civil

brasileiro, é importante registrar que durante aqueles dez anos, entre 1888 e 1898, os altos

cargos políticos por ele ocupados não foram escolhidos pelo voto direto, mas sim por

indicação partidária. Sendo assim, aqueles dez anos simbolizam uma longa campanha

política, definida por uma eficaz estratégia de comunicação, efetuada primeiramente entre os

próprios chefes do Governo e em seguida junto à massa nacional de eleitores.

A partir de 1886, mesmo sendo derrotado nas urnas, Campos Salles iniciaria um

trabalho mais efetivo junto ao movimento republicano. Na verdade, o movimento como um

todo ficava mais agitado e enérgico, devido às perspectivas de um possível terceiro reinado,

perpetuando o governo monárquico no país, caso subissem ao trono a princesa Isabel e o

príncipe consorte, Sr. Gastão de Orleans, conhecido como Conde d’Eu (vide Capítulo 2).

O Clube Republicano de Campinas foi fundado em 1886, com o intuito de incrementar

a propaganda partidária em São Paulo, com isso, “o Partido Republicano vai entrar num

período de grande agitação política: não de agitação revolucionária e puramente eleitoral, mas

de agitação doutrinária, de propaganda e de ensinamento” (DEBES, 1978a, p. 211). De fato, o

novo clube iria desenvolver esforços de propaganda nunca antes vistos no país, os quais

seriam aplicados, com certa freqüência, dali até os dias de hoje, nas estratégias de

comunicação dos políticos brasileiros. Segundo DEBES (1978a, p. 210-211), a doutrinação

democrática proposta pelos republicanos, dar-se- ia através de cursos regulares de ciências

políticas, ao alcance de todos, além de conferências abertas sobre diversos assuntos e questões

de política prática.

98

Dos cursos se incumbiriam Alberto Salles, Júlio de Mesquita e Antonio Alves da

Costa Carvalho; as conferências ficariam a cargo de Campos Salles, Francisco

Glicério, Rangel Pestana, Martinho Prado Jr., Luís Piza, Bernardino de Campos,

Prudente de Morais, Adolfo Gordo, Cesário Mota Jr. e de outros mais (DEBES,

1978a, p. 211).

No brasão do Clube Republicano de Campinas reproduzido abaixo, podem ser

identificados alguns traços característicos dos símbolos maçons, por exemplo, as letras

entrelaçadas e o formato curvilíneo na parte superior (lembrando o número nove, que é muito

comum e possui diversos significados na ritualística maçom). Por sua vez, estes símbolos

remetem à França, aos conceitos de Humanidade e ao positivismo.

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

99

Simultaneamente ao Clube Republicano de Campinas, surgiram entidade congêneres

em outras cidades. O Clube de Santos foi inaugurado em 1887, naquela ocasião Campos

Salles ficou responsável por realizar a conferência inaugural, assim como também havia

ocorrido na fundação do Clube de Rio Claro, quinze anos antes, em 1872. O envolvimento do

ex-presidente em eventos como os mencionados, pode parecer de pouca importância, mas ao

contrário disso, são detalhes muito estratégicos dentro da propaganda empreendida por ele.

Campos Salles sempre esteve preocupado em manter seu nome em evidência junto aos

membros do movimento republicano, esse aspecto vai definir a elevação de seu

posicionamento político nos anos vindouros.

A Comissão Permanente do partido paulista promoveu, em 1887, um de seus

tradicionais congressos. Uma das principais deliberações dizia respeito a escolha de dois

representantes de São Paulo para o primeiro Congresso Nacional do Partido Republicano, que

seria realizado na capital do Império, naquele mesmo ano. As preferências recaíram sobre

Campos Salles e Rangel Pestana.

Na ocasião do encontro nacional, o prestígio do ex-presidente foi evidenciado quando

seu nome surgiu, de acordo com DEBES (1978a, p. 221-223), ao lado de Joaquim Saldanha

Marinho, Aristides da Silveira Lobo, Ubaldino do Amaral Fontoura e Quintino Bocaiuva, para

assumir o conselho federal, responsável pela direção central do Partido. Um manifesto foi

lançado e divulgado pelos jornais O País e A Província de São Paulo, dirigido aos

correligionários republicanos e à toda a nação, no qual foram expostos pontos de incentivo

aos esforços relativos ao empenho da propaganda republicana. Ainda segundo Célio DEBES

(1978a, p. 224), O País registrou a atuação dos delegados paulistas, confirmando o

reconhecimento, no âmbito nacional, dos méritos dos republicanos de São Paulo.

O surgimento do Partido nacional inauguraria uma nova fase no desenvolvimento da

propaganda republicana. No seu seio germinaria um procedimento mais arrojado, cuja

tentativa de execução iria estremecer o Partido e modificar o tratamento que o

Governo Imperial dispensava aos inimigos declarados do regime monárquico

(DEBES, 1978a, p. 225).

Como já foi apresentado no segundo capítulo da presente pesquisa, a monarquia

brasileira recebeu o golpe fatal em 1889, e a República foi instaurada mediante a conjugação

de diversos fatores. Serão apresentados a seguir, algumas informações complementares sobre

a participação específica de Campos Salles nos momentos finais daquela etapa.

100

4.1. Momentos finais da monarquia

Como foi apresentado, Campos Salles voltaria a assumir o cargo de Deputado

Provincial em 1888, e assim como Bernardino de Campos, resolveu fixar residência na

capital. No dia 15 de abril de 1888, A Província de São Paulo publicou um anúncio com

destaque, o qual foi repetido outras dez vezes (DEBES, 1978a, p. 238):

ADVOCACIA

Os advogados Drs. Manoel Ferraz de Campos Salles e Bernardino de Campos abriram

o seu escritório nesta capital, à rua de Imperatriz, 47. Podem ser procurados, todos os

dias (das) 10 horas da manhã às 3 da tarde.

IO-1

A partir daquele mesmo ano, o movimento republicano paulista faria mudanças nos

rumos de sua propaganda, abandonando a linha evolucionista e partindo para uma proposta

mais revolucionária (vide Capítulo 2).

Seguindo a nova linha, Campos Salles lançou um panfleto intitulado Pedro II e Isabel

I, sob o pseudônimo “Desmoulins”. “São 32 páginas de boa prosa, num estilo claro, conciso,

enérgico e valente, que denuncia o grande patriotismo do escritor amestrado, cuja pena as

traçou e cujo cérebro as concebeu” (DEBES, 1978a, p. 242). O autor defendeu a necessidade

da revolução, criticando o reinado de D. Pedro II como um “largo período da monarquia

ditatorial”, e a subida ao trono da princesa e seu marido representariam “uma enorme

ameaça”.

101

Folha de rosto do panfleto escrito por Campos Salles.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), da Coleção do Dr. Áureo de Almeida Camargo.

102

Durante o ano de 1889, Campos Salles realizou conferências em diversas cidades,

dando continuidade a seu trabalho de propagandista. Assim como outros companheiros do

movimento, favoráveis à idéia revolucionária, ele sofreu algumas advertências da Guarda

Negra9, na verdade aquela postura autoritária incitou os ânimos dos revolucionários.

Seu irmão, Alberto Salles, sendo um teórico prestigiado, também ministrava

conferências republicanas ao seu lado. De acordo com VITA (1965, p. 128-129), a forma de

governo foi um dos principais pontos discutidos por Alberto Salles nos debates ideológicos da

propaganda e contrapropaganda republicanas. Ele dedicou especialmente duas lições, sobre

isso, em seu “Catecismo Republicano”. Na lição VI, argumenta que “a variante do sistema

representativo a que corresponde o ideal da melhor forma de govêrno, é necessariamente a

República”; e na VII, fazendo uso de conceitos positivistas, escreve que “A República,

conseguintemente, é a única forma de govêrno em que é possível estabelecer-se a perfeita

conciliação da ordem com o progresso”.

Novo conclave nacional do partido republicano seria realizado em Juiz de Fora, no dia

21 de julho de 1889. Como representantes de São Paulo estariam presentes Américo de

Campos, Prudente de Morais e Campos Salles. Não existem relatos significativos sobre o

encontro, no entanto, mais uma vez ficou evidenciado a importância dos republicanos

paulistas junto ao movimento nacional.

Também em 1889, a queda da Bastilha estava completando cem anos, “para os

republicanos, o acontecimento ganhava uma dimensão extraordinária, dada sua vinculação

com a queda da monarquia” (DEBES, 1978a, p. 277-278). Paralelamente seriam travadas

novas eleições e, mais uma vez, Campos Salles disputaria uma vaga como Deputado Geral.

Apesar de toda dedicação, ele sofreu outro revés.

Mesmo saindo derrotado, o ex-presidente não perdeu seu foco principal, mantendo-se

alinhado aos planos de derrubada do Império. Em sua autobiografia, ele relata seu

envolvimento com o Exército (CAMPOS SALLES, 1998, p. 26-27):

9 Entidade armada criada na Corte. Sob o comando do Conde d’Eu, agia supostamente em defesa da pretendente do Trono. Atacava, com a complacência da polícia, aqueles que poderiam oferecer algum perigo para a Monarquia, chegando a agredir Silva Jardim, entre outros membros do movimento republicano.

103

No dia 6 de novembro de 1889, recebi uma carta de Aristides Lobo, entregue com

todas as precauções por seu sobrinho, o ardoroso republicano Francisco J. da Silveira

Lobo, na qual me dava parte do que se passava no Rio de Janeiro, das confabulações

entre os republicanos e algumas altas patentes do Exército, e me prevenia para que

dispusesse os elementos paulistas de modo a poderem intervir com eficácia no

momento oportuno, visto que, ponderava ele, o movimento revolucionário ganhava

terreno e tudo indicava a proximidade da ação decisiva. Procurei imediatamente, como

me cumpria, Bernardino de Campos e Rangel Pestana, a fim de inteirá-los de tudo, e

sem perda de tempo telegrafei a Francisco Glicério, em Campinas, e a Prudente de

Moraes, em Piracicaba, dizendo-lhes que motivos urgentíssimos exigiam, na capital da

província, a sua presença para assunto da máxima gravidade.

Glicério chegou em São Paulo e partiu imediatamente para o Rio. Prudente enviou

resposta dizendo que só poderia ir no dia seguinte, caso fosse realmente indispensável.

Campos Salles replicou que a presença de Prudente tinha vital importância, fazendo

com que o mesmo partisse no dia seguinte.

104

Resposta de Prudente de Morais.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Dr. Campos Salles Neto.

105

Como presidente da Comissão Permanente em São Paulo, CAMPOS SALLES (1998,

p. 27) argumenta que, entre outras providências, manteve contato com alguns oficiais do 10º

Batalhão da Cavalaria do Exército, os quais estavam em guarnição na capital paulista. O ex-

presidente era o republicano responsável por manter a troca de informações entre Rio de

Janeiro e São Paulo, dedicando-se a fortificar o braço militar em formação para derrubar a

monarquia.

De acordo com DEBES (1978a, p. 290-291), Francisco Glicério enviou o seguinte

telegrama para Campos Salles: “Banco aceita transação. Mande notícias penhor agrícola”.

Fazendo uso da chave telegráfica, na qual “banco, significava exército; transação, revolução;

penhor agrícola, 10º de cavalaria”. A resposta não tardou: “Bem recebida solução Banco

Penhor agrícola encaminhado mas são apenas 50 no total. Seguiu hoje para ahi credor

Adolpho. Espere. Tenho combinado tudo com liquidante, que está bem disposto.”

A adesão do Exército fora bem acolhida. O 10º Batalhão só dispunha de 50 homens

alinhados em favor do movimento. O liquidante, ao que parece, seria o chefe militar

com quem Campos Salles se entendia. O credor Adolpho era o conspirador Silva

Gordo.

Como é bem de ver-se, São Paulo participava da conjuração e Campos Salles assumia

papel de destaque na articulação (DEBES, 1978a, p. 291).

106

Telegrama cifrado enviado por Francisco Glicério.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Dr. Campos Salles Neto.

107

Resposta de Campos Salles.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Dr. Campos Salles Neto.

108

Maiores detalhes sobre o envolvimento direto de Campos Salles no processo de

Proclamação da República são considerados desnecessários para os objetivos desta pesquisa.

A Província de São Paulo anuncia a queda da Monarquia.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo de Célio Débes.

109

4.2. Ministro da Justiça do Governo Provisório

Com a instauração da República em âmbito nacional, assume o governo de modo

provisório o Marechal Deodoro da Fonseca. Consagrando assim uma das propostas

republicanas com raízes positivistas, ou seja, a liderança ditatorial representada por um

governante republicano. Sobre isso, COSTA (1956, p. 17), ao citar a obra “A Política Geral

do Brasil”, de José Maria dos Santos, critica os membros do movimento republicano por não

estarem preparados para fazer uma interpretação adequada dos conceitos de Comte:

O que tentou os republicanos históricos no sistema de Augusto Comte foi sobretudo a

sua orientação ditatorial. Ele vinha exatamente servir à tática partidária por eles

adotada no combate parlamentar.

(...) a grande maioria deles (dos republicanos) composta de indivíduos

rudimentarmente providos de cultura geral, não estava em condições de aprofundar

muito a doutrina, nem mesmo de ler, com real proveito, os livros do filósofo de

Montepellier, encontrando-se na mesma situação intelectual os oficiais de tropa que

depois se lhes juntaram.

Nas províncias o cenário político ficava, temporariamente, ainda mais desorientado.

No caso de São Paulo, segundo DEBES (1978a, p. 293), assumia o governo um triunvirato

composto pelos republicanos Prudente de Morais, Rangel Pestana e Sousa Mursa. Existia uma

certa expectativa de que o nome de Campos Salles deveria naturalmente ter sido indicado para

chefiar aquele governo. “Mas, enquanto a quizília provinciana não lograva superar-se,

Campos Salles era convocado para assumir papel de maior relevo no cenário nacional”

(DEBES, 1978a, p. 295-296).

