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Volume 28 - Número Especial - 2008 Ensaios FEE Secretaria do Planejamento e Gestão Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser ISSN 0101-1723 Pobreza rural no Rio Grande do Sul: comparando abordagens Ely José de Mattos e Paulo Dabdab Waquil Elementos metodológicos necessários a uma teoria totalizante do desenvolvimento, ou a totalidade real do desenvolvimento regional Glaucia Campregher Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas: um estudo para os municípios do Rio Grande do Sul — 1970-01 Cristiano Aguiar de Oliveira, Paulo de Andrade Jacinto e Priscila Albina Grolli Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geral computável Alexandre Alves Porsse Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03 Liderau dos Santos Marques Junior O arranjo de máquinas e implementos agrícolas do Rio Grande do Sul: infra- -estrutura produtiva, educacional e institucional Ana Lúcia Tatsch Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS Sérgio Roberto Kapron e Carlos Nelson dos Reis Estrutura espacial das aglomerações e determinação dos salários industriais no Rio Grande do Sul Leonardo M. Monasterio, Mauro Salvo e Otavio Menezes Damé Precarização do trabalho: avaliando a deterioração do mercado de trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre Míriam De Toni Uma análise exploratória dos fatores que condicionam a participação dos jovens nas atividades de estudo e trabalho, na Região Metropolitana de Porto Alegre Jéferson Daniel de Matos e Raul Luís Assumpção Bastos As exportações de calçados do Rio Grande do Sul: uma avaliação dos efeitos da política cambial brasileira e dos condicionantes externos no período 2000-05 Eduardo Barbosa e Augusto Mussi Alvim Aspectos econômicos do impacto da Lei de Incentivo à Cultura (LIC-RS) na indústria cinematográfica gaúcha Mauro Salvo

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Volume 28 - Número Especial - 2008

Ensaios FEESecretaria do Planejamento e Gestão

Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser

ISSN 0101-1723

Pobreza rural no Rio Grande do Sul: comparando abordagensEly José de Mattos e Paulo Dabdab Waquil

Elementos metodológicos necessários a uma teoria totalizante do desenvolvimento,ou a totalidade real do desenvolvimento regionalGlaucia Campregher

Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:um estudo para os municípios do Rio Grande do Sul — 1970-01Cristiano Aguiar de Oliveira, Paulo de Andrade Jacinto e Priscila Albina Grolli

Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geralcomputávelAlexandre Alves Porsse

Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03Liderau dos Santos Marques Junior

O arranjo de máquinas e implementos agrícolas do Rio Grande do Sul: infra--estrutura produtiva, educacional e institucionalAna Lúcia Tatsch

Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção de Máquinas eImplementos Agrícolas do RSSérgio Roberto Kapron e Carlos Nelson dos Reis

Estrutura espacial das aglomerações e determinação dos salários industriais no RioGrande do SulLeonardo M. Monasterio, Mauro Salvo e Otavio Menezes Damé

Precarização do trabalho: avaliando a deterioração do mercado de trabalho naRegião Metropolitana de Porto AlegreMíriam De Toni

Uma análise exploratória dos fatores que condicionam a participação dos jovens nasatividades de estudo e trabalho, na Região Metropolitana de Porto AlegreJéferson Daniel de Matos e Raul Luís Assumpção Bastos

As exportações de calçados do Rio Grande do Sul: uma avaliação dos efeitos dapolítica cambial brasileira e dos condicionantes externos no período 2000-05Eduardo Barbosa e Augusto Mussi Alvim

Aspectos econômicos do impacto da Lei de Incentivo à Cultura (LIC-RS) na indústriacinematográfica gaúchaMauro Salvo

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ISSN 0101-1723

SECRETARIA DO PLANEJ AMENTO E GESTÃOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICASiegfried Emanuel Heuser

Ensaios FEEEnsaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística SiegfriedEmanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de carátertécnico-científico da área de economia e demais ciências sociais.

Semestral

CONSELHO EDITORIALMaria Lucrécia CalandroOctavio ConceiçãoAchyles Barcelos da CostaEdward J. AmadeoElmar AltvaterFrançois ChesnaisJosé Vicente Tavares dos SantosLeonardo Guimarães NetoLuis Carlos Bresser PereiraNelson Giordano DelgadoPascal ByéPierre SalamaRicardo TauileRoberto Camps de Moraes

CONSELHO DE REDAÇÃOMaria Lucrécia CalandroAndré Luis ContriEnéas Costa de SouzaIsabel Noemia Junges RückertLuiz Augusto Estrella FariaTanya Maria Macedo Barcellos

EDITOR

Maria Lucrécia Calandro

SECRETÁRIA EXECUTIVA

Lilia Pereira Sá

Ensaios FEE Porto Alegre v. 28 Número Especial p. 607-916 2008

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SECRETARIA DO PLANEJ AMENTO E GESTÃOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Eman uel HeuserCONSELHO DE PLANEJAMENTO: Adelar Fochezatto (Presidente), André Luis Campos, Ernesto DornellesSaraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e Thômaz Nunnenkamp.CONSELHO CURADOR: Carla Giane Soares da Cunha, Flávio Pompermayer e Lauro Nestor Renck .DIRETORIA

PRESIDENTE: Adelar FochezattoDIRETOR TÉCNICO: Octavio ConceiçãoDIRETOR ADMINISTRATIVO: Nóra Angela Gundlach Kraemer

CENTROSESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Roberto da Silva WiltgenPESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Míriam de ToniINFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Adalberto Alves Maia NetoINFORMÁTICA: Luciano ZanuzEDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova NonnigRECURSOS: Alfredo Crestani

Ensaios FEE está indexada em:Ulrich's International Periodicals DirectoryÍndice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE)Journal of Economic Literature (JEL)

ENSAIOS FEE /Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – v. 1, n. 1 (1980) - . - Porto Alegre: FEE, 1980 – . – v. - Semestral Do v. 17 ao v. 22, deixa de ter paginação continuada. Índices: v. 1 (1980) – 9 (1988) em v. 9, n. 2; v. 10 (1989) – 11 (1990) em v. 11, n. 2; v. 12 (1991) – 15 (1994) em v. 16, n. 2.

ISSN 0101-1723

1. Economia – periódicos. 2. Estatística – periódicos. I. Fundação de Economia e Esta- tística Siegfried Emanuel Heuser.

CDU 33(05)

Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)Revista Ensaios FEE - SecretariaRua Duque de Caxias, 1691 — Porto Alegre, RS — CEP 90010-283Fone: (51) 3216-9132 Fax: (51) 3216-9134 E-mail: [email protected] Page: www.fee.rs.gov.br

Tiragem: 250 exemplares.

As opiniões emitidas nesta revista são de exclusiva responsabilidade dos autores, não exprimindo, neces-sariamente, um posicionamento oficial da FEE ou da Secretaria do Planejamento e Gestão.

É permitida a reprodução dos artigos publicados pela revista, desde que citada a fonte. São proibidas asreproduções para fins comerciais.

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Editorial

Este número especial da revista Ensaios FEE , apresentado apenas emversão on-line, reúne uma coletânea de artigos selecionados do III Encontro deEconomia Gaúcha (III EEG), evento promovido, em parceria, pela Fundação deEconomia e Estatística (FEE) e pela Faculdade de Administração, Contabilidadee Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FACE--PUCRS), realizado nos dias 25 e 26 de maio de 2006. A divulgação desta terceiraedição especial da Revista confirma o êxito desse encontro, que, a cada edição,recebe um número maior de artigos, os quais contribuem para o debate dequestões socioeconômicas do Rio Grande do Sul.

A seleção dos artigos foi realizada em duas etapas. Na primeira, oscoordenadores de mesa selecionaram alguns textos dentre os apresentadosnas respectivas mesas; na etapa seguinte, esses artigos foram encaminhados àapreciação de um grupo de pareceristas anônimos, formado por pesquisadoresda FEE e por professores da FACE-PUCRS, da Unisinos e da UFRGS. A avaliaçãodesses artigos seguiu os critérios editoriais da Revista. Com base nos pareceres,a equipe formada pelo coordenador do III EEG, por um representante dos demaisintegrantes da comissão organizadora e pelo Editor da Revista selecionou os 12artigos que compõem este número especial, que trata de temas relevantes parao Estado do Rio Grande do Sul, dentre eles, política fiscal, aglomeraçõesindustriais e mercado de trabalho.

Agradecemos o grupo de pareceristas, sem o qual a divulgação desta ediçãonão seria possível, pela disponibilidade e competência na difícil e trabalhosatarefa de avaliação, bem como as direções da FACE-PUCRS e da FEE e aComissão Organizadora do III EEG, presidida pelo Professor Adalmir AntonioMarquetti e integrada por professores da PUCRS e por pesquisadores da FEE,pelo apoio na organização e na divulgação deste número especial da revistaEnsaios FEE .

O Editor

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Sumário

Pobreza rural no Rio Grande do Sul: comparando abordagens —Ely José de Mattos e Paulo Dabdab Waquil ............................

Elementos metodológicos necessários a uma teoria totalizante dodesenvolvimento, ou a totalidade real do desenvolvimento regional —Glaucia Campregher .............................................................

Crescimento econômico e convergência com a utilização deregressões quantílicas: um estudo para os municípios do RioGrande do Sul — 1970-01 — Cristiano Aguiar de Oliveira , Paulode Andrade Jacinto e Priscila Albina Grolli ...........................

Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análisede equilíbrio geral computável — Alexandre Alves P orsse ............

Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande doSul —1970-03 — Liderau dos Santos Marques Junior .............

O arranjo de máquinas e implementos agrícolas do Rio Grande doSul: infra-estrutura produtiva, educacional e institucional — AnaLúcia Tatsc h ..........................................................................

Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção deMáquinas e Implementos Agrícolas do RS — Sérgio RobertoKapron e Carlos Nelson dos Reis ..........................................

Estrutura espacial das aglomerações e determinação dos saláriosindustriais no Rio Grande do Sul — Leonar do M. Monasterio ,Mauro Salvo e Otavio Menezes Damé .......................................

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Precarização do trabalho: avaliando a deterioração do mercado detrabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre — Míriam De Toni

Uma análise exploratória dos fatores que condicionam a participaçãodos jovens nas atividades de estudo e trabalho, na RegiãoMetropolitana de Porto Alegre — Jéferson Daniel de Matos e RaulLuís Assumpção Bastos ...........................................................

As exportações de calçados do Rio Grande do Sul: uma avaliaçãodos efeitos da política cambial brasileira e dos condicionantes externosno período 2000-05 — Eduardo Barbosa e Augusto Mussi Alvim

Aspectos econômicos do impacto da Lei de Incentivo à Cultura(LIC-RS) na indústria cinematográfica gaúcha — Mauro Salvo .......

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Rural poverty in Rio Grande do Sul: comparing approaches — ElyJosé de Mattos e Paulo Dabdab Waquil ................................

Methodological aspects in development theory, or the concrectreality regional development — Glaucia Campregher ....................

Economic growth and convergence with quantile regression: a studyto Rio Grande do Sul municipalities — 1970-01 — Cristiano Aguiarde Oliveira , Paulo de Andrade Jacinto e Priscila Albina Grolli

The increase of the ICMS of Rio Grande do Sul in 2005: acomputable general equilibrium analysis — Alexandre AlvesPorsse ...................................................................................

The determinants of fiscal policy in the State of Rio Grande do Sul —1970-03 — Liderau dos Santos Marques Junior ....................

Agricultural machinery and implements local productivearrangement in Rio Grande do Sul — Ana Lúcia Tatsc h .............

Growth and concentration in the local production system ofagricultural machines and implements in RS — Sérgio RobertoKapron e Carlos Nelson dos Reis ..........................................

The spatial structure of agglomerations and industrial wages inRio Grande do Sul — Leonar do M. Monasterio , Mauro Salv o eOtavio Menezes Damé ...............................................................

Summary

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Precarization of work: evaluating the labour market precarization inthe metropolitan area of Porto Alegre — Míriam De Toni ............. 825

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An exploratory analysis of the factors that condition the youthparticipation in activities of study and work in the metropolitan areaof Porto Alegre — Jéferson Daniel de Matos e Raul Luís AssumpçãoBastos .......................................................................................

The footwear exportation in Rio Grande do Sul: an evaluation ofbrazilian rate exchange effects and other determinants factors in 2000--05 — Eduardo Barbosa e Augusto Mussi Alvim .....................

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The economic impact of Rio Grande do Sul's "Act for the advancementof culture" (LIC-RS) on its film industry — Mauro Salvo .................. 895

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Pobreza rural no Rio Grande do Sul: comparando abordagens

Pobreza rural no Rio Grande do Sul:comparando abordagens*

Ely José de Mattos** Mestre em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da UFRGSPaulo Dabdab Waquil*** Professor do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE), do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios (Cepan) da UFRGS

ResumoA pergunta que norteia este artigo é: quem pode ser considerado pobre? O quepropomos neste artigo é traçar um comparativo entre a abordagem tradicional(monetária) e uma abordagem multidimensional, a Abordagem das Capacitaçõesde Amartya Sen, para discutir essa pergunta contextualizada no ambiente rural.Diferentemente da tradicional, a Abordagem das Capacitações leva emconsideração os aspectos qualitativos (multidimensionais) da vida das pessoas,aquilo que elas são capazes de ser e fazer (funcionamentos). Os resultadosmostram diferenças consideráveis entre as duas abordagens. Um delas dizrespeito à importância da renda na avaliação do bem-estar (que é bastantediversa nas duas abordagens), e a outra está relacionada à importância dasestruturas multidimensionais avaliadas pela Abordagem das Capacitações.

Palavras-chavePobreza rural; abordagem monetária; Abordagem das Capacitações.

* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

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AbstractMost of the poverty indicators are based on monetary resources, where incomeis the main criteria to classify people as poor or not-poor. However, even takinginto consideration that this approach is widely accepted and consolidated, onequestion seems to persist: what is it to be poor in fact? What we are proposing inthis paper is to establish a comparative between the monetary approach (traditionalapproach) and a multidimensional approach, namely the Capability Approach,proposed by Amartya Sen. This paper discusses both the theoretical aspects ofthe approaches and presents an empirical implementation applied to the ruralareas of the state of Rio Grande do Sul.

Key wordsPoverty; monetary approach; Capability Approach.

Classificação JEL: O15.

1 Introdução

Indicadores tais como número de pessoas em condição de pobreza, pobrezaextrema, dentre outros de mesmo cunho, estão constantemente no contextodos discursos de órgãos como a ONU, o Banco Mundial, os governos e asorganizações não-governamentais (ONGs). Porém, paradoxalmente, ao mesmotempo em que existe a preocupação com relação a esses indicadores, coexisteo debate cada vez mais sério sobre o que significa pobreza afinal. O que é serpobre? A resposta a essa pergunta é de fundamental importância para qualquertipo de ação que venha a ser tomada com relação a esse fenômeno.

Nas décadas de 50 e 60 do século XX, o crescimento econômico era oprincipal objetivo em termos de política e de planejamento econômico. A reduçãoda pobreza, quando contemplada, era entendida como beneficiária direta dequalquer crescimento obtido. Na década de 70, começaram a surgir ações maisvoltadas às questões da pobreza em especial, com políticas de necessidadesbásicas e de cunho mais assistencialista. Atualmente, o debate já está emoutro patamar. Existe maior clareza acerca da gravidade da pobreza e de suasdiversas dimensões. Entretanto isso não é suficiente para que se dissolva o

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debate recém-colocado, ao contrário, parece acirrá-lo: como classificar uma pes-soa como pobre? Qual seria a melhor linha de pobreza?

Nas palavras de Laderchi, Saith e Stewart (2003, p. 3):

A abordagem corrente para identificação de pobreza e formulação depolíticas é um pouco confusa: por um lado, existe o reconhecimento da suamultidimensionalidade, combinada com uma abordagem de escolha compouca coerência entre os estudos. Por outro lado, na prática, a abordagemmonetária retém sua dominância em descrição e análise, tanto nacionalcomo internacional.1

Apesar de um considerável afluxo de pesquisa e de produção científicanessa área, onde se procura delinear, de maneira mais precisa, esse fenômeno,a abordagem tradicional (monetária) ainda obtém maior respaldo, pois exercemaior fascínio sobre os responsáveis pelas políticas públicas e sobre muitospesquisadores também.

A discussão que está por trás dessa questão diz respeito ao espaçoinformacional utilizado nas avaliações. Em outras palavras, o debate sobrepobreza está baseado na escolha de um conjunto de informações que sejacapaz de definir se um indivíduo é pobre, ou não (renda, utilidade, exclusãosocial, etc.). É nessa direção que aponta o trabalho do economista e filósofoindiano, vencedor do Nobel de Economia em 1998, Amartya Kumar Sen. Elepropõe uma maneira diferenciada para se analisar bem-estar, utilizando umespaço informacional muito diferente daqueles conhecidos até então (Sen, 2000;2001): a Abordagem das Capacitações. Segundo Sen (2000), o bem-estar deuma pessoa deve ser avaliado com base na liberdade que a mesma tem paralevar a vida que ela, com justiça, valoriza, ou seja, com base naquilo que ela écapaz de ser e fazer. Dessa forma, Sen contribui para uma definição alternativade pobreza, com uma base informacional mais ampla do que aquela utilizada naabordagem monetária clássica, uma base por natureza multidimensional.

Assim, como já destacado por Laderchi, Saith e Stewart (2003), estabele-ce-se uma espécie de impasse: o reconhecimento de que a pobreza émultidimensional, por um lado, e, ainda, a fidelidade à abordagem clássica(unidimensional, por definição) por outro. Explicações para tal situação podemter várias raízes. Entretanto acreditamos que duas delas são fundamentais: (a)a dificuldade em operacionalizar abordagens de cunho multidimensional,

1 No original: “The current approach to the identification of poverty and policy formulation israther messy: on the one hand, there is acknowledgment of its multidimensionality, combinedwith a pick and choose approach in advocacy with little consistency across studies. On theother hand, in practice, the monetary approach mostly retains its dominance in descriptionand analysis, both nationality and internationality” (Laderchi; Saith; Stewart, 2003, p. 3).

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dado que trabalham geralmente com conceitos complexos, por exemplo,“liberdades”; e (b) o fato de que muitas tentativas de formulação de indicadoresmultidimensionais acabaram concluindo que a variável renda era a querespondia pela maior parte da variância do indicador dentre as diferentessituações de pobreza, logo, corroborando a utilização da renda como proxypara as outras dimensões.

Este artigo tem como principal objetivo fazer um comparativo empíricoentre a abordagem tradicional de identificação de pobreza e a Abordagem dasCapacitações proposta por Amartya Sen. Configura-se, assim, uma contribuiçãoao debate acerca daqueles dois pontos citados acima com relação àsdificuldades em utilizar abordagens de cunho multidimensional. Para tal, oreferencial teórico — na seção 2 — irá tratar de conceitos básicos dessas duasabordagens, necessários à sua operacionalização.

Trabalharemos com áreas rurais do Rio Grande do Sul. Dessa forma, alémde lidar com uma realidade bastante peculiar com relação à pobreza — como éo caso do meio rural —, estamos dando continuidade aos trabalhos que vêmsendo desenvolvidos pelos autores, em conjunto com um grupo de pesquisamaior, sobre a pobreza rural no Estado (Waquil; Mattos, 2002; 2003).

2 Referencial teórico

2.1 Abordagem tradicional (monetária)

Essa abordagem identifica (e mensura) a pobreza com base na insuficiênciade rendimentos, dado um determinado ponto de referência: a linha de pobreza.Essas linhas de pobreza podem ser estabelecidas a partir de vários critérios,desde salários mínimos até em relação ao número de proteínas e caloriasnecessárias para manter determinado padrão de nutrição. Obviamente, todaselas são traduzidas em termos monetários, o que implica assumir preços demercados para as mercadorias, além de atribuir preços a elementos que nãopodem ser adquiridos nesses mercados. Para uma revisão bastante abrangentea respeito de linhas de pobreza, conceitos e estimações, ver os trabalhos deRavallion (1998) e Hagenaars e Praag (1985).

Esse tipo de abordagem está calcado, em última análise, nos fundamentosda teoria microeconômica. Mais especificamente, busca respaldo no problemade maximização da utilidade do consumidor: existe o interesse de se maximizara utilidade total, e os preços (que são fundamentais na estimação das linhas depobreza) são componentes condicionantes para a solução desse problema.

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Pobreza rural no Rio Grande do Sul: comparando abordagens

Quando os preços relativos são igualados à relação das utilidades marginaisdas mercadorias, obtém-se o ponto ótimo. A idéia central é classificar pessoasque não estão alcançando determinados pontos ótimos por falta de renda —esses pontos ótimos estabelecidos são as próprias linhas, por assim dizer.2

Conforme destacam Laderchi, Saith e Stewart (2003, p. 8), a principalsuposição que sustenta a solução desse problema e sua tradução para umadeterminada linha de pobreza é a de que “[...] com ferramentas apropriadamentepreparadas, métricas monetárias uniformes podem levar em consideração todaheterogeneidade relevante entre indivíduo e suas situações”.3 Para tal, outras(fortes) suposições têm de ser assumidas: (a) utilidade é uma definição adequadade bem-estar; (b) gasto monetário é uma medida satisfatória de utilidade; (c)queda de utilidade leva ao que chamamos de “pobreza”; e (d) essa queda deutilidade é uma justificativa válida para a linha de pobreza.

Tendo essas suposições em mente, no contexto desta abordagem existeuma série de medidas fundamentais com relação à pobreza (Comim; Bagolin,2002). Conforme destacam os autores, a medida mais básica com relação àinsuficiência de renda é a “proporção de pobres” (P0). Essa medida indica aproporção de pessoas que se encontram abaixo da linha de pobreza estabelecida,sem fazer nenhuma distinção entre elas. Importante lembrar: não existe aquinenhuma referência à intensidade da pobreza.

Outra medida conhecida é a P1, que é o “hiato médio de renda”. É utilizadapara, em certa medida, remediar a negligência da P0 com relação à intensidadeda pobreza. Ela calcula a diferença de renda dos indivíduos com relação à linhada pobreza. Na tentativa de incorporar questões distributivas, existe a P2. Essamedida é chamada de “hiato de renda quadrático médio”. Entre medidas P2 estãoa medida de Sen (1981) e a de Foster, Greer e Tholbecke (1984). Esta última,por exemplo, liga os pesos dos hiatos de renda ao grau de desigualdade entre osindivíduos, ponderando esse hiato pelo seu quadrático (Comim; Bagolin, 2002).

Além dessas recém-citadas, existem muitas outras medidas de pobrezaque podem ser derivadas da abordagem monetária. As que incorporamdesigualdade na distribuição da renda são exemplos de medidas queexperimentaram considerável desenvolvimento na década de 90, por exemplo.

2 Esse procedimento está associado à estimação de “utilidades indiretas” e “demandas com-pensadas”. Para maiores detalhes acerca do assunto, ver Varian (1992).

3 No original: “[…] with appropriately devised tools, uniform monetary metrics can take intoaccount all the relevant heterogeneity across individuals and their situations” (Laderchi;Saith; Stewart, 2003, p. 8).

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Ely José de Mattos; Paulo Dabdab Waquil

Existe ainda um outro elemento de importância com relação à abordagemtradicional. No intuito de qualificar a abordagem, para captar a heterogeneidadedos indivíduos, muitos estudos acabam associando variáveis qualitativas àvariável renda. Esse procedimento correlaciona variáveis que objetivam esboçarsaúde, estudo, habitação, dentre outras, com a variável renda. O que deve serdestacado é que se trata de uma correlação unidimensional: renda versus saúde,renda versus educação, etc. Além disso, outro ponto importante é a naturezadessa correlação. Ela não é tratada como de cunho sistêmico, mas, sim, comocorrelação instrumental: aqueles que têm mais renda têm mais anos de estudo.

Para efeito operacional e analítico, gostaríamos — provavelmente sendoreducionistas — de sumarizar a abordagem tradicional em quatro elementosque julgamos fundamentais: (a) calcada na renda (absoluta e/ou relativa); (b)estabelecida sob fortes suposições no escopo da teoria microeconômica;(c) dadas essas suposições, pretende captar a heterogeneidade dosindivíduos a partir da renda; e (d) baseada na estimação de linhas de pobrezacom critérios diferenciados, definidos em termos monetários.

2.2 Abordagem das Capacitações (Amartya Sen)

No contexto da Abordagem das Capacitações, Sen pontua que “[...] autilidade da riqueza está nas coisas que ela nos permite fazer — as liberdadessubstantivas que ela nos ajuda a obter [...]” (Sen, 2000, p. 28). Entretanto analisaro bem-estar das pessoas baseado na capacidade (liberdade) que as mesmastêm de ser e de fazer aquilo que valorizam implica estar lastreado em uma teoriada justiça. Para Sen, as teorias que pretendem desempenhar esse tipo deavaliação do bem-estar humano podem ser distinguidas pela sua baseinformacional. “De fato, a verdadeira ‘essência’ de uma teoria da justiça pode,em grande medida, ser compreendida a partir de sua base informacional:que informações são — ou não são — consideradas diretamente relevantes.”(Sen, 2000, p. 72). Assim, antes de apresentar a Abordagem das Capacitações,ele constrói uma crítica a três importantes abordagens: a de Robert Nozick, ade John Rawls e a do Utilitarismo.

A teoria de Nozick é considerada libertária, a mais “liberal” das três citadas.Sua prioridade está nos direitos libertários das pessoas; não existe preocupação,por assim dizer, com o resultado final dessa liberdade radical em termos debem-estar. Já na abordagem de Rawls, a prioridade está nas chamadas “liberdadesformais”: preconiza-se que as pessoas devem ter direitos e liberdades formaisgarantidos de maneira prioritária, independentemente de suas conseqüências.

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A crítica de Sen a essas duas abordagens é basicamente a mesma: aprioridade das liberdades (formais ou dos “direitos libertários”) sobre qualqueroutro elemento. Não existe, segundo ele, uma ponderação com relação, porexemplo, a “[...] se a liberdade formal de uma pessoa deve ser consideradapossuidora do mesmo tipo de importância (e não de uma importância maior) quea de outros tipos de vantagens pessoais — rendas, utilidades, etc.” (Sen, 2000,p. 85). Da mesma forma, Sen pondera que não existe uma relação clara entre agarantia dessas liberdades “formais” ou “radicais” e o incremento da liberdadedas pessoas de valorizarem aquilo que elas acreditam ser mais importante.

Já com relação ao Utilitarismo (que está ligado à abordagem tradicionalexplanada na seção anterior), demanda-se um pouco mais de refinamento. Abase informacional utilitarista é a “utilidade”, que, grosso modo, pode serconceituada como a medida da felicidade (ou prazer) que a pessoa desfruta.4

Para que a avaliação utilitarista possa ser efetivamente realizada, devemosobservar três componentes básicos:

a) conseqüencialismo (consequencialism) - todas as escolhas das pes-soas são avaliadas a partir dos resultados gerados;

b) “welfarismo” (welfarism) - a avaliação do estado das coisas deve serfeita com base nas suas utilidades. Quando combinado com oconseqüencialismo, os resultados das escolhas devem ser avaliadosde acordo com a utilidade gerada; e,

c) ranking pela soma (sum-ranking) - em termos de avaliação, as utilida-des das pessoas são simplesmente somadas para uma avaliação agre-gada.

Alguns dos méritos dessa abordagem são destacados por Sen. Um delesé o fato de levar em consideração os resultados das disposições sociais aojulgá-las (elemento que não estava presente nem em Nozick, nem em Rawls). Ooutro é de que essa abordagem chama atenção para o bem-estar das pessoasefetivamente.

Porém as críticas que o autor faz são bastante contundentes. Primeiramente,a indiferença distributiva: apenas o agregado é avaliado, sem considerar oselementos internos ao conjunto. Outro ponto destacado é a desconsideração dedireitos, liberdades e outros aspectos, que são desvinculados da utilidade. Porfim, Sen (2000) ressalta que existe um processo de adaptação mental dosindivíduos às situações que os mesmos vivem — isso poderia levar a umaadaptação das utilidades a condições que estivessem piorando.5

4 Esse conceito de utilidade não é fechado; ver, por exemplo, Sen (1985).5 Atualmente, existe uma literatura fértil com relação a esse tema, relacionada às “preferências

adaptativas”, da qual Nussbaum (2000) é um exemplo.

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Amparado nessas questões teóricas acerca da base informacional maisadequada para avaliar o bem-estar, Sen propõe a Abordagem das Capacitações(Sen, 1985; 2000; 2001). O fundamento básico, intuitivo, dessa abordagem éavaliar o bem-estar das pessoas de acordo com a liberdade que as mesmastêm de ser e/ou de fazer aquilo que elas acham melhor, baseadas em princípiosde justiça. Como exemplo, podemos pensar no ato de não comer carne. Alguémpode fazê-lo por ser vegetariano ou devido a algum preceito religioso. Entretantooutro indivíduo pode fazê-lo porque, simplesmente, não tem carne para comer.A situação é a mesma: nenhum ingere carne. Mas o motivador para tal écompletamente diferente. No primeiro caso, existe a possibilidade de escolha(não come, pois é vegetariano); já no segundo, não existe a possibilidade deescolha.

A Abordagem das Capacitações procura avaliar justamente a liberdade deescolha. Segundo essa perspectiva, essa capacidade está umbilicalmente ligadaà qualidade de vida. Dessa forma, é possível captar elementos importantes,tais como: heterogeneidades pessoais, diversidades ambientais, variações noclima social, diferença de perspectivas relativas e distribuições intrafamiliares(Sen, 2000).

Além do princípio da liberdade, outros dois componentes fundamentaisdessa abordagem precisam ser esclarecidos: funcionamentos e capacitações.Os funcionamentos são os elementos constitutivos do “estado” da pessoa. Sãoos “ser” e “fazer” da pessoa. Nesse sentido, em termos avaliativos, estamosfalando de identificar “[...] desde coisas elementares, como estar nutridoadequadamente, estar em boa saúde, livre de doenças que podem ser evitadase da morte prematura, etc., até realizações mais complexas, tais como serfeliz, ter respeito próprio, tomar parte na vida da comunidade, e assim por diante”(Sen, 2001, p. 79).

Colada à noção de funcionamento está a de capacidade para realizarfuncionamentos (capability to function). “Ela representa as várias combinaçõesde funcionamentos (estados e ações) que uma pessoa pode realizar. A capacidadeé, portanto, um conjunto de vetores de funcionamentos, refletindo a liberdade dapessoa para levar um tipo de vida ou outro.” (Sen, 2001, p. 80). O conjuntocapacitário da pessoa reflete, portanto, a liberdade que ela tem para escolherque vida levar — no espaço dos funcionamentos.6

6 É importante fazermos uma ressalva terminológica: capacidade, ou capacitação, ou, ainda,conjunto capacitário (capability ou capbility set) é o conjunto do qual a pessoa dispõepara escolher que vida quer levar — cada pessoa tem apenas um. Mas capacitações(capabilities) é o contraponto de funcionamentos; são as possibilidades disponíveis àpessoa, funcionamentos alternativos.

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A relação entre funcionamentos e capacitações dá-se no seguinte sentido:se os funcionamentos executados constituem o bem-estar da pessoa, traduzi-dos em “ser” e “estar”, a capacitação para executar esses funcionamentos cons-titui a liberdade da pessoa de gerar esse bem-estar.

Do ponto de vista avaliatório, existe um debate ainda aberto sobre quaisfuncionamentos específicos (e capacitações complementares) devem serconsiderados na avaliação do bem-estar. Sen (2000) alerta que esse exercíciovalorativo é inescapável e salutar, pois abre discussão a respeito de valores enão os deixa escondidos atrás de alguma estrutura implícita. Além disso, aliteratura que trabalha com a operacionalização da Abordagem das Capacitaçõesenfrenta uma outra encruzilhada: funcionamentos ou capacitações? Em cadauma dessas opções, existem tipos de informações diferentes, que necessitamtratamentos diferenciados.

De uma forma ou de outra (funcionamentos ou capacitações), aoperacionalização dessa abordagem ainda é fronteira de pesquisa. Não existe,até então, nenhum método consolidado que dê conta de operacionalizar osconceitos complexos do qual se vale essa abordagem. Assim, essa pretendeser uma das contribuições deste artigo: uma tentativa de operacionalização.

Para fazer uma comparação com a abordagem tradicional (monetária), aAbordagem das Capacitações pode ser sumarizada — novamente, sendoreducionistas — com base nos seguintes aspectos: (a) baseada no princípioda liberdade e nos funcionamentos (e capacitações); (b) estabelecida combase em princípios da justiça que diferem daqueles propostos peloutilitarismo (abordagem tradicional); (c) pretende captar a heterogeneidadedos indivíduos a partir dos funcionamentos e das capacitações (e não apenasda renda); e (d) operacionalização complexa e ainda não consolidada.

3 Metodologia

3.1 A base de dados

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) é executadapelo IBGE desde 1967, com o objetivo de reunir informações sobre ascaracterísticas socioeconômicas da população brasileira. A Pesquisa conta comum conjunto de informações que são coletadas anualmente, tais como educação,trabalho, migração e condições de habitação, e, de tempos em tempos, produzos chamados suplementos, como em 1998 e 2003 (que investigam saúde) e em2001 (que investigam trabalho infantil). Desde 1971, ela tem periodicidade anual,não sendo executada apenas nos anos censitários.

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Apesar de ser considerada a pesquisa nacional mais rica em termos deinformações socioeconômicas, a PNAD apresenta algumas (sérias) limitações.Dentre elas, podem ser citadas as com relação à delimitação de áreas rurais eurbanas (que só são reajustadas nos censos, causando distorções ao longo dadécada), a formulação do conceito de pessoa ocupada (que mudou na décadade 90) e a falta de dados sobre rendimentos variáveis (autoconsumo,transferências de renda, etc.).7 Todas essas limitações prejudicam a própriautilização da base, principalmente quando se trata de série histórica.

Utilizamos, neste trabalho, os microdados da PNAD 2003 (IBGE, 2003). Ajustificativa para utilizar os dados do ano de 2003, quando já temos disponíveisos de 2004, é que, para 2003, existe um suplemento de saúde que oferecevariáveis importantes para o nosso trabalho. Explicitaremos as variáveis utilizadasnas seções seguintes, de acordo com cada abordagem.

3.2 Operacionalização da abordagem tradicional (monetária)

Na abordagem tradicional, trabalhamos com três aspectos: distribuição derenda, estimação de linhas de pobreza e observação de variáveis qualitativascom relação à renda. Para a etapa da distribuição de renda, optamos por utilizara renda pessoal de todas as fontes (que inclui renda de trabalho, aposentadoriase pensões, rendimentos, etc.). Para não haver distorções nas estimativas,trabalhamos com todas as pessoas que possuíam renda positiva de todas asfontes e que tinham 10 anos ou mais de idade. Para avaliar a sua distribuição,foram estimados percentis de renda, a apropriação de renda por parcelas daamostra e o Coeficiente de Gini.8

No caso da estimação de linhas de pobreza e da análise das variáveisqualitativas associadas à renda, utilizamos a renda domiciliar (per capita, ounão) e consideramos todas as pessoas, inclusive os menores de 10 anos deidade e os que não possuíam renda de todas as fontes. Dessa maneira, podemosestimar linhas de pobreza mais condizentes com a realidade. Essas linhas de

7 Essas limitações estão pormenorizadamente explicadas em Silva (1999), Corrêa (1998) eWaquil e Mattos (2002).

8 O Coeficiente de Gini foi calculado através da seguinte fórmula: ,

onde representa a proporção de renda acumulada até a i-ésima pessoa. Esse coeficientevaria entre 0 e 1, sendo 0 para distribuição perfeita e 1 para assimetria perfeita.

iΦ∑

−−Φ+Φ−=

n

iii

nG

11 )(

11

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pobreza serão, obviamente, simples contagens de pessoas abaixo das linhasestipuladas.

Tratando-se das variáveis qualitativas associadas à renda, utilizaremos asseguintes variáveis (além da renda): anos de estudo, um índice de condições dehabitação (ICH)9 e auto-avaliação do estado de saúde. Analisaremos essasvariáveis, como já destacado no referencial teórico, de forma associada à renda,estimando correlações. A idéia de incluir essas variáveis qualitativas é a demensurar a capacidade da renda de “captar” aspectos qualitativos. Ou seja, oque nos interessa são as relações entre diferentes faixas de renda e os resultadospara essas variáveis qualitativas.

3.3 Operacionalização da Abordagem das Capacitações

Primeiramente, devemos fazer um esclarecimento ainda de cunho teórico.Como já havia sido explicitado, existem duas opões no contexto da Abordagemdas Capacitações para efetuar a (tentativa de) operacionalização: oufuncionamentos, ou capacitações. Optamos por funcionamentos por dois motivosclaros: (a) a estimação de capacitações (funcionamentos alternativos) é algorelativamente difícil, demandando métodos sobre os quais ainda não há muitaclareza; e (b) os dados aos quais temos acesso (da PNAD) permitemrelacionarmos apenas funcionamentos realizados e não potenciais. Utilizamosa base total da PNAD, sem criar critérios de idade, ocupação ou rendimentos. Ointuito é o de avaliar os funcionamentos de todas as pessoas.

Com relação às variáveis, mesmo dispondo de uma base de dadosconsideravelmente grande, houve dificuldade na sua seleção. Isso devido,principalmente, à incompatibilidade entre o tipo de variável necessária para aoperacionalização dessa abordagem (que explicite funcionamentos) e o tipo quea PNAD dispõe, dado o seu desenho. Por fim, foram isoladas nove variáveiselementares, que servem como componentes para três funcionamentos distintos:educação, saúde e mobilidade e condições de habitação. O Quadro 1 contémtodas essas informações.

9 O índice de condições de habitação varia entre 0 e 5. Ele capta a presença (ou não) de cincoitens: água encanada, geladeira, energia elétrica, disponibilidade de sanitário e telefone.

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Quadro 1 Funcionamentos avaliados

EDUCAÇÃO

EDU_ALFA Se sabe ler ou escrever Binária: (0) Não (1) Sim (- ) Não aplicável a menores de sete anos

EDU_ESTUDO Posição no estudo com relação ao ensino médio Binária: (0) Entre sete e 17 anos que não estão estudando e maiores de 17 anos que não estudam e sem o ensino médio completo (1) Entre sete e 17 anos que estão estudando, maiores de 17 anos que estudam e maiores de 17 anos que não estudam e com ao menos o ensino médio completo (- ) Não aplicável a menores de sete anos

SAÚDE E MOBILIDADE SAU_AUTO

Avaliação pessoal do próprio estado de saúde Categórica: (1-5) Muito ruim-Muito bom

SAU_ATIVI Se deixou de realizar alguma atividade por motivo de saúde Binária: (0) Sim (1) Não

SAU_DOENÇA Se tem algum tipo de doença crônica Categórica: (1) Três ou mais (2) Duas (3) Uma (4) Nenhuma

SAU_MOBIL Se tem dificuldade para realizar alguma tarefa cotidiana simples Categórica: (1) Não consegue (2) Tem grandes dificuldades (3) Tem pequena dificuldade (4) Nenhuma dificuldade

CONDIÇÕES DE MORADIA CMOR_SANIT

Se possui banheiro ou sanitário no domicílio Binária: (0) Não (1) Sim

CMOR_TEL Se tem telefone fixo na residência Binária: (0) Não (1) Sim

CMOR_COMODI Se dispõe de comodidades — máquina de lavar e freezer Categórica: (1) Nenhum desses itens (2) Apenas um item (3) Ambos

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10 Maiores detalhes podem ser obtidos em Maxwell (1977) e em Mulaik (1972).

Cada um desses funcionamentos, com seus respectivos componentes,tem o intuito de avaliar aquilo que a pessoa é ou faz no que tange àquela dimen-são. Por exemplo, no caso do funcionamento saúde e mobilidade, pretendemosavaliar se a pessoa está saudável e se é capaz de executar atividades cotidia-nas básicas. Dessa maneira, estamos avaliando se o indivíduo está realizandoesse funcionamento efetivamente.

Duas observações devem ser agora levantadas, uma delas de caráterteórico e outra de caráter metodológico. A questão teórica que deve ser observadaé que não selecionamos nenhuma variável que seja composta pela renda. Omotivo deve ser claro, dado o objetivo deste artigo e o referencial teóricoapresentado. Estamos avaliando “estados” das pessoas, que não são explicitadospor rendimentos. Não estamos afirmando que não sejam correlacionados, masestamos questionando a natureza dessa correlação. Tentaremos elucidar issona análise.

A segunda observação é de cunho operacional e diz respeito à avaliaçãodesses funcionamentos efetivamente. A nossa proposta estatística é a utilizaçãoda análise fatorial. Essa técnica estatística é comumente utilizada por doismotivos: para reduzir o número de variáveis a um número menor de fatores (querepresentam as variáveis) e/ou para verificar se existe alguma estruturadimensional definida pela correlação entre as variáveis. Como temos (apenas)nove variáveis, nossa principal preocupação repousará mais na constatação dealguma estrutura dimensional nos dados do que na redução do número de variáveispropriamente. A principal hipótese é a de que sejam encontradas três dimensões,representando os três funcionamentos.

Os fatores são estimados como combinações lineares entre as variáveis,respeitando o seguinte modelo:

onde wij são os coeficientes fatoriais, x

i são as variáveis observáveis, e p, o

número de variáveis.Essa técnica está baseada na correlação existente entre as variáveis. Dessa

maneira, o primeiro passo é verificar o nível de correlação entre as variáveis,que não pode ser muito baixo, para que a análise fatorial seja viável — se ascorrelações forem muito baixas, é provável que não exista nenhuma estruturadimensional nos dados. Há testes específicos para verificar a adequação domodelo acima, dentre eles, o teste de esfericidade de Bartlett e o teste deKaiser-Meyer-Olkin (KMO).10

∑ =+++== p

i ppjjjiijj xwxwxwxwF1 2211 ...

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Logo após a verificação da adequação, procede-se à definição do númeroe à extração dos fatores. Neste estudo, utilizaremos a análise de componentesprincipais, para efetuarmos a extração dos fatores.11 O número de fatoresextraídos é definido com base na quantidade de variância total dos dadosexplicada por cada fator adicional estimado. A idéia é obter uma variância explicadarelativamente alta com o menor número de fatores possíveis.

Após a extração dos fatores, segue a interpretação dos mesmos. Quandoa interpretação não apresenta uma estrutura lógica, isto é, com variáveis agrupadasde modo a oferecer uma compreensão adequada, é feita a rotação dos fatores.Esse procedimento simplesmente rearranja a matriz de fatores (sem alterar avariância total explicada), de forma a achar uma estrutura mais simples e commaior sentido interpretativo. Por fim, pode-se fazer o cálculo dos fatores, quesão, por assim dizer, as novas variáveis geradas, que substituirão as originaissem prejuízo às informações que as mesmas oferecem. O cálculo é feito daseguinte maneira:

onde xik é o valor padronizado da variável i para a observação k, e wij é ocoeficiente fatorial associado à variável i e ao fator j.

Retomamos a idéia já exposta para a utilização dessa técnica estatística:dado que cada funcionamento é composto por algumas variáveis, esperamosque cada fator, que é uma combinação linear das variáveis, expresse umfuncionamento específico. Além disso, pretendemos também explorar a idéiadas dimensões da pobreza, tentando identificar como elas podem ser analisadas.

Além da análise fatorial, utilizaremos a análise de cluster. Ela procuraráidentificar grupos homogêneos com relação aos fatores que serão estimadospreviamente. Dessa forma, podemos fazer comparações entre esses grupos. Aanálise de cluster agrupa observações semelhantes entre si, ou seja, que estãopróximas no espaço n-dimensional, onde n é o número de variáveis. Para tanto,utiliza o conceito de distância euclidiana quadrada, dada pela soma dosquadrados das diferenças de todas as variáveis. Assim, a mensuração dadistância entre duas observações k e l é dada por:

∑ =+++== p

i pkpjkjkjikijjk xwxwxwxwF1 2211 ...

∑ −= = )( ,,12, likiilk xxpD

11 Por falta de espaço, não nos vamos deter em explicar essa técnica. Para maiores detalhessobre a mesma e sobre outras possíveis, ver Maxwell (1977) e Mulaik (1972).

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Quanto menor a distância entre duas observações, mais semelhantes elassão, logo, têm mais chances de pertencer ao mesmo cluster.

4 Análise dos resultados

4.1 Abordagem monetária: caracterização da renda e estimação de linhas de pobreza

O principal intuito desta seção é, fundamentalmente, mostrar (e analisar)os resultados básicos referentes ao ano de 2003 com relação à análise tradicionalpara o Rio Grande do Sul.12 Para tal, iremos enfatizar a renda média, a distribuiçãoda renda e a relação da renda com algumas variáveis qualitativas.

Em 2003, a renda média (de todas as fontes) para o meio rural no Estadofoi de R$ 546,30,13 consideravelmente mais baixa do que a observada no meiourbano, R$ 1.013,69. Esse tipo de diferença em favor do meio urbano já foiapontado por diversos trabalhos, dentre eles os de Waquil e Mattos (2002) eCorrêa (1998).

Na Tabela 1, estão os percentis de renda. Uma observação interessante aser feita com relação a esses números é que a média de renda está acima do50º percentil, já indicando uma assimetria na distribuição. Essa assimetria écalculada pelo Coeficiente de Gini, cujos resultados estão na Tabela 2. Comoesse tipo de medida é mais informativo, quando observado em termos relativos,para traçar uma linha de comparação, estimamos os Coeficientes de Gini paraos meios rural e urbano do Rio Grande do Sul e do Brasil: tanto para o Estadoquanto para o Brasil como um todo, a concentração de renda no meio rural émenos acentuada do que no meio urbano. Entretanto ela carece de consideração.

Como última etapa da análise da distribuição de renda, calculamos aapropriação de renda por parcelas da população (Tabela 3). No meio rural, apenas20,8% da renda é apropriada pelos 50% mais pobres. Porém o que mais chamaatenção é que 35,2% dela é apropriada pelos 10% mais ricos. No meio urbano,como já demonstrado nos resultados anteriores, a concentração é mais acentuada,e 44,0% da renda é apropriada pelos 10% mais ricos.

12 Como não estamos trabalhando com série de tempo, para efeitos comparativos e decontextualização, faremos contrapontos com o meio urbano.

13 Todas as rendas citadas estão em reais de jan./06, deflacionados pelo Índice Nacional dePreço ao Consumidor (INPC).

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Tabela 2

Coeficiente de Gini, rural e urbano, no Rio Grande do Sul e no Brasil — 2003

DISCRIMINAÇÃO COEFICIENTES

Rio Grande do Sul Rural ....................................................... 0,45 Urbano .................................................... 0,54 Brasil Rural ....................................................... 0,51 Urbano .................................................... 0,57

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Do- micílios — PNAD: microdados 2003. Rio de Ja- neiro, 2003. CD-ROM.

Tabela 1

Percentis de renda no meio rural do Rio Grande do Sul — 2003

PERCENTIS VALORES (R$)

Renda média ........................................ 546,30 1º ........................................................... 17,01 10º ......................................................... 113,37 25º ......................................................... 272,10 50º ......................................................... 368,46 75º ......................................................... 610,80 90º ......................................................... 1 133,74 99º ......................................................... 2 895,69

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-cílios — PNAD: microdados 2003. Rio de Janeiro, 2003. CD-ROM.

NOTA: Valores em reais de jan./06.

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Feita a análise da distribuição da renda, estimamos as linhas de pobreza.As linhas estimadas14 são: US$ 1/dia, US$ 2/dia, meio, um e dois salários míni-mos. As linhas de pobreza para os meios rural e urbano estão na Tabela 4.

A diferença na proporção de pobres entre o meio rural e o meio urbano éperceptível em todas as linhas. Para a linha que o Banco Mundial define comosendo de pobreza extrema, US$ 1/dia, a proporção de pobres é de 18,3% nomeio rural contra 10,1% no urbano. Outro número para o qual deve ser chamadaatenção é a proporção de pessoas consideradas pobres pelo Banco Mundial(US$ 2/dia): 42,8% no meio rural contra 28,6% no meio urbano. Uma conclusãoque pode ser extraída desses resultados é que a pobreza é relativamente maiorno meio rural.15

Tabela 3

Percentual de apropriação de renda nos meios rural

e urbano do Rio Grande do Sul — 2003

DISCRIMINAÇÃO PERCENTUAL

Rural 1% mais pobres .................................... 0,1 10% mais pobres .................................. 1,0 50% mais pobres .................................. 20,8 50% mais ricos ..................................... 79,2 10% mais ricos ..................................... 35,2 1% mais ricos ....................................... 8,1 Urbano 1% mais pobres .................................... 0,1 10% mais pobres .................................. 1,3 50% mais pobres .................................. 16,2 50% mais ricos ..................................... 83,8 10% mais ricos ..................................... 44,0 1% mais ricos ....................................... 12,5

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Do-FO TE DOS DADOS BRUTOS: micílios — PNAD: microdados 2003. Rio de Ja-

B OS: neiro, 2003. CD-ROM.

14 Como já havíamos alertado anteriormente, existem vários métodos para se estabeleceremlinhas de pobreza. Todos eles, entretanto, acabam sendo traduzidos em termos monetá-rios — que é o que interessa no presente estudo, justificando a escolha dessas linhas maispráticas de serem estabelecidas e já consagradas na literatura.

15 Trabalhos como os de Waquil e Mattos (2003) e Echeverria (2000) também apontam isso.

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Passando para a próxima etapa, no escopo da abordagem tradicional, aTabela 5 mostra a média e o desvio-padrão para cada uma das três variáveisqualitativas escolhidas para os meios rural e urbano. Como podemos perceber, omeio rural tem médias menores em todas as variáveis.

A Tabela 6, entretanto, é a que apresenta os resultados que mais nosinteressam. Ela traz o comportamento das médias das variáveis qualitativas deacordo com faixas progressivas de renda. As condições de habitação e aescolaridade têm considerável melhora, conforme aumenta a renda. A auto--avaliação do estado de saúde, porém, não apresenta essa linearidade nocomportamento.16

16 O motivo para tal comportamento será sondado, quando executarmos a análise a partir daAbordagem das Capacitações e fizermos os devidos comparativos.

Tabela 4

Linhas de pobreza nos meios rural e urbano do Rio Grande do Sul — 2003

DISCRIMINAÇÃO NÚMERO DE POBRES PROPORÇÃO

RURAL US$ 1/dia (1) ....................... 378 531 18,3 US$ 2/dia (1) ....................... 884 211 42,8 Meio salário mínimo (2) ....... 52 669 2,5 1 salário mínimo (2) ............. 228 071 11,0 2 salários mínimos (2) ......... 645 463 31,2 População total .................. 2 067 808 - URBANO US$ 1/dia (1) ....................... 863 070 10,1 US$ 2/dia (1) ....................... 2 452 465 28,6 Meio salário mínimo (2) ....... 174 453 2,0 1 salário mínimo (2) ............. 542 004 6,3 2 salários mínimos (2) ......... 1 667 136 19,5 População total .................. 8 563 327 -

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Tabela 6

Média das variáveis qualitativas, por faixa de renda, do meio rural do Rio Grande do Sul — 2003

DISCRIMINAÇÃO

ÍNDICES DA CONDIÇÃO

DE HABITAÇÃO

ANOS DE

ESTUDO

AUTO- -AVALIAÇÃO DO ESTADO DE SAÚDE

Até meio salário mínimo ............. 3,51 4,34 3,95 De meio até um salário mínimo 3,86 4,93 3,87 De um até dois salários mínimos 4,19 5,89 3,81 Mais de dois salários mínimos ... 4,46 7,11 3,86

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Tabela 5

Média e desvio-padrão das variáveis qualitativas nos meios rural e urbano do Rio Grande do Sul — 2003

DISCRIMINAÇÃO MÉDIA DESVIO-PADRÃO

Rural Índice de condição de habitação ............. 3,91 0,86 Auto-avaliação do estado de saúde ........ 3,88 0,74

Anos de estudo ........................................ 5,26 3,30 Urbano Índice de condição de habitação ............. 4,60 0,61 Auto-avaliação do estado de saúde ........ 4,07 0,74 Anos de estudo ........................................ 7,37 4,57

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Para finalizar a parte destinada à abordagem tradicional (monetária), gos-taríamos de sumarizar os resultados obtidos. Levando em consideração as bre-ves análises feitas, podemos afirmar que o meio rural do Rio Grande do Sul, apartir da abordagem tradicional, tem as seguintes características: (a) rendamédia relativamente baixa; (b) concentração de renda; (c) proporçãorelativamente alta de pessoas em condição de pobreza e em pobrezaextrema; e (d) quanto mais elevada é a faixa de renda, melhores são osresultados em termos das variáveis qualitativas (condições de habitação,escolaridade e saúde).

4.2 Abordagem das Capacitações: uma avaliação a partir dos funcionamentos

Para tratar de pobreza com base na Abordagem das Capacitações, conformejá esboçado na seção sobre metodologia, vamos utilizar a análise fatorial. Oprimeiro passo é verificar se o modelo é apropriado, dada a base de dados daqual dispomos. Para tal, fazemos uma primeira análise da matriz de correlaçãoentre as variáveis. As correlações encontradas, na sua maioria, não podem serconsideradas altas, mas merecem consideração. Para sondar de maneira maisefetiva a adequação do modelo, utilizamos o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO),17

que retornou um resultado de 0,71. Esse valor é considerado de adequaçãomédia — o ideal é que se estabelecesse acima de 0,80.

Depois dessas sondagens preliminares, julgamos que seria convenienteadotar a análise fatorial, a qual poderia trazer contribuições interessantes.18

Procedemos, então, à extração dos fatores. De acordo com os resultados,puderam ser identificados três fatores, os quais respondem por 53,9% da variânciatotal dos dados. Extraídos os fatores, os mesmos passaram por uma rotaçãoortogonal (pelo método Varimax), para torná-los mais fáceis de sereminterpretados. A matriz de fatores rotados está na Tabela 7.

Para interpretar os fatores, devemos atentar para aqueles mais altos. NaTabela 7, valores mais altos representam maior peso na sua composição; logo,dizemos que o mesmo está mais relacionado àquelas variáveis. A interpretaçãodos fatores parece intuitiva. O Fator 1 está relacionado às variáveis que investi-

17 Esse teste apresenta um indicador de adequabilidade que pode variar entre 0 e 1.18 Acreditamos que as correlações relativamente baixas e o teste KMO de nível médio se

devem, em parte, ao fato de que as variáveis utilizadas são todas binárias ou cate-góricas — onde correlações não têm a mesma robustez, quando se trata de variáveiscontínuas.

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gam saúde — funcionamento saúde e mobilidade. O Fator 2 está mais ligadoàs variáveis de habitação — funcionamento condição de habitação. Já o Fator3 está mais fortemente relacionado às variáveis referentes à educação — funci-onamento educação.

19 Para tal, utilizamos a seguinte fórmula: (xi-x

mínimo)/(x

máximo-x

mínimo), onde x

i é o escore

fatorial que está sendo linearizado, xmínimo

, o menor valor que ele pode assumir, e xmáximo, o

maior valor que ele pode assumir.

Tabela 7

Matriz de fatores rotados

DISCRIMINAÇÃO FATOR 1 FATOR 2 FATOR 3

EDU_ALFA ................................ - 0,455 0,322 EDU_ESTUDO .......................... 0,230 - 0,795 SAU_AUTO ............................... 0,752 - 0,201 SAU_ATIVI ................................ 0,646 - -0,360 SAU_DOENCA ......................... 0,730 - 0,261 SAU_MOBIL .............................. 0,719 - - CMOR_SANIT ........................... - 0,578 -0,310 CMOR_TEL ............................... - 0,655 - CMOR_COMODI ...................... - 0,776 -

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NOTA: 1. Estimativas realizadas pelos autores através do programa Statistical Package for Social Science (SPSS). 2. Foram suprimidos os valores menores que 0,20 por uma questão de cla-

reza visual.

Foram, então, calculados os escores fatoriais — de acordo com a fórmulaesboçada na metodologia. Para efetuar uma avaliação das dimensões expressaspelos fatores de forma mais intuitiva e clara, fizemos uma linearização dosescores. Isso se fez necessário, dado que os escores são calculados em termosdas variáveis padronizadas, logo, podem assumir valores negativos e dificultara avaliação. Nessa linearização, tratamos de expressar os escores fatoriais deforma que ficassem entre 0 e 1.19 Como pode ser observado no Quadro 1, todasas variáveis selecionadas obedecem o seguinte critério: números maioresexpressam avaliação positiva em termos de bem-estar. Sendo assim, quantomais próximo o escore fatorial estiver de 1, melhor a avaliação daquele fator.

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Na seqüência, procedemos à análise de clusters. Através dessa técnica,delimitamos quatro grupos homogêneos20 com relação aos três fatores estima-dos (e linearizados). Os resultados estão na Tabela 8.

20 O número de clusters é determinado pelo usuário, de acordo com a melhor adequação dosdados.

21 Cabe ressaltar que, devido a questões técnicas, na estimativa dos escores fatoriais, nemtodos os casos da base de dados podem ser utilizados. Logo, a proporção exibida refere--se àquela dos casos onde o escore pode ser calculado, que, no nosso caso, representa75% do total da base (3.168 observações).

A Tabela 8 exibe as médias por fator de cada um dos quatro grupos defini-dos (além da média geral do fator) e a proporção da amostra que eles represen-tam, ou seja, o número de pessoas que têm aquelas características médias.21 Omaior grupo formado é o cluster 2, que apresenta o melhor resultado no fatorsaúde, juntamente com o cluster 4, porém apresenta o pior resultado com relaçãoao fator que representa educação e o segundo pior no fator habitação. O cluster1 tem os piores desempenhos com relação à saúde e no quesito habitação,porém é o segundo melhor no referente à educação.

Tabela 8

Média dos fatores para cada cluster e proporção da amostra pertencente a cada cluster no meio rural do Brasil — 2003

CLUSTERS

DISCRIMINAÇÃO 1 2 3 4

TOTAL

Fator 1 (saúde) ............... 0,53 0,88 0,71 0,88 0,80

Fator 2 (habitação) ......... 0,42 0,59 0,81 0,73 0,65

Fator 3 (educação) ......... 0,58 0,26 0,27 0,62 0,36

Proporção (%) ............... 10,3 48,2 24,7 16,8 -

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Do- FONTE DOS DADOS BRUTOS: micílios — PNAD: microdados 2003. Rio de Ja-FONTE DOS DADOS BRUTOS: neiro, 2003. CD-ROM. NOTA: Estimativas realizadas pelos autores através do programa Statistical Package for Social Science (SPSS).

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A pergunta que parece ainda persistir com relação a essa proposta deabordagem é a seguinte: quem (ou quão, ou quantos) são os pobres, afinal? Daforma como a proposta de operacionalização está colocada neste trabalho, nãohá uma resposta única (estanque) a esse questionamento. A idéiamultidimensional é diferente daquela de linha de pobreza, onde existe um pontode corte bem definido que “traduz” um determinado padrão a ser avaliado. Comoobservamos através da análise de clusters, os grupos homogêneos apresentamcaracterísticas bastante peculiares e não permitem dizer “Este grupo é melhordo que aquele outro”. Cada qual apresenta estruturas dimensionais (de bem-estar) diferenciadas. Esses pontos ficarão mais claros na próxima seção, quandotratarmos de comparar os resultados das duas abordagens.

Antes de encerrarmos a análise dessa abordagem, gostaríamos, a exemploda seção anterior, de fazer um breve resumo dos resultados obtidos sobre omeio rural do Brasil: (a) dadas as variáveis selecionadas para representar osfuncionamentos, percebemos que existe uma estrutura dimensional quese relaciona com esses funcionamentos; (b) essa estrutura dimensional(através dos fatores) é capaz de gerar grupos homogêneos comcaracterísticas distintas; e (c) essas características distintas podem sercompreendidas como estruturas de bem-estar diferenciadas.

4.3 Comparando os resultados das duas abordagens

Conforme destacamos desde o início deste artigo, as duas abordagensaplicadas neste trabalho têm estruturas teórico-conceituais bastante diferentes.Da mesma forma, seus resultados — e a interpretação dos mesmos — têmsignificados diversos. Entretanto existe um ponto que gostaríamos de focarcom maior cuidado: a importância da variável renda, que é o cerne da abordagemtradicional.

Para fazer tal comparação, gostaríamos de chamar atenção para o seguinte(importante) resultado, obtido através da análise tradicional: quanto mais elevadaa faixa de renda, maiores os níveis de escolaridade, as condições de habitaçãoe, apesar de não tão claramente, a saúde. Propomos agora uma comparaçãodesse resultado com os obtidos através da Abordagem das Capacitações. Paratal, primeiramente calculamos as correlações entre os escores fatoriais obtidose a renda (Tabela 9).

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O que percebemos é que a correlação entre o fator médio (geral, isto é,médias dos três fatores) e a renda é bastante baixa (0,26), o que é um primeiroindicativo de que os resultados das duas análises são diferentes em termosefetivos, não apenas metodológicos. Na abordagem tradicional, conforme asfaixas de renda se elevam, observam-se melhores condições nas variáveisqualitativas. A Abordagem das Capacitações, que analisa os mesmos aspectosaos quais se referem as variáveis qualitativas, não encontra correlação fortecom a renda.

Para aprofundar essa observação, a Tabela 10 replica as médias dos escoresfatoriais para cada cluster, que já estavam informadas na Tabela 8, e acrescentaa renda média para cada um dos clusters. Como já havíamos comentadoanteriormente, não podemos afirmar com propriedade que algum grupo homogêneoseja absolutamente melhor do que outro. As estruturas dimensionais observadasnos resultados não permitem esse tipo de conclusão. Entretanto podemosobservar o comportamento da renda em cada um desses clusters.

O cluster 3 tem a maior renda média, sendo o segundo colocado em termosde escore médio (fator médio), o segundo pior com relação ao fator saúde (Fator1) e o melhor no fator relacionado à habitação (Fator 2). Já o cluster 1 possui apior renda média, apresentando o segundo melhor resultado no fator habitação.

O que podemos inferir a partir desses resultados é que não existe umpadrão claro de correlação entre a renda e as dimensões estimadas através das

Tabela 9

Coeficientes de correlação no meio rural do Rio Grande do Sul — 2003

DISCRIMINAÇÃO FATOR 1 FATOR 2 FATOR 3 FATOR MÉDIO RENDA

Fator 1 (saúde) ........ 1,00 - - - - Fator 2 (habitação) ... -0,01 1,00 - - - Fator 3 (educação) ... -0,05 0,06 1,00 - - Fator médio .............. 0,53 0,62 0,59 1,00 - Renda ...................... -0,06 0,38 0,11 0,26 1,00

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NOTA: 1. Estimativas realizadas pelos autores através do programa Statistical NOTA : Package for Social Science (SPSS). 2. Coeficientes de correlação de Pearson, todos significativos a 1%.

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análises fatorial e de clusters, resultado que, em certa medida, se contrapõeàquele obtido quando comparamos as variáveis qualitativas unidimensionais àrenda na abordagem tradicional. Para tal, sugerimos que existem duas explicaçõespossíveis e não mutuamente exclusivas. A primeira delas diz respeito à própriaimportância da renda na determinação de aspectos qualitativos da vida daspessoas. O fato de que as correlações entre os fatores estimados e a renda sãomuito baixas indica que estruturas dimensionais de bem-estar têm relaçãodiferenciada com a renda, ou seja, a sua importância é relativa — isso é diferentede afirmar que ela não é importante.

Tabela 10

Média dos escores fatoriais e da renda, por clusters, no meio rural do Rio Grande do Sul — 2003

DISCRIMINAÇÃO FATOR 1 FATOR 2 FATOR 3 FATOR MÉDIO RENDA

Cluster 1 ................. 0,53 0,42 0,58 0,51 218,97

Cluster 2 ................. 0,88 0,59 0,26 0,58 225,19

Cluster 3 ................. 0,71 0,81 0,27 0,60 389,00

Cluster 4 ................. 0,88 0,73 0,62 0,74 373,72 TOTAL ................... 0,80 0,65 0,36 0,60 291,41

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Outra explicação está relacionada às diferenças entre utilizar variáveisqualitativas unidimensionais e multidimensionais. Os fatores que representamsaúde, condições de habitação e educação são, na realidade, combinações deum conjunto maior de variáveis, são estruturas dimensionais. Já no caso daanálise tradicional, temos apenas uma variável específica (auto-avaliação doestado de saúde, anos de estudo e índice de condições de habitação). A utilizaçãoda análise fatorial permitiu, no caso deste estudo, captar de forma mais comple-ta o estado das pessoas com relação ao aspecto investigado (saúde, habitaçãoe educação).

Por fim, ainda com relação à comparação entre a abordagem tradicional ea Abordagem das Capacitações, podemos fazer uma diferenciação com respeito

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à determinação da pobreza propriamente. Enquanto, na abordagem tradicional,temos um número de pobres bem-definido, especificado através da linha depobreza, na abordagem multidimensional essa definição não é tão objetiva. AAbordagem das Capacitações, no caso deste estudo em especial, apontou oque poderíamos chamar de padrões diferenciados de bem-estar. Esses padrões,no limite, poderiam ser associados a tipologias diferenciadas de pobreza.

5 Considerações finais

O objetivo central deste trabalho foi traçar um comparativo entre aabordagem tradicional (monetária) do estudo da pobreza e a Abordagem dasCapacitações de Amartya Sen. Os resultados obtidos mostram dois aspectosinteressantes: um de cunho teórico e outro prático. Com relação ao primeiro, aanálise dos funcionamentos (traduzidos pelos fatores estimados) resultou emgrupos homogêneos distintos, com características peculiares. Essascaracterísticas demonstram que não existe um padrão bem-definido de bem--estar e nem de correlação dos funcionamentos investigados com a renda. Logo,esse tipo de análise não permite fazer um corte localizado para definição depobre ou não pobre. No máximo, ela revela tipos de pobreza.

Essa observação nos remete ao aspecto de cunho prático: políticas públicas.Esse tipo de análise multidimensional é capaz de fornecer um norte diferenciadotanto para o tipo de política a ser implementada quanto com relação ao alvo —não esquecendo da sua utilidade enquanto ferramenta de análise para avaliaçãoda efetividade das políticas já realizadas. Isto porque, mesmo com a análisedos aspectos qualitativos (unidimensionais) estratificados pela renda, existeum viés favorável à renda. Ou seja, confirma-se o elemento, que levantamos noinício deste trabalho, de que a renda seria o componente que responde porgrande parte da variância de índices que incluem variáveis qualitativas.

No entanto, quando trabalhamos com perspectivas multidimensionais eque levam em consideração efeitos de complementaridade e sinergia, osresultados são bastante diferentes. Essas diferenças, por sua vez, sãofundamentais, quando falamos em política assistencialista, por exemplo.Acreditamos que a formatação dos resultados da análise multidimensional sejamais adequada para avaliar bem-estar, portanto, pobreza.

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Elementos metodológicos necessários a uma teoria totalizante do desenvolvimento, ou...

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* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

**E-mail: [email protected]

Elementos metodológicos necessários a umateoria totalizante do desenvolvimento, ou a

totalidade real do desenvolvimentoregional*

Glaucia Campregher** Doutora em Economia pela Unicamp e Professora do Programa de Pós-Graduação em Economia da Unisinos

ResumoNo presente artigo, discutimos a importância metodológica da categoria datotalidade para a compreensão do fenômeno do desenvolvimento — não atotalidade filosófica mais abstrata e fundada numa verdade transcendental, mas,sim, uma totalidade concreta, fundada na solidariedade (objetiva e intersubjetiva,produtora de consenso e conflito, estabilidade e desequilíbrio) entre sujeitossociais que produzem as suas vidas (coisas, valores, relações, símbolos,instituições) num determinado tempo e lugar. Argumentamos que os esforçosde inúmeras disciplinas em torno da renovação da explicação das ações humanasque partem da integração entre individual e social e superam a restrita “escolharacional” são bem-vindos ao campo da Economia do Desenvolvimento,particularmente ao daquela centrada na compreensão de fenômenos específicosdeste (Hirschman, por exemplo), donde entendemos que a totalidade real édinâmica e regional.

Palavras-chaveTeoria do desenvolvimento; totalidade; desenvolvimento regional.

