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Difícil de mudar CAPA Implementada há seis anos, a portabilidade numérica ainda não é realizada adequadamente pelas operadoras de celular. Informações desencontradas e pedidos não concluídos foram alguns dos problemas detectados pelo Idec 1 4 Junho 2014 REVISTA DO IDEC Fotos Shutterstock

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Difícilde mudar

CAPA

Implementada há seis anos, a portabilidade numéricaainda não é realizada adequadamente pelas operadoras

de celular. Informações desencontradas e pedidos não concluídos foram alguns dos problemas detectados pelo Idec

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Imagine que você seja dono de uma loja e que, certo dia, apare-ça um novo cliente interessado

em comprar um produto, pois não está muito satisfeito com o concor-rente. Tudo o que tem de fazer é atendê-lo bem, explicar os detalhes sobre o que pretende vender e, assim, cativá-lo de vez, certo? Bem, parece que as principais operadoras de celular do país não aprenderam essa lição básica de marketing.

O Idec testou como a Claro, a Oi, a Tim e a Vivo agem quando um consumidor pede portabilidade numérica – ou seja, pede para migrar de uma operadora para outra e man-ter o número de sua linha – e cons-tatou que elas cometem uma série de falhas, principalmente no que diz respeito à informação ao usuário. Houve casos em que o pedido não foi efetivado, inclusive. “Ainda há problemas visíveis na realização da portabilidade, que é fundamental para a competitividade do setor e para garantir a liberdade de escolha do consumidor”, declara Veridiana Alimonti, advogada do Idec e espe-cialista em telecomunicações.

COMO FOI FEITA A PESQUISAA pesquisa, realizada durante o mês de março de 2014, foi dividida em

duas etapas: na primeira, a pesquisadora do Idec consultou o Serviço de

Atendimento ao Consumidor (SAC) das quatro maiores operadoras de tele-

fonia móvel do país — Claro, Oi, Tim e Vivo — sobre as regras para a portabi-

lidade; depois, foi a lojas próprias de cada uma solicitar o procedimento (de

Vivo para Tim; de Oi para Claro; de Claro para Vivo; e de Tim para Oi).

Avaliou-se o atendimento fornecido pelos atendentes, considerando as

regras estabelecidas pela Resolução nº 460/2007, alterada pela Resolução

nº 487/2007, e a efetivação da portabilidade dentro do prazo regulamentar

de três dias úteis.

Na segunda etapa, a pesquisadora foi a mais quatro lojas de cada opera-

dora para pedir novas portabilidades e, depois, solicitou o cancelamento. O

objetivo era verificar se as operadoras cancelam o pedido de portabilidade

e se os créditos existentes no chip cujo número seria portado são mantidos

após o cancelamento.

qualquer esquina e ativam a linha por telefone mesmo. Veja, na pági-na 16, um resumo dos principais erros cometidos por cada operadora durante a pesquisa.

CONSUMIDOR

MAL INFORMADO

Uma falha frequente durante a pesquisa foi o fornecimento de infor-mações divergentes pelos funcioná-rios do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e por vendedo-res das lojas das operadoras sobre as regras da portabilidade. Como confiar se cada um fala uma coisa? “Esse é um ponto bastante fraco do setor: o consumidor nunca tem cer-teza absoluta de que a informação que acabou de receber é correta”, critica Alimonti.

A primeira dúvida não esclare-cida foi se, ao fazer a portabilidade de uma linha pré-paga, os créditos

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A portabilidade, válida tanto para a telefonia móvel quanto para a fixa, foi criada em 2007 pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por meio da Resolução no 460/2007, posteriormente alte-rada pela Resolução no 487/2007, e implementada em setembro de 2008. Ao longo de 2013, foram registrados 2.284.118 pedidos de portabilidade apenas de linhas de celular (pré e pós-pagas), de acordo com dados da consultoria Teleco.

