CAMPUS ANO 40 - Edição 348

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Campus Jornal-laboratório da Universidade de Brasília v Faculdade de Comunicação v www.fac.unb.br Brasília, de 15 a 29 de junho de 2010 ANO 40 - Edição 348 Mariane Rodrigues página 4 e 5 O VAZIO QUE VALE MILHÕES v Números da solidão SCS: espaço de trabalho e pecado Imigração em campo na Copa Aprendizagem alternativa França vai ao país do apartheid com um time de muitas cores que divide opiniões Conheça autodidatas da UnB, como Rafael Milliati. Sem professores, ele já estudou 39 línguas e dialetos Dados inéditos mostram que, no DF, separados lideram índice de suicídios SQN 207 é a única quadra residencial desocupada do Plano Piloto e pertence à UnB. O terreno, imenso clarão na maquete da cidade, é supervalorizado pelo mercado imobiliário, mas segue sem destino Flávio Botelho v página 3 v página 7 página 6 v página 8 v v

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O VAZIO QUE VALE MILHÕES SQN 207 é a única quadra residencial desocupada do Plano Piloto e pertence à UnB. O terreno, imenso clarão na maquete da cidade, é supervalorizado pelo mercado imobiliário, mas segue sem destino

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CampusJornal-laboratório da Universidade de Brasília v Faculdade de Comunicação v www.fac.unb.br

Brasília, de 15 a 29 de junho de 2010

ANO 40 - Edição 348

Marian

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página 4 e 5

O VAZIO QUE VALE MILHÕES

v

Números da solidão

SCS: espaço de trabalho e pecado

Imigração em campo na Copa

Aprendizagem alternativa

França vai ao país do apartheid com um time de muitas cores que divide opiniões

Conheça autodidatas da UnB, como Rafael Milliati. Sem professores, ele já estudou 39 línguas e dialetos

Dados inéditos mostram que, no DF, separados lideram índice de suicídios

SQN 207 é a única quadra residencial desocupada do Plano Piloto e pertence à UnB. O terreno, imenso clarão na maquete da cidade, é supervalorizado pelo

mercado imobiliário, mas segue sem destino

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Opinião

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Cidade imóvel

Felipe GiacomelliGustavo AguiarMarcela MattosNaiara Lemos

Editor-chefe: Felipe MüllerEditores: Juliana Figueiredo, Klaus Barbosa, Naiara Lemos, Nayra Thyemi, Thalita Carrico, Thiago Borges e Vívian RodriguesRepórteres: Clara Araújo, Felipe Giacomelli, Felipe Matheus Pineda, Gustavo Aguiar, Jeronimo Calório, Mai Dornelles, Marcela Mattos, Mateus Rodrigues, Milena Barros, Naiara Lemos, Raio Gomes, Thaís Regina e Vinícius PedreiraFotógrafos: Cecília Garcia, Flávio Botelho, Lílian Pessoa, Mariane Rodrigues, Rodrigo VasconcelosDiagramadores: Flávio Botelho e Lílian PessoaProjeto gráfico: Gustavo Aguiar, Juliana Reis, Jeronimo Calorio, Ma-teus Rodrigues e Vinicius PedreiraDiretor de arte: Felipe MüllerIlustrações: Felipe Matheus Pineda e Rafael BenjaminMonitora: Juliana ReisProfessores: Sérgio de Sá e Solano NascimentoJornalista: José Luiz SilvaSuporte técnico: Pedro FrançaGráfica: Palavra Tiragem: 4 mil exemplares

Carta do editorA Copa do Mundo invadiu o Campus. Nesta edição, visitamos o outro lado do oceano. Isso porque, dentre todas as seleções participantes, a francesa chama atenção pelo grande número de jogadores nascidos em outros países, um fato que gera polêmica dentro da própria nação. Aproveitando a competição deste ano, conferimos como o primeiro estádio brasiliense reformado para o Mundial de 2014 está hoje e constatamos que as promessas de benefícios para a comunidade estão longe de ser cumpridas.

Mas não é só de futebol que vive o jornalismo. Bem aqui do nosso lado, falamos sobre a única quadra de Brasília ainda sem nenhu-ma construção. Pertencente à UnB, apuramos que a Universidade ainda não possui planos para o terreno. Também não deixamos de lado um assunto delicado. Levantamento inédito feito pelo jor-nal indica que pessoas divorciadas lideram o índice de suicídios no DF. Durante a confecção do jornal, muito se debateu sobre que forma a imprensa pode ou não tratar deste tema tabu em nossa sociedade. Uma cartilha da Organização Mundial da Saúde nos guiou neste processo. Mas queremos debater esta discussão tam-bém com você, leitor. Entre um jogo e outro da Copa, esperamos que o Campus cumpra sua função: informar e gerar discussões.

Expediente

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a Do Campus para o campusMel Bleil Gallo

O Campus não dialoga mais com a Universidade de Brasília. Esta é a sensação que as leitoras e leitores que entraram em contato com o jornal descreveram. Seja nos dois e-mails enviados à redação ou em conversas com a ombudskivin-na que vos escreve. Poucas vezes a UnB esteve tão movi-mentada no que diz respeito ao debate de gênero. Polêmicas manifestações de combate à homofobia, reivindicação pela criação de um centro de referência da mulher... Entretanto, na matéria de capa sobre homens agredidos em casa, nada do burburinho, da movimentação, é mostrado.

Como disse em e-mail o estudante de História e coorde-nador do Diretório Central dos Estudantes da UnB, Yuri Soares, a Universidade – e o Campus – não devem se fechar diante de realidades externas, mas um jornal não pode igno-rar o diálogo com seu público específico. E, infelizmente, o Campus tem feito isso.