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AbstractThe present article argues the methodologycal importance of a philosoficalconcept — the totality — for the development phenomenon comphreension. Itsnecessary to refuse the totality as a transcendental concept, and built a concretemeanning based in solidarity (objective and inter-subjective, resulted of consensusand conflict, stability and disequilibrium) between social citizens that producetheir lives (things, values, relations, symbols, institutions) in determined timeand place. We argue that the theorectical efforts of institucionalists andevolucionaries around the renewal of the explanation of the human action mixingindividual and social and surpassing the restricted “rational choice”, are wellcometo the development economy, particularly that one centered in the understandingof specific phenomena of this (Hirschman and others). We will see that the realtotality is regional and dynamic.

Key wordsDevelopment theory; regional development; methodological aspects.

Classificação JEL: O15; R11.

“A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando

conta dele, adentro...”Guimarães Rosa (2006)

Introdução

Começando do início, o ponto de partida metodológico deste trabalho éuma retomada das propostas teóricas totalizantes que, tão em alta na época

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áurea da Filosofia1 e nascedouro das Ciências Sociais2, passaram por um reflu-xo significativo durante todo o século XX, para renascer — ainda não comoFênix gloriosa, mas como andorinha corajosa —, nesses nossos novos tem-pos, sob a forma de diferentes teorias do desenvolvimento regional.3

1 Que se dá com o ambicioso idealismo alemão, que, seja com Kant, seja com Hegel, pretendiaabarcar todas as dimensões do pensamento (metafísico, fenomenológico, ético, estético),todos os objetos desse pensamento (história, política, arte), enfim, dar conta de todos osproblemas humanos, sem que a preocupação com o rigor das suas construções teóricas oslevasse a abdicar da visualização conjunta desses problemas.

2 Estas surgiram como desdobramentos de uma certa busca pelo rigor e pelo afastamento demetafísicas mais simplórias, características do período pré-cartesiano. Assim é que, desdeos desenvolvimentos cartesianos acerca das vantagens para o pensamento da divisão dotodo em partes até se chegar a princípios indubitáveis, passando pelo amadurecimento daMatemática e da Física (do qual participa o próprio Descartes), até Comte e a fundação daSociologia como uma física social, o pensamento voltado ao homem foi-se tornando “cientí-fico”, ao mesmo tempo em que “o homem” foi sendo cindido em diversas partes. É bomlembrar também que, paralelamente a esse processo de cientifização do pensamento filosó-fico-especulativo — ou da produção de idéias —, estava havendo uma cientifização dosprocessos produtivos em geral, ou seja, da produção de todas as coisas.

3 Para nascer como Fênix, o “pensamento científico rigoroso” (em geral, parente próximo oudistante do positivismo clássico), que cinde, divide, simplifica, a princípio, todo e qualquerobjeto, teria que já ter virado cinza. Não é esse o caso. E, além disso, as acusações feitastanto aos pressupostos teóricos como aos resultados práticos de algumas dessas propos-tas (o hegelianismo ou o marxismo, por exemplo), como sendo mais que totalizantes, totalitá-rias, teleológicas e, mesmo, “inimigas da liberdade e do pensamento aberto” (quem não selembra de Popper?!), geraram interessantes reflexões e importantes alertas contra um certoviés autoritário-dogmático daquele pensamento e/ou ação que consideramos, em muitosaspectos, bastante pertinentes (ver, a esse respeito, e tendo como ponto de partida o debateem torno da caracterização da racionalidade científica no positivismo lógico e na dialética,Marcondes (1998)). De qualquer modo, a superioridade do raciocínio dialético estará, comoveremos na retomada da totalidade nas teorias modernas do desenvolvimento, representa-da, no argumento de Adorno (1986), no debate em questão, no fato de que “[...] o ideal deconhecimento de uma explicação unívoca, simplificada ao máximo, matematicamente elegan-te, fracassa quando o próprio objeto, a sociedade, não é unívoca nem simples, nem tampoucose sujeita de modo neutro ao arbítrio da formação categorial, pois difere daquilo que osistema de categorias da lógica discursiva antecipadamente espera. Por isso, os procedi-mentos da Sociologia devem curvar-se ante o caráter contraditório da sociedade, casocontrário, o empreendimento das ciências sociais corre permanentemente o risco de, poramor à clareza e à exatidão, passar ao largo daquilo que quer conhecer” (Adorno, 1986,p. 47).

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Falamos aqui das antigas propostas totalizantes, os grandes sistemas daFilosofia que pretendiam abarcar o pensamento sobre o mundo e o mundo mesmo,em todas as suas dimensões, épocas e lugares. Tiveram o seu tempo, seuserros e acertos, que não vêm ao caso, e que não é nossa competência tratarmos,a não ser na medida em que essa reflexão lança luzes sobre o que é, de fato,nosso foco e que não deixa de ser, muito pelo contrário, uma4 forma atual, talvezmenos arrogante, mas não menos modesta, daquele pensamento totalizante. Éela a teorização dos processos de desenvolvimento referidos a determinadosterritórios, onde pensar suas especificidades em relação ao movimento do todo(o que já implica um raciocínio dinâmico) exige pensar as determina-ções conjuntas — geográficas, históricas, sociais, culturais, econômicas e polí-ticas — que conferem realidade àquele objeto.5

Assim é que o objeto a ser pensado por essa teoria do desenvolvimento —que, não à toa, não batizamos de social, econômico, humano, etc. — não preexisteseparado dela, que é o que ocorre quando a disciplina científica se constrói —seus sujeitos a constroem —, e, depois, aplicam-se seus instrumentos e métodosa esse ou àquele objeto melhor definido (uma vez que, no geral, esse já estavalá, só que pressuposto6). Aqui, são a inserção, os interesses, a concretude darealidade mesma dos sujeitos que definem o objeto. De fato, e em termos maissimples, pensar o processo de desenvolvimento inadjetivado (porque totalizante)é pensar o desenvolvimento desta ou daquela espacialidade. O recorte quecaberá a cada análise fazer é o recorte espacial — nesse sentido, odesenvolvimento será sempre de uma determinada área, território ou região,que, a depender da análise, será global, continental, nacional, regional, ou local.

Enfim, toda essa discussão metodológica acerca de uma teoria totalizantedo desenvolvimento é, como dissemos de saída, o ponto de partida destetexto. Permaneceremos nela grande parte do tempo, evoluindo de uma reflexãomais abstrata até a consideração daquele pensamento estruturalista que, daAmérica Latina para o mundo, foi um importante precursor da mesma. Assim é

4 Dizemos uma, porque nos parece que existem outras tantas fora de nossa “área” deinteresses, também elas centradas na preocupação de não cindir o objeto, para que elepossa ser pensado em suas complexidades. Podemos citar, por exemplo, a união da Quími-ca, da Física e da Biologia, para pensarem a micromatéria.

5 O que é a síntese mesma da dialética, que supõe a não-separação (mas também a não--identidade) entre sujeito e objeto. Ou seja, o sujeito que pensa o desenvolvimento é partedaquele objeto, seus interesses não são, assim, separados na análise a pretexto de neutra-lidade científica.

6 Sobre a importância de objeto ser posto e não apenas pressuposto nas análises, verCampregher (1993).

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que chegaremos ao pensamento de Albert Hirschman7, que muito tem a contri-buir com os esforços recentes (hoje mais advindos da Geografia que da Econo-mia e da Sociologia)8 de construção dessa teoria, que, já antecipamos, é cadavez mais uma teoria do desenvolvimento “regional”9.

Mas, se a questão metodológica é o nosso ponto de partida, ela não deveser nosso ponto de chegada, ou seja, não queremos permanecer nela. O quequeremos, ao fim e ao cabo, é sair do sertão de pobreza, desigualdade,ignorância, baixo dinamismo e sustentabilidade econômica e baixa participaçãosocial sem termos de virar as costas a tudo isso, o que pode ser feito de diversasformas: abandonando a terra, produzindo um enclave de riqueza em meio àpobreza, entregando-a às potências superiores (o abstrato mercado ou a concretapolítica de determinados interesses), buscando falsas e alienígenas soluções,nos entregando a “salvadores da pátria” (vestidos de cientista, índio, trabalhador,ou o que seja), ou simplesmente desistindo de lutar. Só um mergulho muitoprofundo na nossa realidade pode nos dar o que é o mais importante: o comofazer.

A epígrafe de Guimarães Rosa na abertura deste texto é muito mais queuma ilustração. Esse amante do sertão (para quem o sertão era “o mundo”, oseu mundo, que ele tanto amava, mas que era tão pobre e cruel) não tinhadúvidas de que “[...] a gente tem de sair do sertão!” Mas um tanto sugerindo o

7 Pensador este que, ao longo de sua vida, vem se confrontando com a economia-padrão epositiva, que postula leis gerais de caráter universal, sem levar em consideração “[...] aampla gama de variáveis, a especificidade das instituições e o caráter não generalizado docomportamento encontrável no processo de desenvolvimento” (Wilber; Francis, 1988). Jus-to por isso, esses autores chamam a metodologia hirschmaniana de “holista” — um termosemelhante à nossa totalidade. Ver o espectro da obra do autor, que nos serviu de referên-cia, nas Referências.

8 Mas também existem as contribuições recentes de economistas, sociólogos, cientistaspolíticos e antropólogos acerca, fundamentalmente, do papel das instituições, das motiva-ções das decisões individuais e coletivas, das redes de “enraizamentos” (o embeddness danova Antropologia Econômica).

9 No sentido que dizíamos no parágrafo anterior, ou seja, a região desse “desenvolvimentoregional” não é aquela subunidade nacional previamente, burocraticamente ou academica-mente definida a partir de critérios subjetivos e de pouca aderência histórica, social, cultural,econômica real. Desse modo, o desenvolvimento de que falamos é sempre “regional”, mas aregião é objetivamente definida pelos interesses explícitos na e pela análise (nãoos interesses do analista, mas deste entre aqueles que compõem a “região” em questão),pela sua formação histórico-cultural, seus padrões de reprodução socioeconômica.Ver, a respeito, Haesbaert (2005), para quem, dependendo da área a qual estamos nosreferindo, se deve usar a dominância de determinados processos, diferentes conceitos ediferentes critérios de regionalização.

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método totalizante, “[...] só se sai do sertão é tomando conta dele” e, reforçandoainda o enfoque regional, “a dentro”.

Da totalidade ideal à totalidade real dodesenvolvimento “regional”

Uma das grandes contribuições do pensamento marxista sobre a dinâmicacapitalista do período do imperialismo foi a teoria trotskista do desenvolvimentodesigual e combinado10. Trata-se de uma fina percepção — dialética (e oposta àcompreensão do progresso automático e linear) — de como esse modo deprodução se reproduz, expandindo-se para toda a periferia do sistema eproduzindo, nesse espaço amplo e integrado (o espaço global), mas tambémem cada país ou região alcançada, o que há de mais avançado e o que há demais atrasado. Também caracterizava essa teorização (que nasceu da análiseconcreta do processo de desenvolvimento do capitalismo na Rússia) a unidadede tratamento dos temas culturais, sociais, econômicos e políticos.

Pois, então, esse é um caso de pensamento que soube utilizar a categoriada totalidade, que, como dizia Luckács (1989), é o princípio revolucionário nodomínio do conhecimento. Mas o trotskismo só fez uma escola à sua alturanaquelas regiões retardatárias (como a Rússia) e, assim mesmo, durante algumtempo. Assim é que ele exerceu enorme influência, aqui entre nós, em CaioPrado Júnior ou Florestan Fernandes11, mas, por razões que não vêm ao casoexplorarmos, a sua riqueza dialética foi sendo cada vez mais simplificada (nomau sentido) pelos pensadores posteriores.12

10 Essa teoria foi concebida por Trotsky ao longo de sua vida de militante político e de pensadorcientífico. Existem traços dela desde suas manifestações em diferentes debates sobre asituação da Rússia pré-revolucionária, mas uma melhor apresentação da mesma só ocor-reu em 1930, quando da publicação de sua História da Revolução Russa (Trotsky, 1978--1980).

11 Cujas análises dialéticas, se já são compreendidas, não são ainda modelos para criação denovas interpretações dos novos tempos. Sobre o interesse da análise de Florestan para acompreensão do processo de desenvolvimento da nação brasileira, ver Paiva (1991).

12 Assim, por exemplo, o dependentismo latino-americano, que muito se inspirou na matriztrotskista, acabou por dar ênfase exagerada à determinação exógena dos processos dedesenvolvimento no nosso continente, como mostraram diversos dos seus críticos —dentre os quais, o mui brilhante Fernando Henrique Cardoso no famoso ensaio As Idéiase Seu Lugar. Mas também ele não escapou de um certo simplismo, uma vez que, mesmodepois de uma rica e dialética análise das releções exógenas e/ou endógenas entre osagentes mundiais e/ou locais, acabou por defender (e aplicar, uma vez Presidente) umadesismo ao modelo de capitalismo associado como o único projeto viável de desenvol-vimento nacional.

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Nos capitalismos ditos “centrais”13, mais precisamente na Europa e nosEstados Unidos, a categoria da totalidade ficou um tanto restrita à discussãofilosófica mais abstrata, cremos que por dois motivos principais: (a) a dominaçãodo pensamento comunista oficial (tão positivista quanto a versão “burguesa”) oualiciava adeptos incondicionais, ou colocava seus críticos numa situação denegação do grande projeto teórico-político, impossibilitando-lhes a atenção àsespecificidades de toda ordem; (b) os poderes da dominação político-cultural —advindos do poder econômico — pareciam tão avassaladores que só poderiamser para eles todas as atenções.14

Então, vejamos que curioso: a totalidade (concreta, real) perde-se justamentecom a perda de atenção aos casos particulares. Sigamos um exemplo que já éele mesmo uma aproximação do nosso argumento central — qual seja, o de queas novas teorias do desenvolvimento regional são a recuperação necessária epossível daquela totalidade revolucionária de que falava Luckács (1989). Trata--se do exemplo da morte — inúmeras vezes decretada — da região nos estudosgeográficos.

Segundo Rogério Haesbaert (2005, p. 6), houve três importantes mortes eressurreições da região desde o pós-guerra: uma primeira decretada (nos anos50 e 60) pelo cientificismo neo-positivista anglo-saxão, que, ao defender anecessidade da construção de leis gerais (contra a matriz francesa que priorizavao particular), acabava por propagar, se não o fim da região, a sua redução a uma“simples classe de área”; uma segunda decretada pelo marxismo (dos anos 70e 80), que considerava a região um “conceito-obstáculo”, preferindo tratar oregionalismo como um processo social do que tratar da região mesma, cometendoo pecado de “fetichizar o espaço”; e uma terceira difundida por globalistasde dois tipos, os pós-modernos — que vêem a globalização como processohomogeneizador das especificidades regionais — e os pós-estruturalistas —que vêem uma diluição das “mesoescalas” (nacionais e regionais) em favor dolink direto entre o local e o global.

Parece-nos evidente, mesmo nessa precária caracterização, que o que seperde nessas “mortes anunciadas” do regional é exatamente a dialéticanecessária para compreender, num mesmo processo, especificidades euniformidades, autonomias e dependências (ambas sempre e diferentementerelativas), estabilidades e rupturas, enfim, tendências e possibilidades nunca

13 Nomenclatura típica da época em que o imperialismo — que abrange, grosso modo, do pós Primeira Guerra até a queda do socialismo soviético — não tinha sido substituído pelo termo mais atual, globalização.

14 Como veremos a seguir, é o caso dos adeptos da teoria crítica da escola de Frankfurt.

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rigidamente definidas, sempre ao alcance das decisões dos agentes sociais,cuja liberdade de ação não é, portanto, nem indeterminada, nem absoluta.

A reflexão que estamos propondo busca pensar mais uma vez odesenvolvimento como processo dialético que combina movimentos opostosimpossíveis — ou indesejáveis — de serem reduzidos, pois é justamente a realpossibilidade dos extremos que explica o movimento, a transformação. Issoimplica recuperar a categoria da totalidade, não sua idealização filosófica, mas,sim, sua concretização no nível mais concreto possível, que, para nós, é oespaço — não meramente físico, mas material e historicamente determinado —que habitamos e que configura uma determinada (ou melhor, muitas determinadas)região(ões).

A impossibilidade de reconfiguração de umatotalidade ideal

Como dizíamos na Introdução deste artigo, não podemos nos dar ao luxode recuperarmos aqui toda a história filosófica de auge e declínio das grandes“visões de mundo” (o que, aliás, é um dos temas freqüentes da Filosofia napós(?)-modernidade) 15, mas não poderíamos deixar de mencioná-la antes departirmos para a análise das novas propostas totalizantes (dentre elas, odesenvolvimento “regional”), que, boas ou más, nascem, todas de um certoesgotamento da divisão das esferas — e das disciplinas científicasespecializadas — que sucedeu aquele declínio.

Antes de prosseguirmos, contudo, mais uma ressalva: de fato, as disciplinasmais rigorosamente segmentadas puderam acrescentar um potencial analíticoàs teorizações e/ou compreensões da realidade que não se tinham desenvolvidoantes dessa segmentação;16 e, de fato também, algumas análises totalizantes

15 Por exemplo, podemos citar Habermas (e sua crítica ao projeto mal concluído da moderniza-ção levada a cabo pelo capitalismo), dentre tantos outros que procuraram e procuram acompreensão do homem do nosso tempo, utilizando-se de um arcabouço teórico poucoidentificável como sendo claramente da Sociologia, da Economia, da Filosofia, etc. Ver, arespeito das análises de Habermas e de outras com distintas concepções acerca datotalidade (Weber e Marx principalmente), Campregher (2002).

16 O que não invalida, para nós, o alerta geral de que “[...] a teoria em sentido tradicional,cartesiano, como a que se encontra em vigor em todas as ciências especializadas, orga-niza a experiência da vida dentro da sociedade atual. Os sistemas das disciplinas contêmos conhecimentos, de tal forma que, sob circunstâncias dadas, são aplicáveis ao maiornúmero possível de ocasiões. A gênese social dos problemas, as situações reais nasquais a ciência é empregada e os fins perseguidos em sua aplicação são por ela mesmaconsideradas exteriores” (Horkheimer, 1983, p. 155).

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preocupadas em captar todos os aspectos de algumas questões acabam porcontar histórias detalhadas de alguns processos sem marcar os seus pontosnevrálgicos, sem hierarquizar determinações e, muito menos, sem deixar pistaspara comparações e análises de outras realidades — o que, se, de um lado,produz um conhecimento detalhado sobre uma dada totalidade, de outro, a retirado mundo e da história, caindo-se, assim, no historicismo do caso a caso.17

Dito isso, seguimos adiante, frisando o que consideramos o problema crucialenfrentado pelas propostas totalizantes de outrora: as concepções filosóficas maisambiciosas acerca da totalidade pecaram por ser excessivamente idealistas — aunidade de todas as determinações do real só sendo cabível no nível mes-mo da razão18 —, e, mesmo quando se pensou numa ação política que enfren-tasse o processo real de autonomização das esferas (agravado pelo capitalis-mo moderno), também essa previa uma razão emancipadora, cuja basetotalizante fosse dada a priori e não construída de fato.

Dito de outro modo, se, de um lado, as disciplinas mais “oficiais”, ou asvisões de mundo mais em acordo com a autonomização das esferas, reinavamem relativa (e positiva) tranquilidade — alardeando a linearidade do progresso, anaturalidade do atraso e o alcance do equilíbrio automática e passivamente —,de outro, as propostas contra a corrente que queriam a reacoplagem do realacabaram por mostrar-se idealistas (mesmo se dizendo materialistas).

De fato, na nossa visão, tanto o materialismo histórico mais ingênuo —defensor de uma inexorável ação revolucionária dos trabalhadores, que corrigiriana origem (material) a desacoplagem das esferas — quanto o projeto sofisticadoe ambicioso da teoria crítica frankfurtiana — que acabou, na sua versãohabermasiana, por propor tão-somente uma “complementação dasracionalidades”19 — ficaram justamente sem um objeto. Ou seja, dado que acrítica radical do pensamento sobre o mundo (que separa ambos, portanto)impõe uma crítica ao mundo — à maneira pela qual este está organizado, ou àmaneira pela qual ele é concretamente produzido por e para os homens —,haveria a necessidade da construção de um outro mundo (o que a experiênciareal de socialismo intentada jogou por terra).

Desde então, as dificuldades políticas da construção do socialismo numsó país, a eficiente dominação das massas pela indústria cultural e a vitória da

17 Como o denuncia o estrutralismo latino-americano na visão, por exemplo, de Furtado (1967).18 Como é o caso da filosofia de Hegel, onde, como nos lembra Habermas, “[...] os momentos

nos quais a razão se dissocia só voltam a ficar unificados na teoria, mantendo-se afilosofia como o lugar em que se cumpre e consuma a reconciliação dessa totalidade quese tornou abstrata” (Habermas, 1989, p. 462).

19 Para uma discussão mais detalhada da questão, ver Campregher (2002).

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teoria tradicional — que domina, como dizem Adorno e Horkheimer (1980), “to-das as ciências especializadas” —, impossibilitaram a teoria crítica eemancipatória de encontrar um objeto à sua altura.

Se não vejamos, segundo a formulação de Horkheimer:

[...] a teoria crítica da sociedade tem como objeto os homens comoprodutores de todas as suas formas históricas de vida. As situações efetivas,nas quais a ciência se baseia, não [são] para ela uma coisa dada, cujoúnico problema estaria na mera constatação e previsão segundo as leis daprobabilidade. O que é dado não depende apenas da natureza, mas tambémdo poder do homem sobre ela. Os objetos e a espécie de percepção, aformulação de questões e o sentido da resposta dão provas da atividadehumana e do grau de seu poder (Horkheimer, 1983, p. 155).

Pois bem, quer parecer-nos, justamente, que os frankfurtianos nãodescobriram uma “forma histórica de vida” que fosse também ela crítica, uma“situação efetiva” crítica, ou uma “atividade humana” crítica que mostrasse umrazoável “grau de poder”. Quer dizer, é verdade que se têm os movimentosestudantis dos anos 60, os de independência nacional dos 70 e os movimentossociais dos 80, mas esses não são efetivamente poderosos — não são suficientespara evitar que a teoria crítica chegue ao pessimismo do último Adorno (1995)20,ou ao reformismo21 do continuador Habermas (1989).

De fato, a Escola de Frankfurt, mesmo com todo seu entusiasmo pelomarxismo — e sua proposta de superar de vez a reflexão sobre o mundo,convidando para a efetiva transformação deste —, é uma escola do pensamentofilosófico e, como tal, acabou por ficar enredada, como as outras, numa brigapor validação de suas verdades (meras narrativas ou mesmo metanarrativas22,não vem ao caso discutirmos) que pouco inspirou alguma ação fora da Academia.Ou seja, por mais que essa escola tivesse uma forte crítica ao pensamentoabstrato tradicional e quisesse uma reconciliação efetiva com o mundo concreto

20 Adorno, refletindo sobre a esperança kantiana em torno da emancipação humana, diz-nosque essa, hoje, “[...] se tornou muito questionável, face à pressão inimaginável exercidasobre as pessoas, pela própria organização do mundo e pelo controle planificado atémesmo de toda realidade interior pela indústria cultural. Se não quisermos aplicar o termoemancipação num sentido meramente retórico, [...] vazio como o discurso dos compromis-sos [...] é preciso começar a ver efetivamente as enormes dificuldades que se opõem àemancipação nesta organização do mundo” (Adorno, 1995, p. 181).

21 Reformismo este assumido pelo próprio autor e considerado por muitos de seus comentadoresum retrocesso em relação ao projeto frankfurtiano original. Ver, por exemplo, Slater (1978).

22 Que são algo próximas das grandes visões de mundo de que falávamos no início destetrabalho. Uma metanarrativa é uma narrativa que visa abarcar e explicar outras narrativas,como as metanarrativas de Platão ou Hegel, que, ao darem uma explicação para o mundo,dizem que aquela explicação é a realidade do mundo.

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e real (sem fetichismos e reificações)23, sua própria crítica à racionalidade ditainstrumental — mais restrita ao mundo das coisas — a impede de pleitear essareconciliação justamente aí! E, sem a reconciliação dos homens com as coisas(que, lembremos, é o trabalho que produz e realiza), a reconciliação entreaparência e essência é, de fato, uma batalha do pensamento. E uma batalha quesó pode levar ou à resignação, como em Weber (1965) — que descrê dapossibilidade de vitória —24, ou à crítica desesperançada, como em Adorno eHorkheimer (1980) — que acreditam que o capital e a indústria cultural járealizaram a reconciliação a seu modo —25, ou à defesa de seu definitivodeslocamento para fora do mundo da produção, em direção aos planos prático--moral e estético-expressivo, ainda não contaminados pela razão instrumental,como em Habermas (1989) — para quem, pelo menos, ainda resta uma esperança.

O que é comum a todos esses autores é que a totalidade é visadaidealmente. E isso na medida em que se pensa a história mais como um processode racionalização do mundo do que de produção e objetivação do social e docultural. Tanto o ceticismo resignado de Weber (1965) quanto o niilismo de Adornoe Horkheimer (1980) e o otimismo de Habermas (1989) comungam da mesmaorigem: uma sobrevalorização do que poderíamos chamar “o trabalho da razão”vis-à-vis a todas as demais formas de trabalho.26

23 Que os frankfurtianos em geral imputam ao capitalismo e também a toda razão abstrata queprivilegia o logos em relação ao eros e ao cronos, ou, simplificando ao máximo, privilegian-do a razão instrumental e a produção das coisas à razão substantiva produtora de valorese sentidos.

24 Em Weber, há pouca ou nenhuma esperança quanto à reunificação das esferas de vida edas formas da razão. Por trás dessa conformação ressentida com a dominação da razãoinstrumental, há, como dissemos, uma idealização da totalidade da razão. Isto porque, donosso ponto de vista, a teoria weberiana do processo de racionalização (desencantamen-to) do mundo, como de “perda de sentido” e de “perda de liberdade”, se dá num contexto deidealização do sentido e da liberdade (Weber, 1965). No caso do primeiro, porque, com orompimento da unidade que havia em torno do conhecimento tipicamente religioso oumetafísico, se tem a impossibilidade da percepção do mundo como tendo um sentido. Nocaso da segunda, porque novamente o rompimento da razão originária daria margem aodesenvolvimento desproporcional da razão instrumental, que levaria a uma crescenteautonomização da esfera econômica e do poder, que nos tornaria prisioneiros dos “espe-cialistas sem espírito” e dos “hedonistas sem coração”. Ver Cohn (1979).

25 Como bem nos lembra Haddad, “Adorno e Horkheimer radicalizam as perdas de sentido eliberdade weberianas não pela impossibilidade de reunificação das esferas, mas justa-mente o contrário, dado presenciarem um mundo administrado unificadamente via proces-so de fusão do aparato estatal com a grande empresa capitalista”. Tem lugar, então, que“[...] o caos cultural que se poderia esperar da perda de unidade da razão é suplantado porum movimento de forças que dá a tudo, não um novo sentido, mas um ar de semelhança”(Haddad, 1997).

26 Assim, para além da inflexão otimista (que já é ela mesma um resultado), a única coisa quediferencia Habermas dos demais é que, em sua versão madura, esse autor funda sua

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Tomando de uma vez o caminho da construção de uma outra noção detotalidade — diríamos, mais pragmática e materialista —, fixaremo-nos, aqui,na contribuição do neopragmatismo norte-americano, na figura de Richard Rorty,que nos remete à noção de que a totalidade objetiva é igual à história dasformas de solidariedade. Antes de seguirmos adiante, é interessante queapresentemos o nosso autor, ou que ele mesmo se apresente, justamente seposicionando em relação à discussão que fazíamos até aqui. Segundo Rorty:

[...] o caminho equivocado foi tomado quando a divisão realizada por Kantentre ciência, moral e arte foi aceita como algo dado [...] Uma vez queessa divisão foi tomada a sério, então, o auto-reconhecimento de si,da modernidade, que tanto Hegel como Habermas aceitam como “oproblema filosófico fundamental” parecerá efetivamente urgente. Porque,uma vez que os filósofos se guiam pela “obstinada diferenciação” de Kant,então, estão condenados a uma interminável série de movimentosreducionistas e anti-reducionistas. Os reducionistas fizeram tudo tenderao científico, ou político (Lenin), ou estético (Baudalaire, Nietzsche). Osanti-reducionistas mostraram que esses intentos não eram indicados. Serum filósofo de tipo “moderno” significa precisamente não estar disposto apermitir que essas esferas coexistam simplesmente de uma maneira nãocompetitiva, ou reduzir duas delas ao que resta. A filosofia moderna temconsistido em voltar a estranhá-las sempre, a reuni-las agrupando-as eobrigando-as se separarem de novo (Rorty, 1988, p. 264).27

crítica ao materialismo histórico numa ontologia alternativa, uma ontologia centrada no tra-balho do pensamento e no trabalho de sua exteriorização e/ou comunicação, ambos pen-sados como distintos e estranhos — no limite, antagônicos — às formas triviais e instru-mentais do trabalho.

27 No original: “[...] el camino equivocado se tomo cuando la división realiza por Kant entreciencia, moral y arte fue aceptada como algo donne (...) Una vez que esa división se tomóen serio, entonces el Selbstvergewinsserung der Moderne, que tanto Hegel comoHabermas aceptan como el problema filosófico fundamental parecerá efectivamente quees urgente. Porque una vez que los filósofos se tragan la obstinada diferenciación deKant, entonces están condenados a una interminable serie de movimientos reduccionistasy antirreduccionistas. Los reduccionistas intentarán hacer todo científico, o político (Lenin),o estético (Baudalaire, Nietzsche). Los antirreduccionistas mostrarán lo que esos inten-tos no indican. Ser un filósofo de tipo ‘moderno’ significa precisamente no estar dispuestoa permitir que estas esferas coexistan simplemente de una manera no competitiva, o areducir las otras dos a la que queda. La filosofia moderna ha consistido en volver aalienarlas siempre, a reunirlas agrupándolas y a obligarlas a separarse de nuevo” (Rorty,1988, p. 264).

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A totalidade objetiva é igual à história dasformas de solidariedade28

Há já alguns anos, houve um interessante debate filosófico entre realistase pragmatistas em torno da relação entre “objetividade” e “solidariedade”, quenos será de muita valia para expressar o que acreditamos serem as basesfilosóficas para a defesa da “região” como sendo uma totalidade real — porquelocus de uma articulação, não apenas possível como necessária, entreobjetividade e solidariedade.

Nesse debate, Rorty (1993), defendendo-se da crítica de Hilary Putnam —que argumentava serem as suas teses relativistas —, diz o seguinte:

Há dois modos principais pelos quais seres humanos reflexivos tentam,colocando suas vidas em um contexto maior, dar sentido a elas. O primeiroé contando a história de sua contribuição a uma comunidade. Esta podeser a comunidade histórica real na qual eles vivem, ou uma outracomunidade real, distante no tempo ou no espaço, ou uma comunidadeimaginária, consistindo talvez numa dezena de heróis e heroínasselecionados da história ou ficção, ou de ambas. O segundo modo édescrever a si mesmos como encontrando-se em relação imediata comuma realidade não humana. Esta relação é imediata no sentido de que nãoderiva de uma relação entre tal realidade e sua tribo, ou sua nação, ou seuimaginado grupo de companheiros. Eu afirmei que histórias do primeiro tipoexemplificam o desejo de solidariedade e histórias do segundo tipoexemplificam o desejo de objetividade (Rorty, 1993, p. 109).

Rorty (1993) admite serem suas teses “etnocêntricas”, mas não relativistas,explicitando seus pressupostos de interesse e solidariedade. O que nos parecefundamental na sua argumentação (e que não é de forma alguma relativismo) ésua concepção de que o que nós buscamos é a concordância, e o fazemos viauma equiparação de termos e significados com o maior número possível deinterlocutores, levando o “nós” tão longe quanto possamos. Mas isso nãosignifica abrir mão de critérios de julgamento para o que é racional, ou não, nointerior dessa busca. Ou seja, não se está dizendo que não se pode falar deconhecimento da verdade, e é isso que diferencia e afasta Rorty (1993) doverdadeiro relativismo29. O que ele está propondo, nas suas próprias palavras, é:

28 Título do Capítulo 3 da primeira parte da nossa tese de doutorado (Campregher, 2002), deonde retiramos o argumento aqui desenvolvido.

29 O verdadeiro relativismo é decadentista, avesso a qualquer pragmatismo (na verdade,canta loas à inação) e, por isso mesmo, é objetivamente conservador. Hegel revela a suaessência em passagem canônica. Segundo o autor, “[...] quando Cristo disse: Eu vim aomundo para dar testemunho da verdade, Pilatos responde: Que é a verdade? A resposta é

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[...] a investigação como o contínuo retecer de uma teia de crenças, aoinvés da aplicação de critérios a casos. Então, a noção de “normas culturaislocais” perderá seus sobretons ofensivamente provincianos. Já que, agora,dizer que devemos trabalhar com nossos próprios olhos, que devemosser etnocêntricos é simplesmente dizer que crenças sugeridas por umaoutra cultura devem ser testadas pela tentativa de tecê-las juntamentecom crenças que já possuímos (Rorty, 1993, p. 114).

Há um comentário a fazer aqui porém. Mesmo se tomarmos o “contínuoretecer de teias” como a garantia da continuidade da discussão sobre o“conhecimento da verdade”, haverá, sim, uma certa inflexão relativista, na medidaem que o autor pretende não ver “[...] diferença [...] entre dizer que ‘há apenas odiálogo’ e dizer que ‘há também aquilo para o qual o diálogo converge’” (Rorty,1993, p. 114). Mais que isso: Rorty (1993) pretende ainda que os que percebemtal diferença deixam o objetivismo metafísico “[...] entrar pela porta dos fundos”.Ora, não concordamos com essa (dúplice) pretensão. Na verdade, assim seria,se essa convergência significasse algo de ideal visado e antecipado desde oinício da história. Mas se essa convergência for remetida ao passado concreto —à história material dos homens, cujo resultado é trabalho materializado emcoisas, idéias e instituições fincadas num determinado espaço —, ela nãonos tornará vítimas do “cientificismo que acusamos em outros”, e a idéia de“florescimento humano” não terá nada de “trans-histórico” (como acusa Rorty),mas de efetivamente histórico.

Do mesmo modo, se concordamos com Rorty (1993) em sermos “contraa idéia de correspondência da verdade” (do conceito com a “coisa em si”) e a“[...] favor da idéia de que algumas visões são mais coerentes que outras”, éporque, para nós, tampouco a coerência é um atributo das falas em si. Acoerência é algo que se conquista pela mediação objetiva com o outro, numprocesso de troca material que envolve a extensão, ao máximo, do universo defalantes até a “conquista dos estrangeiros pelo diálogo com eles”. Cabe frisarque a extensão que nos interessa é geográfica, mas também histórica, e atingerealidades mais profundas, onde se vislumbram conexões, equivalências esolidariedades para além da observação empírica. A coerência deve ser buscadano passado, na forma como foi entronizada nos testemunhos materiais e culturais,mas esses testemunhos não podem ser formalizados à moda da “razão do

dada com ares de superioridade e significa: sabemos bem o que é essa verdade: uma coi-sa que conhecemos; mas fomos ainda além: sabemos que se não pode falar deconhecimento da verdade; é ilusão que já vencemos. Quem assim fala passou, de fato,para além da verdade” (Hegel, 1980, p. 33). A despeito das diferenças entre Rorty e Hegel,ambos concordam que se deve, sim, falar da verdade e não lavar as mãos, a princípio,sobre ela.

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entendimento” (Fausto, 1987); eles podem e devem ser alcançados pela razãodialética, para que sejam capturados na sua dimensão transcendental, por trásdas falas dos indivíduos.

Ainda uma palavra sobre a fórmula rortyana, segundo a qual o pensamentorealista é aquele que busca fundar (desnecessária e perigosamente) asolidariedade na objetividade. Do nosso ponto de vista, se o nosso desejo deobjetividade se baseia na solidariedade, ele não é primeiro. De fato, para nós,não há objetividade alguma antes da solidariedade (como não há naturezahumana, nem sequer homem30). Mas a afirmação desta não é a negação (apenasprimeira, à la Hegel) daquela. Se é metafísico fundar a solidariedade naobjetividade, não é menos metafísico (pois se trata de fantasiar uma realidade)querer desconhecer que a solidariedade tem se fundado, na história dahumanidade, não na objetividade, mas na falta dela, na sua eterna carência.31

Quer parecer-nos que essa nossa interpretação é consistente com a reflexãode alguns dos próceres do pragmatismo moderno, segundo os quais o acordointersubjetivo entre as consciências através da interpretação dos signos ganhastatus de objetividade, quando pressupõe que deva haver unicidade. SegundoApel,

30 Como defendemos em nossa dissertação de mestrado (Campregher, 1993, cap. 1). Mas ládizíamos também que não basta solidariedade entre os homens de uma mesma comunida-de. A cooperação mais simples é própria até de algumas espécies animais. Há que se tersolidariedade com o “outro distante” no espaço e no tempo. Esse aprendizado de respeitoao outro, geográfica e historicamente distinto, só se impõe pelas necessidades objetivasdo processo de trabalho enquanto processo de desenvolvimento do conjunto das media-ções entre a carência e a sua satisfação.

31 O desejo de objetividade funciona aqui como a busca precisamente humana de preencheruma falta. E assim ele aparece em pensadores que buscaram fundamentalmente as pulsõesque nos movem. É o caso de Nietzsche e da nossa “vontade de potência” (que é o que nostorna mais homens) que cria a “vontade de verdade” e que faz desta “[...] o erro sem o qualcerta espécie de ser vivo não estaria viva”. Afinal, ela é a condição para criar a solidarie-dade necessária à sobrevivência do homem, assim como é a condição de seu devir etranscendência. Também na análise freudiana do estabelecimento do tabu, aparece essafunção da objetividade. Do assassinato do pai primevo e da proibição do incesto, o que ficaé a castração como fundando a solidariedade entre os irmãos. Mas a crença na recupera-ção da objetividade perdida (a partir daí fantasiada, sonhada, etc.) é o que nos move paracriar nossa civilização — seja em suas formas doentias, seja nas formas superiores desublimação. Rorty sabe disso, quando diz que “[...] o etnocentrismo inevitável ao qualestamos todos condenados é, assim, tanto parte da confortável visão realista, como dadesconfortável visão pragmatista” (Rorty, 1993, p. 119). Justifica-se preferir o desconfortoao conforto, justamente porque, sabendo que nós fazemos “a falta” (e não o “espírito”,deus, ou o que seja), sabemos também que a solidariedade é uma criação nossa e não umdestino imposto de fora. Mas a substituição de uma forma de solidariedade por outra só épossível se, de algum modo, continuarmos perseguindo aquela objetividade (Nietzsche,1980; Freud, 1980).

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Da mesma forma que Kant, como analítico da consciência, se viu obrigadoa postular, com anterioridade à toda crítica do conhecimento, que é possívelalcançar algo semelhante à unidade do objeto (e da autoconsciência), osmodernos lógicos da ciência, que partem de uma base semiótica ouanalítico-linguística, teriam que postular a possibilidade de alcançar,mediante a interpretação dos signos, algo semelhante a uma interpretaçãodo mundo intersubjetivamente unitária (Apel apud Haddad, 1997, p. 47).

Mas isso não é tudo. A verdade é que, subjacente ao reconhecimento deque uma “interpretação intersubjetivamente unitária do mundo” é (estruturalmente)possível, encontra-se a pressuposição de que a ciência moderna se estruturasobre bases éticas. Segundo Apel, tal fundamento da ciência moderna já teriasido percebido por Peirce, ao tomar consciência de que

[...] não poderia derivar a racionalização moralmente relevante da condutahumana a partir da normatização tecnológica para “aclarar as idéias” nosentido da “máxima pragmática”, senão que, pelo contrário, teria quepressupô-la inclusive para fundamentar uma lógica normativa para a ciência(Apel apud Haddad, 1997, p. 47).

Sem dúvida! Só que a clareza dos fundamentos éticos da ciência nãopode nos levar a esquecer que o desenvolvimento da pragmática da solidariedadeno plano discursivo (que é o plano, por excelência, de desenvolvimento emanifestação da Filosofia e da Ciência) não é suficiente para garantir a construçãode uma unicidade objetiva, como demonstra cotidianamente a fragmentaçãopolítica dos arautos da unicidade teórico-discursiva. E o que mais assusta é quea unicidade objetiva que nos falta, sobra ao capital — que parece conseguirsempre as suas sínteses, a despeito de nós. Essa objetividade chocante docapital é que impõe novamente a dimensão das coisas como estruturassubjacentes que nos moldam a linguagem. E isso na medida em que as coisasdo capital não são coisas naturais, mas coisas sociais, como em Marx (1983),ou artificiais, como em Simon (1981)32.

Assim, se é positivo que nos esqueçamos da idéia de correspondênciacom a verdadeira natureza das coisas — que aparecem assim como naturais —, énegativo que façamos de conta que só existe a nossa fala, o nosso diálogo e suasregras. Há todo um universo de coisas que nos confunde a linguagem e exigeque busquemos, para além da coerência dos pragmatistas, a correspondênciados realistas, desde que, como vimos, abandonemos a vã tentativa de buscaruma correspondência com a “coisa em si” e nos voltemos para a busca dacorrespondência com a coisa para nós, com a coisa que produzimos com o

32 Autor que deve ser buscado por aqueles que, como nós, querem aproximar máquina epensamento, cultura e natureza. Ver Simon (1981).

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nosso trabalho, e que é todas as coisas, palavras, ações, estruturas, insti-tuições.

Nesse entroncamento sob o signo da intersubjetividade com a objetividade,aproximamo-nos da totalidade mais pragmática, gerada mais pela solidariedadeentre indivíduos e grupos cuja inserção social é multideterminada do que pelaperseguição da objetividade por uns poucos indivíduos intelectuais. Só que,para que essa solidariedade seja objetivamente determinada, ela não pode estarrestrita à intersubjetividade dos indivíduos, mas deve-se estender às relaçõesque esses estabelecem através das coisas e das estruturas (instituições)objetivas que produzem e plantam nos espaços em que habitam.

A totalidade real do desenvolvimento“regional”

Vimos acima que a totalidade já se redefiniu, na Filosofia moderna, demodo um tanto mais concreto, a partir das suas reflexões sobre verdade e sobreobjetividade e/ou solidariedade que a fundamentam.

Vemos essa maior concretização naquilo que Rorty (1993) chamava de“contínuo retecer de uma teia de crenças” que seguem “normas culturais locais”33.Essas teias e normas são produto real de homens reais, onde a produçãointelectual mais sofisticada se encontra incluída, mas junto à produção geral devalores, verdades, significados.34 São essas que, conforme correção que fizemos,podem e devem ser estendidas não apenas geográfica, mas tambémhistoricamente, formando um sentido maior para o qual os diálogosconvergem. Essa extensão histórico-geográfica confere, por sua vez, àsconexões, às equivalências e às solidariedades uma coerência que explicagrandes conflitos e grandes acordos, de interesses e paixões, que é o que moveindivíduos e comunidades de um estágio a outro, ou, dito de outro modo, oscoloca em processo de desenvolvimento.

33 Cuja dimensão não é rígida, mas sempre redefinida (podendo incorporar mais e maisestrangeiros), como o nosso próprio conceito de “regional” (ver nota de rodapé 9).

34 Quanto mais ricas forem as teias internas, maior será o diálogo, maiores serão as exigên-cias de compreensão entre grupos e indivíduos e maiores serão as possibilidades de queas “normas culturais” possam ser bastante “racionais” — racionalidade aqui entendidatambém complexamente, ou seja, não como a racionalidade utilitarista, individualistaabsolutizadora de uma natureza humana abstrata e inconsistente. Veremos mais sobreisso adiante.

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Fica evidente, nessa compreensão, que: (a) as motivações socioeco-nômicas-culturais-políticas-ideológicas são apenas “apelidos científicos” dadosàs relações concretas entre os sujeitos humanos (e que chamamos acima deconexões, equivalências, solidariedades); (b) além de inseparáveis, nenhumadessas manifestações pode ser dada como exterior ao corpo principal da análise;35

e (c) internas que são, são elas que explicam, em suas imbricações mesmo, osprocessos de desenvolvimento dos grupos humanos.36

Dito isso, podemos seguir adiante com uma das reflexões precursorasnessa metodologia de construção de uma totalidade real no pensamentoeconômico (o que implica transcendê-lo de fato), que ousou justamente explicaros processos concretos de desenvolvimento em sua especificidade, levandoem conta a unidade das dimensões que expusemos acima. Falamos aqui deAlbert Hirschman37, para quem o importante é captar e apreender (em si mesmase correlacionadas) as manifestações dos fenômenos inerentes ao processo dedesenvolvimento capitalista nas situações específicas em que esse ocorre,ou seja, num determinado tempo e lugar. Mas há que se destacar que essassituações são menos rigidamente “estruturadas que estruturantes”, para falarcomo Bourdieu (1990), ou seja, esses processos têm sujeitos cujos compor-

35 Por exemplo, supondo-se uma racionalidade hedonista, utilitarista, econômica básica, tudoo mais (todo o real e concreto, portanto), o comportamento moral, cultural, etc. pode até serlevado em consideração, mas de modo ad hoc (ora reduzido à curiosidade histórica, orareduzido a um comportamento igualmente “econômico racional”, mas aplicado a outrosobjetos de escolha individual). Esclarecedor a respeito é o Manual de Economia Políticade Vilfredo Pareto (Pareto, 1984), ou, ainda, as reflexões recentes sobre ação coletiva,onde esse mesmo individualismo metodológico faz exatamente o que dissemos acima.

36 É importante que se diga que isso implica uma crítica às análises marxistas também. Acre-ditamos que o marxismo perdeu de vista dois importantes “objetos”: o indivíduo (suasações, motivações, etc.) e os processos específicos de sociedades concretas. Fosse apobre literatura comunista oficial (que impunha um etapismo mecanicista a todo e qualquerprocesso de desenvolvimento), fossem as sofisticadas análises filosóficas (como vimosser o caso dos frankfurtianos), em ambos, deixou-se de lado o modo específico comoindivíduos e sociedades, de fora do eixo central da produção capitalista, absorviam aque-las produções, deixavam-se influenciar e ousavam reagir. Felizmente, entre aqueles queredescobriram o particular (geógrafos como David Harvey (1993; 2004)), estão muitosmarxistas que não caem no particularismo, chegando, pelo particular, às conexõessistêmicas mais complexas e globais. Na mesma linha, quer parecer-nos que existemoutros tantos aportes analíticos (oriundos da Geografia, da Antropologia, da Sociologia, daCiência Política, da Economia, etc.) que se nomeiam marxistas justamente pelo apego àtotalidade das suas análises — material e historicamente determinadas (como é o caso,entre nós, de Milton Santos e sua nova Teoria do Espaço (Santos, 1978)).

37 Referenciamos fundamentalmente as obras de Hirschman (1961; 1965; 1976; 1981).

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tamentos, decisões e estratégias são fundamentais e ainda comportam incoe-rências e contradições.38

Justamente por isso é que a concepção hirschmaniana do desenvolvimentoimplica: (a) uma recusa dos modelos clássicos de desenvolvimento e de suasleituras reducionistas (que, nas versões marxista ou neoclássica, eram,igualmente, positivistas e etapistas); (b) a substituição da visão de mundo calcadano paradigma da “mão invisível” pela da “mão ocultadora” (onde o mercadoabstrato é substituído pelo mundo das estratégias e dos interesses concretos);(c) uma recusa da formalização em geral, mas também em particular, da limitaçãoàs variáveis econômicas dos fenômenos dignos de observação atuantes noprocesso do desenvolvimento; (d) uma crítica ao paradigma da escolha racionale ao individualismo metodológico a esse subjacente, presentes na Economia,na Sociologia e na Ciência Política (hoje organizadas todas em torno da publicchoice); (e) e, enfim, uma opção pela história concreta e pelos conflitos edesequilíbrios que a caracterizam, que fazem com que suas análises sobreos potenciais dinâmicos dos investimentos (ou dos encadeamentos ouconcatenações temporais e espaciais), da “estranheza tecnológica”, dasfuncionalidades dos processos inflacionários, dos procedimentos de saída,permanência e lealdade das organizações (dentre outras tantas teorizações doautor) sejam sempre referências-padrão (mas nada rígidas) para o entendimentodos processos específicos de desenvolvimento que couberam a ele, mais queexplicar, participar.39

Esses conceitos e/ou posicionamentos de Hirschman caracterizam oholismo de suas análises, onde

[...] não [contam] as variáveis macroeconômicas, mas os desequilíbriosexistentes na sociedade e a forma pela qual esses desequilíbriosoperam para energizar a ação humana numa determinada direção. Asforças do desenvolvimento não são aquelas identificadas, pela abordagemlógica positivista, na teoria “monoeconômica” (Wilber; Francis, 1988,p. 335).

38 Ver Bourdieu (1990). A crítica desse autor ao estruturalismo destaca justamente a neces-sidade de superar a convicção de que as ações dos sujeitos no interior das estruturasconformam uma única lógica subjacente, racional, que se expressaria no conjunto daspráticas culturais de uma mesma sociedade.

39 Mais que um exelente resumo das idéias principais de Hirschman, remetemos o leitor parao livro de Foxley, McPearson e O’Donnell (1988), para ver como muitas delas florescerame ajudaram a formar, mesmo sem ter feito uma escola (o que seria mesmo difícil no caso deum “holista” como Hirschman), importantes pensadores-atuadores nos processos de de-senvolvimento de diferentes países e regiões.

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Mas o projeto hirschmaniano não consiste apenas em alargar ou transcendero economicismo, nem em organizar, ao modo do estruturalismo, as várias dimensõesdo processo de desenvolvimento. O estruturalismo dialético40 de Hirschman, alémde superar o raciocínio monoeconômico, supera também o estruturalismo tradicional,onde a descoberta de uma lógica que organize as relações, os interesses e asproduções que estruturam o todo, via de regra, não permite a percepção decontradições entre essas relações que minam e transformam esse todo.

Dito de outro modo, o projeto hirschmaniano comporta uma análise (o“micromarxismo”41) de ações dos indivíduos, dos grupos, das empresas e dosgovernos pouco teorizada antes dele e absolutamente necessária nos dias dehoje, mesmo àqueles pesquisadores que já têm na totalidade uma categoriarelevante — como muitos teóricos do desenvolvimento regional —, mas cujosconjuntos de variáveis se casam sem que estas estejam suficientementehierarquizadas, ou sem que a primazia das ações e decisões dos indivíduosorganizem cada totalidade determinada.42 Assim é que uma das fundamentaiscontribuições do nosso autor é a crítica ao modo utilitarista-hedonista de pensaro indivíduo, que o transforma, como diz Sen, num quase “idiota social” (socialmoron) “alojado na glória de sua ordenação única de preferências” (apud Bianchi;Muramatsu, 2005). Ao criticarem a psicologia da “escolha empobrecida” queestá por trás da teoria tradicional, Sen e Hirschman trabalham commetaordenações (metarankings), ou metapreferências, que só poderiam expli-car a possibilidade de compromissos genuínos se os sujeitos se dispusessema agir segundo uma construção comum de prioridades políticas, de um sistemade ordenações de interesses de classe, de empresas, etc.

40 Onde, diferentemente do estruturalismo tradicional, as estruturas não comportam totalida-des fechadas sem uma dinâmica que explique justamente a passagem de uma estrutura aoutra, mas onde essa passagem é visada prioritariamente. Ver Campregher (2002, cap. 2e 3, primeira parte).

41 Quando chamávamos atenção, no início do texto, para a totalidade ideal de um certomarxismo — o dos frankfurtianos —, falávamos de uma contraposição a esse micromarxismode Hirschman. O macromarxismo, então, cuja preocupação com os importantesmacrofenômenos da alienação, da reificação, da produção e da gestão do poder — queefetivamente se dá muito mais no centro mais dinâmico do sistema —, acabou por fazeruma teorização muito abstrata.

42 Como comentamos anteriormente, estamos carentes, ainda hoje, de uma concepção teóricamais geral que integre o individual e o social, para que as “conexões, equivalências esolidariedades” possam ser tomadas, em suas formas específicas, nas diferentes dimen-sões tempo-espaço. Mas essa carência já vem sendo respondida por muitas disciplinascientíficas fora da Economia (Psicologia, Antropologia, Geografia, História, Sociologia,Lingüística e outras) ou a ela referidas (Antropologia Econômica, Bioeconomia, PsicologiaEconômica, por exemplo), de tal modo que muitos são os que estão envolvidos na tarefade construir uma nova noção de racionalidade — mais real, menos mítica e inútil —,partindo da interação indivíduo-sociedade, e ainda a sua mediação pelas instituições.

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Nesses vários contextos, a noção de metaordenações ajuda a reconstituira complexidade da escolha individual, que abriga instâncias em que asrazões que levam a pessoa a agir não podem ser reduzidas ao denominadorcomum da utilidade. (Bianchi; Muramatsu, 2005, p. 35).

Tem-se, então, numa mesma proposta, uma superação da totalidadeideal — que impossibilita, por exemplo, o marxismo de enxergar nos micro-interesses do mundo real opções para a ação social;43 uma superação da escolada escolha racional —, que impossibilita o individualismo metodológico deenxergar a ação social em si mesma,44 e o estruturalismo tradicional, o mesmocriticado por Bourdieu (1990), para quem, uma vez estabelecida a lógica dearticulação de relações e interesses, esta não comporta contradição, ou mudança.

Justamente por isso, as análises de Hirschman recuperam o Estado nãoapenas como palco, mas como agente privilegiado de decisões estratégicaspara o desenvolvimento. Mas também são agentes a grande empresa e, ainda,todo um universo de atores, organizações e instituições que compõem umcontexto ou ambiente onde acontece a interação de uma pluralidade de decisõescruciais. Aliás, a importância do Estado está em que seria ele um agente e umlocus privilegiado para avaliar e realizar a síntese das inúmeras cadeias dereações provocadas pelas múltiplas decisões.

Uma consideração final, ou para onde apontaa reflexão totalizante sobre o desenvolvimen-to regional

O texto que ora apresentamos é apenas uma primeira aproximação aotema do desenvolvimento regional e de suas teorias e práticas na atualidade.45

43 Resultando, então, em “inação”, pois seus sujeitos estão irremediavelmente presos entre oideal da classe consciente de si e a inconsciência agravada pela colonização do mundopela dominação cultural.

44 Mesmo em sua versão mais atual — a escola da public choice —, não vê sequer apossibilidade de uma ação social movida por interesses mais complexos. Tende-se a oporinteresses sociais abstratos e inexistentes a interesses individuais concretos, porque sãopassíveis de medição — ordenação de preferências. “A ação coletiva só ocorre, portanto,como subproduto da busca por bens privados, através da oferta de incentivos seletivos oupela ação de political entrepreneurs — para os quais existem outros bens privados aserem desfrutados para além do bem público” (Bianchi; Muramatsu, 2005, p. 35).

45 De fato, trata-se da parte que nos coube, até aqui, numa pesquisa maior acerca dosdeterminantes do desenvolvimento regional de uma territorialidade específica (a regiãonordeste do Rio Grande do Sul), que está apenas começando.

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Ocorre que as nossas primeiras leituras das novas teorias econômicas do “de-senvolvimento endógeno”, as leituras dos “novos institucionalistas”, da “novaAntropologia Econômica”, dentre outras novas e bem-vindas contribuições dediferentes disciplinas (Ciência Política, Antropologia, Geografia, História,Sociologia), nos deixaram perplexamente felizes acerca do seu ponto de partidametodológico comum: o apreço à totalidade. Ficamos felizes, ainda, por ver queautores mais antigos (respeitados, mas jamais fundadores de escolas, comoHirschman) são recuperados, e suas reflexões totalizantes, mais intuitivas quejustificadas, passam a exigir continuação.

Entre essas primeiras leituras e a pesquisa voltada à compreensão de de-terminados processos de desenvolvimento regional, haverá, certamente, a obri-gatoriedade de um sem-número de leituras outras. Contudo a reflexão metodo-lógica (quase filosófica, com o perdão dos filósofos de fato) que fizemos aqui jános permite apontar algumas questões.

Assim é que podemos dizer que a reflexão totalizante sobre o desenvol-vimento regional indica, ao nosso ver, a retomada da ação política dirigida parapromovê-lo. Mas uma retomada distinta daquela do dirigismo característico deuma determinada intervenção do Estado sobre os processos de desenvolvimentonacionais (com tudo que esta teve de bom e ruim) do passado recente. Indicatambém a superação do discurso neoliberal e ainda contribui para a superaçãodo modelo científico baseado nas escolhas racionais e individuais que osustentam. Vejamos por que, aplicando um pouco do método que vimosexplicando até aqui.

O tema do “desenvolvimento” na sua forma mais simples — de melhorar-mos de vida, ou não — é crucial na história da humanidade. Isto porque revoltaa todo e qualquer ser mortal (consciente disso) o poder morrer igual! Assim,todos estamos engajados num ou noutro “projeto de desenvolvimento” maior,pois podemos melhorar de vida ao longo de uma vida, ou podemos melhorar avida dos que nos sucederão, ou podemos melhorar a vida dos que estão muitomal. E quer parecer-nos que, antes de qualquer tratamento filosófico-científicoda questão, já sabíamos que não optamos pessoalmente ou independentemen-te dos demais e também que a compatibilidade desses projetos entre si é pro-blemática. Justo por isso, esse tema “demasiado humano” se impõe, primeiro,à Filosofia, e, depois, a cada uma de todas as ciências que os homensinventaram. Mas mais que qualquer outro, ele opõe diferentes ciências, diferentescorrentes de uma mesma ciência, diferentes pensadores de uma mesma corrente.E arriscamos dizer que é assim, porque se trata de uma reflexão cujo convite àação é inequívoco. Mesmo às ideologias dominantes — a quem interessa inibircertas ações mais aguerridas —, interessadas em forçar um determinadodesenvolvimento, não basta difundir idéias de aceitação, acomodação, mas,sim, promover algum outro tipo de desenvolvimento que melhor lhes convenha.

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Sabemos que o projeto de desenvolvimento maior da ideologia burguesatem sido, desde sempre, o projeto de desenvolvimento pessoal — associado àjustificativa de que “O melhor para cada um é o melhor para todos”. Ou seja, elenão se quer, a princípio, totalizante. Não requer nenhuma agregação primária;ele não é local, regional ou nacional, nem é social, psíquico ou político. Mas abase desse projeto ideológico-científico — o assim chamado “individualismometodológico” por trás de diversos edifícios teóricos (da Economia, da Sociologiae da Ciência Política) — não se sustentou até aqui por aquilo que ele permite àconstrução desses edifícios (sua coerência interna, a elegância de seus modelos,enfim, os procedimentos teóricos todos que aquela lógica da escolha,empobrecida, como diria Sen (1982), permite), mas pela emulação social queela sustenta fora daquelas teorias.46

A emergência do velho pensamento institucionalista (o dos fundadores dasociologia européia e da economia institucionalista norte-americana)47 já erauma explicitação da importância do pano de fundo histórico tecido pelas relaçõesde solidariedade entre os indivíduos que construíam mediações (as instituições),para lhes fornecer uma base mais sólida para a ação coletiva. Mas principalmenteas contribuições do novo institucionalismo (advindas da Sociologia, da História,da Ciência Política e da Economia) têm conseguido ir muito mais fundo (inclusivena pesquisa empírica, como o mostra Putnann (1997) para o caso da Itália) nacompreensão do conjunto de elementos que perfazem a totalidade concreta dodesenvolvimento de determinadas regiões, totalidade esta fundada nasolidariedade objetiva e intersubjetiva, produtora de consenso e conflito, deestabilidade e desequilíbrio entre sujeitos sociais que produzem as suas vidasconcretas (através da produção de coisas, valores, relações, símbolos,instituições) num determinado tempo e lugar.

O que queremos dizer é que as novas teorias do desenvolvimento regional,mais centradas nos aspectos sociopolíticos-culturais-institucionais que marcam(limitam, mas também induzem) as escolhas dos indivíduos em função mesmode suas relações com seus conterrâneos e contemporâneos, explicam, dentreoutras coisas, o próprio sucesso do paradigma da escolha individual naquelesespaços onde as relações de solidariedade locais trabalharam no sentido dacriação de toda uma institucionalidade reforçadora do indivíduo. Mas justamente

46 Como mostra, para citar apenas um exemplo (o melhor, sem dúvida), a tese weberianaclássica da relação entre o protestantismo e o espírito capitalista.

47 Com destaque para o europeu, que procurou as fontes do sucesso da democracianorte-americana e encontrou as 1.000 formas de associações civis por trás daquelesucesso institucional — Toqueville.

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o grande equívoco desse paradigma-ideologia é separá-lo das suas condições(sociais, históricas) de produção, o que equivaleria a colocar no lugar da totali-dade real das formas de solidariedade a totalidade ideal (e perversamente inte-ressada), abstrata e, no limite, falsa de um grupo que se arvora em falar emnome de todos.48

Mas outras tantas explicações de outros tantos processos, sucessos einsucessos, de histórias de desenvolvimento de comunidades e sociedadesinteiras estão ao alcance dessas novas teorias do desenvolvimento regional,que são, em si mesmas, resultados de totalizações de métodos e de objetos deanálise. Tais explicações são muito mais suficientes, muito mais adequadas(uma vez que não se trata de uma adequação ad hoc, forçada desde fora, masda reconstituição dos princípios explicativos a diferentes realidades) do que asteorizações parciais (e um tanto impostas de fora e de cima) de antes.

Como diz Jair do Amaral (Amaral Filho, 2001), no centro do que há de novonos novos paradigmas do desenvolvimento endógeno está a refutação doindeterminismo (ou do excesso de determinismo), seja ele de Estado(planejamento centralizado), seja ele de mercado (o sistema de preços sendo oúnico sistema de informação e coordenação), e, no lugar destes, a história dasrelações de solidariedade, o comportamento atual dos agentes sociais,49 arecuperação das noções de intertemporalidade e irreversibilidade. Isso nos fazlembrar novamente do “modelo” de Albert Hirschman, tão bem caracterizado porWilber e Francis (1988) como holístico, sistêmico e evolutivo; ou, maisdetalhadamente,

A metodologia de Hirschman é holística porque tem como foco primário asrelações entre as partes de um sistema e o todo. É sistêmica porqueaquelas partes constituem um todo coerente e podem ser entendidas,tão-somente, nos termos do todo. É evolutiva porque as mudanças dopadrão de relações são vistas como a própria essência da realidade social.Há uma interconexão entre os elementos que formam o sistema econômicoe o contexto social e político em que esses elementos funcionam (Wilber;Francis, 1988, p. 337).

Enfim, a reflexão totalizante acerca do desenvolvimento regional aponta acompreensão de nossas realidades particulares dentro do contexto maior dahistória (que herdamos e que fazemos), das nossas relações no espaço geográficomais vasto e mais restrito, das nossas ações individuais e coletivas, das paixões

48 Quase uma metáfora ilustrativa desse ponto seria a intervenção, ou melhor, a justificativa daintervenção norte-americana no Iraque, hoje.

49 O que significa que as motivações e os comportamentos individuais não ficam de fora daanálise, o que faz com que muitos chamem o novo método de “holindividualismo” (Defalvardapud Théret, 2003).

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e dos interesses que nos motivam e nos limitam e que são nossos, mas tam-bém dos nossos tempo e lugar. Mas essa reflexão não está pronta. Está sendofeita por uma série de estudiosos em diferentes países e regiões e, aqui entrenós, está ainda por ser feita. E se recém nos armamos desses desenvolvimen-tos teóricos relativamente recentes (dos anos 90 para cá), eles sinalizam pro-blemas que são muito antigos e estão arraigados em comportamentos, valorese instituições, o que não significa que não devam ser atacados na sua totalida-de, o quanto antes e “de dentro”.

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

Crescimento econômico e convergência coma utilização de regressões quantílicas:um estudo para os municípios do Rio

Grande do Sul — 1970-01*

Cristiano Aguiar de Oliveira** Doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do SulPaulo de Andrade Jacinto*** Professor da Universidade Federal de AlagoasPriscila Albina Grolli**** Bacharel em Economia pela Universidade de Passo Fundo

ResumoNeste artigo, estuda-se o crescimento econômico dos municípios do Estado doRio Grande do Sul no período 1970-01. Para esse fim, uma nova metodologiaempírica é proposta: a utilização de regressões quantílicas. No texto, os resultadossão comparados aos obtidos pela metodologia tradicional de estimação porMínimos Quadrados Ordinários (MQO), e diferenças significativas são encon-tradas. As hipóteses de convergências absoluta e condicional são testadas. Osresultados alcançados mostram a existência de convergência absoluta no períodoestudado, na maioria dos quantis, entretanto essas taxas de convergênciamostram-se diferentes ao longo da distribuição condicional. Nas regressões deconvergência condicional, outras variáveis explicativas teóricas são incorpora-das. Também são discutidos os papéis de externalidades positivas e negativas,governo e potencial de mercado no crescimento econômico dos municípios doEstado.

* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]**** E-mail: [email protected]

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Palavras-chaveCidades; crescimento econômico; regressão quantílica.

AbstractThis paper studies the economic growth of the Rio Grande do Sul municipalitiesin the period from 1970 to 2001. For this goal, a new empirical methodology isproposed: the use of quantile regressions. In the paper, the obtained results arecompared with ordinary least squares (OLS) estimations and significant differencesare found. The hypotheses of absolute convergence and conditional are tested.The results showed the existence of absolute convergence in the period studiedin most of the quantiles, however, these convergence taxes showed to be differentalong the conditional distribution. In the conditional convergence regressionsother theoretical explanatory variables are incorporated. In the paper, the role ofpositive and negative externalities, government and market potential in theeconomic growth of the State's municipalities are discussed.

Key wordsCities; economic growth; quantile regression.

Classificação JEL: O18, O47, R11, R23.

1 Introdução

Não é recente o interesse acadêmico pelos temas crescimento econômicoe desigualdades regionais no Estado do Rio Grande do Sul. Esse interesse podeser justificado pelo fato de que apenas três regiões do Estado — Serra, RegiãoMetropolitana de Porto Alegre (RMPA) e Vale do Rio dos Sinos — concentram ametade do PIB estadual, 64% da produção industrial, 48% do setor serviços e42% da população em apenas 5,24% da área do Estado (Oliveira, 2005a). Nessecontexto de desigualdades regionais, pode-se afirmar que existe uma largatradição de trabalhos sobre o tema, que certamente tomaram um novo impulsocom o surgimento das novas teorias do crescimento econômico e com suadiscussão a respeito da possibilidade de haver, ou não, convergência de taxas

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de crescimento para países, estados e municípios. Muitos são os trabalhosempíricos que seguem a metodotologia proposta para estudar a convergênciaapresentada no trabalho precursor de Baumol (1985), aperfeiçoado posteriormentepor Barro e Sala-i-Martin (1992) e Mankiw, Romer e Weil (1992).1 Porém Barro(1990; 1997) faz, em seus trabalhos, uma investigação empírica mais completasobre os fatores que determinam o crescimento econômico de países. Para oRio Grande do Sul, os trabalhos empíricos de Marquetti e Ribeiro (2002), Alonso(2003), Monasterio e Ávila (2004), Alonso e Amaral (2005), Marquetti, Berni eMarques (2005), dentre outros, abordam o tema.

Entretanto a aplicação em municípios de uma metodologia desenvolvidapara países merece algumas ressalvas do ponto de vista tanto teórico quantoempírico. Se, por um lado, municípios de um mesmo estado apresentamcaracterísticas semelhantes, pois possuem a mesma política econômica,compartilham de algumas instituições, possuem atividades econômicas afins,etc., por outro, fatores como mobilidade de capitais e de mão-de-obra permitema aglomeração de atividades em alguns municípios desse estado, em detrimentode outros. Por esses motivos, não é incomum a existência de grandesdesigualdades dentro de um mesmo estado. Essas contribuições, trazidas pelosmodelos da Nova Geografia Econômica (NGE), se diferenciam em relação aosmodelos das novas teorias do crescimento econômico, por considerarem doisaspectos fundamentais na explicação das desigualdades entre as regiões: oespaço, que tem implicações diretas na localização das atividades, e asdistâncias e suas implicações nos custos de transporte de bens e serviços e,conseqüentemente, na competitividade das regiões na atração de atividades.Portanto, estudos sobre o crescimento econômico de municípios devemconsiderar esses aspectos, o que, do ponto de vista empírico, significa quediferentes variáveis explicativas devem ser incluídas.

