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Dezembro de 2005 • Ano 2 • nº 17 www.desafios.org.br do desenvolvimento Agenda trancada As votações no Congresso estão praticamente paradas há oito meses e nenhuma das grandes reformas saiu do papel. A imobilização decepcionou setores que esperavam sinal verde para investir desafios Dezembro de 2005 • Ano 2 • nº 17 desafios R$ 8,90 TRANSPORTES Real valorizado, inflação sob controle e até créditos de carbono impulsionam a cabotagem no Brasil INJUSTIÇA Os negros ainda estão longe dos brancos em todas as áreas, sobretudo no mercado de trabalho FELIZ NATAL As vendas pela Internet devem bater todos os recordes, turbinadas pelas compras de final de ano Antonio M. Rosario/Getty Images Capa Ok 01/12/05 12:04 Page 1

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do desenvolvimento

Agenda trancadaAs votações no Congresso estão

praticamente paradas há oito mesese nenhuma das grandes reformas

saiu do papel. A imobilização decepcionou setores que esperavam

sinal verde para investir

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• nº 17

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TRANSPORTESReal valorizado, inf lação sob controle e até créditos de carbono impulsionam a cabotagem no Brasil

INJUSTIÇAOs negros ainda estão longe dos brancos em todas as áreas, sobretudo no mercado de trabalho

FELIZ NATALAs vendas pela Internet devem bater todos os recordes, turbinadas pelas compras de f inal de ano

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4 Desafios • dezembro de 2005

José Eduardo RoselinoO Brasil não é a Índia... ainda bem!

Antonio Semeraro Rito CardosoÉtica pública: esvoaçante e sem pouso

Luís Anselmo Pereira de Souza Água no semi-árido

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Evando MirraPodemos fazer melhor

Política Tempo carregadoA crise fez parar as reformas microeconômicas essenciais para a economia

Logística De vento em popaInflação baixa e real valorizado estimulam a cabotagem no país

Comércio Eletrônico Bit aceleradoVendas pela Internet batem recorde e devem movimentar 9,8 bilhões em 2005

Agronegócio Boi na linhaComo controlar e garantir a qualidade dos produtos agropecuários

Sociedade Realidade em preto e brancoO país da democracia racial ainda não eliminou o fosso entre brancos e negros

Melhores Práticas Uma luz na escuridãoLaramara alia educação e tecnologia para ajudar deficientes visuais

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Sumário

Artigos

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Giro

Estante

Circuito

Indicadores

Cartas

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Seções

Divu

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6 Desafios • dezembro de 2005

desafiosdo desenvolvimento

Dezembro é tempo de fazer balanços e avaliações sobre o anoque está terminando. Apesar das contas nacionais apresentaremexcelente resultado, 2005 está deixando um gostinho de que nãofizemos boa parte do que pretendíamos. O cenário político atravessou o segundo semestre embaixo de chuvas e trovoadas,para não dizer tiros e facadas, que consumiram as atenções de parlamentares e da população em geral. O resultado é que reformas ansiosamente aguardadas foram deixadas de lado.A reportagem de capa desta edição contabiliza o prejuízo provocado pela paralisação das votações no Congresso e avalia asperspectivas para 2006. Em compensação, longe de Brasília muitacoisa está andando de vento em popa, especialmente no litoral.Uma conjunção de fatores faz com que empresários troquem os caminhões pelos navios na hora de transportar as mercadorias.Com isso, estaleiros e armadores esperam faturar mais no ano que vem. A reportagem da página 26 explica por que a cabotagemestá em alta. Esse não é o único setor que comemora bons resultados. Antes mesmo de despontar o 1.° de janeiro, as empresasque investiram nas vendas pela Internet deverão registrar recordeshistóricos. A reportagem “Bit acelerado” mostra que o e-commerceestá incorporando cada vez um número maior de consumidores,empresas e governos. Mas o movimento de inclusão, infelizmente,ainda não chegou a determinados grupos que continuam à margemdos benefícios da sociedade. A matéria “Retrato em preto e branco”aborda justamente a discriminação e o preconceito que fazem com que o Brasil trate de forma tão diversa seus filhos de diferentesraças. Vários estudos recentes comprovam que, 107 anos após aabolição da escravatura, ainda há um imenso e vergonhoso fosso a separar brancos e negros. É muito triste essa constatação, mastalvez ela sirva como uma boa sugestão de promessa para o anonovo. Assumir o compromisso de defender posturas mais justas,que ajudem a construir um país mais harmônico para todos nósque vivemos nessa casa comum que é o Brasil. Feliz 2006!

Andréa Wolffenbüttel, Editora-Chefe

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

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Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

ASSISTENTE Mary Cheng

RedaçãoEDITORA-CHEFE Andréa Wolffenbüttel

EDITOR Ottoni Fernandes Jr.

EDITORAS ASSISTENTES Lia Vasconcelos e Marina Nery

COLABORADORES Anthony de Christo, Katja Polisseni, Manoel Francisco (redação),Ricardo B. Labastier e Samuel Iavelberg (fotografia), Ivana Gomes (revisão)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Sugino

ARTE Rafaela Ranzani

FOTO DA CAPA Antonio M. Rosario/Getty Images

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JORNALISTA RESPONSÁVEL • Andréa Wolffenbüttel

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8 Desafios • dezembro de 2005

GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

Um estudo publicado pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea) propõe que o Brasil adoteuma nova estratégia nas suas relações comerciais in-ternacionais. Os autores, Fabio Giambiagi e IgorBaremboim,defendem que o país lucrará mais voltan-do seus olhos para a vizinha e rival Argentina do quepara a distante e aliada China.Os argumentos são bemconvincentes.“Entre 2002 e 2004,nossas exportaçõespara a Argentina cresceram 215%, ante um aumentodas vendas brasileiras para o resto do mundo de 54%.Na comparação entre esses mesmos dois anos, en-quanto a balança comercial com a China melhorouapenas 800 milhões de dólares, devido a preços e ao

aumento da venda de commodities, a do Brasil com aArgentina melhorou 4,2 bilhões de dólares, pela ex-pansão da venda de manufaturados.Em 2005,o Brasildeverá voltar a ter déficit na sua relação comercial coma China,enquanto estará exportando para a Argentinamais 50% em comparação com 1998, antes da crisedo país vizinho. Curiosamente, quem lê os jornaisofuscado pelo fenômeno do crescimento chinês ficacom a impressão de que a China é o eldorado das ex-portações brasileiras e vê seguidos apelos para esque-cer a relação com a Argentina. Essa visão embute umsério erro de perspectiva.” São as palavras escolhidaspelos estudiosos para concluir o trabalho.

O Brasil pretende adotar umanova técnica para avaliar a conser-vação de seu patrimônio históri-co.O método foi desenvolvido poruma organização não-governa-mental (ONG) italiana, a Herity(união das palavras inglesas heri-tage com quality, que significam“herança” e “qualidade”, respecti-vamente),que já certificou mais de30 sítios históricos europeus,e en-volve não só a verificação do esta-do dos imóveis como também

consultas a turistas e órgãos ges-tores. O trabalho será desenvolvi-do em parceria com a ONG bra-sileira Hospitalidade.Inicialmente,serão avaliadas as condições dedois prédios em Salvador,o Museude Arte Sacra da Universidade Fe-deral da Bahia e o Centro Histó-rico. Os resultados serão apresen-tados no 3.º Fórum Nacional deTurismo pela Paz e o Desenvolvi-mento Sustentável,que aconteceráno ano que vem, em Porto Alegre.

Patrimônio histórico

Controle de qualidade

Monitordas reformas

A reforma eleitoral ganhounovo fôlego depois que a Co-missão Especial de ProcessoEleitoral aprovou a Propostade Emenda Constitucional(PEC) que altera as regraspara o pleito do ano vem, in-cluindo o adiamento de 30de setembro para 31 de de-zembro do prazo para queseja feita qualquer mudançana lei eleitoral. O texto finalda PEC institui as listas pré-ordenadas de candidatos, aadoção exclusiva de finan-ciamento público para cam-panhas e o estímulo à fideli-dade partidária, porém man-tém a verticalização das co-ligações, instituída em 2002pelo Tribunal Superior Elei-toral. Para que a votação se-ja concluída na Câmara, serápreciso que a PEC seja apro-vada em dois turnos peloplenário. Se ainda sobrar al-gum tempo depois de tratarda reforma eleitoral, os par-lamentares enfrentarão, antesdo recesso, mais duas refor-mas que esperam na fila: atributária e a sindical.

Exportações

A velha e boa Argentina

Fotos Stock.xchnge

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Encontradas em países comoEstados Unidos, Espanha, Aus-trália e Alemanha, as bolsas de re-síduos são uma tendência que co-meça a se consolidar no Brasil.Normalmente ligadas às federa-ções de indústrias,essas bolsas sãoum serviço gratuito que divulgapara empresas ofertas de compra evenda de resíduos industriais reci-cláveis.A fabricante paranaense deembalagens Embafort compraembalagens de madeira usadas edescartadas por outras empresase as reutiliza no precesso de pro-dução. Toda negociação de resí-duos da empresa é feita na bolsa dereciclagem da Federação das In-

dústrias do Estado do Paraná(Fiep), que funciona há quatroanos na Internet. Em média, 40%da madeira usada no processoprodutivo da Embafort é de ori-gem reciclada, o que permite, pe-los cálculos da própria empresa,preservar diariamente 300 árvo-res de 20 anos de idade.Nos últi-mos 12 meses, foram negociados820 mil reais pela bolsa de resí-duos do Paraná, mas esse núme-ro pode ser maior porque nem to-das os negócios são informados àfederação.Bolsas semelhantes à doParaná funcionam em Santa Cata-rina, São Paulo, Rio de Janeiro,Pernambuco, Ceará e Pará.

Reciclagem

Nem todas as bolsas são de valores

O sonho do diploma pode estarmais perto para aqueles que nun-ca puderam freqüentar a escola.Ogoverno federal está desenvolven-do um programa para concedercertificados de formação a pessoasque dominam o próprio ofício,mas não fizeram curso algum. Oobjetivo é reconhecer oficialmentea capacidade de pedreiros, me-

cânicos,eletricistas e tantos outrosmestres que diariamente aplicamo saber em suas funções. Para re-ceber o “diploma”, os candidatospassarão por avaliações práticas eteóricas. Ainda estão sendo defi-nidas quais as profissões que po-dem receber esses diplomas e quaissão os conhecimentos imprescin-díveis para cada uma delas.

Trabalho

Diploma para quem merece

O Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) e a CaixaEconômica Federal realizam,pelosegundo ano consecutivo, o Con-curso de Monografias denomina-do Prêmio Ipea-Caixa.O objetivoé estimular a pesquisa nas áreas dedesenvolvimento econômico, so-cial e financeiro. Um olhar apura-do, técnico e qualificado sobrequestões fundamentais para oBrasil foi o principal resultado doPrêmio em 2005, que distribuiumais de 100 mil reais aos vence-dores. São três áreas temáticas eduas categorias, que receberam142 inscritos. Além do uso diversi-ficado de metodologias economé-tricas, os trabalhos chegaram aconclusões fora do comum.Adria-na Soares Sales, de 38 anos, asses-sora sênior do Banco Central,conquistou o primeiro lugar nacategoria Profissionais, no temaSistemas de Financiamento e aOferta de Crédito,oferecendo umnovo modo de explicar as falên-cias bancárias. Já o segundo colo-cado da categoria Profissionais,notema Mercado de Trabalho, foi oprofessor da Universidade Esta-dual do Rio de Janeiro (Uerj) Car-los Antonio Ribeiro. Ele utilizou

um esquema com 16 grupos ocu-pacionais para proporcionar des-crições mais detalhadas que as an-teriormente disponíveis, na mo-nografia “Mobilidade social e es-trutura ocupacional: desigualdadede oportunidades no mercado detrabalho brasileiro”.

Na categoria Estudantes, o pri-meiro lugar no tema Mercado deTrabalho ficou com Jaqueline deOliveira, de 23 anos, economistade Minas Gerais e bolsista doCNPq.Ela defendeu a idéia de que“mulheres chefes de família tam-bém apresentaram maior proba-bilidade de sobrevivência ao tra-balhar por conta própria”.Jacque-line Cambota, de 26 anos, commestrado em Economia, ganhou20 mil reais pelo primeiro lugar nacategoria Profissionais, no temaMercado de Trabalho,pela mono-grafia “Discriminação salarial porraça e gênero no mercado de tra-balho das regiões Nordeste e Su-deste: uma aplicação de simula-ções contrafactuais e regressãoquantílica”.As monografias vence-doras estão disponíveis no site doIpea,www.ipea.gov.br e,em breve,no livro Prêmio Ipea-Caixa 2005,que será publicado.

Fazer parte da lista de fornece-dores da Petrobras é um privilégiodisputado por muitos empresá-rios. Porém, as famílias de um as-sentamento da reforma agrária, a230 quilômetros de Natal (RN),conseguiram a façanha de entrarpara o seleto clube,quando os téc-nicos da Petrobras descobriram

que a palha da carnaúba serve pararevestir tubos por onde passa va-por em altíssima temperatura. Osassentados confeccionam a mantade palha da carnaúba que substi-tui com vantagens os revestimen-tos de alumínio. É mais barata enunca é roubada, como aconteciacom as lâminas de alumínio.

Artesanato

Proteção vegetal

Premiação

Talento e empenho reconhecidos

Divulgação/Petrobras

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O Brasi l tem mostrado uma notável capacidade criat iva e inovadora. ENTREVISTA

m dos principais responsáveis pela organização da III ConferênciaNacional de Ciência, Tecnologia e Inovação diz que o desenvolvi-mento tecnológico brasileiro depende essencialmente do envolvi-

mento e da exigência de toda a sociedade. Para Evando Mirra, presidente doCentro de Gestão e Estudos Estratégicos, a inovação não tem campos privi-legiados e circula com a mesma desenvoltura desde a cozinha até o labora-tório, basta ser convidada.

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Podemos fazer melhor

10 Desafios • dezembro de 2005

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

Ricardo B. Labastier

ENTREVISTA17 01/12/05 13:29 Page 10

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Engenheiro mecânico e elétrico de for-mação, o mineiro Evando Mirra de Paula Sil-va é dono de duas habilidades que poucasvezes se encontram numa só pessoa: talen-to para a ciência e para a administração.Essa rara combinação foi o que permitiuque ele fosse eleito membro da AcademiaBrasileira de Ciências, na categoria Ciên-cias da Engenharia, no mesmo momento emque trabalhava arduamente à frente doCentro de Gestão e Estudos Estratégicos(CGEE) para organizar a III Conferência Na-cional de Ciência, Tecnologia e Inovação,ocorrida no mês passado, em Brasília. Pro-fessor emérito da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), Mirra já correu omundo. Fez doutorado na Universidade deParis, aperfeiçoamento na UniversidadeGeorge Washington, nos Estados Unidos, eesteve nas Universidades de Tóquio, Japão,Berkeley, Estados Unidos, e Compiègne,França, como pesquisador visitante.

Em 1986, a carreira de Mirra tomou ou-tro rumo ao tornar-se pró-reitor de pesquisae pós-graduação da UFMG.A gestão em ciên-cia e tecnologia começou, então, a ocupargrande parte de seu tempo. Participou damontagem de diversos programas nacionaisde cooperação universidade-empresa,da im-plantação de estratégias de avaliação depesquisa e de iniciativas como a criação doPrograma Institucional de Iniciação Cien-tífica (Pibic). Entre 1999 e 2001, foi presi-dente do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq), ondecoordenou a criação da Plataforma Lattes,principal fonte de registros de ciência e tec-nologia do país, com cerca de 447 mil cur-rículos e 20 mil grupos de pesquisa cadas-trados. Em 2001, aceitou o desafio de mon-tar uma nova instituição, o CGEE, do qual foipresidente até novembro deste ano. Incansá-vel, parte agora para novas aventuras ao as-sumir a direção de inovação da Agência Bra-sileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Também vamos encontrar esses traços no empreendimento c ient í f ico e tecno lóg ico

dessa competência. O portfólio do paístem essa contradição de que o espaçoe as vias de inovação estão em númerorelativamente pequeno, distribuídas deforma isolada, mas cada uma delas éextraordinariamente bem-sucedida.

Desafios - A que experiências o senhor se refe-

re especif icamente?

Evando Mirra - Muitos casos são co-nhecidos. Um exemplo clássico é que oBrasil está hoje na vanguarda da pro-dução de tecnologia para extração depetróleo em águas profundas. É difícilsubestimar a dificuldade técnica dessaatividade, o que só faz com que o su-cesso brasileiro seja ainda mais extraor-dinário.Abaixo de 300 metros de pro-fundidade, o corpo humano não re-siste à pressão da água, portanto, não épossível trabalhar com mergulhadores,tem de usar robótica submarina. OBrasil já trabalha a mais de 2 mil me-tros de profundidade. Quer dizer quenós exercitamos a robótica submarinaem condições absolutamente difíceis esofisticadas. As plataformas submari-nas são sustentadas por um númerogrande de âncoras, normalmente 16.Acontece que a partir de 800 metros deprofundidade o peso das correntes deaço das âncoras se torna superior aopeso das plataformas. O Brasil desen-volveu para esse caso uma solução en-genhosa, com cabos de fio plástico dealta resistência. Para conseguir isso foipreciso fazer arranjos institucionais ealianças estratégicas. Nós também co-nhecemos o caso da Embraer, que co-loca o país em posição competitiva evantajosa no plano internacional. Ca-sos como a Bematech, que criou umsegmento para impressoras de super-mercado e gerou no plano interna-cional uma presença forte. O caso daWEG também é extraordinário, por-que uma empresa de fundo de quintalde Santa Catarina se tornou uma dasmaiores empresas do mundo, implan-tada em mais de 50 países. No fundo, o

Desafios - Muitos dizem que o grande proble-

ma do Brasil é não conseguir transformar cria-

tividade em dinheiro. Qual o caminho para supe-

rar essa dif iculdade?

Evando Mirra - A inovação é essencial-mente uma questão de sociedade, decompreensão e de envolvimento glo-bais. O foco, naturalmente, é na em-presa, mas ela não acontece se o con-junto de atores da sociedade não par-ticipar e não exigir que isso aconteça.É verdade que no caso brasileiro ga-nhamos mais desenvoltura na geraçãode conhecimento do que na transfor-mação desse processo em bens e ser-viços. Porém, a industrialização do paísfez com que construíssemos um par-que que é ao mesmo tempo amplo, di-versificado, competente e, em algunsdos domínios, de qualidade mundial.Conjugando isso com o fato de quepossuímos hoje recursos humanos domais alto nível, treinados em pesquisa edesenvolvimento, temos, obviamente,dois dos ingredientes essenciais.Agora,eles precisam operar num movimentode sociedade, que é um movimentomais amplo, que envolve a própria di-mensão do exercício da cidadania.

Desafios - O Brasil é um país inovador?

Evando Mirra - O Brasil tem mostradouma notável capacidade criativa e ino-vadora. A própria cultura brasileira éoriginal, distinta, se elabora dentro depadrões às vezes surpreendentes e comresultados que marcam a identidade.Também vamos encontrar traços dis-so no empreendimento científico e tec-nológico. O aspecto que eu gosto deenfatizar é a competência de pesquisaexistente no Brasil, porque ela tem umaconfiguração distinta de qualquer ou-tro país em desenvolvimento. Temos operfil de competência científica e tec-nológica dos países avançados. Nossaspossibilidades são amplas, nós pode-mos sonhar com muita coisa. Porém,enfrentamos dificuldades no que dizrespeito especificamente à mobilização

Um homem demuitos talentos

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Ganhamos mais

desenvoltura na geração

de conhecimento

do que na transformação

desse processo em

bens e serviços

12 Desafios • dezembro de 2005

Desafios - O senhor tem exemplos?

Evando Mirra - O pão de queijo era, atéum tempo atrás, algo de experimen-tação doméstica, mas, quando aconte-ceu no Brasil aquele boom do congela-do, surgiu a idéia de fazer uma massade pão de queijo que pudesse ser con-gelada e, portanto, vendida em distân-cias maiores. Houve, contudo, uma de-cepção.Ao reaquecer, a massa congela-da não tinha boa consistência e perdiao gosto. Longe de desencorajar os en-volvidos, o contratempo os levou a pro-curar a universidade. Inicialmente, fo-ram os grupos de tecnologia de alimen-tos, especialmente da UniversidadeFederal de Minas Gerais (UFMG). Ládetectaram que o problema era que ofermento usado na massa não resistia aaltas temperaturas. Isso transportou aquestão para o campo da biotecnolo-gia, e o problema foi resolvido com

uma articulação entre algumas univer-sidades e centros tecnológicos. Essa es-tratégia de conhecimento gerou umanova indústria baseada principalmenteem congelados.Atualmente,centenas deempresas fazem parte da AssociaçãoNacional dos Produtores de Pão deQueijo. Essas empresas têm os mais va-riados portes. Isso gerou uma pauta deexportação.Hoje,quase duas dezenas depaíses são nossos clientes. Um exemplo

que me parece essencial é que, numnúmero significativo de espaços, o paísjá deu provas de que é capaz de ter umamentalidade inovadora.

Desafios - Mas o que falta para que essa men-

talidade predomine em outros setores?

Evando Mirra - Falta que a vontade deinovar contamine a sociedade comoum todo. Essa questão é essencial por-que a postura da inovação não se limi-ta a segmentos de alta tecnologia, é umaquestão global. Ela opera em todo o es-pectro da produção porque é essencial-mente uma questão de atitude. Ela con-siste simplesmente em dizer que nósnão estamos produzindo ainda damelhor maneira, que aquilo pode serfeito de outra forma, que pode ser feitoum pouco melhor, e isso obviamentenão tem limitação de objetos de traba-lho ou de setor econômico.

Ricardo B. Labastier

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Desaf ios • dezembro de 2005 13

singelo como esse mostra como a agre-gação de valor pode transformar umaatividade simples numa geradora deriqueza, de divisas e de mudanças cul-turais. Essa é uma dimensão comum: aagregação de valor no processo de pro-dução se traduz numa vida mais ricaem todos os aspectos.

Desafios - A Lei de Inovação e a Medida Pro-

visória nº 255, apelidada de MP do Bem, recen-

temente aprovadas, ajudam nesse movimento?

Evando Mirra - A Lei de Inovação per-mite, apóia, promove e legitima umasérie de práticas que já existiam no paíse eram apenas toleradas. Além disso,ela define questões delicadas de relaçãodo público e privado e isso envolvemovimento de capital e circulação depessoal. A lei explicita e incentiva aspossibilidades de que todo investimen-to público se reverta em bens e servi-ços. Do ponto de vista prático, a Lei deInovação fornece, em primeiro lugar,um contexto cultural mais favorável eacolhedor. Não é pouca coisa. Porém,a existência por si só de mecanismos nãogarante que eles sejam amplamente uti-lizados. A resposta espontânea usual éque um número reduzido de empresasque já têm desenvoltura para operaresses mecanismos, mesmo em condi-ções menos acolhedoras, fará parte da-quele grupo que imediatamente serámais capaz de fazer uso disso. Se nós fi-carmos restritos a esse grupo, é muitopouco. Isso não muda a natureza doproblema. Para que a natureza do pro-blema mude será necessário envolvernovos atores no processo. Esses novosatores são, em primeiro lugar, o vastouniverso das micro, pequenas e médiasempresas. É aí que a Lei de Inovaçãopoderá ser mais eficaz.Estão sendo cria-dos novos instrumentos para que osmecanismos de subvenção e promoçãoprevistos na MP 255, bem como as ini-ciativas previstas na Lei de Inovação,sejam instrumentalizados. O primeirodeles foi o Portal da Inovação, lançadorecentemente pelo Ministério da Ciên-cia e Tecnologia (MCT), que pilotou,promoveu e financiou o processo, e o

fez, sabiamente, em articulação comgrande número de setores, tanto doambiente privado como do público. Jáfoi desde o início um projeto concebi-do dentro dessa lógica essencial que éa lógica do mutirão, que é a lógica deque não há nenhum setor, nenhumsubsistema, nenhum segmento capazde esgotar a capacidade de mobiliza-ção. O portal é um instrumento pode-roso porque permite mapear de formainédita a distribuição de competênciamobilizada no país e como se mani-festam as demandas e as oportunida-des. Eu vejo nesses novos instrumen-tos uma possibilidade efetiva de co-meçar a negociar novos contratos en-tre esses atores que representem espe-rança, e que se possa envolver gradual-mente um número mais significativode atores. É preciso dizer também quenenhuma dessas conquistas se faz deuma vez por todas e com um saltomuito grande. Tanto a Lei de Inovaçãocomo a MP 255 são avanços que bali-zam o terreno, mas obviamente são al-guns passos tímidos de uma longa ca-minhada que temos de fazer.

