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CANDIDO SILVA OLIVEIRA DE CONDENADO A RECUPERANDO : convergência entre LEP e método APAC DIVINÓPOLIS FUNEDI/UEMG 2008

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CANDIDO SILVA OLIVEIRA

DE CONDENADO A RECUPERANDO : convergência entre LEP e método APAC

DIVINÓPOLIS FUNEDI/UEMG

2008

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CANDIDO SILVA OLIVEIRA

DE CONDENADO A RECUPERANDO : convergência entre LEP e Método APAC

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da FUNEDI – Fundação Educacional de Divinópolis/UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais, como requisito para obtenção do título de mestre

Área de Concentração: Estudos Contemporâneos

Linha de Pesquisa: Espaço e Sociedade.

Professor Orientador: Prof. Dr. José R. B. Bechelaine

DIVINÓPOLIS FUNEDI/UEMG

2008

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Oliveira, Candido Silva O48c De condenado a recuperando: a convergência entre a LEP e o método APAC [manuscrito] / Candido Silva Oliveira. – 2007. 119 f., enc.

UEMG – UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS FUNEDI – FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS

CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Oliveira, Candido Silva O48c De condenado a recuperando: a convergência entre LEP e método APAC [manuscrito] / Candido Silva Oliveira. – 2008. 101 f., enc. Orientador : José Raimundo Batista Bechelaine Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 83-84 1. Condenados – Aspectos Sociais. 2. Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC. 3. Lei de Execução Penal - LEP. l. Bechelaine, José Raimundo Batista. ll. Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI. lll. Título. CDD: 365.6 345.086 927

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Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída pelos

Professores:

Prof. Dr. José Raimundo Batista Bechelaine (Orientador) FUNEDI/UEMG

Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa Corgozinho – FUNEDI/UEMG

Prof. Dr. Leandro Pena Catão FUNEDI/UEMG

Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais

Fundação Educacional de Divinópolis

Universidade do Estado de Minas Gerais

Divinópolis, 06 de Março de 2008.

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Autorização para reprodução e divulgação científica da dissertação

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo

sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG.

Candido Silva Oliveira

Divinópolis, 6 de Março de 2008

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Ofereço esse trabalho aos meus pais que com

sua compreensão e confiança tornaram

possível a realização de mais uma conquista e

a minha esposa Márcia que confiou na minha

capacidade.

Dedico aos funcionários, voluntários e

recuperandos, protagonistas carcerários da

APAC de Itaúna - MG, cuja convivência muito

auxiliou no desenvolvimento da pesquisa.

Dedico ainda ao tio Diacksy de La Viele (in

memoriam), que me incentivou a ingressar no

curso de mestrado.

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Agradeço a Deus, primeiramente e todos os

meus familiares, por mais uma etapa vencida

em minha jornada. São eles a razão de meu

crescimento profissional e motivo de meu

aperfeiçoamento maior. Agradeço também a

todos os meus professores, colegas e amigos o

carinho, a dedicação e o incentivo que me foi

dado no decorrer do curso, tornando-o

agradável e fecundo. Agradeço ainda mais aos

meus heróicos amigos mestrandos, que

palmilharam comigo neste caminho e deram

forças para alcançar meus objetivos e concluir

o curso.

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“A prisão é o único lugar onde o poder pode se

manifestar em estado puro em suas dimensões

mais excessivas e se justificar como poder

moral ”

FOUCAULT, (2004, p.73)

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RESUMO

Reflexão sobre o sistema carcerário brasileiro, mais especificamente sobre o Método APAC que preconiza a reeducação e ressocialização. Supõe um processo de comunicação entre a prisão e a sociedade e uma identificação entre os valores da comunidade livre com a prisão e vice-versa. Pesquisa de natureza qualitativa que tem como campo de investigação a APAC/Itaúna, unidade masculina. Levantou-se como hipótese que há uma convergência de princípios entre a LEP e o Método APAC no que se refere aos apenados e ao tratamento a eles dispensado. Para refletir sobre essa questão, escolheu-se como interlocutores teóricos como Foucault, Ferracuti, Varella, Ottoboni e outros teóricos que trazem para este estudo importantes contribuições. A pesquisa documental baseou-se na LEP (Lei de Execução Penal), no Código Penal e no regimento da APAC/Itaúna, com vistas a uma análise comparativa entre o que essas legislações determinam e o que a APAC concretiza. Discute-se ainda concepções como reeducação, recuperando e ressocialização, para, finalmente, tecer as considerações sobre o objeto em estudo. O estudo realizado permite concluir o quão importante e necessário é o trabalho voltado para o ser humano existente na condição de detento e sua dignidade e identificar quais direitos e princípios são considerados tanto pela LEP quanto pela APAC. É possível afirmar que, embora a APAC desenvolva um relevante trabalho e utilize no seu cotidiano os instrumentos de tratamento penal preconizados pela LEP, há muito a fazer pelos detentos, sobretudo pela sua ressocialização e reeducação. Palavras-chave: Prisão; APAC; Preso; Sociedade; Reeducação; Ressocialização, LEP

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ABSTRACT

OLIVEIRA, Candido Silva. “DE CONDENADO A RECUPERANDO : a convergência entre a LEP e o método APAC”, 2007. 101 pages. Dissertation (Master's degree in Education, Culture and Social Organizations) – Minas Gerais State University Master’s Program/FUNEDI – Educational Foundation of Divinópolis – Divinópolis, Minas Gerais. Reflection on the Brazilian jail system, more specifically on APAC Method which advocates the rehabilitation and resocialization. It implies a process of communication between prison and society and an identification between the values of free community with the values of prison and vice versa. Qualitative nature research whose field of investigation is APAC/Itaúna, male unit. It was surveyed as a hypothesis that there is a convergence of principles between LEP and APAC Method as it regards the condemned and the treatment given to them. To reflect on this issue, it was chosen as interlocutors theorists like Foucault, Ferracuti, Varella, Ottoboni and other theorists who bring important contributions to this study. The documentary research was based on LEP (Law of Criminal Enforcement), on the Penal Code and on the rules of APAC/Itaúna, aiming at a comparative analysis between what these laws determine and what APAC does. It also discusses concepts as rehabilitation, recovering and resocialization, to, finally, make the comments about the object under study. The study can conclude how important and necessary it is the work turned to the human being who is a prisoner and his dignity and identify which rights and principles are considered by both LEP as by APAC. It is possible to assert that, although APAC develops a relevant work and frequently uses the instruments of criminal treatment recommended by LEP, there is a lot to do for the detainees, especially by their resocialization and rehabilitation.

Keywords: Prison; APAC; Prisoner; Society; rehabilitation; Resocialization, LEP

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LISTA DE FIGURAS

Foto 1 – Jornada Da Libertação Com Cristo Na Apac Feminina De Itaúna 55

Foto 2 – Na APAC de Itaúna o apenado tem as chaves da cela 56

Foto 3 – O próprio apenado cuida da refeição 57

Foto 4 – O próprio apenado cuida da limpeza das celas 58

Foto 5 – É garantida ao apenado a formação acadêmica 59

Foto 6 – Bruno Recuperando Bruno, pintando figura do Filho Pródigo 60

Foto 7 - Artesanato produzido pelo recuperando 61

Foto 8 – Regime semi-aberto o recuperando trabalha fora dos muros 62

Foto 9– Libertação com Cristo na APAC masculina de Itaúna 63

Foto 10 – Consultório Odontológico da APAC de Itaúna 64

Foto 11 – Assistência jurídica ao apenado na APAC 65

Foto 12- Aprendizado de uma profissão. Padaria da APAC de Itaúna 65

Foto 13 – Visitas de familiares na APAC de Itaúna 66

Foto 14 – Horta cuidada pelos recuperandos na APAC de Itaúna 67

Foto 15 – APAC de Itaúna – MG 67

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SIGLAS

LEP Lei de Execução Penal

APAC Associação de Proteção e Assistência aos Condenados

CRS Centro de Reintegração Social

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

EUA Estados Unidos da América

PFI Prision Fellowslrip International

FBAC Fraternidade Brasileira de Assistência

CSS Conselho de Sinceridade e Solidariedade

FBAC Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

CAPÍTULO 1 O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO 18

1.1 Considerações gerais sobre sistema carcerário brasileiro 18

1.2 A recuperação de seus detentos 23

1.2.1 A superlotação

1.2.2 A higiene e assistência médica

1.2.3 Falta de acesso à educação profissionalizante

1.2.4 Violência policial e direitos humanos nos presídios

24

25

27

28

1.3 As “Leis dos presos”

30

CAPÍTULO 2 DUAS PROPOSTAS : LEP e APAC 32

2.1 LEP Lei de execução penal 32

2.1.1 Os instrumentos de tratamento penal na LEP 2.1.2 Reeducação e ressocialização

34

37

2.2 APAC – Associação de proteção e assistência aos condenados

40

2.2.1 Elementos fundamentais do método APAC

41

a) Participação da comunidade.

41

b) O recuperando ajudando o recuperando 42

c) O trabalho 43

d) A religião e a importância de se fazer experiência de Deus 44

e) Assistência jurídica 45

f) Assistência a saúde 46

g) Valorização humana 46

h) A família..

47

i) O serviço voluntário...

48

j) CRS – Centro de Reintegração Social. 49

k) O mérito 49

l) Jornada de libertação com Cristo

50

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2.3 A APAC EM ITAÚNA – MG 50

2.3.1 Histórico da APAC de Itaúna – MG 50

2.3.2 SOS Cidadania 52

2.3.3 Entrega das chaves 53

2.3.4 A APAC feminina 54

2.3.5 A APAC hoje 55

2.3.6 Reconhecimento internacional

67

CAPÍTULO 3 LEP x APAC : análise comparativa 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS 79

BIBLIOGRAFIA 83

ANEXOS 85

A - APAC EM SANTA LUZIA –MG 85

B - PROJETO ARQUITETÔNICO APAC DE ITAÚNA

94

C - FOTOS ILUSTRATIVAS APAC/ITAÚNA

98

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INTRODUÇÃO

A prisão moderna é segundo Foucault (1997, p.71), uma empresa de modificar

indivíduos, tendo, portanto, duas obviedades fundamentais na forma simples da privação de

liberdade e, no papel, suposto ou exigido, de ser um aparelho de transformar indivíduos.

Nesse sentido, na modernidade, a prisão deve representar um aparelho disciplinar

exaustivo, um reformatório integral, que prescreve princípios de isolamento em relação ao

mundo exterior, as unidades penais, aos motivos, que levaram o condenado à infração,

conduzindo-o, através dessa isolação, à reflexão, ao remorso e à submissão total, ao

reconhecimento do preso sobre o poder que a ele se impõe segundo Foucault (1997, p.83).

O sistema penitenciário, de fato, funciona como um sistema repressor da

autonomia dos indivíduos que cometeram algum ato ilícito, tipificado pelo Código Penal,

tendo como finalidade, puni-los ou tratá-los. Segundo Arfinengo (1997, p. 56), esta atitude

heterônoma visa a re-enquadrar o indivíduo infrator ao convívio social, segundo as normas

legais.

Ao mesmo tempo, porém, a cadeia tem que exercer óbvias funções de controle

social e também de punição, que pode ser entendida ou como retribuição (retaliação) ou como

emenda (com qualquer de seus significados).

No sistema carcerário há uma grande dificuldade no que diz respeito à re-

educação, pois existe carência de recursos materiais e não há, de forma precisa, o incentivo do

governo e da sociedade para que o cidadão preso adquira conhecimentos úteis à vida de forma

a terem uma oportunidade, que muitas vezes, nunca tiveram: ficar longe do circuito do crime;

de não voltar a cometer delitos.

A pesquisa sobre o Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos

Condenados) e a LEP (Lei de Execução Penal / Lei no. 7.210/1984) justifica-se pelo interesse

pessoal e profissional em compreender o cotidiano de uma unidade que adota o Método

APAC, de cujo projeto arquitetônico sou autor e a crença de que o referido método é, como

reconhecido mundialmente, uma revolução no sistema carcerário brasileiro.

O objetivo de pesquisa foi a reflexão e o estudo sobre o Método APAC, adotado

em Itaúna (MG), numa unidade masculina, bem como sobre a relação entre a LEP e a APAC.

Buscou-se compreender o cotidiano da vida prisional na unidade pesquisada, a relação entre a

LEP - que regula os direitos e deveres dos detentos com o Estado e a sociedade - e a APAC,

em relação ao preparo para a reintegração do detento na sociedade. Melhor dito: refletir sobre

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a relação entre a LEP –, “Carta Magna dos detentos”, que regula os direitos e deveres dos

detentos com o Estado e a sociedade, estabelecendo normas fundamentais a serem aplicadas

durante o período de prisão - e a APAC, no que diz respeito aos direitos humanos e ao preparo

para reintegração e reeducação.

Partiu-se da hipótese de que há uma convergência de princípios e objetivos entre a

LEP e a APAC no que se refere aos direitos e à ressocialização e à reeducação dos detentos.

Levantaram-se para a investigação, duas questões acerca do objeto:

Em que medida os direitos e princípios que constam da LEP são contemplados no

trabalho da unidade prisional pesquisada?

Representa o Método APAC uma revolução no sistema carcerário brasileiro, no

que diz respeito à ressocialização e à reeducação do detento?

Para melhor compreensão do trabalho da APAC, um método que parece lançar um

novo olhar sobre o detento, ávido por transformações sócio-políticas e econômicas que

favoreçam ao desenvolvimento de uma estrutura apropriada, paralela a um verdadeiro

trabalho re-educativo e para dar conta dos objetivos propostos, dialogou-se com importantes

teóricos como Foucault, Falconi, Varella e Ottoboni. Trata-se de autores que discutem

algumas concepções sobre o objeto em estudo –e que, por isso mesmo, trazem importantes

contribuições à pesquisa.

Através da leitura desses autores e também do estudo de documentos como a LEP,

a Constituição Federal de 1988, o Código Penal de 1940 (atualizado pela Lei no. 7.209 de

1984) e o regimento interno da APAC, foi possível estabelecer uma comparação entre as

determinações da LEP e o trabalho da APAC e verificar a hipótese levantada: há uma

convergência de princípios e objetivos entre LEP E APAC, podendo a última ser

concebida como a realização da primeira.

O primeiro momento do estudo constituiu-se do levantamento bibliográfico e

exploratório, cujo objetivo principal nesta etapa foi desenvolver, esclarecer, investigar e

modificar conceitos e idéias com o intuito de preparar abordagens condizentes com o

desenvolvimento do estudo. Além desse levantamento bibliográfico e exploratório, foram 80

(oitenta horas) de observação do cotidiano da entidade pesquisada para coleta de dados e

reflexão.

A pesquisa está organizada em três capítulos: o primeiro capítulo traz

considerações gerais sobre sistema carcerário brasileiro, sua precariedade (superlotação,

vitimização de presos, as lacunas e a inoperância do Estado no que concerne a recuperação de

seus tutelados detentos), a questão dos direitos humanos, “as leis dos presos” que ameaça a

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todos, inclusive os cidadãos livres; o segundo capitulo discute as determinações da LEP, da

Constituição Federal e do Código Penal e os princípios do Método APAC e trata do objeto de

estudo, apresentando a LEP, com os instrumentos de tratamento penal, as concepções

importantes para a discussão do tema e ainda o histórico e trabalho da APAC de Itaúna,

unidade masculina; o terceiro e último capítulo do trabalho retoma a discussão sobre a LEP e

a APAC, mostrando uma análise comparativa entre ambas, na perspectiva dos autores que, em

sua maioria, defendem o Método APAC e sua convergência com os princípios da LEP ; após ,

tem-se as considerações finais cuja função é expor as conclusões da pesquisa, tomando-se

como referência o trabalho prático da APAC e o aporte teórico que sustentou a discussão.

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CAPÍTULO 1 O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de

transformação dos homens.

(Foucault, 2004, p. 131)

A literatura sobre a crise do sistema penitenciário e a falência da pena de prisão é

bastante vasta havendo mesmo um consenso a respeito no meio social e da magistratura. O

que se observa com o atual quadro do sistema prisional, nada mais é do que uma escola para a

reprodução do crime, onde o que se faz, apenas segrega, temporariamente o condenado, pela

ótica exclusiva da repressão e as metas punir, prevenir e regenerar, não alcançam os objetivos

propostos.

A falência do sistema penitenciário brasileiro é notória; há tempos, tornou-se

objeto de urgente e indispensável intervenção.

1.1 Considerações gerais sobre sistema carcerário brasileiro

As prisões e penitenciárias brasileiras mais parecem depósitos humanos. O excesso

de lotação dos presídios, penitenciarias e até mesmo distritos policiais também contribuem

para agravar a questão do sistema penitenciário. As drogas e as armas são outros fatores

determinantes no problema do sistema penitenciário brasileiro.

Segundo Cross (1998, p.82), somando-se aos problemas decorrentes da

superpopulação carcerária, causada pela inoperância do Estado e dos fenômenos da

prisionalização e estigmatização do detento e do ex-detento, quando de seu retorno à

sociedade, tem-se o sistema penitenciário, centrado na pena de prisão em regime fechado,

uma das mais cruéis vitimizações praticadas com aval institucional.

O estigma da lei penal para os pobres detentos lhe dificulta cada vez mais a

reinserção social, fazendo com que o ex-preso dificilmente fuja de comportamentos

considerados ilícitos como estratégia de sobrevivência, engrossando o círculo perverso da

reincidência criminal

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Ao se abordar alguns aspectos do processo de vitimização dos presos pelo sistema

penitenciário, não se pretende desviar o enfoque para esconder a violência dos atos praticados

pelos condenados, mas, enfatizar que a recuperação ou ressocialização do infrator só será de

fato alcançada quando este se integrar no sistema social, e, então, como ser produtivo

econômico e socialmente, ressarcir o dano causado à comunidade; segundo Cross (1998,

p.96), essa prática, o ressarcimento, seria a melhor satisfação que os órgãos públicos poderiam

prestar à sociedade com relação aos recursos financeiros investidos.

Há de se pensar, de acordo com Arfinengo (1997, p.38), que o conceito de

ressocialização exclui a segregação de pessoas no confinamento para reintegrar; o ideal de

ressocialização pressupõe que a ideologia do tratamento, deve se substituir pelo conceito de

reintegração social onde há a suposição de um processo de comunicação entre a prisão e a

sociedade, objetivando uma identificação entre os valores da comunidade livre com a prisão e

vice-versa. Neste sentido e visando alcançar uma eficaz reintegração social daquele que foi

condenado a uma sanção penal, é necessário uma maior aproximação e conseqüente

envolvimento da comunidade na busca da solução de seus conflitos sociais. A participação da

sociedade civil organizada, deve romper as grades das ilegalidades cometidas atrás dos muros

da prisão, para que haja maior transparência e responsabilidade àqueles que detêm o poder de

custodiar o próprio homem.

