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O novo ecossistema mediático João Canavilhas Universidade da Beira Interior Índice Introdução 1 1 Da ecologia ao ecossistema 1 2 O ecossistema mediático 2 3 O novo ecossistema 3 4 Funcionamento do novo ecossistema 7 Bibliografia 8 Introdução Originalmente usado para descrever as re- lações entre a blogosfera e a mediasfera, o conceito de “ecossistema mediático” tem vindo a tornar-se mais abrangente. Indisc- utivelmente ligado ao aparecimento da In- ternet, é com a emergência dos chamados self-media e das plataformas móveis que o conceito ganha novos significados passando a designar todo o complexo sistema de re- lações entre os velhos e os novos meios. Partindo do conceito original de Ecolo- gia, neste trabalho procuramos identificar um conjunto de elementos que ajudem a cla- rificar o conceito de Ecossistema mediático, nomeadamente no que concerne aos vários factores que o influenciam. É a partir desta definição que se traça um esboço do novo ecossistema mediático. 1 Da ecologia ao ecossistema O conceito de ecologia foi introduzido pelo naturalista alemão Ernest Haeckel, em 1869, e resulta da junção das palavras gregas “oikos” (casa) e “logos” (estudo). Ecologia seria "the study of the natural environment including the relations of organisms to one another and to their surroundings"(Haeckel citado em Odum & Barrett, 2005, 3), ou seja, o estudo dos ecossistemas. Já este con- ceito de ecossistema, utilizado pela primeira vez por Arthur Tansley em 1935, é definido como a combinação funcional dos orga- nismos com os factores ambientais, intro- duzindo assim dois tipos de componentes interactivas no ecossistema: a componente abiótica (relacionada com os ambientes) e a componente biótica (relacionada com os seres vivos). É neste âmbito funcional e rela- cional que o conceito de ecossistema acaba por ser transportado para o campo dos me- dia. Na perspectiva mcluhaniana existe uma relação de continuidade entre os vários media, uma espécie de evolucionismo mediático em que cada meio melhora o an- terior graças à incorporação de novas valên- cias tecnológicas. Assim, a viagem da cul- tura oral à aldeia global é também a aventura do ideograma que se fez palavra esculpida e

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O novo ecossistema mediático

João CanavilhasUniversidade da Beira Interior

ÍndiceIntrodução 11 Da ecologia ao ecossistema 12 O ecossistema mediático 23 O novo ecossistema 34 Funcionamento do novo ecossistema 7Bibliografia 8

IntroduçãoOriginalmente usado para descrever as re-lações entre a blogosfera e a mediasfera,o conceito de “ecossistema mediático” temvindo a tornar-se mais abrangente. Indisc-utivelmente ligado ao aparecimento da In-ternet, é com a emergência dos chamadosself-media e das plataformas móveis que oconceito ganha novos significados passandoa designar todo o complexo sistema de re-lações entre os velhos e os novos meios.

Partindo do conceito original de Ecolo-gia, neste trabalho procuramos identificarum conjunto de elementos que ajudem a cla-rificar o conceito de Ecossistema mediático,nomeadamente no que concerne aos váriosfactores que o influenciam. É a partir destadefinição que se traça um esboço do novoecossistema mediático.

1 Da ecologia ao ecossistemaO conceito de ecologia foi introduzido pelonaturalista alemão Ernest Haeckel, em 1869,e resulta da junção das palavras gregas“oikos” (casa) e “logos” (estudo). Ecologiaseria "the study of the natural environmentincluding the relations of organisms to oneanother and to their surroundings"(Haeckelcitado em Odum & Barrett, 2005, 3), ouseja, o estudo dos ecossistemas. Já este con-ceito de ecossistema, utilizado pela primeiravez por Arthur Tansley em 1935, é definidocomo a combinação funcional dos orga-nismos com os factores ambientais, intro-duzindo assim dois tipos de componentesinteractivas no ecossistema: a componenteabiótica (relacionada com os ambientes) ea componente biótica (relacionada com osseres vivos). É neste âmbito funcional e rela-cional que o conceito de ecossistema acabapor ser transportado para o campo dos me-dia.

