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José Guilherme de Araújo Jorge
Canto à Friburgo
1961
Índice
01 – Poema à estaçãozinha de Teodoro de Oliveira02 - Na palma da mão de Deus03 - Montanhas de Friburgo04 – O céu de Friburgo05 - Catedral de eucaliptos06 - I – Friburgo sonha07 - II – Começo de História08 – III - O trem09 - IV – Alberto Braune10 - V - O imigrante11 - VI – Terra Prometida12 - VII – Guilherme Tell13 - VIII – Ponte da Saudade14 - IX – As flores15 - X – Glória ao trabalhador16 - XI - A palavra saúde17 - XII – Paisagem18 - XIII – Eis Friburgo!19 – Manhã de Deus20 – Reencontro21 – A Operária de Friburgo
Poema à estaçãozinha de Teodoro de Oliveira
(No Alto da Serra de Friburgo)
“Cidade cujo nome é um símbolo e um troféuparada de um caminho... a caminho do céu!”
Hoje passo por ti, depressa, mal te vejocom tuas locomotivas fumegantesteu negro chãode carvãono fundo do valea te protegeres dos ventos...
Passo por ti, e mal te vejo, em rápidos instantes,pela estradaasfaltada,alheia à tua sorte e aos teus ares nevoentos...
Antes eu te encontrava me espiando pela janela do tremnuma tristeza atrozfixa, perene,com teus olhos baços, nas chamas fumacentasdos lampiões de querosene,como olhos que olhassem de um outro mundo para nós...
As janelas fechadas, sempre fechadas,num velho vagão, sombrio, lento, maçador,e as vidraças embaciadascomo se dentro delas avaramente conservássemoso último bafo de vida, de calor...
É sempre uma aragem fria a te crestar o corpo durode pedra,e a arrepiar a escassa e áspera vegetação que nos teus morrossofre, medrae chora...
Me lembro das tuas crianças (e em todo lugar há crianças...)olhando os passageiros apáticos, indiferentes;que subira a serra varando a mataria e o céu fechado,denso...(As crianças que eram como puros desejos, inocentes,numa hora de luto intenso...)
Me lembro das vozes nas neblinas, e em minha imaginaçãotu te transformas de repente, num país de fantasmae misteriosos entes...(E havia apitos apunhalando a sombrae ruídos de ferros que se chocavam, estridentes...)
Estaçãozinha do alto da serra:passam por ti, sem parar, as estações da natureza,são tão rápidos os teu momentos de sole de luznas claras manhãs de estio,nessas alturas silenciosas e pesadassó o inverno faz demoradas “paradas”e te deixa a tremer, longos meses a fio...
Entretanto, - ó pobre estaçãozinha!com esse teu ar indigente e abandonado,ouço sempre a sineta do trem, ao sinal de partidasoar alegre como uma campainhaou feliz, como um guizo...
É que eu sei que tu és o feio portão, enferrujado,por Deus, bem alto, colocado,à entrada do Paraíso!
Na palma da mão de Deus
Teresópolis se orgulhade ter o “Dedo de Deus”que é um alto cume de pedraque se ergue para o infinitoferindo o azul dos céus...
Friburgo pode, entretanto,orgulhar-se, e com razão,de ter as cinco montanhasque ao seu redor se levantam,- os cindo dedos da mão!
Mão imensa, imensa mãoaberta sobre as montanhas,saudando ou dizendo adeus...Na sua palma: - Friburgo!Friburgo fica, em verdade,na palma da mão de Deus.
Montanhas de Friburgo
IGosto destas montanhas verdes, revestidascom o tapete felpudo das matas fechadas,estampadas no roxo e amarelo, estampadasde acácias e quaresmas, em buquês, floridas.
Gosto destas montanhas azuis, musicadaspelas águas que rolam frias, esquecidas,sussurrando cantigas infantis, perdidaspor entre os tinhorões e as sombras das ramadas.
Montanhas que parecem grandes ametistasou ondas gigantescas de um estranho oceanoespumantes e mais puro... e mais perto dos céus!
IIDiante destas montanhas, fiel, eu me prosterno,sacerdote que sou da “Ordem da Natureza”,deslumbrado e submisso ante tanta belezana humildade do efêmero aos pés do que é eterno.
