Campus - edição 380

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ano 42 edição 380 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | De 15 a 21 de maio de 2012 APÓS O EXPEDIENTE, AS GRADES De cada dez presos em regime semi-aberto no DF, oito trabalham edicao_3.indd 1 5/11/12 12:21 PM

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Campus é o jornal laboratório dos alunos de jornalismo da Universidade de Brasília

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ano

42 edição

380CAMPUSJornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | De 15 a 21 de maio de 2012

Após o expediente, As grAdesDe cada dez presos em regime semi-aberto no DF, oito trabalham

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opinião

ombudsman

Memória

erramos:

Há quase 20 anos, na edi-ção nº169 de outubro de 1992, o Campus mostrava o trabalho da Fundação de Amparo ao Trabalha-dor Preso (Funap-DF) na matéria Fundação profissionaliza os detentos. A Fundação mantinha uma padaria e uma alfaiataria dentro da Papuda, onde mais de 600 presidiários tra-balhavam. Na alfaiataria, na época uma das maiores de Brasília, eram produzidas de três a quatro mil pe-ças por mês. Os presidiários faziam

A batata do Código Florestal está assando há um bom tempo. Participaram da receita os ruralistas, os ambientalistas, os progressistas e qualquer outro “ista” que quisesse uma pitada de polêmica. A última etapa foi a mais picante: quando os conformistas achavam que o texto aprovado no Senado – que já não era grande coisa- poderia ser um meio-termo, a Câmara teve uma crise de egocentrismo e resolveu fazer as alterações que bem entendesse. E fez, irritando ainda mais os extremistas. Assim, os ingredientes da mistura transformaram a batata quente em bomba-relógio. Nem os governistas ruborizaram de passar o problema para o Planalto.

Eu, que sou alarmista, não escondo: esse jogo já começou todo errado. Enquanto muitos ativistas faziam vodu do Aldo Rebelo e acendiam meia dúzia de velas na frente do Congresso, eu me perguntava: “Mas por que diabos foram mexer no texto antigo!? E como o texto novo saiu tão rápido do Congresso!?” O lobby é uma mágica.

Eu sinto muito pelos otimistas, que acham que uma lei é suficiente para salvar a selva; e me identifico com os pessimistas, tanto que já providenciei meu tubo de oxigênio para sobreviver à era da “floresta zero”. Mas, sinceramente, vou fazer que nem os políticos: me abster da discussão e esperar a Dilma decidir alguma coisa. No fundo, não me interessa muito se foi o gado que invadiu as matas ciliares ou se foi a selva que invadiu o pasto há milênios, o que eu quero mesmo é saber se essa batata vira purê ou fritas.

Editora-chefe Marina Dutra Secretária de Redação Isabela MaiaDiretora de Arte Mariana CapeloProjeto Gráfico Carolina Pereira, Ellen Rocha,Luisa Bravo, Mariana Capelo, Patrick Cassimiroe Thiago LimaJornalista José Luiz Silva Professores Sergio de Sá e Solano NascimentoISSN 2237-1850Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala NorteCEP 70.910-900 Telefones (61) 3107.6498/6501E-mail [email protected]áfica Palavra ComunicaçãoTiragem 4 mil exemplares

colunista fictício criado para ironizar situações cotidianas

por | MArinA dUtrA

por | pedro AUgUsto CorreiA

uniformes para a Polícia Militar, Bombeiros, Novacap e o próprio presídio, e, com o trabalho, além de reduzirem a pena em um dia a cada três trabalhados, recebiam três quartos de um salário mínimo. O pagamento ia parte para os presos, parte para a família e outro mon-tante para uma poupança que seria resgatada logo que cumprissem a pena. O que tornava a procura de emprego dentro do presídio maior do que a oferta.

*Termo sueco que significa “provedor de justiça”, oombdsman discute a produção dos jornalistas a

partir da perspectiva do leitor

Durante todo o mês de maio, 30 cidades brasileiras serão palco da Marcha da Maconha, manifestação que tem por objetivo a legalização da droga no país. Em Brasília, o protesto está marcado para o próximo dia 25. A marcha já foi alvo de ações judiciais que questionavam a sua legalidade e trata de um tema de difícil discussão. Mais importante que legalizar ou não a maconha é discutir se o Brasil está preparado para a mudança. O sistema de repressão tráfico e ao consumo está saturado, não é eficaz e, muitas vezes, colabora com o crime, pois a própria repressão valoriza a droga, o que torna o tráfico atraente.

A cada dia, morrem milhares de jovens vítimas do tráfico, as crianças são cada vez mais cedo aliciadas para o crime, e, apesar dos milhões gastos todos os anos no combate ao narcotráfico, o consumo aumenta em todas as classes sociais e o comércio, antes restrito aos traficantes, se infiltra na polícia e na política. As cadeias, grandes

escolas do crime, estão repletas de viciados que não precisam de repressão social e sim de tratamento para se livrarem do vício.