Segundo Coelho, cada preso custa por mês para os cofres da nação o total de 4,5

salários mínimos, sendo que o gasto geral dos Governos Federal e Estadual é de 60 milhões

num só mês. (2001, p.77).

O que se observa, é que, a prisão tem sido nos últimos séculos, a esperança das

estruturas formais da sociedade em combater a criminalidade. A prisão constituía a espinha

dorsal dos sistemas penais de feição clássica, sendo tão marcante a sua influência que passou

a funcionar como centro de gravidade dos programas destinados a prevenir e a reprimir os

atentados mais ou menos graves aos direitos da personalidade e aos interesses da sociedade e

do Estado. (Falconi, 1998, p.103)

A sociedade atual é herdeira de um sistema que encontrou o seu apogeu no século

das luzes quando o reconhecimento formal dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do

Homem, impunha a abolição das penas cruéis. E a prisão não seria, portanto, uma pena cruel

principalmente porque ela mantinha a vida que tão freqüentemente era o preço do resgate para

o crime cometido. Reconhecendo a imprestabilidade da pena capital para atender aos

objetivos de prevenção e avaliando o sentimento popular, o legislador brasileiro viu na prisão

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uma forma de reação penal condizente com os estágios de desenvolvimento cultural e político

do próprio sistema.

Nos presídios brasileiros, como pouquíssimas e honrosas exceções, o espetáculo

apresentado não pode deixar de ser dantesco. Por maior que seja o desprezo de boa parte da

sociedade brasileira para com as condições de vida e mesmo o destino do preso, ninguém

pode se revelar indiferente diante do cenário oferecido pelas prisões: às mais precárias

condições de habitabilidade e à falta de serviços de apoio, assistência e educação vêm se

associar uma violência desmedida e incontrolável, grave obstáculo a qualquer proposta de

reinserção social de quem quer que tenha algum dia, em momento qualquer, transgredido as

normas jurídicas desta sociedade e, por conseguinte, sido punido pela Justiça pública.

(Varella, 2001, p.85).

As cenas são demasiado fortes: o escuro das celas, a sujeira pelos cantos, a

alimentação insossa, a falta de higiene, o perigo disseminado por todos os cantos e corredores,

as doenças convivendo par a par com a saúde, os espancamentos e agressões gratuitas, as

violações sexuais. Talvez, os sorteios de morte entre os prisioneiros, típicos das prisões

brasileiras, porém trazidos ao público pelo descalabro em que se encontravam no início da

década passada as prisões mineiras, sejam os exemplos de maior impacto e perplexidade que

as páginas dessa história mal digerida nos legou ao presente

No domínio das prisões, segundo Varella (2001, p.91), esses fatos são indicativos

de uma crise há tempos instalada no sistema de Justiça criminal. Todas as imagens de

degradação e de desumanização, de debilitamento de uma vida cívica conduzida segundo

princípios éticos reconhecidos e legítimos parecem se concentrar em torno dessas estufas de

modificar pessoas e comportamentos. Nelas aparecem com todas as suas letras, cores e

números as marcas do fracasso de sucessivos governos em conter a delinqüência dentro dos

marcos da legalidade e sobretudo em formular políticas penais capazes de efetivamente

oferecer segurança à população estancando a insegurança generalizada que hoje parece ter

tomado conta do espírito sobressaltado do cidadão comum, sobretudo o habitante das grandes

cidades. As prisões revelavam a face cruel de toda essa história: os limites que se colocam na

sociedade brasileira à implementação de uma política de proteção dos direitos fundamentais

da pessoa humana, nela incluído o respeito às regras mínimas estipuladas pela Organização

das Nações Unidas (ONU) para o tratamento de presos.

O sistema está em regime de insolvência, sem poder quitar as obrigações sociais e

os compromissos assumidos individualmente. E para este débito não remido contribuiu

também o desinteresse em tratar com o necessário rigor cientifico as figuras do réu e da

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vítima, os protagonistas, enfim, do fenômeno criminal em toda a sua inteireza. Antes, durante

e depois da intervenção punitiva do Estado.

Atualmente, o que se observa, é que a população carcerária é composta por

segmentos cada vez mais jovens, e parece viver um “caminho sem volta”. Sem minimizar

outras tantas e diversificadas expressões de violências (físicas e simbólicas) presentes no

cotidiano das grandes cidades brasileiras, a sociedade ainda é, freqüentemente, impactada por

cenas de motins que eclodem no interior do chamado “sistema prisional”.

Nestes momentos, fica evidente o fracasso da gestão governamental e salta aos

olhos o quanto falta para que os órgãos fiscalizadores do sistema penitenciário cumpram seu

papel. De fato, de maneira geral, as prisões se tornaram espaços caracterizados pela ausência

de bens materiais básicos como água, sabonete e papel higiênico; pela ausência de

atendimento médico; pela marcante presença de tortura, tratos desumanos e humilhações. Por

outro lado, também nestes momentos de crise evidenciam-se os complexos desafios que são

colocados para os organismos dos Direitos Humanos e para outras tantas organizações da

sociedade civil que buscam saídas e alternativas de ressocialização com o objetivo de reverter

este processo. (Cross, 1998, p.79).

No que diz respeito à sociedade, o Estado brasileiro continua não dando condições

e garantias de vida àqueles que se encontram sob sua tutela. Porém, nos últimos anos há ainda

um agravamento da situação decorrente da corrupção policial, das disputas entre “comandos”

do narcotráfico e, também, da ação de facções do tráfico no interior do próprio sistema

penitenciário.

Esse quadro tem aumentado o sentimento de medo e insegurança, diante da

expectativa, cada vez mais provável, de qualquer cidadão ser vítima de uma ofensa criminal.

Não parece infundado esse sentimento. As estatísticas oficiais de criminalidade indicam a

aceleração do crescimento de todas as modalidades delituosas. Dentre elas, crescem mais

rapidamente os crimes que envolvem a prática de violência, como os homicídios, os roubos,

os seqüestros, os estupros. Esse crescimento veio acompanhado de mudanças substantivas nos

padrões convencionais de criminalidade individual bem como no perfil das pessoas

envolvidas com a delinqüência. Assiste-se à generalização e internacionalização do crime

organizado, constituído, sobretudo, às voltas do narcotráfico.

Assim, o sistema prisional brasileiro acaba em um caudatário de um acentuado

desequilíbrio em suas funções de controle social. Por outro lado, a seu modo, contribui para

que as leis penais não sejam aplicadas indistintamente para todos os cidadãos, de onde

decorrem lacunas e omissões que comprometem a crença na universalidade das instituições de

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promoção e proteção dos direitos que devem proteger a pessoas, seus bens e outros valores

social e culturalmente prezado. Não é de se estranhar, portanto que as prisões brasileiras, em

especial naquelas regiões e Estados onde os problemas de superpopulação carcerária são mais

graves e tendem a se agravarem no tempo, sejam espaços de toda sorte de tensões e de

sistemáticas violações de direitos humanos. (Coelho, 2001, p.106).

A despeito dos propósitos reformadores e ressocializadores embutidos na fala dos

governantes e na convicção de homens aos quais está incumbida a tarefa de administrar

massas carcerárias, a prisão não consegue dissimular seu avesso: o de ser aparelho

exemplarmente punitivo. Nisto reside, ao que tudo indica, a incapacidade do sistema

penitenciário brasileiro em assegurar o cumprimento das Regras Mínimas para Tratamento

dos Presos e Recomendações Pertinentes, Resolução adotada em 30 de agosto de 1955, em

Genebra, no I Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e Tratamento do

Delinqüente, da qual este país é signatário e que, como se sabe, pretende disciplinar a

aplicação da pena privativa de liberdade coibindo os abusos de poder dos quais os campos de

concentração, durante a II Guerra Mundial, havia se tornando o exemplo mais deplorável a ser

combatido. (Beccaria, 2000, p.97-99).

No Brasil, contudo, em face das condições de existência dominantes nas prisões, a

perda da liberdade determinada pela sanção judiciária pode significar, como não raro

significa, a perda do direito à vida e a submissão a regras arbitrárias de convivência coletiva,

que não excluem maus tratos, espancamentos, torturas, humilhações, a par do ambiente físico

e social degradado e degradante que constrange os tutelados pela justiça criminal a

desumanização.

Não são poucos os indicadores que espelham a precariedade do sistema

penitenciário brasileiro. Embora as condições de vida no interior dessas “empresas de reforma

moral dos indivíduos” sejam bastante heterogêneas quando consideradas sua inserção nas

diferentes regiões do país, traços comuns denotam a má qualidade de vida: superlotação;

condições sanitárias rudimentares; alimentação deteriorada; precária assistência médica,

judiciária, social, educacional e profissional; violência incontida permeando as relações entre

os presos, entre estes e os agentes de controle institucional e entre os próprios agentes

institucionais; arbítrio punitivo incomensurável.

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1.2 A recuperação de seus detentos

A lei penal e as formas de sua aplicação devem atender às exigências da vida

pessoal e social de cada condenado e mesmo daqueles detidos provisoriamente, portanto, há

de se abolir o pensamento de exclusão social absoluta destes indivíduos. Não é, simplesmente,

isolando estas pessoas que se garantirá a ordem social, pois um dia, grande parte deles se

reintegrará novamente à comunidade. A questão é reformar os valores ético-morais,

despertando sua consciência para o respeito à dignidade humana.

O sistema carcerário no Brasil está falido. Mudanças radicais neste sistema se

fazem urgentes, pois as penitenciárias se transformaram em verdadeiras usinas de revolta

humana, uma bomba-relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma

legislação que hoje não pode mais ser vista como modelo primordial para a carceragem no

país.

Há, segundo Coelho (2001, p.115), a necessidade de se focar metas e objetivos na

reformulação do sistema prisional no país, oferecendo ao detento condições de cumprir sua

pena e retornar à sociedade, e, essas condições se concentram: a) na modernização da

arquitetura penitenciária; b) na descentralização com a construção de novas cadeias pelos

municípios; c) na ampliação de assistência jurídica; d) na melhoria de assistência médica,

psicológica e social; e) na ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação de

sua mente/espírito; f) na separação entre presos primários e reincidentes e g) principalmente

no acompanhamento de uma reintegração à vida social, com oferecimento de garantias de seu

retorno ao mercado de trabalho quando de retorno à sociedade.

As condições de detenção e prisão no sistema carcerário brasileiro violam os

direitos humanos, fomentando o excesso de violência nos presídios. A Constituição Federal

prevê, em seu artigo 5°, inciso XLIX, a salvaguarda da integridade física e moral dos presos,

dispositivo raramente respeitado pelo sistema carcerário vigente no país. Isto faz com que a

reincidência criminal da população penal, seja alta, em torno de 85%, segundo o Censo

Penitenciário Nacional (2004), o que demonstra que as penitenciárias não estão

desempenhando a função de reabilitação dos detentos.

As causas de tanta desigualdade dentro das prisões brasileiras é muito simples:

faltam recursos para oferecer dignidade aos detentos, seja por meio de melhores condições de

saúde, higiene e espaço dentro das instalações.

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1.2.1 Superlotação

Estima-se que a capacidade das penitenciárias brasileiras é de pouco mais de

54.000 vagas. A população carcerária no país está em torno de 130 mil internos, verificando-

se que ainda faltam 76 mil vagas para comportar de forma mais humana todo este

contingente. Como este excesso precisa ser relocado de qualquer forma, cada vaga está sendo

ocupada, em média, por 2,15 presos. Neste sentido, o Brasil carece, hoje, de pelo menos 150

novos presídios para aliviar a pressão das demais penitenciárias existentes. Entretanto, estes

dados não são confiáveis, pois alguns setores extra-oficiais que trabalham de perto com o

sistema carcerário, afirmam que algumas vagas vêm sendo ocupadas por cerca de cinco ou

seis presos, o que configura as cadeias como depósitos de presos. (CENSO

PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2004).

A superpopulação gera os mais preocupantes efeitos, como promiscuidade, falta de

higiene, comodidade etc. Em alguns Estados, devido à superlotação das delegacias de polícia

ou pequenas cadeias públicas, muitas mulheres são colocadas em celas masculinas e terminam

estupradas.

A habitabilidade das celas é, via de regra e com raras exceções, aquém de qualquer

patamar mínimo reconhecido como adequado à conservação da saúde individual e coletiva

dos presos. De fato, na maior parte das celas, em exíguo espaço convive um número não

desprezível de pessoas. Esse é um quadro particularmente gritante nos grandes

estabelecimentos prisionais e, notadamente, nas delegacias policiais. Nesses exíguos espaços,

freqüentemente, institui-se sistema de rodízio, a fim de que todos os reclusos de uma mesma

cela possam desfrutar do repouso, pois não há camas em número suficiente e sequer espaço

para abrigá-las, o que obriga inclusive a que muitos se sujeitem a dormir no chão de cimento.

(Varella, 2001, p.106).

Desnecessário salientar que, as prisões brasileiras que deveriam promover a

ressocialização e re-educação do preso, encontram-se abarrotadas, sem as mínimas condições

dignas de vida, contribuindo ainda mais para desenvolver o caráter violento do indivíduo e

seu repúdio à sociedade que o colocou ali.

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1.2.2 Higiene e assistência médica

As condições higiênicas em muitas cadeias são precárias e deficientes, além do

que o acompanhamento médico inexiste em algumas delas. Quem mais sofre pela carência de

assistência médica são as detentas, que necessitam de assistência ginecológica, segundo

Varella (2001, p. 110). Os serviços penitenciários são geralmente pensados em relação aos

homens, não havendo assistência específica para as mulheres grávidas, por exemplo.

Os sanitários são coletivos e precários, piorando as questões de higiene. A

promiscuidade e a desinformação dos presos, sem acompanhamento psicossocial, levam à

transmissão de AIDS entre os presos, muitos deles sem ao menos terem conhecimento de que

estão contaminados.

Ademais, as instalações sanitárias são precárias; é muito comum a ausência de

água corrente para banhos e para asseio pessoal. A existência de restos de alimentação,

guardados ou acumulados contribui para a disseminação de insetos, sobretudo ratos e baratas

pelos quais os presos se vêem assediados com picadas e mordeduras. A iluminação precária, a

má ventilação, a circulação de odores fétidos, a concentração de águas insalubres originárias

da mistura de poças de chuvas ou de encanamentos desgastados com lixo, o acúmulo de gazes

ensangüentadas por cima do parco mobiliário traduzem um quadro crescente de deterioração

das condições de vida.

Segundo Varella (2001, p.115), os padrões de alimentação também não primam

pela qualidade. As refeições diárias consistem, pela manhã, de café e um pedaço de pão; ao

almoço, de arroz e feijão, macarrão e, vez ou outra, um pedaço de carne. No jantar,

consomem-se sobras do almoço. Não é incomum que a alimentação seja servida já

deteriorada, o que ocasiona queixas freqüentes de problemas gastrointestinais. Isso se dá,

sobretudo, nos estabelecimentos onde não há instalações próprias para a produção da

alimentação que é, nesse caso, obtida, mediante convênio, junto a empresas do ramo, a bares e

a lanchonetes das redondezas, o que configura muitas vezes fonte de corrupção que envolve

os próprios presos, funcionários e mesmo administradores. Aqueles que dispõem de algum

dinheiro complementam a minguada dieta recorrendo às lanchonetes locais, quando as há ou

obtendo alimentos através de parentes por ocasião das visitas semanais.

Quanto ao vestuário, até há pouco tempo às prisões encarregavam-se de fornecê-

lo, uniformizando os presos para facilitar o controle sobre a massa carcerária. O que se tem

verificado, nos anos recentes, é que a retração de recursos destinados ao sistema penitenciário

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vem restringindo drasticamente a oferta de vestuário, cujas necessidades são, via de regra,

supridas pelos familiares. Nesse terreno, o quadro é paradoxal. Ao lado de detentos bem

vestidos, agasalhados de modo adequado, inclusive para enfrentar as mais adversas

temperaturas, alguns ambientes são extremamente úmidos enquanto outros quentes e pouco

ventilados, há detentos que portam camisetas rasgadas e calças ou calções gastos e rotos.

(Varella, 2001, p.121).

Segundo um relatório da Organização dos Estados /OEA (1997, p.29), sobre a

situação dos direitos humanos no Brasil, muitos presos se queixam de doenças gástricas,

urológicas, dermatites, pneumonias e ulcerações, mas não são atendidos adequadamente,

afirmando que muitas vezes nem sequer havia remédios básicos para tratar delas. Constata,

ainda, no referido relatório que, muitos presos não recebem qualquer assistência visando

prover suas necessidades básicas de alimentação e vestuário, sofrendo com o frio, a chuva,

contraindo doenças como gripes fortes e pneumonias.

Ao lado das epidemias disseminadas pelas más condições sanitárias da

habitabilidade, há outras resultantes da aglomeração de pessoas em espaços exíguos.

Conjunturalmente, enfrentam-se epidemias de tuberculose, além de várias doenças

sexualmente transmissíveis. Trata-se de uma população de alto risco, vulnerável a toda sorte

de doenças infecto-contagiosas, fato ainda mais agravado pela recente epidemia de AIDS. Os

testes que vem sendo aplicados indicam, sobretudo nos estabelecimentos de elevada

concentração populacional, sorologia positiva, cujas taxas são em geral mais elevadas do que

no conjunto da população urbana. Para responder a graves problemas de saúde pública,

contam os estabelecimentos penitenciários com parcos recursos médicos, sejam eles clínicos,

ambulatoriais ou hospitalares. (Varella, 2001, p.129).

Para o autor (op cit.), os recursos ambulatoriais são igualmente precários. As

instalações são deficientes, há insuficiência de médicos e de atendentes de enfermagem, a par

de equipamentos obsoletos e de medicamentos insuficientes para debelar o quadro patológico

dessa população. Poder-se-ia objetar que essas condições e esse atendimento precário não são

peculiares à população carcerária, porém à população brasileira, constituída em sua maior

parte de pobres, desprovidos dos requisitos mínimos indispensáveis à reprodução de sua

existência cotidiana.

Se essa observação é verdadeira, não menos o é lembrar que esse quadro se agrava

diante das características da massa carcerária brasileira e das condições a que se encontra

submetida, ao que parece ainda mais subumanas que aquelas próprias à população pobre dos

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campos e das cidades. Não sem motivos, ao lado das reclamações contra a carência de

assistência jurídica, reclama-se igualmente contra a carência de assistência médica.