Diante delas me sinto insignificante e pequenocomo o córrego humilde a sangrar nas encostase a minha alma, impregnada de poeira e venenoleve e pura se ajoelha, a rezar, de mãos postas.
São meu altar de fé, de amor, de sonho e paz,modelando no espaço órgãos e castiçaisnos seus gestos de pedra e nas altas arestas
e sobre elas, o céu azul, descomunal,é a cúpula sem fim de imensa catedralonde Deus pontifica em luz e canta em festas!
O céu de Friburgo
Olho o céu de Friburgo sobre mim! Reparonos detalhes desta obra perfeita de Deus!Na manhã de ouro e azul, o dia é belo e claro,nem um lenço de nuvem branca, acena adeus...
Olho o céu... e a outros céus mentalmente comparo!Não viram outro igual no mundo os olhos meus!Parece que se curva e vem a nós, num rarogesto, sem distinguir entre cristãos e ateus!
Hei-lo para o meu culto: catedral imensasobre as cristas das altas montanhas suspensa,templo de sol, e estrelas para o amor e a fé...
E ao vê-lo perto assim... chego a ter a impressãode que, se erguer o braço sou capaz de atépoder tocar o imenso azul com a própria mão!
Catedral de eucaliptos
(À Praça 15, hoje Praça Getúlio Vargas)
ICoração de Friburgo a pulsar cada diadesde que o céu se tinge ao rubor matinal,para mim, não és a praça somente, eu diriaque és, a um só tempo, praça, e imensa catedral.
Catedral de eucaliptos... Verde catedralcuja cúpula é a densa e inquieta ramariaque tem em cada copa um rendado vitraltecido pela luz do luar na noite fria!
Templo leigo do povo aberto a toda gente:- aos da terra e aos de longe, ao sadio e ao doente,aos que crêem no belo, mesmo sendo ateus.
Com seu domo de ogivas vegetais, frondosas,ampla, imensa, soberba, esplêndida, radiosa,és, - na altura da serra, - a morada de Deus!
IICatedral de eucaliptos, verdes, farfalhantes,onde se esgueira o sol pelas manhãs douradasem mil jatos de luz, nos mais belos cambiantes,descendo entre os vitrais das mais altas ramadas!
Brincam a sua sombra as crianças confiantes,e ao seu canto infantil - como em contos de fadas, -os verdes tinhorões, em gestos cativantesnamoram, lado a lado, as rosas encarnadas...
Imensa catedral de belezas pagãs!O sol, vem, como um Deus, em seu fulvo esplendor
rezar nos teus altares todas as manhãs...
E eu também, como o sol, ergo um canto feliz,e rezo ao céu e à terra uma oração de amorigual a que rezou São Francisco de Assis!
I – Friburgo sonha
(Aos que conquistaram a terrae aos que a tornarão maior)
Friburgo está dormindo. As neblinas espessassão como carapuças negras, nas cabeçasdas montanhas deitadas juntas, ao redor...
Na fria madrugada, o silêncio é maior...E na praça vazia que a sombra amortalha,há em cada eucalipto de fronte grisalhaum ar meditativo de quem pensa e sonha...
II – Começo de História
Era uma vez, há muito... uma vila bisonha,nada mais que um humilde e pequeno povoadona longínqua fazenda de “Morro Queimado”...- Umas casas na encosta da montanha,e à frente a floresta, e a descer tal como uma serpentepelo fundo do vale: a corrente do riocom seu dorso de prata arrepiado de frio...
Foi no ano e mil oitocentos e dezoito,(e era um plano talvez aventureiro e afoito)- que D. João... (há de a História fazer-lhe Justiça!)trouxe das altas serras dos cantões da Suíçapara colonizar a terra brasileira100 famílias de gente pacífica e ordeira.
Ampliou-se depois... E as casas de madeira,- como um trecho da Suíça em terra brasileira -foram crescendo ao léu, pelo fundo do vale,aconchegando aos ombros o vermelho xaledos telhados, - tremendo ao frio e à geada,sem ter uma lareira na sala apropriada...
Casas avarandadas, rústicas e belas,com gerânios no friso alegre das janelas,olhando o panorama claro e matinale a pensar que ainda estavam na terra natal!
III - O trem
Veio mais tarde o trem... Subiu bufando a serra!Parou, seguiu à frente, a penetrar na terra,- e como uma criança alegre, no recreio,a passear na cidade e a cortá-la no meio -desde então, para lá, para cá, num vaivém,é a nota pitoresca que a cidade tem!
