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Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos 133 Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos Maria Angela Tardelli* Introdução Um assunto que tem se destacado na Anestesiologia é a utilização de agentes anestésicos capazes de promover proteção aos órgãos. A proteção de órgãos, durante a anestesia, visa a redução da lesão celular decorrente da lesão de isquemia-reperfusão. A reperfusão representa o final do processo isquêmico e é essencial para a restauração das funções normais da sobrevivência celular, entretanto pode paradoxalmente amplificar a lesão secundária ao processo isquêmico. Clinicamente, não é possível distinguir um processo do outro e sendo a isquemia freqüentemente acompa- nhada de reperfusão, a lesão celular é chamada indistintamente de lesão de isquemia-reperfusão 1 . O efeito cardioprotetor dos anestésicos voláteis, em res- posta à isquemia, é o que mais tem sido objeto de estudos. Este efeito foi observado laboratorialmente com animais em modelos de lesão por isquemia-reperfusão e clinicamente em humanos com doença coronariana. Esta proteção farmacológica, com mecanismo semelhante ao do pré-condicionamento isquêmico, é descrita como pré-condicionamento anestésico e tem sido relatada em outros órgãos incluindo cérebro 2-4 , rim 5-7 e fígado 5,8 . Nos últimos anos, foi demonstrado que os anestésicos volá- teis também exercem efeitos protetores contra a lesão isquêmica

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Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos 133

Agentes Inalatórios eProteção de Órgãos

Maria Angela Tardelli*

Introdução

Um assunto que tem se destacado na Anestesiologia é autilização de agentes anestésicos capazes de promover proteçãoaos órgãos.

A proteção de órgãos, durante a anestesia, visa a reduçãoda lesão celular decorrente da lesão de isquemia-reperfusão. Areperfusão representa o final do processo isquêmico e é essencialpara a restauração das funções normais da sobrevivência celular,entretanto pode paradoxalmente amplificar a lesão secundária aoprocesso isquêmico. Clinicamente, não é possível distinguir umprocesso do outro e sendo a isquemia freqüentemente acompa-nhada de reperfusão, a lesão celular é chamada indistintamentede lesão de isquemia-reperfusão1.

O efeito cardioprotetor dos anestésicos voláteis, em res-posta à isquemia, é o que mais tem sido objeto de estudos.Este efeito foi observado laboratorialmente com animais emmodelos de lesão por isquemia-reperfusão e clinicamente emhumanos com doença coronariana. Esta proteção farmacológica,com mecanismo semelhante ao do pré-condicionamentoisquêmico, é descrita como pré-condicionamento anestésico etem sido relatada em outros órgãos incluindo cérebro2-4, rim5-7

e fígado5,8.Nos últimos anos, foi demonstrado que os anestésicos volá-

teis também exercem efeitos protetores contra a lesão isquêmica

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quando administrados por breves períodos durante a reperfusão;a esse efeito denomina-se pós-condicionamento anestésico9.

Lesão de Isquemia-reperfusão

Conceito - A lesão que ocorre durante a isquemia é denomi-nada lesão isquêmica e sua extensão depende da duração e in-tensidade da isquemia. Durante a instalação da isquemia partedas células sofre lesão irreversível e parte sofre alterações bioquí-micas mas sua função pode ser recuperada com nova oferta deoxigênio. Embora a restauração do fluxo sangüíneo finalize o epi-sódio isquêmico e é essencial para prevenir a lesão celularirreversível, a reperfusão, per se, pode aumentar a lesão tecidualalém daquela produzida pela isquemia isoladamente (Figura 1)10.Por exemplo, as alterações histológicas após 3 horas de isquemiaintestinal, em gatos, seguida de 1 hora de reperfusão são muitopiores que as alterações observadas após 4 horas de isquemia

11.

A lesão celular depois da reperfusão de um tecido viável, previa-mente isquêmico, é definida como lesão de isquemia-reperfusão12.

Figura 1 - Instalação da lesão de isquemia-reperfusão

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As situações de isquemia-reperfusão como aquelas associa-das à terapêutica trombolítica, transplante de órgãos, angioplastiacoronariana, pinçamento aórtico ou circulação extracorpórea re-sulta em resposta inflamatória local e sistêmica. Quando esta res-posta é grave pode evoluir para a síndrome da resposta inflama-tória sistêmica ou síndrome da disfunção de múltiplos órgãos queé responsável por 30 a 40% da mortalidade em unidades de cui-dados intensivos terciários. Portanto, a lesão de isquemia-reperfusão pode estender-se para além da área isquêmica, comoresultado da devastadora conseqüência da reperfusão tecidual,com o desenvolvimento de lesões em órgãos distantes não envol-vidos no insulto isquêmico inicial12.