1.2.3 Falta de acesso à educação profissionalizante

O indivíduo privado de sua liberdade e que não encontra ocupação, entra num

estado mental onde sua única perspectiva é fugir. O homem nasceu para ser livre, não faz

parte de sua natureza permanecer encarcerado. Preso que não ocupa seu dia, principalmente

sua mente, é um maquinador de idéias, a maioria delas, ruins. Grande parte desta angústia

vivida pelo presidiário advém da falta de ocupação, de uma atividade que ocupe seu tempo,

distraia sua atenção e que o motive a esperar um amanhã melhor. A idéia de todo presidiário é

que sua vida acabou dentro das paredes da cadeia e que não lhe resta mais nada. Amparo

psicológico é fundamental, pois nenhum ser humano vive sem motivação.

Por não ter um estudo ou ocupação, conseqüentemente, carecer de um senso moral

que a vida pré-egressa não conseguiu lhe transmitir, a personalidade do preso passa a sofrer

um desajuste ainda maior.

A grande maioria dos indivíduos presos não teve melhores oportunidades ao longo

de suas vidas, principalmente a chance de estudar para garantir um futuro melhor. Nesse

sentido, o tempo que despenderá atrás das grades pode e deve ser utilizado para lhe garantir

estas oportunidades que nunca teve, por meio de estudo e, paralelamente, de trabalho

profissionalizante. Além de ajeitar as celas, lavar corredores, limpar banheiros etc., os

detentos precisam ter a chance de demonstrarem valores que, muitas vezes, encontram-se

obscurecidos pelo estigma do crime, e, aproveitar seu tempo ali para adquirir mecanismos,

como o aprendizado de uma profissão, que garanta sua sobrevivência quando de seu retorno à

sociedade. (Oliveira, 1993, p.96).

Embora em não poucos estabelecimentos penitenciários haja convênios com

entidades especializadas na oferta de escolarização básica, dispensando-se, nessas

circunstâncias os serviços próprios, quase sempre desorganizados e ineficazes, essa

escolarização padece dos mesmos obstáculos e problemas enfrentados pela escola pública

oferecida à população em geral. Apesar da existência, em alguns estabelecimentos, de

recursos até sofisticados como os audiovisuais, o aprendizado revela-se deficiente, o que se

traduz nas elevadas taxas de evasão escolar, sintoma de uma população de baixa escolaridade,

sem tradição de freqüência à escola e, face às suas características pessoais e sociais,

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submetida a uma acentuada rotatividade entre estabelecimentos, o que impede a constituição

de laços institucionais sólidos com a escola no presídio.

No mesmo sentido, a formação profissional revela-se quase que sempre, inútil. A

maior parte da massa carcerária está alocada em serviços de manutenção, como limpeza,

cozinha e reparos gerais. As oficinas de costura, de marcenaria, serralheria e outras que

poderiam se constituir em verdadeiros espaços de formação profissional, atendem a um

pequeno número de detentos, em geral selecionados criteriosamente. Na melhor das

avaliações, cerca de 10% dos internos de um estabelecimento estão alocados nas oficinas

profissionalizantes. Os demais, para ocupar o tempo ocioso sujeitam-se ao trabalho contratado

de pequenas e médias empresas, que não lhes remunera segundo os preços de mercado e

sequer lhes oferece seguro previdenciário, realizando outras atividades de baixa demanda no

mercado formal de trabalho. Consistem, em geral, em "patronatos", sistema no qual alguns

presos recrutam outros como mão-de-obra, ficando aqueles responsáveis pela produção e

venda de produtos, bem como remuneração dos trabalhadores. Não é preciso sublinhar que

esse sistema constitui fonte de corrupção, a par da exploração e da férrea disciplina a que se

encontram submetidos. (THOMPSON, 2001, p.98).

Cabe observar ainda que o trabalho prisional funciona, não raro, como instrumento

de opressão e punição. Em vários depoimentos de presos, fala-se do arbítrio dos mestres, da

perseguição perpetrada por parte de guardas e diretores penais, da impossibilidade de se

constituírem rotinas regulares de trabalho que assegurem autonomia na administração do

tempo dedicado a tais atividades.

1.2.4 Violência policial e Direitos Humanos nos Presídios

A violência policial tornou-se explícita e natural durante o Regime do Estado

Novo (1937-1945) e no Regime Militar (1964-1985), onde o alvo desta violência era todos

aqueles que não aceitavam a forma de poder ditatorial ou questionavam os atos de seus

governantes. A negação dos direitos democráticos e conseqüentemente da dignidade humana

faz com que seja “natural” uma polícia espelhe na prática violenta no cumprimento de seu

dever de “proteger” a sociedade. Ocorre uma “pressão psicológica” sobre o indivíduo detentor

do poder de polícia e que cumpre os mandos e desmandos de seus superiores em garantia de

sua própria integridade. Trata-se, mais ou menos, de um estado de necessidade, porém, sob

violência injustificada, visto que nenhuma forma de violência é justificável, a não ser para a

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proteção da vida e da integridade humana. Some-se a isso o fato de que a polícia brasileira

sempre foi indisciplinada e uma das características principais é o despreparo do corpo

policial. (Thoreau, 2001, p.98).

Para o autor (op. cit), no regime democrático, a aparente “justificativa” para a

prática de atos de violência policial em prol da própria integridade não existe. À polícia não

existe mais o sentimento “intrínseco” de cumprir ordens que criem atos violentos pelo simples

fato de se estar subordinado a um poder superior. Existe tão somente o “dever legal” de

manter a ordem e a disciplina no meio social, sendo a violência argüida apenas em casos

extremos de hostilidade, e não pelo fato do cidadão usufruir seu direito de liberdade de ir e

vir, de expressão etc.

Um ponto essencial que deve ser evidenciado quanto à violência é o fato de que a

maioria de suas vítimas são geralmente os membros das camadas mais pobres e menos

abastadas da população. Estes segmentos da sociedade são considerados classes perigosas por

acreditar-se serem uma ameaça às classes mais abastadas, ocorrendo um processo de

“seleção” onde todo criminoso deve ter características como pobreza, desnutrição,

inteligência limitada. Tal visão distorcida que impera no meio social, somada à indisciplina de

uma polícia que sempre bateu, espancou e torturou, que repele a violência com mais

violência, e que forma grupos de extermínio, demonstra a total ignorância dos princípios

básicos dos direitos humanos. (Coelho, 2001, p.130).

Tanta violência policial que vem à tona revela um dado importante: antigos e

pavorosos defeitos da polícia ainda existem, mesmo depois de sepultada a ditadura militar.

Existe extorsão, tortura, assassinato, seqüestro, omissão, mentira, insubordinação e até

envolvimento com tráfico de drogas e armas. É necessário, antes de tudo, civilizá-la,

reeducando os policiais envolvidos em atos de violência e reformulando o treinamento dos

policiais, da fiscalização de suas ações e no julgamento destes, para que dentro e fora dos

presídios haja o respeito pela dignidade da pessoa humana.

Os direitos individuais fundamentais garantidos pela Constituição Federal visam

resguardar um mínimo de dignidade do indivíduo. Depois da vida, o mais importante bem

humano é a sua liberdade. A seguir, advém o direito à dignidade. Muitas prisões não têm mais

a oferecer aos seus detentos do que condições subumanas, o que constitui a violação dos

Direitos Humanos. Tanto a qualidade de vida desumana quanto a prática de medidas como a

tortura, por exemplo, dentro dos presídios, são fatores que impedem o ser humano de cumprir

o seu papel de sujeito de direitos e deveres. (Falconi, 1998, p.156).

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A realidade cercando a vida dos detentos não mudará da noite para o dia, pois,

essas mudanças requerem vontade política, técnica e financeira, necessárias, visando objetivos

a curto, médio e longo prazo, mas em caráter de absoluta urgência. Se o ser humano é a

essência de todas as instituições, o aperfeiçoamento do aparelho penitenciário exige uma

abordagem humanista, que, vise desenvolver e dignificar o presidiário.

1.3 As “Leis dos Presos”

As “leis dos presos” constituem a institucionalização de uma nova ordem dentro

dos presídios, mas que vem a afetar também as pessoas livres, dado seu poder e alcance

social. Segundo Rodrigues1, “a lei dos presos é mais rígida do que a daqui de fora. Tem que

saber proceder. Se não a gente morre.”

A rede de narcotráfico instituiu, ao logo dos anos, um regime jurídico próprio, ou

seu sistema para-jurídico. Controlado por líderes, que figuram no papel de ditadores e juízes,

de dentro das prisões, com o uso de meios de comunicação modernos, como fax e celulares,

comandam suas organizações, “administram o estado paralelo”.

Apesar de o Brasil adotar uma política de controle e combate ao narcotráfico e

buscar a o estreitamento da cooperação com outros países no sentido de coibir o abuso e a

demanda, não há resultados satisfatórios e as “leis dos presos” continua efetiva e atuante nos

presídios.

Porém, vê-se que entre os presos existem também regras de conduta moral, sem

função de promover a rede de traficância de drogas, mas promover a harmonia dentro do

presídio, a convivência pacífica entre os detentos. Segundo Varella (2001):

(...) quem nunca entrou no presídio imagina que os mais fortes tomem as mulheres dos mais fracos num corredor como esse, cheio de malandros encostados na parede. Ledo Engano: o ambiente é mais respeitador que um pensionato de freira. Quando um casal passa, todos abaixam a cabeça. Não basta desviar o olhar, é preciso curvar o pescoço. Ninguém ousa desobedecer a esta regra de procedimento, seja a mulher esposa, noiva ou prostituta”. (VARELLA, 2001, p.61).

A moral dos presídios decorre de anos de encarceramento, vivendo debaixo das

mais adversas condições de vida, contribuem, por um lado, para instituir um processo

psicossocial de gerenciamento repressivo do desejo. Rituais e normas institucionais - sujeição

1 Humberto Rodrigues, ex-detento, autor de “Vidas do Carandiru”, em entrevista à imprensa.

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a horários, a posturas, a normas violentas de convivência nas relações intersubjetivas -

acentuam a incapacidade de lidar autonomamente com a própria vida, liberando, em

contrapartida, desejos de dependência e de passividade, aliados a incontida agressividade, que

tornam os tutelados pelas prisões seres inabilitados para a retomada de seus direitos civis em

liberdade.

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CAPÍTULO 2 DUAS PROPOSTAS: LEP e APAC

2.1 LEP – Lei de Execução Penal

A LEP é a lei que regula os direitos e deveres dos detentos com o Estado e a

sociedade, estabelecendo normas fundamentais a serem aplicadas durante o período de prisão.

Por esta razão recebe a alcunha de Carta Magna dos detentos. É considerada, atualmente,

como uma das leis mais avançadas, por estabelecer normas e direitos eficientes,

principalmente, quanto a ressocialização do detento.

Em seu artigo 1º estabelece como um dos principais objetivos da pena a oferta de

condições que propiciem harmônica integração social do condenado ou internado. Assim, se

cumprida integralmente, grande parcela da população penitenciária atual alcançaria êxito em

sua reeducação e ressocialização.

O termo ressocializar denota tornar o ser humano condenado novamente capaz de

viver pacificamente no meio social, de forma que seu comportamento seja harmonioso com a

conduta aceita socialmente. Assim, deve-se reverter os valores nocivos à sociedade, com a

finalidade de torná-los benéficos.

O mesmo instituto, em seu art. 3º, assegura ao condenado todos os direitos não

atingidos pela sentença. Mesmo privado de sua liberdade assegura-se ao preso, determinadas

prerrogativas dispostas, inclusive, em cláusulas pétreas da Constituição Federal, art. 5º,

incisos XLVIII e XLIX, determinando que o respeito à integridade física e moral é assegurada

ao preso e que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza

do delito. Assim, dá-se por garantido ao preso o mínimo de existência, personalidade,

liberdade, intimidade e honra, imprescindíveis ao bom resultado do processo de reintegração.

Nesse contexto o Estado resguarda um mínimo de liberdade e personalidade do condenado

para que este possua condição para assimilar o processo de ressocialização.

Ainda neste sentido, prescreve a LEP (1984), art. 10º: “(...) a assistência ao preso

e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno a

convivência em sociedade.” Na questão da assistência ao detento e de acordo como o que

dispõe o referido artigo, a assistência estende-se ao egresso.

Segundo Falconi (1998, p.101), considera-se egresso, nos termos do art. 26 da

LEP: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento;

II - o liberado condicional, durante o período de prova.

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A assistência ao egresso consiste em orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em

liberdade e na concessão, se necessária, de alojamento e alimentação em estabelecimento

adequado, por dois meses, prorrogável por uma única vez mediante comprovação idônea de

esforço na obtenção de emprego.

Enumerando os muitos artigos da referida lei, observa-se que toda a legislação

resguarda ao preso sua dignidade de pessoa humana. Assim é que o art. 11 do mesmo instituto

especifica a assistência devida pelo Estado: a) material: a assistência material ao preso e ao

internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas; b) à

saúde: a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo,

compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico; c) jurídica: compreende a

assistência determinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir

um advogado; d) educacional: a Lei de Execução Penal assegura ao preso o acesso à

educação, dispondo seu artigo 17 que a assistência educacional compreenderá a instrução

escolar e a formação profissional do preso e do interna; e) social: a assistência social tem por

finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade,

promovendo a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando,

de modo a facilitar o seu retorno à liberdade.; f) religiosa: a assistência religiosa, com

liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação

nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução

religiosa. (LEP, 1984).

De acordo com o art. .22 da LEP, “a assistência social tem por finalidade amparar

o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade. A assistência aos condenados e

aos internados é exigência básica para se conceber a pena e a medida de segurança como

processo de diálogo entre os destinatários e a comunidade.

Atentando a tais considerações, evidenciam-se como os principais problemas do

sistema carcerário a violência física, psicológica e sexual entre presos e agentes custodiadores

e entre os próprios presos; a superlotação penitenciária obrigando detentos primários a

conviverem com reincidentes e praticantes de crimes hediondos; a falta de assistência médica

efetiva, principalmente aos portadores do vírus HIV. (Cross, 1998, p. 99)

Estes fatos denunciam claramente que devido a não observância das normas de

proteção ao detento, restam prejudicadas as operações de recuperação do detento. Sabe-se que

atualmente uma pequena parte deles retorna para sociedade recuperada. A grande maioria

regressa ao cárcere em curto espaço de tempo, geralmente reincidentes e mais perigosos.

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Assim, se uma parcela maior de sentenciados obtivessem auxílio satisfatório no

processo de reeducação durante a detenção, como preconiza a Lei de Execução Penal, a

sociedade seria beneficiada com a diminuição dos índices criminológicos e, ainda, os próprios

detentos, pois achariam, novamente, seu espaço dentro do meio social.

Mas o que se observa é que, não obstante o largo espaço de tempo transcorrido

desde a promulgação da LEP (1984), o tratamento ressocializador previsto jamais foi

realmente implantado e as incipientes ações desenvolvidas como sendo parte de um programa

de tratamento não correspondem, na prática, a algo que possa ser considerado como um

trabalho científico digno de ser chamado “tratamento penitenciário”.

Os presos envolvidos em algum projeto de trabalho ou educativo na prisão o

devem muito mais a um sucesso próprio nas negociações internas com a administração

prisional que ao fato de serem sujeitos e objetos desse mesmo processo. Na perspectiva de

Beccaria, a imensa maioria passa o tempo nas prisões em um ócio improdutivo ou produtivo.

(2000, p.139).

Sabe-se que na maioria dos presídios a capacidade para absorver todos os internos

em um programa laboral e educacional é inversamente proporcional à clientela existente e isto

gera uma segunda forma de exclusão.

A LEP determina, quanto à assistência educacional (art. 17), que seja

implementada “a instrução escolar e a formação profissional do preso e internado”, sendo

obrigatório o ensino de primeiro grau, enquanto que o ensino profissionalizante deverá ser

com vistas não só a iniciar em uma profissão, como também e sobretudo, em permitir o seu

aperfeiçoamento técnico (art. 19). A realidade prisional e o texto legal não demonstram

compatibilidade sendo a normatização algo que se revela puramente simbólica.

2.1.1 Os instrumentos de tratamento penal na LEP

Os principais direitos previstos na LEP são: a) o direito à alimentação, vestuário e

alojamento (art. 12, 13, 41, I e 29, da LEP); b) o direito a cuidados e tratamento médico-

sanitário em geral, conforme a necessidade (art. 14, § 2º, da LEP); c) o direito ao trabalho

remunerado (art. 28 a 37 e 41, II, da LEP); d) o direito à visita do cônjuge, da companheira,

de parentes e amigos em dias determinados (art. 41, X, da LEP); e) o direito de se comunicar

reservadamente com seu advogado (art. 41, IX, da LEP); f) o direito à audiência especial com

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35

o diretor do estabelecimento (art. 41, XIII, da LEP); g) direito à igualdade de tratamento salvo

quanto à individuação da pena (art. 41, XII, da LEP)

Importante salientar que a LEP é a lei básica de todo o sentenciado. Nela, constam

como será a progressão dos regimes, as funções dos conselhos penitenciários, deveres dos

presos, forma de execução das penas, medidas de segurança etc.

Dessa forma a educação, esta lei tem por objetivo formar a pessoa humana do

recluso, segundo sua própria vocação, para inseri-lo na comunidade humana, tornando-o

capaz de dar sua contribuição na realização do bem comum.

O tratamento reeducativo é uma educação tardia do recluso, que não a obteve na

época oportuna. Esse direito é assegurado pelo art. 17º da LEP complementando o art. 10º da

LEP, que tem por objetivo a reinserção social do preso e prevenção da reincidência, pois, a

LEP tem por instrumentos do tratamento penal os seguintes itens básicos: a) assistência; b)

educação; c) trabalho; d) disciplina.

Preso, segundo Falconi (1998, p.59), é aquele que se encontra recolhido em

estabelecimento prisional, cautelarmente ou em razão de sentença penal condenatória com

trânsito em julgado. Portanto, preso provisório ou definitivo. A Lei não restringe a assistência

apenas e tão-somente aos condenados.

Por outro lado, internado é o que se encontra submetido a medida de segurança

consistente em internação em hospital de tratamento e custódia, em razão de decisão

jurisdicional. Ainda que se encontre recolhido em estabelecimento prisional aguardando vaga

para transferência ao hospital de tratamento e custódia, por razões óbvias também tem

assegurado os mesmos direitos. Aliás, seria o extremo do absurdo suprimir direitos daquele

que em razão da inércia e do descaso do Estado, que não disponibiliza hospitais e vagas

suficientes para o atendimento da demanda, já sofre os efeitos decorrentes de tal omissão,

com o inegável desvio na execução de sua conta. Seria puni-lo duas vezes. (Falconi, 1998, p.

