CANTANTE, Frederico - Desigualdades Económicas Multi-escalares. Portugal No Contexto Global

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    FREDERICO CANTANTE

    Desigualdades econmicas multi-escalares:

    Portugal no contexto global

    Anlise Social, , (.),

    -

    Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Anbal de Bettencourt,

    - Lisboa Portugal [email protected]

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    Anlise Social, , (.), , -

    Desigualdades econmicas multi-escalares: Portugal no

    contexto global. As desigualdades econmicas assumem-

    -se como um dos fenmenos mais relevantes das sociedades

    atuais. Essa relevncia emerge quando se tem o mundo como

    universo de referncia, mas tambm quando a anlise feita escala nacional. Este artigo promover uma anlise integrada

    da magnitude das desigualdades econmicas globais e no inte-

    rior dos pases mais ricos. A este nvel, dar-se- destaque ao

    fenmeno da desigualdade e concentrao do rendimento nos

    pases da - e anlise mais detalhada dos ganhos sala-

    riais do topo da distribuio em Portugal. De forma comple-

    mentar, debater-se-o duas questes nevrlgicas na anlise das

    desigualdades econmicas: as suas causas e os seus impactos

    potenciais para a vida coletiva.

    Palavras-chave: desigualdades econmicas multi-escalares;rendimentos do topo; Portugal.

    Multi-scalar economic inequalities: Portugal in a global con-

    text. Economic inequalities are a central phenomenon of

    contemporary societies. Its relevance emerge both at the global

    and national level. Tis paper will promote a comprehensive

    analysis of the magnitude of global and within country eco-

    nomic inequality. At this level, this paper will analyze income

    inequality and concentration in - countries and shed light

    on top wages in Portugal. Complementarily, two importantissues will be discussed: the causes of economic inequalities

    and its impacts to collective live.

    Keywords: multi-scalar economic inequalities; top incomes;

    Portugal.

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    FREDERICO CANANE

    Desigualdades econmicas multi-escalares:Portugal no contexto global

    INTRODUO

    As desigualdades econmicas so uma marca estrutural do mundo em quevivemos. Determinam hiatos de condies de existncia e de aspiraes sociaisentre populaes, e assumem-se como uma varivel central nos processosde estruturao das sociedades, que tm no s implicaes individuais oucategoriais, mas tambm coletivas. A necessidade de se compreender e mediras desigualdades econmicas deve-se ao facto de este fenmeno ser moral-mente significante, no sentido em que acerca dele se constroem considera-

    es de admissibilidade valorativa, e de existir uma progressiva conscinciada sua relevncia enquanto elemento estruturante dos processos polticos,econmicos e sociais de constituio das sociedades. Esta dupla relevnciadas desigualdades econmicas favoreceu a emergncia de uma vasta lite-ratura que problematiza um leque bastante alargado de eixos e dimensesanalticas, elegendo de forma isolada ou entrecruzada escalas analticas dife-renciadas.

    Realizar-se- neste artigo uma anlise multi-escalar das desigualdades

    econmicas, atravs da apresentao e debate de alguns dos principais eixosde problematizao deste fenmeno recentemente desenvolvidos pela lite-ratura especializada. Na primeira parte analisar-se- a magnitude e prin-cipais dinmicas da desigualdade econmica global; na segunda parte, aexposio ir centrar-se sobre as desigualdades econmicas internas nospases europeus, com especial nfase no caso portugus e no fenmeno daconcentrao dos rendimentos nos grupos que formam o topo da distribui-o; a seguir debater-se-o as principais formulaes em torno das causas

    explicativas das desigualdades econmicas; por ltimo, apresentar-se- umasntese de estudos e de contribuies tericas que defendem a tese de queas desigualdades econmicas tm impactos negativos multidimensionais na

    vida coletiva.

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    FREDERICO CANTANTE

    DESIGUALDADES ECONMICAS GLOBAIS

    O mundo cada vez mais um dos referentes empricos privilegiados do dis-curso poltico, meditico e cientfico. A escassez e distribuio dos recursos, os

    problemas ambientais, a interao entre as economias ou a fluidez do mercadode capitais so alguns dos fatores que tm potenciado este tipo de enfoque.Num mundo globalizado, baseado em interdependncias entre pases e orga-nizaes internacionais, as relaes e processos sociais estruturam-se tambma uma escala transnacional e transcontinental. Do ponto de vista analtico,a escala global tem-se vindo a impor como uma tela emprica privilegiada paraa decifrao e contextualizao da realidade. alvez por isso se tenha assistidonos ltimos anos ao aumento e aperfeioamento da produo de informao

    estatstica acerca do mundo ou de conjuntos mais ou menos alargados de pa-ses, mas tambm emergncia de perspetivas analticas cujo esforo de teori-zao e conceptualizao orientado para essa escala (Costa, a).

    Branko Milanovic um dos investigadores que nos ltimos anos mais setem destacado nesta rea. Um dos eixos analticos que o autor tem desenvolvidoprende-se com a medio, a partir de diferentes parmetros metodolgicos, dasdesigualdades de rendimento globais e sua evoluo. De acordo com o autor, seo indicador utilizado for o Produto Interno Bruto ()per capita, as desigual-

    dades que atualmente existem entre os pases so mais pronunciadas face aoverificado antes da Revoluo Industrial ou h trs dcadas atrs. al decorreessencialmente do baixo crescimento ou mesmo empobrecimento de alguns dospases mais pobres do mundo principalmente pases africanos. No entanto,se se tiver em linha de conta o peso populacional dos pases para analisar asdesigualdades de rendimento () que entre eles existem, essa tendncia j nose verifica, devido ao crescimento econmico da China e da ndia nas ltimasdcadas dois pases que juntos representam mais de da humanidade.

    Milanovic avana ainda com uma terceira opo, que consiste numa an-lise das desigualdades de rendimento entre cidados do mundo (Milanovic,).De acordo com as suas estimativas, o valor do coeficiente de Gini2paraa distribuio do rendimento a nvel global de , o que significa que a desi-gualdade de rendimento entre os cidados do mundo superior verificada

    Este nvel de anlise uma possibilidade relativamente recente e resulta de dados estatsti-

    cos referentes s populaes da maior parte dos pases do mundo, posteriormente agregados eharmonizados.

    2 Indicador sinttico de desigualdade na distribuio do rendimento que assume valoresentre (quando todos os indivduos tm igual rendimento) e (quando todo o rendimento seconcentra num nico indivduo). O coeficiente pode tambm variar entre e (). Para maisinformao ver glossrio de indicadores onlinedo Observatrio das Desigualdades.

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    no plano interno em todos os pases do mundo. Apenas a frica do Sul temum nvel interno de desigualdade econmica prximo deste valor. A amplitudeda desigualdade global sugerida por este valor sinttico ganha maior inteli-gibilidade se se recorrer a medidas estatsticas complementares: os e

    mais ricos do mundo detm, respetivamente, e do rendimento global,enquanto os e mais pobres apenas , e ,; o rendimento dos ,mais ricos equivale ao rendimento dos mais pobres; os mais pobresdos Estados Unidos situam-se no percentil da distribuio global do rendi-mento ao qual pertencem os mais ricos da ndia; entre o grupo dos mais ricos do mundo provm da Europa Ocidental, da Amrica do Norte eda Ocenia e dele no fazem parte, em nmero significativo, indivduos prove-nientes da China ou da ndia; entre o grupo dos mais ricos do mundo cerca

    de provm destas trs regies dos milhes de cidados do mundoque compem o percentil do topo da distribuio global do rendimento, cercade metade ( milhes) provm dos Estados Unidos (idem, pp. , e ).

    Outros autores tm tambm procurado medir este fenmeno. De acordocom Korzeniewicz e Moran (, pp. -), toda a populao da Noruegapertence ao decil do topo da distribuio global do rendimento, o mesmoacontecendo com os mais ricos dos Estados Unidos. Por seu lado, os mais pobres dos Estados Unidos integram o segundo decil mais rico da distri-

    buio global do rendimento. J da populao do Zimbabu se inclui nostrs decis da base da distribuio global do rendimento nos dois primei-ros decis. Segundo Bourguignon (, p. ), no incio da segunda metadeda dcada de , o rendimento dos mais ricos do mundo era vezessuperior ao dos mais pobres, ou seja, enquanto os milhes de indi-

    vduos mais ricos do mundo dispunham em mdia de euros por ano,esse valor no ia alm dos euros para os milhes mais pobres (idem).

    Existe, neste sentido, uma concentrao desproporcionada da populao

    dos pases ocidentais no topo da distribuio global do rendimento. Se ver-dade que nas ltimas dcadas se assistiu de forma intensa e generalizada aoaumento das desigualdades de rendimento no interior dos pases mais desen-

    volvidos (, e ), a amplitude das desigualdades econmicas bem maior quando se comparam populaes pertencentes a pases com nveisde desenvolvimento diferenciados:

    H menos diferenas entre o nvel de vida de um americano rico e o de um americano

    pobre do que entre o nvel de vida de um americano mdio e o de um somali mdio3

    [Bourguignon, , p. ].