Fisiopatologia - A isquemia celular prolongada resulta emvárias alterações metabólicas e ultraestruturais (Quadro 1)12. Aisquemia diminui a fosforilação oxidativa celular com conseqüen-te falha na síntese de fosfato de alta energia incluindo ATP efosfocreatina. Esta profunda redução no estoque de energia inter-fere na homeostase celular alterando a função da bomba iônicaATP-dependente da membrana celular favorecendo a entrada decálcio, sódio e água, na célula. Altas concentrações de cálciointracelular degradam as proteínas e fosfolipídios. O aumento daprodução de radicais livres também contribui para a degradaçãode proteínas e fosfolipídios13. Além disso, o catabolismo dos

Quadro 1 - Efeitos celulares da isquemia12

Alteração no potencial de membranaAlteração na distribuição iônica ( Cálcio/Sódio intracelular)Edema celularDesorganização estruturalAumento de hipoxantinaDiminuição de Adenosina 5’-Trifosfatase (ATP)Diminuição de FosfocreatinaDiminuição de GlutationaAcidose celular

A

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nucleotídeos de adenosina, durante a isquemia, resulta em acúmulointracelular de hipoxantina a qual é convertida em espécies reativasdo metabolismo do oxigênio (ROS) quando o oxigênio éreintroduzido10.

As ROS incluem anions superóxidos (O2-), radicais hidroxila

(OH-), peróxido de hidrogênio (H2O

2), ácido hipocloroso (HOCl),

e hidroperoxila (HO2). São potentes agentes oxidantes e redu-

tores que lesam a membrana celular diretamente porperoxidação lipídica, atingindo todos os componentes celularesde maneira indistinta ampliando as lesões induzidas pelaisquemia12.

A lesão celular resultante da isquemia e da reperfusão podelevar à morte celular por dois mecanismos diferentes, necrose ouapoptose.

O processo de necrose, não utiliza energia e caracteriza-sepor edema celular e ruptura de organelas e da membrana celularseguida por uma reação inflamatória.

A apoptose, diferente da necrose, é uma forma programadade morte celular dependente de energia e inclui distintas fases dealterações estruturais como a condensação da cromatina nucleare retração celular. Os corpos apoptóticos contendo organelas ce-lulares e fragmentos nucleares são rapidamente fagocitados pe-las células vizinhas, sem resposta inflamatória. Os possíveis fato-res que deflagram a apoptose, na isquemia-reperfusão, incluem ageração de ROS, sobrecarga de cálcio e óxido nítrico. Dois meca-nismos principais tem sido caracterizados; um é via mitocôndriaque envolve a liberação mitocondrial do citocromo c, fator indutorde apoptose e provavelmente outros fatores como liberação decaspase 2 e 9, para o citosol. A liberação do citocromo c pareceser dependente da abertura dos poros de transição dapermeabilidade mitocondrial a qual está associada ao acúmulo decálcio e alterações do gradiente eletroquímico na mitocôndria. Outromecanismo inclui a ligação de receptores na superfície do sarcolemaao fator alfa de necrose tumoral (TNF-α). O resultado destes me-canismos é a ativação da cascata de caspases com conseqüenteclivagem protéica, fragmentação do DNA e finalmente morte ce-lular apoptótica10,14

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O processo de isquemia-reperfusão também ativa comple-mentos e formação de vários mediadores pró-inflamatórios quealteram a homeostase vascular. Entre os complementos o maisimportante é o C5a que além de estimular a ativação de leucócitose a quimiotaxia, amplifica a resposta inflamatória induzindo a pro-dução de citocinas, TNF-α, e interleucinas 1 e 6. O complementoC5b-9 aumenta a adesão de leucócitos e altera o tônus vascularpor inibição do relaxamento via endotélio-dependente. Em adi-ção, as ROS aumentam a ativação de leucócitos e quimiotaxia porativação da fosfolipase A2 da membrana celular10,12.

O passo inicial, no processo de ativação dos leucócitos,quimiotaxia, adesão dos leucócitos no endotélio e suatransmigração é o aumento da expressão da P-selectina endotelialque interage com um contrarreceptor leucocitário (PGSL-1) (Figu-ra 2)12. Esta interação inicial é frouxa e é seguida por uma interaçãomais firme com as moléculas de adesão intercelular (ICAM-1),mediada pelas β2 integrinas (CD11/CD18). A subseqüentetransmigração do leucócito para o interstício é facilitada por umamolécula de adesão celular endotélio-plaqueta (PECAM-1) locali-zada nas junções das células endoteliais.

Figura 2 - Ativação e transmigração de leucócitos.PGSL-1: contrarreceptor leucocitário; CD11/CD18: b2 integrinas nasuperfície dos leucócitos ; ICAM-1: molécula de adesão intercelular-1;PECAM-1: molécula de adesão celular endotélio-plaqueta-1.

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Quando os leucócitos ativados atingem o espaço intersticial,liberam ROS, proteases (colagenases e elastases) o que resultaem aumento da permeabilidade microvascular, edema, trombosee morte da célula do parênquima.

O acúmulo de leucócitos e plaquetas na parede do vaso re-presenta lesão adicional por seu efeito de obstrução microvascular(isquemia)1.

