Cana Brava
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Transcript of Cana Brava

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rava usina de um novo Brasil
usina de um novo Brasil

Cana Bravaus
ina
de u
m n
ovo
Bras
il
2005











.

Construir e operar usinas hidrelétricas de grande porte é um imenso desafio em todo o
mundo. São obras complexas e gigantescas sob todos os aspectos, desde as soluções de
engenharia e logística, passando pelas questões de preservação ambiental e pelo respeito
às comunidades envolvidas. E esse é um desafio que o Brasil pode se orgulhar por vencer
com suas próprias forças. O país tem, reconhecidamente, uma das melhores expertises
internacionais na implantação desse tipo de obra. A Usina Hidrelétrica Cana Brava foi o
primeiro empreendimento implantado integralmente pela SUEZ Energy International no Brasil,
incluindo a Tractebel Energia. E sua execução e operação ocorreram da maneira como sempre
nos posicionamos em relação aos países onde investimos, buscando parcerias com o Estado,
com as empresas, universidades e comunidades, respeitando e valorizando o saber e a cultura
locais. Cana Brava foi erguida por brasileiros em um tempo recorde para esse tipo de obra,
com as melhores tecnologias disponíveis nas áreas social, de meio ambiente e de engenharia.
Sua operação comercial, que teve início há pouco mais de três anos, contribuiu decisivamente
para amenizar os impactos que a falta de energia provocaria na economia do país no início
do século XXI. Contribuiu ainda para gerar renda, qualidade de vida e perspectivas para os
moradores de Minaçu, Cavalcante e Colinas do Sul, no norte de Goiás. E, principalmente,
contribuiu mais uma vez para que o Brasil demonstrasse sua imensa capacidade de vencer
desafios e gerar riquezas, respeitando o meio ambiente e as pessoas.
Manoel Arlindo Zaroni Torres
Diretor Presidente da Tractebel Energia
APRESENTAÇÃO

.

11C A P Í T U LOC A P Í T U LO
O desafio da construção
Cana Brava marcou uma nova forma de construir usinas
hidrelétricas no Brasil. Foi o primeiro project finance
e o primeiro contrato EPC (Engineering, Procurement
and Construction) do setor elétrico, o que viabilizou sua
construção em apenas 36 meses, um recorde no país.
44C A P Í T U LOC A P Í T U LO
O desafio do desenvolvimento
33C A P Í T U LOC A P Í T U LO
O desafio social
22C A P Í T U LOC A P Í T U LO
O desafio ambiental
p á g i n ap á g i n a 1818
Construída no cerrado brasileiro, um dos mais ricos
biomas do país, Cana Brava teve 14 programas com
foco em ações de conservação e de preservação do
meio ambiente, que garantiram e, em muitos casos,
superaram as exigências da legislação.
p á g i n ap á g i n a 6 06 0
Transparência das ações, responsabilidade e profundo
respeito pelos direitos das pessoas e das comunidades
envolvidas – superando as exigências da lei – marcaram
a implantação da usina Cana Brava.
p á g i n ap á g i n a 9 89 8
Os resultados ambientais, as melhorias nas condições
de vida dos atingidos e o desenvolvimento das
comunidades demonstram a correção das ações
tomadas pelos envolvidos no projeto Cana Brava.
p á g i n ap á g i n a 14 214 2
SUMÁRIO

18 19
1C A P Í T U LO

18 19
O desafio da construção
Cana Brava marcou uma nova forma de construir usinas hidrelétricas no Brasil. Foi o primeiro project finance e o primeiro contrato EPC (Engineering, Procurement and Construction) do
setor elétrico, o que viabilizou sua construção em apenas 36 meses, um recorde no país.

20 21
O B
rasi
l dos
ano
s 90
A última década do século
XX marcou o início de
grandes transformações
que moldaram o Brasil
do século XXI.
Após praticamente 60 anos de uma econo-
mia fechada, que priorizava o desenvol-
vimento endógeno, com poucos períodos de
abertura para uma efetiva inserção internacio-
nal, no começo dos anos 90 o Brasil seguia os
passos de vários países que aderiram às premis-
sas do chamado Consenso de Washington. A
nova política econômica, adotada por todos os
governos da década, estava assentada na estabi-
lização da economia, com o combate à inflação
e o ajuste fiscal das contas públicas, e na pers-
pectiva de crescimento a partir de uma ampla
abertura comercial e financeira, desregulamen-
tação e privatizações. O que se esperava com
esse conjunto de medidas era transformar o país
em investment grade perante a comunidade fi-
nanceira internacional, implicando em menor
risco e menores juros domésticos; obter maior
competição por preços no mercado interno,
além de dotar as empresas brasileiras de maior
competitividade no comércio internacional.
Os três presidentes da década – Fernan-
do Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso – mantiveram-se firmes nessas premis-
sas e, cada um a seu tempo, implantaram medi-

20 21
das macroeconômicas e setoriais que realmente
modificariam a estrutura e a dinâmica da eco-
nomia do país. Um dos setores prioritários da
transformação estrutural foi o setor elétrico, es-
tatizado a partir dos anos 60, quando da cria-
ção da Eletrobrás. Apesar de ter ampliado em
10 vezes a oferta de energia até 1996, com a con-
clusão de grandes usinas hidrelétricas, e ter prati-
camente universalizado o serviço no país, o mo-
delo mostrava-se sem capacidade para atender a
demanda futura, em um cenário de crescimento
econômico. A principal mudança era a transfor-
mação de um sistema de monopólio estatal para
um sistema que atraísse a iniciativa privada. Pre-
via-se para o futuro um cenário com novos ato-
res, entre eles produtores independentes, vare-
jistas de energia e consumidores livres.
Mas naquele momento, nos primeiros
anos da década de 90, enquanto tudo isso não
saísse do papel, o setor elétrico não tinha con-
dições de continuar diversas obras que estavam
paradas, como as hidrelétricas de Itá e Macha-
dinho, na bacia do rio Uruguai, e a de Serra da
Mesa, no rio Tocantins. Antes das privatizações,
que só aconteceriam na segunda metade da dé-
cada, uma das alternativas encontradas pelo go-
verno brasileiro logo no início dos anos 90 era de
que as empresas públicas, detentoras das con-
cessões, buscassem parceiros privados para re-
tomar as obras. A primeira oportunidade con-
templou Serra da Mesa, uma usina de grande
porte localizada no estado de Goiás. Ela estava
semiconstruída, e Furnas Centrais Elétricas S.A.,
sua concessionária, deveria encontrar um sócio
privado para terminá-la, pois a intenção do go-
verno brasileiro era ampliar a participação do se-
tor privado no segmento. O grupo privado que
se tornou parceiro de Furnas em Serra da Mesa
foi o Banco Nacional, por meio de sua subsidiá-
ria Nacional Energética.

22 23
A S
UEZ
in
vest
e n
o B
rasi
l
Na década de 90, a SUEZ
Energy iniciou um processo de
internacionalização. Em 1998,
ganhou o leilão de concessão
da usina Cana Brava e
adquiriu a Gerasul, lançando
as bases para se transformar
em um dos grandes players do
setor de energia no Brasil.
L ogo após a retomada das obras de Serra
da Mesa, a SUEZ Energy International (na
época chamada Tractebel EGI) chegou ao Bra-
sil para os primeiros contatos com a área in-
ternacional do Banco Nacional, que tinha re-
lações com o Banco Nacional de Paris (BNP),
que, por sua vez, também tinha fortes ligações
com a SUEZ Energy. Até o final dos anos 80,
a SUEZ Energy era um grupo que, a partir da
Bélgica, atuava nos setores de gás, geração e
distribuição de energia elétrica quase que ex-
clusivamente na área do Benelux, com pou-
cas outras atividades internacionais. Nesse
momento, entretanto, muitas empresas com
perfis semelhantes – espanholas, francesas,
norte-americanas, entre outras – estavam ini-
ciando um processo de internacionalização,
montando estruturas fortes de investimento
em outros países, aproveitando a janela de-
corrente da abertura comercial e financeira,
privatizações e desregulamentação de mer-
cados de diversas nações em todo o mundo.
Nesse mesmo momento, a SUEZ Energy ini-
ciava um processo de internacionalização,
analisando oportunidades em países como
Posse da nova diretoria da Gerasul: Manoel Arlindo Zaroni Torres (Diretor), Gil Maranhão (Diretor), Cláudio Ávila da Silva (Presidente da Eletrosul), Victor Frank R. Paranhos (Presidente), Laércio Dias (Diretor) e Luiz Zappelini (Diretor da Eletrosul).

22 23
o Brasil, a Argentina, a Tailândia e os Estados
Unidos. Para tal, constituiu uma subsidiária,
chamada SUEZ Energy International.
O mercado brasileiro tornou-se um dos
alvos da estratégia da empresa. Entrar só de-
pendia do momento e do negócio adequados.
O primeiro deles, de fato, ocorreu em 1994,
quando a empresa assinou um acordo opera-
cional com a Nacional Energética para estudar
projetos de eletricidade no Brasil. Embora um
negócio envolvendo a parceria na conclusão
de Serra da Mesa, que interessava à SUEZ Ener-
gy International, não tivesse acontecido, as
empresas assinaram um acordo para prospec-
tar e participar de investimentos no setor. Logo
depois, entretanto, o Banco Nacional passou
a ser administrado pelo Banco Central e ter-
minou vendido. Mas sua subsidiária, Nacional
Energética, por ser uma empresa não-financei-
ra, não podia ser diretamente administrada ou
liquidada pelo Banco Central, e o Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico e So-
cial (BNDES), seu principal financiador, tinha
interesse que a construção de Serra da Mesa
continuasse. Em junho de 1996 houve uma pri-
meira tentativa de leilão da Nacional Energéti-
ca, que fracassou, pois não houve propostas.
Pouco depois, dois grupos
se credenciaram à aquisição:
a SUEZ Energy International
e o grupo VBC, formado por
Votorantim, Bradesco e Ca-
margo Corrêa, que acabou
arrematando a empresa.
Longe de se abater, a di-
reção da SUEZ Energy Inter-
national aproveitou-se da ex-
periência e das informações
acumuladas e, olhando pa-
ra a frente, viu um cenário
de novas e excelentes oportunidades que se
configurariam no setor elétrico com a tendên-
cia de leilões de concessões e privatizações. A
partir de um pequeno escritório no Rio de Ja-
neiro, a SUEZ Energy Brasil, na época Tracte-
bel Brasil, continuou a estudar especialmente
o potencial do chamado complexo São Felix,
nos estados de Goiás e Tocantins, formado
por várias usinas hidrelétricas ao longo do rio
Tocantins. Serra da Mesa, a mais a montan-
te, estava em construção. As demais estavam
no papel, em uma longa história que come-
çara em outubro de 1979, quando o governo
federal autorizou o estudo do aproveitamen-
to dos recursos hídricos do rio Tocantins e de
seus afluentes. No projeto de aproveitamen-
to para a bacia, desenvolvido posteriormente
por Furnas, estavam previstas ainda as usinas
de Cana Brava, São Salvador, Peixe, Lajeado e
Estreito, todas em direção ao norte.
Pouco tempo depois da decisão da SUEZ
Energy International de estudar essa bacia, o go-
verno brasileiro começou a licitar novas usinas
que abasteceriam o país nos próximos anos. Es-
sa era a hora. Por um lado, o novo modelo valori-
zava a participação da iniciativa privada no setor
e, por outro, a estabilidade econômica e as pers-
pectivas de crescimento do
mercado passavam a qualifi-
car o Brasil como um bom ris-
co de investimento. A SUEZ
Energy International, então,
ampliou sua equipe de análi-
se de projetos no Brasil, ava-
liando profundamente cada
uma das possíveis licitações
sob os seus mais diferentes
aspectos. Faziam parte desse
time profissionais de várias
áreas com experiência no se-

24 25
tor elétrico, a maioria deles vindos da própria Na-
cional Energética.
A primeira concessão leiloada seria Cana
Brava, uma usina com potência de 450MW a ser
construída no rio Tocantins, 50 quilômetros rio
abaixo da usina de Serra da Mesa. O local fica
entre os municípios de Minaçu e Cavalcante, no
norte do estado de Goiás, considerado uma das
regiões mais pobres do estado, aproximada-
mente 250 quilômetros ao norte de Brasília. Os
estudos de viabilidade do Projeto Cana Brava ti-
nham sido concluídos pelo governo ainda em
1983. Mas somente em 1997 o empreendimento
recebeu o licenciamento ambiental, emitido pe-
la Agência Goiana
de Meio Ambiente
e Recursos Natu-
rais e acatado pelo
Instituto Brasileiro
do Meio Ambien-
te e dos Recursos
Naturais Renová-
veis - IBAMA. Cana
Brava era alvo prio-
ritário da equipe da
SUEZ Energy International havia vários meses.
O profundo conhecimento das questões sociais
e ambientais, decorrente da sólida cultura em-
presarial do Grupo SUEZ, e a eficiente modela-
gem financeira e de engenharia desenvolvida se
mostrariam decisivos para a empresa manter-se
firme em sua proposta de adquirir a concessão.
O principal problema para todos os concorren-
tes ainda era a inconsistência do novo modelo
do setor elétrico.
Na verdade, a formatação da licitação de
Cana Brava era em si mesmo uma novidade no
mercado brasileiro. Para a época, o negócio re-
velava um risco relativamente elevado, consi-
derando-se o investimento de centenas de mi-
lhões de dólares em um momento de transição
do modelo regulatório de público para privado,
de negócio fechado para o aberto, entre tantas
outras modificações.
Na prática, a Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL) colocava a concessão para lici-
tação e disponibilizava apenas uma série de es-
tudos básicos que o interessado, por sua conta
e risco, deveria aperfeiçoar. O contrato de con-
cessão determinava o pagamento à União de um
valor fixo anual de Uso do Bem Público (UBP),
entre o sétimo ano após a assinatura do contrato
e o trigésimo quinto ano. Ganharia a concessão
quem oferecesse mais ágio sobre o UBP fixado,
responsabilizando-
se não apenas pela
construção da obra,
mas também em
agir em conformida-
de com os termos e
condições da legis-
lação ambiental, as-
sumir responsabili-
dade por eventuais
acidentes ambien-
tais, pela desapropriação e o reassentamento da
população nas áreas afetadas e, principalmente,
assumir o risco de vender energia no mercado.
Pelo modelo, o detentor da concessão teria o di-
reito de vender a energia gerada no mercado li-
vre a ser criado, a partir do início da extinção dos
contratos iniciais entre geradores e distribuido-
res de energia firmados em 1997. Assim, em abril
de 1998, a SUEZ Energy International ganhou o
leilão de concessão da usina Cana Brava, e a em-
presa estava definitivamente no Brasil.
Nos meses seguintes ao leilão, a equipe da
SUEZ Energy Brasil atualizou as informações so-
cioeconômicas do Estudo de Impacto Ambien-
tal (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental

24 25
(RIMA) e preparou o Projeto Básico Ambien-
tal (PBA) de Cana Brava, além de rever o Proje-
to Básico de Engenharia. Três meses depois, em
agosto, o contrato de concessão foi assinado. O
desafio que se colocava à frente seria imenso: a
pequena equipe havia superado a primeira etapa
e vencido o leilão. Mas construir uma usina gre-
enfield, ou seja, a partir do zero, sem ter uma es-
trutura de suporte técnico, era um desafio imen-
samente maior. A solução veio em decorrência
das demais investidas da SUEZ Energy Interna-
tional no Brasil. Paralelamente ao processo de
Cana Brava, a empresa continuou a estudar vá-
rias oportunidades no processo de privatização
do setor. Uma das
prioridades era a
Centrais Gerado-
ras do Sul do Bra-
sil – Gerasul (hoje
chamada Tracte-
bel Energia), em-
presa que ficou
com o parque
gerador resultan-
te da cisão da estatal federal Eletrosul. Era um alvo
interessante. A Gerasul tinha 1.228 funcionários,
instalações no Rio Grande do Sul, em Santa Cata-
rina, e no Paraná, um parque com capacidade de
3.719MW, entre usinas térmicas e hidráulicas, mais
outras duas usinas em construção, e contratos fir-
mes de venda de energia – os contratos iniciais.
O processo de privatização da Gera-
sul foi muito disputado. Inicialmente, 42 pro-
ponentes adquiriram o edital, dentre eles a
SUEZ Energy International, que já havia tenta-
do, mas com exceção do leilão de Cana Brava,
nunca havia vencido um leilão desse tipo en-
tre os realizados no Brasil. No dia do leilão, 15
de setembro de 1998, na sede da Bolsa de Va-
lores do Rio de Janeiro, estavam presentes os
governadores do estados do Sul, o presiden-
te da ANEEL, ministros, e a imprensa. Surpre-
endentemente, apenas os representantes da
SUEZ Energy International e de um concor-
rente estavam presentes. A crise econômica
recentemente ocorrida na Rússia, que criara
problemas de financiamento internacional,
afugentara os demais interessados. E apenas a
SUEZ Energy International entregou o envelo-
pe, com uma proposta de R$ 945,7 milhões, a
segundos do fim da contagem do leiloeiro.
Assim, em poucos meses a SUEZ Energy In-
ternational se transformou de um escritório em
um dos grandes players de energia do Brasil. A
pequena equi-
pe montada para
disputar conces-
sões e privatiza-
ções tinha ago-
ra um jogo de
verdade. Eram
muitas frentes a
atacar, todas si-
multaneamente:
reestruturar a Gerasul com a missão de torná-la
líder no setor de geração e comercialização de
energia, participar dos consórcios de construção
das usinas hidrelétricas de Itá e Machadinho, so-
lucionar o problema de fornecimento de energia
da cidade de Campo Grande (o que aconteceria
com a construção da usina térmica William Arjo-
na) e construir Cana Brava.
Em 1998, a SUEZ Energy International co-
lhia os primeiros resultados dos esforços de dois
anos de investimentos em conhecer o Brasil, num
momento em que o marco regulatório era pouco
mais que uma promessa. Foi uma colheita gene-
rosa, em que todas as sementes destinaram-se ao
replantio, pois as grandes safras viriam mesmo
nos anos seguintes.

26 27
Can
a B
rava
, um
pro
jeto
in
ova
do
r
Ao assumir um projeto
greenfield, que deveria ter
respostas seguras sobre a
construção, a tecnologia, o
financiamento e soluções
para as questões sociais e
ambientais, a SUEZ Energy
International elaborou o
primeiro project finance do
setor elétrico nacional.
A aquisição da Gerasul, a partir de feverei-
ro de 2002 chamada Tractebel S.A., e to-
dos os desafios de assumir sua administração
não colocaram em segundo plano o projeto da
usina Cana Brava. Ao contrário, os dois proces-
sos se mostraram complementares. A estrutura
da Tractebel, aliada à experiência internacional
da SUEZ Energy International em grandes con-
tratos de construção, deu mais segurança para a
decisão de assumir um projeto greenfield, que
deveria ter respostas seguras sobre o contrato
e o custo de construção, a tecnologia escolhi-
da, um financiamento compatível com diversas
moedas, prazos e índices; a alocação correta de
riscos, e soluções adequadas para as questões
sociais e ambientais, além, é claro, de oferecer
uma estrutura de comercialização da energia
que seria gerada.
Nesse desafio, a equipe da Tractebel foi
muito importante. Alguns funcionários deixa-
ram a companhia e se juntaram à equipe da Le-
me Engenharia, que havia sido adquirida pela
Tractebel Engineering, e juntamente com outra
empresa do Grupo SUEZ, a francesa Coyne Et
Bellier, haviam sido contratadas para owner’s
engineers do projeto, isto é, auditores técnicos
do proprietário.
A questão da comercialização da energia
futura mostrou-se crucial. Isso porque qualquer
que fosse o financiador, haveria a exigência de
se garantir a venda. A solução foi firmar um con-
trato com a própria Tractebel Energia. A energia
gerada por Cana Brava a partir do ano 2002 seria
incorporada ao mix da empresa, que começava
a montar uma pioneira estrutura de comerciali-
zação capacitada para operar em um mercado
aberto, com clientes livres.
Essa opção foi decisiva para o projeto de
Cana Brava tornar-se inovador sob vários as-
pectos na história da implantação de usinas

26 27

28 29
hidrelétricas no Brasil. Possibilitou que ele se
tornasse o primeiro project finance do setor elé-
trico nacional, aproveitando-se principalmente
da expertise da SUEZ Energy International nes-
se modelo de empreendimento no mercado in-
ternacional. O project finance era um modelo
de financiamento muito utilizado por bancos
multilaterais e privados em diversos países
desde o início dos anos 90, mas ainda uma no-
vidade no Brasil. Nele, todas as garantias estão
inseridas no próprio escopo do projeto. Cria-
se uma empresa, chamada project company,
uma corporação de propósito específico para
construir e ser dona do projeto, da concessão,
do financiamento, da construção, das licenças
e dos contratos de venda de energia. Ela tem
um fluxo de capitais próprio e deve pagar so-
zinha a dívida contraída.
A empresa criada pela SUEZ Energy In-
ternational para desenvolver, projetar, finan-
ciar, construir, operar e manter Cana Brava foi
batizada de Companhia Energética Mercosul.
Mas como nenhuma empresa pode ter o no-
me de Mercosul, que é de uso exclusivo pa-
ra o acordo internacional dos países do Cone
Sul, nos meses seguintes a empresa mudou de
nome, para Companhia Energética Meridional
(CEM). Com a CEM, a SUEZ Energy Internatio-
nal viabilizava uma das exigências do contrato
de financiamento que estava sendo negociado
desde 1998 com o BNDES. Esse contrato foi fe-
chado em março de 1999.

28 29
Desde que iniciaram as negociações, a
SUEZ Energy International e o BNDES haviam
deixado espaço para a participação futura do
Banco Interamericano de Desenvolvimen-
to (BID), que utilizaria o tempo adicional pa-
ra efetuar um due diligence ambiental. O go-
verno brasileiro havia sinalizado em diversas
oportunidades seu interesse em convidar o
BID a participar de projetos de infra-estrutura
no Brasil. Isso era importante em um momen-
to em que a demanda pela ampliação e reno-
vação dos investimentos na área era crescen-
te, e em que o próprio BID procurava retomar
seus investimentos no país. O projeto de Ca-
na Brava encaixava-se perfeitamente na no-
va política da instituição multilateral: era um
project finance, com empreendedor interna-
cional e adequada estrutura de comercializa-
ção de energia. A SUEZ Energy International
aceitou a modelagem, sendo um dos pionei-
ros nos anos 90 dessa estratégia. Pelo novo
formato, o BNDES assumiu a participação de
financiamento de 40% na parcela em moeda
nacional, e a parcela em moeda estrangeira
de 30% seria aportada pelo BID. Os 30% res-
tantes seriam capital próprio da SUEZ Energy
International.
O financiamento do BID veio de du-
as fontes: uma de US$ 75 milhões de linhas
de longo prazo do próprio banco, e outra, de
US$ 90 milhões, de uma linha de financiamen-
to privado de longo prazo fornecida por um
consórcio formado pelos bancos comerciais
Dresdner Kleinwort Wasserstein (DrKW), For-
tis, e Australia & New Zealand Banking Group
(ANZ). A participação dos bancos multilate-
rais significou a redução dos riscos político,
de expropriação, conversibilidade, transferên-
cia e ações discriminatórias. A participação do
BID, em particular, teve um efeito positivo na
redução do capital de investimento necessário
e pela utilização de práticas internacionais, re-
sultando também na redução dos riscos políti-
co e regulatório.
Em desdobramento ao Projeto Básico Am-
biental (PBA), foi criado o Plano de Gerencia-
mento Social e Ambiental, programa aplicado
integralmente a um custo de aproximadamen-
te US$ 45 milhões e que passou a incorporar o
contrato de financiamento do BID. No PBA, a
SUEZ Energy International já trabalhava com
parâmetros socioambientais muito superiores
aos requisitos brasileiros, superando o escopo
das recentes experiências de construção de usi-
nas no Brasil. Um exemplo: desde o início do
projeto, a SUEZ Energy International decidira
que, caso vencesse a licitação, os posseiros de
terras na área afetada teriam os mesmos direitos
que os proprietários.
A CEM cumpriu todos os requisitos esta-
belecidos contratualmente com o BID no Pla-
no de Gerenciamento Social e Ambiental. O
BID acompanhou todas as etapas do empreen-
dimento, abrangendo a obra de construção da
usina e os programas socioambientais associa-
dos, e logo ficou claro que, para a população
da área de abrangência do reservatório da usi-
na, o conjunto de compensações legais e be-
nefícios adicionais tornava, na prática, a vida
de todos muito melhor. (A descrição de todos os projetos
e benefícios sociais e ambientais implantados durante a construção
e os mantidos após a operação da usina Cana Brava estão descritos
nos capítulos seguintes).
Outro fato inédito envolvendo a implan-
tação de Cana Brava foi a opção da SUEZ Ener-
gy International de tocar a obra com um tipo
específico de contrato de construção. Até en-
tão, era usual no Brasil o concessionário con-
tratar empresas de projeto, construção civil e
equipamentos, entre outras, em contratos di-

30 31
versos, e administrar o negócio com grandes
equipes próprias, assumindo também todo o
risco da implantação.
No caso de Cana Brava, por ter sido o pri-
meiro projeto e o primeiro investimento da
SUEZ Energy International no Brasil, a opção
de administrar por conta própria diversos con-
tratos de fornecimento e construção seria pro-
vavelmente a solução mais barata, porém, mui-
to mais arriscada. Para uma empresa dando os
primeiros passos no país, a estratégia mais se-
gura para diminuir os riscos de construção foi
optar por um contrato EPC – Engineering, Pro-
curement and Construction, por empreitada
integral, abrangendo projeto, fornecimento de
materiais e equipamentos, construção e mon-
tagem. Nessa modalidade de contrato, um gru-
po de fornecedores assumiria integralmente a
responsabilidade de entregar à CEM uma usina
pronta, funcionando, conforme as especifica-
ções técnicas e o preço final acordados. Cana
Brava se tornaria, então, o primeiro EPC turn
key, ou seja, com a chave na mão, para a cons-
trução de uma usina hidrelétrica no Brasil. O
contrato EPC foi assinado às vésperas do Na-
tal de 1998, às 3 horas da manhã, em Florianó-
polis, e marcava o fim de uma complexa nego-
ciação com o consórcio vencedor, que passou
a se chamar Consórcio Cana Brava (CCB), for-
mado pelas empresas Construtora Norber-
to Odebrecht e Construtora Andrade Gutier-
rez, para a construção civil, e Voith Máquinas e
Equipamentos e Siemens para fornecimento e
montagem eletromecânica, tendo a Intertech-
ne como subcontratada para o projeto execu-
tivo de engenharia. Posteriormente, a Voith e
a Siemens formaram a joint-venture Voith-Sie-
mens Hydro Power Generation.
Ao longo da obra, seriam contratadas ou-
tras empresas e instituições, entre elas várias

30 31
universidades brasileiras, para implantar as
ações sociais e ambientais previstas para a área
do reservatório. A avaliação e a negociação de
terras e a parte técnica de remanejamento e re-
assentamento ficaram a cargo da Geotec En-
genharia e Planejamento Ambiental. A coorde-
nação de programas sociais coube à Vida Ser
Planejamento e Gestão Socioambiental. A lim-
peza da área do reservatório e a retirada de ma-
deira e lenha foram responsabilidade da Enge-
flor, sob supervisão da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa-Cenargem),
que também realizou o resgate da flora. Já o
resgate da fauna silvestre e o monitoramento
da ictiofauna foram feitos pela Naturae Proje-
tos e Consultoria Ambiental. Participaram ain-
da o Instituto Geabrasil, a Universidade Fede-
ral de Goiás (UFG), a Universidade de Brasília
(UnB), a ECSA – Engenharia Ambiental, a CGR
– Meio Ambiente, a GN Consult e a Universida-
de Católica de Goiás (UCG), entre outras em-
presas e instituições.
O primeiro desafio do CCB foi otimizar
o projeto básico da usina. Com vasta expe-
riência internacional em geração de ener-
gia, a SUEZ Energy International acreditava
que o projeto disponibilizado no leilão não
era o mais econômico nem o mais eficiente.
A idéia era refazê-lo a partir de paradigmas
técnicos mais atuais, apoiados por novos
estudos hidrológicos e sondagens, para re-
duzir o risco da construção. Durante alguns
meses, o projeto básico de engenharia foi
otimizado pela empresa Intertechne, sub-
contratada do CCB.
As diretrizes das mudanças do projeto ex-
ploravam duas frentes: reduções do custo e do
prazo de construção. O projeto básico original
previa um prazo entre 50 e 60 meses e uma usi-
na com quatro máquinas. A meta era viabilizar
a obra em apenas 42 meses e instalar não qua-
tro, mas três máquinas mais potentes e efi-
cientes. A mudança decisiva para a redução
global dos prazos foi a opção de deslocar os
trabalhos de desvio do rio por meio de adu-
fas integradas à base do vertedouro. As adu-
fas são espécies de galerias de concreto que
permitem, temporariamente, durante a cons-
trução, a passagem da água desviada do lei-
to original do rio, enquanto as demais partes
da obra são executadas. Posteriormente, elas
são fechadas por comportas ou concreto, sen-
do incorporadas à própria barragem. Mas o
projeto original de Cana Brava exigia que to-
do o vertedouro estivesse pronto para desviar
o rio. Com essa nova opção, seria possível ini-
ciar a construção da barragem no leito do rio
e na margem esquerda com mais de sete me-
ses de antecipação.
Os resultados dos novos estudos foram
então apresentados e aprovados pelo gover-
no federal, por intermédio da ANEEL. O perfil
da nova usina Cana Brava estava definido. Se-
ria uma usina hidrelétrica do tipo fio d’água,
operada em sintonia com o reservatório da usi-
na Serra da Mesa, situado a montante, com um
reservatório de apenas 139 km2, inundando
parcialmente áreas dos municípios de Mina-
çu, Cavalcante e Colinas do Sul. Teria 450MW
de potência instalada, três unidades geradoras
de 150MW cada, conectadas por uma linha de
transmissão de energia com tensão de 230 kV e
extensão de 58,5 quilômetros até a usina Serra
da Mesa, de onde a energia entraria no Sistema
Nacional Interligado.
Enfim, no final de 1998 tudo estava pron-
to. No papel, mas tudo pronto. Logo nos pri-
meiros meses de 1999 o Planalto Central e o
Brasil inteiro começariam a ver a usina hidrelé-
trica Cana Brava se tornar uma realidade.