98).

O tratamento reeducativo é o termo técnico usado no Direito Penitenciário, na

Criminologia Clínica e na Legislação Positiva da ONU. Segundo a concepção científica, o

condenado é à base do tratamento reeducativo. Com efeito, o tratamento compreende um

conjunto de medidas sociológicas, penais, educativas, psicológicas, e métodos científicos que

são utilizados numa ação compreendida junto ao delinqüente, com o objetivo de tentar

modelar a sua personalidade para preparar a sua reinserção social e prevenir a reincidência.

A LEP é embasada na lei dos direitos humanos, aprovada pela Assembléia Geral

das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos

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Humanos e que dita a adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional,

onde o preso deve ser tratado como pessoa humana

E para reforçar ainda mais a Declaração dos Direitos Humanos, a Lei n. 7.210, de

11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal em seu Art. 1º diz que: “(...) a execução penal

tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar

condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. (LEP – LEI DE

EXECUÇÃO PENAL, ART 1º, 1984)

Um indivíduo que cometeu um crime deve ser julgado segundo o devido processo

legal e, se condenado, sujeito a um sistema que objetive sua ressocialização. Quem conhece a

realidade das prisões brasileiras há de concluir que o que está acontecendo se deve à

corrupção e à violência, que, ali fazem morada.

A pena deve ser usada como profilaxia social, não só para intimidar o cidadão,

mas também para recuperar o delinqüente.

Na questão laboral, a LEP (1984) em seu art. 28º diz que o trabalho do condenado,

como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva,

garantindo ainda ao condenado em seu art. 126º, a remissão pelo trabalho, de parte do tempo

de execução da pena. Esse dispositivo legal é para o condenado que cumpre a pena em regime

fechado ou semi-aberto. O tempo remido será computado para a concessão de livramento

condicional e induto.

Segundo Ramalho (2002, p.96), laborterapia, trata-se de ocupar o tempo fazendo

uma atividade profissional. Poderão os detentos desenvolver atividades que varia da

manutenção do presídio, panificação, cozinha e faxina, até atividades como a confecção de

bolas, caixões e outras tantas atividades mais que possam ser desenvolvidas dentro dos

presídios.

As prisões devem ser reformuladas com a criação de oficinas de trabalho, para que

a laborterapia possa ser aplicada de fato, dando oportunidade para que o condenado possa

efetivamente ser recuperado para a vida em sociedade.

Já na questão disciplinar, observa-se que a pena, nos moldes que estão sendo

aplicadas, no atual sistema prisional brasileiro, está longe de ser ressocializadora. Dentre os

graves problemas que isso acarreta, gera um falso entendimento que com penas mais severas

pode-se coibir os delinqüentes. Não é usurpando os direitos dos presos que se atingirão os

objetivos previstos nas sanções aplicadas aos mesmos pois o preso conserva todos os direitos

não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua

integridade física e moral, conforme preconiza a LEP.

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37

A LEP (art. 53 a 58) declara que as recompensas – o elogio, a concessão de

regalias - representam um reconhecimento em favor do condenado, de sua disponibilidade de

colaborar com a disciplina e de sua dedicação ao trabalho, o que pode ser tão significativo

quanto a aplicação de sanções disciplinares – advertência verbal, repreensão e suspensão ou

restrição de direitos, isolamento e inclusão no regimento disciplinar diferenciado – nos casos

em que seja necessário.

2.1.2 Reeducação e ressocialização

No mundo moderno há a necessidade de se rever conceitos quanto à vida dentro

dos presídios, pois, a recuperação, ressocialização, readaptação, reinserção ou reeducação

social, penetrou formalmente em sistemas normativos, códigos penais e leis penitenciarias

sem que a execução prática das medidas corresponda aos anseios de recuperação que não

raramente se fixam tão somente nas páginas dos textos que as contém.

Ocorre então, nos dias presentes o questionamento com bastante insistência sobre

o problema da pena-emenda. Tem o Estado do direito de oprimir a liberdade ética do preso,

impondo-lhe autoritariamente uma concepção de vida e um estilo de comportamento através

de um programa de reeducação que não seja condizente com a sua formação e convicções?

Uma das demonstrações evidentes de que o encarceramento, na forma como está

sendo posto em prática, não tem condições de melhorar a situação pessoal do condenado, se

deduz do próprio espírito que orientou a Reforma penal e penitenciária decorrente da lei Nº

6.416 de 24 de maio de 1977. A exposição de motivos da mensagem revelou a preocupação

de resolver o problema da superlotação das prisões. (Ramalho, 2002, p.105).

Mas, a sobrecarga das populações carcerárias, como antagonismo diuturno aos

ideais de classificação dos presidiários e individualização executiva da sanção, é uma

denuncia freqüente no direito penal, nas comissões de inquérito parlamentar e nos relatórios

oficiais.

Para Tompson (2001, p.156), a prisionalização é terapia de choque permanente,

pois, agride o ser humano naquilo que ele tem de mais essencial que é a liberdade. O cárcere

suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o.

A degradação do sistema penitenciário a níveis intoleráveis vem sendo

freqüentemente retratada com a opinião de que os presídios brasileiros são verdadeiros

depósitos de pessoas e permanentes fatores criminológicos. E essa decadência da instituição

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carcerária é somente a ponta do iceberg a mostrar a superfície da crise geral do sistema, para o

qual convergem muitos outros fatores.

Essa decadência atinge um contingente populacional considerável, pois, passa não

somente pelos profissionais que trabalham nos presídios, pelas famílias dos detentos, pela

sociedade como um todo, pois essa irá receber o ex-detento quando o mesmo houver

cumprido sua pena.

O Brasil é um exemplo de país onde a pena possui fins de ressocialização desde

1957 e que até a presente data não implantou em suas prisões algo que responsavelmente

possa ser considerado como processo de ressocialização, de reeducação ou tratamento

penitenciário com vistas à reinserir na sociedade aquele que delinqüiu.

Segundo Falconi (1998, p.132), no Brasil o ideal de readaptar o apenado ao meio

social integra o fim da pena privativa de liberdade desde a promulgação da Lei 3.274 de

02.10.1957; somos, assim, um dos países precursores desse ideal. A referida Lei no seu artigo

22 previa que toda a educação do sentenciado deveria ser orientada na escolha de uma

profissão útil, objetivando sua readaptação ao meio social; esta orientação, além do aspecto

profissional envolvia ainda a educação intelectual, artística, profissional e física.

A Lei 3.274/57 traçava normas gerais para o regime penitenciário e veio pôr fim a

uma lacuna existente quanto à regulamentação ao mesmo, lacuna esta que somente foi suprida

em 11.07.1984 com a promulgação da Lei 7.210 - Lei de Execução Penal - vigente até a

presente data.

Readaptar o sentenciado ao meio social proporcionando-lhe condições para a sua

harmônica integração social, significa em última análise ressocialização, reeducação,

reinserção social de quem cumprindo pena ou medida privativa de liberdade no cárcere,

recebeu, ou deveria haver recebido do Estado, oportunidades de aprendizado para viver em

sociedade com respeito às normas vigorantes. Por óbvio, que o alcance dos objetivos

pressupõe a existência de um programa cientificamente elaborado e aceito livremente pelo

reeducando.

A LEP prescreve os princípios e regras que possibilitariam a ressocialização do

preso. Este processo envolve uma série de elementos, sendo, pois, muito complexo:

ressocializar significa tornar o ser humano capaz de viver em sociedade novamente, consoante

ao que a maioria dos homens já fazem.

A palavra ressocializar poderia a princípio referir-se apenas à conduta do preso,

aos elementos externos que se pode resumir da seguinte forma: ressocializar é modificar a

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conduta do preso, para que seja harmônica com a conduta socialmente aceita e não nociva à

sociedade.

Na visão de Falconi (1998, p.119) ressocializar não significa apenas dar um

emprego ao preso na prisão ou quando ele sai desta, ou não ter preconceitos contra os ex-

presidiários. Estas são atitudes positivas é evidente, todavia, o processo da ressocialização é

muito mais complexo e inicia por uma reversão dos valores nocivos do condenado, para

valores benéficos para a sociedade.

Dentro do processo de ressocialização do preso condenado é fundamental uma

práxis que resgate, enquanto ainda o mesmo está encarcerado os seus valores de pessoa, de ser

humano, os valores em comum com a sociedade livre. Isto só pode ser conseguido através de

um ambiente de experiências favorável à assimilação destes valores. Este ambiente de

experiências favorável deve ser o mais amplo possível e em crucial implicação o efetivo

cumprimento da Lei de Execução Penal, a qual tem o status de uma espécie de uma Carta

Magna do preso.

Para o autor (op cit, p.132) para o preso-condenado, a Lei de Execução Penal é

praticamente o único elo com a sociedade livre em termos de obrigação e dever, de

compromisso. O condenado preso, embora possa não ter consciência analítica da

complexidade do fenômeno da ressocialização já exposto, tem consciência clara de que foi

condenado porque a sociedade assim determinou, porque ele descumpriu uma regra e aqueles

que descumprem uma regra estabelecida pela sociedade são punidos. Assim, ele sabe que a

norma é para ser cumprida, que aqueles que a descumprem são punidos e que ele foi punido

por descumprir a norma. É essa experiência que o preso-condenado adquire gradativamente

ao longo do processo. A relevância do respeito ao compromisso com a sociedade.

Dessa forma, para ressocializar o condenado pressupõe-se que este condenado

possua um mínimo de capacidade de condições de assimilar o processo de ressocialização, é

necessário então que o condenado, embora, preso e sob custódia do Estado, exerça uma

parcela ainda que mínima, mas fundamental de sua liberdade, de sua personalidade, pois são

estes caracteres que distinguem o Homem dos demais animais, ou seja, é necessário que o

cercear a liberdade do preso, não se lhe retire a sua qualidade humana. Se o condenado

mantém ainda sua qualidade humana, ele é ainda detentor de poder e, conseqüentemente,

fonte de direitos a serem respeitados, portanto ele ainda pode exercer direitos e em

contrapartida tem uma série de deveres a obedecer. Entretanto, como já demonstrado, os

direitos do condenado, mesmo os fundamentais, não são os mesmos e ou na mesma extensão

daqueles dos chamados homens livres.

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2.2 APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados

A APAC é uma entidade civil, com vida própria, nos termos das leis brasileiras,

fundada em 18 de novembro de 1972 em São José dos Campos/SP. Ganhou personalidade

jurídica em 15 de junho de 1974. É órgão auxiliar da justiça e da segurança, na execução da

pena, conforme consta de seu estatuto social.

Em 1972, um grupo de quinze pessoas lideradas pelo advogado Dr. Mário

Ottoboni, preocupados com o grave problema das prisões na cidade de São José dos Campos

(SP), passou a pesquisar a situação em nível nacional. Freqüentava o presídio de Humaitá

para evangelizar e dar apoio moral aos presos. Em 1974, o juiz da Vara de Execuções

Criminais da comarca, Dr. Sílvio Marques Neto, considerando a necessidade de ofertar novas

vagas para o crescente número de detentos, tomou a decisão ousada de transferir a gerência do

presídio de Humaitá para aquela equipe, a qual instituiu a APAC, entidade jurídica, sem fins

lucrativos, com o objetivo de recuperar o preso através de um método de valorização humana,

protegendo a sociedade e promovendo a justiça. (Arfinengo, 1997, p.36).

A APAC aceitou a tarefa de reformar a prisão de Humaitá e dirigi-la, com o apoio

da comunidade, sem praticamente nenhum ônus para o Estado (incumbido apenas da

alimentação e do pagamento da luz e da água), dispensando a figura do policial e do

carcereiro.

São quatro as categorias ou grupos de APAC’s existentes em cerca de 140

localidades brasileiras e em países como Argentina, Equador e Estados Unidos. Cada um

desses grupos representa um nível diferente de engajamento e aplicação do método dentro dos

presídios. (Arfinengo, 1997),

No Grupo 1, mais completo, estão os presídios de São José dos Campos/SP e de

Itaúna/MG, onde a polícia foi dispensada e os voluntários da APAC, com alguma verba

oficial e muito esforço para arrancar ajuda onde possível, assumiram todo o trabalho.

As ações da APAC destinam-se, exclusivamente , a assistir o condenado em

relação á família, á educação, á saúde, ao bem estar , á profissionalização, á reintegração da

sociedade, á recreação e á assistência espiritual. Isto se consegue com a participação

voluntária da sociedade.

Participar da APAC é um apostolado. Requer uma entrega total. Sacrifício das

horas de lazer (passeios, viagens, novelas, etc.), exigência de freqüentar curso de preparação.

Na APAC não há espaço para improvisação, pois o método requer total observância de seus

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princípios. Todo trabalho é voluntário: ninguém recebe pagamento e a APAC sobrevive da

contribuição mensal de seus sócios e de doações de simpatizantes.

O Método APAC se inspira no princípio da dignidade da pessoa humana e na convicção de

que ninguém é irrecuperável, pois todo homem é maior que a culpa: recuperar os presos e

proteger a sociedade; “matar” o criminoso e salvar o homem.

Segundo Arfinengo (1997, p.53), o método orienta os responsáveis pela segurança

e demais funções e os voluntários por uma escala de emenda, dividida nos três estágios,

fechado, semi-aberto e aberto, e que dá oportunidade ao recuperando, de, a cada estágio, ter

um acesso maior á sociedade lá fora, até alcançar o último nível no qual o recuperando é

obrigado apenas a uma apresentação diária à prisão. Isso se baseia em um dos princípios do

método: individualizar o tratamento tal como recomenda a lei.

O processo metodológico da APAC vem sendo aperfeiçoado e hoje tem alcançado

grande repercussão no Brasil e no exterior. Apresentando índices de reincidência inferiores a

5% (no sistema comum a média de reincidência é de 86%). São aproximadamente 100

unidades em todo o território nacional, e várias já foram implantadas em outros países, como

as APAC’s de Quito e Guaiaquil no Equador, Córdoba e Concórdia na Argentina, Arequipa

no Peru, Texas, Wiora e Kansas nos EUA, e muitas outras estão em fase de implantação como

África do Sul, Nova Zelândia, Escócia, etc. Em 1986, a APAC filiou-se a PFI – Prision

Fellowslrip International, órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. Desde então

o Método passou a ser divulgado e aplicado com sucesso em todo o mundo. (Arfinengo, 1997,

p.71).

2.2.1 Elementos fundamentais do método APAC

O método APAC se baseia em doze elementos fundamentais que têm como

referência a LEP e o seu êxito depende da efetividade deste conjunto de elementos. São eles,

segundo Ottoboni (2004, p. 63-147).

a) Participação da comunidade

O Estado não reúne condições de atuar eficazmente na execução da pena e

recuperar o condenado. A Lei de Execução Penal, em seu artigo 4º, dispôs que “O Estado

deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de Execução da Pena e da medida

de segurança”. (LEP, 1984, art. 4º)

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A APAC somente poderá existir com a participação da comunidade, pois compete

a esta a grande tarefa de, organizada, introduzir o Método nas prisões. Sem que se tenha uma

equipe preparada através dos cursos que devem ser ministrados com antecedência, não se

pode pensar em revolucionar o Sistema Penitenciário na busca de resultados positivos. Buscar

espaços na Igreja, jornais, emissoras, etc., para difundir o projeto que se pretende instituir na

cidade para romper as barreiras do preconceito, é condição indispensável para aglutinar as

forças vivas da sociedade.

Segundo Ottoboni (2004, p.64-65), a APAC conta com a participação da

comunidade na execução da pena e esta participação se faz necessária, uma vez que é ela, a

própria comunidade, a maior interessada em um ambiente seguro, até porque o criminoso não

nasce criminoso, é a comunidade quem o torna assim.

b) O recuperando ajudando o recuperando

O recuperando é levado a descobrir que possui valores e isto o faz viver com um

sentimento de ajuda mútua e colaboração com outro recuperando. O sentido de ajuda devolve

ao recuperando muita tranqüilidade, pois à medida que ele coopera, terá um retorno de ajuda.

Para Ottoboni (2004, p.67-69), o Método APAC adota a Representação de Cela e o

CSS – Conselho de Sinceridade e Solidariedade , visando uma melhora na disciplina, na

segurança do presídio, na busca de soluções práticas e econômicas para os problemas

internos.

O Conselho de Sinceridade e Solidariedade é órgão auxiliar da administração da

APAC. O presidente do CSS é escolhido pela diretoria da APAC e os demais membros são

escolhidos pelo presidente, de acordo com a população prisional. Sem poder de decisão, o

CSS colabora em todas as atividades, opinando acerca da disciplina, segurança, distribuição

de tarefas, realização de reformas, promoção de festas, celebrações, fiscalização do trabalho

para o cálculo de remição de pena, etc. Semanalmente, o CSS reúne-se com toda a população

prisional sem a presença de membros da APAC, para discutir as dificuldades que estão

encontrando, buscar soluções para os problemas encontrados e reivindicar da diretoria

medidas que possam ajudá-los a tornar harmonioso e saudável o ambiente prisional.

Essa representação de cela propicia ainda a harmonia entre os recuperandos, a

limpeza e higiene pessoal da cela, o treinamento de líderes, uma vez que a representação é

dividida entre os próprios recuperandos, acentuando o rompimento do código de honra

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existente entre a população prisional, em que os mais fortes subjugam os mais fracos.

(Ottoboni, 2004, p.67-69)

Nesse sentido, procura-se desenvolver o sentimento de ajuda mútua e colaboração

do recuperando para com o recuperando, despertando-os para os valores, sobretudo sobre a

necessidade de que um precisa ajudar o outro, porque o homem nasce para viver em

comunidade.

c)Trabalho

No Método APAC, o regime fechado é o tempo para a recuperação, o semi-aberto

para a profissionalização, e o aberto, para a inserção social. Neste sentido o trabalho aplicado

em cada um dos regimes, deverá ser de acordo com a finalidade proposta e respeitar o que a

LEP determina em seus artigos 28, 29 e 30.

Não se pode perder de vista, que se não houver uma reciclagem dos valores, se não

melhorar sua auto-imagem, se não fizer com que o cidadão que cumpre pena se descubra, se

conheça e enxergue seus méritos, nada terá sentido. Se não ajudar o recuperando a perceber-

se como filho de Deus, como cidadão igual a qualquer outro cidadão, com as mesmas

possibilidades de caminhar, de vencer e de ser feliz, não adianta dar serviço ou forçar o

trabalho, porque ele vai ser um eterno revoltado. Então, é possível que na primeira

oportunidade de rebelião irá colocar fogo nas máquinas, nas oficinas de trabalho, etc.

