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    Foto de autor desconhecido

    MACONHA

    Primeiro, uma certa hi lar idade estranha e

    irresistvel se apodera de voc. As palavras mais

    comuns, as idias mais simples tomam uma

    fis ionomia bizarra e nova. Nem voc agenta essa

    alegr ia, mas int i l resist i r . O demnio j o

    invadiu; qualquer esforo que f izer para resist i r s

    servi r para acelerar os progressos do mal. Voc r i

    de sua bobagem e de sua loucura;seuscompanheiros r iem de voc, e voc nem se

    importa, pois a benevolncia j comeou a se

    manifestar. Passados alguns minutos, as relaes

    entre as idias tornam-se to vagas, os f ios que

    l igam suas concepes so to tnues que

    somente seus cmpl ices, seus correl igionr ios

    podem entend-lo. Sua maluquice, suas

    gargalhadas parecem o cmulo da bobagem a

    quem no est iver no mesmo estado. Quanto aosseus companheiros, voc se d maravi lhosamente

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    bem com eles. Logo, a compreenso se passar s

    pelo olhar. A segunda fase se anuncia por uma

    sensao de fr io nas extremidades, uma grande

    fraqueza; voc tem, como se diz, as mos moles,

    um peso na cabea e uma estupefao geral emtodo o ser. Os olhos f icam esbugalhados, como

    puxados em todos os sent idos por um xtase

    implacvel. Seu rosto tomado pela pal idez, torna-

    se l v ido e esverdeado. Os lbios encolhem,

    encurtam e parecem querer entrar para dentro. Seu

    pei to exala suspiros roucos e profundos como se

    sua natureza ant iga no pudesse suportar o peso

    da nova. Os olhos perscrutam o inf ini to. Os

    ouvidos percebem os mais imperceptveis sons no

    meio dos mais agudos alvoroos. As alucinaes

    comeam. Os objetos externos tomam aparncias

    monstruosas. Revelam-se para voc sob formas

    at ento desconhecidas. Depois se distorcem, se

    transformam e, f inalmente, entram no seu ser ou

    ento voc entra neles. Acontecem os mais

    singulares equvocos, as mais inexpl icveis

    transposies de idias. Os sons passam a ter uma

    cor, as cores tm uma msica. As notas musicais

    tem nmeros, e voc consegue resolver com umarapidez assustadora prodigiosos clculos de

    ar i tmtica, medida que a msica se desenrola no

    seu ouvido. Voc est sentado e fumando; acredi ta

    estar sentado no seu cachimbo e voc que seu

    cachimbo estfumando, voc que est

    se exalando na forma de nuvensazuladas.( . . . )

    Charles Baudelaire

    Dias estranhos

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    Dias estranhos nos encontraram,

    dias estranhos seguiram nosso rastro,

    vo destruir nossas alegrias ocasionais;continuamos a jogar ou procuramos uma nova cidade?

    Olhos estranhos preenchem salas e quartos estranhos,

    vozes sinalizaro seu fim cansado,

    a anfitri arreganha um sorriso afetado,

    seus convidados dormem de tanto pecar;

    s me ouvir falar em pecado

    que voc sabe: chegamos ao fim da linha.

    Dias estranhos nos encontraram

    e atravs de suas estranhas horassobramos, retardatrios, a ss

    corpos confundidos, memrias mal aproveitadas

    enquanto corremos do dia para uma estranha noite de pedra.

    The Doors

    Um estranho chal novo em Berkeley

    A tarde toda colhendo amoras pretas junto a uma cambaleante cerca

    marrom debaixo de um ramo inclinado com seus abrics estragados no meio das

    folhas;

    consertando os vazamentos nas intricadas entranhas do mecanismo de uma

    nova privada;

    eu achei um bule de caf bom entre as moitas junto da varanda, rolei um

    pneu grande para fora dos arbustos escarlates, escondi minha maconha;

    reguei flores, jogando a gua iluminada pelo sol de uma para outra, voltando

    por algumas divinas gotas a mais para as vagens e margaridas;por trs vezes dei a volta ao gramado e suspirei distraidamente;

    minha recompensa, quando o jardim me deu suas ameixas sadas de dentro

    da forma de um arbusto no canto, um anjo que teve considerao pelo meu

    estmago e pela minha lngua ressecada e desamada.