32 33

32 33
Arranjo geral da obra.

34 35
As
ob
ras
civi
s d
e C
ana
Bra
va
Com a missão de domar o
rio Tocantins, durante a fase
mais intensa da construção
cerca de três mil pessoas
trabalharam na obra.
O início da geração de Cana Brava estava
previsto contratualmente com a ANE-
EL para fevereiro de 2004, limite imposto pe-
lo contrato de concessão. Mas ao implantar
o canteiro de obras no final de maio de 1999,
a SUEZ Energy International definiu que iria
gerar bem antes disso, estabelecendo a entra-
da em operação para outubro de 2002. Por is-
so, a primeira equipe do Consórcio CCB que
fincou pé na margem esquerda do rio Tocan-
tins, a cerca de 25 quilômetros de Minaçu, sa-
bia que ninguém tinha tempo a perder. Essa
equipe, as outras que chegaram depois – das
empresas do Consórcio CCB e suas contrata-
das – e todas as quase 3 mil pessoas que tra-
balharam nas diversas etapas da obra tinham
consciência que estavam assumindo um gran-
de desafio: construir em tempo recorde uma
usina hidrelétrica de 450MW.
Cerimônia de lançamento de Cana Brava.

34 35
tral de concreto, o lançamento da balsa no rio
Tocantins para travessia de equipamentos pe-
sados para a margem direita e a montagem
dos equipamentos para a construção de uma
ponte de concreto. Simultaneamente, come-
çaram os programas de segurança no traba-
lho e meio ambiente, além do Programa de
Gerenciamento da Qualidade do Complexo,
que, uma vez implantados, definiram todas
as diretrizes e políticas de gestão durante a
construção. Enquanto isso, na margem direi-
ta, prosseguia a instalação do canteiro defini-
tivo, com a construção dos escritórios da CEM
e do CCB, dos almoxarifados e dos equipa-
mentos de serviços de apoio, entre eles o am-
bulatório, o refeitório, os alojamentos e a ter-
raplenagem da malha rodoviária interna do
canteiro. Nos meses seguintes, aproveitan-
do o período de seca na região, que costuma
durar até outubro, as escavações comuns e
em rocha para abrigar as instalações da usina
continuaram a todo vapor.
Durante as construções, os técnicos das
empresas do CCB constataram que o reser-
vatório da usina Serra da Mesa, localizado 50
quilômetros rio acima, se encontrava bastante
baixo, com probabilidades extremamente redu-
zidas de grandes descargas pelo vertedouro, já
que registros históricos de enchentes mostram
que as mesmas poderiam ser encaixadas no vo-
lume útil do reservatório. Isso possibilitou uma
mudança significativa dos planos, permitindo
trabalhar com mais folga no esquema de des-
vio do rio, a construção de ensecadeiras mais
baixas, com o mesmo nível de segurança exigi-
do no projeto, e reduzir os prazos de constru-
ção das obras nas áreas ensecadas e da exten-
são total da barragem de concreto compactado
a rolo no leito do rio, substituindo-a por barra-
gem de terra e enrocamento.
Logo o cenário foi rapidamente muda-
do: no lugar da típica paisagem de cerrado, co-
meçou a crescer um grande canteiro de obras,
com centrais de concreto, pátios de máquinas
e equipamentos, depósitos de cascalhos e ou-
tros materiais, refeitório e alojamento. Era o
início de um vai-e-vem sem fim que duraria dia
após dia durante 36 meses.
Naquele primeiro mês já surgiram as ins-
talações pioneiras do canteiro de obras: o alo-
jamento da margem esquerda, a melhoria da
estrada até Minaçu, as bases da primeira cen-

36 37
Aparentemente simples, esse fato serve
de exemplo para uma importante característi-
ca da implantação do projeto Cana Brava. To-
da a construção foi conduzida sob um controle
bastante rigoroso do programa de implemen-
tação das obras e montagens dos equipamen-
tos eletromecânicos, com estreita interação en-
tre a SUEZ Energy International e o CCB, mas
com espaço para discussão e implementação
de ajustes durante a própria construção. Além
da redução da altura das ensecadeiras, outro
fator que contribuiu para reduzir os prazos de
construção foi o uso intensivo de formas desli-
zantes para concretagem, contemplando mais
de 60% do volume total de concreto lançado
na obra por esse processo, e de concreto bom-
beado, reduzindo o emprego de guindastes na
obra e os prazos de concretagens.
Os olhos da SUEZ Energy International
em todas essas decisões nas obras relativas ao
EPC eram os das empresas Coyne et Bellier e
Coyne e Bellier Engenharia, companhia fran-
cesa e sua subsidiária brasileira, com longa
tradição em empreendimentos dessa nature-
za. A elas cabia auditar o controle da qualida-
de da construção, bem como avaliar e avalizar
as eventuais mudanças sugeridas pelo Consór-
cio Cana Brava. Posteriormente, em maio de
2000, a Tractebel Engineering adquiriu a Leme
Engenharia, incorporando a Coyne e Bellier
Engenharia à nova empresa do grupo em de-
zembro de 2001, dando continuidade aos tra-
balhos de auditoria do controle da qualidade
em Cana Brava.
Com o ritmo das obras acelerado, em
dezembro de 1999 estavam prontas as insta-
lações do canteiro na margem direita, tais co-
mo as obras civis dos alojamentos, escritórios
do Consórcio Cana Brava e da CEM, ambula-
tório, almoxarifados, refeitório e a terra-
plenagem do pátio da subestação. Então,
toda a infra-estrutura administrativa e téc-
nica do Consórcio Cana Brava e da Coyne
e Bellier/Leme Engenharia foi transferida

36 37
Ponto do rio Tocantins onde seria construída a usina.

38 39
para as instalações do canteiro de obras de
Cana Brava. Dali até março de 2000, as chuvas
castigaram muito a região e não foram realiza-
das escavações comuns. Apesar do clima, foi
concluída nesse período a montagem da Cen-
tral de Concreto Compactado a Rolo, funda-
mental para o cumprimento do terceiro mar-
co contratual do cronograma, dez meses após
o início das obras.
Com ou sem chuvas, toda a logística da-
quele primeiro ano de obra não tinha sido das
mais fáceis: a estrada de ligação a Minaçu, a
cidade mais próxima, estava sendo restau-
rada, com a construção de vários pontilhões
novos. Chegava-se ao rio Tocantins pela mar-
gem esquerda, mas o canteiro principal e a
maior parte da obra estavam se desenvolven-
do na margem direita. Durante 11 meses, a
travessia dependeu de uma balsa de 120 tone-
ladas, movida por rebocadores, em um pon-
to onde o rio tinha mais de 200 metros de lar-
gura. Isso só foi melhorar em julho de 2000,
com a conclusão da ponte de serviço de 240
metros de extensão. A balsa seria aposentada
pela CEM e doada à Agência Goiana de Trans-
portes e Obras Públicas – AGETOP, para uso

38 39

40 41
público em outro local de Goiás, e as car-
retas de até 45 toneladas de carga, que le-
vavam 30 minutos para atravessar de uma
margem a outra, perderiam agora menos de
um minuto na travessia. A ponte foi inau-
gurada por autoridades e pela população
de Goiás, pois após a conclusão da obra ela
seria incorporada ao patrimônio do estado,
servindo como ligação entre os municípios
de Minaçu e Cavalcante.
A inauguração da ponte agilizaria o tra-
balho, mas, entre os barrageiros, os homens
que levam a vida construindo barragens, cor-
re o ditado de que somente com o rio desvia-
do pode haver descanso. E em toda barragem
o desvio do rio é o momento mais crítico da
construção. Só que em Cana Brava o desvio
do rio foi muito tranqüilo, especialmente pe-
la segurança de estabilidade do regime hi-
drológico proporcionada pela usina Serra da
Mesa. Assim, em 22 de outubro de 2000, seis
meses antes do prazo previsto, o rio Tocan-
tins seria desviado naquele ponto. Em uma
cerimônia marcante, autoridades de Goiás e
de toda a região, além de diretores da SUEZ
Energy International e da Tractebel Energia
observaram a fumaça liberada pela detona-
ção de duas toneladas de explosivos na en-
secadeira, enquanto a água do Tocantins saía
do leito original e escorria para um canal es-
cavado em rocha com cerca de 500 metros de
extensão, que cruzava as adufas construídas
na base da futura barragem de concreto com-
pactado a rolo. Até o final da obra, nesse pe-
queno trecho o rio correria em paralelo ao
leito original. Três dias depois, a ensecadeira
transversal de montante foi concluída e o lei-
to original do rio ficou completamente seco,
permitindo a arrancada das obras finais da
barragem da margem esquerda.

40 41
Ponte sobre o rio Tocantins construída para implantação da usina.

42 43
Durante a fase mais intensa dos traba-
lhos, entre maio de 2000 e outubro de 2001,
a obra de Cana Brava reuniu simultaneamen-
te mais de dois mil trabalhadores em regime
de dois turnos, com pico de 2.928 pessoas em
julho de 2001. Tinha gente de todo lugar, mas
sobretudo de Minaçu, Cavalcante e outros mu-
nicípios da região, pois uma das premissas do
projeto era valorizar e aproveitar a mão-de-
obra local, assolada pelo desemprego. Mil e
duzentos homens moravam no alojamento,
um local confortável, com dependências ade-
quadas, centro de convivência, opções de la-
zer como quadra de esportes, sala de televisão

42 43
e vídeo e refeitório climatizado para atender
400 pessoas simultaneamente. Eles e todos
os demais trabalhadores recebiam treinamen-
to na admissão sobre segurança no trabalho
e educação ambiental, além de disporem de
uma escola de alfabetização e ensino médio.
Outros benefícios importantes eram seguro de
vida em grupo, vale-transporte, convênio com
dentistas e farmácia do SESI. Outro grupo de
pessoas, sobretudo engenheiros e técnicos li-
gados ao CCB e à Coyne e Bellier/Leme ocupa-
va 150 casas da Vila de Furnas, em Minaçu, que
havia sido construída para a implantação da
usina Serra da Mesa.

44 45

44 45
Operação final de desvio do rio Tocantins.

46 47
Condutos forçados para passagem da água que alimenta as turbinas.

46 47

48 49

48 49

50 51
Cana Brava, grandes númerosQuantidade de materiais movimentados e utilizados para a construção.
1.659.000 m3
de escavação comum
1.425.000 m3
de escavação em rocha
2.851.000 m3
de rochas, solos e areia dispostos para as barragens

50 51
721.000 m3
de rochas e solos dispostos para as ensecadeiras
445.000 m3
de concreto compactado a rolo, utilizado nas barragens
310.000 m3
de concreto convencional
15.404 toneladas de ferro
Cana Brava, grandes números

52 53
Um
a o
bra
, mu
itas
fre
nte
s
O grande esforço de todas as
empresas envolvidas permitiu
a conclusão da obra em
apenas 36 meses, um recorde
para empreendimentos desse
porte no país.
De nada adiantaria tanto esforço de toda
essa gente para acelerar a construção
civil se as outras partes da usina não pudes-
sem acompanhar o mesmo ritmo. A implan-
tação de uma usina hidrelétrica implica em
várias frentes, todas muito complexas e, às ve-
zes, interdependentes, constituindo o chama-
do caminho crítico, aquele que, se parar, atra-
sa todo o cronograma. De um lado estão as
obras civis, que envolvem fundamentalmen-
te a construção da barragem e das estruturas
que abrigam os equipamentos eletromecâni-
cos. Depois vêm as obras eletromecânicas, ou
seja, todos os equipamentos do vertedouro,
tomada d’água e casa de força, como compor-
tas, turbinas e geradores. Do lado de fora da
usina, mas ainda na área eletromecânica, fi-
cam a subestação, responsável pela adequa-
ção da tensão gerada, e a linha de transmissão
de energia, que interliga a usina ao sistema
elétrico nacional. Além dessas, existem ain-
da as obras e os programas da área do reser-
vatório – a área efetivamente alagada –, que
implicam na reconstrução de toda a infra-es-
trutura afetada, mais os programas sociais e
ambientais, conforme se verá nos capítulos a
seguir. Em Cana Brava, além dos programas
socioambientais, as principais obras na área
do reservatório eram a construção da ponte e
dos acessos ao rio Bonito, da ponte Lajeado e
bueiro celular do Ginho, do sistema viário do
Carmo, do Matadouro Municipal de Minaçu e,
a maior de todas, orçada em cerca de R$ 8 mi-
lhões, o sistema de tratamento de esgoto e re-
de de captação, incluindo as estações de bom-
beamento, da cidade de Minaçu.
Toda a parte eletromecânica da usina Ca-
na Brava ficou a cargo da Voith-Siemens Hydro-
power Generation, membro do Consórcio Ca-
na Brava. O desafio da empresa era fabricar em

52 53
São Paulo e montar no local milhares de com-
ponentes mecânicos, elétricos e eletrônicos, em
prazos bem menores que os praticados no Bra-
sil e no exterior. Era muita coisa. E muita coisa
pesada. Cada conjunto turbina-gerador pesa-
va cerca de 610 toneladas. E a casa de força de
Cana Brava receberia três desses conjuntos. As
seis comportas metálicas do vertedouro tinham
15 metros de largura e 20 de altura cada, tomada
d’água com três vãos e condutos forçados com
nove metros de diâmetro.
Durante todo o processo, a fabricação e
a montagem foram inspecionadas e auditadas
por técnicos da Leme Engenharia, que acom-
panharam até os testes de bancada do mode-
lo reduzido da turbina no laboratório da Voi-
th, na Alemanha.
Testes de bancada do modelo reduzido da turbina, na Alemanha.

54 55
Conjunto turbina-gerador.

54 55

56 57
Montagem do gerador.

56 57
Mas um dos pontos mais críticos dessa
área era o domínio e implantação de tecno-
logias digitais, novas no setor elétrico brasi-
leiro, que permitiriam que Cana Brava tivesse
operação remota, a partir da usina hidrelétri-
ca de Salto Santiago, localizada a aproxima-
damente dois mil quilômetros de distância,
no Paraná. Para avaliar o melhor sistema di-
gital disponível, engenheiros da Leme Enge-
nharia e da Tractebel Energia visitaram insta-
lações semelhantes na Europa, conhecendo
tecnologias de desassistência de plantas hi-
dráulicas, onde a operação remota e o nível
de intervenção pudessem servir de referência
para o projeto Cana Brava. Outro desafio esta-
va do lado de fora da usina: construir uma su-
bestação para elevar a tensão de 13,8 kV pa-
ra 230 kV e uma linha de transmissão de alta
tensão de 58,5 quilômetros até Serra da Mesa,
com 141 torres metálicas, com altura média de
41,5 metros, tudo em prazos bem justos.
No início de 2001, com as obras civis
adiantadas, começaram as primeiras montagens
eletromecânicas. Em março, iniciaram os testes
de pressão e a montagem do estator da primeira
das três máquinas geradoras.
Em 31 de agosto daquele ano, o rotor des-
ceu no compartimento sobre o eixo da turbi-
na, marcando a conclusão da primeira unida-
de geradora. Foi um fato muito comemorado,
pois ela entraria em fase de testes. Como o rit-
mo de todas as frentes se encontrava adianta-
do em relação ao previsto, em novembro de
2001 uma revisão do cronograma demonstrou
a possibilidade de antecipar em quatro meses o
início da geração comercial. Era a coroação de
um grande esforço de todas as empresas envol-
vidas e que, na prática, permitiria a antecipa-
ção da venda de energia de aproximadamente
1.200.000 MWh.

58 59
Licitação
Março de 1998
Assinatura do Contrato de Concessão
7 de agostode 1998
Assinatura do contrato EPC
22 de dezembro de 1998
Notificação de prosseguimento e fechamento financeiro com o BNDES
Maio de 1999
Início das obras
31 de maio de 1999
Montagem da central de concreto
Setembro de 1999
Contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Dezembro de 2000
Início da concretagem da casa de força
Março de 2000
Cana Brava, tempos e movimentos
Assim, em janeiro de 2002, seis meses antes
do prazo previsto, as adufas de desvio do rio, por
onde as águas do Tocantins haviam passado no pé
da barragem durante meses, foram fechadas, ini-
ciando o enchimento do reservatório. Agora até
o tempo colaborava. Em 45 dias, graças às chuvas
abundantes dessa época do ano, o reservatório es-
tava formado. As montagens, testes e o comissiona-
mento dos equipamentos se aceleraram. Não havia
mais tempo a perder. A data que todos sonhavam
se aproximava. No início de maio, a primeira das
três turbinas estava pronta para gerar energia. To-
dos os testes feitos e tudo certo. Faltava só entre-
gar os convites, chamar a comunidade e as autori-
dades para cortar a fita. No dia 24 de maio de 2002,
apenas 36 meses após aquela primeira equipe de
trabalho fincar pé às margens do Tocantins, a Usina
Hidrelétrica Cana Brava seria inaugurada.

58 59
Início da concretagem do vertedouro
Abril de 2000
Início da concretagem da tomada d’água
Outubro de 2000
Desvio do rio
22 de outubro de 2000
Fechamento do reservatório
Janeiro de 2002
Inauguração oficial da usina
24 de maio de 2002
Início da operação comercial -Unidade 1
22 de maio de 2002
Início da operação comercial -Unidade 2
14 de agosto de 2002
Início da operação comercial -Unidade 3
25 de setembro de 2002
Cana Brava, tempos e movimentos

60 61
2C A P Í T U LO

60 61
O desafio ambiental
Construída no cerrado brasileiro, um dos mais ricos biomas do país, Cana Brava teve 14 programas com foco em ações de conservação e de preservação do meio
ambiente, que garantiram e, em muitos casos, superaram as exigências da legislação.

62 63
Teso
uro
de á
guas
e b
iodi
vers
idad
e
A disponibilidade de água em Goiás chega
à vazão de 14 litros/segundo por quilômetro
quadrado e o cerrado abriga uma das mais
ricas biodiversidades do país.

62 63
A água é um tesouro do estado de Goi-
ás e de boa parte do cerrado brasileiro.
Há muita, de qualidade, em rios e em reservas
no subsolo, resultado de bruscas mudanças de
temperatura enfrentadas pela região há cerca de
10 milhões de anos. Em Goiás, onde fica Cana
Brava, a disponibilidade de água chega à vazão
de 14 litros/segundo por quilômetro quadrado,
o que significa mais de 39 mil metros cúbicos
por ano por habitante. É muito mais que a mé-
dia necessária – cerca de 2.500 metros cúbicos
– para regiões que não desenvolvam atividades
econômicas que demandem grandes quantida-
des de água.
Goiás está sobre três bacias hidrográfi-
cas, mas a maior é formada pelos rios Tocantins
e Araguaia, tomando todo o norte e o oeste do
estado. O rio Tocantins nasce na junção do rio
das Almas e do rio Maranhão e corre cerca de
2.400 quilômetros até desaguar próximo a Be-
lém do Pará. Seu principal afluente é justamen-
te o rio Araguaia, já no estado de Tocantins. Mas
enquanto o Araguaia é, em grande parte do seu
curso, um rio de planície, alagando as regiões
que o margeiam e contribuindo fortemente pa-
ra o enriquecimento desses solos, o Tocantins é
encaixado, como um rio de planalto, correndo
por entre 70 municípios goianos, onde cerca de
785 mil pessoas vivem basicamente da agricul-
tura e da mineração.

64 65

64 65

66 67
Sendo um rio que perde altitude rapida-
mente, logo ficou evidente que o Tocantins se
prestaria bem para a geração de energia, em
empreendimentos de bom rendimento, com
impactos ambientais e sociais reduzidos quan-
do comparados aos de usinas de outras regiões
do país. Quando se chega ao trecho do Tocan-
tins onde a usina de Cana Brava seria construí-
da, olhando-se até onde a vista alcança, há ca-
deias de montanhas e, nas planícies, uma mata
não muito fechada, formada por árvores de mé-
dio porte e arbustos, que douram conforme
avança o tempo de seca e esverdeiam a cada
gota que o tempo de chuva traz. Visto de cima,
voando, parece um terreno pobre em biodiver-
sidade. Mas o engano é grave: o bioma daque-
la região norte de Goiás e de uma vasta região
do centro do Brasil – o cerrado – abriga uma das
mais ricas biodiversidades do país. Em número
de espécies, perde apenas para a mítica floresta
amazônica. De flora, são 280 espécies lenhosas e
mais de 430 arbustivas e arbóreas. A fauna soma
195 espécies de mamíferos, 840 de aves, 115 de
anfíbios, 180 de répteis e uma fauna de peixes ri-
ca e bastante peculiar, inclusive com espécies en-
dêmicas, exclusivas daquele local.

66 67
Tanto é assim que há grande possibilida-
de de o cerrado ter sido o próprio berço do mais
rico bioma do planeta, o ecossistema amazôni-
co. É o que defende o cientista Assis Ab’Saber,
um dos maiores estudiosos do cerrado. Nos 20
mil primeiros anos dos prováveis 45 milhões de
história do cerrado, ele provavelmente se espa-
lhava pelas regiões em que agora se encontram
os ecossistemas da Amazônia e da mata atlântica,
que só surgiram depois, com as drásticas mudan-
ças climáticas do último período pós-glacial.
No entanto, os vestígios encontrados em
sua formação geológica são ainda mais anti-
gos, da época em que o continente americano
estava unido com a África, no período pré-cam-
briano, formando o continente Gondwana. Is-
so há cerca de dois bilhões de anos. Nos últi-
mos 1,8 milhão de anos, o clima semi-árido da
região central do Brasil teria sido alvo de chu-
vas torrenciais que lapidaram o relevo e de-
positaram nas planícies vizinhas sedimentos
arenosos e argilosos. Além das chuvas, a esta-
bilização da crosta terrestre na região moldou
a paisagem, desenvolveu a riqueza geológica e
o substrato para sucessões de animais e plan-
tas existentes hoje.

68 69
A r
espo
nsab
ilida
de d
e co
nstr
uir
Cana
Bra
va
O Plano de Gerenciamento
Social e Ambiental foi
submetido aos rigorosos
parâmetros ambientais da
SUEZ Energy International,
que em muitos quesitos
superam o próprio escopo
legal brasileiro.
Ao entrar em uma região com tamanha ri-
queza ambiental para construir uma usi-
na hidrelétrica, em um ponto definido pelo go-
verno brasileiro, a SUEZ Energy International
tinha plena consciência de que suas ativida-
des iriam interagir com o meio ambiente, sen-
do seu compromisso permanente conduzi-las
com base nos princípios do desenvolvimento
sustentável, premissa de sua filosofia empre-

68 69
sarial. Antes mesmo de participar do leilão da
usina, os empreendedores desenvolveram es-
tudos e planejamento sobre as questões am-
bientais. Vencido o leilão, a cada passo, as fu-
turas ações eram cuidadosamente planejadas,
sendo avaliadas e fiscalizadas pelos órgãos am-
bientais competentes e pelos próprios finan-
ciadores. Seguindo um rito definido pela legis-
lação, o primeiro documento elaborado para o
empreendimento foi o Estudo de Impacto Am-
biental (EIA), uma peça técnica que avaliava
todas as possíveis conseqüências ambientais
da construção. Em seguida, veio o Relatório de
Impacto Ambiental (RIMA), uma tradução do
EIA em linguagem mais simples e acessível ao
público em geral. Depois saiu o Estudo de Via-
bilidade da Obra, que em Cana Brava foi ava-
liado pela Agência Goiana de Meio Ambiente e

70 71
Recursos Naturais. Após aprová-lo, a Agência
Goiana concedeu a Licença Prévia Ambiental
do empreendimento à SUEZ Energy Interna-
tional, definindo em detalhes quais programas
e áreas seriam contemplados nas ações de mi-
tigação e minimização dos impactos ambien-
tais. Tudo ficou documentado no Projeto Bá-
sico Ambiental (PBA), uma espécie de roteiro
final das ações, que deveria ser seguido à risca.
Além da aprovação dos técnicos da Agên-
cia Ambiental, o PBA de Cana Brava foi submeti-
do ainda aos rigorosos parâmetros ambientais in-
ternacionais da SUEZ Energy International, que
em muitos quesitos superam o próprio escopo
legal brasileiro. Depois, com a entrada do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) no
financiamento da obra, novos pontos foram in-
corporados ao Projeto Básico Ambiental (PBA),
resultando em uma peça mais complexa ainda,
chamada de Plano de Gerenciamento Social e
Ambiental (em inglês, Environmental and So-
cial Management Plan – ESMP).
O ESMP detalhava os 23 programas socio-
ambientais que deveriam ser executados, todos
cumpridos integralmente pela SUEZ Energy In-
ternational ao longo da implantação e após a
operação, a um custo total de aproximadamen-
te US$ 45 milhões .
Embora a filosofia do Plano de Gerencia-
mento Social e Ambiental (ESMP) buscasse a inte-
gração das dimensões socioambientais em todos
os programas, pode-se dizer que 14 deles tinham
mais foco em ações de conservação e preservação
do meio ambiente. Cada um com objetivos, me-
todologias, equipes e estruturas próprias, sendo
muitas vezes desdobrados em subprogramas para
otimizar os resultados. Alguns terminariam antes
mesmo da inauguração da usina. Outros, como se
verá no capítulo final, ainda estão em andamento.