Seus colegas Francisco Glicério e Quintino Bocaiúva, localizados no Rio de Janeiro e

contando com grande influência junto ao Governo Provisório, antecipam-se ao órgão oficial e

enviam telegramas comentados por DEBES (1978a, p. 296):

110

O primeiro despacho, recebido às 10,20 horas do dia 16, fora expedido do Rio, a 15, e

consigna:

“Dr. Campos Salles

Rua Tymbiras, 5. São Paulo.

Venha amanhã pasta Justiça sem falta telegraphe Herculano Antenor.

Francisco Glycério”.

O outro, chegado às 10,35 horas, também expedido do Rio a 15, reza:

“Campos Salles.

Venha urgencia tomar conta pasta Justiça.

Bocayuva”.

Na seqüência, DEBES (1978a, p. 296) reproduz trecho do Diario Official da

Republica Federativa Brazileira, ano XXVIII, nº 315, de 16 de novembro de 1889, no qual

fazia-se a “Proclamação do Governo Provisório” implantando a República no País, além da

nomeação do novo Ministro:

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório constituído

pelo Exército e Armada, em nome da Nação, resolve nomear para o cargo de Ministro

e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça o bacharel Manoel Ferraz de Campos

Salles.

Sala das sessões do Governo Provisório em 15 de novembro de 1889. – Manoel

Deodoro da Fonseca.

Ministro da Justiça era o mais alto cargo político que Campos Salles assumiria até

então. Novamente, fazendo uso do trabalho de DEBES (1978a, p. 297), ele afirma que a

escolha para a pasta de Justiça havia ficado dividida entre Campos Salles e Rangel Pestana,

prevalecendo os votos de Francisco Glicério e Rui Barbosa a favor do primeiro.

Na opinião de LESSA (1999, p. 76), Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva eram os dois

homens mais experientes da equipe governamental formada pelo Marechal Deodoro, ambos

deram apoio ao nome de Campos Salles. O primeiro possuía “conhecimento teórico” sobre a

“república presidencialista” dos EUA, enquanto o segundo estava familiarizado com as

vicissitudes da política argentina.

111

Logo após seu primeiro dia no Ministério, Campos Salles escreveu, como de costume,

uma carta para sua esposa, revelando sua emoção diante das homenagens recebidas (DEBES,

1978a, p. 298-299):

Anninha,

Escrevo já para ver se v. ainda póde ter amanhã noticias minhas.

Acabo de chegar, e v. não imagina o que foi a recepção que tive na estação. Uma

multidão enorme, que enchia literalmente a estação e que estendia -se, compacta, à

grande distancia do edifício, abraçava-me freneticamente, aclamando a Republica, os

membros do Governo Provisório etc. Nunca, absolutamente nunca assisti à uma scena

grandiosa como esta; mas ao sahir da estação vi ainda cousa mais comovente. De

braços com o Quintino fui desde a porta da estação até o portão do quartel do Campo

de Sant’Anna, por entre duas alas dos batalhões academicos, apresentando armas em

continência e aclamando estrepitosamente o ministro da justiça, a republica, etc.

Diversas bandas de musica tocavam a um tempo. Estou a diser que o proprio Rio de

Janeiro não assistiu a um espectaculo tão imponente como este. Estes batalhões

representam um todo de cerca de dois mil soldados, todos rapases das escolas. Fiquei

tão emocionado, que senti cahirem-me algumas lagrimas.

Entrando no quarto fui recebido por grande nº de officiaes de todas as patentes desde

generaes. Fiquei por algum tempo na secretaria da guerra, que é nos altos do edificio,

até que uma commissão de officiaes veio diser-me que soldados e povo não queriam

retirar-se sem ouvir a minha palavra (é sempre a mesma historia). Obedeci, falei e o

entusiasmo foi delirante. Então tive liberdade de sahir e vir para o hotel, onde estou

escrevendo esta com o espirito aturdido por tudo quanto vi e ouvi. Que cousa

magestosa!

- Conversei com o Quintino, e elle julga consolidada a Republica. A familia imperial

sahiu sem provocar incidente algum, o que aliás era para receiar-se, e as forças,

exercito e armada, estão pela Republica.

- Amanhã me empossarei do meu ministerio, onde tenho muito trabalho a vencer. Vou

cumprir a sua recomendação, trabalhando muito e muito para subir à altura da

gravissima responsabilidade que assumi.

112

Por hoje é quanto posso diser.

Adeus.

Rio – 17 – 9bro – 89

do C. Salles.

O texto acima é muito representativo. Por ser uma correspondência particular enviada

à sua esposa, é possível perceber toda sinceridade e emoção de Campos Salles, deixando

evidente sua preocupação em fazer um trabalho digno ao qual fora designado. Em outra carta

enviada no dia seguinte (DEBES, 1978a, p. 299-300), ele revelou sua percepção sobre o

impacto efetivo da República no país, demonstrando certo descontentamento com o fato de

muitos “novos” republicanos, terem procurado-o simplesmente por interesse.

Anninha.

Escrevo da secretaria da justiça, onde estou desde as 10 horas, hora em que tomei

posse do cargo. Tem sido para mim um dia interessantissimo, porque estou vendo

scenas desconhecidas, porque são scenas de governo. Os pedintes já começam a

apparecer, e todos elles nasceram republicanos. Tive em minha presença os

empregados todos desta secretaria, a officialidade dos corpos de policia, os offficiaes

dos corpos da guarda nacional, vistosamente fardados, todos elles protestando lealdade

e adesão ao governo provisorio e dando vivias à Republica. Têm-me apparecido

tambem muitos magistrados, presidentes da Relação, membros do Supremo Tribunal

de Justiça, assegurando todos a sua sincera dedicação ao governo. Tenho sido de

esmerada cortesia com todos elles.

Parece que nesta terra nunca houve monarchia, e todos disem que, se o proprio chefe

da monarchia pactuou com a Republica, ninguem mais tem obrigação de ser

monarchista nesta terra. Enfim, a Republica está feita e perpetuada.

Já dei algum expediente, nomeando para meu secretario particular o Lucio de

Mendonça, de qm. espero bom auxilio.

São 4 horas, e retiro-me para o hotel.

Adeus.

Rio – 18 – 9bro – 89

do C. Salles

113

Todo o entusiasmo demonstrado por Campos Salles, com relação a confirmação da

República e ao fa to de não mais existirem monarquistas no país, acabou sendo contradito nos

anos seguintes. Movimentos anti-republicanos apareceram, trazendo dificuldades para o

Governo. Como Ministro da Justiça, Campos Salles passou por situações delicadas e

constrangedoras, principalmente relacionadas com a imprensa (vide tópico 3.2).

Posteriormente, durante o governo de Prudente de Morais, a República passaria por

momentos ainda mais dramáticos, sendo inclusive palco de conflitos fratricidas armados.

Diante deste cenário caótico, após dez anos da Proclamação, o nome de Campos Salles

surgiria como melhor alternativa capaz de assegurar a estabilidade da República.

Mas certamente, sua indicação para a Presidência da República não veio por acaso, e

justamente o principal objetivo desta pesquisa é demonstrar como os esforços de comunicação

de Campos Salles contribuíram para sua chegada ao mais alto posto político da nação. É

óbvio que aquela indicação, seguida pelo sucesso nas urnas, não ocorreu simplesmente devido

às estratégias de comunicação. A vitória de Campos Salles deve ser vista a partir da

conjugação de três fatores: comunicação, cenário político e sua competente atuação

profissional. Sendo a primeira delas a responsável por potencializar e divulgar favoravelmente

as demais.

Neste sentido, parece conveniente abordar o trabalho de Campos Salles, como

ministro, diante do cenário que estava sendo desenhado naquele momento.

Segundo DEBES (1978a, p. 302), “a primeira grande contribuição de Campos Salles,

no âmbito de competência de seu Ministério, levado à consideração do Conselho, foi o projeto

relativo ao casamento civil”. Na verdade, era uma medida que complementava o Decreto 119-

A, de 7 de janeiro de 1890, aplicado pelo Governo Provisório, promovendo uma das

principais propostas do movimento republicano, em grande medida motivada pelas teorias

positivistas, ou seja, a separação entre Igreja e Estado.

Seguindo as mesmas idéias formadas no período da propaganda, Campos Salles

também defendeu a secularização dos cemitérios. A transformação de um bem clerical em

instituição leiga, de direito público, causava certas preocupações com os sentimentos

religiosos cultivados no país. Entretanto, o então Ministro da Justiça mostrou-se taxativo:

114

O sr. Campos Salles declara que – lê-se nas Atas – em matéria de religião, entende que

as reformas devem ser radicais ou então nada fazer-se. Não convém contemporizar

com o clericalismo, a quem parece o Governo temer; e, fazendo parte do Governo, não

pode deixar de pugnar pelas mesmas idéias pelas quais se debateu nas orações

públicas, na imprensa e no Parlamento. Está disposto a não ceder nesta questão. No

Brasil, o clero não representa uma força como na França e Alemanha. Esse temor deve

desaparecer e o Governo agir com toda a energia, introduzindo reformas completas e

compatíveis com o programa republicano. (DEBES, 1978a, p. 303).

Ainda em 1890, após o campanha militar brasileira contra o Paraguai, o Marechal

Deodoro resolveu honrar os companheiros civis do Governo com o título de gene rais. O ato

fundamentado foi noticiado pelo Jornal do Comércio, em 27 de maio de 1890 (DEBES,

1978a, p. 313):

Honras do posto – É este o decreto que subiu ontem à assinatura do Sr. chefe do

Governo Provisório:

O Generalíssimo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório

constituído pelo exército e armada em nome da nação:

Considerando que ao patriotismo dos atuais Ministros do Governo Provisório, na

quadra anormal que atravessamos, deve a nação extraordinários e relevantes serviços;

Que a solenidade de hoje, além de homenagem prestada a uma nação amiga, pela sua

emancipação política, comemora os feitos militares da maior campanha ferida na

América do Sul, na qual tomaram parte, unidas, três nações Sul-Americanas;

Que honras militares constituem a maior remuneração que excepcionalmente se pode

prestar aos beneméritos da pátria e que os Ministros civis, por sua dedicação e amor à

causa pública, se tornam credores dessa distinção;

(...) Conceder as honras de general de brigada aos cidadãos: Rui Barbosa, Manuel

Ferraz de Campos Salles, Quintino Bocaiuva, Francisco Glicério, José Cesário de

Faria Alvim e as de coronel ao cidadão João Batista de Sampaio Ferraz.

115

Ao lado dos demais ministros, Campos Salles contava com grande prestígio e

reconhecimento junto ao Marechal. Seus trabalhos, como ministro, contribuíram para a

consolidação de sua carreira política. Ele participou ativamente da formulação e instalação da

primeira Constituição republicana brasileira, e poderia ter ocupado o Ministério por ainda

muito mais tempo, se não fosse o caso do empastelamento do jornal A Tribuna (vide tópico

3.2). Importante registrar sua influência e a força de sua comunicação interpessoal, pois ao

apresentar seu pedido de demissão, os outros ministros e Floriano Peixoto foram solidários,

decidindo-se por uma demissão coletiva, como ele próprio comenta em sua autobiografia

(CAMPOS SALLES, 1998, p. 34):

Os meus colegas presentes declararam-se solidários comigo e opinaram pela retirada

coletiva do ministério. Nesse intuito, dirigimos ao marechal a seguinte carta:

“Exmo. Sr. Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório.

Do lamentável sucesso ocorrido ontem à noite com relação à Tribuna, resulta

evidentemente para os membros do Governo Provisório uma penosa responsabilidade.

Desde que se deu o atentado, a opinião pública tem o direito de condenar-nos,

inquirindo de nós qual uso fazemos da autoridade de que nos achamos investidos. Em

tão crítica emergência, consultando o que devemos à nossa consciência e à nossa

pátria, e o que devemos à vossa própria pessoa como chefe do Governo Provisório,

julgamos cumprir um dever imperioso resignando os cargos que exercemos, etc., etc.

(Assinados: Floriano Peixoto, M. Ferraz de Campos Sales, F. Glicério, E.

Wandenkolk , José Cesário de Faria Alvim, Quintino Bocaiúva)”.

Entretanto, o Marechal não permitiu a saída de nenhum de seus auxiliares, somente no

dia 21 de janeiro de 1891, após a votação do projeto de Constituição da República e intensa

mobilização dos ministros, ele entrega- lhes a dispensa.

Interessante anotar a consideração que os republicanos da Comissão, responsável pela

elaboração do projeto constituinte, tinham por Campos Salles (DEBES, 1978a, p. 318):

Os republicanos históricos do Governo tinham na pessoa do Ministro da Justiça um

assíduo e genuíno órgão das suas idéias junto dos membros da comissão, aos quais os

ligavam os laços de cordial amizade, que vinham dos tempos desses largos períodos

de propaganda republicana, que precedeu e que produziu a queda da monarquia.

116

Apesar dos dissabores decorrentes do pedido de renúncia, Célio DEBES (1978a, p.

329-330) afirma que, mesmo após a saída, Campos Salles e seus antigos companheiros de

Gabinete continuaram a manter relações com o Chefe do Governo. O Barão de Lucena, figura

central do novo Ministério, procurou apoio político em alguns de seus antecessores, chegando

a considerar Campos Salles e Francisco Glicério como sendo os ministros nos negócios de

São Paulo.

Em 25 de fevereiro de 1891, o Congresso Nacional se reuniu para escolher os

mandatários constitucionais do país. Deodoro foi eleito o primeiro Presidente da República e

Floriano Peixoto vice. Prudente de Morais também participara daquela disputa, mas apesar do

empenho dos republicanos, eles não conseguiram eleger um civil para dirigir a nação.

Prudente somente obteria a vitória no pleito seguinte, o primeiro com eleições diretas.

4.3. Senador

Durante a implantação da Constituinte Federal, em 1891, Campos Salles, Rangel

Pestana e Prudente de Morais foram eleitos senadores por São Paulo. Na mesma ocasião, o

ministro Lucena ofereceu a direção de São Paulo para Campos Salles, cargo que havia sido

ocupado temporariamente por Prudente, na seqüência do triunvirato empossado em 1889.