Assim, a isquemia-reperfusão de um órgão pode aumentara disponibilidade sistêmica de mediadores inflamatórios que ati-varão leucócitos com subseqüente disfunção vascular de órgãosdistantes do processo isquêmico inicial (figura3)15.

O conhecimento desta fisiopatologia é importante porqueum dos mecanismos envolvidos na cardioproteção promovida pe-los anestésicos voláteis é o bloqueio da expressão das moléculasque promovem adesão e transmigração dos leucócitos16.

Pré e Pós-Condicionamento

O pré-condicionamento é um fenômeno celular defensivoadaptativo. Refere-se ao mecanismo paradoxal no qual o pré-tratamento com breves estímulos potencialmente lesivos aumen-

Figura 3 - Ativação e transmigração de leucócitos

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ta a tolerância à lesão celular em resposta ao mesmo estímulosubseqüente. Assim, breves episódios de isquemia subletal pro-tegem da isquemia prolongada subseqüente. No pós-condiciona-mento os breves episódios de isquemia são aplicados na fase ini-cial de reperfusão. Estes dois fenômenos representam um meca-nismo protetor endógeno inerente a todos os tecidos com altoconsumo de energia.

Investigações sobre o mecanismo do pré-condicionamentoisquêmico levaram a observações, em animais, de que vários agen-tes farmacológicos podem desencadear um efeito tipo pré-condi-cionamento. Assim, o pré-condicionamento farmacológico seriauma forma mais segura que a isquemia para induzir cardioproteçãono ser humano17.

Os efeitos protetores decorrentes do pré-condicionamentoisquêmico são de duração limitada e podem ser divididos em duasfases. A fase inicial (pré-condicionamento precoce) ocorre imedi-atamente, à aplicação do estímulo, e induz uma proteção intensamas limitada a uma duração de 1 a 3 horas enquanto que a fasetardia (pré-condicionamento tardio) ocorre cerca de 12 a 24 ho-ras após o estímulo inicial e induz menor proteção que permanecepor 3 dias (Figura 4)16, 18.

Pré e Pós-Condicionamento Isquêmico

A hipótese sobre o mecanismo do pré-condicionamento é ade que a isquemia estimula receptores que ativarão vários medi-

Figura 4 - Fase de proteção inicial e tardia do pré-condicionamento

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adores intracelulares que por sua vez induzem ativação de um oumais efetor final que estabelece a proteção contra a isquemiaprolongada.

O estímulo isquêmico causa a liberação de mediadores celula-res incluindo a adenosina, bradicinina, noradrenalina, opióides e radi-cais livres. Estes mediadores ativam receptores na membrana celular,entre eles o de adenosina (A-1, A-3), endotelina (ET1), acetilcolina(M2), bradicinina (B2), opióides (δ1) e adrenérgicos (α1 e β), que sãoacoplados à proteína G. A importância de cada um destes receptoresdepende da espécie e do estímulo do pré-condicionamento16,17.

A ativação da proteína G gera uma cascata de eventos queresulta na ativação da proteína cinase C que retransmitirá o sinalpara o efetor final responsável pela resistência à lesão isquêmica,os canais de potássio ATP-dependente (K

ATP) situados na

mitocôndria e na membrana celular (Figura 5)16,20. Este é o meca-nismo postulado para o pré-condicionamento precoce.

Figura 5 - Mecanismo de pré-condicionamento isquêmico.ROS: espécies reativas de oxigênio; PKC: proteína cinase C; G:proteína G; K+:canais de potássio ATP-dependente; NO: óxido nítrico;iNOS:óxido nitrico sintase indutível; COX2: cicloxigenase2.

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A maioria dos estudos indica que a preservação da funçãomitocondrial, que ocorre como conseqüência da ativação dos ca-nais K

ATP, é de fundamental importância para os efeitos

cardioprotetores contra a isquemia. Seu papel, no aumento datolerância à isquemia, tem sido atribuído à redução na sobrecargade cálcio, melhor preservação dos estoques de energia e preven-ção da ativação das vias de necrose e apoptose13,16.

Além da sinalização direta para a proteção precoce, a proteínacinase C também ativa fatores de transcrição no núcleo celular queleva à expressão de proteínas que estão envolvidas em promover afase tardia da proteção. A fase tardia é caracterizada pela manuten-ção, durante vários dias, de sinais similares aos da fase precoce comativação dos canais K

ATP da mitocôndria e da membrana celular13,17.

Estudos indicam que sinais e vias envolvidas no mecanismodo pré-condicionamento atuam no pós-condicionamento. Acardioproteção resultante dos dois processos é equivalente19.

Pré e Pós-Condicionamento Anestésico

Os anestésicos voláteis são capazes de pré-condicionar direta-mente, ou indiretamente aumentar o pré-condicionamento isquêmicoresultando em proteção contra a lesão de isquemia-reperfusão5. Esteefeito é denominado pré-condicionamento anestésico cujo mecanis-mo ainda não está completamente elucidado, mas parece mimetizaraquele do pré-condicionamento isquêmico (Figura 6)20. Em adição, osanestésicos voláteis inibem a expressão das moléculas responsáveispela ativação dos leucócitos e melhoram a reatividade vascular pre-servando a capacidade de vasodilatação por ativação dos canais K

ATP,

redução do cálcio intracelular no músculo liso vascular e liberação deóxido nítrico20-22.