70 71
Programas ambientais implantados durante a construção
Programa Objetivos
Acompanhamento da exploração mineral Acompanhar pedidos de exploração mineral nas áreas da construção, do reservatório e das áreas adjacentes.
Conservação da flora Realizar estudos e levantamentos na fase de pré-enchimento e o resgate da flora durante a formação do reservatório, para preservar material genético.
Fauna silvestre Inventariar as espécies animais, fornecendo subsídios para o planejamento da operação de resgate durante o enchimento do reservatório, prevendo rotas de fuga, captura, soltura e envio de animais para centros de pesquisa.
Gestão socioambiental do canteiro de obras Conjunto de ações de mitigação e monitoramento para contornar os impactos da construção no ar, na água, no solo, na flora e na fauna na área do canteiro.
Levantamento espeleológico Análise da ecologia e da biologia das cavernas, além de explorações espeleológicas e produção de mapas na região do empreendimento.
Limpeza do reservatório Retirar madeiras e materiais lenhosos e efetuar a descontaminação da área do reservatório, visando melhorar a qualidade da água.
Monitoramento limnológico e da qualidade da água Avaliar as condições da água antes, durante e após o enchimento do reservatório.
Monitoramento climatológico Avaliar eventuais mudanças microclimáticas em função do aumento da evaporação na área de influência do empreendimento. O banco de dados resultante do estudo foi publicado na internet, fornecendo importantes estudos para verificação dos impactos.
Monitoramento da ictiofauna Estudar a fauna de peixes do rio Tocantins e seu ciclo de vida. As ações também envolveram o resgate de animais durante o desvio do rio e na fase de enchimento.
Monitoramento geológico Descrever o processo evolutivo e de formação geológica na área do reservatório e de influência, verificando o comportamento das placas tectônicas e fissuras, e a preparação de mapas.
Monitoramento hidrológico Verificar as áreas de alagamentos, na influência direta ou indireta do reservatório, e produzir trabalhos de análise da vazão e do acúmulo de sedimentos.
Monitoramento sismológico Acompanhar a atividade sismológica na região do reservatório para verificar a possibilidade de ocorrerem danos à barragem e à comunidade próxima à usina. Os levantamentos realizados em Cana Brava não detectaram nenhum tipo de variação dos dados sismológicos.
Plano de uso e ocupação do reservatório Orientar o uso das terras no entorno do reservatório, de acordo com as potencialidades das regiões atingidas.
Salvamento arqueológico Localizar e estudar sítios arqueológicos na região em que o reservatório seria formado e na área de influência indireta do mesmo, de acordo com programa aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.
Implantação e consolidação de unidades de conservação
Destinar 0,5% dos recursos do empreendimento, conforme determinado pela Resolução 002/96 da CONAMA, para a implantação do Parque Estadual Terra Ronca, em Goiás.

72 73
Pesq
uisa
s ci
entí
fica
s
Os conhecimentos
decorrentes dos programas
ambientais contribuíram
muito para o levantamento
de informações e a
disseminação do conhecimento
científico sobre a região.
A implantação dos programas ambientais
previstos para Cana Brava teria que ata-
car um problema inicial: o grau de endemismo
de muitas espécies – o fato de só existirem ali –,
que demandou cuidados na maneira de reali-
zar intervenções, mesmo que de conservação.
Essa característica também torna as espécies e
seu comportamento mais difíceis de entender, o
que é ampliado pela falta de informações cien-
tíficas, que não podem ser buscadas em estudos
realizados em outros locais. No Brasil, ainda há
pouca informação sobre a distribuição das es-
pécies dentro do cerrado e poucos inventários
biológicos, limitados ainda a algumas áreas de
conservação. Por isso, os conhecimentos decor-
rentes dos programas ambientais da usina Cana
Brava, e também os feitos durante a construção
da usina Serra da Mesa, contribuíram muito para
o levantamento de informações e a disseminação
do conhecimento científico sobre a região.
Por conta dessa característica, a primeira
ordem foi pesquisar, estudar. Simultaneamen-
Didelphis albiventis – gambá.

72 73
te à chegada das primeiras máquinas no cantei-
ro de obras, em junho de 1999, uma equipe da
Naturae, empresa especializada em consulto-
ria ambiental, já havia montado uma estação de
pesquisa em Cana Brava. O ponto escolhido era
próximo ao Porto do Garimpo, pouco acima da
Barra de São Félix. Ali foram armadas diversas
barracas, formando o alojamento, a cozinha, o
almoxarifado e duas áreas de trabalho.
O trabalho correu de maio a dezembro de
1999, quando foi feito todo o levantamento das
espécies animais encontradas na região, numa
área entre a grota do Doutor, o córrego Curral e
o rio do Carmo, em ambas as margens do rio To-
cantins. Também foram colocadas, no canteiro
e nas estradas que conduziam a Minaçu, placas
avisando sobre a existência e proximidade de
animais silvestres. A intenção era reduzir os ris-
cos de atropelamento, pois o fluxo de animais
na região é bastante intenso.
A legislação ambiental prevê que durante a
implantação do canteiro de obras ocorra o inven-
tário da fauna da região, mas em Cana Brava o tra-
balho começou em uma etapa anterior. O desma-
tamento realizado para a instalação do canteiro, as
detonações e todo o trabalho dos operários sem-
pre foram acompanhados pela equipe da Naturae.
Esse monitoramento preventivo era uma garantia
de salvamento, caso algum animal fosse machuca-
do ou ficasse preso, pois os biólogos estariam ali.
Essa fase também foi uma prévia do inventá-
rio dos animais e auxiliou no planejamento da fase
de resgate, que viria em seguida. Enquanto faziam
o trabalho no canteiro de obras, os biólogos co-
meçaram a estudar as prováveis rotas de fuga dos
animais durante a obra e o enchimento do reser-
vatório. E, paralelamente ao trabalho desenvol-
vido com os animais, a equipe responsável pela
conservação da flora participava dos desmata-
mentos, selecionando espécies ameaçadas de
extinção e angariando informações para a etapa
da conservação de mudas nativas.
A partir desse material prévio, o monito-
ramento da fauna, até o enchimento da área do
reservatório, se concentrou na análise das rotas
e variações populacionais e em organizar o pla-
nejamento logístico do resgate durante o enchi-
mento do reservatório. Nessa fase, o mais im-
portante era conhecer as espécies, observar e
investir em aquisição de informações, como so-
bre a relação entre os animais e a flora da região.
Os anfíbios e répteis, encontrados em
grandes quantidades no cerrado e observados
em maior número durante o enchimento do re-
servatório, foram acompanhados durante a noi-
te, em brejos, trilhas e lagos. Além da captura de
cerca de dez exemplares por espécie, foram co-
lhidos dados de observação e zoofonia, os sons
emitidos pelos animais. Com as aves, a priori-
dade de vê-las e ouvi-las foi ainda maior, não
havendo sequer número mínimo de captura, o
que é altamente satisfatório.

74 75
Ara ararauna – canindé. Milvago chimachima – gavião-carrapateiro.

74 75
Ramphastos toco – tucano-açu. Aratinga aurea – periquito-estrela.

76 77
Iguana iguana – iguana.

76 77
Cnemidophorus ocellifer – calango.
Scinax fuscovarius – perereca.

78 79
As investidas em capturas se restringiram
o máximo possível. A estratégia era suprir toda
a necessidade de conhecimento durante o res-
gate que viria a seguir, quando então os animais
teriam que ser capturados. Por isso, os técnicos
investiam na captura de espécies pouco estuda-
das ou de grande interesse. Algumas eram mais
visadas, como os marsupiais, os mamíferos de
grande porte e os morcegos.
Na verdade, desde o início dos programas
de fauna estava previsto que algumas espécies
deveriam receber atenção especial por serem
consideradas perigosas ou estarem ameaçadas.
O grupo dos aracnídeos é um desses casos. Pa-
ra capturá-los, foram organizadas coletas por
vasculhamento em lajes de pedras, sob folhas e
troncos de árvores caídos, constatando a exis-
tência de espécies peçonhentas na região.
Também os pequenos mamíferos roedores
foram especificamente monitorados por esta-
rem relacionados à transmissão de doenças.
Um dos fatos que precisava ser verificado era a
existência de espécies exóticas, que geralmen-
te desequilibram as populações silvestres e de-
sencadeiam a contaminação.
Com os dados levantados pelos biólo-
gos, foi possível desenhar uma clara relação
entre as espécies animais e determinadas for-
mações da flora. Entre as aves, coletadas em
pouca quantidade, as semi-aquáticas eram
prioridade, por habitarem as matas ciliares,
bem como as de rapina, pelo comportamento
único que adotam em caso de mudanças co-
mo inundações e desmatamentos.
Os botos, que tinham maior chance de es-
tarem em locais de difícil acesso durante o en-
Monodelphis domestica – mucura.

78 79
chimento do reservatório e ameaçados de ex-
tinção, foram alvo do acompanhamento. Da
mesma forma ocorreu com os mamíferos de
grande porte, observados indiretamente, a par-
tir de pegadas, fezes e rastros, devido à dificul-
dade de deslocamento. Neste último caso, as
expedições noturnas acabaram revelando a
presença de caçadores.
Os macacos se destacam como impor-
tantes indicadores ambientais das forma-
ções florestais. Muito sensíveis ao barulho e
à agitação, eles foram os primeiros a acionar
o alarme das fugas, já com a chegada das má-
quinas e o início das obras. Além disso, mui-
tas espécies encontradas no cerrado têm há-
bitos arborícolas – se alimentam de folhas –,
demandando mais cuidado por estarem en-
volvidas as questões de perda de alimento e
mudança de habitat.
A dos marsupiais foi outra espécie que de-
mandou mais pesquisas, pelo importante papel
que os mesmos desempenham como disper-
sores de sementes, principalmente no cerrado
denso, ou cerradão, e nas matas ciliares. A rela-
ção é tão estreita, que eles servem como indica-
dores das boas condições dessas formações. No
entanto, eles também podem se tornar impor-
tantes transmissores de doenças, outro motivo
para serem monitorados.
Os morcegos tiveram um programa de
acompanhamento específico e que seria reali-
zado ainda um bom tempo após o enchimento
do reservatório, pois são potenciais propagado-
res de doenças e o seu acompanhamento garan-
te à população a inexistência de doenças trans-
missíveis por eles, como a raiva.Gracilinanus emiliae – mucura.

80 81
Cons
erva
ção
da f
lora
Estudos e levantamentos
na fase de pré-enchimento
e o resgate da flora
durante a formação do
reservatório garantiram
a preservação do
material genético.
O programa de conservação da flora visava
essencialmente identificar e preservar os
recursos genéticos da área que seria inundada.
A exigência legal é que a variabilidade genética
da flora seja conhecida e protegida, pois não se
sabe de antemão quanto da riqueza existente é
exclusiva dali. No entanto, as áreas de floresta
do cerrado já estavam restritas ao norte de Goi-
ás, com o agravante de mesmo ali serem alvo de
desmatamento. Nas últimas décadas, a destrui-
ção dos “jardins naturais orquestrados”, como
a flora do cerrado era chamada pelo naturalista

80 81
Saint-Hilaire, tem se dado a taxas maiores que
as da Amazônia e da mata atlântica, devido ao
desenvolvimento das pastagens e plantações
de grãos. Segundo o Instituto Nacional de Pes-
quisas Espaciais (INPE), em 1988 mais de 60%
da vegetação nativa dos cerrados havia sido re-
movida para a exploração econômica.
Justamente por isso, durante o seminário
“Ações prioritárias para a conservação da bio-
diversidade do cerrado e do Pantanal”, realiza-
do pela Funatra, Conservation International do
Brasil, Fundação Biodiversitas e Universidade de

82 83
Brasília, definiram-se algumas áreas prioritárias
para a conservação do bioma do cerrado. No to-
tal, são 87 regiões que devem conservar a diversi-
dade, sendo 12 delas no estado de Goiás. A regu-
larização e ampliação do Parque Estadual Terra
Ronca, no município de São Domingos, uma das
unidades definidas pelo órgão ambiental compe-
tente, recebeu parte dos recursos de Cana Brava,
dentro do programa de Implantação e Consoli-
dação de Unidades de Conservação.
O cerrado, apesar de toda a diversidade
apresentada, tem apenas 0,8% do seu território
convertido em unidades de conservação. Em
2000, essa porcentagem estava dividida em 51 re-
giões, entre parques nacionais, estaduais e muni-
cipais, áreas de preservação ambiental e Reservas
Particulares do Patrimônio Natural. Além de Terra
Ronca, a SUEZ Energy International contribui pa-
ra o aumento desse número com a destinação das
verbas de compensação para Unidades de Con-
servação do projeto de espeleologia, desenvolvi-
do pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
O programa de conservação da flora tam-
bém tem grande importância porque, para se
construir uma usina, é preciso desmatar gran-
des áreas. Além da área do canteiro da barragem
em si, para o funcionamento adequado da usina
em longo prazo é fundamental que as águas do
reservatório tenham boa qualidade. Isso prote-
ge os equipamentos, preserva os peixes e garan-
te a navegabilidade e a segurança dos banhistas.
Por isso, em Cana Brava as operações de limpeza
do reservatório tiveram um programa ambiental
específico. A primeira tarefa foi retirar o máximo
de madeira e material lenhoso da área que seria
alagada. A exigência legal fixava, no mínimo, mil
hectares, porém a SUEZ Energy International via-
bilizou a retirada de material de 1,6 mil hectares.
Todo o volume retirado foi doado aos proprietá-

82 83
rios das áreas, que também receberam, por inter-
médio da SUEZ Energy International, as guias de
transporte, os selos de controle e as notas fiscais
para venda da madeira. Além de facilitar o pro-
cesso, isso evitou a devastação desnecessária de
áreas que não seriam atingidas. O trabalho tam-
bém contribuiria para criar uma mata ciliar para
o futuro reservatório e para o embelezamento
paisagístico. Durante a execução do programa,
280 palmeiras foram transplantadas do local pa-
ra o Parque da Criança, em Goiânia. Outra me-
dida na área do futuro reservatório foi demolir
e esterilizar construções e áreas que poderiam
contaminar a água. A maior ação se deu no an-
tigo matadouro municipal de Minaçu, demolido
e reconstruído pela SUEZ Energy International
em outra área da cidade, com maior capacidade
de abate de bovinos e certificado pelo Serviço de
Inspeção Federal - SIF.
Desde o início dos trabalhos ambientais,
os técnicos do IBAMA passaram a acompanhar,
no campo, o trabalho realizado por técnicos da
SUEZ Energy International, ao mesmo tempo
em que desenvolviam um trabalho de conscien-
tização com a população. A política da empre-
sa, nesse caso, foi fornecer estrutura para os ór-
gãos ambientais daquela região, como veículos
para os deslocamentos. Com o monitoramento
e todo o processo de estudo dessa área, os téc-
nicos governamentais conseguiram determinar
por exemplo os possíveis pontos de refúgio dos
primatas após o enchimento, locais que deve-
riam receber intensa fiscalização porque, certa-
mente, seriam alvo dos caçadores.

84 85
Açõ
es n
o ca
ntei
ro d
e ob
ras
Além de ser alvo dos
programas de conservação
da flora e de fauna, um
programa de gestão
ambiental específico
acompanhou o tratamento
e a destinação de resíduos
desde o início das obras.
As ações ambientais intensificaram-se no
canteiro à medida que as obras avança-
vam. Com tanta gente, máquinas e movimen-
tação de material, o local recebeu um Progra-
ma de Gestão Ambiental específico, além de ser
alvo dos programas de conservação da flora e
de fauna, como relatado. O alvo prioritário era
o acompanhamento, o tratamento e a destina-
ção de resíduos, executados desde o início das
obras. A coleta seletiva encaminhava à recicla-
gem todo o lixo produzido. Pneus, papelão,
sucata de metal, óleo queimado, pilhas, bate-
rias e cartuchos para impressoras tiveram essa
destinação, gerando emprego e renda e contri-
buindo para o aumento da qualidade de vida
no local. O que não era reciclado, ia para um
aterro sanitário controlado, como lixo urbano
da obra, que recebeu mais de 500 toneladas de
rejeitos. Resíduos ambulatoriais e contamina-
dos com derivados de petróleo eram incinera-
dos. O sistema de coleta e tratamento de esgo-
to tinha fossas sépticas, filtros anaeróbicos e
duas lagoas de estabilização.
Mais do que cumprir a legislação, a meta
sempre foi aperfeiçoar as normas e processos.
Com a instalação de caixas separadoras de óleo
lubrificante, cerca de 18 mil litros do produto
foram recuperados, evitando sua dispersão no
ambiente. A separação de efluentes de concre-
to, durante o período de construção, também
impediu que no período de atividades mais in-
tensas da obra dez metros cúbicos de lama de
concreto fossem despejados diariamente no rio,
o que evitou o seu assoreamento.
A recuperação das áreas degradadas, ja-
zidas e áreas de estoque, no canteiro de obras,
foi feita de forma paralela à construção da usi-
na, o que diminuiu o impacto e os custos, pois
tornava mais fácil e rápido o tratamento. A ve-
getação e o solo nativos não foram retirados to-

84 85
talmente, mas deixados em ilhas de vegetação
para facilitar o trabalho de reconformação do
solo e do relevo. Na rearborização dessas áre-
as, foram utilizadas apenas espécies nativas,
como aroeira, jatobá, cedro e sucupira, culti-
vadas num viveiro de mudas no próprio can-
teiro de obras – ao todo, foram utilizadas 180
mil mudas. Tudo isso facilitaria o retorno natu-
ral dos animais, pois essas medidas aceleram o
processo de recuperação no momento em que
eles voltam a habitar o local. No viveiro, cinco
jovens portadores de necessidades especiais
produziam mudas sob a orientação de técni-
cos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
cuária (EMBRAPA).

86 87
A O
pera
ção
Muc
ura
A Operação Mucura planejou
e executou com segurança
o resgate, a proteção e a
relocação dos animais durante
e imediatamente após o
enchimento do reservatório.
Com os dados sobre as rotas dos animais e
maior conhecimento do seu ciclo de vida,
além do levantamento das espécies mais encon-
tradas na região, a equipe ambiental começou a
preparar a Operação Mucura – que deveria fa-
zer o resgate, a proteção e a relocação dos ani-
mais durante e imediatamente após o enchi-
mento do reservatório.
Um grande galpão foi transformado para
atender uma operação de guerra: sala de coor-
denação, de reuniões, de exposições, cozinha,
sala de triagem de animais, laboratório, sala de
veterinária, de preparação de alimentos, almo-
xarifado, recinto de animais, a área de limpeza
e a oficina de barcos. A estrutura estava prepa-
rada para receber grande número de anfíbios e
répteis, além de mamíferos e aves. Cada grupo
em local apropriado.
Quando a barragem foi fechada, em ja-
neiro de 2002, e o reservatório começou a en-
cher, os técnicos receberam ordens de pro-
curar os caminhos de fuga mapeados – e os
desconhecidos – e salvar o maior número pos-
sível de exemplares. Nas rondas, que começa-
vam às 8 horas da manhã, os biólogos acompa-
nhavam os animais, anotavam as regiões em
que eles poderiam ter problemas e determina-
vam pontos de monitoramento. E somente em
situações críticas, em que os animais não es-
tivessem mais em condições de se libertarem
sozinhos, é que a equipe interferia. As equipes
permaneciam nos barcos durante todo o dia,
até as cinco horas da tarde, inclusive almoçan-
do no rio. À noite, quando chegavam à base de
resgate, decidiam em reunião quais pontos se-
riam priorizados no dia seguinte.
A chamada soltura branda foi a estraté-
gia mais utilizada para os mamíferos de médio
e grande portes e os répteis cursoriais de médio
porte, como as iguanas e teiús. Com ela, evita-se

86 87

88 89
levar os animais para a base, apenas colocando-
os em segurança, à margem adjacente e acima
do nível de enchimento. A explicação é que, em
certas espécies, como os macacos, a captura ge-
ra um processo de estresse tão forte no animal
que muitas vezes o impede de se adaptar quan-
do volta ao ambiente, ou leva à morte antes
mesmo de isso ocorrer. E se indivíduos de um
bando forem separados de seu grupo, as chan-
ces de que sobrevivam isolados, de volta à natu-
reza, são mínimas.
Os outros animais eram levados para a
base de resgate, onde passavam pelo proces-
so de triagem, identificação e marcação. Dali,
o caminho poderia ser a volta à região do re-
servatório ou seguir para instituições de pes-
quisa. Por priorizar a devolução dos animais e
a manutenção do bioma o mais natural possí-
vel, o resgate restringiu ao máximo a segunda
opção. Por solicitação do IBAMA, receberam
animais o Museu de Zoologia da Universida-
de de São Paulo (MZUSP), o Museu de Ciên-
cias e Tecnologia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (MCT-PUCRS),
o Departamento de Zoologia da Universidade
de Brasília (UnB) e o Centro de Estudos e Pes-
quisas Biológicas da Universidade Católica de
Goiás (CEPB/UCG).
O monitoramento a jusante da barragem,
entre ela e o rio Cana Brava, foi realizado a cada
dois dias por meio de sobrevôos de ultraleve. O
objetivo era monitorar a presença de botos e tar-
tarugas e a ação de caçadores e pescadores clan-
destinos, em uma ação conjunta com o Batalhão
Florestal. Ao final do trabalho, quase 25 mil ani-
mais haviam passado pelos barcos da equipe da
Operação Mucura. Como definido no início dos
trabalhos, 73,5% deles foram devolvidos ao cer-
rado, seja diretamente, através da soltura branda,
ou passando pela estação, recebendo marcas e
só depois retornando. As instituições receberam
cerca de 25% dos animais coletados.
Captura de animais e tratamento no hospital veterinário.

88 89
Animais encontrados na Operação Mucura
Classe Número de espécies
Percentagem dos capturados
Principais destaques Conclusões
Aracnídeos 227 1,1% Aranhas caranguejeiras, verdadeiras e escorpiões
A espécie de aranha venenosa que poderia causar problemas ao homem (Phoneuutria cf. nigriventer) foi encontrada em proporções baixas, assim como o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus).
Anfíbios 41 26,6% Espécies fossoriais como o Gymnophiona foram encontradas em função do enchimento do lago.
Dos 6.623 espécimes resgatados, 71,9% foram soltos, 25% foram enviados para instituições de pesquisa e 3,1% foram descartados.
Répteis 77 68,4% As três subordens presentes foram Sauria, Serpentes e Amphisbaenia.
São sempre os que mais aparecem em resgates no cerrado por terem dificuldade de locomoção e serem muito diversos.
Aves 20 0,3% As mais presentes foram a Tinamiformes e Passeriformes
O baixo número se explica pela facilidade de locomoção. As aves resgatadas apresentavam alguma restrição, tal como a idade.
Mamíferos 35 3,3% Os mais encontrados foram da ordem Xenarthra e Didelphimorphia
Os resgatados fazem parte de grupos com maior dificuldade de locomoção, de três ou quatro ordens.
Animais ameaçados de extinção resgatados
Classe Espécies coletadas
Anfíbios Sapo-venenoso (Epipedobates flavopictus)
Répteis Tracajá (Podocnemis unifilis)
Aves Papagaio-galego (Amazona xanthops)Jacu (Penelope superciliaris)
Mamíferos Gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi) Gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrina)Sussuarana, puma (Puma concolor)Onça-pintada (Panthera onca)Lontra (Lontra longicaudis)Veado-catingueiro (Ozotoceros bezoarticus)Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)Cutia (Dasyprocta azarae)Boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis)Irara (Eira barbara)
Durante a Operação Mucura, algumas es-
pécies ameaçadas de extinção na região foram
capturadas e a maioria conseguiu ser salva. To-
dos os tracajás (Podocnemis unifilis) foram re-
locados, o único jacu (Penelope superciliaris)
morreu logo após o resgate, os tamanduás-mi-
rim (Tamandua tetradactyla) e os primatas fo-
ram relocados.

90 91
Ações de vigilância e resgate durante a Operação Mucura.

90 91
Ainda que o planejamento e a estrutura da
Operação Mucura fossem adequados, resgatar
25 mil animais teve momentos inesperados. O
mais inusitado ficou por conta de um bando de
macacos, na verdade 22 macacos-prego, en-
contrados em situação de risco durante o en-
chimento do reservatório. Capturados, eles
foram conduzidos até a estação, em caixas de
madeira individuais, pois ao serem retirados do
ambiente natural tornam-se agressivos a ponto
de matar outros membros do bando. Como não
havia jaulas para todos passarem a noite, isola-
dos, alguns foram mantidos nas caixas enquan-
to se recuperavam da anestesia que receberam
na hora da marcação.
Por volta das quatro horas da manhã, o te-
lefone do alojamento tocou: o guarda do gal-
pão, esbaforido, informava que a sala dos ani-
mais estava uma bagunça, com macacos, ratos,
tatus, tamanduás e outros bichos perambulan-
do para lá e para cá. Como somente um dos bió-
logos e a veterinária da equipe tinham a chave,
e ambos dormiam no alojamento, não havia dú-
vidas: a culpa recaiu sobre os macacos-prego,
os únicos que teriam habilidade para libertar os
30 ou 40 animais que pernoitavam no galpão.
O que se seguiu foi um mutirão de trabalho pa-
ra acomodar todos os animais de volta, dando
prioridade para os maiores e mais agressivos,
e acalmá-los. O episódio não rendeu prejuízos
porque a sala tinha uma estrutura segura, telas e
grades protegendo do chão ao teto.

