Capa Final 21 mm Inespera˘ela foi-se descontraindo aos poucos e adormeceu quase sem dar por isso....
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Ficção espiritualista
ISBN 978-989-668-282-8
9 789896 682828
InesperadoEncontroAs escolhas que fazemos
determinam o destinoda nossa vida.
Miriam é uma mulher exigente e mimada que durante sete anos sufoca o marido com as suas inseguranças e crises de ciúmes. Desesperado e sem ver outra solução, Ivo acaba por deixá-la. Miriam já tentara o suicídio uma vez e ameaça fazê-lo de novo caso ele não regresse, o que deixa em desespero os pais dela, que a consideram fraca e a têm protegido toda a vida.
Quando todos pensavam que aconteceria o pior, Miriam descobre os seus poderes mediúnicos. Apoiada por Franco, psicólogo e primo do ex-marido, Miriam aceita a sua condição e encontra o seu destino: utilizar os espíritos para ajudar os outros.
Entre sentimentos de ciúme, mágoa e apego, Zibia Gasparetto convida o leitor a uma re�exão sobre a importância de não darmos ao outro a direção da nossa vida, e mostra que os desa�os só apare-cem quando podemos vencê-los.
Este amigo espiritual, que tem vindo a inspirar--me em todos os romances, trabalhou sem reve-lar o seu nome quando eu comecei a psicogra-far. Eu sentia a sua presença, cheguei a vê-lo, mas nunca o questionei. Foi apenas quando terminei o livro O Amor Venceu é que, na última página, ele assinou como Lucius.
As energias que Lucius transmite são agradá-veis e, quando ele se aproxima, os meus pensa-mentos tornam-se claros, lúcidos. Nos primei-ros tempos em que trabalhámos juntos ele costumava andar comigo e orientava-me. Passado algum tempo, passou a vir apenas nos momentos de trabalho.
Aprendi muito com os seus conselhos e com as histórias que me transmitiu. Não sei porque é que ele me escolheu, mas sinto que os laços que nos unem são antigos e continuarão a existir por toda a eternidade.
Zibia Gasparetto nasceu em Campinas mas vive desde os seis anos de idade em São Paulo. Aprendeu a ler aos quatro anos de idade e, aos oito, passava horas sentada a escrever histórias.
Parou de escrever na adolescência, e só viriaa retomar a escrita sob a forma de psicogra�a, quando as suas faculdades mediúnicas surgi-ram. In�uenciada por espíritos comunicantes, Zibia Gasparetto é hoje uma autora bestseller, com mais de 16 milhões de livros vendidos.
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21 mmCapa Final
Capítulo 1
O relógio deu três badaladas e despertou Gisela, que abriu os
olhos, assustada. Sentou-se no sofá, apanhou o livro que
escorregara para o tapete, ajeitou o cabelo e tentou recordar-
-se do sonho estranho que tivera.
No apartamento vazio, com o sol a entrar pela fresta da cortina,
ela foi-se descontraindo aos poucos e adormeceu quase sem dar por
isso. Os seus dois irmãos tinham ido almoçar fora, e ela não quis
acompanhá-los, gozando de antemão o prazer de deixar-se fi car sozi-
nha e poder ler, sem ser interrompida constantemente por um deles,
quando sob qualquer pretexto lhe pediam alguma coisa.
Com o livro fechado entre as mãos, ela pensou no sonho que aca-
bara de ter com emoção. Que saudades! Não queria ter acordado.
Os seus pais tinham morrido num acidente de viação havia mais
de cinco anos, e pela primeira vez sonhara com eles. Ao abraçá-los,
foi tomada por uma forte emoção, e chegou a sentir o leve perfume
de alfazema que a sua mãe costumava usar. Eles estavam ali, vivos,
como se nunca tivessem morrido.
Ainda um pouco perturbada, ela perguntou-se:
— Será que não se passou nada e eles ainda estão aqui?
Mas bastou um olhar à sua volta para ter a certeza de que fora
mesmo um sonho. Aquele pequeno apartamento era muito diferente
da bela casa onde moravam antes.
Recordou-se da vida que levava ao lado deles e que fora inter-
rompida pelo acidente naquela madrugada terrível. Eles tinham ido
ZIBIA GASPARETTO
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visitar um sobrinho que estava a passar por sérios problemas no casa-
mento. Quando regressavam, chovia muito. Surgiu um carro desgo-
vernado, e o pai tentou mas não conseguiu evitar o acidente. Ambos
morreram instantaneamente.
Na altura, Gisela tinha 16 anos; Carlos, 18; e Franco, 23. Todos eram
estudantes. José Luís, o pai, formara-se em Direito, mas nunca exer-
cera a profissão. Preferiu tornar-se comerciante. Arrendou um depó-
sito, abriu uma empresa, ganhou dinheiro comprando e vendendo
mercadorias, e proporcionou conforto e bem-estar à família. Isaura,
a esposa, era professora primária numa escola pública.
Gisela recordava-se de como aquele tempo fora bom. Depois da
morte dos pais, muitas vezes revoltava-se pensando no casal que eles
tinham ido visitar. Culpava-o pelo acidente. Tratava-se do filho da tia
Olga, irmã do seu pai, que se casara e se desentendia frequentemente
com a esposa.
Muito ciumenta, ela zangava-se por qualquer coisa e ameaçava
suicidar-se, alarmando toda a família. Era uma jovem mimada, e,
por causa disso, os pais de Gisela tinham perdido a vida.
Depois de eles morrerem, os três irmãos reuniram-se para deci-
dir como continuar a vida. Nunca tinham trabalhado e não sabiam
o que fazer.
A tia Olga, desolada com a morte do irmão e da cunhada, que
tinham ido à casa do seu filho a pedido dela, fez o que estava ao seu
alcance para ajudá-los. Cuidou do enterro, confortou os sobrinhos
como pôde, mas a verdade é que José Luís, apesar de ganhar muito
dinheiro, gastava tudo com a família, dando-lhes uma vida boa.
Por isso, não lhes deixou nada, nem mesmo a casa em que mora-
vam, que era arrendada.
Franco pensou em deixar o curso de Psicologia e assumir a empresa
do pai. Mas os tios não permitiram, alegando que ele não tinha expe-
riência para assumir o negócio e que seria uma pena deixar a facul-
dade no último ano. Seria melhor vender a empresa, pôr o dinheiro
numa conta-poupança e viver dos juros.
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Teriam de se conformar com uma vida mais modesta, mas, com
poupança, estariam bem até Franco se formar. David, marido de Olga,
ajudou-os a arrendar um apartamento de dois quartos na Mooca,
e eles mudaram-se para lá.
A venda da empresa rendeu menos do que esperavam. O arma-
zém era arrendado, e mais da metade do dinheiro da mercadoria ven-
dida e dos móveis foi gasto com impostos e com o advogado que
tratou das questões legais.
Carlos e Gisela deixaram as escolas privadas em que estudavam
e transferiram-se para escolas públicas.
A tragédia dos pais fez com que os três irmãos se unissem mais.
Gisela lembrou-se da primeira noite que passaram no novo apar-
tamento. Reunidos na pequena cozinha, ao redor da mesa, depois de
terem como jantar cachorros-quentes e refrigerante, Gisela disse:
— Não sei se fizemos bem em aceitar a opinião dos tios. Devería-
mos ter pensado mais. Talvez tivesse sido melhor tentar levar a empresa
para a frente.
Franco suspirou, triste.
— Isso queria eu… Mas não temos experiência. Fiquei com receio
de perder tudo e termos de interromper os estudos.
— A mãe estava sempre a dizer que nunca deveríamos abando-
nar os estudos — tornou Carlos.
— Eu sei. Por isso aceitei os conselhos do tio David.
Gisela meneou a cabeça e disse:
— Ele ajudou-nos, mas, não sei porquê, quando penso nele, fico
com uma sensação má no peito.
— Porquê isso agora? Ele é um pouco limitado, mas a sua inten-
ção foi boa.
— Eu sei, Franco, mas sinto que ele não é sincero, não nos olha
nos olhos…
— Isso é verdade! — acrescentou Carlos, a sorrir. — A mãe cos-
tumava dizer que ele era um tipo dissimulado.