Para tanto, o então senador deveria abrir mão dos laços que o ligavam aos republicanos,

separando-se principalmente de Prudente e Glicério. Naturalmente, Campos Salles repeliu a

proposta, a qual Américo Brasiliense acabou aceitando, assumindo a presidência paulista.

A oposição no senado era liderada por Campos Salles e Prudente de Morais. Eles

impuseram dificuldades às propostas de leis de Lucena, forçando-o a renunciar ao alto cargo e

sendo substituído por Bernardino de Campos. Campos Salles justifica sua postura num trecho

de uma carta à sua esposa, de 18 de junho de 1891, (DEBES, 1978b, p. 354): “Tenho revelado

o meu pensamento de não extremar o antagonismo entre o Congresso e o Presidente da

República, e, ao contrario disso, de procurar a solução mais patriotica”.

Um grande problema ameaçava a República recém instaurada, Deodoro apresentava

graves problemas de saúde. Novamente, através de correspondência, Campos Salles manteve

sua esposa informada sobre os fatos políticos, DEBES (1978b, p. 358) transcreve trecho da

carta datada de 16 de outubro de 1891, na qual o ex-presidente não demonstra preocupação

117

com a fatalidade iminente: “O que parece certo é que o próprio Floriano assumirá o governo,

caso o Deodoro falte, e isto se dará sem perturbação alguma”.

Entretanto, o problema sucessório não era tão simples, pois de acordo com a nova

Constituição Federal, o vice-presidente somente poderia suceder o presidente, quando já

tivessem transcorridos dois anos do mandato. Deodoro estava no governo havia poucos

meses. Pela primeira vez, o nome de Campos Salles surge como candidato à uma possível

eleição ao mais alto cargo da nação, fato marcante registrado em sua carta (DEBES, 1978b, p.

359):

Rio, 22 de 8bro. de 1891

Anninha.

Hoje era dia de v. escrever-me, e no entanto não tive carta. Que seja para bem.

Em carta que hoje recebi do Pisa diz-me elle que eu sou o candidato do exercito,

parlamento e povo à presidencia. Não é exacto isso. O que há é o que já contei a v. Ha

alguns deputados e senadores que desejam a minha candidatura, que aliás é bem vista

pelos militares. Disem que serei bem aceito no Norte, etc. Mas a candidatura que

agora será necessaria é a do Floriano, e é quem deve ser eleito, salvo se elle

incompatibilisar-se assumindo o governo.

- Aqui ainda continua o máo tempo. Chove quasi todos os dias. Em compensação

temos fresca.

Adeus.

Do

C. Salles.

A preocupação e seriedade política de Campos Salles mais uma vez foram

apresentadas de maneira muito evidente. Nas palavras transcritas acima, contidas em uma

correspondência íntima enviada à sua esposa, é possível perceber toda sua racionalidade e

determinação em manter a estabilidade da República, sendo humilde em não considerar seu

nome como o mais adequado para dirigir os rumos da nação naquele momento.

118

O Marechal recupera suas forças e, sentindo-se ameaçado com o domínio dos boatos

que percorrem o país, decreta estado de sítio, em 3 de novembro de 1891. Sua atitude foi

considerada um Golpe de Estado, com o agravamento da situação somente lhe resta a

renúncia em 23 de novembro de 1891. Sobre o fato, comenta LESSA (1999, p. 100): “Com

minoria no Congresso, caso único na história republicana, o Governo Deodoro cai, em

novembro de 1891, após tentativa de implantar uma ditadura, com a dissolução do

Legislativo”.

Floriano rapidamente assume o poder e reabre o Congresso. “Os congressistas

apressaram-se em votar todas as medidas necessárias à boa marcha da administração”

(DEBES, 1978b, p. 368). Havia a necessidade de legitimar a posição de Floriano, portanto o

Senado oferece um parecer, do qual Campos Salles foi o relator, sua defesa e postura na

tribuna são analisadas por DEBES (1978b, p. 369) como sendo resultantes de uma forte

formação positivista:

Demonstrou seus dotes de advogado. Empenhou-se, na defesa da causa que

patrocinava, com denodo. Valeu-se de sua poderosa dialética, esteada na opinião de

doutrinador francês, a respeito dos processos de hermenêutica.

A passagem de Campos Salles pelo Senado foi marcante em diversos aspectos,

promovendo, por exemplo, a execução do sistema de independência e harmonia dos Poderes.

Segundo Célio DEBES (1978b, p. 371), ele assumia a “dupla condição de leader da maioria

no Senado e de membro da comissão parlamentar organizada para dirigir a ação política da

maioria do Congresso e regular as suas relações com o Executivo”.

Na mesma época, Campos Salles mobilizou voluntários em São Paulo, afim de

auxiliarem na defesa contra os revolucionários do Rio Grande do Sul. Na opinião de DEBES

(1978b, p. 377-379) é possível notar na carta abaixo, endereçada ao Comandante paulista, o

Coronel Firmino Pires Ferreira, a perspicácia de um político experimentado:

119

S. Paulo – 26 Fro. – 94

Meu Caro Pires Ferreira

Tenho tido desejos de ir ve-lo nessas paragens, mas já vejo que isso não é possivel,

porque continuo a estar muito occupado com a organisação dos corpos de voluntários

para a defesa do Estado. Destes em breve seguirá um batalhão que vai-se encorporar

às forças sob o seu comando. É um batalhão de elite, e creio que saberá cumprir o seu

dever.

Segundo os meus calculos parece que v. ainda não tem conseguido reunir gente

sufficiente para tomar a offensiva. Não sei o que v. terá pensado a este respeito; mas o

que parece, sem os dados precisos para uma apreciação exacta da situação, é que não

se deve em caso algum affrontar os riscos da offensiva sem que estejam reunidos sob

suas mãos todos os elementos indispensáveis para um resultado seguro e garantido.

Antes disso, qualquer tentativa será uma temeridade perigosa, capaz de sacrificar a

causa que se acha posta ao abrigo da sua espada, do seu valor e do seu provado tino

militar. A historia desta revolução tem infelizmente accumulado muitos exemplos para

que não se possa confiar em recursos apenas promettidos; é de boa prudencia espera-

los para agir com elles, quando chegarem ao campo da acção. O Argollo foi mandado

para invadir Santa Catarina com tropas que lhe enviariam depois: teve de voltar um

tanto offendido no seu prestigio militar, porque... nunca recebeu as tropas promettidas.

O Coronel Carneiro foi encarregado da defesa do Paraná, e, apezar de sua immensa

bravura, pereceu sacrificado pelo abandono. Estes factos advertem que o general,

nesta campanha, deve ser muito previdente e muito seguro para não dar um passo em

falso.

Não sou homem de guerra, mas parece-me que v. não deve tentar a invasão do Paraná,

affastando-se dos pontos donde lhe vão recursos, sem ter tropas sufficientes para

guardar as fronteiras, guardando a sua retaguarda, e formar uma columna invasora

bastante poderosa para destruir as forças inimigas dentro do seu proprio acampamento.

Sem isto, na hypoteze, sempre possivel na guerra, de um revez, a sorte da sua

expedição será extremamente precaria e ficará aberta a passagem para a realisação

completa dos planos revolucionários. Eu penso que v. tem em suas mãos a chave do

problema da revolução em terra, assim como o Gonçalves a tem no mar.

120

Se os revolucionarios chegassem aqui triumphantes, nessa mesma hora entraria em

Itamaraty outro Governo. Em quanto o bravo, o heroico Cel. Carneiro pedia socorro, o

caso era deverso: uma invasão a todo o tranze tornava-se necessaria. Nem os proprios

selvagens deixam perecer, abandonados, os seus companheiros de guerra. Mas agora o

motivo da urgencia cessou: e é preciso agir com prudencia e segurança; o que não

exclue a actividade e a energia. Continue a fallar com franquesa ao Governo como o

tem feito até hoje, faça-lhe conhecer a situação, peça recursos, organise as forças,

concretise o seu plano no duplo ponto de vista do ataque e da defesa, e assim terá v.

cumprido o seu dever, cubrindo-se de glorias por haver debellado a mais perigosa das

crizes por que tem passado a Republica.

Desculpe se metto-me a ensinar resa ao vigario. Tenho este temperamento para com os

amigos: enquanto não lhes digo o que sinto, não fico tranquillo.

- O seu manifesto impressionou muito bem a todos, e foi geralmente muito recebido

(sic). O Correio Paulistano o publicou e a imprensa do Rio o reprodusiu.

- Está ahi um moço campineiro muito distincto, filho de um velho amigo, a quem

muito estimo e considero; é o dr. Rozo Mascarenhas, médico dos guardas nacionaes

de Campinas. Chamo para elle a sua particularissima attenção, certo de que tudo

quanto para elle fiser será como se fosse feito a um filho meu.

- Penso que a causa legal acha-se agora em uma excellente situação. É evidente que a

revolução enfraque-se (sic), e que, alem das enormes perdas que tem soffrido, começa

a ser trabalhada pela indisciplina, pela discordia, pelos descontentamentos. Acredito

que o triumpho da legalidade está muito proximo, e que em breve estará restituida a

paz a nossa patria. Abraço-o com effusão.

Velho amo. affmo.

Campos Salles

P.S. Oiço diser-se que a Serra das Furras (Furnas) é um bom ponto estrategico contra a

invasão; não será porem, inconveniente affastar-se muito dos pontos donde vão

recursos?

121

Assim como no episódio da Proclamação da República, ficou novamente evidenciada

a boa articulação de Campos Salles com os militares, sugerindo o respeito que ele lograva

entre alguns dos maiores seguidores do positivismo no Brasil.

Em 1893 é fundado o Partido Republicano Federal, sob a liderança de Francisco

Glicério. Muitos homens do período da propaganda republicana, assim como outros de

diferentes colorações ideológicas e partidárias, ingressaram no novo partido.

Campos Salles estava na Europa e não participa da fundação. Na verdade, nunca

chegaria a envolver-se ativamente no PRF (vide Capítulo 2), principalmente por considerar

que a:

Dupla ausência de coesão de idéias e de conformidade de sentimentos estava o germe

de dissolução, sob cuja influência deletéria devia fatalmente cair esfacelada essa

massa informe. (...) ele já trazia, no próprio organismo, o morbus que lhe minava a

existência desde a hora em que saiu, armado, do cérebro de seu fundador (CAMPOS

SALLES, p. 72).

4.4. Presidente do Estado de São Paulo

Na eleição presidencial de 1º de março de 1894, o Partido Republicano Federal

garantiu seu principal intento, com a vitória de Prudente de Morais à Presidência da

República, além de eleger seu vice, Manuel Victorino Pereira, e de constituir um terço do

Senado e a totalidade da Câmara com seus partidários.

Na mesma época, Campos Salles recebeu uma das homenagens mais marcantes de sua

trajetória política. Um retrato seu foi inaugurado no salão nobre do Tribunal de Justiça de São

Paulo. Na solenidade, o Ministro Carlos Augusto de Souza Lima, Presidente do Tribunal de

Justiça proferiu um discurso, do qual DEBES (1978b, p. 387) reproduz um trecho, lembrando

da importante contribuição de Campos Salles como Senador:

Não é um testemunho de apreço ditado pelo sentimento da amizade ou da gratidão

pessoal, mas o pronunciamento muito significativo dos órgãos legítimos de um dos

poderes constitucionais, a cuja honorabilidade, independência e responsabilidade

votou o Dr. Campos Salles os mais solícitos cuidados do seu talento organizador e a

melhor energia do seu discernimento de publicista.

122

Nos comentários de DEBES (1978b, p. 387), Campos Salles sensibilizou-se com a

honraria, mas demonstrou certo desapontamento, pois se considerava um “mero Senador da

República, despido de qualquer posição de mando, as vésperas da investidura de um novo

Governo federal, sem perspectivas próximas de assomar ao poder”.

O desânimo de Campos Salles, diante do novo cenário político que estava sendo

desenhado no Brasil, logo foi consolado. Pois, a Comissão Central do Partido Republicano

Paulista já estava pensando em seu nome como candidato à Presidência do Estado de São

Paulo.

Na reunião promovida pela Comissão, estavam presentes vinte e oito congressistas.

Segundo DEBES (1978b, p. 398-399), mesmo contando com ampla competência para

escolher e indicar os nomes dos candidatos do Partido, a Comissão preferiu ouvir sua bancada

na Câmara e no Senado. Os nomes de Campos Salles para Presidente e Peixoto Gomide para

Vice-Presidente foram acatados plenamente pelos republicanos ali reunidos.

Manifestações favoráveis e otimistas com a candidatura foram enviadas pelos

diretórios do Partido, às quais Campos Salles respondeu através da carta comentada por

DEBES (1978b, p. 399):

Agradece o “leal e desinteressado apoio, para mim tanto mais valioso quanto procede

da espontaneidade do vosso sentimento republicano”. Exime-se de traçar um

programa de ação, mas afirma que vê “com clareza, sem ilusões, a quanto esforço

moral, a quanta energia cívica se obrigará quem tiver a patriótica abnegação de se

propor a subir àquele posto com o propósito de manter-se aí dignamente, devendo

saber que se ele confere inapreciável distinção, impõe também severos sacrifícios. Sei,

por experiência própria, quanto custa a um homem de consciência desempenhar-se da

grave responsabilidade que assume com as funções do Governo”. Lembra sua

passagem pelo Ministério da Justiça e assinala que se viu investido “de um poder sem

contraste, pois que é a própria ditadura”. Em tais circunstâncias, é “que o homem

público mostra-se tal qual é, nas expansivas manifestações da natureza que lhe é

própria”. Traça, então, de si um retrato. “Sempre tolerante, mas convicto, sempre

moderado na deliberação, mas firme na execução: tal é a síntese de um passado que,

de resto, está escrito tanto no Governo como nas leis da República, e que pode bem

habilitar os meus patrícios a anteverem a diretriz da conduta que terei de adotar, se o

seu sufrágio julgar acertado colocar-me à frente do Governo do Estado de São Paulo”.