Como a solicitação deve ser feita à empresa para a qual o consumi-dor deseja migrar, esperava-se que o atendimento fosse mais eficiente. Mas não é bem isso o que acontece. A dificuldade já começa na hora de fazer o pedido: com exceção da Vivo, a portabilidade só pode ser requerida presencialmente, numa loja da operadora, pois, segundo as empresas, o consumidor deve apresentar seus documentos de identificação e adquirir um novo chip. O curioso é que para adquirir uma linha pré-paga, são necessá-rios os mesmos procedimentos, mas as operadoras vendem chips em

ENQUETE

De 16 de abril a 5 de maio, o Idec fez uma enquete em seu site para saber a experiência dos consumidores com a portabilidade numérica; 358 internautas votaram. Veja os resultados: Você já trocou de operadora de celular e manteve o número da linha?

Sim, mas esperei mais de 3 dias úteis

Sim, mas tive que pedir mais de uma vez

Sim, sem os problemas acima

Não, nunca pedi a portabilidade

Não, não sabia que tinha esse direito

23%

7%

18%

43%

9%

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existentes seriam mantidos. A Claro disse que sim em uma ligação, e que não em outra. Na Tim, dois atendentes afirmaram que os cré-ditos seriam transferidos automati-camente para a nova operadora. Na prática, porém, os créditos foram perdidos em todas as trocas.

O caso mais absurdo de infor-mação inadequada ocorreu na Tim também. Em três lojas (duas pró-prias e uma revendedora), os fun-cionários disseram que não faziam portabilidade de linhas pré-pagas. Já o atendente do SAC afirmou que todas as lojas são obrigadas a fazer a portabilidade tanto de pré quanto de pós-pagos. Procurada, a Anatel disse o mesmo. “Ao tratar de forma diferenciada consumidores de pré e pós-pagos, a Tim viola os artigos 10, II, e 13, I, do regulamento da portabilidade, assim como o arti-go 39, II, do Código de Defesa do Consumidor”, informa a advogada do Idec.

As operadoras também deixa-ram de informar uma série de itens previstos no regulamento da por-tabilidade, como as condições do procedimento (como regras para cancelamento) e as condições do plano para o qual o consumidor vai migrar (custo das chamadas,

QUASE “DE GRAÇA”

De acordo com as regras da Anatel, as operadoras podem cobrar até R$ 4 pela portabilidade, mas nenhuma delas aplicou a taxa. No entanto, na Vivo, o funcionário da loja informou que seria preciso fazer uma recarga mínima para gerar um número provisório durante o proces-so de troca de operadora. No dia em que a pesquisadora foi à loja, o valor mínimo dessa recarga era de R$ 35. Somente após ser questionado se não havia outra forma de solicitar a portabilidade, o vendedor informou que era possível comprar um chip numa revendedora (banca de jornal, loja de departamento, farmácia etc.) e fazer o pedido por SMS. “A exi-gência de recarga mínima não está prevista no regulamento e tampouco representa requisito necessário à efe-tivação da portabilidade. Portanto, é uma prática abusiva, pois configura uma vantagem excessiva imposta pela empresa ao consumidor, de acordo com o artigo 39, V, do CDC”, argumenta Alimonti.

por exemplo), além de nem sempre informar o número do protocolo da operação.

A Oi foi a única operadora que informou voluntariamente os cus-tos das ligações do novo plano. No geral, os vendedores perguntavam qual era o perfil de gastos do usu-ário, mas não apresentavam a ele opções nem lhe davam a oportuni-dade de escolher. “O consumidor passa a utilizar um novo serviço sem conhecer as suas condições: valor das chamadas para a mesma operadora e para outras, do SMS, de eventual conexão à internet etc.”, observa Alimonti.

As operadoras indicaram o prazo para a portabilidade ser efetivada. Porém, em pelo menos uma ocasião, todas elas disseram que o período poderia ser de até cinco dias úteis, enquanto, atualmente, o regulamen-to estabelece prazo máximo de três dias úteis. “O período de cinco dias foi aplicado no início da ativa-ção comercial da portabilidade e foi transitório”, explica a advogada.