Nenhum pai deseja que seu filho entre em contato com as drogas, sejam elas lícitas ou não. No entanto, assim como acontece com o álcool, é melhor que um jovem consuma essa droga de forma consciente, sabendo de onde ela veio e para onde o dinheiro dele vai, do que ficar nas mãos de traficantes. Danos existirão, do mesmo modo que existem com o álcool ou com o tabaco, mas o país deve usar estratégias para administrar e lidar com eles da melhor forma. Por mais que seja complicado comparar o Brasil com a Holanda, pioneira na legalização, é importante se inspirar em exemplos como os de Portugal e Espanha que já estão dando alguns passos no sentido de descriminalizar a maconha. Mesmo que a legalização demore a acontecer, é inegável a importância do debate do tema.

Na matéria Dentro da invasão, fora da escola, da edição nº378, o Campus informou que o Caic do Areal tinha 30 alunos que moravam na invasão. O número correto é 20 WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE

ACESSO O CAMPUS ONLINE

Na edição 379 do Campus, os repórteres deixaram de lado qualquer critério de noticiabilidade. É preciso escolher melhor quais assuntos têm força para estampar as páginas do jornal.

Ecologia se aprende brincando é um show de frases bonitas que não dizem nada. O ápice é a definição de ecopedagogia como “a proposta de promoção da aprendizagem do sentido das coisas na vida cotidiana”.

Em uma cesta de guloseimas, o sustento de muitos peca no início, com um lide extremamente burocrático. Ainda assim, o texto cria um rico panorama dos vendedores ambulantes de doce. O repórter acertou na escolha das fontes, que trouxeram visões diversificadas sobre a profissão.

Brasília entra em cena sofre com a falta de foco. A reportagem não traz nada de inédito e ficou com cara de release da Escola de Teatro Musical de Brasília.

Apesar do texto divertido, Internet facilita o desafio de morar só é baseada em impressões da repórter e dos entrevistados. O leitor sente falta de mais exemplos de páginas da internet que possam ajudar os jovens que moram sozinhos.

A coluna Fala, Rovérsio encaixou. O texto parece tirar um pensamento da cabeça dos estudantes da UnB. Na última página do Campus, o leitor encontra um perfil muito bem resolvido, para o pouco espaço que lhe é destinado. O perfilado é uma incógnita e certamente despertou a curiosidade dos leitores. Isso é notícia.

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educação

reportagem | CAroLinA pereirAdiagramação | FABiAne gUiMArÃesedição | pALoMA sUertegArAY

tro de casa. Um dia fez comigo. Ela repetia tudo que a pro-fessora Cláudia falava em sala, isso mostra que ela está gostando”, conta. Outros pro-fessores também estão tentan-do implementar algumas técnicas em turmas com idades distintas, mas de maneira particular e ainda tímida. A coordenadora pedagógica Ana Maria Mayr ressalta o interesse da escola na am-pliação da prática: “Estamos tentando montar um grupo de professores para fazer um curso so-bre meditação. A professora Cláudia está saindo do país e não queremos que a prática se encerre”. Ainda assim, a coordenadora afirma que cada professor poderá escolher se quer ou não realizar a atividade em sala de aula.

O s alunos da turma do segundo ano B da Escola das Nações chegam do intervalo agitados e são recebidos com meditação. Apesar das vozes con-trárias, a professora tenta acalmá-los. Luzes são

desligadas e olhos, fechados. A professora começa contan-do números, junto com a respiração mais profunda: cinco, quatro, três… inspira e expira. O silêncio, aos poucos, se torna absoluto.

A meditação vipassana é usada pela professora Cláudia Porto há quase um ano na turma. Trata-se de uma técni-ca budista baseada no trabalho da atenção e da respiração com o objetivo de treinar a mente. A ideia é aumentar a concentração dos alunos. “É normal que crianças dessa idade tenham mais dificuldade de se concentrar. Elas não param quietas”, explica. “Voltam muito agitadas e o que eu faço em sala de aula é reunir algumas técnicas que melho-ram a atenção dos alunos.”

A ideia surgiu depois que Cláudia fez um curso de meditação e notou que poderia aplicar algumas das téc-nicas aprendidas para as turmas nas quais leciona. Com melhora visível do rendimento de grande parte dos alunos, a proposta chamou a atenção da coordenadora pedagógica do Fundamental 1, Ana Maria Mayr, que decidiu imple-

mentar a prática de meditação em outras turmas da escola. “Percebemos bons resultados, tanto acadêmicos como so-ciais, principalmente relacionados à atenção e concentra-ção dos alunos”, afirma. A professora Cláudia ressalta: “A turma toda melhorou o rendimento, mas isso é mais visível em alunos com algum tipo de dificuldade, tanto emocional como de aprendizado”.