    3 raduo prpria.

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    FREDERICO CANTANTE

    As desigualdades globais so, portanto, ainda muito acentuadas e regiesh que no tm acompanhado os progressos gerais. Os pases mais pobres dosdias de hoje, quase todos africanos, so mais pobres do que os seus homlo-gos de h vinte anos (idem, p. ). Apesar da deteriorao da situao deste

    grupo de pases mais pobres, vrios estudos tm vindo a defender que as desi-gualdades econmicas escala global tenderam a diminuir (Bourguignon,; , ) ou a estabilizar (Milanovic, ), dependendo das meto-dologias usadas para medir essa evoluo. A perspetiva analtica de Milanovic bastante ilustrativa acerca das dinmicas em causa neste processo. Segundodefende, as desigualdades econmicas entre cidados do mundo tm estadorelativamente estacionrias nos ltimos anos, devido conjugao de ten-dncias de sinal contrrio. al como foi referido, o aumento do rendimento

    mdio em pases muito populosos como a China ou a ndia tem potenciado areduo destas disparidades. No entanto, no s o hiato entre a riqueza agre-gada dos pases tem crescido (), como as desigualdades de rendimentono seu interior se tm aprofundado em muitos casos. Isto verifica-se no sno permetro da , mas tambm em pases emergentes como a China, andia, a frica do Sul ou a Rssia, nos quais o aumento do nvel de rendimentomdio tem sido acompanhado pela crescente desigualdade na distribuiodesse recurso econmico.

    A amplitude das desigualdades de rendimento continua, portanto, a sermais pronunciada quando se comparam populaes ou grupos populacionaispertencentes a pases com diferentes nveis de desenvolvimento. Porm, nomdio e longo prazo, se o processo de aproximao das economias emergentesem relao ao nvel de riqueza das economias dos pases desenvolvidos perma-necer constante ou conhecer uma intensificao, provvel que a amplitudedas desigualdades se venha a basear essencialmente nas diferenas entre ricose pobres no interior dos pases. Neste sentido, pode equacionar-se um cenrio

    em que a desigualdade entre norte-americanos e chineses ser progressiva-mente substituda pela desigualdade entre ricos e pobres norte-americanos ericos e pobres chineses4 (Bourguignon, , p. ). Esse cenrio depender,no entanto, da forma como a riqueza gerada vai ser internamente distribuda.No limite, tal como refere Milanovic () a propsito da China, se o cresci-mento econmico dos pases em desenvolvimento no atenuar as desigualda-des internas bastante pronunciadas atualmente existentes em muitos deles, oumesmo se as acentuar, h a possibilidade de as desigualdades de rendimento

    entre cidados do mundo virem a aumentar no futuro. Cada vez mais, tantoas desigualdades intranacionais como as desigualdades internacionais faro

    4 raduo prpria.

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    parte intrnseca da composio das desigualdades globais (Costa, b,p. ).

    Nesta seco elegeu-se a escala global como o referente emprico privile-giado para uma primeira aproximao ao fenmeno das desigualdades econ-

    micas e da concentrao do rendimento. No ponto seguinte o enfoque analticodirigir-se- para a escala nacional, mais concretamente para as desigualdadeseconmicas internas nos pases da Unio Europeia e para o fenmeno da con-centrao do rendimento no topo da distribuio desse recurso econmico.Esse zoomser intensificado na anlise dos ganhos salariais de um dos pasesmais desiguais do mundo ocidental: Portugal.

    DESIGUALDADES INTERNAS NOS PASES EUROPEUS

    E OS GANHOS DO TOPO EM PORTUGAL

    al como foi atrs evidenciado, o fenmeno das desigualdades econmicas bastante pronunciado quando se tem como unidade de anlise o globo.Os grandes hiatos na distribuio do rendimento correspondem a desigual-dades categoriais de nacionalidade (illy, ), a oposies entre cidadosde pases ricos e cidados de pases pobres. Apesar desta evidncia, vriosestudos tm vindo a chamar a ateno para o aumento expressivo, verificado

    nas ltimas dcadas, das desigualdades econmicas internas no seio dos pasesmais desenvolvidos do mundo. Entre meados dos anos do sculo passado eo final da primeira dcada do sculo , o aumento mdio das desigualdadesinternas nos pases da foi de cerca de (, ). No entanto,nem todos os pases seguiram esta tendncia nem to pouco a magnitude dassuas desigualdades internas assume a mesma dimenso.

    Em relao a esta segunda questo, e circunscrevendo a anlise a paseseuropeus, constata-se que o nvel de desigualdade interna , de facto, bastante

    varivel. O valor do coeficiente de Gini5

    nos pases da - variava, em ,entre , na Letnia e , na Eslovnia. Se as desigualdades internasforem medidas atravs de rcios de quantis, verifica-se igualmente a existnciade realidades bastante diferenciadas: enquanto em Espanha o rendimento dis-ponvel por adulto equivalente6(ou familiar) dos mais ricos era quase ,

    5 O coeficiente de Gini assume o valor quando todos os indivduos tm um rendimento

    igual, e (ou ) quando todo o rendimento se concentra num nico indivduo. Este ndicemede, portanto, a disperso dos rendimentos tendo como cenrio hipottico de referncia uma

    situao de igualdade perfeita, sendo particularmente sensvel aos rendimentos mais prximosdos rendimentos mdios (Rodrigues, ) e menos sensvel s disparidades nos dois extremosda distribuio.6 V. Cantante ().

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    FREDERICO CANTANTE

    vezes superior ao dos mais pobres, na Repblica Checa e na Eslovnia essevalor era de ,; e se em Espanha o rendimento dos mais ricos era quase vezes superior ao dos mais pobres, na Eslovnia esse valor era de ,.

    As disparidades do nvel de desigualdade interna escala europeia so tam-

    bm bastante pronunciadas quando se analisam pores do rendimento detidopor quantil. Veja-se, por exemplo, que enquanto em Portugal a poro do ren-dimento familiar disponvel dos e mais ricos representava, em ,, e , do total do rendimento dos agregados domsticos, estes valoreseram de , na Noruega e de , na Sucia e na Eslovnia, respetivamente.

    Portugal era, de facto, em , o pas da que apresentava um nvel maiselevado de concentrao do rendimento familiar no grupo dos , e mais ricos. endo em conta este facto, e dado que o fenmeno da concentrao

    do rendimento no topo da distribuio uma das mais relevantes dinmicasque subjazem ao aumento das desigualdades econmicas nos pases desenvol-

    vidos (, ), interessante do ponto de vista analtico ampliar aindamais o zoom sobre a distribuio dos recursos econmicos, e circunscreveragora a anlise apenas a um pas (Portugal) e a um tipo de recurso econmicoparticular: os rendimentos do trabalho.

    A figura ilustra o volume do ganho mensal ilquido em Portugal no anode por percentil.7Os com pior remunerao auferiam um ganho

    mensal inferior a euros, o ganho mediano era de euros e apenas apartir do percentil que os salrios atingiam os euros mensais.O limite inferior do ganho salarial dos mais ricos era cerca de eurose o dos de . Estes so valores considerveis se comparados com oganho dos quantis da base da distribuio ou com o valor mediano deste indi-cador, mas ainda assim no descolam drasticamente do panorama remunera-trio nacional ilustrado na figura . No interior do grupo dos mais ricos hum aumento mais acentuado do volume dos ganhos mensais, especialmente a

    partir do percentil : euros. Este valor cerca de duas vezes superior aoganho da base do percentil e , vezes superior ao ganho mediano. Aindaassim nos percentis seguintes que o hiato salarial face ao ganho medianoatinge uma dimenso mais pronunciada: o ganho do percentil ( euros),por exemplo, , vezes superior ao salrio mediano. A ordem de grandezados ganhos salariais das fraes de percentil que integram o grupo dos mais bem remunerados redimensionam, porm, a magnitude deste hiato eco-nmico isso explica o facto de o valor do ganho mensal do percentil do topo

    (o percentil ) no ser apresentado nesta figura.

    7 Para uma anlise mais desenvolvida acerca dos rendimentos do topo da distribuio emPortugal v. Cantante () e Alvaredo ().

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    QUADRO

    Desigualdade na distribuio do rendimento familiar dis-ponvel nos pases da UE-27 (coeficiente de Gini e rcioentre quantis) (200)

    Gini (%) S90/S0 S80/S20

    Letnia 35,2 2,4 6,6

    Bulgria 35, ,4 6,5

    Portugal 34,2 9,4 5,7

    Espanha 34,0 4,9 6,8

    Grcia 33,6 ,0 6,0

    Romnia 33,2 0,9 6,2

    R. Unido 33,0 9,0 5,3

    Litunia 32,9 0,5 5,8

    Itlia 3,9 0,5 5,6

    Estnia 3,9 9,2 5,3

    Polnia 3, 8, 5,0

    Frana 30,8 7,4 4,6

    Alemanha 29,0 7,2 4,5

    Chipre 28,8 6,3 4,3

    Dinamarca 27,8 9,5 4,4

    Malta 27,4 5,9 4,

    Luxemburgo 27,2 5,9 4,0

    Hungria 26,9 5,7 3,9

    ustria 26,3 5,9 3,8

    Blgica 26,3 5,9 3,9Holanda 25,8 6, 3,8

    Finlndia 25,8 5,4 3,7

    Eslovquia 25,7 6,0 3,8

    R. Checa 25,2 5,3 3,5

    Sucia 24,4 5,5 3,6

    Eslovnia 23,8 5, 3,5

    UE-27 30,7 8,3 5,

    Fonte: Statistics on Income and Living Conditions, EU-SILC 20(Eurostat).