CAPA

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Principais falhasDeu informações divergentes a respeito da manutenção dos créditos após a realização da portabilidade; após o cancelamento da portabilidade, parte dos

créditos sumiu.

Não cumpriu o prazo para a efetivação da portabilidade; após o cancelamento da portabilidade, grande parte dos créditos sumiu.

Três lojas recusaram a realização da portabilidade, alegando, indevidamente, que o procedimento não era feito para linhas pré-pagas; forneceu informações

erradas a respeito do procedimento da portabilidade, obrigando a realização de um novo pedido; após o cancelamento, os créditos sumiram.

A loja exigiu recarga mínima de crédito para fazer o procedimento, mas informou uma alternativa de solicitação via SMS; não realizou a portabilidade no

primeiro pedido, nem registrou o segundo, que posteriormente seria cancelado.

“A portabilidade é fundamental para a competitividade do

setor e para garantir a liberdade de escolha

do consumidor”Veridiana Alimonti, advogada do Idec

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Questionada por que algumas operadoras geram um número pro-visório (Tim e Vivo) e outras não (Claro e Oi), a Anatel explicou que “o fornecimento de um número provisório ao usuário é prerrogativa da prestadora, mas não pode ser condição para o atendimento da solicitação, ou seja, o usuário pode optar por não querer o número pro-visório”. Na Tim, o pesquisador não teve a opção de escolher se queria ou não o número provisório. E, na Vivo, o tal número só não é forneci-do se o pedido de portabilidade for feito por SMS.

NEM SEMPRE DÁ CERTO

Depois de ir a uma loja, enfren-tar fila de espera e voltar para casa com pouquíssima informação, o

consumidor precisa contar com a sorte para que seu número seja portado com sucesso. De quatro portabilidades solicitadas durante a pesquisa – uma para cada operadora –, apenas uma foi realizada no dia e na hora marcados e dentro do prazo regulamentar, de três dias úteis: a da Oi para a Claro.

A da Tim para a Oi ocorreu em cinco dias úteis, portanto, fora do prazo; e a da Vivo para a Tim, em três dias úteis, mas somente na segunda tentativa (na primeira ocorreu um erro, o que obrigou a pesquisadora a retornar à loja). A portabilidade da Claro para a Vivo – que foi solicitada por meio de SMS – não foi efetivada.

Vale destacar a confusão ocorri-da na primeira tentativa de se fazer

a portabilidade na Tim. O atendente “inventou” um procedimento: disse que em 20 minutos a pesquisadora receberia um número provisório no novo chip e que deveria, então, gas-tar os R$ 2 que ganharia de bônus. Caso não o fizesse, a portabilidade poderia não ocorrer. No dia seguin-te, seria necessário voltar à loja para informar o número a ser portado e, então, finalizar o processo. Como em 20 minutos o número não foi enviado por SMS, a pesquisadora voltou à loja e descobriu que, além de o chip entregue a ela não ser adequado para a portabilidade, as informações que lhe foram passadas estavam erradas. Outro atendente fez um novo pedido, não foi preciso voltar à loja no dia seguinte e, dessa vez, finalmente deu certo.

Como fazer a portabilidade

Para quem pedir:para a operadora

receptora, ou seja, para a qual você quer mudar.

Documentos necessários:RG ou outro documento

com foto. Na Vivo, é preciso apresentar também um

comprovante de residência.

Como pedir:presencialmente, numa loja da operadora, ou por SMS, no caso da Vivo.

Quanto custa:as operadoras podem cobrar até R$ 4, mas nenhuma o faz. É preciso apenas comprar um chip, que em geral custa R$ 10.

O que fazer após o pedido:esperar o prazo informado

pela operadora para a efetivação da troca (segundo

o regulamento, este deve ser de até três dias úteis). A

Tim e a Claro agendam dia e horário; já a Vivo e a Oi, não.