(Ottoboni, 2004, p.69-77).

O Método APAC recomenda os trabalhos laborterápicos (artesanatos) para o

regime fechado, pois nesta fase é necessária a descoberta dos próprios valores do

recuperando, para que ele possa melhorar sua auto-imagem, valorizar-se como ser humano,

transformar o próprio coração, torná-lo acolhedor, tolerante e pacífico, capaz de perdoar e em

condições de, com perfeição, filtrar as mensagens que recebe rejeitando as negativas. Se não

houver esta reciclagem dos valores não terá sentido dar serviço ou forçar o trabalho, porque

ele vai ser um eterno revoltado. Estes trabalhos artesanais são: tapeçaria, pintura de quadros a

óleo, pintura de azulejos, grafite, técnicas em cerâmica, confecção de redes, toalhas de mesa,

cortinas, trabalhos em madeira e muito mais, permitindo ao recuperando exercitar a sua

criatividade, a reflexão sobre o que está fazendo.

Em “Vamos matar o criminoso?” de Ottoboni (2004, p. 69-77) pode-se encontrar

alguns depoimentos de recuperandos que passaram pela oficina laborterápica no presídio de

Humaitá, dentre os quais se destaca um breve e profundo depoimento:

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“Comecei a trabalhar na laborterapia da APAC sem muito interesse. Aos poucos fiz um pequeno barco e fui descobrindo como eu era importante, que podia fazer muito mais e melhor. Que podia ser feliz e fazer minha família feliz. As idéias de vingança e de ódio que tinha anteriormente foram cedendo espaço à criatividade e à paz. A serenidade passou a ser meu lema. O trabalho me modificou inteiramente, dando-me o sentido da responsabilidade. Descobri que não tenho vocação para viver atrás das grades e que o trabalho engrandece o ser humano. Tudo isso foi descoberto nas mesas de laborterapia” (OTTOBONI, 2004, p.72).

No Regime semi-aberto é feita a preparação de mão-de-obra especializada, através

de cursos profissionalizantes. A LEP (1984) determina que as saídas para estudos é um

dispositivo legal, sendo feito assim, o encaminhamento do recuperando para estudos de

formação em estabelecimentos da cidade, tais como: sapataria, padaria, alfaiataria, oficina

mecânica, etc., objetivando sempre a reintegração ao comércio da sociedade, próximo de seu

núcleo afetivo.

Segundo Ottoboni (2004, p.69-77), o Método APAC, para o Regime Aberto,

propõe que o recuperando que pretende desfrutar do benefício tenha uma profissão definida,

apresente uma promessa de emprego compatível com sua especialidade e tenha revelado no

regime semi-aberto mérito e plenas condições para voltar ao convívio social.

d) A religião e a importância de se fazer a experiência de Deus

Na visão de Ottoboni (2004, p.77-79), um outro equívoco que ocorre é que a

abordagem de recuperação de presos além do trabalho, e a religião seja suficiente para

preparar o preso para seu retorno na sociedade. Em todos os estabelecimentos prisionais

encontram-se grupos religiosos de diferentes credos e no entanto, o índice de reincidência no

país continua alarmante, oscilando entre 75% a 80%.

O Método APAC proclama a necessidade do recuperando fazer a experiência de

Deus, ter uma religião, amar e ser amado, não impondo este ou aquele credo. A religião, no

contexto da APAC, é fundamental para a recuperação do preso, a experiência de amar e ser

amado desde que pautada pela ética, e dentro de um conjunto de propostas onde a reciclagem

dos próprios valores leve o recuperando a concluir que Deus é o grande companheiro, o

amigo que não falha. Então Deus surge como uma necessidade, que nasce espontaneamente

no coração do recuperando para que seja permanente e duradoura.

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Para Ottoboni (2004, p.78), a religião é fundamentalmente para a recuperação do

preso, a experiência de amar e ser amado desde que pautada pela ética, e dentro de um

conjunto de propostas onde a reciclagem dos próprios valores leve o recuperando a concluir

que Deus é o grande companheiro, o amigo que não falha. Então Deus surge como uma

necessidade, que nasce espontaneamente no coração de recuperando para que seja permanente

e duradoura.

Esse princípio do Método APAC, em que pese o que está disposto na LEP (art.

24), representa um esforço em conquistar a reeducação do detento, embora seja apenas um de

doze elementos a serem considerados.

e) Assistência jurídica

“Uma das maiores preocupações do condenado, se não a primeira, se relaciona com sua situação processual (...) 95% da população prisional não reúne condições para contratar um advogado, especialmente na fase da execução penal, quando ele toma conhecimento dos inúmeros benefícios facultados pela lei”. (OTTOBONI, 2004, p.79).

O Método APAC recomenda uma atuação especial ao aspecto do cumprimento da

pena advertindo que a assistência jurídica deve se restringir somente aos condenados

envolvidos na proposta da APAC, evitando sempre que a entidade se transforme num

escritório de advocacia e cuidando de prestar assistência jurídica aos recuperandos

comprovadamente pobres.

Sabe-se que 95% da população prisional não reúnem condições para contratar um

advogado, especialmente na fase da execução penal, quando ele toma conhecimento dos

inúmeros benefícios facultados pela Lei. Por isso, o tempo todo, o recuperando está

preocupado em saber o andamento dos seus pedidos, recursos, etc., para conferir o tempo que

lhe resta passar na prisão. O Método APAC, recomenda, pois, uma atuação especial a este

aspecto do cumprimento da pena advertido que: a assistência jurídica se restringe somente aos

condenados na proposta da APAC, evitando sempre que a Entidade se transforme num

escritório de advocacia, cuidando de prestar assistência jurídica aos recuperandos

comprovadamente pobres, e nada mais. (Ottoboni, 2004, p. 82).

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f) Assistência à saúde

O Método APAC oferece assistência médica, odontológica, psicológica e outras de

um modo humano e eficiente, uma vez que a saúde deve ser sempre colocada em primeiro

plano, evitando preocupação e aflições do recuperando.

Outro elemento evidente dentro da metodologia e que todo trabalho sério deve oferecer é uma

assistência médica odontológica e outras de um modo humano e eficiente.

Segundo Ottoboni (2004, p.84), o atendimento das necessidades médicas,

odontológicas e laboratoriais é vital e se não atendidas, criam um clima insuportável e

extremamente agressivo e violento, foco gerador de fugas rebeliões e morte. Impossível falar

do amor de Deus neste ambiente. Por isso, é, fácil deduzir que a saúde deve estar sempre

colocada em primeiro plano, para evitar sérias preocupações e aflições do recuperando, a par

da mensagem que essa providência passa como gesto de amor do Pai dirigido aos filhos.

g) Valorização humana

O Método APAC tem por objetivo colocar em primeiro lugar o ser humano, e

nesse sentido todo o trabalho deve ser voltado para reformular a auto-imagem do homem que

errou. Chamá-lo pelo nome, conhecer suas histórias, interessar-se por suas vidas, sua sorte,

seu futuro. Atendê-los em suas necessidades, tais como atendimento médico, odontológico,

material, jurídico, etc., é fundamental, uma vez que os presos têm outras prioridades, que

segundo sua ótica, antecedem a necessidade de Deus. Em reuniões de cela, com a utilização

de métodos psicopedagógicos, é realizado grande esforço para fazer o recuperando voltar suas

vistas para essa valorização de si; convencê-lo de que pode ser feliz, que não é pior que

ninguém, absolutamente.

“Os voluntários especialmente treinados, em reuniões em cela, com a utilização de métodos psicopedagógicos e mediante palestras de valorização humana fazem com que o recuperando conheça a realidade na qual vive, bem como os próprios anseios, projetos de vida, as causas que o levaram à criminalidade, enfim, tudo aquilo que possa contribuir para a recuperação de sua auto-estima e da autoconfiança”. (OTTOBONI, 2004, p.85).

O Método APAC, consiste em colocar em primeiro lugar o ser humano e, nesse

sentido, todo o trabalho deve ser voltado de modo a reformular a auto-imagem de homem que

errou.

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A educação e o estudo devem fazer parte deste contexto de valorização humana,

uma vez que a nível mundial é grande o número de presos que tem deficiências neste aspecto.

Segundo Ottoboni (2004, p. 85), os voluntários são especialmente treinados para

ajudar os recuperandos a tirar as máscaras que os impedem de ver a realidade tal como é, a

libertar-se dos medos, dos vícios, dos preconceitos e das grades interiores, e, perceber-se

como filho de Deus, como alguém que pode ser feliz.

h) A família

A LEP, em seu art. 122 prevê que os condenados que cumprem pena em regime

semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabeleceimtno, sem

vigilância direta, em caso de visita à família.

Para o Método APAC, a família do recuperando também é muito importante.

Aquilo que o sistema comum rompe, na APAC se faz de tudo para fortalecê-lo, ou seja, no

Método APAC a pena atinge somente a pessoa do condenado, evitando o máximo possível

que ela extrapole a pessoa do infrator atingindo a sua família. Neste sentido, é feito grande

esforço para que não se rompam os elos afetivos do recuperando e sua família, por exemplo: o

recuperando pode telefonar uma vez por dia para os seus parentes, escrever cartas, etc. No dia

dos pais, das mães, das crianças, Natal e outras datas importantes, é permitido que os

familiares participem com os recuperandos.

O Método APAC trabalha com a família dos recuperandos, que em 98% dos casos,

são lares desestruturados, em todos os aspectos, vivem à margem da sociedade e por isso

mesmo tornam-se fontes geradoras de delinqüência. Não adianta recuperar o condenado e

depois devolvê-lo à fonte que o gerou sem tê-la transformado. (Ottoboni, 2004, p. 87).

“Para alcançar este objetivo, o Método APAC oferece aos familiares Jornadas de Libertação com Cristo (retiros espirituais) e cursos de Formação e Valorização Humana, buscando ainda proporcionar todas as facilidades possíveis para o estreitamento dos vínculos afetivos. Aos familiares é dada orientação sobre a forma de se relacionarem com os recuperandos, evitando assuntos que provoquem angústia, ansiedade e nervosismo”. (OTTOBONI, 2004, p. 87).

É adotado também pelo Método APAC as visitas íntimas familiares, feitas de

forma organizada e bem elaboradas para se evitar os inconvenientes relacionados à

imoralidade, promiscuidade, agenciamento de mulheres e falta de respeito à equipe de

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voluntários. O encontro íntimo familiar objetiva manter os laços afetivos da família e, como

conseqüência, diminui a tensão no presídio, pois, oferece ao condenado a segurança de que

ele continua a ser o chefe da família.

O Método também busca assistir as vítimas e suas famílias. No método APAC a

família do recuperando é muito importante. Aquilo que o Sistema comum rompe, na APAC se

faz de tudo para fortalecê-lo, ou seja, é preciso trabalhar para que a pena atinja tão somente a

pessoa do condenado, evitando o máximo possível que ela extrapole a pessoa do infrator

atingindo a sua família. Neste sentido, se procura fazer de tudo para que não se rompam os

elos afetivos do recuperando e sua família. Por exemplo: O recuperando pode telefonar uma

vez por dia para os seus parentes, escrever cartas, etc.. No dia dos pais, das mães, das

crianças, Natal, e outras datas importantes, são permitidas que os familiares participem com

os recuperandos.

É importante notar que quando a família se envolve e participa da metodologia, ela

é a primeira a colaborar no sentido de que não haja rebeliões, fugas, conflitos, etc.

i) O serviço voluntário

O trabalho apaqueano é baseado na gratuidade, no serviço ao próximo. Por isto a

comunidade desempenha papel importantíssimo no bom êxito da APAC. Os voluntários são

primeiramente treinados, participando de um curso de formação de voluntários, normalmente

desenvolvido em 42 aulas de 01h30min h de duração cada uma, durante o qual conhece a

metodologia e desenvolve suas aptidões para exercer este trabalho com eficácia e observância

de um forte espírito comunitário. Após algum tempo de atuação o voluntário participa de

cursos de reciclagem e aperfeiçoamento dentro dos vários setores de atuação do método, tais

como: relacionamento com as autoridades, com os recuperandos e entre a equipe, etc.,

segundo Ottoboni (2004, p. 92).

A remuneração restringe-se às pessoas que trabalham no setor administrativo, cuja

característica principal foge da marca do voluntariado. A APAC vive de contribuições

mensais de seus sócios (colaboradores da própria comunidade) e de algumas doações de

empresas e admiradores.

Os voluntários também podem ficar incumbidos de serem casais padrinhos, ou

seja, um casal oriundo do matrimônio ou formado por pessoas solteiras ou viúvas, realiza a

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tarefa de ajudar o recuperando refazer as imagens desfocadas, negativas do pai, da mãe ou de

ambos, com fortes projeções na imagem de Deus

.

j) Centro de Reintegração Social (CRS)

A LEP, em seus artigos 91 a 92, disciplina o cumprimento da pena em regime

semi-aberto, em colônia agrícola, industrial ou similar.

A APAC criou o CRS que oferece ao recuperando a oportunidade de cumprir a

pena próximo de seu núcleo afetivo: família, amigos, parentes, facilitando a formação de

mão-de-obra especializada, favorecendo assim, a reintegração social, respeitando a lei e os

direitos do condenado, que, não se distanciando da sua cidade encontrará apoio para

conquistar uma liberdade definitiva com menos riscos de reincidência. (Ottoboni, 2004, p.94-

97).

A legislação brasileira adota o modelo progressivo de cumprimento de pena tendo

em vista o tempo de cumprimento da mesma e a conduta do condenado, levando em conta

quer o mérito deve sobrepor-se ao aspecto temporal do desconto da pena.,

k) O mérito

No Método APAC, o mérito – conjunto de todas as tarefas exercidas, bem como as

advertências, elogios, saídas, etc., constantes da pasta-prontuário do recuperando – é o

referencial do recuperando. Não basta que ele seja obediente às normas disciplinares. O

Método deseja ver o recuperando prestando serviços em toda a proposta socializadora, como

representante de cela, como membro do CSS, na faxina, na secretaria, no relacionamento com

os companheiros, com os visitantes e com os voluntários. Não se trata apenas de uma conduta

prisional, mas de um atestado que envolve o mérito do cumpridor da pena, que leva em conta

a necessidade do preso em receber tratamento individualizado, seja para recomendar quando

possível e necessário, exames exigidos para a progressão de regimes e, inclusive, cessação de

periculosidade e insanidade mental. (Ottoboni, 2004, p.94-97).

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l) Jornada de libertação com Cristo

Sendo de origem cristã, o método APAC oferece aos recuperandos a Jornada de

Libertação com Cristo, que se constitui no ponto máximo da metodologia. São três dias de

reflexão e interiorização que se faz com os recuperandos.

Essa metodologia nasceu da necessidade de se provocar uma definição do

recuperando quanto à adoção de uma nova filosofia de vida, cuja elaboração definitiva

demorou quinze anos de estudos, apresentando uma seqüência lógica, do ponto de vista

psicológico, das palestras, testemunhos, músicas, mensagens e demais atos, com o objetivo

precípuo de fazer o recuperando repensar o verdadeiro sentido da vida. (Ottoboni, 2004, p.98-

99).

2.3 A APAC EM ITAÚNA – MG 2.3.1 Histórico da APAC de Itaúna – MG

O estatuto da instituição relata que:

Na primavera de 1984, um grupo de cristãos itaunenses resolveu abraçar a causa dos presos. Reunidos no quintal da antiga casa paroquial de Sant’Ana, alguns homens e mulheres de forte personalidade e ideal cristão, fundaram a Pastoral Penitenciária de Itaúna. Pe. José Ferreira Neto, Pe. Luis Carlos Amorim, Odília, Daisy Melo, Dr. Inácio Campos, Marco Elísio, Valdeci, Valéria, Márcia Custódia... e tantos e tantas que, através da doação de suas vidas, tornaram possível a concretização do preceito evangélico: “Eu estava preso e você me visitou”. (Mt. 25, 36). Com o tempo, aqueles cristãos, diante das dificuldades que se apresentaram em seus caminhos, sentiram a necessidade de encontrar uma metodologia pastoral que fosse capaz de reverter os alarmantes índices de reincidência, que na época atingiam números astronômicos, na ordem de 84%. A solução para o problema foi encontrada na cidade paulista de São José dos Campos, cuja experiência e trabalho, além de reduzir a 5% o índice de reincidência, reduziu praticamente a zero os índices de violência e fugas no presídio.

O regimento interno da entidade expõe que a tarefa inicial da APAC de Itaúna foi adaptar

à realidade itaunense o método pioneiro e revolucionário de recuperação de presos realizado

em São José dos Campos.

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Durante os primeiros anos, tal iniciativa visava à melhoria das condições físicas da

cadeia e ao mesmo tempo ao conforto espiritual para os presos e suas famílias. De acordo com

relatos constantes no arquivo da secretaria, a APAC sofreu perseguições, discriminações,

calúnias, processos, enfrentando dificuldades de toda sorte. Também não faltaram

magnânimos defensores, como os juízes Dr. Paulo Antônio de Carvalho e Dr. Ivo Nogueira,

além do Bispo diocesano, Dom José Belvino do Nascimento e tantos outras pessoas da

comunidade itaunense..

Concomitantemente, a APAC buscou construir o seu espaço de trabalho através da

construção do CRS, única forma de romper com o sistema, tão viciado e repleto de mazelas,

que tudo fazia para obstruir as atividades desenvolvidas pela APAC na cadeia pública.

Neste sentido, o Judiciário sempre prestou apoio e colaboração. Após o término da

primeira fase de construção do Centro, os juízes com o apoio do Ministério Público, tendo

naquela época, à frente da Promotoria Criminal o grande amigo e idealista, Dr. Franklin

Higino Caldeira, entregaram as chaves à APAC, através de portaria, a administração dos

regimes semi-aberto e aberto.

Em 26 de outubro de 1995, com a rebelião na cadeia pública, 69 presos se

amotinaram e destruíram totalmente as celas em menos de dez minutos. Contornada a

rebelião, felizmente sem que houvesse nenhum ferido, e como a cadeia não oferecia

condições de abrigar nenhum preso, foram todos transferidos para treze Comarcas próximas,

sob condição de ali permanecerem por, no máximo, trinta dias. A APAC aparecia no cenário

como única saída do problema, oportunidade em que o Judiciário após trinta dias, com os

devidos ajustes no CRS confiou à entidade os três regimes de cumprimento de pena (fechado,

semi-aberto e aberto), passando a ser a segunda experiência no país a cuidar da recuperação

de presos sem o concurso da polícia.