Estudos recentes comprovam os benefícios da medita-ção para crianças e adolescentes. Um deles, publicado no British Journal of Educational Psychology, revela o melhor desempenho acadêmico de crianças que meditam regular-mente e comprova que elas desenvolvem maior tolerância, noções de ética e criatividade. Nos Estados Unidos, cerca de 200 mil crianças, tanto de escolas públicas como priva-das, praticam com frequência a meditação dentro das salas de aula.

nA prAtiCANa turma do segundo ano B, a professora Cláudia ven-

ce a primeira etapa, com os alunos já bem mais envolvidos. Em seguida, começa com a parte voltada a conhecer o pró-prio corpo. “As crianças têm mais dificuldade de formar imagens abstratas do corpo, por isso peço que toquem em cada região. Quando essa meditação é feita em adultos, eles apenas imaginam o local, com criança não dá, eles têm que tocar no corpo para entender”, conta Cláudia.

A professora então se dedica a trabalhar a atenção aos sentidos. “Sempre tento trazer algo novo que desperte o sentido das crianças, seja pelo tato, audição, ou mesmo o paladar. Tenho que inventar coisas novas sempre”, descre-ve. “Às vezes, lanço perfume na sala para eles sentirem o cheiro, ando com uma música perto deles e trago alguma surpresa.” Logo após lidar com os sentidos, inicia-se a eta-pa do contato. Cláudia e uma professora assistente passam por cada criança, tocando-as. Por fim, mais alguns segun-dos de respiração mais intensa e está encerrada a prática. Foram 15 minutos de meditação.

Alguns alunos reclamam. Guilherme Cruz, 7 anos, é um deles. “Não gosto de fazer não, mas depois fico bem mais calmo. A parte que eu gosto é a do toque e a surpresa.” Já Ana Rita, 7 anos, é visivelmente uma das alunas mais interessadas na atividade. “Adoro fazer meditação, pois fico muito mais concentrada nas atividades que faço depois. Acho que é porque eu me sinto bem comigo mesma e por isso faço melhor as tarefas que a professora passa”, destaca. A afirmação de Ana é confirmada pela professora “Per-cebemos uma melhora acentuada na produção individual dos alunos. Os textos são mais longos, com menos erros e até com a letra mais bonita”, comenta Cláudia, mostrando a produção dos alunos antes e depois da meditação.

Com a melhora acadêmica, a meditação recebe a apro-vação dos pais. Amelia Chandler, mãe de uma das alunas da turma, se mostra satisfeita com os resultados. “Minha filha adora fazer meditação na escola, trouxe até para den-

MAÍRA NUNES

depois do recreio, a calma budista

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Uma das fases da meditação realizada pela professora Cláudia Porto com seus alunos usa o toque para trabalhar a consciência corporal

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Na Escola das Nações, professores usam meditação para aumentar a concentração e melhorar o rendimento das crianças

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trabalho

Contrata-se, prende-se e descrimina-se

DF emprega 77% dos detentos em regime semi-aberto. Apesar do alto índice, o processo de reinserção vem acompanhado de preconceito

reportagem | eLLen roCHA e LAis Mendesdiagramação | MAriAnA CApeLoedição | pALoMA sUertegArAY

Eles saem do presídio cedo para chegar pontual-mente, às 8h da manhã, ao trabalho. São levados numa kombi para tapar buracos, consertar calça-das e construir cercas em Taguatinga. Tudo isso

com a presença de supervisores. “Como não sabemos muito do serviço, eles acompanham e ensinam”, conta Sebastião*, 45 anos. “Até que são gente boa, mas pegar mesmo no batente, é só a gente. São cinco para olhar e mais de vinte para trabalhar.” Ele é um detento em regi-me semi-aberto – quando o sentenciado retorna à prisão somente para passar noite – e foi recentemente contrata-do pela Administração Regional de Taguatinga.

O sistema penitenciário do Distrito Federal (DF) conta com 1.006 detentos em regime semi-aberto, dos quais 782 trabalham. O índice contrasta com o de outras unidades da federação. Em Goiás, são 2.130 detentos em

regime semi-aberto. Dos 352 que dormem no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, a maior concentração de detentos do estado, pouco mais da metade trabalha.

No Distrito Federal, os detentos possuem duas op-ções de trabalho: na área pública ou em empresas priva-das. Para terem acesso a vagas do governo, eles precisam

procurar a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), responsável por mediar o contato entre o tra-balhador e o órgão contratante. Já o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) trata das vagas em empresas particulares. “A empresa que vem até aqui traz uma vaga para ser preenchida por determinado preso. E, normalmente, possui ou já possuiu algum vín-culo com o sentenciado”, conta Fabiana Pacheco, assis-tente social do TJDFT.