Se a portabilidade não funcionar:reclame para a Anatel, pelo telefone 1331 ou pelo site www.anatel.gov.br. A agência deve entrar em contato com a operadora e exigir que oproblema seja solucionado ematé cinco dias úteis. Depois disso,também pode aplicar sanção à operadora pela infração.

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As operadoras respondem

De forma geral, afirma que está de acordo com as regras

de portabilidade e que os aspectos em desconformidade apontados pelo Idec são pontuais e que serão avaliadas oportunidades de melhoria.

Informa que já reforçou a orientação aos funcioná-

rios para que equívocos como a recusa de portabilidade de linha pré-paga, bem como o fornecimento de informações incorretas sobre o prazo, não voltem a ocorrer. Em relação à exigência de comparecimento à loja para solicitação do procedimento, argumenta que ela está baseada na segurança do próprio cliente, “uma vez que se trata de uma linha ativa e vinda de outra operadora, diferente da ativação de uma linha nova pré- paga”, mas que vai avaliar a possibilidade de realização via central de atendimento.

Afirma que o procedimento padrão da empresa é de reali-

zar a portabilidade no prazo de três dias úteis; e que o comparecimento à loja é necessário para a aquisição do chip e verificação de documentos pessoais.

Esclarece que não cobra taxa para efetuar a

portabilidade e considera o episódio da obrigatoriedade de recarga de R$ 35 um equívoco pontual do vendedor. Em re-lação à não efetivação da portabilidade solicitada via SMS, a operadora diz que a pesquisadora não deve ter concluído o procedimento de forma adequada. A operadora informa, por fim, que segue todas as normas relativas à portabili-dade e que realiza milhares de pedidos por mês com sucesso, o que indica que a dinâmica e as ferramentas existentes são eficazes, e que as eventuais falhas de comunicações são eventos isolados.

Direito de cancelar

Você solicitou a portabilida-de, mas, por algum moti-vo qualquer, quer desistir?

Saiba que tem o direito de cancelar o seu pedido em até dois dias úteis, contados a partir da data de soli-citação. Assim como o pedido de portabilidade, o de cancelamento deve ser feito para a operadora receptora, ou seja, para a qual você pretendia mudar. Diferentemente do pedido de portabilidade, a soli-citação de cancelamento pode ser feita por telefone (SAC), com exce-ção da Vivo.

Se o pedido de portabilidade se transformou numa saga em alguns casos, desistir foi fácil (ufa!). Todas as operadoras cancelaram o pedido; o cancelamento só não pôde ser solicitado à Vivo, porque o pedido de portabilidade, feito por SMS, não havia sido registrado. A falta de registro, associada ao fato de a outra portabilidade solicitada à Vivo não ter sido concluída com sucesso, deixa a dúvida: a possibilidade de pedir a portabilidade por SMS é confiável?

Ao fazer o cancelamento, verifi-camos se os créditos existentes no chip antes do pedido de portabi-lidade foram mantidos. Na Oi, os R$ 5 de saldo, cuja validade não havia expirado, sumiram misterio-samente após o cancelamento; na Claro, o saldo foi reduzido de R$ 5 para R$ 1; e na Tim sobrou ape-nas o bônus de R$ 2 (os R$ 5 de recarga desapareceram). A Anatel afirma que, segundo a Resolução do Serviço Móvel Pessoal (que traz

regras gerais para o serviço de tele-fonia celular), a prestadora deve apresentar as razões para o débito dos créditos e, não havendo moti-vo, devolvê-los em dobro ao usuá-rio, por meio de créditos com vali-dade mínima de 30 dias ou outro meio escolhido pelo consumidor. O prazo para a devolução também é de 30 dias.

SAIBA MAISl Leia também a

reportagem “Direitos telefônicos bloqueados”, com a avaliação do serviço de celular pré-pago: http:// goo.gl/dALQwl

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