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Ocorreu que as instalações físicas do prédio ficaram pequenas para tudo isto.

Alguma coisa deveria ser feita, no sentido de buscar uma solução. Nasceu, assim, o “SOS

Cidadania”, um movimento muito importante na história da APAC/Itaúna.

2.3.2 SOS cidadania

Em 07 de dezembro de 1995, aconteceu, no Fórum de Itaúna, uma reunião convocada

pelo Dr. Paulo Antônio de Carvalho, sob a presidência do Dr. Tarcísio Cardoso, o SOS

Cidadania.

Estavam presentes os representantes de todos os segmentos da sociedade itaunense,

entre eles, a APAC, que desde aquele momento tinha assumido a tarefa de empenhar-se para

que fosse construído o novo CRS. Na oportunidade, a Entidade fez a primeira doação no valor

de R$ 2.000,00, como forma de incentivar a campanha.

Em 14 de dezembro, o movimento era irreversível. A Prefeitura Municipal de Itaúna

destinou uma verba de R$ 50.000,00 à APAC, para ser aplicada na construção. Na mesma

época, deu-se o lançamento da campanha “Doe 1 Real”. Esta campanha foi uma

demonstração de solidariedade que se teve. O apelo foi feito de porta em porta, nas igrejas

católicas e evangélicas, nos clubes, nos bairros, escolas e etc.

Dentre as muitas ações desenvolvidas, a entidade destaca como importante a

“campanha dos cofrinhos”. Na realidade, foram centenas de vidros de maionese, distribuídos

nas lojas e supermercados, solicitando às pessoas que doassem o troco das compras para o

“SOS Cidadania”.

Os comerciantes de material de construção colaboraram e as indústrias fizeram

doações em dinheiro e matérias. Finalmente, uma doação de um lote, feita pela “Marco XX

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Construções LTDA”, mudou novamente os ânimos. O lote foi rifado e a rifa rendeu R$

13.670,00, mas o bilhete premiado não foi vendido e o lote reverteu para a campanha e foi,

posteriormente, levado a leilão, rendeu mais R$ 4.080,00.

A construção foi facilitada com a liberação de uma verba de R$ 90.000,00 pelo

Governo do Estado de Minas Gerais, através do Deputado Francisco Ramalho. Ao final,

foram gastos R$ 232.000,00. (ANEXO B)

Segundo dados da APAC/Itaúna, coube à Prefeitura Municipal de Itaúna todos os

serviços de terraplenagem e limpeza Os recuperandos da APAC participaram nos trabalhos de

construção.

2.3.3 Entrega das chaves

Em 22 de julho de 1997, a inauguração do novo CRS aconteceu. Na oportunidade,

realizou-se uma celebração eucarística presidida pelo Pe. Amarildo José de Melo, um dos

grandes responsáveis para o êxito do empreendimento, concelebrada pelos demais padres da

cidade, além de contar com a presença de pastores evangélicos.

Durante a homilia, Pe. Amarildo pediu a uma criança presente que, em nome de toda a

comunidade, entregasse as chaves do prédio as Sr. Tarcísio Cardoso (Presidente do SOS

Cidadania). Este, após discurso emocionante e esclarecedor de todas as etapas da construção

do prédio, passou as chaves para o Dr. Paulo Antônio de Carvalho (Diretor do Fórum e Juiz

das Execuções). Este, por sua vez, ressaltou que não poderia ficar com as chaves por não ter

competência jurídica para administrar o CRS, nem experiência no trabalho com os

recuperandos. Por isso, passou as chaves para a Presidente da APAC, Drª Josete Saldanha.

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2.3.4 A APAC feminina

Após vários anos de experiência na administração de presídios masculinos, a direção

da APAC, de conformidade com o Poder Judiciário local decidiu que era o momento de

iniciar uma experiência com as sentenciadas da Comarca que permanecia cumprindo pena em

um das celas da Cadeia Pública local. Após a aceitação unânime dos voluntários da APAC,

sobretudo das mulheres que seriam as responsáveis pela administração da APAC feminina2,

foi inaugurada em 26 de julho de 2002 e o antigo prédio onde funcionava a APAC masculina,

começou a abrigar cinco recuperandas. Atualmente ali são aplicados os três regimes de

cumprimento de pena, onde as chaves permanecem nas mãos das recuperandas.3

2 A Apac feminina, que funciona desde julho de 2002, está situada no endereço Rua Olímpio Arruda, 367 - Bairro das Graças, CEP.: 35.680-332 - Itaúna/MG, Telefone: 0XX(37)3241-1596, E-mail: [email protected] A Apac Feminina tem em seu regime fechado 1 recuperanda; em seu regime semi-aberto 1 recuperanda; e em seu regime aberto 4 recuperandas. (ARFINENGO, 1997) 3 Segundo dados da entidade, A APAC masculina possui em regime fechado 53 recuperandos; no regime semi-aberto 36 recuperandos; no regime aberto 15 recuperandos. (ARFINENGO, 1997)

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Foto 1 – Jornada da Libertação com Cristo, APAC feminina - Itaúna/MG FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna 2.3.5 A APAC hoje

A APAC de Itaúna funciona em um prédio próprio, administrando os três regimes de

cumprimento de pena: fechado, semi-aberto e aberto, sem a presença de policiais militares,

civis ou de agentes penitenciários. De acordo com os dados coletados na entidade, o índice de

reincidência inferior a 10%, enquanto que no restante do país é de aproximadamente 80%.

A APAC de Itaúna tornou-se referência a nível nacional e internacional, no tocante à

recuperação de presidiários e recebe constantemente delegações de visitantes de todo o Brasil,

e de outras partes do mundo, interessados em levar o Método APAC para suas Comarcas.

Atualmente a APAC de Itaúna administra 02 unidades prisionais (masculina e feminina),

totalizando 130 recuperandos.

A APAC é filiada à Prison Fellowship International (PFI), órgão consultivo da ONU

para assuntos penitenciários, e à Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados

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(FBAC), entidade que congrega, fiscaliza e dá suporte a todas as APACs do país.

Importante salientar que nunca registraram-se rebeliões, atos extremos de violência ou de

morte, e que há mais de 02 (dois) anos não ocorre nenhuma fuga do regime fechado da

entidade.

As instalações físicas tanto a unidade masculina quanto a unidade feminina

funcionam em prédios próprios (CRS), adequados ao cumprimento dos três regimes penais.

Para o bom andamento dos trabalhos da APAC de Itaúna, a comunidade colabora

com doações e contribuição financeira de sócios, bem como através de serviço voluntário na

área de educação ou assistências médica, espiritual, psicológica, jurídica, dentre outras.

A APAC além das doações da comunidade conta com a colaboração da Prefeitura

Municipal de Itaúna, além de ter doado o terreno para construção do Centro de Reintegração,

ajuda com o pagamento da água e energia elétrica. Nos anos de 2002 e 2003 a Apac de Itaúna

recebeu uma subvenção da Prefeitura para o pagamento de três funcionários. O Governo do

Estado fornece a alimentação dos recuperandos. O Poder Judiciário e o Ministério Público

zelam pelo cumprimento dos requisitos legais do processo de execução penal.

Foto 2 – Na APAC de Itaúna o apenado tem as chaves da cela. FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

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Em ambas as unidades não há policiais civis e militares e de guardas

penitenciários, pois, a segurança, a organização, distribuição de funções, disciplina, tudo é

feito pelos próprios apenados em conjunto com o Conselho de Sinceridade e Solidariedade

(CSS). Com salas próprias e infra-estrutura informatizada, os apenados cuidam da

organização, disciplina, segurança e histórico de cada interno, buscando soluções práticas

para os problemas e demandas dos companheiros. (Arfinengo, 1997)

Formado por dezesseis recuperandos, o CSS cuida da parte disciplinar do presídio,

o que inclui arrumação das celas, limpeza das áreas comuns, higiene pessoal e respeito pelos

companheiros.

Foto 3 – O próprio apenado prepara as refeições FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

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Foto 4 – O próprio apenado cuida da limpeza das celas FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna Na APAC, o preso sabe que tem muito a ganhar quando se comporta de forma

decente. A idéia é que um ajuda e é co-responsável pela recuperação do outro. Quem sai da

linha é cobrado. Aliás, sair da linha não compensa: comportamento conta pontos, por

exemplo, na hora de o juiz definir a passagem do preso de um regime para outro e o CSS é

consultado.

Cada regime penal, fechado, semi-aberto e aberto, conta com o CSS, formado

exclusivamente por recuperandos. Cabe aos Conselhos avaliar as faltas cometidas pelos

colegas com a sugestão de punições ou benefícios por mérito. Também ficam com os presos

as chaves dos alojamentos, da porta de aço de acesso ao pavilhão do regime fechado e que

separa este dos regimes aberto e semi-aberto.

Mas, na APAC e de acordo com os direitos humanos essenciais, a estrutura

educacional da instituição está sob os cuidados da prefeitura do município no que concerne ao

ensino fundamental. O supletivo de Ensino Fundamental e Médio está sob a direção de

voluntários da APAC.

O presídio recebe também professores para cursos de alfabetização e primeiro

grau. Na APAC, todo preso que passa do regime fechado para o semi-aberto já fez do

analfabetismo uma história de antigamente. Não há ócio na instituição – é o que declara o

regimento da entidade.

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Foto 5 – É garantido ao apenado a formação acadêmica

FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

No regime fechado os recuperandos trabalham no artesanato em madeira, tear,

papel, velas, pintura em cerâmica, perfuração de pedras semipreciosas e outros materiais.

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FOTO 6: Recuperando Bruno, pintando figura do Filho Pródigo tirada para o 5º

Congresso Nacional das APACs, julho/2004, Itaúna, MG.

FONTE: arquivo pessoal

As peças de artesanato que os detentos produzem e criam são vendidas e 90% do

dinheiro arrecadado ficam com os recuperandos e 10% vão para a instituição (ARFINENGO,

1997), e pelas mãos dos presos da APAC passam diariamente dezenas de estiletes e outros

objetos cortantes, utilizados nas oficinas de arte e nos cursos profissionalizantes para

cabeleireiro, letrista e estampagem de camisetas.

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Foto 7 – Artesanato produzido pelo recuperando

FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

No regime semi-aberto a atenção maior está na profissionalização. O recuperando

trabalha dentro dos muros do Centro. O trabalho pode ser desenvolvido na horta, que fornece

alimentos para a cozinha da APAC e para a comunidade; na fábrica de blocos de concreto; na

carpintaria (fábrica de modelagens); na fabricação de desinfetantes; na cozinha; na

administração, na construção e ampliação das dependências da APAC. (Ottoboni, 2004).

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Foto 8 – No regime semi-aberto o recuperando trabalha fora dos muros

FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna.

No regime aberto os recuperandos trabalham fora do CRS, saindo às 6 horas da

manhã e voltando às 7 horas da noite. Alguns trabalham como serventes outros no serviço

público municipal e também em algumas empresas.

A formação religiosa fica a cargo de grupos religiosos (católicos, evangélicos,

espíritas) auxiliam na formação espiritual dos recuperandos. Do dia-a-dia apaqueano fazem

também parte a oração, meditação, cânticos religiosos, palestras, etc. Na cartilha da APAC

aprende-se que religião é fundamental. Ninguém é obrigado a acreditar em Deus nem a ser

católico (os evangélicos dispõem de um espaço próprio). Mas se insiste bastante naquilo que

ensinou Jesus: “Sem mim, nada podeis”. (Ottoboni, 2004).

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Foto 9 – Jornada da libertação com Cristo na APAC masculina de Itaúna

FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

Já no que concerne à saúde, médicos, dentistas, psiquiatras, psicólogos, advogados

todos voluntários, prestam assistência à saúde dos recuperandos.

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Foto 10 – Consultório Odontológico da APAC de Itaúna

FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

Dessa forma a ocupação em tempo integral é incentivada, porque faz parte do

processo de recuperação do preso e o prepara para sua futura reinserção social.

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Foto 11 – Assistência jurídica ao apenado na APAC

FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

Foto 12- Aprendizado de uma profissão. Padaria da APAC de Itaúna FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

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Mas existe também um aspecto muito prático: de acordo com a LEP, cada três dias

de trabalho significam um dia a menos de prisão, o que, juridicamente, é chamado de

“remição de pena”. (Ottoboni, 2004).

É errado imaginar que os recuperandos estejam felizes da vida por estarem presos.

Prisão é sempre prisão, e um criminoso sabe disso, sente isso. Na APAC a diferença está,

sobretudo, no que diz respeito aos resultados. O método apaqueano faz questão de integrar

parentes e familiares dos recuperandos no processo de sua preparação para a vida e o convívio

social. Há toda uma rede de padrinhos, madrinhas e voluntários (são mais ou menos 150)

envolvidos na tarefa coletiva de garantir que o preso, além de pagar pelo crime que cometeu,

tenha a chance de se regenerar.

Foto 13 – Visitas de familiares na APAC de Itaúna FONTE: arquivo da APAC/Itaúna

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Foto 14 – Horta cuidada pelos recuperandos na APAC de Itaúna

FONTE: arquivo da APAC/Itaúna

2.3.6 Reconhecimento internacional

Foto 15 – APAC de Itaúna FONTE: Arquivo da APAC/Itaúna

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Segundo Ottoboni (2004), a instituição é uma escola da vida, preparando a volta

para a sala de aula, a família, o trabalho e a sociedade e se sustenta em quatro pilares tais

como: a) os da individualização do tratamento; b) da redução da diferença entre a vida na

prisão e a vida livre; c) da participação da família; d) da comunidade no processo de

ressocialização; e) e do oferecimento de educação moral, assistência religiosa e formação

profissional (Arfinengo, 1997).

A APAC busca no conceito de recuperação a ideologia do tratamento, que deve se

substituir pelo conceito de reeducação e ressocialização, onde há a suposição de um processo

de comunicação entre a prisão e a sociedade, o objetivo de uma identificação entre os valores

da comunidade livre com a prisão e vice-versa.

Neste sentido, a APAC de Itaúna4, visando alcançar uma eficaz integração social

daquele que foi condenado a uma sanção penal, torna-se imprescindível à aproximação e

conseqüente envolvimento da comunidade na busca da solução de seus conflitos sociais, que

seja no contexto reeducativo e ressocializador do detento otimizando o ambiente prisional e

social vigente e o método APAC em estudo, que se subordina ainda, como qualquer

instituição prisional a LEP.

Na opinião de Ottoboni (2004), o espírito do método apaqueano é aplicável em

qualquer presídio, de qualquer canto e em qualquer país. Quanto às formas, pode variar.

Contrariamente ao sistema prisional vigente no país, que se sustenta ou é

sustentado pelo uso e abuso do poder, o método de APAC sugere uma idéia, um repensar

sobre o tratamento praticado com detentos nos presídios e que envolve aspectos inerentes à

ciência, à filosofia ou à religião que uma vez aplicados, e, ressalvando-se a legalidade,

auxiliem o resgate da cidadania, verificando-se de imediato, a mudança de atitude do próprio

apenado.

4 A APAC do município de Itaúna foi instalada em janeiro de l995, na Av. João Moreira de Carvalho 1336 - Bairro Parque Jardim Santanense, CEP.: 35.681-100 - Itaúna/MG, Telefone: 0XX(37)3241-7930/3241-7892/3243-1737, E-mail: [email protected] e tendo por presidente Luis Antonio Fernandes.

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CAPÍTULO 3 LEP X APAC: análise comparativa No Brasil, com o advento do 1º Código Penal houve a individualização das penas.

Mas somente a partir do 2º Código Penal, em 1890, aboliu-se a pena de morte e foi surgir o

regime penitenciário de caráter correcional, com fins de ressocializar e reeducar o detento.

Em seu artigo 1º, a LEP estabelece como um dos principais objetivos da pena, a

oferta de condições que propiciem harmônica integração social do condenado ou internado.

Assim, se cumprida integralmente, grande parcela da população penitenciária atual alcançaria

êxito em sua reeducação e ressocialização. Dispõe o artigo 1º da Lei nº 7.210/84 que “a

execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e

proporcionar condição para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

(LEP, art. 1º, 1984).

Para Beccaria (2000, p.121), essa perspectiva do direito positivo se ampliou com a

edição da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, que pela primeira vez em nosso País instituiu

um dispositivo específico e abrangente para regular os problemas da execução penal com a

natureza e as características de uma codificação. Também a Constituição de 1988 dedicou

várias disposições referentes à proteção dos direitos da pessoa presa.

Alguns autores, como Chies (1997, p. 98), conferem à prisão o caráter de

confinamento, punição, intimidação particular ou geral e regeneração, pois é durante o

período de aprisionamento que se oferece ao condenado a oportunidade de realizar mudanças

comportamentais, a fim de adaptar-se a sociedade no momento da reintegração.

O termo ressocializar, na LEP, denota tornar o condenado novamente capaz de

viver pacificamente no meio social, de forma que seu comportamento seja harmonioso com a

conduta aceita socialmente. Assim, deve-se reverter os valores nocivos à sociedade, com a

finalidade de torná-los benéficos.

O mesmo instituto, em seu art. 3º, assegura ao condenado todos os direitos não

atingidos pela sentença ou pela lei. Mesmo privado de sua liberdade assegura-se ao preso,

determinadas prerrogativas dispostas, inclusive, em cláusulas da Constituição Federal, art. 5º,

incisos XLVIII e XLIX, determinando que o respeito à integridade física e moral é assegurada

ao preso e que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza

do delito. Assim, dá-se por garantido ao preso, segundo Cleve (1998, p.99) o mínimo de

existência, personalidade, liberdade, intimidade e honra, imprescindíveis ao bom resultado do

processo de reintegração.

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Nesse contexto o Estado resguarda um mínimo de liberdade e personalidade do

condenado para que este possua condição para assimilar o processo de ressocialização. O fim

de ressocialização, segundo a LEP, entretanto, é foco de muitas controvérsias, assim como a

utilização do termo ressocializar como sinônimo do objetivo a ser alcançado por meio de

cumprimento da pena ou medida privativa de liberdade. (Chies, 1997, p.102)

Não obstante as discussões travadas em virtude da imprecisão do termo, o objetivo

parece claro na medida em que seja ele considerado como um projeto com finalidade

reeducadora, ressocializadora, com fins de reintegrar à sociedade indivíduos que romperam

com as regras sociais de convivência e, posteriormente, a terem sido submetidos a

julgamentos judiciais e receberem a punição legalmente imposta, lhes seja possibilitado ou

facultado, durante o cumprimento da pena, aprender a respeitar as normas e a ter, com a

sociedade, uma convivência pacífica e harmônica.