Desafios - Como a ciência, tecnolog ia e ino-

vação (CT&I) podem ser usadas para a inclusão

social?

Evando Mirra - O exemplo do pão dequeijo nos mostra um pouco qual é ovetor, qual a tendência e como se faz.Esse é um exemplo que mostra que épossível mobilizar o conhecimento exis-tente, o conhecimento tácito da popu-lação. No caso, há uma cultura do pãode queijo, elaborada ancestralmente,rodada em muitas cozinhas, que en-contra um conhecimento existente noambiente acadêmico. Mas o mais inte-ressante é o conhecimento novo gera-do disso, porque no fundo o grandediferencial dos países avançados nãoestá na capacidade de acesso ao co-nhecimento existente, mas na eficáciadas estratégias de aprendizado e nacapacidade de gerar conhecimentonovo nessa interação. É esse movi-mento de aprendizado coletivo e degeração de novos produtos e recursos,

que é essencial, que faz as coisas mu-darem.A questão se joga na dimensãode que segmentos crescentes da popu-lação, se apropriem dos instrumentosde conhecimento e das estratégias deaprendizado. A verdadeira inclusão éessa que permite que, de um universomodesto e familiar, como é esse do pãode queijo, a universos mais sofistica-dos, como é o de telecomunicações,um número maior de pessoas se apro-prie desse conhecimento de tal formaque se beneficie desse processo e se ca-pacite para inventar outras coisas, eadquira mais poder diante da vida.

Desafios - Qual o balanço que o senhor faz da

III Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e

Inovação?

Evando Mirra - Na minha opinião, aconferência foi um enorme sucesso.Sobretudo do ponto de vista do envol-vimento dos diferentes segmentos maisimediatamente relacionados com aquestão da pesquisa. A primeira con-ferência foi essencialmente da acade-mia.A segunda, há quatro anos, fez umenorme esforço de mobilização dos se-tores políticos e empresariais. Não hámedida comum para comparar o quese passou agora, foi muito melhor. Nes-ta conferência houve mais de 2,2 milinscritos que participaram efetivamen-te, contribuindo com apresentações,nos debates ou nos compromissos queforam firmados. Houve 8 mil pessoasque acompanharam pela Internet, umnúmero extraordinário para uma pri-meira experiência desse tipo. Isso re-presenta uma manifestação muito es-

Temos o perfil de

competência científica

e tecnológica dos países

avançados. Nossas

possibilidades são amplas,

nós podemos sonhar

com muita coisa

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14 Desafios • dezembro de 2005

Ricardo B. Labastier

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Desaf ios • dezembro de 2005 15

timulante de maturidade do processode discussão.Além disso, se examinar-mos setorialmente, coisas extraordi-nárias se passaram. Por exemplo, naconferência anterior, a participação dasempresas foi trabalhada, elas reagirambem ao convite, foram convencidos a seenvolver. Desta vez, não foi preciso fa-zer nenhum esforço de convencimentoe, ao mesmo tempo, a participação sefez com uma contribuição substantiva-mente maior, já que o setor empresarialfoi longamente preparado por câmarasespecíficas. De modo que a posiçãotrazida pela indústria resultava de umaconstrução muito mais elaborada. Hou-ve outra coisa importante no que dizrespeito ao marco legal que foi a pre-sença do Judiciário. A gente tem decaminhar muito nisso não só para queas questões essenciais das estratégias deum ambiente de ciência, tecnologia einovação tenham um marco legal pro-gressivamente mais adequado, mastambém para que o próprio entendi-mento seja maior, porque não basta terum marco, essas leis têm de ser inter-pretadas e vão ser aplicadas em dife-rentes instâncias. Logo, a presença doJudiciário teve um papel muito impor-tante.“Conferência”vem do verbo “con-ferir”. Portanto, é um momento impor-tante para aferir distintas visões sobreas grandes questões que permeiam ouniverso da ciência e tecnologia em suarelação com a sociedade. Nesse sentido,a conferência não apenas trata de aferiressas visões distintas, mas ela deve terpapel ativo na construção de um novotipo de entendimento, deve contribuir

para consolidar um diálogo mais amplo,uma reflexão coletiva organizada envol-vendo diferentes atores do processo.

Desafios - A primeira Conferência Nacional de Ciência,

Tecnologia e Inovação foi em 1985, a segunda em 2001

e a terceira neste ano. O que mudou nesse intervalo?

Evando Mirra - É desejável e útil que en-contros dessa natureza ganhem certadinâmica e regularidade.A área de ciên-cia e tecnologia é uma área que vemamadurecendo, portanto, ela demoroumais para chegar a um estágio em queessas coisas se colocassem. A primeiraConferência Nacional, em 1985, clara-mente se organizou em torno do pro-cesso de redemocratização do país etentava promover o diálogo.A segundaConferência Nacional, em 2001, já seorganizou com uma definição maisclara e precisa de objetivos. O produtofundamental daquela conferência foi oLivro Verde, que, em última análise, éuma radiografia do ambiente de ciên-cia e tecnologia existente naquele mo-mento, elaborada dentro de uma visãocompreensível pela sociedade brasilei-ra. Houve algumas coisas muito cu-riosas na preparação do primeiro LivroVerde. Por exemplo, alguns setores dacomunidade científica reagiram dra-maticamente à leitura do livro porqueele não usa uma linguagem acadêmica.Cito isso apenas para lembrar como, dealguma forma, nesses quatro anos, emque pese todas as dificuldades vividaspelo país, houve um amadurecimentoconsiderável nessa área. Já passa quasecomo natural uma postura que há qua-tro anos parecia algo muito estranho.

Desafios - O Centro de Gestão e Estudos Es-

tratégicos, um dos responsáveis pela conferên-

cia, é uma organização social. O que isso signif i-

ca na prática? Isso facilita a execução dos proje-

tos e a própria gestão?

Evando Mirra - Faz uma diferença imen-sa, e foi surpreendente para todos nós,que não tínhamos nenhuma experiên-cia nesse assunto. Ao mesmo tempo, éum formato institucional que enfrentaimensas dificuldades, algumas delasinerentes à própria novidade do mo-

delo, que é o fato de que sua absorçãocultural exige um processo de amadu-recimento. Apesar da experiência queo MCT começava a acumular e apesarda experiência internacional que foiconsultada fortemente – é um modeloque já existe na Inglaterra, na França eem outros países –, ainda assim não seantecipava como essa instituição pode-ria ser estruturada no Brasil .Nesse sen-tido, quatro anos depois, nossa avalia-ção é muito positiva, pois o modelo deorganização social mostra um poten-cial enorme como uma estratégia deinterface público-privado, como formade presença nas políticas públicas, co-mo um espaço agregador de compe-tências e articulações e no sentido fi-nalístico. A contrapartida, o lado difí-cil, que exige construção, tem duas na-turezas. Primeiro é que todo o apara-to de auditoria e de controle foi cons-truído para controle ou do setor pri-vado ou do setor público. Essas insti-tuições híbridas não têm ainda umajurisprudência estabelecida nem háprocedimentos e formatos já rodados.É uma novidade muito grande e colo-ca, portanto, para os próprios órgãosde controle, dificuldades novas que es-tão sendo trabalhadas e construídas.Asegunda questão é o fato de que o mo-delo se fundamenta num respeito aoscontratos que a cultura brasileira ain-da não absorveu de todo. Portanto, co-mo modelo é muito interessante, massua operação em condições culturaismais incertas faz com que você tenhasobressaltos e dificuldades que nãoforam antecipadas. Mas, sobretudo, éum modelo que se presta a ações ine-rentemente e essencialmente coope-rativas. Nesses espaços, há um enormepotencial de realização, cuja capacida-de nós conhecemos parcialmente.

Desafios - O senhor está deixando o CGEE para

trabalhar na Agência Brasileira de Desenvolv i-

mento Industrial. Qual é o balanço que o senhor

faz de sua gestão?

Evando Mirra - É um pouco difícil fa-zer isso de forma objetiva porque eu erapresidente do CNPq e fui envolvido

A postura da inovação não

se limita a segmentos de alta

tecnologia, é uma questão

global. Ela opera em todo

o espectro da produção

porque é essencialmente

uma questão de atitude

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16 Desafios • dezembro de 2005

dade Federal de Minas Gerais (UFMG).E é uma coisa simples: o itinerário nor-mal dos pesquisadores, que usualmentetêm grande apreço pelo universo dapesquisa, mas manifestam pouco gos-to e certa rejeição por tarefas de admi-nistração. Eu não fui exceção nesse ca-so. Relutei em assumir essa responsa-bilidade, mas acabei cedendo. Meu pri-meiro impacto, minha primeira sur-presa, maravilhado, foi encontrar umgrupo de pessoas na pró-reitoria cujosonho maior era realizar coisas real-mente úteis. Era quase como um con-to de fadas, como uma visão idílica. Euencontrei uma disponibilidade, um de-sejo de realizar as coisas, maltratadopelas dificuldades cotidianas em quetodos estamos imersos, mas uma ca-pacidade e competência extraordiná-rias, e isso fez com que nossa experiên-cia fosse muito emocionante. Eu vivi is-so no CNPq e vivi nesses quatro anosno CGEE. É muito emocionante verque tantas trajetórias, ambições e so-nhos distintos podem encontrar umespaço de convergência e materializa-ção de um entendimento comum comforte vocação pública, desejo de cons-trução e colaboração. Eu termino essesquatro anos à frente do CGEE com

uma admiração fortalecida, um senti-mento de privilégio e agradecimentopela possibilidade que me foi dada.

Desafios - Existe algo que o senhor gostaria

muito de ter feito e não conseguiu?

Evando Mirra - Esses quatro anosforam anos curiosos porque quis odestino que nós convivêssemos comquatro ministros da Ciência e Tecno-logia e isso significou a convivência como desafio de atender a visões e deman-das distintas. Há uma dimensão difícilnisso, porque ciência e tecnologia sãoclaramente esforços em que a continui-dade e a permanência são essenciaispara que se construam visões de futu-ro. Portanto, tivemos e ainda temos di-ficuldade de estruturar as vigas mes-tras, os eixos mestres de competênciada casa, ante a solicitações muito dis-tintas. Há coisas que gostaríamos de terdado seqüência, desdobramentos quenão foram possíveis. O segundo aspec-to menos satisfatório é o fato de que foigerado um volume de informação eanálise imenso e, embora grande partetenha sido colocada em cena e aprovei-tada na formatação de políticas e ações,ainda existe um volume de informaçãoútil e disponível muito grande que épreciso disponibilizar com mais eficá-cia. É um bem público que precisa tra-fegar como bem público.

Desafios - Se o senhor só tivesse uma “bala”

para atacar os problemas que dif icultam a evo-

lução tecnológica e industrial brasileira, que alvo

o senhor miraria?

Evando Mirra - Se o diagnóstico que agente elaborou no caminho é correto,ou seja,que uma das questões-chave re-side na desarticulação do sistema, en-tão o alvo,nesse caso,seria a construçãode espaços e protocolos de entendi-mento, de desentendimento que tam-bém é fecundo e de cooperação. Isso émais do que um alvo, é muito abran-gente,mas eu diria que o alvo me pareceser a busca obsessiva de melhorar o en-tendimento dos diferentes atores insti-tucionais e parceiros e o conhecimentorecíproco dos atores.

nesse esforço de articulação enormevinculado à criação dos fundos seto-riais e às estratégias de gestão compar-tilhada. Coube a mim assumir a res-ponsabilidade pela implantação da ca-sa, pela implantação de uma culturanova. É uma aventura fascinante, masao mesmo tempo cheia de perigos.Umaestrutura nova significa gerar valorescompartilhados, gerar um espaço designificação que tem de ser apropriadoem conjunto, gerar um espaço de ten-são criativa e criadora no plano inter-no e criar no plano externo um espaçode inserção no ambiente. Então, é difí-cil avaliar o processo. Para dizer a ver-dade, eu me sinto muito emocionadocom o reencontro com uma coisa queme ocorreu desde o primeiro envolvi-mento com a administração de ciênciae tecnologia, que foi quando assumi apró-reitoria de pesquisa da Universi-

A Lei de Inovação

apóia, promove e legitima

uma série de práticas

que já existiam no país

e eram apenas toleradas

d

Ricardo B. Labastier

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18 Desafios • dezembro de 2005

J o s é E d u a r d o R o s e l i n oARTIGO

atividade de software parece ter entra-do definitivamente na agenda nacio-nal, figurando entre os setores eleitoscomo prioritários pela Política Indus-

trial, Tecnológica e de Comércio Exterior(PITCE). Ainda é cedo para uma avaliação daperformance dessa política, mas a inclusão dosoftware como prioridade sinaliza a identificaçãode sua importância. Essa indústria é o “sangue vi-tal”das tecnologias da informação e da comuni-cação, ocupando papel central nas atuais trans-formações produtivas.

Outra motivação é a percepção das oportu-nidades de conquistar presença em um mercadointernacional em franca expansão. Os casos desucesso de países periféricos no desenvolvimen-to dessa indústria alimentam ainda mais essas es-peranças. O caso indiano é o mais chamativo. Osnúmeros bilionários são largamente propaladose sempre impressionam os mais desavisados.Não são poucos os que, seduzidos, colocam omodelo indiano como referência a ser seguida.Aqui reside o maior perigo.

Um estudo mais acurado sugere sempre umaboa dose de cautela com as estatísticas sobre soft-ware, e prudência redobrada quando se trata decomércio internacional. Não há metodologia quegaranta a produção de dados confiáveis sobre ocomércio desse produto/serviço tão peculiar, e osnúmeros indianos são contestados por muitos es-pecialistas.Além disso, uma avaliação qualitativadessas exportações revela um quadro bem menosanimador.A despeito de avanços recentes, a Índiapermanece especializada nas funções inferiores da“divisão internacional do trabalho”, concentran-do-se nos serviços de baixo valor agregado.

Parte crescente das atividades de software érealizada diretamente por subsidiárias de empre-sas estrangeiras sem vínculos tecnológicos locais,restringindo os potenciais transbordamentostecnológicos e outros efeitos sobre o sistema pro-dutivo local. Os esforços das empresas indianasem avançar para atividades mais complexas erentáveis são minados pela sangria anual de maisde 10% de sua mão-de-obra especializada, quemigra principalmente para os Estados Unidos.

O mercado brasileiro movimenta valorescomparáveis aos da Índia, mas concentra-se noatendimento ao mercado interno. Diferentemen-te do caso indiano, nossa indústria de software éorganicamente ligada a uma estrutura produtivacomplexa e diversificada.

O software impulsiona a produtividade e acompetitividade em virtualmente todos os se-tores da economia. Sua presença como “elo” es-sencial em diferentes cadeias produtivas reforçaa pertinência de mirar o fortalecimento dessa in-dústria como parte de uma estratégia de desen-volvimento nacional. Antes de ser visto comouma desvantagem, esse viés “voltado para den-tro” pode ser uma oportunidade. O atendimen-to desse vigoroso mercado, sofisticado e exigente,é a plataforma para a obtenção de vantagens deescala e ambiente propício para uma produçãodiversificada e competitiva.

A política industrial deve reforçar as virtudesda estrutura existente, proporcionando condi-ções para a preservação e para a consolidação dasempresas bem-sucedidas no enfrentamento deum ambiente crescentemente competitivo e in-ternacionalizado. Os avanços no front externoaparecerão com o desenvolvimento e o amadu-recimento dessa indústria.Ainda que os númerosprojetados estejam muito aquém dos valores bi-lionários dos indianos, temos a possibilidade deconquistar espaços mais virtuosos.

É preciso voltar o olhar com mais zelo para asqualidades e as potencialidades já existentes daindústria brasileira, evitando-se a sedução por“modelos” importados. Talvez seja mais um sin-toma da patologia que Nelson Rodrigues sabia-mente identificou como “narciso às avessas” dobrasileiro: uma irresistível propensão a cuspir naprópria imagem refletida.

A indústria brasileira de software exibe umaconfiguração complexa que se reproduz numadinâmica muito diferente da indiana.Ainda bem!

José Eduardo Roselino é economista e pesquisador do Grupo de Estudos em

Economia Industrial (GEEIN) e do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal)

O Brasil não é a Índia... ainda bem!

“O mercado brasileiro

movimenta valores

comparáveis aos da

Índia, mas concentra-se

no atendimento ao

mercado interno. Nossa

indústria de software

é organicamente ligada

a uma estrutura

produtiva complexa e

diversificada”

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A crise política ainda não afetou o desempenho da economia, mas fez parar

as reformas microeconômicas que o Ministério da Fazenda considerava

essências para garantir um crescimento sustentado de longo prazo

POLÍTICA

Tempo carregadoP o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e S ã o P a u l o

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Desaf ios • dezembro de 2005 21

evidência do efeito negativo paraa economia da crise política pro-vocada pelas denúncias de cor-rupção e compra de parlamen-

tares pode ser vista na página da Internet doMinistério da Fazenda. Ainda não é umaqueda acentuada do Produto Interno Bruto(PIB), embora analistas considerem possí-vel um esfriamento da economia.Quem en-trou no site da Fazenda no final de outubropôde encontrar na seção de Publicações otexto “Aperfeiçoamento Institucional eCrescimento de Longo Prazo”, elaboradono final de 2004,sob a batuta de Marcos deBarros Lisboa, então secretário de PolíticaEconômica. O documento elenca umaagenda das reformas microeconômicas ne-cessárias para garantir o crescimento eco-nômico sustentado de longo prazo. Os gu-rus do Ministério da Fazenda tinham a ex-pectativa de colocá-las em marcha em 2005,com o apoio da maioria governista noCongresso e empurradas pelo vigorosocrescimento do PIB em 2004,que bateu em5%.Praticamente nada foi feito.O plano debatalha foi incinerado pelas chamas da tor-rente de denúncias que assolou o país,e suasrespectivas Comissões Parlamentares Mis-tas de Inquérito (CPMI), que paralisaramas votações e desfizeram a maioria gover-nista no Congresso.O objetivo das propos-tas da Fazenda era melhorar o aparato insti-tucional, o que contribuiria para sustentaro crescimento econômico.

Uma das propostas era garantir autono-mia ao Banco Central, que foi colocada nopapel, mas abatida pelo fogo amigo dentrodo executivo e de sua base parlamentar.Também ficou no plano das boas intençõeso projeto de reforma das leis trabalhistas emesmo a reforma sindical.O documento daFazenda defendia a urgência da continui-dade da reforma tributária, com a unifica-ção das alíquotas estaduais do Imposto so-bre Circulação de Mercadorias (ICMS) e acriação do Imposto sobre o Valor Agregado(IVA) em 2007.Nada deverá ser votado em2005, embora a Fazenda tenha tentadoatrair os prefeitos para que apoiassem a pro-posta de reforma tributária, ao admitir au-mentar de 22,5% para 23,5% a fatia do Im-posto sobre Produtos Industrializados (IPI)e o Imposto de Renda que vai para os mu-

nicípios.Um dos efeitos da crise política foique o governo perdeu a capacidade de arti-cular a negociação, que envolvia governa-dores e suas representações parlamentares,além dos prefeitos.Não são boas as perspec-tivas para fazer avançar a reforma tributáriano próximo ano.“As chances de aprovar areforma tributária, mesmo em 2006, umano eleitoral, são próximas de zero”, avaliaFábio Giambiagi, pesquisador do Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O Congresso aprovou uma única mu-dança na área fiscal, porém ela não consta-va no mapa do Ministério da Fazenda. Foia chamada Medida Provisória do Bem,

sancionada em novembro, que implica arenúncia fiscal de 5 bilhões de reais anuaise atendeu à demanda de diversos setores dasociedade pela redução da carga tributária.Mesmo assim foram necessários váriosmeses de negociação no Congresso. Emcontrapartida, o Senado fulminou em no-vembro a medida provisória (MP) queunificava as máquinas de arrecadação daFazenda e da Previdência,criando a Super-Receita. Embora doutrinariamente fossemfavoráveis à medida, os senadores nãoquiseram dar espaço ao fortalecimento dogoverno Lula. Foi um aviso das dificulda-des que o governo federal enfrentará em2006 para emplacar vitórias no Congresso.O fato de a proposta de reestruturação damáquina federal de arrecadação ter vindocomo medida provisória, e não como pro-jeto de lei, foi a argumentação usada parabloquear a votação no Senado, depois quea mudança havia sido aprovada na Câma-ra. Para a alegria de funcionários da Pre-vidência que lotaram as galerias do Senadopara protestar contra a MP 258, que cria-va a Super-Receita.

O plano de ação da Fazenda listava co-mo prioridade o aperfeiçoamento da legis-lação tributária para micro,pequenas e mé-dias empresas, defendida por diversas enti-dades empresariais, entre elas a poderosaConfederação Nacional da Indústria (CNI).Depois de muitas consultas públicas, o go-verno federal remeteu um projeto de leicomplementar para o Congresso.É uma daspoucas iniciativas que podem ter sucesso,pois o relator da Comissão Especial encar-regada de avaliá-la,o deputado federal LuizCarlos Hauly (PSDB-PR), tratou de mon-tar uma nova proposta unificadora,incluin-do vários outros projetos sobre o tema queestão em discussão na Câmara Federal.Existe alguma resistência de governadorese prefeitos,que teriam de abrir mão de parteda receita tributária,mas podem ser grandesos benefícios, pois “o objetivo do estatuto étrazer as empresas para a formalidade, semprovocar prejuízos para nenhum estado”,defende Hauly. Para tentar acelerar a vo-tação,o presidente da Federação das Indús-trias do Estado de São Paulo (Fiesp), PauloSkaf, entregou no dia 10 de novembro, aospresidentes da Câmara e do Senado, um

Perfil do SenadoNúmero de senadores por partido

PSDB15

PFL16

PMDB20

PT12

PTB4

PL3

PSB3

PCdoB1

PMR1

s/partido1

PDT4

PSOL1

Fonte: Senado Federal

Governistas

Oposição

A

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documento com 100 mil assinaturas deapoio à Lei Geral das Micro, Pequenas eMédias Empresas. Na ocasião, Renan Ca-lheiros, presidente do Senado, defendeu oprojeto, “para que o país tenha competi-tividade”. A proposta,uma vez aprovada naCâmara, segue para o Senado. “A lei temboas chances de ser aprovada no Congres-so, mas não em 2005”, avalia José AugustoCoelho Fernandes, diretor executivo daConfederação Nacional da Indústria (CNI),lembrando que esse projeto também está naagenda mínima da instituição, divulgadaem agosto (leia quadro na pág. 24).

Um dos objetivos das medidas pro-postas no plano de reformas microeco-nômicas da Fazenda era melhorar “o am-biente de negócios”, o que incluía o projetode Reestruturação do Sistema Brasileiro deDefesa da Concorrência (SBDC) e medidaspara reduzir os prazos e as exigências buro-cráticas para abertura e encerramento deempresas. Houve atraso dentro do própriogoverno para chegar ao projeto do SBDC,que unifica as estruturas encarregadas dosetor existentes nos ministérios da Justiça eda Fazenda e cria normas para a aprovaçãode fusões entre empresas. O projeto está naCâmara, mas os partidos não tinham, atéo final de novembro, indicado os compo-nentes da comissão especial que vai discu-ti-lo. Segundo José Ivo Vannuchi, assessordo ministro da Fazenda e supervisor deassuntos parlamentares, são remotas aschances de o projeto ser aprovado em2005.“Já foi um parto demorado aprovaro projeto dentro do governo federal e seráainda mais difícil a negociação no Con-gresso, pois tem gente dentro do próprioPartido dos Trabalhadores (PT) que achaque desvaloriza as empresas de capital na-cional”, adverte Ronaldo Seroa Mota, pes-quisador do Ipea.