No mês de março, a Administra-ção Regional de Taguatinga firmou convênio com a Funap para contra-tação de 40 detentos, com salários de cerca de R$ 650 mensais. Esses trabalhadores foram convocados para integrarem a equipe que faz trabalhos na rua. “Apenas oito pes-soas estavam trabalhando nessa equipe. Fizemos o pedido à Funap porque contratar trabalhadores pre-sos é mais rápido do que abrir um concurso ou fazer licitação para ter-ceirizar o serviço”, justifica Mário Amaral, diretor de Administração Geral de Taguatinga.

Por enquanto, apenas 24 senten-ciados estão trabalhando porque as outras 16 vagas são reservadas aos que têm especialização ou experiên-cia em determinados serviços, como marceneiros e pedreiros. Quando es-tão em regime fechado, os detentos têm acesso a cursos de ensino técni-co e regular oferecidos pela Funap, mas muitos reclamam da qualidade das aulas. “Fiz curso de informática e terminei o segundo grau dentro do presídio, mas os cursos são muito te-óricos, não ajudam na prática”, relata Wellington*, 28 anos, um dos con-tratados para trabalhar em Tagua-tinga. “Quando voltamos a trabalhar, temos que recomeçar do zero.”

HORARIONo contrato firmado entre a Funap e a Administração de

Taguatinga, o horário seria de 9h às 19h com duas horas de almoço. Para os detentos não chegarem ao presídio atrasados, foi preciso adaptar a jornada de trabalho: eles começam às 8h e, com apenas uma hora de almoço, saem às 17h. Assim, garantem a entrada no presídio às 18h30, horário-limite es-tabelecido pelo Centro de Progressão Penitenciária (CPP).

Mário Amaral valoriza o trabalho dos detentos na instituição e defende a importância do serviço realizado.

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Órgãos públicos procuram a Fundação para oferecer empregos aos detentos. das 41 entidades conveniadas com a Fundação, apenas 3 são provadas.

Geralmente os familiares dos setenciados procuram o TJDFT quando encontram uma vaga para o detento. Há casos em que o empre-gador quer contratar deter-minado detento e procura o tribunal.

Os contratos de trabalho são regidos pela Lei de Execução Penal nº 7.210/1984. A Lei determina: o trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podenso ser infe-rior a 3/4 do salário mínimo, ou seja, R$ 466,50.

Xerox, manutenção e con-servação predial e organi-zação de arquivos

“Não há acompanhamento psicológico. Só orientamos o reeducando sobre como agir no local de trabalho”, afirma a gerente psicosso-cial Dilamar Costa.

“Só oferecemos apoio psicossocial aos detentos, familiares e emprega-dores na etapa inicial da contratação”, informa a psicóloga Marie Elize Couto.

Alimentação, oficina mecânica, serviços gerais.

FUNAP TJDFT

ELLEN ROCHA

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Contrata-se, prende-se e descrimina-se

“Preciso aproveitar ao máximo esse trabalho e me

dedicar cada vez mais para conseguir reconquistar meu

espaço na sociedade”

Além da rígida pontualidade, tanto detentos como contratantes enfrentam fiscalização durante o serviço. “Eles não podem fazer hora extra nem ter funções que exijam deslocamentos imprevistos da área de trabalho”, explica Dilamar Costa, gerente psicossocial da Funap. “Essa situação acaba comprometendo serviços principal-mente nas empresas privadas, que querem ter uma auto-ridade sobre o preso, impossível de existir.”

PRECONCEITOPara os sentenciados, voltar ao mercado de trabalho,

ainda cumprindo pena, representa uma nova oportu-nidade de vida. “Eu preciso aproveitar ao máximo esse trabalho e me dedicar cada vez mais para conseguir re-conquistar meu espaço na sociedade”, afirma Priscila, que antes de entrar na Funap trabalhou como assistente em uma clínica odontológica.

No trabalho anterior, os clientes não sabiam que Priscila era uma reeducanda, termo usado pela Funap e por entidades sociais como alternativa para minimizar a discriminação a detentos. Os funcionários tinham co-nhecimento da situação e pareciam incomodados com a condição de Priscila. “As pessoas sempre têm receio, o que diminui o respeito. Por isso, o que conta é passar confiança para todos.”

Sentenciados que trabalham nas obras de Taguatinga, contratados pela Administração Regional, reclamam do modo como são tratados por outros servidores. “Já teve departamento em que tentamos entrar e fomos barra-dos”, queixa-se Lucas*, 33 anos, detento em regime semi-aberto. Sebastião acrescenta: “Quando a gente vai lá, alguns servidores não nos cumprimentam direito, mal respondem o nosso ‘bom dia’”.

De acordo com Mário Amaral, diretor da Administra-ção Regional, os detentos são tratados como os funcio-

nários da casa. “Até hoje não tivemos nenhum problema com eles por atraso ou desrespeito. Estamos satisfeitos”, afirma. Alguns chefes se dirigem aos subordinados como “funapeiros”. O apelido não é problema para o grupo de detentos. “Podem chamar a gente do jeito que for. Pagan-do no dia certo, já está bom”, diz Michel.