Além desses problemas de fundamentação teórica, a utilização de basesde dados municipais pode gerar alguns problemas para as estimações demodelos econométricos de crescimento econômico por Mínimos QuadradosOrdinários (MQO). Em primeiro lugar, esses trabalhos normalmente possuemum grande número de unidades que são pouco homogêneas, o que, do ponto devista empírico, pode implicar problemas de heteroscedasticidade e de presençade observações discrepantes (outliers). Esses problemas, quando ignorados nautilização do modelo econométrico tradicional de MQO, podem gerar outros, queafetam a eficiência e a consistência dos estimadores. Em segundo lugar, autilização de MQO para a identificação da existência, ou não, de convergência

1 Ver Sala-i-Martin (2000) para uma revisão da literatura internacional.

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nas taxas de crescimento não permite a identificação de clubes de convergên-cia, pois a velocidade de convergência obtida na estimação é uma taxa média.Esse problema fica mais evidente, quando outras variáveis explicativas sãoacrescentadas aos modelos econométricos de crescimento, pois é poucoverossímil que o impacto dessas variáveis seja o mesmo em toda a distribuição.Ou seja, é muito improvável que um acréscimo de capital humano tenha o mesmoefeito em uma economia que está em um estágio avançado de desenvolvimentoe em outra muito atrasada. Em terceiro lugar, Quah (1993) e Bernard e Durlauf(1996) chamam atenção para o problema que ficou conhecido como a "faláciade Galton". Os autores mostram que uma relação negativa entre a taxa decrescimento econômico média e a renda inicial não implica a convergência dadistribuição da renda.

Visando superar os problemas apresentados, neste artigo, acrescentam--se algumas variáveis explicativas, sugeridas pela NGE, ao modelo econométricode crescimento econômico. Além disso, propõe-se uma metodologia alternativaao método de MQO para estimar esse modelo, a regressão quantílica.2 Osobjetivos deste trabalho são investigar algumas variáveis que podem explicar ocrescimento econômico desses municípios e verificar a existência deconvergências absoluta e condicional nos municípios gaúchos, no período 1970--01. Os resultados alcançados são comparados com os obtidos por MQO.

Assim, além desta breve Introdução, o artigo apresenta mais três seções.Na próxima, é feita uma revisão dos conceitos de convergências absoluta econdicional e de sua implementação empírica, são discutidas as limitações dométodo de MQO, e realiza-se uma breve introdução à metodologia de regressõesquantílicas. Na seção 3, são apresentados os dados utilizados, os resultadosobtidos, bem como a análise dos mesmos. Ao final, na seção 4, encontram-seas principais conclusões do trabalho.

2 Metodologias para a estimação de conver- gências absoluta e condicional

Segundo Sala-i-Martin (2000), um aspecto importante a ser estudado é arapidez com que a economia evolui durante o processo de transição para oestado estacionário. Esse processo, no modelo neoclássico de Solow, é

2 Os precursores da utilização de regressões quantílicas em modelos de crescimento econô-mico são os trabalhos de Melo e Novo (2003) e Andrade et al. (2002).

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β

)(β

representado pelo conceito de -convergência. Dessa forma, esta passou arepresentar a velocidade do processo de transição e uma forma de identificar apossibilidade de haver convergência, ou não, ou seja, se economias mais pobrescrescem a taxas maiores que economias mais ricas. Seguindo o modeloneoclássico de Solow, a velocidade de convergência é definida como amudança da taxa de crescimento, quando o produto per capita muda, e pode serestimada pelo seguinte modelo econométrico:

(1)

Onde yit e y

i0 representam, respectivamente, o produto per capita da

economia i no período final T e no período inicial 0. Esse modelo pressupõe asimplicações do modelo de Solow, que mostra que a taxa de crescimento édecrescente com o tamanho do produto. Isso significa dizer que economiasmais próximas do estado estacionário tendem a crescer menos.

Como as economias se diferenciam umas das outras pelo estoque de capitalpor trabalhador, o crescimento econômico será maior nas economias com menorestoque de capital por trabalhador, ou seja, nas economias mais pobres. Dadoque a taxa de crescimento da renda per capita é proporcional à taxa de cresci-mento do capital per capita e que a única diferença entre as economias está emseus estoques de capital iniciais e nas rendas iniciais, isso mostra que há umarelação negativa entre a renda inicial e sua taxa de crescimento. Essa relação éconhecida como a "hipótese de convergência absoluta". No modelo, quanto maiorfor seu ß estimado, mais rápido ocorrerá o processo de convergência.

As novas teorias do crescimento econômico abriram uma nova possibili-dade para a análise dos processos de convergência, com a possibilidade de nãohaver convergência absoluta, mas apenas uma convergência condicional. Nessecaso, cada economia teria seus próprios parâmetros, o que implica que cadaeconomia apresentaria um estado estacionário próprio. Dessa forma, haveriaconvergência condicional no sentido de que as economias tenderiam a crescermais rapidamente quanto maior fosse sua distância em relação ao estadoestacionário, desde que possuíssem parâmetros idênticos. Assim, como não háuma convergência absoluta tal como a esperada pela equação (1), esta últimapode ser remodelada da seguinte forma:

tiiii

it Xyy

y

T ,000210

'loglog1 εθαα +++=

β

(2)tiiii

it Xyy

y

T ,000210

'loglog1 εθαα +++=

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Onde , e Xi0 representa um vetor de variáveis explicativas

(de controle), que mantém constante o estado estacionário das economias.Portanto, nesse modelo, abre-se a possibilidade de acrescentar outras variáveisexplicativas ao modelo econométrico de crescimento econômico, as quais irãodiferenciar os estados estacionários e, portanto, permitirão apenas a existênciade uma "convergência condicional". Nesse caso, deve ser ressaltado que épreciso se ter o cuidado de não incluir variáveis explicativas que não tenham umfundamento econômico teórico que as justifique no modelo. Esse problema, quefoi inicialmente identificado por Levine e Reneult (1992), pode gerar resultadosespúrios. Os autores mostram que a inclusão e a exclusão de variáveis decontrole alteram significativamente os sinais obtidos e, portanto, a direção deseu possível efeito no crescimento econômico.

Neste artigo, a escolha das variáveis a serem incluídas no modeloeconométrico para o crescimento econômico dos municípios do Rio Grande doSul é feita à luz das novas teorias do crescimento econômico e das contribuiçõesda NGE. Entretanto vale salientar que a estimação das equações (1) e (2) paramunicípios por MQO pode gerar problemas que têm a possibilidade de ser sanadoscom a utilização de regressões quantílicas. Por exemplo, Bernard e Durlauf (1996)mostram que o método de MQO estima uma mesma taxa de convergência paratodas as economias, o que certamente é uma hipótese pouco provável e quelimita muito as análises que podem ser feitas. Já a utilização de regressãoquantílica, ao invés de apresentar apenas um parâmetro estimado, uma médiacondicional, apresenta um grupo de parâmetros a serem estimados em cadaquantil, refletindo um comportamento diferente em cada parte da distribuiçãocondicional. Essa variabilidade dos parâmetros gera um número maior deinformações para serem analisadas, o que, de certa forma, enriquece a análise.No modelo a ser estimado de convergência absoluta, representado pela equação(1), é possível a estimação de uma taxa de convergência para cada quantil dadistribuição condicional, e, no caso do modelo de convergência condicional,representado pela equação (2), é possível a estimação dos diferentes impactosdas variáveis explicativas, nesse caso, chamadas de covariadas.

A regressão quantílica também apresenta a solução para outro problemadestacado pelos autores, a falácia de Galton. Pois, diferentemente do métodode MQO, a regressão quantílica não representa a média da distribuição dasobservações, uma vez que permite estimar os parâmetros em um intervalocontínuo entre zero e um. Além disso, a regressão quantílica permite lidar melhorcom observações discrepantes e problemas de heteroscedastidade, problemasestes comuns no caso de trabalhos com dados municipais. A presença deobservações discrepantes pode invalidar a suposição clássica de normalidadedos resíduos, e a presença de heteroscedasticidade pode implicar uma matriz

( )T

e tβ

α−−= 1

2

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

de covariâncias sem a diagonal principal constante. Nesses casos, as estima-ções por MQO podem ser muito ineficientes. A regressão quantílica, por suavez, é conhecida pela sua baixa sensibilidade à presença de observações dis-crepantes e pela robustez de suas estimativas, mesmo quando a distribuiçãoem pouco se assemelha a uma distribuição normal.

Dessa forma, esses argumentos reforçam as vantagens da utilização daregressão quantílica em relação ao método de MQO na estimação dos parâmetrosque representam a velocidade de convergência e os impactos das variáveiscovariadas no crescimento econômico dos municípios do Estado do Rio Grandedo Sul. Entretanto outras vantagens da regressão quantílica são destacadas porKoenker e Bassett (1978). Segundo esses autores, a técnica permite caracterizartoda distribuição condicional de uma variável-resposta a partir de um conjuntode regressores. Como se utiliza a distribuição condicional da variável-resposta,é possível estimar os intervalos de confiança dos parâmetros, regressandodiretamente nos quantis condicionais desejados; assim, como os erros nãopossuem uma distribuição normal definida a priori, os estimadores provenientesda regressão podem ser mais eficientes que os estimadores de MQO. Estesúltimos são obtidos através de programação linear. O modelo estimado nesteartigo segue um modelo de regressão linear, com dados cross-section do tipo:

, para i=1,...,n e τ [0,1] (3)

onde yi é a variável dependente, x'

i é uma matriz nxk de variáveis covariadas,

β é o vetor kx1 de parâmetros a serem estimados, ε é o erro com umadistribuição, que não necessariamente é conhecida, e τ é o coeficiente doτ-ésimo quantil condicional de y dado x. Assim, a estimação do vetor deparâmetros pela regressão quantílica no intervalo 0 < τ < 1 pode ser obtidafazendo-se a minimização da seguinte função:

(4)

Essa função-objetivo3 é a soma ponderada dos desvios absolutos, quepode ser interpretada como uma função de penalidade linear assimétrica. Osparâmetros estimados nesse problema de minimização são consistentes eassintoticamente normais sob hipóteses adicionais de regularidade (Buchinsky,1998). A interpretação dos parâmetros estimados em cada quantil pode ser feitada seguinte maneira: representam o impacto marginal no τ-ésimo quantil

iii xy εβ += '

{ } ( ){ }[ ]∑∑ <∈≥∈ℜ∈−−+−

βββ βτβτiiii

K xyii iixyii ii xyxy::

1min

3 A equação (4) também pode ser expressa como: , em que ρ é uma

função check, definida por , cujas soluções k-dimensionais foram

definidas por Koenker e Basset (1978) como quantis de regressão, denotados por β(θ).

∑=

−n

iixy

n 1

))((1

min βθρ

<−≥

0,)1(

0,)(

zz

zz

θθ

θρ

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Cristiano Aguiar de Oliveira; Paulo de Andrade Jacinto; Priscila Albina Grolli

condicional, devido a uma mudança no i-ésimo elemento de x. Neste trabalho,serão estimadas as equações (1) e (2), com a utilização dessa metodologia. Napróxima seção, apresentam-se os dados utilizados, os resultados obtidos e suasinterpretações.

3 Uma aplicação para os municípios do Rio Grande do Sul no período 1970-01

Como, no período 1970-01, ocorreram várias emancipações, neste estudo,os municípios emancipados foram reagregados a seus municípios de origem.Para esse fim utilizou-se como fonte o Atlas Socioeconômico do Rio Grandedo Sul (Rio Grande do Sul, 2007). Aqueles que tinham como origem mais de ummunicípio foram incorporados ao mais antigo.4 Assim, os 467 municípiosexistentes em 2001 foram agregados, a fim de se obterem os 232 existentes em1970.

Foram utilizados dados de várias fontes. O Produto Interno Bruto (PIB) dosmunicípios foi fornecido pela Fundação de Economia e Estatística (FEE, 2006)e pelo Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada (IPEA, 2006). As populações,as densidades demográficas e a escolaridade média dos municípios foramfornecidas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,2006), através de dados censitários e de extrapolações feitas pelo mesmo. Osdados referentes à produção industrial municipal (valor adicionado) e do setorpúblico no Produto Interno Bruto do município pertencem ao IPEA (2006). Avariável potencial de mercado foi construída a partir da reconhecida contribuiçãode Harris (1954) à economia regional. A demanda potencial da vizinhança érepresentada pelo PIB per capita, e este é calculado, para cada município, atravésda seguinte metodologia:

(5)

Onde d representa o arco distância do município j em relação aos demaismunicípios i. Essa variável é acrescentada ao modelo de convergênciacondicional, representado pela equação (2). Esse modelo, com todas as variáveiscovariadas na forma de logaritmos, é estimado da seguinte forma:

4 Essa é uma das maiores dificuldades de se tratar com dados municipais por longos períodosde tempo. O critério é arbitrário, mas, nesses casos, é muito difícil não cometer arbitrarieda-des, entretanto é importante sempre se utilizarem critérios claros.

∑=

=i

n i

ij

d

capitaperPIBPM

12

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

Onde gyT,0

representa a taxa de crescimento médio do Produto InternoBruto per capita do município i, yi0 representa o Produto Interno Bruto per capitano período inicial, esci0 representa a média de anos de estudo das pessoascom mais de 25 anos de idade no período inicial, indi0 representa a participaçãoda indústria no Valor Adicionado Bruto (VAB) no período inicial, govi0 representaa participação dos serviços governamentais no Valor Adicionado Bruto, densi0representa a densidade demográfica no período inicial, medida em habitantespor km2, e pmi0 representa o potencial de mercado no período inicial.

Na Tabela 1, mostra-se uma síntese dos resultados obtidos na estimaçãodos quantis para os períodos 1970-80, 1970-90 e 1970-01, onde o half-life édefinido como a metade do tempo que as economias levam para alcançar ametade da distância até o seu estado estacionário, α2 é o parâmetro estimadona equação (1), que representa o termo (1-e-βt). Através desse parâmetroestimado e de simples manipulação algébrica, é possível obter-se a velocidadeda convergência, representada por β.

Nos Gráficos 1 a 4, mostram-se os valores estimados nos quantis, nointervalo [0,1], e seus respectivos intervalos de confiança, assim como osresultados obtidos por MQO.

No Gráfico 1, mostram-se os resultados obtidos para o período 1970-80.Nesse período, nem todos os resultados são significantes a 10%. Nele, demonstra--se que existe um processo de convergência absoluta pelo menos até o quantil0,7, ou seja, em 70% dos municípios que menos cresceram no período. Avelocidade de convergência representada por β vai diminuindo, e, a partir doquantil 0,75, não se pode afirmar se há, ou não, convergência, pois o intervalode confiança apresenta valores tanto positivos quanto negativos. No quantil0,90, não se pode rejeitar a hipótese de o parâmetro ser igual a zero, o queimplica um processo de divergência. Portanto, os municípios que apresentaramtaxas maiores de crescimento não possuem convergência absoluta.

No período 1970-90, todas as variáveis são significantes, como pode serobservado na Tabela 1. No Gráfico 2, mostra-se que a inclusão da década de 80faz com que a velocidade de convergência não mostre um comportamentodecrescente. Pode-se afirmar que há convergência em quase todos os quantis.A exceção deve ser feita ao quantil 0,40, que apresenta, no limite superior dointervalo de confiança, valores positivos. Nesse período, a velocidade deconvergência dos maiores e dos menores quantis foi superior à dos quantisintermediários. As maiores velocidades de convergência podem ser observadasno quantil 0,95, ou seja, 5% dos municípios que mais cresceram no períodoapresentaram maior convergência. Esses apresentam valores que ultrapassam

tiiiiiiiiT pmdensgovindescygy ,00706050403021;0, εααααααα +++++++= (6)

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o intervalo de confiança das estimações por MQO, o que pode ser, nesse caso,um forte indício de viés nas estimações por MQO.

Tabela 1

Resultados das regressões de convergência absoluta para os municípios do Rio Grande do Sul — 1970-01

PERÍODOS E QUANTIS 2α

ERRO- -PADRÃO BETA HALF-LIFE

PSEUDO 2R

1970-80

10 0,2169 0,0558 0,0106 65,2812 0,0680

25 0,2642 0,0700 0,0133 52,0129 0,0416

50 0,1570 0,0664 0,0074 93,4658 0,0318

75 (1) 0,1235 0,0641 0,0057 121,0310 0,0257

90 (1) 0,0337 0,1167 0,0015 465,9860 0,0006

1970-90

10 0,2611 0,0666 0,0066 105,4980 0,0691

25 0,2061 0,0481 0,0050 138,2920 0,0522

50 0,1688 0,0629 0,0040 172,6510 0,0244

75 0,1660 0,0483 0,0039 175,8860 0,0350

90 0,2859 0,1374 0,0073 94,8086 0,0607

1970-01

10 0,7861 0,1094 0,0216 32,0779 0,2724

25 0,7032 0,0887 0,0170 40,7306 0,2367

50 0,5740 0,0480 0,0120 57,9774 0,1807

75 0,4693 0,0540 0,0089 78,0905 0,1310

90 0,3059 0,1208 0,0051 135,4600 0,0784

FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE. FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. FONTE DOS DADOS BRUTOS: IPEA.

(1) Resultados não significativos a 10%.

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

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0,35

0,4

0,45

0,5

0,55

0,6

0,65

0,7

0,75

0,8

0,85

0,9

0,95

Bet

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

No Gráfico 3, mostra-se que a velocidade de convergência estimada parao intervalo 1970-01 volta a exibir um comportamento decrescente, com o aumentodos quantis. Somente o quantil 0,95 é exceção. Nesse período, os problemascom as estimativas por MQO ficam mais evidentes, pois seus intervalos deconfiança são ultrapassados tanto nos quantis mais baixos quanto nos maisaltos. As velocidades de convergência estimadas neste artigo, desde os primeirosquantis até o quantil 0,20, são superiores às obtidas por MQO, assim como osvalores obtidos no intervalo de quantis compreendido entre o quantil 0,80 e oquantil 0,90 são inferiores aos obtidos por MQO.

Ao se compararem os três períodos estudados, é possível inferir que, du-rante a década de 70, os municípios do Estado do Rio Grande do Sulapresentaram as maiores taxas de convergência, pelo menos até o quantil 0,70,pois, a partir daí os resultados mostraram a existência de divergência no ProdutoInterno Bruto per capita dos municípios. A inclusão da década de 80 mostrouque houve uma redução significativa nas taxas de convergência até o quantil0,80, e, a partir do mesmo, houve um aumento da convergência. Vale lembrarque, no período anterior, esses quantis não apresentaram convergência absoluta.O acréscimo da década de 90 mostra uma recuperação das taxas de convergênciaaté o quantil 0,80, e, a partir desse quantil, há uma redução na velocidade deconvergência em relação ao período anterior. Herrlein Júnior (2004) mostra que,durante a década de 70, o Rio Grande do Sul apresentou boas taxas decrescimento, uma média de 8,11%. A partir da década de 80, o Estado passoua enfrentar uma estagnação, crescendo a uma taxa média de 1,94%. Aindanessa década houve uma pequena recuperação, tendo crescido, em média,2,06%. Comparando esses dados com as taxas de convergência obtidas nesteartigo, é possível inferir que, nos períodos em que o Estado apresentourecuperação das taxas de crescimento, a convergência entre os municípioscom baixas taxas de crescimento aumentou. Isso implica que o crescimentoeconômico do Estado é fundamental para a redução das desigualdades regionais,pois, quando isso ocorre, a velocidade de convergência aumenta. Entretanto,nesses períodos, a convergência entre os municípios que mais cresceramdiminuiu ou desapareceu. Isso pode ter ocorrido devido a alguns municípiosterem aproveitado melhor os períodos de crescimento do Estado e terem obtidotaxas de crescimento discrepantes em relação aos demais.

Na Tabela 2, mostram-se os resultados da convergência condicional. Essesresultados são mais confiáveis, porque utilizam outras variáveis para explicar omodelo, reduzindo-se, portanto, a possibilidade de haver um erro de especificaçãodo modelo estimado. Na verdade, por mais que se confie no modelo neoclássicode crescimento econômico, fica difícil acreditar que seja possível explicar ocrescimento econômico de municípios apenas pelo seu estoque de capital ou

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pelo produto no período inicial. Isso implica que o modelo de convergência abso-luta poderá apresentar algum viés nos seus resultados, caso alguma variávelomitida relevante possua uma correlação com alguma variável covariada. Amelhora na confiabilidade dos resultados pode ser atestada pela melhora noajustamento do modelo de convergência condicional, que apresenta aumentosnos valores do obtidos. Os resultados obtidos mostram uma convergência maiorem relação à absoluta — deve-se ressaltar, entretanto, que, nesse caso, a con-vergência é condicionada —, em que municípios diferentes possuem parâmetrosdistintos e, portanto, estados estacionários distintos.

Tabela 2

Resultados das regressões de convergência condicional para os municípios do Rio Grande do Sul — 1970-01

PERÍODOS E QUANTIS 2α ERRO-

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1970-80 10 0,4675 0,1521 0,0274 25,3282 0,1617 25 0,5821 0,0491 0,0379 18,2945 0,1601 50 0,5081 0,0672 0,0308 22,4952 0,1512 75 0,4743 0,0916 0,0279 24,8208 0,1746 90 0,4865 0,1545 0,0289 23,9438 0,2207

1970-90 10 0,4093 0,0675 0,0114 60,6353 0,1263 25 0,3731 0,0959 0,0101 68,3677 0,0951 50 0,4405 0,1123 0,0126 54,9765 0,1060 75 0,5061 0,1577 0,0153 45,2471 0,1199 90 0,4629 0,1046 0,0135 51,3616 0,0145

1970-01 10 0,7337 0,0595 0,0185 37,3893 0,4561 25 0,7533 0,0794 0,0196 35,3493 0,4027 50 0,7566 0,0559 0,0198 35,0117 0,3466 75 0,6567 0,1671 0,0150 46,2784 0,2900 90 0,8796 0,1127 0,0296 23,3765 0,2488

FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE. FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. FONTE DOS DADOS BRUTOS: IPEA.

Na Tabela 2, confirmam-se os resultados, comentados anteriormente, deque a convergência piorou na década de 80. Houve uma redução nas velocidadesde convergência, em todos os quantis, e, na década de 90, houve um incrementona mesma, em todos os quantis.

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

No Gráfico 4, mostra-se que o comportamento da convergência condicio-nal, no período 1970-01, difere, em alguns aspectos, em relação à convergênciaabsoluta apresentada anteriormente. Em primeiro lugar, não existe mais ocomportamento decrescente em relação ao aumento dos quantis. Nesse caso,há uma estabilidade da velocidade de convergência até o quantil 0,80, e, a partirdo mesmo, há um incremento nessa velocidade. Isso significa dizer que, quandooutros fatores que afetam o crescimento econômico são controlados, a velocidadede convergência dos municípios que mais cresceram é superior à dos que menoscresceram no período. Esse pode ser um indício da formação de um clube deconvergência que se distingue dos demais municípios. Outro ponto relevantecom relação ao Gráfico 4 é que os valores obtidos estão todos no intervalo deconfiança alcançado por MQO e muito próximos ao valor médio, o que, nessecaso, atesta a boa qualidade dos estimadores de MQO.

Nos Gráficos 5 a 8, mostra-se o impacto das variáveis covariadas,apresentadas na seção anterior, no crescimento econômico dos municípios doEstado do Rio Grande do Sul, no período 1970-01. Em geral, a maior parte dosresultados é significativa, o que justifica a escolha dessas variáveis5. Somentea variável densidade demográfica mostrou-se insignificante em todos os quantisestimados. Entretanto ela foi mantida no modelo estimado, por tratar-se de umaimportante proxi para externalidades negativas. Altas densidades demográficasestão associadas a problemas de congestionamento, poluição e crime. Essasexternalidades negativas diminuem a produtividade dos trabalhadores e, porconseqüência, reduzem o crescimento econômico.

No Gráfico 5, mostra-se o efeito da industrialização no crescimentoeconômico. Esse efeito apresenta uma tendência ascendente com o aumentodos quantis, ou seja, a participação industrial foi mais importante nos municípiosque mais cresceram no período, sendo essa insignificante para os demais quantis.Esse pode ser um reflexo da concentração da produção industrial, no Estado,em poucos municípios, pois apenas um pequeno grupo se beneficia em termosde crescimento econômico. Os poucos municípios industriais possuem taxasmaiores de crescimento, ou seja, estão nos quantis mais altos. Esses municípiosse beneficiam da aglomeração de atividades e de externalidades associadas àmesma. Essas externalidades, inicialmente destacadas por Marshall (1890),segundo Romer (1986), podem ser as forças propulsoras do crescimentoeconômico. Segundo Romer (1986, p. 1003, tradução nossa): "[…] a criação de

5 É claro que essa escolha certamente envolve um problema de disponibilidade de dados, poissão dados referentes a 1970, ano para o qual não existe um grande número de estatísticasem nível municipal.

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um novo conhecimento por uma firma tem um efeito externo positivo nas possi-bilidades de produção de outras firmas, porque o conhecimento não pode serperfeitamente patenteado ou mantido em segredo"6. Como esse conheci-mentoé adquirido sem que se pague por ele, tem-se, então, a presença deexternalidades. Essas, para serem internalizadas, necessitam da proximidadeentre as firmas. Assim, a forma mais lógica de fazer isso é reduzindo asdistâncias, logo, as atividades aglomeram-se em poucos municípios. Esseraciocínio é corroborado pelo impacto significativo da indústria nos 5% dosmunicípios que mais cresceram no período, cujos parâmetros estimados sãomais do que o dobro daqueles obtidos na média, ou seja, os estimados porMQO.

O papel do governo no crescimento econômico é um assunto controversona teoria econômica. Apesar de suas inegáveis contribuições na provisão debens públicos e de geração de externalidades positivas, ele financia seusdispêndios através de impostos distorcivos, o que, do ponto de vista teórico,implica um sinal esperado ambíguo. Neste artigo, não é feita uma análise daeficiência dos dispêndios dos governos municipais e dos possíveis níveis dedistorção gerados por seus impostos cobrados. O que é avaliado é apenas umaproxi para o tamanho do governo municipal na economia local e seu efeito nocrescimento econômico dos municípios7.

No Gráfico 6, mostra-se que o tamanho do governo afeta negativamente ocrescimento econômico dos municípios em todos os quantis, principalmentenos municípios que apresentaram menores taxas de crescimento. Nesses casos,o efeito negativo é relevante e muito superior ao dos valores estimados porMQO. Esses valores vão-se reduzindo, na medida em que os quantis aumentamaté 0,65, quando os efeitos negativos voltam a aumentar. Esses resultadospermitem inferir que é necessário ter muita responsabilidade na gestão pública,para que o setor público consiga conter o ímpeto de tentar resolver os problemasdo município aumentando a sua participação na economia local, pois osresultados podem ser diferentes dos que os inicialmente esperados, como ficaevidente no Gráfico 6.

6 No original: "[...] the creation of new knowledge by one firm is assumed to have a positiveexternal effect on the production possibilities of other firms because knowledge cannot beperfectly patented or kept secret".

7 Para uma análise mais completa sobre o papel do governo local no crescimento econômicodos municípios, ver Oliveira e Marques Júnior (2006).

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No Gráfico 7, destaca-se o papel do capital humano no crescimentoeconômico das cidades gaúchas, no período. Os municípios que mais cresce-ram foram aqueles que possuíam a maior escolaridade média em 1970. Esseresultado é encontrado em todos os quantis e reforça as contribuições de Lucas(1988). Segundo o autor, o investimento em capital humano tem dois resultados:o primeiro é a melhora da produtividade dos indivíduos que se educam, e osegundo, e mais importante, é que a economia como um todo se beneficia porter indivíduos mais educados, pois esses são capazes de gerar inovações quemelhorem a produtividade de toda a economia. Essa externalidade e as inova-ções, segundo Lucas, seriam os "motores" do crescimento econômico. Os ar-gumentos de existência de externalidades no capital humano são perfeitamenteplausíveis, pois, provavelmente, várias pessoas já se beneficiaram por traba-lhar com colegas mais inteligentes. Se, por um lado, existem dificuldades demedir esse tipo de externalidade positiva, por outro, vários autores concordamque se trata de um fenômeno local, e, portanto, a sua melhor evidência é emmunicípios.

Outro aspecto que deve ser considerado é que municípios com maioresníveis de capital humano atraem investimentos de empresas que utilizamrecursos tecnológicos mais avançados. De outro modo, só é possível àsempresas estabelecidas adotar novos processos tecnológicos, se houvertrabalhadores capacitados a trabalhar com eles. Assim, cidades com baixo capitalhumano não conseguem acompanhar o processo tecnológico e têm baixocrescimento econômico.

Os resultados mostram que, apesar de significativo e positivo, o seu efeitoé ambíguo até o quantil 0,10. Isso significa dizer que não se pode garantir apresença de externalidades de conhecimento nos municípios que menoscresceram no período. O efeito positivo é baixo até o quantil 0,60, quando passaa ocorrer um aumento até o quantil 0,90. Nesse caso, talvez seja possível afirmarque esteja ocorrendo o processo descrito acima e que esses municípios forambeneficiados como um maior crescimento econômico, por possuírem maior capitalhumano.

O potencial de mercado representa uma larga tradição da economia regionalem explicar o crescimento econômico das regiões e dos municípios considerandoos custos de transporte e sua importância para a decisão de localização dasempresas e, conseqüentemente, das pessoas. Essas idéias foram originalmentediscutidas para a localização de empresas por Weber (1929), nas teorias doslugares centrais de Christaller (1966) e Losch (1954), na economia espacial deIsard (1956) e, mais recentemente, foram resgatadas pelos trabalhos de Krugman(1991) e Fujita, Krugman e Venables (2002). Vale salientar que, dentro de ummesmo país, há mobilidade de capital e mão-de-obra e que, dentro de um esta-

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do, esses fluxos são potencializados pelas reduções nas distâncias. Portanto, opotencial de mercado é uma boa medida proxi para captar a potencialidade decada município na atração de novas empresas,8 principalmente no setor ser-viços. A prestação de serviços tem uma característica peculiar, que é aimpossibilidade de transportar o seu produto. Portanto, esse setor, em geral,busca locais com uma demanda potencial suficiente para garantir a sualucratividade. Essa demanda potencial depende da renda local, mas também darenda de sua vizinhança.

Os resultados obtidos, apresentados no Gráfico 8, indicam que o potencialde mercado revelou-se um fator relevante na explicação do crescimentoeconômico dos municípios gaúchos, o qual foi significativo para todos os quantis.Os maiores valores são encontrados no intervalo compreendido entre 0,35 e0,80, havendo uma redução nos maiores quantis, entretanto com valores aindasuperiores aos obtidos nos quantis mais baixos. Esses resultados significamque possuir um bom mercado local e um bom mercado na vizinhança favoreceo crescimento econômico dos municípios. Esse processo de escolha dalocalização leva à aglomeração das atividades econômicas em poucos municípiosque são muito próximos e, conseqüentemente, aumenta o seu potencial demercado, que atrai mais atividades econômicas, criando um processo em que aaglomeração gera mais aglomeração, em uma espécie de causalidade circular(Fujita; Krugman; Venables, 2002). Segundo os autores, existem forçascentrípetas que levam à aglomeração das atividades econômicas, dentre asquais, os custos de transportes são muito relevantes. No Rio Grande do Sul, épossível observar a concentração das atividades econômicas em uma faixaque se estende da RMPA até a Serra, passando pelo Vale do Rio dos Sinos.

4 Considerações finais

O principal objetivo deste artigo foi estudar o crescimento econômico dosmunicípios do Estado do Rio Grande do Sul no período 1970-01. Um objetivosecundário foi verificar a existência de convergência absoluta e/ou condicional,temas já consolidados pela literatura sobre crescimento econômico. Entretanto,neste trabalho, buscou-se incrementar o referencial teórico com a utilização dealgumas contribuições da economia regional e da Nova Geografia Econômica.

8 Vale ressaltar que nem sempre o potencial de mercado é a variável mais importante nadecisão de localização das empresas, que podem, por exemplo, buscar ficar próximas auma fonte de matéria-prima que é fixa. Esse seria o caso de empresas de extração mineralpor exemplo.

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

Neste estudo, propôs-se uma nova metodologia para estimar modelos deconvergência e crescimento econômico, a regressão quantílica. Essa metodologiamostrou-se bastante útil para enriquecer as análises e para suprir algumasdeficiências das estimações por MQO. Além de lidar melhor com o problema deheteroscedasticidade e com a presença de observações discrepantes, aregressão quantílica permite estimar diferentes efeitos das variáveis covariadasna variável dependente, possibilitando investigar mais profundamente como essasafetaram o crescimento econômico dos municípios gaúchos no período estudado.

Os resultados obtidos mostram a existência de convergência absoluta, noperíodo estudado, na maioria dos quantis. Entretanto essas taxas deconvergência revelam-se diferentes ao longo da distribuição condicional. Somenteos quantis superiores a 0,75, no período 1970-80 não apresentaram convergência.No entanto, esses mesmos quantis, no mesmo período, tiveram convergênciacondicional. Esse resultado não surpreende, pois municípios de um mesmoestado possuem características semelhantes e compartilham muitas instituições,o que favorece o processo de convergência.

Fica evidenciado, no artigo, o problema de se estimar uma regressão namédia, pois vários resultados obtidos nos quantis da distribuição condicionalficaram fora do intervalo de confiança das estimativas por MQO. Esse pode serum forte indício de viés dos estimadores obtidos por MQO.

Os resultados mostram uma convergência maior na condicional em relaçãoà absoluta. Do ponto de vista econométrico, essa diferença nos resultados indicaa existência de algum viés nas estimativas de convergência absoluta, devido àpresença de um erro na especificação do modelo. Do ponto de vista teórico,esse resultado pode ser explicado pelo fato de que municípios diferentes possuemparâmetros e estados estacionários diferentes, e, por conseqüência, somenteirão convergir para o mesmo estado estacionário aqueles municípios quepossuem parâmetros semelhantes. Essa é a essência da idéia da formação declubes de convergência, que a regressão por MQO não consegue identificar. Osresultados obtidos permitem identificar a possível existência da formação deum clube, no Estado, entre os municípios que mais cresceram, conforme foimostrado no Gráfico 4. Além disso, os resultados demonstram que a convergênciadiminuiu na década de 80, e, a partir da década de 90, houve um incremento navelocidade de convergência.

Por fim, destaca-se, neste trabalho, a importância dos custos de transportese das externalidades positivas e negativas, fatores sugeridos como determinantespara o crescimento econômico de municípios pela Nova Geografia Econômica.No modelo econométrico de convergência condicional, as variáveis participaçãodo governo e densidade demográfica afetam negativamente, e as variáveiseducação, industrialização e potencial de mercado afetam positivamente o mo-delo de crescimento econômico.

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Apêndice

Tabela A.1

Dados das regressões condicionais para os municípios do

Rio Grande do Sul — 1970-01

VARIÁVEIS E ERROS-PADRÃO

QUANTIL 0,10

QUANTIL 0,25

QUANTIL 0,50

QUANTIL 0,75

QUANTIL 0,90

Constante .............. 2,7287 2,7618 2,8117 2,4958 3,2929 Erro-padrão da constante .............. 0,2287 0,2620 0,1895 0,3606 0,5605

Coeficiente 2α ..... -0,7337 -0,7533 -0,7566 -0,6567 -0,8796 Erro-padrão do co-

eficiente 2α ......... 0,0595 0,0794 0,0559 0,1127 0,1671 Escolaridade ......... 0,3027 0,3551 0,1882 0,2972 0,6918 Erro-padrão da es-colaridade ............. 0,0931 0,1023 0,0851 0,2512 0,2663

Participação indus-trial ........................ (1) -0,0507 (1) 0,0642 0,1269 (1) 0,1355 0,1796

Erro-padrão da participação indus-trial ........................ 0,0794 0,1182 0,0714 0,1002 0,0931

Participação do go-verno ..................... -1,6386 -1,1423 -0,7969 -0,9215 -1,0379

Erro-padrão da participação do governo ................. 0,3787 0,3894 0,2700 0,3373 0,5221

Densidade demo-gráfica ................... (1) 0,0000 (1) 0,0000 (1) -0,0001 (1) 0,0001 (1) 0,0001

Erro-padrão da densidade demo-gráfica ................... 0,0002 0,0002 0,0002 0,0001 0,0002

Potencial de mer-cado ...................... 0,0005 0,0008 0,0012 0,0011 0,0006

Erro-padrão do po-tencial de mercado 0,0003 0,0002 0,0003 0,0003 0,0003

FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE.FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.FONTE DOS DADOS BRUTOS: IPEA.

(1) Não significativos a 10%.

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Crescimento econômico e convergência com a utilização de regressões quantílicas:...

VARIÁVEIS OBSERVAÇÃO MÉDIA DESVIO-PADRÃO MÍNIMO MÁXIMO

Crescimento em 1970-80 ..... 232 0,20520 0,13086 -0,64050 0,55119 Crescimento em 1970-90 ..... 232 0,16350 0,13442 -0,17350 0,60731 Crescimento em 1970-01 ..... 232 0,35212 0,19301 -0,13470 1,73519 Ppc70 (logs) .... 232 3,58298 0,17521 3,14895 4,07873 Densidade em 1970 ................ 232 79,76830 180,60900 2,84244 1785,01000 Escolaridade em 1970 .......... 232 2,56207 0,61590 1,10000 5,20000 Participação do governo em 1970 ................ 232 0,04684 0,04317 0,00000 0,32501 Participação in-dustrial em 1970 ................ 232 0,18095 0,17996 0,00539 0,82356 Potencial de mercado .......... 232 158,42400 47,06310 19,00170 219,06900

Tabela A.2

Estatística descritiva das variáveis utilizadas para os municípiosdo Rio Grande do Sul — 1970-01

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(1) Não significativos a 10%.

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Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geral computável

Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul,em 2005: uma análise de equilíbrio

geral computável*

Alexandre Alves Porsse** Doutor em Economia pela UFRGS e Pesquisador da FEE

ResumoO Governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 2005, promoveu o aumento dasalíquotas do ICMS de uma cesta de produtos, visando aumentar o volume dearrecadação, para garantir o equilíbrio orçamentário do Estado. O objetivo destetrabalho é analisar os potenciais efeitos desse choque de política tributária sobrea economia gaúcha, utilizando um modelo inter-regional de equilíbrio geralcomputável calibrado para o Rio Grande do Sul, o modelo Brazilian Miltisectorialand Regional/Interregional Analysis-Rio Grande do Sul (B-MARIA-RS). Para tanto,foram simulados os impactos do choque de aumento na alíquota do ICMS dacesta de produtos para um fechamento de curto prazo e outro de longo prazo domodelo B-MARIA-RS. Os resultados apontam redução do PIB e do emprego noRio Grande do Sul, mas com intensidade mais forte se a política for permanente(longo prazo) ao invés de transitória (curto prazo).

Palavras-chavePolítica tributária; equilíbrio geral computável (EGC); economia gaúcha.

AbstractThis paper uses an interregional CGE model calibrated for Rio Grande Sul toanalyze the welfare and fiscal effects of a the temporary increase in ICMS taxrate implemented by the state government in 2005 to achieve fiscal balance. The

* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]

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Alexandre Alves Porsse

simulation results were calculated for short run and long run closure. The shortrun results show low negative effects on the output and employment if tax policyis transitory. But long run results suggests high negative effects if such a taxpolicy become permanent.

Key wordsTax policy; CGE; ga­cha economy.

Classificação JEL: H20; C68; R13.

1 Introdução

O Estado do Rio Grande do Sul apresenta um quadro de desequilíbriofiscal estrutural que, de forma cada vez mais recorrente, compromete o alcancedo equilíbrio orçamentário no atual regime tributário e de gastos. Esse quadrotornou-se mais crítico em 2005, devido à recessão econômica causada pelaestiagem que ocorreu no Estado. Nesse contexto, em 2005, o Governo Estadualbuscou garantir o equilíbrio orçamentário, promovendo uma política tributária deaumento do ICMS sobre uma determinada cesta de produtos, com o objetivo deaumentar a arrecadação no nível necessário para cobrir as despesas. Osprodutos-alvo da política foram os combustíveis (gasolina, álcool e GLP), aenergia elétrica e os serviços de telecomunicações. Contudo a política foiconcebida com um caráter transitório, uma vez que o aumento de alíquotarealizado deverá ser gradativamente reduzido até seu patamar inicial, anterior àpolítica.

O aumento da carga tributária estadual decorrente da política tem suscitadogrande debate sobre seus custos de bem-estar para as famílias gaúchas e parao setor produtivo em termos de perda de competitividade. Esse debate acirrou--se particularmente diante da elevada queda da atividade econômica do RioGrande do Sul observada em 2005, quando a previsão de crescimento do PIBfoi de -4,8%. Vale observar que outros fatores relevantes para o desempenho daeconomia gaúcha se somaram ao o aumento das alíquotas do ICMS, como aforte estiagem e a valorização cambial. De fato, o comportamento do PIBincorpora todos esses efeitos, dentre outros choques que se manifestam aolongo do ciclo econômico, dificultando aferir, com relativa precisão, a contribuiçãode cada fator para a performance global da economia gaúcha.

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Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geral computável

Sob essa perspectiva, o presente trabalho propõe analisar os potenciaisefeitos do choque de política tributária utilizando um modelo inter-regional deequilíbrio geral computável calibrado para o Rio Grande do Sul, o modelo BrazilianMultisectorial and Regional/Interregional Analysis-Rio Grande do Sul (B-MARIA--RS). Uma vantagem desse instrumental é a possibilidade de realizar umasimulação contrafactual exclusivamente associada à política, ou seja,considerando os efeitos de uma perturbação no sistema econômico gaúcho,causados apenas pelo aumento das alíquotas do ICMS, eliminando qualquerviés que poderia estar presente nos resultados, devido a outros choqueseconômicos. Outra vantagem importante diz respeito à estrutura teórica domodelo, a qual permite avaliar o impacto da política sobre os preços relativos daeconomia e sua propagação sobre o comportamento dos agentes econômicos,determinando um novo equilíbrio do sistema econômico associado à políticatributária.

A simulação dos efeitos do choque tributário de aumento do ICMS seráimplementada para dois fechamentos distintos na estrutura teórica do modeloB-MARIA-RS. Em uma simulação, considerando a hipótese de que a políticaserá transitória, supõe-se que o fechamento de curto prazo é mais apropriado,na medida em que não admite mobilidade intersetorial e inter-regional dos fatoresprodutivos, ou seja, assume-se que os agentes não mudarão significativamentesuas decisões alocativas, porque o choque será eliminado em poucos anos. Naoutra simulação, a título de comparação, considera-se um fechamento de longoprazo, no qual capital e trabalho podem se movimentar intersetorialmente e inter--regionalmente, possibilitando avaliar o diferencial de impacto, caso a políticaassuma um caráter permanente. Alerta-se que o ano-base do modelo B-MARIA--RS é 1998, de modo que os efeitos são condicionados para a estrutura econômicavigente naquele período.

O presente trabalho organiza-se em três seções, além da Introdução edas Considerações finais. A seção 2 faz uma breve apresentação do modeloB-MARIA-RS. A seção 3 descreve a estratégia de calibragem dos choquescorrespondentes ao aumento das alíquotas de ICMS. E, na seção 4, os resultadossão reportados e analisados.

2 O modelo B-MARIA-RS

B-MARIA-RS é um modelo inter-regional de equilíbrio geral computável(EGC), desenvolvido para analisar os efeitos de políticas econômicas sobre aeconomia gaúcha. Sua estrutura teórica é similar à do modelo B-MARIA (Haddad,

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Alexandre Alves Porsse

1999) que se insere na tradição australiana de modelagem em equilíbrio geral.1

Uma descrição mais ampla do modelo pode ser encontrada em Porsse (2005).O modelo B-MARIA-RS divide a economia brasileira em duas regiões, Rio

Grande do Sul e Restante do Brasil, e identifica um único mercado externo(resto do Mundo). Os dados adotados para calibragem referem-se a 1998, sendoespecificados 25 setores produtivos em cada região. Os setores produtivosutilizam dois fatores primários locais (capital e trabalho). A demanda final écomposta por consumo das famílias, investimento, exportações, consumo dosgovernos regionais e do Governo Federal. Os governos regionais são fontes dedemanda e de gasto exclusivamente locais, englobando as esferas estadual emunicipal da administração pública em cada região. O modelo completo possui60.323 equações e 1.475 variáveis exógenas.

A estrutura central do modelo é composta por blocos de equações quedeterminam relações de oferta e demanda, derivadas de hipóteses de otimização,e condições de equilíbrio de mercado. Além disso, vários agregados regionais enacionais são definidos nesse bloco, como nível de emprego agregado, saldocomercial e índices de preços. Os fluxos monetários que alimentam a estruturade equações do modelo são representados através de uma matriz de absorção2

(Figura 1). A seguir, os principais aspectos teóricos do modelo são apresentados.

1 Nessa tradição, os modelos utilizam a abordagem de Johansen, onde a estrutura matemáticaé representada por um conjunto de equações linearizadas, e as soluções são obtidas naforma de taxas de crescimento. Para a economia brasileira, utilizam essa abordagem osmodelos PAPA (Guilhoto, 1995), EFES (Haddad; Domingues, 2001) e sua extensão EFES-IT(Haddad; Domingues; Perobelli, 2002).

2 A matriz de absorção possui uma representação similar à estrutura de um quadro de insumo--produto, mas não se restringe apenas à desagregação produto-setor dos fluxos monetá-rios a preços básicos. Os demais fluxos monetários, associados aos componentes do preçode mercado (impostos indiretos e margens de distribuição), são reportados nessa matriz edesagregados por produto e setor. Diversos coeficientes e parâmetros utilizados no sistemade equações são derivados desses fluxos, tais como as alíquotas tributárias, as tarifas deimportação, etc.

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2.1 Tecnologia de produção

A Figura 2 ilustra a tecnologia de produção adotada no modelo B-MARIA--RS, uma especificação usual em modelos regionais. Essa especificação definetrês níveis de otimização no processo produtivo das firmas. As linhas tracejadasindicam as formas funcionais especificadas em cada estágio. No primeiro nível,é adotada a hipótese de combinação em proporção fixa no uso dos insumosintermediários e fatores primários, através de uma especificação de Leontief.No segundo nível, há possibilidade de substituição entre o insumo composto deorigem doméstica e importada, de um lado, e entre trabalho e capital, de outro.Uma função de elasticidade de substituição constante (CES) é utilizada nacombinação dos insumos e dos fatores primários.3 No terceiro nível, um agregadodo conjunto dos insumos intermediários, domésticos e importados é formadopela combinação de insumos de diferentes origens. Novamente, uma funçãoCES é utilizada na combinação de bens de origens distintas.

A utilização de funções CES na tecnologia de produção implica a adoçãoda chamada hipótese de Armington (Armington, 1969) na diferenciação deprodutos. Por essa hipótese, bens de diferentes origens são tratados comosubstitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos sãodiferenciados dos bens agropecuários do Restante do Brasil quando da suautilização no processo produtivo (terceiro nível da Figura 2). Esse tratamentopermite que o modelo exiba padrões de comércio intra-setoriais nãoespecializados, uma importante regularidade empírica encontrada na literatura.4

3 Os valores das elasticidades de substituição da função de produção são reportados noAnexo.

4 Sobre diferenciação de produtos no comércio internacional e modelos EGC, ver Melo eRobinson (1989). O comportamento de diversas classes de funções CES é analisado emPerroni e Rutherford (1998).

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2.2 Demanda das famílias

Em cada região, existe um conjunto de famílias representativas, queconsome bens domésticos (locais ou de outra região) e bens importados. Aespecificação da demanda das famílias, em cada região, é baseada num sistemacombinado de preferências CES/Sistema Linear de Gastos (LES). As equaçõesde demanda são derivadas de um problema de maximização de utilidade, cujasolução segue passos hierarquizados, semelhantes aos da Figura 2. No nívelinicial, existe substituição entre as diferentes fontes de oferta para os bensdomésticos e para os importados. No nível superior subseqüente, ocorresubstituição entre o composto de bens domésticos e de importados. A utilidadederivada do consumo do composto de bens domésticos e de importados émaximizada segundo uma função de utilidade Stone-Geary. Essa especificaçãodá origem ao LES, no qual a participação do gasto acima do nível de subsistência,para cada bem, representa uma proporção constante do gasto total desubsistência de cada família regional.5

2.3 Demanda por bens de investimento

Os investidores são outra categoria de uso da demanda final, responsáveispela criação de capital em cada setor regional. Eles escolhem os insumosutilizados no processo de criação de capital através de um mecanismo deminimização de custos sujeito a uma estrutura de tecnologia aninhada.

Essa tecnologia é similar à de produção, com algumas adaptações. Comona tecnologia de produção, o bem de capital é produzido por insumos domésticose por importados. No terceiro nível, um agregado do conjunto dos insumosintermediários, domésticos e importados, é formado pela combinação de insumosde diferentes origens. Uma função CES é utilizada na combinação de bens deorigens distintas. Diferentemente da tecnologia de produção, fatores primáriosnão são utilizados diretamente como insumo para formação de capital, masindiretamente, através dos insumos na produção dos setores, especialmente nosetor de construção civil. O nível de investimento regional em bens de capital,por setor, é determinado pelo bloco de acumulação de capital.

5 Sobre os parâmetros necessários para calibragem dessa especificação, ver Dixon et al.(1982). A especificação LES é não-homotética, de forma que expansão no gasto (renda)das famílias gera alterações na participação dos bens no gasto total, ceteris paribus. Osparâmetros de participação marginal no orçamento do consumo das famílias derivadas daespecificação LES são reportados no Anexo.

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2.4 Demanda por exportações e do Governo

Todos os bens são definidos com curvas de demanda negativamenteinclinadas nos próprios preços, no mercado mundial. Um vetor de elasticidadesdefine a resposta da demanda externa a alterações no preço FOB das exportaçõesregionais.6

A demanda do Governo por bens públicos origina-se na identificação doconsumo de bens públicos por parte dos governos regionais e do GovernoFederal, obtidos da matriz de insumo-produto. Entretanto atividades produtivasexercidas pelo setor público não podem ser separadas daquelas exercidas pelosetor privado. Dessa forma, a atividade empreendedora do Governo é determinadapela mesma lógica de minimização de custos empregada pelo setor privado.Essa hipótese pode ser considerada, a priori, mais apropriada para a economiabrasileira, na medida em que o processo de privatização, nos anos 90, diminuiusignificativamente a participação do Governo no setor produtivo (Haddad, 1999).O consumo do bem público é especificado por uma proporção constante: (a) doconsumo regional privado, no caso dos governos regionais; e (b) do consumoprivado nacional, no caso do Governo Federal.

2.5 Acumulação de capital e investimento

Neste bloco, estão definidas as relações entre estoque de capital einvestimento. Existem duas configurações do modelo para exercícios de estáticacomparativa, que permitem seu uso em simulações de curto e longo prazos. Autilização do modelo em estática comparativa implica que não existe relaçãofixa entre capital e investimento; essa relação é escolhida de acordo com osrequisitos específicos da simulação. Por exemplo, em simulações típicas deestática comparativa de longo prazo, assume-se que o crescimento doinvestimento e do capital são iguais (Peter et al.,1996).

Algumas qualificações são importantes quanto à especificação da formaçãode capital e investimento no modelo. Como discutido em Dixon et al. (1982),esse tipo de modelagem se preocupa primordialmente com a forma como osgastos com investimento são alocados setorial e regionalmente e não com adeterminação no investimento privado agregado em construções, máquinas eequipamentos. Além disso, a concepção temporal de investimento empregada

6 Os valores das elasticidades da função de demanda externa são reportados no Anexo.

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não tem correspondência com um calendário exato; essa seria uma característicanecessária, se o modelo tivesse o objetivo de explicar o caminho de expansãodo investimento ao longo do tempo. Destarte, a preocupação principal namodelagem do investimento é captar os efeitos dos choques (por exemplo,aumento da alíquota do ICMS) na alocação do gasto com investimento correnteentre os setores e as regiões.

2.6 Mercado de trabalho e migração regional

Neste módulo, a população, em cada região, é definida através da interaçãode variáveis demográficas, inclusive migração inter-regional, e também éestabelecida uma conexão entre população regional e oferta de trabalho. Dada aespecificação do funcionamento do mercado de trabalho, a oferta de trabalhopode ser determinada por diferenciais inter-regionais de salário ou por taxas dedesemprego regional, conjuntamente com variáveis demográficas, usualmentedefinidas exogenamente. Em resumo, tanto oferta de trabalho como diferenciaisde salário podem determinar as taxas de desemprego, ou, alternativamente,oferta de trabalho e taxas de desemprego determinam diferenciais de salário.

2.7 Outras especificações

O módulo de finanças governamentais incorpora equações, determinandoo produto regional bruto, do lado da renda e do dispêndio, para cada região,através da decomposição e da modelagem de seus componentes. Os déficitsorçamentários dos governos regionais e do Governo Federal estão definidosnesse módulo. Este bloco define também as funções de consumo das famíliasem cada região, as quais estão desagregadas nas principais fontes de renda enos respectivos impostos incidentes. Outras definições no modelo incluem asalíquotas de impostos, preços básicos e de mercado dos bens, receita comtributos, margens, componentes dos produtos nacional (PIB) e regional (PRB),índices de preços regionais e nacionais, preços de fatores, agregados deemprego e especificações das equações de salário.

2.8 Fechamentos

O modelo B-MARIA-RS pode ser utilizado para simulações de estáticacomparativa de curto e longo prazos. A distinção básica entre os dois fechamentos

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está relacionada ao tratamento empregado na abordagem microeconômica doajustamento do estoque de capital. No ambiente de curto-prazo, os estoques decapital são mantidos fixos, enquanto, no longo prazo, mudanças de política sãopassíveis de afetar os estoques de capitais em cada região.7

No ambiente de curto prazo, além da hipótese de imobilidade intersetorial einter-regional do capital, a população regional e a oferta de trabalho são fixas, osdiferenciais regionais de salário são constantes, e o salário real nacional é fixo.O emprego regional é função das hipóteses sobre taxas de salário, que,indiretamente, determinam as taxas de desemprego regionais. Do lado dademanda, os gastos de investimento são exógenos — as firmas não podemreavaliar decisões de investimento no curto prazo. O consumo das famíliassegue sua renda disponível, e o consumo do Governo, em ambos os níveis(regional e federal), é fixo (alternativamente, o déficit do Governo pode ser definidoexogenamente, permitindo a alteração dos seus gastos). Por fim, as variáveisde choque tecnológico são exógenas, dado que o modelo não apresenta nenhumateoria de crescimento endógeno.

No fechamento de longo prazo, capital e trabalho possuem mobilidadeintersetorial e inter-regional. As principais diferenças em relação ao curto prazoestão na configuração do mercado de trabalho e do processo de acumulação decapital. No primeiro caso, o emprego agregado é determinado pelo crescimentoda população, pelas taxas de participação da força de trabalho e pela taxa naturalde desemprego. As distribuições espacial e setorial da força de trabalho sãototalmente determinadas endogenamente. Trabalho é atraído para os setoresmais competitivos, nas áreas geográficas mais favorecidas. Da mesma forma,capital é orientado em direção aos setores mais atrativos. Esse movimentomantém as taxas de retorno do capital em seus níveis iniciais.

3 Estratégia de calibragem do choque de política tributária

A mudança na política tributária do ICMS presume uma elevação dasalíquotas dos combustíveis (gasolina, álcool e GLP) e da energia elétrica de

7 Sobre fechamentos em modelos EGC, ver, por exemplo, Dixon e Parmenter (1996) e Dixon etal. (1982).

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25% para 29%,8 bem como uma elevação da alíquota das telecomunicações de25% para 30%. Considerando o valor absoluto das alíquotas efetivas do ICMSpor produto no período de referência, a primeira mudança implica um aumentode 16% nas alíquotas dos combustíveis e da energia elétrica e um aumento de20% na alíquota das telecomunicações. Esses percentuais serviram de parâmetropara definir o nível relativo dos choques da mudança de política tributária sobreas alíquotas efetivas do ICMS nos setores produtores da cesta de bens afetadapela política.

No modelo B-MARIA-RS, os produtos são classificados em setores daatividade econômica. Os combustíveis pertencem à categoria demais produtosdo refino, que está inserida no setor química e petroquímica (S8), enquantoenergia elétrica e telecomunicações classificam-se, respectivamente, nos setoresServiços Industriais de Utilidade Pública (SIUP) (S16) e comunicações (S20) —ver Anexo. Assim, para as alíquotas do ICMS9 nos setores SIUP e comunicações,considerou-se que a política implica um choque de 16% e de 20%,respectivamente, pois esses setores possuem uma correspondência direta coma cesta de produtos afetada pela política. Porém, como os combustíveis gasolina,álcool e GLP constituem uma parcela dos produtos gerados pelo setor químicae petroquímica do modelo, foi necessário estimar o efeito do aumento de 20%na alíquota desses produtos sobre a alíquota efetiva do setor S8. Esse efeito foiestimado, considerando-se os valores monetários da arrecadação efetiva doICMS do banco de dados da Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande doSul, desagregando-se todos os produtos do setor S8. A partir da desagregação,aplicou-se uma variação de 16% nos montantes arrecadados para os produtosgasolina, álcool e GLP. Como resultado desse procedimento, estimou-se que ochoque nesses produtos representa um aumento de 9,4% na alíquota efetiva doICMS do setor química e petroquímica. A Tabela 1 apresenta em detalhe osprocedimentos utilizados para calibrar os choques nas alíquotas efetivas deICMS correspondentes aos setores responsáveis pela produção dos benspertencentes à cesta afetada pela política tributária do Governo gaúcho. A últimacoluna apresenta os choques implementados no modelo B-MARIA-RS, em

8 O óleo diesel não foi afetado pela política. No caso da energia elétrica, a mudança oficial foide 25% para 30%, mas com redução de 12% para 7% da alíquota para as classes deconsumo residencial com demanda até 50w. Considerando essa especificidade, estimou-seque a mudança efetiva na alíquota de energia elétrica foi de 25% para 29%.

9 A receita do ICMS desse setor, no banco de dados do modelo, refere-se somente à tributaçãoda energia elétrica.

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variação percentual, nos três setores afetados pela política. Constata-se, ainda,que essa política implica uma elevação de 5,6% na alíquota total do ICMS doEstado do Rio Grande do Sul, conforme os dados monetários de 1998.

Tabela 1

Estimativa do efeito da política de aumento do ICMS sobre as alíquotas efetivas dos setores do modelo B-MARIA-RS

SETORES E PRODUTOS

ICMS-1998 (R$ milhões)

ÍNDICE DE VARIA-ÇÃO ASSOCIADO À MUDANÇA NA

POLÍTICA TRIBUTÁRIA

ICMS PÓS- -MUDANÇA (R$ milhões)

CHOQUE NA

ALÍQUOTA (%)

S8 - química e petroquí- mica ................................ 626 - 685 9,4 Química ........................... 58 - 58 - Petroquímica ................... 568 - 627 - Produtos petroquímicos 84 - 84 - Demais produtos do re- 484 - 543 - fino .............................. Gasolina ................... 331 1,160 384 - Álcool ....................... 8 1,160 9 - GLP .......................... 28 1,160 33 - Diesel ....................... 116 - 116 - S16 - SIUP (energia elé- trica) ............................... 660 1,160 765 16,0 S20 - Comunicações ..... 358 1,200 429 20,0 Subtotal ......................... 1 644 - 1 880 14,4 TOTAL DO ICMS DO RS 4 186 - 4 422 5,6

NOTA: O ano de referência é 1998.

Especificamente, os choques são implementados no coeficiente geral dealíquotas tributárias do modelo B-MARIA-RS, definido como deltax (i,s,t), ondei indica o produto gerado pelos setores (S1, ..., S25), s indica a região (RioGrande do Sul, Restante do Brasil ou resto do Mundo) e t indica o vetor deimpostos (ICMS ou outros impostos indiretos). Logo, para o presente exercíciode simulação, os choques implicam variações em deltax (i = S8, S16, S20;s = Rio Grande do Sul; t = ICMS). Os dois efeitos diretos desse choque recaemsobre o mercado de produto e sobre as finanças públicas do Governo Regional,pois implicam uma elevação dos preços básicos dos bens comercializados pelos

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seis diferentes usuários do modelo (firmas, investidores, famílias, setor externo,Governo Regional e Governo Federal) e também um aumento do nível de arre-cadação de ICMS associado à elevação das alíquotas nos produtos dos setoresS8, S16 e S20.

A Figura 3 descreve as principais relações causais do choque de políticatributária do Governo gaúcho. Observe-se que os principais efeitos são o aumentodos preços dos bens compostos e do custo dos fatores primários, reduzindo acompetitividade das firmas nos mercados interno e externo, assim como o po-der aquisitivo das famílias. No curto prazo, como não há mobilidade dos fatoresprodutivos, esses efeitos são transferidos para o Restante do Brasil, através docomércio inter-regional. Contudo, no longo prazo, a menor rentabilidade dosinvestimentos e a menor remuneração real do trabalho no Rio Grande do Sulgeram um efeito relocalização para o Restante do Brasil, reduzindo a base tributáriano território gaúcho. Assim, o aumento na receita do ICMS, inicialmente associadoao aumento da alíquota tributária, é, agora, atenuado pela redução da basetributária.

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4 Resultados da simulação

A simulação foi implementada, utilizando-se o método de Euler para corri-gir os erros de linearização, e os resultados são reportados em taxas de varia-ção percentual. Os principais resultados macroeconômicos são apresentadosna Tabela 2, tanto para a simulação de curto prazo como para a de longo prazo.Convém ressaltar que o fechamento de curto prazo é o mais apropriado paraavaliar os efeitos da política, supondo-se que se trata de uma política transitóriae que os agentes econômicos não reavaliam suas decisões alocativas. Ofechamento de longo prazo foi implementado para ilustrar os efeitos no caso emque a política assume um caráter permanente, situação mais apropriada paraum regime de longo prazo. Neste caso, os custos de aumento na carga tributáriaestadual influem sobre a mobilidade do capital e do trabalho, gerando um efeitode relocalização da base tributária em prol do Restante do Brasil.

No curto prazo, o efeito sobre o PIB é negativo tanto no Rio Grande do Sulcomo no Restante do Brasil, pois os aumentos de preços também se transmi-tem para o restante do País, através do comércio regional, e não há ajustecompensatório associado à mobilidade dos fatores produtivos. O emprego tambémse reduz no Rio Grande do Sul e no Restante do Brasil. De fato, a política tendea provocar um aumento generalizado dos preços no sistema econômico do Paíscomo um todo, no curto prazo, reduzindo não só a demanda agregada internacomo também a demanda externa. Contudo os preços básicos dos bens emalguns setores apresentam variação negativa (Tabela 3), devido ao efeitosubstituição entre capital e trabalho na função de produção das firmas. A retraçãoeconômica libera capital e trabalho da atividade produtiva, mas, enquanto oaumento na oferta de capital favorece uma redução de seu preço, o mesmo nãoocorre para o fator trabalho, devido ao aumento no seu custo de produção (custoda cesta de consumo das famílias). Esse aspecto pode ser constatado, ainda,na Tabela 1, onde o Índice de Preços ao Consumidor mostra a maior variação.No caso do comércio inter-regional do Rio Grande do Sul, a redução dos preçosdos bens em alguns setores domina o aumento nos demais, resultando em umíndice de preços das exportações inter-regionais com variação negativa.

Cabe observar que o impacto de curto prazo sobre o PIB gaúcho (-0,050%)é bastante inferior àquele observado no longo prazo (-1,387%). Isso sugere quea natureza transitória da política de aumento do ICMS, embora tenha o efeito deretrair a atividade econômica, produz efeitos muito pequenos sobre a estabilidadeeconômica. Por outro lado, no longo prazo, a persistência da política pode geraruma retração econômica substancial, devido à mobilidade dos fatores produtivos,que buscarão taxas de retorno mais favoráveis no Restante do Brasil. Esse

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Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geral computável

efeito é claro, ao se observar que, no longo prazo, ocorre uma queda mais acen-tuada do PIB e do emprego no Rio Grande do Sul, enquanto há um aumento dosmesmos no Restante do Brasil.

Tabela 2

Efeitos da política de aumento do ICMS do Rio Grande do Sul sobre a economia gaúcha e sobre o Restante do Brasil (%)

RIO GRANDE DO SUL RESTANTE DO

BRASIL VARIÁVEIS Curto Prazo

Longo Prazo

Curto Prazo

Longo Prazo

Componentes do PIB

Consumo real das famílias .............................. -0,034 -1,481 -0,004 0,153

Investimento real agregado ............................. - -1,047 - 0,069

Demanda do Governo Regional real agregada - - - -

Demanda do Governo Federal real agregada - - - -

Volume das exportações inter-regionais ......... -0,054 -0,831 -0,006 -1,003

Volume das exportações internacionais ......... -0,106 -4,151 -0,025 -0,066

Volume das importações inter-regionais ......... -0,006 -1,003 -0,054 -0,831

Volume das importações internacionais ......... -0,027 -1,099 0,004 0,139

Preços

Índice de Preços ao Consumidor .................... 0,172 1,727 0,017 0,088

Índice de preços de investimento .................... 0,023 0,967 0,018 0,057

Índice de preços do Governo Regional ........... 0,081 2,583 0,025 0,170

Índice de preços do Governo Federal ............. 0,081 2,583 0,025 0,170

Índice de preços de exportação inter-regional -0,083 1,901 0,018 0,015

Índice de preços de exportação internacional 0,062 2,198 0,014 0,006

Índice de preços de importação inter-regional 0,018 0,015 -0,083 1,901

Índice de preços de importação internacional - - - -

Deflator implícito do PIB (ótica da despesa) ... 0,093 2,659 0,024 0,035

PIB real ........................................................... -0,050 -1,387 -0,003 0,095

Emprego ......................................................... -0,092 -1,590 -0,007 0,106

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Tabela 3

Efeitos percentuais sobre o valor adicionado e preços básicos dos bens, nos longo e curto prazos, no Rio Grande do Sul (RS) e no Restante do Brasil (RB)

CURTO PRAZO

Valor Adicionado Preços Básicos SETORES

RS RB RS RB

Agropecuária ............................................ -0,007 -0,003 -0,019 -0,005

Indústrias metalúrgicas ............................. -0,051 -0,008 0,047 0,012

Máquinas e tratores .................................. -0,041 -0,009 0,052 0,016

Material elétrico e eletrônico ..................... -0,022 -0,008 0,013 0,007

Material de transportes ............................. -0,021 -0,008 0,037 0,012

Madeira e mobiliário ................................. -0,021 -0,009 0,106 0,028

Papel e gráfica .......................................... -0,040 -0,007 0,091 0,019

Indústrias química e petroquímica ............ -0,172 -0,005 -0,976 0,011

Calçados, couros e peles ......................... -0,045 -0,036 0,091 0,126

Beneficiamento de produtos vegetais, in-

clusive fumo .............................................. -0,023 -0,006 0,028 0,013

Abate de animais ...................................... -0,019 -0,006 0,046 0,015

Indústria de laticínios ................................ -0,008 -0,003 0,036 0,012

Fabricação de óleos vegetais ................... -0,012 -0,004 0,011 0,004

Demais indústrias alimentares .................. -0,013 -0,004 0,071 0,011

Demais indústrias ..................................... -0,038 -0,007 0,030 0,010

Serviços Industriais de Utilidade Pública .. -0,456 -0,005 0,382 0,016

Construção civil ........................................ -0,001 0,000 0,029 0,022

Comércio .................................................. -0,020 -0,006 0,048 0,025

Transportes .............................................. -0,027 -0,008 0,046 0,023

Comunicações .......................................... -0,627 0,017 -2,091 0,120

Instituições financeiras ............................. -0,028 -0,006 0,051 0,021

Serviços prestados às famílias e às em-

presas ....................................................... -0,036 -0,007 0,060 0,021

Aluguel de imóveis .................................... 0,000 0,000 -0,017 -0,003

Administração pública ............................... -0,003 0,000 0,081 0,025

Serviços privados não mercantis .............. -0,005 -0,008 0,028 0,026

(continua)

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Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geral computável

Tabela 3

Efeitos percentuais sobre o valor adicionado e preços básicos dos bens, nos longo e curto prazos, no Rio Grande do Sul (RS) e no Restante do Brasil (RB)

LONGO PRAZO

Valor Adicionado Preços Básicos SETORES

RS RB RS RB

Agropecuária ............................................ -1,497 0,058 0,974 0,034

Indústrias metalúrgicas ............................. -2,272 0,118 1,896 -0,043

Máquinas e tratores .................................. -1,556 0,046 2,285 -0,066

Material elétrico e eletrônico ..................... -2,046 0,098 1,690 -0,063

Material de transportes ............................. -1,066 0,053 2,285 -0,080

Madeira e mobiliário ................................. -0,493 -0,050 2,188 0,115

Papel e gráfica .......................................... -1,400 0,096 3,010 -0,071

Indústrias química e petroquímica ............ -2,220 0,145 0,940 -0,043

Calçados, couros e peles ......................... -1,340 -0,553 3,088 0,743

Beneficiamento de produtos vegetais, in-

clusive fumo .............................................. -1,417 0,060 1,635 0,129

Abate de animais ...................................... -1,091 0,019 2,050 0,114

Indústria de laticínios ................................ -0,970 0,095 1,993 0,072

Fabricação de óleos vegetais ................... -1,569 0,064 1,181 0,097

Demais indústrias alimentares .................. -0,679 0,033 2,326 -0,053

Demais indústrias ..................................... -2,396 0,110 1,581 -0,032

Serviços Industriais de Utilidade Pública .. -2,154 0,166 5,853 -0,513

Construção civil ........................................ -1,049 0,070 1,379 0,054

Comércio .................................................. -1,642 0,105 2,186 0,122

Transportes ............................................... -1,487 0,109 2,289 0,079

Comunicações .......................................... -2,925 0,221 0,857 0,034

Instituições financeiras ............................. -1,896 0,191 3,324 -0,105

Serviços prestados às famílias e às em-

presas ....................................................... -1,572 0,133 2,480 0,044

Aluguel de imóveis ................................... -1,241 0,133 0,795 0,180

Administração pública .............................. -0,078 0,006 2,583 0,170

Serviços privados não mercantis ............. -1,843 0,138 2,904 0,168

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Alexandre Alves Porsse

Em síntese, o efeito da política é uma redução da competitividade dasduas regiões no curto prazo. No longo prazo, ocorre uma redução dacompetitividade apenas da economia gaúcha (notadamente no comérciointernacional), de modo que os investimentos tendem a se direcionar para oRestante do Brasil, ampliando o emprego e o consumo das famílias nessa re-gião. Os efeitos de expansão dos investimentos e do consumo privado no Res-tante do Brasil são mais que suficientes para compensar as perdas decompetitividade nos comércios regional e internacional, que ainda permanecemnessa região.