— Queres dizer falso. É o que eu sinto quando ele fala.
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Foi a vez de Franco dizer:
— Seja como for, ele ajudou-nos. Vocês os dois deveriam estar
agradecidos.
— Mas, daqui para a frente, vamos levar a nossa vida para a frente,
fazer as nossas próprias escolhas. Os três em conjunto.
— Muito bem, Gisela. Vamos aprender a cuidar de nós e fazer
como os Três Mosqueteiros…
— Um por todos, e todos por um — concordou Gisela, esten-
dendo a mão com a palma para cima, à qual os outros dois juntaram
as suas.
A partir daí, deixaram de pedir opinião aos tios, que se sentiram
aliviados por não terem de se incomodar com eles.
No início, foi difícil a adaptação à nova vida. Os pais cuidavam
de tudo, e eles não sabiam lidar com a manutenção da casa. Mas
aos poucos foram aprendendo. Gisela comprou um caderno em que
registava as despesas. Era ela quem fazia as compras e cuidava da
arrumação. Quanto à cozinha, os três cooperavam.
Enquanto Franco era bom a fazer sandes, Carlos, que tinha muito
bom apetite, interessou-se por receitas que experimentava ao fim de
semana. Gisela não gostava de cozinhar, mas cuidava da limpeza da
casa e da roupa com zelo.
Logo nos primeiros meses, perceberam que o dinheiro era pouco
e que não dava para muita coisa, por mais que economizassem.
Decidiram estudar à noite e procurar emprego. Até se formar,
Franco deu aulas particulares de inglês, idioma que falava fluente-
mente. Depois de formado, arrendou uma sala a meias com um colega
e atendia pessoas como psicólogo.
Carlos teve mais dificuldade. Nunca tinha trabalhado. Começou
como vendedor de enciclopédias, mas foi desanimador. Em dois meses
não vendeu nada. Acabou por desistir. Ao vê-lo desanimado, um colega
de escola sugeriu:
— Tu gostas de cozinhar… Porque não procuras trabalho nessa
área?
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A princípio ele não gostou e continuou a procurar emprego. Gisela
conseguiu trabalho numa loja como vendedora. Carlos continuava
desempregado. Os seus irmãos ganhavam pouco, mas pelo menos esta-
vam a trabalhar, enquanto ele continuava a ser um peso para a família.
Então decidiu: foi a um restaurante e conseguiu um emprego como
ajudante de cozinha. À hora de almoço, o estabelecimento ficava lotado,
e a azáfama era muita. Mas ele gostou do movimento. Adorava ver os pra-
tos a serem criados, enfeitados e degustados com prazer pelos clientes.
Estava a concluir o ensino secundário e queria tirar um curso
superior, mas qual? Teria de ser um que pudesse frequentar sem dei-
xar o trabalho. O salário era baixo, mas ajudava nas despesas. Ele que-
ria mais, por isso dedicou-se ao trabalho com determinação.
Colecionou receitas, registou as que viu o cozinheiro fazer e achou
boas, fez o que pôde para agradar ao patrão, e, embora tenha conse-
guido, o salário continuava o mesmo.
Resolveu procurar um emprego melhor. Comprou o jornal, recor-
tou os anúncios dos hotéis de cinco estrelas e candidatou-se. Conse-
guiu assim um emprego melhor, num hotel de luxo, como camareiro.
O salário não era muito melhor do que o anterior, mas havia as
gorjetas, que faziam toda a diferença.
Gisela fazia uma retrospetiva dos cinco anos decorridos desde
a morte dos pais. Carlos conseguira entrar no curso de Gestão de
Empresas, e faltavam dois anos para se formar. Inicialmente camareiro,
acabou por ir trabalhar na administração do hotel. Franco afirmara-se
na profissão e mudara-se para uma casa maior e mais bem situada.
Já ela, depois de trabalhar na loja, entrou para uma empresa como
assistente administrativa. Inscreveu-se num curso de secretariado e foi
estudar inglês.
Os três irmãos pensavam em juntar esforços e um dia abrir uma
empresa, como os pais fizeram.
Gisela lembrou-se do que acontecera no sonho. Ela entrara no
antigo escritório da empresa do pai, e eles estavam lá. Ao vê-la chegar,
abraçaram-na com alegria.
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Ambos estavam bem-dispostos e alegres.
— Mãe, pai, que saudades! — disse ela, emocionada. — É muito
bom recordar o tempo em que os dois estavam aqui. A nossa vida era
tão diferente! Tão melhor!
— Não digas isso, minha filha. Estamos orgulhosos de todos vocês
— retorquiu José Luís.
Gisela não concordou.
— Ficou tudo mais difícil. Há dias em que me revolto com a Miriam.
Foi ela a culpada pelo acidente.
Isaura pôs a mão na boca da filha.
— Não digas isso! Ela não teve nada a ver com o que aconteceu.
Tinha chegado a nossa hora, era fatal. Não se podia evitar.
— Nós não fomos bons pais. Viemos pedir-vos perdão — disse
José Luís.
Gisela abraçou o pai, surpreendida.
— Não digas isso, pai! Vocês foram os melhores pais do mundo.
Deram-nos amor, respeito e uma vida boa.
— É verdade — reconheceu Isaura —, nós amámos-vos muito.
Mas o amor, para ser eficiente, deve ser inteligente. Não vos ensiná-
mos a cuidarem melhor de vocês mesmos.
— A tua mãe tem razão. Não vos preparámos para enfrentar a vida.
— Mas não sabiam o que ia acontecer. Nunca imaginaram que
morreriam num acidente.
— Por isso mesmo, minha filha — acrescentou Isaura. — Quem
está a viver na Terra ignora o momento em que será chamado de
volta. E quem ama os filhos tem de lhes ensinar a vencer os proble-
mas com coragem.
José Luís interveio:
— Não vos ensinámos a assumir a responsabilidade pela própria
vida. Ao chegarmos aqui, percebemos isso e sofremos muito por não
podermos ajudar-vos como sempre fazíamos.
— Não estou a perceber por que me estão a dizer estas coisas.
Vocês foram os melhores pais do mundo!
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— Nós errámos muito. Eu tinha muito orgulho de ter prospe-
rado, construído aquela empresa, de criar empregos e proporcionar
que outras famílias se sustentassem. De que serviu? Assim que nos
viemos embora, tudo acabou. Quem comprou a empresa não conse-
guiu levá-la adiante, e fechou. Os meus funcionários, que se tornaram
meus amigos, perderam o emprego.
Foi a vez de Isaura intervir.
— Esquece. Não te martirizes mais. Não tiveste culpa de nada.
Ao que ele respondeu:
— Se eu tivesse posto o Franco e o Carlos a trabalhar na empresa,
eles teriam mantido o negócio. Eu sei que eles sentiram muito por ter
de vender tudo por um preço irrisório. Só o nosso ativo valia mais do
que aquilo que vos pagaram pela empresa toda.
Ao dizer aquilo, José Luís ficou pálido. Isaura amparou-o e pediu:
— Tu sabes que não deves voltar a tocar nesse assunto. Faz-te
mal. Não é possível voltar atrás, e sabes bem disso. Foi difícil con-
seguir este encontro. Lembra-te de que prometemos só lembrar as
coisas boas.
José Luís fechou os olhos durante alguns segundos, e, quando os
abriu, o seu rosto voltara ao normal. Sorriu.
— É verdade. Viemos dizer-vos que estamos bem e felizes por
vocês terem sido tão corajosos, por estarem a trabalhar, a estudar,
a aprender a viver.
— Temos de ir — tornou Isaura.
Gisela abraçou-a.
— Não se vão embora. Vamos para casa, e tudo voltará a ser como
antes.
José Luís juntou-se ao abraço e disse:
— Temos de ir. Mas lembra-te de que o amor que nos une está
vivo nos nossos corações. Diz aos teus irmãos que estão a ir muito
bem e que continuem a esforçar-se. Estou certo de que vocês os três
ainda vão conseguir realizar tudo o que desejam.
— Dá um beijo a cada um por mim. Amo-vos muito a todos.