Medidas complementares à ReformaJudiciária também constam na agenda dereformas microeconômicas da Fazenda.Entre elas uma que busca diminuir o custode resolução de conflitos por meio de umprojeto de lei para reformar o Código doProcesso Civil e agilizar os processos judi-

22 Desafios • dezembro de 2005

O plano de ação da Fazenda listava como prioridade o aperfeiçoamento da legislação tributária

Maioria governista na Câmara é eventualNúmero de deputados federais por partido

PDT20

PSDB55

PFL61

PT82

PMDB80

PP53

PTB44

PL39

PSB29

PPS15

PCdoB10

PV8

PSC6

PMR2

PSOL7

PRONA2

Fonte: Câmara dos Deputados

Governistas

Oposição

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Desaf ios • dezembro de 2005 23

ciais desestimulando a interposição de re-cursos meramente protelatórios. O objeti-vo é dar maior fluidez e reduzir o prazo nasdecisões judiciais que afetam o ambiente denegócios. O Ministério da Justiça assumiua responsabilidade por fazer as consultaspúblicas e dar forma final à proposta, masencontra dificuldade em cumprir a missão,especialmente devido à resistência da Or-dem dos Advogados do Brasil (OAB), co-mo lembra Armando Castelar,pesquisadordo Ipea. No caso, a culpa não foi dos parla-mentares, mas técnicos do próprio Minis-tério da Fazenda admitem que a crise políti-ca afetou a capacidade de negociação doMinistério da Justiça.

Outro setor que sofreu um baque com odesvio das atenções do Congresso foi o daPrevidência Complementar.A medida pro-visória que criava a Superintendência Na-cional de Previdência Complementar ca-ducou no dia 14 de junho, precisa data emque o então deputado Roberto Jefferson de-pôs na CPMI dos Correios. O objetivo daSuperintendência era criar uma autarquiacom mais recursos financeiros e humanospara supervisionar e fiscalizar os Fundos dePensões.Desnecessário dizer que ninguémno Plenário estava pensando no assunto.“Tínhamos o apoio ostensivo do mercado,que quer e precisa de um órgão fiscalizadormais ágil, mas não houve jeito”, lembraAdacir Reis,que responde pela Secretaria dePrevidência Complementar, ligada aoMinistério da Previdência Social. Com is-so,as cerca de 2,2 mil empresas que patroci-nam fundos de pensão para seus emprega-dos ficam à espera de outra oportunidade.

O final de 2005 se aproxima e é poucoprovável que o governo consiga realizar amesma façanha de dezembro de 2004,quando às vésperas do recesso parlamentarforam aprovadas leis importantes, como ada Inovação, das Falências e as ParceriasPúblico-Privadas. As perspectivas para2006 são piores.“Haverá pouco tempo detrabalho para votar as medidas na áreaeconômica que estão na fila de espera, poiso ano será curto e no segundo semestre oCongresso ficará em estado de suspensão

devido às eleições, que incluirão a reno-vação de um terço do Senado e todos osdeputados federais”, lembra Castelar. Paraele, avançar na agenda de reformas micro-econômicas ajudaria a dar segurança aosempresários e a atrair novos investimentos,o que considera fundamental “para acelerara economia, pois o Brasil está crescendomenos do que outros países em desenvolvi-mento e desenvolvidos”.Segundo Castelar,muitos empresários brasileiros estão inse-guros quanto ao futuro imediato e estão in-vestindo no exterior.

Otimismo Na avaliação de Raymundo Ma-gliano Filho,presidente da Bolsa de Valoresde São Paulo (Bovespa), o fato de a CPMIdos Correios funcionar até abril aumentaráa dificuldade para o governo federal aprovarreformas no Congresso, como a tributária,especialmente porque mexe no pacto fede-rativo em vigor. Otimista, Magliano achaque esse enfraquecimento do Estado acabafortalecendo a sociedade civil,“que passa aocupar novos espaços políticos, em detri-mento do mundo dos políticos”. Foi o queaconteceu quando ficou patente que não se-

ria possível mudar a Lei das SociedadesAnônimas, devido a resistências na so-ciedade e no Congresso:“Nossa solução foicriar o Novo Mercado na Bovespa, com re-gras que atraíram um grupo seleto de em-presas, que assumiram os compromissosde transparência e boa governança corpo-rativa”. Magliano transmite uma críticaque vem do setor financeiro: o governoLula não quis ou não pôde assumir o pa-pel de condutor dessa mudança da Lei dasSociedades Anônimas, que completa 30anos em 2006 e precisa ser atualizada paraficar em sintonia com a modernização domercado de ações.

Para tentar compensar a incapacidadede aprovar a agenda de reformas micro-econômicas e dar um horizonte de tran-qüilidade aos investidores, os ministros daFazenda e do Planejamento colocaram namesa de negociação uma proposta de au-mento do rigor do ajuste fiscal por meio desuperávits bem maiores das contas públi-cas. Na época, o ministro Antonio Palocci,da Fazenda, defendeu a necessidade de umfirme controle dos gastos públicos com oobjetivo de alcançar,em cinco anos,um dé-ficit nominal zero,em que os resultados su-peravitários do orçamento dos três níveis degoverno seriam suficientes para pagar os ju-ros da dívida pública e assim reduzi-lasubstancialmente. A proposta provocoureações adversas dentro do próprio gover-no federal e quem teve de arbitrar a dis-cussão foi o próprio presidente da Repúbli-ca,ao estabelecer metas de superávit maio-res do que queria a Casa Civil,mas menoresdo que as desejadas por Palocci e PauloBernardo, ministro do Planejamento. Aomesmo tempo,era divulgada a pesquisa deopinião da Confederação Nacional dosTransportes (CNT) e do Instituto Sensusmostrando que caiu de 50% em setembropara 46,7% em outubro a fatia da popu-lação que apoiava o desempenho pessoal dopresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tam-bém apontou que 52,7% dos entrevistadosconsideravam inadequada a política econô-mica do governo federal,que mereceu a apro-vação de apenas 35,3% dos entrevistados.

para micro, pequenas e médias empresas, defendida por diversas entidades empresariais

Paulo Skaf, da Fiesp entrega a Renan Calheiros,

presidente do Senado, manifesto pela Lei das MPE’s

José Cruz/ABr

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24 Desafios • dezembro de 2005

É a primeira vez, desde a ditadura mi l i tar, que o governo não tem maioria no Senado

Diante da pressão da militância do PT, daqueda da popularidade do governo e deolho nas eleições de 2006, o caminho foiabrandar o rigor fiscal.

As mais difíceis batalhas do governo noCongresso serão travadas no Senado, ondeos aliados são minoria. Formalmente, osquatro partidos de oposição,Partido da So-cial Democracia Brasileira (PSDB),Partidoda Frente Liberal (PFL), Partido Demo-crático Trabalhista (PDT) e Partido Socia-lismo e Liberdade (PSOL),somam 32 entreos 81 senadores (veja tabela na pág. 21).Masnão é só. Também votam contra o governomuitos dos 20 senadores do Partido do Mo-vimento Democrático Brasileiro (PMDB)e alguns do Partido Trabalhista Brasileiro(PTB).Até a crise provocada pelas denún-cias, o executivo tinha maioria na Câmarados Deputados.Depois disso,só conseguiumobilizar a base aliada para eleger AldoRebelo como presidente da Casa e em pou-cas negociações, como a MP do Bem. Po-rém Giambiagi,do Ipea,acredita que possahaver algumas surpresas por parte da opo-sição em 2006, permitindo aprovar deter-minadas propostas da agenda microeco-nômica do Ministério da Fazenda.“Comoo PSDB tem chance de ganhar as eleiçõespresidenciais em 2006,pode querer aprovarcertas reformas que facilitarão a vida do exe-cutivo de 2007 em diante.” Mesmo assim,vale registrar que a dura atitude do senadorAntonio Carlos Magalhães (PFL-BA), quecomandou,em novembro,a derrota da me-

dida provisória que criava a Super-Receita,indica que o governo federal não terá céu debrigadeiro no Senado. É bom lembrar quedesde a redemocratização no Brasil, comexceção de parte do mandato de FernandoCollor,o governo federal sempre teve maio-ria no Senado.Um impasse que tire a inicia-tiva do governo Lula no Congresso podeacabar rachando o escudo que até agoraprotegeu a economia, em especial os indi-cadores financeiros, do tiroteio na política.

Eficiência A lógica implícita no roteiro dereformas microeconômicas do Ministérioda Fazenda é que boas instituições contri-buem para acelerar o desenvolvimento eco-nômico,que não depende apenas de fatoresmensuráveis, como a taxa interna de pou-pança ou o nível dos juros reais.Segundo odocumento, escrito sob a coordenação deLisboa,“um dos temas dominantes nos tra-balhos recentes sobre desenvolvimentoeconômico é a ênfase da importância dodesenho institucional e legal para o adequa-do funcionamento tanto dos mercadosquanto das políticas públicas”. Um docu-mento mais recente do Banco Mundial, dejulho de 2005, com o título “Onde Está aRiqueza das Nações? – Medindo o capitalpara o século XXI”, vai na mesma direção.“Se uma economia tem um eficiente sistemajudicial,claros direitos de propriedade e umgoverno eficaz, terá como resultado maiorriqueza total e, portanto, maior capital in-tangível”, sustenta o estudo.

Manifestação de previdenciários contra a aprovação da MP 258, que cria a Super-Receita

Wilson Dias/ABr

A outra agenda

Assim como o Ministério da Fa-zenda, a Confederação Nacional daIndústria (CNI) também confeccionouuma agenda mínima de mudanças ne-cessárias para dar competitividade aosetor produtivo brasileiro. O documentofoi divulgado em agosto do ano passa-do, e 16 meses depois, pouco do que foiproposto avançou, tanto no Congressocomo no Executivo Federal.“Nada seráaprovado neste ano. Mesmo assim, tenhoesperança de que possa haver algumavanço em 2006, apesar das eleiçõesgerais”, avalia José Augusto CoelhoFernandes, diretor executivo da CNI. Umadas mudanças que está parada é a domarco regulatório do setor de sanea-mento, essencial para criar um ambienteinstitucional seguro para que os investi-dores privados entrem no setor. Existeum projeto de lei que se encontra na Co-missão Especial da Câmara dos Depu-tados, mas esbarra no enorme conflitoentre os estados e municípios sobrequem tem o poder de fazer a concessãodo serviço.

No caso da complementação da re-forma tributária, Fernandes duvida que oprocesso seja concluído em 2006, masnão lamenta. “Na verdade, estamostorcendo para que não aconteça, poispara resolver as pendências entre go-vernos estaduais, prefeituras e a Uniãovai acabar havendo um aumento da car-ga tributária e o sistema ficará aindamais complexo.”

No caso do aperfeiçoamento da LeiGeral das Micro, Pequenas e MédiasEmpresas, para reduzir a informalidadee a carga tributária, Fernandes acredi-ta que há chances de passar em 2006,mas adverte: “A oposição pode nãoquerer entregar esse doce para o go-verno Lula e tentar obstruir o processo,mas confio que a pressão da sociedadeevitará esse perigo”.

d

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A n t o n i o S e m e r a r o R i t o C a r d o s oARTIGO

á há consenso de que a gestão da ética naadministração pública é fator indispen-sável para a efetividade das políticaspúblicas. Diversos instrumentos foram

criados com esse objetivo, como a Comissão deÉtica Pública, o Código de Conduta da AltaAdministração, dos Agentes Públicos da Presi-dência e Vice-Presidência e do Servidor PúblicoCivil do Poder Executivo Federal, entre outros.

A primeira reflexão que somos levados a fa-zer refere-se ao porquê de tantos instrumentospara tratar do mesmo assunto. Com certeza, issoocorre tanto pela inexistência de consenso acer-ca do que é ético, como pelo próprio anseio so-cial em ter interlocutores éticos e justos.

Dessa forma, paira no ar a “aeticidade”em quese discutem os padrões éticos de conduta e a éti-ca no serviço público, sem que a ética pouse emalgum lugar como condicionante do comporta-mento de políticos, executivos, governantes e ge-rentes. Complexos, comportamentos éticos nãose garantem por meio de códigos de conduta,castrações de direitos ou punições de desvios.Aprópria deontologia administrativa, ciência queestuda quais são os deveres dos administradorespúblicos como guardiões do bem público-cole-tivo, não consegue explicar o desmoronamentodas condutas éticas.

Isso ocorre porque ética, proveniente do gregoethikós, refere-se à essência dos atos humanos etem como objeto a moralidade desses atos, va-riável num contínuo que vai da bondade à malí-cia de comportamentos humanos. Todo pensa-mento ético gravita em torno de duas questõesfundamentais: o bem ou o mal.Assim, ética é ba-sicamente uma questão axiológica, porque dizrespeito aos valores humanos em que o humanodo ser, em linguagem fenomenológica, se sobre-põe ao ser humano.

É possível perceber que são os valores predo-minantes na sociedade brasileira e em seus gover-nantes e políticos os fatores determinantes daqualidade dos serviços públicos. Ilusões e espe-ranças têm se desmoronado e é possível distin-guir três fatores responsáveis por isso.

Antes de tudo, destaque-se que cada um car-

rega consigo mesmo uma hierarquia abstrata devalores que orienta suas escolhas. Pode colocarno ápice da cadeia hierárquica a solidariedade, acomunhão, o interesse público ou, em vez disso,a rivalidade ostensiva, o individualismo exacer-bado e o interesse pessoal. Em segundo lugar,possui uma visão, mais ou menos esquemática,das forças em competição, avaliando as que sesintonizam com seus valores e rejeitando e seopondo às que deles se afastam.

Esses dois fatores são condicionados por umterceiro: o fluxo de informações que se registramno cérebro humano.A globalização da informa-ção pode conduzir à desinformação na medida emque a agilidade e a rapidez desse fluxo,além de suaquantidade em prejuízo da qualidade, levem ad-ministradores públicos a filiar-se a forças destrui-doras de seus valores, impedindo sua realização.

Valores se constroem, destroem e reconstroemem movimento incessante e dinâmico. Nesseprocesso, urge estancar o processo de destruiçãodos valores éticos na administração pública. Pou-sem eles definitivamente em nosso chão, tarefade todos, e não só de um ou de determinadossegmentos da sociedade.

Essa tarefa implica ousadia, coragem, vontadepolítica firme, inclusão social, práticas gerenciaistransformadoras, descentralização de poder e,sobretudo, preservação de valores éticos. Que-remos causar perplexidade para que o leitor, prin-cipalmente se lida com a coisa pública, percebaseu papel como protagonista de mudanças naadministração pública, olhando e garantindo ohumano do ser, principalmente quando o seuhumano pode se contrapor ao humano de outro.Isso significa, portanto, que a ética vai se impormais por um movimento interno das pessoas doque por meio de regras ou instrumentos de tra-balho. O que importa é o uso desses instrumen-tos, preservando o humano. Só assim se finca aética, deixando de pairar esvoaçante.

Antonio Semeraro Rito Cardoso é técnico de planejamento e pesquisa e

ouvidor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Este artigo foi escrito

com a colaboração de Paulo Reis Vieira, Ph.D. em Administração Pública pela

Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos

Ética pública: esvoaçante e sem pouso

“Ética é basicamente

uma questão

axiológica, porque

diz respeito aos

valores humanos em

que o humano do

ser, em linguagem

fenomenológica,

se sobrepõe ao

ser humano”

JDivu

lgaç

ão

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LOGÍSTICA

Estabil idade econômica, taxa de câmbio favorável e até o Protocolo de Kioto estimulam

a cabotagem no Brasil. Pela primeira vez o país reúne uma série de condições necessárias

para realizar o projeto de aproveitar a extensa costa e os largos rios como estradas

sem buracos nem acidentes, que unem os principais mercadores consumidores nacionais

De vento em popa

P o r M a n o e l F r a n c i s c o , d e B r a s í l i a

Cabotagem2 01/12/05 13:42 Page 26

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Desaf ios • dezembro de 2005 27

ons ventos andam soprando paraa cabotagem brasileira e os nú-meros da navegação comercialdoméstica,realizada na costa e em

rios navegáveis,aumentam a um ritmo ele-vado nos últimos anos. Entre 2000 e 2004,o segmento cresceu à taxa média anual de87% e só no ano passado, enquanto o Pro-duto Interno Bruto (PIB) aumentou 4,9%,a cabotagem cresceu 62%.A realidade já éanimadora, e as projeções são mais ainda.Um trabalho do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) avaliou que aquantidade de mercadorias passível de sertransportada por rio e por mar é dez vezesmaior do que a embarcada atualmente. Acabotagem é ideal para levar cargas poruma distância superior a 1.000 quilôme-tros. Se fosse deslocado para o mar o quehoje é transportado por terra, o setor po-deria ter faturado em 2004 a cifra de 311bilhões de reais, o correspondente a dezvezes o que foi efetivamente movimenta-do, segundo observaram os pesquisado-res do Ipea Carlos Alvares da Silva Cam-pos Neto e Marília de Barros Santos.“Es-tamos atravessando um momento bas-tante positivo. Depois de um ano de es-tudos, chegamos à conclusão de que exis-te enorme possibilidade de crescimentodos serviços de cabotagem no Brasil”,afirma Campos Neto.

Estabilidade Antes da metade da décadade 90, com a população e o mercado re-féns de altos níveis de inflação, nenhumempresário se arriscava a transportar seusprodutos por mar devido ao tempo neces-sário para percorrer a costa.A estabilidadeeconômica trouxe o fim da depreciaçãoimediata dos preços, o que ajudou a cabo-tagem. Outro elemento a favor foi a di-minuição da taxa de câmbio. Com ela, otransporte marítimo, que é cobrado emdólar, acabou tornando-se mais competi-tivo se comparado ao preço dos fretes ro-doviários, cobrados em reais. A situaçãodas estradas é o terceiro fator a explicar acorrente de expansão diagnosticada pelospesquisadores do Ipea. O abandono e acrescente deterioração das rodovias têmcada vez mais tirado o sono dos empresá-rios que precisam deslocar suas mercado-

rias da fábrica até os clientes distantes.Con-forme dados da Confederação Nacionaldos Transportes (CNT), cerca de 54,6%das estradas brasileiras encontram-se emestado ruim ou péssimo, aumentando osriscos de acidentes e o tempo das viagens.

O estudo elaborado pelo Ipea mostraque é grande a relação de segmentos da in-dústria que podem se beneficiar com acabotagem. No topo do ranking, figura ocomércio atacadista, seguido das indús-trias de produtos químicos, dos fabrican-tes de produtos alimentícios e bebidas, dasmontadoras e dos fabricantes de produtoseletrônicos (veja gráfico na pág. 29). É o ca-so da LG do Brasil. Há três anos a empre-sa optou pela cabotagem como estratégialogística para atender a seu mercado espa-lhado por todo o território nacional. Comfábricas trabalhando a todo vapor na Zo-na Franca de Manaus, era complicado fa-zer os produtos chegarem aos clientes ape-nas por transporte rodoviário.“Hoje a ca-botagem responde por 40% de nossa mo-vimentação de cargas. Se não fosse ela, se-ria impossível atender a todos os clientesno prazo estabelecido”, explica o gerentede logística da companhia, Carlos AlbertoPontes Pinto e Silva. São aproximadamen-te 400 contêineres por mês percorrendo orio Amazonas, contornando o nordestebrasileiro e finalmente aportando nos ter-minais de Santos.A viagem dura cerca de18 dias, oito a mais do que levaria pelas es-tradas, mas o custo e a segurança acabampor compensar. Silva afirma que, apesardos preços de cabotagem serem atraentes,os valores praticamente se equivalem aosdo transporte rodoviário, uma vez que acarga demora mais para chegar a seu des-tino. Ele sugere que novas políticas de in-centivo sejam criadas para aumentar a ri-validade com o modal rodoviário a pon-to de a redução nos gastos com transporterefletir-se em melhores preços para o con-sumidor final.

Porém, tornar a cabotagem mais com-petitiva não é tarefa simples. Seriam neces-sárias providências em diversos setores,apontam os especialistas. Uma das priori-dades é acabar com os entraves burocráti-cos enfrentados pela tripulação das em-barcações.“Há uma longa fase a cumprir

B

O porto de Suape, no Estado de

Pernambuco, está localizado a uma

distância de 800 quilômetros dos

principais centros de consumo da região

Divulgação

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28 Desafios • dezembro de 2005

Os números da navegação comerc ia l domést i ca vêm sub indo a um r i tmo e l evado.

de trechos fluviais navegáveis. Dispor demais navios para transporte de carga, noentanto, é bastante difícil. Devido ao altocusto das embarcações, os estaleiros pre-cisam de capital, e qualquer valor acima de40 milhões de dólares requer um financia-mento do Fundo de Marinha Mercante(FMM), liberado pelo Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social(BNDES), difícil de ser conseguido em ra-zão da demora no processo e das garan-tias necessárias. Para Cláudio Décourt, vi-ce-presidente executivo do Sindicato Na-cional das Empresas de Navegação Marí-tima (Syndarma), os procedimentos sãodemorados a ponto de os estaleiros desis-tirem da obtenção de recursos.“O proble-ma não é o tempo de construção, que po-de superar dois anos. É o tempo de libera-ção dos recursos. Infelizmente, o BNDEStem sido extremamente lento na análisedesses projetos, o que acaba comprome-tendo o mercado”, explica Décourt. O Sin-

em cada terminal que, em muitos casos, étotalmente desnecessária. O setor portuá-rio brasileiro ainda é carente de atividadesespecíficas para cabotagem. Com elas, otempo economizado seria enorme”, obser-va Meton Soares, diretor da FederaçãoNacional das Empresas de Navegação Ma-rítima, Fluvial, Lacustre e de Tráfego Por-tuário (Fenavega) e vice-presidente do se-tor aquaviário da CNT. E não é somente acomplexidade burocrática que atrasa ascargas. Segundo Soares, o que falta é umapolítica nacional para o transporte marí-timo.“O país virou as costas para o mar,desprezando seu enorme potencial. Salvoraras exceções, os operadores portuáriostrabalham com maquinário completa-mente obsoleto. O país precisa criar ma-turidade, perceber que tem dimensõescontinentais e, então, vai ganhar muitocom a cabotagem. Pense só na quantida-de de postos de trabalho que podem serabertos.”

Contêineres Faz sentido. O setor atraves-sa uma situação curiosa: há demanda efaltam elementos essenciais para atendê-la. Investir em seu desenvolvimento am-pliaria rapidamente a oferta de vagas nomercado de trabalho, além, é claro, de fa-cilitar o escoamento da produção. Em pri-meiro lugar, o país é vítima da carênciamundial de contêineres, provocada espe-cialmente pela China, principal compra-dor mundial de aço, a matéria-prima doproduto. Enquanto o custo da produçãode cada unidade no mercado internacionalestá na casa dos 800 dólares, aqui um con-têiner não sai por menos de três mil dó-lares.“O Brasil chegou a contar com umaempresa fabricante de contêineres, mas elafoi desativada. Essa é uma questão sériaque o país precisa resolver o quanto antes”,enfatiza Soares.

Como se isso não bastasse,também fal-tam navios para cobrir os mais de oito milquilômetros de costa marítima e os 15 mil

A Aliança Navegação é uma das três empresas que mantêm rotas fixas e periódicas entre os portos brasileiros

Divulgação

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dicato Nacional das Indústrias de Cons-trução Naval (Sinaval) não esconde: o marestá para peixe, mas não para tubarões. Osestaleiros superaram a crise de anos atráse mantêm-se ocupados construindo em-barcações de pequeno e médio portes, ede apoio marítimo, mas faz anos que nãorecebem encomendas para a construçãode grandes navios. Sem navios novos emoperação,as cargas continuam sendo trans-portadas por embarcações ultrapassadas,de segunda geração,com capacidade de até1,2 mil contêineres.“Há um enorme dese-jo dos produtores de expandir a cabota-gem no país, afinal não faz sentido trans-portar dezenas de milhões de toneladaspor rodovias”, ressalta Paulo FernandoFleury, diretor do Centro de Estudos emLogística do Coppead,da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (UFRJ).