Recentemente, foi demonstrado que a anestesia por 1 horacom concentrações expiradas de sevoflurano entre 0,5 e 1,0%promove alteração da expressão gênica no sangue de voluntári-os. O resultado é a redução da expressão da L-selectina pró-infla-matória nos leucócitos e indução de resistência celular ao estímu-lo inflamatório que persiste por 24 a 48 horas após a exposição,consistente com a “segunda janela de proteção”23.

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Os anestésicos voláteis também mostram diminuição daextensão da lesão de reperfusão quando administrados logo noinício do período de reperfusão, à semelhança do pós-condiciona-mento isquêmico5,19.

Figura 6 - Mecanismo de pré-condicionamento anestésico.ROS: espécies reativas de oxigênio; PKC: proteína cinase C;G: proteína G; K+:canais de potássio ATP-dependente

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Considerando que o pré e pós-condicionamento anestésicoapresentam mecanismos semelhantes ao pré e pós-condicionamentoisquêmico, que são demonstrados em outros órgãos além do cora-ção, a utilização de agentes inalatórios teria uma aplicação clínicasignificante, particularmente nos procedimentos cirúrgicos que en-volvem alto risco de lesão de isquemia-reperfusão24. Adicionalmente,esta proteção se estende além do período de exposição da anestesia,promovendo através do pré-condicionamento tardio, o benefício daproteção no período vulnerável pós-operatório.

Pré e Pós-Condicionamento Anestésico e Proteção deÓrgãos

Cardioproteção - A isquemia miocárdica perioperatória é umsério evento adverso que pode aumentar a morbidade e a morta-lidade após cirurgias cardíacas e não cardíacas. Nos procedimen-tos não cardíacos, entre 18 e 74% dos pacientes com doençacoronariana apresentam isquemia miocárdica perioperatória5.Muitas abordagens têm sido propostas para prevenir ou diminuira isquemia miocárdica perioperatória. A maioria delas é direcionadapara a modulação da relação oferta/consumo de oxigênio pelomiocárdio incluindo antagonistas beta-adrenérgicos, agonistas alfa2ou bloqueadores de canal de cálcio.

Nos últimos anos, um grande número de estudos experi-mentais indica que os anestésicos voláteis conferem proteção con-tra as alterações provocadas pela isquemia miocárdica. Este efei-to protetor não tem sido simplesmente explicado pelas alteraçõesno fluxo coronariano ou na relação oferta/consumo de oxigêniopelo miocárdio. Os estudos mostram que os anestésicos voláteisapresentam efeitos diretos cardioprotetores. Eles diretamente pré-condicionam ou indiretamente aumentam o pré-condicionamentoisquêmico assim como promovem pós-condicionamento; estesefeitos resultam em proteção contra a lesão miocárdica isquêmicareversível e irreversível25.

Similar ao pré-condicionamento isquêmico, os anestésicosvoláteis desencadeiam memória do efeito cardioprotetor agudodeterminando efeito protetor após sua eliminação. A administra-

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ção de 1CAM de isoflurano, sevoflurano ou desflurano, em ratos,promove alterações no perfil de expressão das proteínas domiocárdio, que persistem por até 72 horas após a anestesia. Es-tas alterações no proteoma, associadas com funções na glicólise,respiração mitocondrial e resposta ao estresse, estão intimamen-te relacionadas à cardioproteção e ao pré-condicionamentoisquêmico o que indica vias comuns no dois mecanismos26. Assim,no pós-operatório, os anestésicos voláteis são capazes de desen-cadear as mesmas alterações bioquímicas da fase precoce dacardioproteção, com a vantagem de não necessitar de isquemiapara produzir o efeito.

No pré-condicionamento anestésico, as vias intracelularesde sinalização envolvem o receptor de adenosina, a proteína G, aproteína cinase C, a proteína tirosina cinase e os canais de K

ATP da

mitocôndria e do sarcolema5. Parece que o aumento das ROS é ofator principal para o início do pré-condicionamento anestésico.Isto é sugerido pela observação de que a adição de eliminadoresde ROS durante a exposição ao sevoflurano ou isoflurano bloqueiaa resposta do pré-condicionamento anestésico.

O aumento inicial das ROS resulta em ativação de uma se-qüência de eventos evidenciada pela ativação da proteína cinaseC, outra cascata de cinases tais como as proteínas cinases detirosina e proteínas cinases ativadas pelo mitógeno p38. A açãoprincipal destas vias intracelulares de mensagens parece ser aabertura dos canais de K

ATP. O resultado da abertura dos canais de

KATP

da mitocôndria é a redução do acúmulo de cálcio na mitocôndriae citosol e diminuição das grandes quantidades de ROS normal-mente formadas durante a reperfusão com melhor preservaçãoestrutural e funcional da célula. Em adição aos efeitos diretos nosmiócitos, o pré-condicionamento anestésico protege as célulasendoteliais das coronárias5.

