Cantata pra Alagamar Texto - Bem-vindo ao Painel SESC e ... · Voz I e Jogral: Primeiro é nunca...

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1 Cantata pra Alagamar Texto: Waldemar José Solha Música: José Alberto Kaplan 1. Introdução Narrador: Começa com o Pró-terra, Financiando o gado e a cana, As terras se valorizam, A negociata se dana, Lavouras são destruídas, Famílias pobres, varridas A ambição fica insana. Chamada I O ano é setenta e quatro, Com dez de Revolução, Os países do petróleo, Tomaram resolução, De cobrar de todo mundo, Um gemido mais profundo, Em troca da produção. O governo brasileiro, Sentindo esse contratempo, Reuniu seu ministério, E resolveu nesse momento, Substituir gasolina, Pelo produto da usina, Que demonstrou seu talento. Foi então que o Proálcool, Botou dinheiro em ação Pra cana suficiente Partiu para promoção De investimentos maiores Pras terras que eram melhores A incentivar a plantação. E assim, da noite pro dia Latifúndios valorizados, Ficaram ainda mais caros E foram negociados Sem se medir consequências, Sem se poupar delinquências, Sem olhar prejudicados. Nem governo, fazendeiros,

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Cantata pra Alagamar Texto: Waldemar José Solha Música: José Alberto Kaplan

1. Introdução Narrador: Começa com o Pró-terra, Financiando o gado e a cana, As terras se valorizam, A negociata se dana, Lavouras são destruídas, Famílias pobres, varridas A ambição fica insana.

Chamada I O ano é setenta e quatro, Com dez de Revolução, Os países do petróleo, Tomaram resolução, De cobrar de todo mundo, Um gemido mais profundo, Em troca da produção. O governo brasileiro, Sentindo esse contratempo, Reuniu seu ministério, E resolveu nesse momento, Substituir gasolina, Pelo produto da usina, Que demonstrou seu talento. Foi então que o Proálcool, Botou dinheiro em ação Pra cana suficiente Partiu para promoção De investimentos maiores Pras terras que eram melhores A incentivar a plantação. E assim, da noite pro dia Latifúndios valorizados, Ficaram ainda mais caros E foram negociados Sem se medir consequências, Sem se poupar delinquências, Sem olhar prejudicados. Nem governo, fazendeiros,

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Nem SUDENE, nem usinas, Vendedores, compradores, Em meio a charutos, piscinas Pensaram nos moradores, Nos pobres agricultores Ao descobrirem essas minas. Mas, aparece o conflito Pois o Estatuto da Terra, Do presidente Castelo Tem um artigo que berra: Jogral: - O Arrendatário terá Na venda que ocorrerá A preferência da terra Narrador: E diz mais Castelo Branco: Jogral: - Se o proprietário em segredo Fizer a negociata O arrendatário sem medo, Antes do fim de um semestre, Desfará o golpe de mestre, Agindo o quanto mais cedo - Basta o apurar o valor Da propriedade em questão Depositá-lo em cartório Por mais que movam a ação, E reafirmem o contrário, Ele será o proprietário, A quem a lei dá razão

2. O Estatuto da Terra

Tenor Solista: Ao ilustre senhor que é Presidente Dessa grande nação que é brasileira General que usa estrelas da bandeira Nos seus ombros sinal que é onipotente Nós queremos pedir pela presente Atenção às famílias da pobreza Que em Pedras de Fogo com nobreza Só das terras tirando o seu sustento Vem agora erguer esse lamento

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Por desmandos dos donos da riqueza. Coro: Vem agora erguer esse lamento Por desmandos dos donos da riqueza. Não é só Pedras de Fogo Nem São Miguel de Taipú Nem Cruz do Espírito Santo Nem Fazenda Mucatú É o povo de Alagamar Ai, ai, ui, ui! Que já está ficando nu. Tenor Solista: Confiando em Sua Excelência E no Exército pronto pra acudir É que os grandes se botam a invadir Estas terras que são de subsistência O Senhor, porém sabe, Sua Excelência Que dentro dessa sua Revolução O Estatuto nos dá a proteção E hoje nós invocamos esta lei Contra quem na barriga tem um rei Praticando assim a subversão. Coro: Contra quem na barriga tem um rei Praticando assim a subversão. O Estatuto da Terra Manda INCRA definir Onde a Reforma Agrária Tem urgência de agir E Alagamar vem agora Ai, ai, ui, ui! Seu direito exigir É fácil de perceber A forma de escorpião Do ano sessenta e quatro A favor foi do patrão Mas o Estatuto saiu Ai, ai, ui, ui!