Entrevistar um ou outro professor ou estudante da UnB não é sinônimo de diálogo. Dialogar teria sido perceber e reconhecer, ao escrever uma grande e comovente reporta-gem sobre o Núcleo Rural Monjolo, por exemplo, a atuação da UnB na região. Felizmente o estudante de Engenharia Florestal Luiz Gustavo Pedrosa, membro de um projeto de ensino, pesquisa e extensão do CNPq que atua na área, des-

A menor parte da minoriaMateus Rodrigues

Desde que entrei na UnB, presenciei manifestações de to-dos os tipos, a favor e contra todas as causas. Cartazes, ocupações, marcha dos pelados, apitaços e beijaços. Mas nenhuma foi tão extrema e infundada quanto a realizada no mês passado por alguns integrantes do movimento LGBTT. Entre diversas manifestações saudáveis contra os trotes homofóbicos, logo após o seminário UnB Fora do Armário, um grupo atacou a publicidade de churrascos promovidos pelos alunos de Engenharia, pichando frases como “Não financiem a homofobia”.

Quando alguém se coloca em posição de ataque, deve to-mar cuidado para não perder o foco, e desferir golpes sem direção. Os cartazes não tinham qualquer mensagem de cunho ofensivo, e o evento não é restrito a nenhum públi-co – às vezes, nem aos menores de idade. Os churrascos são, sim, segmentados e direcionados a um público predo-minantemente heterossexual. Na mesma medida, diversas festas dentro e fora da UnB priorizam o público gay, com toda a combinação estereotipada de música pop, go-go boys e concursos de dança.

creveu essa atuação em e-mail enviado à redação, mas não é suficiente.

Outras formas de diálogo poderiam ter vindo com pa-ralelos entre o trote universitário violento e o bullying nas escolas – o tema do ano! Ou lembrando que para além da “imobilidade acadêmica”, existem estudantes e servidores com mais imobilidade ainda: sem passe livre, nem salário. É que, apesar de a greve dos técnicos-ad-ministrativos da UnB ter ficado só na tirinha da última página, ela existe.

Em suma, o jornal tem ótimos textos, mas isso não é suficiente. E o público dá a dica: o diferencial pode es-tar bem ao lado, nos corredores, salas e esconderijos desta Universidade.

Mateus Rodrigues é estudante de Jornalismo da UnB e faz parte da equipe do Campus.

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Mel Bleil Gallo é estudante do sétimo semestre de Jor-nalismo da UnB.

v Ombudskivinna é o feminino de Ombudsman e tem como função criticar e analisar o conteúdo de um jornal, repre-sentando a voz do leitor.

Char

ge Orgulho nacionalRafael Benjamin

Campus 40 anosEra 1982, ano de Copa do Mundo, e o Campus contou que

o futebol candango não atraía interesse do público. Sete copas depois e a situação não mudou. Nesta edição mostra-mos o estádio do Bezerrão, no Gama, às moscas.

Envie sua opinião para [email protected]

Tão difícil quanto conciliar os dois públicos é conciliar as opiniões divergentes dentro de um movimento. Ações destemperadas colocam em risco anos de luta séria, de conscientização ativa e progressiva. Afrontar estudantes deste ou daquele curso só tem um efeito prático: esti-mular a troca de agressões, regredir no diálogo que foi iniciado a duras penas.

A pichação – que, repito, foi obra de uns poucos incon-sequentes, e não de um movimento – serviu, em último caso, para reavivar uma série de pensamentos retrógra-dos e patéticos. Orgulho hetero, heterofobia, “modinha gay” e “ditadura homossexual” são termos que, por mais absurdos, encontram amparo em ações extremas. E é assim, infelizmente, que o preconceito se propaga e se fortalece. Uma pena.

Gostaria de expressar aqui minha indignação com a matéria “De-cepção na terra prometida”, da edição 346 do jornal, que registra o comovente sofrimento de moradores do Núcleo Rural Monjo-lo. A matéria sequer menciona a atuação da UnB no assentamen-to. Onde está a preocupação dos editores para que o jornal seja instrumento de mobilização e formação de senso crítico? Onde está a preocupação dos jornalistas em fazer uma boa pesquisa e relatar a situação com compromisso e veracidade?

Carta do leitor

Luiz Gustavo Perrut Pedrosa, estudante de Engenharia Florestal da UnB.

Como estudante da UnB, há algum tempo não vejo sentido no fato de o jornal Campus ter matérias distantes de minha realida-de. Por que não falar do passe livre, que vem sendo atacado pelo GDF? É algo que atinge os estudantes da UnB, de universidades particulares e do ensino básico. O Campus, como qualquer jornal com público especifico, deve ter o diálogo com o seu público como fator principal na construção de suas pautas.

Yuri Soares Franco, estudante de História da UnB.

No meio da Asa Norte, 7.200 m² totalmente vazios. Sem blocos, sem bancos, sem banca de revista, sem parqui-nho, sem nada. A SQN 207 é o gramado mais caro da cidade, e a dona da única quadra residencial sem resi-dências do Plano Piloto é a Fundação Universidade de Brasília (FUB). Enquanto isso, o Distrito Federal é o recordista do país em déficit habitacional para famílias com renda acima de dez salários mínimos.

A pedido do Campus, a Câmara de Valores Imobiliários (CVI/DF) avaliou o terreno. Caso a UnB vendesse a qua-dra hoje, o imóvel renderia por volta de R$ 210 milhões. Protegida pela Constituição Federal e pela lei distrital 4.072/07, a FUB está isenta de pagar IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Do contrário, a Fundação desembolsaria anualmente pelo menos R$ 6,3 milhões em impostos.