Na perspectiva mcluhaniana existe umarelação de continuidade entre os váriosmedia, uma espécie de evolucionismomediático em que cada meio melhora o an-terior graças à incorporação de novas valên-cias tecnológicas. Assim, a viagem da cul-tura oral à aldeia global é também a aventurado ideograma que se fez palavra esculpida e

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mais tarde escrita, da palavra escrita manual-mente que passou a ser impressa, da palavraouvida à distância que posteriormente foicomplementada com imagens e, por fim, domultimédia que misturado e remisturado nosmais variados formatos passou a ser dis-tribuído para todo o tipo de plataforma situa-da em qualquer parte do globo. É nesta úl-tima fase que a ideia de continuidade ganhaum novo significado: não se trata apenas deacrescentar algo ao que já existia, mas simde utilizar tudo o que existe, mas de for-mas diferentes que variam em função do am-biente. A partir deste momento passamosa falar de um sistema em que meios e am-bientes geram novas e variadas relações re-sultantes da sua natureza instável, móvel eglobal, gerando um constante estado de de-sequilíbrio que rapidamente se reequilibrapara logo a seguir se desequilibrar nova-mente pela introdução de novos meios ouambientes num ecossistema em permanentemudança.

Esta nova realidade obriga-nos a intro-duzir aqui o conceito de sociedade líquida(Bauman, 2000): para o autor, a sociedadelíquida caracteriza-se por uma mudança per-manente que impede o estabelecimento dehábitos e rotinas. A liquefacção materializa-se numa fragmentação social em que as in-stituições perdem peso face a uma individua-lização crescente na produção e no consumode informação. Nesta situação verifica-seuma alteração nas duas componentes – rela-cionadas com os meios e com ambientes– que, para além de se influenciarem mu-tuamente, facilitam ainda o surgimento denovos factores próprios de um ecossistema eque passam, também eles, a exercer influên-cia na distribuição de forças.

2 O ecossistema mediáticoNum ecossistema existem duas ordens defactores. Os factores abióticos estão rela-cionados com a forma como o ambienteafecta a comunidade e, simultaneamente,como este é afectado por ela. Já nos fac-tores bióticos inclui-se tudo o que diz res-peito às relações entre populações, ou seja,à dependência existente entre elementos deuma mesma população, e entre esta e as ou-tras populações.

Tal como a Ecologia é a ciência que es-tuda os ecossistemas, a Ecologia dos Me-dia é a escola teórica da comunicação quese dedica aos ecossistemas mediáticos. Aoestudarem a forma como os media afectam apercepção, compreensão, sentimentos e va-lores humanos1, os investigadores da Ecolo-gia dos Media abordam os meios enquantoambientes, procurando estudar a sua estru-tura, conteúdo e impacto nas pessoas. Numaprimeira abordagem parece ficar de fora umavertente importante no estudo do ecossis-tema mediático: as circunstâncias em que osambientes são, eles próprios, condicionadospelas pessoas.

Na procura de uma terminologia que nospermita transpor os conceitos do ecossistematradicional para o ecossistema mediático,começamos por analisar os factores bióti-cos: o seu correspondente no campo do ecos-sistema mediático seria o estudo das carac-terísticas dos próprios meios, mas tambémdas relações intermediáticas. Ao escrever“new media do not make old media obso-lete; they assign them other places in the sys-tem”, Fredrich Kittler (1996) procura salien-

1 Media Ecology definida por Neil Post-man em www.media-ecology.org/media_ecology/

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tar que, apesar das mudanças tecnológicas,o ecossistema tende reequilibrar-se o quepressupõe um conjunto de readaptações dosmedia a uma nova situação. Assim, o es-tudo dos meios e suas relações constituiriaaquilo a que poderíamos chamar os factoresmediáticos, correspondentes aos factoresbióticos do ecossistema tradicional. Fenó-menos como a remediação (Bolter & Grusin,1999) ou o próprio estudo dos meios comoextensões do Homem (McLuhan, 1969),enquadrar-se-iam no âmbito destes factores.

No campo dos factores abióticos, a trans-posição de conceitos é mais complexaporque se trata de um vasto conjunto de ele-mentos ambientais como temperatura, luz,composição química dos ambientes e os ali-mento. A maior complexidade deve-se aofacto do conceito de ambiente poder ter duasinterpretações quando falamos de um ecos-sistema mediático.