    Nota: Pases organizados por ordem decrescente de acordo com o resul-

    tado obtido para o coeficiente de Gini.

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    QUADRO 2

    Poro do rendimento familiar disponvel detido pelos quantis do topoda distribuio, pases da UE-27 e outros pases europeus (200)

    20% mais ricos 0% mais ricos 5% mais ricos

    Portugal 42,2 27,2 7,

    Letnia 42,0 26,3 6,2

    Bulgria 4,7 26,3 6,6

    Irlanda 4,2 26,2 6,9

    Reino Unido 40,8 26, 6,8

    Grcia 40,3 25,3 5,8

    Espanha 39,9 23,9 4,Frana 39,9 25,9 6,9

    Litunia 39,9 24,2 4,2

    Romnia 39,7 23,9 4,3

    Estnia 39,5 23,9 4,0

    Polnia 39, 24,4 5,

    Itlia 39,0 24,2 4,9

    Crocia 38,3 22,9 3,5

    Sua 38,2 24,0 5,2

    Chipre 37,9 23,3 4,4

    Alemanha 37,4 22,9 4,

    Malta 36,4 2,9 3,

    Hungria 36,3 2,8 2,9

    Luxemburgo 36,2 2,7 3,0

    Dinamarca 36,0 2,9 3,8

    ustria 35,8 2,9 3,3

    R. Checa 35,6 2,8 3,3

    Finlndia 35,4 2,4 3,

    Holanda 35,3 2,3 2,8

    Blgica 35,2 2, 2,7

    Eslovquia 35, 2,0 2,6Islndia 34,0 20,5 2,7

    Sucia 33,8 9,8 ,6

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    A figura contm informao detalhada para o ganho mensal de vriasfraes de percentil do grupo dos de trabalhadores mais bem remunera-dos. O ganho da frao de percentil , era de euros. O da frao ,aproximava-se dos euros. Este valor duplicado quando se atenta no

    ganho da frao de percentil , ( euros), que cerca de vezessuperior ao ganho mediano. O prximo degrau da escada dos ganhos mensais,referente frao de percentil ,, corresponde a uma nova multiplicaoda grandeza deste indicador: euros, , vezes superior ao ganho do

    20% mais ricos 0% mais ricos 5% mais ricos

    Eslovnia 33,7 9,8 ,6

    Noruega 33,2 9,6 ,8

    UE-27 38,7 24,0 4,9

    Fonte: Statistics on Income and Living Conditions, EU-SILC 20(Eurostat).

    Nota: Os dados da Irlanda so referentes a 2009.

    FIGURA

    Ganho mensal (em euros) por percentil da distribuio, Portugal (2009)

    Fonte: Quadros de Pessoal, MSS/GEP (2009).

    Nota : Clculos do autor a partir dos microdados anonimizados. Valores do ganho so ilquidos.

    Nota 2: O valor do ganho salarial dos % do topo da distribuio muito superior em relao ao dos demaispercentis, inclusive face ao ganho do percentil 99. Da o facto de essa barra estar truncada.

    1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95

    450 492543

    741

    1298

    1874

    2568

    4644

    6000

    5000

    4000

    3000

    2000

    1000

    0

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    percentil e vezes superior ao valor do ganho mediano. O ganho da fra-o de percentil , cerca de trs vezes superior ao ganho da frao depercentil ,, , mais elevado do que o ganho do percentil e vezessuperior ao ganho mediano.

    Os dados anteriores indicam que existia em um grande fosso eco-nmico entre os grupos de trabalhadores mais bem remunerados, em parti-cular os que integram o percentil do topo da distribuio, e a generalidadedos assalariados. Esse hiato particularmente desproporcionado em relao base da distribuio e ao seu ponto intermdio, embora se verifique tambmuma enorme diferena em relao aos ganhos salariais dos percentis ou .Os ganhos do percentil , ou mesmo do percentil so comparativa-mente elevados face ao observado na base e no meio da distribuio, mas nos

    limites das fraes do percentil do topo que se observa o grande fosso econ-mico na estrutura de distribuio dos ganhos salariais em Portugal.

    Estes dados apontam para uma grande concentrao dos ganhos sala-riais na parte superior da distribuio. De acordo com Rodrigues, Figueirase Junqueira (, p. ), enquanto os com pior remunerao auferiam,em , , do total deste recurso econmico, no caso dos , , ,,, , e , mais bem remunerados essa poro era de, respetivamente,,, ,, ,, ,, , e ,. Se a poro do ganho total aufe-

    rido pelos com pior remunerao diminuiu , entre e , essevalor aumentou, respetivamente, ,, ,, ,, ,, , e ,nos quantis do topo mencionados. Ou seja, quanto mais prximo do topo dahierarquia econmica est um quantil de ganho, maior o aumento relativo daporo por si auferida entre e . No caso da frao de percentil ,essa poro mais do que duplicou.

    Os dados at aqui analisados dizem respeito a grupos econmicos desca-racterizados do ponto de vista do seu perfil socioprofissional. precisamente

    essa informao que se apresentar nos grficos seguintes.Na figura possvel observar a composio de vrios quantis de ganho

    salarial de acordo com o nvel de escolaridade dos trabalhadores. Em todosos quantis da parte superior da distribuio do ganho apresentados existeuma predominncia dos trabalhadores com habilitaes escolares de nvelsuperior. Essa predominncia menos vincada no grupo dos mais bemremunerados, mas intensifica-se nos quatro grupos seguintes. Entre os ,mais bem remunerados, , concluram o ensino superior, , con-

    cluram no mximo o ensino secundrio e , no foram alm do ensinobsico. Curiosamente, o peso relativo dos trabalhadores com o ensino superiordiminui nas duas fraes de percentil mais prximas do topo da distribuioapresentadas na figura, o que indicia que o tipo de atividades econmicas que

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    FIGURA 2

    Ganho mensal (em euros) dos quantis do topo da distribuio, Portugal (2009)

    Fonte: Quadros de Pessoal, MSS/GEP (2009).

    Nota: Clculos do autor a partir dos microdados anonimizados. Valores do ganho so ilquidos.

    FIGURA 3

    Composio dos grupos do topo da distribuio dos ganhos salariais,por nvel de escolaridade, Portugal (2009)

    Fonte: Quadros de Pessoal, MSS/GEP (2009).

    Nota: Clculos do autor a partir dos microdados anonimizados. Valores do ganho so ilquidos.

    1.298

    80 90 95 96 97 98 99 99.5 99.6 99.7 99.8 99.9 99.99 99.999 99.9999

    1.874 2.568 2.817 3.149 3.661 4.644 5.800 6.230 6.893 7.878

    9.76919.208

    58.652

    173.155

    20%mais ricos

    10%mais ricos

    5%mais ricos

    1%mais ricos

    0,5%mais ricos

    0,1%mais ricos

    0,01%mais ricos

    90%

    80%

    70%

    60%

    50%

    40%

    30%

    20%

    10%

    0

    Ensino bsicoEnsino secundrioEnsino superior

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    FREDERICO CANTANTE

    desempenham est menos associada posse de recursos escolares ( dostrabalhadores do grupo dos , mais ricos concluiu no mximo o ensinobsico). Num mercado de trabalho em que cerca de da populao mdiaempregada em no tinha ido alm do . ano (Carmo, Cantante e Baptista,

    , p. ), bastante interessante verificar que nos grupos da parte superiorda distribuio do ganho salarial exista uma clara prevalncia dos trabalhado-res com habilitaes escolares de nvel superior.

    Como seria de esperar, alm de altamente escolarizados, os trabalhadoresque integram estes quantis do topo situam-se nos grupos profissionais maisqualificados e/ou desempenham funes de direo. Esta tendncia menosevidente quando se analisam os grandes grupos dos e mais bemremunerados, os quais so constitudos maioritariamente por cnicos e

    Profissionais de Nvel Intermdio. No grupo dos mais bem remuneradosexiste j uma ligeira prevalncia dos Quadros Superiores da AdministraoPblica, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresas (Quadros Superiorese Dirigentes) e dos Especialistas das Atividades cnicas e Cientficas. Nosquantis seguintes verifica-se um predomnio bastante acentuado dos QuadrosSuperiores e Dirigentes em relao aos demais grupos profissionais. No grupodos , mais bem remunerados representam mesmo , dos trabalhado-res. al como foi referido atrs em relao composio escolar destes gru-

    pos, tambm aqui existe uma clara desproporo do peso relativo dos gruposprofissionais mais qualificados e/ou que exercem funes de direo face ao

    verificado na estrutura nacional dos grupos profissionais: apenas , dos tra-balhadores por conta de outrem do setor privado ou do setor pblico comcontrato individual de trabalho integravam, em , o grupo profissional dosQuadros Superiores e Dirigentes (/, , p. ).