No cenário de longo prazo, a queda do PIB gaúcho e o aumento do PIB doRestante do Brasil evidenciam um efeito de relocalização da base tributáriaentre as duas regiões. Nesse caso, deve-se esperar que a efetividade da políticatributária, em termos de expansão das receitas do ICMS, fique comprometidano longo prazo. Ou seja, no curto prazo, a política possivelmente será efetivaem produzir o aumento desejado nas receitas, devido à preponderância dosefeitos de primeira ordem (mudança da alíquota tributária), mas, no longo prazo,o incremento de receita pode ser atenuado, em razão dos efeitos de segundaordem (mobilidade da base tributária).10

Para avaliar essa dimensão, calculou-se o efeito de expansão real no ICMSpós-mudança tributária para os dois fechamentos de simulação, utilizando-se odeflator implícito do PIB como fator de transformação para calcular o valor presenteno ano-base (Gráfico 1). Os resultados mostram que a efetividade da arrecadaçãoassociada à política de aumento do ICMS é comprometida em mais de 50%, nolongo prazo, devido à relocalização produtiva provocada pelo choque. Ressalta--se que os setores afetados pela política apresentam significativa participaçãona composição da receita do ICMS (cerca de 40%), mas também apresentamas maiores taxas de redução do valor adicionado no longo prazo (Tabela 3).Enfim, esses resultados mostram que o ganho de receita alcançado pela políticano curto prazo não se sustenta integralmente no longo prazo, de modo que oequilíbrio orçamentário só poderia ser alcançado através de um aumento noesforço fiscal, leia-se maior eficiência da arrecadação, ou via redução dos gastos.

10 Para uma discussão sobre efeito de relocalização produtiva e seu impacto sobre a receitade impostos, ver Domingues e Haddad (2003).

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Curto prazo (4,3%)

Longo prazo (1,9%)

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

5,0

Ano-base FechamentoBase de Referência

Mudança real na receita do ICMS no RS

Gráfico 1

∆%

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5 Considerações finais

Este trabalho busca avaliar os impactos econômicos da política de au-mento das alíquotas do ICMS de uma cesta de produtos praticada pelo Governogaúcho. Sustenta-se que a metodologia de modelos de equilíbrio geral computávelé a mais apropriada para esse fim, na medida em que possibilita capturar areação dos agentes às mudanças de preços relativos, provocadas pelo choquede política tributária em foco. Adicionalmente, também se sustenta que um fe-chamento de curto prazo seria mais apropriado para a simulação do choquetributário, uma vez que a política teve caráter transitório, haja vista a reduçãogradativa das alíquotas para seu patamar inicial a partir de 2007. Também foiimplementado um exercício de simulação para um fechamento de longo prazo,visando extrair informações sobre o efeito de relocalização produtiva associadoà mobilidade dos fatores, simulando o caso em que a política assume um caráterpermanente.

No curto prazo, os principais resultados apontam uma elevação geral dospreços e “pequena” redução no emprego e no produto, tanto no Rio Grande doSul como no Restante do Brasil, devido à interdependência regional entre essaseconomias. No Rio Grande do Sul, o aumento de preços mostra-se mais intensosobre os bens de consumo das famílias. Porém, se a política assumir um caráterpermanente, fica evidente, pelos resultados da simulação de longo prazo, quedeve haver um significativo efeito de relocalização produtiva, resultando numaqueda relativamente mais acentuada no emprego e no produto do Rio Grande doSul, em detrimento do aumento do emprego e do produto no Restante do Brasil.Ainda nesse cenário, constata-se que a relocalização produtiva implica umaredução da base tributária gaúcha, comprometendo a eficácia da política deaumento tributário em termos do incremento da receita do ICMS.

Por fim, cabe retomar que esses resultados devem ser considerados à luzda estrutura econômica vigente em 1998, ano-base do modelo B-MARIA-RS.Logo, os resultados encontrados servem apenas como um indicativo dospotenciais efeitos da política. Ademais, a robustez dos efeitos identificados écondicionada pelos coeficientes e parâmetros de elasticidades do modelo, sendorelevante, futuramente, avançar na análise da sensibilidade dos resultados, emface de modificações no conjunto de coeficientes e de parâmetros de elasticidade.

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Aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, em 2005: uma análise de equilíbrio geral computável

AnexoTabela A.1

Parâmetros de elasticidades e coeficientes do modelo B-MARIA-RS

SETORES

ELASTICIDADE DE

SUBSTITUIÇÃO- -ARMINGTON

REGIONAL

ELASTICIDADE DE

SUBSTITUIÇÃO- -ARMINGTON

INTERNACIONAL

ELASTICIDADE DE

SUBSTITUIÇÃO- -FATORES

PRIMÁRIOS

S1 Agropecuária ................. 0,229 0,229 0,500 S2 Indústrias metalúrgicas 1,186 1,186 0,500 S3 Máquinas e tratores ...... 0,293 0,293 0,500 S4 Material elétrico e ele- trônico ........................... 1,349 1,349 0,500 S5 Material de transportes 0,430 0,430 0,500 S6 Madeira e mobiliário ..... 0,023 0,023 0,500 S7 Papel e gráfica .............. 0,303 0,303 0,500 S8 Indústrias química e pe- troquímica ..................... 0,793 0,793 0,500 S9 Calçados, couros e pe- les ................................. 0,057 0,057 0,500 S10 Beneficiamento de pro- dutos vegetais, inclusive fumo .............................. 0,874 0,874 0,500 S11 Abate de animais .......... 0,003 0,003 0,500 S12 Indústrias de laticínios .. 0,322 0,322 0,500 S13 Fabricação de óleos ve- getais ............................ 1,453 1,453 0,500 S14 Demais indústrias ali- mentares ....................... 0,060 0,060 0,500 S15 Demais indústrias ......... 1,587 1,587 0,500 S16 Serviços Industriais de Utilidade Pública ........... 0,007 0,007 0,500 S17 Construção civil ............ 0,001 0,001 0,500 S18 Comércio ...................... 0,462 0,462 0,500 S19 Transportes ................... 0,162 0,162 0,500 S20 Comunicações .............. 1,002 1,002 0,500 S21 Instituições financeiras .. 0,092 0,092 0,500 S22 Serviços prestados às famílias e às empresas .. 0,829 0,829 0,500 S23 Aluguel de imóveis ......... 0,058 0,058 0,500 S24 Administração pública .... 0,047 0,047 0,500 S25 Serviços privados não

mercantis ....................... 0,001 0,001 0,500

(continua)

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Alexandre Alves Porsse

Tabela A.1 Parâmetros de elasticidades e coeficientes do modelo B-MARIA-RS

PARTICIPAÇÃO

ORÇAMENTÁRIA MARGINAL NA FUNÇÃO LES

SETORES

RS RB (1)

ELASTICIDADE DA DEMANDA

INTERNACIONAL

S1 Agropecuária ................. 0,043 0,059 -13,241 S2 Indústrias metalúrgicas 0,003 0,006 -1,371 S3 Máquinas e tratores ...... 0,008 0,008 -2,263 S4 Material elétrico e ele- trônico ........................... 0,022 0,031 -1,114 S5 Material de transportes 0,078 0,054 -1,096 S6 Madeira e mobiliário ..... 0,022 0,011 -1,134 S7 Papel e gráfica .............. 0,010 0,008 -0,999 S8 Indústrias química e pe- troquímica ..................... 0,026 0,016 -3,887 S9 Calçados, couros e pe- les ................................. 0,024 0,007 -0,885 S10 Beneficiamento de pro- dutos vegetais, inclusive fumo .............................. 0,028 0,016 -1,942 S11 Abate de animais .......... 0,026 0,017 -2,116 S12 Indústrias de laticínios .. 0,016 0,011 -2,639 S13 Fabricação de óleos ve- getais ............................ 0,009 0,004 -1,323 S14 Demais indústrias ali- mentares ....................... 0,041 0,034 -0,504 S15 Demais indústrias ......... 0,074 0,066 -1,719 S16 Serviços Industriais de Utilidade Pública ........... 0,023 0,018 -0,762 S17 Construção civil ............ 0,000 0,000 -1,045 S18 Comércio ...................... 0,122 0,096 -1,217 S19 Transportes ................... 0,043 0,043 -8,362 S20 Comunicações .............. 0,024 0,017 -1,064 S21 Instituições financeiras .. 0,081 0,102 -2,103 S22 Serviços prestados às famílias e às empresas 0,103 0,153 -1,914 S23 Aluguel de imóveis ....... 0,165 0,199 -1,978 S24 Administração pública .. 0,001 0,004 -3,628 S25 Serviços privados não mercantis ....................... 0,008 0,018 -1,045

FONTE: Banco de dados do modelo B-MARIA-RS. (1) Restante do Brasil.

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Alexandre Alves Porsse

PORSSE, A. A. Competição tributária regional, externalidades fiscais e fe-deralismo no Brasil: uma abordagem de equilíbrio geral computável. Tese (Dou-torado)–Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal doRio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03*

Liderau dos Santos Marques Junior** Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE)

ResumoEste artigo apresenta e testa diversas hipóteses sobre os fatores determinantesda política fiscal do Estado do Rio Grande do Sul entre 1970 e 2003. Os resulta-dos confirmam a hipótese de que instituições orçamentárias se constituem numimportante determinante da política fiscal gaúcha, e há evidências de que odéficit primário tende a persistir de um período para outro.

Palavras-chaveInstituições orçamentárias; análise de regressão; Rio Grande do Sul.

AbstractThe article presents and tests many hypotheses about the determinants of fis-cal policy of the state of Rio Grande do Sul state between 1970 and 2003. Theresults confirm the hypothese that budget institutions are an important determinantof primary deficit, and there are evidences that the primary deficit tend to persistfrom one period to another.

Key wordsBudget institutions; regression analysis; Rio Grande do Sul.

* Este artigo é uma versão modificada do Capítulo 5 da tese de Marques Junior (2005). Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

O autor agradece os comentários e as sugestões de um parecerista anônimo. Como depraxe, eventuais erros e imperfeições são de inteira responsabilidade do autor.

** E-mail: [email protected]

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Liderau dos Santos Marques Junior

Classificação JEL: C1, H8, H89.

1 Introdução

A política fiscal do Estado do Rio Grande do Sul caracterizou-se por contí-nuos déficits primários entre 1970 e 2003. Enquanto o Estado conseguia sefinanciar no mercado financeiro, tal regime de política fiscal não se constituíaem um problema. Porém, com a mudança de regime da política monetária doGoverno Federal, em meados de 1994, houve forte elevação da taxa de jurosreal básica praticada no mercado financeiro. Em função disso, os agentes finan-ceiros passaram a exigir maiores taxas de juros. Como o Estado tradicional-mente gerava déficit primário e houve forte elevação do pagamento de juros, oresultado foi uma explosão do endividamento estadual entre 1994 e 1997.

Diante do descontrole das contas públicas e dado que a hipótese de caloteda dívida pública estava descartada, o Governo do Estado viu-se obrigado aassinar um acordo de renegociação da dívida estadual com o Governo Federalno ano de 1998. No bojo desse acordo, o Estado assumiu o compromisso depromover um ajuste fiscal rigoroso.1 Entretanto ele foi assinado sem se teremclaros os fatores determinantes dos déficits primários no caso do Rio Grande doSul.

O presente artigo não visa analisar o acordo, mas, sim, utilizando-se deuma análise de regressão linear, testar diversas hipóteses sobre os determinantesdo déficit primário, no caso gaúcho, para o período 1970-03. De fato, o que sebusca é verificar se há relação entre as variáveis consideradas. Mesmo tendo--se presente os seus limites, aplica-se a abordagem da regressão linear, nopresente artigo, por sua simplicidade e por ser amplamente conhecida. Ade-mais, é adequada para um estudo de caso, como é a proposta do artigo. Outrasabordagens também são factíveis de serem aplicadas. Por exemplo, Hillbrecht eVeloso (2001) utilizam o modelo auto-regressivo (VAR) para testar hipótesessobre os fatores determinantes dos sistemáticos déficits primários no caso ga-úcho, entre 1970 e 1998.

As hipóteses a serem testadas são classificadas em três categorias defatores: os econômicos, os políticos e os institucionais. Dentre os fatoreseconômicos, foram consideradas variáveis como a taxa de crescimento do PIB

1 Sobre detalhes desse acordo, ver Santos e Calazans (1999) e Calazans, Brunet e MarquesJr. (2000).

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

real, uma medida do serviço da dívida, a aceleração da taxa de inflação e arelação gastos com pessoal/PIB. Como fatores políticos, consideram-se, den-tre outros, o grau de coesão do Governo, o número de partidos da coalizão queforma o Governo, o percentual de deputados governistas na AssembléiaLegislativa e o regime político (ditadura ou democracia). Entre os fatoresinstitucionais levados em conta, têm-se um índice que mede se as instituiçõesorçamentárias são hierárquicas e transparentes, o sistema partidário (bipartidárioou multipartidário) e o número de secretarias de estado.

Visando testar as hipóteses, foram estabelecidos cinco modeloseconométricos. Dos cinco modelos, estimaram-se 12 regressões, nas quais avariável dependente é a relação déficit primário/PIB. Dadas a maneira como osmodelos foram especificados e as variáveis mensuradas, obtiveram-se evidên-cias de que as instituições orçamentárias e o déficit primário defasado foramfatores determinantes do déficit primário no período em análise.

O artigo está assim dividido: na segunda seção, apresenta-se a metodologiade estimação; na terceira, demonstram-se os modelos econométricos e as re-gressões estimadas, bem como os comentários sobre os resultados; na quartae última seção, são tecidas as considerações finais.

2 Metodologia de estimação

Na modelagem econométrica, empregou-se a abordagem clássica, ou seja,partindo-se de hipóteses sobre os determinantes do déficit primário, foramconstruídos diferentes modelos econométricos. Adotou-se, portanto, a estraté-gia, de incluir somente as variáveis fundadas nas discussões teóricas. Paraalguns modelos econométricos, utilizou-se uma outra estratégia, também muitoempregada na literatura pesquisada, qual seja, partindo-se de um modeloeconométrico com determinado número de regressores, foram acrescentadosregressores de interação.

A análise proposta é a da regressão linear clássica. O método de estima-ção dos parâmetros é o de mínimos quadrados ordinários (MQO). Salienta-seque o principal objetivo da análise é verificar se há relação entre as variáveis enão o de testar hipóteses sobre a magnitude dos parâmetros ou realizar previ-sões. O software utilizado foi o Eviews (versão 3.0). Os dados são anuais esecundários (definições e sua apresentação encontram-se no Apêndice).

Na definição dos modelos estimados, adotou-se um procedimento seme-lhante ao de Fialho (1997). Primeiramente, estimou-se um modelo em cujaespecificação básica apareciam as variáveis explicativas mais uma estrutura

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de defasagens da variável dependente igual a três defasagens.2 Em segundolugar, o modelo foi simplificado através da eliminação sucessiva das defasa-gens mais distantes. Em terceiro e último, a definição da especificação maisadequada do modelo foi feita com base nos critérios de informação de Akaike eSchwartz. Desse modo, a estrutura de defasagem resultante para a variáveldependente em todos os modelos estimados, na terceira seção, foi a de umadefasagem.

Antes da estimação dos modelos, fez-se o teste de raiz unitária para asséries econômicas. Adotou-se o seguinte procedimento para se obterem os re-sultados dos testes de Dickey-Fuller aumentado para as séries: (a) realizou-seuma seqüência de testes de raiz unitária de Dickey-Fuller aumentado com apresença da constante e da tendência, com constante e sem a presença datendência e, por fim, sem constante e sem tendência na regressão;3 (b) assu-mindo-se os níveis de significância iguais a 1%, 5% e 10%, determinou-se o ppara cada série; (c) com a escolha de p, realizou-se nova seqüência de testesde raiz unitária de Dickey-Fuller aumentado com a presença da constante e datendência, com constante e sem a presença da tendência e, por fim, sem cons-tante e sem tendência na regressão; (d) desta última seqüência de testes, che-gou-se ao modelo para cada série, considerando-se o desempenho em termosde minimização dos critérios de Akaike e de Schwartz. Dependendo do nível designificância considerado, concluiu-se que cada série utilizada nas regressõesdas subseção 3.2 não apresentou presença de raiz unitária.4

Aplicaram-se os seguintes testes para os resíduos das regressões: ocorrelograma dos resíduos (oito defasagens incluídas), a estatística Q de Ljung--Box, o teste de normalidade através da estatística Jarque-Bera, o teste LM (atétrês defasagens) e o teste de heteroscedasticidade de White sem termos cruza-dos (por causa do tamanho pequeno das amostras).5 Empregou-se o teste

2 Fialho (1997) apresenta a seguinte especificação básica, a partir da qual se chegou aomodelo mais adequado a ser estimado: ,

, onde Y é uma variávelqualquer no período t, e PBt é uma variável dummy qualquer.

3 O modelo adotado para os testes de Dickey-Fuller aumentado foi o seguinte:

, onde x representa a variável consi-

derada; p é o número de defasagens; ε é o erro (ruído branco); e t, a tendência linear. Nostestes realizados, o número inicial de termos defasados foi igual a cinco.

4 Os resultados dos testes não são apresentados.5 Esses testes são amplamente conhecidos, razão pela qual não cabe aqui apresentá-los. A

estatística de Durbin-Watson não foi utilizada, porque, nos modelos econométricos propos-tos, a variável dependente defasada aparece como uma das variáveis explicativas.

ttnntnttt PBaYaYaYaaY ε++++++= +−−− 122110 ....

t

p

iititt xtaxax επγ ∑

=−− +∆+++=∆

1210

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Ramsey-RESET para detectar problemas de especificação dos modeloseconométricos, considerando-se a variável dependente estimada elevada aoquadrado, ao cubo e à quarta potência.6

Em todas as regressões estimadas, os testes apontaram o que segue: (a)a estatística Q de Ljung-Box, para oito defasagens, indicou a não-rejeição dahipótese nula de ausência de autocorrelações significativas de resíduos; (b) aestatística Jarque-Bera indicou a não-rejeição da hipótese nula de uma distribui-ção normal de resíduos; (c) o teste LM, até a defasagem de ordem três, nãorejeitou a hipótese nula de ausência de correlação serial de resíduos; (d) o testede heteroscedasticidade de White, sem termos cruzados, não rejeitou a hipóte-se nula de ausência de heteroscedasticidade nos resíduos; por fim, (e) o testeRamsey-RESET não rejeitou a hipótese de que os coeficientes da variável de-pendente estimada (elevada ao quadrado, ao cubo e à quarta potência) sãotodos iguais a zero. Aplicando-se o teste de White, encontrou-se a presença deheteroscedasticidade em duas regressões (Tabela 2); nesses casos, utilizaram--se os erros-padrão robustos.

Quanto ao poder explicativo dos modelos, observou-se o R2 ajustado e,para a inferência, analisaram-se as estatísticas t e F.

6 Como esse teste também é conhecido, não será revisto neste espaço.

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)

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....

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4

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(1)

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(1,5

7)

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1)(

1,5

6)

(

1)(

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0)

(1)

(2,3

7)

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....

....

....

....

..

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03

0,0

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03

0

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00

2

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(0,9

4)

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,00

)

(1)

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5)

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)

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)

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....

....

....

..

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-

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3

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(1)

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L1

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....

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(1,5

2)

PO

L3

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....

....

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

Tabela 2

Regressões estimadas do modelo (3)

VARIÁVEL DEPENDENTE ∆t VARIÁVEIS EXPLICATIVAS 1 2

∆t-1 .............................. 0,57 0,50

(1)(2,09) (1)(2,26)

COA .......................... 0,15 0,10 (1)(1,06) (1)(0,69)

NS .............................. -0,23 -0,10 (1)(1,07) (1)(0,79)

COA*n .................... -0,01 - (1)(0,44)

NS*n ........................ 0,03 - (1)(0,77)

nt .................................. -0,38 -0,03 (1)(0,80) (1)(0,97)

∆πt .............................. 0,0003 0,0003 (1)(1,45) (1)(1,18)

Estatística F ............. 1,85 2,61

R2 ajustado ............... 0,16 0,20

FONTE: Tabelas A.1, A.3 e A.4. NOTA: Incluiu-se uma constante em cada uma das regressões. (1) Valores absolutos das estatísticas t.

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3 Os determinantes políticos, econômicos e institucionais do déficit primário

3.1 Breve revisão de literatura sobre os determinantes do déficit primário do RS7

Nos trabalhos sobre finanças públicas do Rio Grande do Sul, são aponta-das inúmeras hipóteses sobre os determinantes dos déficits primários. SegundoMoura Neto (1994), os déficits primários da década de 70 estão associados àbaixa elasticidade das receitas estaduais em relação ao crescimento do PIB eao comportamento ascendente das despesas, impulsionadas pelos elevadosinvestimentos do período. Na década de 80, a manutenção das despesasoperacionais em nível excessivamente elevado foi o fator preponderante para aocorrência dos déficits primários. Para Rückert, Borsatto e Rabelo (2000), osdéficits primários, nos anos 80, estão associados à queda da receita tributária,devido às elevadas taxas de inflação, e ao aumento da despesa. Nos anos 90,a trajetória dos déficits primários manteve-se, basicamente porque as despesascom pessoal e as transferências constitucionais cresceram mais do que a re-ceita tributária. Para Santos e Calazans (1999), os seguintes fatores contribuí-ram para os desequilíbrios fiscais do RS entre 1970 e 1998: a queda das recei-tas inflacionárias e a elevação das taxas de juro reais no período posterior a1994 e o aumento do gasto público real, em especial com pessoal, ao longo detodo o período em análise. Ao investigarem igual período, Calazans, Brunet eMarques Jr. (2000) apontam os mesmos fatores como determinantes dos cons-tantes déficits primários no RS. Da discussão de Meneghetti Neto (2004) sobreos impactos econômicos dos incentivos fiscais, depreende-se que as renúnciasfiscais praticadas por sucessivos governos gaúchos também contribuíram parao quadro de déficits primários crônicos.

O trabalho de Hillbrecht e Veloso (2001) destaca-se dos anteriormente co-mentados, porque analisa empiricamente algumas hipóteses sobre osdeterminantes da despesa per capita e da receita per capita do Estado do RioGrande do Sul, utilizando um modelo auto-regressivo para o período 1970-98.

7 Em Poterba e Hagen (1999), tem-se uma coletânea de trabalhos que testam as mais variadashipóteses sobre os determinantes de déficits públicos para países. Em geral, esses estudosaplicam uma abordagem de painel de dados para testar as hipóteses. Para uma análise daAmérica Latina, ver Borsani (2003).

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

Os autores consideram as seguintes variáveis como determinantes da despesaper capita e da receita per capita no caso gaúcho: a inflação brasileira, medidaatravés do Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Funda-ção Getúlio Vargas (FGV); o Produto Interno Bruto per capita do RS; o númerode órgãos da Administração Direta do Estado; o número de partidos políticosque formam o Governo; ano eleitoral; e a divisão do Governo, ou seja, o caso emque o partido que governa não detém o controle da Assembléia Legislativa.

Após essa breve discussão, na seção seguinte, apresenta-se a análiseempírica, onde são testadas algumas hipóteses sobre os determinantes dosdéficits primários no caso do Rio Grande do Sul.

3.2 Os determinantes políticos e econômicos do déficit primário: uma primeira abordagem

Tendo como referência Roubini e Sachs (1989), consideram-se dois mode-los que levam em conta os seguintes fatores determinantes do déficit primário:

(1)e

(2)

onde se têm a relação déficit primário/PIB, Ät; a relação déficit primário/PIB

defasada, Ät-1

; a taxa de crescimento do PIB real, nt; a aceleração da taxa de

inflação, Äðt; a variável política, POLt; a relação despesa de pessoal e encargos/

/PIB, GPt; o sistema partidário em vigor, S

t; e, por último, v

t e e

t são os termos

dos erros.A variável que mede o grau de coesão do governo (POL) é construída de

três maneiras diferentes. Na primeira construção, POL1, assume o valor zero,quando o mesmo partido detém a maioria no governo e na Assembléia Legislativa;assume valor igual a um, quando um partido ou uma coalizão detém o controledo governo, mas não é maioria na Assembléia Legislativa do Estado. Na segun-da construção, POL2, tem o valor igual a zero, quando o mesmo partido controlao Executivo e detém a Presidência do Legislativo; assume o valor um, quandoum partido controla o Executivo, mas um partido diferente preside o Legislativo.Na última construção, POL3, assume os seguintes valores: zero, quando o mes-mo partido detém maioria no governo e na Assembléia Legislativa; um, quandose trata de um governo de coalizão formado por dois a três partidos; dois, quan-

tttttt vPOLaanaaa ++∆++∆+=∆ − 432110 π

tttttt eSaaGPaaa ++∆++∆+=∆ − 432110 π

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do o governo de coalizão é constituído por quatro ou mais partidos; e três,quando o partido do governador é minoria na Assembléia.8

Da primeira regressão, espera-se: (a) que o déficit primário seja uma fun-ção positiva do déficit primário defasado e entre zero e um, 0 < a

1 < 1, admitindo-

-se que o ajustamento do déficit primário seja lento; (b) que o déficit primárioseja uma função negativa da taxa de crescimento do PIB real, a

2 < 0; (c) que a

aceleração na taxa de inflação eleve o déficit primário, a3 > 0; (d) e, sendo a

variável política POLt um índice que mede o grau de coesão do Governo Estadu-

al, espera-se que seja diferente de zero e que afete positivamente o déficitprimário, a

4 > 0.9

Da segunda regressão, espera-se: que (a) que o déficit primário seja umafunção positiva do déficit primário defasado e entre zero e um, 0 < a

1 < 1; (b) que

o déficit primário seja uma função positiva dos gastos com pessoal, a2 > 0; (c)

que a aceleração na taxa de inflação eleve o déficit primário, a3 > 0; (d) que a

variável sistema partidário, St, afete positivamente o déficit primário, a

4 > 0. Este

último fator é uma variável dummy, assumindo valor igual a zero durante avigência do sistema bipartidário (1970-78) e valor igual a um ao longo do siste-ma multipartidário (1979-03).

A Tabela 1 apresenta os resultados das estimações das regressões (1) e(2). Na coluna 1 da Tabela 1, todos os coeficientes têm o sinal correto, porémapenas o coeficiente do déficit primário defasado é significativamente diferentede zero. Nas colunas 2 e 3, novamente apenas o coeficiente do déficit primáriodefasado é significativo. Note-se que o sinal do coeficiente da variável políticanão é o esperado. Nas colunas 4, 5 e 6, têm-se o termo de interação entre avariável política e a taxa de crescimento econômico; na coluna 4, apenas ocoeficiente do déficit primário defasado é significativo; na coluna 5, o coeficien-te da taxa de crescimento do PIB real é significativo a 10% e apresenta o sinalcorreto; os demais coeficientes não são significativos, com exceção do déficitprimário defasado.

Na coluna 6, embora o sinal do coeficiente do termo de interação não sejao esperado, a variável política é significativa (ao nível de significância de 10%),quando interagindo com a variável dummy, POL3D. Os coeficientes significati-vos e com os sinais esperados são os referentes às variáveis déficit primáriodefasado e taxa de crescimento do PIB real. Por último, na coluna 7, apenas ocoeficiente do déficit primário defasado é significativo a 10%; os demais nãosão significativamente diferentes de zero. As estatísticas F das sete regres-

8 Os dados referentes a essas variáveis encontram-se na Tabela A.3.9 Sobre os dados, ver Tabelas A.1, A.2 e A.3.

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

sões da Tabela 1 rejeitam a hipótese nula de que todos os coeficientes sãoiguais a zero a 5% e a 10% de nível de significância.

Os resultados obtidos corroboram as hipóteses de que o déficit primáriocorrente é determinado pelo déficit do período anterior e pela taxa de crescimen-to do PIB real — essa variável é importante somente quando se leva em contao termo de interação. As demais variáveis mostraram-se não relevantes na de-terminação do déficit primário.

3.3 Os determinantes políticos e econômicos do déficit primário: uma segunda abordagem

Retomando-se o modelo básico de Kontopoulos e Perotti (1999), conside-ra-se o seguinte modelo econométrico:10

(3)

onde Ät é a relação déficit primário/PIB; Ä

t-1 é a relação déficit primário/PIB

defasada; COAt é o número total de partidos na coalizão; NS

t é o número total de

secretarias de estado, excetuando-se a Secretaria da Fazenda; nt é a taxa de

crescimento do PIB real; COAt*n

t e NS

t*n

t representam a interação entre os dois

índices com a taxa de crescimento do PIB; Äðt é a aceleração da taxa de

inflação; e vt é o erro.

Como anteriormente, espera-se que o déficit primário corrente seja umafunção positiva do déficit primário defasado, ou seja, que o coeficiente sejapositivo e entre zero e um, 0 < a

1 < 1.

Quanto ao coeficiente da variável coalizão, espera-se que seja maior ouigual a zero, quando a variável dependente é o déficit primário, a2 > 0. Istoporque, do lado das despesas, quanto maior a coalizão, maiores serão as des-pesas; já do lado das receitas, pode-se ter tanto a manutenção como a diminui-ção da arrecadação de impostos. Espera-se que o coeficiente do termo deinteração entre a variável política, COA, e a taxa de crescimento, n, seja maiorou igual a zero, a

4 > 0.

Espera-se que o coeficiente da variável política NS também afete positiva-mente o déficit primário, pois, quanto maior for a fragmentação dentro do Gover-

ttttttttttt vananNSanCOAaNSaCOAaaa +∆++++++∆+=∆ − π765432110 **

10 Na comparação com o modelo original, utiliza-se aqui a variável de política fiscal em nível enão a sua variação.

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no, maiores devem ser as despesas, portanto, a3 > 0. No que tange ao coeficien-

te do termo de interação entre o número de secretarias e a taxa de crescimentodo PIB, NS*n, espera-se que seja negativo, a

5 < 0. Em relação aos coeficientes

das variáveis econômicas, espera-se que a6 < 0 e a

7 > 0.

A Tabela 2 apresenta os resultados das estimações. As colunas 1 e 2 têmcomo variável dependente o déficit primário;11 nota-se que apenas a variávelexplicativa, déficit primário defasado, é significativa, apresentando sinal e mag-nitude esperados. Nas colunas 1 e 2, o sinal do coeficiente da variável coalizãoé o esperado, o que não ocorre com o coeficiente da variável número de secre-tarias. Na coluna 1, os coeficientes dos termos de interação não são significati-vos. Os sinais dos coeficientes das variáveis econômicas são os esperados,porém são não significativos. Note-se que, na coluna 2, se excluíram os termosde interação, apesar disso, apenas o coeficiente da variável explicativa déficitprimário defasado manteve-se significativo. A estatística F da coluna 1 nãorejeita a hipótese nula de que todos os coeficientes são iguais a zero a 1%, a5% e a 10% de nível de significância. A estatística F da coluna 2 rejeita ahipótese nula de que todos os coeficientes são iguais a zero a 5% e a 10% denível de significância.

Considerando-se os resultados apresentados na Tabela 2, o déficit primáriodefasado é um importante e significativo determinante do déficit primário. Entre-tanto os fatores políticos, institucionais e econômicos não se mostraram signi-ficativos nas estimações do modelo básico.

3.4 Déficit primário, variáveis políticas e instituições orçamentárias

Stein, Talvi e Grisanti (1999) discutem os arranjos institucionais e aperformance da política fiscal de 26 países da América Latina e do Caribe. À luzdessa análise, propõe-se o seguinte modelo econométrico:

(4)tttttt vIOaPGAaNEPaaa ++++∆+=∆ − 432110

11 Para as duas regressões da Tabela 2, o teste de White indicou presença deheteroscedasticidade nos resíduos, aos níveis de significância de 5% e 10%. Diante desseproblema, os valores t foram estimados considerando-se a matriz de White(heteroskedasticity consistent covariance matrix). Assim, utilizaram-se os erros-padrãorobustos.

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

12 Na Tabela A.3, têm-se os dados referentes à variável instituições orçamentárias. Por faltade espaço, não se apresenta a fundamentação teórica do referido índice, a qual pode serencontrada em Marques Jr. (2005).

onde Ät é a relação déficit primário/PIB; Ä

t-1 é a relação déficit primário/PIB

defasada; NEPt é o número efetivo de partidos; PGA

t é o percentual de deputa-

dos governistas na Assembléia Legislativa do Estado; IOt representa as institui-

ções orçamentárias; e vt é o erro.

Espera-se que os coeficientes das variáveis déficit primário defasado enúmero efetivo de partidos sejam positivos, a

1 e a

2 > 0. O número efetivo

de partidos é um índice definido como onde vi é a proporção de repre-

sentantes do partido i na Assembléia Legislativa do Estado. Assim, quanto maioré o número de partidos com representantes na Assembléia, maior é o númeroefetivo de partidos. Admite-se que uma maior fragmentação política esteja as-sociada a um maior déficit primário.

Espera-se, além disso, que a variável política, PGA, percentual de deputa-dos estaduais governistas na Assembléia, esteja negativamente relacionada aodéficit primário, a

3 < 0.

A variável instituições orçamentárias, IO, constitui-se num indicador quebusca captar o impacto das instituições orçamentárias sobre os resultados fis-cais. Segundo Alesina et al. (1996), trata-se de um índice que visa refletir todasas etapas do processo orçamentário (elaboração, aprovação e execução). Se-gundo ele, instituições orçamentárias mais hierarquizadas e transparentes refle-tem-se num valor de IO maior do que o das instituições mais colegiadas e nãotransparentes — quanto maior o valor de IO, menor é o déficit primário. Portanto,em relação ao coeficiente a

4, espera-se um sinal negativo.12

Na Tabela 3, têm-se, então, os resultados da estimação. Os sinais doscoeficientes da coluna 1 estão de acordo com o esperado, porém apenas oscoeficientes das variáveis déficit primário defasado e instituições orçamentá-rias são significativos a 10% de nível de significância. A estatística F da Tabela3 rejeita a hipótese nula de que todos os coeficientes são iguais a zero a 5% ea 10% de nível de significância.

Em suma, mais uma vez o déficit primário defasado mostrou-se um impor-tante e significativo determinante do déficit primário. Outro determinante impor-tante e significativo são as instituições orçamentárias que estão negativamenterelacionadas com o déficit primário. A medida de fragmentação política, o núme-ro efetivo de partidos, mostrou-se uma variável irrelevante na determinação dodéficit primário, o mesmo ocorrendo com o percentual de deputados governistasna Assembléia.

∑=

2

1

ivNEP

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3.5 Déficit primário, variáveis econômicas e políticas e as instituições orçamentárias

Alesina et al. (1996) demonstram que instituições orçamentárias transpa-rentes e “hierárquicas” estão associadas a uma maior disciplina fiscal na Amé-rica Latina, ao longo das décadas de 80 e 90. O modelo básico considerado aquié o seguinte:

(5)

onde DIT denota ditadura; AP é a relação entre número de aposentados e apopulação total do Estado em termos percentuais; e v é o erro. As demais va-riáveis são conhecidas.

Definiu-se ditadura como os anos nos quais não se teve eleição paragovernador. Trata-se de uma variável dummy, assumindo valor igual a um de1970 a 1981 e igual a zero nos demais anos. Espera-se que o déficit primárioesteja negativamente relacionado com a ditadura, pois, na ausência de elei-ções, o governador está menos sujeito às demandas de grupos de interesse. Onúmero de aposentados é a soma de pensionistas e inativos. Evidentemente,

tttttttt vAPaaIOanaDITaaa ++∆++++∆+=∆ − 65432110 π

Tabela 3 Regressão estimada do modelo (4)

VARIÁVEIS

EXPLICATIVAS VARIÁVEL DEPENDENTE ∆t

∆t-1 ………………………………………. 0,40 (1)(1,96) NEP ………………………………………. 0,15 (1)(0,94)

PGA ……………………………………… -0,005 (1)(0,19)

IO …………………………………………. -0,06 (1)(2,02)

Estatística F ……………………………. 3,96

R2 ajustado ……………………………... 0,27

FONTE: Tabelas A.1, A.3 e A.4. NOTA: Incluiu-se uma constante em cada uma das regressões. (1) Valor absoluto da estatística t.

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

espera-se que o sinal do coeficiente dessa variável seja positivo. Os sinais dosdemais coeficientes são conhecidos.

A Tabela 4 contém os resultados das estimações. Na coluna 1, tem-se omodelo básico completo, e, na coluna 2, excluíram-se as variáveis instituiçõesorçamentárias e ditadura. Nas colunas 1 e 2, os sinais dos coeficientes são osesperados. No entanto, a estatística F da primeira regressão, coluna 1, é signi-ficativa a 10%, ao passo que a estatística F da segunda regressão, coluna 2, ésignificativa somente a um nível de significância maior do que 10%.

Na coluna 1, apenas o coeficiente da variável instituições orçamentárias ésignificativo a 10% de nível de significância, ao passo que, na coluna 2, somen-te o coeficiente da variável déficit primário defasado é significativo.

Em resumo, as instituições orçamentárias importam na determinação dodéficit primário. Todavia as variáveis econômicas, com exceção do déficit primá-rio defasado, não se mostraram relevantes como determinantes do déficit pri-mário nessas duas últimas regressões estimadas.

Tabela 4 Regressões estimadas do modelo (5)

VARIÁVEIS DEPENDENTES ∆t VARIÁVEIS EXPLICATIVAS 1 2

∆t-1 ....................................... 0,38 0,50

(1)(1,69) (1)(2,24)

DIT ..................................... -0,06 -

(1)(0,11)

n ............................................ -0,03 -0,04

(1)(0,64) (1)(0,96)

IO ........................................ -0,06 -

(1)(1,79)

∆πt ....................................... 0,0003 0,0003

(1)(0,94) (1)(0,92)

AP ....................................... 1,01 0,13

(1)(1,03) (1)(0,21)

Estatística F ...................... 2,10 2,15

R2 ajustado ........................ 0,19 0,14

FONTE: Tabelas A.1, A.3 e A.4. NOTA: Incluiu-se uma constante em cada uma das regressões. (1) Valores absolutos das estatísticas t.

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13 Para uma análise do processo orçamentário no Estado do Rio Grande do Sul e para umadiscussão sobre o orçamento participativo, ver Marques Jr., Porto Junior e Florissi (2004).

14 Moraes Jr. (2003) apresenta uma descrição mais detalhada do processo de execução doorçamento.

4 Considerações finais

Em termos resumidos, os resultados obtidos dão conta do seguinte: a taxade crescimento do PIB real e as instituições orçamentárias reduzem o déficitprimário. Portanto, quanto mais a economia gaúcha crescer e quanto mais hie-rárquicas e transparentes forem as instituições orçamentárias, menores serãoas chances de ocorrência de déficits primários no caso do Rio Grande do Sul.

Contudo levanta-se a seguinte questão: como se explicam, então, os con-tínuos déficits primários entre 1970 e 2003? Ora, o coeficiente da variávelexplicativa déficit primário defasado é positivo e significativo em todas as re-gressões estimadas. Isso significa que o déficit primário tende a persistir de umano para outro.

A partir dos resultados obtidos, e na falta de uma teoria positiva sobre oproblema, os déficits primários persistem, porque as taxas de crescimento doPIB real estadual são irregulares e não são suficientemente elevadas; alémdisso as instituições orçamentárias não são hierárquicas e transparentes o su-ficiente para quebrarem o regime de crônicos déficits primários. O comporta-mento do PIB gaúcho está associado, em boa medida, ao desempenho doagronegócio e do setor agrícola, que, por sua vez, depende de fatores climáti-cos. A falta de instituições orçamentárias hierárquicas está associada à ausên-cia de um Secretário da Fazenda forte na definição da política fiscal estadual. Oórgão governamental responsável pela elaboração da peça orçamentária a serencaminhada para discussão na Assembléia Legislativa é a Secretaria doPlanejamento.13 Durante o processo orçamentário, o Secretário da Fazenda limi-ta-se a projetar a receita para o exercício seguinte. Depois de aprovado o orça-mento estadual, os demais secretários passam a colocar em prática seusprojetos. A Secretaria da Fazenda tem controle sobre o que e quanto está sendogasto por secretaria, pois existe um setor dentro da própria Fazenda responsá-vel pelo acompanhamento das três fases da despesa (empenho, liquidação epagamento final).14 Todavia o Secretário da Fazenda não tem poder para deter-minar o quanto vai ser gasto; sua função limita-se a levantar recursos para fazerfrente aos compromissos.

A persistência pode ser explicada por outras razões. Do lado das despe-sas, tem-se: (a) o crescimento da folha de pagamento dos servidores públicos,

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

15 Para uma análise sobre a questão das renúncias fiscais, ver Meneghetti Neto (2004) eBordin (2003).

que se dá em razão da concessão de aumentos salariais, da contratação denovos servidores e dos planos de carreira das diferentes categorias de servido-res públicos estaduais; (b) os gastos de custeio que se elevam pari passu coma máquina pública estadual; (c) os investimentos públicos realizados; (d) asdecisões judiciais concedendo aumento de salários para os servidores públicose ganhos de causa contra o Estado; (e) a autoconcessão de aumento de salári-os por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário. Do lado da receita, entre 1970e 1985, a carga tributária estadual apresentou uma tendência de queda. Alémdisso, não podem ser esquecidos os problemas de sonegação fiscal, ineficiên-cia da máquina arrecadadora do Tesouro Estadual e as renúncias fiscais leva-das a cabo no período, visando incentivar este ou aquele setor produtivo.15

O objetivo de testar hipóteses sobre os determinantes dos déficits públicoe primário no Rio Grande do Sul foi atingido. Entretanto ressalta-se que as con-clusões dependem da abordagem escolhida, da forma como os modelos foramespecificados e de como as variáveis foram mensuradas. Assim, o estudo emquestão pode ter continuidade trabalhando-se com outras especificações demodelos econométricos, com outras variáveis e com outras abordagens. Dessemodo, pode-se chegar a um consenso sobre os principais determinantes dapolítica fiscal gaúcha.

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Apêndice

Tabela A.1

Carga tributária, relação déficit primário/PIB e relação (DT-SD)/PIB da Administração Direta do RS — 1970-03

ANOS DT-SD (1) (2) (R$)

PIB (2) (R$)

(DT- -SD)/PIB

(%) τt (3) ∆t (4)

1970 0,0005446611 0,0053127273 10,25 8,08 2,17

1971 0,0006808375 0,0072254545 9,42 8,20 1,22

1972 0,0009018695 0,0094036364 9,59 7,77 1,82

1973 0,0012945957 0,0146036364 8,86 6,82 2,04

1974 0,0017727778 0,0208254545 8,51 6,39 2,12

1975 0,0026582393 0,0291345455 9,12 6,59 2,53

1976 0,0036927415 0,0454654545 8,12 5,59 2,53

1977 0,0049066276 0,0683200000 7,18 5,90 1,28

1978 0,0075037516 0,0989090909 7,59 5,64 1,95

1979 0,0116956065 0,1600290909 7,31 5,47 1,84

1980 0,0239233054 0,3426581818 6,98 5,47 1,51

1981 0,0562233207 0,6697418182 8,39 6,02 2,37

1982 0,1277944273 1,29 9,91 6,45 3,46

1983 0,2811111822 3,41 8,24 5,46 2,78

1984 0,86 10,96 7,85 5,48 2,37

1985 3,31 38,41 8,62 5,26 3,36

1986 9,16 100,78 9,09 6,93 2,16

1987 24,18 316,51 7,64 5,68 1,96

1988 163,26 2.461,90 6,63 5,00 1,63

1989 3.042,89 37.598,05 8,09 5,91 2,18

(continua)

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

Tabela A.1

Carga tributária, relação déficit primário/PIB e relação (DT-SD)/PIB da Administração Direta do RS — 1970-03

ANOS DT-SD (1) (2)

(R$) PIB (2)

(R$)

(DT- -SD)/PIB

(%) τt (3) ∆t (4)

1990 100 462,75 939 363,36 10,69 7,36 3,33

1991 404 276,14 4 666 959,96 8,66 6,72 1,94

1992 5 250 591,13 54 964 960,96 9,55 6,19 3,36

1993 104 164 099,26 1 260 808 219,27 8,26 5,74 2,52

1994 2 747 296 328,00 31 129 234 456,59 8,83 6,92 1,91

1995 4 854 297 768,00 53 652 946 827,60 9,05 6,77 2,28

1996 6 550 116 607,00 63 262 677 226,56 10,35 6,63 3,72

1997 7 409 530 180,00 69 221 313 934,13 10,70 6,12 4,58

1998 7 532 508 400,00 70 541 889 405,25 10,68 6,40 4,28

1999 7 344 518 854,00 75 450 458 225,36 9,73 6,55 3,18

2000 8 552 980 901,00 85 137 542 554,42 10,05 7,00 3,05

2001 10 024 607 431,00 97 310 194 511,19 10,30 7,34 2,96

2002 10 138 142 476,00 109 742 129 653,58 9,24 7,12 2,12

2003 10 489 471 474,00 130 744 187 478,34 8,02 7,51 0,51

FONTES DOS DADOS BRUTOS: BALANÇO GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO FONTES DOS DADOS BRUTOS: SUL. Porto Alegre: Secretaria da Fazenda, 1970-2003. FONTES DOS DADOS BRUTOS: FEE.

(1) DT é a despesa total, e SD é o serviço da dívida.(2) Reais a preços correntes. (3) τt é a

carga tributária. (4) ∆t é o déficit primário/PIB, onde ∆t=[(DT-SD)/PIB]-τt;

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Tabela A.2 Variáveis econômicas no RS — 1970-03

ANOS nt (1) πt

(2) bt (3) ∆(rt-nt)bt-1

(4) GPt

(5) gt (6)

1970 - 19,27 6,18 - 3,35 10,25 1971 10,54 19,48 5,06 -65,08 3,52 9,42 1972 8,05 15,73 4,55 12,70 3,05 9,59 1973 13,86 15,53 4,20 -26,44 2,69 8,86 1974 10,24 34,56 4,39 14,66 2,64 8,51 1975 6,22 29,33 4,91 17,82 3,01 9,12 1976 9,11 46,27 5,85 -14,58 2,86 8,12 1977 4,03 38,79 5,34 30,01 2,57 7,18 1978 3,55 40,81 5,84 2,51 2,78 7,59 1979 4,15 77,24 6,66 -4,38 2,90 7,31 1980 11,86 110,23 5,13 -51,95 2,72 6,98 1981 -1,82 95,2 6,99 70,38 3,10 8,39 1982 -0,11 99,73 9,94 -11,95 3,56 9,91 1983 -0,77 211,02 11,87 4,77 3,20 8,24 1984 4,86 223,81 14,32 -67,30 4,18 7,82 1985 4,70 235,13 15,65 2,86 4,09 8,64 1986 1,38 65,04 10,59 57,12 5,81 9,09 1987 4,08 415,95 17,40 -33,78 4,67 7,64 1988 -1,25 1.037,53 20,99 90,48 4,05 6,63 1989 3,36 1.782,85 26,30 -97,60 4,49 8,09 1990 -6,64 1.476,71 16,67 263,53 5,93 10,69 1991 -2,20 480,23 19,11 -72,18 5,05 8,66

(continua)

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

Tabela A.2 Variáveis econômicas no RS — 1970-03

ANOS nt (1) πt

(2) bt (3) ∆(rt-nt)bt-1

(4) GPt

(5) gt

(6)

1992 8,30 1.157,84 24,37 -202,57 5,52 9,55 1993 10,78 2.708,17 29,98 -61,41 4,86 8,26 1994 5,19 1.093,85 15,31 169,09 5,18 8,83 1995 -5,01 14,77 15,05 168,41 5,78 9,05 1996 0,47 9,33 16,54 -81,72 6,14 10,35 1997 6,06 7,48 19,56 -92,29 5,68 10,70 1998 -0,53 1,71 21,01 129,68 6,14 10,68 1999 3,00 19,99 23,28 -77,32 6,04 9,73 2000 4,44 9,80 23,82 -31,32 5,82 10,05 2001 3,10 10,40 24,32 31,92 5,55 10,30 2002 1,76 26,41 25,94 29,67 5,72 9,24 2003 4,28 7,66 23,16 -62,00 4,80 8,02

FONTES DOS DADOS BRUTOS: FEE. FGV. BALANÇO GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Porto Alegre: Secretaria da Fazenda, 1970-2003. (1) nt é a taxa de crescimento do PIB real do Rio Grande do Sul. (2) πt é a taxa de

inflação medida pelo IGP-DI (FGV). (3) bt é a relação dívida pública total/PIB.

(4) ∆(rt-nt)bt-1 é a variação na diferença entre a taxa de juros real e a taxa de crescimento do PIB multiplicada pela relação dívida/PIB defasada; a taxa de juros nominal, it, foi calculada considerando-se a relação juros/dívida pública total; a

taxa de juros real é dada por [(1+it)/(1+πt)]-1. (5) GPt é a relação gastos com

pessoal/PIB. (6) gt é a relação (despesa total-serviço da dívida)/PIB.

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( 4)

1970

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- 1

35

1 -

0 12

-

1971

0

0 0

0 0

0 0

35

1 10

,54

0 12

12

6,48

1972

0

0 0

0 0

0 0

35

1 8,

05

0 13

10

4,65

1973

0

0 0

0 0

0 0

35

1 13

,86

0 13

18

0,18

1974

0

0 0

0 0

0 1

35

1 10

,24

0 13

13

3,12

1975

1

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35

1 6,

22

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1976

1

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0 0

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35

1 9,

11

0 13

11

8,43

1977

1

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(continua)

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Os determinantes da política fiscal no Estado do Rio Grande do Sul — 1970-03

Tabela A.4

Demais variáveis para o RS — 1970-03

ANOS PGA NEP DIT AP (%)

1990 49,10 5,2 0 0,64 1991 25,46 5,2 0 0,63 1992 25,46 5,2 0 0,65 1993 25,46 5,2 0 0,84 1994 25,46 6,1 0 0,89 1995 21,82 6,1 0 0,92 1996 21,82 6,1 0 0,96 1997 21,82 6,1 0 0,98 1998 21,82 5,8 0 1,02 1999 23,64 5,8 0 1,07 2000 23,64 5,8 0 1,08 2001 23,64 5,8 0 1,08 2002 23,64 6,6 0 1,08 2003 21,81 6,6 0 1,10

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* Este artigo foi elaborado, tendo por base o Capítulo 4 da Tese de Doutorado da autora,intitulada O Processo de Aprendizagem em Arranjos Produtivos Locais: O Caso doArranjo de Máquinas e Implementos Agrícolas do Rio Grande do Sul, defendidajunto ao Instituto de Economia da UFRJ, em março de 2006.

Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]*

O arranjo de máquinas e implementosagrícolas do Rio Grande do Sul: infra-

-estrutura produtiva, educacional einstitucional*

Ana Lúcia Tatsch** Doutora em Economia, Professora e Pesquisadora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Pesquisadora associada à RedeSist do Instituto de Economia da UFRJ

ResumoEste artigo tem como objetivo principal caracterizar o arranjo de máquinas eimplementos agrícolas localizado na região noroeste do RS, através da descriçãodos atores nele presentes, bem como do entendimento de seus papéis e dasformas de articulação entre eles. Analisa-se, assim, a densidade das estruturasprodutiva, educacional e institucional locais. Utilizam-se informações de fontessecundárias e, principalmente, evidências empíricas advindas de pesquisa decampo. O artigo organiza-se em quatro seções: na primeira, é feita umacaracterização geral desse arranjo; na segunda, apresentam-se as característicasdas empresas do principal segmento produtivo do arranjo; na terceira seção,discute-se o papel dos agentes pertencentes à infra-estrutura institucional doarranjo; e, na quarta e última seção, sintetizam-se as principais conclusões.

Palavras-chaveAglomerações produtivas; arranjo de máquinas agrícolas; máquinasagrícolas no Rio Grande do Sul.

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AbstractThe aim of this paper is to examine the patterns of interaction between agents ofthe agricultural machinery and implements Local Productive Arrangement in RioGrande do Sul. At the core of that Local Productive Arrangement, one findsmanufacturers of agricultural equipment and suppliers of machinery components.The Arrangement has a fairly heterogeneous structure, since it comprehendsfirms of various sizes, firms of national and foreign capital, and manufacturers ofa diverse range of products, with varying levels of technological sophistication,some oriented towards the regional market, some to the national market, andstill others to the international market. The manufacturing complex also comprisesa number of other organizations, devoted to education, training, and research,and representations of class interests. One also finds various financial institutions.

Key wordsLocal productive arrangements; agricultural machinery arrangement;agricultural machinery in Rio Grande do Sul.

Classificação JEL: R11, L62.

Este artigo tem como objetivo principal caracterizar o arranjo1 de máquinase implementos agrícolas localizado na região noroeste do Rio Grande do Sul,através da descrição dos atores nele presentes, bem como do entendimento deseus papéis e das formas de articulação entre eles. Dessa forma, pretende-seanalisar a densidade das estruturas produtiva, educacional e institucional locais.Para tanto, utilizam-se informações de fontes secundárias e, principalmente,evidências empíricas e conhecimentos advindos de pesquisa de campo. Talpesquisa foi realizada junto às empresas do principal segmento produtivo daaglomeração e envolveu diversos indivíduos vinculados a diferentes organizações

1 Os sistemas produtivos e inovativos locais podem ser definidos como “[...] conjuntos deagentes econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, desenvolvendoatividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção,interação, cooperação e aprendizagem” (RedeSist, 2005, p.1). Já os arranjos produtivoslocais não são considerados sistemas, em razão de a articulação entre os agentes ser aindaausente ou incipiente.

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O arranjo de máquinas e implementos agrícolas do Rio Grande do Sul:...

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pertencentes ao arranjo, fornecendo, assim, subsídios para que se possa melhorcompreender a dinâmica desse arranjo de máquinas e implementos agrícolas.

O artigo está organizado em quatro seções: na primeira, procura-se fazeruma caracterização geral do arranjo de máquinas e implementos agrícolas doRio Grande do Sul; na segunda, com base na investigação direta, sãoapresentadas as características das empresas do principal segmento produtivodo arranjo; na terceira seção, discute-se o papel dos agentes pertencentes àinfra-estrutura institucional do arranjo; e, na quarta e última seção, sintetizam-seas principais conclusões.

1 Características gerais do arranjo de máqui- nas e implementos agrícolas do Rio Grande do Sul

Esse arranjo concentra a quase-totalidade das empresas da indústria demáquinas e implementos agrícolas do Rio Grande do Sul, e, nele, estãolocalizadas as plantas das duas maiores empresas de maquinário agrícola doEstado: a AGCO e a John Deere. No entanto, não reúne territorialmente todos osdiferentes segmentos que integram a sua cadeia produtiva, pois, embora seencontre lá grande parte dos fabricantes de maquinário e equipamentos agrícolasgaúchos, bem como uma série de fabricantes de peças e componentes, muitosfornecedores de insumos e equipamentos, como se verá adiante, estão situadosem outras regiões do Estado, do Brasil e até fora do País. Essa grandeconcentração da indústria de máquinas e implementos agrícolas no Rio Grandedo Sul, em especial na região noroeste do Estado, deve-se às questões históricasrelativas ao início do plantio agrícola e ao processo de mecanização, assimcomo à posição estratégica em relação ao Mercosul. Vê-se, em anos recentes,uma expansão das grandes fronteiras agrícolas para a Região Centro-Oestee, em parte, para as Regiões Norte e Nordeste do Brasil, porém a indústria demaquinário agrícola continua bastante concentrada em sua região de origem, oque está, sem dúvida, atrelado às especificidades e às externalidadesrelacionadas a essa aglomeração.

Como a própria denominação já indica, esse arranjo tem sua produçãovoltada particularmente para a fabricação de máquinas e implementos agrícolas,abarcando um conjunto de empresas de tamanhos diversos. Compreende, assim,uma estrutura heterogênea, da qual fazem parte empresas de grande porte, decapital estrangeiro, produtoras de maquinário automotriz, voltadas para os

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mercados nacional e internacional, mas também empresas de grande e médioportes, de capital nacional, que fabricam implementos agrícolas de traçãomecânica tanto para o mercado doméstico quanto para o externo. Há, ainda,empresas de menor tamanho, de capital nacional, produtoras de equipamentosde menor complexidade, voltados para o mercado nacional, mas principalmentepara o regional.

No arranjo, também estão presentes várias empresas produtoras de peçase de componentes para as firmas fabricantes de equipamento agrícola de usofinal. Tais empresas fabricam uma gama diversa de produtos, com níveistecnológicos diferentes e escalas de produção distintas. Em geral, elas são depequeno e médio portes, com capital nacional e gestão familiar. Normalmente,estabelecem relações de subcontratação com aquelas produtoras de maquinárioautomotriz. Ocorre também de uma mesma empresa fabricar componentes parauma montadora de maquinário automotriz e, ao mesmo tempo, ofertar outrosequipamentos agrícolas de uso final com sua própria marca. Contudo há umaparcela dessas empresas que confecciona peças, componentes e sistemasnão exclusivamente para o segmento de equipamentos agrícolas, mas paradiversos outros mercados, como o automobilístico.

Há também uma oferta de serviços diversos. Dentre esses, podem-se citaraqueles que são etapas do processo produtivo, como fundição e usinagem, eque são, normalmente, terceirizados, porém há também outros, como manutençãoe assistência técnica. Existem empresas que prestam serviços de contabilidadee de informática às demais firmas, bem como as que oferecem serviços desegurança, alimentação e limpeza. Contudo existe um elenco significativo defirmas fornecedoras de matérias-primas e insumos, e até mesmo de peças,assim como de equipamentos de fabricação (máquinas-ferramentas) que seencontram fora dessa estrutura produtiva regional, instalados em outras regiõesou fora do País.

Logo, considera-se que a densidade desse arranjo, no que diz respeito àconcentração territorial dos diferentes segmentos que compõem essa cadeiaprodutiva de maquinário agrícola, é de natureza intermediária ou baixa. No entanto,o grau dessa densidade pode variar em virtude do porte da empresa emconsideração e pelas várias características decorrentes do tipo de produtoofertado. Isto é, as pequenas firmas, por exemplo, conseguem mais facilmentesuprir suas demandas de componentes localmente, diferentemente das grandesempresas produtoras de maquinário automotriz, que, em razão da complexidadede seus produtos e dos padrões tecnológicos que seguem, necessitam buscarfornecedores especializados em diversos lugares fora do arranjo. Assim, oselos dessa estrutura produtiva podem ser, em algumas situações, mais locaise, em outras circunstâncias, nem tanto.

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Também por ser diverso o alcance da produção das empresas do arranjo,ou seja, por atuarem em nichos de mercado com requisitos de complexidadetecnológica diferentes, as estruturas de governança implícitas a cada segmentode mercado não são idênticas e possuem especificidades. No caso das grandesempresas produtoras de maquinário automotriz, suas matrizes, já que possuemcapital estrangeiro, influenciam suas trajetórias de desenvolvimento, bem comosua capacitação produtiva e inovativa. As grandes e as médias empresasnacionais, ao buscarem inserir-se em mercados internacionais, procuram tercomo parâmetro as empresas líderes de mercado. Já as pequenas vêem, tantonessas empresas nacionais quanto nas multinacionais, exemplos a seremseguidos e imitados.

Dito isso, vale ainda comentar alguns aspectos atinentes às peculiaridadesde cada região dentro do arranjo. No entorno de Santa Rosa, observa-se apredominância de firmas menores, que, na maioria dos casos, fabricam peças ecomponentes para as montadoras de maquinário agrícola de maior porte ecomplexidade. Essas empresas fabricantes de peças e componentes, na maiorparte das vezes, são subcontratadas daquelas fabricantes de maquinárioautomotriz (tratores e colheitadeiras). Entretanto algumas delas produzem, alémdessas peças, implementos agrícolas mais simples. Nessa região, localizam--se, ainda, importantes empresas de maior porte, como a AGCO, em SantaRosa, e a John Deere, em Horizontina, que produzem máquinas automotrizes, etambém a Fankhauser, em Tuparendi. Tanto a AGCO quanto a John Deere sãograndes responsáveis pela demanda de produtos das demais firmas de menorporte que se situam ao redor delas. Percebe-se que, de maneira geral, existemrelações de subcontratação de natureza estável, que, na maioria das vezes,envolvem relações de cooperação e de aprendizado. Verifica-se, portanto, queessas duas grandes empresas influenciam a trajetória de desenvolvimento e decapacitação produtiva e até inovativa de outras empresas do arranjo.

Já nos municípios próximos a Passo Fundo, sobretudo em Não-Me-Toquee Carazinho, prevalecem empresas que fabricam maquinário e implementosagrícolas propriamente. Dentre elas, podem-se citar a Semeato e a Metasa emPasso Fundo, a Stara, a Jan, a Grazmec e a Stahar em Não-Me-Toque e a Maxe a Gihal em Carazinho. Vale comentar que há todo um empenho das organizaçõesde Não-Me-Toque, seja das próprias empresas, seja da Cooperativa TritícolaMista Alto Jacuí (Cotrijal), da prefeitura e das demais associações, no sentidode o município ser reconhecido pela qualidade em implementos, o que levou àconcentração de esforços para a criação de uma grande feira nesse município,a Expodireto.

No entorno de Ijuí, vê-se uma menor especialização em equipamentosagrícolas, embora lá esteja uma tradicional empresa gaúcha, a Imasa. Em Ibirubá,

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estão a Vence Tudo e a Fortaleza. Já em Panambi, há uma forte concentraçãode firmas do ramo metal-mecânico, porém muitas empresas fabricamcomponentes e sistemas para vários setores, especialmente para oautomobilístico e também, em alguns casos, para a indústria de equipamentosagrícolas, como é o caso da Fockink e da Bruning e de outras de menor porte.Ao não direcionarem toda a sua produção ao segmento de maquinário agrícola,essas empresas procuram diversificar produtos e clientes ao atenderem outrosmercados, não ficando à mercê das oscilações inerentes à demanda dosprodutores agrícolas. Em Panambi, está também a Kepler e Weber, grandeempresa produtora de silos para armazenagem de grãos.

Ainda com relação às características dos municípios do arranjo, cabedestacar que há diferença entre as localidades de Santa Rosa e de Horizontina,pois o pólo de Santa Rosa possui um maior número de empresas e uma maiorespecialização no ramo metal-mecânico voltado para o segmento agrícola, ondea maioria dessas pequenas firmas é subcontratada da AGCO. Isso se deve, emgrande parte, ao fato de que essa empresa, ainda quando se denominava Maxion,passou por um forte processo de desverticalização e, portanto, de terceirizaçãode partes de seu processo produtivo, incentivando muitos de seus funcionáriosa criarem suas próprias empresas, na maioria das vezes, com equipamentosem comodato. Logo, muitos dos donos das empresas da localidade sãoex-funcionários da antiga Ideal/Maxion ou da própria AGCO.

Quando do início desse processo de terceirização, ainda na época daMaxion, houve uma forte crise no setor, e, devido à retração nas compras destaúltima, várias pequenas empresas tiveram que encerrar seus negócios, ou quase.No momento em que o grupo norte-americano assumiu a empresa e esta setornou AGCO, houve uma maior exigência em termos de qualificação e/oucertificação dos produtos a ela fornecidos, fazendo, novamente, com quesomente aqueles mais eficientes sobrevivessem e permanecessem no mercado.Tais exigências ocorreram não só em termos de qualidade dos produtos, mastambém de complexificação dos produtos demandados, pois a grande empresamontadora passou a requerer, além de componentes isolados, sistemas decomponentes. Isso implicou uma maior integração entre a montadora e seusfornecedores, calcada em ações cooperativas de capacitação tecnológica.

Próximo à John Deere, em Horizontina, esse processo de desverticalizaçãoda empresa não ocorreu à época da SLC, mas bem mais recentemente, nãocontribuindo para o fortalecimento das empresas ao seu redor. Hoje, porém, aJohn Deere também começa a terceirizar parte da fabricação de seuscomponentes, porém, como não consegue suprir suas necessidades no próprioMunicípio de Horizontina, acaba recorrendo aos fabricantes de Santa Rosa, quese encontram melhor estruturados e a vêem como um relevante cliente em

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potencial. Do ponto de vista desses fabricantes, diversificar seus compradoresé importante para diminuir a sua dependência da AGCO.

Além desse conjunto de empresas, o arranjo é também formado por umasérie de outras organizações. Dentre elas, podem-se citar aquelas voltadas paraeducação, treinamento, pesquisa — universidades, escolas técnicas e centrosde pesquisa — e de representação de interesses específicos — associações,cooperativas de agricultores e sindicatos.

Procura-se, a seguir, elencar os demais atores locais presentes no arranjo.Observa-se a presença de uma significativa infra-estrutura educacional, quecompreende um conjunto de diferentes agentes, dentre os quais, pode-semencionar uma série de estabelecimentos de ensino fundamental e de ensinomédio. Além desses, há também várias escolas técnicas. Merecem ainda especialdestaque, como organizações voltadas ao treinamento e à formação técnica demão-de-obra, tanto o Colégio Evangélico, em Panambi, quanto o Serviço Nacionalde Aprendizagem Industrial (Senai), vinculado à Federação das Indústrias doEstado do Rio Grande do Sul (FIERGS), que oferece ensino profissional emvários centros educacionais, em muitos municípios do arranjo. O ColégioEvangélico desenvolve, também, atividades de pesquisa em parceria comempresas. O Senai, além de contar com diversas escolas próprias, ministravários de seus cursos dentro das empresas. São muitas as universidades e asfaculdades presentes no arranjo. Destacam-se, por tradição e porte, tanto aUniversidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí)quanto a Universidade de Passo Fundo (UPF), ambas com mais de um campusou núcleo universitário. Como centros de pesquisa, pode-se mencionar a EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério daAgricultura e do Abastecimento, que possui a Embrapa Trigo em Passo Fundo.Há também a Fundação Centro de Experimentação e Pesquisa Fecotrigo(Fundacep) em Cruz Alta. De forma geral, embora haja esse conjunto deorganizações com recursos humanos e materiais não desprezíveis, a interaçãoentre as empresas produtoras de máquinas e implementos agrícolas e essesatores ligados à infra-estrutura educacional e tecnológica do arranjo é limitada.Percebe-se que tais ligações abarcam principalmente atividades de formação ecapacitação de recursos humanos e relativamente poucas atividades conjuntasde pesquisa.