Chega e se vai depois sempre no mesmo rumo,deixando na montanha um penacho de fumo...
A cidade cresceu... Os anos se passaram...Uns, desceram a serra e nunca mais voltaram;no entanto, outros que vieram, vieram e aqui estãocom os seus ramos pelo ar e as raízes no chão!
E entra ano, sai ano, - em eterno vaivém, -batendo o coração do sino... passa o trem...
IV – Alberto Braune
Noite e dia, na praça, sobre o pedestalque a cidade lhe ergueu num gesto fraternal,o velho Alberto Braune olha o trem e a cidade,com o mesmo antigo olhar de carinho e bondade.Friburgo já não é a povoação de outrora,
parece outra cidade em seu viver de agora:o arranha-céu cresceu no lugar da palhoça,e já é moça moderna a menina da roça!Ao seu olhar de bronze, eterno, sem visõesvão se multiplicando as novas gerações,e seu gesto sereno, lá do alto, pareceproteger a cidade que vive e que cresce!
Correndo, ao seu redor, pela praça, as crianças,são revoadas sem fim de inquietas esperanças;e alheias à atenção do seu olhar parado,são o futuro a viver em frente do passado!Mais adiante, a Matriz guarda os restos mortaisde Monsenhor Miranda em seu sono de paz:por mais de meio século espalhou seus grãossegundo a crença e a fé dos primeiros cristãos...
V - O imigrante
É sempre pela madrugada friorenta,quando tudo está quieto, e não chove, e não venta,que Friburgo, envolvida num silêncio enorme,se encolhe em cobertores de neblina, e dorme.
Dorme e sonha, e relembra uma manhã distantequando surgiu na serra o primeiro imigrante:- olhos azuis, cabelos louros, fala estranha,a abraçar com um olhar deslumbrado a montanha
recoberta com o verde tapete selvagem,da mataria densa e da espessa folhagem!Toda verde! Vestida toda de esmeralda,tal como uma bandeira, a ondular, falda em falda,sacudida de vento e incendiada de luz,refletida no céu dos seus olhos azuis!
E escuta a sua voz, a cantar como um hino;no momento em que vai começar um destino.
VI – Terra Prometida
“Aqui hei de plantar a semente da vida,que esta é afinal a terra há muito prometida!E sulcarei o e chão fecundo, áspero e bruto,transformando-o em flor, modelando-o em fruto;abrirei o caminho, além, pela floresta;usarei a energia das águas em festa,revoltas e indomáveis pelas corredeiras,ou saltando a gritar nos tombos das cachoeiras;
e levarei o carro, e lançarei os trilhos,erguerei minha casa, e criarei meus filhos;trabalharei com fé a terra virgem, sã,e saudarei o sol, cada nova manhã,com a alegria de ter fundado uma cidadenuma terra de amor, de paz e liberdade!
Deixarei para sempre esquecido o passado:a montanha distante, o “cantão” sossegadode onde vim, porque aqui, com meus filhos, seguro,não pertenço ao passado; eu pertenço ao futuro!Ensinarei o amor da terra, o grande amorque eleva o coração e ao braço dá vigoraos meus filhos, que é deles esta terra imensa,e é minha, sendo deles, só por recompensa”!
VII – Guilherme Tell
Que Friburgo era então, uma terra sem donos,quando vieram de longe os primeiros colonos...
Vinham do seu “cantão”, nas montanhas nevadasonde por entre as altas grimpas arriscadasnasce e vive o “edelweis”, de alvas pétalas puras,enfeitando o lençol das neves, nas alturas...(Flor pequena, que em sua singela humildadecomo um raio de sol a desafiar o abismo,e a atrair o alpinista, no seu simbolismo,diz a lenda, - que é a imagem da felicidade!Quem a colhe, arriscando a vida na aventura,será sempre feliz.., terá sempre ventura...)
Dessa terra é que vinham, numa trajetóriaem que a marcha é um capítulo vivo da história...Tinham no olhar sem nuvens, o calor do sol;no peito uma canção nascida no Tirol;e nas almas pacatas, sem ódio e sem fel,a lição e a lembrança de Guilherme Tell!