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E agora entrou na ação. Narrador: Na fazenda Mucatú Foi que começou o conflito Quando correu a notícia Deixando seu povo aflito A terra, durante o sono Tinha mudado de dono Estava feito o delito Pior, porém, foi saber Que iam ser despejados As roças desmanteladas Os frutos todos jogados A cana ia tomar conta do sítio De ponta a ponta Jogral: Ficamos todos danados! Narrador: Na Capela houve alvoroço, Houve reza, houve missa, Frei Hermano em seu sermão Clamou contra injustiça: Voz I: Eles vão querer mais lucro Mas montaram burro xucro Vão se danar co’a justiça! Vão lá pra Federação Exijam as providências E enquanto não atendidos Não percam a paciência O Arcebispo Dom José Já me explicou como é A luta da Não-Violência

Chamada II Voz I e Jogral: Primeiro é nunca matar Segundo, jamais ferir Terceiro, estar sempre atento Quarto, sempre se unir Quinto, desobediência Das ordens de sua excelência

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Que podem nos destruir. 3. Canção da Não Violência I

Coro: Primeiro é nunca matar Segundo, jamais ferir Terceiro, estar sempre atento Quarto, sempre se unir Quinto, desobediência (Unir) Das ordens de sua excelência (Unir) Que podem nos destruir. Voz I O Egito mudou de rei Conta a história sagrada Tanto perseguiu os hebreus Que eles saíram na estrada Desobedecendo a ordem Com a divina contra ordem De enfrentarem a jornada Mas essa é a nossa Canaã Pelo Estatuto da Terra Nossa Terra Prometida Quem sabe isso não erra Vários anos no deserto Em busca de solo fértil Com medo de fazer guerra Narrador: Os moradores clamaram Direto à Federação Domingo estavam na feira Só as mulheres que não E elas viram pistoleiros Feito caubóis verdadeiros Descerem de um caminhão

4. Recitativo I Tenor Solista: Vinte e três apearam na Capela Começando ligeiro a destelhá-la E diante das mulheres a chorá-la Um trator se chegou bem perto dela Os capangas prenderam a janela Em um cabo que à maquina ligaram Num puxão suas taipas desabaram Entre gritos, pavor, ranger de dentes Em seguida os pedaços, os dementes

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Carregaram no carro e transportaram Coro: Em seguida os pedaços, os dementes Carregaram no carro e transportaram Narrador: Frei Hermano chego lá E riu da intenção brutal, disse: Voz I: O Posto de saúde funcionará Ao normal debaixo do cajueiro Voz I e Jogral: Ai, ai, ui, ui! E a missa será campal!

Chamada III Voz II: - Irmãos! Narrador: Gritou para o povo O Arcebispo Dom José Voz II: Vou lhes contar uma história Que não precisa de fé Um pai às portas da morte Querendo a família forte Passou a mostrar como é Chamou cada um dos filhos E fez um pedido incomum: Menino me traga uma vara E a quebre sem medo algum E foi logo obedecido Pelo grupo entristecido Sem que falhasse nenhum. Em seguida deu nova ordem Com a pulsação mais avara Meus filhos quero de novo Que cada traga outra vara. E agora ajuntem tudo E entregue pro mais parrudo Pra que a lição fique clara

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O filho mais entroncado Recebeu o feixe disposto E o velho disse-lhe: Quebre! O moço torceu o rosto Retesou a musculatura Dobrou em dois a estatura Até afrouxar com desgosto E disse ao pai: Não consigo! O velho disse: Está bom. Queria mostrar que a cantiga Não pode ter outro tom: Os fracos têm essa sorte De unidos ficarem fortes A união tem esse dom!