Algumas novidades, porém, podemtransformar esse quadro.“É fato que os es-taleiros não recebem encomendas de gran-des embarcações para cabotagem desde1996. Mas agora, após diminuirmos a taxade juro para os financiamentos de cons-trução de embarcações de carga de um tetode 7% ao ano para um piso de 2,5%, e comalgumas simplificações das exigências,creioque os armadores vão passar a investir naconstrução de navios desse porte”, torceSérgio Bacci, secretário de fomento do Mi-nistério dos Transportes e ex-diretor doFMM. No ano que vem, além do BNDES,o FMM vai contar com o Banco do Nor-deste, o Banco do Amazonas e o Banco doBrasil como agentes financiadores.

Mas o maior impulso à indústria navalveio da Transpetro (subsidiária de trans-portes da Petrobras),que anunciou a enco-menda de 42 navios petroleiros. Só no pri-meiro lote do negócio,que deve movimen-tar quase dois bilhões de dólares,serão lici-tados 26 navios de apoio a embarcações off-shore, destinados ao transporte de supri-mentos e passageiros. O investimento esti-mado para a construção desses navios é de430 milhões de dólares e implicará na gera-ção de pelo menos 25 mil novos empregos.Outra transportadora que também avisou

que vai às compras é a Aliança Navegação,uma das maiores do país. Ela pretendeadquirir quatro navios para cabotagem aocusto de 60 milhões de dólares cada uni-dade. Entretanto, Mathias Staubli, gerentede marketing da Aliança,diz que,apesar deas negociações estarem adiantadas, o pro-jeto ainda não saiu do papel.A empresa, li-gada ao grupo alemão Hamburg-Süd, é oprincipal armador nacional, com fatura-mento de 665 milhões de dólares em 2004e sete navios em operação. Os outros doisarmadores em atividade são a Docenave,daCompanhia Vale do Rio Doce, com cinconavios; e a Mercosul Line, da dinamarque-sa Maersk Sealand, que recentemente ad-

quiriu o grupo P&O Nedlloyd por 2,3 bi-lhões de euros, operando com dois navios.Essas três empresas são as únicas que dis-põem de rotas regulares para cabotagemmarítima e fluvial com saídas semanais dosprincipais portos do país.

Além da resolução dos problemas enu-merados por estaleiros e transportadores,existem algumas estratégias que pode-riam colocar mais vapor na caldeira da ca-botagem nacional. Uma delas seria a cria-ção de um porto concentrador, ou hubport, no país. Esse tipo de porto recebe to-da a importação e a exportação, e realizao transbordo da carga de um navio estran-geiro para um de bandeira brasileira, que

Só no ano passado, enquanto o P IB aumentou 4 ,9%, a cabotagem cresceu 62%

Comércio atacadista 14,1%14,1%

Produtos químicos 11,6%

Alimentos e bebidas 10,9%

Automobilístico 10,2%

Material eletrônico 10,1%

Máquinas e equipamentos 6,9%

Metalúrgica básica 5,5%

Plástico e borracha 3,6%

Setores com maior potencial

de utilização de cabotagemPercentual das cargas que poderiam ser transportadas por mar e rio

Fonte: Ipea

Cabotagem PIB

2000 2001 2002 2003 2004

281%

61%

13% 20%

62%

4,36% 1,31% 1,93% 0,54% 4,90%

Comparação entre crescimento

da cabotagem e do PIB

Fonte: Docenave

Cabotagem2 01/12/05 13:44 Page 29

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30 Desafios • dezembro de 2005

A e n c o m e n d a d e 4 2 n a v i o s , p e l a Tr a n s p e t r o , d e v e g e r a r 2 5 m i l e m p r e g o s

porto responsável pela movimentação de26,8% da balança comercial brasileira.Das pouco mais de 67 milhões de tonela-das que Santos movimentou no ano pas-sado, cerca de 9,6 milhões foram de cabo-tagem. O acumulado até setembro desteano já passa de 6 milhões de toneladas.

Carbono Mas Santos não é o único a tra-balhar na busca de alternativas para incre-mentar a competitividade.O porto de Sua-pe, no estado de Pernambuco, está locali-zado a um raio de 800 quilômetros dosprincipais centros de consumo da região ea quatro mil milhas marítimas dos grandescentros de distribuição do planeta.Assim,ele também é um forte candidato a hub portbrasileiro, e seu calado de 15,5 metros fa-cilita o acesso das embarcações de últimageração. O porto de Salvador é outro quedeve receber novos investimentos. Segun-do dados da Companhia Docas do Estadoda Bahia (Codeba), devem ser aplicadoscerca de 70 milhões de reais para resolveras dificuldades de acesso aos terminais.Es-timulada pela presença da Ford no estado,a Aliança Navegação espera encerrar 2005movimentando,em Salvador,30 mil TEUs

leva a mercadoria a outros portos nacio-nais.A pesquisa do Ipea apontou grandesperspectivas na implantação de um hubport, considerando que, em 2004, o paísatingiu a cifra de 50 bilhões de dólares depotencial de crescimento de cabotagempor meio do transbordo de cargas.De olhona possibilidade, a Companhia Docas doEstado de São Paulo (Codesp) tomou ainiciativa de diminuir pela metade suas ta-xas na tabela de preços de infra-estruturaportuária. A medida ainda depende deaprovação do Conselho de AutoridadePortuária de Santos, mas tem tudo paradar certo: um estudo realizado pela áreacomercial e de desenvolvimento do portoindicou que a aplicação do incentivo gera-ria um aumento na movimentação de car-gas de 10,9%, o equivalente a 172 mil con-têineres.“É imprescindível,no entanto,queocorra a união de esforços de todos os en-volvidos na prestação dos serviços paraangariar de fato esses contêineres e daquiredistribuí-los a outros pontos. Queremosque essa tendência se consolide até comomeio para repensar a matriz de transporteno país”, destacou Fabrízio Pierdomênico,diretor comercial e de desenvolvimento do

Texto para discussão do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada: Perspectivas do Crescimentodo Transporte por Cabotagem no Brasilwww.ipea.gov.br/pub/td/2005/td_1129.pdf

Saiba Mais

(unidade padrão de contêiner de 20 pés).Mas quem pensa que apostar as fichas

na cabotagem é tão-somente uma estraté-gia comercial está enganado, também háum aspecto ambiental. Transferir o trans-porte de cargas da terra para o mar ajudaa reduzir os níveis de poluição no planeta.Pesquisadores da Codesp desenvolveramum estudo para verificar a quantidade degases tóxicos lançados na atmosfera peloscaminhões e a compararam com a dos na-vios. Os resultados foram espantosos. Du-rante o período de um ano, aproximada-mente 2,5 milhões de toneladas de dióxi-do de carbono são lançadas no ar pelosveículos de carga que trafegam nas estra-das fazendo o trajeto Santos–Fortaleza. Onúmero poderia praticamente sumir coma cabotagem, já que o índice de poluiçãono modal marítimo é 99% menor do queno rodoviário.As partículas são as respon-sáveis diretas pelo chamado efeito estufae, conseqüentemente, pelo aquecimentoglobal. Consta, num dos itens do Pro-tocolo de Kioto, que os países em desen-volvimento, como o Brasil, podem “ven-der” sua economia de poluentes para paí-ses que ultrapassam o limite de emissão degases, como o Japão e boa parte da UniãoEuropéia. Então, ao desviar das estradaspara o mar a carga do trecho Santos–For-taleza, o Brasil receberia como “recompen-sa”cerca de 10 milhões de dólares da Agên-cia Internacional de Energia via Ministérioda Ciência e Tecnologia.“Nossa visão nãoestá focada primordialmente nos créditosem dólar.Para nós,a discussão sobre políti-cas públicas para diminuir a poluição noglobo é muito mais importante”, salientouAluízio de Souza Moreira, engenheiro daCodesp responsável pelo projeto.

O Porto de Santos é o mais forte candidato a ser transformado em hup-port

Manoel F.F. Souza/CODESP

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Cabotagem2 02/12/05 07:29 Page 30

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32 Desafios • dezembro de 2005

COMÉRCIO ELETRÔNICO

longo de 2005, quando as vendas deverãoatingir 9,8 bilhões de reais, justifica talotimismo. A previsão é da CâmaraBrasileira de Comércio Eletrônico (Cama-ra-e.net), baseada no Índice de Varejo On-line (VOL), calculado anualmente em par-ceria com a E-Consulting, consultoria es-pecializada no setor de comércio eletrôni-co. Se confirmado o resultado, o movi-mento do varejo eletrônico deste ano será31% superior ao de 2004, um índice queraros setores do comércio tradicional con-seguirão ostentar.

No ano passado, o comércio de varejopela Internet movimentou 7,6 bilhões dereais, liderado pelos setores automobilísti-co (4,3 bilhões de reais, ou 62,45% do to-tal), de bens de consumo (2,1 bilhões dereais, ou 23,12%) e de turismo (1,2 bilhãode reais, ou 14,43%)(veja gráfico na pág.

36). O setor que mais cresce é o de varejode bens de consumo, que deverá movi-mentar 3,5 bilhões de reais neste ano, umaumento de 67% sobre 2004, de acordocom os cálculos de Cid Torquato, diretorexecutivo da Camara-e.net, entidade fun-dada em 2001, que possui 160 sócios, en-tre as principais empresas voltadas para ocomércio eletrônico. Segundo Torquato,as vendas eletrônicas representam 3,6%do total do faturamento do comércio va-rejista no Brasil. Mas o alcance da Interneté ainda maior, pois muitas pessoas usamesse instrumento para pesquisar preços eprodutos antes de fazer a compra por umcanal tradicional, como as lojas físicas ouum sistema de televendas. Nas contas daCamara-e.net, o universo de pessoas quefazem compras orientadas pela Internetdeve atingir 15 milhões de internautas,com um movimento de 18 bilhões dereais, ou 10% do varejo total.“A importân-cia da Internet no processo de tomada dedecisão de compra do consumidor temcrescido constantemente. Cada vez mais,antes de sair de casa, o consumidor estáacessando a Internet para saber o que fa-zer,para onde ir,o que comprar,onde com-prar, quanto pagar”, destaca Torquato.

De acordo com levantamentos da In-

s empresas brasileiras que apos-taram na Internet como canal devendas não estão preocupadascom a crise política e esperam o

melhor Natal de todos os tempos. O Sub-marino, empresa de capital aberto queopera exclusivamente no varejo eletrôni-co, calcula que as vendas no período nata-lino crescerão cerca de 50% em relação aoano passado. O desempenho do setor ao

aceleradoBit

As vendas no varejo através da Internet batem recordes

sucessivos no Brasil e devem movimentar 9,8 bi lhões de

reais em 2005, apoiadas numa base de 25 milhões de

internautas, dos quais 4,3 milhões fazem compras on-l ine

p o r K a t j a P o l i s s e n i , d e B r a s í l i a

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34 Desafios • dezembro de 2005

sider Information, outra pesquisa desen-volvida pela Camara-e.net em parceriacom a E-Consulting, 21,2% dos internau-tas utilizam a Internet como ferramenta decompra. Em 2004, eram 4,3 milhões decompradores on-line de um total de 20,3milhões de internautas. Há, portanto, umuniverso de 15 milhões de consumidores aser conquistado por empresas que investemno comércio eletrônico. A taxa de cresci-mento médio do comércio eletrônico noBrasil é de 39% por ano,segundo a consul-toria Forrester Research, dos Estados Uni-dos, e supera a do mercado norte-ameri-

cano, da ordem de 14% anuais. Torquatoacredita que o Brasil e o mundo estão as-sistindo a um rápido crescimento da digi-talização de processos em todos os níveis,“desde a vida pessoal até os principais se-tores da economia e da sociedade”. Asações de comércio eletrônico na esfera go-vernamental (e-Gov) e entre empresas(B2B, de business to business, em inglês)também crescem num ritmo acelerado.

E-business Para medir a evolução dos ne-gócios on-line entre empresas, a Camara-e.net e a E-Consulting criaram o índice

B2BOL, que representa a soma dos vo-lumes de transações por meio eletrônicoentre empresas. Em 2004, as transaçõesB2B totalizaram 109,5 milhões de reais edeverão atingir 257 milhões de reais em2005, com uma expansão de 32%.As em-presas procuraram modernizar a comu-nicação com clientes e fornecedores, o queexplica o avanço do comércio eletrônicoB2B, segundo Richard Lowenthal, presi-dente da Associação Brasileira de E-busi-ness, que reúne 120 empresas de diferentessetores da economia.A entidade produziuo relatório “Perfil do e-business no Brasil”,

A taxa de crescimento anual do comércio eletrônico no Brasil é de 39%, deixando para trás Ilu

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pesquisadores projetaram três cenários decrescimento para a Internet no Brasil. Opior deles prevê um crescimento anualmédio de 12% na base de internautas bra-sileiros, passando de 12 milhões de pes-soas em 2001 para 37,2 milhões em 2011.

O estudo considerou dados do Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), segundo os quais a populaçãobrasileira, em 2001, era de 172,3 milhõesde habitantes, e estima-se que serão 199,9milhões em 2011. O cenário intermediá-rio, mais plausível, na avaliação do pes-quisador, prevê um crescimento anual de16% no número de cidadãos com acessoà Internet, atingindo, em 2011, um univer-so de 52,9 milhões de internautas no Bra-sil, ou 26,5% da população. O cenário

otimista projeta um crescimento anual daordem de 20%, chegando a um grupo de74,3 milhões de brasileiros ligados à In-ternet até 2011, ou 37,2% da populaçãototal projetada.

Para apoiar as conclusões do estudo,Felipini destaca que o instituto de pesquisanorte-americano Yankee Group calculapara o Brasil um universo de 42,3 milhõesde internautas já em 2006, segundo o es-tudo “A segunda onda: o cenário dosusuários da Internet no Brasil”. Para Feli-pini, “a Internet passou a fazer parte denossa vida. Uma vez incorporada aos há-bitos de compras do brasileiro, terá aindamaior penetração”. Em sua avaliação, ocomércio eletrônico continuará elitizadonos próximos 15 anos, com maior pene-

2002 2003 2004 2005*

4,2

5,1

7,5

9,8

Índice do varejo on-lineCalculado pela E-Consulting e pela Camara-e.net

(*) projeção Fontes: E-Consulting e Camara-e.net

apresentando uma radiografia das ativi-dades em 2004. O documento revelou queo setor automotivo é o líder no B2B, pois21% das vendas entre empresas foramfeitas eletronicamente, envolvendo forne-cedores de peças, distribuidoras e monta-doras. Em média, 20% das empresas quesão clientes das indústrias de autopeças jáfazem compras por meio eletrônico. Nototal, o setor automotivo movimenta me-tade do comércio eletrônico entre empre-sas brasileiras, segundo a pesquisa, feitacom 46 empresas. A modernização, po-rém, ainda não atingiu o mercado de re-posição de autopeças no varejo (distribui-dores), afirma Lowenthal.“A utilização deferramentas eletrônicas no relacionamen-to entre as empresas é incipiente e a maiorparte ainda opta pela forma convencionalde fazer negócio. A grande barreira paraque o B2B cresça é a cultura interna dasempresas, de resistência às novas tecnolo-gias, às ferramentas de automatização. Éimportante que o empresário saiba que onegócio eletrônico não vai substituir orelacionamento. É uma questão opera-cional que libera o tempo do vendedor/-comprador para desenvolver estratégias”,avalia.Segundo ele,as empresas mais tradi-cionais começaram a investir em comércioeletrônico pouco depois das chamadasempresas ponto-com. “Havia um receionatural, mas alguns projetos no segmentode comércio eletrônico desenvolvidos porempresas tradicionais, já consolidadas, ge-raram êxito e estimularam os demais em-presários”, sustenta Lowenthal.

Cenários O crescimento na base de inter-nautas e a descoberta das vantagens dascompras on-line são o combustível para oexpressivo crescimento do comércio ele-trônico no Brasil, afirma Dailton Felipini,professor de comércio eletrônico da Uni-versidade Ibirapuera de São Paulo e mes-tre em administração pela Fundação Ge-tulio Vargas. Em estudo realizado no finalde 2001 para o Centro Incubador de Em-presas Tecnológicas da Universidade deSão Paulo (Cietec/USP), Felipini e outros

2002 2003 2004 2005*

109,5

136,6

195,2

257,4

Volume de transações on-line entre empresas(R$ bilhões)

(*) projeção Fontes: E-Consulting e Camara-e.net

a expansão de 14% anual registrada nos Estados Unidos, segundo a Forrester Research

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tração nas classes A e B de consumidores.Ele acredita, no entanto, que a chamadainclusão digital, estimulada por políticasgovernamentais e pelo meio empresarial,incorporará gradativamente a esse merca-do as classes C e D de consumidores.“Épor isso que empresas tradicionais, comoas Lojas Americanas e diversas livrarias,passaram a investir na Internet como ca-nal de vendas, o que demanda uma gran-de adaptação ao novo ambiente, sobretu-do no controle da logística de distribui-ção”, avalia Felipini.

A E-bit, empresa de pesquisa de mar-keting, coletou, desde o ano 2000, mais de2 milhões de avaliações de internautas quefazem compras pela Internet. Seus dadostêm sido utilizados por entidades como aCamara-e.net e a Associação Brasileira deE-business e por pesquisadores das uni-versidades brasileiras. A empresa acom-panhou, por quatro anos, até o final de2004, a evolução do comércio eletrônicoe traçou um perfil do consumidor dovarejo on-line. Segundo o estudo, 67%dos e-consumidores têm entre 25 e 49anos de idade e possuem renda média fa-miliar mensal de 3,9 mil reais, sendo que37% estão na faixa de renda entre 3 mil e8 mil reais e 31% na faixa de 1.000 a 3 milreais. O estudo aponta ainda que apenas5% dos e-consumidores têm renda fami-liar mensal inferior a 1.000 reais. A E-bitdetectou também que os consumidoresdo sexo masculino são o principal públi-co das lojas virtuais. Eles representam71% das pessoas que costumam comprarpela rede.

Pesquisa Para a advogada Cristina Tim-poni Cambiaghi, de 31 anos, a praticidadee a economia de tempo, a flexibilidade nohorário de atendimento e a possibilidadede fazer pesquisa de preços são os princi-pais estímulos para que ela opte pelo co-mércio eletrônico na hora de comprarlivros, CDs, presentes, passagens aéreas eaté eletrodomésticos. Mãe de uma meninade 6 meses de idade, a Internet foi incor-porada a seu dia-a-dia durante a gravidez

36 Desafios • dezembro de 2005

O per f i l do consum idor do vare j o on- l i n e reve l a que tem de 25 a 49 anos , com

Automotivo Bens de consumo

Turismo

62,5%

23,1%

23,1%

Participação

do e-commerce no

faturamento do setorPrimeiro semestre de 2005

Fontes: E-Consulting e Camara-e.net

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Desaf ios • dezembro de 2005 37

e nos quatro meses de licença-materni-dade.“Mesmo sem babá para me ajudar,comprei um freezer pela Internet, toalhas,cosméticos e até fraldas e algodão.A gran-de vantagem é que os sites são ágeis e, ge-ralmente, a entrega é feita em dois dias”,diz. Para ela, outro ponto positivo das lo-jas virtuais é a possibilidade de conhecermelhor o modelo, as especificações técni-cas e as opções do mesmo tipo de produ-to, por exemplo, na compra de eletrodo-mésticos, o que nem sempre é possível nu-ma loja convencional. No caso de pas-sagens aéreas, a comparação de preços e aspromoções relâmpagos colocam a Internetcomo principal ferramenta de compra.

Licitações Os negócios pela Internetcrescem também no segmento de compraspúblicas. O setor governamental brasileirotem investido na Web como ferramentados negócios com fornecedores e presta-dores de serviço.O e-Licitações, índice queapura a soma do valor negociado por go-vernos por meio de licitações executadastotalmente através da Internet, registrouum movimento da ordem de 844 milhõesde reais no primeiro semestre de 2005,val-or 76% superior aos 480 milhões de reaisnegociados no mesmo período de 2004. Oíndice é calculado pela empresa FlorenciaFerrer Pesquisa & Consultoria, em parce-ria com o Núcleo de Estudos e Desenvol-vimento em Governo Eletrônico (NED),da Fundação de Desenvolvimento Admi-nistrativo (Fundap) e da Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp), e divulgado com o apoio daCamara-e.net. O indicador se baseia nos

resultados dos pregões eletrônicos realiza-dos nos portais ComprasNet (GovernoFederal), Licitanet (Governo de MinasGerais), Bolsa Eletrônica de Compras doEstado de São Paulo, Licitações-e (Bancodo Brasil), ComprasRS (Rio Grande doSul), e nas cidades de São Bernardo doCampo (SP), Jundiaí (SP), Itajaí (SC) eFlorianópolis (SC).Essa amostra represen-ta, respectivamente, 100% do universo decompras eletrônicas no nível federal, 50%estadual e 60% municipal. Os resultadosobtidos pelo governo do estado de Per-nambuco e pelas prefeituras de São Ber-nardo do Campo e Jundiaí são os mais ex-pressivos do estudo. Segundo levantamen-to da Camara-e.net, eles têm em comumuma plataforma chamada WBC Public, daempresa Paradigma Absolute E-business,que permite o acompanhamento externo,a ampliação da base de fornecedores e me-lhores condições para que pequenas em-presas tenham acesso aos processos decompras públicas.

O mercado governamental de compraseletrônicas recebeu um impulso adicionalem julho,quando o governo federal tornoua modalidade do pregão eletrônico (lici-tação por Internet) obrigatória nas comprasde bens e serviços comuns, por meio doDecreto n.º 5.450.A modalidade só podeser utilizada para compras de bens e ser-viços comuns, ou seja, aqueles que podemser oferecidos por diversos fornecedores ecomparados entre si. Estão excluídas dopregão as contratações de produtos ou ser-viços complexos, como obras de engenha-ria,pois o menor preço nem sempre é a me-lhor opção para a contratação.Em agosto ogoverno federal publicou outro decreto queestendeu a obrigatoriedade do uso de pre-gão eletrônico para estados, municípios eentidades privadas que compram bens eserviços de uso comum quando a transaçãofor feita com recursos públicos da União,repassados por meio de transferências vo-luntárias, via convênio, inclusive para con-sórcios públicos. Foi mais um empurrãopara aumentar a velocidade de expansão docomércio eletrônico no Brasil.

r e n d a fam i l i a r me n s a l mé d i a d e 3 , 9 m i l r e a i s , s e n d o 7 1% d o s exo ma s c u l i n o

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conteceu e muitos já esperavam,mudos,que o fogo da febre aftosaconsumisse o rastilho de pólvoraespalhado em área supostamente

protegida, até explodir na fazenda dos Ve-zozzo, no estado do Mato Grosso do Sul,maior produtor brasileiro de bovinos. Nãofoi praga rogada nem só mistura malfeita deparcos dinheiros públicos com malícia em-presarial.A sopa tem pitadas de cobiça e atéde certo despreparo no caldo de exporta-

ções de carne vermelha,que,mesmo com acrise,deverá espetar,em 2005,uma papele-ta de 3 bilhões de dólares na planilha dascontas nacionais.Todo mundo tem algumasolução para o problema.As sugestões vãodesde aumentar o contingente de 4,5 mil fis-cais federais agropecuários que atestam aqualidade dos alimentos até a criação de no-vas obrigações para os pecuaristas.

Em meio ao rol de acusações provocadaspelo surgimento da doença,um estudo ela-

borado pelo Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea) mostra que é precisoavançar muito além dos regulamentos e damáquina burocrática.O texto “Certificaçãoe rastreabilidade no agronegócio: instru-mentos cada vez mais necessários”, assina-do por Júnia Cristina da Conceição,pesqui-sadora do Ipea, e por Alexandre LahózMendonça de Barros, professor da Funda-ção Getulio Vargas (FGV) de São Paulo,re-sultou de pesquisa de campo, realizada no

AGRONEGOCIO´

Boi na linha

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segundo semestre de 2004, com o objetivode descobrir qual o padrão tecnológico dapecuária brasileira em suas principais re-giões produtoras.Visitas a São Paulo, MatoGrosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Tocan-tins,Goiás,Minas Gerais e Paraná cobriram12 mil quilômetros, abrangendo fazendas,frigoríficos exportadores, centrais de inse-minação e encontros com pecuaristas.