Em primeiro lugar, e na linha da Teoriados Efeitos Limitados, o ambiente enquantocontexto social que influencia o processode descodificação da mensagem (Lazarsfeld,1940). Mas pode também ser interpretadano âmbito da Teoria dos Sistemas, com a co-municação a ser vista como um processo se-lectivo que se desenvolve na produção, dis-tribuição e aceitação dos conteúdos mediáti-cos (Luhmann, 1981), tendo a improbabili-dade da comunicação como pano fundo emconsequência dos vários condicionamentosda recepção. Este tipo de factores assumeparticular importância num momento em queo consumo se torna cada vez mais indivi-dual e móvel (Bauman, 2000). Se “a eficá-cia das comunicações de massa se estuda emrelação ao contexto de relações sociais emque os mass media agem” (Wolf, 1987, 52),o que acontece quando se verifica uma li-

quefacção social? (Bauman, 2000). A esteconjunto de elementos, em que a mobilidadee a descentralização surgem como elementoschave, chamaremos factores contextuais.

Em segundo lugar, o ambiente no ecos-sistema mediático deve ser igualmente vistodesde um ponto de vista mais instrumen-tal, debruçando-se especialmente sobre asaplicações e interfaces que nos permitemaceder à mensagem. É neste segundo pontoque se inscrevem os estudos relacionadoscom novas aplicações/programas que al-teram a forma como nos relacionamos comos meios. Falamos dos blogues ou das redessociais, no caso da Internet, da interactivi-dade através do comando de televisão ou dosnovos suportes de leitura jornais, como os e-readers. Neste campo interessa fundamen-talmente estudar a forma como os consum-idores condicionam os próprios ambientes aponto de os alterarem. A questão da inter-actividade é fulcral no estudo deste tipo deelementos a que chamaremos factores tec-noambientais.

Assim, consideramos que num ecossis-tema mediático existem três tipos de fac-tores: mediáticos (estudo dos meios e dassuas relações), contextuais (estudo do espaçoe da forma como se processam os consumosmediáticos) e tecnoambientais (estudo dosinterfaces e da acção dos consumidores noecossistema).

3 O novo ecossistemaDepois de cinco décadas de relativo equi-líbrio, a emergência da Internet veio alteraro ecossistema mediático e a forma comonos relacionamos com os meios. “Estamospasando de los medios de masas a la masade medios. Pasamos del sistema media-

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céntrico al yo-céntrico, donde el individuo setransforma en un microorganismo al tener elpoder de comunicarse, de intercambiar infor-mación, de redistribuir, de mezclar cosas, dehacer sus propios vídeos y colgarlos para quelos vean miles de personas.”2 Antevendo-se que, em 2012, Internet será a primeirafonte de informação3 e que, em 2020, osdispositivos móveis serão a principal formade acesso à Internet4, espera-se que apósuma fase de alguma instabilidade nasça umnovo ecossistema mediático resultante de al-terações nos vários factores antes menciona-dos e que passamos a analisar.

3.1 Factores mediáticosComo refere McLuhan, “o conteúdo de qual-quer meio ou veículo é sempre outro meio ouveículo“ (1969, 22) e a Internet é o melhorexemplo desta realidade: mais do que o con-teúdo de um meio anterior, a Internet é umasimbiose dos conteúdos de todos os meiosanteriores. É este factor que justifica o seuenorme sucesso pois se o “cruzamento ou hi-bridação dos meios liberta grande força ouenergia como por fusão” (McLuhan, 1969,67), quanto maior for o número de meios quese funde, maior é a energia libertada e, porisso, maior a atracção exercida sobre o serhumano.

O crescimento do número de utilizadoresda Internet passou de 16 milhões, emDezembro de 1995, para cerca de 1,97 mil

2 Entrevista de Rosental Camon Alves ao El Paiswww.elpais.com/articulo/reportajes/medios/deben/aparcar/arrogancia/elpepusocdmg/20100905elpdmgrep_5/Tes.