    Outra perspetiva analtica passvel de ser usada para delinear o perfilsocioprofissional dos trabalhadores que auferem ganhos salariais muito eleva-

    dos consiste em apurar quais as categorias profissionais em que uma parcelasignificativa dos seus elementos pertence a um quantil do topo da distribui-o. Na figura selecionaram-se as categorias profissionais em que pelo menos dos trabalhadores que as integram se situam no grupo dos mais bemremunerados.

    As duas categorias profissionais em que mais de metade dos seus efetivosintegra o percentil do topo dos ganhos salariais so os Pilotos de Avio e ra-balhadores Similares e os Controladores de rfego Areo: , e ,, res-

    petivamente. Segue-se-lhe a categoria dos Diretores-Gerais (,). Os gruposprofissionais que exercem funes de direo-geral ou setorial nas empresasso, alis, os que registam em maior nmero elevados nveis de concentraodos seus efetivos no grupo dos mais bem remunerados. Veja-se que dez

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    FIGURA 4

    Composio dos grupos do topo da distribuio dos ganhos salariais por grupoprofissional, Portugal (2009)

    Fonte: Quadros de Pessoal, MSS/GEP (2009).Nota: Clculos do autor a partir dos microdados anonimizados. Valores do ganho so ilquidos.

    FIGURA 5

    Peso relativo da pertena ao % do topo da distribuio dos ganhos salariaispor grupo profissional, Portugal (2009)

    Fonte: Quadros de Pessoal, MSS/GEP (2009).

    Nota: Clculos do autor a partir dos microdados anonimizados. Valores do ganho so ilquidos.

    20%mais ricos

    10%mais ricos

    5%mais ricos

    1%mais ricos

    0,5%mais ricos

    0,1%mais ricos

    0,01%mais ricos

    80%

    70%

    60%

    50%

    40%

    30%

    20%

    10%

    0

    Tcnicos e profissionais

    de nvel intermdio

    Especialista das atividades

    intelectuais e cientficas

    Quadros superiores

    e dirigentes

    Agricultores e PQAPPessoal dos servios

    e vendedores

    Pessoal administrativo

    e similares

    Trabalhadores

    no qualificados

    Operadores de instalaes

    e mquinas

    Operrios e artfices

    70%

    60%

    50%

    40%

    30%

    20%

    10%

    0%

    Atletas,desp

    ortistas

    etrab

    .sim

    ilares

    Mdic

    os

    Direto

    resdec

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    o

    Diret.

    prod.e

    explo

    .n/classi

    f.out.

    parte

    Oficiais

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    agem

    Diret.serv.

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    Diret.

    trans.,

    entre

    posto

    setelec

    om.

    Diret.

    public

    idade

    erel

    aesp

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    as

    Diret.serv

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    Diret.

    rec.huma

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    come

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    o

    Diretores

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    Controlad

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    Pilotosd

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    ilares

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    FREDERICO CANTANTE

    das quinze categorias profissionais em que pelo menos dos seus efeti-vos integram o percentil do topo do ganho salarial tm esse perfil funcional.No universo das categorias profissionais em causa na figura , importa subli-nhar tambm a presena dos Oficiais de Pilotagem (,), dos Mdicos

    (,) e dos Atletas, Desportistas e rabalhadores Similares (,).Se verdade que as desigualdades econmicas a nvel global so mais pro-

    fundas quando comparadas com as desigualdades internas, estas so tambmbastante expressivas em pases como Portugal. O crescente hiato remunerat-rio entre uma parcela nfima da populao do pas e a sua esmagadora maio-ria cria um fosso econmico bastante amplo na sociedade portuguesa, o qualdificilmente compensado pela ao redistributiva do Estado. Perante a mag-nitude da desigualdade econmica multi-escalar que tem vindo a ser descrita,

    importa questionar de forma integrada as suas causas explicativas. isso quese ir levar a cabo no ponto seguinte.

    AS CAUSAS DA DESIGUALDADE ECONM ICA

    No fcil definir as causas que explicam as desigualdades econmicas, muitomenos quando se procuram debater referentes empricos e escalas analticasdiferenciadas. No plano global, Acemoglu e Robinson () desenvolveram

    uma interessante proposta institucionalista de explicao das desigualdadesexistentes entre pases ricos e pases pobres. De acordo com os autores, os pa-ses que tm instituies polticas e econmicas inclusivas, tendem a pros-perar, enquanto os que tm instituies polticas e econmicas extrativas, odesenvolvimento econmico e o bem-estar das populaes condicionado.Em sociedades com Estados centralizados e regimes polticos pluralistas aordem legal e as orientaes polticas dos governos refletem os anseios e inte-resses dos vrios grupos que a compem, e no apenas os de uma minoria

    mais ou menos restrita. Essa ordem poltica e legal potencia e potenciadapor instituies econmicas que favoream a livre iniciativa e a aposta na ino-

    vao tecnolgica. Pelo contrrio, nas sociedades tipicamente marcadas porinstituies extrativas, o poder poltico controlado por um elite que tendea limitar no s a expresso da pluralidade de posies polticas, mas tam-bm a legitimar e reproduzir as condies de apropriao por uma minoria dariqueza coletiva gerada. Estas dinmicas so denominadas crculos virtuosose viciosos (idem), respetivamente. Os autores rejeitam que as desigualdades

    globais possam ser explicadas por razes culturais, geogrficas ou pela igno-rncia das elites, propondo, portanto, uma interpretao institucionalista dosprocessos de produo das desigualdades escala global, baseada ao mesmotempo na admisso da contingncia desses processos e na defesa das suas

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    condies sociais, polticas, econmicas e tecnolgicas de possibilidade. Essascontingncias e condies podem ser eminentemente internas, mas podemtambm decorrer de processos que se estruturam escala internacional e quese imbricam com a realidade social, poltica e econmica de um dado pas.

    O colonialismo e as suas diferentes formas de concretizao so disso um bomexemplo. Esta teoria ope, portanto, os pases de acordo com a natureza das suasinstituies e explica as desigualdades globais a partir da interao da histriacom a histria institucional dos pases. al como foi anteriormente referido, asdesigualdades entre cidados de pases pobres e de pases ricos continuam a sermais intensas do que as que se verificam ao nvel interno, podendo esta apro-ximao terica ser uma boa ferramenta analtica para interpretar esse fosso.

    Outro fenmeno que tambm tem merecido o esforo analtico dos cien-

    tistas sociais prende-se com as desigualdades econmicas internas e sua evo-luo no passado recente em pases que se caracterizam por ter instituiespolticas e econmicas tipicamente inclusivas. De facto, pases com institui-es polticas inclusivas tm produzido estruturas sociais cada vez mais desi-guais, gerado hiatos de condies de existncia cada vez mais pronunciadosentre uma minoria da populao e a sua grande maioria. Vrias tm sido aspropostas analticas para a explicao da evoluo das desigualdades econ-micas internas neste conjunto de pases.

    Uma das formulaes que mais ateno e debate mereceu na literaturaespecializada foi a da corrida entre tecnologia e qualificaes. De acordo coma verso tradicional ou cannica desta perspetiva, se as tecnologias aumen-tarem mais a produtividade dos trabalhadores com qualificaes elevadas doque a dos que no tm esse perfil qualificacional, e se o nmero de trabalha-dores altamente qualificados no acompanhar a procura, ento o seu prmioremuneratrio vai subir, tal como as desigualdades econmicas a tecnologia(potenciadora de desigualdade) avanaria, neste caso, mais do que as qualifi-

    caes (mitigadoras de desigualdade). Segundo Anthony B. Atkinson (),a evoluo das desigualdades salariais nos pases da poder, de facto, serparcialmente explicada a partir desta perspetiva analtica.

    Na sua verso reformulada (nuanced view, na denominao deKierzenkowski e Koske, ), esta perspetiva defende que os ganhos deprodutividade associados aos computadores e s mquinas, tal como os pro-cessos de offshoring, implicaram a diminuio da procura de trabalhadorescom qualificaes intermdias que tipicamente desempenham tarefas roti-

    neiras (operariado, trabalho administrativo, contabilidade, vendas), passveisde serem substitudas por tecnologia ou por trabalhadores de outros pases.Pelo contrrio, valorizaram do ponto de vista remuneratrio os trabalhadoresaltamente qualificados, capazes de se adaptarem mudana tecnolgica e de

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    FREDERICO CANTANTE

    desempenharem tarefas abstratas no rotineiras (gestores, profissionais libe-rais, ocupaes tcnicas, cientficas e criativas), mas tambm os trabalhadorescom poucas qualificaes que desempenham tarefas manuais no rotineirasno setor dos servios, as quais requerem essencialmente capacidades de adap-

    tao interpessoal e ambiental e no so passveis de ser realizadas por mqui-nas ou atravs de offshoring(Acemoglu e Autor, ; Autor, Levy e Murnane,).