O trabalho in loco e a reflexão dos pes-quisadores produziu uma análise quase

profética,que antecipava a possibilidade deeclosão de novos surtos de aftosa, como oque ocorreu pouco antes de o texto ser pu-blicado. Mendonça de Barros traz para oprimeiro plano o contexto do estudo:“His-toricamente, nós sempre exportamos açú-car, café, e em 1970 passamos a exportarlaranja. Mas praticamente não estávamosno mercado internacional de zootecnia,ani-mal. Foi uma confluência de fatos”. Eprossegue:“A crise da vaca louca,associada

à desvalorização cambial de 1999, abriuuma brecha no mercado internacional decarne vermelha que o Brasil ocupou comuma competência extraordinária”.

O professor lembra que, em 1998, ex-portávamos cerca de 500 mil toneladas decarne vermelha e saltamos para 2,8 milhõesde toneladas em 2004 (veja gráfico na pág.

41), quantidade próxima à produzida pelaAustrália.“O processo se deu numa veloci-dade extraordinária”, observa Mendonça

Trabalho do Ipea constata os problemas de contro le de qual idade na produção de

carne bov ina no Bras i l e mostra a necess idade de avançar a lém dos regu lamentos

burocrát icos para um novo s istema de rastreamento e cer t i f i cação, com adesão

vo luntár ia dos produtores

P o r A n t h o n y d e C h r i s t o , d e S ã o P a u l o

O controle sanitário é maior nos rebanhos de bovinos que produzem a carne vermelha destinada à exportação

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40 Desafios • dezembro de 2005

Não ex i s te f i sca l i zação capa z de contro lar a qua l i dade de um rebanho bov ino de

pode representar, segundo os otimistas,40% do abate de gado no Brasil.

Mesmo assim, o estudo publicado peloIpea atesta que o expressivo aumento dasexportações brasileiras de carne bovina fezcrescer,na mesma proporção,o número deanimais rastreados.A demanda da indús-tria frigorífica promoveu a diferenciação depreço do boi rastreado, e o prêmio pago aoprodutor serve para compensar os custosadicionais do controle do rebanho. Porém,nem sempre esses custos são efetivamentecompensados. Sobretudo porque a escalade exportação é instável e o prêmio variacom a demanda, enquanto as despesas derastreamento não podem ser interrompi-das, por motivos evidentes.

Na matemática de custo mais alto comrisco de prêmio, abre-se espaço para umaparcela que mascara o processo.A pesquisade campo,citada no trabalho de Conceiçãoe Mendonça de Barros, comprovou clara-mente que, em algumas regiões, vigora aprática corriqueira de colocar os brincosnos animais apenas no momento do abate.O problema é grave, por isso Conceiçãoalerta que “não é apenas um selo colado aoproduto que vai garantir sua qualidade”. Eexemplifica:“É preciso ter laboratórios con-fiáveis e reconhecimento internacional dacertificação. Temos um caminho longo atrilhar”. É possível consolidar no país umacultura de certificação e rastreamento de ali-

lhões de quilômetros quadrados,muitas de-las com livre trânsito em fazendas que in-cluem as fronteiras secas com países ondeas práticas sanitárias estão longe de qual-quer inspeção.Existem,além disso,os pro-blemas do sistema de controle sanitário,co-mo a carência de instituições certificadoras,até mesmo em regiões declaradas com riscode aftosa,um único laboratório de referên-cia para atestar a doença – o Lanagro, deBelém, no estado do Pará –, um imperfeitomercado interno de comercialização e aclandestinidade que está na boca do povo e

de Barros.“E aí é que está a questão funda-mental, eu acho que o Brasil não estavapreparado, do ponto de vista sanitário e deseus sistemas, para dar conta da repentinaentrada no mercado internacional.”

A aftosa é uma moléstia problemática.Não afeta o ser humano, mas atingiu emcheio o mercado.As ações negociadas embolsa de valores de uma série de empresas,até mesmo as da Sadia,que atua nas cadeiasde suínos e de aves, sofreram o impacto dacrise sanitária do boi.E o mundo descobriua fragilidade de nossa estrutura de defesasanitária, de organização e normatização –em que o Brasil tinha tradição de qualidade,enfraquecida ao longo do tempo pela apli-cação de menores recursos e pelas maioresexigências comerciais.

Há três anos, o Ministério da Agricul-tura, Pecuária e Abastecimento começou aimplantar o Sistema Brasileiro de Identi-ficação e Certificação de Origem Bovina(Sisbov), primeiro obrigatório, depois vo-luntário,saudado como o suporte de quali-dade às grandes oportunidades de expor-tação. O sistema é simbolizado pelo brincode identificação cravado em cada boi, donascimento ao abate, e por um cadastro derastreamento da vida sanitária dos animais.Porém, apesar de reconhecidos sucessos, oSisbov defronta-se com as dimensões e osvícios do país real.Mira um rebanho de 150milhões de cabeças espalhadas em 8,5 mi-

53%

27%

18% 17%13% 12%

9%6%

Milho Carne suína Açúcar Soja em grãos Frango Algodão Carne bovina Total agrícola

Fonte: Economic Research Service/United States Department of Agriculture

Crescimento anual médio das exportações brasileiras entre 1999 e 2003 (em valor)

Produtores só colocam o brinco na hora do abate

Edeson Souza

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mentos, derivados e produtos equivalenteà dos mercados externos que o Brasilatende.“Mas os processos de certificaçãoenvolvem custos”, diz Conceição,“e essescustos só serão assumidos pelos produto-res se houver real expectativa de ganhoscom tais práticas.”

O desafio de fazer com que produtorescumpram os processos de certificação levaà pergunta central do trabalho do Ipea: aspolíticas de certificação e rastreabilidade de-vem ser mandatórias ou de adesão volun-tária? A experiência internacional, segun-do os autores, sugere que há espaço para asduas estratégias, mas adverte que cada umprecisa cumprir a sua parte para que os con-correntes não avancem sobre as saborosasfatias de consumidores do mercado global.Especialmente porque a inteligência agroin-dustrial brasileira já constatou que,emboradurante muitos anos tenha sido possível aoBrasil suportar serviços competentes e bemaparelhados de garantia, proteção e defesafitossanitária,amarrados em regulamentoscartoriais e tributários,muitos vieses globaisde segurança e qualidade de alimentos jánão podem ser assegurados apenas peloEstado.Especialmente após o Acordo sobreBarreiras Técnicas ao Comércio (TBT, dasiniciais em inglês) e a criação da Organi-zação Mundial do Comércio (OMC),no fi-nal de 1993.

Isso quase todos sabem. E, para quem

não sabia, o ministro da Agricultura, Ro-berto Rodrigues, já considerava, em maiopassado, que “colocar um fiscal em umfrigorífico recebendo um salário risível tam-bém pode permitir que ele seja controladopela empresa”. Rodrigues acha que nãopodemos ter um Estado monumental,e ex-emplifica:“Se nós tivermos 15 mil frigorífi-cos no país,temos de ter 15 mil fiscais? Pre-cisamos de um modelo flexível,moderno eeficaz.O que importa é garantir a qualidadepara os consumidores do Brasil e do exte-rior”. Os fatos e o embaraço da crise da

aftosa – que não é a primeira e não deveráser a última – expõem a céu aberto o desafiodo país de sustentar o firme crescimento dasexportações e o mercado interno ampliadoapós o Real,de certificar,rastrear e atestar aqualidade de suas cadeias produtivas.

Existem, porém, iniciativas no agrone-gócio brasileiro em sintonia com as pro-postas do trabalho do Ipea que não resultamde uma decisão burocrática, mas da intera-ção entre produtores,técnicos do governo ecientistas. É o caso do setor exportador defrutas. O Brasil é o terceiro maior produtor

150 m i l hões de cabeças espa l hadas por 8 ,5 m i l hões de qu i l ôme t ros quadrados

A nova norma internacional ISO 22000,para gestão de cadeias de alimentos, as normase o processo de certificação EuroGap, além doAcordo sobre Barreiras Técnicas do Comércio(TBT), estão exigindo do país e das empresasum consistente projeto de desenvolvimento depráticas produtivas e comerciais que posicio-nem definitivamente o Brasil como um dos gran-des nos mercados internacionais.

Os conceitos da EuroGap são antigos, dadécada de 70, e foram introduzidos na Europa,

na produção de frutas, com o objetivo de reduzira utilização de agroquímicos, incrementando omanejo integrado de pragas. Seu escopo foiampliado e inclui a hoje obrigatoriedade depráticas de manejo do solo, da água, dos vege-tais, da nutrição e das doenças, transformadoem sistema completo para obtenção de metasde sustentabilidade da produção e comercia-lização de frutas. Envolve todas as fases do pro-cesso, da produção à embalagem e comercia-lização, no conceito de produção integrada.

A concepção em vigor foi elaborada porsupermercados europeus com objetivos comunsde garantir alimentos seguros, social e ambien-talmente corretos e saudáveis aos consumi-dores. O protocolo EuroGap delineia conjuntosde boas práticas agrícolas que devem ser se-guidas por produtores para receberem certifi-cação de uma terceira parte; é considerado umcódigo de conduta, já adotado para a certifi-cação inclusive de frutas brasileiras vendidasno mercado europeu.

Qualidade em todas as fases

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Evolução das exportações brasileiras de carne bovinaMil toneladas

Font: Secex

951

1.2281.460

2.164

2.842

3.439

2.783

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O Brasil é o terceiro maior produtor de frutas do mundo e exporta com controle de qualidade

das informações e pela rapidez das comu-nicações.Insiste que não se transformará danoite para o dia a ineficiência das estruturasburocráticas do Estado brasileiro.“Por maisrecursos que houvesse – e eles não existem–, isso é um sonho”, diz Carvalho.

Assim, a missão dos países atentos aseus interesses comerciais passa a ser a dese equipar, do ponto de vista técnico e ins-titucional, para cumprir exigências e co-brar reciprocidade de seus concorrentes.Os europeus, por exemplo, têm preferidoa normatização aos regulamentos muitodetalhados; tendem a manter os requisitosessenciais e deixar os detalhes para que se-jam acertados no processo de normatiza-ção, onde todas as partes interessadas par-ticipam. Normas e regulamentos estão sedespojando rapidamente de seus adereçostécnicos restritivos para envergar uni-formes mais adequados à lida comercialdos mercados.

mundial de frutas e seu posicionamento nosmercados internacionais cresceu e se con-solida a partir do Sistema de Avaliação deConformidade da Produção Integrada deFrutas (PIF), lançado pelo governo bra-sileiro, em 2002, e construído graças à de-terminação de empresários e produtores,sob a inspiração das normas e do processode certificação EuroGap – um atestado deboa prática agrícola criado por um grupode trabalho dos comerciantes varejistas eu-ropeus (veja quadro na pág. anterior).

Esforços de boas práticas e integraçãoagroindustrial, inclusive com apoio de uni-versidades e instituições como a EmpresaBrasileira de Agropecuária (Embrapa),têmconferido invejável posição também àscadeias da avicultura, suinocultura e cana-de-açúcar.Agora, surgiu o Projeto do Sis-tema de Qualidade nas Cadeias Agroindus-triais (Qualiagro),que pode contribuir paranovas melhorias na qualidade da produçãono agronegócio (veja o quadro ao lado).

O produtor, especialmente do setoragroindustrial, deve liderar o processo decertificação e rastreabilidade para garantira qualidade do que produz,defende Eduar-do Pereira de Carvalho,presidente da Uniãoda Agroindústria Canavieira de São Paulo(Única),que reúne os maiores produtores eexportadores de cana, açúcar e álcool dopaís. Carvalho enxerga o livre comércio, lána frente,e a qualidade da produção substi-tuindo as barreiras tarifárias, em mercadomais perfeito promovido pela socialização

Árbitrostransparentes

Num planeta em que é possível pro-duzir quase qualquer produto em pratica-mente qualquer lugar, as normas serãoos árbitros transparentes do comércio, ea rastreabilidade, o passaporte idôneodas transações correntes. É assim queEustáquio José Costa, gestor do Projetodo Sistema de Qualidade nas CadeiasAgroindustriais (Qualiagro), imagina ofuturo do comércio internacional. OQualiagro foi criado em junho deste anopor iniciativa da Associação Brasileira deAgribusiness (Abag) e da Fundação deEstudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq).

“O objetivo do Qualiagro é articularas providências requeridas pelo setorpúblico e indicadas pelo setor privadopara harmonizar a atuação como playersinternacionais frente à nossa adesão aoacordo da Organização Mundial do Co-mércio, com a missão de consolidar aposição do Brasil como liderança comer-cial em muitas áreas e para ampliação davigilância sanitária”, explica Costa.

O Qualiagro visa esclarecer aspec-tos conceituais (qualidade, rastreabili-dade, normatização, entre outros); cons-truir, validar e divulgar um sistema degestão que assegure aos mercados acoerência e a durabilidade dos processose sua manutenção no tempo, de forma aacompanhar os avanços e a dinâmica deacesso aos mercados globalizados.

O foco do projeto é o acesso aos di-versos mercados, e a participação efeti-va no seu desenvolvimento deve abran-ger os ministérios da Agricultura, pormeio da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa), da Ciência eTecnologia, por meio do CTAgro e daFinanciadora de Estudos e Projetos(Finep); do Meio Ambiente; da Saúde; edo Desenvolvimento, Indústria e Co-mércio Exterior.

Texto para discussão: “Certif icação e rastrea-bilidade no agronegócio: instrumentos cada vezmais necessários” www.ipea.gov.br/pub/td/2005/td_1122.pdf

União da Agroindústria Canavieira de São Paulowww.portalunica.com.br

Associação Brasileira de Agribusinesswww.abagbrasil.com.br

Saiba Mais:

Frutas exportadas pelo Brasil têm certificado EuroGap

Morguefile

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L u í s A n s e l m o P e r e i r a d e S o u z a ARTIGO

semi-árido brasileiro, cuja população éestimada em 20 milhões de habitantes,dos quais 46% vivem em áreas rurais esubsistem sob grande vulnerabilidade

social e econômica, reúne um conjunto de carac-terísticas climáticas, geomorfológicas, econômi-cas e sociais peculiares, que resultam numa pai-sagem marcada pela dificuldade no acesso a re-cursos hídricos.

Em suas áreas rurais, a segurança alimentar enutricional da população é condicionada direta-mente pela disponibilidade de água para consumohumano, para a dessedentação de animais e paraa produção agroalimentar. Segundo estudos daEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Se-mi-Árido (CPATSA/Embrapa), 60 dias após oencerramento do período das chuvas, 550 mildos 2,6 milhões de estabelecimentos rurais daregião passam a viver sem qualquer tipo de águapara o consumo humano ou animal, nos seuspróprios agroecossistemas familiares. Se consi-derarmos um período de 120 dias após o térmi-no das chuvas,podemos projetar que mais de 1 mi-lhão de estabelecimentos fiquem sem qualquerfonte de água no período de seca.

Todavia, é possível diminuir os efeitos da secacom o armazenamento de água da chuva e a ado-ção de técnicas simples e de baixo custo. Váriasiniciativas vêm obtendo sucesso no aplacamen-to das condições de insegurança alimentar dessapopulação, entre elas se destaca a cisterna de pla-cas de cimento, reservatório domiciliar de águaintegrado a um sistema de calhas nos telhados ecanos de PVC para captação da água da chuva.

Com o Projeto Cisternas, desenvolvido emparceria com a Articulação do Semi-Árido (ASA),fórum de organizações da sociedade civil queatuam em prol do desenvolvimento social,econô-mico, político e cultural do semi-árido brasileiro,e com os governos estaduais da região (Bahia,Paraíba,Pernambuco,Piauí e Rio Grande do Nor-te), o governo federal já investiu, desde 2003, maisde 118 milhões de reais na construção de mais de84 mil cisternas de placas com capacidade de ar-mazenamento de água de 16 mil litros cada uma,suficientes para o abastecimento de uma família de

cinco pessoas durante os meses de estiagem.A parceria entre o estado e a sociedade civil

organizada e atuante tem sido fundamental parao sucesso do projeto, na medida em que os recur-sos públicos chegam a entidades não-governa-mentais representativas das comunidades neces-sitadas, capazes de envolver um número signi-ficativo de atores sociais visando à sua interven-ção nas políticas públicas e reforçando seu pro-cesso de organização.Ao garantir que as famíliase organizações assumam, integralmente, os pro-cessos políticos em seus diferentes níveis assegu-ra-se um rigoroso sistema de controle social.

Entretanto, mesmo que sejam garantidos osrecursos necessários, a meta de 1 milhão de cis-ternas construídas em cinco anos não é fácil deser atingida. Trata-se de um programa abrangen-te e ambicioso, não só pelo número de famílias aserem atendidas, mas também pela complexi-dade logística de capacitar e mobilizar um con-tingente imenso de pessoas e transportar um vo-lume significativo de materiais numa área do se-mi-árido cuja abrangência é de 900 mil quilôme-tros quadrados e cuja região e estradas apresen-tam condições extremamente adversas.

Os relatos disponíveis e as evidências de cam-po coletadas em visitas técnicas, ainda que semrelevância estatística, apontam que os maioresimpactos da cisterna são relacionados à saúde,principalmente de crianças, e à possibilidade dealteração na rotina diária, proporcionada pelarealocação do tempo gasto para buscar água ouperdido em razão de doenças causadas pelo usode água imprópria. O aumento do tempo investi-do na produção para consumo familiar e geraçãode renda contribui para reduzir a pobreza e di-namizar as economias locais, enquanto o cuida-do com a casa, com os filhos e outros afazeres,principalmente no caso das mulheres e das crian-ças, demonstra a substancial melhora da qualida-de de vida.

Luís Anselmo Pereira de Souza é diretor do Departamento da Gestão

Integrada da Política, ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome

Água no semi-árido

“O governo federal

já investiu, desde

2003, mais de

118 milhões de reais

na construção de mais

de 84 mil cisternas

com capacidade de

armazenamento de

água de 16 mil

litros cada uma”

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euza Manhães,Silvana Aparecidada Conceição Souza e Maria daCruz Alves dos Santos não se co-nhecem, mas têm algo em co-

mum: são negras e estão enfrentando amesma fila na porta de uma agência de em-pregos em busca de trabalho.Elas não estãosozinhas.Fazem parte de um quadro trági-co e preocupante que reflete as imensas di-ficuldades enfrentadas pelos negros na so-ciedade brasileira.O Brasil está longe de sero país da “democracia racial” e os afrodes-cendentes ainda são alvo de contínuos pro-cessos de preconceito e estereótipo raciais.No mundo do trabalho, por exemplo, a si-tuação do negro é sempre pior do que a dobranco. Eles são maioria no grupo dos de-sempregados, dos trabalhadores informaise, além disso, ganham menos.

Num país que tem o passivo da escra-vidão, abolida há cerca de 150 anos, a di-ferença de rendimento coloca os afrodes-cendentes na rabeira do espectro social: em2003,8,4% dos negros encontravam-se emcondições de extrema pobreza, ante 3,2%dos brancos. Embora mulheres e homensnegros representem 44,7% da populaçãobrasileira,sua participação chega a 68% en-tre os 10% mais pobres (veja gráficos na pág.

49), segundo dados do Censo 2000, doInstituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE).À medida que se avança emdireção aos mais altos estratos de renda,suapresença diminui até atingir apenas 13%entre os 1% mais ricos, situação que per-maneceu inalterada ao longo dos anos 90.

Apesar de as iniciativas de promoçãoda igualdade racial terem conquistado cada

No país da democracia racial, os negros continuam estudando

menos, enfrentando maiores dif iculdades para conseguir

emprego e recebendo salários menores. A diferença é que a

sociedade está mais disposta a levar a sério o problema e

buscar uma solução

em preto e brancoRealidade

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

N

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Embora os negros representem 44,7% da popu lação bras i l e i ra , sua par t i c ipação

vínculo formal de trabalho. “Na hora dacontratação, o que conta é a aparência, enão a qualidade”, diz Maria da Cruz Alvesdos Santos, trabalhadora doméstica de-sempregada há dois meses.

As dificuldades para se colocar nomercado de trabalho são formadas muitoantes do momento da procura do em-prego, especialmente pelas diferenças deacesso à educação. Em 2001, 10,2% dosbrancos e apenas 2,5% dos negros tinhamconcluído o ensino superior, com umavantagem de quatro vezes para os bran-cos.A situação já foi pior, porque em 1960o número de brancos com diploma uni-versitário era 14 vezes superior ao dos ne-gros. No entanto, a distância voltou a au-mentar entre 1991 e 2000, quando o nú-mero de matriculados nas universidadespassou de 1,4 milhão para quase 3 mi-lhões, mas não houve maior inclusão denegros, uma vez que sua participação nosistema caiu ligeiramente, de 19,7% para19,3%, de acordo com o Relatório de De-senvolvimento Humano deste ano elabo-rado pelo Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento (Pnud), que ele-geu como tema a igualdade racial.“A ques-tão da igualdade racial é um problemamonstruoso.Ao final do segundo grau, osnegros já perderam a corrida há muitotempo. As políticas públicas que existemhoje são pífias”, diz Sergei Suarez Dillon

Soares, pesquisador do Ipea que desen-volveu, em 2000, um estudo comparandoas diferentes condições de negros e bran-cos no mercado de trabalho.

Alternativas Já que a expansão do númerode vagas nas universidades não abriu maisespaço para os afrodescendentes,surgiramalgumas iniciativas para tentar reverter essequadro.Uma delas atinge não só negros mastambém índios e estudantes oriundos de es-colas públicas do ensino médio. É o Pro-grama Universidade para Todos (ProUni),proposto pelo Ministério da Educação(MEC), que prevê a concessão de bolsas

vez mais destaque e espaço, as ações vol-tadas para a inserção dos negros no mer-cado de trabalho ainda são tímidas paraenfrentar o tamanho do preconceito exis-tente na sociedade brasileira.“Eu já sentimuita discriminação. Ser negro no Brasilé ser lixo. Os negros não têm estudo e têmmais dificuldade para arranjar emprego”,conta a copeira Neuza Manhães, que estádesempregada desde o começo deste anoe sustenta sozinha sete pessoas na cidade-satélite de Samambaia, no Distrito Fede-ral. Sua opinião, infelizmente, é confirma-da pelos números.A taxa de desemprego,de acordo com a Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad) de 2003,elaborada pelo IBGE, mostra as variaçõesem função da cor da pele: no grupo commais de 16 anos de idade, a taxa de desem-prego é de 8,7% para os brancos e de 10,7%para os negros (veja gráfico na pág. 50). Ograu de informalidade também é maiorentre os negros. Enquanto 42% dos bran-cos têm carteira assinada ou são funcio-nários públicos, entre os negros esse per-centual é de 31,4% (veja gráfico na pág. 50).Isso significa que menos de um terço dostrabalhadores negros tem acesso a direitostrabalhistas, como décimo terceiro salário,adicional de férias, seguro desemprego ebenefícios previdenciários. A situação éainda pior para a mulher negra, já que so-mente uma em cada quatro possui algum

Equilíbrio na quantidadeParticipação dos negros na população brasileira (2003)

Brancos 53% Negros 47%

Fonte: Pnad/IBGE de 2003. Elaboração: Disoc/Ipea e Unifem com base nos dados das Pnads/IBGE

Silvana Aparecida da Conceição Souza, Maria da Cruz

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de estudo integrais e parciais a estudantesde graduação em instituições privadas deeducação superior. Em contrapartida, osestabelecimentos que aderirem ao progra-ma ganharão isenção em alguns impostosfederais. Neste ano, 112 mil bolsas foramoferecidas em 1.142 instituições particu-lares e o programa pretende oferecer, nospróximos quatro anos, 400 mil bolsas.