ZIBIA GASPARETTO
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De seguida Gisela acordou, e as últimas palavras de Isaura ainda
ecoavam nos seus ouvidos.
Tanto ela como os irmãos tinham dos pais as melhores lembran-
ças. Porque lhes pedira perdão José Luís? Não conseguia perceber.
Um sonho pode ser fruto de uma fantasia, pensou ela. Só podia ser
isso. Mas foi tudo tão forte que parecia verdade. Não se lembrava
de ter tido um sonho que lhe despertasse tanta emoção. Teria sido
por causa da saudade que sentia deles? Reencontrá-los, ainda que
em sonho, foi como se estivessem vivos. Falavam como se moras-
sem longe e tivessem vindo visitá-la. Como é que um sonho podia ser
assim tão forte?
Quis que os irmãos estivessem em casa para lhes contar. Mas
tinha de conter a ansiedade, porque não iriam voltar tão cedo. Tinham
comentado que, depois do almoço, cada um iria para outro lugar.
Gisela decidiu estudar um pouco de inglês, pois tinha um teste
no dia seguinte. Pegou o livro, abriu na página que teria de traduzir
e tentou começar a escrever o texto. Mas não conseguia concentrar-
-se. Os seus pensamentos iam para o sonho, e a emoção reaparecia
em força.
O que se estava a passar? Porque lhe provocava um sonho tan-
tas emoções? Havia momentos em que lhe parecia estar a sentir o
perfume delicado da mãe e a ver-lhe os olhos, que se semicerravam
quando ela sorria.
Tentava voltar ao estudo, mas logo via a fisionomia do pai, pálido,
a culpar-se e a pedir-lhe perdão. Então sentia um aperto no peito e
pensava: Foi só um sonho! Uma fantasia! Aquilo não aconteceu de facto.
A calma voltava, e ela tentava concentrar-se na tradução. Mas as
lembranças do sonho não lhe davam trégua. Por fim desistiu. Não ia
conseguir estudar.
O tempo custava a passar. Apesar de ser alegre e de se dar bem
com as pessoas, preservava a sua intimidade. Não tinha amigas.
Sempre que se via a braços com algum problema, era com os irmãos
que se aconselhava.
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Carlos costumava dizer que ela precisava de ter amigas, sair para
passear ao fim de semana, divertir-se. Ao que ela respondia:
— Nunca conheci ninguém em quem eu pudesse confiar e com
quem pudesse partilhar a minha intimidade.
— És muito exigente. Assim vais ficar sempre sozinha. Não terás
companhia para te divertires como a maioria das raparigas da tua
idade.
— Tenho algumas colegas no escritório, convivo bem com elas
todos os dias. Mas sinto que estão mais interessadas em competir entre
si, não são sinceras umas com as outras. Tu sabes como eu sou. Sinto
quando uma pessoa está a mentir, a ser maldosa. Então não me envolvo.
Sou simpática com todas, mas não confio na sinceridade delas.
— Lá estás tu com a mania de achar que sentes como as pessoas
são. Não será apenas um ponto de vista teu? Como sabes que o que
sentes é verdade?
— Eu sei que é verdade. Tenho observado que, quando sinto isso
relativamente a uma pessoa, acabo sempre por notar uma atitude
nela que comprova os meus sentimentos. Queres saber? Devias pres-
tar atenção ao que sentes. Estou certa de que te livrarias de muitos
aborrecimentos. Lembras-te do João?
— Aquele sacana. Como poderia esquecer? Parecia muito meu
amigo, mas, quando fez asneira e as coisas correram mal, não hesi-
tou em lançar a culpa para cima de mim. Se não fosse o testemunho
de outros colegas a provar que era ele o culpado, eu poderia ter per-
dido o emprego e, o que é pior, ter ficado malvisto na empresa.
— Tens de prestar mais atenção ao que sentes. Quando conheci o
João, pedi-te que o fizesses. Senti que ele não era confiável.
— Mas eu não sou como tu. Passam pela minha cabeça muitos
pensamentos. Não quero ser injusto, julgar mal as pessoas.
— Preferes ser prejudicado?
— Claro que não. Mas julgar sem exame prévio é errado.
— É maldade. Não é isso o que faço. Às vezes, quando conheço ou
converso com alguém, sinto que devo prestar atenção e ser cautelosa.
ZIBIA GASPARETTO
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É uma coisa natural, sem julgamento. Algum tempo depois, acabo
por saber que ela não era confiável.
Carlos insistia que ela precisava de fazer amizades, sair, divertir-
-se. E Gisela prometia:
— Se aparecer alguém com quem eu me sinta bem, alimentarei
a amizade.
Olhando para o livro de inglês aberto sobre a mesa, ela decidiu
retomar a tradução e, quando se surpreendia a pensar no sonho,
esforçava-se por redirecionar a atenção para o livro.
Já havia escurecido, e Gisela sentiu fome. Preparou uma sandes.
Estava a começar a comer quando Carlos chegou com um embrulho,
que pôs na mesa.
— Cheguei a tempo! Trouxe aquela sobremesa de que gostas.
— Que bom! Voltaste cedo!
— Tinha pensado em ir ao cinema com a Luciana, mas mudei
de ideias.
— Passou-se alguma coisa?
— Não. Estive a pensar… Não sei se vale a pena continuar a sair
com ela.
— É uma rapariga bonita, elegante e muito apaixonada por ti.
— Esse é o problema. Ela cola-se a mim, sinto que quer controlar
até os meus pensamentos.
Gisela riu-se com gosto.
— Logo tu, que odeias ser controlado!
— Exatamente. Sou livre. Não gosto da rotina nem de ser escravo
das regras. Sabes o que ela me disse ontem?
Gisela abanou a cabeça negativamente, e ele continuou:
— Veio com uma conversa de que eu deveria mudar de emprego.
Que o pai dela é influente e poderia arranjar-me outro muito melhor.
Ela já conversou com ele, que me quer conhecer.
— Ela gosta de ti, mas não da tua profissão, e quer-se casar.
— Deus me livre! O que ela quer é pôr uma trela em mim. Isso
nunca vai acontecer! Ela que vá procurar outro!
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Gisela ria-se a bom rir do ar de susto que ele fazia.
— Fui trabalhar para o hotel e gostei, porque, quando cheguei,
deram-me um uniforme e a lista das minhas obrigações. Achei justo.
Eles pagam-me, e eu faço o que querem. É uma boa troca. E agora
estou como eu quero: sou o chefe da administração, deixo tudo em
ordem, eles estão satisfeitos e eu também.
— Deste-te bem lá.
— Os donos são pessoas educadas. Temos um relacionamento
de respeito. Isso é fundamental.
— De facto.
— Mas, apesar disso, continuo com o meu projeto de ter um
negócio próprio. À minha maneira.
— Falas como o papá.
Ela ficou pensativa, e ele observou:
— Falaste do papá, e o teu rosto ficou diferente.
Gisela concordou e contou minuciosamente o sonho que tivera
com os pais. E concluiu:
— Foi um sonho diferente. Eles pareciam vivos, falavam como se
tivessem voltado de uma viagem. Fiquei impressionada. Cheguei a esque-
cer que tinham morrido! Como pode acontecer semelhante coisa?
Os olhos de Carlos brilharam quando disse:
— Eu adoraria sonhar com eles! Sinto tantas saudades!
— Foi maravilhoso! Abraçámo-nos, cheguei a sentir o perfume
que a mamã usava. Só não percebi por que eles nos pediram perdão.
Mas sonho é sonho. Foi uma fantasia.
— Talvez não. Um amigo meu costuma dizer que quem morre
vai viver para outra dimensão e volta para conversar com os que fica-
ram. Ele diz ter provas de que isso é verdade.
Gisela ficou pensativa durante alguns segundos e depois disse:
— Também já ouvi essa teoria. Se isso for verdade, eles vão voltar.
Se eu sonhar de novo com eles, vou perguntar-lhes isso.
Eles continuaram a conversar mais algum tempo, comentando o
assunto até chegar a hora de irem dormir.
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Capítulo 2
G isela trabalhava numa empresa de engenharia que fi cava no
centro da cidade. Às 5.30 da tarde, como de costume, deixou
o trabalho e decidiu dar uma volta, ver as montras.