PENA MENOR “Com o regime semi-aberto e com as opções de tra-

balho que ele oferece, consegui conhecer várias pessoas e fazer contatos para poder voltar ao mercado de trabalho quando a pena acabar”, explica Priscila*, 21 anos, que está

há apenas dois meses em regime aberto e há seis como assistente administrativa na Funap.

A cada três dias de trabalho, o preso em regime semi-aberto reduz em um dia a pena. Francisca*, 40 anos, há quatro meses no semi-aberto, trabalhou por mais de dez anos como copeira numa instituição pública de Brasília. Ela sempre agradece a oportunidade do novo emprego – copeira da Funap. “Com o dinheiro que eu ganho, ajudo minha família. Tenho algo para ocupar minha mente e reduzo minha pena. Além disso, aqui não tem discriminação”.

A preocupação em ajudar vem junto à responsabilida-de de assumir um emprego externo. “Depois que a gente passa para o semi-aberto, a família cobra mais que a gen-te sustente: pague as contas, aluguel, creche”, conta Mi-chel*, 22 anos, detento contratado pela Administração de Taguatinga. “Quando os salários atrasam, o que acontece quase sempre, as famílias desconfiam que nós estamos gastando a toa, com cachaça”, reclama Samuel*, 27 anos.

Ainda que o trabalho traga inúmeros benefícios, Dila-mar Costa, gerente psicossocial da Funap, enfatiza que o índice de reincidência no Brasil se mantém alto, na casa dos 70%. “Esse número é uma estimativa, já que é impos-sível fazer cálculos com base em ex-detentos que voltam ao crime, mas não são pegos”. Michel relata que o atraso e o baixo valor do salário são os maiores motivos para reincidências criminais. “Muitos dos que eu conheço que trabalharam cumprindo pena voltaram para o crime”, conta. “Como não nos pagam em dia, não tem por que agir certo na hora que falta o dinheiro.”

*nomes fictícios

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esporte

o polêmico esporte herdado do nordeste Vaquejada é praticada em 20 pistas

do Distrito Federal e se torna tradição em famílias de migrantes e seus descendentes

reportagem | LAUrA VeridiAnAdiagramação | AnA pAULA LisBoAedição | pAULinA dAnieL

Em cima do trio elétrico, Denival Rodrigues muda a voz, a postura e o nome. Feinho, como todo mun-do o chama, tem 25 anos e é narrador profi ssional de vaquejada há dois. Quando pega o microfone,

a voz engrossa e a fala vai saindo assim meio cantada, meio rimada, e rápida para acompanhar a adrenalina do esporte. Passando Planaltina, na BR-010, quase na divisa de Goiás, mais de cinco mil pessoas acompanham de ou-vidos e olhos bem abertos a 5ª Grande Vaquejada do Par-que Maria Luísa. Feinho anuncia o primeiro “rodízio”.

Na pista, dois cavaleiros e um boi. A dupla de vaqueiros, como são chamados os competidores de vaquejada, vai tentar emparelhar o boi entre os cavalos e conduzi-lo a uma faixa no fi nal da pista, com extensão de 10m de largura. Lá, o boi deve ser derrubado pelo rabo. Se cair dentro da área delimitada, com as quatro patas para cima, o juiz anuncia “Valeu boi!” e a dupla ganha pontos. Cada vaqueiro tem a sua função na dupla. O “batedor de esteira” é responsável por manter o boi na faixa, enquanto o “puxador” tenta derrubá-lo. A dupla que ganhar mais rodízios, ou seja, derrubar mais bois dentro da faixa, ganha a vaquejada.

Existem, aproximadamente, 20 parques de vaquejada no Distrito Federal e cerca de 200 vaqueiros. O esporte de origem nordestina está arraigado no seio de algumas famílias como uma das mais antigas tradições. Miguel Aguiar tem 53 anos, ostenta um farto bigode sem ne-nhum fi o branco e foi um dos pioneiros da vaquejada no DF. Mudou-se da Paraíba para Brasília no fi nal da déca-da de 1970 e por volta de 1980 foi um dos responsáveis por articular com o então presidente da República, João Batista de Oliveira Figueiredo, a construção da primeira pista de vaquejada em Brasília, na Granja do Torto. Nos anos 80 e 90, Aguiar competia. Foi campeão no Rio, em São Paulo e na Bahia. Hoje, tem seus próprios vaqueiros e o antigo vício ainda o faz viajar pelo Brasil todo para assistir a vaquejadas dos amigos. “É um esporte que só existe no Brasil. É típico nosso, do Nordeste.”