    Allen Ginsberg

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    Allen Ginsberg

    A Propaganda

    Canabis (haxixe, maconha) Os efeitos dessa droga tm sido freqentemente

    e sensacionalmente descritos: alteraes da percepo de tempo e espao,

    aguada sensibilidade s impresses, fuga de idias, ataques de riso, bobeira. A

    maconha um potencializador, e os resultados no so sempre agradveis. Ela

    torna uma situao ruim ainda pior. A depresso torna-se desespero, a ansiedade,

    pnico. Eu j mencionei minha horrvel experincia com a maconha durante uma

    fase aguda de abstinncia de morfina. Uma vez dei maconha a um convidado que

    estava levemente ansioso por alguma coisa ("s de sarro", como ele mesmo

    colocou). Depois de ter fumado meio cigarro, subitamente ele levantou de um salto,berrando "Estou com medo!" e saiu correndo de casa.

    Uma caracterstica especialmente desencorajadora da

    intoxicao pela maconha a alterao da orientao

    afetiva. Voc no sabe se gosta ou no de alguma coisa, se

    uma sensao agradvel ou desagradvel.

    O uso de maconha varia muito de indivduo para

    indivduo. Alguns fumam-na constantemente, outros

    ocasionalmente, no so poucos os que lhe tm intensa

    antipatia.

    Os efeitos nocivos da maconha tm sido grosseiramente

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    exagerados nos Estados Unidos. Nossa droga nacional o

    lcool. Tendemos a encarar o uso de qualquer outra droga

    com pavor todo especial. Qualquer pessoa propensa a estes

    vcios estranhos merece a runa completa de sua mente e

    corpo. As pessoas acreditam no que querem acreditar, semconsiderao pelos fatos. A maconha no provoca vcio. Eu

    nunca vi provas de qualquer efeito nocivo conseqente do

    uso moderado de maconha. A psicose txica pode resultar

    do uso prolongado e excessivo.

    William S. Burroughs

    Haxixe (...) Voc est se sentindo bem, uma nica

    coisa o preocupa e o deixa inquieto. Como far para

    sair do cachimbo? Est fantasia dura uma eternidade.

    Um intervalo de lucidez, a custo de um grande esforo,

    permite que confira no relgio. A eternidade durou um

    minuto. J uma outra corrente de idias o est levando; o

    leva durante um minuto no seu torvelinho vivo, e esse

    minuto tambm ser uma eternidade. As propores do

    tempo e do ser esto distorcidas pela quantidade incontvel

    e pela intensidade das sensaes e das idias. Vive-se

    vrias vidas em um espao de uma hora. No h mais

    equao entre os rgos e o deleite. Vez por outra a

    personalidade desaparece. Ei-lo rvore farfalhando ao ventoe contando para a natureza melancolias vegetais. Agora,

    est pairando no azul do cu imensamente ampliado. Toda a

    dor sumiu. Voc conserva, verdade, a faculdade de

    observar-se a si prprio e, amanh, ainda guardar a

    lembrana de algumas de suas sensaes. A terceira fase,

    separada da segunda por uma crise redobrada,

    uma embriaguez vertiginosa seguida de um novo mal-

    estar, algo indescritvel. o que os orientais chamam

    de Kief; a felicidade absoluta. Acabou o redemoinho, otumulto. uma beatitude calma e imvel. Todos os

    problemas filosficos esto resolvidos. Todas as questes

    rduas contra as quais lutam os telogos e que fazem o

    desespero da humanidade pensante esto lmpidas e claras.