A tarde estava agradável. Ela gostava de caminhar pelas ruas
movimentadas, parando quando via alguma coisa que lhe chamava a
atenção. Parou diante de uma livraria e entrou.
A leitura era o seu passatempo preferido. Sempre que recebia o
ordenado, lá ia ela comprar um livro. Percorreu a loja, parando aqui e
ali, quando uma capa ou um título lhe chamava a atenção.
Ficou a olhar para alguns romances, pegando ora num ora nou-
tro, indecisa.
— Leve este livro. Vai gostar.
Ela virou-se e viu um rapaz ao seu lado a sorrir.
— É livreiro?
— Não. Mas um amigo meu ainda ontem comentou comigo que
leu esse livro e adorou.
Gisela fi xou-o e retribuiu o sorriso. Era um rapaz bem-vestido,
simpático.
— Obrigada. Vou levar este então.
Afastou-se, comprou o livro e dirigia-se para a porta quando ele
a parou, curvando-se levemente e estendendo a mão.
— Gostaria de me apresentar. Chamo-me Gino Gouveia.
— E eu, Gisela.
— Muito prazer.
ZIBIA GASPARETTO
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— Obrigada. Mas tenho de ir. Até outro dia. — E saiu apressada,
sem olhar para trás.
Ela notou que ele desejava estender a conversa, mas, apesar de
ter simpatizado com ele, Gisela não tinha o hábito de conversar com
desconhecidos.
Na paragem do autocarro, enquanto esperava, olhou furtiva-
mente para a porta da livraria, e Gino continuava lá, observando-a.
Notou que Gino a olhara com admiração, mas não queria envolver-
-se com ninguém. Bonita, elegante, Gisela chamava a atenção, os admi-
radores surgiam, mas ela nunca se interessara por nenhum deles.
Namorar não estava nos seus planos. Antes de se envolver com
alguém, desejava realizar os projetos que tinha com os irmãos. Era ainda
muito jovem, queria fazer muitas coisas antes de pensar em dividir a
vida com outra pessoa.
O autocarro chegou de seguida. A fila de passageiros era curta,
ela subiu e acomodou-se perto da janela. Voltou a cabeça, olhou para a
porta da livraria e viu que Gino ainda estava ali parado, a olhar para ela.
O autocarro começou a andar, ela abriu o livro e começou a ler. A his-
tória era tão envolvente que ela deixou passar a sua paragem. Quando
olhou em volta e se deu conta do que tinha acontecido, carregou no
botão de STOP e, assim que o autocarro parou, desceu apressadamente.
Foi forçada a andar alguns quarteirões. Pensando que ainda teria
de fazer o jantar, apressou o passo. Carlos tinha de sair a horas, e ela
queria que ele jantasse antes de ir para a faculdade.
Ao entrar no prédio, o porteiro chamou-a.
— A sua tia Olga esteve aqui e deixou um recado.
— Qual é?
— Precisa de falar consigo. Não podia esperar. Ficou de voltar
mais tarde.
Gisela agradeceu e subiu para o apartamento, tentando imaginar
o que a tia queria. Havia muito tempo que ela não aparecia.
Assim que entrou em casa, tratou de preparar o jantar e deixou a
mesa posta. Pegou o livro e sentou-se no sofá para ler, mas não teve
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tempo de começar a leitura porque o intercomunicador tocou e o
porteiro avisou que a tia estava a subir.
Gisela abriu a porta e, assim que Olga entrou, percebeu que a tia
estava pálida e enervada.
— Tia, passou-se alguma coisa?
— Ainda não, mas pode passar-se. Quero falar com o Franco.
— Ele ainda não chegou. Mas sente-se, tia. Acalme-se. Quer água,
café?
— Água.
Gisela apressou-se a levar-lhe um copo de água. Ela sorveu alguns
golos e disse:
— Vou esperar por ele. A que horas chega?
— Não sei. Não tem horário certo. Depende do número de clien-
tes. Posso ajudar nalguma coisa?
— É só com ele. Hoje, por acaso, estive a conversar com a esposa
de um amigo do patrão do David, e ela contou-me que a sua filha Neide
melhorou muito desde que começou a fazer terapia com o Franco.
— Ele é bom no que faz. Tem muitos clientes.
— Pois é. É meu sobrinho, e eu nem sabia disso. Vocês nunca
aparecem.
— Sabe como é, tia, nós trabalhamos e estudamos. Não temos
muito tempo para visitar a família. A vida tem sido difícil.
— Eu sei, minha filha. Não é fácil para ninguém.
A porta da sala abriu-se, e Carlos entrou. Olga havia-se levan-
tado pensando ser Franco, mas, ao constatar que não era, sentou-se
novamente.
Carlos aproximou-se e abraçou-a.
— Que bom vê-la, tia. Como está?
— Mais ou menos.
— A tia veio para conversar com o Franco.
— Fique à vontade, tia. Vou mudar de roupa porque tenho de sair
daqui a bocado. Com licença.
Ele foi para o quarto, e Gisela informou:
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— Vou ver da comida. Quero que ele jante antes de ir para a
faculdade.
— Não seria mais fácil ele comer qualquer coisa por lá?
— Não. Quem trabalha o dia inteiro tem de se alimentar bem.
Ela foi para a cozinha, e Olga seguiu-a, admirada.
— Cheira bem. És tu quem cozinha?
— O Carlos cozinha melhor do que eu. Ao fim de semana, é ele
quem faz a comida. Mas durante a semana sou eu.
— Estou a ver que vocês se estão a esforçar.
— Temos de seguir com a nossa vida.
Olga fixou-a, pensativa, e comentou:
— Tendo em conta as circunstâncias, vocês até se safaram. O José
Luís trabalhou muito, mas nunca poupou. Gastava demais. Vocês fica-
ram com pouco dinheiro.
Gisela olhou-a, séria.
— Ele deu-nos conforto, bons momentos. Quando estava vivo,
tínhamos uma vida muito boa.
— Sim, mas, se ele tivesse economizado, hoje vocês estariam
melhor.
— Estamos a aprender a viver, tia. É muito bom trabalhar, ter o
nosso próprio dinheiro. Nada nos falta. Temos uma vida boa. Somos
jovens, saudáveis. Temos planos para um futuro melhor. É questão
de tempo.
Olga fez um gesto vago, ia falar, mas Carlos aproximou-se e ela
não disse nada.
Carlos sentou-se à mesa e convidou:
— Quer jantar comigo, tia?
— Não, filho. Obrigada. Lanchei antes de sair de casa. Jantem vocês.
— Não quer tomar nada? — indagou Gisela.
— Não, obrigada.
— Estou sem fome. Mais tarde bebo uma caneca de café com
leite. Venha, tia, vamos sentar-nos na sala. Lá ficaremos mais confor-
táveis.
ENCONTRO INESPERADO
21
Depois de acomodadas lado a lado no sofá, Gisela perguntou:
— Como vai o tio?
— Mais ou menos. Tem andado enervado nos últimos dias.
— Passou-se alguma coisa?
— Nada de mais. Problemas na repartição. Sabes como ele é. Quer
tudo perfeito, e nem sempre os colegas gostam. Será que o Franco vai
demorar?
— Como eu disse, ele não tem hora para chegar. Depende do
número de clientes.
Olga ficou calada durante alguns segundos e avaliou:
— Deve estar a ganhar bem, tem muitos clientes.
— Tem, sim. Mas tem despesas.
Carlos aproximou-se.
— Vou para a faculdade. Até outro dia, tia. Um abraço para o
tio David.
Olga levantou-se e deu um beijo na face do sobrinho.
— Vai com Deus, meu filho.
Depois de Carlos sair, ela sentou-se novamente e perguntou:
— Ele está a estudar o quê?
— Gestão de empresas, tia. Está no 3.º ano.
Elas continuaram a conversar, mas Olga não mencionou o nome do
seu filho Ivo nem de Miriam, a nora. Gisela achou bem, pois temia dei-
xar escapar o que pensava deles e aborrecer a tia. Não tocou no assunto.