Dados da Secretaria de Empreendimentos Imobiliários (SEI) da UnB mostram que a quadra pode abrigar 12 projeções de 600 m² e 800 m², com um edifício em cada uma. A CVI/DF avalia as projeções em cerca de R$ 15 milhões e R$ 20 milhões, respectivamente. Além de ser regularizada e contar com a infraestrutura urbanística das quadras vizinhas, a 207 Norte fica ao lado de um corredor público destinado à construção de uma esco-la, clube ou associação de vizinhança. “Na 207 Norte, ninguém tem dúvida da localização e da documentação, já tem uma consolidação, a urbanização está pronta, é

SEM PRÉDIOS NEM PLANOSA única quadra vazia da Asa Norte pertence à UnB e vale milhões. Vizinhos e especialistas discordam de

posição da FUB em relação ao futuro da SQN 207, que atrai carros e sem-teto

Flávio

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A 207 Norte é o gramado mais valorizado da cidade. Os valores das projeções são tão

altos quanto os preços do Setor Noroeste

R$ 210 milhõesé o valor aproximado da SQN 207

correspondente ao terrenomilhões

um terreno em área nobre”, explica Antonio Bartasson, um dos diretores da CVI/DF. Os valores das projeções se aproximam dos do Noroeste. No início do ano, um lote de 1.000 m² no novo setor foi vendido por R$ 21 milhões.

Superquadra na poupança

A origem do patrimônio da FUB é da época da criação da Universidade. O senador Darcy Ribeiro, um dos ide-alizadores do projeto, negociou um acordo que, na hora do registro, acabou garantindo 129 projeções de terreno – um espaço muito maior do que ele pleiteava. A maioria desses locais já tem construções, mas ainda restam 27 projeções. Parte das áreas foi trocada com construtoras por imóveis residenciais. Ao todo, a UnB possui mais de 1,5 mil apartamentos e 178 salas e lojas, segundo dados da SEI. Além da quadra vazia.

Numa cidade em que os preços dos imóveis são exa-gerados, impulsionados pelo pouco espaço residencial previsto no plano diretor, é de se estranhar ainda existir uma área inexplorada. “Isso é especulação imobiliária”, afirma Antônio Carpintero, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). “E fazer isso pode até

ser legalmente permitido, só não sei se é legítimo”. Para Wagner Ribeiro, que cos-tuma fazer caminhadas na 207, a quadra deveria ser aproveitada de alguma forma. “Se não é para construir prédios, daria para fazer um clube ou uma quadra de futebol”, sugere.

Segundo José Augusto Fortes, secretá-rio de Empreendimentos Imobiliários da Universidade de Brasília, a UnB não tem interesse em construir no local e está esperando uma boa oportunidade para comercializar o terreno cada vez mais valorizado. “Não tem por que vender. Quando a Universidade estiver precisan-do de dinheiro, aí ela vende”, diz.

Fortes explica que os imóveis só são ven-didos quando a UnB não dispõe de ver-ba necessária para financiar uma obra. “É uma forma de manter os recursos da Universidade.” Os pavilhões Anísio Tei-xeira e João Calmon, assim como o novo prédio do Instituto de Ciências Biológi-

cas, foram construídos com dinheiro da venda dos apartamentos.

Casas e vagas improvisadas

Nos gramados da quadra vazia, moram cerca de 20 pessoas. Para conseguir di-nheiro, eles trabalham como vigias de car-ro e catadores de latinhas. Há mais de dez anos, Laudelina de Jesus, 60, dorme sob papelões com genros e netos. A casa im-provisada não protege a família. Em dias de chuva, o jeito é se abrigar no comércio, o que assusta os frequentadores.

Quando a baiana chegou ao Distrito Fe-deral, ainda adolescente, ganhou um lote em Samambaia e depois comprou outro em Brasilinha (GO), onde atualmente vivem seus filhos. Nos fins de semana,

Laudelina volta para casa, mas admite que ganha mais no Plano Piloto. “Aqui eu consigo uns R$ 10 por dia. Lá, eu não consigo trabalho”, afirma. Mesmo assim, para ela, o local é mais seguro. “Dos nove filhos que eu tive, apenas três estão vivos. Os outros foram assassinados em Brasili-nha”, conta.

Movimentada pelas lojas de informática, a 207 Norte está ocupada por árvores, moradores de rua e carros que não en-contram vagas. Sem entender o motivo de o espaço estar vazio, frequentadores da quadra questionam o uso do local. “Só serve como estacionamento e para jun-tar poeira”, afirma a aposentada Mizuko Shibuwa, que há dois anos comprou uma quitinete para a filha na comercial. “Faz muito mal para os habitantes.” v

é o IPTU

R$ 6,3

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O cozinheiro Said Mazaari é francês, mas ao contrário dos clichês não tem os olhos azuis, nem usa boina. Filho de argelinos, ele fica com o coração dividido em época de Copa do Mundo. “Eu chorei e comemorei quando a Argélia ganhou do Egito”, diz Said comentando a difícil classificação argelina para o mundial, em novembro de 2009. Ele garante, no entanto, que, como todo bom francês, odeia o atual técnico da seleção francesa, Raymond Domenech, e adora Thierry Henry, principal jogador da equipe.

Said é um dos exemplos da pluralidade cultural existente na França. Ele pertence à primeira geração de franceses filhos de imigrantes do processo de descolonização no pós-Segunda Guerra Mundial. Desde esse período, a França tem um fluxo migratório importante vindo de antigas colônias na África do Norte e África Central.

A mistura de costumes, religiões e línguas provoca uma reação ambígua entre os franceses. De um lado, o governo francês incita um debate sobre o problema de identidade nacional. Em 2007, o presidente Nicolas Sarkozy criou o polêmico Ministério da Imigração, Integração, Identidade Nacional e Desenvolvimento Solidário, associando a política de imigração à defesa da segurança e da identidade francesas.

Do outro lado, a seleção francesa tem em seu plantel um número considerável de jogadores com ascendência estrangeira. “Na hora do jogo, ninguém se pergunta sobre as origens do jogador. O importante é como ele defende a camisa que está vestindo”, afirma o funcionário público Francis Gaultier.