Quando Friburgo, à noite, está consigo, a sós,ouve o eco perdido dessa velha voz,e os altos eucaliptos tristonhos, parados,têm na noite orvalhada os seus olhos molhados...
VIII – Ponte da Saudade
E Friburgo nasceu... No berço das montanhas,no aconchego da serra, e nas suas entranhas,pulsando como um coração dentro do peito,numa terra fecunda... e sob um céu perfeito!
Vila ainda, a aspirar seus foros de cidade,sua porta, era a antiga “ponte da saudade...”Ali, iam levar-se adeuses de partidaou receber quem vinha à serra, de subida;ali, - era o lugar de festa e recepção,entre a Corte e Friburgo ainda em formação.
IX – As flores
Depois cresceu... E até hoje, mais e mais se adensa,e vai enchendo o fundo de uma taça imensa!Nas bordas das montanhas efervescem brumas,nas quedas d' água, a água é um denso véu de espumasa escorrer e a rolar pelo dorso das serraslembrando mesmo um “véu de noiva” sobre as terras!
Multiplicam-se as flores nas várzeas agrestes!e no chão, há mancheias de lírios silvestres!Cravos com a boca em sangue! Acácias que parecemcachos de ouro e de sol! Manacás que entontecem,saturando os espaços de intensos perfumese embriagando na noite azul os vagalumes!Hortênsias a jogar buques pelos jardinse camélias corando ao olhar dos jasmins!Rosas brancas e rubras, - rosas multicores!- pois Friburgo é, afinal, o paraíso das flores,-rosas brancas e rubras, rosas tão vermelhasque parecem ao sol como vivas centelhas
E as roxas quaresmeiras completam a festasão nódoas de saudade a manchar a floresta!
X – Glória ao trabalhador
E Friburgo se ergueu sobre os seus próprios pés!
Levantaram-se no ar as altas chaminéspingando exclamações cinzentas pelo espaçoa provar que há trabalho e que não há cansaço,escrevendo com a tinta negra da fumaçasobre o fundo de um céu, transparente, sem jaçaas letras do progresso, a cada novo dia,em honra da cidade que produz e cria!
Nas frias madrugadas se ouvem nas calçadasa sonora canção das marchas apressadasdaqueles que, tão cedo, ao trabalho se vão,para a luta diária à conquista do pão!
E assim cresce ao esforço humilde e extraordináriodo trabalho sem nome de cada operário,e renovada sempre, sob impulso novo,ao amor e à vontade de seu próprio povo!
Estira as avenidas macadamizadas,e se amplia e se expande estendendo as estradas,aumentando a empurrar montanhas e horizontes,enquanto algema os rios sob o anel das pontes!
E a abrigar, cada vez mais gente sob as asas,segue a fundar as novas construções e as casas,tornando-se afinal, ao conquistar as terrasa maior e a mais bela cidade das serras!
Pelo campo, a escrever outra luta, outra história,o lavrador prossegue em sua faina inglória,e a ele, o Município deve, com certeza,uma parte bem grande de sua riqueza!
XI - A palavra saúde
Nos seus ares sem névoa, nas manhãs de abrilou nas noites de maio, o céu azul, anil,é mais azul que todos os azuis do mundoe é mais profundo o céu, do que o céu mais profundo!
Nessas manhãs assim, de ares puros e finos,batem nossos pulmões como se fossem sinos,brônzeos sinos que têm uma grande virtude:saudar em nossa vida a alegria e a saúde!
Friburgo é um coração bendito e milagrosoque torna em sangue bom todo sangue venoso;e ressuscita sinos mudos, que jaziam,em torres arruinadas que se desfaziam!Dá força ao cansado; ânimo, ao doente;entusiasmo ao que estava mal e decadente;e, por isso, segundo a narração da lenda,impassíveis estão numa estranha oferendacinco cumes da serra, - e não há quem os mude! -querem dizer no céu a palavra: - saúde!
XII – Paisagem
À noite - quando o dia ainda está muito além -sem ouvir a sineta irrequieta do trem,sem escutar o canto alegre dos pardaise a feliz algazarra dos colegiais,Friburgo dorme e sonha, e relembra o passado,- a longínqua fazenda do “Morro do Queimado”.