Artur Aguiar é o xodó do avô Bio. O garoto corre desde os oito anos e já ganhou prêmios em vários estados

Afi rmar que a vaquejada é um vício para algumas pes-soas não é exagero algum. Na família de Severino Pe-reira Barbosa, de 61 anos, cunhado de Miguel Aguiar, são poucos os que não são fãs do esporte. A paixão veio da Paraíba e Bio, como é chamado pelos amigos, traba-lha com vaquejadas há 25 anos. Quando era mais novo corria, hoje é dono do parque Redentor Ranch, onde acontece uma das maiores vaquejadas do DF. A quinta edição da Redentor Ranch está marcada para os dias 5 a 8 de julho e faz parte do Circuito Nacional de Vaquejada Yamaha. Os prêmios reúnem um carro 0km, 20 motos e R$ 10 mil em dinheiro. Bio espera 600 duplas inscritas. Ailton Aguiar Barbosa, fi lho de Bio, ajuda o pai na orga-nização do evento.

É senso comum entre as pessoas do meio que a vaque-jada é uma manifestação cultural que precisa ser mantida. Os organizadores reclamam da difi culdade em conseguir patrocínio e do preconceito de alguns setores da socieda-de que criticam o esporte alegando haver maltrato de ani-mais. “É uma festa popular, com música típica. O GDF não ajuda em nada, a gente tem que arcar com tudo”, re-clama Bio. Mas se o GDF não ajuda, tem quem ajude. As faixas amarelas ao redor da pista do Parque Maria Luísa agradecem a supermercados, rádios e lojas da região. O trio elétrico que sustenta Feinho e sua voz retumbante é da campanha eleitoral de uma pré-candidata a vereadora, que patrocina o evento.

De lá, Feinho continua a narração, e anuncia a entrada de Artur Aguiar, na égua Sabrina, presente do avô Bio, que vale R$ 80 mil. O jovem de 16 anos já ganhou vários prêmios correndo vaquejadas em estados como Bahia, Minas, Goiás e Tocantins. Na 5ª Grande Vaquejada do Parque Maria Luísa, Artur fi ca em terceiro lugar na cate-goria profi ssional. Desta vez, foram os vaqueiros do Ran-cho Tiney, de Tocantins, que levaram o prêmio pra casa.

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Na vaquejada, as duplas de peões tentam emparelhar o boi entre os cavalos e conduzi-lo a uma faixa no fi nal da pista. O boi deve ser derrubado pelo rabo com as quatro patas para cima. Na foto os vaqueiros Neném e Vinícius representam o Parque Maria Luísa durante o fi m de semana dos dias 5 e 6 em Planaltina

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economia

Se a fi nalidade dentro da pista de areia é derrubar o boi, fora dela o que se espera é lucro

reportagem | isABeLLA tonHÁdiagramação | AnA pAULA LisBoAedição | pAULinA dAnieL

Acada mês acontece, em média, uma vaquejada no Distrito Federal. Um parque de vaquejada costu-ma realizar apenas uma por ano porque todos os proprietários devem estar presentes nos eventos

dos outros parques. Assim funciona a política de boa vi-zinhança.

A maior parte dos vaqueiros que corre vaquejada no DF não tem cavalo. Cada vaqueiro ganha, em média, um salário mínimo (R$ 622) para competir pelo dono de al-gum cavalo, o chamado chefe de equipe. Dependendo do acordo, o vaqueiro pode fi car com 30% ou 50% do valor do prêmio conquistado na disputa. Na maior festa de vaque-jada do país, no município de Serrinha, na Bahia, a pre-miação gira em torno de R$ 350 mil. Na competição do Parque Maria Luísa, próximo à Planaltina, nos dias 5 e 6 deste mês, o prêmio para a dupla ganhadora do primeiro lugar foi de R$ 2 mil.

De acordo com o proprietário do Parque Jacarandá, que fi ca próximo à região de Brazlândia, Paulo Souza, o que se ganha na vaquejada não é o valor da premiação, mas espa-ço para mostrar o vigor e a qualidade do cavalo, o que pode garantir a sua venda ou a comercialização de seu sêmen, que custa em torno de R$ 5 mil. Um bom cavalo de vaque-jada vale de R$ 50 mil a R$ 300 mil. Apesar das despesas com tratador, ração, aluguel de baia e assistência veteriná-ria, esses animais geram boa rentabilidade aos donos.

No Distrito Federal, um evento pode movimentar cerca de R$ 75 mil por mês. O proprietário do Parque Maria Luísa, Leomar Barbosa, esperava vender quatro cavalos, no valor de R$ 20 mil cada, na vaquejada realizada em seu parque. O evento contou com aproximadamente 100 du-plas de vaqueiros, com cada inscrição, chamada de senha, custando R$ 350 e duas saindo por R$ 500. Para organizar a vaquejada, Barbosa conta que gastou por volta de R$ 13 mil, além de R$ 85 mil na compra dos bois que seriam derrubados. Ele explica que, após a competição, revende o gado comprado. Contabilizando o dinheiro que entra e o que sai, Barbosa estaria, no fi nal de sua vaquejada, com aproximados R$ 100 mil de lucro.