A segunda iniciativa é a tão debatidacriação de vagas exclusivas para que os es-tudantes negros tenham acesso às univer-sidades. No Anteprojeto de Lei da Educa-ção Superior, em tramitação no Congres-so Nacional, a escolha dos mecanismos deinclusão dos grupos sociais e étnico-raciaisé de responsabilidade das instituições fe-derais de ensino superior (Ifes), que fica-riam livres para elaborar e implementar aspolíticas afirmativas que considerarem maisapropriadas. Também foi estabelecido umprazo de dez anos para que as Ifes alcan-cem a meta de ter pelo menos 50% de suasvagas preenchidas por alunos egressos deescolas públicas em todos os cursos degraduação. Paralelamente, corre no Con-gresso outro projeto de lei bem mais rigo-roso, prevendo que as Ifes teriam um pra-zo de 240 dias, após sua promulgação, pa-ra se adequar às novas regras.Valerá o pro-jeto que for aprovado em primeiro lugar,de acordo com Déborah Silva Santos, con-

sultora do departamento de políticas es-tratégicas da Secretaria de Educação Su-perior do MEC.

Enquanto a decisão final não sai, algu-mas universidades tomaram a dianteira einstituíram por conta própria um sistemade cotas.Até outubro deste ano, 19 univer-sidades federais e estaduais já tinham ins-tituído o sistema de reserva de vagas. NaUniversidade Federal de Brasília (UNB),por exemplo, 384 pessoas entraram pormeio das cotas no ano passado.“Sem dú-vida, a política de cotas contribui para oingresso na universidade e para a posteriorentrada no mercado de trabalho, mas de-veria ser universalizada de forma a permi-tir a inserção dos negros em todas as es-feras da sociedade”, afirma o estudante dosegundo ano de Pedagogia Edvaldo Alvesda Silva, que entrou na UNB graças ao no-vo sistema.

Conhecimentos Mas nem todos concor-dam que o sistema de vagas exclusivas se-ja a melhor forma de facilitar o acesso dosnegros ao ensino superior.A Universidadede Campinas (Unicamp) adotou outra es-tratégia, que conserva o critério de seleçãodo vestibular dando um “crédito” a maisaos candidatos das minorias raciais – ne-gros e índios – e aos vindos de escolas pú-blicas. Os do primeiro grupo recebem dez

pontos a mais na nota do exame de seleção,e os do segundo, 30 pontos. Dessa forma,eles obtêm uma vantagem extra na hora decompetir com os demais estudantes,porémprecisam provar que têm o conhecimentonecessário para entrar na Unicamp.“O sis-tema de cotas proposto pelo ministério tra-ta o problema da forma errada. A formacorreta de tratar esse problema seria pormeio de uma política mais positiva de in-centivo para que as instituições aumentema inclusão da forma como acharem melhor.Tem muita gente inteligente na universi-dade, é a universidade que tem de encon-trar a melhor maneira de lidar com essaquestão, a universidade tem de ter autono-mia”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz,diretor científico da Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado se São Paulo (Fapesp)e reitor da Unicamp até abril de 2005. ParaNelson Fernando Inocêncio da Silva, pro-fessor da UNB e coordenador do Núcleode Estudos Afro-Brasileiros da mesma uni-versidade, é necessário que seja feito umtrabalho para que a sociedade brasileiracompreenda a gravidade da situação. “OBrasil é signatário de vários documentos decombate à discriminação, mas não bastaassinar documentos.É preciso que o país secomprometa com políticas públicas que al-terem as condições de vida da populaçãonegra”, acredita Inocêncio da Silva.

chega a 68% entre os 10% mais pobres, segundo dados do Censo 2000, do IBGE

Alves dos Santos e Neuza Manhães (da esquerda para direita): realidade comum na fila de uma agência de empregos em busca de trabalho

Fotos Ricardo B. Labastier

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Algumas universidades tomaram a frente e inst ituíram por conta própria um sistema

O Relatório de Desenvolvimento HumanoBrasil 2005 – Racismo, Pobreza e Violência,lançado em novembro pelo Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (Pnud),derruba o mito da democracia racial brasilei-ra. O relatório, que contou com a participaçãode 30 pesquisadores, faz um levantamentoabrangente e esclarecedor de indicadores bra-sileiros nas áreas de desenvolvimento huma-no, renda, educação, saúde, emprego, habita-ção e violência e conclui que em todas essasesferas os negros estão em posição desfavo-rável.Dividida em seis capítulos,a obra é acom-panhada de um CD do Atlas Racial Brasileiro,banco eletrônico que reúne uma ampla sériehistórica de dados sociais desagregados porcor/raça, com cerca de 100 indicadores sobreo país, as cinco regiões, os estados e o Distrito

Federal. “O tema do relatório se insere napreocupação do Pnud em relação aos gruposvulneráveis. Esperamos que as políticas pro-postas comecem a ser discutidas pela socie-dade”, afirma Guilherme Assis de Almeida, umdos principais colaboradores do relatório ecoordenador da unidade de direitos humanose cidadania do Pnud.

De maneira geral, o relatório mostra queas diferenças entre brancos e negros apontamem alguns casos uma defasagem de mais deuma geração.A porcentagem de homens negroscom curso superior completo em 2000, porexemplo, era menor do que a de homens bran-cos em 1960. A renda per capita dos brancosde 1980 era o dobro da dos negros em 2000.Da mesma forma, a taxa de analfabetismo dosnegros em 2000 era maior que a dos brancos

em 1980. Em 2000, os negros apresentavamesperança de vida semelhante à dos brancosem 1991. O estudo também revela que a taxade homicídio entre os negros é o dobro daentre os brancos. No estado do Rio de Janeiro,os negros são 11,1% da população,mas repre-sentam 32,4% dos mortos pela polícia.

Para ter uma idéia, no ranking do Índicede Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasiltem um padrão mediano – estava em 73.º lu-gar em 2002, com índice de 0,766. A média,entretanto, oculta uma realidade perversa dedesigualdade entre negros e brancos. Se ca-da um desses dois grupos formasse um paísà parte, a distância entre eles seria de 61 po-sições.A população branca teria IDH de 0,814e ficaria na 44.ª posição no ranking mundial– semelhante à da Costa Rica e superior à da

Longe da igualdade

Pesquisas indicam que os negros, trabalhando em condições semelhantes às dos brancos, mas recebem salários mais baixos

Paulo Liebert/AE

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Entretanto, o acesso a uma educaçãosuperior pode não ser suficiente para ga-rantir a conquista de postos mais qualifi-cados no mercado de trabalho.“O diplo-ma universitário não protege os negrosdas práticas racistas”, alerta Edson Car-doso, coordenador editorial do jornal bi-mestral Irohin, editado especialmente pa-ra os afrodescendentes. De fato, a situaçãodesfavorável dos negros no mundo do tra-balho não pode ser justificada apenas pe-las desigualdades existentes no campo edu-cacional. Essa é a conclusão de uma pes-quisa feita pelo Ipea com o objetivo de ex-plicar as diferenças de rendimentos entrenegros e brancos.

A idéia foi comparar pessoas com ca-racterísticas semelhantes de sexo, idade,educação, endereço e setor de atuação,porém de raças diferentes. O estudo partiuda informação concreta de que,em 2003,orendimento médio de um homem brancoera 594 reais superior ao de um homemnegro. Dessa diferença, 281 reais se de-viam ao menor grau de escolaridade do

grupo negro, porém os 313 reais restantesnão tinham nenhuma explicação objeti-va, exceto o preconceito racial. Esse valorcorresponde a pouco mais da metade,53% da diferença de rendimentos entrenegros e brancos.“Mesmo com um inves-timento maciço em educação, a diferençade renda entre negros e brancos não vaidiminuir muito, porque metade dela é ex-plicada pela discriminação sofrida pelosnegros”, afirma Leonardo Rangel, pesqui-sador do Ipea e autor do estudo.

“Todo negro que disser que nunca foidiscriminado está mentindo”, declara osenador Paulo Paim (PT-RS), autor do Es-tatuto da Igualdade Racial, recentementeaprovado no Senado e em tramitação naCâmara. O projeto propõe cotas para ne-gros em empresas, em cursos de gradua-ção de universidades públicas e privadas,noserviço público, nos partidos políticos eem filmes publicitários,programas e anún-cios de TV. O estatuto prevê ainda o direi-to à terra, no qual está incluída a titulaçãode posse para os quilombolas e a criaçãode conselhos estaduais, municipais e umnacional de defesa da igualdade racial.“Opreconceito não vai acabar no dia seguinteà aprovação do estatuto, mas é instrumen-to fundamental de combate ao racismo”,acredita Paim.

Enquanto o estatuto não é aprovado, oMinistério Público do Trabalho (MPT)tenta fazer a sua parte. Lançou em abrildeste ano, em parceria com o Ipea, o pro-grama Igualdade para Todos, que buscapromover a admissão de um número

maior de negros no mercado de trabalho,aproximar as médias salariais de brancose negros e criar critérios de ascensãoprofissional mais transparentes. Dadoslevantados pelo MPT e pelo Ipea mostrama baixa admissão de negros e mulheres nasempresas. Em Brasília, por exemplo, entrefuncionários dos cinco maiores bancosprivados, apenas 18,7% são negros, en-quanto os afrodescendentes correspon-dem à metade da População Econo-micamente Ativa (PEA) da capital.

Ajustamento O programa é implementa-do em etapas. Na primeira, o MPT convo-ca as principais empresas de determinadosetor de atividades – neste ano, os bancos– para que prestem informações sobreseus trabalhadores. A partir daí, é elabo-rado um perfil das desigualdades em ca-da instituição, tendo como parâmetro aparticipação de negros e de mulheres nototal de empregados, a presença de negrose mulheres nos cargos de direção da em-presa e as diferenças salariais entre bran-cos e negros, por sexo. A etapa final doprocesso consiste em estabelecer um Ter-mo de Ajustamento de Conduta (TAC)entre a empresa e o MPT, por meio doqual o empregador se compromete a cum-prir, em determinado período, metas paracada um dos três critérios. Se não houverum acordo, as empresas serão acionadasjudicialmente.

Até agora, o MPT já ajuizou, em Bra-sília, ações civis públicas contra os bancosBradesco, Itaú, ABN Amro Real, HSBC e

de cotas. Na Universidade Federal de Brasí l ia, 384 pessoas entraram por esse meio

Croácia. Já a população negra (pretos e par-dos) teria IDH médio de 0,703 e ficaria em105.º lugar, equivalente à posição de El Sal-vador e pior do que o Paraguai.

Para enfrentar essa profunda desigual-dade racial, o relatório defende a necessidadeurgente de implantar no Brasil políticas uni-versalistas e focalizadas, incluindo ações afir-mativas. O Pnud avalia que as políticas de co-tas têm por objetivo minimizar o peso das con-dições socioeconômicas no ingresso nas uni-versidades ou no serviço público,mas ressalvaque esse tipo de medida é apenas uma das for-mas de implementação de ações afirmativas.Apesar de reconhecer a importância do estadona luta contra o racismo, o relatório destacaque esse objetivo só será atingido se for ado-tado pela sociedade brasileira como um todo.

Desequilíbrio na distribuição das riquezasParticipação dos negros entre pobres e ricos (2003)

Brancos Negros e pardos

10% mais pobres

67,8% 32,2%

1% mais rico13,2% 86,8%

Fonte: Pnad/IBGE de 2003. Elaboração: Disoc/Ipea e Unifem com base em dados das Pnads/IBGE

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50 Desafios • dezembro de 2005

O Ministério Público do Trabalho lançou um programa para promover a admissão de um

Maior grau de informalidadeTrabalhadores com carteira assinada (2003)

42,0%

31,4%

Tota

l

42,7%

33,9%

Hom

ens

40,9%

27,7%Brancos

NegrosMul

here

s

Maior dificuldade para entrar e se manter no mercado de trabalho Taxas de desemprego (2003)

8,7%10,7%

Tota

l

6,9%8,5%

Hom

ens

10,9%

13,7%

Brancos

NegrosMul

here

s

Salários mais baixos Rendimento médio mensal em 2003 (16 anos ou mais - em R$)

878

418

Tota

l

1.047

475

Hom

ens

653

333 Brancos

NegrosMul

here

s

Fonte: Pnad/IBGE de 2003. Elaboração: Disoc/Ipea e Unifem com base em dados das Pnads/IBGE

primeira vez na história deste país que umórgão com status de ministério foi insti-tuído para cuidar dessa questão”, afirma aministra Matilde Ribeiro, da Seppir. Umadas principais realizações do novo órgãodo Executivo federal foi a organização daprimeira Conferência Nacional dePromoção da Igualdade Racial (Conapir),com o objetivo de reunir representantesdo governo e da sociedade para, em con-junto, estabelecerem as diretrizes do PlanoNacional de Promoção da Igualdade Ra-cial.A conferência, realizada em julho des-te ano, atraiu aproximadamente 3 mil pes-soas e resultou em cerca de 1.000 propos-tas, que serão analisadas por um grupo detrabalho interministerial a ser instituídopelo governo. “A Seppir é uma das maisimportantes conquistas do movimento ne-gro,mas precisa de mais recursos para fun-cionar”,diz Bento,da Ceert,criticando a es-trutura e o orçamento do órgão, ambosconsiderados bastante reduzidos.

Qualificação Dados do IBGE mostramque existiam, em 2003, 6 milhões detrabalhadoras domésticas assalariadas noBrasil, sendo 95% mulheres. Desse total,76% recebiam até um salário mínimo e57,4% eram negras e pardas.Apenas 23%tinham carteira assinada e 57,9% tinhamcursado o ensino fundamental, porémnão haviam concluído. Para tentar mudaresse quadro, foi lançado, em novembropassado, o programa Trabalho DomésticoCidadão, dentro do Plano Nacional deQualificação (PNQ), que, a partir de2003, passou a dar atenção especial a seg-mentos com maiores dificuldades de in-serção no mercado de trabalho, o que in-clui os negros. A iniciativa foi do Minis-tério do Trabalho e Emprego (MTE), emconjunto com a Seppir. Por meio do PNQ,em 2004 cerca de 142 mil trabalhadoresforam capacitados, sendo que 62% eramnegros.Além da qualificação profissional,o programa Trabalho Doméstico Cidadãoprevê a elevação da escolaridade, o forta-lecimento da auto-organização das traba-

geral do MPT. É semelhante a avaliação deMaria Aparecida Silva Bento, diretora exe-cutiva do Centro de Estudos das Relaçõesdo Trabalho e da Desigualdade (Ceert),or-ganização não-governamental que desen-volve programas de diversidade em empre-sas:“Fui gerente de recursos humanos emgrandes empresas e posso garantir que osprocessos de seleção excluem os negros dedeterminados lugares, como cargos de co-mando e de vanguarda técnica”.

Outro passo importante foi a criaçãoda Secretaria Especial de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial (Seppir).“É a

Unibanco. Se condenados, os bancos terãode pagar 30 milhões de reais por danosmorais e por práticas discriminatórias. Areportagem de Desafios procurou a Fe-deração Brasileira dos Bancos (Febraban),mas a entidade prefere não se pronunciarsobre o assunto. Neste ano, o foco foramos bancos, mas em 2006 empresas de ou-tros setores da economia serão analisadas.“De forma geral, o empresário sabe que hádiscriminação, mas não faz nada. Muitasvezes os programas de diversidade das em-presas são apenas uma formalidade”, afir-ma Otávio Brito Lopes, vice-procurador-

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Desaf ios • dezembro de 2005 51

número maior de negros e criar critérios de ascensão prof issional mais transparentes

lhadoras domésticas e o desenvolvimentode projetos para intervenção em políticaspúblicas. Inicialmente, alcançará 350trabalhadoras em seis estados. Destinadoàquelas que têm de quatro a sete anos deestudo – o equivalente a 42,7% do univer-so das trabalhadoras domésticas –, o pro-jeto deverá ser expandido, em parceriacom o MEC e as prefeituras, e ganhar sta-tus de política pública permanente com oobjetivo de atingir um número maior detrabalhadoras.“São iniciativas que ajudamna inserção dos negros no mercado de tra-balho, mas sabemos que ainda é precisomuito mais”, afirma Antonio AlmericoBiondi Lima, diretor do departamento dequalificação do MTE.

Apesar de todos os problemas expos-tos, em 20 de novembro, Dia Nacional daConsciência Negra, os negros tiveramtambém motivos para comemorar. Se an-darmos um pouco mais para trás na his-tória, constatamos que as gerações atuaissão menos discriminadas que seus pais eavós. Maurício Cortez Reis, pesquisadordo Ipea, e Anna Risi Vianna Crespo, dou-toranda da Universidade de Princeton,

nos Estados Unidos, fizeram essa compa-ração. Os autores analisaram geraçõesnascidas entre 1922 e 1981 e observaramque a diferença de rendimentos entrebrancos e negros diminui à medida que ageração é mais nova.Verificaram tambémque a diferença salarial entre brancos e ne-gros nascidos na década de 50, por exem-plo, era de 100%, ou seja, os brancosganhavam o dobro. Já entre os brancos enegros nascidos na década de 60 a diferen-ça salarial havia baixado para 60%. A ar-gumentação dos autores é justamente quea redução das práticas discriminatóriassobre as pessoas que fazem parte de ge-rações mais novas pode ter desempen-hado um papel importante nesse resulta-do.“A diferença de rendimentos foi cain-do, aos poucos, ao longo do tempo”, dizReis. Entretanto, ele mesmo alerta que na-da garante que as conquistas obtidas atéaqui continuarão a acontecer.“O estudomostra uma tendência, mas seriam ne-cessárias novas análises para comprovarque essa tendência vai permanecer no fu-turo”, afirma.

No entanto, os avanços no combate às

desigualdades raciais no mundo do tra-balho levam muito tempo para provocarmudanças expressivas nas relações raciaisjá tão estabelecidas e arraigadas. O reduzi-do número de ações voltadas especifica-mente para os negros e a ausência de me-tas raciais nos principais programas públi-cos de emprego, trabalho e renda com-plicam esse quadro. Além de ampliar aabrangência e os recursos financeiros dosprogramas em andamento e incluir o re-corte racial nas demais políticas públicasde emprego, é imperativo que três iniciati-vas sejam conjugadas, na opinião de Na-thalie Beghin, pesquisadora do Ipea.“Emprimeiro lugar, é preciso valorizar a comu-nidade negra destacando seu papel his-tórico na construção do Brasil. Em segun-do, é necessário incentivar organizaçõespúblicas e privadas a implementar planosde correção das desigualdades raciais.Finalmente, é preciso pressionar, judicialou extrajudicialmente, as organizações adiminuir as distâncias entre trabalhado-res negros e brancos. Isso apenas para co-meçar a mudar o cenário.” É difícil, masnão impossível.

Desempregados madrugam na fila por uma chance de trabalho em empreendimento localizado em Salvador: forte presença de negros

Eduardo Martins/Agência a Tarde/Pagos

d

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MELHORES PRÁTICAS

na escuridãoUma luz

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e S ã o P a u l o

Melhores práticas 01/12/05 14:33 Page 52

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Al iando educação e tecno log ia , a Laramara, uma inst i tu ição de

apo io a def ic ientes v isua is, consegue capac i tar centenas de

pessoas para o mercado de traba lho, preparando-as para v i ver

e conv i ver em um mundo onde quase nada fo i pensado para e las

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Melhores práticas 01/12/05 14:34 Page 53

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54 Desafios • dezembro de 2005

D e s d e 1 9 9 8 , j á f o r a m v e n d i d a s c e r c a d e 3 , 5 m i l u n i d a d e s d a m á q u i n a d e

reais. Desde então, já foram vendidas cercade 3,5 mil unidades, segundo conta o en-genheiro metalúrgico Júlio Pires, coorde-nador da Laratec – unidade da Laramaraque vende equipamentos e softwares desti-nados a ajudar os deficientes visuais emsuas atividades cotidianas,educacionais ouprofissionais.“A cooperação com o ServiçoNacional de Aprendizagem Industrial(Senai) foi fundamental para a montagemdas máquinas e atualmente eles fornecemtodo o ferramental que garante a fabricaçãolocal”,explica Pires.O objetivo da Larama-ra é conseguir vender as máquinas por 1,5mil reais a partir de janeiro.Além de nacio-nalizar a produção,a Laratec aperfeiçoou oprojeto cedido pela Escola Perkins.“Conse-guimos reduzir o peso de 4,5 quilos para 3,8quilos,principalmente por usar plástico emlugar de metal na fabricação do gabinete ex-terno.”A Laratec terá condições de fabricaraté 50 máquinas por mês,com uma equipede dez pessoas, informa o coordenador daprodução, Cristiano Gomes, que fez partedo grupo que esteve em Boston em 1997.

A máquina de escrever em braille é fun-damental para os deficientes visuais que es-

tudam,pois já não existem classes especiaise eles estão integrados em classes comuns.Em tese, cada escola deveria ter um centrode apoio aos alunos cegos ou com visãosubnormal equipado com máquinas de es-crever em braille e outros recursos, mas arealidade é bem diferente. O único equi-pamento fornecido é uma reglete plásticaque serve como guia para que o deficientevisual grave numa folha de papel, comauxílio de uma punção,as letras em braille.“As escolas deveriam fornecer uma máqui-na de escrever para os alunos deficientes vi-suais usarem nas salas de aula, porque per-mitem escrever 20 vezes mais rápido do quecom uma reglete. Mas a lei de inclusão dosdeficientes não é praticada, pois faltamequipamentos e professores especializa-dos”, conta a pedagoga Mara CamposSiaulys, esposa de Vitor e também fun-dadora da instituição.

Patrocínio Ainda que a Laramara tenhaconseguido reduzir o preço das máquinasde escrever em braille, o instrumento con-tinua é inacessível financeiramente paragrande parte das entidades que atendem

utonomia, independência e in-clusão são as palavras de ordemno quartel-general de uma orga-nização não-governamental que

tem sede no bairro de Campos Elíseos, naregião central da capital paulista. Mas aLaramara nada tem de subversiva, emboraprocure passar esses valores para os mi-lhares de deficientes visuais que foram aco-lhidos pela entidade desde sua fundação,em 1991.A dose de subversão existente porlá é a procura constante da inovação notratamento das pessoas afetadas pela ce-gueira ou pela baixa visão, principalmenteao evitar atitudes paternalistas: desde queentram na Laramara,ainda bebês,são orien-tados a estudar ou a trabalhar no mesmoambiente que as pessoas dotadas de visãonormal.Existem outras instituições de qua-lidade que atendem deficientes visuais, co-mo a Fundação Dorina Nowill e o InstitutoPadre Chico, ambos em São Paulo, mas aLaramara se destaca por oferecer serviçospara todas as faixas etárias, por manter di-versos núcleos que atendem à instituição egeram receita, tais como uma editora e umestúdio de gravações, e, acima de tudo, porproduzir e comercializar equipamento parapessoas cegas ou com baixa visão.

Nos últimos anos, o empresário VictorSiaulys,que fundou a instituição junto coma esposa, dedicou boa parte de sua energiaao projeto de fabricar no Brasil máquinasde escrever em braille,um instrumento de-cisivo na inclusão social dos deficientes vi-suais. É por meio dela que um estudanteconsegue acompanhar as aulas e escreverem braille suas anotações.Em 1997,Siaulysenviou um grupo de dez pessoas à EscolaPerkins para Cegos, em Boston, nos Es-tados Unidos, com o intuito prepará-laspara montar o equipamento aqui. Nos Es-tados Unidos, era possível comprar umamáquina por 660 dólares (aproximada-mente 1,5 mil reais), mas no Brasil ela nãosaía por menos de 3,5 mil reais. Após otreinamento, o grupo retornou e, em ja-neiro de 1998, começaram a ser vendidasas máquinas fabricadas aqui, com compo-nentes importados, ao preço de 2,2 mil

A

Leonardo Moura da Silva, com seu avô, Pedro Soares Barros: vantagens da terapia com brinquedos

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Desaf ios • dezembro de 2005 55

deficientes visuais. Para contornar o prob-lema, a Laramara procura empresas quepatrocinem a doação dos equipamentos.APetrobras, por exemplo, doou 150 máqui-nas e já autorizou outras 170, que serãofornecidas a partir de janeiro, informaPires. O patrocínio de empresas permitiu adistribuição de um total de 600 máquinasde escrever em braille.Cabe à Laramara se-lecionar as entidades que receberão asdoações. “Damos prioridade às regiõesNorte, Nordeste e Centro-Oeste e fazemosuma pesquisa para avaliar as necessidadese a qualidade dos serviços prestados”,con-ta Pires. A carência é enorme. No Mara-nhão, por exemplo, existe apenas umamáquina de escrever em braille.