No que tange à infra-estrutura institucional, cabe citar, primeiramente, asassociações comerciais e industriais (ACIs), em particular a de Panambi, que éuma das associações mais atuantes no arranjo, fazendo, ainda, parte dessainfra-estrutura institucional o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicase de Materiais Elétricos de Santa Rosa (SIMMMESR) e o Sindicato das Indústriasde Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers),

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representante do segmento dos fabricantes, o qual tem sua sede localizada emPorto Alegre. Além desses, há ainda o Serviço de Apoio às Micro e PequenasEmpresas do Rio Grande do Sul (Sebrae), também com sede em Porto Alegre,que busca estar presente junto às empresas do arranjo, desenvolvendo váriasações de capacitação de firmas locais. Várias são também as cooperativaspresentes no arranjo. Elas têm grande vinculação com os produtores rurais,embora a Cotrijal busque estabelecer relações com os fabricantes deequipamentos agrícolas. É também a Cotrijal a entidade organizadora daExpodireto, importante feira criada em 2000, que hoje é considerada a quartamaior feira desse gênero no País.

No arranjo, há ainda um conjunto de organizações financeiras, compostopelas agências tanto do Banco do Brasil e do Banco do Estado do Rio Grandedo Sul (Banrisul) quanto de diversos bancos privados, bem como pelo Sicredi,que é um sistema de crédito cooperativo. Somam-se também a esse elenco osbancos das próprias montadoras, isto é, as grandes empresas fabricantes demaquinário automotriz possuem, elas próprias, formas diretas de financiar acompra de equipamentos. É importante frisar o quão importante é essa estruturafinanceira, já que o acesso ao crédito é fator fundamental para incrementar egarantir a demanda por equipamentos agrícolas.

A partir desse elenco de organizações mencionadas, percebe-se que estápresente no arranjo de máquinas e implementos agrícolas uma considerávelinfra-estrutura institucional. Todavia, por si só, esta não garante uma forteinteração de suas organizações com aquelas vinculadas tanto à infra-estruturaeducacional quanto à produtiva do arranjo, nem assegura que haja efetivosesquemas de cooperação entre os seus diversos atores. No entanto, se, de umlado, não parece haver uma forte tradição enraizada de colaboração, deoutro, observam-se importantes iniciativas de determinadas organizações —dentre as quais, especialmente as do Sebrae e as da ACI, de Panambi, e daCotrijal — em promover ações com a finalidade de capacitar e integrar os atoresdo arranjo.

2 As empresas do principal segmento produ- tivo do arranjo

A investigação direta junto às empresas contou com uma amostra depesquisa que compreende 21 firmas produtoras de máquinas e implementosagrícolas, localizadas nos seguintes municípios do Rio Grande do Sul: Carazinho,

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Horizontina, Ibirubá, Ijuí, Marau, Não-Me-Toque, Panambi, Passo Fundo, SantaRosa e Tuparendi.2

Com relação ao porte das empresas investigadas, do total de 21, nove sãoconsideradas pequenas, seis são médias, e seis são grandes.3 No que tange aoperíodo de fundação dessas firmas, de acordo com o Quadro 1, verifica-se que,das seis grandes empresas analisadas, cinco nasceram antes dos anos 80 eapenas uma nos 90, mais precisamente em 1997. Entre estas, estão algumasdas firmas mais antigas do arranjo, pois uma foi fundada ao final da década de40 (mas teve seu controle acionário integralmente transferido em 1999), outrafoi criada na década de 50 (mas foi comprada em 1996), e várias foram fundadasna década de 60. Todas as seis empresas de tamanho médio surgiram atémeados dos anos 80. A mais antiga nasceu na década de 20, outras três tiveramsua origem nos anos 60, uma foi fundada no final da década de 70, e outranasceu no início dos anos 80. Já as de porte pequeno tiveram o início de suasoperações de forma mais dispersa no tempo, pois foram criadas ao longo dosanos 80 e 90. Em síntese, verifica-se que o arranjo é formado, em geral, porempresas que atuam há muito tempo no mercado. As médias e as grandes sãoas mais antigas, e as pequenas são mais recentes, o que se explica pela maiortaxa de mortalidade das firmas desse porte.

Do total das empresas pesquisadas, 18 têm capital absolutamente nacional,em duas, o capital controlador é estrangeiro e, em uma, é tanto nacional quantoestrangeiro (Quadro 2). Em todos os casos em que há participação de capitalestrangeiro, este é originário dos Estados Unidos. Vale ainda destacar que todasas pequenas empresas são nacionais. Quinze empresas são independentes, eseis fazem parte de um grupo. Dessas seis, apenas uma é controladora, asrestantes são controladas. Vale ressaltar que essa controladora (de tamanhogrande) é de capital nacional, assim como duas das controladas (uma de portegrande e outra de tamanho médio), ao passo que, na situação de outras trêscontroladas (uma média e duas grandes empresas), o seu capital tem origemtotal ou parcial no estrangeiro.

2 Vale frisar que todas as principais empresas do segmento produtor de máquinas e implementosagrícolas do arranjo em análise pertencem à amostra da pesquisa. Assim, uma vez que estãopresentes na amostra as empresas mais importantes e também as líderes no setor deatividade, que, por sua vez, influenciam o padrão das estratégias produtivas e competitivasdesse segmento industrial, acredita-se que os resultados obtidos possuem certo poder degeneralização.

3 Essa classificação por porte segue a proposta do Sebrae, que estabelece as seguintesfaixas: as pequenas empresas possuem entre 22 e 99 funcionários; as médias têm entre100 e 499 empregados; e as grandes empresas possuem mais de 500 funcionários.

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Quadro 1

Período de fundação e número de empresas investigadas, por tamanho da firma, na região noroeste do RS, em períodos selecionados

EMPRESAS

DISCRIMINAÇÃO Pequenas Médias Grandes

TOTAL

Ano de fundação Até 1980 0 5 5 10 1981-85 2 1 0 3 1986-90 2 0 0 2 1991-95 4 0 0 4 1996-00 1 0 1 2 TOTAL 9 6 6 21

FONTE: Pesquisa de campo.

Quadro 2

Origem do capital controlador da firma, por tamanho de empresa, na região noroeste do RS

EMPRESAS DISCRIMINAÇÃO

Pequenas Médias Grandes TOTAL

Origem do capital Nacional 9 5 4 18 Estrangeiro (EUA) 0 1 1 2 Nacional e estrangeiro (EUA) 0 0 1 1 Subtotal 9 6 6 21 Sua empresa é Independente 9 4 2 15 Parte do grupo 0 2 4 6 Subtotal 9 6 6 21 Relação com o grupo Controlada (1) 0 2 3 5 Controladora (2) 0 0 1 1 Subtotal 0 2 4 6

FONTE: Pesquisa de campo. (1) Controlada é aquela na qual a controladora exerce poder. (2) Controladora é aquela que exerce, direta ou indiretamente, o poder (exercido nas três últimas assembléias ordinárias) de eleger a maioria dos administradores e prepondera nas deliberações sociais.

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Os produtos fabricados pelas firmas abrangem desde tratores ecolheitadeiras até um elenco diversificado e heterogêneo de equipamentos, sendoque, do total das empresas entrevistadas, nove têm suas principais linhas deprodutos calcadas em plantadeiras e/ou semeadeiras e/ou pulverizadores. Destas,duas são grandes, cinco são médias, e duas são pequenas. Outras duas grandesempresas produzem, basicamente, tratores e/ou colheitadeiras, e o restantefabrica outros tipos de equipamentos, peças e componentes. Desse gruporestante, fazem parte duas empresas grandes, uma média e sete pequenas.

Vale destacar que a busca pela diversificação não é exclusividade de umporte de empresa em particular. Todas elas visam a economias de escopo, sejaatravés de diferentes modelos de um mesmo produto, seja através da ampliaçãoda gama de produtos oferecidos.

Com relação aos insumos e às matérias-primas utilizados pelas empresasdo arranjo, esses provêem, em sua maior parte, do mercado nacional. As chapasde aço, bem como os laminados planos e não planos, são fornecidasespecialmente pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo, mas também por MinasGerais. As tintas são compradas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e emSão Paulo. Os pneus são todos provenientes de São Paulo. Tanto os componentesplásticos quanto os de borracha vêm do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.Há também insumos importados, como alguns componentes para máquinas,especialmente os elétrico-eletrônicos, como, por exemplo, os sistemas derastreamento de área ou de distribuição de sementes e os motores. De todomodo, o próprio Estado do Rio Grande do Sul aparece como importante local decompra de insumos e de matérias-primas para as empresas pesquisadas, emboramuitos dos principais fornecedores gaúchos não estejam localizados nosmunicípios do arranjo, com exceção daqueles que fornecem, por exemplo, oscomponentes plásticos, como os tanques. Agora, cabe ressaltar que se encontrano arranjo uma série de firmas do ramo metal-mecânica, as quais produzemfundidos, peças, componentes e sistemas para as empresas que fabricammáquinas agrícolas. Os equipamentos utilizados no processo produtivo advêmtanto do mercado nacional — sobretudo de outros estados que não o Rio Grandedo Sul, especialmente de São Paulo — quanto do exterior. A partir dessasinformações, percebe-se que há, nesse arranjo de máquinas e implementosagrícolas, um vazio em termos de densidade das relações locais, razão de osdiferentes segmentos que compõem essa cadeia produtiva não estaremconcentrados territorialmente no entorno geográfico do arranjo.

Quanto ao destino das vendas das empresas pesquisadas, este pode ser:os municípios pertencentes ao arranjo em análise, as demais regiões do RioGrande do Sul, outros estados do Brasil e, ainda, o exterior. Observa-se, deforma geral, conforme pode ser visto na Tabela 1, que houve um significativo

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incremento das vendas das empresas investigadas para os municípios da região,de 1990 para 1995, caindo um pouco em 2000, quando atingiu uma certaestabilidade. Já as vendas para o restante do Rio Grande do Sul, que, em 1990,chegaram a 43,9% das vendas totais, decresceram para 22,5% em 1995. Apartir daí, o percentual das vendas para esse destino manteve-se quase estável.

Tabela 1

Destino das vendas das empresas investigadas, segundo o seu porte, na região noroeste do RS — 1990-2003

(%)

DISCRIMINAÇÃO 1990 1995 2000 2002 2003

Pequenas empresas Municípios da região ............ 16,7 61,7 55,0 53,3 45,4 Estado .................................. 48,3 16,7 17,5 15,7 20,6 Brasil .................................... 35,0 21,7 26,7 29,5 31,5 Exportação ........................... 0,0 0,0 0,8 1,6 2,5 Subtotal ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Médias empresas Municípios da região ............ 5,3 4,7 4,5 5,5 7,0 Estado .................................. 47,3 45,7 52,5 47,8 35,2 Brasil .................................... 38,7 44,7 39,8 43,1 47,8 Exportação ........................... 8,7 5,0 3,3 3,6 10,0 Subtotal ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Grandes empresas Municípios da região ............ 5,0 10,0 10,0 9,3 8,2 Estado .................................. 20,0 11,2 10,4 11,2 13,6 Brasil .................................... 75,0 68,1 71,9 66,3 61,1 Exportação ........................... 0,0 10,7 7,7 13,2 17,2 Subtotal ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Empresas em geral Municípios da região ............ 10,1 34,5 29,1 28,4 25,3 Estado .................................. 43,9 22,5 26,6 24,5 23,2 Brasil .................................... 42,3 39,0 41,1 42,2 43,3 Exportação ........................... 3,7 3,9 3,2 4,9 8,2 Subtotal ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE: Pesquisa de campo.

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As vendas para outros estados do Brasil mantiveram um comportamentosemelhante ao longo dos anos pesquisados, girando em torno de 40%. As vendaspara o exterior têm como mercados principais, em particular, a América do Sule a América Central, onde se destacam Paraguai, Argentina, México, Bolívia,Venezuela e, ainda, Uruguai, Chile, Peru, Colômbia, e Panamá. Dentre os paíseseuropeus consumidores, foram elencados: Espanha, Portugal, França, Itália,Áustria e Alemanha. A Ásia — e, nesta, a Indonésia — e a África do Sul foramtambém citadas. Os percentuais das vendas com destino ao exterior foram3,7%, 3,9%, 3,2%, 4,9% e 8,2%, respectivamente, para 1990, 1995, 2000, 2002e 2003.

No entanto, o mais interessante a observar é o destino das vendas segundoo tamanho das empresas, o qual permite que se estabeleça um padrão porporte. Ou seja, constata-se, ainda a partir da Tabela 1, que, para as firmas depequeno porte, têm mais significância os municípios da região enquanto mercadofinal — embora as demais regiões do Rio Grande do Sul e os demais estados doBrasil também absorvam sua produção — do que o exterior. O nicho local aparececom destaque tanto em razão da dificuldade que as pequenas empresasenfrentam de colocação de seus produtos em outros mercados — seja porquestões de logística, seja devido às especificidades do produto — quanto emfunção de que, muitas vezes, elas produzem partes de equipamentos paraempresas próximas. Para as médias empresas, os destinos mais relevantes desuas vendas são outros municípios do Rio Grande do Sul, que não ospertencentes ao arranjo, e outros estados do Brasil, ambos com percentuaisbastante semelhantes. No caso das grandes firmas, são os outros estados doBrasil que lideram o destino de suas vendas, com grande margem de diferença,mas o exterior aparece também como um importante nicho de mercado,especialmente em anos recentes, quando sua participação se elevou. Assim,em síntese, quanto maior o tamanho da empresa, mais possibilidade ela tem deconquistar mercados distantes. Logo, pode-se dizer que, quanto maior o porteda empresa, perde expressão o mercado local enquanto principal consumidor.

Com relação aos principais canais de comercialização adotados pelasempresas, percebe-se que 16 delas atribuíram a máxima importância à vendade seus produtos através de concessionárias (cinco pequenas, cinco médias etodas as seis grandes empresas). Dessas 16, duas grandes empresas valem--se de concessionárias com sua própria bandeira. As outras 14 vendem atravésde concessionárias de outras bandeiras ou de lojas de equipamentos eimplementos agrícolas. Logo, de modo geral, as concessionárias são o principalcanal de comercialização das empresas da amostra. Nove empresas tambématribuem alta importância à venda sob encomenda. No entanto, dessas nove,somente duas vendem seus produtos exclusivamente sob encomenda,

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principalmente a outras empresas do ramo, uma vez que fabricam, sobretudo,peças e componentes para colheitadeiras. Das quatro empresas que marcaramalta importância para a opção outras formas de comercialização, duasmencionaram a venda direta ao produtor em feiras ou exposições, uma comentouque também se vale de representantes terceirizados, e uma empresa destacaque utiliza representantes comerciais exclusivos para a sua linha de produtos.Uma das firmas da amostra disse que, na cidade onde se localiza, possui umaloja própria, à qual ela também atribui alta importância. Considerando o tamanhodas firmas, conclui-se que, tanto para as grandes quanto para as médias, oprincipal canal de comercialização são as concessionárias, de bandeira própriaou não, ao passo que, para as pequenas, embora as concessionárias sejamtambém importantes, a venda sob encomenda ganha maior destaque.

3 O papel dos agentes pertencentes à infra- -estrutura institucional do arranjo

Quando da pesquisa de campo, avaliou-se a contribuição de sindicatos,associações e cooperativas locais, a partir da visão das empresas e de outrosentrevistados vinculados àquelas organizações. De modo geral, observa-se, emespecial para as grandes firmas, que as empresas não percebem essas entidadeslocais como agentes atuantes na promoção do arranjo. Os entrevistados daspequenas e das grandes empresas dão algum destaque para as ações dessasentidades relativas à organização de eventos técnicos e comerciais; e osrespondentes das médias empresas, para a disponibilização de informaçõessobre matérias-primas, equipamentos, assistência técnica, consultorias, dentreoutras, e para a identificação de fontes e de formas de financiamento. Comoexemplo de evento comercial, vários lembraram o esforço de coordenação daCootrijal para a organização da Expodireto.

O Simers foi também lembrado em algumas grandes empresas enquantodisponibilizador de informações, criador de fóruns de discussão, inclusive paraa apresentação de reivindicações comuns do setor. No entanto, para algunsrepresentantes das empresas pesquisadas, a distância física do Simers, já queeste está localizado longe do arranjo (sua sede é em Porto Alegre), é vista comoum dificultador para sua maior interação com as firmas, especialmente comaquelas de menor tamanho. Isto porque, geralmente, são os representantes dasfirmas de grande porte que possuem assento na diretoria do sindicato ou mantêmalgum tipo de interlocução com a mesma.

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Um entrevistado comentou que as instituições locais podem auxiliar poucoa sua grande empresa, pois há uma “distância abismal entre o gigantismo daempresa e o tamanho do local”. Em face desse comentário e a partir dasevidências empíricas, pode-se dizer que essa infra-estrutura institucionalconsegue ser mais atuante junto às empresas de menor porte, pois suas ações,especialmente as relativas à capacitação e à articulação de agentes, têm ummaior impacto para essas empresas, que, muitas vezes, carecem de informaçõese de iniciativas próprias.

Além das firmas, quando da pesquisa de campo, também foramentrevistados representantes de cooperativas da região. A partir dessasentrevistas, percebeu-se que essas pessoas têm bom conhecimento dofuncionamento do setor, mas não há um intercâmbio sistemático entre suasinstituições e os fabricantes de equipamentos, ainda que, muitas vezes, seustécnicos vão a campo e discutem com os usuários possíveis alternativas demelhorias no maquinário. Foi dito que há encontros regulares com agricultorespara ouvir os produtores, mas que, em muitos casos, são eles próprios querealizam adequações em seus equipamentos, para atender às suasespecificidades. Assim, nesses casos, tais modificações, na maioria das vezes,nem são repassadas aos fabricantes. Isso é, em parte, explicado pelo fato deque, segundo o depoimento do vice-presidente e de um conselheiro de umadessas cooperativas, as empresas produtoras de maquinário agrícola estão maisvoltadas para as demandas da Região Centro-Oeste do País, o que pode prejudicaros agricultores e os usuários gaúchos, que possuem peculiaridades próprias daregião, a qual se caracteriza, na maioria dos casos, por propriedades de menordimensão do que as do cerrado. Outro entrevistado, um agrônomo que realizaassessoria técnica e faz parte do programa de extensão rural de uma dascooperativas visitadas, ressaltou que, em contrapartida, são realizadas reuniõesentre técnicos da cooperativa e pesquisadores da Embrapa, justamente paraque os primeiros repassem informações que possam subsidiar o trabalho dosinvestigadores do centro de pesquisa agropecuária. Além disso, observou-seque as cooperativas do arranjo não conseguem ainda ter uma atuação maisativa e organizada, como ocorre em outros países, na coordenação do processode compra e distribuição de equipamentos para seus associados. Isto é, ascooperativas, por representarem, na maioria dos casos, agricultores de pequenase de médias propriedades rurais, poderiam auxiliá-los através de contratos decompra junto aos fabricantes de equipamentos, desempenhando um papel centralno processo de distribuição e de assistência técnica.

Um representante da Associação Comercial e Industrial de Panambi foitambém entrevistado. Segundo ele, em contrapartida ao ponto de vista dasempresas, há um grande esforço dos agentes locais em promover a competitivi-

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dade das firmas do arranjo. Nessa direção, ele citou o empenho dessa associação,em conjunto com outros agentes (prefeituras, ACI de Condor, Colégio Evangélico,Unijuí, Senai, Sebrae), em promover que ele intitulou de arranjo produtivometal-mecânico pós-colheita, através de uma série de projetos relativos àqualificação de mão-de-obra, à criação de um centro de inovação tecnológica ede empreendedorismo, ao estabelecimento de uma central de compras, àmobilização para participar em feiras, dentre outros. Esse entrevistado frisouque houve um movimento por parte de várias organizações, sob a liderança daACI, de procurar o Sebrae para auxiliar a estruturação do arranjo e aportar recursospara viabilizar as iniciativas. A preocupação em qualificar a mão-de-obra tambémlevou ao estabelecimento de um fórum de discussão, onde as empresas puderamdar sugestões aos estabelecimentos de ensino para melhor adequarem seuscurrículos e os conteúdos tratados às suas necessidades. Já a criação de umacentral de compras teve como principal objetivo auxiliar as empresas na comprade matérias-primas e insumos, uma vez que disponibiliza informações sobrepossíveis fornecedores, preços de produtos e, até mesmo, procura incentivar acompra conjunta, de modo a facilitar as negociações via escala. Além disso,houve também uma mobilização tanto para as empresas participarem em feirasquanto para visitá-las, com o intuito de observar tendências nacionais einternacionais.

Segundo representantes do próprio Sebrae, sua atual política de atuaçãovem sendo calcada na abordagem de arranjos produtivos locais. Assim, no RioGrande do Sul, além desse arranjo produtivo local metal-mecânico pós-colheitacomentado (que envolve os Municípios de Panambi, Condor e Ijuí), o Sebrae,juntamente com outras organizações, também apóia o arranjo metal-mecâ-nico pré-colheita (do qual participam os Municípios de Passo Fundo, Marau,Não-Me-Toque, Carazinho e Ibirubá) e o arranjo produtivo de implementos agrícolas(Santa Rosa e Horizontina), dentre outros localizados em outras regiões do Estado.A atuação do Sebrae objetiva, a partir de um trabalho de articulação e mobilizaçãode parcerias locais, viabilizar projetos de capacitação e qualificação das pequenase médias empresas.

Assim, se, de um lado, há, segundo alguns entrevistados, grande interessee mobilização para fomentar e favorecer o progresso do arranjo, de outro, issonão está sendo percebido de forma nítida pelo conjunto das organizações.Portanto, ainda que haja esforços das associações para promover a capacitaçãodos atores locais e a competitividade do arranjo, o papel dessas organizaçõeslocais na coordenação de iniciativas conjuntas não é percebido de formasignificativa pelas empresas. Também a existência dessa infra-estruturainstitucional não garante que ocorram ações de cooperação entre os atores,

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embora possa contribuir para isso. Logo, de modo geral, ainda parece restrito opapel dessa infra-estrutura institucional.

4 Conclusões

Como se viu, o arranjo de máquinas e implementos agrícolas localizado naregião noroeste do Rio Grande do Sul congrega um conjunto de distintasorganizações. Nesse sentido, observa-se a presença de uma significativa infra--estrutura educacional no arranjo, bem como a existência de uma infra-estruturainstitucional e de várias empresas de diferentes portes vinculadas ao principalsegmento produtivo do arranjo.

A concentração de empresas produtoras de máquinas e implementosagrícolas nessa região ocorreu em razão de aspectos históricos e deu origem aum entorno de serviços especializados importante. Tal entorno foi justamenteressaltado quando os agentes do arranjo foram questionados com relação àsexternalidades associadas ao ambiente local. Especialmente os entrevistadosdas pequenas empresas enfatizaram a importância da proximidade e dalocalização na região, pois, em função disso, ocorrem contatos informais quepermitem o estabelecimento de relações pessoais duradouras e ocompartilhamento de experiências acumuladas, que, por sua vez, possibilitama disseminação de elementos tácitos do conhecimento acumulado entre osagentes do arranjo. Os representantes das empresas que participaram dapesquisa direta também atribuíram importância à infra-estrutura disponível, tantofísica quanto de serviços, enquanto externalidade associada ao ambiente local,mas também creditaram significância à disponibilidade de mão-de-obra, à suaqualidade e ao seu custo.

A infra-estrutura educacional do arranjo abarca um conjunto de diferentesagentes. Entre eles, há uma série de estabelecimentos de ensino fundamental emédio. Além desses, há também várias escolas técnicas. Em nível superior,muitas são as universidades e as faculdades presentes no arranjo. Como centrosde pesquisa, podem-se mencionar a Embrapa Trigo em Passo Fundo e aFundação Centro de Experimentação e Pesquisa Fecotrigo (Fundacep) em CruzAlta.

Embora haja esse conjunto de organizações com recursos humanos emateriais não desprezíveis, a interação entre as empresas produtoras demáquinas e implementos agrícolas e os atores ligados à infra-estruturaeducacional e tecnológica do arranjo é limitada. Percebe-se que tais ligaçõesabarcam principalmente atividades de formação e capacitação de recursoshumanos, e não tanto atividades conjuntas de pesquisa.

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De todo modo, percebe-se o quão importante, para a formação e a qua-lificação da mão-de-obra local, é a oferta de cursos oferecidos pelas diversasinstituições de ensino. A partir desse ambiente, saberes individuais e codificadossão conformados, mas também conhecimentos coletivos e codificados sãogerados a partir das interações que acontecem nesse contexto, sem falar, éclaro, dos conhecimentos tácitos que também emergem, mas que são difíceisde serem mensurados. Assim, ao se analisarem as evidências empíricas,percebe-se que, dessa infra-estrutura, emergem significativas externalidadespositivas ao conjunto do arranjo.

A infra-estrutura institucional, por sua vez, encerra um conjunto deorganizações diversas. Estão presentes no arranjo as associações comerciaise industriais, inúmeras cooperativas, os sindicatos, o Sebrae e um conjunto deorganizações financeiras. Ao avaliar-se a contribuição de sindicatos, associaçõese cooperativas locais a partir da visão das empresas e de outros entrevistadosvinculados a essas próprias organizações, observou-se que as empresas, emespecial as grandes, não percebem tais organizações como agentes atuantesna promoção do arranjo. Em contrapartida, várias dessas organizaçõesargumentam que desenvolvem ações voltadas para a promoção e/ouconsolidação do arranjo. Assim, se, de um lado, há grande interesse e mobilizaçãopara fomentar e favorecer o progresso do arranjo, de outro, isso não está sendopercebido de forma nítida pelo conjunto dos agentes. Portanto, ainda que hajaesforços das associações para promover a capacitação dos atores locais e acompetitividade do arranjo, o papel dessas organizações locais na coordenaçãode iniciativas conjuntas não é percebido de forma significativa pelas empresas.Também não é a existência dessa infra-estrutura institucional que garante queocorram ações de cooperação entre os atores, embora possa contribuir para tal.Logo, de modo geral, ainda parece restrito o papel dessa infra-estruturainstitucional.

Com relação à estrutura produtiva, observa-se que, no arranjo, estãopresentes tanto empresas de pequeno e médio portes quanto de grande, o que,na maioria das vezes, se vincula ao tipo de equipamento que fabricam. No quediz respeito à origem do capital, as pequenas empresas, na maioria das vezesprodutoras de implementos agrícolas, são essencialmente de capital nacional,como também a grande maioria das médias e grandes empresas, com exceçãodaquelas de maior porte, produtoras de colheitadeiras e tratores, que sãopredominantemente de capital estrangeiro. Em geral, esse conjunto de empresasatua há muito tempo no mercado. As médias e as grandes empresas são asmais antigas, já as pequenas são mais recentes, o que pode ser explicado pelamaior taxa de mortalidade das firmas desse porte.

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Seus principais mercados podem ser tanto o doméstico, seja regional, sejanacional, quanto o externo. Para as firmas de pequeno porte, mais significânciatêm os municípios da região enquanto mercado final. O nicho local aparece comdestaque tanto em razão da dificuldade que as pequenas empresas enfrentamde colocação de seus produtos em outros mercados, seja por questões delogística, seja devido às especificidades do produto, quanto em função de que,muitas vezes, essas empresas produzem partes de equipamentos para outrasque se localizam perto delas. Para as médias empresas, os destinos maisrelevantes de suas vendas são outros municípios do Rio Grande do Sul que nãoos pertencentes ao arranjo e outros estados do Brasil. E, no caso das grandesfirmas, são os outros estados do Brasil que lideram o destino de suas vendas,com grande margem de diferença, mas o exterior aparece também comoimportante nicho de mercado, especialmente em anos recentes, quando suaparticipação se elevou. Logo, quanto maior o tamanho da empresa, maispossibilidade ela tem de conquistar mercados distantes e menos expressãotem o local enquanto principal mercado consumidor.

O fator diferenciação e também a qualidade dos produtos, os quais sãopercebidos e reforçados a partir da marca que distingue os equipamentos,associados às economias de escopo são alguns dos mecanismos estratégicosdas firmas do principal segmento produtivo desse arranjo.

Apesar da existência de um conjunto grande de pequenas empresas noarranjo, percebe-se que um núcleo reduzido de médias e grandes empresascom expressão nos cenários nacional e internacional exerce um papel importantena coordenação do arranjo, pois é no entorno delas que se desenvolve uma redede firmas. No entanto, se, por um lado, as grandes empresas de capital estrangeiromantêm relações de poder com a sua rede de subcontratados, por outro, oconjunto de médias e grandes empresas de capital nacional tem tambémimportante papel no arranjo. Em outras palavras, embora certa assimetria possaestar relacionada à influência das subsidiárias de grandes empresasmultinacionais, vários produtores locais exercem poder sobre a organizaçãodas atividades produtivas em nível local e têm também inserção no mercadoexterno.

Enfim, o arranjo de máquinas agrícolas deve ser considerado como umaaglomeração produtiva que surge a partir de processos marcados por contextosculturais e históricos determinados, que o conformam e reforçam a importânciaque adquirem as externalidades associadas à infra-estrutura produtiva, àscaracterísticas dos recursos humanos e à infra-estrutura física do local.

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Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS*

Sérgio Roberto Kapron** Mestre em Economia pelo PPGE-PUCRS

Carlos Nelson dos Reis*** Doutor em Economia e Professor Titular Permanente do PPGE-PUCRS

ResumoO crescimento e a concentração capitalista têm a empresa como lócus da acu-mulação e o território como espaço das relações produtivas, dos arranjos depoder constituído e onde se assentam potenciais endógenos de desenvolvi-mento. Este “paper” apresenta a concepção da política pública de promoção dossistemas locais de produção (SLPs) do RS (1999-02) e realiza uma investiga-ção empírica sobre a evolução recente (1994-04) do crescimento e da concen-tração da produção entre estabelecimentos no Sistema Local de Produção deMáquinas e Implementos Agrícolas do RS. Conclui pelo maior dinamismo decrescimento do sistema local, quando comparado com o setor equivalente nãoorganizado em sistema, e identifica uma alta concentração da produção, comtendência de elevação.

Palavras-chaveCrescimento; concentração; Sistema Local de Produção.

** E-mail: [email protected]*** E-mail: [email protected]

* Este paper é um extrato da Dissertação de Mestrado Crescimento e Concentração daProdução na Perspectiva do Desenvolvimento Endógeno: Uma Análise do Siste-ma Local de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS, defendida por Sérgio Kapronno PPGE-PUCRS, em fevereiro de 2006.

Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

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AbstractThe phenomena of growth and concentration in a capitalist economy have bothin the business firm and in their territorial expansion the locus of accumulation,productive relations and arrangements of power. This is precisely the environmentin which their endogenous opportunities of development will emerge. In thiscontext, this paper discusses the role of the design of public policy, in order tofoster these development opportunities oriented to the Local Production Systemsof the Brazilian State of Rio Grande do Sul, during the period 1999-2002. Itsempirical focus relies on the period 1994-2004, dealing with the industrialconcentration of the Agricultural Machinery Tools industry. As a conclusion, thepaper found that this particular Local Production System shows higher dynamism,as compared to equivalent sectors that are not organized along these lines. Italso identifies high and growing trend to increase concentration.

Key wordsGrowth; concentration;†local production system.

Classificação JEL: R, R0, R00, R1, R10, R11.

Introdução

A reestruturação da base produtiva da economia capitalista, a partir doimpacto da microeletrônica, das novas tecnologias de informação e comunica-ção e dos novos processos de gestão, aliada ao processo de mundialização docapital, formou uma base material, que ampliou as possibilidades e a importân-cia das economias externas (às empresas), possibilitando um novo papel para oterritório, como agente potencializador do desenvolvimento local e regional. Se,por essência, as empresas se constituem no locus de acumulação do capital, oterritório é o locus da organização e da interação dos fatores e das relações deprodução, que resultam na acumulação materializada no âmbito da empresa. Éno território que se estabelecem as relações econômicas, sociais, políticas eculturais que conformam a institucionalidade da produção, que, por sua vez, éconstituída e coordenada a partir da correlação de poder estabelecida entre oscapitais e destes com os interesses sociais. A própria alteração de estratégias

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das, até então, grandes empresas fordistas, de não mais internalizar todos osprocessos, remete a novos desafios econômicos para o território. É o arranjoinstitucional da mesoeconomia, que assume nova dimensão a partir dareestruturação produtiva. Mais externalidades e interações sistêmicas locaispodem ampliar as possibilidades de pequenas e médias empresas (PMEs) usu-fruírem e reforçarem o potencial endógeno de desenvolvimento local.1

As estratégias endógenas não advogam autarquia frente a economias ecapitais internacionais, tampouco identificam mera aversão a empresas de grandeporte. O protagonismo das externalidades não contradita as vantagens internasacumuladas no âmbito das empresas e tampouco elimina a importância dasmesmas. Porém as vantagens internas são um privilégio das empresas que setornaram grandes, em especial dos oligopólios mundializados e ligados ao capi-tal financeiro.2 Pois é justamente nas vantagens locais, endógenas ao território,que reside o potencial estratégico de desenvolvimento dos sistemasterritorializados, sobretudo por estarem ao alcance das pequenas e médiasempresas locais. Tais vantagens não são estáticas e podem ser aprimoradas,especialmente se contarem com políticas públicas de estímulo à cooperaçãoentre agentes, à geração e à difusão de externalidades e, sobretudo, de capaci-dade inovativa. As externalidades e a coordenação sistêmica tendem a reforçaras capacidades produtivas das empresas que operam no território. Mesmo as-sim, as vantagens de escala e de escopo, a capacidade de organização, decoordenação e as demais vantagens acumuladas no âmbito interno a cadaempresa são essenciais para a sobrevivência destas, como também para oaumento da eficiência do próprio sistema, na medida em que transbordam parao território.3

Uma problematização pertinente a esse universo teórico reside na relaçãoentre PMEs e grandes empresas quanto às assimetrias estabelecidas entreestas, principalmente quando se trata de empresas mundializadas, cujas estra-tégias são definidas a partir de e em função de interesses estabelecidasexogenamente à economia local. Tal tipo de questão enseja a investigação defatores e tendências que reforçam e/ou enfraquecem sistemas locais e o poten-cial de desenvolvimento endógeno. Nessa perspectiva, este texto apresenta os

1 Sobre reestruturação produtiva e território, ver Benko (1999); sobre externalidades, verMarshall (1982).

2 A respeito, ver o Capítulo 2 de Kapron (2006); sobre a mundialização financeira, ver Chesnais(1996).

3 A respeito, ver o Capítulo 1 de Kapron (2006), Alburquerque (1996), LLorens (1999) eVazquez Barquero (2001).

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resultados de uma pesquisa sobre o movimento de crescimento e concentraçãodo Sistema Local de Produção de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS.Dois aspectos, em particular, ensejam esta análise: a iniciativa precursora deuma política pública de fortalecimento de sistemas locais de produção (SLPs) ea ação de grandes empresas mundializadas dentro do SLP. O primeiro aspectodestaca um esforço de coordenação para o desenvolvimento local, objetivandogerar e difundir localmente fatores dinâmicos de crescimento e o fortalecimentodas PMEs. Já o segundo aspecto denota a relação do SLP com oligopóliosmundiais, cujas sedes e estratégias não são determinadas a partir dos interes-ses de desenvolvimento da comunidade local.

Um dos desafios metodológicos para a análise econômica dos arranjos edos SLPs está justamente na desagregação de indicadores para a região emque os mesmos se situam, já que a maioria dos dados agregados existentessão de âmbito estadual. A análise a seguir empreendida busca dar uma contri-buição para a (des)agregação do SLP, ao mesmo tempo em que se propõe averificar a tendência recente do crescimento e da concentração industrial doSistema de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS.

1 A política pública de fomento aos sistemas locais de produção no RS

Dentre os diferentes sistemas locais de produção implantados no Rio Grandedo Sul, a escolha pelo de Máquinas e Implementos Agrícolas deveu-se, primei-ro, ao fato de ser um daqueles identificados no âmbito da política pública depromoção dos SLPs no RS; segundo, por ser um setor que sofreu diretamenteinfluências da reestruturação produtiva, dada a entrada de grandes empresasestrangeiras, com estratégias mundializadas.

No ano de 1999, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, no âmbito desua Estratégia de Desenvolvimento Econômico (RS, 2000), iniciou o Progra-ma de Apoio aos Sistemas Locais de Produção do Estado (Castilhos, 2002). OPrograma4 compreendia o apoio ao desenvolvimento tanto dos SLPs constituí-dos como daqueles ainda em constituição, que, específicamente, se aproxima-vam de arranjos produtivos5. Foram apontadas cinco aglomerações para serem

4 Na seqüência, nas referências ao Programa de Apoio aos Sistemas Locais de Produção, esteserá denominado Programa.

5 Adota-se o conceito em que um “sistema” é mais completo do que um “arranjo”; ver Paiva(2002).

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apoiadas na constituição como SLPs: autopeças da região da Serra; conservase doces coloniais da microrregião sul; complexo coureiro-calçadista das regiõesdo Vale dos Sinos e Paranhana; moveleira da região da Serra; e máquinas agrí-colas da região noroeste (Castilhos, 2002). Destas, compreendia-se que somen-te a coureiro-calçadista era a que mais se aproximava de um sistema localconstituído. As demais eram arranjos produtivos em distintos estágios,

Entre os fundamentos desse programa, foram considerados pelo menostrês fatores:

[…] [a] a competitividade sistêmica dos SLPs os torna particularmenteabertos à participação de MPME [6] e a formas democráticas eautogestionárias de organização da produção, com impactos positivossobre a distribuição da renda e o emprego [...] [b] porque o desenvolvimentode um SLP gera estímulos contínuos à sua própria complexificação ediversificação [...] [que] induz todo um conjunto de demandas sobre insumosos mais diversos, que funcionam como atrativos de empresas desegmentos técnico-produtivos absolutamente distintos do núcleo original[...] e [c] porque os SLPs — ao estimularem a emergência de todo umconjunto de instituições públicas e privadas de pesquisa e extensãoempresarial — se tornam loci privilegiados de geração endógena e dedifusão de inovações em produto e processo. Vale dizer: os SLPs contribuempara a estruturalização do processo inovativo e, como tal, para asustentação, no médio e no longo prazo, da conquista de novos mercadosinternos e externos (RS, 2000, p. 24-25).

As justificativas do Programa demonstram compromissos públicos,objetivos de desenvolvimento e compreensões teóricas acerca do mesmo. Aoabrir espaços às MPME e a formas democráticas de organização da produção,revela compromissos com determinados segmentos econômicos e sociais, bemcomo com formas de gestão descentralizadas e abertas à participação.7

Subjacente está a compreensão de que o apoio aos SLPs se traduz em fomentoàs MPME e à democratização da produção e da renda. Tal compreensão apontao fortalecimento de um grande número de agentes locais que tendem a reinvestire que dependem de suas relações locais. Além do que, o Programa expecta quea constituição de esferas públicas de coordenação, ou mesmo, coletivas deprodução, enseje relações democratizadoras da produção econômica e, por ex-tensão, da renda gerada.

A relação do desenvolvimento do SLP com sua “complexificação e diversi-ficação” em relação ao núcleo produtivo original indica uma expectativa de

6 Micro, pequenas e médias empresas.7 O que guarda estreita relação com outros componentes da Estratégia de Desenvolvimen-

to Econômico (RS, 2000).

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adensamento de elos produtivos, com a ampliação de produtores e de subsetoresque viriam a se encadear ao SLP. Daí, pode-se compreender uma buscatanto de crescimento (produção e emprego) como de autofortalecimento do SLP,uma vez que estaria sendo reforçada sua capacidade sistêmica.

Por fim, o terceiro argumento é revelador de compreensões teóricas recen-tes na literatura econômica do desenvolvimento. A emergência de todo um con-junto de instituições públicas e privadas, que estariam a serviço das empresas,identifica uma abordagem que considera a importância das instituições de con-formações pública e privada que contribuem para o processo de produção, mes-mo não sendo unidades do capital.8 As propostas de extensão empresarial,geração endógena e difusão referem-se à produção de externalidades no ambi-ente local (território), para serem apropriadas pelas empresas ali instaladas.9 Omesmo argumento encerra, ainda, a ênfase das inovações, seja em sua gera-ção, seja em sua difusão, que, uma vez localmente estruturadas e sustentadasno tempo, conduziriam a economia local a uma ampliação na participação emmercados internos e externos. Essa visão coaduna-se, em muito, com as cor-rentes neo-schumpeterianas e da Economia da Inovação no âmbito da Econo-mia Industrial.10 Igualmente, está no centro da formulação do potencial de de-senvolvimento endógeno de arranjos e de sistemas locais de produção, assen-tado nas externalidades geradas a partir da reestruturação produtiva pós-fordista.

As aglomerações referidas foram identificadas por compreenderem crité-rios consoantes com a Estratégia de Desenvolvimento Econômico (RS, 2000)proposta.

[...] a escolha dos arranjos produtivos citados respondeu a determinadoscritérios, como o de possuir características próprias de uma aglomeraçãoprodutiva (proximidade das atividades e existência de instituições de ensinoe de P&D regionais), além do potencial demonstrado pelos mesmos deempregar um número significativo de trabalhadores, da densidadepreexistente das relações entre os atores locais e, em alguns casos, suapossibilidade de criar pólos regionais de industrialização de forma afavorecer a redistribuição regional do PIB. (Castilhos, 2002, p. 57).

Os critérios apontados relacionam-se diretamente ao grau de articulaçãodos principais setores que compõem a estrutura produtiva do RS, com a impor-tância para o nível estadual de emprego e a existência de uma definida aglome-ração dos mesmos em regiões específicas do Estado, aliados a um potencialde redistribuição espacial da produção.

8 Ver abordagens “institucionalista” e “institucionalista-schumpeteriana” em Conceição (2001)e em Hasenclever e Tigre (2002)

9 Ver a concepção e os mecanismos do desenvolvimento endógeno (Kapron, 2006).10 Ver Kupfer e Hasenclever (2002).

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Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção...

Diante do intento de transformar arranjos em sistemas locais, o Programaassentou-se em um referencial analítico que identifica, em uma rede local e/ouregional com vínculos interindustriais, especificidades que, uma vez acumula-das, tendem a distinguir o arranjo do sistema. O conceito apresentado de siste-ma local de inovação e produção (SLI/P) (Zawislak; Ruffoni; Vieira, 2002) passaa ser analisado sob a perspectiva de dois elementos: constituintes edinamizadores. Entre os primeiros, o sistema requer: (a) atmosfera industrial“específica”, propícia à cooperação — enquanto o arranjo também comportauma atmosfera “genérica” —; (b) infra-estrutura simultaneamente “institucional,pública, privada e de apoio científico e tecnológico” — enquanto o arranjo com-porta apenas uma das formas —; e (c) referência geográfica “próxima” — noarranjo, esta pode até ser distante. Já os elementos dinamizadores são: (a)interação, predominantemente direta, podendo também existir a indireta — noarranjo pode ser uma ou outra —; (b) complementaridade “comercial, produtiva etecnológica” — no arranjo podem ser alternativas —; e (c) padrão de coordena-ção “sistêmica”, através de uma central de gerenciamento — no arranjo podeser através de uma empresa-líder.11

Esse referencial contribui para compreender o “estado da arte” do Sistemade Máquinas e Implementos Agrícolas (SMIA), quando de sua inclusão no Pro-grama.12 Nesse âmbito, o mesmo teve suas características predominantes as-sim definidas: atmosfera industrial “específica”; infra-estrutura “pública”; referên-cia geográfica “relativamente próxima”; interação “direta e indireta”;complementaridade “comercial e produtiva”; e padrão de coordenação com “maiorconcentração via Câmara Setorial Regional”13 (Zawislak; Ruffoni; Vieira, 2002).

O Programa proporcionou uma articulação entre diversos agentes — em-presas, entidades de representação, universidades, centros tecnológicos, sindi-catos de trabalhadores, instituições financeiras e poder público —, que diagnos-ticaram e construíram um conjunto de ações para o fortalecimento do SLP.Foram ações de dimensões técnico-produtivas e institucionais, envolvendo de-

11 O Programa contém ações de diagnósticos com múltiplas metodologias, que resultaram nodocumento Identificação e Análise de Informações Sobre os SLPs do RS, desdo-brado em relatórios que compreenderam diagnósticos e propostas de políticas de açãopara cada um dos arranjos industriais, como o para o Arranjo de Máquinas eImplementos Agrícolas (RS, 2000a), além de outros estudos específicos.

12 Com a identificação de alguns dos atributos típicos de um sistema, as referências assimpassaram a designá-lo (e assim será designado neste texto), mesmo sem haver nenhumareferência conclusiva de que o mesmo estivesse completo, o que, pelos propósitos doPrograma, em nada o distanciaria de servir como objeto.

13 Embora apareça no diagnóstico como necessária ao setor, não foram encontradas evidên-cias de que a Câmara tenha sido plenamente constituída.

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senvolvimento tecnológico, integração logística, qualificação dos trabalhadorese outras ações no âmbito de políticas públicas. A expressão da constituição deações em comum ficou materializada no âmbito do Centro Gestor de Inovação(CGI), o qual foi resultante de uma cooperação entre poder público estadual einstituições locais, com a função de coordenar ações e promover geração edifusão de conhecimentos, capacitações e inovações no sistema (Castilhos,2002).14

2 O setor e o Sistema de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS

O SMIA do RS comporta diversos setores industriais: fabricação de tratores,de colheitadeiras, de máquinas e implementos, silos e armazenagem, peças eequipamentos para irrigação. Conforme apresentado no Relatório NITEC (RS,2000a), a fabricação de tratores e de colheitadeiras respondia por 40% dofaturamento, e o conjunto de máquinas e equipamentos, pelos outros 60%. Alocalização do SMIA estende-se ao longo do noroeste do RS, abrangendo oterritório de 104 municípios.

Dentre as empresas, destacam-se duas de maior porte, a AGCO e a JohnDeere, cujo capital é de origem externa e figuram entre os maiores fabricantesmultinacionais de tratores e colheitadeiras, sendo as únicas fabricantes dessessetores no Sistema. Ambas protagonizaram, na década de 90, processos defusão e aquisição de empresas locais, após longas joint ventures, tendo a AGCOconcluído a aquisição dos tratores e das colheitadeiras Massey-Fergusson edas colheitadeiras Ideal, em 1996, e a Jonh Deere, a aquisição da SLC, em2000 (Benetti, 2004).15 Os demais setores são constituídos basicamente porfabricantes locais de médio e pequeno portes e concentram-se nos segmentosde máquinas, silos e armazenagem, implementos e suprimentos para as indús-trias de colheitadeiras e de tratores. As informações constantes na Tabela 1referem a importância do setor na indústria de transformação gaúcha.

14 Após 2002, houve mudança de política no âmbito do Governo Estadual, havendo a desarti-culação das ações encaminhadas.

15 A AGCO possui duas unidades industriais no Estado, sendo a de colheitadeiras dentro doSMIA e a de tratores fora. Já a John Deere possui suas plantas de colheitadeiras e detratores dentro do Sistema (está em andamento a construção de uma nova unidade, quedeverá transferir a fabricação de tratores para fora do SMIA, em região próxima da metro-politana).

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Em relação ao Valor da Transformação Industrial (PIA, 1996; 2003) do RS,o setor participava, nos anos de 1996 e 2003, com 1,6% e 4,9% respectivamen-te. Já quanto ao total da indústria de tratores e máquinas agrícolas do Brasil, aparticipação foi de 24% em 1996 e de 42,6% em 2003 (Tabela 1). Ambos osindicadores revelam um significativo crescimento do setor em todo o RS. Aparticipação relativa na indústria de transformação do RS variou 204% no pe-ríodo. Na produção total do setor para todo o País, o crescimento relativo foi de78%, passando de um quarto da produção total para mais de 40%.

Tabela 1 Participação da indústria de tratores e máquinas agrícolas do RS no total nacional

e na indústria de transformação do RS — 1996 e 2003 (%)

SETORES

1996

2003

Indústria de tratores e máquinas agrícolas do Brasil .. 24,0 42,6

Indústria de transformação do RS .............................. 1,6 4,9

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — PIA. Rio de Janeiro: IBGE, 1996; 2003. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: mar. 2006.

O ano de 1994 e os que imediatamente o seguiram refletem os efeitos daabertura e da exposição comercial da indústria brasileira e do impacto dasobrevalorização cambial decorrente do Plano Real. Esses fatores implicaramuma reestruturação da indústria, que, em certos casos, ocorreu com estratégi-as defensivas que deprimiram a produção industrial, provocando fechamento deempresas e eliminação de postos de trabalho.16 Na segunda metade da décadade 90, consolidaram-se as aquisições, por duas grandes empresas norte-ameri-canas, dos últimos fabricantes de colheitadeiras e de tratores no Estado. Ambasas empresas adquirentes possuem estratégias globais de venda, o que (pode)implica(r) aumento da produção local para exportações, bem como maiorsuscetibilidade do Sistema perante estratégias exogenamente definidas. Outroevento diz respeito à operação do Programa de Modernização da Frota de TratoresAgrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), implantadopelo BNDES, que, a partir do ano 2000, aportou significativo volume de recur-

16 A indústria de transformação do RS teve crescimento negativo em 1995 e 1996, em especiala metalúrgica (-10,7% e -0,7%) e a mecânica (-40,6% e -13,8%) (Passos; Lima, 2002).

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sos para a renovação da frota de máquinas e tratores agrícolas do País. Asexportações de máquinas e implementos tiveram um período de baixa entre1999 e 2002, recuperando-se, significativamente, nos anos seguintes. Entre2003 e 2004, as exportações brasileiras cresceram 270%, atingindo US$ 498milhões. Destes, 55% saíram do RS, sendo que as duas multinacionais aquilocalizadas (dentro e fora do SMIA) figuravam entre as maiores empresas ex-portadoras do Estado.

Esses eventos indicam que a análise proposta cobrirá um período de sig-nificativas mudanças nos setores pesquisados, especialmente pelo seu vínculocom o grande capital internacional pelas reestruturações produtivas que o acom-panham.

3 Crescimento e concentração: uma verificação do movimento recente

Para a verificação sobre o comportamento do crescimento e da concentra-ção industrial no SMIA do RS, serão tomados, como primeira referência, o com-portamento e a evolução do Sistema no período 1994-04, e, como segundareferência, este será comparado com o setor de máquinas e implementos agrí-colas, situado no restante do RS.

Como definição, um sistema local exige a delimitação de seu território, quenão necessariamente coincide com a divisão política preexistente (para a qualsão, normalmente, desagregados os indicadores econômicos). Por esse motivo,para a análise que segue, serão utilizados os dados da Relação Anual de Infor-mações Sociais (RAIS, 2001), produzidos pelo Ministério do Trabalho e Empre-go (MTE), que foram agregados para o conjunto dos 104 municípios que confor-mam o SMIA e, em seguida, para o conjunto dos demais municípios do RS, deforma a se obterem dois grupos: o Sistema MIA do RS e o setor MIA dosdemais municípios do RS (que será designado como RS-SMIA ou não-Siste-ma). Os indicadores, para as duas agregações, serão analisados comparativa-mente.

Para contornar a dificuldade de desagregar (ou agregar) indicadoreseconômicos para o contorno territorial dos arranjos e sistemas locais,17 serão

17 Além de (ainda) não existirem quaisquer indicadores para o âmbito dos SLPs, praticamenteinexistem indicadores de produto, valor da produção ou, mesmo, produção física para onível de municípios, em especial desagregados para os segmentos específicos, requeri-dos para a presente análise.

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tomados os dados da RAIS (2001), que permitem uma desagregação, para oâmbito municipal, de indicadores de subsetores econômicos. Serão utilizadosos dados do número de empregos como proxy do indicador de crescimento e arelação dos empregos com o número de estabelecimentos como proxy do indi-cador de concentração industrial. Devido às características do SMIA, dos da-dos da RAIS, serão destacadas, em conjunto, duas classes (cinco dígitos) daClassificação Nacional de Atividade Econômica 1995 (CNAE 95): a 29.319 —fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura, avicultura e obten-ção de produtos animais — e a 29.327 — fabricação de tratores agrícolas. Ambassão muito aproximadas do conceito do SMIA, englobando praticamente a totali-dade dos segmentos industriais de máquinas e implementos agrícolas.18

As vantagens oferecidas pela RAIS, de identificar dados para o âmbitomunicipal e para aberturas específicas de 563 classes da CNAE, não a isentamde limitações técnicas. Embora ofereça um caráter praticamente censitário,19

cobrindo mais de 97% dos estabelecimentos existentes no País, a RAIS temcomo principais limitações a omissão de declarações, possíveis erros de preen-chimento e eventuais declarações agregadas na matriz das empresas, quandodeveriam ser prestadas por estabelecimento (RAIS, 2001). Tais problemas, maissentidos nos menores municípios, vêm sendo gradativamente minorados porações orientadoras e de facilitação para o recebimento das declarações anuais.Espera-se que tais restrições sejam pouco significativas para a presente pes-quisa, pelo fato de se utilizar um período muito recente da base de dados, sobreos quais muitas das ações corretivas já foram implantadas. Outras limitações,específicas para o escopo desta investigação, dizem respeito ao fato de que adeclaração da RAIS deve ser prestada por estabelecimento industrial individua-lizado, o que não permitirá identificar a totalidade de empregos em uma empresaque possua filial. No mesmo sentido, a base de dados refere-se tão-somenteaos empregos formais, não identificando a informalidade das relações de traba-lho.

Por fim, dos aspectos metodológicos, cabe referir que o crescimento donúmero total de empregos (proxy para o crescimento econômico do SMIA) seráobservado em números absolutos e relativos ao total do RS para a série de anosavaliada. Já o aspecto de concentração da produção será analisado a partir docálculo do índice de Gini (G), que permite uma interpretação simplificada (um

18 Por limitação de disponibilidade de dados, não serão considerados outros segmentos que,a rigor, também poderiam conformar um arranjo ou um sistema, como os setores de comér-cio e serviços ou de fabricação de outros insumos para a agricultura.

19 A declaração de informações anuais é obrigatória para todo estabelecimento empregadorexistente no País (Decreto nº 76.900/75).

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único indicador) para uma distribuição relativa entre duas variáveis (empregos eestabelecimentos). Complementarmente, será analisada a distribuição relativade empregados por porte dos empreendimentos nas faixas de micro, pequeno,médio e grande. O índice de Gini é uma medida de desigualdade, que identifica-rá a distribuição relativa do número de trabalhadores entre grupos de estabeleci-mentos, definidos por faixa de número de empregados20, a qual servirá comoproxy do tamanho dos mesmos.

Por definição, o índice de Gini varia entre zero e um, sendo que, quantomais próximo da unidade, maior será a concentração indicada.21

No período analisado, após uma rápida e expressiva queda inicial22, houveuma pequena recuperação e estabilidade, seguida de um expressivo cresci-mento, no último triênio, no número de trabalhadores do setor MIA, em todo oRS. O Gráfico 1 permite visualizar a tendência de crescimento do setor, com aevolução de cada uma das variações (trabalhadores e estabelecimentos), atra-vés do índice acumulado para a base fixa 1996 = 100.

Já o número de estabelecimentos manteve uma relativa estabilidade, excetouma modificação abrupta no ano de 1999,23 a partir de quando se observa umatendência de crescimento. O crescimento mais acentuado, tanto no número detrabalhadores como no de estabelecimentos, ocorreu a partir do ano 2000. Esseperíodo coincide com a desvalorização do câmbio brasileiro e o significativoincremento das exportações (especialmente a partir de 2003), com a operaçãodo Programa Moderfrota, do BNDES. Pode-se depreender que houve uma con-junção de fatores a estimular a demanda interna (Moderfrota) e a demanda ex-terna, sendo esta última duplamente estimulada: pela competitividade advindado câmbio e pela inserção definitiva de uma importante planta produtiva naestratégia mundializada de produção da John Deere, além da já operação deoutra empresa mundializada, a AGCO. O efeito demanda externa tornou-se sa-liente com o significativo aumento das exportações gaúchas do setor de máqui-nas e implementos agrícolas, que atingiu seu maior patamar histórico em 2004.

20 As faixas de número de empregados consideradas são: 0 a 4; 5 a 9; 10 a 19; 20 a 49; 50 a99; 100 a 249; 250 a 499; 500 a 999; e 1.000 e acima.

21 A definição do método apropriado para o cálculo do índice de Gini dessa base de dadoscontou com a contribuição do Estatístico Jeferson Daniel de Matos e do Professor Valter J.Stülp (PUCRS), que, com suas valiosas contribuições, estão isentos de qualquer aplicaçãoou interpretação inapropriadas.

22 Embora, nesta análise, não se objetive verificar causas e conseqüências das variações dosetor, pode-se imputar a expressiva queda entre 1994 e 1996 ao contexto de aberturacomercial e de sobrevalorização do real.

23 A variação desproporcional nos estabelecimentos para o ano de 1999 fica em evidência,sendo que nenhum evento específico foi encontrado para justificar tal comportamento.

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Entre o início e o fim do período, houve uma variação de 19% no total detrabalhadores. Já, se considerado o ano de 1996 (menor volume da série) comobase, o crescimento, para o fim do período, foi mais expressivo: 81%. Em qual-quer um dos períodos, o número de estabelecimentos expressa variação signi-ficativa de 65% e 72% respectivamente.

O objeto específico da presente análise, qual seja, o comportamento doSMIA em relação ao correspondente setor para o restante do RS (o não--Sistema), pode ser observado no Gráfico 2. Verifica-se um evidente contrastedo expressivo crescimento do Sistema frente ao não-Sistema. Evidencia-se,também, o maior número de trabalhadores no Sistema, em que pese esse en-globar apenas 104 municípios contra 392 fora do mesmo.

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1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Número de trabalhadores Número de estabelecimentos

Crescimento, segundo a evolução do número de trabalhadores e de estabelecimentos, do setor de máquinas e implementos

agrícolas do RS — 1994-04

Gráfico 1

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS DADOS BRUTOS: SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, 2001. FONTE DOS DADOS BRUTOS: (Nota Técnica MTE 050/2001). CD-ROM.

NOTA: Os dados têm como base 1996 = 100.

Legenda:

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Após uma queda no primeiro triênio, o SMIA apresentou um gradativo epermanente crescimento em seu número de trabalhadores, revelando um movi-mento diverso do setor para o restante do Estado. Este, após queda e oscilaçãoiniciais, apresentou uma tendência de crescimento no último período, porém emritmo inferior ao SMIA.

Quando tomado todo o período 1994-04, o SMIA cresceu 44%, enquanto oRS-SMIA caiu 17%. Quando tomado o ano de 1996 (menor valor para o SMIA)como base, o Sistema revela um crescimento de 111% até 2004, contra apenas33% para o setor não organizado em sistema.

0

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SMIA RS-SMIA

Evolução do número de trabalhadores doSMIA em relação aos do RS-SMIA — 1994-04

Gráfico 2

Legenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS DADOS BRUTO SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, FONTE DOS DADOS BRUTOS: 2001. (Nota Técnica MTE 050/2001). FONTE DOS DADOS BRUTOS: CD-ROM.

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Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção...

Dada a queda comum dos indicadores ainda na fase de ajuste e dereestruturação da indústria local, a reação seguinte é diferenciada entre o Siste-ma e o não-Sistema. A retomada do número de trabalhadores existente em 1994é lenta, o que não significa que o nível de produção tenha seguido o mesmoritmo, pois a reestruturação costuma ser acompanhada por aumento da produti-vidade, que implica menor número de trabalhadores. O crescimento mais inten-so e contínuo foi verificado a partir do ano 2000, em ambos os agrupamentos,porém com maior relevância no SMIA.

O número de estabelecimentos (em que pese não expressar, necessaria-mente, crescimento para o setor) também apresentou uma variação positivamais significativa para o Sistema. Através da Tabela 2, pode-se verificar que, aocontrário da distribuição dos trabalhadores, em número de estabelecimentos, oRS-SMIA supera o SMIA. Ela também expressa uma variação inicial com ten-dência de queda tanto no Sistema como fora deste. Após a elevação abruptapara o ano de 1999, ambos os agrupamentos apresentaram tendência de cres-cimento, sendo a do SMIA mais expressiva, tanto para a base de 1994 (100% x40%) como para a de 1996 (130% x 37%).

Tabela 2 Evolução do número de estabelecimentos industriais

no SMIA e no RS-SMIA — 1994-04

DISCRIMINAÇÂO SMIA RS-SMIA

Anos 1994 77 109 1995 70 119 1996 67 112 1997 72 112 1998 68 111 1999 100 243 2000 82 134 2001 100 139 2002 113 150 2003 129 142 2004 154 153

Variação % 2003/1994 100 40 2003/1996 130 37

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS: — RAIS. Brasília: MTE, 2001. (Nota Técnica MTE 050/2001). CD-ROM.

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1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

SMIA RS-SMIA

(%)

Legenda:

Gráfico 3

Participação do SMIA e do RS-SMIA no total de trabalhadores do setor de máquinas e implementos agrícolas do RS — 1994-04

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS D ADOS BRUTOS: SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, 2001.FONTE DOS DADOS B RUTOS: (Nota Técnica. MTE 050/2001). CD-ROM.

Com o crescimento distinto do SMIA em relação ao setor, ocorreu umaalteração na participação do mesmo no agregado estadual. O Gráfico 3 permiteidentificar que a maior participação do Sistema aumenta, ao longo do período,em detrimento do não-Sistema.

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Crescimento e concentração no Sistema Local de Produção...

O SMIA, que respondia por 59% dos empregos em 1994, após algumasoscilações com tendência de elevação, passou a responder por 72% dos em-pregos ao final do período. Enquanto, em 1994, o Sistema superava em 45% ostrabalhadores fora dele, em 2003, o volume passou a ser 153% superior.

Os dados expressos revelam não só um significativo crescimento absolu-to do SMIA como também um crescimento muito mais expressivo do que overificado no setor de máquinas e implementos agrícolas do RS não organizadoem sistema.

A distribuição relativa do número total de trabalhadores por estabelecimen-to, de acordo com o tamanho deste, medido por faixas de trabalhadores, possi-bilitou o cálculo do índice de concentração de Gini do SMIA e do RS-SMIA parao todo o período de 1994 a 2004.24 O Gráfico 4 indica, para cada ano, os índicesde concentração para o sistema local e para o não-sistema. Uma tendência deelevação foi verificada para o SLP, especialmente no início e no fim do período.Para o RS-SMIA, houve um movimento de desconcentração até o ano de 1999,e, a partir daí ocorreu nova concentração.

Os índices indicam uma alta concentração do número de trabalhadores porestabelecimento, sendo que os relativos ao Sistema se encontram ligeiramenteacima dos demais. Esta análise verifica uma variação positiva da concentração,seja no SMIA, seja no RS-SMIA, observando-se, também, a proximidade damagnitude da concentração dos dois agrupamentos.25

Adicionalmente, foram analisados os mesmos dados agrupados por portede estabelecimento. Adotou-se o critério do porte por número de trabalhado-res — micro até 19; pequeno, de 20 a 99; médio, de 50 a 499; e grande, de 500ou acima.26 Ao contrário da análise feita com o índice de Gini, esta requer umaavaliação das combinações de trabalhadores por empreendimento para cadaano.

24 Uma das vantagens da análise pelo índice de Gini é sua simplicidade em indicar apenas umnúmero para toda a combinação de dados de cada ano.

25 O comportamento atípico do ano de 1999 fica novamente evidente.26 Critério adotado pelo Sebrae para estabelecimentos industriais.

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SMIA RS-SMIA

SMIA 0,769 0,775 0,800 0,814 0,800 0,817 0,805 0,817 0,825 0,821 0,842

RS-SMIA 0,773 0,789 0,760 0,772 0,756 0,660 0,742 0,764 0,803 0,799 0,792

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

(Índice de Gini)

Evolução do índice de concentração de Gini do SMIA e do RS-SMIA — 1994-04

Gráfico 4

Legenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS DADOS BRUTOS: SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, 2001. FONTE DOS DADOS BRUTOS: (Nota Técnica. MTE 050/2001). CD-ROM.

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Quanto ao porte médio dos estabelecimentos, verifica-se uma diferençaconsiderável entre o SMIA e o não-Sistema.

Como demonstra o Gráfico 5, no Sistema há uma tendência de redução dotamanho médio dos empreendimentos, com uma modificação acentuada para oano de 1999 e uma nova variação no final da série. Já para o não-Sistema, atendência de redução é nítida até o ano de 1999, após o qual, há nova elevaçãodo porte médio, mas sempre em patamar muito inferior ao Sistema.

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SMIA RS-SMIALegenda:

Tamanho médio dos estabelecimentos, por número de trabalhadores, do SMIA em relação aos do RS-SMIA — 1994-04

Gráfico 5

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS DADOS BRUTOS: SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, 2001.FONTE DOS DADOS BRUTOS: (Nota Técnica. MTE 050/2001). CD-ROM.

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Os Gráficos 6 e 7 indicam uma variação distinta da concentração por portede empreendimentos entre o Sistema e o não-Sistema, não captada pelo índicede Gini. No SMIA, a distribuição dos trabalhadores revela uma absoluta prepon-derância dos médios e dos grandes estabelecimentos.

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Micro Pequeno Médio GrandeLegenda:

Distribuição relativa dos trabalhadores, por porte de estabelecimento, no SMIA — 1994-04

Gráfico 6

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS DADOS BRUTOS: SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, 2001. FONTE DOS DADOS BRUTOS: (Nota Técnica MTE 050/2001). CD-ROM.

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Micro Pequeno Médio GrandeLegenda:

(%)

Distribuição relativa dos trabalhadores, por porte de estabelecimento,no RS-SMIA — 1994-04

Gráfico 7

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES FONTE DOS DADOS BRUTOS: SOCIAIS — RAIS. Brasília: MTE, 2001. FONTE DOS DADOS BRUTOS: (Nota Técnica MTE 050/2001). CD-ROM.

Nos últimos anos da série do Gráfico 6, ao mesmo tempo em que osgrandes estabelecimentos atingem sua maior participação, também os micro eos pequenos alcançam seus maiores índices, todos em detrimento dos estabe-lecimentos de porte médio. Nessa análise, não se verifica uma tendência defini-da, somente se confirma a alta concentração. Já em número de estabelecimen-tos, na média do período, os grandes respondem somente por 4%, por 13% osmédios e por 83% os micro e os pequenos, sendo estes últimos a maioriaabsoluta.

No RS-SMIA, há uma maior participação de pequenos estabelecimentos(Gráfico 7), que, combinados com os micro, implicaram uma redução da partici-pação dos médios e dos grandes, no total de trabalhadores, da ordem de 70%

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em 1994 para 31% em 1999. A partir daí, ocorreu um novo movimento de con-centração, que atingiu 64%, distribuídos entre grandes e médios, em 2004. Jáem número de estabelecimentos, os micro e os pequenos representaram, emmédia, 95%, absoluta maioria.

Portanto, uma elevada concentração da produção com tendência de au-mento em sua magnitude, ao longo do período 1994-04, é o que resulta daanálise do índice de Gini para o SMIA. Já a análise da distribuição por porte deestabelecimento não revela uma tendência explícita.

Para o RS-SMIA, a alta concentração indicada pelo índice de Gini não éplenamente confirmada na análise da distribuição relativa por porte. No entanto,ambas as análises convergem na identificação de um movimento inicial dedesconcentração, seguido de um reverso, bem como também indicam a maiormagnitude de concentração no Sistema.

A evidência diferenciada pode ser atribuída ao fato de o índice de Giniexpressar, com simplicidade, em único número, relações combinadas entre duasvariáveis (quantidade de trabalhadores e de estabelecimentos) distribuídas emdiversas faixas. Dessa forma, o mesmo não é sensível a variações proporcio-nais entre as empresas dentro das respectivas faixas, enquanto a simples dis-tribuição dos trabalhadores por porte (apenas quatro contra nove faixas) dosestabelecimentos pode ter sido sensível às alterações. Em que pesem as dife-renças de magnitude, as tendências de desconcentração do RS-SMIA até o anode 1999 e a reconcentração seguinte podem ser confirmadas tanto no Gráfico 4quanto no Gráfico 7.

Ressalta-se que esta análise da concentração possui a limitação de nãocaptar esse processo no âmbito de grupos econômicos ou, mesmo, de empre-sas, mas somente para os estabelecimentos individuais, além de se restringiraos empregos formais. Este último aspecto pode ter influenciado a elevadaconcentração verificada, uma vez que o emprego informal costuma ser maiscomum entre as empresas de menor porte.