    Qualquer contradio transformou-se em unidade. O

    homem viroudeus.

    Charles Baudelaire

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    Cnhamo Usar uma "gravata de cnhamo", esse era o uniforme dos

    enforcados. Empregava-se o cnhamo para esse fim porque as suas fibras eram

    as mais slidas e resistentes. Por isso,com ele tambm faziam cordas, muito usadas

    no tempo da navegao a vela, pois o cnhamo era o melhor dos txteis para

    suportar a ao da gua. Por essa razo, os canhamerais, onde se cultivavao cannabis, situavam-se freqentemente perto dos portos.

    Sabemos que as fibras do cnhamo, presentes sob as cascas, so

    extradas por macerao, isto , deixando

    os caules imersos nagua durante muito tempo, o que desagrega os tecidos e

    separa asfibras utilizveis. No sculo XIX, observaram que os colhedores

    decnhamo sentiam s vezes perturbaes estranhas eincompreensveis.

    Na realidade, sem que soubessem, eles estavam "drogados". Baudelaire, que

    conhecia bem o haxixe, no se enganara; no Les Paradis artificiels ele descreve

    esses "estranhos fenmenos": "Parece que da colheita se ergue uma espcie de

    esprito vertiginoso que circula ao redor das pernas e sobe maliciosamente at o

    crebro. A cabea do apanhador est turbilhonada, outras vezes est carregada de

    sonhos. Os membros enfraquecem e se recusam a trabalhar".

    Na realidade, somente no decorrer do sculo XIX, foram obrigados a

    reconhecer que o cnhamo, txtil cultivado de longa data na Europa, e o misterioso

    cnhamo hindu evocado nos relatos de viagens e nas Mil e uma noites eram uma

    mesma e nica planta,Cannabis sativa, e que as grandes diferenas observadas

    entre as duas eram apenas resultado do clima. Mhmet Ali (1769-1849), vice-rei do

    Egito que, em guerra com o seu suserano, o Sulto, comeou aconstruo de

    uma importante flotilha,aprendeu isso a sua custa.Para ter ao seu alcance os materiais necessrios

    enxrcia dos seusnavios, Mhmet Ali buscou na Europa gros de cnhamo txtil e

    os enviou para serem cultivados no

    Egito. Porm essas plantas sfloresceram fibras curtas

    e pouco slidas, enquanto secretavam cadavez mais uma resina pegajosa.

    Inversamente, a cultura dos grosvindos

    do Oriente d pouca resina aos amadores de haxixe que os semeiam na Europa.

    Planta anual de crescimento muito rpido, o cnhamo podealcanar at 4m

    de altura, mas geralmente no ultrapassa dois; suasgrandes folhas espalhadas comfololos longos, estreitos, pontudos e dentados a

    tornam muito decorativa. Espcie diica, o cnhamo possui plantas machas

    e plantas fmeas, nitidamente diferentes. Mais fracas, mais baixas, menos folhudas,

    as primeiras encarregadas do amadurecimento tardio dos gros e mais altas, mais

    cheias e principalmente mais ricas em resina vivem menos tempo que as

    segundas. A espcie originria da sia Central onde foi encontrada em estado

    selvagem desde o sul e o leste do mar Cspio at a Sibria.

    Dali a Cannabis sativa entrou no leste da ndia e na Chinaonde o cnhamo

    cultivado desde a mais remota antiguidade, nocomo txtil, mas como planta medicinal. Na China encontramosvestgios de sua utilizao desde o sculo XV

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    a.C como sedativo dasdores reumticas e da gota; mais tarde foi

    utilizada como remdiocontra a alienao mental; no sculo II de nossa era, o

    ilustrecirurgio Houa T'o

    empregava como analgsico durante suasoperaes, mas somente mais tarde,

    ao que parece, o cnhamo foi cultivado por suas propriedades txteis. Quanto ndia, mais mstica, ao mesmo tempo que o cnhamo, ela adotou o uso que fizeram

    dessa planta, uma erva sagrada em seu lugar de origem.