Nas noites de luar, que polvilham de luzas vastas amplidões dos altos céus azuis,O “Bengalas” parece uma espada de pratana bainha da noite, a espetar a “Cascata”...Pelas margens, e junto às águas espelhentas,há cantigas de sapos e de rãs barulhentas,e os “bougainvilles” despidos das folhas, no frio,já não se olham vaidosos no espelho do rio!
Há uma estranha beleza, há uma beleza estranha,na lua liqüefeita a escorrer na montanhacomo as lavas de prata, de um vulcão sem gritos,que pintasse de branco, os velhos eucaliptos ...
No silêncio dos bancos quietos do “Suspiro”,escondidos do luar procurando o retiro,há casais de mãos frias, dadas febrilmente,só as mãos - porque o peito é uma caldeira ardente!
Ao luar, Friburgo inteira, - a terra, o rio, o céu, -está vestida de noiva, e é belíssimo o véu!
XIII – Eis Friburgo!
No cimo da montanha, em seu ninho florido- eis Friburgo! - “um jardim suspenso” - no alto erguidoparagem de beleza infinita e de calma,onde respira o corpo, e onde repousa a alma.
Cidade cujo nome é um símbolo e um troféu,“parada” de um caminho... a caminho do céu
Manhã de Deus
(Passeio pelas matas Friburguenses)
Por estas densas matas, povoadasde silêncios e sombras, de mistérios,de águas livres e puras, sussurrantes,ainda há um ar de Criação... de Paraíso.
Por estes chãos sem trilhas, entre résteasde sol pintando em luz a tela úmida,entre águas, tinhorões, pedras e liquensas pegadas de Deus ainda estão frescas.
Deus passou por aqui, talvez há pouco:sua sombra ainda envolve estes silêncios,sua luz, põe vitrais pelas folhagens,sua voz ainda escorre nestas águas.
Sua presença se percebe aindanesse ar inicial, solene e intenso,nesse ar de antemanhã, quase alvorada,antes da vida despertar, da luz.
Sua presença se percebe aindaEm rumores difusos, em sussurros,que dão palpitação à terra e à mataantes dos cantos, do rufar das asas.
As pegadas de Deus ainda estão frescasseu hálito ainda embaça a terra e o espaço,e para os animais e as águas livreso homem, parece, ainda não foi criado.
Reencontro
(A Friburgo)
É como se tivesse nascido entre os vultosdestas montanhas que invadem o azulde lado a lado,é como se eu tivesse as raízes no chãoe sob os velhos eucaliptos da Praça, o coração...- como se tudo conhecesse antes de ter chegado...
É como se eu descendesse dos louros imigrantesque há tanto tempo vieram, no tempo de D. João VIsonhando uma nova terra de trabalho e de amor,e subiram as encostas pelo caminho do Cônegoantes de a grande pedra ser a Pedra do Imperador!
É como se eu estivesse aqui com os primeiros colonos de João Bazet,na hora da primeira refeição,no instante da primeira prece,e visse amanhar a terra, como o moleiro a argila,e visse surgir o vaso, e visse ampliar-se o vaso,e assistisse a plantar a pequenina vilahoje a cidade que cresce...
É como se meus passos tivessem sido os primeirosa deixar pegadas pelo chão sem marcasnum gesto de conquista, de alegria e espanto,e os córregos me olhassem fraternos e incrédulose os pássaros sem medo repetissem meu canto!
E apesar de chegar, de me sentir o primeirotal como na verdade me senti,é como se eu já tivesse nascido antes aqui...
Diante dos céus escampos, sob o azul profundo,
ouvindo as águas pulsando no peito da serra,meus olhos reconheceram : sim, é esse o meu mundo!E ouvi meu coração: reencontrei minha terra!
A Operária de Friburgo
Manhã. Começa a batalha.Ei-la a passar... correr...Formiguinha que trabalhaPara a cidade crescer.
No frio da madrugada(e o dia ainda não clareou)... ela se vai apressadapois o apito já tocou...
Tenho por ela uma enorme,uma imensa simpatia...(Enquanto a cidade dormea formiguinha já fia)
Formiguinha tecelãem sua faina diária... a neblina da manhãé o seu xale de operária.............................................
(Por ironia trabalhastão cedo a juntar os grãosmas as riquezas que amealhasnão ficam em tuas mãos.)
Formiguinha, minha amigaque estas sempre a trabalhar,- toma esta cantigaque eu quero ver-te cantar!