123

A indicação da candidatura foi oficializada pelo Partido Republicano Federal, portanto

Campos Salles apressou-se em desligar-se da direção da Comissão Central do Partido em São

Paulo, estando preocupado com a questão ética de sua autoridade política não influir em sua

eleição. A opção assumida por Campos Salles, naquela ocasião, é comentada por LESSA

(1999, p. 130): “Qualquer que tenha sido a sua posição anterior nas lutas políticas, o cidadão,

uma vez eleito, passa a ser o Chefe do Estado. Ele deixa a superintendência dos interesses

exclusivos do partido para assumir a alta gestão dos negócios da comunidade”.

Além de emitir agradecimentos como os expressos na carta acima, Campos Salles logo

redigiu sua plataforma de Governo, voltando toda sua atenção à comunicação de sua

campanha eleitoral. Mais uma vez aproveitando o excelente trabalho de pesquisa de Célio

DEBES (1978b, p. 401), serão apresentadas a seguir as anotações sobre o documento, datado

de 15 de janeiro de 1896, com a mencionada plataforma:

Fixaria seu pensamento sobre várias questões. “Se o eleito constitui-se o representante

oficial da maioria, não se apaga, todavia, a distinção fundamental entre o chefe

político e o depositário do poder”. Mas, adverte, o preferido da vontade popular,

despojar-se-á de suas paixões e levará para a administração pública “só os grandes

ideais que a alma do combatente acalentara como necessidades primordiais do

progresso social”. Para desempenhar-se de semelhante missão, somente quem, como

ele, tivesse vivido as pugnas políticas e houvesse forjado um ideário. Aquele que

jamais pensara nos problemas da sociedade, nada teria, de seu, para pôr em prática.

Por isso é que sustenta que “ser um Governo é saber o que se quer, e querer

firmemente o que se pode querer. Donde resulta que a antiga fórmula – governar é

prever – pode mais justamente ser substituída por esta outra – governar é querer”. Eis

a profissão de fé de um voluntarioso, de um determinado.

Ao falar sobre “progresso social” e “problemas da sociedade”, Campos Salles utilizava

alguns princípios fundamentais do espírito positivo. Conceitos que nunca antes de Campos

Salles e Prudente de Morais haviam sido empregados nas estratégias de comunicação no

Brasil. Justamente, devido ao fato, dos primeiros estudos voltados às questões sociais terem

sido iniciados por Auguste Comte e divulgados entre os membros do movimento republicano

em São Paulo.

Mas não só em ideais filosóficos Campos Salles baseou-se ao lançar sua plataforma de

Governo, ela também trazia questões administrativas bem definidas. A proposta do candidato

tratava das atribuições dos três Poderes; dava ênfase ao papel da agricultura, englobando

124

transportes e mão-de-obra; demonstrava ainda preocupações com a indústria, educação e

segurança pública.

O excelente trabalho de comunicação de Campos Salles, contando ainda com o total

apoio do Partido Republicano Federal e Paulista, garantiram tranqüilamente resultado positivo

na apuração dos votos, no pleito de 15 de fevereiro de 1896.

Segundo DEBES (1978b, p. 403), Campos Salles recebeu 43.898 votos, representando

53% do total de 80.000 eleitores alistados. Não teve opositor, pois aqueles que não votaram

nele, foi porque não compareceram às urnas, registrando um alto índice de abstenção,

manifestação argumentada pelos adversários como sendo um protesto da opinião pública.

4.5. Presidente da República

O caminho de Campos Salles em direção à Presidência da República começou a ser

definido com sua nomeação para Ministro da Justiça no Governo Provisório. Com a

derrubada da Monarquia, seu nome passou a fazer parte da elite governante do país, sendo

inclusive cogitado para assumir o Governo Provisório caso o Marechal Deodoro viesse a

falecer, como foi apresentado na carta endereçada a D. Anna (tópico 4.3).

Entretanto, somente ao assumir o controle político de São Paulo, em 1896, é que de

fato, Campos Salles começou a pensar na possibilidade real de chefiar a nação. Seus esforços

de comunicação tiveram como plataforma a atenção constante com as responsabilidades do

cargo assumido, além de manter estreitas relações com os líderes do Partido Republicano

Federal, e com os demais Partidos Republicanos espalhados pelo país.

No Estado de São Paulo, cuidou dos problemas de saneamento. Também garantiu

incentivos a imigração, a fim de favorecer a ampliação das diversas áreas produtivas. Tomou

duras atitudes com as facções paulistas engajadas na restauração do Império, mandando

fechar o Centro Monarquista.

Não pretende-se aqui fazer uma extensa explanação sobre as diversas atribuições de

Campos Salles à frente do Estado de São Paulo. Apesar de serem interessantes e constituírem

a trajetória política do ex-presidente, elas são consideradas como estando fora do foco

principal desta pesquisa, e podem ser consultadas com profundidade em excelentes obras de

historiadores e cientistas políticos brasileiros, como Célio Débes, Raimundo de Menezes,

125

Alcindo Guanabara, Antônio Joaquim Ribas, Renato Lessa, José Sebastião Witter, entre

outros.

Neste momento, parece mais conveniente tratar do envolvimento de Campos Salles no

episódio de Canudos e na ruptura do PRF, principais fatos relacionados à sua candidatura

presidencial. O Governo de Prudente de Morais passava por sérias dificuldades, e a própria

República estava ameaçada. Entre as justificativas mais importantes, já apresentados no

Capítulo 2, estavam o desentendimento no seio do Partido Republicano Federal e a Revolta de

Canudos. Campos Salles esteve envolvido em ambos, e de certa forma seus esforços

favoreceram suas estratégias de comunicação.

O evento de Canudos contava com o apoio dos monarquistas, em contrapartida, de

acordo com DEBES (1978b, p. 421-422), o sentimento cívico da população proporcionou a

organização de batalhões patrióticos em defesa da República. Em São Paulo, surgiu o

“Batalhão Campos Salles”, contando com 200 inscritos chegava a ser praticamente uma

brigada. Seu fardamento era baseado no batalhão Paulista, mas ostentava as iniciais C.S.

Aquela representação simbólica indicava o forte reconhecimento popular do nome de Campos

Salles, servindo como um eficaz meio de comunicação política.

A participação de São Paulo seria ainda mais intensa naquele conflito. Através de

telegramas, Prudente de Morais solicitou a Campos Salles o envio de forças para combater

Antônio Conselheiro. A troca de correspondência é comentada por DEBES (1978b, p. 422-

423):

“Rio, 27 de julho de 1897

Ao Dr. Campos Salles – São Paulo

Urgente

General Oscar está ocupando parte Canudos, pede reforço com urgência para sitiar.

Diga-me se São Paulo pode auxiliar-nos pondo a nossa disposição um dos seus corpos

de polícia. Ministro Guerra vai Bahia dirigir de perto operações. Auxílio pedido é

necessário. Saudações.

Prudente de Moraes.”

126

A resposta afirmativa não tarda.

“São Paulo, 28 de julho de 1897

Urgente

Dr. Prudente de Moraes – Palácio

Sendo aqui conhecida a necessidade de novas expedições para Canudos todos os

corpos da Brigada Policial deste Estado inclusive seu comandante geral ofereceram-se

para marchar. Aceitei o oferecimento do 1º Batalhão com 21 oficiais e 400 praças

armadas e municiadas que aguardam ordem do Governo Federal para marchar, só lhes

faltando barracas e mochilas. Saudações.

Campos Salles.”

Insistindo na disposição de atender ao apelo do Presidente da República, envia -lhe

Campos Salles outro despacho.

“São Paulo, 29 de julho de 1897

Dr. Prudente de Moraes – Palácio

Peço dizer com urgência e necessária antecedência qual dia em que Batalhão deverá

embarcar em Santos. Isto é necessário para aprontação. A força mostra-se satisfeita e

entusiasmada.

Campos Salles.”

A informação solicitada é dada de imediato.

“Rio, 29 de julho de 1897

Dr. Campos Salles – São Paulo

Pelo expresso devem embarcar aí amanhã as mochilas para o 1º Batalhão. Mande

receber. As barracas receberá ao chegar a Bahia. No dia 1º de agosto deve entrar em

Santos vapor Itaituba, da Companhia Lage, pronto para receber e conduzir à Bahia o

batalhão. Providenciado bom tratamento oficiais e praças. Saudações.

P. de Moraes.”

127

As informações contidas nos telegramas acima, confirmam novamente o respeito e a

facilidade de diálogo que Campos Salles mantinha com os militares. Além disso, o

envolvimento paulista na contenção da revolta, aparentemente pode parecer como não tendo

implicações efetivas com a propaganda política, porém, como será apresentado adiante, os

republicanos baianos viriam a formar um dos mais fortes centros de apoio à candidatura

presidencial de Campos Salles, muito provavelmente agradecidos por seu empenho em

promover a restauração da paz na Bahia.

O então Presidente de São Paulo também esteve envolvido em outro acontecimento,

naquele mesmo período, que viria a refletir favoravelmente em sua campanha eleitoral. Foi

sua participação pacificadora no desentendimento entre Governo e PRF, na verdade, a

tentativa era reconciliar “o Chefe da Nação e o mentor do Partido a que estivera vinculado”

(DEBES, 1978b, p. 426). Aquela crise era motivada por diversos fatores e afetava a

estabilidade política da nação.

Como foi apresentado no tópico 2.3 desta pesquisa, Campos Salles sempre manteve

certo distanciamento das definições tomadas no PRF. Justamente por sua neutralidade, sendo

uma figura naturalmente pacificadora e, principalmente, contando com imenso prestígio e

respeito entre os republicanos, foi procurado tanto pelo lado favorável à Prudente Morais,

como pelos representantes de Francisco Glicério.

Apressam-se elementos de ambas as facções em evitar o desenlace. Recorrem ao

Presidente de São Paulo, a quem encarregam da mediação. Rodolfo Miranda, fiel ao

chefe do PRF, telegrafa a Campos Salles, sublinhando ser “urgente e indisensável sua

boa e valiosa intervenção para evitar novas desgraças à República”. Da parte dos

partidários de Prudente, o apelo é feito por Bernardino de Campos, igualmente por via

telegráfica. “Amigos aceitam a sua intervenção para impedir que a autoridade legal

representada no Governo seja substituída pela anarquia. (...) Seu prestígio e a sua

posição alheia aos fatos muito poderão conseguir, urgindo fazer o que for possível”

(DEBES, 1978b, p. 426).

Em sua autobiografia, CAMPOS SALLES (1998) descreve com detalhes seus esforços

para reconciliar os republicanos, e restabelecer a união no seio do PRF. No entanto, apesar de

seu sincero empenho, não obteve sucesso. Na sessão da Comissão Central realizada no dia 7

de julho de 1897, o rompimento foi oficializado.

128

Se por uma lado aquela cisão causava um mal estar entre políticos que anteriormente

estavam fortemente unidos, por outro representava um grande triunfo nas mãos de Campos

Salles. Seu valor pessoal ficou em evidência, devido a seu engajamento reconciliatório, e sua

candidatura à Presidência da República ganhou brilho e destaque.

Seu nome não havia sido cogitado, até então, para suceder Prudente, às preferências do

PRF recaíam sobre Bernardino de Campos, Quintino Bocaiúva e Júlio de Castilhos

(positivista ortodoxo aguerrido e importante político republicano do Rio Grande do Sul).

Sendo que, daqueles, Prudente tinha predileção pelo primeiro, seu Ministro da Fazenda.

Novamente, Campos Salles seria favorecido pela movimentação política. Bernardino

era um fiel companheiro e tinha grande consideração por Campos Salles. Acima de tudo, em

sua opinião, o então Presidente de São Paulo era um político mais experiente. Portanto,

mesmo antes da efetivação da cisão no PRF, resolveu abrir mão da disputa presidencial,

demonstrando apoio à seu amigo campineiro, através de extensa carta apresentada por

DEBES (1978b, p. 428-430):

Capital Federal, 18 de junho de 1897

Ferraz

(...) Seo nome surgiu dentre as esperanças dos politicos que rodeam o governo, como

centro de aspirações pela ordem constitucional, sustentada por um republicano

historico, de nome feito e capacidade comprovada. Nenhum dos senões oppostos a

outros, nenhuma suspeição possível, nenhuma contestação a não ser de ordem

geographica. Creio que esta ultima é opposta pelo Rio Grande, ao qual está, segundo

sou informado, ligado o Glicerio de pés e mãos. O norte – Bahia, Pernambuco –

dizem-me que aceitam. Não fallei directamente a esse lado, porem mandei fallar,

receoso de que a minha situação de patricio e de Ministro fosse compromettedora.

Minas é esphinge. Rio ainda não pude penetrar.

A Prudente dirigi-me francamente, por não dever agir sem elle e tive calorosa

approvação. (...)

Adeus, até lá.

O amo. atto.

Bernardino.

Com a saída de Bernardino da disputa eleitoral, o PRF teria que escolher outro

candidato oficial para enfrentar Campos Salles nas urnas. A Comissão Central do Partido não

129

conseguiu chegar a uma unanimidade entre os nomes remanescentes, demonstrando a intensa

desarmonia que imperava em seu núcleo. O chefe da agremiação foi o que logrou menor

preferência, de acordo com (DEBES, 1978b, p. 431), Castilho recebeu 15 votos, Quintino 14

e Glicério 13. Diante do empate técnico, demonstrado através da distribuição equilibrada dos

votos, a direção do Partido, pensando em não desagradar nenhum dos três, escolhe um quarto

nome, Lauro Sodré.