3 Innovation in Newspapers 2007 World Report.4 The Future of Internet III.

milhões, em Junho de 20105, com uma taxamédia de penetração de 77,4% na Américado Norte, 62,3% na Oceânia, 58,4% naEuropa e 28,7% em todo o mundo. Sãonúmeros impressionantes que transportarama sociedade para um novo modelo comunica-cional “characterized by the fusion of inter-personal communication and mass commu-nication, connecting audiences, broadcas-ters, and publishers under a matrix networ-king media devices ranging from newspapersto videogames and giving newly mediatedroles to their users. (Cardoso, 2008, 619).Podemos dizer que a Internet ocupa um lu-gar semelhante ao que McLuhan atribuía àelectricidade: “Um dos aspectos principaisda era eléctrica é que ela estabelece umarede global que tem muito do carácter donosso sistema central. Nosso sistema ner-voso central não é apenas uma rede eléc-trica; constitui um campo único e unificadoda experiência. Como os biólogos apontam,o cérebro é o lugar de interacção, onde to-das as espécies de impressões e experiênciasse intercambiam e se traduzem” (1969, 390).Esse lugar de interacção transferiu-se para ociberespaço, sobretudo com o aparecimentodos chamados media sociais como o Blog-ger (1999), o Facebook (2004), o Youtube(2005) e o Twitter (2006), ferramentas queabordaremos nos factores ambientais.

Para além de um novo modelo de so-ciedade em rede (Castells, 2002), a Internetinfluenciou igualmente os restantes media.Para Bolter & Grusin (1999), os novos mediarenovam os media anteriores e a este fenó-meno atribuíram-lhe a designação de “reme-

5 Dados Internet World Stats: www.internetworldstats.com/emarketing.htm.

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diation”. Porém, o conceito pode tambémser aplicado aos velhos meios no sentido emque eles próprios se alteram quando surgeum novo meio, procurando adaptar-se à novarealidade. Este é, do nosso ponto de vista,o segundo grande efeito intermediático daInternet no ecossistema. A migração dosmeios tradicionais para a Web esbateu fron-teiras e iniciou um processo de convergên-cia que torna cada vez mais difícil distin-guir onde acaba um meio e começa outro:a imprensa ganhou distribuição global ime-diata, uma característica da rádio e da tele-visão graças aos satélites; a rádio ganhouimagem, característica típica da televisão; atelevisão ganhou novos níveis de interacçãotípicos da Internet. A remediação tornou-senum fenómeno simétrico em que os novosmeios melhoram os meios anteriores, masestes passam igualmente por um processo detransformação que os aproxima dos modeloscomunicacionais do novo meio.

Mas a Internet não é a única novidade nonovo ecossistema mediático. “A telefoniamóvel que começou por ser uma tecnologiaexclusiva de uma elite empresarial na décadade 90, facultando a gestores uma comuni-cação constante e ubíqua, tornou-se uma tec-nologia popular, mesmo nas camadas sociaisde baixo rendimento. (Fidalgo e Canavilhas,2010, 100). De acordo com Tomi Ahonen Al-manac 2009, no final de 2009 existiam nomundo mais de 4 mil milhões de telemóveisem utilização, mais do dobro do número detelevisões (1,5 mil milhões) e quatro vezesmais do que o número de computadores (milmilhões). Os dados indicam ainda que, ape-sar de crise, as vendas de telemóveis con-tinuam a aumentar, sobretudo no grupo dossmartphones. Estes dispositivos juntam duasnovas funções ao seu objectivo inicial de co-

municação interpessoal: uma função maisligada ao entretenimento, com a possibili-dade de ver e gravar vídeos, jogar, e ou-vir música, e uma outra no campo maismediático graças à possibilidade de se ligarà Internet, a função informação (Canavilhas,2009). Foram estas valências que permiti-ram ao telemóvel sair “del ámbito estrictode la tecnología de voz para convertirla enuna tecnología de acceso a datos, iniciandoasí su proceso de mediatización” (Aguadoe Martínez, 2006, 322). De uma fase ini-cial em que servia apenas como plataformapara velhos conteúdos devido às suas limi-tações técnicas, o telemóvel evoluiu para ummeio de acesso a conteúdos de todos os ou-tros media, mas que tem também conteúdospróprios (como o SMS) que exploram o usopessoal e a mobilidade, uma característicaque faz parte dos factores contextuais.

Assim, as duas grandes alteração inter-mediáticas no ecossistema mediático são aintrodução de dois novos meios, duas “espé-cies” que alteraram a forma como nos rela-cionamos devido a um conjunto de carac-terísticas relacionadas com ambientes e con-textos de recepção.

3.2 Factores contextuaisAs duas grandes alterações ao nível dos fac-tores contextuais resultam da entrada da In-ternet e dos telemóveis no ecossistema, esão a individualização do consumo e a mobi-lidade. Através de computadores pessoais,plataformas de jogos, PDAs ou telemóveis,os consumidores alteraram os padrões deconsumo mediático, que passaram de con-textos grupais para um consumo individual ede espaços previamente determinados a todoe qualquer lugar onde exista uma rede móvel.