92 93
Cuid
ados
com
a ic
tiof
auna
O programa de proteção
dos peixes não envolveu
qualquer tipo de intervenção,
repeixamento ou
remanejamento de espécies
existentes na região.
A premissa era conhecer
bem a questão para depois
definir a melhor estratégia.
Na implantação de uma usina hidrelétri-
ca, um grupo específico de animais pre-
cisa receber atenção especial: os peixes. Dife-
rentemente das demais espécies de fauna, no
Brasil grande parte da ictiofauna de cada ba-
cia hidrográfica é em geral endêmica, ou se-
ja, formada por espécies que não são encon-
tradas em outras bacias. A bacia do Tocantins
tem uma iciofauna muito rica, possivelmen-
te em conseqüência da ligação com a região
central amazônica, a mais rica em diversidade
Cichla sp – tucunaré.
Oxydoras niger – abotoado.

92 93
em todo o mundo. Justamente por isso, o Pro-
grama de Resgate de Ictiofauna e seu poste-
rior acompanhamento em Cana Brava se de-
senvolveu em paralelo a todas as atividades
antes do início do enchimento do reservató-
rio e durante a Operação Mucura. E ela não
envolveu qualquer tipo de intervenção, re-
peixamento ou remanejamento de espécies
existentes na região. A premissa era: primeiro
conhecer bem a questão para depois definir a
melhor estratégia.
A equipe responsável pelo Programa de
Iciofauna, da consultoria ambiental Naturae,
também acompanhou a construção do cantei-
ro de obras, utilizando essa fase para fazer o
inventário das espécies e locais mais habita-
dos por elas. Navegando pelos córregos e rios
tributários próximos à barragem e também
pelo rio Tocantins, a equipe coletava exem-
plares para dar suporte aos estudos em anda-
mento. A operação de resgate dos peixes co-
meçou mesmo a partir do desvio do rio para
a construção da barragem, quando poços se
formaram no leito original. A ação mais tra-
balhosa ocorreu durante o resgate da ense-
cadeira de jusante, por representar um pon-
to profundo e com grande volume de água.
O processo se iniciou com o fechamento dos
túneis de desvio, o que criou um grande po-
ço à frente, denominado ensecadeira de ju-
sante. Depois disso, um conjunto de bombas
foi utilizado para o esgotamento e o trabalho
de resgate seguiu todas as etapas dessa ativi-
dade. O reconhecimento aéreo localizou oito
áreas de poços, que passaram a ser monitora-
das constantemente, com o resgate sendo fei-
to somente quando o nível da água não ofere-
cia mais condições aeróbicas ou restringia a
área de movimentação. Vôos a cada dois dias
avaliavam essas áreas e serviam também para
a localização de pontos restritos a botos, ira-
ras, lontras e capivaras.
Com o início do enchimento do reser-
vatório e a redução do volume de água que
passava pela barragem, a operação de resga-
te migrou para um trecho de três quilôme-
tros rio abaixo, retirando os peixes dos poços
que se formaram e levando-os para o leito do
rio. Assim como no resgate da fauna, a priori-
dade era manter os peixes coletados em seu
ambiente natural, devolvendo-os em regi-
ões que favorecessem sua sobrevivência.
Quase 93% dos peixes capturados foram sol-
tos e pouco mais de 5% morreram em decor-
rência do manejo, sendo então destinados a
museus. Durante os trabalhos, dez espécies
representaram cerca de 70% dos peixes cole-
tados. As mais significativas são a Myleus sp.,
a Auchenipterus nuchalis, a Psectrogaster
amazônica, a Pimelodus blochii, a Brycon
sp., a Hemiodus microlepis e a Myleus mi-
cans. Entre as que mais aparecem, pouco
mais de 26% são herbívoras, 31% são onívo-
ras, 12% são detritívoras, 3% são carnívoras e
3% são piscívoras. Essa constatação revela a
importância da manutenção das matas cilia-
res, garantindo abrigo e alimento para gran-
de parte dos animais. Além disso, foram en-
contradas algumas espécies de alto potencial
comercial, como grandes quantidades de pa-
cus de porte médio e até mesmo jaús de gran-
de porte, porém com menor peso. Ao final,
os estudos executados pela Naturae conclu-
íram que antes mesmo do impacto da usina,
os ciclos agrícolas, o desmatamento em lar-
ga escala, inclusive nas matas ciliares, bem
como a poluição urbana na região já haviam
provocado sucessivas agressões que culmi-
naram com a diminuição dos estoques e da
diversidade de espécies.

94 95
Serrasalmus rhombeus – piranha-preta. Plagioscion squamosissimus – corvina.

94 95
Hypostomus sp – cascudo. Hydrolycus scomberoides – cachorra.

96 97
O m
elho
r ha
via
sido
fei
to
Os programas ambientais
previstos foram debatidos com
a sociedade e, ao final da obra,
todos estavam concluídos e as
metas acordadas, cumpridas.

96 97
O êxito no resgate da Operação Mucura
deve-se a fatores naturais, geográficos
do reservatório e a todo planejamento realiza-
do. O terreno, bastante acidentado, provocan-
do uma contenção considerável do reservató-
rio, foi um dos pontos importantes na facilitação
do resgate. Outro foi a existência de canais de
escape natural nos vales dos rios e córregos.
Também contaram a extensão do conhecimen-
to da fauna terrestre, predominante na região,
graças aos estudos realizados durante a cons-
trução do canteiro de obras e pré-enchimento.
Contrariando uma corrente científica que
defende que a fauna de uma região alagada deve
ser considerada como morta, a equipe que traba-
lhou no resgate da fauna da usina Cana Brava sol-
tou todos os animais que tinham condições – por
não estarem machucados – de volta na natureza,
onde enfrentariam o desafio de se readaptar e so-
breviver. Por isso, o acompanhamento pós-en-
chimento continuaria a ser realizado, justamente
para verificar se os animais estavam encontrando
condições de sobrevivência.
Na verdade, durante toda a construção de
Cana Brava a SUEZ Energy International pro-
curou criar mecanismos para ampliar o debate
público, disseminar e incentivar a geração de
conhecimento a partir dos programas sociais e
ambientais (detalhados no próximo capítulo)
que estava desenvolvendo. Entre eles, desta-
cam-se seminários socioambientais, realizados
em duas oportunidades, em Goiânia, reunindo
pesquisadores e especialistas dos programas
sociais e ambientais desenvolvidos, de modo
que as propostas fossem conhecidas e, se fosse
o caso, debatidas publicamente. Nas duas edi-
ções, em novembro de 2000 e agosto de 2001,
representantes de entidades científicas, comu-
nidade, governo, imprensa, institutos de pes-
quisas, universidades, Departamento Nacional
de Produção Mineral, IBAMA, Agência Ambien-
tal, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Ministérios Públicos, BID, BNDES,
entre outros, analisaram questões técnicas e
científicas relativas aos projetos e os resultados
das ações socioambientais. Além de possibili-
tar a intervenção da comunidade local habili-
tada para a avaliação, a iniciativa procurou de-
monstrar que ao executar o empreendimento,
a SUEZ Energy International também promovia
o desenvolvimento científico em uma região de
grande diversidade ambiental como o cerrado.
Por esse conjunto de fatores, o sucesso da
Operação Mucura tornava-se um símbolo para
os envolvidos no projeto. Significava que todos
os programas ambientais previstos no Plano
de Gerenciamento Social e Ambiental (ESMP),
após intensos debates e exigências de todos
os envolvidos, estavam concluídos e as metas
acordadas, cumpridas. Significava, portanto,
que sob a ótica ambiental, a usina Cana Brava
estava pronta para ser inaugurada.

98 99
3C A P Í T U LO

98 99
O desafio social
Transparência das ações, responsabilidade e profundo respeito pelos direitos das pessoas e das comunidades envolvidas – superando as exigências da lei – marcaram a implantação da usina Cana Brava.

100 101
Terr
a de
mui
tas
min
as
A história do estado de Goiás
e da região de Cana Brava
está ligada às entradas e
bandeiras, que percorreram
e desbravaram o interior
brasileiro nos séculos XVII e
XVIII à procura
de metais preciosos.
A descoberta de minas de ouro no início do
século XVIII impulsionou a formação dos
primeiros povoados próximos ao rio Tocantins,
entre eles os arraiais do Carmo, o de São Félix
e o de Cavalcante. Cavalcante fica na margem
direita do rio Tocantins, a cerca de 120 quilô-
metros de onde seria construída a usina Cana
Brava. O surgimento, apogeu e decadência da
comunidade ocorreram num curto período de
50 anos, em decorrência da exploração do ou-
ro de aluvião, garimpos realizados junto aos
depósitos sedimentares às margens dos rios. O
pequeno arraial minerador data do início do sé-
culo XVIII, mas foi em 1740 que Cavalcante – o
nome foi dado em homenagem ao seu primeiro
explorador, Francisco de Albuquerque Caval-
cante – teve sua fundação oficial. Nove anos de-
pois, era criada a Capitania de Goiás – região an-
tes vinculada à Capitania de São Paulo – e uma
das primeiras medidas de seu governador geral,
Dom Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos,
foi a abertura de duas casas de fundição, uma
Cavalcante
Minaçu

100 101
delas no arraial de Cavalcante.
Quase cem anos depois, em 1831, Caval-
cante tornava-se município. Desde então, vi-
vencia um processo de estagnação econômi-
ca, especialmente em virtude da diminuição
da atividade de exploração do ouro e de ou-
tros minérios. Cavalcante, na virada do século
XXI, era um dos municípios com maior índice
de analfabetismo do estado, chegando a 50,5%
entre os adultos, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística - IBGE, e também um
dos com o menor Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) do estado de Goiás. A exten-
são do município, cerca de sete mil quilômetros
quadrados, contrasta com a população peque-
na, de cerca de 9.500 habitantes, a maior parte
(75%) vivendo em áreas rurais.
Na outra margem do Tocantins, a cerca de
25 quilômetros da futura usina, estava a cidade
de Minaçu, que serviria de base para a constru-
ção e absorveria os maiores impactos e benefí-
cios do empreendimento. A história da comuni-
dade começou a ser escrita no final dos anos 50,
quando fazendeiros do Tocantins rumaram ao
sul em busca de novas terras. Mas foi em 1962,
quando a empresa Mineração de Amianto Ltda.
– SAMA chegou à região, que tudo mudou. A
prospecção confirmou a existência de amianto
crisotila, e, cinco anos depois, foi iniciada a ex-
ploração da mina que deu ao Brasil autonomia
na produção desse minério. Ao lado da jazida
surgiu o distrito de Minaçu (mina grande, em tu-
pi-guarani), que em 14 de maio de 1976 eman-
cipou-se de Porangatu. Na década de 1980, a
perspectiva de geração de energia, com o apro-
veitamento das águas da bacia do rio Tocantins,
deu novo impulso ao local com a construção da
Usina Hidrelétrica Serra da Mesa, obra que só
terminaria nos anos 90. Com uma área de 1,9
mil quilômetros quadrados, em 1999, quando
começou a obra de Cana Brava, Minaçu tinha
pouco mais de 33 mil habitantes e mais de 85%
da população na área urbana.
A construção de um empreendimento
do porte de uma usina hidrelétrica como Ca-
na Brava certamente provocaria uma série de
impactos sociais nessas comunidades, embora
nenhum município tivesse que ser relocado e
a densidade demográfica na área do futuro re-
servatório fosse extremamente baixa. Mas algu-
mas pessoas precisariam sair de suas casas, das
terras onde trabalhavam, muitas vezes deixando
para trás o lugar onde cresceram e viram seus fi-
lhos nascer. Toda uma história seria submersa
pelas águas, em nome do progresso necessá-
rio para o desenvolvimento econômico e – por
conseqüência – social do país. É importante fri-
sar que cabe ao governo federal definir os locais
onde são instaladas as usinas, mediante estudos
de viabilidade e de impactos. A partir dessa defi-
nição, são feitas licitações públicas e concessões
para empresas que as constroem e operam.
Por princípio, assim como os requisitos
ambientais, os empreendedores da usina Cana
Brava jamais se eximiram da responsabilidade
de amenizar os impactos sociais da obra e, ao
contrário, desenvolveram uma série de progra-
mas com o objetivo de minimizá-los o máximo
possível. A rapidez com que se pretendia erguer
a construção exigia velocidade igual ou supe-
rior na implantação de medidas compensató-
rias e dos programas socioambientais. A legis-
lação brasileira exigia que uma série de ações
preventivas e compensatórias fosse colocada
em prática. Mas a meta era sempre que possí-
vel ir além do legalmente determinado. Mais do
que respeitar as normas, todas as empresas e
profissionais envolvidos no projeto Cana Brava
procuraram aperfeiçoar os métodos e proces-
sos empregados ao longo de sua execução.

102 103
Aquisição e IndenizaçõesDefiniu e acordou critérios para as aquisições de bens atingidos pelo empreendimento nas áreas urbana e rural, além de definir indenizações pa-ra não-proprietários, como posseiros, e pessoas que mantinham comprovadamente vínculo fixo com a terra.
Remanejamento e Monitoramento da PopulaçãoGarantiu infra-estrutura, suporte técnico e jurídi-co e assistência social e educacional adequados para o remanejamento da população atingida.
Gerenciamento Socioambiental de MinaçuContribuiu para a adequada exploração dos be-nefícios e a minimização dos impactos da obra na cidade de Minaçu. Envolveu diversas compen-sações realizadas na área urbana.
Educação e CulturaResgatou, valorizou e disseminou as tradições e a cultura da região.
Educação AmbientalAumentou o conhecimento da população das áreas atingidas sobre o meio ambiente e os impactos que a construção da usina Cana Brava poderia acarretar.
Levantamento Socioeconômico e CensitárioEstudou as condições de vida da população da região e, principalmente, das famílias atingidas, para definir os programas sociais prioritários em torno do empreendimento.
Programas sociais desenvolvidos durante a construção da usina
Dos 23 programas socioambientais previstos no Plano de Gerenciamento Social e Ambiental (ESMP), nove
tinham mais foco em demandas da área social. Desde o início do processo, a estratégia adotada em cada progra-
ma foi a de sempre deixar claro para a população envolvida o que se pretendia, apresentando critérios justos e
bem definidos; ser transparente em toda e qualquer ação e, sobretudo, deixar sempre aberto o canal para suges-
tões que levassem à melhoria dos projetos. Uma das grandes vantagens de Cana Brava em relação a outras usinas
hidrelétricas foi a escolha do ponto de construção da barragem – longe de cidades –, que permitia a formação de
um reservatório pequeno e com grande capacidade de geração, e que atingiria apenas 258 famílias proprietárias
e 128 famílias não-proprietárias, que viviam, plantavam ou criavam gado à beira do rio Tocantins.

102 103
Levantamento Aerofotogramétrico e FundiárioLevantou, através de geoprocessamento, infor-mações para calcular o valor dos bens a serem adquiridos, garantindo critérios idênticos no cál-culo das indenizações.
Comunicação SocialInformou permanentemente a população direta e indiretamente envolvida com o empreendimento sobre a construção e as ações socioambientais desenvolvidas. Ao mesmo tempo, possibilitou maior participação da comunidade nessas ações e estabeleceu parcerias com os governos dos mu-nicípios atingidos.
Gestão Socioambiental da Linha de TransmissãoGeriu os aspectos ambientais e sociais decorren-tes da implantação da linha de transmissão entre a usina Cana Brava e a usina Serra da Mesa.
Programas sociais desenvolvidos durante a construção da usina

104 105
Crit
ério
s pa
ra a
quis
içõe
s e
inde
niza
ções
Um sistema de avaliação
inovador, elaborado pela
Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), classificou
as propriedades entre si,
sempre com os mesmos
parâmetros e critérios.
Uma das maiores preocupações das pesso-
as atingidas em empreendimentos dessa
natureza é saber como serão indenizadas pela
perda de suas casas, terras e, às vezes, trabalho.
A legislação brasileira prevê normas e formas pa-
ra avaliar os imóveis, mas geralmente elas geram
dúvidas e questionamentos. Outro problema é
o tempo de execução do trabalho de campo, em
geral muito longo. Para atenuar essa situação, a
SUEZ Energy International implantou em Cana
Brava um sistema de avaliação inovador, a partir
de técnicas de geoprocessamento de imagens e a
utilização do software SAGA, desenvolvido pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O sistema permitiu incluir todas as informações
geoambientais exigidas pela lei e classificou as
propriedades entre si, sempre com os mesmos
parâmetros e critérios. Essa técnica era bastante
utilizada na agricultura, para informar as condi-
ções do solo, pois permite o cruzamento de da-
dos, e foi adaptada para obter índices objetivos
na avaliação de um terreno para indenização.
Apesar de complexo, tudo isso foi expli-
cado detalhadamente em várias reuniões para
Reunião com atingidos pela usina e vistoria de propriedades.

104 105
a comunidade atingida, ainda antes de se co-
meçar a pensar em preços. Nas reuniões havia
espaço para mudanças e logo os proprietários
alertaram para a redução do valor das terras ca-
so se levasse em conta as características de to-
da a propriedade, e não apenas a área que seria
inundada, em geral as mais férteis, pela proxi-
midade ao rio Tocantins. O pedido foi pron-
tamente acatado e os índices refeitos, consi-
derando-se para efeito dos cálculos só o que
seria inundado, o que resultou em indenizações
maiores. Outra decisão em favor dos indeniza-
dos foi usar como base o valor de mercado das
terras de Minaçu para todos os terrenos, por se-
rem cerca de 40% mais valorizadas que as da
margem direita, em Cavalcante. O entendimen-
to da empresa foi que logo após a construção da
usina e das benfeitorias que viriam em contra-
partida, a região ficaria automaticamente mais
valorizada por ter mais infra-estrutura.
Depois das conversas e mudanças, o cha-
mado índice da terra foi definido entre as par-
tes. Os fatores ambientais, como solo, decli-
vidade e altitude compuseram 85% do valor da
terra. Os outros 15% vieram de fatores geográfi-
cos, como a proximidade de áreas urbanas, sis-
tema de água e esgoto e condições das rodovias.
A SUEZ Energy International também decidiu in-
denizar todo o terreno dos proprietários que ti-
vessem mais de 70% das terras alagadas.
Posteriormente, a transparência e objetivi-
dade do método atraíram a atenção da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que re-
gula todo o setor elétrico no Brasil, e teve reco-
nhecimento da comunidade científica interna-
cional, com a publicação de um artigo em uma
das principais revistas especializadas em enge-
nharia e sua apresentação para estudiosos da
área nos Estados Unidos.
Somada à transparência do processo, veio
a disposição da SUEZ Energy International de
sempre negociar com os atingidos, tanto que
proprietários e não-proprietários incluídos en-
tre os indenizados puderam formular propostas,
defender posições e procurar a empresa para se
informar sobre todas as etapas do processo. Es-
tima-se que o Centro de Informação, instalado
na zona urbana de Minaçu para prestar esclare-
cimentos à população atingida, tenha recebido
mais de 2.500 pessoas em cada ano da constru-
ção. Esse rigor e clareza de posições seriam de-
cisivos para o sucesso do processo de indeniza-
ções, que aconteceria no momento seguinte.
Em novembro de 1999 começavam real-
mente as negociações das propriedades neces-
sárias para colocar a usina em funcionamento.
As áreas de terras para instalação do canteiro de
obras tinham sido compradas e era preciso ad-
quirir as terras da área do futuro reservatório.
Com o geoprocessamento concluído e os pro-
prietários a par da metodologia, acelerou-se o
levantamento da população atingida. O traba-
lho era complexo, pois nesse grupo, por pre-
missa da SUEZ Energy International, seriam in-

106 107
cluídos não apenas proprietários, mas todos os
que dependiam das terras que seriam alagadas
para moradia e/ou obtenção de renda, com efe-
tivo vínculo com as terras atingidas para forma-
ção da barragem.
O primeiro passo para dimensionar a ex-
tensão das ações e verificar quem eram e em
que condições viviam os futuros atingidos foi
realizar o Censo para Cadastramento Socioe-
conômico do empreendimento. A abertura do
cadastramento foi amplamente divulgada na
região. Além disso, equipes especializadas pal-
milhavam toda a área do futuro reservatório, de-
limitada por marcos topográficos, à procura de
pessoas que vivessem ou trabalhassem ali. Era
um trabalho de casa em casa, às vezes por cami-
nhos que somente se percorria a pé. A meta era
simples: cadastrar todas as famílias e as condi-
ções materiais de que dispunham, pois o cadas-
tramento seria a referência-base para as futuras
indenizações. Quando o Cadastro Fundiário e
o Levantamento Censitário foram fechados, em
29 de novembro de 1999, estavam relacionadas
258 famílias proprietárias de terras e que resi-
diam na área diretamente afetada, 32 famílias na
área urbana de Minaçu e 226 famílias na área ru-
ral dos três municípios atingidos. De acordo com
os critérios adotados, eram elegíveis ao reassen-
tamento 175 famílias residentes na área rural e 32
famílias residentes na área urbana. O censo iden-
tificou 115 famílias de não-proprietários rurais.
Até julho de 2002, outras 13 famílias de não-pro-
prietários rurais haviam sido incluídas na lista de
famílias elegíveis para o reassentamento. Desse
total de 128 famílias, 39 optaram pelo reassenta-
mento rural coletivo, 24 por reassentamento ru-
ral individual, 51 por cartas de crédito urbano, e
14 por residências na Vila de Furnas. Eram pes-
soas que não tinham escritura de comprovação
da posse das terras, mas que nelas viviam como

106 107
posseiros, arrendatários ou meeiros e, por isso,
seriam indenizadas. O critério adotado para a
concessão das indenizações também envolveu
vínculo fixo com as terras que foram alagadas.
Poderia ser um terreno, o local de trabalho, co-
mo foi o caso dos balseiros, ou um pedaço de ter-
ra que não lhes pertencesse, mas do qual depen-
dessem para a sobrevivência.
O tratamento dispensado aos não-pro-
prietários atingidos pela barragem comprovava
a preocupação social da empreendedora. Pos-
seiros, meeiros, agregados e usufrutuários tam-
bém teriam direito à indenização e à assistência
técnica e social. No caso de posses em litígio, os
trabalhadores rurais e posseiros ainda recebe-
riam suporte jurídico, com a SUEZ Energy Inter-
national assumindo os riscos e indenizando os
posseiros na íntegra. A única diferença é que os
proprietários seriam indenizados em dinheiro e
os não-proprietários por remanejamento.
Na verdade, a SUEZ Energy International
desenvolveu um conjunto de opções para cada
grupo de atingidos escolher por conta própria
o que considerava melhor para o seu futuro. Os
não-proprietários podiam optar por uma das qua-
tro alternativas de remanejamento: reassentamen-
to urbano na Vila de Furnas, auto-reassentamento
urbano, com a concessão de carta de crédito para
a compra de moradia na cidade; auto-reassenta-
mento rural, carta de crédito para compra de uma
propriedade na área rural, com suporte jurídico e
técnico-financeiro, sendo que nesse caso os atin-
gidos ainda receberam crédito para a compra de
materiais de construção e de insumos agrícolas, e,
finalmente, o reassentamento rural coletivo.
Os benefícios também se estenderam a fa-
mílias que viviam em terras de outras, mas de-
pendiam da região que seria alagada. Gente
que morava em casas de pau-a-pique, a quilô-
metros da terra em que plantava, o que tornava

108 109

108 109
impossível, mesmo que conseguissem plan-
tar mais que o necessário para comer, ir a feiras
vender o que sobrava. Histórias como a da do-
na Luzia Gonçalves Nunes são comuns na zona
rural da região de Cana Brava. Mãe de 15 filhos,
ela plantou em um pedaço de terra emprestado
por pelo menos 20 anos, na área onde ficaria o
futuro reservatório.
Todos os dias iam ela, o marido, seu João
Macedo Lima, e os filhos para a roça. Os bebês
ficavam em barracos montados por perto e os
que já tinham tamanho suficiente pegavam na
enxada. O almoço era uma parada breve ali
mesmo, onde ficavam todos até o anoitecer. Só
eram liberados os filhos que estavam em idade
de ir para a escola, se revezando entre as cartei-
ras e a plantação. Como o caminho de volta era
longo, chegavam em casa à noite. E o resultado
desse esforço ainda era dividido com o dono da
terra que ela usava para ter o que comer.
Era assim que, como tantas outras, a famí-
lia de dona Luzia vivia enquanto alimentava o so-
nho de um dia ter sua terra, quando a SUEZ Ener-
gy International chegou no norte de Goiás. Ela
recebeu a equipe da empresa e foi informada
da indenização. Mas, no final de 2000, ela estava
voltando da roça quando encontrou o dono da
terra, que simplesmente a avisou que não queria
mais ver sua família ali. Dona Luzia e a família ti-
nham que sair da propriedade imediatamente.
Na casa com paredes de barro, coberta de
palha, o mesmo material de que são feitos as ca-
mas e colchões, ela encontrou o marido e deu a
notícia, desolada. O reassentamento rural só fi-
caria pronto em um ano e se não estivessem nas
terras atingidas, a família perderia o direito de
ser indenizada.
Procurando o escritório da SUEZ Energy In-
ternational, a meeira foi orientada a ficar em uma
terrinha temporária. Dona Luzia acreditou na pro-
messa. “Esperei pela minha terra por vinte anos,
agüento mais um ou mais dez”, repetia. Em pouco
tempo, a família conseguiu outro pedaço de terra
para fazer sua roça, bem mais longe de onde mo-
rava, mas com a certeza de que os tempos ruins es-
tavam próximos do fim. Depois, com a conclusão
da implantação, dona Luzia e sua família muda-
ram-se para o Reassentamento Rural Coletivo.
Muitos em condição semelhante à de
dona Luzia moravam em terras que nem sa-
biam a quem pertenciam, usavam um pedaço
de terra para plantar o que era necessário pa-
ra comer. A possibilidade de o real proprietá-
rio aparecer para brigar por uma indenização
que outra família recebeu era real, tanto que
ocorreu. Mas a SUEZ Energy International ti-
nha como premissa do projeto dar um futuro
para as pessoas que estavam tendo seu pas-
sado, ainda que muitas vezes sofrido, afetado
pela construção de Cana Brava.
Processo resultou em indenizações amigáveis
A participação da comunidade e a clareza sobre como a in-
denização seria realizada fizeram com que 94% das terras fossem
adquiridas amigavelmente. Os 6% restantes, por não terem sido
aceitos os valores propostos, foram negociados por via judicial.
Depois dos cálculos feitos, proprietários pagos e grande
parte do trabalho resolvido, exceto as poucas pendências judi-
ciais, um fato imprevisto demonstraria mais uma vez a postura
da SUEZ Energy International no processo. Por conta de altera-
ções nos marcos de referência disponíveis, a SUEZ Energy Inter-
national constatou uma diferença de 67 centímetros da cota do
reservatório. O resultado dessa mudança foi que o reservatório
atingiu a cota máxima de 333,67 metros. Imediatamente, a dire-
ção da empresa determinou uma ampla revisão do processo in-
denizatório, optando, por segurança, em utilizar, na região rural,
em propriedades sem benfeitorias, a marca da cota 335,00 para
efeito dos novos cálculos e, na região urbana, como nas proprie-
dades rurais atingidas com benfeitorias, a realização de novos
levantamentos topográficos. Dessa forma, terrenos que não
haviam sido 100% indenizados tiveram seus cálculos refeitos e
foram pagos pelas novas referências.