O cenário eleitoral e a indicação de Campos Salles e Lauro Sodré, são assim

analisados por Renato LESSA (1999, p. 127):

O ato final do governo Prudente foi o encaminhamento do processo sucessório. Diante

da questão, o que havia sobrado do PRF dividia -se em duas alas: os “Republicanos”

maioria pró-Prudente e os “Concentrados”, ainda leais à Glicério. O nome de Campos

Sales foi lançado pela política baiana, seguindo-se o apoio de Pernambuco, Minas

Gerais e São Paulo. A oposição, reduzida a poucos gliceristas e ao Partido

Republicano Riograndense (PRR), dirigido por Júlio de Castilhos, lança

simbolicamente a candidatura de Lauro Sodré.

Com a quebra do PRF, o Presidente da República contava apenas com o apoio dos

chefes estaduais. Ao lado de Glicério encontravam-se elementos rebeldes e reacionários, entre

eles os positivas ortodoxos do Sul do país. Aquele agrupamento disforme e anárquico chegou

a promover uma oposição extrema, culminando com a tentativa de assassinato do Presidente,

no dia 5 de novembro de 1897. Sobre o fato, argumenta LESSA (1999, p. 122): “O atentado,

único na história do País, deu ao Presidente os recursos políticos que não conseguira obter

dentro da dinâmica dos poderes constitucionais. As atribuições presidenciais são maximizadas

graças a um contexto de total fragmentação do tecido político”.

Sobre a movimentação dos positivistas ortodoxos, escreve COSTA (1956, p. 19):

130

A propaganda a favor de uma república ditatorial, como a que era feita pelos adeptos

de Comte, não podia inspirar simpatia aos políticos liberais da tradição monarquista

que se haviam apoderado da jovem república. Os positivistas não atentavam, porém,

para isso. Seguiam, serenos, a linha traçada por Augusto Comte. Bastavam-lhes as

afirmações do mestre, desatentos que sempre viveram da realidade que os envolvia.

Ainda pouco tempo antes do atentado, em Setembro de 1897, publicavam eles uma

tradução portuguesa do trabalho de Jorge Lagarrigne, “A Ditadura Republicana”,

excelente opúsculo de propaganda política, cuja vulgarização entre nós, escrevia

Miguel Lemos, corresponde a uma urgente necessidade.

A candidatura oficial de Campos Salles foi lançada no Rio de Janeiro, no dia 12 de

outubro de 1897, numa convenção realizada pelos republicanos aliados à Prudente de Morais,

os quais representavam o Governo Federal. Sobre aquela opção estratégica, Alcindo

GUANABARA (1983, p. 14) deixou registrada sua opinião:

Todos esperavam que os reacionários lançassem o seu grito de guerra sem

comiseração, indicando um dos seus pró-homens para a Presidência a vagar. (...) Foi

nessa conjuntura que a direção inteligente do grupo que dominava o governo lançou a

candidatura do Sr. Campos Sales. Era um ato de submissão à opinião republicana, era

o reconhecimento de sua própria impotência, era uma capitulação formal, que,

entretanto, se fazia com o grande alarido de quem triunfava por completo. Esperava-se

da astúcia o que se não tinha podido conseguir da força.

Na opinião de (WITTER, 1999, p. 130), Glicério já não exercia a mesma capacidade

de liderança de outros tempos, sendo assim, seu partido acabaria desaparecendo por completo

após os acontecimentos de 1897 e a eleição de Campos Salles. Na seqüência argumenta:

A participação ativa de Campos Salles na vida política republicana, desde o Manifesto

de 1870, é fato conhecido. A sua participação nas lides político-partidárias quer do

Partido Republicano, quer do Partido Republicano Federal, também demonstram o seu

interesse pela situação do país. Tentou, é indiscutível, juntamente com outros políticos

paulistas conseguir, através do PRF, uma integração política nacional, tendo

compreendido a dificuldade e quase a impossibilidade dessa tarefa, pelo menos

durante os primeiros anos da República (WITTER, 1999, p. 132).

131

Aproveitando a situação, Campos Salles deu início à sua campanha eleitoral,

manifestando-se ao eleitorado através de seu Programa de Governo, lançado inicialmente em

São Paulo, num banquete promovido pelo Partido Republicano Paulista. Em suas próprias

palavras, CAMPOS SALLES (1998, p. 85) afirmou: “O meu programa seria, pois, o

programa do partido”.

De acordo com DEBES (1978b, p. 436):

Era o programa consciente de quem conhecia as aflições porque passava a Nação e

tinha, maduramente refletidas, as bases para aliviá -las. (...) Dele diria um adversário:

“essa bela plataforma (...) ecoaria no coração nacional como a esperança súbita de

uma nova vida para a República”.

É notável que Campos Salles contava com muito prestígio mesmo entre seus

adversários e, na verdade, naquela eleição não haveria candidato algum à sua altura. O Partido

Republicano Federal estava desorientado, não possuindo uma opção unânime entre seus

membros. O Governo Federal, assim como a maioria dos Governos Estaduais, encontravam

em Campos Salles a melhor alternativa para trazer estabilidade para a República.

Além da divulgação de sua proposta de Governo, Campos Salles também desenvolveu

outros esforços de comunicação, entre eles é interessante transcrever uma longa carta enviada

ao político e amigo Assis Brasil, um forte adversário político de Júlio de Castilhos no Rio

Grande do Sul, na qual foram demonstrados argumentos sobre os partidos políticos (DEBES,

1978b, p. 436-438):

132

Gabinete do Presidente do Estado de São Paulo, em 24 de Novembro de 1897.

Meu Caro Assis Brasil.

Recebi com muita satisfação e li com particular interesse a sua carta de 25 de outubro.

Contem ella informações de grande utilidade e de que poderei tirar praticas (sic) se me

chegar a vez de dirigir o governo da República. À essa hora você terá, talvez, lido

minha plataforma, que de algum modo contem a resposta à sua carta. Dou como

existente um partido, hoje denominado Partido Republicano, com o qual devo

governar, visto que é por elle que terei de ser eleito. Para normalisar a vida

governativa da Republica julgo indispensável apoia -la sobre um partido, meio unico

de dar-lhe unidade. Nestas condições tenho como necessário encorporar os elementos

da força política e dar-lhes concentração partidaria, em vez de procurar e adquirir

allianças, que possam ter caracter ephemero, por isso mesmo que se constituam para

fins transitorios. Em vez de alliados prefiro correligionarios. O que houve até aqui é

prova de que as vastas agremiações, sem a solidariedade que gera a disciplina

partidaria, longe de favorecerem o governo, concorrem para embaraça-lo e desnortea-

lo. O Glycerismo, que é o partido de todo mundo é a confusão, a Babel politica. É

preciso acabar com isso. Nessas idéias, o Presidente da Republica deve governar em

cada Estado, com os elementos politicos que se filiarem ao seu partido. Esses serão,

não os seus alliados, mas os seus co-religionarios no Estado, pois que farão parte, na

politica federal, de um só e mesmo partido, com os mesmos intuitos e sob a mesma

disciplina. Como deve prever, não farei exceção para o Rio Grande ou outro qualquer

Estado. O principio, para produsir resultados praticos, será applicado com rigorosa

exactidão em toda a parte. Ora, não creio que os amigos de Castilhos, apoz a posição

que têm assumido nos ultimos sucessos, assignalando-se por uma orientação

inteiramente desviada da nossa queiram ou possam querer, não uma simples

aproximação, mas uma completa identificação politica comnosco. Ao contrario, o que

aqui consta é que trara-se de tirar das ruinas do Glycerismo um partido novo sob a

direcção de Castilhos, que é chamado para cuidar da sua organisação logo que deixe o

governo do Rio Grande. Esse partido será necessariamente, na sua indole e nas suas

tendencias, caracterisado por sua conduta rival, permanentemente contraria ao

Governo e ao Partido que o apoia no presente e no futuro, se a 1º de março triumphar

o pensamento da situação actual, como aliás se conjectura. Vê v. que, se os seus

amigos se organisarem, filiados ao Partido Republicano, terão direito, não às

sympathias, mas ao apoio dedicado do Governo Federal, como co-religionarios que

serão.

133

Na minha plataforma referi-me também às relações com os Governos dos Estados,

declarando-me contrario à politica intervencionista: quer diser, não perturbar a politica

e os negocios internos dos Estados: não intervir para depor e organisar governos:

aceitar o que estiver constituido, dar-lhe todas as garantias, embora o prestigio

partidario tenha de aproveitar somente, exclusivamente aos co-religionarios. Guardado

este respeito à autonomia dos Estados, eliminem-se tambem as causas de perturbação

interna e evita-se a reprodução das praxes do antigo regimen, em que a acção politica

concentrava-se no Governo geral. Foi muito de proposito que consagrei alguns

preceitos com endereço ao gasparismo habituado (no original, habituando) a

imposições, ao mesmo tempo que nada faria sem o concurso do Centro. Creio ter

correspondido à franqueza com que v. fallou-me. Isto vae escripto, como na

intimidade, sem preocupações nem reservas, ficando v. completamente habilitado,

para tomar uma deliberação e aconselhar seus amigos.

Abraça-o

O velho amo. e Ador.

Campos Salles

A força de convencimento das palavras de Campos Salles e sua habilidade com a

escrita ficam evidentes no texto acima. Assim, ficou caracterizada sua campanha eleitoral

rumo a Presidência da República, sua comunicação foi totalmente direcionada aos principais

políticos do país, capazes de formar opinião e garantir os votos necessários. Campos Salles

não empreendeu grandes comícios, como nos tempos da mobilização republicana, seu nome

já estava consolidado junto à massa de eleitores. Suas estratégias comunicacionais, naquele

momento, foram em busca da obtenção de apoio e endosso dos grandes líderes políticos do

país. Neste sentido, obteve grande êxito.

O resultado nas urnas já era esperado. E, de fato, foi indubitavelmente favorável a

Manuel Ferraz de Campos Salles.

134

Eleições de 1º de março de 1898

Para Presidente:

M. F. de Campos Salles 420.286 Severino dos Santos Vieira 363

Lauro Sodré 38.929 Afonso A. Moreira Pena 169

Júlio P. Castilhos 621 José Cesário de F. Alvim 93

Dionísio E. C. Cerqueira 454 Rui Barbosa 52

Gal. Quintino Bocaiúva 421 Crispim J. Bias Forte 52

Luís Viana 382 E outros menos votados

Para Vice-Presidente:

F. de A. Rosa e Silva 412.074 Luís Viana 1.859

F. Lobo L. Pereira 40.629 E outros menos votados

Fonte: PORTO (2002, p. 166-167)

Interessante anotar uma última e curiosa informação sobre a eleição presidencial de

Campos Salles. Eleito ele foi, sobre isso a história política do país não levanta dúvidas.

Entretanto, a partir da pesquisa aqui empreendida, foram constatados números de votos

divergentes, com relação aos expostos acima.

Raimundo de MENEZES (1974, p. 143-144) aproxima-se, apresentando 420.286

votos para Campos Salles e 39.929 para Lauro Sodré. Mas estranhamente, e sem maiores

justificativas, Célio DEBES (1978b, p. 438) cita a obra de Edgard Carone (A República

Velha) e registra 174.578 votos para Campos Salles e 16.534 para seu principal opositor.

135

Capítulo 5

Estratégias de comunicação política: Um resumo

Diante das informações apresentadas nos capítulos anteriores, cujo objetivo foi

analisar a comunicação política de Campos Salles e a sua relação com o positivismo, foram

apresentados argumentos contextualizados por aspectos históricos, biográficos, políticos e

econômicos. Entretanto, surge a necessidade de uma derradeira e resumida abordagem,

direcionada, exclusivamente, às principais estratégias de comunicação empreendidas pelo ex-

presidente até assumir a chefia da República em 1898.

Este último capítulo é na verdade um apanhado geral de alguns trechos já discutidos

nas páginas passadas, a preocupação neste momento é simplesmente isolar os elementos

comunicacionais da trajetória política de Campos Salles a fim de fornecer uma sistematização

panorâmica sobre a evolução dos mesmos – no âmbito municipal, estadual e federal.

Campos Salles iniciou, efetivamente, seu engajamento na vida política em 1866,

começando a trabalhar sua imagem pública e definindo uma linha de conduta para seus

esforços de comunicação política, através de cartas dirigidas aos eleitores e participação nos

encontros promovidos pelo Partido Liberal. “Além da advocacia e das atividades correlatas, a

militância política o atrai. Participa das lutas partidárias, integrando as hostes liberais”

(DEBES, 1978a, p. 53).

Já naquela época, Campos Salles preocupava-se com a opinião pública, este aspecto

foi evidenciado através das cartas dirigidas aos eleitores formadores de opinião, transcritas ao

longo da presente pesquisa. Neste sentido, é possível considerar que sua comunicação

política, em parceria com seu colega Jorge Miranda, foi muito eficaz naquele momento. Pois,

mesmo não contando com o apoio efetivo dos dirigentes da agremiação liberal e dos che fes

locais, que inclusive chegaram a preteri- los “substituindo-os por outros nomes não sufragados

pelo eleitorado” (DEBES, 1978a, p. 60), conseguiram ser eleitos pelos votantes na segunda

etapa daquela disputa eleitoral.

A eficácia das estratégias de comunicação de Campos Salles foi comprovada naquela

sua primeira vitória como Deputado Provincial de São Paulo, no entanto, aquelas estratégias

eram ainda intuitivas. Somente alguns anos depois, com a sua entrada no movimento

republicano e o contato com as obras de seu irmão, Alberto Salles, e outras de fundamentação

positivista, é que sua propaganda política iria ganhar maior planejamento e consistência

teórica.

136

No ano de 1872 ocorreriam eleições municipais em todo Império, portanto a chegada

do trem de ferro em Campinas transformou-se num grande evento político. Campos Salles,

estando desligado do Partido Liberal e já fazendo parte das hostes republicanas, soube

aproveitar muito bem aquele momento, realizando discursos durante o evento e participando

das reuniões e jantares comemorativos. “Cessadas as vibrações decorrentes da realização de

um dos maiores sonhos dos campineiros, (...) os republicanos locais passam a dedicar-se a

seus objetivos políticos” (DEBES, 1978a, p. 102).