Agentes que bloqueiam etapas desta cascata de eventosalteram o efeito da cardioproteção dos anestésicos voláteis. Obloqueio dos canais de K

ATP pela glibenclamida abole os efeitos

cardioprotetores do pré-condicionamento isquêmico e anestésico.O pré-tratamento com inibidor seletivo da cicloxigenase2 (COX-2)abole a cardioproteção tardia induzida pelo isoflurano sugerindo

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que a COX-2 tem um importante papel na fase tardia do pré-condicionamento anestésico27.

A administração de halotano, isoflurano, desflurano ousevoflurano, em coelhos, antes do período de isquemia miocárdica,resulta em diminuição da área de infarto, evidenciando o pré-condicionamento anestésico5,28. Esses mesmos agentes assim comoo enflurano quando administrados durante a reperfusão após operíodo de isquemia, também promovem proteção5,29. Além dis-so, dados recentes indicam que o pré-condicionamento anestési-co com um anestésico volátil é capaz de promover cardioproteçãoadicional após o pré-condicionamento isquêmico30.

Os efeitos benéficos evidentes do pré-condicionamento anes-tésico, na lesão miocárdica reversível e irreversível pós-isquêmica,em animais estimularam estudos clínicos para explorar se estesefeitos resultariam em melhor transcurso perioperatório.

Os estudos indicam que o pré-condicionamento anestésicoprovavelmente também ocorre no homem. Contudo, suas impli-cações na proteção contra as conseqüências da lesão isquêmicamiocárdica reversível e irreversível têm sido conflitantes entreos autores. A falta de homogeneidade nos resultados, quandocomparados aos dados em animais, provavelmente é conseqü-ência da aplicação do pré-condicionamento anestésico em dife-rentes momentos do procedimento cirúrgico, inclusão ou não dafase de “washout” (eliminação do anestésico antes do estímuloisquêmico), duração da isquemia e do pré-condicionamento anes-tésico.

A importância de diferentes modalidades de administraçãodo pré-condicionamento anestésico é evidenciada pelos resulta-dos de estudos nos quais os anestésicos voláteis foram adminis-trados durante todo período da anestesia. Nesta situação, os da-dos demonstram um efeito protetor clinicamente relevante tantonos marcadores de função miocárdica pós-operatória como nosmarcadores bioquímicos de lesão celular, quando comparados comos da técnica de anestesia intravenosa total. Quando administra-dos apenas como protocolo de pré-condicionamento anestésicoou durante a reperfusão, embora se observe recuperação maisprecoce do volume sistólico e menor liberação de troponina I que

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a técnica intravenosa total, a diferença não tem significância es-tatística31.

A melhor evolução pós-operatória de cirurgia cardíaca empacientes que recebem anestesia com anestésicos voláteis ficaevidenciada pelo menor tempo de internação na unidade de tera-pia intensiva e alta hospitalar mais precoce, quando comparadosaos que recebem anestesia intravenosa total.32-34

O real impacto destas ações protetoras na evolução dos pa-cientes tais como morbidade perioperatória e mortalidade, aindadeve ser estabelecido. Um estudo recente observou que a admi-nistração de 2 CAM de sevoflurano por 10 minutos, no início dacirculação extracorpórea antes do pinçamento da Aorta, foi asso-ciada com melhor evolução cardiovascular no primeiro ano de pós-operatório. Os pacientes que desenvolveram um novo evento ad-verso cardíaco (oclusão coronariana, insuficiência cardíacacongestiva) neste período eram os que tinham apresentado níveismais altos de biomarcadores de lesão miocárdica nas primeirashoras de pós-operatório, quando comparados aos que não apre-sentaram evento adverso. Portanto, a hipótese de que a proteçãoobservada neste primeiro ano, é conseqüência dos efeitos prote-tores iniciais, não pode ser excluída deste estudo.22

Importantes questões sobre o papel dos agentes voláteisna cardioproteção ainda permanecem nos estudos clínicos taiscomo: se os efeitos cardioprotetores são iguais entre os diferen-tes agentes, qual a concentração necessária para obter essesefeitos, qual o melhor momento para sua administração e porquanto tempo.

Vasos Sangüíneos - O pré-condicionamento isquêmico dosvasos sangüíneos tem o potencial de proporcionar proteção con-tra a lesão vascular e impedir a contribuição do endotélio noseventos pró-inflamatórios e trombogênicos associados à lesão deisquemia-reperfusão35.

Estudos, em animais e no homem, demonstram que o pré-condicionamento com anestésicos voláteis envolve a inibição deneutrófilos e redução na sua interação com o endotélio vascularapós a isquemia-reperfusão. Em corações isolados de rato, os

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neutrófilos pré-tratados com 1 CAM de isoflurano ou sevofluranoperdem sua capacidade de induzir disfunção contrátil, como re-sultado da redução de sua aderência ao endotélio. Quando foiutilizada concentração de 0,25 CAM, o isoflurano diminuiu, masnão aboliu os efeitos da ativação dos neutrófilos36. Este efeito éconsistente com observações de que o pré-tratamento com 1 CAMde halotano, isoflurano ou sevoflurano é capaz de diminuir a ex-pressão dos complementos CD11/CD18 na superfície dosneutrófilos37.