Paulo Souza conta que gastou em torno de R$ 50 mil para organizar a vaquejada realizada em seu parque, no úl-timo fi nal de semana. Quase 150 duplas de vaqueiros se

Vaquejada ganha investidores

inscreveram. As incrições totalizaram R$ 75 mil e geraram um lucro de R$ 25 mil para o dono do parque.

Para a estudante de veterinária Gizele Melo, que pes-quisa a gestão de estabelecimentos de equinocultura no DF, falta organização, comunicação e interação entre os proprietários de parques de vaquejada no DF. “É um in-vestimento que envolve muito dinheiro. Mas eles não têm noção do que possuem economicamente na mão. Não há uma expectativa de mercado.” Gizele aponta que, para os donos dos parques, o evento ainda está muito associado à “farra”, sem predominância do profi ssionalismo. Paulo Souza, dono do Parque Jacarandá, assim como Gizele, re-clama da falta de uma liderança ou associação que possa impulsionar a vaquejada no Distrito Federal.

A vaquejada, que se originou da necessidade de reunir o gado que era solto na mata, na época do coronelismo, não é regulamentada no país. Tramita desde o ano passado na Câmara dos Deputados um projeto de Paulo Magalhães (PSD-BA) que a transforma em atividade esportiva e pre-vê, além de direitos trabalhistas aos vaqueiros, a proteção à saúde e à integridade física dos animais. Antes de ser vota-do no Plenário, o projeto será analisado pelas comissões de Turismo e Desporto, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Constituição e Justiça e Cidadania.

A prática da vaquejada divide opiniões entre os veteri-nários. Para Ronaldo Chagas, professor de medicina ve-

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A compra e venda de cavalos para a vaquejada atrai empresários de diferentes ramos do comércio

Para realizar a competição no Parque Maria Luísa, o proprietário Leomar Barbosa gastou R$ 85 mil na compra dos bovinos que seriam derrubados pelas 100 duplas de vaqueiros. Um bom cavalo de vaquejada pode custar de R$ 50 mil a R$ 300 mil

terinária das Faculdades Integradas da União Educacio-nal do Planalto Central (Faciplac), durante a corrida os animais, tanto o cavalo quanto o boi, correm alto risco de sofrer traumas e maus tratos. “A vaquejada é agressiva para os animais e não deixará de ser porque suas regras perdem características se forem mudadas. O vaqueiro precisa der-rubar o boi pelo rabo.” De acordo com o veterinário, os animais utilizados deveriam ser, pelo menos, mais velhos. O professor explica que a corrida, durante o evento, pode gerar fraturas, luxações e problemas no cavalo. Quanto ao boi ou bezerro que está na pista para ser derrubado, Cha-gas afi rma que, além de uma série de fraturas que podem ocorrer durante a queda, a cauda do animal também sofre traumas.

Já o veterinário Willian Ferreira, que corre vaquejada há 13 anos, defende a atividade e diz que não há risco de lesões graves. Segundo Ferreira, a maior parte do gado uti-lizado em uma vaquejada sai direto para o abate e a pista de areia não deixa que a carne do animal seja machucada durante a queda. “Os cavalos de vaquejada são muito bem tratados e têm resistência sufi ciente para realizar as corridas”, enfatiza.

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Page 8: Campus - edição 380

CAMPUS | Brasília, de 15 a 21 de maio de 20128

crônica:

M A UAtendiMento texto | nAtHALe MArtins

diagramação | FABiAne gUiMArÃesedição | pAULinA dAnieL

sobre aplicativos e pessoas

no fi m de uma semana estressante, como quase todas as semanas desde que Adão e Eva saíram do Paraíso, o casal decide que comer comida mediterrânea seria uma boa pedida.

– Como é isso de comida mediterrânea? - per-guntou ela.

– Ah, não sei. Eu queria comer um bacalhau. Uma paella também seria ótimo. – respondeu ele animado.

– Não entendo nada disso. Achei que bacalhau eramais tradicional em Portugal mesmo.

Ele deu um meio-sorriso na tentativa de ser simpático e talvez para esconder a desaprovação diante do comen-tário da esposa. Já estava acostumado. Não raramente, Ela dizia coisas sem sentido. Não era ignorância. Era só uma preguiça de pensar mesmo. Pelo menos é assim que ele justifi ca as falas da esposa. “É desatenção”, costuma dizer aos amigos.

Ela começa a se arrumar. Decide usar uma saia longa preta com uma blusa meio soltinha de botões. Escolhe também uma bolsa salmão para compor o visual. Pensa que a cor da bolsa vai dar um ar alegre e destacar a roupa.