    Subjacente a estas formulaes analticas est a ideia de que a integraocomercial, mas tambm financeira, num mundo globalizado tem implicaesno tipo de mo-de-obra procurada a nvel interno e nos prmios ou penaliza-es salariais associadas a esta dinmica. O estudo Divided We Stand.Why Ine-quality Keeps Rising(, ) conclui que a abertura dos pases da ao

    comrcio internacional e s transaes financeiras poucos ou nenhuns efeitostiveram, em termos agregados, na evoluo das suas desigualdades internas.Refere-se, contudo, que o aumento das importaes provenientes de pasesemergentes tende a aumentar as desigualdades nos pases da com legis-laes de proteo do trabalho fracas, mas tambm que o investimento diretoestrangeiro recebido diminui as desigualdades salariais internas, enquanto oinvestimento direto noestrangeiro tende a ter um efeito inverso. Embora con-sidere que as mudanas tecnolgicas tenham tido algum impacto no aumento

    das desigualdades econmicas internas dos pases da , esse e outros estu-dos defendem que os principais fatores explicativos so de ordem institucionale qualificacional.

    No que aos fatores institucionais diz respeito, importa distinguir, por umlado, as polticas e as instituies que regulam o mercado de trabalho, dasquestes de redistribuio por via das transferncias e impostos, por outro.Em relao s primeiras, o estudo conclui que os baixos nveis de sindicaliza-o e de contratao coletiva, a legislao laboral mais flexvel e menor regu-

    lao setorial da economia tendem a favorecer o aumento das desigualdadeseconmicas (, , p. ). Este e outros estudos (, ) tm vindoa chamar a ateno para a menor capacidade demonstrada pelas instituiese polticas que regulam o mercado de trabalho (sindicatos, salrio mnimo,perfil contratual dos trabalhadores) para reduzir o aumento das desigualdadeseconmicas internas nos pases mais desenvolvidos.

    Quanto s polticas de redistribuio monetria por via de prestaes edos impostos, interessa tambm elencar vrias tendncias e processos. Embora

    entre meados dos anos e do sculo passado tenha existido um aumentoexpressivo das desigualdades econmicas de mercado (desigualdades pr--redistribuio) nos pases da , a ao redistributiva do Estado compen-sou quase desse fenmeno (Immervoll e Richardson, , p. ; Kenworthy

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    e Pontusson, ). Na dcada seguinte as desigualdades de mercado conhe-ceram uma ampliao mais modesta, mas a eficcia da ao redistributiva doEstado diminuiu bastante, o que contribuiu para um aumento significativodas desigualdades de rendimento disponvel. De acordo com Immervoll e

    Richardson (), se at meados dos anos de o aumento das desigualda-des econmicas decorreu primordialmente da intensificao das desigualdadesde rendimento de mercado, na dcada seguinte tal deveu-se principalmente ineficcia dos sistemas redistributivos. Em termos gerais, segundo estesautores, o aumento das desigualdades de mercado num conjunto de pasesda 8 foi duas vezes superior redistribuio do rendimento.9No finalda primeira dcada do sculo , estima-se que as transferncias sociais, osimpostos sobre os rendimentos e as contribuies para a segurana social per-

    mitiam diminuir em cerca de a desigualdade econmica de mercado nouniverso de pases da , sendo que dessa reduo se deve s transfern-cias sociais para os agregados domsticos e o restante aos impostos (Joumard,Pisu e Bloch, ).

    O aumento das desigualdades de rendimento deveu-se, em grande medida, crescente concentrao desse recurso no topo da distribuio e ao enquadra-mento fiscal desta tendncia. De facto, os sistemas fiscais foram desafiados peloaumento da magnitude das desigualdades de rendimento bruto ou de mer-

    cado, que avolumaram o nvel de concentrao deste recurso nos grupos queformam o topo da distribuio, nomeadamente no percentil e fraes de per-centil do topo. Esta tendncia foi mais pronunciada nos pases anglo-saxni-cos, mas verificou-se tambm, de forma menos intensa, nos do sul e norte daEuropa na Europa central e no Japo esse fenmeno foi menos evidente ounulo (Atkinson, Piketty e Saez, ). Este processo de concentrao do ren-dimento no topo da distribuio deve-se a dinmicas variadas e nem sempreconfluentes no universo dos pases ocidentais. Apesar de, no quadro dos ren-

    dimentos nacionais, a poro dos rendimentos do trabalho ter diminudo nasltimas dcadas face poro dos rendimentos de capital (, ; ,a), na maior parte dos pases mais desenvolvidos o aumento da concen-trao do rendimento no percentil do topo da distribuio deveu-se ao incre-mento da componente salarial e remuneratria. Por esta via, a importncia

    8 Austrlia, Canad, Dinamarca, Finlndia, Alemanha Ocidental, Israel, Holanda, Noruega,Sucia, Sua, Reino Unido e Estados Unidos.

    9 Esta concluso tem como referncia emprica a populao em idade ativa. Segundo outrosautores, se se tiver em linha de conta o total da populao, nomeadamente os reformados, aeficcia redistributiva do Estado aumentou entre meados da dcada de do sculo passadoe meados da primeira dcada de (Caminada, Goudswaard e Wang, ).

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    FREDERICO CANTANTE

    relativa dos rendimentos do trabalho no percentil do topo mais elevadana atualidade do que no incio do sculo (Atkinson, Piketty e Saez, ,p. ). Nos pases do norte da Europa, por seu lado, a crescente concentraodo rendimento no percentil e fraes de percentil do topo est principalmente

    associada aos rendimentos de capital (Atkinson, Piketty e Saez, , p. ).As desigualdades econmicas tm, portanto, sido potenciadas por duas

    foras de divergncia na distribuio do rendimento: as remuneraes dotrabalho muito elevadas de grupos profissionais restritos; o aumento do valordo capital ou do patrimnio privado face ao rendimento nacional (Piketty,). De acordo com Piketty, este segundo fenmeno a fora divergentefundamental e baseia-se no facto de, em vrios pases da , as taxas de ren-tabilidade do capital (lucros, dividendos, mais-valias, rendas, patrimnio imo-

    bilirio) serem superiores taxa de crescimento do rendimento nacional.Essa foi a regra at ao sculo e poder voltar a ser no sculo . al tem

    vrias implicaes perversas, em particular a reproduo intergeracional dariqueza e do rendimento familiar, pela qual os patrimnios herdados domi-nam largamente os patrimnios constitudos ao longo de uma vida de trabalho()0(idem, p. ).

    Se verdade que o aumento da concentrao do rendimento no topo dadistribuio coloca desafios aos sistemas fiscais, a fiscalidade em si um fator

    incentivador dessa tendncia. De acordo com Alvaredo et al. (), existeuma forte correlao entre a reduo das taxas de imposto marginais apli-cveis aos rendimentos do topo e o aumento percentual da concentrao dorendimento no grupo dos mais ricos. De acordo com a anlise que estesautores levaram a cabo para um conjunto de pases pertencentes ,

    verificou-se que os pases em que as taxas de imposto marginais aplicveis aosrendimentos mais elevados registaram uma descida mais significativa desdea dcada de (em Portugal a partir de ) tendem a ser aqueles em

    que a poro do rendimento antes de impostos detida pelos do topo maisaumentou. Os autores rejeitam que esta tendncia se deva diminuio daevaso fiscal decorrente da baixa de impostos, ao aumento dos estmulos fis-cais produtividade de certos grupos profissionais, ou narrativa em tornodas mudanas tecnolgicas e da procura por mo-de-obra qualificada empases com nveis tecnolgicos e de produtividade semelhante a evoluo daconcentrao do rendimento no topo foi bastante diferenciada. Defendem queum dos fundamentos principais da relao entre a baixa de impostos nos esca-

    les mais elevados e a ampliao dos rendimentos dos mais ricos, se prendecom o aumento dos incentivos que esse quadro fiscal mais favorvel introduz

    0 raduo prpria.