Para Arfinengo (1997, p.59), o objetivo da ressocialização seria, em última

instância, o respeito e a aceitação por parte do delinqüente das normas penais com o fim de

impedir-lhe de, no futuro, cometer delitos, de conformidade com a LEP.

É inegável que o processo de ressocialização representa a imposição de conceitos,

valores, regras e normas de um grupo social privilegiado e dominante com vistas a alterar a

personalidade do delinqüente, e que o fim preventivo especial positivo no seu viés

ressocializador importa em demonstrar que o Estado age punindo o infrator, mas que o faz

positivamente, de maneira que a pena que tem efeitos estigmatizantes e desagregadores da

vida em sociedade passe a ser vista como meio através do qual o delinqüente possa integrar-se

ou reintegrar-se à sociedade, onde os fatos (crimes) que o levaram ao cárcere não sejam

considerados fatores excludentes e que as alterações, para melhor, por ventura ocorridas com

seu consentimento e participação, permitam a partir do seu retorno, uma (re)integração sem

máculas à sociedade em virtude de ter aprendido a cumprir com as normas sociais existentes,

sendo, desta forma, dissuadido, no futuro, da prática de novos delitos.

Na visão de Arfinengo (1997, p. 68), a pena de prisão deveria ser utilizada como

último recurso para a punição do condenado. Entretanto, pela falta de estrutura do Estado, ela

tem servido para retirar o indivíduo infrator do âmbito social e garantir segurança aos demais.

Contudo, a pena privativa de liberdade não é apenas um meio de afastar aquele que cometeu

um crime do seio da sociedade e mantê-lo à margem do convívio social, em virtude da sua

culpabilidade e periculosidade. Deve ser também uma forma de lhe dar condições para que se

recupere e volte à vida em comunidade, como também preconiza a APAC.

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Para Beccaria (2000, p. 129) são estas as propostas oficiais de finalidade da pena,

quais sejam: antes de tudo, a punição retribuitiva do mal causado pelo criminoso; a prevenção

da prática de novos delitos, de modo a intimidar o delinqüente para não mais cometê-los, bem

como os demais integrantes da sociedade; e por fim, transformar o preso de criminoso em

não-criminoso, ou seja, ressocializá-lo.

Considera cumprida sua função ressocializadora quando julga indivíduos, que

dessocializa e prisionaliza, de forma adaptada nos padrões de um sistema social que considera

harmônico e não contraditório. (Beccaria, 2000, p. 132)

Porém, o encarceramento dificulta o retorno à dita “sociedade normal”, pois

estando tão compenetrado na vida carcerária, habituada com sua rotina, agregado aos grupos

humanos que lhe passam novos valores e costumes, irado com a condição degradante que o

Estado o trata, o detento acaba saindo da prisão com suas tendências criminais e anti-sociais

aprofundadas.

O sistema APAC, como defende Ottoboni, procura fazer da prisão uma

possibilidade de transformação do sistema para que a reforma do condenado seja propiciada

por instrumentos como a educação e o trabalho, de modo a dar-lhe condições de levar uma

vida digna quando sair do estabelecimento prisional, e evitar que o cárcere seja mais penoso

do que deve ser. Isso até mesmo para que a pena de prisão entre em consonância com os

princípios do Direito Penitenciário e da LEP quais sejam: a) a proteção dos direitos humanos

do preso; b) o preso como membro da sociedade; c) a participação ativa do sentenciado na

questão da reeducação e reinserção social; c) a efetiva colaboração da comunidade no

tratamento penitenciário; d) a formação dos encarcerados de modo que reaprendam o

exercício da cidadania e o respeito ao ordenamento legal.

O método tem como objetivo oferecer ao apenado a habilitação e a conseqüente

profissionalização, criando no interno, bases para uma sobrevivência sadia e sem vícios. Em

lugar do ambiente hostil, de aviltamento da pessoa humana, o exemplo e a motivação para o

desenvolvimento pessoal como parte integrante do processo educativo.

Sobre o trabalho na APAC, Ottoboni (2004, p. 105- 197) discute também que ele é

encarado como alicerce para uma futura profissionalização promovendo sua cidadania e

resgatando sua dignidade de pessoa capaz de prover sua subsistência com autonomia.

A APAC pressupõe que o trabalho precisa representar atividade digna para fundar

a dignidade da cidadania de alguém que encontra aí ocasião e motivação para mudar de vida.

Nesse método, o trabalho tem por finalidade, também, ocupar o tempo do apenado,

preparando-o para uma atividade profissional. Poderão os detentos desenvolver atividades que

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variam da manutenção do presídio, tapeçaria, marcenaria, cozinha e faxina, até atividades

como pintura, escultura, confecção de velas e outras tantas atividades mais que possam ser

desenvolvidas dentro dos presídios, a exemplo do que acontece em Itaúna.

Na perspectiva de Ottoboni (2004, p. 29-102), o método investe ainda na educação

nos presídios; ao lado do trabalho produtivo pedagógico, é a ambiência educativa que deve

imperar na penitenciária. Segundo o teórico, não se trata apenas de oferecer educação formal,

sobretudo àquela prevista na constituição como direito de todos – Ensino Fundamental - mas

de envolver o preso dentro da ecologia da educação, incluindo cultura, lazer, instrução, etc.

O recuperando da APAC tem a oportunidade de ler conteúdos interessantes, ver

materiais eletrônicos pertinentes de teor didático e instrutivo, discutir coletivamente temas,

problemas e soluções, fazer cursos a distancia, assistir a vídeos (com prévia autorização

administrativa), sobretudo plantar o convencimento da capacidade de se construir como

sujeito social competente. A conjugação entre este tipo de educação e o trabalho produtivo é a

base principal do processo de reconstrução da liberdade.

Assim, ao se buscar a convergência entre os dispositivos legais da LEP (1984) e o

método APAC, observa-se semelhança, em alguns pontos já apresentados no segundo

capítulo, tais como:

a) A participação da comunidade: embora esse princípio seja assegurado na LEP,

só a APAC o executa, pois, o Estado, infelizmente, não reúne condições de atuar eficazmente

na execução da pena e na recuperação do condenado. A LEP em seu artigo 4º, dispôe que “o

Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de Execução da Pena e da

medida de segurança”, o que se concretiza na APAC que conta com a participação da

comunidade na execução da pena e esta participação se faz necessária, segundo Ottoboni

(2004, p.), uma vez que é ela, a própria comunidade, a maior interessada em um ambiente

seguro, até porque o criminoso não nasce criminoso, é a comunidade quem o torna assim.

b) O recuperando ajudando o recuperando: A LEP enfatiza a recuperação, mas não

menciona que um detento pode e deve ajudar o retardatário em reeducação. Para Ottoboni

(2004, p. 29-102), a APAC leva o recuperando a descobrir que possui valores e isto o faz

viver com um sentimento de ajuda mútua e colaboração com outro recuperando. Para que

ocorra uma melhora na disciplina, na segurança do presídio, a APAC adota a representação de

cela que propicia a disciplina e a harmonia entre os recuperandos, a limpeza e higiene pessoal

da cela, o treinamento de líderes, uma vez que a representação é dividida entre os próprios

recuperandos, acentuando o rompimento do “código de honra” existente entre a população

prisional, em que os mais fortes subjugam os mais fracos.

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c) O Trabalho: Preconizado pela LEP (art. 28-37), mas não orientado para sua

execução nos presídios, o trabalho na APAC é aplicado em cada um dos regimes de acordo

com a finalidade proposta. No Método APAC, o regime fechado é o tempo para a

recuperação, o semi-aberto para a profissionalização, e o aberto, para a inserção social. Na

visão de Ottoboni (2004, p. 29-102), o trabalho é necessário para descoberta dos próprios

valores do recuperando, para que ele possa melhorar sua auto-imagem, valorizar-se como ser

humano, transformar o próprio coração, torná-lo acolhedor, tolerante e pacífico, capaz de

perdoar e em condições de, com perfeição, filtrar as mensagens que recebe rejeitando as

negativas. Se não houver esta reciclagem dos valores não terá sentido dar serviço ou forçar o

trabalho, porque ele vai ser um eterno revoltado. O trabalho externo, segundo a LEP, “será

admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas

por órgãos da Administração Direta e Indireta ou entidades privadas, desde que tomadas as

cutelas contra a fuga e em favor da disciplina.” (art. 36)

d) A Continuação dos Estudos: A LEP favorece as saídas para estudos o que nos

presídios isso não acontece. A APAC, valendo-se deste dispositivo legal, faz o

encaminhamento do recuperando para estudos de formação em estabelecimentos da cidade,

tais como: sapataria, padaria, alfaiataria, oficina mecânica, etc., objetivando sempre a

reintegração ao comércio, próximo de seu núcleo afetivo. O Método APAC, para o Regime

Aberto, propõe que o recuperando que pretende desfrutar do benefício tenha uma profissão

definida, apresente uma promessa de emprego compatível com sua especialidade e tenha

revelado no regime semi-aberto mérito e plenas condições para voltar ao convívio social. De

acordo com Ottoboni (2004, p. 29-102), a educação tem por objetivo formar a pessoa humana

do recluso, segundo sua própria vocação, para inseri-lo na comunidade humana, no sentido de

sua contribuição na realização do bem comum. O tratamento reeducativo é uma educação

tardia do recluso, que não a obteve na época oportuna. A esse direito corresponde a obrigação

da assistência educativa, prevista no art. 17 da LEP.

e) A religião e a experiência de Deus: a LEP assegura a liberdade de culto

religioso; o Método APAC, na perspectiva de Ottoboni, proclama a necessidade do

recuperando ter uma religião, amar e ser amado, não impondo este ou aquele credo. A religião

é fundamental para a recuperação do preso, a experiência de amar e ser amado desde que

pautada pela ética, e dentro de um conjunto de propostas onde a reciclagem dos próprios

valores leve o recuperando a concluir que Deus é o grande companheiro, o amigo que não

falha. Então Deus surge como uma necessidade, que nasce espontaneamente no coração do

recuperando para que seja permanente e duradoura. (Ottoboni, 2004, p. 29-102)

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f) A Assistência jurídica: uma das maiores preocupações do condenado se

relaciona com sua situação processual pois, a grande maioria da população carcerária não

possui condições financeiras para contratar um advogado. Embora O Código Penal e a LEP

(art.15) assegurem o direito à justiça gratuita para os que não podem pagar por ela, a maioria

dos presídios não presta essa informação pontual e assistência aos apenados, fazendo com que

os mesmos não desfrutem de seus direitos assegurados em legislação. Para Ottoboni (2004, p.

29-102), o Método APAC recomenda uma atuação especial a este aspecto do cumprimento da

pena advertindo que a assistência jurídica deve se restringir somente aos condenados

envolvidos na proposta da APAC, evitando sempre que a entidade se transforme num

escritório de advocacia e cuidando de prestar assistência jurídica aos recuperandos

comprovadamente pobres.

g) Assistência à saúde: também direito assegurado pelo Código Penal e reforçado

pelo LEP (art. 14), mas, sem aplicação nos presídios que, em sua grande maioria se esquecem

do respeito à dignidade humana. Segundo Ottoboni (2004, p. 29-102), o Método APAC

oferece assistência médica, odontológica, psicológica e outras de um modo humano e

eficiente. Para o método, a saúde deve ser sempre colocada em primeiro plano, evitando

preocupação e aflições do recuperando.

Segundo Ottoboni, tanto na LEP (1984) quanto na APAC aos detentos é

assegurado a liberdade religiosa, à assistência médica, a educação e os direitos do trabalho.

Ao detento do regime aberto é permitida a saída da unidade para trabalhar fora da instituição,

prestando serviço à sociedade

O tratamento de acordo com a LEP e a APAC compreende um conjunto de

medidas sociológicas, penais, educativas, psicológicas, e métodos científicos que são

utilizados na APAC, numa ação compreendida junto ao delinqüente, com o objetivo de tentar

modelar a sua personalidade para preparar a sua reinserção social e prevenir a reincidência.

Observa-se ainda na convergência entre LEP E APAC que não haverá

desenvolvimento na personalidade do apenado sem condições materiais, de saúde ou proteção

de seus direitos, bem como instrução escolar e profissional e assistência religiosa. Verifica-se

que o que a LEP determina e assegura neste aspecto só se concretiza no trabalho da APAC

quando há uma função ressocializante da pena, uma tentativa filosófica de humanizar o que é

desumano e de amenizar o processo da prisionalização, que só induz o apenado à revolta

contra a sociedade.

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O meio mais seguro para prevenir os delitos, de acordo com os preceitos da APAC

e da LEP é aperfeiçoar a educação. Aliás, ressocialização não pode rimar com punição, mas

sim com educação, compreensão e compaixão.

Diz Ottoboni que o direito à educação e ao trabalho, que estão vinculados à

formação e desenvolvimento da personalidade do recluso são os direitos sociais de grande

significação, pois, o trabalho é considerado reeducativo e humanitário; colabora na formação

da personalidade do recluso, ao criar-lhe hábito de autodomínio e disciplina social, e dá ao

interno uma profissão a ser posta a serviço da comunidade livre..(Ottoboni, 1997, p. 29-102).

Preso e condenado: o preso, segundo a LEP, teria direito a uma série de bens, os

quais na prática não lhe são concedidos. A única relação do preso-condenado com a norma,

ou pelo menos a mais forte relação do preso com a norma, se dá através da LEP (1984), pois

que ali está previsto como poderá obter sua liberdade, como deve se comportar, enquanto

estiver cumprindo sua pena.

Mas, o que se observa na quase totalidade dos cárceres do país é que LEP, no

entanto, não é cumprida e causa assim a revolta do preso, o qual mais uma vez tem uma

relação negativa com a norma estatal, podendo-se concluir que um dos principais elementos

no aumento da criminalidade é o não cumprimento da LEP (1984) pelo Estado e pela

sociedade. Se essas normas fossem cumpridas, a exemplo do que a APAC busca realizard, o

sistema prisional no país estaria realmente reeducando e ressocializando seus apenados.

Na visão de Falconi (1998, p. 116) reeducar e ressocializar não significa apenas

dar um emprego ao preso na prisão ou quando ele sai desta, ou não ter preconceitos contra os

ex-presidiários. Estas são atitudes positivas é evidente, todavia, o processo de reeducação e

ressocialização é muito mais complexo e inicia por uma reversão dos valores nocivos do

condenado, para valores benéficos para a sociedade, tal como preconiza a LEP e como

trabalha a APAC em relação aos apenados.

Dentro do processo de reeducação e ressocialização do preso condenado é

fundamental uma práxis que resgate, enquanto ainda o mesmo está encarcerado os seus

valores de pessoa, de ser humano, os valores em comum com a sociedade livre. Isto só pode

ser conseguido através de um ambiente de experiências favorável à assimilação destes

valores. Este ambiente de experiências favorável deve ser o mais amplo possível e em crucial

implicação o efetivo cumprimento da Lei de Execução Penal.

Para Falconi (1998, p.117) para o preso-condenado, a LEP é praticamente o único

elo com a sociedade livre em termos de obrigação e dever, de compromisso. O condenado

preso, embora possa não ter consciência analítica da complexidade do fenômeno da

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reeducação e da ressocialização já exposto, tem consciência clara de que foi condenado

porque a sociedade assim determinou, porque ele descumpriu uma regra e aqueles que

descumprem uma regra estabelecida pela sociedade são punidos. Assim, ele sabe que a

norma é para ser cumprida, que aqueles que a descumprem são punidos e que ele foi punido

por descumprir a norma. É essa experiência que o preso-condenado adquire gradativamente

ao longo do processo. A julgar pela observação da rotina da APAC/Itaúna, este é um ponto de

devergência entre LEP e APAC. Os detentos nem sempre internalizam as regras de forma

consciente e, se obedecem as regras, trabalha, estuda é porque, na maioria das vezes, tenta

negociar com administração da entidade alguns benefícios e privilégios.A relevância do

respeito ao compromisso com a sociedade.

Dessa forma, na visão de Ottoboni (2004, p. 29-102), para reeducar e ressocializar

o condenado pressupõe-se que este condenado possua um mínimo de capacidade de condições

de assimilar o processo de reeducação e ressocialização, é necessário então que o condenado,

embora, preso e sob custódia do Estado, exerça uma parcela ainda que mínima, mas

fundamental de sua liberdade, de sua personalidade, pois são estes caracteres que distinguem

o Homem dos demais animais, ou seja, é necessário que o cercear a liberdade do preso, não se

lhe retire a sua qualidade humana.

Se o condenado mantém ainda sua qualidade humana, ele é ainda detentor de

poder e, conseqüentemente, fonte de direitos a serem respeitados, portanto ele ainda pode

exercer direito e em contrapartida tem uma série de deveres a obedecer. Entretanto, como já

demonstrado, os direitos do condenado, mesmo os fundamentais, não são os mesmos e ou na

mesma extensão daqueles dos chamados homens livres.

Na prática, percebeu-se que é preciso reconhecer os benefícios da APAC, sem,

contudo, ignorar que o trabalho de conscientização dos detentos, principalmente quanto à

exclusão a que o sistema os submete, parece deficitário. Apesar da APAC, assim como a LEP,

se embasar na Lei dos direitos humanos, pode-se dizer que o Método APAC dá pouca ênfase

à conscientização: do recuperando, espera-se que assuma seu erro, admita que ali está porque

descumpriu regras e que resta-lhe provar que é digno de comportar-se corretamente, como

condição para retornar a vida familiar e cidadã.

Apesar dos esforços no sentido de reeducar e ressocializar o detento,

preparando-o para a volta ao convívio social e ao trabalho, o Método APAC não contempla

todos os princípios e direitos da LEP. O trabalho da APAC, discutido mais detalhadamente

no segundo e terceiro capítulos pauta-se, de fato, na ressocialização e na reeducação, mas não

abarca todos os princípios defendidos pela LEP. Vale lembrar que, se comparado ao trabalho

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de outros presídios, representa um grande avanço. Com uma arquitetura prisional diferente,

um tratamento mais respeitoso e humano, a entidade civil dá sua contribuição para a

recuperação do detento e alcança bons resultados, embora não se tenha nesta investigação

feito um tratamento de dados relativos à recuperação.