    Nos antiqssimos manuscritos em snscrito, o bhang, bebida base de

    cnhamo, chamado indracarana (alimento dos deuses).Ele parece ter substitudo,

    nesse papel, o soma, bebida de vegetalcuja composio

    ignorada, mas que, segundo certos pesquisadoresmodernos, teria sido extrada do

    amanita mata-moscas. Certamente, provvel que se

    tornar difcil para os arianos vindos do norte encontrar esse cogumelo alucingeno,

    originrio das regies frias, enquanto o cnhamo era facilmente cultivado na ndia. O

    fato que acannabis, bebido ou fumado, foi associado a Shiva, deus da destruio,

    mas tambm da ascese e dos iogues, e usado como um meio de dissolver o ego na

    meditao e de alcanar a comunho com o Princpio csmico universal. Um

    relatrio da comisso encarregada, em 1894, de estudar os efeitos do consumo do

    cnhamo na ndia, conta, segundo os informantes interrogados: "Nenhum deus,

    nenhum homem religioso superior a um homem bebedor de bhang". Ele servido

    aos que esto iniciando os estudos das santas escrituras de Bnars. Em Bnars,

    Ujjain e outros lugares sagrados, os iogues tomam grandes quantidades

    de bhangpara poderem concentrar o seu pensamento no Eterno.

    Da ndia o uso ritual do cnhamo se expandiu para o oeste onde a planta eracertamente conhecida h muito tempo, pois o Egito antigo j usava suas

    propriedades anestsicas mais de mil anos antes dos Cristos. Finalmente o

    cnhamo chegou a ter no Isl umpapel comparvel ao que era o seu na ndia.

    O Isl, como ohindusmo, indulgente para com os cambais,

    probe, sob pena desanes severas,

    o consumo de bebidas alcolicas, enquanto que asituao inversa reina no Ocidente

    . A cada um, suas drogas! Narealidade essa escolha um caso de temperamento;

    o lcool excita,leva ao, torna agressivo, at violento, enquanto o haxixe acalma,

    concentra, interiorizae finalmente torna passivo, cheio de indulgnciapara com o prximo; mas no isso

    que buscam, respectivamente,orientais e ocidentais? bem conhecido o

    uso que fazem doaguardente no fronte, durante as guerras; se a

    substitussem pelohaxixe, veriam talvez, escndalo inadmissvel,

    os combatentesconfraternizarem.

    Quando e de que maneira o cnhamo penetrou na Europa? As opinies

    esto muito divididas, o que explicvel j que uns falam do cnhamo txtil e outros

    do cnhamo hindu, ou seja, de duas utilizaes bem diferentes de uma mesma

    planta, uma profana e utilitria e a outra sagrada, porm proibida. Segundo oshistoriadores, o cnhamo hindu se espalhou em todas

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    as regies conquistadaspelos rabes mulumanos, isto ,

    no oeste, arredores do MediterrneoOriental, frica do Norte e Espanha. De l se

    expandiu por toda a frica e alcanou,

    provavelmente por intermdio dos negros, que paral foram deportados, a Amrica

    do Norte, onde o clima do sul dosEstados Unidos e do Mxicoconvieram perfeitamente planta. Dessamaneira o cnhamo atingiu

    o planeta inteiro.