5. Canção do Rio Que Alaga o Mar Tenor Solista: Irmãos! Lá no estado de Minas Vi uma nascente minar E em um riacho arisco Chamado de São Francisco Aos poucos se transformar Coro: Enquanto seus companheiros Descem pras bandas do Sul Esse São Francisco cresce E ruma lá pro Nordeste Crescendo que só a peste E no meio já é azul E as pontes se alargando E mais rios se juntando As margens vão se afastando Essa enchente vai passar E a união vai aumentando Pro Nordeste caminhando E o rio alaga o mar São Francisco faz milagre Movimenta a nossa usina Desaba na Paulo Afonso Disparando as turbinas Vem clarear o nosso lar Operar nosso tear Ativar a oficina

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A metade em nosso povo Vive na zona rural E se unida feito as águas Terá um poder anormal Igual ao que tem corisco Igual ao de São Francisco E a milícia nacional E a união vai aumentando Igual ao do São Francisco Essa enchente vai passar E o rio alaga o mar

6. Recitativo II Tenor Solista: Frei Hermano foi logo intimado A prestar depoimento aos militares Por pregar comunismo nos altares E ensinar violência em todo lado Dom José quando soube do recado Empenhando pro frade todo apoio Comparou sua voz a de um aboio De um vaqueiro a cantar pra seu rebanho Se por ela apanhar, também apanho Pois de ele é riacho, eu sou arroio Coro: Se por ela apanhar, também apanho Pois de ele é riacho, eu sou arroio Narrador: O que Frei Hermano fez Não foi atentar contra o Velho Nem terrorismo, emboscada Eu penso nisso e me engelho O que Frei Hermano fez: Narrador e Jogral: Ai, ai, ui, ui! Foi pregar o Evangelho.

7. Nosso Irmão da Segurança I Tenor Solo: Queria que nosso irmão Que é na segurança Viesse viver neste chão Comer farinha e feijão E como um galo na rinha

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Lutar para ganhar o pão Soprano Solista: Veria que a segurança Não se obtém com terror Melhor que toda a repressão Tivesse transformado Metralhadora em arado Tanque de guerra em trator

8. Recitativo III Tenor Solista: Mas em Pedras de Fogo Houve outra frente A Usina Olho d’Água enviou um aviso Através de um oficial de juízo Que chegou com soldados E ar urgente Narrador: Todos tinham seis meses, e somente Pra deixar as casas da fazenda Era a lei que não tinha mais emenda Porque a Usina queria plantar cana E derrubaria casa ou cabana Que a fosse impedir de aumentar a renda. Jogral: - Mas as casas nós fizemos! Narrador: Disseram os moradores A Usina respondeu Voz III: Não vamos guardar rancores! Podem arrancar as casas Voz III e Jogral: Ai, ai, ui, ui! E levar para os senhores!

9. Recitativo IV Tenor Solista: Mas abriu-se outra frente na quadrilha Na fazenda chamada Retirada Foi vendida apesar de arrendada Pra usina chamada Maravilha. Narrador: E assim se avoluma esta cartilha Com mais essa pobreza injustiçada

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Co’a humildade fugindo ameaçada Co’as pessoas unidas tendo peito De lutar para impor o seu direito Mesmo contra a pressão da força armada. Mucatú piorou nesse sufoco Dom José tomou mais providências Apelou para muitas consciências Conseguiu dinheiro e não foi pouco Pra comprar a fazenda e sobrar troco. Entretanto, ficava o tal problema: Mucatú não estava só na algema Ao redor a injustiça se espalhava E o dinheiro para todos não bastava Mucatú deveria virar lema. Jogral: O Estatuto da Terra determina Que em áreas que tem muitos posseiros, Arrendatários ou então parceiros, Se a tensão social nelas domina, A Reforma Agrária é a medicina. E por isso o Arcebispo concluiu: Voz II: Voltará o dinheiro de onde saiu. Mucatú deverá, pela Reforma, Combater qualquer que seja a forma, E servir de exemplo a quem a seguiu. Narrador: Na Fazenda Retirada, Piorava a situação: Abel Joaquim Batista E seu vizinho em ação Antônio Oliveira Pinto, Se viram formando um cinto No avanço da opressão. É que a Usina queria, No seu excesso de gana, Trinta posses que havia em frente, Fechar numa ilha, com cana. Mas os dois, feito porteira, Impediam a derradeira

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Loucura da mente insana. Os tratores arrasaram As bananas, macaxeiras, Da viúva Maria Henrique, Com as lâminas e esteiras. Em seu lugar nasceu a cana, Que numa visão sacana, Virou palha e, após, fogueira. Por isso e que os trinta grupos, Dependem de Antônio e Abel, Pois se eles são dominados, Todos queimam feito papel. Ou então chegarão pra Usina Dizendo a luta termina, Chamem já o seu bacharel. Voz III: E se pedirem direitos, Querendo indenização, A usina vai rir de todos, Dizendo tão loucos não. Ninguém quer que vocês saiam Voz III e Jogral Ai, ai, ui, ui! É de vocês esse chão!