110 111
A vida antes da usinaMoradias de atingidos na área do reservatório

110 111

112 113
Rea
ssen
tam
ento
Rur
al C
olet
ivo
Uma das premissas da
relocação da população
atingida era estimular a
permanência na área rural.
O Reassentamento Rural
Coletivo foi um programa
que ofereceu toda a infra-
estrutura necessária para
as pessoas recomeçarem
a vida no campo.

112 113
Diante da tendência de inúmeras famílias
em deixar o campo à procura de melho-
res oportunidades na cidade, com resultados
sociais muitas vezes negativos, durante o rema-
nejamento houve uma preocupação de estimu-
lar a permanência dos atingidos na área rural,
especialmente em função do que estava acon-
tecendo em Goiás. Comparando os dados de
1970 e 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), percebeu-se uma mudan-
ça de perfil populacional em Goiás. Os cerca de
1,7 milhão de habitantes do campo, em 1970,
estavam reduzidos, 30 anos depois, a cerca de
605 mil. No mesmo período, só as cidades au-
mentaram de tamanho, passando de 1,2 milhão
para mais de 4,3 milhões de habitantes.
Muito dessa fuga se devia às dificuldades
encontradas no campo, como a pouca infra-es-
trutura, acesso reduzido à tecnologia e, em re-
giões afastadas como a zona rural de Minaçu,
as sérias dificuldades em comercializar a pro-
dução. Pensando nisso, a SUEZ Energy Interna-
tional oferecia aos não-proprietários atingidos
a possibilidade de se transferir para o Reassen-
tamento Rural Coletivo Cana Brava, um progra-
ma com toda a infra-estrutura necessária para as
pessoas recomeçarem a vida no campo.
Para definir o que seria importante levar
em conta na hora da construção do reassen-
tamento, a equipe responsável pela compra
das terras, pelo planejamento e pela constru-
ção realizou pesquisas e entrevistas em ou-
tros reassentamentos. A intenção era detectar
problemas e verificar o que o agricultor con-
siderava importante. Para complementar essa
última parte, logicamente os futuros reassen-
tados de Cana Brava também foram consulta-
dos diversas vezes.
O local escolhido foi uma fazenda na zona
rural de Minaçu, a 20 quilômetros da cidade e a
500 metros do distrito de Santo Antônio de Ca-
na Brava, que tinha infra-estrutura básica, como
posto de saúde, escola, telefones públicos, igre-
jas e mercearias. Ainda que, para a equipe da
SUEZ Energy International, tudo isso parecesse
garantir bom plantio e qualidade de vida, as 26
famílias que optaram pelo reassentamento rural
coletivo foram levadas ao local para ver a terra e
aprovar a escolha da empresa.
Quando isso aconteceu, os assistentes so-
ciais da SUEZ Energy International ajudaram os
atingidos a se inserir de maneira mais fácil na
nova comunidade. Eles providenciaram do-
cumentos de identidade para quem não tinha,
verificaram a existência de vagas para os filhos
dos novos moradores na Escola Municipal San-

114 115
to Antônio de Cana Brava e entraram em conta-
to com os agentes de saúde para incluir as famí-
lias no Plano Municipal de Saúde da Família.
O terreno de 400 hectares destinado ao re-
assentamento, às margens do rio Cana Brava,
era fértil para a agricultura, e ficaria ainda mais
produtivo com o sistema de irrigação que iria
receber. E não ficaria só nisso. Quem acreditou
que essa era a melhor opção, recebeu escritura
pública de um terreno de dois a cinco alqueires,
com sistema de irrigação, casa de alvenaria com
três quartos, galpão para abrigo de sementes e
insumos, sistema de esgoto e luz elétrica.
A definição dos terrenos que ficariam
com cada família foi feita em uma cerimônia
que se transformou em festa. Toda a equipe da
SUEZ Energy International, bastante envolvida
com as famílias por ter acompanhado as difi-
culdades enfrentadas até a chegada desse dia,
estava reunida, e as famílias, apreensivas. Iam
descobrir onde seria seu terreno, uma terra
que ia lhes pertencer muito em breve. Buscan-
do isenção, a decisão ocorreu por meio de sor-
teio. Crianças da comunidade foram escolhi-
das para retirar o número do lote de cada um.
Depois da festa, a mudança. No dia da
chegada ao reassentamento, em outubro de
2001, as famílias encontraram mais do que esta-
Alfabetização de adultos no Projeto Vaga-Lume

114 115
va previsto. Além da irrigação, tinham um hec-
tare de terra praticamente pronto para a colhei-
ta. Receberam também um kit de ferramentas,
as primeiras sementes de milho e 60 mudas fru-
tíferas. Para não ficar faltando nada, a casa esta-
va toda mobiliada: camas com colchões, guar-
da-roupas, sofás, estantes, mesa, armários de
cozinha, fogão e até um aparelho de som.
Para quem sequer tinha terra, pode-se
imaginar a satisfação dos reassentados, mas
também a dificuldade em se adaptar às mu-
danças que vieram. Justamente por isso, a
SUEZ Energy International montou uma re-
de de assistência formada por agrônomos,
assistentes sociais e outros profissionais, que
acompanhariam de perto as famílias.
O mesmo engenheiro agrônomo que au-
xiliou na escolha das terras ensinou as famí-
lias a usar o sistema de irrigação e técnicas de
plantio mais eficientes. No entanto, foi pre-
ciso assistência para a utilização de recursos
muito mais elementares que a irrigação, pois
a maioria das pessoas não conhecia luz elétri-
ca e fogões. Tudo teve que ser ensinado, des-
de a utilização e limpeza dos banheiros até o
pagamento das contas de luz e água. Também
noções básicas de higiene pessoal e limpeza
da casa foram passadas e cada um dos eletro-
domésticos que ganharam lhes foi devida-
mente apresentado.
Dona Luzia, a meeira que há mais de 20
anos sonhava com seu pedaço de terra, ficou
maravilhada com tantas coisas que sequer pen-
sava precisar. E ela só queria um lugar para
plantar, uma terra que fosse sua. “Nem precisa-
va de casa, eu disse para eles, era me dar a terra
que eu fazia tudo”.
Mas nem por isso ela acha ruim o que ga-
nhou, muito pelo contrário. “Eu aperto um bo-
tão e ilumina toda a casa, arrumo tudo quando
chego da roça, posso trabalhar até quando que-
ro”. Dona Luzia é uma prova de que o trabalho
de orientação foi bem feito. Entende as coisas
novas que a cercam, percebe as possibilida-
des de melhoria que vieram junto com a terra e
aprendeu a viver com novos recursos. “A conta
chegou, a gente já paga. Nunca deixei uma con-
ta de luz vencer.” Não que a falta de luz elétrica
algum dia tenha sido impedimento. Nos tempos
de meeira, ela voltava da lida à noite, acendia a
lamparina e ia arrumar sua casa.
Mas para ela, uma das coisas mais impor-
tantes que recebeu foi aquele aparelho de som,
que nem estava previsto na indenização. Mais
de 14 anos antes de a SUEZ Energy International
aparecer na região de Minaçu, dona Luzia ga-
nhou uma fita K-7, gravada por uma das filhas,
como presente de dia das mães. Sem ter onde
ouvir, ela guardou e uma das primeiras coisas
que fez foi finalmente escutar o que a filha esta-
va querendo lhe dizer por todo aquele tempo.
Na fita, a moça falava da vida sofrida que
a família teve, mais pesada ainda para a mãe e
o pai, e de todas as dificuldades que enfrenta-
ram juntos para sobreviver. E não só sobrevi-
veram, conseguiram terra para plantar, alimen-
Primeiro grupo de reassentados

116 117
taram todos os filhos e ainda deram estudo a
eles. A filha de dona Luzia conta à mãe o exem-
plo que ela representa, a força que lhe dá e o
orgulho que sente.
Desde o período do cadastramento, as as-
sistentes sociais estiveram junto às famílias, in-
formando e orientando sobre as escolhas que
haviam feito e conhecendo melhor cada um dos
reassentados. Justamente por isso foi possível
desenvolver programas específicos para aten-
der às necessidades especiais. Como havia pes-
soas com problema de alcoolismo, foram orga-
nizadas palestras de orientação com o Centro
de Recuperação dos Alcoólatras (CEREA). A
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
– APAE também foi chamada para prestar assis-
tência a duas famílias.
Além disso, houve ajuda para a adapta-
ção dos moradores às casas, pois muitos deles
nunca haviam morado em casas de alvenaria.
No lote de Afonso Rodrigues, por exemplo, ao
lado da casa de alvenaria construída pela SUEZ
Energy International, outra, de madeira, com
teto de palha e fogão caipira, teve que ser er-
guida. Acostumada com o local onde morava
há anos, dona Julia Rodrigues, sua mãe, passa-
va praticamente todo o dia no chão de barro e
só usava a casa nova para dormir.
Em outra frente, a mudança na vida dos re-
assentados passou pela educação formal, com
a possibilidade de voltar a estudar no reassen-
tamento. As famílias participaram de um pro-
grama de alfabetização de adultos, o Projeto
Vaga-Lume, em parceria com o governo de Goi-
ás. Enquanto aprendiam a ler e escrever, muitas
pessoas descobriram ter problemas de visão. Os
alunos ganharam então consultas com um oftal-
mologista e em seguida os óculos de que neces-
sitavam para continuar as aulas.
As mulheres passaram a freqüentar tam-
bém cursos de culinária e corte e costura, uma
iniciativa para aproximar os moradores do Reas-
sentamento Rural Coletivo Cana Brava e dar mais
condições e conhecimento para que estruturas-
sem o lar que a partir de então tinham. Foram or-
ganizadas reuniões informativas sobre técnicas
de plantio e de conscientização ambiental.
Enfim, naquele reassentamento cheio de
esperança, um povo acostumado a esperar pelo
futuro tinha, pela primeira vez, a certeza de que
haveria futuro, pois o presente se mostrava me-
lhor a cada dia.
Doação de óculos aos reassentados Reunião com o agrônomo do reassentamento

116 117
Opção pela carta de crédito ruralMesmo desejando ficar na zona rural, algumas famílias atin-
gidas buscaram outras formas de indenização. Treze famílias op-
taram pelo Reassentamento Rural Pecuário, um terreno grande
e escolhido em conjunto entre os reassentados e os técnicos da
SUEZ Energy International para a criação de gado. Nessa modali-
dade, definida em uma fase posterior das negociações para aten-
der à reivindicação de alguns atingidos, as famílias receberiam um
lote no reassentamento e uma carta de crédito para a compra do
material para a construção da casa.
Outras 24 famílias de agricultores preferiam continuar
plantando, mas não tinham interesse em fazer parte do Reas-
sentamento Coletivo Cana Brava e escolheram um terreno e
uma casa na zona rural. Para elas foi dada a opção de utilizar uma
carta de crédito rural e, da mesma forma como foi feita a escolha
do terreno do reassentamento, a aquisição de cada propriedade
individual também teve a participação de um agrônomo, que ava-
liou as condições do solo, a infra-estrutura próxima e os recursos
hídricos disponíveis. No entanto, para evitar que os indenizados
pudessem usar o dinheiro com outros fins, optou-se por condi-
cionar a liberação da compra com cheque nominal ao vendedor,
após negociação com a empresa.

118 119
A v
ida
na c
idad
e
Muitas famílias atingidas
preferiram morar na cidade,
optando entre casas na Vila
de Furnas, oferecidas pela
SUEZ Energy International, ou
comprar um imóvel por conta
própria, mas sempre com
total assessoria da empresa.
Apesar da tentativa de manter os indenizados
na zona rural, 65 famílias atingidas viram na
indenização a chance que esperavam para ir para
a cidade e construir uma vida diferente. Dessas, 14
famílias escolheram como forma de indenização
receber uma casa na Vila de Furnas como sua no-
va moradia. Apesar de a vila existir desde a cons-
trução da usina Serra da Mesa, e ser conhecida por
boa parte da população, todos que consideraram
essa possibilidade foram levados ao local para co-
nhecer as casas, que seriam reformadas antes da
chegada das famílias.
Para adaptar à vida urbana as pessoas

118 119
nascidas e criadas no campo, foram desenvol-
vidos programas sociais específicos, na mes-
ma linha do que foi feito no reassentamento
coletivo rural, privilegiando a higiene pessoal
e a saúde. As mulheres receberam capacitação
para adaptar-se às novas condições de vida e
aproveitar oportunidades de geração de ren-
da, por meio de cursos de cozinha alternativa,
costura e artesanato. Uma versão urbana do
Projeto Vaga-Lume levou a alfabetização para
os adultos moradores da vila, com professores
e livros pagos pela SUEZ Energy International.
Houve ainda 51 famílias de não-proprietá-
rios e pequenos proprietários que optaram por
adquirir a casa em outros locais da cidade, sem-
pre com o acompanhamento da equipe social
da SUEZ Energy International. Escolhida a ca-
sa, o imóvel tinha que ser aprovado pela empre-
sa para que a compra fosse autorizada. Longe de
ser autoritária, a medida protegia famílias desabi-
tuadas a negociar e a contar com infra-estrutura
mínima escolhessem imóveis sem condições de
habitação. E muitas das casas que despertaram
interesse nos indenizados foram descartadas por
não estarem dentro das condições necessárias,
pois algumas sequer tinham banheiro.
Casas na cidade de Minaçu escolhidas pelos atingidos

120 121
Entrega das casas na Vila de Furnas, em Minaçu

120 121

122 123
Rád
io, j
orna
l e m
uita
con
vers
a
O programa de
comunicação social
forneceu todas as
informações sobre
o empreendimento
aos atingidos e às
populações envolvidas.
Para manter a comunidade informada sobre
o andamento da obra e dos programas so-
ciais e ambientais, a SUEZ Energy International
desenvolveu um programa de comunicação so-
cial durante todo o período de construção. Um
dos principais veículos era o jornal mensal In-
formativo Cana Brava, publicado durante dez
meses e distribuído nos municípios de Minaçu,
Cavalcante e Colinas do Sul. Nesse período, in-
formações e convites para os eventos relaciona-
dos à usina também eram veiculados em um pro-
grama semanal da Rádio Serra da Mesa FM, com
cobertura em toda a área do empreendimento.
Foram desenvolvidas publicações mais espe-
cíficas, como calendários com fotos da usina e

122 123
guias distribuídos para as pessoas que visitavam
a obra. Em várias ocasiões, a SUEZ Energy Inter-
national montou estandes em feiras e exposições
na região, nos quais técnicos ficavam à disposi-
ção da população para responder perguntas e
distribuir material informativo.
Em outra mão, a comunicação direta com
os atingidos era prioridade. Além do diálogo
sempre aberto durante toda a fase de negocia-
ção das indenizações dos proprietários e da
cuidadosa apresentação de cada uma das op-
ções disponíveis aos não-proprietários, hou-
ve um intenso contato com lideranças e repre-
sentantes da população dos três municípios
atingidos pela usina. O programa de visita-
ção da construção da usina Cana Brava, outro
dos projetos fundamentais para a informação
e educação ambiental da comunidade, foi um
dos canais mais usados nesse contato. Cada
grupo de visitantes recebia informações sobre
os programas de minimização dos impactos,
tanto na área ambiental, para a conservação
dos recursos naturais do cerrado, quanto sobre
as indenizações e outros projetos envolvendo
os atingidos. Ao longo da obra, centenas de
pessoas, entre professores, educadores, técni-
cos, estudantes, atingidos pelo reservatório e
moradores da região passaram por lá. E conti-
nuam passando, pois o programa de visitação
à usina permanece em plena atividade.

124 125
O C
entr
o de
Vis
itaç
ão
O Centro de Visitação (CEVI)
promoveu a integração
da comunidade com
o ambiente e com as
mudanças decorrentes da
construção da usina.
Paralelamente ao trabalho ambiental que
acompanhou a construção da usina, des-
crito no capítulo anterior, vários projetos de
educação ambiental foram desenvolvidos pa-
ra informar a população sobre o significado do
empreendimento e conscientizá-la da rica bio-
diversidade do cerrado. As linhas de ação iam
de palestras com as equipes de Conservação de
Flora e dos Programas de Fauna e Ictiofauna até
o desenvolvimento de material didático especí-
fico para a comunidade e a formação de multi-
plicadores ambientais, aliando informações so-
bre a usina e preservação ambiental.
O palco era o Centro de Visitação (CEVI),
uma casa da Vila de Furnas que se tornou um lu-
gar de informação e educação, construído pa-
ra promover a integração da comunidade com
o ambiente e com as mudanças decorrentes da
construção da usina. Em média, o Centro de Vi-
sitação recebia em torno de 400 a 500 pessoas
por mês. Ali a população se reunia para enten-
der o trabalho realizado em Cana Brava, conhe-
cer os programas ambientais desenvolvidos e o
meio ambiente que a cerca.
A casa ficava aberta diariamente durante a
construção, levando informação, cultura e lazer
à comunidade da região e organizando even-

124 125
tos, como o que inaugurou o
Centro. Foi no Dia Internacio-
nal da Água, 22 de março de
2001, quando uma festa reuniu
mais de 130 pessoas e apresen-
tou a estrutura do local, com sa-
las de aula, de vídeo, biblioteca,
área de recreação, além de uma
cozinha-escola. As prateleiras
eram preenchidas com fotos,
livros para várias idades, inclu-
sive técnicos, CDs com sons da
natureza, e um material didático
variado, com enfoque no meio
ambiente e específico da região.
O CEVI era um pólo de ir-
radiação de informações que
ia muito além das paredes da
construção. Inúmeras ações foram concebidas,
pesquisadas e planejadas ali, mas executadas
bem pertinho do povo. O desenvolvimento de
cartilhas com temática ambiental, uma para o
ensino fundamental e outra para o médio, é um
bom exemplo. Os trabalhos começaram com
os Encontros de Idéias, realizados em Minaçu e
Cavalcante, reunindo educadores e estudantes
para elaborar um material que tratasse as ques-
tões ambientais, mas de uma maneira que inte-
ressasse aos alunos.
Participaram escolas públicas e particu-
lares dos dois municípios, em um trabalho mi-
nucioso, envolvendo tanto alunos quanto pro-
fessores, que foram estimulados a pensar sobre
o meio ambiente a partir de visitas ao rio e ao
cerrado, palestras e conversas sobre o tema. Na
fase seguinte, os estudantes falaram, desenha-
ram e escreveram textos sobre o que gostariam
de aprender com o material e sobre como o co-
nhecimento deveria ser tratado. A cartilha daria
apoio ao material didático, trazendo informações
básicas como a composição do
cerrado e sua biodiversidade,
mas também falando sobre as
conseqüências que a vinda da
usina traria para a região.
Tudo foi construído de ma-
neira democrática com os alunos.
Para divulgar ainda mais o pro-
jeto e estimular o interesse pelo
tema, houve um concurso entre
os estudantes do ensino funda-
mental para a escolha do dese-
nho que melhor traduzisse a idéia
“família e meio ambiente”. O tra-
balho escolhido foi o do estudan-
te Pablo Henrique do N. Negrão,
que se tornou capa da cartilha. Fi-
nalizado, o material foi entregue
às escolas públicas e particulares e professores de
geografia e ciências das cidades atingidas foram
capacitados para utilizar o material. Com uma di-
nâmica semelhante, também foi editada uma re-
vista voltada aos alunos de 5ª a 8ª séries. Para os
adultos, o CEVI produziu e publicou o livro “Mina-
çu – Sua História, Sua Gente”, contando a história
da colonização da região norte de Goiás e do de-
senvolvimento do município.
O trabalho desenvolvido no CEVI também
percorreu feiras de artes e ciências das escolas
da região atingida, onde temas como a recicla-
gem e a utilização do lixo foram levados aos es-
tudantes. A preparação dos trabalhos apresen-
tados e os temas tratados utilizavam o material
didático da biblioteca do Centro, que assim che-
gava de maneira mais fácil à comunidade. Dia
da Árvore e Semana do Meio Ambiente eram
datas comemoradas com eventos de conscien-
tização ambiental em que a comunidade recebia
mudas de árvores e palestras sobre temas espe-
cíficos. Na Semana do Meio Ambiente do ano de

126 127
2001, uma unidade móvel levou as mensagens
das crianças por toda a Minaçu.
Um dos eventos mais esperados do CEVI
era o Dia do Livro, quando a casa verde da Vi-
la de Furnas preparava almofadas e livros para
receber estudantes de todas as idades, que pas-
savam a tarde conhecendo os prazeres da leitu-
ra. O Livro-vivo abria o encontro, falando sobre
sua própria magia e o caminho que poderia le-
var a outros mundos. Depois, cada aluno esco-
lhia o livro que mais lhe interessava e ia conhe-
cer uma nova história. O fim da tarde ocorria
com conversas sobre a leitura e a produção dos
minilivros produzidos pelos estudantes.
No CEVI trabalhavam assistentes sociais,
pedagogas e jornalistas, que marcavam e acom-
panhavam as visitas à usina, explicando os im-
pactos, a importância do empreendimento e até
sugerindo atividades que pudessem ser realiza-
das em sala de aula. O roteiro começava com um
vídeo institucional, passava pelo Centro de Visi-
tação e Comunitário da usina e incluía visitas ao
horto, que guardava as plantas nativas resgata-
das durante a construção, e ao depósito de lixo,
que dava destinos diferentes aos resíduos.
A partir de 2002, as visitas passaram a fa-
zer parte da formação de um grupo de 20 jovens
participantes do projeto Construindo a Cidada-
nia Ambiental. Esses jovens, conhecidos como
“Agentes Ambientais”, eram estudantes secun-
daristas e até hoje encontram-se organizados,
atuando em atividades educativas. Eles apren-
deram sobre conservação e preservação, como
desenvolver projetos na comunidade, atuar co-
mo disseminadores da conscientização ambien-
tal e ainda ganharam uma bolsa de estudo.
Foi através de um convite, distribuído em
algumas escolas de Minaçu, que a estudante
Paulicéia Barbosa Lustosa se interessou em co-
nhecer o projeto. Ela foi à primeira reunião e

126 127
nos seis meses seguintes freqüentou aulas, pa-
lestras e discutiu muito sobre a preservação am-
biental, aprendendo como transmitir o conhe-
cimento, as técnicas de reciclagem do lixo e as
regras na orla do reservatório.
Os alunos passaram a freqüentar escolas,
a distribuir panfletos à população nas ruas e a
falar sobre ações que podiam melhorar as con-
dições do meio ambiente. Nas visitas às casas,
eles chegavam ainda mais perto da comunida-
de, inspecionando a forma de destinar o lixo, a
poluição dos rios e orientando os moradores so-
bre a forma correta de agir caso quisessem con-
servar os recursos naturais. A conscientização
era feita também por meio de apresentações de
teatro e performances, além das músicas com-
postas pelo grupo. A principal é o “Rap Ecológi-
co”, que deu a eles a certeza de que a mensagem
podia ser melhor recebida se fosse cantada. De-
pois vieram inúmeras outras, de outros estilos e
retratando a realidade em que eles e sua comu-
nidade estavam inseridos.
E eles agiam e agem mesmo como multi-
plicadores, falando sobre o potencial turístico
do reservatório, as conseqüências que o despe-
jo de esgoto traria para a cidade e a necessidade
de cada um cuidar de sua propriedade. Como
eram bem recebidos pelos jovens, também con-
quistavam novos agentes.
A educação ambiental formal ficou por
conta dos professores, que receberam mini-
cursos e cursos de extensão sobre o meio am-
biente para tratar o tema em sala de forma atual.
Somente em 2001, 46 professores e coordena-
dores de escolas de Cavalcante participaram da
formação e saíram do Centro de Visitação pron-
tos para organizar a semana do Meio Ambiente
no município. Naquele ano, o projeto alcançou
cerca de duas mil pessoas, a maioria delas disse-
minadores de informação.
Valorização da cultura regionalOs programas sociais focaram também a valorização das
tradições e da cultura da região. O CEVI mantinha um acervo de
vídeos e livros sobre festas típicas do norte de Goiás. No Dia do
Folclore, 22 de agosto, eram organizadas sessões de vídeo segui-
das de discussões sobre as lendas regionais e a apresentação de
teatro de marionetes. Entre os vídeos estavam alguns produzidos
no local, sobre as danças e folclore típicos de Minaçu e Cavalcante.
Uma das manifestações folclóricas mais conhecidas em Minaçu é
a folia-de-reis, tradição que mistura fé e religiosidade com música
e dança locais. Em Cavalcante, a festa típica é a caçada à rainha,
folclore da região combinado com dança africana e realizado em
comemoração ao Dia de Nossa Senhora de Santana.
São três dias de orações e preparações em danças como a
suca, uma mistura de batuque e congo que era tradição entre os
escravos. No primeiro dia, o grupo chega à área urbana de Caval-
cante, depois do giro pela zona rural, onde arrecadam dinheiro
para a comemoração. No domingo é dia de ir para a casa do Im-
perador rezar. Enquanto isso, a cidade espera ansiosa a chegada
da guarda real montada em seus cavalos selados e dos foliões
vestidos de palhaço.
A espera é compensada com a corte, quando o rei e a rai-
nha são levados para a saroba. O príncipe, o general e o escrivão
acompanham o rei, enquanto outro general e as princesas vão
com a rainha. Perto da cidade, os fogos avisam que há caçadores
esperando. Começa o batuque e o povo sai em busca dos nobres.
A marcha volta para a cidade, mulheres de um lado, com a rainha,
e homens de outro, com o rei. Os generais vêm à frente até o cal-
çadão principal da cidade. Na igreja, são todos abençoados e se
reúnem na tenda, onde vão para o batuque.