    No entanto, hoje nos indagamos se a

    Europa no terconhecido bem mais cedo a utilizao ritual do

    cnhamo, pois enfimforam os citas que, segundo os historiadores, teriam

    transportado o cnhamo txtil para o oeste nas suas migraes,

    no sculo VII antesde nossa era, e o teriam transmitido aos

    trcios, habitantes orientaisda Grcia, que com ele fizeram vestimentas; mas, dois

    sculos mais tarde, quando os citas j estavam instalados na Europa, o uso que

    eles faziam da cannabis era suficientemente conhecido para que Herdoto pudesse

    contar: "Os citas pegam os gros de cnhamo e, entrando sob a grossa tela de suas

    tendas, os lanam sob pedras em brasa. Ali elas se consomem exalando um vapor

    que banho algum de vapor da Grcia conseguiria superar, e esse vapor fazem os

    citas gritarem de alegria." Portanto, para os citas, banhos de vapor e fumigaes de

    cnhamo estavam estreitamente associados. Recentemente puderam precisar que

    a se tratava de cerimnias purificadoras que aconteciam quase sempre aps um

    enterro. Nesse contexto, o cnhamo aparecia como uma maneira de entrar em

    contato com os falecidos e assim penetrar no alm, de sair dos limites da natureza

    humana para comungar com o cosmos inteiro, visvel e invisvel. Teria essautilizao especfica desaparecido completamente quando o cnhamo se propagou

    para o oeste? Alguns fatos permitem a dvida. Segundo o pr-historiador alemo

    Hugo Obermaier, ele teria sido conhecido pelos antigos germanos e pelos galos-

    romanos; o uso de cachimbos encontrados em diversos locais, a presena

    da Cannabissativa em certas sepulturas coincidem aparentemente com essa

    utilizao.

    Em outras palavras, possvel e muito provvel que o poderpsicotrpico do

    cnhamo sempre tenha

    sido conhecido e que suadescoberta pelo sculo XIX europeu, na forma deuma moda vinda dooriente, tenha sido apenas uma redescoberta. Pois na realidade

    os mdicos gregos que, alis, tardiamente, tinha herdado o cnhamo do Egito, no

    ignoravam em absoluto suas possibilidades alm das medicinais.

    O cirurgio Dioscoride, que o

    utilizava como analgsico,alm de mencionar suas virtudes afrodisacas e aperitivas,

    falava dopoder de "fazer aparecer diante dos olhos fantasmas e ilusesdivertidas

    e agradveis". Galeno, dois sculos depois,

    indicava que"ele era servido habitualmente aos convidados dos banquetes paracolo

    c-los vontade e torn-los alegres", mas tambm que essa erva"pode ferir os crebros se abusarem dela".

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    Desde ento, a medicina utilizou adequadamente as folhas e

    as sementes do

    cnhamo como antiespasmdicos e hipnticos,enquanto o leo de semente do

    cnhamo, muito emoliente,

    serviapara diminuir as inflamaes e extrair os corpos estranhos queentrassemna pele. Essas utilizaes foram abandonadas, inclusive a do chenevis (gros do

    cnhamo), que servia para alimentar ospssaros de viveiros, depois da proibio qu

    e passou a pesar sobre o cnhamo. No entanto, recentemente voltaram a us-lo

    na medicinados Estados Unidos, pois ele se mostrou um dos nicos remdios

    eficazes contra o glaucoma, molstia que at pouco tempo provocava a cegueira.

    Em outras palavras, nas entrelinhas da histria oficial, que guarda um

    silncio pudico, se desenha em filigrana a histria da droga, que permaneceu

    clandestina, pois aqueles que a empregavam como remdio no podiam ignorar

    suas outras virtudes.

    Quando o cnhamo hindu reapareceu em cena na Europa, chegou

    precedido por uma fascinante mas temvel reputao. Em1809, Sylvestre de Sacy,

    numa comunicao Academia dasinscries e letras, reprovava

    a palavra assassino do termohaschischin: os haschischin so assassinos,e o

    cnhamo a "ervado crime". Dessa forma estava desvendada a origem do

    misterioso poder que tinha sobre os seus seguidores, o "Velho da montanha", que

    fazia deles matadores fanticos em proveito de uma seita que promovia o terror por

    todo o Oriente Prximo.