Recentemente, um estudo clínico prospectivo e aleatóriodemonstrou que o pré-condicionamento com sevoflurano, duran-te 10 minutos antes do pinçamento da Aorta, em pacientes sub-metidos à revascularização do miocárdio, diminuiu a expressãode PECAM-1 e aumentou a probabilidade de sobrevivência semevento adverso após 1 ano do procedimento cirúrgico22.

A proteção endotelial promovida pelos anestésicos voláteisdurante a isquemia-reperfusão, aliada a seus efeitos sobre osneutrófilos e plaquetas tem profunda implicações na manutençãoda integridade vascular durante a reperfusão. Esta proteçãovascular do pré-condicionamento anestésico é um dos mecanis-mos da proteção de órgãos. Considerando a importância dos va-sos no suprimento de nutrientes e oxigênio em todos os tecidos, opré-condicionamento anestésico poderia beneficamente afetar umagrande variedade de órgãos além do miocárdio24.

Pulmão - A principal complicação da lesão de isquemia-reperfusão do pulmão é a disfunção do endotélio vascular pulmo-nar que se manifesta por hipertensão pulmonar, aumento dapermeabilidade vascular, edema pulmonar e piora da troca gasosa.Após a circulação extracorpórea esses efeitos se manifestam clini-camente como lesão pulmonar aguda que se associa à ventilaçãomecânica prolongada com aumento da morbidade e mortalidade.

Estudos que avaliaram o isoflurano pela técnica de pré epós-condicionamento e o sevoflurano com pré-condicionamentodemonstraram que estes anestésicos protegem o pulmão isoladode rato através da inibição da liberação do TNF-α. Embora as pre-parações de pulmão isolado tragam resultados encorajadores so-

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bre o condicionamento com os anestésicos voláteis, estudos ex-perimentais in vivo e clínicos são necessários para definir o exatopapel destes agentes contra a lesão pulmonar de isquemia-reperfusão24.

Rim - Os resultados do efeito dos anestésicos voláteis sobrea proteção renal são promissores. Recentemente, foi demonstra-do que a administração de 1 CAM de halotano, isoflurano,sevoflurano ou desflurano antes e após a isquemia renal, promo-ve redução da necrose tubular mais que o pentobarbital ou acetamina. Este efeito foi atribuído à redução da resposta inflama-tória evidenciada pela redução de fatores como interleucina-8,TNF-α, e ICAM-1. Entretanto quando estes anestésicos foram ad-ministrados somente no período que antecede a isquemia, a pro-teção renal não foi evidenciada

7. Em contraste com este achado,

a administração de 1,5% de isoflurano durante 20 minutos antesda isquemia renal em ratos, resultou em níveis mais baixos deuréia e creatinina plasmáticas após 24 e 48 horas de reperfusão,quando comparado ao grupo não pré-condicionado38. A diferen-ça entre estes resultados pode ser explicada pelo fato de no pri-meiro estudo os animais terem sido acordados totalmente, paraevitar resíduo de anestésico, antes de novamente receberem novaanestesia com pentobarbital para a realização dos processos deisquemia e reperfusão.

Em ratos, a administração de 1 CAM de desflurano duranteos 15 minutos iniciais de reperfusão, após períodos de 30 minutosde isquemia, conferiu proteção renal avaliada pelo clearance decreatinina, cistatina C e excreção fracionada de sódio39.

O sevoflurano apresenta efeito antiinflamatório e antinecrótico,in vitro, nas células do túbulo proximal de rim humano40.

Na prática clínica, uma potencial aplicação clínica da prote-ção renal com os anestésicos voláteis foi ilustrada em recenteestudo onde foi demonstrado que o pré-tratamento com 2 CAMde sevoflurano, por um período de 10 minutos no início da circu-lação extracorpórea, antes do pinçamento da Aorta, melhorou afiltração glomerular pós-operatória avaliada pela concentraçãoplasmática de cistatina C. Os autores destacam que o modelo

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deste estudo não permitiu diferenciar se este efeito nefroprotetoré resultado da ação direta do sevoflurano sobre o tecido e/ouvascularização renal ou se reflete a melhor preservação da funçãocardíaca também observada nestes pacientes41.

Fígado - A lesão de isquemia-reperfusão hepática está en-volvida na disfunção hepática intra e pós-operatória de situaçõescomo o transplante hepático, em operações no fígado que neces-sitem de pinçamento da veia porta e exclusão vascular hepática,e no choque hemorrágico ou séptico.