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“El espacio y el tiempo son las dimensionesfundamentales, materiales de la existenciahumana. De ahí que sean la expresión másdirecta de la estructura social y del cambioestructural. (Castells e outros, 2007, 267).O lugar onde ocorre a comunicação deixade ser o dos outros para ser o de cada um,situação que pode influenciar o interesse pordeterminado conteúdo devido à localizaçãomomentânea do receptor. O momento emque se recebe informação deixa de estar pré-determinado para se transformar num ciclocontínuo e, muitas vezes, directo, o que per-mite aos emissores abrir novas hipóteses derelacionamento com os consumidores. A ac-tividade de recepção deixa de ser única parase acumular com outras funções, fazendocom que a recepção seja um processo tãonatural como outras actividades do dia-a-dia.Por fim, mas não menos importante, a in-formação recebida passa a ser determinadapelo receptor e não pelo emissor, terminandoassim o “fluxo centralizado de informação,com o controlo editorial do pólo de emissão”(Lemos, 2007, 127).

A conjugação de uma variedade de inte-resses tão vasta como uma audiência globaldispersa por diversos contextos resultante damobilidade própria dos meios com ligações3G criam um universo de situações de re-cepção que alteram de forma radical o rela-cionamento entre emissores e receptores.

3.3 Factores tecnoambientaisNeste tipo de factores incluímos as inter-faces Homem/meio. A miniaturização dosreceptores de rádio e consequente aumentode portabilidade, a introdução dos coman-dos à distância nos receptores de televisãoe, mais recentemente das “boxes” que per-

mitem a gravação da programação, ou aindao sucesso dos e-readers e tablets são algunsexemplos da forma como as interfaces al-teram a maneira como nos relacionamos comos meios sem que esta mudança tenha nadaa ver com os conteúdos. Neste caso, os am-bientes não são os meios (campo da Ecolo-gia dos Media) nem o contexto em que amensagem é recebida (campo dos Estudos deRecepção) pois os conteúdos não se alteramnem são condicionados pelos contextos. Oque interessa no caso destes factores são osinstrumentos – de hardware ou software -que nos permitem o contacto com os conteú-dos e que, em muitas situações, respondemaos desejos dos consumidores. Quando assetas do teclado deixaram de ser um bom in-terface inventou-se o rato, que por não seruma boa interface para jogos deu lugar aojoystick que foi ultrapassado pelo WII Plus,sendo agora superado pelo novo interface daXbox que se chama Kinect e transforma opróprio corpo em comando.

O estudo dos factores tecnoambientaispassa pelo estudo das possibilidades de in-teractividade com o conteúdo, mas tambémcom os outros utilizadores. Como refereMacLuhan, ”os homens logo se fascinam porqualquer extensão deles próprios em qual-quer material que não seja deles próprios”(1969, 59). O comando de televisão é obraço elástico que permite trocar de canalsem sair do sofá e o leitor de MP3 é a mãogigante que permite transportar milhares dediscos e CDs sem esforço. Os computadorescom ligação à Internet são as pernas mágicasque permitem viajar por todo o mundo numabrir e fechar de olhos. Neste parafernáliade dispositivos tecnológicos, o mais recentefascínio humano são as tablets: a convergên-cia de várias funções num pequeno disposi-

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tivo portátil com ligação à rede está a trans-formar a forma como nos relacionamos comos conteúdos, abrindo ainda novas oportu-nidades de negócio no campo das indústriasmediáticas.

No caso do software, o aparecimentodo sistema Mac e a mudança do sistemaMS DOS para o Windows são dois bonsexemplos de alterações ambientais que con-tribuíram de forma decisiva para o sucessodos computadores. Neste caso falamos deusabilidade, um segundo conceito que, a parda interactividade, é fundamental na análisedas questões tecnoambientais no ecossis-tema mediático.