Exemplo disso é o ex-jogador Zinedine Zidane. Filho de argelinos, o ex-capitão da seleção francesa é um ídolo nacional. Ele foi inclusive escolhido para defender a vitoriosa candidatura da França para sediar a Eurocopa 2016. “O futebol faz todo mundo esquecer os preconceitos. Independente de opinião, o pessoal se une para gritar, allez les bleus (‘avante, azuis’)!”, garante o técnico de som Bernard Le Bohier.

A médica Leïla Amarat, no entanto, relativiza essa integração. “Todos torcem para a mesma seleção, mas, nos bares, os torcedores não se misturam tanto”, conta Leïla. Nascida no Chade e naturalizada francesa, ela vive na França desde os dois anos de idade, mas revela que já foi discriminada quando assistia a um jogo da equipe francesa. “Um cara me mandou sair do bar e ir torcer para o meu país”, diz Leïla, revoltada.

“A França tem que aproveitar que está ganhando novos torcedores”, acredita o estudante de Engenharia da Computação Khoi Nguyen. Ele é vietnamita e está na França fazendo um intercâmbio. “Como o Vietnã não vai para Copa, vou torcer pelos franceses, até porque eles estão precisando”, brinca Nguyen.v

Ana Rita CunhaLívia Motaespecial, de Paris

Unidos no futebol, divididos no preconceito

Se a reforma de R$ 40 milhões do estádio do Bezerrão, na cidade-satélite do Gama, fosse um investimento privado, teria sido um fracasso. Desde a reinauguração, em novembro de 2008, o time do Gama arrecadou apenas R$ 436 mil em jogos válidos pelo Campeonato Brasiliense e pela terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Isso equivale a uma média anual de R$ 278 mil de receita. Se o ritmo for mantido, o clube levará cerca de 140 anos para recuperar o custo total. No meio do caminho, o Brasil receberá a Copa do Mundo de 2014, que poderá ser um divisor de águas para os planos do estádio.

Em uma empresa privada, a rentabilidade de um investimento é dada pelo seu retorno. Em uma obra pública, como é o caso do Bezerrão, essa lógica não conta, já que o propósito é atender a sociedade. O que também não vem acontecendo.

No dia 17 de janeiro de 2008, o então governador José Roberto Arruda vistoriou os trabalhos de reconstrução. “Sempre me intrigou fazer um estádio tão caro e usar apenas uma vez por semana. O Bezerrão será usado todos os dias pelos alunos das escolas públicas do Gama e da região, seja em aulas de dança, lutas marciais ou educação física”, assegurou Arruda, conforme nota mantida até hoje no site da Administração Regional do Gama.

Desde a reinauguração, a equipe do Gama jogou no Bezerrão apenas 22 vezes, pouco mais de uma partida por mês. Muito pouco se comparado à justificativa de uso semanal. Durante todo esse tempo, os alunos da cidade não tiveram aula alguma no estádio. O Bezerrão recebeu partidas das Olimpíadas Escolares, em apenas uma única ocasião, e feiras públicas, como a ExpoGama, realizadas normalmente no estacionamento.

O anfiteatro descoberto, atrás de uma das arquibancadas, só foi inaugurado no fim de 2009 e sediou o Festival de Música

À espera de 2014

Popular do Gama. Ao lado do estádio está sendo construída uma Vila Olímpica para que, enfim, os moradores possam ser atendidos. “Falta interatividade entre a população e o estádio”, aponta Ricardo Moreira, vizinho do Bezerrão e morador da cidade-satélite há quatro anos.

A reforma no Bezerrão, cujo nome oficial é Estádio Walmir Campelo Bezerra, começou no final de 2007. Luciana Virgilibackes, gaúcha, vinda do Sul há três anos, chegou à cidade-satélite para ajudar os tios no restaurante que dirigem no shopping ao lado do estádio. Durante os mais de 12 meses da reconstrução, iniciada justamente na chegada de Luciana, a lanchonete em que trabalha foi a fornecedora das refeições diárias dos operários. “Meu tio até brinca, dizendo que cada tijolo é uma marmita”, conta.

A obra também pretendia fortalecer o futebol do DF. Em campo, as equipes não corresponderam. O Brasiliense, rebaixado da primeira divisão em 2006, estacionou na Segundona em que compete até hoje. Já a situação do Gama foi ainda pior. O time caiu para a terceira divisão no ano em que foi impedido de jogar no próprio estádio por conta da obra.

O fraco desempenho da equipe local surpreendeu Luciana. “Quando era novidade, a torcida vinha ao estádio. Agora o movimento por aqui está fraco. Eu esperava pelo menos que fosse manter esse aumento (do público) após a reforma”, lamenta.

A expectativa no Bezerrão agora é a Copa do Mundo de 2014. O estádio vai funcionar como suporte do novo Mané Garrincha, estádio-sede de Brasília na competição. “Aqui vai ter treinamento, com certeza”, garante Meyre Nogueira, assessora da administração do Bezerrão. “A gente deve receber algum investimento em infraestrutura até lá.” O Campus tentou entrar em contato com Carlos Macedo, administrador do Bezerrão, para saber por que o estádio tem sido pouco usado, mas não obteve resposta.v

Subutilizado após reforma, estádio do Bezerrão vê na Copa do

Mundo do Brasil a oportunidade de fazer valer o investimento

Vice-campeã na última Copa e carrasco do Brasil nos mundiais, a França apresenta ao mundo uma curiosa seleção com mais da metade dos jogadores oriundos de outros países ou filhos de imigrantes de ex-colônias francesas

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Dos 23 convocados pelo técnico Ray-mond Domenech, três nasceram fora da França, nove são filhos de migrantes de países da África ou territórios fran-ceses ultramarinos, casos como os do lateral Patrice Evra, nascido no Senegal e do meia Florent Malouda, nascido na Guiana Francesa, e um, o atacante André-Pierre Gignac, é filho de ciganos espanhóis, mas criado por manouches (ciganos franceses).