128 129

128 129

130 131
Res
gate
arq
ueo
lógi
co
Feito pela Universidade
Federal de Goiás, o
resgate arqueológico
foi divulgado nos
municípios atingidos
pela obra.
A legislação ambiental exige que na cons-
trução de hidrelétricas seja feito o resga-
te arqueológico, porque a formação do reser-
vatório pode danificar sítios na superfície ou na
subsuperfície do solo, e a conservação desse
material está prevista inclusive na Constituição
Federal, por ser a única forma de preservar o pa-
trimônio cultural.
O projeto de Cana Brava envolveu estudos
preliminares da região, que determinaram a lo-
calização e potencialidade dos sítios e culmina-
ram com o projeto de prospecção e resgate.
Somente depois da análise em laborató-
rio de todo o material recolhido foi possível ob-
ter informações sobre a formação arqueológica.
As conclusões se tornaram artigos acadêmicos
e foram organizadas para compor o acervo do
Museu da Universidade Federal de Goiás. O
material tornou-se itinerante, sendo divulgado
em exposições na região e levado a escolas pú-
blicas e particulares dos municípios atingidos
pela obra, como Minaçu, Cavalcante, Colinas
do Sul, Niquelândia e Uruaçu.
Exposições das ações e resultados do pro-
grama de Resgate Arqueológico também faziam
parte das atividades educativas desenvolvidas
no CEVI. Além de disseminar esse tipo de conhe-
cimento para a comunidade local, a SUEZ Ener-
gy International priorizou que o trabalho de res-
gate fosse feito com instituições de pesquisa e
universidades. Com isso, garantiu-se a qualida-
de e seriedade dos programas desenvolvidos pe-
la empresa, promovendo a política de geração e
disseminação de conhecimento. Ao todo, os co-
nhecimentos obtidos em Cana Brava geraram
seis relatórios científicos.
Em um dos sítios descobertos foram encon-
tradas flechas com mais de 20 mil anos, o que o
coloca como um dos mais antigos de Goiás e da
América Latina. Mas na região da usina Cana Bra-

130 131
va também há sítios arqueológico-históricos, lu-
gares que as pessoas escolheram para morar em
função de atividades extrativistas, como a lavra de
garimpo de metais raros (ouro e diamante, entre
outros). Nesses locais, chamados de arraiais, fo-
ram praticadas também a agricultura e a pecuária.
As pesquisas realizadas na região permiti-
ram um refinamento teórico-metodológico, ini-
ciado em Serra da Mesa; aumentar a qualidade
dos projetos de salvamento em Goiás e difundi-
los para a comunidade arqueológica brasileira e
o público em geral. Um exemplo é o artigo “Ges-
tão e tratamento do acervo arqueológico”, pu-
blicado na Revista de Arqueologia da Sociedade
de Arqueologia Brasileira, em 2003, que trata da
conservação de materiais resgatados, com base
no trabalho desenvolvido em Cana Brava.
Para o início das atividades em Cana Bra-
va, foi montada uma base de campo na cidade de
Minaçu, ocupando duas casas situadas na Vila de
Furnas. As saídas começaram em abril de 1999,
na área do canteiro de obras, priorizada em vir-
tude dos impactos a que estava sujeita com a ins-
talação da infra-estrutura básica da obra civil. Em
seguida, o trabalho foi ampliado para toda a área
que seria atingida pelo reservatório.
Em 24 meses de estudos, quando ocor-
reram 16 saídas de campo, 20 profissionais, 13
alunos da graduação da UFG e uma média de
seis auxiliares de apoio realizaram uma varre-
dura numa extensão de 138,7 km2 na área da
usina Cana Brava. Os resultados foram o mape-
amento de 29 sítios, o registro de 43 ocorrências
arqueológicas, três pontos prospectados e po-
sicionados e 1.225 pontos percorridos por vias
fluvial e terrestre.
Depois do trabalho de campo, era chega-
da a hora de classificar os achados. Para isso, foi
elaborado um quadro geral dos tipos de sítios
arqueológicos, classificados a partir de critérios

132 133
de natureza, classe de conservação e inserção
ambiental. Os 29 sítios encontrados eram de
quatro tipos: lítico, lito-cerâmico, sítio abrigado
e sítio arqueológico-histórico.
Os três primeiros são antigos e o que os di-
fere é basicamente o tipo de indício encontrado.
O lítico fica em regiões planas – terraços e coli-
nas – ou áreas de corredeiras, em que a busca
de peixes e o acesso a vegetais eram facilitados.
Nesses sítios, localizados em rochas adequadas
ao lascamento, foram encontrados 1.659 obje-
tos, entre lascas, raspadores, seixos com marcas
de uso e de fogo, lâminas de machados e pon-
tas de projéteis. O lito-cerâmico apresenta mais
vestígios de material cerâmico, como potes, pa-
nelas e pratos, e poucos de rochas, e se concen-
tra em áreas com menor possibilidade de sofrer
alagamentos. No total, foram encontradas 5.192
peças. O sítio abrigado apresenta os dois tipos
de material, além de restos de esqueletos, e apa-
rece em ambientes bastante diversos.
Já os sítios arqueológico-históricos são
mais recentes. Na área de Cana Brava, os ar-
raiais foram construídos no século XVIII, a par-
tir de 1736. Desse período, foram encontrados
969 artigos, entre açudes, fornos, currais, pe-
dras-de-mó, cisternas, fornalhas, casas de fun-
dição, cemitérios, igrejas, louças, lajotas, porce-
lanas e telhas.
Os estudos desenvolvidos em Cana Brava
foram a segunda etapa de um trabalho arqueo-
lógico que se iniciou em 1995, com a constru-
ção da usina Serra da Mesa, também localiza-
da no município de Minaçu. Essa continuidade
permitiu estender a análise de sítios no curso
do Tocantins, contribuindo para a compreen-
são do processo de ocupação humana da região,
da pré-história aos dias atuais. Ao mesmo tempo,
o conhecimento gerado ali incorporou novas in-
formações à arqueologia brasileira.

132 133
Dentre os 29 sítios encontrados, alguns se
destacaram pelo estado de conservação dos re-
gistros arqueológicos, qualidade das informa-
ções resgatadas ou particularidade dos objetos
arqueológicos neles contidos. Um deles, cha-
mado GO-Ni.224 Sítio Arraial São Félix, se di-
ferenciou pela rica caracterização do período
colonial. Outro, o GO-Ni.243 Sítio Jequitibá, é
um dos mais antigos de Goiás e da América La-
tina. De natureza lítica, o registro arqueológico
do Jequitibá apresentou farto material de perí-
odos mais longínquos, com pelo menos duas
camadas de sedimentos de períodos diferentes
da ocupação. A mais antiga, de cerca de 20 mil
anos, corresponde a acampamentos de caçado-
res-coletores do Pleistoceno Superior ribeirinhos
do Tocantins. A datação mais recente é posterior
a quatro mil anos e corresponde a acampamento
de agricultores-ceramistas. Hoje a área onde o Sí-
tio Jequitibá se insere compreende a reserva indí-
gena do grupo avá-canoeiro.
Os sítios revelaram a presença de grupos ca-
çadores-coletores que, apesar de utilizarem obje-
tos semelhantes tanto em forma quanto em maté-
ria-prima, se diferenciaram em função dos locais
em que foram encontrados. Os grupos ocuparam
regiões aplainadas, planícies, interflúvios, maci-
ços calcários, terraços e colinas, geralmente áreas
de corredeiras, apropriadas para a captura de pei-
xes, com produtos vegetais em abundância e ma-
téria-prima adequada ao lascamento. Essas des-
cobertas atestam que a trajetória desses grupos
envolveu raspadores, algumas vezes seixos fatia-
dos e pontas de projéteis, raras na arqueologia, as
quais tipificam períodos recuados no tempo, com
ausência de produção cerâmica.
O processo migratório da ocupação da re-
gião também pôde ser revelado por meio dos
estudos desenvolvidos em Cana Brava. Segun-
do os estudos, o fato de terem sido encontrados
registros de agricultores ceramistas comprova
que o processo migratório ocorrido no Alto Rio
Tocantins tomou a direção norte-sul. A partir da
análise das idades das amostras, foram obtidas
várias datações, o que mostra que os grupos hu-
manos alastraram-se pela bacia hidrográfica do
Tocantins, rio acima e em diferentes momentos.
Também foi possível perceber que a ocu-
pação de terrenos obedeceu a um cronogra-
ma de continuidade por se tratar de uma região
com recursos naturais abundantes e constante-
mente explorados. A partir da análise da cerâmi-
ca percebeu-se que a região foi habitada desde
a pré-história por grupos de caçadores-coleto-
res e agricultores ceramistas, e, em seguida, por
populações indígenas. A equipe de resgate ar-
queológico encontrou vestígios de pelo menos
dois desses grupos, os tupi-guaranis e os urus.
Mas também os avá-canoeiros foram potenciais
moradores da região.
Mais recentemente, a área passou a ser
ocupada por populações de escravos e outros
grupos, que desenvolveram predominante-
mente atividades mineratórias, principalmen-
te a extração de ouro. As populações atuais,
de baixa densidade demográfica, estiveram
representadas por grupos flutuantes e rema-
nescentes de escravos trazidos para a região
no período colonial, que continuaram acredi-
tando no mito do ouro enquanto possibilida-
de de mudança social.

134 135
Obr
as p
ara
a co
mun
idad
e
Vários investimentos e
ações na área social
atenderam demandas da
comunidade e do poder
público para melhorar a
infra-estrutura básica dos
municípios e a qualidade
de vida da população.
Antes do início das negociações para a
construção e a obtenção da licença am-
biental para a implantação da usina Cana Bra-
va, foram realizadas audiências públicas para
determinar as exigências mínimas a serem cum-
pridas quando o empreendimento fosse apro-
vado. A primeira aconteceu em 1997 e deu o
tom de como as negociações na região teriam
que ser conduzidas e com o que a população
estava preocupada.
Os termos dos documentos desse primei-
ro encontro, assim como de tantos outros ocor-
ridos depois, foram considerados e incorpo-
rados aos programas sociais e ambientais que
envolveram a construção de Cana Brava. De
antemão, encontros como esse possibilitaram
à comunidade entender melhor o que viria pe-
la frente com a construção e as obrigações que a
companhia teria. No início, as reivindicações vi-
nham principalmente de órgãos públicos como
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Fun-
dação Estadual do Meio Ambiente de Goiás (FE-
MAGO), a Procuradoria Geral da República e o
Ministério Público Estadual. Mas gradualmente
Ônibus escolar e delegacia doados ao município de Cavalcante.

134 135
a população foi tomando conhecimento e sen-
do estimulada, inclusive pela SUEZ Energy In-
ternational, a fazer propostas e exigências, co-
mo aconteceria na discussão das indenizações.
Mais do que possibilitar à comunidade se
informar sobre as alterações que fauna, flora,
encostas e, de maneira mais direta, os peixes so-
freriam, e tomar conhecimento da necessidade
da realização de levantamentos sociais, reuni-
ões como essas acabaram norteando as exigên-
cias para a obtenção da licença. As principais
reivindicações diziam respeito à participação
Pavimentação da rodovia Minaçu-rio Tocantins.

136 137
Doce Arte gera rendaProgramas de geração de renda e capacitação da comuni-
dade, como a Associação Doce Arte, certamente se situam entre
as iniciativas de responsabilidade social que vão além das exigên-
cias legais ao empreendimento. Apesar de restrita às famílias que
foram remanejadas para a construção de Cana Brava, a iniciativa
não se relaciona diretamente a programas de mitigação ou mini-
mização de impactos, principalmente por resolver um problema
anterior à vinda da empresa, um problema social da região.
A concepção da Doce Arte é fortalecer as condições da
população buscar seu próprio sustento, melhorar a vida e enxer-
gar o próprio potencial – às vezes literalmente, como foi o caso
do Projeto Vaga-Lume, de alfabetização dos adultos, que detec-
tou problemas de visão de muitos moradores.
A SUEZ Energy International instalou em uma casa na Vila
de Furnas sete máquinas de costura, cozinha equipada e mate-
rial para o início da produção de diversos produtos. A primeira
investida capacitou cerca de 20 mulheres a produzir geléias,
bolachas caseiras e a confeccionar caixinhas para presentes,
bordados e roupas. O lote inicial foi adquirido pela própria SUEZ
Energy International, para presentear seus funcionários no final
do ano. Com esse impulso, o grupo fez outro e mais outro lote e
logo estava no Salão de Negócios do Banco do Povo, expondo e
vendendo seus produtos.
Os cursos ministrados eram definidos pelas próprias
mulheres, a partir do que elas julgavam mais atrativo para o
mercado local. Dona Terezinha de Jesus, 43 anos, uma das
mulheres que participou da criação da Doce Arte, na época
sustentava 11 pessoas. Na sede, elas expunham os traba-
lhos, estimulando as compras e aumentando as perspectivas
de comércio. Os campeões de venda eram kits de banho e
jogos de cozinha.
da população durante o processo de instalação
e na definição das compensações, e exigiam
programas ambientais adequados para a reali-
dade do ecossistema do cerrado.
Além dos programas previstos no Pla-
no de Gerenciamento Social e Ambiental, du-
rante a obra a SUEZ Energy International fez
diversos investimentos na área social, aten-
dendo demandas da comunidade e do poder
público, com a intenção de contribuir para
melhorar a infra-estrutura básica dos municí-
pios e a qualidade de vida da população. Vá-
rias doações contemplaram serviços básicos,
figurando entre as obras de compensação
dos impactos gerados pelo empreendimento
nos municípios atingidos pela construção da
usina Cana Brava. Cavalcante recebeu a ca-
deia pública e a delegacia de polícia, além de
um ônibus escolar e uma escola de informáti-
ca. Em Minaçu, foi construída uma escola de
natação para abrigar o Projeto Golfinho, que
ensinou as crianças moradoras das proximi-
dades do reservatório a nadar, e o Centro de
Recuperação de Menores, em parceria com a
Polícia Militar, além do sistema de tratamento
de esgoto, implantado em todo o município,
e da construção da Praia do Sol. A empresa
também doou uma escola à comunidade de
Vila Vermelho, em Cavalcante, além de uma
outra, no centro daquele município. Em Vila
Vermelho, o acesso a Minaçu foi restabeleci-
do por conta da empresa, que também criou
um quiosque de pesca comunitária, incluin-
do a doação de dois barcos, criando novas
alternativas de renda, alimentação e lazer.
Além disso, uma série de programas de capa-
citação das 46 famílias residentes na Vila Ver-
melho foi implantada, propiciando formas
de auto-sustentabilidade e superação do as-
sistencialismo.

136 137
Mais segurança na cidadeUm fato marcante na história de Cana Brava é que sua
construção derrubou por terra um senso comum: o de que ao
ser implantada uma obra de grande porte, como uma usina
hidrelétrica, crescem na região os índices de violência e crimina-
lidade. Entre 1998 e 1999, foram registradas 1,1 mil ocorrências
policiais em Minaçu. Nos dois anos seguintes, justamente quan-
do a obra empregou o maior número de pessoas, o número
caiu para 438 ocorrências, uma queda de 60%. Desses casos,
apenas três foram homicídios. O fato pode ser explicado pela
geração de empregos, pela existência de alojamento no cantei-
ro de obras e pela injeção de recursos e oportunidades que a
cidade recebeu. Afinal, o empreendimento teve um papel muito
importante para a região, principalmente para o município de
Minaçu. As obras de Cana Brava supriram as carências deixadas
pelo final da construção de Serra da Mesa, absorvendo boa parte
da mão-de-obra e movimentando a economia. Apenas a com-
pra de quase 14 mil hectares de terra na área do reservatório e
do canteiro de obras colocou no mercado local cerca de R$ 12
milhões, a preços da época. Mas o mais importante é que a che-
gada da SUEZ Energy International a Minaçu valorizou as terras
e movimentou o comércio local. Em dia de pagamento, todo
mundo sabia: o comércio ficava cheio.
Outra ação da SUEZ Energy International na área de
segurança pública foi a parceria com a Prefeitura de Minaçu
no Centro de Reabilitação de Jovens da Polícia Militar local. O
projeto tem alcançado o índice de recuperação de 80% dos
casos. Um convênio específico, assinado com o Conselho de
Segurança de Minaçu, repassou uma doação para o órgão, que
investiu em uma Kombi e na doação de móveis para o Con-
selho Tutelar. O município de Cavalcante também recebeu a
doação de uma delegacia.
Projeto ensina a nadarAlguns programas sociais desenvolvidos na região da
usina Cana Brava buscaram resolver prováveis conseqüên-
cias imediatas que a construção da usina poderia trazer no
cotidiano da população, como é o caso do Projeto Golfinho.
Com a construção, as crianças repentinamente conviveriam
com o reservatório bem próximo à cidade e era importante que
soubessem nadar, caso algum incidente ocorresse ou mesmo
para poderem aproveitar o reservatório.
O trabalho, realizado em parceria com a Secretaria de
Educação e Promoção Social de Minaçu, começou com a di-
vulgação do projeto na rádio local e nas escolas para estimular
a participação. Três clubes foram alugados e entraram em cena
os três professores de natação e o coordenador. Os primeiros
alunos foram 23 crianças de famílias atingidas e 37 estudantes
da rede pública.
Depois o projeto se estendeu às crianças da comuni-
dade, como as da creche Lar Menino Jesus, filhas de famílias
carentes que brincam e aprendem ali e que também passaram
a ter aulas de natação. Só no primeiro ano, 844 crianças parti-
ciparam das aulas e 602 aprenderam a nadar os estilos crowl
(nado livre) e peito. Uma competição entre todas as escolas
da cidade, reunindo 153 atletas em 54 disputas, encerrou as
atividades daquele ano.

138 139
Outra linha de ação foi contribuir com ins-
tituições sem fins lucrativos voltadas ao aten-
dimento de pessoas carentes. Nesse enfoque,
destacam-se a reforma do abrigo de idosos São
Francisco de Assis, que possibilitou a abertura
de oito novas vagas; a nova sede da Pastoral da
Criança e a construção de uma casa paroquial
na Igreja Vila de Furnas. E também a realiza-
ção do sonho que Tia Léia cultivou durante no-
ve anos: conseguir uma nova sede para a Cre-
che-Escola Lar Menino Jesus. Esse era o tipo de
carência que não necessitava especialista para
ser detectada, mas tinha a relevância de grandes
projetos. “Foi uma ajuda de Deus, pois são pou-
cas as empresas que têm disposição para inves-
tir em obras desse nível”, diz Tia Léia.
A SUEZ Energy International financiou
a edificação de uma nova sede para a creche,
que custou R$ 180 mil, entre a construção do
prédio, em terreno doado pela prefeitura do
município de Minaçu, e a mobília. Trabalhan-
do em dois turnos, Tia Léia quer atender 400
crianças na nova estrutura, com seis salas de
aula, cozinha, berçário, refeitório e espaço ad-
ministrativo, possibilitando maior desenvolvi-
mento educacional e cultural. Com a conver-
gência de forças com outras empresas, seja
doando cestas básicas ou ajudando na cons-
trução e manutenção, Tia Léia e as crianças
ganharam também área de lazer e quadra es-
portiva. A prefeitura também contribui com os
salários de seis dos 33 funcionários e disponi-
biliza pedagogas e psicólogas de rede munici-
pal para atenderam as crianças.
Hoje sediada em uma pequena casa, com
os móveis quebrados e a estrutura bastante cas-
tigada pelas brincadeiras e o tempo, o Lar se
prepara para escrever a nova história. Com a
nova sede mais retirada da cidade, no Setor Ser-
rinha, o Lar vai perder em facilidade, mas para
Tia Léia o importante é que estará mais próximo
de quem mais precisa, já que está em uma re-
gião mais pobre, de onde vem a maioria de seus
pequenos freqüentadores.
Entre todas essas ações, entretanto, era
inegável que a implantação de um sistema de
coleta e tratamento de esgotos em Minaçu e a

138 139
Obras do sistema de coleta e tratamento de esgotos de Minaçu.

140 141
construção da Praia do Sol, uma praia artificial
na orla do reservatório, teriam grande impac-
to em longo prazo, cristalizando toda a preocu-
pação da empresa com a qualidade de vida da
população e a conservação dos recursos natu-
rais. O sistema de coleta e tratamento de esgotos
de Minaçu foi projetado e construído pela SUEZ
Energy International, servindo cerca de 80% da
população do município, o que torna a cidade a
primeira de Goiás e uma das primeiras do Brasil
a ter um serviço dessa amplitude. A implantação
foi negociada com a comunidade, que poderia
ter problemas de alteração dos lençóis freáticos
da cidade com a construção da usina. Geralmen-
te eles aumentam de nível e inviabilizam a cons-
trução de fossas. Com investimento da ordem de
R$ 8 milhões, toda a comunidade passou a ter
água e esgoto tratados.
A construção da Praia do Sul, doada à
prefeitura de Minaçu, viabilizou a criação de
um verdadeiro cartão-postal, com atrativos in-
comuns em uma extensa região. À medida que
o reservatório enchia – e como suas águas pra-
ticamente não variam –, a praia deixava de ser
um projeto, e uma imensa área de lazer pública
começou a aparecer aos olhos da comunidade.
Quando o reservatório encheu, a poucos dias
da inauguração da usina, uma península artifi-
cial de 16 mil m2, localizada a poucos minutos
do centro da cidade, tornou-se uma atração,
com infra-estrutura completa para os visitan-
tes, áreas para banho, esportes náuticos, qua-
tro quiosques, quadras poliesportivas, de tê-
nis, futebol de areia, campo de futebol com
medidas oficiais e até quadras de peteca. A fes-
ta de inauguração da usina, marcada para 24
de maio de 2002, seria a 25 quilômetros dali.
Mas as outras grandes festas que a cidade vive-
ria nos próximos anos certamente tinham en-
dereço certo para acontecer.
Obras de implantação da Praia do Sol.

140 141

142 143
4C A P Í T U LO O desafio do desenvolvimento

142 143
O desafio do desenvolvimento
Os resultados ambientais, as melhorias nas condições de vida dos atingidos e o desenvolvimento das comunidades demonstram a
correção das ações tomadas pelos envolvidos no projeto Cana Brava.

144 145
A in
augu
raçã
o de
Can
a B
rava
A energia da usina deu
uma grande contribuição
para sustentar o ciclo de
desenvolvimento do país no
início do século XXI.
O céu do norte de Goiás é de um azul in-
tenso, um dia após o outro, sobretudo
entre março e novembro, período em que pra-
ticamente não chove. Era um dia assim o 24 de
maio de 2002, mas também um dia completa-
mente especial para todas as pessoas que traba-
lharam no projeto de implantação de Cana Bra-
va e das comunidades próximas. Trinta e seis
meses haviam voado e a usina seria inaugura-
da. Desde cedo, aviões se revezavam na pista
do aeroporto de Minaçu, helicópteros pousa-
vam no campo ao lado do canteiro, carros lota-
vam todos os estacionamentos. O canteiro es-
tava um brinco para a grande festa, que contou
com a presença do então presidente da repúbli-
ca, Fernando Henrique Cardoso.
Inauguração de Cana Brava em 24 de maio de 2002: da esquerda para a direita, Siqueira Campos (Governador de Tocantins), Marconi Perillo (Governador de Goiás), Jean-Pierre Hansen (Grupo SUEZ), Fernando Henrique Cardoso (Presidente do Brasil), Maurício Bähr (SUEZ Energy Brasil) e Gérard Mestrallet (Presidente do Grupo SUEZ).

144 145
Em seu discurso, Fernando Henrique res-
saltou a importância da nova usina para dar sus-
tentação ao ciclo de desenvolvimento do país.
Falaram ainda o governador de Goiás, Marco-
ni Perillo, e o presidente da SUEZ Energy Brasil,
Maurício Bähr , destacando a importância do em-
preendimento para o estado e a forma como to-
do o processo havia sido desenvolvido dos pon-
tos de vista ambiental e social. Após os discursos,
o momento aguardado por todos: autoridades e
empreendedores acionaram o botão que movi-
mentou a usina. Foi um ato simbólico, pois na
verdade quem abriu parcialmente o vertedouro,
formando uma gigantesca cascata de água, fo-
ram os operadores da sala de controle. Curiosa-
mente, a água que passa pelo vertedouro de uma
hidrelétrica não gera energia. Mas esse é um pro-
cedimento padrão para marcar as inaugurações
das hidrelétricas. De qualquer modo, ver aquela
imensidão de água realmente emociona a todos.
Fim da festa, havia muito a fazer e em mui-
tas frentes. Na área da construção, era preci-
so finalizar a montagem e realizar os testes das
unidades geradoras 2 e 3, além de preparar ca-
da uma delas, mais a unidade 1, para entrar em
operação comercial. Nas áreas ambiental e so-
cial, embora a maior parte dos programas pre-
vistos no Plano de Gerenciamento Social e Am-
biental (ESMP) estivesse concluída, conforme
previa o cronograma e o acordo com os órgãos
ambientais e financiadores, alguns projetos de-
veriam seguir por mais tempo, e outros acom-
panhariam a usina por toda sua vida útil. E, mais
ainda, embora muitos empregos tivessem sido
desativados pelo fim da construção, o fato de a
usina funcionar significaria um aporte significa-
tivo de recursos para os municípios, na forma de
royalties, e novas possibilidades de desenvolvi-
mento, sobretudo pela potencialidade turística
que o reservatório proporcionava.
Na usina propriamente dita, o desafio era
cumprir o cronograma de entrada em operação
comercial. À sombra de um colapso do forneci-
mento de energia elétrica, o país necessitava – e
muito – dos novos megawatts gerados por Cana
Brava. Por isso, as mangas sequer foram aboto-
adas. Apenas tiveram abaixados os punhos pa-
ra a inauguração e no dia seguinte já estavam
novamente arregaçadas. Entre maio e dezem-
bro, centenas de itens foram montados, testa-
dos sob as mais distintas condições, checados e
submetidos a rígido controle de qualidade. Ao
final desse período, na área de construção ci-
vil, as frentes de escavação comum e em rocha,
os aterros, a disposição de concreto convencio-
nal e compactado a rolo, as sondagens, os tra-
tamentos e instrumentação, a estrada ligando a
usina a Minaçu, assim como as chamadas obras
do reservatório, tudo estava concluído. Na fren-
te de fabricação e de montagem eletromecâni-
ca, as turbinas e os geradores das unidades 1,
2 e 3 estavam em operação normal, assim co-
mo a tomada d’água, o vertedouro, os serviços
auxiliares mecânicos, a subestação e a linha de
transmissão de 230 kV até Serra da Mesa, tudo
também estava concluído.
Cada um desses itens, que compunham o
check-list do cronograma desde o início do pro-
jeto, havia passado pelo controle de qualidade
e a aferição da Leme Engenharia, os olhos da
SUEZ Energy International na obra. Na verdade,
só faltava mesmo Cana Brava entrar integral-
mente em operação comercial, pois um conjun-
to gerador já funcionava sem pompa nem fes-
ta pública desde 22 de maio de 2002, marcando
ainda a passagem da operação para a Tractebel
Energia, empresa operacional da SUEZ Ener-
gy International no Brasil. Da sala de controle,
a poucos metros da casa de força, à medida em
que o sistema mostrava a estabilidade e a per-

146 147
formance desejadas, a tensão deu lugar a cum-
primentos calorosos. Primeiro dos operadores
da Tractebel Energia que estavam no local, de-
pois aos colegas da sala de controle da usina Sal-
to Santiago, no Paraná, responsável pela opera-
ção remota. E assim, lentamente, uma corrente
virtual começou a ser formada, passando pelo
comando da CEM e da SUEZ Energy Brasil, no
Rio de Janeiro, escoando por todos os depar-
tamentos da Tractebel Energia envolvidos com
o projeto, as empresas do Consórcio Cana Bra-
va e seus parceiros e os órgãos governamentais
de vários pontos do Brasil, até cruzar o Atlânti-
co e chegar à Bélgica, onde está a sede da SUEZ
Energy International. Foi, de fato, um momento
íntimo e sublime para engenheiros, administra-
dores, economistas, assistentes sociais, biólo-
gos e tantos especialistas que trabalharam muito
para realizar o empreendimento. Um momen-
to de certo modo incompreensível para quem
não imagina o que significa fazer erguer do nada
um empreendimento desse porte e complexida-
de no Brasil. Todos estavam felizes pelo êxito
da empreitada e certos da contribuição que ha-
viam prestado para o crescimento do país.
A usina que o sistema elétrico nacional es-
tava recebendo era inovadora sob muitos as-
pectos, principalmente quanto a seu desempe-
nho, confiabilidade e segurança. Além de usar a
melhor tecnologia disponível em todo o mundo
para geração e transmissão de energia, toda a
operação de Cana Brava é digital, o que permite
monitorar em tempo real as principais variáveis
de uma hidrelétrica, como nível do reservatório,
condições da tomada de água, turbinas, gerado-
res, subestação e linhas de transmissão. Mais, o
sistema é totalmente operado à distância, a par-
tir da central que a Tractebel Energia mantém na
usina de Salto Santiago, no Paraná. Para garan-
tir a confiabilidade das comunicações, foram
montados diversos sistemas de transmissão de
informações, todos independentes e com tec-
nologias diferentes. Além disso, em caso de ne-
cessidade, a usina pode ser operada no local pe-
la equipe da Tractebel Energia.
A operação de Cana Brava também mar-
cava o novo perfil da Tractebel Energia no
mercado brasileiro. Desde o processo de pri-
vatização, em 1998, a Tractebel Energia se con-
solidava como a maior geradora privada de
energia do país, respondendo por 9% da ener-
gia total. Entre 2000 e 2005, a empresa aumen-
tou sua oferta em 67%, alcançando 6.201MW, a

146 147
Perfil da Usina Cana BravaRESERVATÓRIO
Área inundada 139 km²
Volume total 2,36 x 109 m²
Nível d’água a montante máximo normal
330 m
CASA DE MÁQUINAS
Queda líquida nominal 43,1 m
Energia assegurada 273,5MW médios
Capacidade instalada 465MW
Turbinas Francis 3 de 155MW cada
Tipo da casa de máquinas Abrigada
VERTEDOURO
Vazão máxima excepcional 17.761 m³/s
Nº e dimensões das comportas tipo segmento
6 comportas de 15 m x 20 m
TOMADA D’ÁGUA
Vazão máxima por comporta 415 m³/s
Nº e dimensões das comportas tipo vagão
3 vãos de 7,2 m x 10 m
BARRAGEM
Barragem central Gravidade em concreto CCR
Barragem margens direita e esquerda Enrocamento com núcleo de argila
Comprimento total 1.150 m
ENTRADA EM OPERAÇÃO
Unidade 1 Maio/2002
Unidade 2 Agosto/2002
Unidade 3 Setembro/2002
LICENÇA AMBIENTAL DE OPERAÇÃO
Validade Janeiro/2008
partir de 13 usinas, localizadas nos estados de
Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Ma-
to Grosso do Sul e Goiás. Seus principais clien-
tes são empresas distribuidoras de energia e
indústrias de todo o país, nos setores de papel
e celulose, fertilizantes, gases industriais, pe-
troquímico, automobilístico e alimentício.