Ele resolve procurar no Google as opções de cozinha mediterrânea da cidade e descobre que existem mais de 25 restaurantes para escolher. Não tendo ideia para qual ir, olha os sites de cada um deles. Checa no Foursquare quais deles os amigos visitaram. Vê no Facebook as pá-ginas dos locais. E, por fi m, resolve ir ao restaurante com maior número de curtidas.

Digita o endereço no seu celular, não sei dizer se era Iphone ou Android. Sincroniza por Bluetooth o aparelho com o carro caso precise receber uma ligação enquanto dirige. Saindo de casa dá de cara com um engarrafamen-to. Que loucura! A voz do rádio diz que a fi la de carros está quilométrica. Vai de “não sei onde” até “onde não sei” e pouco se sabe quanto tempo leva para chegar a “qualquer lugar”. Ele fi ca impaciente com a situação.

É aí que ela lembra de um ótimo aplicativo. Viu no Facebook estes dias. Rapidamente baixa o tal app e descobre que o engarrafamento não tem razão nenhuma. É só porque um bando de pessoas resolveu sair ao mesmo tempo. “Que coisa estranha, né? Deveriam fazer umas ruas mais largas mesmo”, pensa ela. Enquanto esperam, ele lê as últimas notícias e ela joga draw something.

Chegam ao Restaurante Mediterrâneo. Que lugar mais lindo. Na beira do Lago. Uma construção com fachada de madeira que, apesar da rusticidade, não deixa de ser elegante. “Isto daria uma boa foto”, pensa Ele.

Click.(foto postada por ele. No Restaurante Mediterrâneo,

qualquer lugar, hora x – com ela).Escolhem uma mesa para dois perto de uma janela

enorme. Ali se tem a melhor vista do Lago. Que lugar agradável. Quase não se ouve barulho. Ele odeia pes-soas que falam alto e fi cam rindo de qualquer coisa e às vezes sem motivo. Ela vai ao banheiro e ele fi ca olhando o menu na tentativa de achar o prato ideal para o jantar. Tem que ser perfeito. Algo não muito pesado, mas não uma salada. Uma comida tipicamente mediterrânea, mas

que não seja um clichê. Isso! Tem que ser, acima de tudo, original. E gostoso! Claro, claro. Percorre a lista de es-pecialidades da casa e começa a pesquisar a origem dos ingredientes. Descobre que um dos pratos do menu não é verdadeiramente mediterrâneo. É, na verdade, germânico ou sueco. Existem controvérsias sobre o assunto.

Ela volta e tenta pedir um vinho enquanto espera ele escolher o prato. Ela acena para o Garçom educadamente.

O Garçom parece tê-la visto e vem em sua direção, mas passa ao lado da mesa e não fala nada com ela.

– Que absurdo! Você viu isso? – fala ela em voz baixa, mas com ar indignado.

– Viu o quê? – responde Ele.– O Garçom acabou de passar por nós e me ignorou

completamente.

– Impressão sua, querida. O Garçom não viu. Tenho certeza.

Ele faz um aceno tão educado quanto o da esposa e também não recebe nenhum atendimento. Ok, foi só distração mesmo. Investe em outro aceno mais enérgico agora usando um olhar meio que penetrante para causar impacto no atendente. Não adianta. O olhar do Garçom não chega nem perto de cruzar o d’Ele.

Levanta a mão lá no alto como se chamasse a sua pro-fessora da quarta série. Nada. Começa a abanar a mão em uma espécie de “oie” frenético.

Ninguém olha. Resolve então chamar o Garçom.

– Com licença – fala Ele quando o Garçom passa perto da mesa.

As palavras ecoam no ambiente, mas ninguém mais, além d’Ele e d’Ela, parece ouvir.

Levanta então da cadeira em um pulo e chama o Gar-çom enquanto continua abanando daquele jeito frenéti-co. Nada acontece. As suas palavras e gestos se estatelam no chão como se ninguém os visse ou ouvisse.

Começa a dizer para Ela que o atendimento nos lugares está cada vez pior. “As pessoas estão fi cando loucas”, completa.

Agora Ele está impaciente e com raiva. Quer ser aten-dido a qualquer custo.

– Vou resolver esta situação – diz para a esposa.Pega o Iphone-Android e faz um post bastante

desaforado no Twitter. Ele é contra fazer reclamações em

redes sociais, mas esse é um caso sério. Vai à página do Restaurante Mediterrâneo e retira o

seu “curtir”. Reclama no FourSquare. E, quando está fa-zendo a reclamação por escrito na página do Facebook do restaurante, o Maitre chega, no justo tempo para im-pedir que Ele poste a reclamação, claro.

– Olá, senhor Villares. Desculpe a demora. Acabamos de ver que o senhor avaliou o Restaurante Mediterrâneo e também que retirou o seu “curtir” da nossa página do Facebook. Pedimos mil desculpas. Vocês simplesmente fi caram invisíveis, acreditam? Qual seria o pedido? – diz o Maitre atencioso e sorridente.

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RIAN

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