A escalação para 2010 mostra a amplia-ção de uma tendência que começou a chamar a atenção na Copa de 1998. Duas cabeçadas de Zidane somadas ao golpe de misericórdia aplicado pelo meio-cam-pista Petit - lances que derrotaram a se-leção brasileira e deram o título à França - mudaram a história do futebol francês, mas também foram responsáveis pelo início de uma crise de identidade por parte da população francesa. Esse dilema pode ser ilustrado através da expressão oriunda de um trocadilho com as cores da bandeira França, o azul, o branco e o vermelho (bleu, blanc et rouge). O slogan de que a seleção seria black (referente aos jogadores negros), blanc (aos bran-cos) e beur (gíria usada para se referir aos árabes) foi uma forma utilizada naquele 1998 para justificar a campanha vitoriosa com a união de etnias que formavam a nação francesa.

Em 2005, o intelectual francês Alain Finkielkraut declarou ao jornal israelense Haaretz que a seleção seria black, black et black, por ter muitos jogadores negros, o que seria motivo de ridicularização pela Europa. Essa declaração representou uma das principais polêmicas a respeito da seleção, uma vez que a França atravessava uma crise em decorrência de revoltas de imigrantes nas periferias, o que fez com que ela ganhasse uma repercussão maior.

Já conhecendo a polêmica declaração, o comentarista de futebol francês do canal por assinatura Sportv, Ludovic Milles, afirma ao Campus que esse pensamento de Finkielkraut não reflete o da maioria dos franceses quando o assunto é futebol. “Ele é um biruta (ri). O que ele fala acaba por mostrar que alguns são assim, mas são a

minoria. Mesmo considerando a grande proporção de jogadores africanos, os branquelos não pensam assim quando se trata de seleção. Quando é eleição, ou até no dia-a-dia, isso talvez mude”, diz.

De fato, existe uma corrente política que apoia o controle da imigração no país. Ironicamente, os principais jogadores da história da França são produtos desse fluxo migratório. A contradição não inco-moda a maioria dos franceses, de acordo com Milles. “Os maiores jogadores são filhos de estrangeiros. Kopa (do time de 1958) era filho de poloneses; Michel Pla-

Felipe Matheus Pinedade toda a nação, apesar de suas origens estrangeiras. Nunca vi um francês os menosprezar por causa disso”, afirma.

Rosana ainda salienta a questão da forte identificação dos imigrantes com o futebol. “A presença dos imigrantes nas seleções de futebol francesas reflete as ondas de imigração que o país recebeu desde o período colonial até os dias atuais, uma vez que esse esporte foi adotado pelas classes operárias. Se pensarmos que a imigração na França se deu em função da demanda de mão-de-obra operária, e que esse esporte foi rapidamente adotado por essas classes, os imigrantes representariam então uma parcela importante dos que apreciariam tal esporte”, explica.

Bicampeonato?

O time multiétnico é um conhecido carrasco da seleção brasileira. Apesar de terem sofrido um revés para a seleção de Pelé e Garrincha em 1958 nas semifinais, os bleus derrubaram o Brasil em três oportunidades: em 1986, pelas quartas, no jogo ainda lembrado por causa de um pênalti perdido que até hoje impede o ídolo flamenguista Zico de dormir; em 1998, na final que ficou marcada como a maior derrota sofrida pela seleção canarinho em uma Copa (um sonoro três a zero) e em 2006, novamente nas quartas, com um gol de Henry que culminou em severas críticas ao então lateral da seleção, Roberto Carlos, que ajeitava o meião durante o lance do gol.

Apesar do sucesso no último mundial, quando os desacreditados franceses chegaram ao vice-campeonato, a França de 2010 é imprevisível para Milles. “A seleção francesa deve continuar no padrão dela de 1954 pra cá, isto é, ou ela dança na primeira fase ou é ao menos semifinalista, nunca sendo eliminada nas oitavas ou nas quartas”, constata.Os franceses podem triunfar sobre a seleção de Dunga? O comentarista acredita que sim. “De qualquer forma, pela tabela, Brasil e França só podem se encontrar na final ou semifinais. O time é capaz de fazer um papelão ou ir bem, mas acho que, se passar da primeira fase e engrenar, pode ir às semifinais e nessas condições pode derrotar qualquer adversário. Até mesmo o Brasil.” v

tini, de italianos, e Zinedine Zidane, de argelinos. Isso explica a história do país. Mais da metade é de origem estrangeira, assim como eu. A outra metade pode ser até um pouco incomodada, mas não é por isso que vai se incomodar com a seleção. Eles também vão torcer pela equipe da França”.

Quem compartilha da mesma opinião é a professora da Aliança Francesa Rosana Correia. Com a experiência de quem leciona o idioma francês há oito anos residiu na França por um, ela nunca presenciou uma reclamação a respeito da origem de atletas como Zidane e Platini. “Sem dúvida, ambos são ícones do futebol francês e se tornaram ídolos

Ludovic Milles, comentarista francês da Sport TV

Não é por se chamar

Mohamed ou Ahmed que você

não é francês”

Felipe Giacomelli

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No estádio vazio, o único movimento é o dos funcionários da manutenção

LIBERDADE, PLURALIDADE

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Educação informal

Dedicação, vontade, talento e superação: contamos histórias de três autodidatas que desafiaram o ensino formal e chegaram à Universidade de Brasília

No prédio da reitoria, intercambistas de mais de dez países, decanos e funcionários da Assessoria de Assuntos Internacionais da UnB (INT) participam da 18ª edição do Programa Bem-Vindos, cerimônia de recepção a alunos estrangeiros da Universidade. Em francês, Rafael Milliati Ramalho, 19, estagiário da INT, explica a uma estudante francesa as atividades do calendário acadêmico. Improvisando com russo, o aluno de Ciência Política da UnB conversa com uma intercambista tcheca. “Criei uma nova língua eslava para que ela e eu nos entendêssemos”, explica, rindo. Uma brasileira, estudante de Ciência Política na Alemanha, dá a Rafael a oportunidade de praticar alemão. Por último, o espanhol, exercitado com vários grupos de latinos. Autodidata desde os oito, Rafael tem se dedicado ao estudo autônomo de 39 línguas – nacionais e mortas – e dialetos. “Língua não é barreira. É ponte. É preciso dar-se tempo”, explica.