Em preparações de fígado isolado de rato, a administraçãode 2 CAM de halotano, isoflurano ou sevoflurano não apenas di-minui o consumo basal de oxigênio como também protege dalesão de isquemia-reperfusão hepática evidenciada pela diminui-ção da lactato desidrogenase durante o período de reperfusão8.

Estudo em porcos mostrou que a anestesia com isofluranoconfere maior proteção contra a isquemia hepática que o halotanoe o enflurano. Na reperfusão, a recaptação do lactato pelo fígadoretornou aos valores pré-isquemia apenas nos animais anes-tesiados com isoflurano; naqueles que receberam anestesia comhalotano ou enflurano a recuperação desta capacidade foi de 30 e50%, respectivamente42.

A enzima heme oxigenase-1 (HO-1) é essencial para a fun-ção normal do fígado e tem papel protetor fundamental na expo-sição hepática ao estresse. Os subprodutos resultantes de suaatividade apresentam propriedades antioxidantes e potentes efeitosantiinflamatórios. Pode-se especular que a indução de HO-1 poranestésicos voláteis é parte de um efeito de pré-condicionamentoe que o pré-tratamento com estes agentes pode ser benéfico paraatenuar a lesão de isquemia-reperfusão hepática. Em ratos, a admi-nistração de 1,7 CAM de isoflurano ou sevoflurano, durante 6 ho-ras, é capaz de induzir a HO-1 enquanto que a de desflurano, nasmesmas condições, não é43.

Há necessidade de estudos clínicos para avaliar o impactodo pré-condicionamento com os anestésicos inalatórios na funçãohepática em situações associadas com isquemia-reperfusão dofígado humano.

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Intestino - O papel dos anestésicos voláteis na lesão deisquemia-reperfusão do intestino não tem sido investigado. Osdados disponíveis são limitados aos efeitos destes agentes na cir-culação esplâncnica.

Dados clínicos obtidos por fluxometria laser-doppler mos-tram que a anestesia com 1 CAM de desflurano foi associada amaior fluxo sangüíneo no jejuno que 1 CAM de isoflurano, suge-rindo que o desflurano seria particularmente benéfico nos pacien-tes de alto risco44.

Estudos experimentais demonstram que os anestésicos vo-láteis reduzem a interação deletéria entre leucócitos e endotélioda microcirculação mesentérica. Pode-se especular que este fe-nômeno beneficiaria o intestino durante condições de isquemia-reperfusão24.

Sistema Nervoso Central

Cérebro - A lesão de isquemia-reperfusão do cérebro estápresente em muitas enfermidades como acidente vascular cere-bral, traumatismo craniano e vários procedimentos cirúrgicos comoa endarterectomia de carótida, ressecção de aneurismaintracraniano ou correções na aorta sob parada circulatória emhipotermia. A lesão de isquemia-reperfusão pode clinicamentemanifestar-se como significante piora das funções sensitivas,motoras e cognitivas. Embora muitas estratégias têm sido pro-postas para reduzir a lesão de isquemia-reperfusão, métodos prá-ticos clínicos ainda não estão bem estabelecidos24.

Há evidências que os anestésicos voláteis administrados du-rante a isquemia cerebral confere neuroproteção como demonstra-do em modelos de isquemia global, focal e hemisférica. Este efeitoneuroprotetor dos anestésicos voláteis, por muito tempo, foi atribu-ído à profunda redução do metabolismo cerebral quando adminis-trados em concentrações clínicas. Atualmente, a maioria dos meca-nismos propostos para este efeito neuroprotetor enfatiza a ação destesanestésicos em canais iônicos que contribuem para a morte celularpor excitotoxicidade decorrente do acúmulo de glutamato no espaçoextracelular durante a isquemia. Os anestésicos inalatórios adminis-

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trados antes (pré-condicionamento) ou durante (neuroproteção) aisquemia cerebral, são protetores através da modulação daexcitotoxicidade. Este efeito ocorre por inibição da liberação deglutamato, potenciação da neurotransmissão gabaérgica e antago-nismo dos receptores de glutamato (AMPA e NMDA) que atenua oaumento de cálcio intracelular induzido pela isquemia.

Paradoxalmente, o aumento do cálcio intracelular induzido pelosanestésicos voláteis pode estar envolvido no pré-condicionamentodo cérebro isquêmico. Tais alterações no cálcio intracelular modulamprocessos protetores dependentes do cálcio envolvendo a calmodulina.

Os efeitos neuroprotetores dos inalatórios podem ocorrerpor inibição da formação de ROS na mitocôndria e citoplasma,eliminação de radicais livres e inibição da degeneração da mem-brana e da peroxidação lipídica. Também pode estar envolvida aativação do receptor de adenosina A1 com conseqüente ativaçãodos canais K

ATP mitocondrial para a indução de tolerância cerebral.

Em adição, é postulado que os anestésicos inalatórios redu-zem ou retardam a apoptose pela ativação da proteína cinase B epor diminuição da expressão de uma proteína indutora de apoptose.