    Essa histeria data das brigas dinsticas to freqentes e queopunham

    os descendentes de Maom, pretendentes ao ttulo decalifa. O chefe de umadas seitas xiitas proveniente dessas divises, Hassam ibn al-Sabbah,

    formou, por volta de 1090, nas regiesmontanhosas do norte da Prsia,

    a sociedade secreta fedawis, cujadisciplina de ferro deveria mais tarde servir de mod

    elo s ordensreligiosas e militares da cristandade conquistadora,

    a ordem doTemplo e dos Cavaleiros Teutnicos. Dirigida por uma elite intelectual

    que queria substituir o formalismo ritualstico do Isl por uma interpretao esotrica

    do Coro, essa sociedade passou a ser conhecida em 1092, graas ao audacioso

    assassinato de um ilustre vizir por um fedawidisfarado de sufista. Esse gesto foi

    seguido de vrios atentados, todos de grande importncia, especialmente entre oschefes dos cruzados, invasores da Terra Santa.

    Logo correu a notcia de que esses assassinatos haviam sido previamente

    condicionados. O chefe da seita, diziam, lhes dava abeber uma bebida que os

    adormecia e os

    transportava paramagnficos jardins onde eles despertavam. Ali tinha diante dos olh

    ostodas as delcias oferecidas pelo Coro aos fiis que alcanavam,aps a morte,

    o paraso de Al, inclusive as famosas huris. Emconseqncia da operao inversa,

    o fedawiencontrava

    a tristerealidade cotidiana e s aspirava voltar ao jardim encantado. O "Velho damontanha" o chamava ento para a sua presena e lhe perguntava "de onde ele

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    vinha". O fedawirespondia "que ele vinha do paraso eque este era tal como Maom

    o descrevera em sua lei". Ento,quando o "Velho" queria

    "executar um grande senhor", dizia aos queele enviava: "V

    e mate tal pessoa e quando voltar eu o farei levarpelos meus anjos ao paraso. E

    se morrer no negcio, eu comandarei aos meus anjos que o levem ao paraso".Esse relato trazido por Marco Plo no sculo XIII foi muitasvezes contado e

    muitas vezes aumentado, principalmente em nossapoca, para provar a dissimulada

    e perigosa nocividade do haxixe. Eletornou-

    se at o principal argumento empregado para denunciar osseus efeitos, por aqueles

    que, de boa ou de m f, citam essa histria sem ir sua fonte. Ora, por ser nica e

    suspeita, j que, em suma, Marco Plo no fez nada mais que repetir um boato, ela

    no contm absolutamente o sentido que lhe do. A beberagem em questo e

    alias, no relato no se fala em cannabis no provocava vises o que o fedawivia

    era totalmente real , no forjava nenhum encantamento, servia apenas para fazer

    dormir. O haxixe, supondo que tenha sido ele realmente o utilizado, no tinha

    nenhuma culpa pelas aes criminosas dos fedawis. Nada prova tambm, apesar de

    Sacy, sendo este a nica fonte dos dicionrios e outras obras de vulgarizao, que

    assassino seja derivado de haschischin; mais provvel que a palavra venha de

    Hassan ou Hussein, nome do chefe da seita.

    Todavia, foi realmente referindo-se seita do "Velho da montanha" que

    Baudelaire, Thophile Gautier e seus amigos escritores ou artistas intitularam a

    pequena associao por eles formada de "Clube dos Haschischins"; era apenas

    uma provocao maliciosa, gosto de escandalizar os burgueses, pois o terrorismo

    que ali reinava era apenas verbal e indumentrio, e os relatrios tanto de Gautiercomo de Baudelaire s trazem finalmente o carter extravagante e estapafrdio das

    impresses causadas pelo consumo de haxixe: a alegria exuberante e liberadora, as

    transposies sensoriais que faziam descobrir aspectos at ento despercebidos

    por todos e depois o estado de "beatitude calma e imvel", de "bem-estar" e de

    "maravilhosa leveza de esprito" que a seguia. Em Les Paradis Artificiels, Baudelaire