“Se você tiver tempo suficiente e boas referências, aprende o que quiser sozinho”, afirma Felipe Brandão Cavalcanti, 20, aluno do curso de Engenharia Elétrica e pesquisador do Laboratório de Automação e Robótica da UnB. Aos sete, Felipe ganhou seu primeiro computador, presente do pai. Dois anos depois, montou uma rede ligando os três computadores de casa. Com dez anos, o garoto buscou o impensável: “Queria fazer um negócio mais complicado. Resolvi aprender a programar”. Faltava, porém, a “boa referência”, um livro sobre Visual Basic – linguagem de programação da Microsoft – que tocou as mãos do menino tão logo seu desejo chegou aos ouvidos do pai. Aproveitando o tempo livre que toda criança deveria ter, Felipe criou, entre outros programas, um banco de dados para seus gibis da Turma da Mônica.

Saúde pública

A REGRA É APRENDER

Felipe Brandão mostra o circuito que desenvolveu para a orientação

e posição de robôs humanóides

A palavra autodidata tem sua origem no grego. É formada por autós, eu mesmo, e dídaskó, que significa ensinar, instruir. Para Maria Luiza Pereira Angelim, professora de Didática Fundamental da Faculdade de Educação da UnB, todas as pessoas podem ser autodidatas. Ela explica que “os seres nascem criativos”, capazes de resolver tudo. Por

isso, é fundamental que as crianças tenham, em casa e na escola, ambientes afetuosos, onde sua força criativa seja respeitada.

Metodologias, técnicas, recursos, plataformas. Segundo Maria Luiza, a didática predominante nas escolas e universidades contribui para a manutenção de um modelo educativo milenar, em que tudo é dado: “O professor lhe dá o problema, a forma de resolver. Qual é o respeito que esse professor está dando à sua criatividade?” Felipe Brandão acrescenta: “Eles me dão o propósito final. Eu gosto de traçar o caminho sozinho”.

No estudo de línguas, espera-se que o aluno aprenda as saudações, os pronomes, o verbo ser. Nessa ordem. Mas, da lição três, Rafael Milliati passa à 50. “Você nunca vai aprender verbos antes de cores. Subverter essa ordem é positivo. O buraco que fica é o desafio”, afirma.

Ampliando saberes

A vida de Luis Carlos Orione de Alencar Arraes, 48, professor de cavaquinho da Escola de Música de Brasília, tem um marco: 1982. Aos 21 anos, ele sofreu um acidente que, por pouco, não lhe roubou a vida. Ainda em recuperação, Orione retomou sozinho o estudo do cavaquinho, iniciado aos 15 com um professor particular. “Resolvi fazer alguma coisa útil da vida”, relembra. Foram oito horas de estudo autônomo, todos os dias, durante três anos. A dedicação deu-lhe a agilidade necessária para tornar-se o Carrapa

Lílian P

essoa

Por três anos, Carrapa se dedicou ao estudo do cavaquinho, passando para o trombone, a viola, o bandolim, o bongô, o pandeiro e o pifeFl

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Thaís Regina

Os professores me dão o propósito

final. Eu gosto de traçar o caminho

sozinho”Felipe Brandão, estudante

Um cruzamento inédito entre dados do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) revela que as pessoas separadas são as que mais se suicidam no Dis-trito Federal. De 2000 a 2007, a cada 100 mil separados, 61 se suicidaram. Em seguida vêm os viúvos e os soltei-ros, com 45 e 48 suicídios, respectivamente, a cada grupo de 100 mil. Entre todos os estados civis, os casados são os que menos se matam: 35 a cada 100 mil. Acompa-nhando o DF, os estados das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste demonstram o mesmo padrão, com os separa-dos liderando o ranking de suicídios.

Segundo o psiquiatra Alexandre Rozenwald, as causas do suicídio podem ser diversas, desde uma depressão grave a uma dissolução de namoro ou a perda de um emprego. “Em um casamento, por exemplo, a pessoa se identifica tanto com aquela instituição que ela criou que quando ele se dissolve a pessoa se dissolve junto, não vê mais razão para viver”, completa o psiquiatra.

O porta-voz e coordenador de cursos do Centro de Va-lorização da Vida (CVV) de Brasília, Eduardo Ossege, enfatiza que um tabu envolve o assunto suicídio no Bra-sil. “As pessoas não falam sobre suicídio, elas têm medo ou simplesmente ignoram”, avisa. “Às vezes, pessoas próximas dão indicativos que querem cometer o ato e os amigos não levam a sério ou mudam de assunto. Isso leva os suicidas em potencial a se sentirem sozinhos jus-tamente porque as pessoas não os levam a sério, por não ter ninguém com quem falar sobre o assunto.”

O índice mundial de suicídios está cada vez maior. A cada 30 segundos uma pessoa tira a própria vida e todo dia, portanto, acontecem cerca de 3 mil suicídios no mun-do. Os casos de suicídios cresceram 60% nos últimos 45 anos. Dados como esses, da Organização mundial de Saúde (OMS), comprovam ainda mais a importância de abordar o assunto suicídio. No Brasil, as estimativas su-gerem que ocorram 24 suicídios por dia – uma média de um a cada hora –, mas o número deve ser 20% maior, pois muitos casos não são registrados. E, ainda segundo a OMS, os homens se matam cerca de sete vezes mais que as mulheres, mesmo estas fazendo mais tentativas.