Uma hora depois, quando Franco chegou, sentiu-se aliviada. Olga
não parecia disposta a confidências, mas Gisela notou que ela estava
preocupada. Imaginou que os problemas de Ivo continuassem a sur-
gir, como sempre.
Olga levantou-se, abraçou o sobrinho e comentou:
— Mudaste muito, cresceste, estás bonito, elegante.
Franco sorriu, e Gisela sentiu-se orgulhosa do irmão. De facto,
ele era um rapaz bonito, alto, de cabelo castanho ondulado, olhos cor
de mel, e, quando sorria, exibindo os dentes alvos e bem distribuídos,
apareciam-lhe no rosto duas covinhas.
ZIBIA GASPARETTO
22
— A tia estava à tua espera há mais de duas horas. Quer conver-
sar contigo.
— Quero, sim. Mas deves estar com fome, e eu não tenho pressa.
Posso esperar que jantes primeiro.
— Já comi. Estou à sua disposição. Sente-se, por favor.
— Fiquem à vontade. Vou para o meu quarto estudar.
Gisela pegou o caderno, os livros, e retirou-se. Olga começou:
— Tenho ouvido coisas boas de ti, do teu trabalho. Fiquei orgu-
lhosa. Há momentos na vida em que não sei o que fazer. As pessoas
são difíceis, sem juízo. Fazem asneira e não aceitam quando as coi-
sas correm mal. Já não sei o que fazer para ajudar o Ivo. Tenho feito
de tudo, mas a vida dele é um inferno. Nada dá certo. Pudera, com
aquela mulher…
Franco observava, calado, e ela fez uma pequena pausa. Depois
continuou:
— Então estive a pensar… És meu sobrinho, tens ajudado mui-
tas pessoas, que eu sei. Decidi vir aqui para te pedir orientação. Sabes
qual é o problema da Miriam. Ela atormenta o Ivo por qualquer coisa.
É muito ciumenta! Eu e o David sofremos só de ver a vida perturbada
deles. Gostávamos que eles fossem felizes. O Ivo é o nosso único filho!
Olga suspirou, triste, e perguntou:
— O que devo fazer para os ajudar?
— A Miriam nunca procurou ajuda psicológica?
— Por insistência de amigos, ela procurou ajuda duas vezes. Mas
não resultou.
— Como foi isso?
— Primeiro foi a um psiquiatra, mas saiu de lá injuriada. Não sei o
que ele lhe disse, só sei que ela nunca mais quis lá voltar. Da segunda
vez foi a uma psicóloga, mas também não quis fazer terapia.
— Sei que os tios querem ajudar, mas não vai resultar. A Miriam
ainda não se convenceu de que precisa de se tratar. Só quando ela
aceitar isso e desejar esforçar-se para melhorar é que vai obter bons
resultados.
ENCONTRO INESPERADO
23
— Isso não pode ser assim. É desanimador. Nesse caso, ela não
vai melhorar nunca.
— Também não é assim. A vida age e ensina-nos a todos. Um dia
ela vai-se cansar de sofrer e buscar ajuda.
— Não posso aceitar isso! Até quando o meu filho vai sofrer com
os disparates dela? Ele não merece!
— A tia é que pensa dessa forma. Ele poderia separar-se dela.
Mas, se não o faz, é porque prefere viver com ela, apesar dos seus
disparates.
Olga olhou-o, admirada.
— Acreditas mesmo nisso?
— Talvez ele não esteja a ver a situação como insuportável. Já con-
versou com ele sobre isso?
Olga hesitou um pouco e disse:
— Ele não gosta que eu me envolva, mas, quando ela entra em
crise, ele pede-me ajuda. E lá vamos nós, eu e o David, tentar fazer
que ela saia da depressão.
Franco olhou-a e disse, sério:
— Ela cria a confusão e incomoda porque sabe que ele irá pedir-
-vos ajuda.
— Estou farta. Não sei por que ela faz tudo aquilo. Afinal, o Ivo
tem sido um bom marido.
— Ela está a brincar com a sorte. Um dia, ele vai-se cansar e
acabar com o casamento. Ninguém tolera uma situação dessas por
muito tempo.
— Ele já pensou em separar-se, mas tem medo. Ela ameaça suici-
dar-se. Já tentou uma vez. Então, ele cede, e tudo continua na mesma.
Franco ficou pensativo durante alguns segundos e afirmou:
— Tia, se ela levasse o tratamento a sério, encontraria a solução.
Mas, como ela se recusa, vocês têm de mudar de atitude.
— Como assim?
— Os tios precisam de ter uma conversa séria com os dois e falar
com sinceridade, em vez de pôr panos quentes e confortá-la. Devem
ZIBIA GASPARETTO
24
dizer que não vão fazer mais nada para a ajudar. Que ela já não é
criança, é uma mulher, tem de assumir a própria vida e não incomo-
dar a família.
Olga assustou-se.
— Não posso fazer isso! Seria desumano.
— Desumano é o que ela está a fazer com todos vocês. Ela não
tem o direito de vos incomodar. Tem de entender que os seus proble-
mas com o marido devem ser resolvidos entre eles.
— Ela não tem maturidade para isso! Além disso, seria perigoso.
Poderia suicidar-se, e eu morreria de remorso.
— Pelo contrário. Vocês estão a alimentar as fraquezas dela, a impe-
dir que ela cresça e assuma as suas responsabilidades. Em vez de a
ajudar, estão a fazer que ela fique cada dia mais dependente e fraca.
Olga meneou a cabeça, pensativa. Depois disse, triste:
— Não posso fazer isso. Vim aqui à espera de encontrar uma boa
solução, mas estou a ver que foi inútil. Nem vou falar com o David.
Estou dececionada.
— Sinto muito, tia, mas o que eu disse é verdade. Só quando ela
perceber que está a agir de forma inadequada e aceitar o tratamento
poderá vir a melhorar. A Miriam tem sérios problemas emocionais,
vê os factos de forma equivocada. É bom que ela aceite o tratamento,
se esforce para mudar. De nada adianta que vocês a aconselhem.
É ela quem precisa de tomar consciência e agir. Esse é um trabalho
que ninguém poderá fazer por ela.
Olga levantou-se, estendeu a mão para o sobrinho e afirmou com
tristeza:
— Já vi que não me podes ajudar. Ela está muito frágil. Como
poderei dizer-lhe que é a única culpada da situação? Isso irá derrubá-
-la de vez! Não vou fazer o que me aconselhas. Desculpa ter-te inco-
modado com os nossos problemas.
— Foi um prazer vê-la, tia. Lamento não poder dizer-lhe algo
melhor. Mas saiba que fui sincero. Sempre que precisar, estarei à sua
disposição.
ENCONTRO INESPERADO
25
— Obrigada. Até outro dia. Despede-te da Gisela por mim.
— Vou acompanhá-la até à porta.
Depois de ela sair, Franco sentou-se na sala, pensativo. Gisela
aproximou-se.
— A tia já se foi embora?
— Já.
— Aposto que veio falar da Miriam.
— É verdade. A situação lá continua igual. Pelo que ouvi, pode
até piorar.
— Não sei por que eles têm tanta paciência com ela. É mimada
e amalucada. Há muito tempo que a deveriam ter internado.
— Não julgues o que não conheces. Não sabes o que se passa na
cabeça dela.
— Ela foi sempre assim. Acha que todos têm de fazer o que ela
quer.
Franco olhou fixamente nos olhos dela quando respondeu:
— Ela não tem culpa do que aconteceu com os nossos pais. O aci-
dente foi uma fatalidade.
— Se ela não os tivesse chamado naquela noite, eles ainda esta-
riam aqui, vivos! Eles morreram por causa dela!
— Estás a ser injusta. O destino das pessoas está nas mãos de
Deus. A Miriam é muito infeliz. Não deites essa culpa para cima dela
nem carregues esse sentimento no coração.
— Não posso evitar, é o que sinto.
— Experimenta ver a situação por outra perspetiva.
— Para mim é muito claro, a culpa dela é evidente.
Franco olhou-a, sério.
— Para o teu bem-estar, seria muito bom que tentasses perceber
o que se passa com ela. A mágoa acaba por destruir a tua imunidade
e transforma-se em doença. É isso o que tu queres?
Gisela admirou-se.