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    DESIGUALDADES ECONMICAS MULTIESCALARES

    na negociao de condies contratuais vantajosas, por parte dos executivos edirigentes das empresas e de outros grupos profissionais.

    ambm a desigualdade no enquadramento fiscal dos rendimentos do tra-balho e de capital um fator que favorece a concentrao do rendimento. Por

    um lado, os rendimentos de capital, auferidos em grande parte pelos quantismais ricos, tm nveis de taxao mais baixos do que os impostos sobre osrendimentos do trabalho, o que tem limitado a progressividade dos sistemasfiscais (Joumard, Pisu e Bloch, ). Por outro, apesar do tendencial aumentoda progressividade dos impostos sobre o trabalho que permitiu reduzir umaparte do rendimento disponvel dos rendimentos do topo , verificou-se umadiminuio da taxao dos rendimentos do capital, da riqueza e das heranasem bastantes pases, o que contribuiu para a reduo do alcance redistributivo

    dos sistemas fiscais (idem).Adicionalmente, a fraude e a evaso fiscal (, ), os sistemas de

    benefcios fiscais em reas como a sade, educao, habitao ou dos segurosde reforma que beneficiam desproporcionalmente os indivduos ou agrega-dos domsticos da parte superior da distribuio do rendimento (Joumard,Pisu e Bloch, ; , ) , bem como os regimes derrogatrios enichos fiscais aplicveis aos rendimentos de capital (Landis, Piketty e Saez,, p. ), tm contribudo para a diminuio do alcance redistributivo da

    fiscalidade.Quanto aos fatores qualificacionais, o estudo Divided We Standsustenta

    que o aumento da proporo de trabalhadores com qualificaes de nvelsuperior reduz em cerca de o aumento da desigualdade econmica entre os mais ricos e os mais pobres associado s mudanas institucionais etecnolgicas (, , p. ). O hiato de desigualdade econmica entretrabalhadores qualificados e no qualificados , na verdade, uma evidnciaemprica insofismvel. Veja-se que, no universo de pases da , a popu-

    lao que concluiu o ensino superior aufere em termos mdios uma remu-nerao do trabalho cerca de superior auferida por quem concluiu nomximo o ensino secundrio ou ps-secundrio no superior. E a remunera-o desta populao superior de quem no foi alm do ensino bsico( ) (, b).

    Neste sentido, vrios so os autores que sublinham a importncia do acessos qualificaes como vetor fundamental para igualizar a distribuio internados recursos econmicos disponveis e as oportunidades de mobilidade social

    (Bourguignon, ; Savidan, ). consensual que a igualdade de opor-tunidades nas sociedades do conhecimento se define em grande medida porreferncia ao capital educativo. A escola uma instituio nevrlgica na defi-nio das oportunidades que se abrem ao indivduo no mercado de trabalho

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    FREDERICO CANTANTE

    e noutras esferas da existncia social. Ela est no centro dos processos sociaispelos quais se estruturam de forma interativa as posies e as oportunidadessociais, as dinmicas de mobilidade ou de reproduo social (Dubet, ).De facto, o acesso s posies sociais e profissionais dominantes, ou a repro-

    duo das mesmas, dependem em muito do capital educativo adquirido. Nummercado de trabalho que valoriza as credenciais formais e as competnciasescolares, este tipo de recursos cada vez mais central na definio das posi-es sociais. Distinguem-se no interior dos pases os trabalhadores AppleMac dos trabalhadores Big Mac (Giddens, ) e emergem internacional-mente classes sociais globais que se estruturam em grande medida pelo capitalescolar e respetivo perfil profissional dos indivduos que as integram (Wagner,; Sassen, ).

    Os processos gerais de estruturao das desigualdades econmicas des-critos para o conjunto de pases da tm concretizaes particulares emcada um dos pases de acordo com o seu perfil social, econmico, institucio-nal e qualificacional. Promovendo um zoom analtico sobre Portugal, inte-ressa comear por referir que uma boa parte das desigualdades econmicasem Portugal se explica pela desigualdade de acesso aos recursos educativos equalificacionais. Enquanto a mdia mensal de ganhos salariais em Portugal,no ano de , foi de euros, esse montante para os trabalhadores que

    concluram o ensino superior atingiu os euros.

    Este um valor destaca-damente acima do apurado para os demais nveis de escolaridade: eurospara os trabalhadores que concluram o ensino secundrio e entre os queno foram alm do . ano. Embora no defina qual a posio relativa a ocuparno quintil do topo da distribuio salarial, o ensino superior um recursoestruturalmente fundamental para se aceder a essa categoria econmica. Veja--se que, em , cerca de dos trabalhadores que tinham concludo oensino superior faziam parte do grupo dos mais bem remunerados em

    Portugal, enquanto apenas , dos que tinham concludo um nvel bsico deensino e , dos que no tinham qualquer nvel de ensino integravam essamesma categoria. Inversamente, apenas , dos trabalhadores com o ensinosuperior se situavam entre o grupo dos mais pobres, face a , dos quetinham um nvel bsico de ensino e , dos que no tinham qualquer nvelde ensino a integravam.2

    Os dados acerca do ganho mensal referem-se aos trabalhadores por conta de outrem do

    setor privado e dos funcionrios pblicos com regime individual de trabalho. O ganho mensal referente remunerao base completa dos trabalhadores a trabalhar a tempo completo.2 Clculos do autor a partir dos microdados anonimizados dos Quadros de Pessoal de (/).

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    Esta estreita relao entre o nvel de escolaridade e a desigualdade econ-mica em Portugal reforada quando se analisam os dados referentes aos ren-dimentos monetrios por adulto equivalente ou familiares. No ano de ,cerca de dos indivduos que concluram o ensino superior pertenciam ao

    grupo dos mais ricos (. quintil). No caso dos que concluram o ensinosecundrio ou ps-secundrio e dos que no foram alm do . ano esse valor de , e ,, respetivamente. Por outro lado, enquanto mais de dosindivduos que concluram no mximo o . ano de escolaridade integravamos dois quintis de rendimento mais baixos, apenas dos que concluram oensino superior estavam nessa situao (, ).

    No por isso de estranhar que as qualificaes dos trabalhadores expli-quem da desigualdade total na distribuio dos ganhos mdios, o que

    representa um aumento da capacidade explicativa desta varivel de pon-tos percentuais em relao ao verificado em (Rodrigues, Figueiras eJunqueira, , p. ).

    Contudo, tal como foi descrito ao nvel internacional, existem em Portugalfatores de natureza institucional que contribuem para a explicao da magni-tude da desigualdade econmica interna. De entre este tipo de fatores desta-cam-se as polticas pblicas de redistribuio do rendimento.

    De acordo com Nuno Alves (), embora Portugal fosse, no ano de

    , um dos pases da Unio em que a redistribuio das prestaes socias emdinheiro assumia um cariz mais progressivo, era tambm um dos que registavaum menor impacto dessas prestaes na diminuio das desigualdades econ-micas. al deve-se, de acordo com o autor, ao facto de o volume de despesasneste tipo de prestaes ser relativamente baixo: representava cerca de ,do rendimento base dos agregados domsticos, contra , de mdia nos pa-ses da - (Alves, , p. ). Embora estas prestaes em Portugal sejameficientes, no sentido em que so orientadas principalmente para os grupos

    mais pobres da populao, elas acabam por ter um impacto abaixo do obser-vado nos pases da Unio devido sua grandeza comparativamente diminuta.Quanto aos impostos, o autor indica que o seu efeito redistributivo maiselevado do que na mdia da -. Refere, igualmente, que a elevada fra-o do total de impostos sobre o rendimento paga pelos decis de rendimentomais elevados em Portugal um dos mximos na Unio Europeia resultaessencialmente da elevada desigualdade na distribuio do rendimento brutoem Portugal, dado que as taxas mdias de imposto nos decis de rendimento

    mais elevado no diferem substancialmente da mdia europeia (idem, p. ).Conclui assim que as transferncias monetrias do Estado para as famlias eos impostos diretos permitiram diminuir em o valor do coeficiente deGini em Portugal e em na , o que corresponde, em ambos os casos,

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    FREDERICO CANTANTE

    a um decrscimo de oito pontos percentuais do valor dessa medida de desi-gualdade.

    As concluses deste estudo assentam numa escolha metodolgica pela qualse consideram as penses de reforma como rendimento no redistributivo.

    Quando se introduzem as penses de reforma no conjunto de transfernciasdo Estado para as famlias, prestaes essas que representam cerca de dorendimento disponvel (Rodrigues e Andrade, , p. ), o impacto redistri-butivo das transferncias sociais em Portugal situa-se abaixo do verificado emtermos mdios nos pases da (Joumard, Pisu e Bloch, ). De acordocom Rodrigues e Andrade (), as funes do tipo Piggy Bank do EstadoProvidncia em Portugal, tais como as penses de reforma, o subsdio dedesemprego ou de doena, que assentam numa lgica bismarckiana de seguro

    pessoal, sobrepem-se s funes do tipo Robin Hood, que se associam aossistemas beveridgeanos, tipicamente caracterizados pelas prestaes sociaisbaseadas em condies de recursos e pela progressividade do sistema fiscal.

    Segundo Carlos Farinha Rodrigues, uma das principais razes que expli-cam que o impacto das polticas redistributivas seja menor em Portugal do quena mdia dos pases da - prende-se com a inexistncia de polticas pbli-cas diretamente vocacionadas para o combate s desigualdades:

    Ns no temos tido em Portugal polticas efetivas de combate s desigualdades. Nos lti-mos anos so raras as polticas que tenham sido concebidas e aplicadas para reduzir as desi-

    gualdades. H como que um alheamento poltico face a este problema. O que aconteceu em

    Portugal, e que muito significativo, que at tivemos polticas de combate pobreza

    e excluso social que tiveram impactos positivos, no sentido em que permitiram alguma

    reduo da desigualdade econmica. Eu costumo utilizar muito a expresso, o combate

    desigualdade em Portugal foi boleia das polticas sociais de combate pobreza3 .