A prevenção existe

Em março de 1962, o CVV foi fundado em São Paulo. O principal objetivo é prestar apoio emocional às pessoas que estão se sentindo propensas ou determinadas a pra-ticar o suicídio. Esse apoio pode ser realizado por carta, e-mail, telefone, disponível 24 horas por dia, ou pesso-almente em qualquer um de seus 41 postos distribuídos pelo Brasil.

O CVV de Brasília recebe cerca de 600 ligações mensais. Estima-se que a cada 35 segundos ocorra uma chama-

Pesquisa realizada pelo Campus mostra que separados lideram o ranking de suicídios no Distrito Federal.

Especialistas desconhecem dados, mas recomendam discussão do tema sem tabus

Reportagem midiaticamente correta

De acordo com a cartilha Prevenção do suicídio: manual para profissionais da mídia, produzida pela OMS no ano 2000, reportagens que tratam de es-tatísticas, como esta, têm um papel proativo na prevenção do suicídio. Esta reportagem também se encaixa nos padrões de impacto da cobertura de suicídios pela mídia e nas precauções no uso de da-dos sobre o suicídio.

Mai Dornelles

do Cavaquinho e, mais tarde, da viola, do violão, do bandolim, do pife, do pandeiro, do bongô.

Em 2008, Carrapa concluiu o curso de licenciatura em Música pela UnB. O diploma, o reconhecimento oficial de suas habilidades, havia atraído o musicista para a sala de aula. “Na universidade, você tem uma visão diferente da música. Vale a pena, sim”, afirma Carrapa, que teve de estudar piano, além de cursar disciplinas obrigatórias em outros departamentos, como Desenho 1 e Fundamentos da Linguagem Visual. A professora Maria Luiza acredita que a UnB dá ao autodidata a oportunidade de ampliar a sua formação. “Ele pode ser uma pessoa muito focada, muito especializada, muito fechada naquilo que fez muito esforço para conseguir. [Na Universidade] Ele pode sair desse lugar e experimentar outras coisas”, explica. v

QUESTÃO DE ALIANÇA

O Centro de Valorização da Vida (CVV), localizado na 702 Norte,

funciona 24 horas por dia

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no Rio Grande do Sul

Os separados que tiram a própria vida

a cada 100 mil habitantes, entre 2000 e 2007

136100

em Goiás

81no Espírito Santo

61em São Paulo

da para algum posto do CVV no Brasil. Isso não significa que cada ligação seja de alguém à beira de cometer o suicídio, mas mostra o grau de solidão, angústia e desespero em que vive grande parcela da população brasileira.

Há pouco tempo, o suicídio não era visto como um problema de saúde pública por se tratar de um número pequeno compa-rado com os altos índices de mortalidade por outras causas no Brasil. Entretanto, a necessidade de se discutir a violência, de modo geral, trouxe à tona a questão da morte voluntária.

Em agosto de 2006, a Secretaria de Aten-ção à Saúde, órgão do Ministério da Saú-de, implementou as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, contando com o CVV e várias outras instituições como membros do grupo de trabalho. As diretrizes propõem ações de promoção da qualidade de vida, proteção, recupe-

ração da saúde e de prevenção de danos. O objetivo é reduzir as taxas de suicídio, tentativas e danos associados ao proble-ma, além do impacto e do trauma provo-cados pelo suicídio na família, no merca-do de trabalho, na escola e na sociedade.

As diretrizes compõem a Estratégia Na-cional para Prevenção do Suicídio. Elas tentam trabalhar em todos os sentidos e possibilidades para evitar o suicídio. Ne-las, desenvolvem-se estratégias para que a população tenha acesso a cuidados inte-grais em diferentes tipos de terapias e em todos os âmbitos de educação, de prote-ção e recuperação da saúde do futuro ou potencial suicida.

A informação é outra aliada para a pre-venção. Com ela é possível sensibilizar a sociedade para o fato de o ato de tirar a própria vida ser um problema de saúde pública e poder ser prevenido. Dentro das diretrizes está incluído o desenvol-

vimento de métodos de coleta e análise de dados sobre o suicídio para a produ-ção de material de disseminação das in-formações e dos conhecimentos sobre o assunto. E, por fim, também faz par-te das diretrizes promover a educação permanente dos profissionais de saúde para a identificação de características de comportamento suicida em seus pacien-tes e o encaminhamento adequado para o tratamento.

O Ministério da Saúde informou, por meio da assessoria de Comunicação, que ainda não têm dados que indiquem se as diretrizes têm contribuído para reduzir o problema. O próximo passo nessa trilha é elaborar o Plano Nacional para Prevenção do Suicídio, com novas parcerias e projetos pilotos em ações estratégicas. Também segue o intercâm-bio de informações e cooperação técni-ca sobre o tema com outros países da América Latina. v

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Setor Comercial Sul

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O AVESSO DA CIDADE

Gustavo Aguiar

Marcella Mattos

As 90 mil pessoas que se cruzam todos os dias pelo Se-tor Comercial Sul (SCS) não têm nem rosto, nem nome – só profissão. Da convivência cinza que evapora do mundo de concreto, o ar que todos absorvem é o da lei da sobrevivência. No centro de Brasília, só resiste quem abre a mão para os negócios e fecha os olhos para o lixo social.

Era 1976 quando Antônio Linhares chegou à capital fe-deral. O cearense desembarcou no centro comercial da cidade carregando tudo o que tinha: uma escova, um tubo de graxa, o caixote de madeira e 10 anos de idade. Há 33 está no mesmo lugar. Os olhos atentos do engraxate são de quem sabe com exatidão tudo o que acontece em volta. Tráfico de drogas, roubo, assalto e estelionato são crimes comuns registrados no Batalhão de Polícia Militar (1º BPM). Sobre isso, no entanto, Antônio não fala. “A gente não pode abrir a boca, tem que ficar calado”. Ele

aprendeu, sozinho, a lei natural do lugar que o acolheu.