— Claro que não. Mas o que sinto é justo. Perdemos os nossos
pais, as nossas vidas ficaram de pernas para o ar.
ZIBIA GASPARETTO
26
— Mas estamos a crescer com tudo isto. Amadurecemos, esse é o lado
bom. O que nos aconteceu fez com que assumíssemos as nossas vidas.
— Sinto muitas saudades dos nossos pais.
— Achas que eu não? Gostava que procurasses perceber o caso da
Miriam. Acredita, ela não está em condições de fazer melhor. É uma pes-
soa frágil que tem medo da vida. É insegura, não confia em si mesma.
Vive fora da realidade. Nesse estado, coisas pequenas assumem para ela
proporções assustadoras.
— Acho que ela finge.
— Não acredito. Está a sofrer. Devia procurar ajuda, submeter-
-se a um tratamento psicológico. Mas, com os pais que tem, é difícil.
Gisela ficou séria.
— É verdade. Eles sempre a mimaram muito.
— A superproteção enfraquece. A pessoa não sabe o que quer,
tem medo de tomar decisões.
— O que disseste à tia Olga? Ela foi-se embora e nem se despe-
diu de mim.
— Eu disse a verdade.
— Achas que os pais dela são culpados por ela ter ficado assim?
— Não chego a tanto. A Miriam parece ter um temperamento frágil.
Os pais dela protegeram-na demais, e isso deixou-a pior. A tia Olga não
gostou do que eu disse, mas a situação vai piorar e um dia eles vão ter de
convencer a Miriam a aceitar tratar-se.
— Quer dizer que a Miriam está mesmo doente?
— Sim. E só vai começar a melhorar quando perceber isso e acei-
tar um tratamento.
— Nesse caso…
— Seria melhor perceberes que estás a ser injusta ao cobrar atitu-
des sensatas de alguém que no momento não consegue tê-las. Pensa
no assunto e livra-te dessa mágoa de uma vez. Os nossos pais morre-
ram naquele acidente porque a hora deles chegou.
Gisela baixou a cabeça pensativamente. Pela primeira vez, come-
çou a perceber que poderia estar enganada em relação a Miriam.
27
Capítulo 3
O lga deixou o apartamento dos sobrinhos a sentir o coração
oprimido. Fora até lá cheia de esperanças, mas saíra dececio-
nada. Ela queria muito que o fi lho fosse feliz.
Miriam era diferente das outras raparigas. Olga percebia que ela era
muito frágil. Talvez fosse por isso que Flora a protegesse demasiado.
Uma simples constipação da fi lha fazia com que Flora se desesperasse
e rezasse pedindo a Deus que não deixasse a fi lha sofrer. Uma vez dis-
sera-lhe que pedia constantemente a Deus que transferisse para ela
todas as doenças e desgostos da fi lha.
Olga reparava que Miriam não fazia nada sem pedir a opinião da mãe.
Só fazia o que ela dizia. Ela criara Ivo de outra forma, ensinara-o a assumir
a própria vida e, desde o começo do namoro, temera que não resultasse.
Muitas vezes conversara com o fi lho sobre o assunto, mas ele ale-
gava que Miriam era ainda muito jovem e mudaria depois do casa-
mento. Mas isso não aconteceu.
Ela reparava que Ivo já não era o mesmo. Perdera a loquacidade,
tornara-se mais sério, não tinha o mesmo entusiasmo de antes. Nos
últimos tempos, as crises de Miriam tinham-se tornado mais fre-
quentes, e Ivo, mais irritadiço.
O fi lho não estava feliz, e Olga não aceitava a situação. Desabafava
com o marido, que tentava confortá-la dizendo que estava a exagerar
e que as coisas não eram assim tão más. Mas, no seu íntimo, pensava
que o fi lho estava a ser muito condescendente com a esposa. Miriam
parecia-lhe muito infantil, e Ivo devia exigir que ela mudasse.
ZIBIA GASPARETTO
28
Ao deixar a casa dos sobrinhos, Olga foi até à retrosaria em que Ivo
trabalhava como gerente.
Ele atendia dois fornecedores, e ela ficou a olhar para a mercadoria
exposta, à espera de que ele ficasse livre.
Minutos depois, Ivo aproximou-se e beijou-a na face.
— Que surpresa! Não costuma aparecer por aqui. Está tudo bem?
— Está — mentiu ela. — Fui visitar a Gisela e decidi vir até aqui
para saber se está tudo bem com vocês.
Ivo meneou a cabeça, indeciso.
— Está tudo na mesma. A Miriam agora resolveu insistir que quer
engravidar. A mãe sabe, nós nunca evitámos. Por três vezes ela engravi-
dou e perdeu a criança. Lembra-se de como ela ficou quando aconteceu
o último aborto?
— Lembro-me. Quase morreu com aquela hemorragia.
— Depois disso, temos evitado. Mas agora resolveu voltar ao
assunto. Chora, diz que não é uma mulher normal porque não me
consegue dar um filho.
Olga suspirou.
— Eu sei que já te conformaste.
— Mas ela não. Está a criar um drama por esse motivo.
— Gostava de poder fazer alguma coisa para ajudar.
— Não pode fazer nada. As coisas são como são, e é preciso aceitar.
Vamos tomar um café na minha sala. Venha, mãe.
— Estás a trabalhar, não quero atrapalhar.
— Já estamos a fechar. Não se preocupe.
Uma vez sentados no sofá, enquanto tomavam café, Olga tornou:
— Não é justo. Tens-te esforçado para aceitar e sido muito paciente,
mas reparei que mudaste, perdeste a alegria. Isso entristece-me.
Ivo ficou sério, olhou-a nos olhos, pensou um pouco e respondeu:
— Às vezes pergunto-me por que atraí para a minha vida uma pes-
soa desequilibrada como ela.
— Pela forma como falas, até parece que a culpa é toda tua. Escolheste-
-a sem saber que ela, depois do casamento, ficaria tão perturbada.
ENCONTRO INESPERADO
29
— Durante o namoro, foram muitas as vezes em que ela teve cri-
ses de ciúmes, de depressão. Casei-me sabendo dos pontos fracos
dela. Fui ingénuo por imaginar que, depois do casamento, ela se sen-
tiria mais segura e mudaria. Mas enganei-me. Ela acha que tem razão
em ser como é. Acha que sou eu quem tem de mudar.
— O Franco disse-me hoje quase a mesma coisa.
— Conversou com ele sobre nós?
— Sim. Tu sabes… ele é psicólogo, percebe desses problemas.
Perguntei-lhe o que poderia fazer para ajudar a Miriam a melhorar.
— E ele respondeu o que eu já sei. Ela não percebe que o seu ciúme,
a sua insegurança, estão a fazer-nos infelizes. Imagina que tenho outras
mulheres e acha que sou culpado pelos nossos problemas. Há momen-
tos em que tenho vontade de me separar. Estou a chegar ao meu limite.
Olga pôs a mão sobre a dele e disse, assustada:
— Se fizeres isso, ela pode acabar com a vida. Poderás empurrá-la
para o suicídio.
— Esse receio é o que me retém. Mas não sei até quando vou supor-
tar. Não tenho um único momento de paz. Ela insiste em ter um filho,
e eu não quero.
— Pode ser que um filho a faça mudar. Uma criança é sempre uma
bênção.
— Não para ela. Os médicos não garantem que, nesta altura, uma
gravidez possa ser bem-sucedida. Não quero passar novamente por
tudo o que já passámos. Ela não tem capacidade para suportar um novo
fracasso nem para criar uma criança, caso consiga chegar até ao fim.
Preciso de paz. É só o que eu quero.
Olga suspirou, triste. Tentou dissimular o que sentia para não o dei-
xar pior. Permaneceu calada durante alguns segundos. Ivo levantou-se
e pôs a mão sobre o ombro dela, dizendo:
— Não fique assim, mãe. Não quero que se preocupe por nossa
causa. Pode ser que um dia ela perceba que está errada e mude. É a
minha única esperança.
— Pois é, filho. Tens razão. Temos de ter esperança.
ZIBIA GASPARETTO
30
Olga levantou-se.