Os mecanismos de neuroproteção pelos anestésicos volá-teis estão esquematizados na figura 724,45. Contudo, a maioria dosestudos sobre neuroproteção com anestésicos voláteis demonstraque esta proteção não é mantida por muitos dias. Assim, foi ob-servado que a neuroproteção induzida pelo isoflurano foi evidenteapenas até o quarto dia após a isquemia. A área de infarto cere-bral após 7 dias se igualava entre os ratos que haviam recebidoisoflurano e os que não receberam46.

Considerando que a lesão isquêmica é um processo dinâ-mico caracterizado pela perda de neurônios por até 14 dias de-pois da isquemia, a neuroproteção conferida pelos anestésicosvoláteis tem sido evidente logo após a isquemia, mas sua manu-tenção por períodos mais prolongados ainda é controversa.

Estudo recente demonstrou que o sevoflurano pode serneuroprotetor na isquemia focal e global e que estes efeitos semantêm até o 28º dia de observação47.

O sevoflurano produz neuroproteção contra a lesão neurológicadevida à isquemia cerebral global induzida pela parada cardíaca. Além

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disso, a administração repetida, por 4 dias consecutivos, de sevofluranoinduziu pré-condicionamento contra a lesão neurológica decorrentede isquemia induzida 24 horas após a interrupção do anestésico3.

In vitro, o sevoflurano e o desflurano diminuem a apoptosee a morte da célula nervosa decorrentes da falta de oxigênio e deglicose48.

A administração de óxido nitroso durante isquemia cerebralglobal incompleta, aumenta os danos isquêmicos e resulta em pio-ra do prognóstico neurológico quando comparado com a anestesiacom isoflurano ou halotano. O óxido nitroso pode também atenuaras propriedades neuroprotetoras dos anestésicos voláteis45.

Quanto ao xenônio, vários estudos indicam que este agentepode ter efeitos benéficos na lesão cerebral associada à circulaçãoextracorpórea, em roedores. Contudo, exacerba a lesão cerebralisquêmica em ratos, em modelo que combina a circulaçãoextracorpórea com embolia aérea cerebral45.

Os estudos clínicos envolvendo neuroproteção com os anes-tésicos voláteis são escassos. Pacientes anestesiados comdesflurano não apresentaram diminuição da oxigenação do tecidocortical quando a oclusão temporária da artéria cerebral média foirealizada sob aumento da concentração de desflurano para 9%para produzir ondas de supressão. Aqueles que receberamtiopental, suficiente para produzir ondas de supressão similaresdurante a oclusão, apresentaram diminuição da oxigenação49.

O efeito da diminuição da hemoglobina para valores entre7,6 e 8,0 g/dL promove saturação de oxigênio no bulbo da jugularmais baixa durante anestesia com propofol (55±8%) quando com-parada à anestesia com sevoflurano 1% associado ao óxido nitroso60% (71±10%). Entretanto, a diminuição da saturação cerebralde oxigênio é similar entre os dois agentes50.

Medula Espinhal - A lesão da medula espinhal após um perí-odo de isquemia perioperatória é uma complicação bem conheci-da de operações na aorta torácica ou tóraco-abdominal.

O pré-condicionamento com 0,5, 1,0 e 1,5 CAM de isofluranoem modelo de isquemia transitória da medula espinhal, em coe-lhos, promoveu proteção contra a lesão neurológica isquêmica

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precoce de modo dose dependente, via ativação dos canais deK

ATP da mitocôndria24.

A exposição repetida de 1 CAM de isoflurano induziu pré-condicionamento tardio contra a lesão isquêmica da medula espi-nhal depois de 24 e 48 horas, em coelho. Este efeito se manifes-tou através de melhor função motora e menos alteraçõeshistopatológicas51. Estes achados sugerem que o pré-condiciona-mento com isoflurano induz tolerância à isquemia precoce e tar-dia na medula espinhal assim como no cérebro.

No rato, o pré-condicionamento com sevoflurano não foicapaz de reduzir a lesão neurológica decorrente da isquemia damedula espinhal52.

Figura 7 - Unidade neurovascular: mecanismos envolvidos naneuroproteção com os anestésico inalatórios.Os mecanismos neuroprotetores estão em azul e os de pré-condicionamento anestésico em verde. Os mecanismos que estão sendoinvestigados tanto para neuroproteção como para pré-condicionamentoestão em vermelho.FSCr: fluxo sangüíneo cerebral regional; Bax: proteína indutora deapoptose; TMC: taxa de metabolismo cerebral; iNOS:óxido nitricosintase indutível; NO: óxido nitrico, cGMP:monofosfato de guanosinacíclica; Akt: proteína cinase B; MAPK p38 : proteínas cinases ativadaspelo mitógeno p38; ERK: cinase regulada por sinais extracelulares;CCPDK II: proteína cinase II dependente de cálcio/calmodulina; [Ca+2]i:cálcio intracelular.

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* TSA/SBAProfessora Adjunta da Disciplina de Anestesiologia Dor e Terapia Intensi-va Cirúrgica UNIFESP-Escola Paulista de MedicinaMembro da Comissão Examinadora do Título Superior em Anestesiologia