Os republicanos organizaram uma chapa e lançaram o nome de Campos Salles, tanto

para vereador como para Juiz de Paz, no pleito de Campinas. De acordo com o Correio

Paulistano, de 15 de setembro de 1872, apresentado por (DEBES, 1978a, p. 102-103):

Na luta que se travaria, liberais e conservadores, coligados, se apresentam para

enfrentar os republicanos. (...) A liga lançou mão de todos os recursos para não

entrada na Câmara de nenhum republicano, e os republicanos, por seu turno não

pouparam esforços para o triunfo de seu candidato que era o Dr. Campos Salles.

Em 1873 foi realizado o Congresso Republicano de Itu (vide Capítulo 2), no qual

foram tomadas importantes decisões sobre os rumos do movimento republicano em São

Paulo, entre elas o lançamento das bases do Partido Republicano Paulista – também

conhecido pela sigla PRP.

Como membro da Comissão Permanente, “verdadeiro órgão dirigente do Partido

Republicano em São Paulo” (DEBES, 1975, p. 18), Campos Salles assume o cargo de

secretário, ficando responsável por manter o contato entre os correligionários através das

circulares publicadas na imprensa.

Contando com o empenho e financiamento dos republicanos paulistas, o jornal A

Província de São Paulo é fundado em 1875 e posiciona-se como defensor dos princípios

democráticos e das eleições diretas. Apesar disso, procura disfarçar sua origem republicana,

definindo-se como “órgão de partido algum” e de “se abster completamente de questões

políticas” (DEBES, 1978a, p. 134).

Chegava ao fim o mandato dos vereadores eleitos em 1872, era preciso seguir a diante.

Novas eleições seriam travadas em 1876, com isso o Partido Republicano define uma linha

mais agressiva e convoca seus membros para participarem daquela luta, recorrendo aos

anúncios publicados pela imprensa.

137

As preocupações de Campos Salles seriam refletidas e aplicadas naquela campanha

eleitoral, a qual pode ser considerada, de acordo com os argumentos apresentados a seguir,

como sendo a que ele melhor elaborou e que contou com o maior planejamento de

comunicação até aquele momento. Nas eleições de 1881, seu nome foi indicado para

concorrer ao cargo de Deputado Provincial e Geral, representando o 7º distrito da província de

São Paulo. Não conseguiu ser eleito para a Câmara dos Deputados na disputa ocorrida no dia

1º de novembro, porém seus esforços foram recompensados poucos dias depois, ao garantir

uma das vagas da Assembléia Legislativa. Campos Salles tornou-se Deputado Provincial pela

segunda vez, não representando os liberais, como em 1867, mas sim os republicanos.

Durante aquela campanha, a exemplo do que era feito na Inglaterra e em outros países,

Campos Salles, além de outros membros do partido, percorreram as paróquias de seus

distritos, expondo ao eleitorado suas propostas eleitorais. Fato que foi acompanhado e

noticiado pelos jornais partidários. Aqueles comícios recebem na época o elegante nome de

“Meetings Eleitorais”.

O Partido Republicano Paulista introduziu, na campanha daquele ano, uma inovação

que contribuiria favoravelmente nos resultados observados nas urnas. No Congresso realizado

em 1881, foi elaborado o “Programa dos Candidatos”, aquela fórmula enriquecia as propostas

individuais de cada candidato.

Considerada uma estratégia inovadora pois, segundo DEBES (1975, p. 42), através

daquele procedimento o novo agrupamento político afastava-se dos velhos partidos,

afirmando publicamente, através da imprensa, os intuitos dos republicanos paulistas.

Novas eleições aconteceriam em 1884, daquela vez Campos Salles dedicaria toda sua

atenção ao foco nacional, sua estratégia de comunicação deveria ir além dos comícios e

conferências, e de fato foi.

Mesmo antes de serem definidas oficialmente as preferências do partido, Campos

Salles iniciou sua campanha em busca de apoio para sua candidatura. Tendo seu nome como

provável candidato à deputação geral, constando como pretendente do 7º distrito de São

Paulo, ele realizou sua primeira conferência em Amparo, no dia 20 de setembro de 1884.

Naquela ocasião, assim como nas demais que ocorreriam durante a campanha de 1884,

Campos Salles voltaria a afirmar os princípios contidos no “Programa dos Candidatos” de

1881, além de participar de um manifesto aos eleitores produzido juntamente com Prudente

de Morais, Cesário Mota, Muniz de Souza, Martinho Prado Júnior, Francisco Glicério e

Rangel Pestana, candidatos apresentados no boletim oficial do partido, datado de 27 de

setembro de 1884 (DEBES, 1978a, p. 184).

138

Com relação às estratégias de comunicação interpessoal, Campos Salles engendrou

uma articulação, ao lado de outros membros do partido, que viria a causar estranhamento e ser

tachada de oportunista, inclusive pelo pesquisador José Maria dos SANTOS (1942). O Partido

Liberal encontrava-se no poder, portanto conservadores e republicanos estavam na posição de

oposicionistas, mesmo contando com propostas e idéias eleitorais essencialmente diferentes

(apresentadas nos Capítulos 3 e 4) consideravam-se na mesma linha de interesse. Não é

necessário argumentar que os candidatos não fariam modificações em suas bases, mas o

objetivo de Campos Salles, assim como outros republicanos e conservadores, era compor uma

aliança para o segundo turno, “favorecendo o candidato dessas agremiações que viesse a

concorrer com o liberal. Neste caso, o partido alijado votaria no que se classificara” (DEBES,

1978a, p. 185). Em outras ocasiões, Campos Salles havia repudiado esse tipo de artimanha

política, mas tornando-se mais experiente e conhecendo melhor o “jogo” do qual fazia parte,

ele teve que ceder. Assim convencido, não mediu esforços para solidificar a coligação.

Aquele acordo não era suficiente para Campos Salles, em sua opinião o pleito seria

definido em torno do projeto Dantas (vide Capítulo 3), por conta disso, as cores partidárias

assumiriam um plano secundário. Convencido disso, sendo republicano e estando aliado

abertamente aos conservadores, recorre também a um importante chefe da facção liberal de

Socorro. Neste sentido, Campos Salles demonstrou um grande avanço em lidar com a opinião

pública, conduzindo suas estratégias comunicacionais também nesta direção.

Todo o empenho de Campos Salles na campanha de 1884, e sua determinação em

vencê- la, ainda seriam fortalecidos por um novo tipo de propaganda eleitoral. Os republicanos

introduziam na imprensa uma forma de comunicação inovadora. “As vésperas do pleito, A

Província estampa, na primeira página, material de propaganda individual dos candidatos,

ilustrado com enorme retrato de cada um deles” (DEBES, 1978a, p. 187). A edição de 16 de

novembro de 1884 seria dedicada a Campos Salles.

Além da apresentação de suas propostas eleitorais através da imprensa, Campos Salles

ainda contava com o apoio de correligionários em artigos e notícias favoráveis à sua

candidatura.

No dia 31 de dezembro de 1884, Campos Salles foi eleito Deputado Geral, recebendo

875 votos, contra 670 de seu adversário. Prudente de Morais, por São Paulo, e Álvaro

Botelho, por Minas seriam os outros representantes republicanos na Corte.

Com o intuito de incrementar a propaganda partidária em São Paulo, o Clube

Republicano de Campinas foi fundado em 1886, assim “o Partido Republicano vai entrar num

período de grande agitação política: não de agitação revolucionária e puramente eleitoral, mas

139

de agitação doutrinária, de propaganda e de ensinamento” (DEBES, 1978a, p. 211). De fato, o

novo clube iria desenvolver esforços de propaganda nunca antes vistos no país, os quais

seriam aplicados, com certa freqüência, dali até os dias de hoje, nas estratégias de

comunicação dos políticos brasileiros. Segundo DEBES (1978a, p. 210-211), a doutrinação

democrática proposta pelos republicanos, dar-se- ia através de cursos regulares de ciências

políticas, ao alcance de todos, além de conferências abertas sobre diversos assuntos e questões

de política prática.

Simultaneamente ao Clube Republicano de Campinas, surgiram entidade congêneres

em outras cidades. O Clube de Santos foi inaugurado em 1887, naquela ocasião Campos

Salles ficou responsável por realizar a conferência inaugural, assim como também havia

ocorrido na fundação do Clube de Rio Claro, quinze anos antes, em 1872. O envolvimento do

ex-presidente em eventos como os mencionados, pode parecer de pouca importância, mas ao

contrário disso, são detalhes muito estratégicos dentro da propaganda empreendida por ele.

Campos Salles sempre esteve preocupado em manter seu nome em evidência junto aos

membros do movimento republicano, esse aspecto vai definir a elevação de seu

posicionamento político nos anos vindouros.

A indicação de Campos Salles para a Presidência da República, seguida pelo sucesso

nas urnas, não ocorreu simplesmente devido às estratégias de comunicação. A vitória de

Campos Salles deve ser vista a partir da conjugação de três fatores: comunicação, cenário

político e sua competente atuação profissional. Sendo a primeira delas a responsável por

potencializar e divulgar favoravelmente as demais.

O caminho de Campos Salles em direção à Presidência da República começou a ser

definido com sua nomeação para Ministro da Justiça no Governo Provisório. Com a

derrubada da Monarquia em 1889, seu nome passou a fazer parte da elite governante do país,

sendo inclusive cogitado para assumir o Governo Provisório caso o Marechal Deodoro viesse

a falecer, como foi apresentado na carta endereçada a D. Anna (tópico 4.3).

Mesmo assim, de acordo com sua própria autobiografia (CAMPOS SALLES, 1998),

durante o Governo Provisório e após a eleição de Prudente de Moraes para a Presidência da

República em 1894, Campos Salles sentia-se excluído do novo cenário político que estava

sendo desenhado no Brasil. Mas, logo ele seria consolado, pois a Comissão Central do Partido

Republicano Paulista já estava pensando em seu nome como candidato à Presidência do

Estado de São Paulo.

Na reunião promovida pela Comissão, estavam presentes vinte e oito congressistas.

Segundo DEBES (1978b, p. 398-399), mesmo contando com ampla competência para

140

escolher e indicar os nomes dos candidatos do Partido, a Comissão preferiu ouvir sua bancada

na Câmara e no Senado. Os nomes de Campos Salles para Presidente e Peixoto Gomide para

Vice-Presidente foram acatados plenamente pelos republicanos ali reunidos.

A indicação da candidatura foi oficializada pelo Partido Republicano Federal, portanto

Campos Salles apressou-se em desligar-se da direção da Comissão Central do Partido em São

Paulo, estando preocupado com a questão ética de sua autoridade política não influir em sua

eleição. A opção assumida por Campos Salles, naquela ocasião, é comentada por LESSA

(1999, p. 130): “Qualquer que tenha sido a sua posição anterior nas lutas políticas, o cidadão,

uma vez eleito, passa a ser o Chefe do Estado. Ele deixa a superintendência dos interesses

exclusivos do partido para assumir a alta gestão dos negócios da comunidade”.

Além de emitir agradecimentos como os expressos na carta acima, Campos Salles logo

redigiu sua plataforma de Governo, voltando toda sua atenção à comunicação de sua

campanha eleitoral. Mais uma vez aproveitando o excelente trabalho de pesquisa de Célio

DEBES (1978b, p. 401), serão apresentadas a seguir as anotações sobre o documento, datado

de 15 de janeiro de 1896, com a mencionada plataforma:

Fixaria seu pensamento sobre várias questões. “Se o eleito constitui-se o representante

oficial da maioria, não se apaga, todavia, a distinção fundamental entre o chefe

político e o depositário do poder”. Mas, adverte, o preferido da vontade popular,

despojar-se-á de suas paixões e levará para a administração pública “só os grandes

ideais que a alma do combatente acalentara como necessidades primordiais do

progresso social”. Para desempenhar-se de semelhante missão, somente quem, como

ele, tivesse vivido as pugnas políticas e houvesse forjado um ideário. Aquele que

jamais pensara nos problemas da sociedade, nada teria, de seu, para pôr em prática.

Por isso é que sustenta que “ser um Governo é saber o que se quer, e querer

firmemente o que se pode querer. Donde resulta que a antiga fórmula – governar é

prever – pode mais justamente ser substituída por esta outra – governar é querer”. Eis

a profissão de fé de um voluntarioso, de um determinado.

O trabalho de comunicação de Campos Salles, através da imprensa, dos comícios e das

cartas com sua plataforma de governo endereçadas aos líderes locais, além do total apoio do

Partido Republicano Federal e Paulista, garantiram tranqüilamente resultado positivo na

apuração dos votos, no pleito de 15 de fevereiro de 1896.

Segundo DEBES (1978b, p. 403), Campos Salles recebeu 43.898 votos, representando

53% do total de 80.000 eleitores alistados. Não teve opositor, pois aqueles que não votaram

141

nele, foi porque não compareceram às urnas, registrando um alto índice de abstenção,

manifestação argumentada pelos adversários como sendo um protesto da opinião pública.

Somente ao assumir o controle político de São Paulo, em 1896, é que de fato, Campos

Salles começou a pensar na possibilidade real de chefiar a nação. Seus esforços de

comunicação tiveram como plataforma a atenção constante com as responsabilidades do cargo

assumido, além de manter estreitas relações com os líderes do Partido Republicano Federal, e

com os demais Partidos Republicanos espalhados pelo país.

O envolvimento de Campos Salles no episódio de Canudos e na ruptura do PRF,

foram fatores de grande importância relacionados à sua candidatura presidencial. O Governo

de Prudente de Morais passava por sérias dificuldades, e a própria República estava

ameaçada. Entre as justificativas mais importantes, já apresentados no Capítulo 2, estavam o

desentendimento no seio do Partido Republicano Federal e a Revolta de Canudos. Campos

Salles esteve envolvido em ambos, e de certa forma seus esforços favoreceram suas

estratégias de comunicação.

O evento de Canudos contava com o apoio dos monarquistas, em contrapartida, de

acordo com DEBES (1978b, p. 421-422), o sentimento cívico da população proporcionou a

organização de batalhões patrióticos em defesa da República. Em São Paulo, surgiu o

“Batalhão Campos Salles”, contando com 200 inscritos chegava a ser praticamente uma

brigada. Seu fardamento era baseado no batalhão Paulista, mas ostentava as iniciais C.S.