    Nesta seco do artigo promoveu-se uma anlise das causas das desigual-dades econmicas e da sua evoluo no passado recente. No prximo pontodebater-se-o os seus efeitos.

    PORQUE QUE AS DESIGUALDADES ECONMICAS IMPORTAM

    As desigualdades econmicas so um fenmeno que, a vrias escalas e em ml-tiplas dimenses, tm efeitos perniciosos para a vida coletiva. Ao nvel global,

    3 V. O fim do ciclo de reduo das desigualdades econmicas em Portugal. Entrevista aCarlos Farinha Rodrigues, disponvel em http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=news&id=

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    o fenmeno que porventura mais evidente para ilustrar este facto prende-secom o fluxos migratrios dos pases mais pobres para os pases prsperosdo hemisfrio norte. As grandes desigualdades econmicas e de condiesde vida globais fazem com que a melhor estratgia para um cidado mdio

    de um pas pobre atingir um rendimento ou nvel de vida mdio de um pasrico seja investir na mobilidade territorial internacional e no na mobilidadesocial intranacional (Costa, b; Milanovic, ). De acordo com BrankoMilanovic (), a globalizao tem vindo a acentuar a conscincia, por partedos cidados dos pases mais pobres, das desigualdades de rendimento e decondies de vida existentes escala planetria. Apesar das dificuldades e dorisco muitas vezes associado aos processos migratrios para os pases maisricos, a aposta neste tipo de estratgia de mobilidade altamente efetiva

    (Korzeniewicz e Moran, ). Isto , a probabilidade de um cidado mdiode um pas pobre alcanar o patamar econmico mdio de um cidado de umpas rico do hemisfrio norte mais elevada se apostar na mobilidade terri-torial do que na ascenso social interna ou no crescimento econmico geraldo pas de origem (idem). As desigualdades globais potenciam, portanto, osprocessos migratrios do hemisfrio sul para o hemisfrio norte, com todosos problemas sociais, ambientais, polticos e econmicos que daqui decorrem.A impossibilidade fsica e a indesejabilidade tica/poltica de se erigir uma

    fortaleza (Milanovic, ) entre estes dois mundos implica que as desigual-dades globais sejam combatidas de forma determinada e eficaz.

    A anlise dos efeitos negativos das desigualdades coloca-se tambm aonvel dos processos de estruturao social, poltica e econmica dos pases.H muito que as cincias sociais tm investigado os efeitos das desigualdadessociais nas condies de vida e nas oportunidades disposio de indivduosou de categorias sociais mais alargadas (por exemplo, as classes sociais, osgrupos tnicos ou o gnero). As desigualdades sociais tendem a reproduzir-se

    e a acumular-se (Bihr e Pfefferkorn, ; Bourdieu, ) e a igualdade deoportunidades severamente condicionada pelas desigualdades de posio oucondio social (Dubet, ). As desigualdades, nomeadamente as desigual-dades de recursos econmicos, tm impactos na vida e nas possibilidades deexistncia dos indivduos e, em termos mais abstratos, das categorias sociais,quer do ponto de vista sincrnico, quer ao nvel temporal. endem a acumu-lar-se na esfera da existncia social dos indivduos e a reproduzir-se no tempo.Do ponto de vista dos processos de estruturao social, as desigualdades tm,

    portanto, um efeito potencialmente nocivo ao nvel da mobilidade social, dodesenvolvimento e aproveitamento de capacidades e talentos, e de reprodu-o de fenmenos como a pobreza e a excluso social. Mas at que ponto aanlise dos efeitos das desigualdades se pode realizar a uma escala mais vasta,

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    nomeadamente no plano dos seus efeitos para as sociedades enquanto entida-des coletivas?

    Este um trilho analtico que tem sido percorrido nos ltimos anos porvrios investigadores, atravs da problematizao dos impactos dessas dispa-

    ridades na vida coletiva. Richard Wilkinson e Kate Pickett demonstram nolivro Te Spirit Level() que os pases que apresentam nveis de desigual-dades de rendimento mais elevados tendem a terperformances comparativa-mente negativas em reas to diversas como a mortalidade infantil, os nveisde encarceramento, os nveis de felicidade e de confiana da populao ou osucesso escolar. Esta obra chama a ateno para o facto de as desigualdadesde rendimento poderem ter consequncias negativas multidimensionais paraa sociedade como um todo, e no apenas para parcelas mais ou menos bem

    circunscritas da populao.Uma interessante pista de investigao que tem sido desenvolvida no

    mbito mais vasto da problemtica dos impactos coletivos das desigualdadeseconmicas, prende-se com as implicaes macroeconmicas das desigualda-des de rendimento, mais concretamente a relao existente entre este fen-meno e a crise financeira iniciada entre e nos . A tese central das

    vrias abordagens a esta problemtica a de que o aumento das desigualdadeseconmicas verificado nos Estados Unidos e noutros pases da nas lti-

    mas dcadas, aliado desregulao do setor financeiro, favoreceu a emergn-cia da atual crise financeira e econmica.

    Num estudo publicado pelo Fundo Monetrio Internacional, denominadoInequality, leverage and crises, Michael Kumhof e Romain Rancire ()chamam a ateno para a crescente concentrao da riqueza monetria nosgrupos do topo da distribuio do rendimento, verificada nas ltimas dca-das nos Estados Unidos. Segundo concluem, a poro do rendimento detidopelos mais ricos desse pas aumentou de em para em ,

    tendncia semelhante ao verificado entre e perodo que antece-deu o crashda bolsa de Nova Iorque. Enquanto os mais ricos viram asua remunerao real por hora de trabalho aumentar entre e ,a remunerao real por hora de trabalho dos trabalhadores com um rendi-mento mediano e dos mais pobres diminuiu nesse intervalo temporal e , respetivamente. O avolumar da desigualdade de rendimento entreesses dois grupos, que se concretizou na deteriorao do poder de comprados mais pobres e no aumento substancial do rendimento dos mais

    ricos, implicou uma crescente necessidade de acesso ao crdito por parte doprimeiro grupo, e uma maior disponibilidade para emprestar dinheiro porparte do segundo. Entre e , o nvel de endividamento dos mais ricossituou-se de forma consistente nos do rendimento disponvel, mas no

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    caso dos mais pobres esse indicador mais do que duplicou, atingindoos . Se em os mais ricos dos Estados Unidos tinham um nvelde endividamento pontos percentuais superior ao verificado entre os res-tantes da populao, em o nvel de endividamento deste segundo

    grupo era o dobro do existente entre os mais ricos. A desigualdade econmicaesteve, portanto, no corao da crise financeira, no sentido em que os termosdos emprstimos concedidos a quem no os podia com grande probabilidadepagar criou uma instabilidade intrnseca no sistema financeiro (Galbraith,). Segundo esta tese, a diminuio do poder de compra da maior parte dapopulao norte-americana potenciou o endividamento das famlias, tendoesse fenmeno sido favorecido por decises polticas conducentes desre-gulao do mercado financeiro. Essa desregulao e o comportamento irres-

    ponsvel das instituies financeiras exacerbaram a crise, mas a sua causaestrutural prendeu-se com o aumento das desigualdades econmicas e, emparticular, da concentrao do rendimento nos grupos do topo da distribui-o (Milanovic, , p. ).

    Esta argumentao secundada e aprofundada por autores comoStockhammer (), Lysandrou (), Fitoussi e Stiglitz () e Hornet al.(). De acordo com estas perspetivas, o aumento das desigualdadeseconmicas no interior dos pases tem de ser enquadrada no s no universo

    restrito da distribuio interna do rendimento e da riqueza, mas tambm nombito mais vasto dos fluxos financeiros internacionais.4 As desigualdadeseconmicas internas e o aumento da concentrao do rendimento em gruposminoritrios da populao dos pases implicou uma perda de poder de comprapor parte da sua grande maioria e, nesse sentido, uma diminuio potencial daprocura agregada. Essa diminuio da procura interna foi, no entanto, miti-gada pela desregulao dos fluxos financeiros internacionais, a qual facilitoua acumulao de dfices de balana corrente em alguns pases. Neste esquema

    analtico, opem-se pases como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Grcia,a Irlanda e Portugal, com um modelo de crescimento suportado em dvida, Alemanha, China, ustria e Japo, com um modelo de crescimento supor-tando pelas exportaes (Stockhammer, ). Em ambos os casos, as orien-taes macroeconmicas dos pases esto associadas, segundo este autor, estagnao da procura domstica decorrente do aumento das desigualdadeseconmicas internas. Stockhammer defende, porm, que para se perceber, nasua globalidade, a relao entre desigualdade econmica e a crise financeira

    4 Contrariando uma das concluses do estudo Divided We Stand(, ), segundo oqual, tal como foi j mencionado, a integrao financeira teve impactos pouco significativos naevoluo das desigualdades econmicas internas.