148 149
Mon
itor
amen
to e
con
scie
ntiz
ação
am
bien
tal
Com a conclusão da obra,
o desafio ambiental mudou
de foco. É permanente e
vai adaptando-se às novas
condições que a barragem
trouxe para o meio ambiente.
Usina pronta, peixes salvos, fauna resgata-
da e já de volta ao cerrado. Todo o acom-
panhamento ambiental que envolveu a cons-
trução de Cana Brava tinha vencido uma etapa
importante. E começava assim a fase de acom-
panhamento, que será estendida pelo tempo da
concessão da usina (35 anos), seguindo o ritmo
de adaptação dos recursos naturais da região.
Além de entender o que acontecerá com a fau-
na e a flora, é preciso cuidado por parte de to-
dos para que o reservatório não se torne uma
abertura para problemas ambientais paralelos.
A pressão pós-enchimento gera impactos sobre
a vegetação remanescente do entorno, princi-
palmente com as práticas agrícolas e a maior pro-
ximidade das águas. A isso se somam as pressões
da própria expansão urbana, com loteamentos e
desmatamento de áreas marginais do reservató-
rio para atividades ligadas ao lazer.
Por isso, muitos programas ambientais
continuaram – alguns são permanentes –, con-
forme demonstra a tabela a seguir.

148 149
Programa Situação
Conservação da Flora Após a entrada em operação, o programa passou a realizar o levantamento das ocupações irregulares nas áreas de preservação permanente no entorno do reservatório. Esse trabalho visa o cumprimento do Plano de Uso das Águas e do Entorno do Reservatório e do Programa de Gerenciamento Socioambiental de Minaçu. Além disso, forneceu subsídios e permitiu o trabalho em conjunto com órgãos de fiscalização ambiental.
Monitoramento da Fauna Silvestre Nessa fase de pós-enchimento, além dos estudos preliminares sobre os impactos do empreendimento na fauna silvestre da região, está sendo realizado também o acompanhamento da população de morcegos hematófagos. O objetivo é detectar e prevenir eventuais desequilíbrios nessas populações em função da formação do reservatório.
Monitoramento da Ictiofauna Durante o período, os trabalhos de monitoramento da ictiofauna prosseguiram com o acompanhamento dos peixes, analisando as condições de sobrevivência e a sucessão ecológica por conta da formação do reservatório. Os trabalhos acompanham a caracterização taxonômica e estimativa de freqüência, abundância, representatividade trófica e todas as análises pertinentes de biologia reprodutiva no processo de sucessão ecológica, bem como coleta de tecidos de peixes para o monitoramento de metais pesados.
Limnologia e Qualidade da Água O monitoramento da qualidade da água continua durante a operação da usina, mas agregou alguns elementos específicos nas análises. Os caramujos transmissores da esquistossomose fazem parte de um programa próprio, que pretende garantir a saúde da população.
Controle de Macrófitas Aquáticas As inspeções periódicas no reservatório visando a identificação de possíveis focos de macrófitas aquáticas foram agregadas no escopo dos trabalhos de Vigilância Ambiental e Patrimonial do Reservatório. Por se tratarem de importantes indicadores ambientais, a empresa julga fundamental manter o controle e prevenir possíveis focos de doenças.
Monitoramento Hidrológico Continuam sendo realizados os controles de níveis do rio e vazões dos pontos de controle pelo setor de Hidrologia da Operação da Usina. Os resultados do programa de monitoramento demonstram que, após a formação do reservatório, houve elevação da transparência da água, principalmente no corpo central do reservatório.
Monitoramento Climatológico A equipe responsável pelas análises microclimáticas continua trabalhando após a entrada em operação. O Programa de Monitoramento Climatológico prevê o registro e análise dos parâmetros climáticos na região onde está inserida a Usina Hidrelétrica Cana Brava, nos períodos anterior e posterior ao enchimento do reservatório, mas para conclusões sobre as possíveis mudanças são necessárias séries históricas maiores.
Monitoramento Sismológico Continuam sendo realizados estudos sobre a atividade sismológica na área do empreendimento. Não têm sido detectadas atividades sísmicas fora da normalidade desde o início dos trabalhos, que ocorreram juntamente com a construção.
Monitoramento Geológico Prosseguem as atividades de monitoramento geológico em áreas consideradas potencialmente instáveis. O acompanhamento dos taludes, apesar de estarem em situação normal, continuará a ser realizado. Não tem sido observados casos de instabilidade que ofereçam riscos.
Plano de Uso e Ocupação das Águas e do Entorno do Reservatório
Estão sendo realizadas ações de monitoramento da área ambiental e patrimonial, por terra e água. O trabalho está sendo realizado em conjunto com órgãos ambientais de fiscalização, para onde se encaminham as denúncias, garantindo a preservação do reservatório e do entorno.
Gerenciamento Socioambiental de Minaçu – Vigilância Epidemiológica
Após a entrada em operação, continuam os trabalhos de avaliação da presença de vetores da esquistossomose no reservatório, através do Programa de Monitoramento Limnológico e da Qualidade da Água, e o acompanhamento da população dos morcegos hematófagos, pelo Programa de Monitoramento da Fauna Silvestre.
Gestão Ambiental na Área do Canteiro de Obras
Continuam os trabalhos de inspeção e manutenção das áreas recuperadas que estão contempladas nas atividades de manutenção ambiental periódica.
Programas ambientais após a construção (em andamento/2005)

150 151
As mudanças já observadas na área am-
biental são resultados de intensos monitora-
mentos em diversas áreas. Os dados do moni-
toramento da fauna silvestre realizado após a
construção do reservatório mostraram que a
diversidade ambiental na região continua alta,
com destaque para as aves. Porém, o número
encontrado no primeiro monitoramento pós-
enchimento foi um pouco inferior que as 441
listadas nas primeiras etapas do projeto. No
entanto, essa pequena redução, que resultou
em 326 espécimes, não é motivo de apreen-
são por se tratar de uma fase de estabilização,
que envolve intensa movimentação da fauna e
posterior acomodação.
Com outras espécies ocorreu o inverso.
Uma das coletas dessa fase foi a que revelou a
maior diversidade de sapos. Também foram en-
contradas mais espécies de répteis, chegando a
32, com maior freqüência do Cnemidophorus
ocellifer (calango). Mais importante que a ime-
diata análise desses números é constatar que a
região mantém o alto grau de eqüitabilidade,
ou seja, com espécies variadas em número con-
siderável e em várias regiões. Isso revela que
poucas espécies se apresentaram dominantes,
tomando o lugar de outras e gerando impactos
na cadeia já nessa fase.
Além disso, a partir dos cálculos realiza-
dos com as amostras coletadas, foi demonstra-
do que os animais que caracterizam ambientes
também permanecem em grandes quantidades.
Em princípio, isso mostra que os diferentes ha-
bitats a que eles estão relacionados permane-
cem preservados, garantindo as condições para
a sua sobrevivência. A viuvinha (Arundinicola
leucocephala) é a representante da vereda, o
curiango (Caprimulgus rufus) é indicador dos
campos sujos, o quero-quero (Vanellus chilen-
sis) indica ambientes antropizados, o martim-
pescador (Ceryle torquata) aparece nos am-
bientes aquáticos e a mariquita (Basileuterus
culicivorus) em matas de galeria.
Após a construção da usina também foram
concluídos os repasses às Unidades de Conser-
vação, no equivalente a 0,5% dos recursos utili-
zados no empreendimento. A usina Cana Brava
rendeu convênios com a Associação Pró-caver-
na, a Associação Brasileira de Conservação das
Tartarugas (Pró-tartaruga) e a Agência Goiana
de Meio Ambiente, que realizou a ampliação do
Parque Estadual Terra Ronca, localizado no mu-
nicípio de São Domingos.
O monitoramento e fiscalização das áre-
as no entorno do reservatório, que precisam
de maiores cuidados por influírem diretamen-
te na qualidade da água, passaram a ser o foco
do trabalho da equipe de Conservação de Flo-
ra depois do resgate na fase da construção e a
conservação de espécies ameaçadas de extin-
ção. Finalizada a construção e recuperadas as
margens do reservatório, iniciou-se uma nova
etapa, em que o trabalho visa reduzir a pressão
antrópica e garantir a sucessão vegetal na faixa
ciliar. A Fiscalização Ambiental e Patrimonial na
Área do Reservatório da Usina Hidrelétrica Cana

150 151
Brava é realizada por terra e água, em conjunto
com os órgãos oficiais de fiscalização ambiental
e polícias estaduais, e seguindo tanto documen-
tos relativos à usina, como o Plano de Gestão
Ambiental e Social e o Plano de Uso e Ocupa-
ção das Águas e Entorno do Reservatório, quan-
to a legislação ambiental vigente.
A manutenção da faixa de preservação
permanente de 30 metros na borda do reser-
vatório é uma medida de extrema importância
para o controle da qualidade do mesmo. É uma
faixa que legalmente não deve ser utilizada, jus-
tamente pela facilidade com que permite a de-
gradação e o uso indevido do rio. Mas há casos,
definidos pelo Plano de Uso e Ocupação do Re-
servatório, em que ela pode ser utilizada. As
principais situações tratam do interesse públi-
co, caso da Praia do Sol, em Minaçu, e da cons-
trução de acessos para barcos ou para o gado.
O trabalho da equipe de segurança da
Tractebel Energia também contribui para me-
lhorar a fiscalização por parte dos órgãos am-
bientais. Nas rondas periódicas, ela verifica a
existência de invasões nos 30 metros de prote-
ção permanente, construções irregulares e as
condições das encostas, passando muitas in-
formações para os órgãos competentes. Não
há convênio firmado, tampouco documento
assinado, mas um comprometimento da em-
presa em preservar a região e guardar o meio
ambiente que cerca o reservatório de Cana
Brava e sua população. Quando algo errado
é constatado, como uma construção irregular,
um desmatamento ou uma queimada, a em-
presa faz uma denúncia, acionando os fiscais
para que atuem no local. Um exemplo práti-
co é o envio de relatórios para o Ministério Pú-
blico e outros órgãos ambientais competentes
informando sobre irregularidades no entorno
do reservatório.
Nova espécie para a ciênciaO desenvolvimento de pesquisas científicas a partir das
demandas dos programas sociais e ambientais da Usina Cana
Brava contribuiu para a geração de conhecimento e incentivo a
novos estudos e ações que permitam o maior desenvolvimento
da região Centro-Oeste do Brasil.
As pesquisas desenvolvidas durante a construção e após
a entrada em operação resultaram em diversos trabalhos cientí-
ficos, sobretudo nas áreas de biologia e arqueologia. Entre eles
pode-se destacar a descoberta de uma nova espécie animal para
a ciência, no caso uma cobra do gênero atractus wagler, pela
equipe do Centro de Estudos e Pesquisas Biológicas da Univer-
sidade Católica de Goiás. Batizada de Atractus edioi sp., a cobra
se distingue das outras espécies de Atractus por características
morfológicas específicas e por um padrão de coloração dorsal de
manchas escuras sobre um fundo marrom-claro.

152 153
Cuid
ados
com
o r
eser
vató
rio
Programas ambientais
visam garantir a qualidade
das águas, entender o novo
ciclo de vida das espécies e
acompanhar a relação que a
comunidade está construindo
com o reservatório.
O termômetro mais evidente da saúde do
reservatório de uma usina hidrelétrica,
tanto para os cientistas quanto para as pessoas
comuns, é a quantidade e a diversidade de pei-
xes em relação ao tempo em que a usina não
existia. Como era previsto nos estudos, antes
mesmo de se construir a usina, após um breve
período de formação do reservatório, os peixes
com maior afinidade às novas características do
novo ambiente não apenas permaneceram, mas
apresentaram uma tendência de aumento de es-
toques. Também o local de reprodução, depen-
dente de águas agitadas na maioria dos casos,
foi modificado. Por isso, as espécies passaram
a depender de rios tributários, como o rio Preto
e o rio São Félix, ou a se deslocar a montante do
reservatório. Outra alteração registrada em Ca-
na Brava, comum após o enchimento dos reser-
vatórios, foi a proliferação de peixes carnívoros,

152 153
devido ao aumento de matéria orgânica.
De acordo com estudos conduzidos em
outros reservatórios e com base nas mudanças
de condições da água, há previsão de que al-
gumas espécies de bastante interesse pesquei-
ro como o papa-terra, a piracanjuba, o barba-
do, o pintado, a jurupoca e o piau-cabeça-gorda
tenham seus estoques sensivelmente afetados
na área do reservatório. Por dependerem da
correnteza do rio para migrar e se reproduzir,
a tendência é que se desloquem para os rios tri-
butários. Esse tipo de acomodação, parte da su-
cessão ecológica, está diretamente ligada aos
dois principais fatores de sobrevivência das es-
pécies, a reprodução e a alimentação.
O tucunaré, justamente um dos peixes
mais apreciados na região é, neste momento,
uma das espécies que se beneficiaram do no-
vo ambiente, pois aproveita bem o acúmulo de

154 155
matéria orgânica e se adapta com facilidade às
águas paradas. Diante de mudanças como essa,
relacionadas ao potencial pesqueiro do reser-
vatório, o programa de monitoramento de ictio-
fauna contemplou um amplo levantamento da
atividade pesqueira da região. O resultado foi,
além de uma dissertação de mestrado defendi-
da na Pontifícia Universidade Católica de Goiás,
maior conhecimento sobre a finalidade da ati-
vidade, permitindo determinar quais as espé-
cies de maior valor para a comunidade local. No
reservatório de Cana Brava, constatou-se que
pouco mais de 3% da atividade pesqueira se
destina à alimentação e quase 90% está relacio-
nada ao turismo.
Mas apesar das boas notícias com o au-
mento de populações de peixes com alto poten-
cial turístico e comercial, essa expansão deve
ser tratada com muita cautela e ações de preser-
vação e conservação têm que acompanhar os
estudos nos reservatórios. Em Cana Brava, além
de todo o levantamento inicial, durante o enchi-
mento, e saídas a campo periódicas para acom-
panhar a estabilização das águas e das espécies
animais, a equipe responsável pelos programas
de ictiofauna, a exemplo das ações de conser-
vação da flora, atua conjuntamente com órgãos
da fiscalização.
Uma das ações mais importante é desen-
volvida na época da piracema, quando ativi-
dades de apoio aos órgãos de fiscalização am-
biental são realizadas. A Tractebel Energia
disponibiliza barcos, combustível e alojamen-
to e ainda participa das discussões e orienta-
ção à população com a Polícia Ambiental e o
Ministério Público. Mas o trabalho em conjun-
to não se restringe a essa época. Em diversas
outras ações, a exemplo do que era feito na fa-
se de construção, a equipe ambiental da Trac-
tebel Energia costuma informar os órgãos fis-
calizadores sobre irregularidades ou realizar
saídas em conjunto.
Também foi desenvolvido um intenso tra-
balho de conscientização, já durante a fase de
enchimento, e, logo após, também de fiscali-
zação, nas inúmeras ilhas que existem no re-
servatório de Cana Brava, algumas com até 40
hectares. Se por um lado elas não trazem con-
seqüência alguma para o funcionamento do
empreendimento e para a qualidade da água,
fazem diferença na hora de se impedir a depre-
dação e de se promover o acompanhamento
das atividades próximas ao reservatório.
Juntamente com a Polícia Ambiental, a
Tractebel Energia desenvolveu um programa de
fiscalização e conscientização nas ilhas, ótimos
locais para pescar e acampar e que devem ser
usados para isso. O problema é a conseqüên-
cia dessas atividades quando não são realizadas
de forma consciente, preocupada com a nature-
za, exatamente o que vinha acontecendo. As vi-
sitas encontraram não apenas poluição, restos
de festas e piqueniques, mas também constata-
ram que até de extensão das propriedades as
ilhas estavam servindo, com a criação de algu-
mas cabeças de gado.
Os principais representantes do traba-
lho de conscientização continuam sendo os
agentes ambientais, que visitam a comunida-
de combinando entretenimento e informação.
Eles falam sobre os cuidados com o meio am-
biente, sempre de forma a relacioná-los com
o dia-a-dia da população atingida ou que vi-
ve próxima ao reservatório. As visitas à usina
Cana Brava são outra dessas fontes. Como du-
rante a fase de construção, o empreendimen-
to continua aberto à comunidade para explicar
qual o papel da usina, as conseqüências que
ela gera e os cuidados que se deve ter com o
reservatório de Cana Brava.

154 155

156 157
Apesar de ter construído a Praia do Sol
por uma demanda da prefeitura e não ter mais
responsabilidade sobre sua gerência, a Tracte-
bel Energia ainda segue auxiliando na cons-
cientização da população para que seja man-
tida a balneabilidade do reservatório. É o
trabalho de conscientização realizado pelos
agentes, em parceria com a fiscalização am-
biental ou nas visitas que levam as informa-
ções à comunidade, que constrói o respeito ao
meio ambiente.
A proximidade da zona urbana e a maior
influência do reservatório na vida dos morado-
res também podem trazer problemas. Por isso,
monitoramentos em outras frentes são neces-
sários. A análise da qualidade das águas do re-
servatório para verificar a existência e possível
contaminação dos caramujos transmissores da
esquistossomose é um desses exemplos. Boa
parte da população que hoje vive à margem
do reservatório de Cana Brava não estava habi-
tuada a viver próximo aos rios nem dentro de
condições que reduzam o impacto da concen-
tração urbana, e, mesmo com a implantação da
rede de coleta e tratamento de esgoto no mu-
nicípio, parte da população continua jogando
seus detritos no rio. Com esse trabalho preven-
tivo, pode-se monitorar o caramujo, que só tra-

156 157
rá problemas se entrar em contato com as fe-
zes de um portador da doença. A partir daí é
que ele se torna um transmissor efetivo. Ain-
da que o monitoramento viesse sendo realiza-
do durante toda a construção da usina e nada
tivesse sido encontrado, a Tractebel Energia
optou por manter o programa, uma garantia
importante para os que convivem com o indi-
cador da doença.
Outro monitoramento constante é o com-
portamento dos taludes, as margens do reser-
vatório. Com a subida do rio a um nível muito
acima do máximo alcançado nas enchentes, as
encostas ficam sujeitas à pressão, à umidade e
ao fluxo da água, por exemplo. Por se tratar de
uma área originalmente coberta por vegetação
e que não costumava ser alagada, podem ha-
ver desmoronamento e outras complicações. E
a maneira de evitar isso é acompanhando cons-
tantemente as condições dos taludes, permitin-
do o desenvolvimento de ações que revertam
qualquer sinal de deslizamento.
A necessidade de monitoramento per-
manente da qualidade de água é demonstrada
mais visivelmente pela presença das macrófi-
tas, plantas aquáticas consideradas indicado-
res da qualidade da água. O fato de estarem
presentes no reservatório de Cana Brava in-
dica que há algum tipo de poluição na região.
Ou seja, motivo para ficar atento. Atualmente,
além do acompanhamento da qualidade da
água, a Tractebel Energia tem realizado cer-
ca de duas retiradas de macrófitas por ano.
Grande quantidade dessas plantas é doada
a agricultores ou mesmo moradores da re-
gião urbana para serem utilizadas como adu-
bo. Além disso, um trabalho de conscientiza-
ção sobre a destinação de esgoto ou lixo nos
córregos tem sido feito paralelamente pelos
agentes ambientais.

158 159
O d
espe
rtar
da
cons
ciên
cia
ambi
enta
l
O acompanhamento dos
impactos ambientais e a
relação da comunidade com
o meio ambiente contribuíram
para modificar a interação
das pessoas com a natureza.
Toda a movimentação durante o período
de construção, o número de ações reali-
zadas para conscientizar a população e levar
informação sobre a construção da usina, os im-
pactos ambientais e a relação da comunidade
com o meio ambiente contribuíram para mo-
dificar a interação das pessoas com a natureza.
Esse novo comportamento já é fruto das ações
de conscientização ambiental e do trabalho
educativo realizado no período. A comunida-
de está entendendo melhor as implicações das
ações que agridem o meio ambiente e a neces-
sidade da existência da usina, e também a im-
portância de preservar o meio ambiente que
cerca a todos.
Além de estreita parceria com as prefei-
turas, um dos principais vetores desse fenô-
meno são os agentes ambientais, que agora
seguem uma linha de profissionalização. Eles
continuam sendo os educadores ambientais
oficiais de Cana Brava, mas hoje, mais ma-
duros e com conhecimento do trabalho de

158 159
conscientização, passaram a propor projetos
e a buscar parcerias para a continuidade das
ações que querem realizar. As apresentações
de teatro e shows em festas e eventos da cida-
de continuam sendo o que eles mais gostam
de fazer e onde sentem que a informação está
chegando à comunidade.
Sempre estimulados e lembrados da
importância do trabalho que desenvolvem,
mesmo em número menor eles não desani-
maram de continuar trabalhando. As reuni-
ões matutinas durante as férias e até aos do-
mingos mostram a disposição incontestável
dos adolescentes em colocar em prática da
melhor forma possível os projetos e ativida-
des. Os que estão desde o começo do proje-
to perceberam que educação é um processo
contínuo: ou acontece a mudança de atitu-
de ou não está na hora de parar. A agente
Paulicéia Barbosa Lustosa, que está no pro-
jeto desde o seu início, dá o tom. “Na hora,
o que falamos dá resultado, mas depois de
um tempo as pessoas voltam a agir da mes-
ma maneira e precisam ouvir novamente
como fazer”.
É esse entendimento que dá energia para
alguns terem continuado trabalhando mesmo
num período em que não havia sequer agen-
tes suficientes para atuar nas apresentações te-
atrais. Sem se intimidar, ele não hesitaram em
convidar amigos que sabiam ter afinidade com
o trabalho. Primeiro como uma equipe reserva,
mas que logo se tornou oficial.
Eles também criaram uma associação,
o que lhes permite propor projetos e bus-
car parcerias com empresas. Hoje estão sen-
do capacitados e orientados para continuar
os trabalhos de forma independente, e mais
uma vez percebem as dificuldades, mas es-
tão enfrentando tudo com disposição. O
apoio dos pais dos participantes foi funda-
mental nessa parte do processo, ou não te-
ria sido possível constituir a associação. A
tesoureira, mãe da agente Aline Benício dos
Santos, assiste com gosto às reuniões que
são realizadas em sua sala. “Faço questão
que se reúnam na minha casa, até dou idéias
quando estou por perto e me orgulho muito
do trabalho que fazem”.
Paralelamente aos trabalhos pontuais
que desenvolvem em escolas e aos projetos
em que estão envolvidos, os agentes são pe-
ças-chave de um projeto social que está sendo
desenvolvido em Vila Vermelho, uma comuni-
dade do município de Cavalcante. A Revitali-
zação da Vila Vermelho é uma extensão dos
projetos socioambientais da época da cons-
trução e, da mesma forma, pretende fornecer
subsídios e capacitar a população a buscar es-
tratégias para melhorar sua vida.
Os agentes ambientais fazem parte do
projeto como conscientizadores, trabalhan-
do para a melhoria do meio ambiente ao re-
dor da vila. Há muitos terrenos com córre-
gos no fundo e é prática comum descartar
lixo, quando não esgoto, nesses canais. Os
jovens entram em cena para orientar os mo-
radores, percorrendo as ruas distribuindo
folhetos informativos, realizando gincanas
para a coleta de lixo e também palestras nas
escolas. Com a mesma fórmula de trabalho
dos anos iniciais, eles aliam diversão e in-
tervenção e ainda levam informações so-
bre compostagem, reciclagem e respeito
ao meio ambiente. Em outra frente, as as-
sistentes sociais falam sobre noções básicas
de higiene, reúnem a população para tratar
da importância em trabalhar em conjunto e
organizam projetos que têm como objetivo
a geração de renda.

160 161
A v
ida
de q
uem
mud
ou d
e vi
da
Após a construção da usina,
a Tractebel Energia manteve
diversos programas sociais
voltados aos atingidos e à
população da região.
A chegada da usina Cana Brava modifi-
cou o meio ambiente e a infra-estrutura
da região atingida, e as famílias que tiveram
que ser remanejadas por conta da formação
do reservatório sentiram as conseqüências
de forma mais direta. Proprietários e não-
proprietários deixaram o local atingido ain-
da durante a fase de construção e passaram a
viver nos locais que escolheram, após todo o
processo de negociação.
Todos continuaram a receber assistên-
cia social, de maneira mais freqüente du-
rante o período de adaptação. Mas mesmo
depois do início da operação da usina essas
famílias continuaram a ser visitadas e mui-
tas delas foram novamente auxiliadas. No
entanto, o foco dos programas sociais, da
mesma forma que dos ambientais, mudou.
O investimento passou a ser em autonomia
para os participantes dos trabalhos da fase
da construção.