Mas a grande alteração neste campo éo aparecimento dos media sociais e a en-trada em cena de um novo protagonista:o público antes conhecido como audiência(Rosen, 2006) Do modelo centralizado de“um para muito passámos para os descentra-lizado de “muitos para muitos”, “muitos paraum” e “um para um. Em blogues ou re-des sociais, o público passa a ter um papelactivo na produção de informação, mas so-bretudo na selecção da informação que inte-ressa. Aos utilzadores que pretendem triara avalanche de informação recebida diaria-mente pela Web. O gatewatching (Bruns,2003), isto é, a selecção de informação efec-tuada por “amigos” das redes sociais emtorno dos quais se constroem comunidadesvirtuais, ganha uma importância renovadanum ecossistema em que se assiste a umaespécie de recuperação do modelo Two-stepflow (Lazarsfeld, Berelson & Gaudet, 1944).Sabemos que o caminho mais próximo en-tre dois pontos é uma recta, o problemaé quando não se sabe exactamente ondeestá o ponto de chegada. É neste contextoque um ponto intermédio pode ser a forma

mais eficaz de fazer chegar a mensagem aquem interessa. È a situação que se veri-fica na distribuição de notícias através dasredes sociais, quer directamente para recep-tores que manifestam interesse em as rece-ber, quer enviando-a directamente para gate-watchers. Os números apoiam a importânciadesta opção: 42% dos americanos começa odia a consultar as redes sociais (Facebook eTwitter), e 16% diz ser nestas aplicações queprocura as notícias da manhã6. Um outro es-tudo (PEW, 2010) refere que 51% dos uti-lizadores de redes sociais todos os dias lênotícias disponibilizadas pelos seus amigos e23% lê igualmente notícias distribuídas nes-tas redes pelos media tradicionais.

Os factores ambientais surgem assimcomo um dos grupos com maior peso nonovo ecossistema mediático. A sua influên-cia interfere directamente com os factoresmediáticos, funcionando como elemento ful-cral na redistribuição de poder dentro de todoo ecossistema.

4 Funcionamento do novoecossistema

"As espécies que sobrevivem não são as es-pécies mais fortes nem as mais inteligentes,mas aquelas que se adaptam melhor às mu-danças". A frase, atribuída a Darwin7, ilus-tra bem a já longa história dos media, comos velhos meios a efectuarem adaptaçõesque lhes permitam sobreviver à chegada dosnovos. A rádio alterou os conteúdos e

6 www.retrevo.com/content/blog/2010/03/social-media-new-addiction%3F.

7 Está inscrita numa placa existente no átrio daAcademia de Ciências da Califórnia.

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horários nobre para resistir à televisão e to-dos procuraram adaptar-se à Internet, uti-lizando este meio como suporte.

A conjugação dos factores mediáticos,contextuais e tecnoambientais provocou al-gumas alterações importantes no funciona-mento do ecossistema. Desde logo porqueos novos meios se colocaram imediatamenteno topo da cadeia: a Internet, com 2 mil mi-lhões de utilizadores8, e os telemóveis, com4 mil milhões em 2009 (Ahonen, 2009), ul-trapassam largamente os 1,5 mil milhões deaparelhos de televisão ou os 480 milhões dejornais em circulação diária (Ahonen, 2009).O sucesso destes meios alterou o consumo denotícias, que passou a ser individual, móvel,ubíquo e contínuo. A consequência imediatafoi a mudança de um sistema pull, em queé o consumidor a procurar as notícias, paraum sistema push, em que as notícias vão aoencontro dos consumidores (Fidalgo e Cana-vilhas, 2009), tendo eles a opção de esco-lher como, quando e onde as recebem. Estaalteração encerra um importante potencialeconómico uma vez que o privilégio de re-ceber cria a predisposição para o pagamento.

Em segundo lugar, este fluxo individual,contínuo e bidireccional de informação per-mite a participação do consumidor no pro-cesso noticioso, alterando o equilíbrio dosistema: como se referiu antes, de um sis-tema “media-cêntrico” passou-se para um“eu-cêntrico”9, envolvendo mais os leitoresem todo o processo, sobretudo ao nível daredistribuição de notícias via e-mail ou redessociais, uma situação que tende a criar comu-nidades virtuais. Também neste caso existeum grande potencial económico, na medida

8 Dados Internet World Stats em Junho de 2010.9 Entrevista de Rosental Camon Alves ao El Pais.

em que a participação neste tipo de comu-nidades que discutem assuntos muito especí-ficos tende a ser valorizada e, por isso, a terum valor de participação.

A nova sociedade em rede e a digita-lização do sector da comunicação operaramtamanha mudança no ecossistema mediáticoque “los bits, unidades del lenguaje digi-tal, ya son tan importantes como los átomos,componentes biológicos elementales de losobjetos tangibles (Nora, 1997, 21). Esta des-materialização acelera o processo evolutivonum ecossistema em permanente mutação.

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