    apenas menciona o "grande langor que tem o seu encanto" sentido aps a sesso,

    "punio, merecida, acrescenta ele, da prodigalidade mpia com a qual fizemos um

    to grande desgaste de fluido nervoso. Lanamos nossa personalidade aos quatro

    ventos e agora temos dificuldade em junt-la e em concentr-la". Apreciao em queentra, como suficientemente o indicam os termos empregados, uma boa dose de

    humor. E como, conhecendo Baudelaire, no tomar como uma simples pardia o

    julgamento pretensamente severo em que o autor de Fleurs du Malresume os

    efeitos sociais do haxixe: "Ele no fabrica nem guerreiros, nem cidados" o que

    realmente no era a sua principal preocupao! ou adiante, estas eloqentes

    frases: "Dizem que essa substncia no causa nenhum mal fsico. Isso verdade,

    pelo menos at agora. Pois no sei at que ponto podemos dizer que um homem

    que s vive sonhando est em boa sade, mesmo se todos os seus membros

    estiverem em bom estado. Mas a vontade que atacada, e o rgo maisprecioso. Um homem que pode, com uma colher de gelia (era essa forma que

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    Baudelaire absorvia o haxixe), encontrar instantaneamente todos os bens do cu e

    da terra nunca querer t-lo pelo seu trabalho. Antes de tudo preciso viver e

    trabalhar." Esse Baudelaire moralista surpreende e com razo e seria muito mais

    ao pio que ele tambm usou que essas censuras deveriam ser dirigidas. O

    caso que Baudelaire, com mais seriedade e muito sabiamente, concluiu: "No digoque haxixe provoque em todos os homens todos os efeitos que acabei de descrever.

    Contei por alto os fenmenos que acontecem geralmente, exceto algumas variantes,

    com os espritos artsticos e filosficos. Mas existem temperamentos nos quais essa

    droga s provoca uma loucura ruidosa, uma violenta alegria que parece com uma

    vertigem, danas, saltos, bater de ps e gargalhadas. Eles so, por assim dizer, um

    haxixe material. Eles so insuportveis para os espiritualistas que deles tm muita

    pena. Suas feias personalidades so ressaltadas [...] pois o haxixe s faz

    desenvolver alm do normal a personalidade humana nas circunstncias atuais em

    que ela est situada."

    Jacques Brosse

    Imagem: Freak Brothers

    O manual

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    Descrio Cientfica de uma Experincia ParticularO efeito demora uns 15 minutos para encarnar. No vem simultaneamente aabsoro. Quando chega incrvel. Os msculos se esticam e relaxam. Os sonstornam-se extremamente fortes. Escuto o meu relgio de pulso e uma TV ligadanum apartamento a duas quadras daqui. Alguns chiados sombrios. A geladeira faz

    um rudo grave e sonolento. Os olhos caem um pouco, ardidos. H uma certaimobilidade, entra-se numa nova velocidade. Um casal vizinho procura retornar fuso originria. Uma ereo... O tempo parece parado e rgido como o meu pnis,apesar das batidas irregulares do meu relgio despertador. No esqueo de nada.Uma presso no hemisfrio esquerdo do meu crebro, uma presso combustiva.Sou forado a falar, mas s saem grunhidos. Coceiras desnecessrias. A, comeoa tremer feito uma gelia. Ento, retiro uma furadeira do armrio para me furar emtodos os pontos intensos como uma estranha medicina oriental. Quero ampliar a dorao extremo, para gritar de forma inaudvel aos ouvidos humanos. Eu busco a dor.Estremeo. Uma percusso demonaca, uma batida insistente lembrando msicaflamenca preenche todo o quarto. So meus dentes. Noto que meus ps so feitosde granizo e que algum quer quebr-los. O corao toma o lugar do estmago e

    este o do intestino, sinto ento que estou amando feito um louco, que a vida vale apena, j que h a arte.Isto tudo se passou muito rpido. Agora, estou perdido como guias que ingeriramalumnio. No h mais volta, eu sei. Entretanto, aprendi que um sorriso vale mais doque qualquer nota abstrata, o que me fez desenvolver a seguinte equaomatemtica:

    Abundncia de vida dorTiago Jonas

  • 8/6/2019 Can a Bis

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    Cheio de vinho, maconha e tara

    Ela percebe que estou olhando e parece no seincomodar. Ela tem um magnfico sorriso. Ela cruza as

    pernas, e eu vejo tudo atentamente. No consigo deixar de

    olhar. Ela percebe que olho para suas pernas, direto para o

    branco de sua calcinha. Ela cruza, descruza, posiciona

    melhor o corpo, levanta, caminha, volta a sentar. Vejo que

    ela percebe quando a olho. Quando ela fala, vejo sua bocaumedecida, seus dentes bem ordenados, pequeninos... E

    agora o contorno dos lbios que tenta me dizer algo. Os

    lbios que se abrem "P" e que permanecem abertos at a

    lngua roar o cu da boca "ra". Ela me pede para parar. Me

    pede para parar. Mas continua a sorrir para mim. Levanto.

    As pernas vacilam. Caminho para o banheiro. Abro a porta e

    entro. Acendo a lmpada e passo a tranca. Minha cara no

    espelho grotesca. "Um cossaco vermelho e gluto".

    Abaixo a tampa da privada, desaboto as calas. Soco

    minha mo para dentro e acaricio meu pau j mido e duro.

  • 8/6/2019 Can a Bis

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    Tiro ele para fora e me masturbo imaginando-a... Ela entra

    no banheiro, tira a calcinha branca, senta sobre mim, me

    beija, me molha o rosto de saliva...em poucos minutos o

    smen jorra. Uma vertigem me domina. Escoro na parede e

    deixo a sensao fluir. Algum me interrompe batendo naporta. Aboto as calas e limpo rapidamente o smen pelo

    cho. Puxo a tranca. "Desculpa. T muito apertada." "Nada.

    Pode entrar." Ela entra, e eu continuo na porta. Ela pra e

    olha para trs. "Que que voc usa nos lbios? So to

    brilhantes e midos." Ela olha no espelho, franze as

    sobrancelhas e sorri lindamente. E pensar que instantes

    atrs eu estava ali, desejando-a, com as calas arriadas.

    Daqui a pouco ela vai sentar para urinar, e se fizesse um

    pouco antes, mijaria sobre mim. Apenas uma questo de

    tempo, o espao o mesmo. "Eu posso fechar a porta?"

    "Ah, desculpe." Ela fecha a porta e passa a tranca. Levanta

    a tampa do vaso e senta. Posso ouvir e imaginar tudo. A

    calcinha branca nos joelhos. O xixi saindo pelo canal. A

    sensao de alvio. A vagina umedecendo-se. Os lbios

    brilhantes. O magnfico sorriso. Os dentinhos bem feitos. A

    linda boca mida...

    S ME REPETINDO

    ENTRE BAFORADAS E OLHARES DE DESEJOUM MUNDO ESTRANHO

    TODO TDIO FALTA DE AMOR NOVOESTOU SEDUZINDO-O

    TUDO PORQUE O CONHEO DE MINUTOS ATRSAGORA ELE LEMBRA ALGUM CONHECIDO DE MUITO ANTES

    UMA MULHER SEM SEIOS O CAOSAMAZONAS

    FODAS ESTRANHAS NA MENTE

    Ricardo Rodrigues

  • 8/6/2019 Can a Bis

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    Crebro sob efeito da maconha

    http://www.interzona.com.br/interzona/mapa/mapa.htm