10. Canaviais Feito Exércitos Fardados Tenor Solista: Nos pesadelos do povo já avançam Canaviais feito exércitos fardados Que dos dois lados chegam já bem apressados Baionetas aos milhares em silêncio sem cornetas Coro: Nos pesadelos do povo já avançam Canaviais feito exércitos fardados Que dos dois lados chegam já bem apressados Baionetas aos milhares em silêncio sem cornetas Tenor Solista: Tratores tanques lembravam

11. Nosso Irmão da Segurança II Tenor Solo: Queria que nosso irmão Que é na segurança

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Viesse viver neste chão Comer farinha e feijão E como um galo na rinha Lutar para ganhar o pão Soprano Solista: Veria que a segurança Não se obtém com terror Melhor que toda a repressão Tivesse transformado Metralhadora em arado Tanque de guerra em trator Narrador: Na Fazenda Alagamar O dono, Antônio Galvão Chegou mais três pistoleiros E fez a provocação Parou a caminhonete E disse pros seus valetes: Voz IV: - Devastem a plantação! Narrador: Cinquenta e sete valentes Enraizavam macaxeira Na roça comunitária Pra negociar lá na feira E atender a despesa Da luta que estava acesa E não parecia ligeira Os pistoleiros chegaram Apontando seus trinta-e-oitos

Chamada IV Narrador: Os homens se entreolharam Os calmos pros mais afoitos Com alei da Não-Violência Era preciso ter paciência E aos bandidos dar coito.

12. Querem Que a Gente Guerreie Coro: Querem que a gente guerreie Pra descer o pau no povo Ou eles vem medo Mas eu daqui não me movo

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Arranquem logo as manivas (Não me movo) As ordens são positivas (Não me movo) A gente planta de novo Mas eu daqui não me movo A gente planta de novo Narrador: E assim os três bandoleiros Tiraram doze mil plantas E Antônio Galvão gritou: Voz IV: - Plantar de novo não adianta! Dezembro solto o meu gado Faço um estrago danado, Brincou, eu corto a garganta. Vou trazer um caminhão De Timbaúba, Pernambuco, Cheio de homens armados, Metralhadora, trabuco O governo quer a cana, Quem reagir vai em cana, Ou morre, ou fica maluco. Jogral: De repente estourou a novidade, Mucatú entregou-se a uma festa Que por toda região se desembesta E se espalha por todas as cidades: É que a luta com sua intensidade Pelos mil e duzentos hectares, Que do campo saltara até os altares, Tinha tido uma vitória desmedida: A desapropriação foi conseguida E de dez mil e duzentos hectares! Narrador: Na Fazenda Alagamar O entusiasmo foi grande. Mais o proprietário agride A Não-Violência se expande. Sempre a uma sua maldade Surge uma dura bondade De modo que a causa ande. Se o gado destrói a lavoura

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Logo já está no cercado. Se a cana destrói o milho, Clareia com o milho plantado.

13. Canção da Não Violência II Coro: Quinto desobediência (Não me movo) Das ordens de sua excelência (Não me movo) Se o gado destrói a lavoura Logo já está no cercado. Se a cana destrói o milho, Clareia com o milho plantado. Narrador: E agora escutem o caso Que fez o grande ficar raso E o povo emocionado: A polícia foi prender A mando de seu Galvão, Quem tinha prendido o gado E replantado o feijão. Separou uns quatro nomes O povo disse: Jogral: - Esses homens estavam sozinhos não! Narrador: O tenente disse: Voz I: - Só esses foram os denunciados Portanto, subam no jipe, Os outros ‘tão dispensados. Narrador: Porém, o povo insistiu: Jogral: - Tenente, você ouviu, Todos aqui são culpados. Voz I: Então eles entrem no jipe, E o resto que siga a pé. Jogral:

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- O tenente me desculpe, O senhor sabe como é, Eles não são mais que a gente. Vá indo de jipe na frente, Nós vamos tudinho a pé. Narrador: O tenente, percebendo, Quer não poderia com cem, Engatou o jipe em primeira E disse: Voz I: - Está muito bem. Vamos pra Itabaiana, Pagar a cana em cana E eu acho que eu vou também...