— Tenho de ir. Há algum tempo que não vais lá a casa. Temos sau-
dades. Aparece para almoçar connosco um dia destes, mas avisa-me
antes. Vou fazer a carne assada de que gostas.
— Hum! Ninguém faz esse prato como a mãe. Vou, sim. Pode
esperar.
Ele acompanhou-a até à porta da loja, ela despediu-se e saiu. Durante
o trajeto de volta para casa, Olga sentia-se deprimida, triste. O seu único
filho! Tinha sonhado para ele tantas coisas, e dera tudo errado. Ele apai-
xonou-se por Miriam e abandonou o curso de Direito para se casar com
ela e assumir a maior das lojas do sogro.
Ele ganhava bem, tinha uma vida boa, mas tornara-se dependente
da família dela. Olga suspeitava que isso também tornava Ivo infeliz.
Quando entrou para a faculdade, ele conversava com David e fazia pla-
nos, enquanto o pai o apoiava com entusiasmo. Foram momentos de
alegria e progresso.
Mas apaixonou-se por Miriam, e tudo mudou. Desde o início do
namoro, tanto ela como David tinham notado o quanto Miriam era
mimada. Os pais faziam-lhe todas as vontades.
Ela apaixonou-se por Ivo e não queria esperar que ele se formasse,
trabalhasse e ganhasse o suficiente para se casar. Para satisfazer a filha,
Jorge chamou-o e pediu:
— Quero que venhas trabalhar comigo, que sejas gerente da minha
maior loja. Vou pagar-te muito bem. Não faz sentido casares-te com
a minha filha e teres de começar uma carreira que vai demorar a dar-te
condições para manter uma família. Assim já não precisam de esperar
para se casarem.
Olga recordava-se de que, no início, não gostou da ideia. Foi com-
pletamente contra e tentou convencer o filho a não aceitar. Mas tanto
Flora e Jorge insistiram que David começou a achar que o melhor seria
mesmo aceder.
Ao reviver aquela época, Olga lamentava não ter feito tudo para
impedir o casamento. As discussões começaram logo nos primeiros
ENCONTRO INESPERADO
31
tempos. Estavam casados havia sete anos, e Olga não tinha esperança
de que a nora mudasse.
Ela chegou a casa desanimada. David estava na sala à frente da tele-
visão e, ao vê-la entrar, levantou-se.
— Estava preocupado. Aonde foste? Passou-se alguma coisa com
a Miriam?
Olga sentou-se, respirou fundo e respondeu:
— Não. Está tudo na mesma. Estive em casa dos nossos sobrinhos.
Fui conversar com o Franco.
— Eles estão bem?
— Melhor do que pensei. Encontrei a Maristela, que me contou
que a sua filha Neide, uma rapariga muito perturbada, melhorou muito
depois de fazer terapia com o Franco. Fui procurá-lo para ver se ele
poderia ajudar a Miriam.
— Não foi uma boa ideia. Terapia é conversa e não cura ninguém.
Ela deveria ir a um psiquiatra.
— No caso dela, isso também não vai resultar. O Franco explicou-
-me que a Miriam só vai melhorar no dia em que perceber que está
errada e quiser mudar.
— Bela resposta! Nesse caso, ela nunca vai melhorar.
— Foi o que pensei. Estou desanimada.
— Há muito tempo que não os visitamos. Como ele te recebeu?
— Muito bem. A Gisela e o Carlos também foram muito gentis. Eles
trabalham e estudam e não nos procuraram por falta de tempo.
— Vamos mandar servir o jantar.
— Vai tu. Estou sem fome.
— Não fiques assim. Vamos pedir à Rosa que sirva o jantar. Vais
comer, sim. Não deves preocupar-te com os problemas do Ivo nem per-
der a esperança. Um dia tudo pode mudar.
— Depois de conversar com o Franco, fui até à loja ver o Ivo. Ele já
estava a fechar, mas deu para conversarmos um pouco. As coisas entre
eles vão de mal a pior. Ele tem vontade de se separar, só não o faz com
medo de que ela se suicide.
ZIBIA GASPARETTO
32
David meneou a cabeça negativamente enquanto dizia:
— Aquela maluca pode mesmo fazer isso.
— Ele só não se separa por isso.
David passou os braços sobre os ombros dela.
— Esquece isso agora, Olga. Vamos pensar em nós. É só o que pode-
mos fazer.
Ela concordou com a cabeça, e os dois foram para a copa, onde o
cheiro agradável que sentiram indicava que o jantar estava servido.
Depois de a mãe se ir embora, Ivo sentou-se na sala, pensativo.
Às vezes tinha vontade de abandonar tudo, emprego, mulher, família.
Mas controlava-se, temendo a reação de Miriam. Até quando teria de
suportar aquela situação?
A cada dia que passava, tornava-se mais difícil voltar para casa.
Ele já não se sentia atraído por ela, e isso fazia com que ela se queixasse
ainda mais. O pior é que reclamava com a mãe, que tomava as dores
dela, falava com o marido, e, no dia seguinte, ele lhe chamava a atenção,
dizendo que a fi lha era doente, que tinha uma saúde delicada e que ele
tinha de ser mais carinhoso.
Por isso, o relacionamento dele com o sogro não era bom. Criticava
tudo o que ele fazia, implicava com as menores coisas, a ponto de não
sentir vontade de trabalhar. Às vezes desejava que os negócios esti-
vessem mal e a loja tivesse de fechar. Assim ele poderia ver-se livre
daquele emprego humilhante.
A loja encerrou o expediente, os empregados saíram, Ivo apagou
a luz e saiu depois de verifi car se estava tudo em ordem. Foi cami-
nhando devagar até ao estacionamento, entrou no carro e partiu. Mas
parou um pouco adiante.
A ideia de chegar a casa e encontrar a esposa com ar de vítima, depri-
mida e chorosa, incomodou-o. O que tinha feito da sua vida? Porque se
casara com Miriam? Olga falara-lhe várias vezes das infantilidades dela,
ENCONTRO INESPERADO
33
pedira para refletir melhor, mas ele achava que Miriam era muito jovem
e que com o tempo aprenderia. Mas não foi isso o que aconteceu.
Lembrou-se de alguns amigos do tempo da faculdade e decidiu ir
até ao café em que eles, quando estudantes, costumavam reunir-se para
conversar. Precisava de espairecer, de esquecer, ainda que por alguns
momentos, as preocupações.
Deixou o carro estacionado na esquina e caminhou até ao café
enquanto observava com prazer o movimento. Entrou e olhou para
todos os lados à procura de um rosto conhecido, mas não encontrou
nenhum. Com dificuldade conseguiu um lugar junto ao balcão, sentou-
-se, pediu uma cerveja e uma sandes.
Enquanto comia, pensava em como gostaria de ser um daque-
les jovens que se riam, brincavam, namoravam. Naquele momento,
arrependeu-se muito de ter abandonado a faculdade. Sentiu-se velho,
esquecido de que tinha apenas 30 anos.
Acabou de comer, mas não lhe apeteceu ir-se embora. Pediu um
café e deixou-se ficar, observando o movimento. Foi só depois de uma
hora que decidiu sair. Pagou a conta e, ao chegar à porta, deparou-se
com Inácio, que chegava.
— Inácio! Há quanto tempo!
— Ivo, o desaparecido! O que estás a fazer aqui?
Depois de um abraço forte, Ivo respondeu:
— Tive saudades dos amigos e do nosso tempo na faculdade.
— Pois é! Desististe, largaste os estudos, casaste-te, desapareceste,
nunca mais nos vimos. Mas eu nunca deixei de vir aqui. Não sei ir para
casa sem antes passar por aqui. Vamos comemorar, tomar qualquer coisa.
— Eu já estava de saída, mas não vou perder esta oportunidade.
Eles entraram, e Inácio, que era conhecido do empregado, conse-
guiu arranjar uma mesa para se sentarem. Ivo sentia-se alegre e rela-
xado. Enquanto tomavam uma cerveja e petiscavam, relembravam os
tempos em que eram universitários.
Ivo quis saber notícias de mais dois amigos que faziam parte do
grupo. Um deles fora para o estrangeiro tentar a sorte e nunca mais
ZIBIA GASPARETTO
34
dera notícias; o outro, Renato, formara-se com ele e praticava advocacia
no Rio de Janeiro.