4 Considerações finais

O Sistema Local de Máquinas e Implementos Agrícolas apresentou umatendência de crescimento bem mais acentuada que o setor equivalente nãoorganizado em sistema. Ao mesmo tempo, revelou uma elevada concentração,que tendeu a se acentuar ao longo do período, conforme explicitado pelo índicede Gini. Já o setor de máquinas e implementos agrícolas não organizado emsistema também apresentou elevada concentração. Mostrou oscilações, comqueda da concentração no período inicial, seguida de elevação e de uma quase-

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-estabilidade nos dois últimos anos. Ou seja, revelou-se mais sujeito a oscila-ções do que o sistema local, embora com menor dinamismo. Já em número deestabelecimentos, é nítida a preponderância dos micro e pequenos, 95% nonão-Sistema e 83% no SLP, quando consideradas as médias do período.

A definição do SMIA como um sistema local (ainda que em construção)partiu da identificação de significativa presença de externalidades no âmbito deseu território. Externalidades locais e regionais, frutos da maior aglomeração deempresas e trabalhadores no sistema do que em seu exterior analisado (Gráfi-cos 2 e 3), que são formadas tanto pelas transações entre empresas comopelas relações de proximidade e cooperação, de educação e capacitação, ou degeração e difusão dos conhecimentos e das tecnologias. De outro lado, esseSLP não conta com economias externas tipicamente urbanas, dado seu afasta-mento geográfico dos grandes centros (no caso, a Região Metropolitana de Por-to Alegre), as quais contam, em parte, a favor do não-Sistema. Foi a regiãomais agrícola do Estado que forjou as melhores condições para a indústria demáquinas e implementos, que, por sua vez, se tornou também supridora deoutras regiões agrícolas. É nesse contexto que as externalidades revelam parao SLP um papel diferencial em favor de um maior crescimento frente ao não--Sistema.

Considerado o pequeno número de estabelecimentos de grande porte esua inversa participação no número de trabalhadores, o comportamento destestende a ser significativo tanto para o Sistema como para o não-Sistema. Osgrandes estabelecimentos (ou pelo menos parte significativa deles) estão inte-grados ao capital mundializado e oligopolizado, o que reforça suas vantagensespecíficas de grande empresa frente às empresas locais, como acesso a ino-vações, mercados, financiamento e melhor posicionamento (hierarquia) na ca-deia de valor. O mesmo fato os coloca subordinados a estratégias definidasexogenamente ao território em que atuam, implicando alterações de estratégiasprodutivas frente a mudanças nos condicionantes internos, como nível de pre-ços ou câmbio. Aliam-se, ainda, as mesmas alterações em outros países ou nademanda mundial. Como efeito, o sistema local tende a ser impactado pelocomportamento da produção globalizada. Embora não tenha sido foco destapesquisa, pode-se aceitar que as empresas mundializadas, presentes no Esta-do, tenham sido relevantes para o aumento das exportações de máquinas eimplementos agrícolas e, por conseguinte, para o crescimento da produção dosetor em todo o Estado, o que, em alguma medida, explicaria o crescimento daprodução com aumento da concentração.

À guisa de conclusão, uma política de fomento a um sistema local deprodução ganha sentido pela busca de fortalecimento dos fatores endógenos ede capacitação da região para agregar valor e para reinvestir a renda localmente.

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Isso pressupõe melhor inserção frente à concorrência externa e menor depen-dência de fatores exógenos. Uma verificação in loco permitiu constatar umadescontinuidade na política pública estadual de promoção do SMIA após 2002,27

o que não favoreceu a consolidação deste e, muito menos, um aprimoramentodas ações coordenadas. De outro lado, está em curso a transferência de umaunidade de fabricação de tratores do SLP para fora do mesmo, contando comapoio e incentivo do Governo Estadual. A não-consolidação de políticas públi-cas de fomento e coordenação, diante de um cenário de um sistema ainda nãoplenamente constituído e com coordenação incipiente, tende a não fortalecer asPMEs locais ou a torná-las mais dependentes da estratégia das grandes empre-sas mundializadas. Mesmo que as exportações das grandes empresasmundializadas tenham sido relevantes para o crescimento do Sistema, é possí-vel que a concentração verificada indique maior dependência do Sistema e desuas PMEs das estratégias daquelas. Assim, um aumento da concentraçãopode ser entendido como um sintoma de fragilização ou de dependência dasPMEs e, por conseqüência, do próprio SLP.

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27 O Centro Gestor de Inovação (CGI), constituído em parceria com uma universidade local,para nuclear as ações de coordenação e difusão de inovações para PMEs, foi paralisado.

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Estrutura espacial das aglomerações e determinação dos salários industriais no Rio Grande do Sul

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* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

**** E-mail: [email protected]

Estrutura espacial das aglomerações edeterminação dos salários industriais

no Rio Grande do Sul*Leonardo M. Monasterio** Professor Adjunto do Departamento de Geografia e Economia da UFPel, Doutor em Desenvolvimento Econômico pela FPR e bolsista do CNPqMauro Salvo*** Economista do Banco Central do Brasil e Mestre em Economia pela UFRGSOtavio Menezes Damé**** Acadêmico do Curso de Economia da UFPel e bolsista de iniciação científica do CNPq

ResumoNeste trabalho, estimam-se os efeitos das economias de aglomeração nossalários dos trabalhadores industriais, no Rio Grande do Sul. Para tal, utilizam--se os recursos da análise exploratória de dados espaciais para localizar os“clusters” da indústria gaúcha em 2000. Em seguida, combinam-se taisinformações a microdados censitários e estimam-se regressões salariaisinspiradas nos testes empíricos associados aos modelos da Nova GeografiaEconômica (Hanson, 1998, em especial). Os resultados mostram-se estatísticae economicamente significantes: mesmo quando controlados por variáveisdemográficas, os salários individuais dos trabalhadores industriais são maioresnas cidades mais urbanizadas, com maior população e mais próximas do centroeconômico do Rio Grande do Sul. Isso sugere o quão intensas são as forçaseconômicas que determinam a estrutura espacial produtiva no Estado.

Palavras-chaveEconomia regional; Nova Geografia Econômica; análise exploratória dedados.

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AbstractThis paper estimates the effects of agglomeration economies on the wages ofindustrial workers in Rio Grande do Sul. The techniques of Exploratory Analysisof Spatial Data have been used to locate the clusters of the state industry in2000. This information was then added to census microdata in order to run wageregressions inspired by the empirical tests of the New Economic Geographymodels (Hanson, 1998, specially). The results were statistically and economicallysignificant: even when controlled by demographic variables, the individual wagesof industrial workers were higher in larger and more urbanized cities closer to theeconomic centre of the Rio Grande do Sul. This suggests how intense theeconomic forces that shape the spatial structure of the state are.

Key wordsRegional economics; new economic geography; exploratory spatial dataanalysis.

Classificação JEL: R12.

Introdução

O Rio Grande do Sul destaca-se de boa parte dos estados brasileiros porter regiões com identidades bem definidas e também pelo espaço que o tema daredução de suas desigualdades regionais ocupa na agenda dos agentes públicos.Em termos de pesquisa, a questão regional gaúcha é das mais debatidas emdiversidade e qualidade de estudos. Entre essa vasta bibliografia, existem ostrabalhos voltados para a análise do atraso relativo da Região Sul (Alonso; Benetti;Bandeira, 1994; Bandeira, 1994) e os voltados para a região mais dinâmica(Schmitz, 1995). Mais recentemente, surgiram aqueles que testam modelosteóricos para todo o Estado (Porto Jr., 2000; Bêrni; Marquetti; Kloeckner, 2002;Lautert, 2004; Bagolin; Gabe; Ribeiro, 2002; Fochezatto; Stülp, 2004; Souza,2004; Arend; Cario, 2004; Monasterio; Ávila, 2005).

Ao longo das últimas décadas, a produção teórica em Economia regionalvoltou-se ao estudo de fenômenos como economias externas de escala, retornoscrescentes e seu impacto sobre a organização espacial. A Nova GeografiaEconômica levou à retomada de temas de pesquisa conhecidos da Ciência

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Estrutura espacial das aglomerações e determinação dos salários industriais no Rio Grande do Sul

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Regional.1 Essa linha teórica foi responsável por elaborar modelos bemfundamentados e elegantes, que geraram novo fôlego e interesse para os temasda Economia regional. Paralelamente, termos como clusters e arranjos produtivoslocais tornaram-se correntes nos debates sobre políticas regionais dedesenvolvimento.

As técnicas de análise também avançaram junto com a evolução da teoriae da política de desenvolvimento regional. Os recursos de geoprocessamento ede estatística espacial chegaram ao alcance dos computadores pessoais e,hoje, estão disponíveis para os economistas interessados em estudos regionais.Por fim, bases de dados econômicos espacializadas foram disponibilizadas,quer por meios óticos, quer por acesso on-line.

Neste trabalho, pretende-se aliar os novos insights fornecidos pela NovaGeografia Econômica aos métodos de análise de dados espaciais, para examinaras questões de desigualdade regional no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, oobjetivo maior é avaliar o impacto das aglomerações nos salários industriaisdos gaúchos. Para tal, dividiu-se o trabalho em duas partes. Na primeira seção,faz-se uma um breve digressão sobre os conceitos de aglomeração, deconcentração e acerca dos métodos de identificação de clusters industriais. Emseguida, utilizam-se os recursos da Análise Exploratória de Dados Espaciais(Exploratory Analysis of Spatial Data (ESDA)), para identificar as aglomeraçõese as concentrações espaciais no Estado. O objetivo, nessa seção, é ter umadelimitação das aglomerações no território gaúcho que não seja arbitrária, mas,sim, determinada por um método estatístico bem fundamentado.

Uma vez identificadas as aglomerações, passa-se, na segunda parte doestudo, à estimação dos impactos de variáveis relacionadas à localização dasempresas sobre os salários dos trabalhadores na indústria gaúcha. Faz-se umresumo da literatura empírica que testou os modelos da Nova GeografiaEconômica (Hanson, 1997; 1998, em especial). Na seção 2.2, parte-se de umawage regression (Mincer, 1974), que considera as características observáveisdos indivíduos na determinação dos salários. Em seguida, são acrescidasvariáveis relacionadas com a localização das empresas e dos seus entornos.Nesse sentido, incluem-se, entre os regressores, variáveis que buscam capturardimensões, como economias de aglomeração, urbanização e potencial demercado.

O presente trabalho baseia-se em duas fontes básicas de dados: osmicrodados da amostra do Censo Demográfico 2000 (IBGE, 2002) e as

1 As principais contribuições da Nova Geografia Econômica estão sintetizadas, pelos seuspróprios autores, em Fujita, Krugman e Venables (2002). Ver Brakman, Garretsen e Marrewijk(2003) para uma introdução mais acessível e abrangente.

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informações sobre emprego obtidas no Relatório Anual de Informações Sociaispara o mesmo ano (RAIS, 2005). A análise foi limitada ao setor industrial do RioGrande do Sul por diversos motivos. Em primeiro lugar, existem limitaçõescomputacionais do trabalho com microdados, o que dificulta o processamentodas informações para áreas ou setores mais amplos. Além disso, uma vez queos dados da RAIS capturam apenas o emprego formal, haveria uma subestimaçãograve, caso fosse incluído o Setor Terciário na análise. Na verdade, esse setorfoi excluído também devido à heterogeneidade das atividades que dele fazemparte. Em termos temporais, a análise limitou-se ao ano censitário de 2000.Seria desejável um estudo da dinâmica da economia gaúcha na última décadado século XX, com base em microdados, porém a intensa criação de municípiosna década de 90 impôs obstáculos, insuperáveis frente aos recursos disponíveispara este trabalho no que se refere ao processamento dos dados.

1 Identificação de clusters espaciais na indús- tria gaúcha

1.1 Análise exploratória de dados

A Análise Exploratória de Dados Espaciais é o conjunto de técnicasutilizadas para descrever distribuições espaciais de variáveis, descobrir padrõesde correlação espacial, ou apontar a ocorrência de clusters, ou mesmo apontaroutliers (Anselin, 1998). Uma outra utilidade da ESDA é auxiliar na formulaçãode hipóteses a serem testadas através de outros métodos estatísticos. Ou seja,a ESDA não deve ser vista como um fim em si mesma, nem como um conjuntofechado de técnicas, mas, sim, como um auxiliar para a compreensão defenômenos espaciais, que, conforme avançam os recursos teóricos einformacionais, acrescenta mais ferramentas ao seu arsenal analítico. No casopresente, ela será útil para a identificação de clusters e para o processamentode informações, que permitirá a segunda fase do trabalho.

Seguindo a chamada Lei de Tobler da Geografia2, a ESDA tem por princípioque os fenômenos espaciais tendem a estar correlacionados com outros que seacham geograficamente próximos. Para capturar a ocorrência de tais associações

2 “Tudo é relacionado com tudo mais, mas coisas próximas são mais relacionadas entre si doque as distantes” (Tobler, 1970, p. 236, tradução nossa). No original: “Everything is relatedto everything else but nearly things are more related than distant things” (Tobler, 1970, p.236).

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de forma global, existe uma ferramenta básica: a estatística de Moran, ouMoran-I. Ela permite avaliar se existe autocorrelação espacial entre as unidadesespaciais de uma região.3

O gráfico de Moran (Moran scatterplot) representa o valor padronizado deuma variável para cada uma das unidades nas abscissas e, no eixo dasordenadas, a média do valor padronizado da mesma variável para os vizinhosdessas unidades (Figura 1). Dessa maneira, observações com valores acima damédia, com vizinhança também acima da média, ocupam o primeiro quadrante.Já aqueles abaixo da média, com vizinhos na mesma situação, ocupam o terceiroquadrante. O quarto e o segundo quadrantes são ocupados, respectivamente,por ilhas elevadas, cercadas por valores baixos, e por bolsões baixos, cercadosde valores altos. Caso não haja qualquer autocorrelação espacial, as observaçõesestarão bem distribuídas pelos quatro quadrantes.

Já a estatística Moran-I é calculada a partir de (O’Sullivan; Unwin, 2003, p.197):

Onde:

n = número de áreas;

yi,j

= valores da variável y nas áreas i ou j;

y = média da variável y;

wij

= elemento i,j da matriz de contigüidade w.Essa matriz, no caso presente, recebe valor zero, quando os municípios i

e j não são contíguos, e valor 1, quando o são. Aqui se utilizou o critério de con-tigüidade Queen de primeira ordem, ou seja, foram considerados vizinhos mesmoos municípios que compartilhavam apenas um vértice em comum.

A estatística de Moran pode ser compreendida através da observação decada um de seus componentes (O’Sullivan; Unwin, 2003, p.197-198). O numeradorda segunda fração calcula o produto entre os desvios de uma variável nas áreas

3 Na verdade, ela pode demonstrar também a existência de heterogeneidade espacial. Adistinção entre os dois fenômenos é, contudo, uma questão complexa, que foge do alcancedo presente trabalho.

( )( )( )

∑∑

∑∑

∑= =

= =

=

−−

−=

n

i

n

jij

n

i

n

jjiij

n

ii w

yyyyw

yy

nI

1 1

1 1

1

2

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i e j. Para que esse seja positivo, existem duas possibilidades: ou ambos osdesvios estão abaixo da média, ou estão acima. E, graças ao elemento w

ij, só

serão contabilizados no somatório os produtos referentes a áreas i e j que sejamcontíguas. Dessa forma, quanto mais observações vizinhas houver acima (ouabaixo) da média, maior será o valor do numerador da segunda parcela. Osdemais termos do Moran-I têm a função apenas de normalizar o valor obtido

pelo número de áreas (n), pela amplitude dos valores ( ) e pelo

número de áreas contíguas ( ).

( )∑=

−n

ii yy

1

2

∑∑= =

n

i

n

jijw

1 1

Low-low Valores baixos e vizinhos com valores baixos

High-low Valores altos e vizinhos com valores baixos

High-high Valores altos e vizinhos com valores altos

Low-high Valores baixos e vizinhos com valores altos

Figura 1

Representação do gráfico de Moran

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Assim, a estatística I de Moran positiva significa que existe uma autocorre-lação positiva, ou seja, valores altos tendem a estar localizados na vizinhançade valores altos, e, por sua vez, valores baixos tendem a estar localizados navizinhança de valores baixos. Se o valor for negativo, o inverso ocorre: valoresaltos estarão cercados de valores baixos, e vice-versa.4 Quando ele tende azero, não há autocorrelação espacial.5

Para examinar a significância estatística de um valor de Moran-I, a formamais usual é através de métodos computacionais.6 A partir do mapa observado,os valores são recombinados seguidamente, e os valores de Moran-I sãocalculados. Para que se faça a inferência estatística, o valor do Moran-I observadoé, então, comparado com a distribuição dos Moran-I simulados.

1.2 Aglomerações industriais no Rio Grande do Sul

1.2.1 Indicadores locais de associação espacial

O indicador de Moran-I global captura a autocorrelação espacial em toda aárea sob escopo. Assim, ele não consegue identificar se existem unidadesespecíficas espacialmente associadas. Para solucionar tal problema, foramdesenvolvidas estatísticas locais de autocorrelação. Dentre essas, Anselin (1995)definiu que um Local Indicator of Spatial Association (LISA) deve ter duaspropriedades: (a) apontar aquelas unidades ao redor das quais há aglomeraçãode valores semelhantes; (b) permitir a soma dos LISAs individuais proporcional-mente ao indicador de associação geral, ou seja, o indicador local pode serreagregado ao indicador global. O indicador de Moran local (I

i) guarda essas

características e é calculado da seguinte forma (O’Sullivan; Unwin, 2003, p.203-204):

4 Um tabuleiro de xadrez é a melhor representação da autocorrelação inversa perfeita (I deMoran = -1).

5 Em termos mais precisos, o valor esperado de Moran-I, na ausência de autocorrelaçãoespacial, é igual a (-1/n-1).

6 Soluções analíticas também são possíveis, mas exigem que pressupostos específicos sobrea distribuição sejam satisfeitos.

∑≠

=n

ijjijii zwzI ,

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Os valores z são, dessa forma, os valores normalizados de y. Os valoresw’

ij referem-se às células da matriz de contigüidade, já vista anteriormente,

com os valores normalizados pelo total das linhas, isto é, pelo total de vizinhosque a unidade possui. Por exemplo, um município que tem três vizinhos terávalores de w’ iguais a um terço. Assim sendo, o valor do Moran-I de um local ié o produto do valor do atributo em i vezes a média ponderada dos valores dosseus vizinhos (sempre em valores normalizados).

Mais uma vez, valores de Ii estatisticamente diferentes de zero indicam

que a unidade i está espacialmente associada aos seus vizinhos. Igualmente,como a distribuição dos I

i é desconhecida, a forma de obtê-la é através de

permutações aleatórias dos vizinhos de cada unidade. A comparação dessadistribuição com a observada permite inferir se a correlação espacial é signi-ficativa, ou seja, se se trata efetivamente de um cluster espacial.

Analogamente ao indicador global, valores próximos de +1 remetem àexistência de relação espacial do tipo high-high e low-low. Valores próximos de-1 remetem à existência de relação espacial do tipo high-low e low-high. Valores,em termos estatísticos, diferentes de zero indicam que a unidade não estáassociada espacialmente aos seus vizinhos.

1.2.2 Resultados para o emprego industrial do Rio Grande do Sul

Todas as análises desta seção foram feitas com o auxílio do softwareGeoda 0.95i (Anselin, 2004), e a matriz de contigüidade foi baseada no critérioQueen. No Gráfico 1, tem-se o resultado da análise do gráfico de Moran para aparticipação dos trabalhadores industriais na população, em 2000, nos municípiosdo Rio Grande do Sul. Como se vê, o resultado sugere que há autocorrelaçãoespacial. Afinal, existe uma proporção bem mais elevada de municípios nosquadrantes ímpares do que nos pares. Isso indica que os municípios com maiornúmero de trabalhadores industriais na população estão espacialmente associadosa outros com as mesmas características. Para corroborar o que indica a inspeçãovisual, o valor do Moran-I de 0,43 é estatisticamente significativo. Portanto,rejeita-se a hipótese de que a distribuição espacial da industrialização não éespacialmente correlacionada.

s

yyz i

i

−=

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809

-2-1-101122334

-2-1

01

23

45

6

FO

NTE

DO

S D

AD

OS

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UT

OS

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RO

GR

AM

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003.

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ção

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ara

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stria

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ção

dos

mun

icíp

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do R

io G

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Sul

— 2

000

Def

asag

em e

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ial d

os d

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os

em r

elaç

ão à

méd

ia

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De fato, esse é um resultado previsível não só para os conhecedores daeconomia gaúcha, mas também para qualquer estudioso de economia regionalem geral. Basta lembrar que a ocorrência de aglomerações é prevista por diversasteorias de localização industrial. Mesmo assim, esse resultado do indicador deMoran-I pode ser útil para comparações entre outros estados e através do tempo.

Os resultados para o Moran-I local estão representados na Figura 2. Ospadrões high-high estão localizados ao longo do eixo Porto Alegre—Caxias doSul e na sua área de expansão a leste e a oeste. São municípios localizados,grosso modo, nos Coredes Metropolitano Delta do Jacuí, Serra, Vale do Caí,Vale do Taquari e Vale do Rio dos Sinos. Já o high-low, isto é, valores acima damédia cercados por valores abaixo da média, é encontrado disperso nos CoredesNoroeste Colonial, Nordeste e Médio-Alto Uruguai. Este último Corede reúnetambém diversos municípios significativos no padrão low-low. Outras aglome-rações na mesma categoria podem ser encontradas nos Coredes Centro-Sul,Norte, Missões e em uma porção do Vale do Rio Pardo.

É interessante notar que o Município de Glorinha, apesar de ter uma altaproporção de trabalhadores industriais na população, não aparece comosignificativo na análise do Moran-I local. Isso se explica, porque esse indicadornão almeja e nem deve ser usado para localizar observações com valoreselevados ou outliers, o que ele indica são apenas padrões espaciais. Quando háum alto valor de um atributo em uma área, mas a média dos seus vizinhos épróxima à média do mapa, seu Moran-I será próximo a zero e, portanto, nãosignificativo.

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811

Figura 2

Estatística Moran-I para participação dos trabalhadores industriais napopulação dos municípios do Rio Grande do Sul — 2000

Low-low

High-highLegenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DE-

FONTE DOS DADOS BRUTOS: SENVOLVIMENTO — PNUD. Atlas do Desenvol-

FONTE DOS DADOS BRUTOS: vimento Humano no Brasil. Brasília: PNUD, 2003.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: CD-ROM.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIO ANUAL DE INFORMAÇÕES SO-

CIAIS — RAIS. Disponível em:

<http://www.mte.gov.br/estudiosospesquisadores/>.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Acesso em: jun. 2005.

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1.3 O potencial de mercado

O potencial de mercado de uma região é definido como (Harris, 1954 apudBrakman; Garretsen; Marrewijk, 2003, p. 35-37):

MPi, o potencial de mercado da região i, é o somatório da demanda nos

locais j (Mj), ponderada pela distância entre i e j (D

ij). Em outras palavras,

trata-se de um indicador da proximidade de um local à sua demanda. Os trabalhospioneiros de economia regional voltavam-se a comparar o potencial de mercadocom a localização das empresas. Sem surpresa, concluía-se que a produçãotendia a ser concentrada nas áreas com alto potencial de mercado (Brakman;Garretsen; Marrewijk, 2003, p. 36).

Restrições computacionais e de dados impedem, neste momento dapesquisa, o cálculo do potencial de mercado de forma idêntica àquela elaboradapor Harris. Para superá-las, utilizou-se uma variável proxy que representa a mesmaidéia básica: a distância euclidiana em relação ao centro econômico do RioGrande do Sul. Tal centro foi obtido através do cálculo do centro médio ponderado(weighted mean center) pelo PIB dos municípios em 2000. As coordenadas detal centro são calculadas da seguinte forma:

∑=

=

R

j ij

ji D

MMP

1

∑∑=

=

=n

in

ii

iim

PIB

PIBx

nx

1

1

1

∑∑=

=

=n

in

ii

iim

PIB

PIBy

ny

1

1

1

Onde xi e y

i são as latitudes e as longitudes dos centróides de cada muni-

cípio. Utilizando-se os dados do PIB de 2000 (FEE, 2003), chegou-se à latitude29.5923 sul e à longitude -52.0526 oeste. Essa posição corresponde, aproxima-damente, ao Município de Santa Cruz do Sul.

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Em seguida, foi calculada a distância euclidiana entre cada município e ocentro econômico do Estado:

Os resultados dos cálculos para a economia gaúcha, em 2000, estão re-presentados na Figura 3.

( ) ( )22_ mimi yyxxCENTRODIST −+−=

Figura 3

Percentis da distribuição da distância euclidiana dos municípios gaúchosem relação ao centro econômico do Rio Grande do Sul – 2000

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELATÓRIO ANUAL DE INFORMAÇÕES SO-FONTE DOS DADOS BRUTOS: CIAIS — RAIS. Disponível em:FONTE DOS DADOS BRUTOS: <http://www.mte.gov.br/estudiosospesquisadores/>.FONTE DOS DADOS BRUTOS: Acesso em: jun. 2005.NOTA: Tons mais escuros de cinza representam maior proximidade com o centroeconômico do Estado.

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2 Determinantes dos salários industriais no Rio Grande do Sul

Nesta seção, estimam-se os impactos das dimensões espaciais nos saláriosindustriais no Rio Grande do Sul. Para tal, além da inclusão de variáveis censitárias,será feito uso intensivo de variáveis calculadas nas seções anteriores.

2.1 Base teórica

A idéia básica a ser avaliada é se existem externalidades locacionais quegeram uma maior produtividade do trabalho e, portanto, maiores salários. Natradição da literatura sobre o assunto, essas podem ser divididas em duas: asexternalidades marshallianas (Marshall, 1982), ou seja, decorrentes daconcentração espacial de um setor, e as jacobianas, geradas pela diversidadeprodutiva encontrada nas cidades de maior porte (Jacobs, 1961).

Essas intuições, aceitas pelos pesquisadores da Ciência Regional, tomaramnovo fôlego a partir dos modelos da chamada Nova Geografia Econômica. Comelaborados microfundamentos econômicos, a linha de pesquisa desenvolvidapor Krugman, Fujita, Venables, Thisse, dentre outros, chegou a modelos deestruturação do espaço que prevêem formação de estruturas centro-periferia,com persistentes diferenças regionais nos salários nominais.

Uma das críticas à Nova Geografia Econômica relaciona-se à dificuldadede testar seus modelos. Muitos deles não têm equilíbrios únicos e só podem serresolvidos por simulação, ou exigem variáveis que não estão usualmentedisponíveis para serem estimadas. Gordon Hanson (1997; 1998) pôs à prova osmodelos da Nova Geografia Econômica e é uma das inspirações teóricas destaseção do trabalho.

Hanson (1998) testou o modelo original de Krugman (1991) e o desenvol-vimento proposto por Thomas (1997). Em termos gerais, trata-se de um modelono qual agentes idênticos consomem apenas dois tipos de bens: manufaturadose serviços residenciais. Há concorrência monopolística, retornos crescentes naprodução de cada variedade de bens manufaturados e custos de transporte dotipo iceberg. Com hipóteses razoáveis sobre os parâmetros, a produção con-centra-se em poucas regiões (Hanson, 1998). Seguindo a apresentação deHanson (1998), consumidores idênticos têm preferências Cobb-Douglas econsomem apenas dois tipos de bens: manufaturados (m) e serviços residenciais(r).

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Cr representa a quantidade de serviços residenciais demandados, enquanto

Cm

é um bem manufaturado composto na forma:

µµ −= 1hm CCU

A elasticidade de substituição entre as n variedades é representada por σ.Já os custos de transporte são do tipo iceberg. Entre as localidades j e k, quedistam d, com custos de transporte ô, para cada unidade enviada, apenas vchegam ao destino:

11 −−

= ∑σσ

σσn

iim cC

jkdjk ev

τ−=No equilíbrio do modelo, os salários reais devem ser idênticos nas diver-

sas regiões, bem como os pagamentos e os dispêndios em cada região, e arenda total da região é igual à renda dos trabalhadores. Fazendo diversas subs-tituições, Hanson (1998) chega a uma especificação da determinação dos salá-rios w na localidade j passível de ser testada, que incorpora as característicasdo modelo e as condições de equilíbrio:

( )( )

jd

kk

J

kkj

jkewHYw ησθ στµσ

µσµ

µµσ

+

+= −−

−−−+−− ∑ )1(

1111)1(1 log)log(

H representa a oferta de habitação, è é a constante, e o ç é o termo deerro. Em termos intuitivos, a aglomeração decorre do esforço das empresaspara atingirem mercados locais, reduzindo os custos de transporte e evitandocustos fixos desnecessários. As forças centrípetas derivam da maior competiçãode outras firmas no centro da aglomeração e do pagamento de salários maiores(Hanson, 1998). De acordo com essas visões, são as economias de aglomeraçãoque viabilizam que os trabalhadores do centro sejam compensados pelos maiorescustos da moradia nas proximidades do centro econômico e/ou pela perda debem-estar por viverem perto de áreas industriais (ver Brakman, Garretsen eMarrewijk (2003, cap. 3)).

Em equilíbrio, o modelo prevê que os salários nominais serão mais altosnas áreas mais próximas do centro. Conforme lembram Brakman, Garretsen eMarrewijk (2003, p. 146-147), nem os modelos neoclássicos de comércio, nem

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os novos modelos de comércio prevêem diferenças persistentes de níveissalariais de acordo com a localização.

Hanson elabora o modelo de Krugman (1991), de forma a estimar os seusparâmetros estruturais. O autor calcula regressões econométricas com baseem dados dos condados dos EUA continental, e os resultados suportam asprevisões do modelo de Krugman: a produção manufatureira estaria sujeita aretornos crescentes, e os salários nominais seriam maiores próximos ao centro.

Vale notar que, na parte empírica de seu trabalho, Hanson (1998) calcula adistância euclidiana de cada condado em relação ao centro econômico de cadaestado norte-americano como uma proxy do potencial de mercado. Oprocedimento é semelhante ao seguido na seção 1.3

O presente estudo não estima os parâmetros estruturais do modelo deKrugman (1991), tal como fez Hanson (1998), basicamente pela falta de dadosque impedem a reprodução correta de tais testes empíricos. Ou seja, a escolhadas variáveis e o processo investigativo baseiam-se nos testes de Hanson,mas os resultados obtidos não podem ser comparados com os alcançados peloautor, nem interpretados de forma estrutural. Ao invés de se utilizarem dadosmunicipais, a estimação é feita com base em microdados censitários. A estratégiainvestigativa a ser seguida é calcular uma regressão de salários básica, à modade Mincer (1974), mas adicionando variáveis relacionadas às dimensõeslocacionais.

),( nii YXfw =onde: w

i = salário do indivíduo i no emprego principal, em reais por hora; X

i =

vetor que inclui aquelas dimensões individuais que influem na produtividade dotrabalho e nos salários; Y

n = vetor que inclui as dimensões locacionais do local

de trabalho n do indivíduo i.

2.2 Variáveis e fonte

2.2.1 Variáveis individuais com base nos microdados do Censo Demográfico 2000 (IBGE, 2002)

Escolaridade - anos concluídos de estudo.Idade - medida em anos.Dummies para cor dos indivíduos - segue-se o critério do IBGE de

autodeclaração do indivíduo em cinco cores (amarela, branca, indígena, parda e

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preta). A cor branca, por ser a mais freqüente da amostra, é tomada comoreferência.

Dummy para sexo - o masculino é a referência.

2.2.2 Variáveis locacionais

DIST_CENTRO - distância do centro econômico do Estado (ver seção1.3).

AGLOMERAÇÃO - variável dummy que considera os clusters espaciaisidentificados no padrão high-high e high-low, que constam na seção 1.2.2.

URBANIZAÇÃO - taxa de urbanização municipal em 2000 (PNUD, 2003).POP_URBANA - população urbana total em 2000 (PNUD, 2003).

2.3 Estimação e resultados

Foram considerados na amostra apenas os trabalhadores com carteiraassinada, nos setores industriais, entre 18 e 65 anos completos e alfabetizados.Assim, ela ficou limitada a observações referentes a 55.270 indivíduos. Comohá graus de liberdade suficientes, optou-se por incluir, nas variáveis independentesdas regressões, todas as variáveis censitárias que pudessem influenciar ossalários individuais.

O banco de dados municipal foi compatibilizado com as observaçõesindividuais nos municípios de trabalho dos entrevistados e não nos seusmunicípios de residência. As estimações foram feitas com o auxílio do pacote R2.1.1 e através de Mínimos Quadrados Ordinários. Todas as variáveis contínuasforam transformadas em logaritmo natural.

No Modelo 1 (Tabela 1), apenas com os componentes individuais, percebe--se que não se falseou a hipótese de que existe discriminação no mercado detrabalho. Calculando-se o antilog dos estimadores, conclui-se que o salário dasmulheres é cerca de 30% menor do que o dos homens e que os indivíduos decor parda ou preta auferiam, por hora, respectivamente, 7% e 12% a menos doque os de cor branca, mesmo com os controles para idade e escolaridade.

Tais resultados podem ser decorrentes de variáveis não observáveis, oude dimensões não incluídas na regressão. Por exemplo, diferentes níveis dequalidade da educação oferecida a tais grupos, ou mesmo ocupações distintas

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dentro da indústria, influenciam os salários e devem ser incluídas em estudosposteriores.7

Já no tocante às variáveis relacionadas à localização, todas foramestatisticamente significativas a mais de 99% e com o sinal esperado. Mesmocom os controles para as características individuais, os salários são maioresnos clusters espaciais industriais, mais urbanizados, com maior população emais próximos ao centro econômico do Estado.

Em termos de significância econômica, a diferença entre compor, ou não,um cluster espacial altera o salário em 18%, no Modelo 2, e em 16%, no Modelo3. No primeiro, os efeitos marginais de um aumento marginal hipotético de 1%na distância do centro e na taxa de urbanização geram uma variação dos saláriosde -0,03% e 0,23% respectivamente. No Modelo 3, mais completo, incluindo-sea variável para capturar o efeito da escala urbana (POP_URBANA), percebe-seque, conforme o esperado, o estimador referente à taxa de urbanização cai de0,226 para 0,032. No Modelo 3, tem-se que um aumento de 1% da populaçãourbana do município resulta em 0,05% dos salários individuais.

Os resultados, portanto, corroboram a idéia de que as externalidadesaglomerativas nas localidades com maior população e maior taxa de urbanizaçãose refletem nos salários. Os clusters industriais e as regiões mais próximas docentro econômico também apresentam diferenciais de salários. É interessanteo quão robusto foi o estimador referente à distância do centro econômico doEstado, mesmo quando se introduziram variáveis que capturaram a existênciade economias de urbanização. Essa é uma evidência bastante sugestiva emfavor das conclusões do modelo de Krugman (1991).

Vale reforçar que os efeitos estimados se referem a salários nominais, enão reais. É uma das condições de equilíbrio do modelo que não haja diferençasnos salários reais de indivíduos com características produtivas semelhantes,entre as regiões.8 Em uma economia com livre mobilidade do fator trabalho,essa é uma hipótese razoável.

7 O estudo da discriminação no mercado de trabalho é um tema relevante, mas vai muito alémdos limites deste artigo. Como base, sugere-se o trabalho de Arias, Yamada e Tejerina(2002).

8 Miranda et al. (2002) utilizaram dados da RAIS para as Regiões Sudeste e Nordeste do Brasile estimaram regressões mincerianas, com uma variável dummy adicional para taismacrorregiões. Eles concluíram que seria necessário um índice de preços 60% maior naRegião Sudeste, para que os salários reais fossem equalizados com os da Nordeste. Osautores interpretaram essas evidências como um sinal da existência de um problema regio-nal no Brasil e não fizeram referência à literatura da Nova Geografia Econômica.

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Tabela 1

Salário/hora trabalhada no emprego principal (variável dependente In), segundo três modelos econométricos, para os municípios

do Rio Grande do Sul — 2000

DISCRIMINAÇÃO MODELO 1 MODELO 2 MODELO 3

Constante .................... (1) -9,35 (3) -3,48

(1) -9,29 (3) -3,55

(2) -7,71 (3) -2,97

MULHER ..................... (1) -0,35 (3) -78,86

(1) -0,35 (3) -81,27

(1) -0,34 (3) -79,54

COR AMARELA .......... 0,02 (3) 0,34

-0,00 (3) -0,09

-0,01 (3) -0,23

COR INDÍGENA .......... -0,04 (3) -1,06

-0,05 (3) -1,27

-0,09 (3) -2,07

COR PARDA ............... (1) -0,07 (3) -8,70

(1) -0,07 (3) -8,78

(1) -0,08 (3) -10,14

COR PRETA ............... (1) -0,13 (3) -12,86

(1) -0,13 (3) -13,28

(1) -0,15 (3) -15,93

IDADE ......................... (4) 5,15 (3) 2,19

(4) 5,17 (3) 2,26

3,34 (3) 1,47

IDADE^2 ..................... -0,73 (3) -1,07

-0,76 (3) -1,15

-0,22 (3) -0,34

IDADE^3 ..................... 0,01 (3) 0,24

0,02 (3) 0,34

-0,03 (3) -0,49

ESCOLARIDADE ........ (1) 1,04 (3) 22,24

(1) 1,04 (3) 22,80

(1) 1,06 (3) 23,39

ESCOLARIDADE^2 .... (1) -1,05 (3) -31,69

(1) -1,04 (3) -32,50

(1) -1,05 (3) -33,03

ESCOLARIDADE^3 .... (1) 0,32 (3) 44,76

(1) 0,32 (3) 45,70

(1) 0,32 (3) 45,90

AGLOMERAÇÃO ........ - (1) 0,16 (3) 38,19

(1) 0,14 (3) -32,56

DIST_ CENTRO .......... - (1) -0,03 (3) -10,00

(1) -0,03 (3) -10,57

URBANIZAÇÃO .......... - (1) 0,22 (3) 29,94

(2) 0,03 (3) 3,09

POP_URBANA ........... - (1) 0,04 (3) 27,34

R2 ................................ 0,41 0,45 0,45 Estatística F ................ 3 611 3 224 3 100

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra — RS. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. CD-ROM.

(1) Significativo a menos de 0,001. (2) Significativo a 0,01. (3) Valores T.

(4) Significativo a 0,05.

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3 Conclusão

Neste trabalho, examinou-se a distribuição espacial das aglomeraçõesprodutivas e avaliaram-se os efeitos de características locacionais nos saláriosdos trabalhadores da indústria gaúcha. Após apresentar os recursos da análiseexploratória de dados espaciais, incluindo os indicadores de Moran-I global elocal, analisaram-se os determinantes salariais no Rio Grande do Sul.

As regressões econométricas, com base em microdados censitários, comcontroles para as dimensões individuais, além de indicarem a existência dediversas formas de discriminação no mercado de trabalho, sugeriram que “oespaço importa”. As evidências apóiam as hipóteses da Nova GeografiaEconômica, uma vez que os salários nominais, com os controles devidos, sãomaiores nos municípios com maior potencial de mercado (isto é, mais próximosdo centro econômico do Estado), mais urbanizados e com maior população.

O trabalho avançou, ao mostrar o potencial da utilização da estatísticaespacial e de microdados em conjunto para o estudo de questões de economiaregional. Foi possível mensurar, pela primeira vez, o impacto de economias deaglomeração e de urbanização nos salários dos trabalhadores industriais gaúchos.Contudo, além dos cuidados que se deve ter na interpretação de resultadoseconométricos, vale a pena adotar uma cautela adicional. O próprio Hanson(2000) alertou para as dificuldades de se distinguir empiricamente as economiasde aglomeração e seus efeitos. Podem existir características locais exógenasnão observadas, ou mesmo pode ser difícil identificar quais são efetivamenteas externalidades e como elas causam as aglomerações produtivas.

Para a economia gaúcha, a análise sugere que, de fato, existem elementosque favorecem a concentração em torno do centro econômico do Estado,localizado nas proximidades de Santa Cruz do Sul. Isso está de acordo com oprocesso de desconcentração concentrada, já identificado na economia gaúcha(Bandeira, 1995). As empresas são atraídas pela região dinâmica, mas buscam,ao mesmo tempo, evitar os custos maiores, decorrentes da aglomeraçãoexcessiva, como já apontavam Alonso e Bandeira (1988). Uma interpretaçãopossível desse resultado é que o atraso industrial das demais regiões do Estadoseria conseqüência mais de processos econômicos de distribuição da atividadeeconômica no espaço do que de determinantes culturais ou políticos. Essa éuma restrição extra a ser considerada pelas políticas regionais, quando buscamum desenvolvimento industrial espacialmente mais equânime.

No âmbito desta pesquisa, os próximos passos estarão voltados a incluiras características das empresas e das atividades de cada trabalhador na

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estimação econométrica.9 Dessa forma, será possível distinguir melhor os efei-tos das aglomerações por tipo, tamanho de empresa, ou mesmo relacionadoscom a atividade do trabalhador. Ao mesmo tempo, um instrumental de análiseespacial mais sofisticado será aplicado à mesma base de dados, para que sealcance uma melhor compreensão da distribuição espacial da atividade econômicano Rio Grande do Sul.

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9 Em trabalho mais recente, Monasterio (2006) analisou o mesmo objeto do presente artigo,com um banco de dados distinto, métodos econométricos mais sofisticados e com a inclusãode dummies setoriais. Em geral, os resultados obtidos mantiveram-se.

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Precarização do trabalho: avaliando a deterioração do mercado de trabalho...

Precarização do trabalho: avaliando a deterioração do mercado de trabalho

na Região Metropolitanade Porto Alegre*

Míriam De Toni** Socióloga da Fundação de Economia e Estatística e Doutora em Sociologia pela UFRGS

ResumoAs transformações no trabalho, associadas à reestruturação produtiva ocorridano Brasil a partir da década de 90, têm imprimido alterações substantivas eimpactos diferenciados no mercado e nas relações de trabalho, originando deba-tes e interpretações conflitantes. Nesse contexto, o presente artigo tem porobjetivo apreender o sentido prevalecente na evolução dos principais indicado-res do mercado de trabalho, perseguindo-se a hipótese de que houve uma cres-cente precarização das relações de trabalho no período 1992-04. Para tanto,procedeu-se à construção e à análise de um índice-síntese, o Índice dePrecarização (IP), utilizando dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego naRegião Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA). Ao integrar múltiplas dimen-sões relativas às formas de inserção ocupacional, o IP evidenciou uma maiorprecarização no mercado de trabalho metropolitano, uma vez que a quedaacentuada do índice entre os subperíodos 2 (jul./94-jun./96) e 4 (jul./98-jun.//00) não logrou ser contra-arrestada pela evolução positiva da maioria dos indi-cadores ao final do período em análise.

* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007. Este artigo é parte dos estudos desenvolvidos pela autora na Tese de Doutorado em Socio-

logia. Ver Toni (2004), especialmente o Capítulo 5. ** E-mail: [email protected] A autora agradece à Professora Doutora Elida Rubini Liedke, orientadora da Tese, por seus

valiosos comentários e sugestões ao texto, bem como a Jeferson D. de Matos, Estatístico daPED-RMPA, a sua participação na organização dos dados e a Thais Persson, bolsista daFAPERGS, o auxílio na edição final do texto.

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Palavras-chavePrecarização do trabalho; transformações do trabalho; mercado de traba-lho metropolitano.

AbstractIn Brazil, the precarization of the labour market conditions has been pointed outas one of the main problems related to the process of productive restructuring,which occurred more intensively from the early nineties onwards. In this context,the objective of this article is to analyze the prevailing direction in the evolutionof the main indicators of the labour market, under the hypothesis that there hasbeen an increase in the level of precariousness of the labour relations during theperiod 1992–04. In order to analyze this subject we use a synthetic statisticalmeasure — an index of precarization — which encompasses multiple dimensionsof labour conditions, using data from a monthly survey at the Metropolitan Regionof Porto Alegre (PED-RMPA). The main outcomes indicated a rise in the level ofprecariousness in the labour market, which has been expressed in the rise ofunemployment rates, job instability and insecure forms of work as well as in thelack or absence of social protection.

Key wordsMarked labour precariousness; changes at work; metropolitan labourmarkets.

Classificação JEL: J01.

Introdução

A precarização do trabalho vem sendo destacada como um dos principaisproblemas associados aos processos de reestruturação das formas de produzire dos modos de organizar e gerir o trabalho, que, no Brasil, vêm ocorrendo, demodo mais efetivo, a partir da década de 90, no bojo das transformações dosistema capitalista desencadeadas no último quartel do século XX. Na realida-de, tais processos têm gerado alterações substantivas no mercado de trabalho

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e nas relações de trabalho, as quais, pela sua natureza múltipla, vêm tendoimpactos diferenciados sobre a população trabalhadora, cuja análise requer quese leve em conta uma variedade de evidências, incluindo dimensões econômicase sociais, capazes de revelar situações relacionadas ao trabalho, mas que tam-bém interferem na qualidade de vida dos trabalhadores.

Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo apreender o sentidoprevalecente na evolução dos principais indicadores do mercado de trabalho,perseguindo-se a hipótese de que houve uma crescente precarização das rela-ções de trabalho, processo este que resultou da confluência de vários fatores.Dentre esses, para o caso brasileiro e considerando o período que se inicia nosanos 90, cabe destacar — ao lado das circunstâncias históricas nacionais, deum mercado de trabalho já marcado pela heterogeneidade e pela convivênciacom formas precárias de inserção ocupacional — a maior inserção do País noprocesso de globalização, a qual ocorreu de modo abrupto e com escassa par-ticipação da sociedade, o aprofundamento da reestruturação produtiva e a op-ção por políticas de cunho neoliberal, que se pautam por questionar o papel doEstado, incentivar privatizações e desregulamentar as várias esferas da econo-mia e da sociedade, com especial ênfase na flexibilização das relações detrabalho.

Em termos da economia nacional, o período foi pontuado por conjunturasdistintas e por mudanças abruptas, cujos desdobramentos provocaram impac-tos diferenciados sobre o mercado de trabalho, os quais, na sua maior parte,têm repercutido de modo desfavorável sobre os trabalhadores, predominandoformas de inserção que tendem a precarizar as relações de trabalho, revertendo,desse modo, tendências de melhoria das condições de trabalho da populaçãoativa observadas em períodos anteriores — principalmente entre 1960 e 1980.

Dentre os principais acontecimentos nos âmbitos da economia e da políti-ca que caracterizaram esse período, pode-se citar um primeiro momento, deprofunda recessão (1990-92), com o Governo Collor, quando se intensificou oprocesso de abertura comercial; a seguir, os dois períodos do Governo FernandoHenrique Cardoso (FHC) deram continuidade à política de corte neoliberal, po-dendo-se distinguir diferentes momentos. Entre 1993 e 1997, registrou-se umarecuperação do nível de atividade econômica, reforçada pela implantação demais um plano de estabilização (Plano Real), em 1994, introduzindo uma novamoeda — o real — e controlando o processo inflacionário. Após esse intervalo,o quadro seguiu ainda mais errático, com desaceleração econômica até 1999,seguida de certa recuperação entre este último ano e 2001, ancorada, em boamedida, na desvalorização cambial, que alavancou as exportações, benefician-do sobremaneira os estados com perfil exportador, como é o caso do Rio Gran-de do Sul (RS), Estado tomado como referência para o presente estudo. Já o

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Míriam De Toni

ano de 2002 — último da gestão FHC — foi marcado por turbulências — crisefinanceira, aumento do Risco Brasil, abrupta valorização cambial, elevação dainflação e queda do nível de atividade —, as quais interromperam aquele cená-rio mais promissor. Tais acontecimentos estiveram associados, por um lado, àseleições presidenciais, em que se desenhava a vitória — depois confirmadapela eleição do Presidente Lula — de um governo à esquerda do espectro po-lítico e crítico ao modelo anterior, e, por outro, à forte crise da Argentina e àdesaceleração econômica norte-americana, países estes que se constituemnos principais parceiros comerciais do RS. Por fim, ao final do período, já sob oGoverno Lula, a economia voltou a crescer, revertendo, em parte, o quadroanterior, com inflação sob controle e saldos comerciais cada vez mais positi-vos, em uma conjuntura internacional bastante favorável.

Não obstante as várias conjunturas que se sucederam, o período como umtodo foi caracterizado por taxas de crescimento econômico oscilantes e relati-vamente baixas, não se desenhando uma trajetória de crescimento sustentá-vel.1

Tendo-se presente esse contexto, para a análise da evolução das formasde inserção da população ativa, procedeu-se à construção de um índice — aquidenominado Índice de Precarização (IP) —, tendo em vista que, por ser umindicador-síntese, é um instrumento estatístico valioso, quando o objetivo éintegrar múltiplas dimensões relativas às condições de inserção da PopulaçãoEconomicamente Ativa (PEA) no mercado de trabalho, possibilitando, assim,avaliações sobre a qualidade desse mercado. Essa propriedade torna-se parti-cularmente importante, quando se tem presente que as mudanças no mercadode trabalho brasileiro têm evidenciado resultados distintos e até opostos, ge-rando debate e interpretações muitas vezes conflitantes.

O estudo toma como referencial empírico o mercado de trabalho da RegiãoMetropolitana de Porto Alegre (RMPA), tendo em vista a importância desseespaço para o Estado do Rio Grande do Sul, tanto quanto o lugar destacado queo Estado ocupa no contexto nacional2. De fato, a RMPA tem grande importânciaem termos econômicos e populacionais, concentrando as atividades produtivas

1 Para o Brasil, a taxa de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) entre 1990 e 2004foi bastante baixa durante quase todo o período, sendo inferior a 3% ao ano em oito do totalde anos e superando os 5% em apenas dois anos (IBGE, 2006). De modo semelhante, parao Rio Grande do Sul, esse indicador atingiu, no máximo, 3% em nove do total de anos doperíodo, sendo que, em apenas três anos, ele se mostrou superior aos 6% (Schettert, 2005;FEE, 2006).

2 O Rio Grande do Sul, situado no extremo sul do Brasil, tem permanecido, historicamente,como uma das economias de maior porte do País, estando na quarta posição entre os 26estados da Federação, precedido por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

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cativas de sítios urbanos — gera a metade do Produto Interno Bruto industrial ecerca de 42% do PIB do setor serviços (Alonso, 2001). No caso da indústria, aaglomeração urbana da RMPA sedia grande parte das atividade industriais comcaracterísticas de complexos industriais — complexos agroindustrial (comdestaque para os ramos vinculados à atividade coureiro-calçadista), metal--mecânico e químico.3 Em termos demográficos, os 31 municípios que integrama Região abarcam cerca de um terço da população do Estado, de 10 milhões dehabitantes, e congregam nada menos do que 40% da população trabalhadoragaúcha vinculada a atividades não agrícolas.

Acresça-se a isso o fato de que, especialmente a partir dos anos 90 eseguindo o curso da economia nacional, o Rio Grande do Sul e, conseqüente-mente, a RMPA vêm passando por um processo de intensificação dareestruturação produtiva, acompanhado de mudanças na organização e na ges-tão do trabalho, que tem provocado alterações expressivas nas formas e nascondições de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho regional. Estu-dos sobre os processos de reestruturação em curso têm destacado aspectostais como: implementação de estratégias de desverticalização, de subcontrataçãoe de terceirização;4 programas de ajuste, implicando integração de atividadesprodutivas, fusões e associações; enxugamento dos quadros hierárquicos ediminuição do número de pessoas empregadas;5 e adoção de inovaçõesorganizacionais — muitas delas associadas aos novos modelos, especialmen-te o japonês Just-in-Time (JIT), o Círculo de Controle de Qualidade (CCQ), o

3 Tomando como indicador da produção industrial o “valor das saídas”, Alonso (2004) constataa elevada participação relativa desses complexos industriais metropolitanos no total de cadacomplexo, no Estado. O químico tem a maior concentração, atingindo 83,1% na RMPA;seguem o metal-mecânico, com 53,4%, e o agroindustrial, com 37,8%. Integrando este último,o segmento coureiro-calçadista participa com mais de dois terços do valor de saídas total dosegmento, no Estado. Há ainda, com menor participação, o complexo madeira (34,1%).

4 Sobre a reeestruturação produtiva no Rio Grande do Sul e suas conseqüências, ver, espe-cialmente, Castilhos e Passos (1998), Jornada et al. (1999) e Alonso (2004). No caso dacadeia produtiva têxtil-vestuário, por exemplo, apenas um quarto das empresas pesquisadasnão havia adotado estratégias de desverticalização e/ou terceirização na década de 90; nocomplexo celulose, papel e papelão, todas as empresas apresentaram terceirização, centradaem atividades de serviços (Castilhos; Passos, 1998).

5 De acordo com Castilhos e Passos (1998), no setor de máquinas-ferramenta, por exemplo,todas as empresas integrantes da pesquisa de campo diminuíram em cerca de 50% onúmero de empregados no período 1987-88 e em 1993. Em que pese estar contida noperíodo a recessão econômica de 1990-92, a redução de mão-de-obra nas empresas resul-tou, principalmente, da incorporação de novos equipamentos produtivos e de aumento daprodutividade da mão-de-obra. “Em 1993, as empresas [...] necessitavam de cerca de 30%menos de mão-de-obra para manter o mesmo nível de produção de 1988” (Castilhos; Pas-sos, 1998, p. 90).

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Controle Estatístico de Processo (CEP), as células de produção, etc. — embo-ra, geralmente, de forma não sistêmica e de modo ainda bastante heterogêneoentre e intra-setores.6

Por fim, a opção metodológica de focar o estudo sobre um espaço regionalmetropolitano está fundada no entendimento de que, dadas as característicasde tais espaços, esse recorte se presta à análise de manifestações de tendên-cias gerais do mercado de trabalho nacional, bem como à possibilidade deidentificá-las, potencializando a apreensão de aspectos similares aos várioscontextos regionais, que lhes imprime características homogêneas. A ênfasenesses aspectos não anula e tampouco diminui a importância e a necessidadede esforços com vistas a captar especificidades regionais, o que endereça es-tudos comparativos inter-regionais.

O estudo tomou como fonte de dados a Pesquisa de Emprego e Desem-prego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA)7, abarcando o pe-ríodo de 1992 a 2004. O texto está organizado em duas partes, além destaIntrodução: na primeira, de cunho metodológico, explicita-se a seleção dosindicadores que compõem o IP, seguindo-se a apresentação da metodologia decálculo do Índice; a segunda parte compreende a apresentação e a análise dosresultados obtidos, em que se acompanha a evolução das condições de inserçãoocupacioanal na RMPA e se discutem suas implicações para a população traba-lhadora.

6 Conforme Castilhos e Passos (1998, p. 73), no setor de autopeças, as mudanças no proces-so produtivo vêm dando prioridade “[...] à redução de custos alcançada pelo corte depessoal, pela automação e pela externalização de serviços”, em detrimento dadesverticalização do processo produtivo. Já no setor de máquinas-ferramenta, o mesmoestudo constata que as empresas mais importantes do Estado apresentaram como eixo daestratégia empresarial a redução do nível de integração vertical da produção. Adicionalmen-te, estudo de Jornada et al. (1999) constatou que e incorporação de equipamentos de basemicroeletrônica na indústria mecânica gaúcha é recente a ainda parcial, observando-se aconvivência de equipamentos de bases técnicas distintas. Nesse sentido, a pesquisa em 10grandes empresas do ramo mecânica revelou que, enquanto todas operavam com máqui-nas-ferramenta de controle numérico (MFCN) e os computadores se generalizavam entreelas, apenas três operavam com robôs, e quatro possuíam máquinas de comando numéricodireto — direct numerical control (DNC).

7 A PED-RMPA é executada pela Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser(FEE) desde abril de 1992, mediante convênio com a Fundação Gaúcha do Trabalho e AçãoSocial (FGTAS-SINE-RS), com a Fundação SEADE, de São Paulo, e com o DepartamentoIntersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE). A metodologia utilizadana PED introduziu inovações metodológicas visando apreender melhor as características demercados de trabalho heterogêneos, como o brasileiro. Implantada na Grande São Paulo, em1985, a PED foi sendo ampliada para outras regiões metropolitanas do País, especialmentenos anos 90, abrangendo, atualmente, as de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife,Salvador e o Distrito Federal. Sobre a metodologia da PED, ver Fundação SEADE/DIEESE(1995).

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1 Aspectos metodológicos

1.1 Seleção de indicadores para a composição do Índice de Precarização

Tendo como pressuposto que a análise das mudanças no trabalho requerque se considerem vários aspectos do processo em curso, os quais, não raro,apontam direções distintas e até opostas, alguns estudos a respeito do merca-do de trabalho brasileiro têm utilizado como estratégia analítica a construção deíndices, montados com base em uma gama mais ou menos extensa de indica-dores, visando a, justamente, avaliar a trajetória prevalente nas mudanças. Dentreesses, merecem ser destacadas as experiências desenvolvidas por Miller (1999)e Saboia (1999), cuja relevância se prende ao esforço despendido na elabora-ção de índices e à clareza na explicitação da metodologia utilizada, bem comoà riqueza quanto aos resultados obtidos.8

No primeiro caso, a autora analisou a evolução da qualidade do empregono Brasil, nos anos 90 (período 1989-96), por meio da construção de um índicede qualidade do emprego, fundado na combinação de três variáveis: statuscontratual — participação do assalariamento formal (no setor privado, com car-teira assinada e assalariado no setor público) sobre o total da ocupação —;proteção social — participação dos contribuintes na previdência socialoficial —; e salário ou renda mensal por hora trabalhada. O índice-resumo dequalidade resultante permitiu-lhe comparar os setores de atividade econômica esua evolução ao longo do período enfocado.

Saboia (1999), por seu turno, propõe “um novo índice para o mercado detrabalho urbano no Brasil”, incorporando três dimensões — desemprego, ocupa-ção e/ou informalidade e rendimento do trabalho —, cada uma desdobrada emblocos de indicadores específicos. Com base nos dados da Pesquisa Mensalde Emprego, do IBGE (PME-IBGE) (IBGE, 2006a), o autor faz uma análise dosmercados de trabalho metropolitanos e de sua evolução no período 1991-98,chegando a conclusões semelhantes às de Miller (1999), através de uma rela-ção mais extensa de indicadores. O índice resultante, tomado como indicador

8 Para desenvolver os estudos, ambos os autores valeram-se de metodologia desenvolvidapara a construção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, a qual inspiratambém a análise ora empreendida, como se explicitará no item seguinte. Em estudo compropósitos similares, Moutinho, Gouvea e Klagsbrunn (2002) optaram pela aplicação de umoutro instrumental estatístico — a análise fatorial por componentes principais —, que tambémse presta a análises dessa natureza.

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global, mostrou “forte deterioração do mercado de trabalho”, embora os trêsblocos de estatísticas fornecessem resultados distintos. Ou seja,

[...] enquanto os dois primeiros apontam no sentido de piora, o último indicamelhora. A queda nos indicadores de desemprego e de ocupação//informalidade, entretanto, é suficientemente forte, de modo que o indicador--síntese construído mostra uma clara deterioração no período analisado(Saboia, 1999, p. 6).

Partindo de tais estudos e tendo por referência as considerações a respei-to das mudanças no mercado de trabalho regional, passou-se à construção doÍndice de Precarização. Assim, ao escolher os componentes do Índice, buscou--se abarcar a complexidade do fenômeno em estudo, incluindo dimensões queconfigurassem fatores determinantes da qualidade das inserções dos indiví-duos no mercado de trabalho e que, ao mesmo tempo, pudessem revelar níveisdiferenciados de precariedade.

Inicialmente, foram definidas três dimensões — condições de inserçãoocupacional, desemprego e rendimentos do trabalho —, às quais se incorpora-ram oito indicadores considerados básicos para avaliar as condições de inser-ção da PEA, conforme apresentado na Figura 1.

No que se refere às condições de inserção ocupacional, privilegiou-se aproteção social associada ao trabalho, incluindo-se, como indicadores princi-pais, os relativos às categorias de inserção consideradas padrão do sistemacapitalista — assalariados do setor privado com carteira de trabalho assinada etrabalhadores do setor público (estatutários e com carteira de trabalho assina-da). Adicionalmente, foram contemplados os trabalhadores que declararam con-tribuir para a previdência social pertencentes às demais formas de inserçãoocupacional, o que lhes garante o amparo da legislação em vigor. Desse modo,as categorias selecionadas permitem abarcar todo o conjunto de trabalhadoresvinculados ao Sistema de Proteção Social, sendo essa classificação maisabrangente, portanto, que a maioria dos estudos que abordam esse tema, osquais tendem a fazer referência apenas aos trabalhadores assalariados comvínculo formal.

Como indicador complementar, foi selecionado, ainda, o tempo que o indi-víduo vinha exercendo a ocupação na qual se encontrava no momento da pes-quisa — tempo médio de permanência no trabalho —, que fornece uma indica-ção da rotatividade da mão-de-obra e oferece elementos para se avaliarem emníveis de estabilidade ou de instabilidade na ocupação.

A segunda dimensão contemplou o desemprego, tomando-se como variá-vel básica a taxa de desemprego total, que inclui os três tipos de desempregoconsiderados pela PED — aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelodesalento. Essas formas de desemprego procuram abarcar as suas caracterís-

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ticas em mercados de trabalho como o brasileiro, em que os mecanismosinstitucionais de proteção ao desempregado contemplam parcela restrita da for-ça de trabalho nessa condição e têm duração limitada e insuficiente, especial-mente ao se ter presente que o tempo médio despendido na procura por trabalhose elevou para cerca de um ano a partir do final da década de 90, nas regiõesmetropolitanas pesquisadas pela PED.9

A esse indicador, acrescentaram-se outras duas variáveis que incorporamelementos que permitem melhor qualificar a condição de desemprego e seusimpactos sobre a população — o tempo médio despendido na procura por traba-lho e a taxa de desemprego dos chefes de domicílio.

Como terceira e última dimensão, considerou-se o rendimento do traba-lho, tendo como principal variável o rendimento médio real por hora trabalhada,dado que, além de ser um indicador bastante utilizado, tem a vantagem — frenteao indicador comumente empregado, que seria o rendimento médio real mensal —de contornar possíveis diferenciais de rendimentos médios advindos de diferen-ças no tamanho da jornada de trabalho. Além do nível de rendimento, a desigual-dade na distribuição dos rendimentos é um outro indicador importante dascondições do mercado de trabalho, especialmente em países como o Brasil, deelevada desigualdade de renda. Assim, foi acrescido um indicador de desigual-dade, optando-se pelo Índice de Gini, largamente utilizado em estudos sobrerendimentos.

Uma vez feita a escolha das três dimensões e das variáveis que as inte-gram, e seguindo a metodologia de construção do Índice de Precarização, deta-lhada a seguir, procedeu-se à ponderação das variáveis conforme o grau deimportância atribuído a cada uma delas. Esses três grupos de indicadores sãoutilizados na composição do indicador-síntese do mercado de trabalho, o IP,cujos valores variam entre zero e um, de tal modo que seu crescimento significamelhoria das condições do mercado de trabalho, e, contrariamente, sua quedarevela deterioração de tais condições.

9 Conforme dados apresentados em DIEESE (2001, p. 56), esse indicador variava entre 10 e 15meses nas regiões pesquisadas.

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1.2 Índice de Precarização: metodologia de cálculo

A metodologia para a elaboração do Índice de Precarização foi inspiradano Índice de Desenvolvimento Humano, criado pela ONU, no início dos anos 90,para acompanhar o desenvolvimento social mundial (Nações Unidas, 1990). Apartir dessa experiência, a metodologia do IDH vem fundamentando a constru-ção de indicadores sintéticos para avaliar graus de desenvolvimento de regiõesou países,10 bem como condições do mercado de trabalho e sua evolução aolongo dos últimos anos.

Com base nessa metodologia, a construção do Índice de Precarizaçãopautou-se na incorporação das três dimensões definidas anteriormente, com asquais se procurou abarcar os principais aspectos relativos às condições deinserção da População Economicamente Ativa no mercado de trabalho metro-politano. Para o cálculo do IP, foram igualmente considerados os oito indicado-res associados a cada dimensão, conforme visualizado na Figura 1.

Para a construção dos índices-síntese de cada dimensão, é necessárioque todos os índices parciais apontem uma mesma direção, de modo que umvalor elevado para uma estatística deve, necessariamente, indicar resultadosimilar, em termos de avaliação, a valores elevados nas demais estatísticas. Nopresente caso, os índices foram padronizados, de forma que valores altos ex-pressassem melhores condições do mercado de trabalho e valores baixos indi-cassem condições menos favoráveis.

Quanto à inserção ocupacional, as três variáveis e/ou estatísticasselecionadas apresentam relação direta com o índice a ser construído paracada uma delas, ou seja, quanto maior o valor apurado para cada uma dessasestatísticas, maior será o valor do índice resultante, uma vez que esse aumentorepresenta melhora nas condições do mercado de trabalho. Portanto, esses trêsindicadores são considerados positivamente na composição do IP.

Já as três variáveis que compõem a dimensão desemprego apresentamrelação indireta ou contrária ao índice a ser construído para as mesmas, poisvalores maiores dessas estatísticas representam deterioração do mercado de

10 Referentemente à criação de outros índices de desenvolvimento, observa-se que eles,geralmente, têm buscado ampliar o número de variáveis incorporadas, uma vez que sãoconsiderados muito restritos os indicadores levados em conta pelo IDH (renda per capita,taxa de analfabetismo, número de anos de estudo e expectativa de vida ao nascer).Apenas para exemplificar, podem ser citados o Índice Social Municipal Ampliado e o Idese,ambos para o Rio Grande do Sul, que levam em consideração indicadores de condições dedomicílio e saneamento, educação, saúde e renda (Winckler, 2002) e o Índice de ExclusãoSocial, apresentado no Atlas de Exclusão Social no Brasil (Pochmann; Amorim, 2003).

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trabalho e, portanto, devem resultar em índices com valores baixos. Assim, osindicadores de desemprego são tidos como negativos para a composição do IP,uma vez que seu crescimento indica situações menos favoráveis de inserçãono mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que afetam a situação dos de-sempregados, ampliando o tempo em desemprego ou, no caso dos chefes dedomicílio, pela queda na qualidade de vida do grupo familiar, pois, geralmente, ochefe tem a maior contribuição no orçamento desse grupo.

As duas estatísticas sobre rendimento, por sua vez, mostram diferençasna construção do índice. O rendimento médio por hora tem relação direta com oíndice a ser construído, enquanto o Índice de Gini apresenta relação indireta. Ouseja, um aumento no rendimento tem contribuição positiva para o IP, pois arenda tem estreita relação com a qualidade de vida de toda a população, espe-cialmente em um país como o Brasil, de elevada pobreza e baixos rendimentosdo trabalho. Inversamente, o indicador referente ao Índice de Gini afeta negati-vamente o IP, pois seu crescimento indica piora na distribuição dos rendimen-tos, aumentando a desigualdade de renda.

Do total das oito variáveis utilizadas para a construção do índice-síntesegeral, sete delas — exceção feita ao Índice de Gini — tiveram seus valoresmáximos e mínimos parametrizados através dos valores históricos mensaisobservados entre os meses de julho de 1992 e junho de 2004, perfazendo 12anos de série histórica da PED-RMPA. A variável Índice de Gini, pelo fato de jáser um índice e de possuir a propriedade de variar entre zero e um, foi utilizadadiretamente, ou melhor, subtraiu-se seu valor da unidade 1, para que apresen-tasse relação direta com os demais índices.

Para o cálculo do IP, utilizaram-se as fórmulas a seguir:Para aquelas estatísticas cujo crescimento significa melhoria (por exem-

plo, o rendimento), o índice é calculado por:IP = (E – Emin) / (Emax – Emin)OndeE = valor da estatística escolhida;Emax = valor máximo;Emin = valor mínimo;Para as estatísticas cujo crescimento significa piora (por exemplo, a taxa

de desemprego), o índice é calculado por: IP = (E – Emax) / (Emin – Emax)Os dados são apresentados na forma de índice, compreendendo três con-

juntos: inicialmente, são apresentados oito índices que representam a variabili-dade de cada indicador isolado nos seis biênios em estudo; seguem três índi-ces-síntese, correspondentes às dimensões enfocadas; e, por fim, o índice--síntese geral, construído a partir dos índices-síntese de cada dimensão.