Aquela representação simbólica indicava o forte reconhecimento popular do nome de Campos

Salles, servindo como um eficaz meio de comunicação política.

A participação de São Paulo seria ainda mais intensa naquele conflito. Através de

telegramas (vide Capítulo 4), Prudente de Morais solicitou a Campos Salles o envio de forças

para combater Antônio Conselheiro.

O envolvimento paulista na contenção da revolta, aparentemente pode parecer como

não tendo implicações efetivas com a propaganda política, no entanto, através daquela

movimentação estratégica, Campos Salles iria garantir o apoio dos republicanos baianos, os

quais representavam um dos mais fortes colégios eleitorais do país. Os eleitores baianos

teriam grande peso na candidatura presidencial de Campos Salles, muito provavelmente

agradecidos por seu empenho em promover a restauração da paz na Bahia.

O então Presidente de São Paulo também esteve envolvido em outro acontecimento,

naquele mesmo período, que viria a refletir favoravelmente em sua campanha eleitoral. Foi

sua participação pacificadora no desentendimento entre Governo e PRF, na verdade, a

tentativa era reconciliar “o Chefe da Nação e o mentor do Partido a que estivera vinculado”

142

(DEBES, 1978b, p. 426). Aquela crise era motivada por diversos fatores e afetava a

estabilidade política da nação.

Como foi apresentado no tópico 2.3 desta pesquisa, Campos Salles sempre manteve

certo distanciamento das definições tomadas no PRF. Justamente por sua neutralidade, sendo

uma figura naturalmente pacificadora e, principalmente, contando com imenso prestígio e

respeito entre os republicanos, foi procurado tanto pelo lado favorável à Prudente Morais,

como pelos representantes de Francisco Glicério.

Se por uma lado aquela cisão causava um mal estar entre políticos que anteriormente

estavam fortemente unidos, por outro representava um grande triunfo nas mãos de Campos

Salles. Seu valor pessoal ficou em evidência, devido a seu engajamento reconciliatório, e sua

candidatura à Presidência da República ganhou brilho e destaque.

Seu nome não havia sido cogitado, até então, para suceder Prudente, às preferências do

PRF recaíam sobre Bernardino de Campos, Quintino Bocaiúva e Júlio de Castilhos

(positivista ortodoxo aguerrido e importante político republicano do Rio Grande do Sul).

Sendo que, daqueles, Prudente tinha predileção pelo primeiro, seu Ministro da Fazenda.

Novamente, Campos Salles seria favorecido pela movimentação política. Bernardino

era um fiel companheiro e tinha grande consideração por Campos Salles. Acima de tudo, em

sua opinião, o então Presidente de São Paulo era um político mais experiente. Portanto,

mesmo antes da efetivação da cisão no PRF, resolveu abrir mão da disputa presidencial,

demonstrando apoio à seu amigo campineiro.

Com a saída de Bernardino da disputa eleitoral, o PRF teria que escolher outro

candidato oficial para enfrentar Campos Salles nas urnas. A Comissão Central do Partido não

conseguiu chegar a uma unanimidade entre os nomes remanescentes, demonstrando a intensa

desarmonia que imperava em seu núcleo. O chefe da agremiação foi o que logrou menor

preferência, de acordo com (DEBES, 1978b, p. 431), Castilho recebeu 15 votos, Quintino 14

e Glicério 13. Diante do empate técnico, demonstrado através da distribuição equilibrada dos

votos, a direção do Partido, pensando em não desagradar nenhum dos três, escolhe um quarto

nome, Lauro Sodré.

O cenário eleitoral e a indicação de Campos Salles e Lauro Sodré, são assim

analisados por Renato LESSA (1999, p. 127):

143

O ato final do governo Prudente foi o encaminhamento do processo sucessório. Diante

da questão, o que havia sobrado do PRF dividia -se em duas alas: os “Republicanos”

maioria pró-Prudente e os “Concentrados”, ainda leais à Glicério. O nome de Campos

Sales foi lançado pela política baiana, seguindo-se o apoio de Pernambuco, Minas

Gerais e São Paulo. A oposição, reduzida a poucos gliceristas e ao Partido

Republicano Riograndense (PRR), dirigido por Júlio de Castilhos, lança

simbolicamente a candidatura de Lauro Sodré.

A candidatura oficial de Campos Salles foi lançada no Rio de Janeiro, no dia 12 de

outubro de 1897, numa convenção realizada pelos republicanos aliados à Prudente de Morais,

os quais representavam o Governo Federal. Sobre aquela opção estratégica, Alcindo

GUANABARA (1983, p. 14) deixou registrada sua opinião:

Todos esperavam que os reacionários lançassem o seu grito de guerra sem

comiseração, indicando um dos seus pró-homens para a Presidência a vagar. (...) Foi

nessa conjuntura que a direção inteligente do grupo que dominava o governo lançou a

candidatura do Sr. Campos Sales. Era um ato de submissão à opinião republicana, era

o reconhecimento de sua própria impotência, era uma capitulação formal, que,

entretanto, se fazia com o grande alarido de quem triunfava por completo. Esperava-se

da astúcia o que se não tinha podido conseguir da força.

Na opinião de (WITTER, 1999, p. 130), Glicério já não exercia a mesma capacidade

de liderança de outros tempos, sendo assim, seu partido acabaria desaparecendo por completo

após os acontecimentos de 1897 e a eleição de Campos Salles. Na seqüência argumenta:

A participação ativa de Campos Salles na vida política republicana, desde o Manifesto

de 1870, é fato conhecido. A sua participação nas lides político-partidárias quer do

Partido Republicano, quer do Partido Republicano Federal, também demonstram o seu

interesse pela situação do país. Tentou, é indiscutível, juntamente com outros políticos

paulistas conseguir, através do PRF, uma integração política nacional, tendo

compreendido a dificuldade e quase a impossibilidade dessa tarefa, pelo menos

durante os primeiros anos da República (WITTER, 1999, p. 132).

Aproveitando a situação, Campos Salles deu início à sua campanha eleitoral,

manifestando-se ao eleitorado através de seu Programa de Governo, lançado inicialmente em

144

São Paulo, num banquete promovido pelo Partido Republicano Paulista. Em suas próprias

palavras, CAMPOS SALLES (1998, p. 85) afirmou: “O meu programa seria, pois, o

programa do partido”.

De acordo com DEBES (1978b, p. 436):

Era o programa consciente de quem conhecia as aflições porque passava a Nação e

tinha, maduramente refletidas, as bases para aliviá -las. (...) Dele diria um adversário:

“essa bela plataforma (...) ecoaria no coração nacional como a esperança súbita de

uma nova vida para a República”.

Campos Salles contava com muito prestígio mesmo entre seus adversários e, na

verdade, naquela eleição não haveria candidato algum à sua altura. O Partido Republicano

Federal estava desorientado, não possuindo uma opção unânime entre seus membros. O

Governo Federal, assim como a maioria dos Governos Estaduais, encontravam em Campos

Salles a melhor alternativa para trazer estabilidade para a República.

Além da divulgação de sua proposta de Governo, Campos Salles também desenvolveu

outros esforços de comunicação interpessoal, como por exemplo uma longa carta enviada ao

político e amigo Assis Brasil, um forte adversário político de Júlio de Castilhos no Rio

Grande do Sul, na qual foram demonstrados argumentos sobre os partidos políticos, além de

diferenciar “aliados” de “correligionários”.

A força de convencimento das palavras de Campos Salles e sua habilidade com a

escrita foram evidenciadas em cartas como aquela. Assim, ficou caracterizada sua campanha

eleitoral rumo a Presidência da República, sua comunicação foi totalmente direcionada aos

principais políticos do país, capazes de formar opinião e garantir os votos necessários.

Campos Salles não empreendeu grandes comícios, como nos tempos da mobilização

republicana, seu nome já estava consolidado junto à massa de eleitores. Suas estratégias

comunicacionais, naquele momento, foram em busca da obtenção de apoio e endosso dos

grandes líderes políticos do país.

O resultado nas urnas já era esperado. E, de fato, foi indubitavelmente favorável a

Manuel Ferraz de Campos Salles.

145

CONCLUSÃO

Após ser eleito Presidente da República, e antes mesmo de tomar posse, Campos

Salles seguiu para a Europa. Sua viagem foi retratada na obra de Tobias MONTEIRO (1983)

e teve como meta a renegociação das altas dívidas brasileiras. Na ocasião, o então Presidente

executou o acordo denominado Funding Loan, marcando seu Governo por uma intensa

austeridade econômica. Foi bem sucedido ao conseguir normalizar as finanças do país,

ocasionando porém, sérias conseqüências sociais com as duras medidas que teve de tomar.

Também foi responsável pela implantação da famosa Política dos Governadores,

trazendo estabilidade para a República até 1930. Através do acordo firmado entre as

lideranças dos Estados, ficou definido o revezamento entre os representantes paulistas e

mineiros na liderança do Governo Federal. Tinha início a era mais intensa das oligarquias,

característica marcante da Primeira República, criticada por muitos estudos relacionados à

História do Brasil. A República foi consolidada, de fato, pelo Governo Campos Salles, ainda

que de maneira impopular e condenável, mesmo assim, o ex-presidente foi denominado

honrosamente por Célio Debes, como “o paladino presidencialista”.

No final dos quatro anos à frente do país, Campos Salles deixou a Presidência, e

recusou posteriormente uma nova candidatura federal. Morreu em 1913, em Santos.

Fazendo uso de documentos e da bibliografia existente sobre o ex-presidente, a

presente pesquisa procurou analisar as estratégias de comunicação por ele adotadas até chegar

ao mais alto cargo político da nação. Nesta tarefa, foram encontrados indícios contundentes da

influência dos conceitos positivistas em sua trajetória, assim como em praticamente todo o

movimento republicano brasileiro do final do século XIX.

Neste sentido, Alberto Salles foi um verdadeiro líder teórico. Proeminente difusor dos

conceitos positivistas da primeira fase de Auguste Comte, na qual havia a intensa

preocupação em analisar cientificamente os fenômenos sociais. Fazendo uso do título

sugerido por VITA (1965), Alberto Salles foi um “Ideólogo da República”. Suas obras

tiveram grande penetração entre os homens da propaganda republicana, orientando suas

condutas políticas e estratégias de comunicação, influenciando inclusive Campos Salles, seu

próprio irmão.

Chegando ao final desta pesquisa, é possível argumentar com muita segurança, que a

comunicação política do ex-presidente encontrou respaldo teórico em alguns conceitos das

teorias de Auguste Comte. Servindo-se deles em momentos decisivos de sua propaganda, seja

146

na elaboração de manifestos e artigos jornalísticos; no contato com os correligionários, líderes

políticos e formadores de opinião; ou ainda, diante do público eleitor em congressos,

conferências e comícios.

Para concluir, seria conveniente apresentar uma resumida e derradeira análise, de

maneira semelhante como Peter BURKE (1994) fez em sua obra sobre a construção da

imagem pública de Luís XIV. Ou seja, paralelamente às evidências da influência positivista,

também procurou-se responder nas entrelinhas deste trabalho, as consagradas questões do

modelo comunicacional de Lasswell: com quem, dizendo o quê, através de que canal e com

que efeito Campos Salles desenvolveu suas estratégias de comunicação política.

Sendo assim, pode-se afirmar que ele foi o grande responsável pelo plane jamento e

execução de suas campanhas eleitorais. Contando em diversas ocasiões com o apoio de seus

companheiros políticos e com a própria força que os partidos e clubes republicanos foram

ganhando durante a evolução de sua propaganda.

Representativas foram as campanhas para a Presidência de São Paulo e para a

República. Não houve, na verdade, grande contato com a massa de eleitores, diferentemente

das calorosas e desgastantes campanhas para Vereador, Deputado Provincial e Geral.

Naqueles casos, Campos Salles valeu-se de sua carreira, da atuação como Ministro da Justiça

e Senador, mas principalmente, travou intenso contato interpessoal com os líderes

republicanos do país. Elaborou inconscientemente, ou talvez, intuitivamente uma longa

campanha de quase dez anos, entre a Proclamação da República, em 1889 e sua vitória em

1898. Como candidato à Presidência da República, seu nome foi lançado e recebeu o apoio

dos mais representativos colégios eleitorais do país: Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e São

Paulo.

O conteúdo de suas mensagens estava impregnado pelo espírito positivista e pelos

ideais democráticos, oriundos principalmente do movimento revolucionário francês.

Suas propostas foram divulgadas através das cartas, dos manifestos e da imprensa e

atingiram os eleitores, na maioria das vezes, com muita eficácia. Além disso, a oratória e a

postura convincente de Campos Salles diante do público chegaram a ser elogiadas inclusive

por seus adversários, aspecto comentado com freqüência nos estudos sobre sua vida e obra.

Finalmente, o efeito de sua comunicação, aliado às manobras políticas e à sua atuação

profissional, formaram um composto com resultados positivos nas campanhas eleitorais

disputadas. Foi derrotado algumas vezes, mas soube aproveitar até mesmo aqueles momentos,

conduzindo sua propaganda política de maneira vitoriosa até chegar ao mais alto cargo

político da Nação.

147

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http://www.geocities.com/positivismonobrasil

152

ANEXOS

Análise do Programa dos Candidatos do Partido Republicano Paulista, formulado em 1881

(DEBES, 1975, p. 43-48):

O primeiro capítulo equivale a uma introdução ou a uma apresentação do documento.