Para entender a dedicação dos funda-dores e da equipe da Laramara, é precisosaber um pouco da história dessa institui-

ção.A Laramara – Associação Brasileira deAssistência ao Deficiente Visual, surgiu dainiciativa do casal Siaulys,pais de Lara,umamenina que nasceu cega, em 1978. A mãedeixou de trabalhar como professora deGeografia e se dedicou inteiramente a cui-dar da filha temporã. Buscou o conheci-mento disponível no Brasil e no exterior so-bre como tratar crianças com deficiênciavisual.Voltou a estudar e fez Pedagogia naUniversidade de São Paulo, com especiali-zação em atendimento de deficientes vi-suais.Com a filha encaminhada – Lara cur-sou faculdade de Música na Universidadede Campinas e agora está no segundo anode Letras na Pontifícia Universidade Cató-lica de Campinas –, foi trabalhar como vo-luntária na Santa Casa de Misericórdiapaulistana.Foi então que percebeu a preca-riedade dos serviços de atendimento às

pessoas cegas e com visão subnormal.Diante dessa carência, ela decidiu fundar aLaramara (da fusão do prenome da filhacom o da mãe) com total apoio do marido,o empresário Victor Siaulys, um dos sóciosdo Aché Laboratórios Farmacêuticos,atual-mente a maior empresa do ramo na Amé-rica do Sul. A família Siaulys colocou boaparte de seu patrimônio na Laramara e ago-ra a meta é fazer que a instituição caminhecom as próprias pernas e consiga autofinan-ciar suas atividades,explica Mara,que é suadiretora-presidente. O casal Siaulys dividefunções na condução da Laramara. A es-posa é o dínamo interno, voltada para amissão de educar e incluir socialmente osdeficientes visuais.“Meu marido é o agita-dor externo, que divulga a Laramara, colhedoações e também monta a estrutura quepermitirá um funcionamento autônomo.”

e s c r e v e r e m b r a i l l e m o n t a d a d e n t r o d a L a r a m a r a

Hariel tem baixa visão e é uma das 450 crianças que são educadas na Laramara

Fotos Samuel Iavelberg

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56 Desafios • dezembro de 2005

A Laratec traduz para o por tuguês sof twares espec ia l i zados que ampl iam em até

Foram criadas unidades de negócios (leia

quadro na pág. 58) capazes de gerar fatura-mento para a entidade, e uma delas é a La-ratec, que cuida da fabricação das máqui-nas de escrever em braille.

A importância dos equipamentos espe-ciais para a inclusão educacional ou profis-sional dos deficientes visuais fica evidentena Laramara.Paulo Henrique Graça,de 25anos, trabalha há sete anos na instituição eatualmente cuida da área de suporte e as-sistência técnica aos softwares de apoio aosdeficientes visuais vendidos pela Laratec.Seu primeiro contato com a instituiçãoaconteceu quando ele tinha 15 anos e haviaperdido completamente a visão por causade uma retinose pigmentar.Ele fez o treina-

mento para mobilidade na instituição,par-ticipou da turma piloto do curso de infor-mática profissionalizante e foi contratadopela Laramara em 1998 para ser instrutorde informática.Atualmente,faz atendimen-to pelo telefone ou pelo serviço de men-sagens instantâneas da Microsoft. Utilizaum microcomputador no qual está insta-lado o software Jaws,que transforma os tex-tos da tela em áudio. Também usa uma lei-tora de braille, conectada ao computador.Quem está do outro lado da linha telefôni-ca não percebe que está lidando com umdeficiente visual,mas Graça trata de fazer oalerta. Ele é formado em Ciência da Com-putação em uma escola onde faltavam re-cursos para deficientes visuais. Em com-

pensação, contou com o apoio especial deuma professora que transcrevia os textospara braille. A Laratec traduz para o por-tuguês softwares especializados desenvolvi-dos pela empresa Freedom, dos EstadosUnidos, entre eles o Magic, que amplia ematé 16 vezes a tela de um computador. Écom o apoio desse programa que AntonietiJorge pode ler as faturas na área comercialda Laramara.

Autonomia Entre os 200 funcionários daLaramara, 25 têm algum tipo de deficiên-cia visual. Rosimeire dos Santos, de 24anos, tem 10% de visão em apenas um dosolhos e trabalha há quatro anos como pro-fessora de Informática no Programa de

Em sentido horário, Júlio Pires (no alto, à esquerda) com as peças da máquina de escrever em braille, a presidente Mara Campos Siaulys e Rosimeire dos Santos

Fotos Samuel Iavelberg

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Desaf ios • dezembro de 2005 57

Complementação Educacional de Jovens eAdultos (Proceja),mantido pela instituição.Ela mesma foi aluna do Proceja,que atende,no momento, 175 estudantes. O principalcurso ministrado pelo programa é o Camt(cidadania, autonomia e mundo do traba-lho). Além da formação em informática einglês, o aluno aprende comunicação e ex-pressão,autonomia e apresentação pessoal,ética e cidadania,além de participar de ofi-cinas de música, teatro e artes plásticas. Ocurso é dividido em dois módulos de qua-tro meses, com 4 horas de aula, cinco diaspor semana. Para cursar o Camt, o defi-ciente visual tem de saber ler e escrever embraille, conta Erica Cristina Takahashi, de28 anos, assistente da coordenadora doProceja.“O objetivo é trabalhar o desen-volvimento integral,com a preocupação dedar formação profissional, resgatar a auto-estima e a autonomia, pois muitos defi-cientes visuais chegam aqui sem nenhumaperspectiva”,explica Takahashi.Desde quefoi criado, em 1996, o Proceja já recebeu571 alunos, dos 17 aos 63 anos.

A Laramara atende deficientes visuaisdesde a tenra idade,pois,quanto mais cedochegam os cuidados especiais,mais fácil é odesenvolvimento. Para auxiliar no ensinodas atividades da vida diária,foi construídoum modelo de casa onde as crianças apren-dem a se vestir,fazer a higiene pessoal,arru-mar as roupas e outras lições para a vida co-tidiana,como explica Fábio Shiguehara,de28 anos, que responde pela área de comu-nicação da Laramara,onde trabalha há doisanos.As crianças também dispõem de umabrinquedoteca especializada, com muitosbrinquedos que foram criados pela própriaequipe da Laramara.A maioria dos 150 vo-luntários que trabalham na Laramara sededica às atividades infantis. Brincar é im-portante para que a criança com deficiên-cia visual desenvolva noções espaciais,cons-ciência corporal,convívio social e aprenda atrabalhar as emoções.

Para orientar as famílias e educadores decrianças com deficiência visual,a pedagogaSiaulys acaba de lançar o livro Brincar Épara Todos, que ensina a confeccionar e a

utilizar 109 brinquedos, além de mostrarseus efeitos sobre o aprendizado.“É funda-mental a interação e a participação da crian-ça com deficiência visual na vida familiar,na escola e na comunidade.As brincadeiraspropostas no livro estimulam os sentidosde tato, audição, olfato e paladar, e ajudama explorar formas,texturas e grandezas dosobjetos”, esclarece a autora e presidente da

Laramara. O menino Leonardo Moura daSilva, de 5 anos, comprova as vantagens daterapia com brinquedos.Cego de nascençae portador de deficiências motoras, ele fre-qüenta a Laramara há três anos.“Estamosmuito esperançosos, pois ele usa a piscina,brinca e está começando a andar e a falar”,conta seu avô, Pedro Soares Barros, que sereveza com a mãe para levar a criança duasvezes por semana à Laramara.

Dimensão A vida apresenta imensos obs-táculos para os que nascem sem visão,masos especialistas reconhecem que é aindamais difícil integrar alguém que adquire acegueira já adulto. Porém, no Laramaraexiste um bom exemplo de que mesmorestrições dessa dimensão podem ser su-peradas. Alexandre José Correia de Lima,de 32 anos, é o coordenador do Centro deRecursos da Laramara, onde ingressou em1996, como aluno do Proceja. Até os 24anos tinha 40% de visão, mas a retinosepigmentar foi piorando e hoje tem apenas2%,o que lhe permite enxergar alguém queestá perto,mas ele não percebe sequer quan-do a pessoa levanta a mão.A partir dos 25anos começou a usar mais os meios au-díveis e teve contato com alguns dos equi-pamentos e softwares que hoje estão à dis-posição no Centro de Recursos, tanto paraquem participa das atividades da Laramaracomo para alunos deficientes visuais daFaculdade Oswaldo Cruz, vizinha à enti-dade.“A maior barreira que o deficiente vi-sual tem de vencer é interna, que é a ver-gonha da doença adquirida depois de adul-to. Tem cego que não usa a bengala naprópria rua”, conta Lima. Não é o seu ca-so. Ele está estudando Pedagogia e dá au-las em Peruíbe, no litoral paulista, paraonde viaja de ônibus sozinho. Casado, paide uma filha, Lima mora no Jabaquara, nazona sul da cidade, e usa o metrô para irtrabalhar, conta, enquanto atende Evertondos Santos, que quer uma senha para us-ar o microcomputador com o softwareMagic, de ampliação da tela. O Centro deRecursos tem vários outros equipamen-tos,como uma câmera que amplia imagens

16 vezes a tela de um computador, para facil itar o trabalho dos que têm visão reduzida

7.253

A Laramara emnúmeros

famílias de deficientes visuaisatendidas desde 1991

3,5 milmáquinas de escrever em braile produzidas, das quais 600 foram

doadas a instituições graças à contribuição de empresas

8 mil m2

de área construída

571jovens passaram pelos cursos de

formação profissional

200funcionários,

sendo 25 deficientes visuais

150voluntários

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58 Desafios • dezembro de 2005

Para auxil iar no ensino das ativ idades da vida diária, foi construído um modelo de casa

um especialista em ortóptica que indica osequipamentos que deve usar.Grupos de atéseis famílias, apoiados por psicólogas e as-sistentes sociais, são formados para avaliartodo o trabalho realizado, definir metas ecriticar os resultados. Quanto mais cedo adeficiência visual da criança for detectada,

e as projeta numa tela de televisão.O conceito da Laramara foi definido

nos detalhes,com base nos conhecimentosde sua fundadora e da equipe multidisci-plinar que a criou. Cada sala tem uma pla-ca com identificação em braille colocadano batente. Uma voz digitalizada informaaos usuários dos elevadores o que existe emcada andar.“Nosso primeiro trabalho foieducar para a empregabilidade, voltadapara jovens de mais de 16 anos. Não faze-mos terapia, mas educamos. Aos poucosfomos evoluindo,passando a atender crian-ças com deficiência visual e suas famílias”,recorda a presidente da instituição. Em 15anos de atividade, a Laramara atendeu7.253 famílias, contabiliza Vera AparecidaSalgueiro Pereira,formada em Serviços So-ciais, que cuida da área de atendimento eestá na Laramara desde a fundação. Umaequipe técnica de 32 profissionais cuida,nomomento, de 450 crianças e suas famílias.“Os pais chegam aqui desesperados, que-

rem saber a causa da deficiência visual, se éhereditária. Depois vem a fase da aceitaçãoe do envolvimento da família com a edu-cação da criança.”Deficientes visuais e seusfamiliares assistem às palestras dos espe-cialistas da Laramara, como a de JoãoFelippe, professor de mobilidade e orien-tação, que explica, entre outras coisas, quea bengala não deve ser escondida, mas as-sumida. E, mais do que isso, os familiaresaprendem que não devem ter dó dos defi-cientes visuais, mas sim respeitá-los.

Avaliação Praticamente todo atendimentoda Laramara é gratuito.Somente quem temcondições financeiras paga as mensali-dades,e esse grupo não passa de 10%.Mes-mo assim, Pereira faz questão de lembrarque não prestam assistencialismo – eleseducam. Quando chega, a criança é avalia-da por uma assistente social para mapear asituação familiar. Em seguida, ela é exa-minada por um oftalmologista e passa por

A família Siaulys investiu muito dinheiro paraequipar as unidades de negócios da Laramara,com o objetivo de garantir que a entidade fun-cione apenas com as receitas geradas por suasatividades.A Gráfica e Editora Laramara é o car-ro-chefe, que proporciona o maior faturamento,mas também consumiu o maior investimento. Fun-dada há cinco anos, é um dos maiores fornece-dores de bulas de remédio impressas em braile,além de imprimir rótulos e folhetos promocionais.Funciona num prédio perto da sede da Laramara,com 1.750 m2 de área construída. Outra unidadeé a Sambureau&Publicidade, um birô de edi-toração que produz todo o material de divulgaçãousado pela Laramara e também presta serviçospara clientes externos.

Há também um estúdio e uma produtora queprestam serviços de gravação de áudio, mixageme masterização.Ambos são coordenados por NinoNascimento,de 29 anos,que trabalha na Laramara

desde 1998. Nascimento tem uma trajetória inte-ressante dentro da instituição. Ele foi o primeirodeficiente visual – tem 5% de visão – a trabalharcomo mensageiro do Laramara. Depois fez a for-mação profissional lá dentro mesmo e foi pro-movido a auxiliar no estúdio, que hoje coordena.Lá são gravados livros falados, mas também sãorealizados serviços normais de um estúdio.A ban-da Capital Inicial, por exemplo, ensaiou seus últi-mos discos no estúdio da Laramara.“Eles fazemtoda a pré-produção conosco, testam o repertório,fazem os arranjos e depois gravam no estúdio es-colhido pela gravadora”, conta Nascimento.

A Laramara também dispõe de um auditórioequipado com todos os recursos, que é alugadopara eventos. Neste mês, começará a funcionar,junto à sede, o Café Teen, um bem equipado bar,que servirá de ponto de encontro, inicialmentepara a comunidade ligada à Laramara.

A Laratec é a unidade responsável pela fa-

bricação das máquinas de escrever em braille epela montagem de bengalas para deficientes vi-suais, com componentes fornecidos por tercei-ros. São capazes de montar 100 bengalas pormês, que são vendidas por 43 a 50 reais, depen-dendo do modelo, enquanto a importada custade 100 a 150 reais, explica Júlio Pires, coorde-nador da Laratec, que fatura cerca de 1 milhãode reais por ano.“Operamos com uma margemmínima, para vender os produtos a preços aces-síveis”, lembra.A loja da Laratec, na sede da La-ramara, oferece produtos de uso cotidiano quefacilitam a vida dos deficientes visuais, desderelógios até medidores de pressão arterial outermômetros que “falam” os resultados graçasa uma voz sintetizada digitalmente. Uma parce-ria com o Senai de Bento Gonçalves, no RioGrande do Sul, permitiu colocar na loja jogos,como o da velha, para serem utilizados por pes-soas cegas ou com baixa visão.“Procuramos

Em busca da auto-sustentação

Funcionários def icientes visuais formados na

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melhores os resultados.“A maioria dos hos-pitais não faz exames para diagnosticarproblemas de visão dos recém-nascidos eorientar os familiares. Muitas vezes a mãeacha bonitos os olhos azuis do bebê e nãosabe que ele tem catarata”, adverte Pereira.

Outra frente de atuação da Laramara é

a propagação do conhecimento, especial-mente para profissionais e educadores queatendem deficientes visuais, diz Pereira.Nessa linha,a Laramara ministrou um cur-so de capacitação no trato de deficientes vi-suais para 120 professoras de escolas públi-cas da capital paulista,conta a presidente dainstituição.“Além disso,distribuímos 5 milconjuntos, com fita de vídeo, CD e orien-tação sobre mobilidade, para unidades es-colares escolhidas pelo Ministério da Edu-cação e Cultura, pois é preciso atrair maiscrianças com deficiência visual, já que só3% das existentes vão às aulas, o restantepermanece escondido em casa.”

Atendimento Além de contar com o fatu-ramento das unidades de negócios, queem 2004 garantiram 66,1% da receita de12,7 milhões de reais, a Laramara montouum serviço de telemarketing com 35 ope-radores – seis dos quais têm algum tipo dedeficiência visual –, com a tarefa de ar-recadar doações de pessoas e empresas.“Estamos expandindo nosso serviço, quecontará com 50 posições em 2006, e pre-tendemos empregar um número maior deoperadores com deficiência visual. Até láo software de atendimento e de banco dedados já contará com a tecnologia quepermite transformar em áudio os textos eos números das telas”, explica DanieleRueda, coordenadora do serviço de tele-marketing, que trabalha na Laramara des-

de agosto. Carlos Renato da Silva Reis, de28 anos, cego de nascença, é operador detelemarketing há três anos e fez o curso doProceja.“Na Laramara, recebemos o mes-mo tratamento que teríamos em empresascomuns, sem paternalismo”, diz Reis, quetambém é um violonista de mão-cheia ede noite toca profissionalmente em baresda Vila Madalena, bairro da zona oeste dacapital paulista. No ano passado, as doa-ções ou contribuições renderam 4,4 mi-lhões de reais para a Laramara, metade in-dividuais e metade de empresas ou fun-dações.A família Siaulys garante as maio-res contribuições, bem como os investi-mentos que permitirão a futura autono-mia financeira da empresa. Apesar dasconquistas e do pioneirismo da Laramara,sua fundadora reconhece que atender cer-ca de 800 deficientes visuais e familiaresmensalmente representa “apenas uma go-ta num mar de dificuldades, pois existem1,5 milhão de pessoas cegas e com baixavisão em todo o Brasil, a maioria à mar-gem de cuidados especiais”. Ela tem razão,mas talvez a definição mais apropriadanão seja essa, e sim a de uma pequena se-mente em meio a uma imensa floresta.Sem dúvida, o trabalho da Laramara pro-duz frutos que permanecem dentro de ca-da uma das pessoas atendidas e que se es-palham à medida que elas vão conquis-tando seus direitos no mundo que apren-deram a enfrentar.

onde as crianças aprendem a se vestir, fazer a hig iene pessoal e arrumar as roupas

parcerias com fornecedores do Brasil e doexterior para comprar quantidades maioresdos produtos e vendê-los por um preço que odeficiente visual não encontra no comérciotradicional. Um acordo com o Instituto doCego da China permite vender telescópiosque aumentam a imagem oito vezes por 184reais, quando custam 1,5 mil reais nas lojastradicionais”, conta Pires. Nessa caso, porém,vendem apenas um equipamento para cadapessoa, desde que apresente uma receita mé-dica, para evitar que os produtos sejam nova-mente comercializados. Atualmente, a jóia dacoroa da Laratec é a máquina de escrever embraille, com componentes produzidos no Bra-sil, que começará a ser comercializada emjaneiro.A meta, diz Pires, é vender a máquinapor 1,5 mil reais, com uma redução de 30%sobre o preço dos equipamentos montados commaterial importado.

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Fotos Samuel Iavelberg

Laramara (da esquerda para a direita): Alexandre José Correia de Lima, Carlos Silva Reis, Paulo Henrique Graça e Antonieti Jorge

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m seu primeiro trabalho publica-do no Brasil, Carlos Lopes com-partilha conosco uma instigantereflexão sobre o nosso tempo e so-

bre os intrincados caminhos a serem per-corridos pelas nações na busca da felici-dade para seus povos. Seu texto é denso,elegante e direto. Sentem-se nele as marcasde uma sofisticada formação acadêmica –que o levou, há quase 25 anos, a investigaras condições do subdesenvolvimento desua Guiné-Bissau e o descompasso entre asestruturas locais e a visão dos desenvolvi-dos.Fica igualmente claro o seu compromis-so com a busca de melhores condições de vi-da para a imensa maioria de pobres quehabita o nosso planeta. O texto se beneficiaainda do olhar privilegiado de quem temvivido com intensidade a rica experiênciacomo alto funcionário do sistema NaçõesUnidas – Lopes acaba de deixar o posto deRepresentante Residente do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento(Pnud) no Brasil para assumir o de princi-pal assessor do Secretário-Geral da ONU(veja a entrevista com ele publicada emDesafios n.º 16).

O resultado desse percurso intelectuale de vida é um relato técnico e objetivo dosaspectos centrais do funcionamento dosorganismos internacionais dedicados àpromoção do desenvolvimento, e uma crí-

tica profunda de alguns dos principais pres-supostos e posturas dessas instituições.Apesar disso e da contundência com queele nos mostra as dimensões das desigual-dades no mundo contemporâneo, o que fi-ca no leitor está longe do desânimo e dadesesperança. Ao contrário, ao organizaresse relato com base no trinômio conheci-mento-desenvolvimento-liberdade, Lopessugere os caminhos a serem trilhados paraos países pobres e emergentes construíremestratégias para o seu desenvolvimento sus-tentável. E aborda as mudanças que os paí-ses ricos deveriam adotar para a constru-ção de um mundo mais justo. O conheci-mento é aqui apresentado e amplamentediscutido como desenvolvimento de ca-pacidades nos níveis individual, institu-cional e social, conceito central na literatu-ra sobre desenvolvimento e fortemente as-sociado às atividades de assistência técnicainternacional. O desenvolvimento não éapenas tratado como a busca por melhorescondições materiais de vida,mas como pré-condição necessária para que se respeite adiversidade de culturas,opiniões e escolhas,isso sim capaz de levar à felicidade.

O autor discute alguns termos do “no-vo vocabulário da assistência internacio-nal”– atribuição de poder, responsabiliza-ção, apropriação, transparência, partici-pação e outros –, assim como o papel das

Estratégias para a Redução da Pobreza,ado-tadas em 1999 pelo Banco Mundial e peloFundo Monetário Internacional (FMI).Como não poderia deixar de ser,demonstraa relevância dos Objetivos de Desenvolvi-mento do Milênio,de que é um importanteanimador, na luta contra a pobreza.

Ao tratar dos desafios atuais, Carlos Lo-pes nos apresenta uma interessante dis-cussão sobre a “fuga de cérebros” dos paí-ses menos desenvolvidos e lista mecanis-mos para reverter esse processo. E ressaltaa importância específica do desenvolvimen-to de capacidades nos países pobres e emdesenvolvimento para a negociação dosacordos de comércio internacional, comoforma de explorar todas as potencialidadespermitidas pelas regras da matéria.

Lopes incorpora a lógica e os interessesdos países doadores das instituições inter-nacionais, mas tem sempre como perspec-tiva a dos chamados países recebedores –sem, entretanto, deixar de problematizaressa condição e o papel de suas elites.Ques-tiona também a atuação e os interesses doschamados “profissionais da indústria dodesenvolvimento”. A estes – e mais aindaaos que não querem se deixar lograr poreles – interessa, sobretudo, a leitura dessainestimável contribuição para a superaçãodas desigualdades no mundo.

Luiz Henrique Proença Soares

Os caminhos da esperança

Cooperação e Desenvolvimento Humano:Agenda Emergente para o Novo MilênioCarlos LopesEditora Unesp, 2005, 212 p., R$ 28,00

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60 Desafios • dezembro de 2005

ESTANTElivros e publicações

ESTANTE17 01/12/05 14:39 Page 60

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Filosofia para líderes

os tempos atuais, muitas econo-mias em desenvolvimento têmrealizado esforços para criar umambiente favorável à entrada de

investimento direto externo (IDE). Nesseintuito, vários países esforçam-se paraavançar em reformas institucionais queaumentem a atratividade de seus merca-dos ao IDE. Dada a natureza complexa dasreformas requeridas, principalmente empaíses de dimensões continentais, comoBrasil, Rússia, Índia e China (BRIC), essasreformas tendem a progredir em veloci-dade lenta. É com base nessa constataçãoque o livro BRICs and Private Equity pre-tende mostrar a importância da utilizaçãode mecanismos e técnicas que possamtornar esses países mais atrativos ao IDEenquanto as reformas não se completam.