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Dado o interesse em investigar o comportamento do índice sob o recortede gênero, o mesmo rol de indicadores foi aplicado para os subconjuntos de

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homens e mulheres, igualmente considerando os seis biênios. Acompanhandoessa decisão, optou-se por trabalhar com os valores máximos e mínimos obser-vados ao longo dos 12 anos da série da PED para cada um dos segmentos,conforme o sexo. Essa parametrização possibilita comparar os resultados obti-dos para o mercado de trabalho, globalmente considerado, com aqueles relati-vos aos dois segmentos populacionais referidos: feminino e masculino.

As fórmulas utilizadas para as diferentes etapas de cálculo do IP são asseguintes:

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Para o cálculo de cada indicador, foram, ainda, atribuídos pesos conformea importância e a abrangência de cada um dos aspectos selecionados. Assim,as três dimensões receberam pesos equivalentes, de um terço do total cadauma. Dentro de cada grupo, o indicador considerado mais importante para adimensão estudada recebeu um peso maior, de, pelo menos, a metade daqueleatribuído ao grupo, sendo o restante distribuído entre os indicadores comple-mentares, conforme demonstrado nas fórmulas anteriormente apresentadas.

2 Índice de Precarização indica deterioração do mercado de trabalho da RMPA

Uma análise geral da evolução do Índice de Precarização sinaliza tendên-cia de piora nas condições de inserção dos trabalhadores no mercado de traba-lho da RMPA, não obstante terem sido registrados oscilações e mesmo senti-dos divergentes nos índices parciais, relativos às variáveis selecionadas paracada dimensão, conforme mostra a Tabela 1.

O exame da Tabela 1 revela, também, que a situação mais favorável seconfigurou no segundo subperíodo, que corresponde ao intervalo de tempo ime-diatamente após a implementação do Plano Real, em 1994, em que vários dosíndices relativos aos indicadores atingiram o pico mais elevado, e outros apre-sentaram crescimento relativamente ao período inicial. Após esses sinais demelhora quase generalizada, a situação tendeu a se deteriorar, atingindo a con-dição mais crítica no quarto subperíodo. Na fase final, percebe-se discreta recu-peração na maioria dos índices parciais, não obstante a vasta maioria deles sesituarem em níveis inferiores aos observados no ponto inicial.

Cabe observar que a evolução dos principais indicadores do mercado detrabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre, entre 1992 e 2004, seguiu umcurso semelhante ao verificado no âmbito nacional, revelando comportamentoscom estreita vinculação à condução da economia e da política no âmbito federale, em menor medida, no estadual (Ramos; Brito, 2004; Toni, 2002). Em relaçãoao estado gaúcho, cabe salientar algumas especificidades que contribuíram paraos resultados evidenciados no mercado de trabalho de sua região metropolita-na, captados pelo Índice de Precarização. Ocorre que, não obstante o desempe-nho positivo da economia nacional nos primeiros anos subseqüentes à implan-tação do Plano Real, que logrou a estabilização dos preços, para o RS foram

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particularmente agudos alguns dos impactos negativos do ambiente econômicoentão vigente, dadas as baixas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto11

e, especialmente, a sobrevalorização cambial. Isto é, com um perfil econômicoque tem no mercado exportador um dos principais dinamizadores e no qualsobressai a indústria calçadista, sediada quase inteiramente na RMPA, como jáse referiu, a economia estadual foi afetada pelas restrições às exportações epela forte concorrência de produtos importados, especialmente os calçados daChina.12

Modificações na política econômica a partir de 1999 — com destaque paraa adoção do regime de câmbio flutuante — repercutiram positivamente sobre aseconomias nacional e regional, verificando-se desempenho mais positivo doPIB gaúcho, que variou entre 3,0% e 4,4% no período 1999-01, desacelerando,entretanto, no ano seguinte, para se situar em 1,1%, em 2002. Tal conjunturateve repercussões positivas sobre o mercado de trabalho, que também foi, dealgum modo, favorecido pela orientação político-partidária do governo que assu-miu o Estado no período 1999-02, o do Partido dos Trabalhadores. Isto porque,dentre outros aspectos, o programa daquele governo contrapunha-se àprivatização de empresas estatais e a incentivos à demissão voluntária ou àaposentadoria precoce de trabalhadores do setor público — medidas dessa na-tureza ganharam efetividade em gestões anteriores, no bojo das políticas decorte neoliberal que se propagaram no período — e declarava apoio efetivo apequenas e a médias empresas, fatores esses que tendem a impactar positiva-mente o nível de emprego.

11 Na década de 90, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de apenas 2,7% a.a., comtaxas anuais que oscilaram entre -0,5% em 1992 e 5,9% em 1994. Entre 2000 e 2004,somente nas duas pontas, houve variação positiva importante do PIB (em torno de 5% a.a.),ficando os demais anos com taxas abaixo dos 2%. O PIB do Rio Grande do Sul, por sua vez,ficou um pouco acima do nacional, acompanhando, entretanto, o fraco desempenho deste esituando-se em 2,9% a. a., na década de 90. Entre 2000 e 2004, o desempenho foi geralmen-te melhor que o nacional, exceção feita ao último ano — 3,0% para o RS e 4,9% para o Brasil(Carta Conj. FEE, 2003; Schettert, 2005; IBGE, 2006).

12 O RS é um dos principais estados exportadores do País, oscilando entre o segundo e oterceiro lugar, em uma lista capitaneada por São Paulo. Dados recentes situam o Estado emsegundo lugar, com participação de 10,8% no total das exportações brasileiras, logo abaixode São Paulo (32,4%) e tendo como concorrentes próximos Minas Gerais (10,7%) e Paraná(9,3%) (ZH, 2004).

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A melhora registrada, todavia, não se sustentou, tendo sido prejudicada porfatores, tanto externos quanto internos, adversos. No primeiro caso, cabe referir odesaquecimento da economia norte-americana, exacerbado pelos atentadosterroristas de 11 de setembro de 2001, e o agravamento da crise generalizada naArgentina, problemas estes que afetaram justamente os dois principais parceiroscomerciais do Estado.13 Internamente, aos problemas do País acrescentaram-seturbulências que marcaram o ano eleitoral de 2002, já comentadas, o que suscitouincertezas de várias ordens, gerando aumento do Risco Brasil, desvalorizaçãocambial, crescimento das taxas de juros e da inflação, dentre outras conseqüências.Ao final do período, registrou-se nova fase de recuperação dos principais indicadoreseconômicos nacionais e um desempenho mais favorável registrado no Estado —o PIB voltou a crescer no Estado (4,8% em 2003 e 3,0% em 2004), embora tenhase recuperado, no País, apenas em 2004, quando atingiu 4,9% —, calcado noexcelente resultado das exportações, que dinamizou a indústria em ambos osanos, e no bom desempenho da agroindústria em 2003.

Tendo presente esse contexto e voltando o foco da análise para o compor-tamento do Índice de Precarização segundo as três dimensões selecionadas —condições de inserção ocupacional, desemprego e rendimentos —, constata-seque o padrão geral antes aludido descreve mais apropriadamente a evoluçãodas duas primeiras dimensões, uma vez que os rendimentos apresentaram com-portamento um tanto diferenciado. Ou seja, além de essa dimensão ter sido aúnica em que os índices relativos aos indicadores mostraram certa estabilidadeao se compararem as duas pontas do período, a variação dos mesmos foi fran-camente positiva até o subperíodo 3, invertendo essa trajetória a partir de en-tão, revelando-se declinante até o final.

Quanto à inserção ocupacional, os índices parciais mostraram tendênciasdivergentes: o índice relativo à parcela de assalariados com vínculo legal caiude modo continuado até o subperíodo 4, apresentando alguma recuperação maisexpressiva apenas ao final (o índice variou de 0,76 a 0,37 nos pontos extremosdo período); aquele referente ao tempo médio de permanência na ocupaçãoelevou-se (0,39 no subperíodo 1 e 0,67 no último), oscilando sempre acima doinicialmente registrado; e o índice correspondente ao percentual de outros traba-lhadores que contribuem para a Previdência seguiu mais de perto o padrãogeral, com nítida piora após o subperíodo 3.

13 No caso das exportações gaúchas de calçados, os EUA são o país de destino para quasetrês quartos do total (71,21% em 2001), seguindo-se a Argentina (6,50%) e o Reino Unido(6,09%). Em que pese essa proporção se ter mantido para os EUA e para o Reino Unido em2002, o valor total desse item das exportações gaúchas caiu 11,98% face a 2001, e aparcela destinada à Argentina despencou, situando-se em apenas 0,56% do total (CartaConj. FEE, 2002).

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Como resultado, o comportamento decrescente do índice da dimensãoenfocada, que passou de 0,61 para 0,43 nos extremos do período, pode seratribuído à retração da parcela de trabalhadores com vínculo legalizado, queatingiu indivíduos de ambos os sexos, e daquela de contribuintes da Previdên-cia Social pública, diminuição esta especialmente acentuada entre os homens.Em outras palavras, o declínio da proteção social afetou sobremaneira as con-dições de inserção ocupacional, refletindo-se na queda do seu índice.

Os índices referentes à dimensão desemprego apresentaram tendência depiora, com apenas duas oscilações favoráveis, ocorridas no subperíodos 2 e 4.Ao lado do índice referente ao indicador taxa de desemprego (0,69 e 0,44 nospontos extremos), cuja interferência para a queda do índice geral dessa dimen-são foi expressiva, destaca-se a contribuição do índice relativo ao indicadortempo médio de procura de trabalho, o qual recuou de 0,75 para 0,25 no decorrerdo período em foco. Quanto a este último, o recuo do índice parcial foi expressi-vo para ambos os sexos, denotando intenso aumento do tempo de procura portrabalho. Já na taxa de desemprego, a contribuição maior coube ao índice obtidopara as mulheres, que variou de 0,56 no subperíodo 1, para 0,22 ao final, aopasso que, entre os homens, os índices respectivos foram de 0,79 e 0,61.

O rendimento singularizou-se por ser a única dimensão em que todos osindicadores acusaram certa estabilidade, considerando-se os ponto extremosdo período, não obstante os dois indicadores componentes terem evoluído deforma bem distinta. O índice referente ao rendimento médio real evoluiu favora-velmente até o subperíodo 3, quando atingiu seu ápice (0,63 frente aos 0,40iniciais), refletindo ganhos no rendimento médio real, em boa parte associadosaos reflexos da estabilização monetária. Após esse período, inverteu o movi-mento, e o índice despencou de forma continuada até o final, o que acabou poranular os ganhos anteriormente obtidos. Já o índice relativo ao indicador Índicede Gini teve oscilações bem menos bruscas. Ao final do período, ambos osíndices situavam-se em patamares próximos aos vigentes no início, sendo queo índice relativo ao indicador rendimento médio real se situava um pouco abaixo(0,40 e 0,36 nos pontos extremos), enquanto o do Índice de Gini ficou ligeira-mente acima (0,53 e 0,55 respectivamente), revelando pequena melhora na dis-tribuição de renda entre os trabalhadores. Portanto, as variações mais acentua-das no primeiro contribuíram em maior grau para os resultados observados noíndice parcial de rendimentos, o qual, partindo de 0,45, atingiu seu pico nosubperíodo 3, quando alcançou 0,61, para se posicionar próximo ao valor inicialno último subperíodo (0,42).

No recorte por gênero, registrou-se comportamento similar, cabendo res-saltar que, para as mulheres, ainda que o índice relativo ao rendimento médioreal tendo sido bastante inferior ao observado entre os homens, ele apresentou

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crescimento mais acentuado, denotando ganhos relativamente maiores para ocontingente feminino. Para esse segmento, o índice do rendimento médio realsituava-se, ao final do período, em patamar ainda acima do observado no início(0,11 no início e 0,20 ao final), ao contrário do que se constatou para o grupomasculino.

Quanto ao índice referente ao indicador Índice de Gini, prevaleceu umarelativa estabilidade, e seus valores apresentaram-se bastante próximos, quan-do se examinam os dados segundo o sexo dos trabalhadores. Ainda assim,observou-se discreta elevação desse índice entre os trabalhadores de ambosos sexos (0,54 e 0,56 nos pontos extremos), o que sinaliza uma pequena melhoriana distribuição dos rendimentos.

Considerando as três dimensões selecionadas, verificou-se que os índicesrespectivos apresentaram oscilações variadas, de acordo com o expresso noGráfico 1, embora tenham convergido, todos eles, para piores condições de inserçãono mercado de trabalho regional. Ademais, enquanto, ao final do período, o índiceparcial de inserção ocupacional mostrou certa estabilidade (notadamente a partirdo subperíodo 4) e o de desemprego, após elevação do subperíodo 4 para o 5,também se estabilizou, o indicador para o rendimento seguiu declinando.

Uma avaliação conjunta desses movimentos é possibilitada pela análisedo Índice Geral de Precarização, que constitui uma medida sintética, abrangen-do esse comportamento diferenciado das oito variáveis escolhidas, com vistasa permitir uma avaliação das condições gerais de inserção no mercado de traba-lho da RMPA, entre 1992 e 2004. Desse modo, analisando a evolução do IP nodecorrer do período em foco, verifica-se ter havido uma deterioração das condi-ções gerais de inserção da População Economicamente Ativa no mercado detrabalho metropolitano.

Não obstante terem se registrado oscilações do IP no decorrer do período,houvesse uma clara tendência de queda, manifesta entre os subperíodos 2 e 4,resultando em um IP de 0,42 no final da série face aos 0,60 do início. Detalhan-do a análise, observou-se relativa estabilidade do IP até o subperíodo 3 — emtorno de 0,60 —, sustentada, inicialmente, pelos resultados positivos dos índi-ces correspondentes às dimensões rendimento e desemprego, cuja evoluçãofoi favorável até o subperíodo 2, e rendimento, isoladamente, no 3, visto que oíndice parcial de inserção ocupacional declinou continuamente nesse intervalode tempo. A queda acentuada do IP no subperíodo 4, quando atingiu 0,40 — oseu nível mais baixo —, refletiu o recuo conjunto de todos os índices parciais.Ao final, essa queda foi apenas em parte revertida, graças ao resultado relativa-mente mais positivo dos índices parciais de desemprego e de inserçãoocupacional, que contra-arrestou em alguma medida o comportamento desfavo-rável do índice parcial de rendimento.

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Essa recuperação do IP ao final do período pode ser considerada aindafrágil, dado que não apresenta um movimento linear de elevação, não autorizan-do, portanto, que se vislumbre alguma tendência mais consistente quanto auma evolução favorável do Índice Geral no futuro próximo. Tal percepção é refor-çada, quando se incorporam à análise dados mais recentes, relativos aos anosde 2004 e 2005, em que, não obstante o mercado de trabalho ter evoluído demodo positivo, nem todos os indicadores mostraram recuperação consistente.De fato, informações da PED-RMPA em bases anuais revelam, de positivo, ocrescimento continuado do nível de ocupação — assentado especialmente noaumento do contingente de trabalhadores assalariados com carteira de trabalhoassinada, no setor privado, portanto, com proteção social — e o recuo do de-semprego, embora a taxa global de desemprego se mantenha acima da obser-vada nos primeiros anos da série da Pesquisa (14,5% da PEA em 2005, faceaos 12,2% de 1993). No pólo contrário, o rendimento médio real do trabalho nãoregistrou alterações favoráveis, esboçando tênue recuperação em 2005, de ape-nas 1,5%, após tendência de queda por quatro anos consecutivos — entre 2000e 2004, esse indicador acumulou perdas da ordem de 13,9%, atingindo, noúltimo ano, o valor mais baixo da série da PED-RMPA — R$ 896,00 em valoresde nov./05 (Informe PED, 2006). Ademais, entre os trabalhadores que não de-tém contrato de trabalho padrão — principalmente os autônomos, os assalaria-dos sem carteira de trabalho assinada e os empregados domésticos —, a par-cela excluída dos benefícios sociais continua elevada e crescente, chegando aquase dois terços do total de trabalhadores desse segmento. O desempenho daeconomia do RS, por seu turno, jogou mais um forte componente de incertezanesse quadro, uma vez que o PIB de 2005 sofreu importante revés, com quedade 4,8%. Nesse ano, o resultado esteve associado à estiagem que atingiu oEstado, combinada com a desaceleração das exportações, novamente prejudi-cadas pelo câmbio desfavorável ante a valorização da moeda nacional, o queacabou por afetar negativamente a competitividade tanto da indústria regionalquanto da nacional — no País, o PIB cresceu apenas 2,3% em 2005, bemabaixo dos 4,9% registrados em 2004.

Passando a analisar a composição do IP sob o recorte de gênero, sobres-sai, de imediato, o fato de que os índices para a força de trabalho feminina sesituavam nítida e sistematicamente em patamares inferiores aos calculadospara os trabalhadores do sexo masculino, como mostra o Gráfico 2. Não sendoeste um achado inusitado, o fato mais uma vez corrobora a condiçãodiscriminatória que marca a inserção laboral feminina. Tal situação se manifestaem todas as dimensões destacadas e, nos casos em que os índices se apre-sentam bastante baixos, indica níveis de precariedade, para as mulheres, próxi-mos das condições mais desfavoráveis registradas pela série da PED-RMPA.

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Todavia um comportamento diferenciado e surpreendente, no caso femini-no, foi o observado no tocante à evolução do índice parcial relativo ao percentualde outros trabalhadores que contribuem para a Previdência. Isto porque, sendoa cobertura previdenciária geralmente inferior entre as mulheres trabalhadoras,a situação inverteu-se ao longo da série, pois, para o contingente feminino, oíndice específico dessa variável cresceu até o subperíodo 3, arrefecendo após,para encerrar o período em nível abaixo do inicialmente observado (0,39 noinício, 0,71 no subperíodo 3 e 0,26 ao final). Entre os homens, ao contrário,houve uma única oscilação positiva do subperíodo 2 para o 3, mas o índice nãosó esteve sempre em patamares inferiores ao expresso no ponto inicial (0,81),como encerrou o período bem perto da pior situação observada na série — oíndice de 0,03 indica proximidade ao valor mínimo observado na série da PED--RMPA, que foi de apenas 33,1% de contribuintes da Previdência. Com tal evo-lução, o índice relativo ao contingente feminino, exceção feita ao subperíodo 1,esteve sempre acima do observado para os trabalhadores do sexo masculino.

De todo modo, a análise desses dados sugere que, para manter a ocupa-ção ou para ingressar no mercado de trabalho, a “opção” de muitos trabalhado-res — na realidade, muitas das vezes uma imposição, face à ausência de ou-tras alternativas — implicou uma troca perversa, no sentido de aproveitar opor-tunidades de trabalho e de rendimentos, talvez promissoras, mas também mui-to concorridas, às custas da proteção social. Em decorrência, esses indivíduosacabam expondo-se a maiores riscos no presente, alguns dos quais podem sertransferidos para o futuro, reduzindo possibilidades de garantia de uma qualida-de de vida melhor, há medida em que, por exemplo, não se podem beneficiar doSeguro-Desemprego e tampouco contabilizam o tempo de trabalho com vistas auma aposentadoria remunerada.

Resumindo, pode-se afirmar que a utilização de um índice-síntese comoinstrumental estatístico capaz de indicar a direção de um conjunto de variáveisque evoluem de modo distinto e que, por vezes, apresentam oscilações opos-tas mostrou ser um recurso valioso para a análise da evolução das formas deinserção e das condições presentes no mercado de trabalho da RMPA. O IPaponta, efetivamente, uma maior precarização nesse mercado, resultante docomportamento desfavorável da maior parte dos indicadores selecionados, queconvergiram para as situações mais precárias apresentadas na série da PED--RMPA, durante os 12 primeiros anos de existência da Pesquisa. Mesmo osresultados positivos registrados em alguns dos indicadores parciais — tais comoo tempo de permanência na ocupação e o Índice de Gini — e a melhora quasegeneralizada nos dois últimos subperíodos não lograram compensar as perdasocorridas previamente.

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Apêndice

Tabela A.1

Valores-limite relativos aos indicadores componentes do Índice de Precarização

VARIÁVEL (estatística) VALOR MÍNIMO

VALOR MÁXIMO

Percentual de assalariados do setor privado com carteira assinada e trabalhadores do setor público .......................... 50,5 64,1 Percentual de outros trabalhadores que contribuem para a Previdência .......................................................................... 33,1 46,7 Tempo médio de permanência no trabalho atual (meses).. 55 73 Taxa global de desemprego ................................................ 8 22,7 Tempo médio de procura de trabalho (meses) ................... 4 12 Taxa de desemprego do chefe do domicílio ....................... 4,5 18,4 Rendimento médio por hora trabalhada .............................. 3,24 6,07 Índice de Gini ...................................................................... (1) - (1) -

FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio da PMPA. (1) Para esse caso, não se aplicam os valores-limite.

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Uma análise exploratória dos fatores quecondicionam a participação dos jovens

nas atividades de estudo e trabalho,na Região Metropolitana de

Porto Alegre*

Jéferson Daniel de Matos** Estatístico da Fundação de Economia e Estatística e Professor do Centro Universitário MetodistaRaul Luís Assumpção Bastos*** Economista da Fundação de Economia e Estatística e Professor do Departamento de Economia da PUCRS

ResumoEste artigo aborda de forma exploratória os fatores que condicionam aparticipação dos jovens nas atividades de estudo e trabalho, na RegiãoMetropolitana de Porto Alegre (RMPA). Para atingir esse propósito, utiliza-secomo procedimento metodológico a estimação do modelo multinomial logísticopara amostras de homens jovens e de mulheres jovens em 1993 e 2003. Osresultados da estimação do modelo mostram-se satisfatórios, confirmando,“grosso modo”, o acerto na escolha das variáveis explicativas idade e escolaridadedo jovem, escolaridade e condição de atividade do chefe de domicílio, rendadomiciliar e taxa de dependência. Conforme é evidenciado no corpo do trabalho,uma grande proporção de estimativas dos coeficientes das variáveis explicativasé estatisticamente significativa, revelando efeitos sobre as diferentes situaçõesde estudo e trabalho dos jovens que vão ao encontro das expectativas formuladaspela literatura revista no trabalho.

* Artigo elaborado no âmbito do projeto de pesquisa Dimensões da Precarização do Mer-cado de Trabalho na Região Metropolina de Porto Alegre, o qual contou com apoio daFAPERGS e do CNPq.

Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

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Palavras-chavePopulação jovem; estudo e trabalho; modelo multinomial logístico.

AbstractThis paper approach, in an exploratory way, the factors that condition the youthparticipation in activities of study and work in the Metropolitan Area of PortoAlegre, Brazil. To reach this goal, the methodological procedure used is theestimation of the multinomial logit model for samples of youth males and youthfemales in 1993 and 2003. The results of the model estimation shows satisfactory,confirming, in a general way, that youth’ age and schooling, head of the household’schooling and activity condition, household income and dependency rate are thecorrect explanatory variables. As it is evidenced in the body of the paper, a greatproportion of the estimated coefficients of the explanatory variables is statisticallysignificant, revealing effects on the different situations of study and work ofyouth that meet the expectations formulated by the literature reviewed in thepaper.

Key wordsYouth population; study and work; multinomial logit model.

Classificação JEL: J00, J13, J22.

1 Introdução

Conforme reconhecem muitos estudos, os jovens vivem uma fase particulardo ciclo de vida, que é aquela que envolve o processo de transição da escolapara o trabalho. Em face disso, eles passam a combinar atividades de naturezasdistintas, que correspondem ao avanço na obtenção da educação formal e,simultaneamente, ao início do exercício do trabalho. Com base nessa percepção,colocam-se diversas questões relativas a esse processo e ao engajamento dosjovens no mercado de trabalho, as quais podem ser assim sintetizadas: (a) quefatores incidem sobre as suas decisões de começarem a trabalhar?; (b) quefatores os levam a experimentar um duplo status, o de trabalhar e estudar?; (c)

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que fatores condicionam as suas decisões de se dedicarem somente aosestudos?; (d) que fatores podem implicar diferenças entre os gêneros na inserçãoem atividades de estudo e trabalho?; (e) e quando se comparam dois momentosno tempo, pode-se identificar algum padrão de comportamento entre os jovensnas decisões relativas a trabalho e estudo? Tendo como referência essasquestões, este artigo procura identificar e analisar exploratoriamente os fatoresque condicionam o status relativo ao estudo e ao trabalho dos jovens na RegiãoMetropolitana de Porto Alegre (RMPA).

Com o propósito acima delineado, o trabalho está organizado da seguintemaneira: após esta breve Introdução, na seção 2, apresentam-se e discutem--se os resultados de trabalhos recentes sobre os fatores que condicionam asatividades relacionadas com a educação e o trabalho entre os jovens; na seção3, estima-se um modelo econométrico que permite testar a influência de variáveisexplicativas selecionadas sobre a situação de estudo e trabalho dos jovens naRMPA; e, por último, nas Considerações finais, são sumarizadas as principaisconclusões deste artigo.

2 Estudar, trabalhar e a constituição de um status multifacetado entre a população jovem

Os jovens experimentam uma fase singular no ciclo de vida, que é aquelaem que se dá o processo de transição da escola para o trabalho. De acordo comRyan (2001, p. 35), esse processo pode ser definido como “[...] o período entreo final do ensino compulsório e a obtenção de um emprego estável e em tempointegral”. Trata-se, portanto, de um momento em que atividades distintas —estudar e trabalhar — vão gradativamente passando a coexistir na experiênciade vida da população jovem. A coerência e a articulação desse processocondicionam as perspectivas desse grupo populacional em sua inserção nomercado de trabalho.

Intuitivamente, a expectativa que se coloca é a de que, à medida que ojovem avance em termos etários, ele vá gradativamente passando de umasituação em que somente estuda para outra em que inicia a atividade laboral. Érazoável supor que seja assim essa fase do ciclo de vida dos jovens, pois oaumento da idade se associa, na maioria das vezes, à conclusão da educaçãocompulsória, o que, combinado à situação socioeconômica, pode conduzi-los àbusca de inserção, cada vez maior, no mercado de trabalho. Essa relação entre

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aumento da idade dos jovens e estar trabalhando mostra-se bastante clara nospaíses da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)e da América Latina, bem como o fato de que a proporção daqueles que somenteestudam se reduz gradativamente com o aumento da idade (Blanchflower;Freeman, 2000; CEPAL, 2004).

Deve-se ter presente que esse é um momento em que o status da populaçãojuvenil se diversifica, pois o jovem pode: (a) de fato, passar a combinar o estudoe o trabalho; (b) ser compelido a somente trabalhar, afastando-se dos estudos;(c) ficar apenas estudando por um período mais prolongado; (d) ou, numa situação--limite, até mesmo não exercer ambas as atividades, ficando em uma posiçãopróxima à marginalidade social. Caberia, portanto, procurar identificar os fatoresque condicionam as trajetórias dos jovens relativas a essas diferentes alternativasem termos de estudo e trabalho, ou mesmo da ausência de ambas.

Um primeiro aspecto que deve ser ressaltado é o de que se reconhece quese está vivendo um período histórico, em que se valoriza a educação formal e oconhecimento, o que aumenta o apelo à melhoria da escolaridade entre os jovens(Diez de Medina, 2001; Tokman, 2003; CEPAL, 2004). Ou seja, em um contextode emergência de um novo paradigma tecnológico, vinculado às tecnologias deinformação e de comunicação, faz-se necessário um nível mais elevado deeducação formal por parte da população jovem, para que a sua integração àsnovas formas de trabalhar que se configuram venha a ocorrer de maneira maisadequada. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que, nos mercados de trabalho,se tem observado maior exigência em termos de requisitos de escolaridade,conquanto esta tem sido utilizada mais intensamente como um instrumento deseleção nos processos de recrutamento por parte das empresas.

A esse respeito, cabe destacar que uma parcela da população jovem aindanão possui experiência de trabalho. Em tal situação, para essa parcela de jovens,o nível educacional opera também como uma credencial, a qual é utilizada pelosempregadores como um meio para identificar suas prováveis habilidades. Deacordo com Brauns et al. (1999, p. 3), as credenciais educacionais “[...] sãointerpretadas como um filtro, que serve primariamente como uma medida dehabilidade para os empregadores, importante no sentido em que outros indicadoresestão ausentes”. Nessa perspectiva, as credenciais apontam “[...] padrõesconvencionais de sociabilidade, a facilidade de adaptação às novas tarefas e acapacidade para internalizar regras organizacionais e a cultura da firma [...]”(Brauns et al., 1999, p. 4). Dessa forma, o apelo à educação formal tambémganha relevância entre a população jovem, na medida em que esse atributo seconstitui em um dos poucos elementos objetivos que as empresas possuem nomomento de um processo de seleção de pessoal, quando estão envolvidosmembros desse grupo populacional sem experiência anterior de trabalho.

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Em consonância com essa argumentação, existem evidências de que vemocorrendo uma melhora no perfil de escolaridade da população jovem, no âmbitointernacional, sendo essa indicada, dentre outros aspectos, por uma tendênciade elevação da proporção de pessoas desse grupo populacional matriculadasno ensino superior (OIT, 2000, p. 8). Nesse sentido “É provável que isto sedeva, em parte, a uma resposta da oferta de mão-de-obra juvenil à falta depostos de trabalho não qualificados, assim como ao aumento da demanda dequalificações em nível mundial” (OIT, 2000, p. 8).

No que diz respeito aos países da OCDE, o apelo à educação formal podeser apreendido pelo fato de que se verifica um forte aumento do contingente dejovens que estudam em tempo integral e, com menor intensidade, do númerodaqueles que compartilham estudo e trabalho; de forma distinta, identi-fica-se uma redução do contingente daqueles que somente trabalham (OIT, 2000,p. 12). Correlatamente, constata-se também que os jovens relativamente maisescolarizados tardam mais a ingressar no mercado de trabalho (OIT, 2000,p. 13).

Na América Latina, também se identificam indicações de melhora no perfilde escolaridade dos jovens, no período recente (CEPAL, 2004). Isso é confirmadoatravés da redução da proporção de indivíduos desse grupo populacional nasituação de analfabetismo funcional, nos países da região, entre 1990 e 2002,bem como pelo aumento moderado da proporção daqueles que possuíam osníveis de educação primária, secundária e superior (CEPAL, 2004, p. 170). Deve--se ter presente, não obstante, no que se refere à educação secundária e àsuperior, que a cobertura ainda se encontra em níveis relativamente baixos naregião, atingindo, em 2002, 34,8% dos jovens de 20 a 24 anos no caso do ensinosecundário e 6,5% dos indivíduos de 25 a 29 anos no caso do ensino superior.

Nesse mesmo contexto, considera-se positivo que, entre os jovens latino--americanos de 15 a 19 anos, em 2002, a maior proporção somente estudava(45,2%), contra 10,6% que somente trabalhavam (CEPAL, 2004, p. 91). Já aproporção daqueles que possuíam o duplo status, ou seja, trabalhavam eestudavam, era de 20,6% em 2002. Cabe assinalar que a parcela relativa dejovens que não estudavam e não trabalhavam — numa situação, portanto, quese poderia tomar como negativa, pois de exclusão social — correspondia a11,9% dos indivíduos desse grupo populacional em 2002, na América Latina.1

Um outro fator que condiciona o processo de ingresso dos jovens no mercadode trabalho é o background familiar. Neste caso, propugna-se que o histórico

1 Havia, ainda, entre os jovens de 15 a 19 anos, na América Latina, em 2002, uma parcelarelativa de 11,7% que cuidavam de afazeres domésticos (CEPAL, 2004, p. 91).

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familiar em que o jovem está inserido pode contribuir para retardar ou acelerar asua inserção no mercado de trabalho. Tomando como aproximação de backgroundfamiliar o nível de escolaridade dos pais, trabalha-se com a compreensão deque, quando estes possuem maior nível de educação formal, os filhos sãomotivados a permanecer mais tempo na escola e a ingressar com idaderelativamente mais elevada no mercado de trabalho (Iannelli, 2002; CEPAL, 2004).Ou seja, pais mais escolarizados percebem que o avanço do nível de educaçãoformal de seus filhos é fundamental no seu processo de inserção no mercado detrabalho, seja porque esse mercado tem se tornado mais seletivo no presentecontexto, seja porque isso pode proporcionar melhores condições ocupacionaise de vida no futuro.

Nesse sentido, de acordo com as evidências do estudo de Iannelli (2002)para os países da Europa, a proporção de jovens cujos pais possuíam baixonível educacional e que se afastaram dos estudos prematuramente era muitomaior do que a daqueles cujos pais tinham maior nível educacional (Iannelli,2002, p. 9). Ainda de acordo com os resultados desse trabalho para os paíseseuropeus, a probabilidade de que um jovem venha a se graduar em nível superioré relativamente maior, quando os seus pais são mais escolarizados,comparativamente aos jovens cujos pais têm menor nível educacional (Iannelli,2002, p. 12).

A esse respeito, em um estudo que aborda a situação dos jovens na AméricaLatina, afirma-se a existência de uma forte associação entre o nível educacionaldos pais e o desempenho dos filhos em termos escolares (CEPAL, 2004). Deacordo com esse trabalho, isso implica uma tendência à reprodução dedesigualdades intergeracionais, no sentido de que, se os pais tiverem um nívelde educação formal relativamente baixo, os seus filhos também terãoperspectivas de estudo e de trabalho muito mais limitadas. Assim, de acordocom esse trabalho,

[...] entre uns 48% e uns 64% dos jovens latino-americanos de zonasurbanas vêem restringidas suas oportunidades futuras já em seu domicíliode origem, posto que o nível educativo dos pais, variável determinante doclima educacional do domicílio, aparece altamente correlacionado com astrajetórias educacionais dos filhos [...] (CEPAL, 2004, p. 176).

Por sua vez, conforme o trabalho de Corseuil et al. (2001, p. 832) sobrequatro países latino-americanos — Brasil, Chile, Peru e Honduras —, o níveleducacional dos pais mostrou-se também muito importante na determinaçãoda situação de estudo e/ou trabalho dos filhos nessas experiências nacionais,no sentido de que pertencer a uma família cujos pais eram relativamente mais

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escolarizados se vinculava ao aumento da probabilidade de os filhos estaremvoltados exclusivamente para os estudos.

O estudo de Leite e Silva (2002) sobre crianças e adolescentes das RegiõesSudeste e Nordeste do Brasil também corrobora o entendimento de que o nívelde educação dos pais — nesse caso, especificamente o da mãe — aumenta aprobabilidade de os filhos se dedicarem exclusivamente aos estudos.2 De acordocom os resultados dessa pesquisa, o nível de instrução da mãe era uma dasvariáveis que contribuía significativamente para a determinação da situação detrabalho e de estudo dos filhos e, em particular, para que os filhos pertencessemà categoria daqueles que somente estudavam (Leite; Silva, 2002, p. 19).

Portanto, a perspectiva que será aqui adotada é a de que o backgroundfamiliar — nesse caso, reitera-se, aproximado pelo nível de escolaridade dospais — é um dos principais condicionantes da situação em que se encontram osfilhos, seja no que se refere à possibilidade de dedicação exclusiva aos estudos,seja no que diz respeito à participação, por vezes prematura, no mercado detrabalho.

A situação socioeconômica familiar em que o jovem reside também seconstitui em fator condicionante da sua trajetória de estudo e trabalho (CEPAL,2004). Tomando como medida aproximada dessa dimensão a renda familiar,trabalha-se com a compreensão de que os jovens que estão inseridos em famíliascom nível de renda mais elevado têm condições mais favoráveis para estudar,permanecendo um período mais longo na escola e, conseqüentemente,ingressando no mercado de trabalho com uma melhor formação, o que amplia aperspectiva de êxito na obtenção de um posto de trabalho. Isso poderia estarindicando a existência de um processo de reprodução de desigualdades nasociedade, na medida em que, nas famílias de baixo nível de renda, os jovensseriam compelidos a se engajar prematuramente no mercado de trabalho, emdetrimento dos estudos, perpetuando-se o atraso em sua formação educacionale limitando as perspectivas de trabalho e de melhora de padrão de vida.

Essa compreensão a respeito da relação entre o nível de renda familiar e aintensidade de participação dos jovens no mercado de trabalho é confirmada,em parte, por alguns estudos. De acordo com o trabalho de Diez de Medina(2001, p. 34), com dados relativos a 14 países da América Latina nos anos 90,no qual a população juvenil urbana foi estratificada por níveis de renda domiciliarper capita, na faixa etária de 15 a 19 anos, de fato, predominavam as experiências

2 Não se trata de um trabalho especificamente sobre jovens, mas, sim, sobre crianças e jovensadolescentes. Não obstante, os propósitos desse estudo vão ao encontro dos objetivos dotrabalho que está sendo ora desenvolvido, por isso, o interesse em resgatar aqui alguns deseus principais resultados.

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nacionais (10) em que a taxa de participação no mercado de trabalho era maiorentre os jovens que residiam nos 20,0% de domicílios mais pobrescomparativamente àqueles que residiam nos 20,0% de domicílios mais ricos.De forma diversa, quando se toma a faixa etária de 20 a 24 anos, constata-seque, em 13 dos 14 países analisados, a taxa de participação no mercado detrabalho era maior entre os jovens que residiam nos 20,0% de domicílios maisricos, em comparação àqueles que residiam nos 20,0% de domicílios maispobres. Essas evidências não permitem que se estabeleça, para os paíseslatino-americanos, nos anos 90, uma conclusão categórica sobre a relação entrenível de renda domiciliar per capita e intensidade de participação no mercado detrabalho dos jovens. Ainda assim, elas estão indicando que os jovens adolescentesde famílias pobres se sentem mais pressionados a participar prematuramentedo mercado de trabalho, o que prejudicaria o seu processo de progressão escolar.

Ainda no que se refere a essa problemática, o estudo de Corseuil et al.(2001) sobre Brasil, Chile, Honduras e Peru não encontrou evidências de que onível de renda familiar afetasse as decisões de trabalhar ou de estudar dosjovens, pois não se observaram diferenças significativas no efeito dessa variávelsobre a situação dos jovens de famílias pobres comparativamente aos de famíliasricas. Não obstante, os autores desse estudo advertem que isso poderia dever--se ao fato de eles terem trabalhado com a renda familiar total, e não com arenda familiar per capita, que, caso tivesse sido utilizada, poderia conduzir aresultados distintos dos obtidos no estudo (Corseuil et al., 2001, p. 835).

A esse respeito, o trabalho de Leite e Silva (2002) abordou a situação detrabalho e estudo de crianças e jovens adolescentes nas Regiões Sudeste eNordeste do Brasil, no ano de 1999. Chama atenção que um dos resultadosdestacados pelos autores do estudo é justamente a influência da renda familiarper capita sobre a situação do grupo populacional em análise, no sentido de queum nível mais elevado desta implicava maior probabilidade de que crianças ejovens adolescentes pertencessem à categoria daqueles que somente estudavam(Leite; Silva, 2002, p. 19).

Já outro estudo sobre os jovens em cinco regiões metropolitanas brasileiras,com dados relativos ao ano de 2004, no qual esse grupo populacional foiestratificado por faixas de renda familiar, identificou que aqueles que pertenciamàs famílias do quartil inferior de renda apresentavam níveis de engajamento,nos mercados de trabalho metropolitanos, relativamente menores (DIEESE, 2005,p. 8).3 Esse resultado poderia ser tomado como contra-intuitivo, pois se esperaria

3 As regiões metropolitanas cobertas por esse estudo são as de Belo Horizonte, Porto Alegre,Recife, Salvador e São Paulo.

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que os jovens provenientes de famílias de baixa renda fossem mais compelidosa participar do mercado de trabalho, como forma de contribuir para uma melhorano padrão de vida de suas famílias, o que, de fato, não foi confirmado por esseestudo. Uma possibilidade de interpretação para esse fenômeno é que a maiorinatividade dos jovens de famílias de baixa renda esteja vinculada a uma maiorincidência de desemprego entre esse grupo populacional, na medida em que onível de desemprego pode significar um elemento de desestímulo ao ingressono mercado de trabalho. Em alguma medida, essa interpretação é corroboradapelas evidências proporcionadas por esse estudo (DIEESE, 2005, p. 9), pois,quando se comparam os jovens que pertenciam ao quartil de menor renda familiarcom aqueles do quartil de maior renda familiar, se constata que, entre os primeiros,eram muito mais elevadas as taxas de desemprego nas regiões metropolitanasem análise.

Um outro aspecto que foi revelado por esse trabalho, que é de particularinteresse aqui resgatar, é quanto à situação dos jovens que estavam inativosnas cinco regiões metropolitanas pesquisadas (DIEESE, 2005, p. 10). De acordocom os resultados desse estudo, nas famílias de renda elevada (4º quartil), aproporção de jovens que somente estudavam era maior do que nas famílias derenda baixa (1º quartil) — ainda que a diferença entre ambas não fosse superiora quatro pontos percentuais em nenhuma das regiões metropolitanas analisadas —, oque se pode tomar como um resultado esperado. Todavia o que mais se destacaentre os jovens que estavam economicamente inativos, quando se introduz ocontrole pelo nível de renda familiar, é a acentuada proporção daqueles que nãotrabalhavam e não estudavam4 nas famílias de renda baixa, comparativamenteàs de renda elevada: nas cinco regiões metropolitanas, a parcela relativa dejovens nessa situação era, pelo menos, três vezes superior nas primeiras emrelação às últimas. Assim, essas evidências sugerem a existência de umaassociação inversa entre o nível de renda familiar e o que se poderia reconhecercomo exclusão social dos jovens nas regiões metropolitanas, pois, quanto menorfor a primeira, maior a chance de o jovem não trabalhar e não estudar.

Essas relações podem ser ainda um pouco mais elucidadas, quando seincorpora o recorte por sexo no tratamento da situação de trabalho, estudo einatividade entre os jovens. Como demonstram muitos estudos no âmbitointernacional, as mulheres, tanto adultas quanto jovens, vêm aumentando o seuengajamento no mercado de trabalho, o que se tem expressado em maiorestaxas de atividade desse segmento populacional (CEPAL, 2004; OIT, 2000; 2004).

4 No estudo, essa situação é identificada como correspondendo a afazeres domésticos eoutros (DIEESE, 2005, p. 10).

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No caso da América Latina, as mulheres de 15 a 19 anos ampliaram levementea sua taxa de participação, de 25,5% em 1990 para 27,3% em 2002, enquanto,para aquelas inseridas na faixa etária de 20 a 24 anos, esse indicador se elevoude 46,1% para 51,9% entre esses mesmos anos (CEPAL, 2004, p. 212). Nãoobstante, é interessante destacar aqui o quanto são distintas as proporções demulheres jovens e de homens jovens que não trabalhavam e não estudavam5

na experiência latino-americana: entre os indivíduos de 15 a 19 anos, a essasituação correspondiam, em 2002, 23,3% das mulheres e somente 6,5% doshomens; já entre os indivíduos de 20 a 24 anos, nessa mesma data, 33,2% dasmulheres encontravam-se nessa situação, contra apenas 4,1% dos homens(CEPAL, 2004, p. 213). Portanto, em que pese o aumento do engajamento nomercado de trabalho das jovens latino-americanas, bem como a melhora emseu perfil de escolaridade, é muito elevada a parcela relativa daquelas que seencontravam em uma situação de exclusão social comparativamente aos homensjovens.

Uma tentativa de interpretação desse fenômeno seria a de que as mulheresjovens se vêem compelidas, dada a situação socioeconômica, a cuidar decrianças e de idosos em suas famílias, relação essa que é muito menos freqüenteentre os homens jovens. Com isso, em famílias em que é elevada a taxa dedependência6, limitam-se as suas possibilidades de continuarem estudando ede participarem do mercado de trabalho, o que pode implicar uma situação demaior exclusão social para as mulheres jovens. Embora com evidências restritasa duas regiões brasileiras, essa interpretação encontra respaldo nos resultadosdo estudo de Leite e Silva (2002, p. 23), em que esses autores mostram que,quanto maior a taxa de dependência, maior a probabilidade de a jovemadolescente não estudar e não participar da força de trabalho, para cuidar decrianças em sua família. De forma semelhante, o estudo de Santos et al. (2004,p. 13) também encontra evidências de que, nas comunidades de baixa renda doRio de Janeiro, as mulheres jovens que vivem em domicílios em que é maiselevada a taxa de dependência têm uma maior probabilidade de pertencerem àcategoria de indivíduos que não trabalhavam e não estudavam.

5 Nessa parte do trabalho da CEPAL, essa situação é caracterizada pela realização de afaze-res domésticos e outras formas de inatividade (CEPAL, 2004, p. 213).

6 A taxa de dependência corresponde à relação entre o número de crianças e idosos em umafamília e os demais membros dessa família.

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3 Análise econométrica dos fatores que con- dicionam a participação dos jovens nas ati- vidades de estudo e trabalho, na RMPA

A partir da percepção de que os jovens experimentam um statusmultifacetado envolvendo as atividades de estudo e trabalho, esta seção tem oobjetivo de analisar econometricamente os fatores que condicionam a suaconstituição na RMPA. Tendo presente esse propósito, a subseção 3.1 descreveo modelo econométrico utilizado no estudo, e a subseção 3.2 apresenta osprincipais resultados de sua estimação.

3.1 Descrição do modelo econométricoO modelo adotado para estimar os fatores que condicionam as escolhas

envolvendo o estudo e o trabalho da população juvenil na RMPA foi o multinomiallogístico7. Essa opção se deveu ao fato de que essa abordagem econométricapermite utilizar variáveis dependentes categóricas e modelá-las comoprobabilidades de determinadas características demográficas e socioeconômicasda população (Winkelmann; Winkelmann, 1997, p. 24), indo ao encontro do quese coloca para enfrentar o problema de pesquisa deste trabalho.

Nesse sentido, de acordo com a proposta deste estudo, a variáveldependente do modelo relativa ao status do jovem foi categorizada nos seguintestermos: não estuda e não trabalha igual a zero; somente trabalha igual a um;trabalha e estuda igual a dois; e somente estuda igual a três.

O jovem pode se encontrar em uma dessas quatro situações descritas,cabendo identificar as variáveis que condicionam a escolha de cada uma delas.É importante destacar que essa definição da variável dependente faz com queo modelo multinomial logístico utilizado seja não ordenado (Greene, 1997,p. 858), pois as alternativas de escolha são qualitativamente distintas.

De acordo com Greene (1997, p. 859), a equação do modelo multinomiallogístico é dada por:

Jje

exjYob J

k

x

x

iik

ij

,...,0,)(Pr

0

'

'

===∑

=

β

β

7 Para uma apresentação do modelo multinomial logístico, ver Greene (1997, p. 857-865). Paraaplicações do modelo em estudos sobre mercado de trabalho, ver Winkelmann e Winkelmann(1997), Menezes Filho et al. (2000), Corseuil et al. (2001), Wolbers (2001), Leite e Silva(2002), Silva e Kassouf (2002) e Santos et al. (2004).

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Nessa equação, as probabilidades de cada categoria de resposta j sãofunção das variáveis explicativas x

i, que

correspondem a características

demográficas e socioeconômicas dos indivíduos. Para que o modelo se torneidentificável, é necessária uma normalização, na qual

= 0 (Greene, 1997, p.

860). Assim, o modelo torna-se:

Conforme mostra Greene (1997, p. 860), esse modelo permite que se calculeJ razões de vantagens (log-odds ratios) em relação à categoria de referência:

Esse resultado pode ser normalizado sobre qualquer outra probabilidade(Greene, 1997, p. 860), obtendo-se:

Assim, a diferença entre os coeficientes da variável independente determinaa direção da vantagem de pertencer às categorias j ou k. Se a diferença forpositiva, há maior vantagem da categoria j em relação à categoria k.

Tendo como referência os argumentos identificados pela literatura sobre osfatores que condicionam a inserção da população juvenil nas atividades de estudoe trabalho (seção 2), serão utilizadas as seguintes variáveis explicativas nomodelo econométrico a ser estimado: escolaridade do chefe de domicílio; condiçãode atividade do chefe de domicílio; faixa etária do jovem; escolaridade do jovem;renda domiciliar; e taxa de dependência do domicílio (Quadro 1).

As expectativas quanto aos efeitos dessas variáveis são as seguintes: (a)no que diz respeito ao background familiar, que a presença de um chefe dedomicílio com maior nível de escolaridade aumente a probabilidade de o jovemsomente estudar; (b) quanto à condição de atividade do chefe de domicílio, que,caso este esteja ocupado, aumente a probabilidade de o jovem somente estudar;(c) que, à medida que o jovem avance em termos etários, aumentem asprobabilidades de ele trabalhar e estudar ou de somente trabalhar; (d) quanto aonível de escolaridade do jovem, que, quanto mais elevado este for, maior apossibilidade de o jovem trabalhar e estudar; (e) no que se refere à renda domiciliar,

∑=

+== J

k

xi

ikexYob

1

'

1

1)|0(Pr

β

iji

ij xP

P '

0

ln β=

)('ln kjik

ij xP

Pββ −=

β0

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propõe-se que, caso esta seja mais elevada, maior será a probabilidade de ojovem somente estudar; (f) e quanto à taxa de dependência, que, quanto maiselevada ela for, menor a probabilidade de as mulheres jovens somente estudarem,somente trabalharem e trabalharem e estudarem.

Quadro 1

Descrição das variáveis explicativas do modelo

VARIÁVEIS CATEGORIZAÇÕES

Escolaridade do chefe de domicílio Até sete anos de estudo = 3 De oito a 10 anos de estudo = 2 De 11 a 15 anos de estudo = 1 Mais de 15 anos de estudo = 0 (cate-goria de referência)

Condição de atividade do chefe de domicílio

Inativo = 0 (categoria de referência) Ocupado = 1 Desempregado = 2

Faixa etária do jovem De 16 e 17 anos = 2 De 18 a 20 anos = 1 De 21 a 24 anos = 0 (categoria de referência)

Escolaridade do jovem Até sete anos de estudo = 2 De oito a 10 anos de estudo = 1 De 11 a 15 anos de estudo = 0 (categoria de referência)

Renda domiciliar

Quartil 1 = 3 Quartil 2 = 2 Quartil 3 = 1 Quartil 4 = 0 (categoria de referência)

Taxa de dependência do domicílio Crianças de zero a quatro anos mais

idosos com mais de 65 anos Demais membros do domicílio

Baixa = 2 Média = 1 Alta = 0 (categoria de referência)

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3.2 A estimação do modelo econométrico: análi- se dos principais resultados

Os dados utilizados para a estimação do modelo econométrico são dabase de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego na RMPA (PED--RMPA) e correspondem aos anos de 1993 e 2003. Para a formação dessa base,foram selecionados somente os jovens de 16 a 24 anos que possuíam informaçãopara todas as variáveis incluídas no modelo.8 Como o modelo empregainformações em nível de domicílio, bastaria um de seus membros não divulgara renda para que não se pudesse computar a renda domiciliar. Nesses casos, ojovem foi excluído da base de dados, o que representou cerca de 12% da amostra.Cabe ainda fazer referência a que o modelo foi estimado para duas amostras,uma relativa aos homens jovens e outra às mulheres jovens, com o que sepretende investigar a existência de diferenças entre os sexos no que se refereaos condicionantes das atividades de estudo e trabalho desse grupo populacionalna RMPA.

3.2.1 Resultados relativos aos homens jovens

A Tabela 1 apresenta os resultados da estimação do modelo multinomiallogístico para a amostra de homens jovens, nos anos de 1993 e 2003. Para ainterpretação desses resultados, é importante ressaltar que a variável dependentedo modelo — o status do jovem — tem como categoria de referência a situaçãonão trabalha e não estuda. A primeira das variáveis explicativas do modelo, aescolaridade do chefe de domicílio, mostrou-se estatisticamente significativa,em ambos os anos, para os jovens de sexo masculino que se dedicavamsomente aos estudos. Dada a magnitude das estimativas dos coeficientes, pode--se afirmar que, quanto menos escolarizado o chefe de domicílio em que ojovem residia, menor a probabilidade de ele somente se dedicar aos estudos.Assim, por exemplo, em 2003, um homem jovem que residia em um domicíliono qual o chefe possuía até sete anos de estudo tinha uma redução estimada daprobabilidade de pertencer à categoria somente estuda de 91,4%,9 compara-tivamente a um homem jovem que residia em um domicílio no qual o chefe tinhamais de 15 anos de estudo.

8 Nos estudos da ONU, a população jovem é delimitada pela faixa etária de 15 a 24 anos (WorldYoulth Rep., 2003; 2003). No presente trabalho, todavia, utiliza-se a faixa etária de 16 a 24anos, porque 16 anos corresponde à idade mínima de ingresso legal no mercado de trabalhodo País.

9 O cálculo dessa probabilidade é feito da seguinte forma: [(e-2,448)-1] x 100 = -91,4%.

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Tabela 1

Resultados da estimação do modelo multinomial logístico para as situações de estudo e trabalho de homens jovens na Região Metropolitana

de Porto Alegre — 1993 e 2003

1993 2003

DISCRIMINAÇÃO Somente Trabalha

Trabalha e

Estuda

Somente Estuda

Somente Trabalha

Trabalha e

Estuda

Somente Estuda

Constante .................... 1,018 (1) 1,517 (2) 2,464 0,521 (2)1,165 (2)1,737 Escolaridade do chefe de domicílio Até sete anos de estudo 1,084 -0,829 (2)-2,772 (1)0,690 (2)-0,835 (2)-2,448 De oito a 10 anos de es-tudo ............................... 0,969 -0,873 (2)-2,475 0,654 (2)-1,015 (2)-2,403 De 11 a 15 anos de es-tudo ................................ 0,655 -0,482 (2)-1,602 0,545 -0,479 (2)-1,248 Mais de 15 anos de es-tudo (3) .......................... - - - - - - Condição de atividade do chefe de domicílio Inativo (3) ...................... - - - - - - Ocupado ........................ (2) 0,869 (2) 0,402 -0,130 (2) 0,953 (2) 0,568 0,026 Desempregado .............. (2)-0,992 (2)-0,830 (2)-1,344 (2)-0,536 (2)-0,542 (2)-0,735 Faixa etária do jovem De 16 e 17 anos ............ (2)-0,992 (2) 1,442 (2) 2,939 (2)-1,285 (2) 1,006 (2) 2,954 De 18 a 20 anos ............ (2)-0,616 (2) 0,484 (2) 1,197 (2)-0,660 -0,086 (2) 0,902 De 21 a 24 anos (3) ....... - - - - - - Escolaridade do jovem Até sete anos de estudo (1)-0,371 (2)-1,873 (2)-1,819 -0,158 (2)-1,211 (2)-0,609 De oito a 10 anos de es-tudo ............................... -0,171 -0,142 -0,132 (1) 0,277 (2) 0,424 (2) 0,761 De 11 a 15 anos de es-tudo (3).......................... - - - - - - Renda domiciliar Quartil 1 ......................... (2)-1,141 (2)-1,981 (2)-0,928 (2)-1,067 (2)-1,724 (2)-0,552 Quartil 2 ......................... (2)-0,373 (2)-1,017 (2)-0,944 (2)-0,312 (2)-0,976 (2)-0,636 Quartil 3 ......................... -0,140 (2)-0,558 (2)-0,646 -0,073 (2)-0,518 (2)-0,558 Quartil 4 (3) ................... - - - - - - Taxa de dependência Baixa .............................. -0,347 0,150 0,278 -0,297 0,152 -0,087 Média ............................. -0,230 -0,085 0,011 -0,074 -0,042 -0,310 Alta (3) ........................... - - - - - - Grau de liberdade ........ 42 42 Pseudo R2 ..................... 0,432 0,419 Amostra ........................ 5 256 6 679 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. NOTA: A variável dependente do modelo tem como categoria de referência a situação nãotrabalha e não estuda. (1) Corresponde ao nível de 5% de significância. (2) Correspondente ao nível de 1% de signi-ficância. (3) Correspondente à categoria de referência.

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Ainda no que se refere à variável explicativa escolaridade do chefe dodomicílio, esta se revelou significativa na categoria trabalha e estuda, no ano de2003, em duas situações: para os homens jovens que pertenciam a domicílioscujos chefes possuíam até sete anos de estudo e oito a 10 anos de estudo. Éinteressante notar que a redução estimada da probabilidade de pertencer àcategoria trabalha e estuda era menor na primeira situação (56,6%) do que nasegunda (63,8%), quando comparadas à dos jovens que residiam em domicílioscujos chefes possuíam mais de 15 anos de estudo. Quanto à categoria somentetrabalha, o único resultado estatisticamente significativo ocorreu, no ano de2003, para a situação em que o chefe do domicílio em que o jovem residia tinhaaté sete anos de estudo. Nesse caso, estima-se que aumente em 99,4% aprobabilidade de um jovem nessa situação somente trabalhar, em relação a umjovem que esteja inserido em um domicílio no qual o chefe tenha mais de 15anos de estudo. Esses resultados da estimação do modelo para a amostra dehomens jovens, portanto, evidenciam-se coerentes com as expectativasoriginalmente propostas.

A variável explicativa condição de atividade do chefe de domicíliomostrou-se estatisticamente significativa em praticamente todas as combinaçõesde situações, em ambos os anos, à exceção daquela correspondente aosdomicílios nos quais os chefes se encontravam ocupados e os jovens de sexomasculino somente estudavam, em ambos os anos. Conforme mostram osresultados da estimação, aumenta a probabilidade de um homem jovem somentetrabalhar e trabalhar e estudar, caso ele esteja inserido em um domicílio no qualo chefe está ocupado, comparativamente a outro homem jovem que pertença aum domicílio no qual o chefe esteja inativo: na primeira situação, a probabilidadeestimada elevou-se, no ano de 2003, em 159,3% e, na segunda, em 76,5%. Porsua vez, caso o jovem de sexo masculino pertença a um domicílio no qual ochefe esteja desempregado, reduz-se muito a probabilidade de ele somenteestudar, trabalhar e estudar e somente trabalhar, comparativamente a um domicíliono qual o chefe esteja inativo: as probabilidades estimadas reduziram-se, noano de 2003, em 52,0%, 41,8% e 41,5% respectivamente. Esse resultado, relativoaos homens jovens que residiam em domicílios cujos chefes estavamdesempregados, na RMPA, é de difícil interpretação, pois não é totalmente claroo porquê da existência de uma desvantagem em relação aos jovens provenientesde domicílios cujos chefes estavam inativos.

No que se refere à variável explicativa faixa etária do jovem, praticamentetodas as combinações de situações geradas pelo modelo mostraram-seestatisticamente significativas, com exceção da situação do jovem quetrabalhava e estudava e que possuía entre 18 e 20 anos em 2003. Conforme seconstata, estima-se um aumento acentuado da probabilidade de um homemjovem somente estudar e trabalhar e estudar, quanto menor for a sua faixaetária: por exemplo, no ano de 2003, um homem jovem entre 16 e 17 anos

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aumentava a sua possibilidade de somente estudar em aproximadamente 19vezes, comparativamente a outro que possuía de 21 a 24 anos. Já um jovementre 16 e 17 anos observava uma grande redução, em 2003, da probabilidadeestimada de somente trabalhar (-72,3%) comparativamente a outro que possuía21 a 24 anos. Portanto, os resultados da estimação foram bastante intuitivospara as situações somente estuda e somente trabalha, enquanto, na situaçãotrabalha e estuda, a interpretação se tornou menos clara: ou seja, por que umjovem, quanto menor a sua idade, vê aumentada a sua probabilidade de trabalhare estudar comparativamente a outro de idade mais avançada? Essa questãoainda está em aberto no presente estágio desta pesquisa.

Quanto à variável explicativa escolaridade do jovem, os resultados daestimação do modelo evidenciaram-se, em 2003, estatisticamente significativospara praticamente todas as combinações de situações, com exceção daquelacorrespondente aos jovens de sexo masculino que somente trabalhavam e quepossuíam até sete anos de estudo. Já para 1993, os resultados mostraram-seestatisticamente significativos exclusivamente para as diferentes situações queenvolvem os homens jovens com até sete anos de estudo. Tomando-se o ano de2003, é interessante perceber que parece haver um padrão relacionando a faixade escolaridade do jovem de sexo masculino e a sua inserção em cada uma dassituações de estudo e trabalho: assim, para o jovem com até sete anos deestudo, reduziu-se a probabilidade estimada de pertencer a qualquer uma dascategorias, enquanto, para o jovem com oito a 10 anos de estudo, as probabilidadesestimadas se elevaram, comparativamente aos jovens que possuíam de 11 a15 anos de estudo. Para ilustrar empiricamente essa afirmação, as possibilidadesestimadas de um homem jovem com oito a 10 anos de estudo somente estudar,trabalhar e estudar e somente trabalhar aumentavam em 114,0%, 52,8% e 31,9%,respectivamente, em comparação a outro homem jovem que possuía de 11 a 15anos de estudo. Diferentemente, um jovem de sexo masculino pertencendo àfaixa de escolaridade de até sete anos de estudo registrava uma redução dasprobabilidades estimadas de somente estudar e de trabalhar e estudar de 45,6%e 70,2%, respectivamente, em relação a um homem jovem inserido na faixa deescolaridade de 11 a 15 anos de estudo. Dessa forma, esses resultados daestimação do modelo indicam um handicap da população jovem masculinarelativamente menos escolarizada na sua inserção nas atividades que envolviamo estudo ou a combinação de trabalho e estudo na RMPA, em 2003.10

10 É interessante notar que, em 1993, para a faixa de escolaridade de até sete anos de es-tudo, o resultado da estimação do modelo mostrou-se estatisticamente significativo para asituação somente trabalha, indicando uma redução da probabilidade de o jovem encon-trar-se nessa situação de 31,0%, comparativamente a um jovem de sexo masculino quepossuísse de 11 a 15 anos de estudo.

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A variável explicativa renda domiciliar mostrou-se estatisticamentesignificativa em todas as combinações de situações, à exceção daquelacorrespondente aos jovens de sexo masculino que somente trabalhavam e queestavam inseridos em domicílios do terceiro quartil de renda, em ambos osanos. Pode-se ilustrar os resultados do efeito dessa variável explicativa sobre asituação de trabalho e estudo dos jovens nos seguintes termos: tomando-se oano de 2003 e um jovem de sexo masculino inserido em um domicílio do primeiroquartil de renda, estima-se que as probabilidades de ele somente estudar,trabalhar e estudar e somente trabalhar se reduziam em 42,4%, 82,2% e 65,6%,respectivamente, comparativamente a outro jovem inserido em um domicílio doquarto quartil de renda. Portanto, os jovens de sexo masculino que pertenciama domicílios de baixa renda tinham uma desvantagem acentuada nas diferentessituações de trabalho e estudo, em comparação com aqueles que estavaminseridos em domicílios de renda relativamente elevada. No que se refere aosque somente trabalhavam, a estimação do modelo está evidenciando resultadosdo efeito da renda domiciliar que não eram os mais esperados, ficando ainda emaberto as causas que o provocaram.

A última variável explicativa do modelo, a taxa de dependência, não semostrou estatisticamente significativa em nenhuma das combinações desituações, em ambos os anos, para os jovens de sexo masculino. Em algumamedida, esse resultado é coerente com o que estava sendo esperado, poishavia a expectativa de que ela tivesse efeitos especificamente sobre a populaçãojovem de sexo feminino, que tem as suas atividades de estudo e trabalhocondicionadas pelos cuidados com crianças e idosos no domicílio em que reside.Essa questão será retomada no subitem 3.2.2, no qual o modelo multinomiallogístico foi estimado para a amostra de mulheres jovens na RMPA.

3.2.2 Resultados relativos às mulheres jovens

Os resultados da estimação do modelo multinomial logístico para a amostrade mulheres jovens na RMPA, nos anos de 1993 e 2003, encontram-se na Tabela2. Iniciando a análise pela variável explicativa escolaridade do chefe de do-micílio, constata-se que essa se mostrou estatisticamente significativa, emambos os anos, nas combinações de situações que correspondiam a somenteestuda e trabalha e estuda11, e não significativa na de somente trabalha. Pode--se mostrar o efeito dessa variável explicativa através do seguinte exemplo:

11 Na situação trabalha e estuda, no ano de 2003, o resultado da estimação do modelo não se mostrou estatisticamente significativo para a faixa de escolaridade de 11 a 15 anos de estudo do chefe de domicílio.

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uma mulher jovem que residia em um domicílio no qual o chefe possuía até seteanos de estudo tinha uma redução estimada da probabilidade de somente estudarde 90,0% e de 57,7% de trabalhar e estudar comparativamente a uma jovem deum domicílio em que o chefe tinha mais de 15 anos de estudo. Dessa forma, osresultados da estimação, particularmente no que se referem às jovens quesomente estudavam, apresentam-se de acordo com as expectativasoriginalmente propostas sobre o efeito do nível de escolaridade do chefe dedomicílio.

No que diz respeito à condição de atividade do chefe de domicílio,predominam as combinações de situações cujos efeitos dessa variável explicativasão estatisticamente significativos, sendo exceções aquelas que envolviam asmulheres jovens que somente trabalhavam ou trabalhavam e estudavam e oschefes de domicílio que estavam desempregados em 1993 e, em 2003, ascombinações de situações envolvendo as mulheres jovens que somentetrabalhavam e os chefes de domicílios em que residiam que estavam ocupadosou desempregados. Tomando os resultados da estimação do modelo em 2003,pode-se constatar que, em um domicílio no qual o chefe estava desempregado,as probabilidades de o jovem de sexo feminino somente estudar e trabalhar eestudar reduziam-se em 59,6% e 39,2% respectivamente, comparativamente aoutro domicílio no qual o chefe se encontrava inativo. Nesse mesmo ano, nocaso de um domicílio no qual o chefe estava ocupado, as probabilidadesestimadas de a jovem somente estudar ou trabalhar e estudar reduziam-se em57,1% e 45,9%, respectivamente, em relação a outro domicílio em que o chefeestava inativo. Esses resultados do modelo não se mostram intuitivos,particularmente no que diz respeito aos domicílios nos quais os chefes seencontravam ocupados, negando a expectativa original do efeito dessa variávelexplicativa sobre a situação de estudo e trabalho das mulheres jovens na RMPA.

A faixa etária do jovem mostrou-se uma variável explicativa estatistica-mente significativa em praticamente todas as combinações de situações, emambos os anos, à exceção daquela correspondente às mulheres jovens entre18 e 20 anos que trabalhavam e estudavam em 2003. Com base nos resultadosdo modelo, estima-se que as probabilidades de uma jovem entre 16 e 17 anossomente estudar e trabalhar e estudar, no ano de 2003, aumentavam em 12,3vezes e em 2,6 vezes, respectivamente, em comparação a uma jovem de 21 a24 anos. De forma distinta, nesse mesmo ano, a probabilidade estimada de umajovem entre 16 e 17 anos somente trabalhar reduzia-se em 71,9%, em relação auma jovem de 21 a 24 anos. Assim, os efeitos da variável explicativa em análiseforam os esperados nas situações somente trabalha e somente estuda dasjovens e menos intuitivos no caso das que apresentavam o duplo status detrabalhar e estudar.

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Tabela 2

Resultados da estimação do modelo multinomial logístico para as situações de estudo e trabalho de mulheres jovens na Região Metropolitana

de Porto Alegre — 1993 e 2003

1993 2003

DISCRIMINAÇÃO Somente Trabalha

Trabalha e

Estuda

Somente Estuda

Somente Trabalha

Trabalha e

Estuda

Somente Estuda

Constante .................... (1) 1,522 (2) 1,369 (1) 1,992 0,131 0,384 (1) 1,029 Escolaridade do chefe de domicílio Até sete anos de estudo -0,160 (1)-1,352 (1)-2,701 0,228 (1)-0,861 (1)-2,302 De oito a 10 anos de es-tudo ............................... -0,513 (1)-1,460 (1)-2,538 0,269 (2)-0,798 (1)-2,165 De 11 a 15 anos de es-tudo ................................ -0,506 (1)-1,176 (1)-1,766 0,253 -0,357 (1)-1,245 Mais de 15 anos de es-tudo (3) .......................... - - - - - - Condição de atividade do chefe de domicílio Inativo (3) ...................... - - - - - - Ocupado ........................ (1)-0,367 (1)-0,695 (1)-1,012 -0,104 (1)-0,615 (1)-0,846 Desempregado .............. -0,239 -0,209 (1)-0,878 -0,020 (1)-0,497 (1)-0,906 Faixa etária do jovem De 16 e 17 anos ............ (1)-0,731 (1) 1,307 (1) 2,902 (1)-1,270 (1) 0,969 (1) 2,510 De 18 a 20 anos ............ (2)-0,164 (1) 0,516 (1) 1,212 (1)-0,362 0,128 (1) 0,901 De 21 a 24 anos (3) ....... - - - - - - Escolaridade do jovem Até sete anos de estudo (1)-0,447 (1)-1,869 (1)-1,838 (1)-0,420 (1)-1,379 (2)-0,292 De oito a 10 anos de es-tudo ............................... (1)-0,379 (2)-0,306 -0,245 -0,119 (1) 0,375 (1) 0,930 De 11 a 15 anos de es-tudo (3) ......................... - - - - - - Renda domiciliar Quartil 1 ......................... (1)-2,029 (1)-2,549 (1)-1,393 (1)-1,737 (1)-2,760 (1)-1,332 Quartil 2 ......................... (1)-1,023 (1)-1,538 (1)-1,019 (1)-0,451 (1)-1,529 (1)-1,258 Quartil 3 ......................... (1)-0,477 (1)-0,877 (1)-0,605 -0,015 (1)-0,815 (1)-0,834 Quartil 4 (3) ................... - - - - - - Taxa de dependência Baixa .............................. (1) 0,831 (1) 1,318 (1) 1,333 (1) 0,836 (1) 1,830 (1) 1,699 Média ............................. 0,207 0,248 0,444 0,164 (2) 0,546 (1) 0,633 Alta (3) ........................... - - - - - - Grau de liberdade ........ 42 42 Pseudo R2 ..................... 0,439 0,444 Amostra ........................ 5 518 6 779 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. NOTA: A variável dependente do modelo tem como categoria de referência a situação não trabalha e não estuda. (1) Corresponde ao nível de 1% de significância. (2) Correspondente ao nível de 5% de signi-ficância. (3) Correspondente à categoria de referência.