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    iniciada em / nos Estados Unidos necessrio analisar tambm ofenmeno do aumento da propenso para se especular.

    precisamente esse o prisma analtico desenvolvido por Lysandrou ().Segundo este autor, a desigualdade econmica pode explicar o aumento da

    procura de crdito bancrio, mas no a securizao desse crdito e a suatransformao numa mercadoria passvel de ser comercializada, apesar dafalta de transparncia e opacidade de alguns dos produtos financeiros deri-

    vados. Essa explicao deve ser procurada no aumento da concentrao dariqueza privada mundial numa pequena minoria da populao. Na perspe-tiva de Lysandrou, essa tendncia implicou uma procura excessiva de inves-timentos financeiros tradicionais (dvida soberana, por exemplo), o que porsua vez pressionou o setor financeiro para criar ou privilegiar recipientes de

    riqueza alternativos, mais atrativos do ponto de vista da sua rentabilidade.Os (Collateralized Debt Obligations), um dos produtos financeiros deriva-dos associados aos emprstimos no crdito habitao no mercado subprimedos Estados Unidos (o qual desencadeou a crise de /), foram criadospelos bancos para satisfazer os ensejos de vrios agentes, em particular dos fun-dos de investimento que em detinham desses produtos (Lysandrou,p. ). Os principais clientes dos fundos de investimento so os investidoresinstitucionais, mas sobretudo os indivduos com elevado patrimnio lquido

    (high net worth individuals, ), que Lysandrou define como os detento-res de uma riqueza lquida superior a um milho de dlares ou a milhesde dlares, no caso dos ultra . Ou seja, o tipo de produtos financeirosde alto risco que estiveram na base da crise financeira de / foramdelineados para e procurados por um conjunto muito restrito de investidores,nomeadamente privados. De acordo com a estimativa apresentada pelo autor,este grupo restrito da populao mundial passou de , milhes de indivduosem para , milhes em (, da populao mundial), tendo a

    sua riqueza aumentado cerca de nesse perodo. Em , embora detives-sem apenas do total de ativos financeiros, eram proprietrios de mais demetade dos ativos financeiros alternativos, tais como os (Lysandrou, ,pp. , ).

    A relao entre desigualdade econmica e o sistema financeiro e econ-mico pode, portanto, ser equacionada a partir de ngulos de anlise diferen-ciados e, em parte, complementares. Importa, contudo, sublinhar que este tipode formulaes tm sido questionadas por vrios estudos, que concluem que

    no existe uma relao direta entre situaes de aumento das desigualdadesde rendimento ou riqueza nos pases e a emergncia de crises econmicas efinanceiras (Atkinson e Morelli, ). Ou seja, a efetivao da relao entreas desigualdades econmicas e a emergncia de crises financeiras no linear

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    e depende dos contextos sociais, institucionais e polticos que enquadram essetipo de dinmica.

    Paul Krugman, por seu lado, defende uma aproximao de cariz poltico aeste fenmeno. Segundo refere, a crescente desigualdade na sociedade norte-

    -americana potenciou a depresso econmica e a crise financeira, pois osmais ricos conseguiram impor politicamente a sua agenda e os seus interesses.O dinheiro compra influncia, refere (Krugman, , p. ), e tem a capa-cidade de intervir numa rea fundamental dos processos de distribuio dorendimento: as polticas fiscais.

    Joseph Stiglitz () concorda tambm com esta tese. De acordo com oautor, a elite econmica dos Estados Unidos tem vindo a impor os seus inte-resses e a sua viso do mundo no campo poltico, conseguindo deste modo que

    as polticas pblicas contribuam para a reproduo das desigualdades sociais epara a perpetuao da sua posio dominante na estrutura social. As polticasde favorecimento fiscal dos mais ricos ou a canalizao de rendas para estesmesmos indivduos so exemplos do controlo ideolgico dos mais ricos noscentros de deciso poltica. No entender de Stiglitz, o aumento da concentra-o do rendimento tem impactos negativos nos nveis de confiana e de coe-so social existentes numa sociedade, tende a rigidificar as estruturas sociaisdos pases, a esbater as dinmicas de mobilidade social e, caso os rendimentos

    mais elevados no sejam proporcionalmente taxados, a fragilizar a receita fis-cal necessria para o investimento pblico em educao, infraestruturas outecnologia. Mas o efeito mais estruturante das desigualdades materializa-se nacriao de condies institucionais, legais, polticas e cognitivas que tendem agarantir a sua reproduo:

    As sociedades mais igualitrias esforam-se bastante para preservar a sua coeso social;

    nas sociedades mais desiguais, as polticas dos governos e de outras instituies tendem a

    favorecer a persistncia das desigualdades5

    [Stiglitz, , p. ].

    Apesar destes processos e dinmicas sociais, a estruturao das desigual-dades no segue uma direo predeterminada, pois depende da forma comoa sociedade lida com elas, mais concretamente do modo como as polticaspblicas as enquadram e agem sobre elas. Ou seja, as desigualdades sociaise econmicas podem ser poltica, jurdica e institucionalmente potenciadasou mitigadas. Aproximaes analticas como as que foram apresentadas nesta

    seco alertam, no entanto, para o facto de que elevados nveis de desigualdadeproduzem efeitos que afetam de modo mais ou menos direto toda a estrutura

    5 raduo prpria.

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    social. No por isso de estranhar que a crtica das desigualdades e o reconhe-cimento dos seus efeitos negativos para a vida coletiva tenham uma crescenteadeso no debate pblico. Por vezes, em contextos institucionais ou editoriaissurpreendentes, como o Frum Econmico de Davos e do seu estudo Global

    Risks () ou da revista inglesa Te Economist.6

    CONCLUSO

    As desigualdades econmicas manifestam e ajudam a reproduzir fossos deoportunidades e de condies de vida em vrias reas e a diferentes escalas.Apesar da melhoria das condies de vida de grande parte da populao dospases subdesenvolvidos/em desenvolvimento, o fosso face ao mundo oci-

    dental ainda imenso. Na Noruega estuda-se, em mdia, cerca de anos,mas na Etipia o valor desse indicador inferior a dois anos (, ).Quem nascer no Japo pode esperar viver mais anos do que quem nascerna Guin-Bissau, na Repblica Centro Africana ou no Afeganisto. Morremtodos os dias devido a causas passveis de serem evitadas mil crianas, cercade metade das quais na frica sub-Sahariana (, ). Estima-se que milhes de pessoas sofressem de problemas de subnutrio no perodo-, valor que representa , da populao mundial sendo que

    a esmagadora maioria desta populao ( milhes) vive em pases emdesenvolvimento, nos quais , da populao enfrenta este problema (,).

    ambm no denominado mundo ocidental, aquele que habita na suagrande maioria o hemisfrio norte, as desigualdades econmicas vo-seafirmando como um dos principais fenmenos estruturais das sociedades.A amplitude das desigualdades internas que a emergem no assume a expres-so dramtica verificada quando a tela de anlise o globo, mas o fosso entre

    os muito ricos e a restante populao cada vez mais claro.A atual crise financeira adicionou uma nova dinmica estruturante ao

    fenmeno das desigualdades econmicas no mundo ocidental, que convmestudar em profundidade no futuro: o desemprego. Segundo as estimativasdo Eurostat, mais de milhes de trabalhadores dos pases da - esta-

    vam desempregados no final do ano de , o que corresponde a uma taxade desemprego na ordem dos . Em alguns pases este fenmeno assumepropores bem mais graves, chegando mesmo a ultrapassar os na Grcia

    e em Espanha. Em Portugal o valor deste indicador era de , e o desem-prego mdio anual para situou-se em ,, valor que seria bem mais

    6 V. Te Economist(), Special Report World Economy, vol. , n. .

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    elevado se no fosse o fenmeno da emigrao massiva e o nmero de traba-lhadores que embora estejam disponveis para trabalhar desistiram de procu-rar trabalho sendo por isso considerados inativos. Acrescente-se a isto queuma boa parte da populao desempregada em Portugal no recebe qualquer

    subsdio de desemprego.Se at aqui a grande fora motriz do aumento das desigualdades econ-

    micas de mercado, em Portugal e na grande maioria dos pases ocidentais,decorreu da crescente concentrao do rendimento nos grupos do topo dadistribuio, o desemprego assume-se como um novo mecanismo produtorde assimetrias materiais a partir da base. al como tem sucedido com os ren-dimentos do topo, tambm o desemprego pressionar a capacidade redistri-butiva dos Estados e, portanto, o seu papel na diminuio das desigualdades

    de rendimento disponvel. Importa a este nvel ter em considerao que asdesigualdades econmicas no so um elemento neutro nos processos deestruturao social e econmica das sociedades. James K. Galbraith (,p. ) defende que as desigualdades devem ser estudadas devido ao seu carterinformativo e no por serem chocantes. Acrescentar-se-ia que a magnitudechocante das desigualdades econmicas que se descreveu e analisou nesteartigo deve ser um dos elementos informativos a ter em conta na definiode polticas pblicas e de respostas institucionais a aplicar s vrias escalas

    de interveno. No s por uma questo de justia, mas tambm porque asdesigualdades tm implicaes negativas multidimensionais e multi-escalarespara a vida coletiva.

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