160 161
Programas sociais após a construção (em andamento – 2005)
Remanejamento e Monitoramento da População
Além da assistência ao plantio, à organização da Associação do Reassentamento Cana Brava e à organização da Festa do Milho, está sendo desenvolvido o Projeto de Revitalização Econômica e Social da Comunidade de Vila Vermelho. As assistentes sociais estão informando a população sobre higiene e a importância do trabalho em conjunto, com a formação da Associação dos Moradores da Vila Vermelho. Além disso, outros programas são desenvolvidos para capacitação e auto-geração de renda.
Comunicação Social Prioridade ao contato entre as assistentes sociais e a comunidade Vila Vermelho, bem como ao envolvimento do poder público e dos integrantes de outros projetos sociais implantados pela SUEZ Energy International, como os agentes ambientais. Numa das reuniões com a Prefeitura Municipal de Cavalcante promoveu-se a negociação do fornecimento da merenda escolar para a escola daquela comunidade por parte da própria associação.
Educação Ambiental Os agentes ambientais continuam desenvolvendo o mesmo tipo de trabalho anterior à operação, mas estão sendo orientados a propor projetos e ter mais autonomia. Foi constituída uma associação para permitir a busca de recursos entre as empresas e eles têm recebido estímulo a buscar comunidades e formas de trabalhar com elas. Atuam também na comunidade da Vila Vermelho orientando a população.
Gerenciamento Socioambiental de Minaçu – Ordenamento do Uso e Ocupação da Orla Urbana
Neste programa estão sendo realizadas ações socioambientais voltadas à comunidade de Minaçu e que muitas vezes não têm relação direta com minimização dos impactos produzidos pela construção do reservatório. Houve a construção da Praia do Sol, na orla do reservatório, como ação de estruturação do turismo na região. Estão ocorrendo as retiradas das macrófitas no reservatório e a realização do diagnóstico da saúde pública no município.
A usina está funcionando e o mesmo se
espera do projeto social originalmente traçado.
Na Associação Doce Arte, constituída por pa-
rentes de reassentados na fase da construção,
as próprias artesãs agora determinam os cur-
sos importantes para sua capacitação, além dos
produtos vendidos nos eventos de que partici-
pam. O acompanhamento no Reassentamento
Rural Coletivo Cana Brava também vem sendo
mais pontual, com a ajuda para constituição da
Associação dos Reassentados do Filó e assistên-
cia agrícola mais restrita à época de plantio e à
organização da Festa do Milho.
Mas na Vila Vermelho o trabalho come-
çou agora e é intenso no auxílio à estrutura-
ção da comunidade, passando informações
para que ela alcance uma autonomia seme-
lhante à do Reassentamento Filó. A comuni-
cação passou a ser realizada a partir da publi-
cação dos resultados das ações realizadas na
fase de construção.

162 163
Rea
ssen
tam
ento
Can
a B
rava
Após três anos de
acompanhamento quase
diário, as 26 famílias do
Reassentamento Cana Brava
estão em condições de tocar
suas vidas por conta própria.
Depois do período de adaptação, da aju-
da das assistentes sociais e do aprendiza-
do de técnicas de agricultura, o Reassentamen-
to Cana Brava entrou em uma nova fase após o
fim da construção da usina. Foram três anos de
acompanhamento quase diário, construindo
uma ligação afetiva com os agricultores daque-
les lotes. Mas a principal motivação da SUEZ
Energy International e da Tractebel Energia,
desde o início do processo, era dar as condições
para que as 26 famílias construíssem o futuro
com as próprias mãos.
E há bons exemplos disso: a produção
chegou a um milhão de pés de abacaxi, a man-
dioca vem sendo beneficiada para a venda nas
feiras itinerantes e a pecuária leiteira gera ren-
da para famílias inteiras. É o caso do seu Jose-
fino e da dona Ruth, casal que chegou ao reas-
sentamento com duas cabeças de gado e hoje
tem mais de 50. Eles já venderam muito quei-
jo e outros produtos coloniais, feitos a partir
do leite, e hoje comercializam a produção, que
em tempos de alta produtividade alcançou 80
litros de leite por dia, com uma empresa de la-
ticínios da cidade.

162 163
Mostrando que a determinação de traba-
lhar é o que diferencia os capazes de construir,
seu Josefino trata das vacas, tira o leite, cuida
da propriedade. Só ele e a esposa. Dona Ru-
th ajuda com os animais, mas também cuida da
casa e lembra com orgulho os cursos de culiná-
ria que fez quando chegou ao reassentamen-
to. Neles, aprendeu a fazer os queijos e outros
produtos que diversificaram a renda do casal e
também a receita do empadão com talos de le-
gumes que sua filha pede até hoje como prato
especial aos domingos.
As histórias de sucesso depois de rece-
bidas as indenizações – a maioria – podem ser
ofuscadas pelas de poucas pessoas que acaba-
ram não se adaptando a essa nova vida. Mas gra-
ças ao bom trabalho, também houve inúmeras
demonstrações de satisfação e agradecimento
pelas chances que se abriram com a chegada da
usina, a construção do reservatório, da praia e
da infra-estrutura que a região recebeu.
No reassentamento o trabalho vem dando
resultado, com a organização dos produtores
para trabalhar coletivamente. Um dos passos
para que isso fosse possível foi a estruturação da

164 165
Associação dos Reassentados do Filó. Através
dela, os agricultores organizaram duas festas do
milho e trabalham para consolidar o evento.
Na festa, o milho e seus produtos, como
a pamonha cozida e frita, o curau, tortas salga-
das, bolos e pães são vendidos em um evento
que reúne música, conscientização ambiental e
lazer, e mostra o desenvolvimento do reassen-
tamento. A capacitação das doceiras é resulta-
do daqueles primeiros cursos recebidos quan-
do chegaram ao reassentamento e nos quais
aprenderam a aproveitar melhor os alimentos.
O trabalho começa meses antes, com a colheita
do milho e o preparo dos doces, o que já é uma
comemoração à parte, pois envolve o maior nú-
mero possível de agricultores.
A busca por um bom local, a negocia-
ção para a aquisição do material da estrutura
do evento, a montagem das barracas, a divul-
gação, a venda e, por fim, a contabilidade, tu-
do é feito em grupo pelos integrantes da asso-
ciação. Da festa vêm recursos para investir nas
propriedades e na plantação do ano seguinte e
a venda de produtos das feiras locais rende pa-
ra a compra de insumos.
Em 2002, cada família entrou com um pou-
co de milho e trabalho para fazer os quitutes que
seriam vendidos na 1ª Festa do Milho, além de
organizar e divulgar o evento. O início de uma
nova história foi sendo traçado aí, com a contra-
tação dos serviços de máquinas para o plantio da
lavoura e uma melhor colheita no ano seguinte.
A força da associação também gera inicia-
tivas de melhoria da infra-estrutura local, como a
negociação com a prefeitura do município para a
instalação de iluminação e reparos nas estradas
que levam ao reassentamento. O desafio agora é
a construção de uma sede para a associação.
A cada ano a Tractebel Energia intervém
menos na organização da festa, trabalhando
para consolidar a autonomia dos produtores.
Depois das duas edições com a assistência, em
que a equipe da empresa ajudava no planeja-
mento, na definição dos produtos a serem pre-
parados e até na confecção de ofícios e proje-
tos para a busca de recursos, a Festa do Milho
é cada vez mais dos próprios agricultores, com
uma interferência muito mais tímida e caráter
de assessoria. A equipe que hoje os acompa-
nha não está ali para dizer como fazer, mas pa-
ra lembrá-los de caminhos mais fáceis e auxi-
liá-los no planejamento.
Da mesma forma, nas épocas do plantio e
da colheita de vários produtos, eles recebem as-
sistência de um técnico agrícola, mas a estrutura
dos trabalhos vem sendo construída da mesma
forma, para permitir o desenvolvimento autô-
nomo. Ao final de cada atividade é feito um ba-
lanço, para que os produtores percebam que
sempre há como melhorar e quais outras alter-
nativas têm para a próxima vez em que realiza-
rem um trabalho semelhante. Depois da fase de
fazer junto, veio a de ensinar a fazer. Agora o es-
forço é para que eles construam sozinhos o que
já foi feito recebendo ajuda.
Outro projeto que está em curso no reas-
sentamento é o desenvolvimento de uma la-
voura de sementes em convênio da Tractebel
Energia com a Embrapa e a Agência Rural. As
pesquisas vão gerar sementes selecionadas,
mais produtivas, certificadas pela Embrapa e a
baixo custo para os agricultores. Os técnicos en-
sinam como devem ser feitos o preparo da terra e
o plantio para que a nova variedade se desenvol-
va. E a presença do especialista tem ajudado os
produtores a otimizar a plantação, alcançando
melhores resultados. Eles aprendem técnicas bá-
sicas que não conheciam, como o distanciamen-
to entre as lavouras, o alinhamento de sementes
e o tempo necessário para a colheita.

164 165

166 167
O r
enas
cer
da V
ila V
erm
elho
Com ações sociais voltadas
para educação, saúde,
alimentação e geração de
renda, a população da Vila
Vermelho ganha qualidade de
vida e novas perspectivas.
A comunidade de Vila Vermelho, onde
vivem 46 famílias, vem recebendo es-
pecial atenção da Tractebel Energia. Entre a
série de projetos envolvendo os agentes am-
bientais, a educação e a cultura da região, o
exemplo mais emblemático do trabalho em
conjunto com as comunidades é a Merenda
Saudável, que será produzida pelos agriculto-
res da comunidade e vendida para a prefeitura
como a merenda da escola do povoado. A dis-
tância entre a Vila Vermelho e a zona urbana
de Cavalcante faz com que o acesso seja bas-
tante difícil, obrigando a prefeitura a fornecer
produtos industrializados e o menos perecí-
veis possível, para permitir a alimentação das
crianças pelo tempo necessário. Outro bene-
fício da iniciativa foi ampliar as perspectivas
para os agricultores, que não conseguiam ir à
cidade vender por causa da distância e não ti-
nham incentivos para produzir.
Um passo importante para o início desse
projeto e para que a comunidade passe a buscar
formas de gerar renda e racionalizar o trabalho,
realizando-o em conjunto, foi a criação da Asso-
ciação de Vila Vermelho, que reúne os produto-

166 167
res. A merenda vendida vem de uma horta comu-
nitária mantida pelos agricultores interessados e
os recursos são revertidos para a associação.
Orientados sobre a produção e as vendas
em conjunto nas feiras, eles têm recebido cursos
de técnicas de plantio e culturas alternativas, em
parceria com o Serviço de Aprendizagem Rural
(Senar). A intenção é incentivar os agricultores
a diversificarem a produção em suas proprieda-
des, o que pode aumentar a produtividade e a
comercialização. As mulheres também estão re-
cebendo capacitação para ajudar na renda da
família, com cursos de artesanato, tapeçaria e
de produtos derivados do leite.
O trabalho começou com as Reuniões de
Multifamílias, visitas das assistentes para detec-
tar o que era necessário para desenvolver a co-
munidade. Assim foi determinada a construção
de mais uma escola, com 346 m2 e duas salas de
aula para o ensino fundamental. As famílias do
povoado receberam módulos com pia, vaso sa-
nitário, tanque, fossa séptica e caixa d’água, in-
fra-estrutura importante para a redução dos ín-
dices de doenças infecto-contagiosas.
Outra melhoria importante foi a reforma
das balsas para a travessia do reservatório de Ca-
na Brava. As existentes, de propriedade da Agên-
cia Goiana de Transporte e Obras Públicas (AGE-
TOP), apresentavam freqüentes problemas de
manutenção, dificultando o acesso da popula-
ção de Vila Vermelho à outra margem, onde fi-
ca Minaçu. Para garantir que não haveria proble-
mas, a Tractebel Energia ainda colaborou com a
doação de combustível durante seis meses.
As obras foram feitas com mão-de-obra
local. Também houve a doação de dois barcos
para locação e a construção de um abrigo de
pesca, inclusive para a visitação de turistas. A
exploração dessa estrutura e o gerenciamento
das balsas são feitos pela associação, garantin-
do o cuidado da infra-estrutura e a distribuição
e geração de renda na comunidade.
Na área de educação, estão sendo im-
plementados o Garimpo de Histórias e o Con-
te um Conto, projetos que pretendem resgatar
as tradições locais a partir da história do povo
dali. O Garimpo será feito em conversas com
os moradores mais idosos e vai resultar em
um livro sobre a comunidade de Vila Verme-
lho, que deve ser um retrato dos moradores.
O Conte um Conto vai promover encontros
entre a comunidade para que as pessoas vol-
tem a entrar em contato com a história oral,
preservando a cultural local.
A participação da Doce ArteO trabalho das mulheres da Doce Arte continua e as ati-
vidades permanecem constantes e à procura de novas parce-
rias e iniciativas que permitam aumentar a renda das famílias.
A diretriz agora é investir em itens com maior demanda, como
doces, produtos coloniais e camisetas estilizadas. A Doce Arte
também participa do projeto da Vila Vermelho, beneficiando
tanto as artesãs, que assim puderam garantir a produção sob
demanda para a Prefeitura Municipal de Cavalcante, como
também a comunidade da Vila, que passou a receber os uni-
formes gratuitamente.

168 169
Des
envo
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ento
reg
iona
l
Além de fornecer bens
e obras públicas como
medidas compensatórias
durante a construção, a
SUEZ Energy International
e a Tractebel Energia
continuam impulsionando o
desenvolvimento econômico e
social da região.
A construção da usina Cana Brava iniciou um
novo ciclo na vida das comunidades vizi-
nhas ao empreendimento. Durante a obra, a SUEZ
Energy International auxiliou os municípios da re-
gião a implantar uma infra-estrutura básica, com
ações em diversos setores. Além do sistema de co-
leta e tratamento de esgotos e da praia artificial, a
empresa participou da ampliação do aeroporto de
Minaçu e das construções da cadeia pública e da
delegacia de polícia de Cavalcante. Equipamentos
de informática e móveis foram doados para a Pro-
motoria Pública, para o Fórum, para a creche e pa-
ra a prefeitura de Cavalcante. O Conselho Tutelar
da Criança e do Adolescente de Minaçu recebeu
uma Kombi e o Batalhão de Polícia Florestal, duas
motos. Minaçu ganhou ainda um novo matadou-
ro, com capacidade de abate de 60 animais por
dia, completamente de acordo com todas as exi-
gências de condições sanitárias e apto a receber o
Selo de Inspeção Federal (SIF). Outra benfeitoria
foi a ponte de serviços que atendeu a construção
da usina, sobre o rio Tocantins. Com o término da
construção, a ponte foi liberada para o tráfego lo-
cal, o que deixou os moradores da região livres da
obrigação de utilização de balsa para a travessia
entre os municípios de Minaçu e Cavalcante.
Minaçu.

168 169
Principais medidas compensatórias
Nas comunidades
Construção do sistema de esgoto de Minaçu
Recursos para Unidades de Conservação Ambiental
Construção da Praia de Minaçu
Construção da escola municipal da Vila Vermelho
Construção da cadeia pública de Cavalcante
Construção da delegacia de polícia de Cavalcante
Indenização aos mineradores de areia
Doação de ônibus escolar para o município de Cavalcante
Doação de Kombi ao Conselho Tutelar de Minaçu
Construção da escola de natação de Minaçu
Na área do reservatório
Ponte sobre o rio Tocantins
Estrada Minaçu–rio Tocantins
Estrada de contorno da MD do rio Maranhão
Matadouro Municipal de Minaçu
Ponte sobre o córrego Lajeado
Ponte sobre o rio Bonito
Transposição do córrego do Ginho
Mesmo após a conclusão da obra, a
Tractebel Energia continua impulsionan-
do o desenvolvimento econômico e social e
participando da vida da comunidade, proce-
dendo as compensações financeiras (royal-
ties) proporcionais às áreas afetadas de ca-
da município. O processo é absolutamente
transparente e todos os valores repassados
são públicos e estão disponíveis no site da
ANEEL e no da própria Tractebel Energia.
Esses recursos são utilizados pelas prefei-
turas, conforme as prioridades definidas pe-
las comunidades. Além disso e dos progra-
mas sociais específicos para os atingidos, a
Tractebel Energia realiza ações sociais que
beneficiam toda a comunidade.
No conjunto, todas essas obras e ações
contribuíram para propiciar uma nova realida-
de para a região, com a abertura de novas vo-
cações econômicas e perspectivas de melho-
ria de vida. A visão da Tractebel Energia é a de
participar desse processo de maneira proativa,
procurando sempre, de forma sustentável, au-
xiliar na construção de um futuro melhor para
toda a população.
Royalties pagos aos municípiosCompensação pelo uso de recursos hídricos de Cana Brava (em R$)
MUNICÍPIO % 2002 2003 2004 TOTAL
CAVALCANTE 50,42% 1.094.576 2.923.019 3.471.542 7.489.137
MINAÇU 43,75% 949.776 2.536.336 3.012.296 6.498.408
COLINAS DO SUL 5,83% 126.564 337.985 401.410 865.959
TOTAL 100,00% 2.170.916 5.797.340 6.885.248 14.853.504
Mais saúde para MinaçuDepois de construídas as casas para os indenizados, o
acompanhamento com assistência social e a realização de
programas sociais e educativos, a Tractebel Energia continua
assistindo a população de Minaçu em geral, implementando
projetos que procuram atender as necessidades de toda a co-
munidade. Uma dessas iniciativas é o estudo sobre a situação
da saúde no município.
Em convênio com a Prefeitura Municipal de Minaçu, es-
tão sendo analisadas as condições de vida e higiene e o acesso
à saúde. A idéia é desenvolver de programas que realmente
atinjam os cidadãos, a um custo mais baixo, porque poderão
ser bem planejados e com isso mais eficazes.
O projeto também gera conhecimento, já que é re-
alizado em parceria com a Universidade Federal de Minas
Gerais. Um grupo de consultores da instituição trabalha na
coleta e análise dos dados, com metodologia adequada
para auxiliar na tomada de decisões e conhecimento da
realidade local.

170 171
Turi
smo,
o f
oco
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esen
volv
imen
to
A região de Cana Brava tem
atrações e potencial para
os turismos de aventura,
rural e religioso. Agora as
comunidades se organizam
para construir e divulgar
essa identidade turística em
Goiás e em todo o Brasil.
A Usina Hidrelétrica Cana Brava está mu-
dando o cenário da região, especial-
mente na cidade de Minaçu. Com o enchi-
mento do reservatório, o município ganhou
um lago, com direito a orla urbana e praia ar-
tificial. Aliado ao reservatório de Serra da Me-
sa, o empreendimento propicia a Minaçu um
potencial turístico antes inimaginável, o que
abre uma perspectiva de diversificação da
economia – hoje ainda fortemente atrelada à
mineração de amianto – e de geração de em-
pregos e de renda.
O município conta com outros atrativos
naturais, como cachoeiras, grutas e águas ter-
mais. As atrações mais conhecidas são as ca-

170 171
choeiras do Lageado e das Pedras, no córre-
go do Lageado, e as cachoeiras do Rajado e da
Fumaça, no córrego do Rajado. Todas ficam a
cerca de 30 minutos do centro da cidade. Des-
tacam-se ainda as grutas de Nossa Senhora
Aparecida e da fazenda do Waldemar. Mas é o
reservatório de Cana Brava que promete ser a
grande vedete de Minaçu. Por manter um ní-
vel constante, com pouquíssima variação, o
reservatório pode ser perfeitamente explora-
do como balneário e para a prática de pesca
esportiva e de esportes náuticos.
Por isso, todos esses programas ambien-
tais têm relação direta com o desenvolvimento
do turismo, apontado como a mais promisso-
ra fonte de renda futura da região. A Praia do
Sol, praia artificial construída no reservatório
de Cana Brava como uma área de lazer, é um
ícone desse fenômeno. Ela fortalece a infra-
estrutura do município e abre caminho para
investimentos. No entanto, a consolidação do
turismo passa necessariamente pela constru-
ção de um projeto e demanda investimentos.
Minaçu traça estratégias nesse sentido, come-
ça a desenvolver os recursos trazendo eventos
como campeonatos de jet-ski e se prepara pa-
ra épocas-chave, como o carnaval.
A Praia do Sol já faz parte do dia-a-dia da
cidade. Fica cheia nos finais de semana e cada
vez mais é palco de festas. Uma das caracterís-
ticas que tornam a praia um lugar tão atrativo
para a realização dos eventos, além da beleza
do reservatório, é a segurança do local.
Em 2004, a festa de 31 de dezembro reu-
niu cerca de 20 mil pessoas na Praia do Sol e
o carnaval do ano também bateu recorde de
público. A rede hoteleira da cidade dependia,
durante a maior parte do ano, dos emprega-
dos e prestadores de serviços ligados à extra-
ção do amianto ou às usinas. No entanto, des-
de 2002 isso começou a mudar. A prefeitura
municipal investiu em divulgação e conseguiu

172 173
atrair mais os turistas. Há muito a ser explora-
do no campo do ecoturismo, como as cachoei-
ras e formações geológicas. A cidade também
faz parte da Reserva da Biosfera do Cerrado,
uma rota turística definida pela Agência Goia-
na de Turismo (AGETUR) que compreende re-
giões com rica biodiversidade.
Mas embora boa parte da infra-estrutu-
ra turística esteja pronta, há ainda muito inves-
timento a ser feito, especialmente nos acessos
à cidade, na organização do setor, na capacita-
ção das pessoas e até mesmo nas placas de indi-
cação dos principais pontos turísticos da cida-
de. Um dos primeiros passos nesse sentido foi
a realização do diagnóstico turístico da região
e do cadastramento dos hotéis, uma exigência
do Ministério do Turismo, EMBRATUR e AGE-
TUR. Agora o trabalho é de divulgação e cons-
trução de uma identidade turística. O inventá-
rio realizado para levantar o potencial turístico
da cidade detectou rotas a serem exploradas em
Minaçu: o turismo de aventura, aproveitando os
recursos naturais que circundam a cidade; o ru-
ral, para o qual ainda seria preciso montar uma
estrutura para receber o turista e capacitar os
agricultores a resgatarem a produção colonial.
Algumas datas estão consolidadas no ca-
lendário turístico de Minaçu: o carnaval, o ano
novo, as férias, a vaquejada e a festa em come-
moração ao aniversário do município, quando
são expostos produtos típicos da cidade, como
os doces de milho produzidos pelos agriculto-
res do Reassentamento Cana Brava, além de se-
rem apresentadas atrações da cultura local.
Também tradições locais como a folia-de-
reis e a catira devem receber estímulos à parti-
cipação e vão entrar no catálogo de atrações da
cidade. A rica e saborosa culinária típica da re-
gião, com grande variedade de pratos e peixes
de água doce, os doces de milho, o piqui – fru-

172 173
ta que não se pode morder sob custo de ganhar
espinhos na língua – e a pamonha também são
atrativos que podem trazer mais turistas. Entram
aí as feiras de produtos agrícolas, como a Feira
das Cinco, anunciada pelo sino da igreja e que
só fecha quando o último cliente deixa a praça.
Uma das iniciativas para reunir esforços
do setores público e privado é o Conselho do
Turismo (Contur), um canal de convergência
das ações na área, no qual prefeitura, empre-
sários do setor e diversos segmentos da socie-
dade vão trabalhar para construir iniciativas
em conjunto para desenvolver Minaçu. Além
disso, vêm sendo feitos investimentos na di-
vulgação das épocas-chave, como as férias de
verão e inverno.
A consolidação da rota turística Brasília-
Minaçu é outro dos pontos que traz boas pers-
pectivas. A rota inclui a visita ao reservatório
da usina Serra da Mesa e uma viagem mais in-
trospectiva ao município de Alto Paraíso, na
Chapada dos Veadeiros.

174 175
Pres
ente
mel
hor,
futu
ro m
elho
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A usina Cana Brava faz
parte da vida dessas
comunidades e do Brasil. A
SUEZ Energy International
e a Tractebel Energia têm
consciência disso e sempre
contribuirão para promover
o desenvolvimento
sustentável.

174 175
Passados os primeiros anos do início da
operação da usina Cana Brava, os resulta-
dos dos monitoramentos ambientais, as eviden-
tes melhorias nas condições de vida dos atingi-
dos, o desenvolvimento e a potencialidade das
comunidades demonstram que as decisões e
ações tomadas pela SUEZ Energy Internatio-
nal, pela Tractebel Energia e por todos os envol-
vidos no projeto foram corretas.
Exceto em poucos casos de insatisfação,
que continuam sendo tratados de maneira aber-
ta e transparente, em busca de uma solução
adequada para todas as partes, a percepção na
região de Minaçu, Cavalcante e Colinas do Sul é
que a usina Cana Brava e a forma como ela foi
feita contribuíram para melhorar a qualidade de
vida de todos. Uma percepção que se materiali-
za pela forma calorosa com que os funcionários
da empresa e dezenas de profissionais que atu-
am nos programas sociais e ambientais são sem-
pre recebidos em todos os locais.
A trajetória de um empreendimento des-
se porte tem começo, marcos importantes, mas
não tem fim. Cana Brava sempre estará na vida
dessas comunidades e do Brasil. A SUEZ Energy
International e a Tractebel Energia têm consci-
ência disso e sempre contribuirão para promo-
ver o desenvolvimento sustentável da região e
do país, gerando energia com responsabilidade
social e ambiental.



178
Cana Bravausina de um novo Brasil
Supervisão SUEZ Energy Brasil e Tractebel Energia Produção Editora Expressão Projeto editorial, coordenação e edição Carlos Locatelli – Núcleo de Projetos Editoriais/Jornalismo/UFSC Direção de arte Luiz Acácio de Souza Textos Simone Cunha e Carlos Locatelli Edição de arte João Henrique Moço Revisão Sérgio Ribeiro e Leonil Martinez Versão para o inglês Roy Silva – Anglolusa Fotografias Arquivo Tractebel Energia (Sem identificação de autor: páginas 22, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46A, 50, 51, 52, 53, 55A, 55B, 58, 104, 105 e 137A – Macrofoto: páginas 19, 48 e 49 – Tempo Editorial: contracapa, páginas 46B, 47, 48, 55C, 56, 57, 60, 62, 66, 67, 70, 76, 78A, 82A, 85, 86, 87, 88, 90, 98, 100, 103B, 112, 113, 114, 128A, 128B, 134, 135, 139 B, 139C, 141, 144, 148, 150, 155, 156, 157, 160A, 160B, 168B, 172A e 173B – Fotomundo Fotografias: páginas 63, 64, 68, 69, 80, 81, 82 B, 83, 142, 146, 147, 152, 153, 158B, 170, 171, 174, 176) – Arquivo Naturae: páginas 72, 73, 74, 75, 77, 79, 92, 93, 94 e 95 – Arquivo VidaSer: páginas 84, 102, 110, 111, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 127, 128C, 136, 137B, 137C, 139A, 163A – Arquivo Expressão: páginas 20 e 21 - Arquivo Museu da Universidade Federal de Goiás: páginas 130, 131 e 132 – Simone Cunha: páginas 138, 162A, 163B, 167, 168A, 172B e 173A – Thamy Soligo: páginas 158A, 161, 162B, 165 e 166.

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