Outra questão a discutir deve-se à assistência religiosa contemplada pela LEP em

seu artigo 24. Quanto ao local apropriado para os cultos religiosos, a APAC/Itaúna é bem

servida: possui um salão amplo, arejado, independente, salão amplo, arejado, independente,

onde são realizados os cultos além de uma pequena capela para visitação e reflexão dos

detentos. Porém, no que concerne à liberdade de culto, ficou uma dúvida que a investigação

não conseguiu esclarecer: teriam os detentos tal liberdade?

Portanto, se considerada a articulação teoria/prática, no contexto da APAC/Itáuna,

não existe uma completa convergência entre os princípios do Direito Penitenciário, os

dispositivos legais da LEP (1984) e da APAC, embora haja semelhança em pontos como: a

proteção dos direitos humanos do preso, o preso considerado como membro da sociedade, a

participação ativa do sentenciado no que concerne à reeducação e reinserção social, a efetiva

colaboração da comunidade no trabalho apaqueano.

Falta à APAC, como já se discutiu, um maior investimento na continuação dos

estudos e formação dos detentos, porque, e educação destes é um dos principais meios de

prevenção de delitos, e de reinserção social. Na prática, a entidade apenas incentiva os

estudos, podendo o detento estudar ou não, o que é um descumprimento a uma determinação

da LEP (art. 18), que declara obrigatório o ensino de 1º. Grau.

Ainda sobre a assistência educacional, como determinada pela LEP, há que se

considerar a distância entre a realidade da APAC/Itaúna e o texto da LEP no seguinte aspecto:

a demanda para o Ensino Médio supera em muito a oferta da APAC. Os profissionais cedidos

e pagos pelo governo municipal são em número inferior à demanda, o que leva ao incentivo

do trabalho voluntário. Este, embora seja significativo, não é suficiente para dar conta da

educação formal dos detentos.

Por outro lado, um dado significativo para análise diz respeito à biblioteca da

entidade investigada: trata-se de uma modesta, com um acervo bastante restrita, para uso dos

reclusos. Embora esteja provida de poucos livros instrutivos, recreativos e didáticos,

percebeu-se que a escolha e a seleção de obras para a referida biblioteca é criteriosa e

responsável.

O interesse pela remição da pena e o esforço em alcançá-la, o receio de

transferência para presídios comuns levam a um bom comportamento podem ser considerados

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indícios de que o método é eficaz, mas é preciso reconhecer, conforme discute Beccaria

(2000) que o envolvimento em projetos educativos e no trabalho se deve mais à obtenção de

“vantagens” nas negociações internas com administração prisional e não ao desejo de se

reeducar e de ter oportunidade de ressocializar.

Exemplo disso é o fato de alguns detentos decidirem participar das aulas e,

conseqüentemente, terem sua pena reduzida, o que os leva a estarem na sala de aula, ainda

que ociosos, pois considera-se, para efeito de remição, apenas a presença física e não a sua

participação efetiva durante as aulas. Quando o detento se propõe a, “voluntariamente”,

participar das aulas, não o faz porque está consciente de que a educação deve ser uma de suas

prioridades, mas porque será gratificado com a remição (redução da pena). O mesmo se dá em

relação ao trabalho nas oficinas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão do discurso da função ressocializadora da pena hoje, nos presídios

brasileiros, mais que punitiva é aflitiva, porque, de certa forma, se converte em um ato de

vingança da sociedade que busca punir o infrator. A vida degradante na prisão não leva o

apenado a se tornar uma “pessoa de bem”, capaz de viver em sociedade, pois, o ócio no

interior das prisões é, na verdade, um incentivo ao comportamento animalizado e brutalizado

do detento.

Com um cenário de violações dos direitos humanos tais como a superlotação, a

deterioração da infra-estrutura carcerária, a corrupção dos próprios policiais, a abstenção

sexual e a homossexualidade, o suicídio, a presença de tóxico, a falta de apoio de autoridades

governamentais, a reincidência criminal é constante na maioria dos casos demonstrando que o

Brasil aniquila qualquer possibilidade de que seus apenados venham a se recuperar, ao mesmo

tempo em que gasta o dinheiro da sociedade à toa.

O que se observa é que dentro dos presídios brasileiros cria-se toda uma

legitimidade para-jurídica, embasada em uma realidade social, com valores divergentes do

que é aceitável pela sociedade, num sistema paralelo à Justiça, onde o apenado busca uma

forma de lutar por direitos humanos proclamados pela LEP, pelo que se acha justo dentro do

ambiente em que vive.

Neste contexto, enquadrar o criminoso, como mostram os teóricos estudados é um

enfoque equivocado e desumano que, na verdade, faz apenas a exclusão forçada do suposto

reeducando que, por sua vez, para poder sobreviver nessa comunidade, terá que se identificar

com seus colegas, consolidando-se a cultura do crime e se distanciando cada vez mais da

sociedade como um todo.

Parece consenso entre os teóricos que, ao se buscar ressocializar o apenado busca-

se filosoficamente humanizar o que é desumano, minimizando a injustiça do tratamento penal,

que conduz o apenado à revolta contra a sociedade que o pune e o priva da liberdade e da

condição de sentir-se e ser tratado como um ser humano.

O tempo de observação do cotidiano da APAC, as discussões dos autores acerca

do Método, da LEP e do sistema penitenciário contribuíram sobremaneira para a reflexão

sobre a APAC/Itaúna e para identificar pontos convergentes e divergentes entre LEP e APAC.

A pesquisa respondeu algumas questões – muitas delas surgiram no decorrer do trabalho – e

levantou outras que continuarão sem resposta.

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É possível tecer algumas considerações a respeito do objeto de investigação, a

saber:

Enquanto Ottoboni delineia o método, expondo seus princípios e fundamentos,

ambos pautados na LEP, porém não tece considerações a respeito do trabalho desenvolvido

nas unidades que aplicam o método.

Varella, Cross, Beccaria e Falconi, por sua vez, apontam problemas do sistema

penitenciário tais como: a superlotação dos presídios, as mínimas condições dignas de vida

(promiscuidade, por exemplo), as péssimas condições de higiene, a falta de serviços de apoio,

assistência e educação que ferem a LEP, a Constituição federal e o Código Penal e

representam entraves à reinserção social dos detentos.

Ao se estudar o trabalho realizado numa entidade que adota o método APAC

verificou-se que há uma preocupação em oferecer ao detento uma profissão a ser posta a

serviço da comunidade, fazendo com que ele se aperfeiçoe e prepare - alguns minimamente, é

verdade - para servir à sociedade.

A julgar pela observação das atividades desenvolvidas pelos recuperandos da

APAC/Itaúna não há lugar para a ociosidade, isso é fato. Porém, como afirma o criador do

método Ottoboni (2004), o trabalho sozinho não recupera o detento e é apenas parte de um

contexto, da proposta da APAC.

Desse modo, de acordo com a APAC, acredita-se que não existem condenados

irrecuperáveis, e sim, que não receberam tratamentos adequados. O método proclama ainda

que a segurança social não se conquista com punição, mas, com trabalhos de recuperação e

respeito à dignidade da pessoa humana, onde os direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça deixem de ser utopia e

passem a ser realidade.

Quanto ao bem-estar e à ocupação do espaço e do tempo, a APAC/Itaúna é

privilegiada: possui boas instalações físicas, um espaço físico agradável, sem superlotação de

celas, oferta de algumas oficinas onde os detentos podem aprender um ofício e ter uma

ocupação, um ambiente pacífico e favorável à assimilação de valores e conhecimentos úteis à

ressocialização.

O sujeito apaqueano - pelo menos é o que a entidade dele espera - é sempre o

homem recuperável e, por isso mesmo, aquele que acata ordens, obedece, que é controlado

por um poder disciplinar, na maioria das vezes, velado. É alguém que sabe que, de acordo

com a LEP, três dias de trabalho, por exemplo, significam um dia a menos de prisão e que,

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“quem sai da linha é cobrado”, pois, “...sair da linha não compensa: comportamento conta

pontos...”.

Também sobre a idéia de que todo detento é recuperável, a investigação não

permite uma análise mais pontual, dada a complexidade da questão e a necessidade de um

estudo mais aprofundado tanto da LEP quanto do regimento e das ações desenvolvidas na

entidade.

Entretanto, uma questão a discutir, neste contexto, tem a ver com o sujeito que

vive a rotina da entidade, o recuperando – como é concebido o detento da APAC. Percebe-se

que, o recuperando nem sempre é o sujeito de direitos como definido pela LEP e defendido

pela Constituição Federal e pelo Código Penal..

A pesquisa realizada permite afirmar ainda que a APAC empenha-se na tarefa de

proporcionar aos recuperandos o que é colocado pela LEP, no que se refere à execução penal:

a condição para sua efetiva e harmônica integração social. Se alcança esse objetivo, não se

sabe, pois só mesmo uma pesquisa de maior envergadura poderia dizê-lo. O que seria correto

afirmar é que o Método APAC parece bem intencionado e se esforça em atender aos

princípios da LEP, princípios estes contemplados no regimento da entidade.

As idéias de Ottoboni a respeito do Método APAC não se legitimam na prática da

unidade escolhida como campo da minha pesquisa, pelo menos não na sua totalidade. Ao

contrário do que afirma o teórico, em alguns aspectos, o Método falha e deixa de alcançar

seus objetivos. Pode-se citar como exemplos: o espaço prisional que acaba por impor um

controle disciplinar maior e que, mesmo sendo uma arquitetura receptiva à expressão das

individualidades e à atuação dos recuperandos, ainda os submete a um ou outro tipo de

controle exercido, sobretudo, pelo olhar, com vistas a garantir a segurança e a ordem; a

afirmativa de que os presos-condenados são sujeitos capazes de assimilar o processo de

ressocialização é relativa, posto que muitos obedecem as normas, não por consciência, mas

por necessidade e interesse, melhor dito, para fugirem das sanções e punições que podem

sofrer. Desse modo, o respeito às normas, a participação nas atividades são formas de

negociação com a entidade e não manifestação do desejo de melhorar.

A APAC, como qualquer outro presídio, tem como missão assumir um processo de

ressocialização bastante complexo e como um de seus principais objetivos reverter valores

nocivos para valores benéficos para a sociedade. Seria ingênuo simplificar tal processo,

acreditando que apenas os preceitos da entidade, pautados na Constituição Federal, na LEP

seriam suficientes para dar conta dessa tarefa árdua e, mais ainda, acreditar que os direitos de

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que gozam os detentos da APAC são os mesmos dos homens livres, porque APAC e LEP

assim o determinam.

Considera-se que a pesquisa alcançou os objetivos propostos, haja vista ter

viabilizado a reflexão sobre o Método APAC e a convergência entre este e a LEP, no que sae

refere ao tratamento dado aos detentos e à sua ressocialização e à reeducação.

A pesquisa permitiu mais que isso a compreensão dos limites de atuação da APAC

e o reconhecimento de que a hipótese inicial não pode ser totalmente confirmada, posto que

há muito que se fazer pela ressocialização e reeducação dos detentos.

Quanto às questões levantadas, inicialmente, pode-se fazer, finalmente, a seguinte

afirmação: O método APAC, embora seja um método revolucionário não dá conta de todas as

questões que envolvem os detentos e, mesmo considerando todos como homens recuperáveis,

não promove, na totalidade, a ressocialização e a recuperação destes.

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REFERÊNCIAS

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______. Código Penal. Decreto-lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940, atualizado pela Lei n° 7.209 de 11 de julho de 1984 (nova redação aos artigos 1° ao 120).

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FERRACUTI F. Trattato di criminologia, medicina criminologica e psichiatria forense. Milano: Giufffre, 1988 In: Cohen C, Ferraz FC, Segre M. Saúde mental, crime e justiça. São Paulo: EDUSP, 1996.

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ANEXOS

ANEXO A - A APAC EM SANTA LUZIA - MG

Em maio de 2000, um grupo de voluntários cristãos da congregação dos Irmãos

Maristas, da Arquidiocese de Belo Horizonte, através da Pastoral Carcerária, da PUC Minas e

da então Secretaria Adjunta de Direitos Humanos, órgão da Secretaria de Estado de Justiça e

Direitos Humanos, iniciaram uma parceria visando discutir a criação de uma instituição para

condenados pela Justiça, dentro da concepção do método APAC (Associação de Proteção e

Assistência ao Condenado), na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A partir dessa

intenção foi constituído um grupo de trabalho, visando a elaboração de um projeto sócio-

educativo e arquitetônico.

O método APAC se inspira no princípio da dignidade da pessoa humana e na

convicção de que todo ser humano é “recuperável”, pois considera que “todo homem é maior

que a sua culpa”.

O método APAC tem como elementos fundamentais na execução da pena a

participação da comunidade, sobretudo pelo voluntariado; a solidariedade entre os

recuperandos (denominação dada aos presos); o trabalho como possibilidade terapêutica e

profissionalizante; a religião como fator de conscientização do recuperando como ser

humano, espiritual e social; a assistência social, educacional, psicológica, médica e

odontológica como apoio à sua integridade física e psicológica; a família do recuperando,

como um vínculo afetivo fundamental e como parceira para sua reintegração à sociedade; e o

mérito, como uma avaliação constante que comprova a sua recuperação já no período

prisional.

O centro APAC de Santa Luzia foi o primeiro a ter projeto de arquitetura desenvolvido

de acordo com princípios da Apac

O primeiro CRS de detentos construído especialmente para a Associação de Proteção e

Assistência aos Condenados (Apac) foi inaugurado em maio, em Santa Luzia, região

metropolitana de Belo Horizonte. O escritório MAB Arquitetura e Urbanismo é autor do

projeto, em que o desenho reproduz a crença da instituição na possibilidade de recuperar

presos ao humanizar o cumprimento da pena, sem abrir mão de controle e segurança.

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FOTO 01 – APAC DE SANTA LUZIA

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

FOTO 02 Vista interna da rampa que leva à administração

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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Desenho reproduz alternativa para unidades prisionais

O conjunto penitenciário tem capacidade para receber 200 detentos e seu programa

está organizado em três setores. O primeiro, com 120 vagas, destina-se a quem cumpre penas

superiores ha oito anos, em regime fechado; o segundo recebe 80 condenados, em regime

semi-aberto (com penas entre quatro e oito anos ou que já tenham cumprido 1/6 em regime

fechado com bom comportamento); o último é ocupado pela administração. Este, além da

secretaria, diretoria e espaços para reuniões, compreende uma hospedaria para 12 visitantes,

utilizada, por exemplo, em seminários e palestras.

Ao contrário das prisões isoladas, a edificação da Apac foi inserida no contexto

urbano, informam os arquitetos do MAB, autores do projeto. “Embora em loteamento novo,

ainda com baixa densidade, o terreno está a apenas três quilômetros da cidade”, esclarece

Flávio Agostini, sócio do escritório. Para incluir o complexo na dinâmica de crescimento local

foi criada na área frontal uma generosa praça, aberta tanto a visitantes quanto a moradores

locais. “Além de contrapartida com o município, a praça contribui para retirar a instituição

penal da invisibilidade na paisagem”, avalia o arquiteto.

Na praça se situa um galpão de apoio às famílias dos detentos, instalação que, em

prisões convencionais, costuma ficar escondida na parte interna. Nela se localizam também

três lojas com peças de artesanato, mudas, frutas e verduras produzidas pelos presos. Esses

espaços poderão contar com mão-de-obra dos internos em regime semi-aberto, o que contribui

para sua ressocialização.

Como os centros de detenção tradicionais, o edifício é isolado do contato direto com

pedestres e edificações vizinhas, explica Agostini. “Também tivemos o cuidado de separar

detentos de diferentes regimes, criar uma entrada única e implantar cabines de revista para

visitantes e funcionários”, ele assegura. Há, porém, uma diferença fundamental: espaços como

refeitórios e auditórios foram idealizados como áreas compartilhadas por presos e

funcionários (voluntários).

Em vez de setores de convivência organizados ao redor de um pátio central, em Santa

Luzia os vazios foram pulverizados. Essa variedade, avaliam os arquitetos, amplia as

condições de apropriação das áreas externas por parte dos presos, com cada pátio ou jardim

relacionando-se a espaços específicos do complexo. Para isso foram empregados diferentes

materiais de acabamento, declividades e até mesmo variados tratamentos paisagísticos.

A visão do exterior também foi contemplada pelo projeto. Terraços escalonados, de

acordo com o perfil natural do terreno, permitem ver a paisagem, impedindo, porém, o

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contato direto com o exterior. O espaço foi adequado à progressão das penas: presos do

regime fechado, que ocupam o pavilhão de celas, podem migrar para as unidades mais

dispersas do regime semi-aberto. Praças e quadras também aparecem nesse setor, em meio aos

edifícios, possibilitando maior variação de percursos.

As celas podem abrigar até cinco internos cada uma e dispõem de camas sobrepostas

ortogonalmente, de maneira a gerar espaços individuais com estantes para a guarda de bens

pessoais. Uma mesa comum e banheiros com divisórias altas completam a estrutura de cada

alojamento. Painéis e portões de PVC permitem que o vão das grades seja fechado ou aberto

pelos próprios detentos.

FOTO 03 -Um dos quatro pavilhões do setor para detentos em regime fechado

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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FOTO 04 -Vista do pátio destinado aos detentos que cumprem pena em regime fechado FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

FOTO 05 - Área aberta em frente do refeitório do setor para presos em regime fechado FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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FOTO 06 - O acesso ao bloco da administração é feito por rampa circular que parte da praça

frontal do conjunto

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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FOTO 07 - A sala de aulas ocupa o pavimento inferior do pavilhão destinado a presos do

regime fechado. Acima, o terraço permite vista ampla do horizonte.

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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FOTO 08 -Cada cela pode receber até cinco detentos e possui camas e estantes individuais.

Mesa e banheiro são coletivos

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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FOTO 9 -Área de circulação entre os pavimentos das celas

FONTE: Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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ANEXO B – PROJETO ARQUITETÔNICO: APAC DE ITAÚNA - MG

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C - FOTOGRAFIAS ILUSTRATIVAS DA APAC/ITAÚNA

FOTO 11: Minha participação no 5º Congresso Nacional das APACs, julho/2004, Itaúna/MG.

FONTE: arquivo pessoal

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FOTO 12: Apac de Itaúna – jardim FONTE: www.fbac.com.br

FOTO 13: Apac de Itaúna – entrada FONTE: www.fbac.com.br

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FOTO 14: Apac de Itaúna – Fachada externa FONTE; www.fbac.com.br

FOTO 15: Apac de Itaúna – Lançada a pedra fundamental em 1955 FONTE www.fbac.com.br

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FOTO 16: Apac de Itaúna – entrada principal FONTE: www.fbac.com.br

FOTO 17: Apac de Itaúna – entrada secundária FONTE: www.fbac.com.br .