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Quanto à variável explicativa escolaridade do jovem, essa mostrou-seestatisticamente significativa na maioria das combinações de situações, comduas exceções: no ano de 1993, para as jovens com oito a 10 anos deescolaridade e que somente estudavam, e, no de 2003, nessa mesma faixa deescolaridade, para as que somente trabalhavam. Deve-se também destacar que,quando se comparam os resultados da estimação para os anos de 1993 e 2003,na faixa de escolaridade de oito a 10 anos de estudo e na situação trabalha eestuda, mudam os sinais das estimativas dos coeficientes, tornando mais difícila interpretação dos resultados para esse caso. Escolhendo-se a faixa deescolaridade de até sete anos de estudo para ilustrar os efeitos da variávelexplicativa em análise, constata-se que uma jovem com essa característica, noano de 2003, evidenciava uma redução das probabilidades estimadas de somenteestudar, de trabalhar e estudar e de somente trabalhar de 25,3%, 74,8% e 34,3%,respectivamente, comparativamente a uma jovem com 11 a 15 anos de estudo.Portanto, a escolaridade relativamente baixa da jovem constitui-se, claramente,em uma desvantagem nessas três modalidades de situações, particularmentenaquela correspondente ao duplo status de trabalhar e estudar.

A variável explicativa renda domiciliar evidenciou-se estatisticamentesignificativa na quase-totalidade de combinações de situações, com exceçãodaquela correspondente às jovens que somente trabalhavam e que pertenciamao terceiro quartil de renda domiciliar no ano de 2003. Para exemplificar o efeitodessa variável explicativa, as jovens que pertenciam ao primeiro quartil de renda,em 2003, tinham uma redução nas probabilidades estimadas de somente estudar,trabalhar e estudar e somente trabalhar de 73,6%, 93,7% e 82,4%,respectivamente, em relação a uma jovem que pertencia ao quarto quartil derenda domiciliar. Esses resultados são bastante compreensíveis para o casodas jovens que somente estudavam, mas menos intuitivos para as outras duassituações. Não obstante, vão na mesma direção daqueles encontrados para aamostra de jovens de sexo masculino, conforme visto no subitem 3.2.1.

Por fim, no que se refere aos efeitos da taxa de dependência, pode-seconstatar que esses se mostraram estatisticamente significativos em todas ascombinações de situações que envolviam as mulheres jovens inseridas emdomicílios cujo nível dessa variável era baixo, em ambos os anos, e para aquelasque pertenciam a domicílios em que a taxa de dependência era média e que seencontravam nas situações somente estuda e trabalha e estuda, no ano de2003. Para ilustrar esses resultados, tomando-se uma jovem inserida em umdomicílio cuja taxa de dependência era baixa, em 2003, as suas probabilidadesestimadas de somente estudar, trabalhar e estudar e somente trabalharaumentavam em 5,5 vezes, 6,2 vezes e 2,3 vezes, respectivamente, emcomparação a uma jovem inserida em um domicílio com alta taxa de depen-

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dência. Nesses termos, os resultados da estimação do modelo vão ao encontroda expectativa original do efeito dessa variável explicativa sobre as mulheresjovens, evidenciando uma desvantagem nas atividades de estudo e trabalhodaquelas inseridas em domicílios cuja taxa de dependência era elevada.Adicionalmente, é interessante recuperar que essa variável não se havia mostradoestatisticamente significativa para a amostra de homens jovens, com o que seidentifica uma diferença importante entre os sexos no que se refere às diversassituações de trabalho e estudo dos jovens na RMPA.

4 Considerações finais

Partindo da compreensão de que os jovens experimentam uma faseparticular do ciclo de vida — aquela que envolve o processo de transição daescola para o trabalho — este artigo procurou abordar, de forma exploratória, osfatores que condicionam a sua inserção nas atividades de estudo e trabalho naRMPA. Para tanto, o estudo utilizou como procedimento metodológico a estimaçãodo modelo multinomial logístico para amostras de homens jovens e mulheresjovens nos anos de 1993 e 2003. Os resultados da estimação do modelomostraram-se satisfatórios, confirmando, grosso modo, o acerto na escolha dasvariáveis explicativas idade e escolaridade do jovem, escolaridade e condiçãode atividade do chefe de domicílio, renda domiciliar e taxa de dependência, bemcomo o procedimento analítico de segmentar a população jovem por sexo.Conforme foi evidenciado no corpo do trabalho, uma grande proporção deestimativas dos coeficientes das variáveis explicativas é estatisticamentesignificativa, revelando efeitos sobre as diferentes situações de estudo e trabalhodos jovens que vão ao encontro das expectativas originalmente formuladas pelaliteratura revista no trabalho.

Evidentemente, uma gama de questões foi deixada em aberto pelosresultados econométricos do estudo. Apenas para citar um dentre diversosexemplos, no que se refere à variável explicativa condição de atividade do chefede domicílio, não ficou claro por que motivo uma jovem que residia em umdomicílio no qual o chefe estava ocupado tinha uma menor probabilidade desomente estudar e de trabalhar e estudar do que outra jovem que pertencia a umdomicílio no qual o chefe se encontrava inativo.

Como continuidade dessa linha de pesquisa, pretende-se avançar no estudodos condicionantes das atividades de estudo e trabalho da população jovem daRMPA através do enfrentamento das questões deixadas em aberto até omomento. Dentre outros aspectos, poder-se-iam explorar os efeitos de interação

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das variáveis explicativas utilizadas, o que favoreceria a compreensão do papelexercido pelas diversas dimensões demográficas e socioeconômicas sobre ainserção da população juvenil da Região Metropolitana nas atividades de estudoe trabalho — ou seja, a proposta seria a de estender e aprimorar o modelobásico utilizado neste artigo. Uma outra importante questão não coberta pelaparte empírica do trabalho, que se pretende retomar no futuro próximo, é aabordagem dos fatores que provocam a exclusão dos jovens das atividades deestudo e trabalho na RMPA, o que implica uma situação de marginalizaçãosocial entre parte dos membros desse grupo populacional.

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As exportações de calçados do Rio Grande do Sul: uma avaliação...

As exportações de calçados do Rio Grandedo Sul: uma avaliação dos efeitos da

política cambial brasileira e doscondicionantes externos no

período 2000-05*

Eduardo Barbosa** Economista e Mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)Augusto Mussi Alvim*** Doutor em Economia, Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da PUCRS

ResumoO presente artigo busca identificar os efeitos das mudanças cambiais no Brasile dos preços dos calçados sobre as exportações de calçados do RS. Paraatingir tal objetivo, foram estimados os coeficientes a partir do método de MínimosQuadrados Ordinários, considerando o período jan./00-mar./05. As estimativasobtidas confirmam os efeitos da taxa de câmbio e do preço dos calçados sobreas exportações de calçados do RS. Os coeficientes estimados indicam que oaumento de 1% na taxa de câmbio determina um acréscimo de 0,74% nasexportações de calçados (valor exportado) e que um aumento de 1% no preçodos calçados eleva as exportações em 0,62%, mantidos os demais fatoresconstantes.

Palavras-chaveExportações de calçados; câmbio; preços de calçados.

* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

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AbstractThis paper aims to identify the main effects of exchange rates in Brazil andfootwear prices upon footwear exportation in Rio Grande do Sul (Brazil). To achievethese goals, it was estimate the coefficients using the method of Ordinary LeastSquares from January of 2000 to March of 2005. The results show that an increaseof 1% in exchange rate determines an increase of 0.74% in footwear exportation,and when footwear prices increase 1% determines an increase of 0.62% infootwear exportation, with other thinks being the same.

Key wordsFootwear exportation; exchange rate; footwear prices.

Classificação JEL: F19.

1 Introdução

O presente estudo analisa o setor calçadista, um dos segmentos que maisgera empregos no País e no Estado do Rio Grande do Sul (RS).1 O principaldestino da produção é o mercado externo, estimulado, principalmente, pelasimportações norte-americanas e européias. Em vista de a maior da produçãodirigir-se ao mercado externo, o setor calçadista apresenta-se suscetível àsoscilações de políticas cambiais e de condicionantes externos. A exemplo disso,a produção de calçados no RS, no período 2000-052, apresentou um desempenhobastante variado, alternando momentos de expansão e períodos de queda daatividade produtiva, dependendo, dentre outras variáveis, da taxa de câmbiovigente.

A partir de 1999, com a mudança do regime de câmbio fixo para flutuante,no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, houve uma maxidesva-lorização do real, que favoreceu a retomada das exportações gaúchas decalçados, conferindo ao comércio internacional um novo horizonte. Após a

1 Conforme dados da Abicalçados (2005).2 A escolha desse período deve-se ao fato de o setor de calçados ter sofrido, nessa fase,

mudanças significativas na produção e nas exportações e também por se ter mantido ocâmbio flutuante ao longo do período.

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segunda maxidesvalorização cambial, de julho de 2002, os ganhos decompetitividade reforçaram o aumento da produção e das exportações de calçadono RS. A exemplo disso, no período jan./00-out./02, o real apresentoudesvalorização de aproximadamente 111%, enquanto as exportações3 decalçados do RS aumentaram 96%.

Sabe-se que as exportações de calçados não são influenciadas apenaspela taxa de câmbio, mas também por condicionantes externos, como o preçodos calçados no mercado internacional, e de condicionantes internos, como aelevada carga tributária e o incremento dos salários dos trabalhadores. Nosúltimos anos, os calçados brasileiros têm enfrentado ainda a concorrência daChina, que tem aumentado a sua participação no mercado internacional, emfunção dos menores custos de produção e de um câmbio favorável paraexportações.

Com base nessa problemática, o propósito central deste trabalho é analisaro comportamento das exportações de calçados do RS como uma função dataxa de câmbio e do preço médio dos calçados.

Segundo Holland e Xavier (2004), é comum os estudos sobre exportaçõesconsiderarem variáveis explanatórias, como taxa de câmbio, renda externa,termos de troca e preços internacionais. Os autores destacam ainda que amudança na paridade cambial brasileira, de 1999 em diante, permitiu uma forterecuperação do dinamismo exportador brasileiro.

A exemplo disso, Durand e Giorno (1987) sugerem, como medida decompetitividade entre os países, a relação entre os índices do país e uma médiaponderada de preços de exportação de países concorrentes, ambos multiplicadospelas taxas de câmbio nominais. Desse modo, a evolução da competitividade édada pela evolução da taxa real de câmbio efetiva relativa às exportações,principalmente em setores cuja relevância da relação entre crescimento dasexportações e demanda internacional é elevada.

Portanto, neste trabalho, não se pretende esgotar a discussão sobre otema, mas colaborar para com ela, estimando os efeitos dos preços dos calçadose das variações na taxa de câmbio sobre as exportações de calçados no RS.Faz-se isso optando por um modelo simplificado de análise e partindo dopressuposto de que variáveis como carga tributária, salários e preçosinternacionais afetam diretamente os preços dos calçados no RS.

Para atingir esses objetivos, inicialmente são detalhados os procedimentosmetodológicos, seguidos da apresentação dos resultados e das Consideraçõesfinais.

3 Valores em reais.

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2 Metodologia

A metodologia e as variáveis utilizadas no modelo foram estabelecidas apartir da revisão de estudos que tratam dos diversos fatores que afetam o níveldas exportações.

Nessa linha, Costa (2002) salienta que o setor de calçados brasileiro temsua competição centrada no preço, sendo que as altas e as baixas performancescompetitivas dependem fortemente do comportamento do câmbio, no caso, dosexportadores.4

Holland e Xavier (2004) destacam que é muito comum o estudo dasexportações como uma função de variáveis explanatórias, como a taxa decâmbio, a renda externa, termos de troca, preços internacionais, dentre outros.

Por fim, Kannebley Jr. (2002) defende que as exportações brasileiras setornaram menos competitivas em relação aos demais parceiros comerciais pordois motivos: a valorização da taxa de câmbio e o aumento do salário real.

Dada a relação teórica entre o desempenho exportador de um país e a taxade câmbio, neste artigo, por meio de uma análise econométrica, procurar-se-áinvestigar, para o período jan./00-mar./05, a validade dessa relação, utilizando--se, ainda, os preços internacionais dos calçados como variável explicativa.

2.1 Definição das variáveis

A seguir, são definidas todas as variáveis utilizadas no modelo econométricodesenvolvido nesta pesquisa.

Valor das exportações de calçados em reais (EXP): são todos os valoresmensais das exportações de calçados do RS, no período jan./00-mar./05,independentemente do país de destino. Os valores utilizados são nominais (emreais) e foram retirados do Sistema Aliceweb (Brasil, 2005).

Câmbio (CAMB): foram utilizadas as cotações médias mensais do câmbionominal no período em análise, fornecidas pelo Banco Central.

Preço médio (PM): os valores são mensais, estão expressos em dólarese foram calculados a partir da razão entre o valor das exportações e asquantidades exportadas do produto.

4 A hipótese aqui defendida enfatiza o câmbio e o preço como sendo aqueles fatores que maisdiretamente têm influenciado a trajetória competitiva do setor, embora se precise reconhecerque outros aspectos também influenciam o desempenho.

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2.2 Definição das hipóteses

Teoricamente, as exportações em reais dos calçados sofrem influência dataxa de câmbio e dos preços médios em dólares, pois se espera que adesvalorização do real incremente as exportações, melhorando o desempenhodo setor calçadista do RS. Os sinais esperados da relação entre as variáveisindependentes e a variável dependente, para a função das exportações decalçados do RS, são apresentados no Quadro 1.

2.3 Modelo econométrico

O modelo trabalhado é Log-Log, com duas variáveis independentes. Essaforma funcional é utilizada pela maior parte dos trabalhos, pois permite interpretaros resultados obtidos com elasticidades, sendo constante e igual ao coeficienteangular, estimado através dos Mínimos Quadrados Ordinários.

Para as regressões, foram utilizados dados mensais de janeiro de 2000 amarço de 2005, e todas as variáveis estão expressas em valores nominais, quecompõem uma base de dados satisfatória.

Quadro 1

Relação das exportações de calçados com taxa de câmbio e preços de calçados do RS

RELAÇÕES FUNCIONAIS

tLogEXP = logaritmo natural (ln) das

exportações de calçados

tLogCAMB = ln do câmbio nominal

tLogPM = ln preço médio em dólares

US$

↑ tLogCAMB → ? tLogEXP ( )+

↑ tLogPM → ↑ tLogEXP ( )+

exportações de calçados(R$)

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Portanto, a função das exportações de calçados do RS ficará especificadada seguinte maneira:

Onde:

= logaritmo natural das exportações de calçados no perío- do t;

= logaritmo natural do câmbio nominal no período t;

= logaritmo natural do preço médio no período t;

= termo de erro aleatório.

O termo de erro é normalmente distribuído, tem valor esperado ou médiaigual a zero e variância constante ( ) para todas as observações; e os erroscorrespondentes a observações diferentes são independentes e, então, são nãocorrelacionados.

Para verificar se os pressupostos acima são atendidos e se os coeficientesestimados são não tendenciosos ou viesados, serão utilizados os testes5 paraidentificação de estabilidade dos coeficientes, de multicolinearidade, deheteroscedasticidade, de autocorrelação e de raiz unitária.

2.4 Estacionariedade e co-integração

A principal característica de variáveis co-integradas é que sua trajetória notempo é influenciada pelo desvio do equilíbrio de longo prazo, que, por sua vez,influencia a resposta das variáveis de curto prazo, que promovem novamente oequilíbrio do sistema.6

Uma vez que é comum a presença de sazonalidade em sériesmacroeconômicas, pode ocorrer que essas apresentem uma ordem de integraçãoem uma freqüência sazonal. Dessa forma, pode existir uma combinação linearentre essas variáveis, que faça com que sejam co-integradas sazonalmente.Para verificar a existência de estacionariedade, utilizar-se-á o teste de Dickey--Fuller aumentado (Augmented Dickey-Fuller (ADF)).

tttt LogPMbLogCAMBbâLogEXP ε+++= 2

^

1

^

tLogEXP

tLogCAMB

tLogPM

5 Os testes realizados neste trabalho podem ser encontrados em Gujarati (2000).6 Ver Gujarati (2000).

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3 Resultados obtidos

Pode-se verificar, a partir do teste ADF para as séries em nível e em primeiradiferença, cujos resultados são apresentados no Quadro 2, que todas asvariáveis, tanto de exportação, como de preço e taxa de câmbio, quando medidasem nível, acusam a presença de raiz unitária, mas, quando feita a primeiradiferença, tornam-se estacionárias.

7 Ver Patterson (2000).

Dado que as séries são I(1), então, pode existir uma combinação linearentre elas que seja I(0), ou seja, deve-se verificar a sincronia das mesmas. Seambas estão tendendo para cima ou para baixo de forma estocástica, parecendotender ao mesmo tempo, como dois parceiros de dança, cada qual seguindo umcaminho aleatório que parece uníssono, podem ter, por trás disso, uma sérietemporal co-integrada. Para constatar isso, é preciso ver se os resíduos daregressão são estacionários, utilizando-se o teste ADF e os valores críticos deMackinnon.7

Quadro 2

Teste de Dickey-Fuller aumentado da raiz unitária das exportações de calçados em reais, do câmbio em reais por dólares e

do preço de venda em dólares do RS

VARIÁVEIS τu (1) I(.) (2)

LogEXP - 3,213676 I(1)

LogCAMB -1,882278 I(1)

LogPM -1,940862 I(1)

∆LogEXP -10,693880 I(0)

∆LogCAMB - 5,208829 I(0)

∆LogPM - 6,910458 I(0)

(1) Teste com constante. (2) Ordem de integração a 1%.

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Como as variáveis são co-integradas (Quadro 3), elas compartilhamtendências estocásticas semelhantes, assim os testes t e F são válidos, o quepermite realizar a regressão, utilizando-se as variáveis em nível.

Quadro 3

Teste de co-integração

VARIÁVEIS τu (1)

Resid(T_1) - 6,783084

Valor crítico de Mackinnon a 5% - 4,088329

(1) Teste com constante.

Comprovando a teoria econômica, constata-se que há relação direta entreas variáveis, ou seja, quando houve desvalorização do real, houve elevação dovalor das exportações, e vice-versa, o mesmo acontecendo quando houveelevação nos preços médios em dólar (Quadro 4).

Quadro 4 Exportações de calçados em reais, câmbio em reais e

preço de venda em dólares, do RS

VARIÁVEIS COEFICIENTES DESVIO-PADRÃO P-VALOR

C 16,988000 0,335247 0,0000

LogCAMB 0,741270 0,065408 0,0000

LogPM 0,625970 0,125673 0,0000

R² 0,773055

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Os coeficientes estimados indicam que o aumento de 1% no câmbio provocaum aumento de 0,74% no valor exportado e que o aumento de 1% no preçomédio dos calçados eleva as exportações em 0,62%. As variáveis apresentaramos sinais esperados e significativos, tanto individualmente quanto conjuntamente,sendo que as variações conjuntas explicam 77,3% das variações nasexportações de calçados do RS.

O teste de estabilidade comprovou que os coeficientes estimados sãoconstantes ao longo do tempo, ou seja, não há quebra estrutural no período deestimação. O comportamento dos resíduos não demonstra presença deheteroscedasticidade, o que é comprovado pelo teste de White e pelo teste deGoldfeld-Quandt. Não foi constatada a presença de autocorrelação dos dadosno teste LM, e a análise de multicolinearidade, através da regra de Klein, não semostrou significativa, o que é comprovado pela análise do fator que inflaciona avariância. Todos esses testes são apresentados no Apêndice.

Os resultados mostram que as exportações são mais sensíveis àsvariações no câmbio do que às variações nos preços dos calçados. Em parte,isso reforça a demanda do setor por um câmbio mais desvalorizado e por umapolítica econômica que permita um crescimento mais equilibrado e competitivodo setor de calçados.

4 Considerações finais

Pode-se verificar, através dos testes desenvolvidos, que os estimadorescalculados não apresentam viés de especificação e são estatisticamentesignificativos e eficientes (Apêndice).

Os resultados da pesquisa mostram que a taxa de câmbio nominal e opreço de venda em dólar exercem influência no comportamento das exportaçõesde calçados do RS. Especificamente com relação a esse aspecto, constatou--se, através do modelo obtido, que, diante da variação de 1% no câmbio nominal,o valor exportado de calçados do RS em reais apresenta uma variação de 0,74%,mantidas as demais variáveis constantes, e que a variação de 1% nos preçosde venda em dólar proporciona uma variação de 0,62% no valor exportado decalçados do RS em reais.

Conjuntamente, ambas as variáveis independentes (câmbio nominal e preçode venda) explicam 77,3% das mudanças nas exportações de calçado, no RS,confirmando a relevância dessas variáveis junto às exportações de calçados doEstado no período jan./00-mar./05.

Soma-se a isso, o fato de as exportações provocarem efeitos multiplica-dores, que dinamizam o mercado interno, destacando o papel do câmbio como

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um importante instrumento de competitividade das exportações de calçados doRS. Esses efeitos podem ser maiores ou menores, dependendo da existênciade capacidade ociosa na economia, da qualidade da mão-de-obra, da capacidadeempresarial, da infra-estrutura de transportes, dentre outros, principalmente emsetores intensivos em mão-de-obra na produção, como o de calçados.

Por fim, os resultados obtidos na pesquisa confirmam a necessidade deuma ação ativa do Governo brasileiro em termos de política cambial, de maneiraa viabilizar (manter) os mesmos níveis de emprego, produção e exportações,consolidados ao longo das últimas décadas. Nesse sentido, as reclamações dosetor exportador de calçados do RS quanto à valorização do câmbio, à perda decapacidade competitiva e ao conseqüente agravamento das taxas de desempregonas regiões onde são desenvolvidas essas atividades podem ser fundamentadasa partir dos resultados obtidos neste estudo.

ApêndicePara a estimação do modelo e dos respectivos testes, foi utilizado o software

econométrico EViews (QMS, 2002).

Teste de estabilidade

Para a hipótese zero (H0), o período I é igual ao período II, e, para a hipóteseum (H1), o período I é diferente do período II.

F = ( SQEr � SQEir ) / K + 1 = ( 0,668557 � ( 0,263326 + 0,353358 ) / 2 + 1 = 0,01729

SQEir / (n1 + n2 �2K �2) ( 0,263326 + 0,353358) / ( 31 + 32 � 2 * 2 � 2) 0,01082

Fcalculado = 1,59797 Ftabelado = 2,76 ( K + 1; n1 + n2 � 2K � 2)

Dado que o Fcalculado é menor que o Ftabelado, em nível de 5% de significância,aceita-se H0, ou seja, as regressões são iguais, podendo-se concluir que oscoeficientes estimados são constantes ao longo do tempo, comprovando o testede Chow do Quadro A.1.

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Quadro A.1

Teste de estabilidade dos coeficientes de Chow

VARIÁVEIS F-STATISTIC P-VALOR

LogEXP

LogCAMB

LogPM

0,661284 0,579275

Quadro A.2

Teste de estabilidade dos coeficientes

PERÍODOS VARIÁVEIS COEFICIENTE P-VALOR

C 0,668122 0,0000

LogCAMBR$ 0,119703 0,0000 I

LogPVUS$ 0,255813 0,0000

Soma dos quadrados dos

resíduos 0,263326

C 0,808559 0,0000

LogCAMBR$ 0,265335 0,0014 II

LogPVUS$ 0,209928 0,0045

Soma dos quadrados dos

resíduos 0,353358

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Quadro A.3

Teste de heteroscedasticidade de White

F-ESTATÍSTICO 1.068305 P-VALOR 0.380490

Variáveis Coeficientes t-Estatístico P-Valor

C -0,059282 -0,057105 0,9547

LogCAMB 0,058464 0,711918 0,4794

LogCAMB^2 -0,023802 -0,534200 0,5952

LogPM 0,019175 0,025613 0,9797

LogPM^2 -0,002093 -0,015542 0,9877

Teste da homoscedasticidade dos erros

Através da análise do comportamento dos resíduos, não se pode constatarse há heteroscedasticidade dos erros. Para se ter certeza, devem-se efetuaroutros testes.

Como os coeficientes das variáveis explicativas não se mostraramsignificativos segundo os testes t e F, pode-se concluir que os erros sãohomoscedásticos.

A partir disso, calcula-se a seguinte razão:

onde e n = número de variáveis; c = observações centrais;

k = número de parâmetros a serem estimados.

λ = 0,348538 / {(63 - 11 - 2 x 3)/2} = 0,01515 = 2,3539 0,148063 / {(63 - 11 - 2 x 3)/2} 0,00644

O valor Fcrítico para 23gl no numerador e no denominador, em nível de 1%de significância, é de 2,66, e o Fcalculado ( λ ) é menor. Pode-se concluir que nãohá heteroscedasticidade na variância do erro, comprovando o teste de White doQuadro A.3.

gl = n - c - 2k 2

λ = SQR2 / gl

SQR1 / gl

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Teste da hipótese de inexistência deautocorrelação dos erros

Utiliza-se o teste de Durbin Watson para verificar o problema deautocorrelação do modelo, a um nível de significância de 5%:

DWcalculado = 1,734381 DWinf = 1,503 e DWsup = 1,696

Como o valor calculado é maior que 1.696 (DWsup), pode-se concluir quenão há indício de correlação serial positiva de primeira ordem.

É possível comprovar a inexistência de autocorrelação dos dados, atravésdo teste de LM demonstrado no Quadro A.5, onde nenhum dos coeficientes semostrou significativo, rejeitando a hipótese de autocorrelação dos erros.

Quadro A.4

Teste de Goldfeld-Quandt

PERÍODO VARIÁVEIS COEFICIENTES t-ESTATÍSTICO P-VALOR

C 15,944760 26,573350 0,0000

LogCAMB 0,917310 7,394160 0,0000 I

LogPM 0,970829 4,337503 0,0002

Soma dos quadrados dos

resíduos -1,954402

C 16,717880 17,967080 0,0000

LogCAMB 0,922824 2,852635 0,0090 II

LogPM 0,649620 2,601074 0,0160

Soma dos quadrados dos

resíduos 0,348538

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Eduardo Barbosa; Augusto Mussi Alvim

Teste da hipótese de inexistência de multico-linearidade entre as variáveis explicativas,através da análise da sensibilidade dosparâmetros, a partir da inclusão ou daretirada de observações

Quadro A.5

Teste LM para autocorrelação

F-ESTATÍSTICO 1,054017 P-VALOR 0,308775

Variáveis Coeficientes t-Estatístico P-Valor

C -0,038012 -0,112751 0,9106

LogCAMB -0,003599 -0,054966 0,9564

LogPM 0,014934 0,118094 0,9064

RESID(-1) 0,133464 1,026653 0,3088

Quadro A.6

Regressão das exportações de calçados em reais e do câmbio em reais, sem a variável preço de venda em dólares, no RS

VARIÁVEIS COEFICIENTES t-ESTATÍSTICO P-VALOR

C 18,630540 261,68820 0,0000

LogCAMB 0,837441 11,36478 0,0000

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Pode-se verificar, na primeira regressão, que o parâmetro câmbio em reaise o intercepto apresentaram uma pequena sensibilidade à retirada da variávelpreço de venda em dólares, mas, na segunda regressão, o parâmetro preço devenda apresentou uma maior sensibilidade à retirada do parâmetro câmbio emdólares. Já o intercepto mostrou-se quase igual, o que remete a uma regressãoauxiliar.

Quadro A.7 Regressão das exportações de calçados em reais e do preço de venda em dólares,

sem a variável câmbio em reais, no RS

VARIÁVEIS COEFICIENTES t-ESTATÍSTICO P-VALOR

C 16,522520 28,253890 0,0000

LogPM 1,046397 4,958305 0,0000

Quadro A.8

Regressão das exportações de calçados em reais, do câmbio em reais e do preço de venda em dólares, no RS

VARIÁVEIS COEFICIENTES t-ESTATÍSTICO P-VALOR

C 16,988000 50,673040 0,0000

LogCAMB 0,741270 11,332960 0,0000

LogPM 0,625970 4,980927 0,0000

R2 0,773055

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Eduardo Barbosa; Augusto Mussi Alvim

Conforme a regra de Klein, a multicolinearidade não se apresenta como umproblema incômodo, pois o R² obtido da regressão global é maior (0,773) que oda segunda regressão (0,087), mas, para maior tranqüilidade, calcula-se o

R²i = R²X1.X2 / (k - 2)

(1 - R²X1.X2) / (n - k - 1)

onde n indica o tamanho da amostra; k representa o número de variáveisexplicativas, incluindo o intercepto; e R²X1.X2 é o coeficiente de determinaçãona regressão de X1 sobre X2.

R²i = 0,087138 / 3 - 2 = 5,91826 1 - 0,087138 / 63 - 3 + 1

Onde Ftabelado = k -2 e n - k + 1 gl = 7,08 a 1% de significância.

Como Fcalculado é menor que Ftabelado em nível de significância de 1%,pode-se presumir que não existe multicolinearidade, mantendo-se, então, asvariáveis no modelo, o que também se pode constatar através do fator queinflaciona a variância (FIV), através do cálculo:

FIV = 1 / (1 - R²) = 1 / (1 - 0,087138) = 1,095, que não excede a 10. A variável,portanto, não é altamente colinear.

Quadro A.9

Regressão do câmbio em reais e do preço de venda de calçados em dólares, no RS

VARIÁVEIS COEFICIENTES t-ESTATÍSTICO P-VALOR

C -0,627946 -0,964137 0,3388

LogPM 0,567171 2,413045 0,0188

R2 0,087138

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Referências

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PATTERSON, Kerry. An introduction to aplied econometrics. New York:Palgrave Macmillan, 2000.

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* Artigo recebido em abr. 2007 e aceito para publicação em ago. 2007.

Aspectos econômicos do impacto da Leide Incentivo à Cultura (LIC-RS) naindústria cinematográfica gaúcha*

Mauro Salvo** Doutorando em Economia pela UFRGS e Analista do Banco Central do Brasil

ResumoEste trabalho avalia o impacto da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) na produçãode filmes de longa-metragem, no Rio Grande do Sul. O objetivo é identificarfalhas e sugerir alternativas do ponto de vista econômico, para que a produçãocinematográfica viabilizada pela LIC resulte em benefícios sociais.

Palavras-chaveIncentivo; produção cinematográfica; demanda por longas-metragens.

AbstractThis paper evaluate the impact of the LIC in the Rio Grande do Sul’s moviesproduction. The target is to identify imperfections and suggest alternatives byeconomic point of view so that movies production supported by LIC result insocial benefits.

Key wordsIncentive; movies production; demand for movies.

Classificação JEL: D24, H2, Z1.

** E-mail: [email protected]

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1 Introdução

O objetivo deste trabalho é identificar e dimensionar as repercussõessocioeconômicas dos investimentos realizados no Rio Grande do Sul ao am-paro da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) (RS, 1996) e também as relações custo//benefício desses investimentos, com reflexos no mercado de trabalho, na rendae no desenvolvimento regional, mais especificamente na produção, na distribuiçãoe na exibição de longas-metragens gaúchos.

A pesquisa sobre Economia da Cultura ainda é inicial no Brasil e em váriosoutros países. Temos aqui diversos textos publicados, que, embora versem sobreo tema, carecem de dados quantitativos. Pesquisadores norte-americanos,mesmo num estágio mais avançado do que o nosso, também reclamam da faltade dados estatísticos. A formação de estatísticas nessa área é de vitalimportância para a continuidade da pesquisa, assim como para a formulação depolíticas públicas, para uma melhor alocação dos recursos e para oaperfeiçoamento da legislação e/ou regulação do setor.

Com o objetivo de focar o objeto de estudo, resolvemos, neste artigo, limitara análise à produção cinematográfica gaúcha no período de 1996 a 2004. Seráconsiderada produção gaúcha aquela que teve proposta aprovada para captaçãovia LIC estadual, que está em vigor desde agosto de 1996.

A pesquisa evidencia os dados numéricos disponíveis que possam teralgum impacto econômico, restringindo as críticas e sugestões à execução depolíticas públicas, isentando os agentes privados envolvidos. Cabe destacarmosque, em nenhum momento, há qualquer tipo de juízo quanto à qualidade daprodução do ponto de vista artístico. Buscamos agrupar os dados numéricos,conseguidos de diversas fontes, de forma a facilitar a análise quanto à alocaçãode recursos.

Por estar focada nas políticas públicas e, conseqüentemente, na utilizaçãode recursos públicos, a análise objetiva o incremento no bem-estar social, ouseja, que haja ganhos econômicos e/ou sociais, direta ou indiretamente, para omaior número possível de pessoas. Com o intuito de aprimorar o mecanismo deintervenção estatal através de leis de incentivo, trabalhamos com as seguinteshipóteses: (a) a LIC incrementa somente o lado da oferta; (b) não há intervençãono sentido de resolver gargalos na cadeia produtiva do setor cinematográfico.

O trabalho começa com uma explicação sucinta sobre o funcionamentodos mercados cinematográficos nacional e gaúcho, sua lógica econômica eseus problemas. Dentro dessa mesma seção, explanaremos, em suas subseções,sobre o comportamento e a evolução da oferta e da demanda de filmes nacionaise gaúchos, sempre ressaltando a importância da LIC estadual. A seção seguinte

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destaca uma série de sugestões para melhorar a pesquisa, as políticas para aárea cultural e as alterações das leis de incentivo. A seção posterior foca oimpacto da LIC-RS sobre a produção cinematográfica gaúcha, e, finalmente, aseção conclusiva verifica se as hipóteses levantadas são verdadeiras, ou não.

2 O mercado cinematográfico gaúcho

O mercado cinematográfico, em sua cadeia produtiva, abrange trêssegmentos interdependentes, porém assimétricos. São eles: a produção, adistribuição e a exibição1. Há interação entre os três mercados, porque, para quehaja exibição, deve haver produção e distribuição; para que haja distribuição,faz-se necessária a produção e a exibição; e, para que haja produção, em tese,deve haver distribuição e exibição.

A assimetria entre os mercados ocorre, porque a oferta e a demanda nãosão exatamente as mesmas. Os exibidores têm uma demanda por filmes, masesta depende do que seus fornecedores — os distribuidores — oferecem. Osdistribuidores são demandados pelos exibidores, porém dependem do que foiproduzido para poder ofertar.

Num mercado normal, os seus agentes buscam a otimização de seusganhos, restringidos pelas forças de oferta e demanda, ou seja, minimizamseus custos e maximizam suas receitas, a fim de maximizarem seu lucro. Essalógica funciona para os exibidores, que procuram exibir os filmes de maior público,independentemente de serem nacionais ou estrangeiros, pois, assim, maximizamsuas receitas. Também funciona para os distribuidores, que buscam distribuirfilmes que atraiam maior público, pois sua receita depende de participação narenda da bilheteria.

No entanto, essa mesma lógica não funciona no caso dos produtores. Se,nesse mercado, as decisões sobre o que, quanto e para quem produzir fossembaseadas exclusivamente nas forças de oferta e demanda, toda produção teriacomo objetivo final a exibição e, conseqüentemente, visaria atingir o maior públicopossível. Porém o produtor tem seu ganho maior auferido da remuneração deseu trabalho, conforme informado no projeto que enviou para obter os benefíciosda LIC. Ele não depende nem de distribuir, nem de exibir seu filme para obterganho. Obviamente, se seu filme for exibido, é melhor e, se tiver bom público,melhor ainda, pois também terá uma parcela da bilheteria.

1 A exibição inclui, além do cinema, as fitas para vídeocassete e DVD. Neste trabalho, analisa-remos somente os dados quanto à exibição em cinemas.

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20 000

40 000

60 000

80 000

100 000

120 000

140 000

2000 2001 2002 2003 2004

Público em geral Público de filmes nacionais

Evolução do público de cinema em geral e de filmes nacionais — 2000-04

FONTE: FILME B. Database Brasil. [Rio de Janeiro], 2004. CD-ROM.

Gráfico 1

Pessoas

0

Legenda:

Outro modo de se analisar a assimetria, é observar que os produtoresofertam bens diferentes, que são substitutos entre si, ou seja, concorrem emmenor ou maior grau. O filme brasileiro concorre com o estrangeiro, este, porsua vez, também não é um produto único. Ou seja, um filme francês é estrangeiro,assim como um iraquiano, e, embora concorrentes, não são substitutos perfeitos.Isso significa que se defrontarão com uma parcela do público mais resistenteem trocar um pelo outro.

O comentário acima implica que um aumento da demanda por cinema(aumento do público) não significa, necessariamente, um aumento proporcionalda demanda para todo o tipo de filmes. O Gráfico 1 evidencia que, embora tenhahavido, nos últimos anos, aumento do público de cinema em geral, o público defilmes estrangeiros cresceu mais que proporcionalmente ao do cinema nacional.Essa é uma evidência da escassez de demanda por produções nacionais.

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Devemos observar, também, que há intervenção estatal, em maior ou menorgrau, em todo o mundo, o que pode gerar desequilíbrios tanto na oferta quantona demanda. Por exemplo, um governo pode restringir a exibição de filmesestrangeiros em seu país, através da imposição de cotas e/ou de censura,reduzindo sua oferta, assim como pode fomentar a oferta de filmes nacionais,através de leis de incentivo e/ou de subsídios. Esses tipos de intervenção,muito comuns, afetam a estratégia dos exibidores e das distribuidoras,freqüentemente multinacionais com estratégias globais. Isso implica que, emmercados altamente interligados, gerar assimetria em um deles pode contaminaros demais.

Matéria assinada por Ana Paula Galdini (2002), publicada no sítiowww.cinemando.com.br, mostra que o filme brasileiro sofre com a distribuição,que, na maioria das vezes, não recebe o investimento necessário para se lançarnacionalmente. A distribuição fraca é apontada como grande responsável pelobaixo rendimento dos filmes. Isso contribui para que a renda dos filmes nãoconsiga pagar o valor de investimento da produção.

2.1 Oferta

De acordo com Ana Paula Galdini (2002), em matéria já citada, não hámotivos para duvidar de que o cinema brasileiro esteja renascendo após osanos Collor. Esse crescimento deve-se, principalmente, ao surgimento da Lei doAudiovisual e da Lei de Incentivo à Cultura, regulamentadas em 1994, no GovernoFHC (Gráfico 2).

Pela análise do Gráfico 2, podemos concluir que houve, após a entrada emvigor da LIC, um rápido crescimento da importância dos seus recursos para oincremento da atividade cultural no Rio Grande do Sul. No início do período1997-04, o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) representava65% dos recursos destinados à cultura no Estado, já ao final, constata-se ainversão nessa participação, sendo 66% provenientes da LIC contra 34% doorçamento. Outra constatação relevante é que os recursos do orçamento para acultura, embora tenham sido oscilantes no período, apresentam tendênciadeclinante. Por outro lado, os recursos provenientes da LIC têm tendência dealta, tanto para projetos aprovados como para valores captados. A variação doorçamento foi negativa, ou seja, declinou 21% (1996-04), enquanto os valorescaptados pela LIC tiveram incremento de 216% (1997-04) — Gráfico 3.

Os Gráficos 4, 5 e 6 mostram a evolução do número e dos valores deprojetos aprovados de cinema e vídeo para captação pela LIC-RS, desde seuinício, em 1996, até o final de 2004. Podemos observar uma tendência de

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crescimento tanto no número de projetos como no valor total aprovado.Destacamos o pico ocorrido em 2001. Também podemos notar a constância novalor médio dos projetos.

20 000

40 000

60 000

80 000

100 000

120 000

140 000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Total do incentivo fiscalLei audivisual, art. 1ºLei audiovisual, art. 3ºLei RouanetOrçamento da UniãoOrçamento mais incentivo fiscal

Investimento na produção audiovisual do Brasil — 1995-04

(R$ 1 000)

FONTE: FILME B. Database Brasil. [Rio de Janeiro], 2004. CD-ROM.

Gráfico 2

0

Legenda:

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Analisando as informações do Gráfico 7, concluímos que a implantação daLIC-RS impactou de forma positiva a produção de longas-metragens no RioGrande do Sul. Comparando seus nove anos de existência com o mesmo períodoanterior, observamos que a oferta de filmes evoluiu de quatro produções para12; um incremento de 200%. A média de produções, que, no período 1987-95,foi de 0,44 ao ano, saltou, no período seguinte, 1996-04, para 1,33 ao ano. Caberessaltar que, desses 12 filmes, somente nove captaram pela LIC-RS, o queajustaria a média de produção para um filme por ano, e o incremento do períodopara 125%. Mesmo assim, são números expressivos.

FONTE: Fundacine.NOTA: Em 1988, O Mentiroso; em 1990, Nostalgia; em 1994, Rocky e Hudson;em 1997, Anahy de las Missiones e Lua de Outubro; em 2000, Harmonia eTolerância; em 2001, Netto Perde Sua Alma; em 2002, Houve uma vez DoisVerões e a Festa de Margarete (produção Filmik com recursos próprios); em2003, O Homem que Copiava; em 2004, Meu Tio Matou um Cara (Lei doAudiovisual), Concerto Campestre, Noite de São João e O Cárcere e a Rua(documentário).

00,5

11,5

22,5

33,5

44,5

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

Número de longas-metragens produzidos através da LIC-RS — 1987-04

Gráfico 7

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Tabela 1

População, número de salas de exibição e habitantes por sala no Brasil e

no Rio Grande do Sul — 2004

DISCRIMINAÇÃO POPULAÇÃO SALAS DE EXIBIÇÃO

HABITANTES POR SALA DE EXIBIÇÃO

Brasil .................... 181 581 024 1 997 90 927 Rio Grande do Sul 10 726 063 155 69 200

FONTE: FILME B. Database BRASIL. [Rio de Janeiro], 2004. CD-ROM.

Quando finalizada, a produção nacional passa por mais um drama, queconsiste em conseguir espaço nas salas de exibição. O Brasil possui apenas1.997 salas de exibição.

Segundo o Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas doMunicípio do Rio de Janeiro (SEDCMRJ), de 66 longas brasileiros com exibiçãocadastrada entre novembro de 2000 e outubro de 2001, a metade havia sidofinalizada em 1998 ou 1999.

Enquanto isso, dos 84 longas-metragens finalizados nos dois últimos anos,32 ainda não foram lançados, porque não encontraram salas para exibição.Mesmo com poucas produções, o filme brasileiro não tem mercado suficientepara ser mostrado. É comum filmes brasileiros estarem fazendo boa bilheteria,mas os exibidores os tiram de cartaz por terem o compromisso de lançar umfilme de uma determinada distribuidora. Outro problema que os exibidoresenfrentam é que, muitas vezes, há procura por produções nacionais, mas nãoconseguem cópias com as distribuidoras da maioria dos títulos.

Anualmente, as salas faturam R$ 400 milhões, e, dentro dessa estatística,o cinema nacional fica com uma minúscula fatia, que corresponde a apenas10% desse faturamento, ocupando 7% das salas de exibição.

Em relação à média nacional, o Rio Grande do Sul apresenta uma situaçãoligeiramente melhor. Relativamente, há mais salas por habitantes. Com 5,9% dapopulação brasileira, o Rio Grande do Sul possui 7,8% das salas de exibição, oque representa uma média de habitantes por sala 30% inferior à média brasileira.Porém esses números escondem outra situação problemática para todo o Brasil,aqui exemplificada pelo caso de Porto Alegre, que, com 13% da populaçãogaúcha, reúne 40% das salas de exibição. Isso reflete a concentração das salasde exibição em grandes centros urbanos (Tabela 1).

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2.2 Demanda

Como este trabalho versa sobre os aspectos econômicos da produçãocinematográfica, devemos considerar que, em economia, toda a oferta tem comoobjetivo atender à demanda. Aliás, somente há oferta, quando há demanda, ouseja, nenhum produtor objetiva produzir para formar estoque por tempoextremamente longo ou, até mesmo, para sempre. No caso em questão,considera-se demanda o público consumidor que vai espontaneamente aoscinemas e paga pelo seu ingresso.

Devido às características do mercado cinematográfico, essa lógica ficaprejudicada, pois o caminho entre a produção e o consumidor final passa porvários intermediários, cada qual com uma racionalidade diferente, a fim demaximizar seu próprio ganho.

No Brasil, o público de cinema vem crescendo a cada ano, principalmenteapós a chegada do multiplex (segundo definição da empresa Filme B, trata-sede conjuntos com seis a 12 salas e entrada pelo mesmo hall) e da retomada docinema brasileiro. De 2003 a 2004, o público geral de cinema, no Brasil, cresceu11% e, nos últimos cinco anos, teve crescimento de 58%. Já o público docinema nacional também apresenta tendência de crescimento, porém comirregularidade. Como pudemos notar no Gráfico 1, após um pico em 2003, registrouqueda, em 2004, em torno de 25%, mas, mesmo assim, o público foi 125%maior do que o registrado em 2002.

Essa grande irregularidade do filme brasileiro em seu mercado aconteceporque sua política institucional, nestes últimos anos, está concentrada emincentivos fiscais para o setor de produção, sem nenhum investimento ouplanejamento na área de distribuição.

O Gráfico 8 abaixo mostra a expressiva expansão do público para filmesnacionais, evidenciando aquilo que convencionamos chamar de cinema daretomada, iniciada em 1994, com a regulamentação das leis de incentivo.

Com base no Gráfico 8, notamos que tanto o público geral como o nacionalcresceram nos últimos anos. No entanto, cabe ressaltarmos que o público nacionalcresceu em ritmo mais lento. Devemos observar, também, que a participaçãodo público nacional é de apenas 14,3% do total. Levando-se em conta o númerode lançamentos, a produção nacional correspondeu, em 2004, a 51 filmes, ou17% do total, enquanto a estrangeira correspondeu a 251 filmes ou 83%. Poresses números, podemos pensar que a relação não é tão desfavorável como sediz, porém, devemos ponderar que poucas produções nacionais atraem grandespúblicos, tendo peso expressivo, nessas estatísticas, produções protagonizadaspor Xuxa e Renato Aragão, tidas como mais comerciais. Outras produções, dotipo Carandiru e Cazuza, que conseguiram atrair público acima de um milhão de

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expectadores, constituem exceções. Das produções que captaram pela LIC--RS, o maior público, até o final de 2004, foi o do filme O Homem que Copiava,com 664.651 expectadores.

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Evolução do público de cinema nacional no Brasil — 1992-04

Pessoas

FONTE: FILME B. Database Brasil. [Rio de Janeiro], 2004. CD-ROM.

Gráfico 8

0

Na Tabela 2, notamos que mais de 80% das produções têm público inferiora 300.000 expectadores, o que praticamente inviabiliza a maior parte dasproduções, tornando-as dependentes das leis de incentivo, dado o alto custo deprodução, lançamento, divulgação e distribuição.

Embora o público venha aumentando, fica evidente a falta de demandacapaz de viabilizar a maior parte das produções nacionais. Essa escassez dedemanda tem origem em vários fatores; dentre eles, podemos citar a má famado cinema nacional, apontado por muitos como de má qualidade (muitos aindanão assistiram nenhum filme da retomada para atestar melhorias substanciais),e a falta de familiaridade com a linguagem do cinema não hollywoodiano, etc.Algumas iniciativas já foram e estão sendo tomadas para amenizar o problema.O Presidente Fernando Henrique Cardoso, baseado em uma lei fixada em 1992,assinou um decreto que obriga os cinemas brasileiros a exibirem uma cotaanual de filmes nacionais. O maior questionamento dos exibidores, no entanto,está justamente relacionado ao número de produções com atrativo suficientepara levar o público aos cinemas.

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Há também outras iniciativas por parte do poder público ou de empresasprivadas, sempre com o objetivo de viabilizar o acesso da população e de criarespaços alternativos de exibição. Podemos citar exemplos como o projeto darede Cinemark de exibir apenas filmes brasileiros em todas as suas salas, pelopreço promocional de R$ 1,00, para comemorar o Dia do Cinema Nacional. Opróprio Cinemark ainda tem o projeto Escola, que promove sessões de filmesbrasileiros a preços promocionais, agendados especialmente para escolas. Osfilmes são selecionados de acordo com temas que possam ser posteriormentediscutidos em sala de aula.

A Petrobrás, através do projeto Cinema BR em Movimento, leva filmesgratuitamente às universidades. Após as sessões, são realizados debates, como objetivo de ressaltar o valor cultural das produções e de contribuir para aformação de platéias do cinema nacional. O projeto também realiza sessões emcomunidades, como escolas, igrejas e presídios. No Rio Grande do Sul, tem-seo projeto Rodacine, com objetivo semelhante.

Com base na Tabela 3, podemos dimensionar os mercados cinematográficosgaúcho e porto-alegrense no Brasil. Começando pelos números socioeconômicos(ano-base 2002), constatamos que o Rio Grande do Sul responde por 7,76% doProduto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e Porto Alegre, por 0,81%. A populaçãogaúcha representa 5,89% dos brasileiros, e os porto-alegrenses, 0,78%.O PIB per capita dos gaúchos é de R$ 10.000,00 ao ano, enquanto o dos

Tabela 2

Concentração de público segundo o total de títulos de filmes — 2004

FAIXA DE PÚBLICO (1 000 ingressos)

TOTAL DE TÍTULOS % DO TOTAL

< 100 .................................. 38 75 101 a 300 ........................... 4 7 301 a 500 ........................... 1 2 501 a 800 ........................... - 0 801 a 1 000 ........................ 3 6 1 001 a 2 000 ..................... 1 2 2 001 a 3 000 ..................... 2 4 3 001 a 4 000 ..................... 2 4 > 4 000 ............................... - 0 FONTE: FILME B. Database BRASIL. [Rio de Janeiro], 2004. CD-ROM.

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porto-alegrenses é de R$ 7,8 mil. Os dados sobre cinema mostram que tanto oRio Grande do Sul quanto Porto Alegre estão acima da média nacional no quesitonúmero de habitantes por sala de exibição. Enquanto a média brasileira é de90.924 habitantes por sala, o Rio Grande do Sul tem 69.200, e Porto Alegre,21.790, o que evidencia o grande número de salas de exibição no Estado emrelação ao restante do País. Para 5,89% da população brasileira, o Rio Grandedo Sul tem 7,76% das salas do Brasil. Nessa relação, Porto Alegre destaca-seainda mais, pois, com 0,78% da população nacional, tem 3,25% das salas doPaís.

Tabela 3

Dados comparativos dos mercados cinematográficos do Brasil, do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre — 2002 e 2004

DISCRIMINAÇÃO BRASIL RIO GRANDE DO SUL

% DO RS NO BRASIL

PORTO ALEGRE

% DE PORTO ALEGRE

NO BRASIL

PIB (R$ 1 000) ....... 1 346 028 104 451 7,76 10 876 0,81 PIB per capita (R$ 1 000) .................... 7,6 10,0 - 7,8 - População (1 000 pessoas) ................ 176 391 10 398 5,89 1 383 0,78 Público de cinema (1 000 pessoas) ..... 114 733 6 935 6,04 3 897 3,40 Market share (%) ... - 6,3 - 3,6 - Salas de cinema .... 1 997 155 7,76 65 3,25 Habitante por sala (1 000 pessoas)...... 90,9 69,2 - 21,8 - Renda total (R$ 1 000) .................... 766 939 46 326 6,04 23 780 3,10 Ingressos per ca-pita (R$) ................. 0,6 0,6 - 2,75 -

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE. FONTE DOS DADOS BR FILME B.Database Brasil.[Rio de Janeiro], 2004. FONTE DOS DADOS BRUTOS: CD-ROM. NOTA: 1. Dados econômicos referentes ao ano-base de 2002. NOTA: 2. Dados do cinema referentes ao ano-base de 2004.

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Esses dados mostram que a renda não explica totalmente a demanda porcinema. No caso do Rio Grande do Sul, com 7,76% da renda nacional (PIB),este participa somente com 6,04% da renda do cinema no Brasil, enquantoPorto Alegre, com 0,81% do PIB, responde por 3,10% da mesma, embora comrenda per capita inferior à do Estado (R$ 7,8 mil para a Capital contra R$ 10.000,00para todo o Estado). No entanto, uma outra variável pode ajudar a explicar essecomportamento da demanda por cinema no Brasil: a taxa de analfabetismo. OBrasil tem taxa de 10,9% de analfabetos; o Rio Grande do Sul, de 5,8%; e PortoAlegre, de 3,5%. Esse é um indicativo de que uma política direcionada, viaeducação, pode ser mais eficiente no objetivo de formar público para o cinema.

Infelizmente, não foi possível desmembrar a renda total do cinema no Brasil,entre cinema geral e cinema nacional, para os estados e os municípios. Assim,poderíamos identificar quais são os estados e os municípios que assistem maisao cinema brasileiro e tentar inferir o porquê. Sabemos que o cinema nacionalrepresenta apenas 14,3% do mercado cinematográfico, com renda de R$ 110milhões, mas não sabemos como está distribuído entre estados e municípios.

A análise e os exemplos acima deixam clara a necessidade do poder públicode atuar também do lado da demanda por filmes nacionais, que estão encalhadosno gargalo de distribuição e exibição. Em artigo publicado na revista eletrônicaCiberlegenda, Ronaldo Rosas Reis (2003) comenta:

Nesse sentido, percebo que o debate em torno da questão da presençasocial do cinema brasileiro deve ser abordado igualmente à luz de umaeconomia política que leve em conta a necessidade urgente de formaçãode platéias como um movimento a ser realizado de forma sistemática eintencional na escola, nos movimentos sociais, nos sindicatos (Reis, 2003).

3 Sugestões

Esta sessão tem o objetivo de levantar sugestões para aprimorar as políticaspúblicas para o setor, bem como incentivar o debate sobre o tema. Ela se divideem dois eixos: sugestões para a pesquisa e sugestões para políticas públicas.Obviamente, trata-se de uma contribuição, estando longe de se constituir numalista exaustiva e definitiva de propostas.

O novo campo de pesquisa que começa a ser explorado no Brasil sobreEconomia da cultura é enorme. Este trabalho constitui uma pequena amostra e,mesmo assim, já permite vislumbrar uma infinidade de temas, aspectos eabordagens que poderiam ensejar pesquisas mais profundas. Muitos desses

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temas, embora citados, não puderam ser esmiuçados no corpo deste texto,para não fugir do assunto central. Podemos citar como pesquisas importantes:

- aspectos trabalhistas da Economia da Cultura;- formular um modelo de equilíbrio parcial para mercados culturais;- calcular o efeito multiplicador dos investimentos em cultura;- elaborar estudo sobre os custos das produções culturais;- identificar quem, quantos são e onde estão os fornecedores para saberquanto da LIC-RS é gasta no Estado;

- analisar o que leva as empresas a investirem em cultura, dentre outras.No entanto, para que esses estudos sejam realizados, será necessário

que o poder público — leia-se principalmente a Sedac-RS — construa edisponibilize estatísticas. Isto porque um pesquisador isolado enfrentadificuldades para acessar informações, como, por exemplo, neste trabalho, quandotentamos reunir dados sobre como foram destinados os recursos captados pelaLIC. Os dados existem, pois, pela LIC, há a obrigação, por parte daqueles quecaptaram através da Lei, de preencher uma planilha bem detalhada com taisinformações. Esses números poderiam ser mais bem trabalhados e seriam muitoúteis para o aprimoramento da política cultural do Estado.

Outra forma de se conseguirem estatísticas poderia ser através de umcenso declaratório respondido por todos os agentes culturais que tenham sebeneficiado da LIC. Também poderia ser feito uso de enquetes e/ou de pesquisasde opinião, ou de perfil, para se conhecer melhor a demanda. Sindicatos e outrasorganizações afins também poderiam auxiliar, alimentando um banco de dadosgerido pela Sedac. Os recursos de informática para tal fim são simples ebaratos, não sendo necessários grandes aportes estruturais e de mão-de--obra. Tentar incluir o item cultura na Matriz de Insumo-Produto do Estado, ela-borada pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), seria um grande avan-ço, mas reconhecemos as limitações técnicas para fazê-lo.

Tendo em vista que um dos grandes problemas do cinema nacional está nadistribuição e na exibição, caberia ao poder público destinar parte dos recursoscom vistas a desfazer esses gargalos. Algumas alternativas seriam destinarmais verbas para divulgação e lançamento e menos para a produção, promovermais festivais, ampliar a exibição de tais produções em TVs estatais.

A formação de público para o cinema nacional é fundamental, visto quegrande parte de todo o problema reside na falta de demanda. Portanto, umapolítica cultural associada a uma política educacional é vital para tal objetivo.

Poderiam ser promovidas alterações na LIC, no sentido de criar umamentalidade empreendedora nos produtores culturais, ou seja, instituir um poucode risco na atividade, assim como transformar a LIC num instrumento de política

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cultural de longo prazo, para que a realização de um longa-metragem deixe deser um evento isolado e se transforme em uma indústria permanente.

A LIC deveria estar inserida dentro de uma política de longo prazo para aárea cultural que visasse transformá-la em atividade econômica, geradora derenda. Caso esse não seja o objetivo da política cultural, pode-se desconsiderartudo que foi escrito neste trabalho, pois se trata da premissa principal. Umasugestão é transformar a LIC, ou dotá-la, em parte, de um caráter definanciamento e/ou empréstimo para produção, ou seja, a LIC anteciparia osrecursos, que seriam reembolsados ao erário com a renda da bilheteria.

Uma grande contribuição que poderia ser acrescentada à LIC é direcioná-lapara o incremento da demanda. Sem demanda pelo cinema nacional, a produçãoaudiovisual, bancada em sua quase-totalidade por recursos públicos, é apenastransferência de renda de outros setores, pois, se ela não gera renda para subsistir,necessariamente estará drenando renda das atividades rentáveis.

Associada à questão acima, seria recomendável uma articulação depolíticas culturais, entre a União, os estados e os municípios, no sentido demelhorar a distribuição e de aumentar a exibição, reduzindo a dependência dedistribuidores multinacionais.

Um assunto pouco agradável, mas que deve ser levantado, é a necessidadede auditoria na prestação de contas da LIC. Se necessário, deve-se, inclusive,alterar a legislação em vigor. O objetivo seria buscar o melhor uso dos recursospúblicos, o cumprimento dos prazos legais e certificar-se de que está tendo odestino para o qual foi aprovado. Também se poderiam incluir na legislação (leiou resoluções) dispositivos que visassem reduzir os custos.

Em síntese, essas mudanças levam em conta o objetivo de se transformara produção cinematográfica em uma nova atividade econômica. Obviamente,elas devem ser implementadas gradativamente, dentro de uma perspectiva delongo prazo, para não se repetir o equívoco do Governo Collor.

4 LIC estadual

Esta sessão analisa os resultados, até o momento, das produçõescinematográficas que captaram recursos pela LIC-RS. Apresentaremos duastabelas, que buscam esclarecer um pouco da problemática do setor, a saber,sua viabilidade econômica. Entendemos por viabilidade econômica, na sua formamais simples, a capacidade de gerar receita suficiente com a venda do produto,capaz de pagar seus custos de produção, distribuição, marketing e venda.

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O intuito da Tabela 4 é destacar o peso das leis de incentivo na produçãocinematográfica gaúcha. Consideramos somente os filmes sobre os quaisconseguimos as informações sobre seu orçamento total. A terceira coluna,percentual de recursos públicos no orçamento total da produção, mostra queestes representam mais de três quartos das fontes de financiamento dasprodutoras. A quinta coluna, relação entre renda de bilheteria e orçamento total,que mostra o retorno do investimento, evidencia a inviabilidade de as produçõesse autofinanciarem. Nota-se que somente o filme O Homem que Copiava financiousua produção com a renda da bilheteria. Mesmo assim, não foram computadoscustos, como de distribuição e lançamento. Para isso, foi necessário um públicode mais de 600.000 expectadores, número superado somente por 10% dasproduções nacionais. A sexta coluna, relação entre bilheteria e incentivos, mostraa eficiência dos recursos públicos, caso o objetivo seja produzir filmes nacionaispara serem assistidos por brasileiros. Os dados dessa coluna deixam claro queo objetivo em questão ainda não foi atingido, pois se gasta muito para exibiçãoa um público restrito.

Tabela 4

Relação custos/bilheteria/leis de incentivo na produção cinematográfica do RS

FILMES ORÇAMENTO

TOTAL (R$)

INCENTIVO TOTAL (R$) (1)

RECURSOS PÚBLICOS

(%)

Lua de Outubro .................. 2 500 000,00 2 115 000,00 84,6 Tolerância .......................... 2 653 561,59 1 135 450,32 42,8 Houve Uma Vez Dois Ve-rões .................................... 999 890,34 758 000,00 75,8 O Homem que Copiava ...... 4 000 000,00 3 153 886,00 78,8 Concerto Campestre ......... 4 480 000,00 3 864 000,00 86,3

FILMES RENDA DE

BILHETERIA (R$)

RELAÇÃO PERCENTUAL BILHETERIA/

/ORÇAMENTO

RELAÇÃO PERCENTUAL BILHETERIA/ /INCENTIVOS

Lua de Outubro .................. 114 351,00 4,6 5,4 Tolerância .......................... 497 953,00 18,8 43,9 Houve Uma Vez Dois Ve-rões .................................... 384 212,00 38,4 50,7 O Homem que Copiava ...... 4 692 436,00 117,3 148,8 Concerto Campestre ......... 67 205,00 1,5 1,7

FONTE: Pesquisa de campo. (1) Inclui outros incentivos fiscais, inclusive federais.

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A Tabela 5 não deixa dúvidas sobre a importância da LIC-RS para possibi-litar a produção, os elevados custos dessas produções e o pequeno públicoatingido.

Afora isso, fica claro que, além de se buscar o aumento da demanda pelasproduções nacionais, deve-se também conhecê-la melhor, pois disso depende aestratégia de lançamento e de distribuição do filme. Por exemplo, o filme Noitede São João fez apenas cinco cópias e, portanto, teve um custo reduzido paraessa finalidade; no entanto, conseguiu um público também reduzido: 1.071expectadores por cópia, em média. Por outro lado, o filme Tolerância fez 90cópias — portanto, um grande custo — e, embora tenha obtido um público maiordo que Noite de São João, em termos absolutos, em média, fez apenas 940expectadores por cópia. Ainda há outro aspecto: por exemplo, Anahy de lasMissiones tem uma ótima relação cópia/público (8.733), porém atingiu um públicoinsuficiente para gerar a renda necessária para cobrir todos os custos. Osnúmeros da Tabela 5 podem levar à conclusão de que, somente se fazendomuitas cópias, se viabiliza a produção. No entanto, isso é equivocado, pois sóserá verdadeiro se houver público. Além disso, devemos levar em conta que,quando o público viabiliza economicamente a distribuição (cópias e outros custos)e a exibição, também gera receita para o produtor, porque este último não arcoucom o custo da produção, que foi bancada por recursos públicos.

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Aspectos econômicos do impacto da Lei de Incentivo à Cultura (LIC-RS)...

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5 Conclusão

Neste trabalho, fizemos uma análise do mercado cinematográfico no Brasile, principalmente, no Rio Grande Sul, destacando seu funcionamento e identifi-cando seus gargalos. Observamos, preferencialmente, os efeitos da LIC-RSsobre a produção de longas-metragens.

Uma análise mais completa ficou prejudicada pela ausência, ouinconsistência, da base de informações; por isso, sugerimos a melhoria dosdados que podem ajudar na compreensão econômica do setor cultural.

O texto trabalhou com duas hipóteses, sendo a primeira referente ao incre-mento na oferta de filmes em decorrência da LIC-RS. Os números analisados,tanto para o Brasil, com leis federais, como para o Rio Grande do Sul, confirmarama hipótese. Há evidência de que a LIC-RS fez ressurgir a produção cinematográficano Estado, retomando uma atividade quase extinta no período anterior.

A segunda hipótese refere-se aos pontos de estrangulamento do mercado.Freqüentemente, apontam-se problemas na distribuição e na exibição, mas ogrande problema é que não há demanda suficiente para viabilizar o mercado.Nesse sentido, ao induzir o aumento da oferta de produções nacionais atravésda LIC, o Estado está subvertendo a ordem natural da racionalidade econômicaque prega que, para toda demanda, haverá oferta. Nesse caso, está-seincrementando a oferta sem o respectivo incremento da demanda, gerando,assim, aumento do estoque (excesso de oferta), que significa, do ponto de vistaeconômico, falha na alocação dos recursos. A hipótese confirma-se aoanalisarmos o número de espectadores alcançados pelas produções nacionais,que mostra que uma minoria pagaria seus custos.

Outro problema que podemos notar é o alto custo das produções, e, nessesentido, o mecanismo da LIC contribui para inflacionar o mercado. Os produtorespoderiam comprometer-se a ajudar a viabilização econômica de suas produçõesreduzindo seus custos; criatividade não lhes falta. Em nenhum outro lugar,encontraremos pessoas mais criativas do que no meio cultural.

As sugestões feitas apontam no sentido de direcionar a atuação do poderpúblico também para a solução dos gargalos, principalmente fomentando ademanda. Se houvesse uma demanda maior, o mercado atrairia recursosnaturalmente, ou, alternativamente, geraria seus próprios recursos, tornando--se, assim, uma atividade econômica auto-sustentável.

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, Número Especial, p. 895-916, 2008

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1 - A revista Ensaios FEE, publicação semestral da Fundação de Economia e Esta-tística Siegfried Emanuel Heuser (FEE), divulga artigos de caráter científico, daárea da economia e das demais ciências sociais.

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a) livros - POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova inter-

ORIENTAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

nacionalização do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu.São Paulo: Boitempo, 2001, 151p.CASTRO, Antônio B. de; SOUZA, Francisco E. P. de. A eco-nomia brasileira em marcha forçada. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra,1985, 217p.

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b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha. Dinâmica finan-b) capítulo

c) periódico - CONJUNTURA ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez. 2000.

d) artigo de periódico -

d) artigos de periódico -

e) artigo de jornal -

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10 - As tabelas e gráficos apresentados no artigo devem ser numerados e apresentartítulo e fonte completos. Os gráficos devem ser gerados no MS-Excel, comformatação em preto e branco. O arquivo do MS-Excel deve ser encaminhado àrevista Ensaios FEE contendo as tabelas dos dados vinculadas aos gráficosgerados.

BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. O declíniode Bretton Woods e a emergência dos mercados“globalizados”. Economia e Sociedade, Campinas,-n. 4,p. 1-20, 1997.PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretosmundiais. Carta da SOBEET, São Paulo, v. 1,n. 4, set./out. 1997.

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livro eletrônico (monografia)DICIONÁRIO da língua portuguesa. Lisboa: PriberamInformática, 1988. Disponível em:<http://www.priberam.pt/dIDLPO> Acesso em: 8 mar. 1999.periódico eletrônico (revista, anuário, etc...)BOLETIM INFORMATIVO DE PESSOAL. Porto Alegre:Secretaria da Fazenda/RS, n. 31, jul. 2001. Disponível em:<http://www.sefaz.rs.gov.br> Acesso em: 14 dez. 2001.artigo de periódico em meio eletrônicoO IED no Brasil e no mundo: principais tendências. SinopseEconômica. Disponível em:<http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm > Acesso em: 21 mar.2000.banco de dadosIBGE-SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.brAcesso em: mar. 2001.homepage institucionalBRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Disponí-vel em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2004.

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Lisete Maria Girotto.