Muito mudou enquanto Antônio crescia e via o SCS crescer. A região, de 50 mil m², foi planejada para funcionar como um núcleo comercial durante o dia e movimentar bares e restaurantes duran-te a noite. Em vez disso, quem tomou as amplas praças e galerias do SCS foram os mendigos, moradores de rua, flaneli-nhas e crianças. Em 2008, cerca de 500 camelôs foram transferidos para o então recém-inaugurado Shopping Popular, ao lado da Rodoferroviária. Mas, aos poucos, estão voltando. Para eles, vender no cen-tro de Brasília é mais lucrativo.

No SCS, a maior disputa é por espaço. São mais de 2,5 mil empresas e estabe-lecimentos comercias. Na falta de lugar para estacionar, buscam-se as calçadas e os canteiros. Numa área espremida entre

grandes hotéis e o principal hospital da cidade, o som das buzinas mistura-se aos anúncios da oferta do dia. Os prédios in-charam de executivos e pedintes. O co-mércio cresceu e se estabeleceu não só para o mercado formal, mas também para o de rua e, principalmente, para o tráfico de drogas e de gente.

Felicidade em latinha

Engravatados, estudantes, comerciantes, garis, flanelinhas, traficantes, travestis e policiais – tem de tudo no SCS, a qual-quer hora. O vigilante Daniel Cunha che-ga às 7h para trabalhar. Sai às 19h, nunca mais do que isso. Hoje ele quer esquecer os sete meses em que cumpriu a escala noturna. “É horrível. Tem prostituição, drogados, roubo, tráfico, tudo”. Para ele, o pior são as crianças e adolescentes que se submetem à exploração sexual em tro-ca de crack. Segundo o sargento Bruno, do 1º BPM, uma pedra de 2g da droga custa menos de R$ 3.

Às 21h de uma quinta-feira, o centro co-mercial ainda não se esvaziou. A igreja na quadra 2 está cheia, não há vagas no esta-cionamento e alguns executivos encerram o expediente. Enquanto isso, a turma do curso de brigadistas de incêndio come-mora o último dia de aula. Treinando a técnica de rappel, eles descem pela jane-la do 1º andar de um prédio. Mas estão sob alerta porque sabem dos perigos que a noite oculta. No SCS há sempre a sen-sação de que tudo está escondido. Os prédios altos e a má iluminação parecem isolar o submundo estampado nos muros de grafite.

Dois dias antes, Gisele Guimarães, uma das alunas do curso, viu de perto um assal-to a poucos metros do posto policial. Ago-ra, nem a moça nem os colegas percebem, à mesma distância, um rapaz maltrapilho que se camufla no chão sujo das escadas.

Sentado, ele se curva sobre o próprio cor-po para sugar o crack, e a algazarra da tur-ma abafa um grito de fissura pela droga.

O SCS abriga centenas de moradores de rua. Muitos, por opção. Embaixo de árvores, nos estacionamentos, crianças disputam com os flanelinhas mais velhos espaço e clientes. O dinheiro que ambos conseguem juntar é gasto com drogas. Segundo o soldado Sérgio, do 1º BPM, muitos têm lar e família, mas preferem o acesso fácil ao crack e à cola. Porém, os filhos do SCS nunca estão sozinhos. A ro-tina deles é acompanhada de uma latinha sem refrigerante.

Alex... Alexia

Ter nome é só um detalhe. Importante é o que se oferece e o quanto se tem para pagar. Natasha não tem sobrenome e nem sempre atendeu por esse apelido. A travesti de 24 anos se prostitui há cinco no mesmo ponto, na entrada principal da quadra 4. Natasha indica, a poucos metros de si, o que ela chama de “ala das feias”. Do outro lado da galeria, mais travestis estão à espera do aluguel. Até elas se confundem ao falar o nome das companheiras de noite. “É Alex... Ale-xia”, uma diz. Alexia cruza os braços, indignada com o equívoco.

Vaidosa, Natasha se preocupa em estar sempre impecável. Pelas ruas, desfila os cabelos lisos e loiros, perfume doce, pou-ca roupa, piercing no umbigo e plásticas feitas em São Paulo. Salário, ela já não soma mais. O frio não a incomoda. Medo que a todos assombra sequer a preocu-pa. Para Natasha, viver é o que importa. “Eu vivo muito. E vivo bem” – lá ou em qualquer lugar onde Brasília também está travestida de cidade grande.v

* Dados divulgados pela Prefeitura do Setor Comer-cial Sul com base em pesquisa de 2007.

O expediente nunca acaba em um dos centros comerciais mais tradicionais da capital do país, onde caixas de engraxate convivem

com ternos, gravatas, pedras de crack, saltos e silicones

O comércio mais do que informal preenche as noites do Setor Comercial Sul

Dia dos Namorados: o amor em 140 caracteres

“Eu? Com ciúmes? Imagina! #mentindoem4palavras”

@Humor_Feminino, twitter coletivo, aderindo à brincadeira de mentir em poucos caracteres

“Acho que, se eu morrer agora, nem a terra me come.”

@cherguevara, twitteira solteira e desesperada

“O Rio só tem inverno a cada 4 anos. E cai no outono, na semana em que a Fátima embarca pra Copa.”

@realwbonner, twitter do jornalista William Bonner, com saudade da amada que está cobrindo a Copa na África

“O amor não é compartilhar absolutamente tudo com o outro. O nome disso é comunismo.

O amor é outra coisa.”@naoehamor, twitter humorístico

“Misturei Activia com o Dia dos Namorads e fiz das tripas coraçãozis. ;)”

@MussumAlive, twitter fictício do humorista Mussum, contribuindo com a corrente que virou mania na rede social

Flá

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Bo

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