Chamada V Narrador: Mal iniciou-se a marcha O povo danou-se a cantar. A chuva caiu nessa hora, Seguiram bem devagar E com a água tão fria, Cresceu em muito a alegria, Foram-se andando a dançar.

14. Ó Minha Gente I Tenor Solista: Ó Minha gente Que é isso agora Tanta alegria Nessa terra não se chora? Coro: Chorar na chuva gostosa Chorar nessa alegria Sentir a terra cheirosa Chorar no romper do dia Soprano Solista: Ó Minha gente Que é isso agora Tanta alegria Nessa terra não se chora? Coro: Chorava, ô Seu José Chorava e ainda se chora

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Mas só os que longe da gente Ficaram então de fora Tenor Solista: Ó Minha gente Que é isso agora Tanta alegria Nessa terra não se chora? Coro: Chorar pra que, meu amigo? Pra que se a vitória é certa? Se essa nossa caminhada Mudará a nossa história Soprano Solista: Ó Minha gente Que é isso agora Tanta alegria Nessa terra não se chora? Coro: Meu povo eu chega vejo Que será desse país Quando todo mundo forte Se juntar também me diz Narrador: Já era noite fechada O juiz cantou de esperar. E o delegado, sozinho, Foi quem viu o povo chegar. Avistou o jipe na frente, Atrás o horror de gente, Danou-se a gaguejar. Voz II: - Mas é homem e mulher, Velho, criança, menino! O que é isso, seu tenente? Jamais vi tal desatino! Jogral: (Tudo sorrindo calado, Sem medo, desassombrado, Pra enfrentar seu destino.) Narrador: O delegado então disse; Voz II:

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- Hôme, vocês vão s’embora. Se todos vão pra cadeia, Quem é que fica de fora? Tomem aqui cem cruzeiros, Comprem logo dois candeeiros, Vão pras suas casas, agora! Narrador: Uma visão esquisita, No meio da noite, formosa. Uma multidão caminhava Na chuva diluviosa, Só com aqueles candeeiros Servindo-lhes como luzeiros, Dançando coco de roda.

15. Ó Minha Gente II Coro: Chorar pra que, meu amigo? Pra que se a vitória é certa? Se essa nossa caminhada Mudará a nossa história Narrador: De repente, porém, um susto E essa festa acabou. Diante do córgo cheio O entusiasmo encruou A água estava ruidosa, Passando bem volumosa E o pavor espalhou. Alguém, porém, se lembrou, No meio da chuvarada, De um sermão de Dom José Sobre sua luta avançada: Que era uma travessia E só o povo que se unia Que terminava a jornada. A multidão entrou n’água, Ligada na amarração. Os candeeiros bem altos Faziam a iluminação. Um menino puxou o choro Mas um velho puxou o coro E o medo perdeu a questão.

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16. Vamos Arrochar as Mãos Coro: Vamos arrochar as mãos E Juntar bem nossos braços Avançar na correnteza Sem afrouxar nossos laços Podem ver que o aperreio Está bem firme num freio Vamos arrochar as mãos E Juntar bem nossos braços Que desabe a tempestade Trovão canhões de transforme Que venha a enchente e o dilúvio E o mar vermelho se torne Nada disso impedirá O povo que o cruzará Por dentro com força enorme Essa enchente vai passar E o rio alaga o mar!

17. A Usina Tenor Solista: Entre as terras em luta Correm rios sombrios Peixes mortos já boiam Tristes, vazios Pescadores famintos Olham canas e pensam Na moagem, na química Suja que elas fazem Jogral: De setembro a maio a desgraça dura E apodrece a água que era tão pura. Tenor Solista: Se alguém olha para o rio Não vê sua imagem Voz III: Eu vi lá em Mata-de-Vara De São Miguel de Taipú A roça cheia de zebu. Pra mim foi um tapa na cara.

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Voz IV: E essa visão não é rara, O mesmo se dá em Lameiro E não será o derradeiro Ligar que não sobra nada Voz I: O mesmo houve em Alvorada. Jogral: Isso não tem paradeiro.

Chamada VI Voz II: Antes da Revolução Nenhum dos grandes queria Trabalhador que aderia À sindicalização.