Os autores partem da afirmação de quea criação e a expansão da riqueza depen-dem cada vez mais das atividades eco-nômicas centradas na “economia do co-nhecimento”. Obter informações – e,sobretudo, processar quantidades enor-mes de informações e decidir em tempohábil para aproveitar as oportunidades deinvestimentos – é uma questão crucial quedetermina o sucesso ou o fracasso de em-presas e nações. Esse novo contexto daeconomia mundial representaria umaoportunidade para as economias emer-gentes, como mostra o aumento nos flu-xos de investimentos para essas economiasnas últimas décadas. Tal crescimento re-sultou, segundo os autores, da maturidadedos países desenvolvidos e da redução daassimetria da informação nos países emdesenvolvimento.

Apesar dos esforços para melhorar seuambiente de negócios, esses países aindanão alcançaram padrões institucionais ede regulação requeridos pelos investidoresinternacionais e dificilmente atacarão,num curto prazo, todos os problemas es-truturais que possuem. É em razão dessasituação que o livro propõe (e é sua idéiacentral) a utilização de mecanismos e es-truturas capazes de aumentar a atrati-

vidade desses mercados enquanto as refor-mas avançam em paralelo. Trata-se de umaproposta de adaptação das técnicas usadaspela private equity industry nos mercadosemergentes, as quais seriam capazes de mi-tigar os riscos dos investidores interessa-dos. Além de apresentar o conceito amp-lo de private equity, o livro propõe um mo-delo de implementação das técnicas foca-lizado em cinco fatores-chave: impacto daglobalização, estrutura de acordos, avalia-ção da gestão, governança corporativa egestão de conflito que podem ser utiliza-dos para os países mencionados.

O ponto alto do livro é a apresentaçãodidática das técnicas de minimização deriscos por meio da obtenção de infor-mações, assim como a associação entre osinstrumentos de investimento de longoprazo e os estágios de desenvolvimentodas corporações. No entanto, a tentativade elaborar uma lista dos fatores positivose negativos relacionados ao ambiente denegócios dos países do BRIC acrescentapouco à análise.A conclusão do livro tam-bém peca pela repetição de frases e pará-grafos e não amarra uma visão geral daproblemática tratada. No mais, é uma lei-tura interessante e representa um esforçoem tratar o elo existente entre os negócioscorporativos e a complexidade das econo-mias emergentes.

Luciana Acioly

ahatma Gandhi, o histórico lí-der pacifista indiano, disse acre-ditar que sua mensagem e seusmétodos eram válidos para to-

do o mundo. Passados mais de 50 anos deseu assassinato,o conterrâneo Keshavan Nairescreveu um livro propondo que os princí-pios de Gandhi sejam aplicados até mesmona gestão política e empresarial. Ele tentadar respostas ao velho dilema entre a buscado sucesso a qualquer preço e a preservaçãodos valores. Embora a princípio pareçautópico, o livro sabe mostrar as vantagensde manter o que Gandhi chamava de “úni-co padrão de conduta na vida pública e pri-vada”. Para o autor, líderes só despertam res-peito quando dão exemplo de conduta. E elelembra que funcionários orgulhosos de tra-balhar em uma empresa com padrões mo-rais elevados sentem-se mais motivados in-dividualmente e geram maior produtivida-de. Gandhi já havia demonstrado que o ide-alismo também podia ser prático e eficaz aoliderar centenas de milhões de pessoas con-tra um dos maiores impérios da históriamundial. A proposta é arrojada: como indi-víduo comprometido com um padrão maiselevado, o líder deve usar o poder dentro doslimites fixados por seus valores e deve estardisposto a arriscar esse poder.

Marina Nery

BRICs and Private EquityMarcos Rechtman e Bruno BritoEditora Finep, 2005, 209p., R$20,00

Gandhi: A Arte da Paz – Lições de liderançaética para o mundo empresarial e políticoKeshavan NairEditora Campus/Elsevier, 2005, 168 p., R$ 35,00

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Desaf ios • dezembro de 2005 61

Como atrair mais investimentos

ESTANTE17 01/12/05 14:41 Page 61

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62 Desafios • dezembro de 2005

Agricultura

Brincando de Deus

Cientistas da Universidade deWinsconsin conseguiram decifrar,por meio de uma proteína, como asplantas reagem à luz. A proteína,chamada fitocromo,pode ser encon-trada na maioria das espécies vege-tais, nos fungos e até em algumasbactérias.“É ela quem diz às plantasquando devem germinar para cres-cer, absorver mais luz e evitar com-petição. Ela diz quando florescer edetermina quando devem morrer ao

final de uma estação”,explica o pro-fessor Richard Vierstra, um dos au-tores do artigo, publicado na revistaNature, apresentando a descoberta.A expectativa é que o mapeamentodo fitocromo seja revolucionário pa-ra a agricultura. Quando os cientis-tas conseguirem manipular a pro-teína, eles serão capazes de criarplantas cujo crescimento, floresci-mento e morte poderão ser precisa-mente manipulados e controlados.

CIRCUITOciência&inovação

TV Digital

A Copa doMundo vem aí...

Sem se importar com o vai-e-vem de ministros da Ciência e Tec-nologia nem com as mudanças deprioridades políticas, os cientistascontinuaram trabalhando no de-senvolvimento de um padrão de te-levisão digital para o Brasil. O re-sultado é que desde o dia 15 de no-vembro está no ar o primeiro sinaldigital, transmitido de uma antenano bairro do Sumaré,em São Paulo,diretamente para um aparelho re-ceptor instalado dentro do Labora-tório de Sistemas Integráveis (LSI),da Escola Politécnica da Universi-dade de São Paulo.A determinaçãodos pesquisadores se deve, entreoutras motivações, à pressão feitapelos fabricantes de aparelhos detelevisão. Eles pretendem lançaras novas TVs digitais a tempo deaproveitar a onda de vendas quesempre acompanha as transmis-sões da Copa do Mundo.

Astronomia

Cavaleiro andante espacial

Em 2029, o asteróide 99942Apophis, de 400 metros de diâme-tro, passará a 32 mil quilômetrosda Terra. A distância parece gran-de, mas é só impressão.Trata-se damaior aproximação de um objetodesse tamanho desde que o homemcomeçou a registrar a própria his-tória. Ele passará na altura da órbi-ta dos satélites de comunicação e

poderá ser visto a olho nu. O aler-ta fez com que a Agência EspacialEuropéia acionasse a missão DomQuixote, com o objetivo de se pre-parar para destruir eventuais aste-róides que estejam em rota de co-lisão com a Terra.A idéia é simulara situação e mandar duas espaço-naves em trajetórias interplanetá-rias separadas. A primeira, cha-

mada Sancho Pança, ficará em ór-bita ao redor do objeto, enviandoinformações; e a outra, a Fidalgo,será incumbida de atingir e des-truir o alvo. Os cientistas conside-ram a queda de asteróides um dospoucos desastres naturais que po-dem ser evitados e estão trabalhan-do para garantir a segurança doplaneta.

Entre os escolhidos pela Or-ganização das Nações Unidas pa-ra a Educação, Ciência e Cultura(Unesco) para receber o prêmioKalinga 2005 está o biológo bra-sileiro Jeter Bertoletti. A conquis-ta é um reconhecimento ao seutrabalho no Museu de Ciência eTecnologia de Porto Alegre. Em1967, Bertoletti fundou o museu,que hoje é o maior do gênero naAmérica do Sul. Em 2001, ele lan-çou o Projeto Museu Itinerante, quese dividia em duas partes – umcaminhão que passeava por pe-quenas cidades do Rio Grande doSul com exposições sobre ciênciae um ônibus que transportava aspessoas para visitar o Museu deCiência e Tecnologia. A idéia foi,posteriormente, adotada por diver-sos centros de ciência e universi-dades espalhados pelo país.

A distinção é concedida àque-les que se destacam na populari-zação da ciência e teve comoagraciados vários ganhadores doPrêmio Nobel, como BertrandRussel (1950), sir Peter Medawar(1960), Nicolai G. Basov e DavidSuzuki (1964), Karl von Frisch(1973) e Konrad Lorenz (1973).

Divulgação científ ica

Em boa companhia

“Quando se aprende a examinar os dados de formacorreta, é possível explicaralguns enigmas que do contrário pareceriaminsolúveis, pois nada como o poder dos números pararemover camadas e camadas de desconhecimento e contradições.“

Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, em seubest-seller mundial Freakonomics

Divulgação

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Software livre

Made byBanco do Brasil

Em breve, uma série de aplica-tivos baseados em softwares livresestará disponível no mercado bra-sileiro.A Cobra Tecnologia,empresade tecnologia da informação doBanco do Brasil,acaba de implantarum Centro de Competência em Pla-taforma Aberta, que vai desenvolverprogramas para os segmentos deautomação bancária,governos,edu-cação e engenharia de softwares.Além dos sistemas corporativos, aCobra deve lançar em breve um pa-cote de aplicativos para escritórios,destinado a equipar o PC Cidadão,parte do programa PC Popular dogoverno federal.Para 2006,o planode negócios do Centro prevê a cria-ção de pelo menos 20 aplicativosde uso corporativo,cujas vendas de-vem gerar um volume de negóciosda ordem de 90 milhões de reais.

Ótica

Sem foco,sem problema

Uma nova câmera digital querefocaliza a foto mesmo depois dea imagem já ter sido clicada pro-mete transformar as imagens bor-radas em coisas do passado. Emuma câmera digital normal, umsensor localizado sob a lente re-gistra o nível de luz que atinge ca-da pixel em sua superfície. Se osraios de luz que atingem o sensornão estiverem em foco, a imagemirá aparecer desfocada. Entre-tanto, pesquisadores da Universi-dade de Stanford, nos Estados Uni-dos, descobriram como ajustar osraios de luz mesmo depois de elesjá terem atingido a câmera. O sis-tema poderá ser particularmenteútil para fotos de ação.

Finalmente saíram os resultados da Olimpíada deMatemática das Escolas Públicas. Dez milhões e meiode alunos participaram, vindos de mais de 31 mil esco-las espalhadas por praticamente todos os municípios dopaís. Foram distribuídas, aos vencedores, 1.110 meda-lhas de ouro, prata, bronze, certificados de menção hon-rosa e 2 mil bolsas de iniciação científica júnior doConselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).Os números impressionam, mas entre os 330 estudantesque conquistaram o ouro, um tem uma história muito es-pecial para contar. É Paulo Santos Ramos, de 16 anos,portador de artrite reumatóide. Ele não enxerga, quasenão ouve, usa cadeira de rodas e tem grande parte dosmovimentos comprometidos. Morador de Brasília, Paulocursa a 6ª série numa escola regular do Plano Piloto eparticipou da olimpíada com outros 220 alunos do colé-gio, sendo o único vencedor do grupo. Nessa entrevista,ele mostra um pouco do espírito batalhador que o levouao primeiro lugar no pódio da competição.

Com quantos anos você foi para a escola?Paulo - Comecei a estudar com 4 anos provavelmente,mas desde pequeno sou inteligente e tenho sabedoriacom tudo.

De que matérias você mais gosta?Paulo - As matérias que eu mais gosto são as que des-pertam a vontade de aprendizado, isso sim, com todacerteza, é minha matéria predileta.

Por que decidiu participar das Olimpíadas de Matemática?Paulo - Eu estudava à tarde e, quando passei para amanhã, a professora Patricia falou das olimpíadas. Daíela nos inscreveu, ou seja, se eu não tivesse passadopara o período da manhã não teria participado, pois oprofessor da tarde não quis participar das olimpíadas.

Ficou surpreso com o resultado?Paulo - Bastante, gostei muito do resultado!

Você imaginava que seria um dos vencedores?Paulo - Para falar a verdade, o que eu sempre disse foi“alguma coisa eu ganhei”. Não sabia que iria ser tan-to. Mas um pastor da minha igreja disse que eu iria ga-nhar a de ouro.

O que você gosta de fazer nas horas livres?Paulo - Mexer em meu computador. Minha mãe já brigoupor eu ficar tanto no computador. E o que eu faço é is-so: mexer em programação, pesquisar tanto pra escolacomo pra curiosidade minha mesmo, e ajudar as pes-soas no bate-papo, que eu entro na Rede Saci (site cominformações voltadas para os deficientes). Lá tem pes-soas que pedem ajuda de vez em quando. E por aí vai...o mundo da informática nunca acaba!

Já sabe que profissão vai seguir quando crescer?Paulo - Vou começar em informática e depois decidireimeu futuro!

Matemática

Espírito vencedor

Desaf ios • dezembro de 2005 63

Sergio Lima/Folha Imagem

Circuito 01/12/05 14:44 Page 63

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Lago

a

Acar

i/Pq.

Colu

mbia

Braços abertos sobre a Guanabara

Desigualdade

Renda (renda per capita - R$ de 2000)

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

64 Desafios • dezembro de 2005

Muito se fala sobre os problemas da desi-gualdade entre as nações e entre os habitantesde um mesmo país. Mas a desigualdade conse-gue persistir mesmo em espaços menores, comodentro de um município. O cálculo do Índice deDesenvolvimento Humano (IDH) para os bairrosdo Rio de Janeiro mediu a distância que separaos habitantes da Zona Sul dos da Zona Norte.

Não são só quilômetros, mas anos de estudo, me-ses de salário e até mesmo a hora de morrer. Aoembarcar nos trens rumo ao subúrbio, os mora-dores dos bairros pobres não levam consigo aqualidade de vida que desfrutam os que vivemnos bairros mais bonitos da Cidade Maravilhosa.Os números apresentados abaixo foram calcula-dos com base no Censo de 2000.

Esse termo estranho nada mais é do queuma espécie de compensação que se faz com os números para que seja possível compará-los entre si. Primeiro é importante explicar que “sazonal”vem dapalavra “sazão”, que significa “estação”(como season, em inglês). Portanto, ajustesazonal é um acerto que se faz em funçãoda variação de estação. Não é possível,por exemplo, comparar a safra de umafruta no mês da colheita com o mêsseguinte. É claro que, todo ano no mês da colheita, a produção será maior e issonão quer dizer que a agricultura andoumal no mês seguinte. É simplesmente ociclo natural dela. Então, para que sejapossível comparar esses dois meses, os economistas aplicam o ajuste sazonal,ou seja, uma fórmula que equilibra osnúmeros. O mesmo acontece se compararmos a produção de roupas em outubro com a de janeiro.Todo mundosabe que em outubro as confecções estão fabricando as peças que serão vendidas no Natal, portanto elas sempretrabalham mais nessa época. O fato deque a produção de roupas em janeiro sejamenor do que em outubro não representanenhuma crise do setor têxtil, é apenas o ritmo natural do mercado. Para que as pessoas não saiam por aí tirando conclusões erradas, existem os ajustessazonais, que adaptam os números à realidade de sua época. Outro recursomuito usado para evitar enganos é comparar um mês com o mesmo mês do ano anterior. Dezembro com dezembro,verão com verão, férias com férias.

O que é?

Ajuste sazonal

Fonte: Pnud

Bairros com renda mais alta

REPARE: a renda per capita de um morador da Lagoaé, em média, 17 vezes maior do que a de um moradorde Acari, ou seja, o primeiro ganha em um mês o queo segundo levará quase um ano e meio para obter.

Lagoa Joá, Barrada Tijuca

Ipanema Leblon Gávea

2.9552.488 2.465 2.441 2.140

Bairros com renda mais baixa

Maré Jacarezinho Complexodo Alemão

CostaBarros

Acari, Pq.Colúmbia

187178 177 175 174

Diferença entre os bairros com mais e menos renda

2.955

174

Jd. G

uana

bara

Vist

a Al

egre

/Ira

Expectativa de vida (anos de vida)

Bairros com maior expectativa de vida

Resultado

Os bairros com mais alto IDH

REPARE: a diferença de expectativa de vida entrequem nasceu em 2000 no Jardim Guanabara e quemnasceu em Vista Alegre é de 17,6 anos

Jd.Guanabara

Gávea Leblon Ipanema Botafogo,Urca

80,47 80,45 79,47 78,68 78,25

Gávea Leblon Jd.Guanabara

Ipanema Lagoa

0,970 0,967 0,963 0,962 0,959

Os bairros com mais baixo IDH

Manguinhos Maré Acari, Pq.Colúmbia

CostaBarros

Complexodo Alemão

0,726 0,722 0,720 0,713 0,711

Bairros com menor expectativa de vida

Parada deLucas

Complexodo Alemão

Acari, Pq.Colúmbia

CostaBarros

Vista Alegre,Irajá

65,35 64,79 63,93 63,93 62,81

Diferença entre os bairros com maior e menorexpectativa de vida

80,47

62,81

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Desaf ios • dezembro de 2005 65

Fonte:Transparência Internacional

Sem cura e sem perdão

Corrupção

Quando o país assiste estarrecido à série (queparece não ter fim) de denúncias de desvio de di-nheiro envolvendo empresas públicas, privadas etodas as instâncias de governo, é bom lembrar umestudo elaborado anualmente pela TransparênciaInternacional, indicando como a população enxergaa corrupção. O último relatório divulgado pela or-ganização, no começo deste ano, mostra que, mes-

mo antes da explosão da crise, os brasileiros jáconsideravam a corrupção um problema gravíssi-mo, apontavam os partidos políticos como o setormais contaminado da sociedade e, em sua maioria,não tinham esperança de que o mal fosse sanadoem um período curto. Sendo que 18,7% temiam queela aumentasse. Os dados apresentados abaixo fo-ram coletados entre setembro e dezembro de 2004.

Quem é mais rigorosoem relação à corrupção

(consideram a corrupção um grave problema)

Gênero

Homens 92,2%Mulheres 89,2%

Idade

Menos de 30 87,8%De 31 a 50 92,7%De 51 a 65 91,3%Acima de 65 95,4%

Educação

Até ensino 93,5%fundamentalEnsino básico 89,7%Universidade 91,5%ou mais

Trabalho

Trabalhador 91,6%empregadoTrabalhador 86,7%desempregadoEstudantes e 88,7%donas-de-casaAposentados 93,2%

Renda

Baixa 89,8%Média 92,0%Alta 88,5%

Os protagonistas

Part

idos

pol

ítico

s

Políc

ia

Parla

men

to

Arre

cada

ção

de im

post

os

Judi

ciário

Setores mais mencionados entre os extremamente corruptos

Setores mais mencionados entre os não-corruptos

0,653 0,627

0,541 0,5290,489

Relig

ioso

ONGs

Milit

ares

Míd

ia

Cart

ório

s

0,1970,161 0,101

0,055 0,052

A gravidade

O alcance

Como você classifica a corrupção cotidiana no Brasil? (em %) Nos próximos três anos, acorrupção no Brasil vai...

(pergunta feita em 2004)

A corrupçãoafeta muito.... ...a família 53,6% ...os negócios 61,4% ...a política 79,9%

Como você classifica a grande corrupção no Brasil? (em %)

88 11 0,8 0,2

91 8 1 0,1

CORRUPÇÃO COTIDIANA Atos de corrupção cometidos por cidadãos comuns em sua vida diária, tais como dispensar recibo em trocade desconto ou subornar o guarda de trânsito

GRANDE CORRUPÇÃO Corrupção cometida pelos governantes, pelas elites e pelas grandes empresas

Grande problema Problema Pequeno problema Não é problema

As perspectivas

...diminuir muito

0,9%

...diminuir um pouco

18,8%

...permanecer igual

35,2%

...aumentar um pouco

24,3%

...aumentar muito

18,7%

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Quero tirar uma dúvida sobreum gráfico publicado na ediçãode agosto de 2005, na seção Indi-cadores. No gráfico que comparaos salários do setor público comos do setor privado, há um co-mentário dizendo que em todosos países os salários do alto es-calão do setor privado são maisaltos dos que os do setor público.Isso acontece também no México,que paga altos salários para seusservidores?

Sandra Regina Cardoso Côrtes

São Paulo - SP

Prezada Regina, sim, tambémno México os salários pagos aosfuncionários públicos do alto esca-lão são menores do que os pagosaos colegas do setor privado. Emmédia, os servidores mexicanos re-cebem 60,8% do salário dos tra-balhadores da iniciativa privada.

Gostaria de manifestar a opi-nião da empresa Personal Bankerem relação à revista Desafios.Gostamos muito, ela é de excelentequalidade e trata de ótimos assun-tos que se correlacionam e colo-cam pontos importantes a serempensados nos dias de hoje.

Pedro Cecci Robles São Paulo - SP

As fotos dessa revista têm umatrativo especial, parabéns à equi-pe de artes.

Rosana Meire GarciaFlorianópolis - SC

É com imensa satisfação queagradecemos o recebimento darevista Desafios do Desenvolvi-mento de outubro de 2005. Infor-mamos que ela já se encontra in-corporada ao nosso conjunto deobras e em exposição para que osusuários tomem conhecimento dapublicação. Releve-nos ressaltarque doações dessa natureza muitotêm contribuído para o enriqueci-mento de nosso acervo e feito comque nossa biblioteca atenda cadavez mais aos interesses de seususuários.

Andréa Mendonça de Moura

Bibliotecária

Divinópolis - MG

Excelente a entrevista com Car-los Lopes, temas esclarecedoressão abordados, principalmente ainvasão não autorizada dos Es-tados Unidos ao Iraque. Gostariade sugerir que continuem com as-suntos interessantes, não aborda-dos na mídia diária.

Joceline AmoedoSão Paulo - SP

Muito importante a matéria“Exemplo que se multiplica”. Elamostra, entre outras coisas, queeste país tem algo de bom paraoferecer aos países desenvolvidos.É um incentivo para que aumenteo interesse das mães em amamen-tar seus filhos e doar leite aos ban-cos de leite. Parabéns, MelhoresPráticas.

Ana Carolina PaeRio de Janeiro - RJ

Gostaria de sugerir uma ma-téria sobre o que está acontecendocom o clima global, suas conse-qüências futuras e como o homempode contribuir isoladamente nes-se processo.

Reinaldo Silva JardimGoiânia - GO

Parabéns à Capes pela decisãode criar cursos mais adequados àsnecessidades do mercado. Já esta-va na hora de aproximar a univer-sidade da sociedade.

Eliakim AbreuSalvador - BA

Sou professora de Administra-ção Pública e assinante de Desa-fios.Acho-a muito útil para o meutrabalho e costumo recomendá-laaos meus alunos. Gostaria de pa-rabenizar o Ipea e o Pnud pela ini-ciativa de fazer uma publicaçãodiscutindo políticas públicas deuma forma acessível a todos osleitores. Entretanto, sinto falta dereportagens que tratem mais dosgovernos nos âmbitos estaduais emunicipais.Talvez vocês pudessemter uma seção apresentando pro-blemas enfrentados e soluções en-contradas dentro das esferas me-nores de governo. Eles tambémprecisam lidar com seus legisla-tivos, precisam adotar políticastributárias, de segurança, de edu-cação, de inclusão digital etc. Nãopretendo diminuir a importânciado governo federal na conduçãodo país, mas acho que governa-dores e prefeitos também merecemespaço nas páginas da revista.

Maria José Corrêa Rio de Janeiro - RJ

Muito interessante a reporta-gem “Cada vez mais distantes”,publicada na Desafios do De-senvolvimento de outubro de2005. É importante insistir no as-sunto, porque os efeitos da desi-gualdade estão aí para quem qui-ser vê-los. Basta lembrar das re-centes manifestações violentasocorridas na França. É o preço queos países ricos pagam por acharque podem se isolar dentro de seuslimites territoriais, com a sua pros-peridade, e deixar que o mundo defora solucione sozinho os proble-mas da fome e da pobreza. Elesnão vão conseguir resolver nada eas hordas de excluídos cruzarão asfronteiras e tentarão tomar à forçao que lhes é negado, o que lhes fazfalta. Os governos dos países de-senvolvidos precisam perceberque, caso não adotem políticasefetivas de distribuição de rique-zas,terão que investir cada vez maisem segurança e controle internos.É melhor gastar na promoção daqualidade de vida dos povos me-nos favorecidos.

Angélica GusmãoSão Paulo - SP

Gostaria de registrar minha dis-cordância em relação à excessivavalorização dada às exportaçõespelas reportagens da Desafios. Seique as vendas ao exterior são im-portantes para a entrada de divisasno país, mas muito melhor do queexportar seria ter um mercado in-terno aquecido, porque isso signi-ficaria que os brasileiros conse-guem comprar as riquezas que sãoproduzidas aqui.

José Maria PachecoSantos - SP

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

Repr

oduç

ão

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