Seu título é o mesmo desde. Há nele uma profissão de fé positiv ista e uma

proclamação da tática política a ser desenvolvida. Ambas as manifestações se contêm

em dois parágrafos sucessivos. “Discutindo e atuando por todos os modos sobre os

costumes e a educação nacional, tem dado (o Partido Republicano) inequívocas provas

de que pretende a vitória tomando o amor por princípio, a ordem por base e o

progresso por fim. Daí vem a sua marcha calma e a propaganda pertinaz., por isso

mesmo que ele mede bem os obstáculos a vencer. Não procura fazer da revolução a

corrente impetuosa que lhe dê a vitória. Prefere ser uma força de grande fator moral e

esperar da evolução o advento da República”. A originalidade estava na vinculação à

corrente filosófica. A fidelidade à evolução nada tinha de novo.

O segundo capítulo é dedicado à descentralização. Defende a autonomia municipal

que se consubstanciaria na liberdade para criar, arrecadar e aplicar suas rendas; em

dispor sobre economia e polícia; em decidir sobre obtenção de empréstimos e sobre

desapropriação.

Instrução pública, assim se intitula o terceiro capítulo que condensa, de forma

extraordinariamente clara e objetiva, o pensamento dos candidatos, enunciando

conceito sobro os investimentos em educação. “Somos pela liberdade de ensino em

todos os seus graus e entendemos que quanto mais cientifico ele for mais livre deve

ser”. Admitiam, “por enquanto”, a interferência do Estado no ensino primário e

secundário. “O ensino oficial não pode estar sujeito à influência de escolas filosóficas:

deve ser integral, concreto, tão completo quanto possível como recapitulação das

verdades afirmadas pela ciência”. O princípio tinha endereço certo. Visava a Igreja,

que queriam desvinculada do ensino leigo. O ensino superior não os empolgava.

“Preferimos uma boa organização das escolas primárias e dos liceus à dispendiosa

fundação de Universidades. Melhorar já o ensino primário e profissional é uma

medida que julgamos carecer de sérios cuidados”. Incluíam neste último a “instrução

agrícola”.

153

Dada a precariedade da organização educacional da época, proclamam

categoricamente: “condenamos abertamente a criação da grande Universidade na

Côrte e julgamo-la fatal ao progresso da ciência no Brasil (...). Julgamos preferível

espalhar escolas superiores pelas províncias, que lhes proporcione um meio apto para

o desenvolvimento do estudo especial de uma ciência ou das que se relacionam mais

diretamente”. Sem dúvida, aqui, o que preside à diretriz é o postulado federalista. De-

monstrando um assentuado bom senso e revelando conhecer o verdadeiro significado

da educação como fator do desenvolvimento nacional, o redator do capítulo sustenta

que “as despesas com o ensino dessa ordem (primária e profissional), bem formulado,

são mais produtivas porque, generalizando uma soma de conhecimentos científicos,

que constituam a positividade de uma época, estimulam mais a atividade social e

fecundam os elementos da riqueza”. A Universidade é uma sublimação que só atinge

seus desígnios se contar com elemento humano preparado. A cultura – de que a

Universidade é um veículo e mesmo matriz – não se improvisa, nem admite saltos. É

um produto da sedimentação de conhecimentos. A Universidade vazia, gerando

“doutores” sem ilustração, não seduzia os republicanos.

A parte dedicada à liberdade de consciência e de cultos (cap. IV) é a reiteração das

conclusões do manifesto que o partido lançara em 1874.

Os capítulos V a IX cogitam de vários aspectos da problemática agrícola. No

denominado a transformação do trabalho agrícola, o tema é a imigração. A tarefa de

promovê-la tocava toda aos particulares, por iniciativa individual, ou de sociedades

específicas. Ao Estado cumpria, apenas, divulgar, no exterior, uma imagem favorável

da Nação e proteger o imigrante, facilitando-lhe a vinda para cá. Mas, para que essa

empresa pudesse ter êxito, impunha-se que o País fosse preparado “para as reformas

econômicas, políticas e administrativas que constituem os pontos capitais do nosso

programa”.

Os que se subordinam às epígrafes locação de serviços (V) e naturalização e direito do

cidadão (VIII) se entrelaçam o anterior, completando o exame da questão relativa à

mão de obra para a lavoura. A locação de serviços seria a fórmula para a substituição

do trabalho escravo pelo livre. Para alcançar-se um resultado profícuo, tornava-se

indispensáve1 a reforma da legislação e a atribuição de competência às Províncias

para disciplinarem, na conformidade de seus interesses, a matéria. A naturalização

enseja, como em outras passagens, a remissão a um dos pronunciamentos do Partido;

neste caso, ao Manifesto de 1880.

154

O veso de se repetirem, ou de reproduzirem manifestações de seus correligionários

torna a ocorrer quando o Programa fere o problema dos capitais para a lavoura (cap.

VII). Serve-lhes de arrimo, agora, o conjunto de sugestões formulado pelos

agricultores paulistas que acorreram ao Congresso Agrícola realizado, sob o patrocínio

do Ministério da Agricultura, na Côrte em 1878. Reputavam “que, para melhorar a

sorte da lavoura quanto ao capital”, era necessário "lº - que seja autorizada por lei a

criação de bancos de crédito real, que façam empréstimos à lavoura a longo prazo e

juros baixos; 2º- que cada província constitua uma circunscrição territorial, podendo,

contudo, duas ou mais províncias, por acordo entre si, formar uma só circunscrição; 3º

- que na sua organização seja adotado o sistema da lei de 24 de setembro de 1864 e

respectivo regulamento com as indicações aqui indicadas; 4º - que o processo da ação

e execução seja mais expedito, não podendo a defesa e recursos opostos pelo devedor

suspender a marcha do mesmo processo; 5º - que a adjudicação deixe de ser

obrigatória e torne-se facultativa ao credor; 6º - que a hipoteca legal seja em tudo

equiparada à convencional”. Como se vê, o equacionamento da questão não era

simples. Envolvia, além da obtenção de crédito a prazo e a juros favoráveis, alterações

em todo um complexo sistema jurídico.

No capítulo IX, cuidam da abolição. Em a libertação dos escravos, retomam os pontos

expendidos na Circular lançada em 1872 e no Manifesto de 73. Aditam-lhes que a

escravidão “não é mais um direito que deva passar às gerações futuras. Como fator

econômico, a escravidão é tolerada, empregando-se porém, todos os processos para

sua eliminação sem prejuízo do organismo em que ela foi incrustada. É justo, portanto,

que as províncias que mais escravos possuem os façam sair desse estado pelos meios

mais consentâneos com a sua situação econômica. (...) Assim devem ficar as

províncias livres para legislar sobre o assunto criando impostos especiais para

aumento do seu fundo de emancipação, para embaraçar a transmissão de escravos por

venda, etc. A assembléia geral legislará e especificará os casos de abandono e vedará o

comércio inter-provincial, procurando não comprometer as conseqüências de algumas

leis provinciais em vigor”. E acrescentam, mostrando a necessidade de se abreviar o

fim do regime servil, que “a lei de 28 de setembro (do ventre livre) não pode ser o

marco do estacionamento da propaganda abolicionista”. A escravidão “será fatalmente

eliminada pelos poderosos fatores do progresso. Daí se deduz que o resultado natural

não virá exclusivamente da constituição política da República”.

155

E, depois dessa hábil defesa da posição republicana, aditam que “o processo de

eliminação aqui consiste em atacar a instituição por partes: criando logo o equivalente

em força e serviços, efetuando a operação sem abalo, sem os grandes prejuízos das

reformas revolucionárias. Assim, segundo esse processo, a escravidão há de extinguir-

se na proporção do aumento de meios para o desenvolvimento da liberdade e atividade

dos cidadãos; com o acréscimo das forças que devem trazer o aperfeiçoamento das

indústrias, alargar as fontes de renda e atuar eficazmente sobre a educação social”. No

arremate, sintetizam sua posição em pról da “solução do problema complexo da li-

berdade dos escravos e organização do trabalho livre, porque indicamos os meios que

determinarão essa importante solução”.

Sobre finanças (cap. X), se mostram partidários do liberalismo econômico. Advogam

a sujeição à lei da criação, arrecadação e aplicação dos tributos; a aplicação das rendas

públicas em empreendimentos produtivos; a circulação mista, desde que o papel

moeda (eram contrários à sua circulação forçada) fosse conversível em moeda

metálica, à vontade do portador; a criação de bancos de emissão e a liberalização das

leis sobre as sociedades anônimas; a conversão da dívida pública (sendo difícil um

empréstimo externo para realizá-la, indicavam a redução dos juros pagos aos títulos de

6, 5 ou 4 ½% para 4%). O arrimo a esses pontos é, preferentemente, buscado na

manifestação de antigos integrantes de gabinetes ministeriais.

A política externa (cap. XI) entrou, também, na área de suas cogitações. Distinguem

entre a Europa e a América, no relacionamento internacional que o Brasil devia

entreter.Com as nações de lá, “a nossa política deve ser de observação, mais de

cumprimentos amistosos do que de comparticipação nos movimentos do velho

continente”. Já com relação aos países americanos, “carecemos de uma política

inteligente, perspicaz, ativa e conciliadora. Aqui as manobras da diplomacia e as

relações dos estados reclamam sérios cuidados”. Recomendam aos agentes di-

plomáticos brasileiros que fixem suas “vistas sobre os negócios que tocam de perto o

progresso do povo que eles representam. As questões que dizem respeito às indústrias

e ao comércio precisam ser estudadas e acompanhadas com vivo interesse”.

Condenam, por outro lado, “a política de contínuas intervenções nos negócios internos

de nossos vizinhos" e encarecem a “necessidade de deixá-los viver a seu modo e nos

fazermos respeitar oportunamente, sabendo empregar em tempo o espírito

conciliador”. Aqui, também, tinham idéias avançadas e de atualidade, ainda hoje.

156

A derradeira parte do alentado documento encerra a síntese do programa. Confessam

suas origens liberais e seus propósitos conservadores no tocante à mudança do regime;

alertam para a circunstância de que, além dos pontos feridos no documento,

defenderão, se eleitos, os demais postulados que o Partido adotara. “Do que fica

exposto – escrevem – se conclue que não queremos somente destruir. Afastando-nos

dos extremos, onde impera o absoluto, relacionamos as reformas que são a

concretização da vontade nacional. O nosso programa, por tanto, restrito ao meio em

que podemos operar, tem praticabilidade e é mesmo compatível com o regime

monárquico”.

Se, de um lado, se verifica que se não trata de uma manifestação extremada (tanto que

era compatível com o regime monárquico), cumpre reconhecer que, no tocante a

certos assuntos, tinham idéias avançadas e que ainda hoje têm atualidade, como são os

casos da educação e da po1ítica externa. Uma das características marcantes do

Programa é sem dúvida sua sobriedade e discrição no trato de algumas matérias que se

prestariam a explorações demagógicas, como é o caso do ensino. De resto, como nos

Manifestos, se portam como inveterados teóricos, que se recusavam a ser governo.

157

Campos Salles, acadêmico de Direito (1862). Campos Salles, bacharelando (1863).

Fonte: DEBES (1978b, anexos). Fonte: DEBES (1978b, anexos).

Campos Salles, advogado (1865). Campos Salles, pela primeira vez Deputado

Provincial (1869).

Fonte: DEBES (1978b, anexos). Fonte: DEBES (1978b, anexos).

158

Campos Salles, Deputado Geral (1885).

Campos Salles, ministro da Justiça do

Governo Provisório.

Fonte: DEBES (1978b, anexos). Fonte: MENEZES (1974, anexos).

Campos Salles, Presidente da República. Campos Salles e família, em 1898.

Fonte: MENEZES (1974, anexos).

Fonte: MENEZES (1974, anexos).

159

Primeira convocação do Congresso

Republicano de 1873. Adiamento do Congresso Republicano de

1873.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), Correio Paulistano,

17 de dezembro de 1872. Fonte: DEBES (1978b, anexos), Correio Paulistano,

19 de dezembro de 1872.

Circular expedida pela Comissão Municipal do Partido Republicano, em Campinas.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), Gazeta de Campinas, 15 de maio de 1873, da Coleção do IHGSP.

160

Avulso do manifesto lançado após o primeiro Congresso Provincial do Partido Republicano

de São Paulo.

Fonte: DEBES (1978b, anexos), do Arquivo do Dr. Aureo de Almeida Camargo.

161

Grupo de propagandistas republicanos em Campinas. Em pé: Jorge Tibiriçá, Campos

Salles e Quintino Bocaiúva. Sentados: Bernardino de Campos, Francisco Glicério e

Rangel Pestana.

Deputados republicanos de São Paulo, em 1882: Martinho Prado Júnior, Campos Salles,

G. T. Pires e Almeida, Rangel Pestana, Prudente de Morais e Antônio Gomes

Pinheiro Machado.

Fonte: MENEZES (1974, anexos). Fonte: MENEZES (1974, anexos).

Tela de Cândido Portinari, na redação de O

Estado de São Paulo. À direita, sentado, Campos Salles.

Monumento a Campos Salles, em Campinas.

Fonte: MENEZES (1974, anexos).

Fonte: MENEZES (1974, anexos).

162

Gazeta de Campinas, 17 de maio de 1874

“Colonisação I” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

163

Gazeta de Campinas, 24 de maio de 1874

“Colonisação II” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

164

Gazeta de Campinas, 28 de maio de 1874

“Colonisação III” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

165

Gazeta de Campinas, 14 de junho de 1874

“Colonisação IV” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

166

Gazeta de Campinas, 21 de junho de 1874

“Colonisação V” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

167

Gazeta de Campinas, 13 de agosto de 1874

“Colonisação VI” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

168

Gazeta de Campinas, 20 de agosto de 1874

“Colonisação VII” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

169

Gazeta de Campinas, 20 de agosto de 1874

“Colonisação VII” – Campos Salles (continuação)

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

170

Gazeta de Campinas, 27 de agosto de 1874

“Colonisação VIII” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

171

Gazeta de Campinas, 06 de setembro de 1874

“Colonisação IX” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

172

Gazeta de Campinas, 20 de setembro de 1874

“Colonisação X” – Campos Salles

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.

173

Gazeta de Campinas, 20 de setembro de 1874

“Colonisação X” – Campos Salles (continuação)

Fonte: Acervo do Centro de Ciências e Letras de Campinas.