18. O Sindicato I Tenor Solista: Hoje não tem exceção Pois todo latifundiário Quer exatamente o contrário Coro: Por que o Sindicato agora É o que mais colabora Pra o povo ficar precário. Voz III: Fundou-se o Funrural Numa grande melhoria Deu-se aposentadoria E assistência social, Dentista mais hospital.

19. O Sindicato II Tenor Solista: Mas eu não sou cabra moço Posso dizer sem sobroço Que agiram com sutileza Coro: E deram a sobremesa Pra gente esquecer o almoço. Voz II: Pro nosso órgão de classe Foi golpe quase fatal. Quiseram com o Funrural Que a nossa união acabasse

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E o Sindicato ficasse Um mamulengo idiota Pro grande fazer marmota Com essa nossa miséria Que é coisa muito mais séria Que o esparadrapo que bota. O Sindicato é escola Pra ensinar o direito Dos que trabalham no eito E não precisam de esmola. Nasceu daquela degola Do sangue das nossas Ligas Tragédia cheia de intrigas Que houve em sessenta e quatro Sendo o Nordeste o teatro Daquelas ferozes brigas. O Sindicato de veras Tinha muita energia E a consciência crescia. Mas isso é de outras eras Não somos aquelas feras Que os proprietários temiam.

20. O Sindicato III Coro: Somos só gatos que miam A desfiar ladainhas Rezando Salve-Rainhas Do jeito que eles queriam. Voz IV: Na Índia existiu um homem Que livrou o país da Inglaterra. Magrinho, porém brilhante, Do tipo que fala e não erra. Seu nome famoso era Gandhi E o seu exemplo foi grande Pra quem quer livrar sua terra. Dizia: Matar não adianta, A Inglaterra é poderosa. E começou a ensinar A sua lição milagrosa:

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O que é preciso é ter calma E soltar a força da alma De maneira vigorosa. Dom José quer com ele Fazer a nossa alam parruda. Ensinar a nossa gente A não calar, ficar muda. A sentir a emoção Que existe na multidão Quando se junta e se ajuda.

Chamada VII Narrador: Em novembro de setenta e oito O Presidente chegou a João Pessoa. A notícia nos campos já ressoa, Todos vêm com faixas à cidade Pra insistir no direito à propriedade. A polícia, no entanto, não consente Que ninguém chegue junto ao Presidente, Toma as faixas e o povo não vai embora. Se reúne na praça e canta agora O hino que Geisel ouve atentamente.

21. Hino de Alagamar I Coro: Alagamar, meu coração Teu povo humilde esperando a solução Nossa vitória fica na história A tua glória é a nossa união. Nossa vitória fica na história A tua glória é a nossa união. Voz I: - O que é que esse povo quer lá em baixo? Narrador: Geisel pergunta e não lhe escondem:

Chamada VIII Voz II: - É dez mil hectares, lhe respondem, Se não der, a eleição aqui irá abaixo. Voz I: - Pode ser que se possa voar mais baixo E dois mil hectares já bastassem, O proprietário e o povo se alegrassem

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E o problema perdesse a intensidade. Voz II: Talvez não houvesse essa necessidade Se pra eleição sete dias não faltassem.

22. Canto Final Coro: O povo de Alagamar Festejou essa conquista Mas sabe que dois não é dez Não tem defeito na vista Continua Não-Violento Nunca será conformista Que desabe a tempestade Trovão canhões de transforme Que venha a enchente e o dilúvio E o mar vermelho se torne Nada disso impedirá O povo que o cruzará Por dentro com força enorme Essa enchente vai passar E o rio alaga o mar!

23. Hino de Alagamar II Coro: Alagamar, meu coração Teu povo humilde esperando a solução Nossa vitória fica na história A tua glória é a nossa união. Tenor Solista: Teu povo forte sem violência e sem guerra Numa luta pela terra e a boa produção Da agricultura que nosso povo consome E quem consagra teu nome Não se curva à invasão. Coro: Alagamar, meu coração Teu povo humilde esperando a solução Nossa vitória fica na história A tua glória é a nossa união. Soprano Solista: Não temos ódio, nem preguiça, nem vingança Mas temos a esperança da nossa liberdade Pra nosso povo ter produtos agradáveis Nós somos os responsáveis por sua alimentação

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Coro: Alagamar, meu coração Teu povo humilde esperando a solução Nossa vitória fica na história A tua glória é a nossa união.