Ivo perguntou:
— E tu, como vai a vida?
Inácio pensou um pouco e respondeu:
— Vai bem, mas não tive a sorte que tu tiveste. Não encontrei uma
mulher que me suportasse e um sogro rico, e continuo a lutar por
uma carreira, mas sabes como é, fazer advocacia não é fácil. Há muita
concorrência. Como sabes, a minha família é pobre, e até agora não
tive condições de abrir um escritório.
— Mas tu formaste-te, deves estar a trabalhar.
— E estou. Mas começar do nada foi difícil, e optei por trabalhar
com dois advogados famosos para ganhar experiência e ter dinheiro para
abrir o meu próprio escritório. Estou lá há cinco anos e ainda não conse-
gui realizar o meu sonho. Às vezes penso que deveria ter escolhido outra
profissão. Invejo-te, pois não precisas de matar a cabeça para sobreviver.
Ivo observou-o, sério.
— Pois eu daria alguns anos da minha vida para estar na tua
situação.
Inácio arregalou os olhos, admirado.
— O quê?! Vais-me dizer que não estás feliz?
Ivo pensou um pouco e desabafou:
— Nem um pouco. Daria tudo para poder voltar atrás!
Inácio passou a mão pelo queixo e não respondeu logo. Ivo aprovei-
tou o momento e em poucas palavras resumiu o que se estava a passar.
Quando acabou, Inácio comentou:
— Desculpa ter tocado nesse assunto, eu não imaginava.
Ivo meneou a cabeça negativamente.
— Não te preocupes. Eu estava mesmo a precisar de desabafar.
Foi bom. Sinto-me aliviado.
— Estou contente por te ter encontrado. Espero que daqui para
a frente possamos ver-nos mais vezes e trocar ideias sobre as nossas
vidas. Tenho-me sentido muito só. Encontrar-te foi muito bom.
ENCONTRO INESPERADO
35
Eles ficaram à conversa mais algum tempo, e Ivo assustou-se ao
olhar para o relógio e ver que passava das 22.00.
— Tenho de me ir embora. Não costumo chegar tarde a casa.
A Miriam deve estar aflita.
Inácio tirou um cartão da carteira e deu-o a Ivo.
— Vamos encontrar-nos mais vezes. Liga-me.
Ivo concordou, deu-lhe um cartão da loja, e pouco depois des-
pediram-se. Aquele encontro fê-lo sentir-se muito bem, mais livre,
mais dono de si.
Ao chegar a casa, viu as luzes todas acesas e o carro de Jorge parado
à porta. A preocupação reapareceu.
Respirou fundo, tentando acalmar-se, e entrou. Foi até à sala, onde
viu Miriam deitada no sofá, Flora a segurar na mão dela e Jorge aco-
modado na poltrona ao lado. Ao vê-lo entrar, Miriam sentou-se, com
o rosto contraído de aflição, enquanto Flora se sentou ao lado dela e
Jorge o olhava de cenho franzido.
— O que se passou, porque demoraste tanto? — indagou Miriam,
enervada.
— Nada de mais. Encontrei um colega da faculdade que não via há
anos. Ficámos a conversar.
Ela olhou para a mãe e disse:
— Estás a ver, mãe, ele não me liga nenhuma. Enquanto eu sofria
de preocupação, a imaginar que tivesse acontecido algum acidente
grave, ele só estava a conversar com um colega. Para ele, qualquer um
é mais importante do que eu.
Jorge fulminou Ivo com o olhar, enquanto Flora tentava confortar
a filha.
— Não chores, minha querida. Nós amamos-te, estamos aqui.
— Não há qualquer motivo para incomodares os teus pais e faze-
res toda esta cena. Estive a conversar, distraí-me, não vi o tempo passar.
Não imaginei que fosses ficar tão alterada.
Jorge interferiu.
— Tu sabes que a Miriam é sensível, não deverias ter feito isso.
ZIBIA GASPARETTO
36
Ivo sentiu uma onda de indignação e teve de se esforçar muito para
se controlar. Teve vontade de gritar, mandá-los embora, dizer o quanto
estavam a prejudicar a filha. Mas conteve-se. Sabia por experiência pró-
pria que, se o fizesse, a situação ficaria ainda pior. Tentou contemporizar.
Aproximou-se da esposa, olhou-a nos olhos e disse:
— Estás a exagerar. Não aconteceu nada, eu estou bem, é melhor
acalmares-te para não te sentires mal.
— Tu bebeste! Onde estiveste, de facto? Será que foi com um
colega mesmo? Estou a sentir um cheiro diferente. Estiveste com
uma mulher!
Desta vez Ivo não conseguiu controlar-se. Levantou-se, irritado,
e respondeu:
— Não dá para conversar contigo! Eu estive com um amigo para
esfriar a cabeça. Já não consigo suportar o teu descontrolo. Assim não
dá para continuar! Trabalhei o dia inteiro, estou cansado, preciso de
paz. Vou dormir no quarto de hóspedes.
E, olhando para o sogro, continuou:
— Em vez de vocês ficarem aqui a apoiar os caprichos dela, deve-
riam levá-la a um psiquiatra. A cada dia que passa, ela fica pior, e não
sei como isto vai acabar. Boa noite.
Enquanto Miriam se entregava ao choro, os sogros olharam para
Ivo indignados e abraçaram a filha, que não parava de chorar.
Ivo foi para o quarto, trancou a porta à chave, tomou um banho e
deitou-se. Sabia que a sua atitude teria consequências desagradáveis,
mas, apesar disso, sentia-se aliviado. Virou-se para o lado, relaxou
e pouco depois adormeceu.
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Veja o vídeo de apresentação deste livro.
Ficção espiritualista
ISBN 978-989-668-282-8
9 789896 682828
InesperadoEncontroAs escolhas que fazemos
determinam o destinoda nossa vida.
Miriam é uma mulher exigente e mimada que durante sete anos sufoca o marido com as suas inseguranças e crises de ciúmes. Desesperado e sem ver outra solução, Ivo acaba por deixá-la. Miriam já tentara o suicídio uma vez e ameaça fazê-lo de novo caso ele não regresse, o que deixa em desespero os pais dela, que a consideram fraca e a têm protegido toda a vida.
Quando todos pensavam que aconteceria o pior, Miriam descobre os seus poderes mediúnicos. Apoiada por Franco, psicólogo e primo do ex-marido, Miriam aceita a sua condição e encontra o seu destino: utilizar os espíritos para ajudar os outros.
Entre sentimentos de ciúme, mágoa e apego, Zibia Gasparetto convida o leitor a uma re�exão sobre a importância de não darmos ao outro a direção da nossa vida, e mostra que os desa�os só apare-cem quando podemos vencê-los.
Este amigo espiritual, que tem vindo a inspirar--me em todos os romances, trabalhou sem reve-lar o seu nome quando eu comecei a psicogra-far. Eu sentia a sua presença, cheguei a vê-lo, mas nunca o questionei. Foi apenas quando terminei o livro O Amor Venceu é que, na última página, ele assinou como Lucius.
As energias que Lucius transmite são agradá-veis e, quando ele se aproxima, os meus pensa-mentos tornam-se claros, lúcidos. Nos primei-ros tempos em que trabalhámos juntos ele costumava andar comigo e orientava-me. Passado algum tempo, passou a vir apenas nos momentos de trabalho.
Aprendi muito com os seus conselhos e com as histórias que me transmitiu. Não sei porque é que ele me escolheu, mas sinto que os laços que nos unem são antigos e continuarão a existir por toda a eternidade.
Zibia Gasparetto nasceu em Campinas mas vive desde os seis anos de idade em São Paulo. Aprendeu a ler aos quatro anos de idade e, aos oito, passava horas sentada a escrever histórias.
Parou de escrever na adolescência, e só viriaa retomar a escrita sob a forma de psicogra�a, quando as suas faculdades mediúnicas surgi-ram. In�uenciada por espíritos comunicantes, Zibia Gasparetto é hoje uma autora bestseller, com mais de 16 milhões de livros vendidos.
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21 mmCapa Final